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Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
ISNB 978-85-66056-01-3
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Anais do XI Encontro Internacional da ANPHLAC
2014 – Niterói – Rio de Janeiro
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Não obstante, era nos estados do Sul que a segregação racial chamava
mais a atenção, por ser formalizada nas próprias leis. Desde o fim da
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A NR não tinha uma linha editorial única para questões raciais, nem
tampouco o tipo de conservadorismo que ela esposava abordava o assunto de
forma específica. O que havia era uma multiplicidade de opiniões, geralmente
em reação direta aos eventos do dia, cujo elemento comum tendia a ser o da
crítica à abordagem liberal. Em outras palavras, de forma geral os diversos
colaboradores da revista opunham-se ao uso dos recursos do Estado — visto
como concentrador de poderes e com grande potencial para o autoritarismo —
para a defesa de direitos civis tais como os reivindicados pelos ativistas negros
da época. Mesmo no caso da segregação, em que, afinal, os poderes
estaduais já eram usados para manter a divisão entre raças, esse ponto de
vista antiestatista predominou. Num momento em que o mundo era dividido
entre um “mundo livre” capitalista e uma “cortina de ferro” comunista, mais de
uma vez a intervenção do governo federal em questões sociais foi vista como
um passo rumo à destruição das liberdades americanas e o consequente
favorecimento da ideologia inimiga.
Mas esse não era o único problema. Os choques entre decisões como
Brown v. Board of Education e uma população determinada a manter o seu
“modo de vida” racialmente hierarquizado apareciam com certa regularidade na
revista. Algumas vezes, eles ganhavam dimensões dramáticas, como ocorreu
na cidade de Clinton, Tennessee, em 1956, onde uma ordem judicial para
integrar a escola secundária local atraiu militantes pró-segregação à localidade,
de apenas quatro mil habitantes. O que começou com protestos e boicotes
terminou com uma revolta urbana, com carros virados e bananas de dinamite
sendo lançadas contra as casas do bairro negro. A situação chegou ao ponto
de o governador mobilizar tanto a polícia estadual quanto a Guarda Nacional
para restaurar a ordem, levando inclusive tanques de guerra às outrora
tranquilas ruas de Clinton. A violência então diminuiu, mas perduraria pelo
menos até 1958, quando, por exemplo, o pivô da briga, a Clinton High School,
sofreu um atentado a bomba.
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O “Sul Profundo” é geralmente identificado com os estados de Alabama, Mississippi,
Louisiana, Geórgia e Carolina do Sul, onde a segregação racial era mais forte.
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Por mais que tenha sido um marco, Brown v. Board of Education estava
longe de garantir aos cidadãos negros dos Estados Unidos o respeito pleno
aos seus direitos constitucionais. A mesma lógica que exigira a separação de
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raças nas escolas também limitava os direitos dos negros em uma série de
outros aspectos da vida, notadamente o exercício dos seus direitos políticos.
Esta faceta da segregação era particularmente sensível, pois garantia aos
brancos sulistas o virtual monopólio do poder nesses estados, inclusive no
Congresso, já que excluía a grande maioria dos negros de qualquer
representação efetiva. Não era de se esperar, portanto, que os próprios
políticos brancos que se beneficiavam desse sistema quisessem reformá-lo. Ao
mesmo tempo, contudo, derrubar o legado de Jim Crow, como eram chamadas
as leis segregacionistas do Sul, exigia legislação federal, que passasse por
cima das autoridades estaduais e locais dominadas por brancos
conservadores. Essa era, por exemplo, uma das reivindicações do movimento
dos direitos civis que surgiu nessa época. Acreditava-se que, por meio de leis
de alcance nacional, a plena cidadania dos negros seria alcançada com mais
rapidez do que pela tradicional estratégia da NAACP de contestar as práticas
segregacionistas a partir de casos específicos na Suprema Corte, como tinha
sido com Brown.
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O problema negro, diz ele ainda, é do tipo que “não pode ser resolvido
nem pela mais artística peça de legislação”. E explica:
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Um problema persistente?
William F. Buckley faleceu em 2008, aos 83 anos. Dois anos depois, foi
seguido por James J. Kilpatrick. Durante esse tempo, alguns posicionamentos
da era da segregação e dos direitos civis se suavizaram. Buckley, por exemplo,
veio a reconhecer, ainda que de forma um tanto lacônica, que a intervenção
federal era necessária na luta contra Jim Crow. 12 Kilpatrick, por sua vez,
acabou aceitando o fato de que a segregação era uma causa perdida e
declarou à revista Time que sua defesa desse sistema se relacionava à sua
criação nos anos 1920 e 30.13 Da mesma forma, os atuais editores, da National
Review não escondem o passado da revista nessa questão. Em resposta a um
artigo do jornalista Sam Tanenhaus que acusava o Partido Republicano de ser
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de bairros com alta população negra, entre várias outras sugestões do tipo. A
ideia geral é de que negros, em média, são mais perigosos e devem ser
evitados. E o artigo termina dizendo: “...se você é branco ou asiático e tem
filhos, você deve a eles alguma versão da conversa. Vai evitar que percam
muito tempo e tenham muitos problemas descobrindo as coisas por si mesmos.
Isso pode salvar suas vidas.”17
Ao que parece, apesar dos inegáveis avanços, a luta por relações raciais
mais harmoniosas nos EUA ainda têm um longo caminho pela frente.
*
Professor de História dos Estados Unidos do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de
Janeiro (IUPERJ/UCAM). Contato: azel79@gmail.com
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Liberal, nos EUA, tem um sentido diferente do que essa palavra apresenta na Europa e no
resto do mundo. Dito de modo conciso, a palavra denota os reformistas que seguem a tradição
do New Deal de Franklin Roosevelt, focada na proteção dos direitos individuais e, em certa
medida, sociais, por um lado, e numa economia mista, em que o capitalismo convive com um
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Estado regulador ativo. Cf. RYAN, Alan. The making of modern liberalism. Princeton University
Press, 2012. 680 p.
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Cf., por exemplo, NOWICKI, Dan. Fifty years ago, Goldwater rocked GOP
convention.Azcentral. Disponível em:
http://www.azcentral.com/story/azdc/2014/07/13/goldwater-1964-republican-convention-
anniversary/12560185; EDWARDS, Lee. Barry M. Goldwater: the most consequential loser in
American politics. Disponível em: http://www.heritage.org/research/reports/2014/07/barry-m-
goldwater-the-most-consequential-loser-in-american-politics; GOLDWATER, Barry (Senator). A
party of free men. National Review Online. Disponível em:
http://www.nationalreview.com/article/382672/party-free-men-senator-barry-goldwater. [Acesso
em: 23/8/2014.]
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Cf. CRITCHLOW, Donald T. The conservative ascendancy: how the Republican Right rose to
power in modern America. 2ª ed. rev. exp. Kansas University Press, 2011. 396 p. Também de
interesse é PERLSTEIN, Rick. Before the storm: Barry Goldwater and the unmaking of the
American consensus. Nation Books, 2007. 706 p.
4
Uma excelente narrativa desse processo de distinção pode ser encontrado no estudo clássico
de George H. Nash, The conservative intelectual movement in America since 1945,
originalmente publicado em 1976.
5
BELL, Daniel (ed.). The new American right. New York: Criterion Books, 1955. 239 p.
6
Cf. Dr. Ossian Sweet Home. Disponível em: http://detroit1701.org/SweetHome.htm. [Acesso
em: 24/8/2014.]
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Um relato detalhado dessas práticas intimidatórias contra potenciais eleitores negros pode ser
encontrada em MYRDAL, Gunnar. An American dilema: the Negro problem and American
democracy. Publicado primeiramente em 1944, até hoje é um estudo muito rico sobre a
situação geral do negro americano na primeira metade do século XX.
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HALE, Grace Elizabeth. Making whiteness: the culture of segregation in the South, 1890-1940.
Vintage, 1999, cap. 5.
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KLARMAN, Michael J. From Jim Crow to civil rights: the Supreme Court and the struggle for
racial equality. New York & Oxford: Oxford University Press, 2004.
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Pactos restritivos – prática comum em várias cidades americanas da época, pela qual o
proprietário de um imóvel podia proibir, de forma permanente e com a proteção da lei, que este
fosse vendido ou negociado com pessoas de determinado perfil, fosse étnico ou racial.
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KILPATRICK, James Jackson. Must we repeal the Constitution to give the Negro the vote?
National Review, 20/4/1965.
12
CARNEY, James. 10 questions for William F. Buckley. Time. 5 de abril de 2004. Disponível
em: http://www.time.com/time/magazine/article/0,9171,607805,00.html. [Acesso em: 17 de julho
de 2013.]
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GOLDSTEIN, Richard. James J. Kilpatrick, conservative voice in print and on TV, dies at 89. The New
York Times. 16/8/2010. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/08/17/us/17kilpatrick.html?_r=0.
[Acesso em: 28/8/2014.]
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Sam’s smear. National Review Online. 25 de março de 2013. Disponível em:
https://drupal6.nationalreview.com/nrd/articles/342411/sam-s-smear?pg=1. [Acesso em: 19 de julho de
2013.]
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Nigger, que corresponde aproximadamente a “crioulo” em português, e é considerada altamente
desrespeitosa, exceção feita ao uso por pessoas também negras com quem se tem intimidade.
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Premiação internacional de Matemática, equivalente em prestígio ao Prêmio Nobel para a área.
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DERBYSHIRE, John. The talk: non black version. Taki’s Magazine. 5 de abril de 2012. Disponível
em: http://takimag.com/article/the_talk_nonblack_version_john_derbyshire/page_2#axzz2ZvfaLbYX.
[Acesso em: 24 de julho de 2013.]
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Leis vigentes em alguns estados americanos que dão ao indivíduo o direito de usar a força para se
defender sem primeiro tentarem recuar do que percebem como uma ameaça iminente. Em outras palavras,
essas leis autorizam a força como recurso legítimo de defesa, mesmo que ela não seja usada como um
último recurso.
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HANSON, Victor Davis. Facing facts about race. National Review Online. 23/7/2013. Disponível em:
http://www.nationalreview.com/article/354122/facing-facts-about-race-victor-davis-hanson. [Acesso em:
28/8/2014.]
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