Você está na página 1de 195

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

DANILO MOURA MONTEIRO

POLÍTICAS E TÉCNICAS INDUSTRIAIS:


Aspectos da manufatura do salitre e do ferro nas capitanias de Minas Gerais e da Bahia (1779-
1812)

Guarulhos
2022
DANILO MOURA MONTEIRO

POLÍTICAS E TÉCNICAS INDUSTRIAIS:


Aspectos da manufatura do salitre e do ferro nas capitanias de Minas Gerais e da Bahia (1779-
1812)

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História da Escola da Filo-
sofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade
Federal de São Paulo, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em História.

Linha de Pesquisa: Instituições, Vida Material e


Conflitos.

Orientadora: Profa. Dra. Júnia Ferreira Furtado

Guarulhos
2022
Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos au-
torais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório Institu-
cional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer ressarcimento
dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico para fins de di-
vulgação intelectual, desde que citada a fonte.

Monteiro, Danilo Moura.

Políticas e técnicas industriais: aspectos da manufatura do salitre e do ferro


nas capitanias de Minas Gerais e da Bahia (1779-1812) / Danilo Moura Monteiro. - 2022 – 195 f.

Dissertação (Mestrado em História). – Guarulhos: Universidade Federal de São Paulo.


Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

Orientadora: Júnia Ferreira Furtado

Título em inglês: Policies and Industrial techniques: aspects of the manufacture of saltpeter
and iron in the captaincies of Minas Gerais and Bahia (1779-1812).

1. Salitre. 2. Ferro. 3. Manufaturas. 4. Brasil colônia. 5. Ciência. I. Júnia Ferreira Furtado. II. Políticas e
técnicas industriais: aspectos da manufatura do salitre e do ferro nas capitanias de Minas Gerais e da
Bahia (1779-1812).
DANILO MOURA MONTEIRO

POLÍTICAS E TÉCNICAS INDUSTRIAIS:


Aspectos da manufatura do salitre e do ferro nas capitanias de Minas Gerais e da Bahia (1779-
1812)

Dissertação de mestrado apresentada ao Programa


de Pós-Graduação em História da Escola da Filo-
sofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade
Federal de São Paulo, como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre em História.

Aprovado em: 20/12/2022

Profa. Dra. Júnia Ferreira Furtado


Universidade Federal de São Paulo
(Orientadora)

Prof. Dr. Oswaldo Munteal Filho


Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Prof. Dr. Francisco Assis de Queiroz


Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Maximiliano Mac Menz


Universidade Federal de São Paulo
(Suplente)
Para Francisco,
meu filho amado que foi gerado junto a este estudo
Agradecimentos

Desenvolver esta pesquisa durante um momento inédito sem equivalente ao qual eu já


vivenciei foi desafiador: o ano de meu ingresso à pós-graduação em nível de mestrado (2020)
foi aquele em que mundo se deparou com a pandemia da SARS COV 19, o que alterou a
normalidade do ano letivo pela qual minha turma e eu aguardávamos iniciar, naturalmente um
curso presencial, mas que, em função do isolamento necessário para conter a disseminação da
então nova doença, exigiu que estudássemos à distância. Portanto, iniciamos nossa jornada
com uma dupla frente laboriosa, qual seja, a de enfrentar uma doença cujos estudos ainda
estão em desenvolvimento no momento em que escrevo estes agradecimentos e o de nos
adaptarmos a um curso à distância.
Escrever um trabalho de nível de mestrado é um ato, como bem notaram os
pesquisadores que me antecederam, solitário. Meus colegas e eu experienciamos essa solidão
agravada por uma crise de saúde pública em escala mundial. Embora privados do contato
presencial com os pares, os encontros feitos através das plataformas virtuais foram
importantíssimos para que esta dissertação fosse construída e concluída. Portanto, agradeço à
minha turma por compartilhar das angústias por conta do isolamento em nossas casas e
também por construir bons momentos em nossas aulas que, embora muito mais impessoais,
tornaram nossa vida acadêmica mais viva e humanizada.
Uma das satisfações em desenvolver este estudo foi entrar em contato com diversos
pesquisadores e pesquisadoras, ainda que estejam distantes fisicamente. Neste ponto, reservo
minha gratidão às trocas acadêmicas mediadas pelas mensagens de e-mail com diversos
estudiosos do Brasil. Agradeço a Breno Leal Ferreira por encarecidamente enviar ao meu
endereço residencial cópia de uma tese que não está disponível nos repositórios e que foi
fundamental no desenvolvimento desta dissertação; à Crislayne Alfagali, que prontamente me
enviou seu livro para que eu pudesse concluir a atividade de uma das disciplinas que cursei; à
Márcia Helena Mendes Ferraz, pela enorme gentileza em me atender ao pedido de envio de
alguns de seus trabalhos e pelo esclarecimento de algumas dúvidas sobre química; a Fernando
Luna, pelos esclarecimentos documentais; à Hélida Conceição, por prontamente ter
encaminhado documentos importantíssimos sobre a capitania da Bahia; à Teresa Cristina Piva,
por fornecer sua tese de doutoramento que, infelizmente, ainda não se encontra nos
repositórios; à Sílvia Fernanda de Mendonça Figueirôa pelas importantes elucidações
referentes aos conhecimentos químicos do Brasil colonial e à Ilana Rocha, pelas
recomendações acadêmicas.
Reservo especial débito a Ygor Gabriel Alves de Sousa por ter gentilmente separado e
enviado uma vasta lista de documentos do Arquivo Público Mineiro que, embora
digitalizados, não estavam disponíveis nos acervos digitais. Sem sombra de dúvida, este gesto
me ajudou na escrita desta pesquisa, especialmente por estar privado das visitas presenciais
aos arquivos, em razão desses locais também estarem fechados.
Agradeço aos professores e professoras da pós-graduação em História da Universidade
Federal de São Paulo que me acompanharam durante esses três anos de curso, em especial
pelas recomendações e auxílios dados pela professora Wilma Peres Costa e Mariza de
Carvalho Soares; à Maria Luiza Ferreira de Oliveira pelo apoio ao melhoramento de meu
projeto de pesquisa e ao professor André Arruda Machado pelos esclarecimentos sobre o
passado colonial brasileiro. Sou grato também ao professor Luis Antonio Coelho Ferla que,
durante o estágio PAD, me ensinou muito mais como ser um educador transformador e que
tem o dever de ser um minucioso investigador dos progressos acadêmicos dos estudantes.
Quero agradecer à minha orientadora Júnia Ferreira Furtado por ter me amparado
durante esses três anos e pela paciência que reservou para me orientar e me acompanhar nessa
jornada de desconstruções, construções e reconstruções que é o mestrado. Sou grato pela
ampliação da visão acadêmica e pela minha formação como pesquisador graças ao suporte
que suas recomendações bibliográficas, conceituais e de escrita científica me proporcionaram.
À minha banca composta pelos professores Maximiliano Menz, Francisco Assis de
Queiroz e Oswaldo Munteal Filho pelas recomendações, especialmente em relação à
bibliografia, que foram de suma importância para a conclusão desta dissertação.
Agradeço à minha família, em especial aos meus país, Luiz e Maria Deusa, e minha
irmã, Dayane, que sempre incentivaram meus estudos e meu progresso enquanto pessoa.
Reservo especial agradecimento à Clarissa, amor e companheira da minha vida, que
tornou a escrita dessa dissertação muito menos solitária e me apoiou em todos os momentos
que precisava com seu carinho e parceria.
Gostaria de lembrar do débito que tenho junto a Paulo Fernando de Sousa Campos,
professor do período de minha graduação, pelos estímulos que recebi para me aventurar no
mestrado e por sempre acreditar em mim como pesquisador.
Não menos importante, gostaria de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior pela concessão da bolsa, por meio do Programa de Demanda Social
(DS), que foi de fundamental importância para o desenvolvimento e conclusão desta
dissertação.
Resumo

Os planos econômicos pelas quais o quadro político português lançou mão durante a segunda
metade do século XVIII foram respaldados pela ciência ilustrada, cujas premissas estavam
assentadas em gestos pragmáticos e utilitários. Partindo dessa premissa, os naturalistas luso-
brasileiros, egressos dos centros de difusão científica daquele período, corroboraram com seus
estudos, mormente nos registros memorialísticos, para assegurar as reformas da economia do
Reino. Essas transformações, portanto, foram reverberadas na América portuguesa, de modo
que a conquista dos seus recursos naturais também foram debruçadas sobre uma metodologia
científica. Nesse sentido, o salitre e o ferro entraram na ordem de conquista das riquezas da
colônia brasileira, principalmente para os intelectuais que estavam sob a influência de D.
Rodrigo de Sousa Coutinho. Para o beneficiamento dos recursos brasileiros, o processo
manufatureiro foi proposto por José Vieira Couto, José de Sá Bittencourt e Accioli e Manuel
Ferreira da Câmara Bittencourt. Assim sendo, essa dissertação objetivou investigar os
movimentos para a instalação de fábricas e manufaturas no Brasil, ainda que em aspectos
ensaísticos, para a obtenção do salitre e do ferro nas capitanias de Minas Gerais e da Bahia.
Para esta investigação, partimos de uma análise crítica amplo acervo de documentações
administrativas oficiais, quais sejam cartas, oficios, alvarás e das Memórias publicadas pelos
naturalistas citados. Entendemos que, embora em grande medida, as fábricas não tenham
saído do plano teórico, elas sugerem um momento impar na história da colônia brasileira no
sentido promover um projeto de uma indústria química e metalúrgica que estiveram em
consonância com os anseios dos atores políticos.

Palavras-chave: Salitre; Ferro; Manufaturas; Ciência; Brasil Colônia.


Abstract

The economic plans that the Portuguese political administration made use of during the
second half of the 18th century were supported by enlightened science, whose premises were
based on pragmatic and utilitarian gestures. Starting from this premise, the Luso-Brazilian
naturalists, egresses from the scientific diffusion centers of that period, corroborated with
their studies, especially in the memorialistic records, to ensure the reforms of the Kingdom's
economy. These transformations, therefore, were reverberated in Portuguese America, so that
the conquest of its natural resources was also based on a scientific methodology. Therefore,
saltpeter and iron entered the order of conquest of the riches of the Brazilian colony, mainly
for the intellectuals who were under the influence of D. Rodrigo de Sousa Coutinho. For the
benefit of Brazilian resources, the manufacturing process was proposed by José Vieira Couto,
José de Sá Bittencourt and Accioli and Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt. Hence, this
dissertation aimed to investigate the movements for the installation of factories and
manufactures in Brazil, albeit in essayistic aspects, to obtain saltpeter and iron in the
captaincies of Minas Gerais and Bahia. For this investigation, we started from a critical
analysis of a wide collection of official administrative documentation, such as letters, official
letters, permits and Memories published by the cited naturalists. We understand that, although
to a large extent, the factories did not go beyond the theoretical plan, they suggest a unique
moment in the history of the Brazilian colony in the sense of promoting a project of a
chemical and metallurgical industry that was in line with the wishes of political actors.

Keywords: Saltpeter; Iron; Manufactures; Science; Brazil Colony.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Planta, profil, fachada, e a metade do telhado da caza em q. se fabricou a polvora


na cidade da Bahia: sita ao pé do Forte de S.Pedro..................................................................38
Figura 2 – Forja Catalã..............................................................................................................40
Figura 3 - Fourneau avec chaudière cuivre, et bassin d'´évaporation in bois...........................91
Figura 4 - Fourneau avec chaudière en cuivre, et bassin d'évaporation en bois.......................93
Figura 5 - Casa da Pólvora........................................................................................................99
Figura 6 - Resumo das analyses do terreno nitroso dos Montes-Altos...................................111
Figura 7 - Forno típico de século XVI....................................................................................130
Figura 8 - Forno e sistema de sopro de uma forja catalã........................................................132
Figura 9 – Planta da forja........................................................................................................133
Figura 10 - Lessivage dês terres salpétrées.............................................................................169
Figura 11 - Carta das nitreiras do Monte Rorigo....................................................................173
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Propostas de atalhos exaradas pelos comissários designados pela Coroa portuguesa,
no ano de 1757, Para escoar o salitre dos Montes Altos.........................................................102
Tabela 2 - Custos pagos pelo transporte do salitre, nome do responsável e da sua propriedade
nos arredores dos Montes Altos1............................................................................................102
Tabela 3 - Extrato de todo o ferro e coado que entrou na Alfândega da cidade da Bahia,de
1791 a 1795, e pagou a dizima de seu valor...........................................................................118
Tabela 4 - Tipos de minas de ferro elencadas por José Vieira Couto e suas medidas.............153
LISTA DE ABREVIATURAS

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo

APM – Arquivo Público Mineiro

BNdigital – Biblioteca Nacional Digital


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................15
Capítulo 1
O ideário ilustrado em Portugal: A ciência utilitária e a questão das manufaturas entre o
fim do século XVIII e o início do século XIX........................................................................25
1.1 Os memorialistas, D. Rodrigo de Sousa Coutinho e a questão das manufaturas na
metrópole portuguesa...........................................................................................................41
1.1.1 Considerações sobre as manufaturas na metrópole portuguesa..............................49
1.2 As manufaturas na América portuguesa: políticas ilustradas, necessidades econômicas e
o alvará de 1785...................................................................................................................53

Capítulo 2
A manufatura do salitre e do ferro na capitania da Bahia: perspectiva ilustrada nos
estudos do ferro e nos projetos da indústria salitreira na América portuguesa................75
2.1 A manufatura do salitre e as reformas ilustradas............................................................77
2.2 As iniciativas para a extração do salitre na Bahia..........................................................87
2.3 A manufatura do salitre nos Montes Altos....................................................................104
2.4 Considerações sobre a Memória sobre a viagem do terreno nitroso dos Montes-Altos
............................................................................................................................................107
2.5 A manufatura química brasileira: o caso do nitrato de potássio...................................112
2.6 As pesquisas e a manufatura do ferro na Bahia............................................................114

Capítulo 3
Projetos manufatureiros para a América portuguesa: o ferro e o salitre na conquista
econômico-científica da natureza em Minas Gerais..........................................................126
3.1 A manufatura do ferro na América portuguesa.............................................................127
3.2 A metalurgia na capitania de Minas Gerais..................................................................135
3.3 Antecedentes da produção de ferro em Minas Gerais..................................................141
3.4 Como animar a produção de ferro a partir de 1780......................................................144
3.5 As propostas metalúrgicas na Memória sobre a Capitania de Minas Geraes; seu
territorio, clima e producções metálicas, de José Vieira Couto..........................................148
3.6 O projeto e a formação da Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar...........................155
3.7 As iniciativas para a extração do salitre em Minas Gerais...........................................166
3.8 Considerações relativas à Memória sobre as nitreiras naturaes e artificiaes de Monte
Rorigo.................................................................................................................................167
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................175
REFERÊNCIAS....................................................................................................................181
Fontes......................................................................................................................................181
Bibliografia.............................................................................................................................187
15

INTRODUÇÃO

O passado colonial brasileiro tem sido revisitado e reposicionado em debate pela


historiografia ao longo dos últimos anos.1 Esse ininterrupto desvelar pela qual os estudiosos e
as estudiosas da área de História aprimoram os conhecimentos de um dado momento, no caso
desta pesquisa, as últimas décadas do século XVIII e o início do século XIX, tem apresentado
aberturas para nos debruçarmos sobre panoramas que outrora foram relegados em estudos
consagrados entre os pesquisadores. Essas aberturas, entre outras, nos encaminham para
compreender dinâmicas relacionadas à vida econômica, assim como a recepção e adaptação
de conhecimentos científicos ao cotidiano na América portuguesa.
Posto isso, esta pesquisa parte da premissa crítica de que o processo manufatureiro do
final do século XVIII nos direciona a perscrutar as razões e os fundamentos que deram
abertura e garantiram a existência de uma indústria química e metalúrgica, ou, ao menos, a
intenção para o início de um processo de produção que não fosse aquele ligado ao tradicional
setor de produção de gêneros tropicais mercantilizados. A dispersão das fontes relativas às
manufaturas do período colonial, assim como as particularidades de cada capitania da
América portuguesa são exemplos de fatores de corroboram para a dificuldade dos estudiosos
em entender as razões que deram suporte à existência de setores produtivos que não os da
agricultura mercantilizada, de subsistência ou da indústria aurífera.
É possível que os primeiros movimentos dados em direção ao aprofundamento nas
considerações sobre a indústria existente no Brasil colônia seja aquela que procurou entender
o perfil da produção de subsistência, especialmente para as demandas relativas à alimentação
e ao vestuário que a princípio, não gerou excedentes de produção.2
1
Entre esses estudos que abrangem o tema aqui tratado, podemos citar os esclarecimentos prestados por Márcio
Mota Pereira em relação ao saber empregado pelo naturalista Joaquim Veloso Miranda no que diz respeito à
História Natural na capitania de Minas Gerais. Esses saberes se destacam no sentido de demonstrar a aplicação
de técnicas químicas para a produção de salitre, por exemplo. Cf. PEREIRA, Márcio Mota. Saber e honra: a
trajetória do naturalista luso-brasileiro Joaquim Veloso de Miranda e as pesquisas em História Natural na
capitania de Minas Gerais (1746-1816). 2018. 412 f. Tese (Doutorado em História) - Universidade Federal de
Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Referente à manufatura do ferro, vale citar os
avanços alcançados para o conhecimento das oficinas de manipulação do referido produto a partir de um olhar
social dos trabalhadores desses locais. Cf. ALFAGALI, Crislayne. Em casa de ferreiro pior apeiro: os artesãos
do ferro em Vila Rica e Mariana no século XVIII. 2012. 220 f. Dissertação (Mestrado em História) –
Universidade de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
2
Um dos estudos que lançou mão do tema do abastecimento das necessidades da população de Minas Gerais foi
O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII, de Mafalda P. Zemella. Cf. ZEMELLA,
Mafalda P. O Abastecimento da Capitania das Minas Gerais no Século XVIII. São Paulo: Hucitec, 1990. Ainda
nesse tema, os trabalhos de Douglas Cole Libby reforçam a hipótese de uma protoindústria que operava junto à
indústria aurífera. Cf. LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista no século
16

Foi comum abandonar a importância das manufaturas coloniais em função do alvará


proibitório de 5 de janeiro de 1785. O documento determinou a supressão das mesmas em
toda a colônia, mais especificamente, como os resultados das pesquisas vêm ponderando, as
manufaturas têxteis3, embora nem mesmo esse ramo tenha sido suprimido como um todo em
função da produção de roupas para as pessoas escravizadas.
A necessidade de produtos manufaturados se estendeu por várias ramificações,
especialmente para aqueles que geravam a necessidade de importação. Nesse caso, aqui
entram os dois objetos de estudo que propomos nos debruçar: o salitre e o ferro. O primeiro
objeto parte de uma necessidade muito mais do núcleo administrativo português que se
interiorizou para suas posses ultramarinas.4 Já o segundo é notadamente uma carestia pela
qual, especialmente a capitania de Minas Gerais, passou em relação a instrumentos que
auxiliassem o processo extrativo do ouro.
É preciso entender que as capitanias de Minas Gerais e da Bahia foram locais de
grande importância para a execução, como veremos, de um projeto manufatureiro que fora
respaldado por autoridades administrativas e intelectuais. Ambas as capitanias eram ricas em
minérios e minerais capazes de atender os ensejos gerados para a substituição das importações
e para o domínio utilitarista dos recursos naturais, sobretudo para respaldar as reformas
econômicas iniciadas na segunda metade do século XVIII.
O salitre é um dos insumos necessários à fabricação da pólvora, sendo a última uma
referência substancial na garantia das forças bélicas das nações europeias em relação às suas
fronteiras nacionais e de seus domínios, bem como um suporte para eventuais conflitos. De
fato, a conquista da América hispânica e portuguesa, assim como sua posse e manutenção aos
ibéricos esteve intrinsecamente ligado ao uso da pólvora.
Conforme os colonizadores portugueses foram notando a abundância dos depósitos
naturais de salitre, a substituição das importações foi logo pleiteada. No fim do século XVII,

XIX. São Paulo: Brasiliense, 1988.


3
O texto clássico de Fernando A. Novais sobre o alvará de 5 de janeiro de 1785 é preciso ao elucidar esse ponto.
Cf. NOVAIS, Fernando A. A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa do fim do
século XVIII. Revista de História, [s.l.], n. 142-143, pp. 213-237, 2000.
4
Vale mencionar que o salitre foi usado para outros fins que não aqueles naturais às forças bélicas. Além de seu
uso medicinal, o nitrato de potássio foi cotado como um auxiliar (já transformado, com o enxofre e carvão, na
pólvora) para a abertura dos locais mais difíceis de acesso ao ouro. No entanto, como veremos ao longo deste
trabalho, a produção salitreira, ou o projeto dela, foi controlada pelo Estado português com o fim mormente
armamentista, embora estivesse disposta diretamente no Brasil com o respaldo operacional dos naturalistas luso-
brasileiros.
17

podemos notar as primeiras movimentações para a pesquisa e instalação de fábricas de salitre


na capitania da Bahia.
O minério de ferro também era abundante, principalmente na capitania de Minas
Gerais. Os instrumentos necessários à execução da mineração eram usualmente elaborados a
partir do ferro importado, o que onerava consideravelmente sua produção. Com os depósitos
de ferro notadamente verificados, era natural aos envolvidos pensar no beneficiamento
daquele recurso.
O que pavimentou a possibilidade para a obtenção e produção em dimensões
industriais desses dois elementos no Brasil foi a movimentação gerada com a ilustração
portuguesa. Ao longo do século XVIII, Portugal adotou uma série de pressupostos oriundos
da ilustração comuns aos outros países europeus, especialmente a França. A manufatura de
alguns dos recursos necessários às reformas econômicas era uma das formas da conquista
metódica fundamentada em saberes científicos, a exemplo da construção de nitreiras
artificiais para uma produção em larga escala de salitre.
É importante lembrar a conjuntura da segunda metade do século XVIII. Portugal
passou por sérios problemas econômicos, muitos deles gerados pelo terremoto de Lisboa, a
Guerra dos Sete Anos, a queda da produção aurífera e a transposição da influência dos
mercados para países cujo processo manufatureiro ou maquinofatureiro estavam em franca
ascensão.5 Coube uma reformulação da economia e isso se deu na esteira do processo de
adoção das premissas ilustradas. Era natural, portanto, que essas reformas alcançassem o
domínio ultramarino português estabelecido na América.
A reforma da Universidade de Coimbra (1772) e a criação da Academia Real das
Ciências de Lisboa (1779) foram pontos cruciais que cristalizaram os esforços administrativos
e intelectuais no sentido de promover melhorias econômicas com o suporte de uma ciência
utilitarista e pragmática. Esses esforços foram notáveis na direção elevar um conhecimento
capaz de transformar os diversos ramos produtivos, especialmente aqueles que estavam na
ordem do dia, quais sejam os que expunham melhoras para a agricultura e da extração
aurífera.
É interessante mencionar o sincretismo das escolas econômicas e suas influências nos
círculos intelectuais ligados aos centros acadêmicos lusitanos. A Fisiocracia era notadamente

5
Cf. SAMPAIO, Antonio C. J. A economia do império português no período pombalino. In: FALCON,
Francisco; RODRIGUES, Cláudia (Org.). A “época pombalina” no mundo luso-brasileiro. Rio de Janeiro:
Editora FGV, 2015. pp. 31-58.
18

influente entre os naturalistas. Domingos Vandelli, lente em História Natural, foi um dos mais
influenciados pela Fisiocracia: um grande número de memórias foram redigidas pelo
estudioso a fim de modernizar os processos agrícolas do Reino. As ideias smithiannas e
mercantilistas também orbitavam nas propostas econômicas de outros pesquisadores do
período, apesar das últimas estivessem em abandono no período.
Todavia, a questão manufatureira também foi levada ao debate e as considerações
relativas à indústria portuguesa também ganharam contornos, como foi apontado na Memória
de Eschwege sobre o estado das fábricas de ferro da Metrópole. 6 Como parte do conjunto dos
esforços de transformação econômica do Reino, foi usual a prática da publicação das
Memórias a fim de ampliar o acesso aos resultados das pesquisas desenvolvidas pelos
naturalistas.
Essas movimentações de transformação do Reino a partir do cariz de uma ciência
marcada por uma estratégia metodológica capaz de auferir ganhos econômicos em grandes
quantidades, como afirmamos, também se projetou no Brasil. Muitos naturalistas luso-
brasileiros foram enviados para realizar viagens filosóficas a fim de pesquisar as
potencialidades das riquezas naturais brasileiras, especialmente com o objetivo de sofisticar as
práticas na agricultura e na mineração. Esses mesmos naturalistas egressos dos centros
acadêmicos portugueses também escreveram uma série de memórias que registraram as
disposições dos recursos da natureza brasileira e dos intentos que poderiam ser aplicados com
eles.
A documentação oficial trocada entre os responsáveis pelas capitanias da América
portuguesa, os naturalistas luso-brasileiros e os administradores portugueses revelam o quanto
foi intensa a movimentação para se aplicar o saber pragmático que auxiliasse nas reformas da
economia do Reino in loco. Dentro desse universo de trocas de informações e amostras dos
resultados das pesquisas empreendidas, o salitre e o ferro ganharam importante destaque.
Nesse ponto, vale realçar a postura de D. Rodrigo de Sousa Coutinho quando foi
ministro de Estado na pasta da Marinha e dos Domínios Ultramarinos (1796-1801). Homem
altamente influenciado pelas premissas ilustradas, Sousa Coutinho esteve à dianteira de uma
enorme incursão para uma nova conquista dos recursos naturais brasileiros. Destarte, Conde
de Linhares foi um grande apoiador da abertura para a aplicação de uma ciência que
6
Cf. ESCHWEGE, Guilherme B. de. Memória sobre as dificuldades das fundições, e refinação nas fábricas de
ferro, para ganhar esse metal na maior quantidade, e da melhor qualidade para os diferentes fins. In: CARDOSO,
José Luis (Dir.). Memórias econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa 1789-1815. Lisboa: Banco de
Portugal, 1991. pp. 97-101.
19

modificou, entre outros, práticas agrárias através da divulgação de publicações científicas e do


implemento de modernas práticas para melhor aproveitamento dos recursos disponíveis, a
exemplo do apoio e fomento das manufaturas que gerassem ganhos reais e imediatos para o
Reino.
Conforme mencionado, notamos que as velhas práticas do mercantilismo, entre as
quais o pacto colonial, estavam em processo de abrandamento ou mesmo de mudanças
pontuais. Entre as décadas de 1780 e 1790, o Brasil foi colocado como coparticipante do
reerguimento da economia portuguesa: além dos indispensáveis produtos dispostos na
colônia, os portugueses perceberam que as sedições com intenção de independência eram
iminentes, o que fez com que os mesmos repensassem os costumes do exclusivo comercial
dentro do circuito Portugal-Brasil. Destarte, vemos como a proposta e instalação, ainda que
protótipos, de fábricas para elaborar o salitre e o ferro oriundas desse período nos sugerem
como o processo manufatureiro reorganizou a dinâmica no pacto colonial, de forma que a
América portuguesa retomou sua autonomia em relação a alguns produtos manufaturados.7
Assim, localizamos naquela conjuntura, com anuência da Coroa portuguesa, a abertura
para aplicação e instalação de manufaturas com o auxílio dos naturalistas luso-brasileiros. No
estudo aqui proposto, notaremos como foram as movimentações que recomendaram e
proporcionaram a instalação de fábricas de salitre e do ferro nas capitanias de Minas Gerais e
da Bahia.
Estabelecemos o recorte temporal desta pesquisa entre 1779 e 1812. O ano de 1779
indica a fundação da Academia Real das Ciências de Lisboa, o que nos direciona para um
momento chave de virada para uma ampla adesão à ciência como instrumento de
transformação econômica do Reino. Já 1812 foi o ano em que D. Rodrigo de Sousa Coutinho
faleceu e as mudanças, já iniciadas em 1801 quando esse político saiu da vida pública, se
acentuaram.
Em relação ao recorte espacial, como sublinhamos nos parágrafos anteriores,
definimos as capitanias de Minas Gerais e da Bahia. O volume documental registrado para o
favorecimento da obtenção do salitre e do ferro é considerável para essas localidades, assim
como as referências escritas pelos intelectuais que estiveram na órbita de influência de D.

7
É preciso reiterar que no Brasil, tanto a produção do salitre como a do ferro tiveram uma história pregressa ao
recorte temporal desta pesquisa. Como propomos ao longo dos capítulos, algumas tentativas de fabricação do
ferro no século XVII assim como a do salitre, embora incipientes, obtiveram certa atenção por parte da Coroa
portuguesa e tiveram certa liberalidade para que indivíduos com o uso de cabedais próprios organizassem essas
empreitadas.
20

Rodrigo de Sousa Coutinho, entre os quais serão fontes para nosso estudo os registros e
experiências de José Vieira Couto, José de Sá Bittencourt e Accioli e Manuel Ferreira da
Câmara Bittencourt.
Com o objetivo de buscar o entendimento de como os naturalistas luso-brasileiros
contribuíram para o beneficiamento do salitre e do ferro a partir do fomento da instalação de
manufaturas com a referência nas práticas aplicadas em diversos centros europeus, esta
pesquisa procura analisar à luz dos debates historiográficos e sob o amparo das fontes, nesse
caso, os documentos oficiais expedidos pelas autoridades administrativas da colônia e de
Portugal, assim como as memórias redigidas pelos pesquisadores do período, como se deu a
articulação das iniciativas da Coroa portuguesa com os intelectuais para aplicação das
políticas e técnicas industriais.
Este estudo se assentou em documentação primária referente ao período colonial da
América portuguesa disponível nos arquivos digitalizados. Foram elencados os documentos
relativos ao período pretendido nos arquivos digitalizados no Arquivo Histórico Ultramarino
(AHU – Projeto Resgate) e no Arquivo Público Mineiro (APM). É importante ressaltar que a
documentação dos arquivos citados contemplou diversos formatos, sendo os mais comuns as
leis, cartas régias, alvarás e provisões. Além disso, utilizamos uma série de publicações
encontradas em periódicos que transcreveram os textos do período que aqui estudamos, sendo
eles o Auxiliador da Indústria Nacional, a Revista do Arquivo Público Mineiro e a Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
Como referencial teórico, procuramos concernir os campos de estudo capazes de dar
suporte aos problemas propostos, vale citar: qual o perfil das manufaturas propostas nas
capitanias de Minas Gerais e da Bahia para a elaboração d salitre e do ferro tendo em vista as
técnicas industriais e políticas econômicas adotadas por Portugal em fins do século XVIII e
início do século XIX? Quais foram os reflexos das pesquisas dos naturalistas para a produção
efetiva do salitre e do ferro? Para responder estas questões, partiremos de uma abordagem
orientada por dois campos de estudo: a História da Ciência e a História Econômica.
Assim sendo, em relação à História da Ciência, um grande número de trabalhos tem
sido publicados ao longo das últimas décadas, procurando desvelar a ciência empregada ao
longo do século XVIII e início do século XIX no Brasil colônia. 8 Podemos citar os trabalhos

8
Merece destaque a vultosa tese de doutoramento de Ermelinda Pataca Moutinho. Cf. PATACA, Ermelinda
Moutinho. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas (1755-1808). 2006. 698 f. Tese (Doutorado em
Geociências) – Universidade de Campinas, Instituto de Geociências.
21

de Márcia Helena Ferraz em relação à reverberação científica portuguesa em seus domínios


ultramarinos9 e Clarete Paranhos da Silva10 e suas considerações sobre as produções
científicas de José Vieira Couto na capitania de Minas Gerais. O que os resultados das
pesquisas desenvolvidas por essas estudiosas citadas é o fato de que podemos melhor
investigar como fora a aplicação da ciência no período colonial, mormente aquele do final do
século XVIII em que os pressupostos da ilustração lançaram suas bases e inaugurou no Brasil
as modernas práticas científicas que estavam sendo aplicadas na Europa, o que lança por terra
alguns dos mitos pela qual a colônia brasileira estava totalmente isolada em relação aos
saberes oriundos dos centros acadêmicos do período.
Procuramos entender quais as forças políticas e econômicas que suscitaram
determinadas abordagens científicas, no caso desse trabalho, os movimentos para abertura de
uma indústria química que suprisse as forças bélicas e a abertura para práticas sofisticadas de
metalurgia desde o reconhecimento do minério de ferro até a manufatura com fins de
produção em escala industrial. Esses processos naturalmente são estabelecidos a partir de um
processo artificial de manipulação cujos resultados apontaram como satisfatórios e que
compensavam os investimentos.
Reconhecemos esse perfil científico, sobretudo, nas Memórias redigidas pelos
naturalistas que, no caso dos brasileiros, usualmente serviram-se de teor descritivo e de gestos
pragmáticos capazes de dar cabo ao melhor beneficiamento dos objetos tratados consideradas
as particularidades da localidade em que esses estudos eram aplicados. No caso dessa
pesquisa, nos valeremos das seguintes memórias: Memória sobre a viagem do terreno nitroso
dos Montes-Altos (1799), Memória sobre as nitreiras naturaes e artificiaes de Monte Rorigo
(1803) e Memória sobre a Capitania das Minas Geraes: seu territorio, clima e producções
metalicas (1799).
A história econômica também é indispensável para compreendermos e situarmos as
condições pelas quais se deram as iniciativas em relação à manufatura do salitre e do ferro na
América portuguesa. Podemos posicionar o tema aqui proposto nas discussões quanto ao
projeto econômico português do fim do setecentos que diluiu boa parte das bases do pacto
colonial e procurou dar solução à crise que assolou os fundamentos do Antigo Regime.

9
Cf. FERRAZ, Márcia Helena M. As ciências em Portugal e no Brasil(1772-1822). O texto conflituoso da
química. São Paulo: EDUC, 1997.
10
Cf. SILVA, Clarete Paranhos da. O desvendar do grande livro da natureza: um estudo da obra do
mineralogista José Vieira Couto, 1798-1805. São Paulo, Annablume, 2002.
22

Discussões adjacentes também emergem para entendermos a posição do Brasil


enquanto reprodutor e parte integrante da formação do capitalismo industrial, ainda que,
grosso modo, um dos fatores de produção oriundos dessa transformação da natureza a partir
de técnicas industriais seja aquele da mão de obra escrava.
Esta dissertação foi divida em três capítulos. O primeiro capítulo procurou lançar mão
de um panorama sobre o processo de habilitação das ideias ilustradas com a total anuência das
autoridades administrativas portuguesas. O reflexo claro de interligação dos intelectuais e
membros do aparato político foram notoriamente arregimentados com o intuito de solver
questões chaves da economia portuguesa. Um dos pontos que notamos dentro desse processo
diz respeito à questão das manufaturas e como elas estão apresentadas dentro do projeto da
promoção da economia, especialmente para se evitar que os mercados portugueses fossem
inundados com produtos manufaturados ingleses. As manufaturas no Brasil colônia também
entram em debate a partir das tradicionais análises sobre o alvará de janeiro de 1785 e quais
os sentidos elementares que deram abertura para aplicação dos conhecimentos em relação à
produção salitreira e metalúrgica.
O segundo capítulo aborda a produção do salitre e do ferro na capitania da Bahia.
Partimos do levantamento de como foram as movimentações para a manufatura do nitrato de
potássio, de forma a privilegiar as análises sobre esse composto químico em razão das
experiências pregressas iniciadas no século XVII. Elencados esses direcionamentos iniciais na
Bahia, notamos a intensa mudança do pragmatismo em relação às intenções do
aproveitamento do salitre. Os textos redigidos por José de Sá Bittencourt e Accioli dão conta
do mapeamento pela qual fizeram sobre esse recurso e representam os esforços no sentido de
promover a manufatura do nitrato de potássio em sua forma artificial, produção essa
amparada pelo Estado português. No que diz respeito ao ferro, abordamos a preambular
experiência da companhia de Francisco Agostinho Gomes que, embora não fosse um dos
naturalistas egressos dos centros acadêmicos europeus, esteve à frente do beneficiamento
daquele minério sob a ótica da ciência ilustrada.
O terceiro capítulo trata do processo em direção ao beneficiamento do ferro e do
salitre na capitania de Minas Gerais. A manipulação do ferro nessa localidade tem seus
primeiros passos com os processos artesanais ligados às oficinas, cujos trabalhos eram
realizados a partir do uso de barras de ferro importadas na elaboração de instrumentos,
sobretudo aqueles para a mineração. Com as reformas projetadas pela ilustração que deram
23

margem à possibilidade de extração e a uma ampla produção do ferro, o concurso para a


instalação de fábricas foi apresentado como uma via com plena concordância da Coroa
portuguesa. O ponto alto dessas atividades foi a construção da Real Fábrica de Ferro de
Gaspar Soares por Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt. Além disso, observamos as
considerações e modelos propostos para elaboração tanto do ferro quanto do salitre
apresentadas por José Vieira Couto na mesma capitania.
Considerados tais pontos, as políticas e técnicas industriais aplicadas na América
portuguesa em fins dos séculos XVIII e início do século XIX nos direcionam para o
entendimento da importância dos subsídios oferecidos pelo Estado português em relação às
manufaturas como um dos meios de aplicar a ciência ilustrada e de propagar uma segunda
conquista da colônia brasileira com a participação dos intelectuais luso-brasileiros com o
objetivo de solver as questões apontadas pelas reformas necessárias ao Reino.
24
25

Capítulo 1

O ideário ilustrado em Portugal: A ciência utilitária e a questão das manufaturas entre o fim
do século XVIII e o início do século XIX

Em fins do século XVIII, especialmente durante o período do reinado de D. Maria I 11 e


da regência de D. João VI, Portugal passou por intensas transformações em suas políticas eco-
nômicas. Essas transformações eram reflexo do projeto de inserção ao pensamento ilustrado
comum às nações europeias da segunda metade do setecentos, acentuadas pelo fato da Ingla-
terra ter estabelecido parâmetros comerciais marcantes em função do seu desenvolvimento in-
dustrial.12
Em Portugal decorreu-se o que Lorelai Kury chamou de racionalização das práticas
administrativas13, na qual um dos pilares imprescindíveis para a ação política das nações euro-
peias, sobretudo as que possuíam colônias sob sua égide, foi o estabelecimento de uma com-
plexa teia de informações sobre os seus recursos naturais. Havia, diante dessa conjuntura, uma
plena consciência da importância da aplicação da ciência para a consolidação dos poderes de
Estado.
De fato, o último quartel do setecentos e o início do século dezenove assistiram, no
Reino português, à busca pragmática dos recursos naturais sustentada pela lógica científic ca-
11
A partir da elevação de D. Maria I ao trono em 1777, período que ficou marcado pelo termo de viradeira,
houve uma considerável movimentação de abandono de algumas das políticas que antecederam sua coroação, em
especial os monopólios mercantis estabelecidos no Brasil, ligadas sobretudo à figura do ministro Sebastião José
de Carvalho e Melo. Desse modo, os antigos privilégios da monarquia portuguesa foram restaurados, mas houve
também a forte continuação da circulação das ideias iluministas que penetraram no reino, ventilada mormente
pelos intelectuais portugueses e por estrangeiros assentados para lecionar nos centros acadêmicos lusos.
12
Essas transformações rumo a uma reformulação econômica podem ser notadas a partir da administração de
Pombal, conforme apontou Raymundo Faoro: “as modernizações, como modelo de desenvolvimento, assumem
um perfil definido já no século XVIII. A Rússia de Pedro, o Grande (1682-1725), se propôs, no desesperado
atraso econômico em que se encontrava, entrar em disputa com países mais adiantados, o que o obrigou a
procurar alcançá-los, a ferro e fogo. Igualmente, o descompasso de economias, nas quais uma sugava — real ou
presumidamente — a outra, levou Pombal (1775-1777), ‘reunindo corações e espíritos’, como dizia, a procurar
estancar a sangria. Era necessário reformar a monarquia e a economia: ‘A monarquia estava agonizando. Os
ingleses tinham peado esta nação e a tinham debaixo de sua pendência: eles a haviam insensivelmente
conquistado, sem ter provado dos inconvenientes das conquistas’. As reformas partiam de uma plataforma
intelectual, ideológica: antes de tudo, recuperar o pensamento científico, tolhido pela Escolástica. Uma economia
calcada sobre a burguesia comercial, cevada de estímulos e privilégios, viria a ser, no futuro, também
manufatureira, não ao modelo inglês, alvo inatingível pela modernização mercantilista, mas segundo o sistema
colbertiano. A nação seria reorganizada, com um absolutismo que não se constrangia de admitir o despotismo,
favorecendo os setores ‘privilegiados, como a nobreza e o clero, o ensino superior e tudo o que possa haver um
raio de confidencia’. Sobre esta pedra, que mal durou o tempo de um reinado, formou-se a base, nunca abalada,
de todas as modernizações brasileiras.”. FAORO, Raymundo. A questão nacional: a modernização. Estudos
Avançados, São Paulo, v, 6, n. 14, pp.7-22, 1992, pp. 9-10.
13
Cf. KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações (1780-1810).
História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 11(suplemento I0), pp. 100-129, 2004.
26

paz de impulsionar a economia e de manter o comércio em posição competitiva em relação


aos demais Estados europeus.14
Portugal sofreu a influência da ciência baconiana que se forjara no século XVI. Para
Francis Bacon, a ciência deveria ter fins práticos e não puramente servir à curiosidade huma-
na. Em outras palavras, as propostas de Bacon advogavam o pleno domínio da natureza pelos
homens a fim de ampliar um progressivo melhoramento das condições materiais.15
Assim sendo, a ciência e o ideário ilustrado foram disseminados e suas diretrizes pas-
saram a ser seguidas, notadamente aquelas ligadas ao saber utilitário, tanto na metrópole por-
tuguesa quanto nos domínios ultramarinos.16 Com os novos postulados científicos, criaram-se
metodologias para investigar o vasto depósito de recursos naturais que o Brasil apresentava
para o Reino. Deste modo, Portugal intensificou a associação do Estado, representado pelos
seus administradores diretos, com a Ciência, representada pelos intelectuais, cujas redes de sa-
ber estavam em pleno concurso.
O que é possível notar desse período foi o grande sincretismo de ideias econômicas,
quais sejam o do adaptado mercantilismo17, a do florescente Liberalismo smithiano e das pro-
14
Os administradores portugueses, anteriormente ao período aqui estudado, entendiam perfeitamente a
importância da colônia brasileira para manutenção do Reino e para a proteção de suas posses ultramarinas, como
aponta Jorge Pedreira: “a importância capital dos domínios ultramarinos para Portugal, não apenas para a
prosperidade e segurança do reino, mas para a sua própria subsistência enquanto monarquia soberana, era há
muito compreendida. Jean Bodin, ao refletir sobre os diferentes modos pelos quais um Estado podia adquirir os
fundos de que carece, indicava expressamente Portugal como o exemplo de um reino que dependia de um
Império colonial de carácter mercantil para obter os seus ingressos. O império e, de um modo mais geral, o
comércio marítimo desempenhavam um papel crucial na reunião dos recursos financeiros da Coroa portuguesa,
um papel ainda mais crucial do que o dos Impérios de todas as outras potências europeias.”. PEDREIRA, Jorge.
A economia política do sistema colonial. In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial
(1720-1821). Vol. 3. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2014, pp. 419-420.
15
Essa influência foi absorvida em boa parte da Europa, o que incluiu Portugal. Isso foi notório com a ampliação
de cursos técnicos a contratação de estrangeiros para disseminar os métodos científicos que auxiliassem a
economia portuguesa. Cf. MATOS, Ana Maria Cardoso de. Ciência, tecnologia e desenvolvimento industrial no
Portugal oitocentista: o caso dos Lanifícios do Alentejo. 1997. 599 f. Tese (Doutorado em História
Contemporânea) – Universidade de Évora.
16
Conforme observa Clarete Paranhos da Silva, “as políticas reformistas portuguesas a partir da segunda metade
do século XVIII inseriam-se dentro de uma conjuntura na qual os portugueses buscavam superar problemas e
recuperar importância e prestígio internacionais. A recuperação econômica deveria se dar por meio da exploração
racional dos recursos oferecidos pelos três reinos da natureza. Para isso, havia a necessidade de a tudo
inventariar e descrever. A produção científica articulava-se com as políticas reformistas estatais com o objetivo
de melhor conhecer para melhor aproveitar, daí a importância conferida à História Natural […].” SILVA, Clarete
Paranhos da. Garimpando memórias: as ciências mineralógicas e geológicas no Brasil na transição do século
XVIII para o XIX. 2004. 282 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade estadual de Campinas, Instituto de
Geociências, p. 22.
17
A volatilidade do conceito de mercantilismo já era sentida desde a época em que Pombal exerceu suas funções
ministeriais: “nesse sentido, a leitura do conteúdo mercantilista das iniciativas pombalinas, por exemplo, não é
conflituosa com essa atribuição de caráter ilustrado a suas reformas, uma vez que o próprio mercantilismo é um
termo volátil que dá conta de uma base de conhecimentos que foi se recompondo ao longo de três séculos e que
àquele momento incorporava uma série de autores influenciados diretamente pelas ideias ilustradas, como bem é
o caso de Johann Heinrich Gottlob von Justi e de outros nomes do cameralismo tardio no mundo germânico.”.
27

posições de outros economistas monetaristas. No entanto, a orientação comum para a aplica-


ção dessas teorias perpassava sempre pelos interesses da monarquia lusa, que tomava as deci-
sões finais para a economia.
Um dos maiores acenos do Reino português em adaptar-se à conjuntura da Europa e
burocratizar suas práticas administrativas foi a criação da Academia Real das Ciências de Lis-
boa, no ano de 1779. Nessa instituição foi reservado espaço privilegiado para se estabelecer
um saber científico fundamentado numa metodologia capaz de manipular a natureza e, através
dessa manipulação, conquistar vantagens utilitárias à economia do reino. 18 Nesse espaço, a cir-
cularidade de informações, bem como os mais variados materiais coletados na metrópole e
nos domínios ultramarinos para estudo foram intensos e prenunciaram a transformação ilus-
trada que se passara nas duas últimas décadas do século XVIII.
As Memórias Econômicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa para adianta-
mento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas (1789-1813),
publicadas sob a égide da Academia Real, representaram o esforço para o estabelecimento de
um saber memorialístico, bibliográfico e científico que procurou organizar um expediente ca-
paz de solucionar questões chaves do pensamento econômico português. 19 O destaque dos
conteúdos das Memórias Econômicas foi dado para a sofisticação da agricultura, pois boa par-
te dos textos foram redigidos com o intuito de aprimorar o setor agrícola como área funda-
mental para o desenvolvimento das demais atividades econômicas.
Domingos Vandelli, um dos sócios da Academia Real, foi um dos maiores defensores
da agricultura como parte indispensável para se desenvolver a plena riqueza de Portugal. Lon-

CARDOSO, José Luís. CUNHA, Alexandre M. Discurso econômico e política colonial no Império Luso-
brasileiro (1750-1808). Tempo, Niterói, v. 17, pp. 65-88, 2011, pp. 68-69.
18
Existiram também outros espaços cujas ideias ilustradas puderam ser colocadas sob discussão. Entre elas, é
imprescindível mencionar a Universidade de Coimbra e os Museus de História Natural.
19
Para entender o pano de fundo que dava margem à escrita das memórias, é fundamental saber que os
memorialistas ligados à Academia Real tinham por “[…] propósitos: estabelecer um inventário da natureza e dos
povos, constituir um repertório de informações científicas sobre os territórios coloniais, delimitar fronteiras e
informar sobre as potencialidades exploratórias das possessões. [...] As memórias se transformaram em
impressos, peça fundamental da cultura científica fomentada pelo governo luso.”. ABREU, Jean Luiz Neves. O
memorialismo e a produção do conhecimento sobre o território brasileiro: perspectivas para uma historiografia
das ciências. In: MATA, Sérgio Ricardo da; MOLLO, Helena Miranda; VARELLA, Flávia Florentino (Org.).
Caderno de resumos & Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do
historicismo: tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008, p. 1. Para as memórias
produzidas na América portuguesa, vale acrescentar o que Clarete Paranhos da Silva define: “o termo ‘Memória’
é aqui expressado no sentido de um registro imediato, de uma narrativa testemunhal do que é visto e é, portanto,
diferente da memória como ‘processo ou faculdade psicológica historicamente construída’.”. SILVA, Clarete
Paranhos da. Garimpando memórias: as ciências mineralógicas e geológicas no Brasil na transição do século
XVIII para o XIX. 2004. 282 f. Tese (Doutorado em História) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Geociências, p. 3.
28

ge de uma defesa de um agrarismo, mas uma identificação com a doutrina da Fisiocracia,


Vandelli e outros intelectuais entendiam que os demais setores econômicos só seriam plena-
mente ser desenvolvidos se a agricultura fosse capaz de abastecê-los. 20 Vale lembrar que, para
o naturalista italiano, as colônias ultramarinas deveriam focar suas atividades na agricultura, o
que reforçava o perfil acumulativo na produção de gêneros tropicais mercantilizados que a
conquista europeia estabeleceu no Brasil desde a chegada dos colonizadores ibéricos.21 Van-
delli foi responsável também por instruir muitos dos naturalistas que seriam responsáveis por
inventariar os domínios ultramarinos, entre os quais estavam Joaquim Veloso de Miranda.
No entanto, é necessário salientar que o pensamento econômico e científico português
não estava apenas voltado para a questão da agricultura. D. Rodrigo de Sousa Coutinho, como
veremos aprofundadamente no estudo aqui proposto, posicionou-se em defesa mais estreita do
desenvolvimento manufatureiro de Portugal, tendo em vista a preocupação com a capacidade
produtiva da Inglaterra de inundar os mercados portugueses com seus produtos manufatura-
dos. Por consequência dessa urgência industrial, D. Rodrigo apoiou o fomento da produção de
matérias-primas de boa qualidade, de forma que este estímulo gerasse um forte setor manufa-
tureiro, aliado a outros estímulos que seriam proveitosos para o desenvolvimento da indústria
portuguesa, como o pagamento de baixos salários aos trabalhadores das manufaturas.22
20
È importante lembrar da memória publicada por Vandelli que sintomaticamente se chama Memória sobre a
preferência em que Portugal se deve dar à agricultura sobre as fábricas (1789). Era usual entre os intelectuais
daquele período pensar que os produtos gerados pela agricultura seriam os responsáveis por movimentar
qualquer outra atividade econômica. Nesse sentido, uma agricultura que não fosse desenvolvida seria indicador
de fracasso para outras atividades, tais como as manufaturas e as artes no geral. Cf. CARDOSO, José L. M. O
pensamento econômico em Portugal em fins do século XVIII (1780-1808). 1988. 736 f. Tese (Doutorado em
Economia) – Instituto Superior de Economia, Universidade Técnica de Lisboa, Coimbra.
21
Aqui é necessário fazer algumas considerações. Embora Vandelli mencione em algumas de suas memórias a
importância de se manter nas colônias as diretrizes do sistema da Fisiocracia, há documentos que apresentam
uma postura de fomento da pesquisa e avaliação de possibilidades das matérias-primas disponíveis na América
portuguesa, o que deixa claro que havia por parte do estudioso outra conduta que não apenas explorar
indiscriminadamente os recursos disponíveis, ao que necessitavam passar por um processo de manufatura para
seu beneficiamento. Em carta de 1782 para Melo e Castro, Vandelli indica Antonio Ramos da Silva Nogueira
para averiguar as minas de ferro na capitania da Bahia. Segundo o naturalista, Silva Nogueira era uma pessoa
que possuía a expertise necessária para pesquisar se os minérios disponíveis eram de qualidade aproveitáveis,
“[…] se alem desse cobre virgem descoberto se podera achar maior porção, e averiguar quanto he possivel de
sua origem, e se nos montes superiores existem minas de cobre e […] ferro […] e em poucos anos poderão dar
uma circunstanciada notícia da história natural destes vastos paizes e poderão mais facilmente executar os uteis
projetos de V. Exa.”. AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 60, doc.
11460, 28 de agosto de 1782. Podemos afirmar que não se tratava apenas de um mero inventário, mas sim, com
elementos a exemplo do ferro, poderiam ser úteis para a economia do Reino a partir de sua manufatura.
22
É importante mencionar uma interessante recomendação de D. Rodrigo para com os linhos que saiam de
Portugal. De acordo com o ministro, “a verdade com que fiz chegar à presença de V. Ex a..tudo que aqui se
estabeleceu a esse respeito, não me permito que deixasse de refletir sobre alguns Manifestos para se animar as
manufaturas, em que se obrigava o mercador a ter um certo número de teares, eram só destinados a fazer uma
indústria forçada, e que não poderia sustentar-se. Persuadidos de que uma nação sem manufacturas, quando tem
a boa matéria primeira, e que o salário não é caro, não posso admitir outras providências como bem entendidas,
29

À vista disso, o desenvolvimento industrial do Reino esteve notadamente ligado aos


lentes de química oriundos da Universidade de Coimbra. A aproximação entre os saberes ge-
rados pela química e seu uso técnico em diversos ramos fabris, entre os quais a elaboração de
vidros, da cochonilha e da pólvora, foram de grande importância. Esse processo de uma quí-
mica utilitária evidenciou-se na criação de escolas politécnicas e institutos industriais, cujos
docentes dessas instituições eram os mesmos químicos.23 Diante desse cenário, vemos nova-
mente a atuação de Domingos Vandelli.
Em algumas das obras encontradas nos cinco volumes das Memórias Econômicas, os
intelectuais sustentam posições incisivas quanto ao abandono das práticas econômicas do
mercantilismo, assim como do aceno à livre iniciativa individual para a construção da riqueza
da nação como um todo, o que abriu a possibilidade dos particulares em controlar o comércio
e as manufaturas. É notável, portanto, a influência de obras do Liberalismo a exemplo da Ri-
queza das Nações, de Adam Smith.24
É importante destacar que dentro desse cenário de adoção de premissas ilustradas tam-
bém foi constituída uma rede de informações sobre a natureza física do Brasil, pois aquele do-
mínio ultramarino era a conquista portuguesa mais importante territorialmente, portadora de
uma imensa reserva depositaria dos mais ricos recursos naturais. 25 Uma nova modalidade de
investigação científica da natureza ultramarina foi inaugurada com a expedição de Alexandre
Rodrigues Ferreira, que iniciou sua viagem pelo Grão-Pará.26
Sucedeu-se que uma leva de naturalistas luso-brasileiros que estudaram na Universida-
de de Coimbra, alguns sendo sócios da Academia Real 27, foram imprescindíveis para a execu-

senão as que favorecem estes artigos, pois que todas as nações que tem florescentes manufacturas, a devem ou a
superioridade da matéria primeira que trabalham, ou ao jornal barato do manufactureiro [...]”. COUTINHO, D.
Rodrigo de Sousa. Textos políticos, econômicos e financeiros (1783-1811). Tomo I. Lisboa: Banco de Portugal,
1993, p. 12.
23
Cf. MATOS. Ana Maria Cardoso de. op. cit., 1997.
24
Segundo Cardoso, “no plano estritamente teórico, e de uma forma que não é generalizável a todos quantos
escrevem durante o período, os autores portugueses procuram assimilar os pressupostos filosóficos da obra dos
fisiocratas e de Smith que, em países diferentes e sob vestes diversas, protagoniza de forma ineludível a gênese
de um novo discurso para a ciência econômica que torna a análise da riqueza das nações distinta da análise dos
fatores de opulência dos Estados.”. CARDOSO, José L. M. op. cit. 1988, p. 135.
25
O processo de controle, ainda que de perfil mais pontual em algumas regiões do Brasil, pode ser observado
desde a época em que Marquês de Pombal foi ministro. O que diferencia dos anos seguintes à saída do ministro é
o controle menos assentado nas companhias monopolistas das potencialidades para com as matérias-primas
brasileiras. Cf. FALCON, Francisco C. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São
Paulo: Editora Ática, 1982.
26
De acordo com Lorelai Kury, “[…] os governadores e capitães-generais das diferentes capitanias tiveram papel
fundamental no exercício da nova política de conhecimento e exploração do ultramar.”. KURY, Lorelai, op. cit.,
2004, p. 112.
27
Entre eles, se destacam José Bonifácio de Andrada e Silva.
30

ção e aplicação dos saberes ilustrados, especialmente para os estudos relativos à mineralogia e
à metalurgia que vieram a ser realizados no Brasil.28 Alguns desses bacharéis formados que re-
tornaram à América portuguesa para colocar em prática sua expertise pertenciam à rede de in-
fluência de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, cujos estudos desenvolvidos nas capitanias de Mi-
nas Gerais e da Bahia reforçaram o projeto reformador da economia da qual o referido minis-
tro estava à dianteira.29
Patrocinados pela Coroa e seus representantes diretos, esses cientistas, além de proje-
tarem seus pensamentos para investigar os depósitos naturais brasileiros, pautaram seus estu-
dos pela razão iluminista, estimulados pelas leituras que levaram da Europa para o Brasil.
Kenneth Maxwell chamou esse grupo de intelectuais de a geração de 1790.30
É notável, portanto, a influência do pensamento ilustrado nos naturalistas luso-brasilei-
ros que se valeram da ciência utilitária para aproveitamento dos gêneros de interesse econômi-
cos disponíveis no Império colonial brasileiro. Vale lembrar que as chamadas viagens filosófi-
cas para pesquisar as riquezas outrora relegadas à segunda importância e que naquele momen-
to urgiam para a Coroa foram impulsionadas, sobretudo, por Dom Rodrigo de Sousa Coutinho
no período que foi ministro de Estado a frente da pasta da Marinha e dos Domínios Ultramari-
nos.
José Vieira Couto, Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt, José de Sá Bittencourt e
Accioli, Joaquim Veloso de Miranda, entre outros, colocaram à disposição de Portugal seus
conhecimentos adquiridos ao longo dos anos de estudo na Universidade de Coimbra e nos es-
tágios realizados por vários centros industriais e acadêmicos europeus. Esses estudiosos pro-
duziram importantes registros, a exemplo das memórias econômicas que continham o saber
metódico para o aproveitamento do domínio ultramarino português na América, entre elas a

28
O deslocamento de estudiosos para o mundo americano era procedimento natural, pois parte da ciência do
século das luzes se completava com o resultado das pesquisas desenvolvidas nos domínios ultramarinos,
principalmente aquelas ligadas ao período pós-pombalino. Segundo Oswaldo Munteal Filho: “viajar era preciso
e era natural para os homens do renascimento científico-cultural do chamado Grande Século. A necessidade de
que fossem trilhados caminhos para dentro e para fora de Portugal, com as mesmas finalidades e objetivos,
reside nos sentidos de explorar e conhecer.”. MUNTEAL FILHO, Oswaldo. Academia Real das Ciências de
Lisboa e o Império Colonial Ultramarino (1779-1808). In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Diálogos
oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens para o império ultramarino português. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2001, pp. 486-487.
29
Neste trabalho, destacamos os estudos de José Vieira Couto e José de Sá Bittencourt e Accioli.
30
Cf. MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a ideia do império luso-brasileiro. In:_____. Chocolate,
piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz e terra, 1999, pp. 157-207. No que se refere ao
tema dos ilustrados luso-brasileiro, faz-se obrigatório mencionar o trabalho clássico de Maria Odila Dias, cujo
título é Aspectos da ilustração no Brasil, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Cf.
DIAS, Maria Odila Leite. Aspectos da ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 278, pp. 105-170, 1968.
31

Memória sobre as nitreiras naturais e artificiais de Monte Rorigo (1803), redigida por José
Vieira Couto.
É importante mencionar que o registro dessas memórias não necessariamente estava
sob o cuidado da Academia Real das Ciências de Lisboa. Centenas de memórias foram produ-
zidas para pontuar as considerações que os intelectuais do período elencavam com o intuito de
subtrair as riquezas tanto da metrópole quanto das colônias portuguesas. Esse tipo de texto
memorialístico era uma das expressões da ilustração, bem como servia como referência cien-
tífica para localidades onde não existia uma imprensa estabelecida, tal como no Brasil antes
da chegada da Corte portuguesa.
A historiografia é farta ao tratar dos estudos referentes às obras dos naturalistas 31, à
ciência produzida na América portuguesa32 e aos aspectos da ilustração nos âmbitos palacia-
nos que nortearam as ações políticas33. No entanto, cabe nesta dissertação viabilizar a com-
preensão sobre a projeção e a replicação do que o correu no fim do século XVIII e início do
século XIX como forma de dissecar parte do processo de surgimento das bases da sofisticação
da manufatura brasileira que tinha por pano de fundo as diretrizes ilustradas aplicadas pelos
naturalistas luso-brasileiros. O que foi tratado tradicionalmente próximo a esse respeito foi o
aspecto tímido e rudimentar do que se passou ao longo do período colonial brasileiro referente
às manufaturas e fábricas. É evidente que os outros ramos econômicos que não o da produção
de gêneros tropicais e da produção auríferas foram consideravelmente de menor importância
para as atividades econômicas e comerciais praticadas no Brasil colonial.
A movimentação que os administradores portugueses e seus representantes diretos ins-
talados nos domínios ultramarinos manifestaram foi sintomática no sentido de promover uma
política e técnica industrial que suprimisse certos atrasos na economia do Reino. Promover
essa dinâmica na América portuguesa era parte da extensão da conquista colonial ancorada
num método e experimentação. As cartas trocadas entre as autoridades que governavam as ca-

31
Cf. DIAS, Maria Odila L. da S. op. cit., 1968; FILGUEIRAS, Carlos. A química de José Bonifácio. Química
Nova, São Paulo, v. 9, n. 4, pp. 263-268, 1986; KURY, Lorelai. op. cit., 2004.
32
Cf. PATACA, Ermelinda Moutinho. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas (1755-1808). 2006.
698 f. Tese (Doutorado em Geociências) – Universidade de Campinas, Instituto de Geociências; VARELA, Alex
G. Atividades Científicas na "Bela e Bárbara" Capitania de São Paulo (1796-1823). 2005. 368 f. Tese
(Doutorado em Geociências) – Universidade de Campinas, Instituo de Geociência; SILVA, Clarete Paranhos da.
op. cit., 2004.
33
Cf. FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas
setecentistas. São Paulo: Hucitec, 2006; SANTOS, Nivia Pombo C. dos. O palácio de Queluz e o mundo
ultramarino: circuitos ilustrados. Portugal, Brasil e Angola, 1796-1803. 2013. 395 f. Tese (Doutorado em
História) – Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.
32

pitanias evidenciam o pleno concurso para a realização do projeto racional e utilitário que a
classe política e intelectual almejavam.
Embora oficialmente as manufaturas estivessem proibidas na América portuguesa en-
tre 1785 e 1808, houve um claro e inquietante posicionamento dos governadores das capitani-
as e dos naturalistas luso-brasileiros, com a anuência da metrópole, em aplicar um conheci-
mento fundamentado em condições metodológicas para suprir as demandas internas de produ-
tos indispensáveis para a vivência cotidiana e para o aumento de captações para o Erário Ré-
gio, ou seja, o pleno apoio para que se erigissem fábricas que produzissem o que era necessá-
rio à colônia e ao Império português como um todo.34
O grande volume de amostras de minérios e minerais que foram enviadas para avalia-
ção na metrópole indicou que, para além de expressões pecuniárias que determinados elemen-
tos dispostos na natureza ultramarina sinalizavam aos interesses imediatos à economia do Es-
tado, o incentivo à busca e do aproveitamento de determinados produtos demonstravam-se
cruciais para a consolidação de um esforço pragmático que, daquele momento em diante, não
deveriam ser mais alicerçados em uma exploração desarranjada, mas sim numa postura de
planejamento cuja prescrição de uma linha metódica orientasse seguros resultados. O exercí-
cio e o emprego das manufaturas entraram, portanto, como peça indispensável para que se ob-
jetivasse os interesses dos portugueses e de seus representantes diretos.
Outrossim, os naturalistas luso-brasileiros exerceram algumas de suas experimenta-
ções científicas buscando a produção por meio de manufaturas, ainda que essas, por vezes,
fossem apresentadas em plano teórico, ou, em alguns casos, em caráter de protótipos. No caso
desta pesquisa, as nitreiras artificiais são um dos exemplos mais patentes de produção planeja-
da. O episódio de Joaquim Veloso de Miranda, na fazenda de Mau Cabelo, é um indicativo de
como a busca do fabrico do salitre de forma artificial passou por uma condução industrial or-
ganizada e orientada nos métodos científicos.
As descrições de Veloso evidenciam que as manufaturas eram parte da efetivação da
busca utilitária dos recursos disponíveis na natureza.35 Assim sendo, as memórias produzidas

34
Aqui vale destacar o período dos primeiros sinais de esgotamento que a mineração causou na capitania das
Minas Gerais e a busca de instrumentos que auxiliassem os mineiros a realizar atividades mais complexas de
obtenção do ouro.
35
Conforme os estudos de Márcio Mota Pereira, “segundo Veloso de Miranda, nas vizinhanças da propriedade,
naturalmente e com grande facilidade, se ‘depositava o ácido nitroso nos muros das povoações e [dos] moradores
circunvizinhos, até a distância de mais de uma légua’, e que ‘os ditos muros [eram] formados do mesmo
piçarrão, ou concreção térrea, de que são feitos os do Mau Cabelo’. Junto a tal descrição, realizada no ano de
1797, foram enviadas amostras de nitro bruto e do salitre resultante do primeiro cozimento realizado por Veloso
de Miranda em sua propriedade, visando testemunhar a riqueza das lavras, bem como a real possibilidade de seu
33

pelos memorialistas luso-brasileiros evidenciam as tentativas de se aproveitar economicamen-


te os recursos naturais aqui disponíveis, ao que Clarete Paranhos da Silva confirma:

estando conscientes da finalidade prática de seu ofício, além do trabalho científico


propriamente dito, uma das tarefas dos naturalistas que aqui trabalhavam era se deter
naqueles produtos que pudessem favorecer o crescimento do comércio, das
manufaturas e da indústria, sugerindo os meios para o seu aproveitamento. Essa
preocupação é marcante nas "Memórias" aqui estudadas. São inúmeras as sugestões
para o melhor aproveitamento do potencial mineral do Brasil. Era importante
fomentar a realização de mais "indagações filosóficas" para a descoberta de novos
minerais, diligências que deveriam ser comandadas por profundos conhecedores das
ciências mineralógicas. O emprego de animais nos trabalhos de mineração, o
barateamento do preço dos escravos, o melhor aproveitamento e barateamento do
ferro existente nos arredores das regiões mineiras, a construção de "fábricas de
ferro", o aumento do preço do ouro comprado pelo Estado e a diminuição dos
impostos que incidiam tanto sobre a produção mineral como sobre os produtos
importados pelas regiões mineiras, são temas que percorrem os textos dos
memorialistas.36

Desse modo, o intenso intercâmbio de informações na documentação gerada no Con-


selho Ultramarino, nas memórias dos naturalistas, do ostensivo inventário da natureza física
disponível na colônia e do ativo compartilhamento de amostras de elementos valiosos, tais
como o salitre e o ferro, indicaram o propósito de abandonar ou, ao menos, adaptar diversas
condutas comuns ao Antigo Regime, em especial o pacto colonial que relegava o Brasil a
mero produtor de gêneros tropicais e, mormente no século XVIII, de ouro.
O sentido do estudo aqui pretendido foi, considerando esses pressupostos, lançar um
olhar sobre as condições que deram possibilidade de existência das fábricas e das manufaturas
no Brasil colônia, lugares esses que projetavam os interesses ilustrados dos agentes do perío-
do, mesmo levando em conta o alvará publicado em 1785, observando o volume documental
oficial emitido pela administração colonial e ultramarina, assim como as memórias produzi-
das pelos naturalistas. O mundo natural das colônias abriu um desafio para os portugueses,
pois

[...] era um dos problemas fundamentais que mobilizavam o Estado português e os


seus intelectuais e, de certa maneira, atravessava todos os temas, as reuniões extraor-
dinárias e ordinárias da Academia, as experiências realizadas nos estabelecimentos

aproveitamento econômico. No ano seguinte, replicando Veloso de Miranda, Lorena informou a Dom Rodrigo de
Sousa Coutinho que ‘não há dúvida nenhuma que aqui, [na Fazenda do Mau Cabelo], se pode fabricar o salitre,
compreendendo já grande distância a terra própria para a sua extração’, e que o naturalista se ofereceu para o
cargo de ‘Diretor da fábrica, quando [esta] deva estabelecer-se’.”. PEREIRA, Márcio Mota. Saber e honra: a
trajetória do naturalista luso-brasileiro Joaquim Veloso de Miranda e as pesquisas em História Natural na
capitania de Minas Gerais (1746-1816). 2018. 412 f. Tese (doutorado em História) - Universidade Federal de
Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, p. 193.
36
SILVA, Clarete Paranhos da. op. cit., 2004, p. 229.
34

científicos, as publicações memorialísticas e projetistas e as demais formas de socia-


bilidade intelectual, deflagradas pela Academia.37

Ademais, podemos notar o quanto o Império português, durante o século XVIII, cami-
nhava em direção ao controle ostensivo de suas produções, mapeando rigorosamente seus re-
cursos e planificando o emprego de determinadas atividades, uma das explicações usualmente
utilizadas para a publicação do alvará proibindo as manufaturas têxteis no Brasil 38. Conforme
expôs Fernando A. Novais39, havia urgências de reformas que mobilizassem os lusitanos em
direção à modernização e à integração de sua colônia na América aos ditames do mercado
mundial, mas que, ao mesmo tempo, reforçava as preocupações em fazer com que o esclareci-
mento circulasse entre os colonos e desembocasse numa sublevação ou em ato de ruptura re-
volucionária.
O ideário ilustrado trouxe à América portuguesa não apenas a circularidade das pro-
postas científicas, mas também a centelha de se efetivar as manufaturas como parte funda-
mental do empreendimento com o uso pragmático dos elementos disponíveis na natureza. A
ciência, nesse caso, esteve operando junto à política, buscando a superação do mercantilismo
e dos ditames do Antigo Regime, bem como uma técnica industrial que melhor gerasse resul-
tados econômicos.
É possível compreender que os portugueses, dentro das possibilidades que estavam da-
das, tentaram construir um conjunto de ações que fossem capazes de tornar sua economia
competitiva dentro do cenário europeu. O que fica claro é que as medidas apresentadas pelos
naturalistas memorialistas refletiram a total adesão ao ideário ilustrado que eram indispensá-
veis para superar certos atrasos e fraquezas que o Reino manifestava. Em outras palavras, a
urgência de um trabalho que superasse as defasagens urgiu no império ultramarino quando a
produção aurífera declinou e exigiu novas tecnologias de prospecção. 40 Uma das veias desse
37
MUNTEAL FILHO, Oswaldo. op. cit., 2001, p. 490.
38
O tratado de Methuen celebrado entre Portugal e Inglaterra trouxe prejuízos à indústria de tecidos portuguesa.
A avançada técnica industrial inglesa pressionou a administração lusa a adotar uma postura de maior proteção
aos tecidos produzidos em Portugal.
39
Cf. NOVAIS, Fernando A. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777 – 1808). São Paulo:
Hucitec, 1983.
40
O matemático Antonio Pires da Silva Pontes Leme, por volta do ano de 1800, observou com clareza a falta que
o ferro fazia para que os trabalhos da mineração se concretizassem. Segundo Leme, “contudo os mineiros
chamados de rodas inda hoje ainda não sabem outro methodo de esgotar aquelles possos, senão com esses
engenhos q’. dependem de muito. ferro, e suposto q’. as Minas Geraes sejão quasi todas de ferro q’. que os
naturalistas nomeão por Emathytis […] com tudo não se aproveitão desta nova faculdade para os seus trabalhos
assim lançando os mineiros o ferro q’. lhes natureza mesmo com oportuna liberalidad. e , esperão pelo ferro da
Biscaia e da Suecia pa. combater oferro de suas lavras […].”. LEME, Antonio Pires da Silva Pontes. Memória
sobre a utilidade pública em se extrair o ouro das minas e os motivos dos poucos interesses que fazem os
particulares, que mineram igualmente no Brasil. Revista do Arquivo Público Mineiro. Ouro Preto, v. 1, n. 3, pp.
35

declínio da indústria aurífera era a falta de instrumentos de ferro para auxiliar na mineração.
Mesmo possuindo enormes depósitos de minério de ferro à sua disposição na capitania de Mi-
nas Gerias, os mineiros eram obrigados a importar instrumentos já manufaturados, o que sina-
lizava o pleno concurso para a criação de fábricas de ferro.
Alguns produtos manufaturados eram substanciais para que outras manufaturas fossem
capazes de existir, fato que tornava mais urgente a adoção de uma conduta que fosse compe-
tente para solucionar a falta de certos gêneros que dessem ao Estado português a força de uma
economia ativa e que gerasse receitas aos cofres Reais. Consequentemente, o salitre e o ferro 41
mostravam-se como elementos imprescindíveis para consolidar o poder do Reino português.
O salitre era parte dos insumos para a fabricação da pólvora, e esta última por sua vez é essen-
cial na construção e na manutenção dos arsenais de guerra e na exploração mineral.42
Importa lembrar que o controle do Estado português em relação ao salitre entrou na or-
dem das preocupações do final do século XVIII, em grande medida pela pólvora ser um imi-
nente instrumento de sedição na América portuguesa.43 Já o ferro, tal como mencionado nos
parágrafos anteriores, era produto obrigatório na criação de diversos utensílios, a exemplo das
enxadas e almocafres. Portugal não possuía uma larga tradição na produção de ferro, o que
suscitou ainda mais mudanças em relação à manufatura desse minério.44

417-426, 1896, p. 420.


41
Antes de seguir as considerações desta dissertação, é preciso reiterar que ambos salitre e ferro eram produtos
que, de modo geral, sempre foram produzidos no Brasil, ainda que nos primórdios da colonização fossem de
caráter extremamente rudimentar, a exemplo das forjas para atender demandas imediatas. Os instrumentos de
ferro e a pólvora, especialmente com a intensificação das descobertas de nitreiras na Bahia e em Minas Gerais
eram fundamentais para a concretização da colonização. Com a racionalização proposta pela ciência ilustrada e a
burocratização do Estado, não cabia mais uma postura na produção de produtos chave à sorte dos interesses
pontuais de alguns particulares que não possuíam as tecnicidades necessárias ao bom aproveitamento dos
recursos naturais brasileiros.
42
É imprescindível não deixar de notar que, como exigência natural do século XVIII, a pólvora impulsionava a
existência de manufaturas, especialmente aquelas ligadas à indústria bélica. Aqui vale mencionar as
considerações de Francisco Falcon: “na outra face da moeda, o Estado absolutista permaneceu sempre atrelado a
uma política de poder face aos demais Estados, o que o tornava mais e mais dependente da força militar. Esta,
por sua vez, desempenhou um papel decisivo ao exigir, para sua manutenção, a mobilização crescente dos seus
recursos disponíveis. […] Equipar, armar, vestir e alojar tais exércitos representava um esforço gigantesco para
os cofres estatais, mas também um incentivo para a produção de matérias-primas e o estabelecimento de
manufaturas por iniciativa dos empresários burgueses.”. FALCON, Francisco J. C. Despotismo esclarecido. São
Paulo: Editora Ática, 1986, p. 41.
43
A Conjuração Baiana (1798) contou com a participação de militares, o que denota que a familiaridade com uso
e a dependência da pólvora para assegurar a defesa das pautas apresentadas pelos sediciosos. Cf. VILLALTA,
Luiz Carlos. 1789-1808: O império luso-brasileiro e os Brasis. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
44
A primeira metade do século XVIII foi um período marcado pela escassa tradição da manufatura do ferro.
Conforme Alfagali, “quanto às minas de ferro, além de Portugal não ter a tradição da fabricação do metal, é
fundamental reconhecer que estamos lidando com uma política administrativa de minérios, orientada, em
primeiro momento, pelas diretrizes mercantilistas.”. ALFAGALI, Crislayne, Ferreiros e fundadores de Ilamba.
uma história social da fabricação do ferro e da Real Fábrica de Nova Oieras (Angola, segunda metade do século
XVIII). 2017. 407 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade
36

Minas Gerais é historicamente reconhecida pela enorme abundância de seus minérios


e minerais45. Ao longo do século XVIII, a então capitania de Minas Gerais viu o apogeu da
extração do ouro, minério este que desde o início da colonização era almejado pelos portugue-
ses. Conforme as leituras de Joaquim Felício dos Santos para aquela capitania, o ferro e o sali-
tre46 também mostraram-se como grandes fontes de lucro para Portugal, embora pontualmente
verificados e explorados. Especificamente sobre o ferro, Felício dos Santos reitera que:

no ano de 1799, dizia o dr. José Vieira Couto em suas Memórias sobre a capitania
de Minas Gerais: “O ferro, metal tão necessário a todas as artes, a todos os ofícios e
ainda às mesmas ciências, mais precioso que o ouro e a prata, é o que a Providência
derramou com prodigiosidade entre nós espantosa. Ele por toda a parte se nos mos-
tra, cobrindo de negro nossas estradas […]”.47

A capitania da Bahia também era alvo de grande projeção dos desejos das reformas
econômicas de Portugal, assim como de notáveis incentivos de pesquisas científicas, entre as
quais as já destacadas de José de Sá Bittencourt e Accioli sobre o salitre. Maria Beatriz Nizza
da Silva fez importantes observações a respeito da ilustração baiana e de como elementos
naturais que estavam dispostos no solo baiano passaram a ser uma das preocupações da
administração ultramarina de D. Rodrigo de Sousa Coutinho: De acordo com a autora,

pelo que se referia ao reino mineral, surgiram agora novos interesses pelo cobre,
pedra-ume, salitre, ferro, estanho e chumbo. A pergunta crucial era: havia na Bahia

Estadual de Campinas, Campinas, p. 89.


45
Nesse ponto, devemos fazer algumas considerações sobre o que é minério e mineral. De acordo com Anicleide
Zequini, “minério: é toda substância natural da qual se possa fazer a extração de algum metal (como a hematita e
a magnetita). Assim, um minério é sempre uma substância mineral. Entretanto, nem todo mineral é minério, pois
alguns minerais não permitem a extração de metais, como exemplo, pode-se citar a pirita (sulfeto de ferro), um
mineral que é aproveitado para a fabricação do ácido sulfúrico, mas que não permite a extração do metal nele
contido (o ferro). Por conseguinte a perita é um mineral útil, mas não é um minério.” e “Mineral: é uma
substância formada em resultado da interação de processos geológicos em ambientes geológicos naturais. Os
minerais variam na sua composição desde elementos químicos, em estado puro ou quase puro, e sais simples a
silicatos complexos com milhares de formas conhecidas.”. ZEQUINI, Anicleide. Arqueologia de uma fábrica de
ferro: morro de Araçoiba (séculos XVI-XVII). 2006. 223 f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Universidade de
São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia, p. 60. Nos séculos XVIII e XIX, em muitos documentos o ferro e
o salitre são apresentados ambos como minérios.
46
O salitre era, já na primeira metade do século XVIII, o mineral altamente visado pela sua abundância no Brasil
pelos portugueses. Um dos percussores do estudo do salitre na América portuguesa se deu com o engenheiro
José Fernandes Pinto Alpoim. Alpoim foi enviado ao Brasil em 1738 para promover aulas de fortificação, bem
como de proteção do território colonizado por Portugal. Vale destacar que nesse momento o ouro vultoso que as
Minas Gerais apresentava exigia proteção territorial contra invasões estrangeiras. Durante o período que esteve
no Brasil, Alpiom desenvolveu pesquisas referentes ao salitre justamente para produzir pólvora necessária aos
interesses bélicos do período. Cf. PIVA, Teresa C. C.; FILGUEIRAS, Carlos A. L. O fabrico e uso da pólvora no
Brasil colonial: o papel de Alpoim na primeira metade do século XVIII. Química nova, São Paulo, v. 31, n. 4, pp.
930-936, 2008.
47
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 1976, p. 215.
37

salitreiras naturais? Indagação básica para o fabrico da pólvora. […] O pragmatismo


econômico dominava este questionário […]. 48

É importante notar também como a história das duas capitanias se ligam a partir da
procura e do escoamento de alguns produtos, especialmente do salitre. O conhecimento dos
antigos colonizadores acumulados ao longo dos anos com a conquista dos sertões brasileiros
indica o quanto as fronteiras estabelecidas entre Minas Gerais e Bahia estavam ligadas à
potencialidade do escoamento dos recursos naturais:
A extração e o escoamento da produção do salitre mineiro para a Bahia era, já antes da
segunda metade do século XVIII, de considerável importância para a fabricação da pólvora.
Em documento do ano de 1758, José Antonio Caldas testifica o beneficiamento do salitre
mineiro e do seu processamento na fábrica de pólvora que existia na Bahia. 49 Na Figura 1, é
possível observar a estrutura da fachada desenhada por Caldas.

48
SILVA. Maria Beatriz Nizza da. A ilustração baiana. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
Rio de Janeiro, v. 446, pp. 53-65, 2010, p. 55.
49
Cf. Ibidem. Vale apontar que é possível que o salitre obtido na capitania de Minas Gerais, ainda na primeira
metade do século XVIII e que Luciano Emerich Faria comentou, era obtido, em grande medida, à revelia dos
procedimentos oficiais. Como veremos no terceiro capítulo, o salitre mineiro foi tema dos registros oficiais para
beneficiamento manufatureiro apenas na segunda metade do século XVIII.
38

Figura 1 - Planta, profil, fachada, e a metade do telhado da caza em q. se fabricou a polvora na cidade da
Bahia: sita ao pé do Forte de S.Pedro

Fonte: CALDAS, José Antonio. Biblioteca Nacional de Portugal, Coleção Iconografia, D. 259 V., 1756.

As capitanias de Minas Gerais e da Bahia identificaram-se, portanto, entre as mais


importantes na América portuguesa do último quartel do século XVIII, particularmente pelos
vultosos depósitos de salitre e ferro disponíveis. Mesmo nos casos de ensaios, protótipos e do
aspecto rudimentar de muitas das instalações de beneficiamento desses produtos, as fábricas e
as manufaturas nessas capitanias foram âmbitos de execução dos propósitos ilustrados. Ainda
que o alvará de janeiro de 1785 proibisse as manufaturas na colônia, sua abrangência se
efetivou nas têxteis.50 As demais manufaturas, pontualmente, continuaram a operar com total
apoio das autoridades administrativas, mormente na década de 1790, cujas recomendações
oficiais permitiam o beneficiamento do ferro e do salitre, embora o grosso das operações
comerciais permanecerem circunscritas ao mercado da escravidão e à produção aurífera. A
50
Segundo Fernando A. Novais, “[...] o que se proíbe são especificamente as manufaturas têxteis e não todo
gênero de indústria.” NOVAIS, Fernando A. op. cit., 1983, p. 272.
39

Figura 2 apresenta um dos métodos que até então era usado para a obtenção do ferro e que foi
aperfeiçoado em fins do século XVIII, qual seja, o método catalão.
Aqui é necessário salientar a postura de D. Rodrigo de Sousa Coutinho enquanto
esteve à frente da pasta da Marinha e dos Domínios Ultramarinos. Pelo ativo
compartilhamento de informações no Conselho Ultramarino, D. Rodrigo foi possivelmente o
maior patrocinador do desenvolvimento de manufaturas no Brasil a partir do momento em que
se tornou ministro em 1796. A comunicação entre o Conde de Linhares e alguns naturalistas
luso-brasileiros, bem como entre os governadores indica que o objetivo daquele secretário de
Estado era estimular a produção de gêneros de grande valia para Coroa, não obstante que os
resultados dessa mesma produção inicialmente fossem em grande parte alocados para a
metrópole.
Para além da força primária com o qual o desenvolvimento da agricultura apresentava-
se nos estudos dos intelectuais lusos, os naturalistas luso-brasileiros propuseram outros
recursos para elevação econômica do Império ultramarino, sendo as manufaturas do salitre e
do ferro as que ganharam notório destaque dentro do aproveitamento industrial dos tesouros
naturais no Brasil.
O que houve no Brasil entre os séculos dezoito e dezenove foi a promoção de uma
integração dentro um mercado mundial que exigia certas posturas que o Estado português,
embora o reflexo desse mesmo mercado não tivesse mudado algumas das bases elementares
que guiaram a vida econômica na colônia, em especial a total dependência da mão de obra
escrava para operar as atividades mais rendosas.
Diante desse quadro, é importante ponderar sobre o deslocamento desses agentes,
especialmente os naturalistas luso-brasileiros envolvidos nas reformas econômicas a partir de
uma mensuração específica de atuação para o aproveitamento dos minérios e minerais que
basavam as pesquisas e que interessavam aos envolvidos. Essa mensuração que nos aproxima
de uma abordagem da micro-história, nos direciona para avaliar um ponto relevante: embora
ligados a um amplo contexto, o beneficiamento do ferro e do salitre não sugerem uma
linearidade diante das transformações macro-históricas ocorridas entre 1779 e 1812.51

51
Cf. REVEL, Jacques Micro-história, macro-história: o que as variações de escala ajudam a pensar em um
mundo globalizado. Revista Brasileira de Educação, [Online], v.15, n. 45, pp.434-444, 2010.
40

Figura 2 - Forja Catalã

Fonte: SOARES e SILVA, Edmundo de Macedo. O ferro na história e na economia do Brasil.


Rio de janeiro: Biblioteca do sesquicentenário, 1972, p. 6.

Houve uma singularidade na América portuguesa ao que concerne às ideias ilustradas,


de modo que os projetos e os estudos dos naturalistas luso-brasileiros buscaram investigar um
conjunto de riquezas naturais que até então não haviam sido auferidas sob um rigoroso cariz
metodológico utilitário. Não podemos esquecer que a colonização portuguesa ganhou novos
contornos na medida em que a busca racional dos recursos disponíveis no Brasil tinha por
pano de fundo a ciência utilitária do século XVIII.
Observamos que no Brasil foi transposta o que Vandelli chamou em Portugal de
Química Técnica, que possuía como “[…] objecto a aplicação da Química física à utilidade
imediata de uma Arte em particular, propondo o modo de inventar, o perfeiçoar a mesma
Arte.”52. As manufaturas do salitre e do ferro necessitavam dos conhecimentos oriundos dessa
parte da química, como foi observado nas Memórias de Vieira Couto e José de Sá.
Pode-se notar que a América portuguesa foi palco para a execução de um projeto
manufatureiro que, no século XVIII, seguia os ditames da Ilustração e que, ao mesmo tempo,
buscava a adaptação do absolutismo e às configurações do Antigo Regime.53

52
MATOS, Ana Maria Cardoso de. op. cit., 1997, p. 45.
53
Cf. FALCON, Francisco José Calazans, op. cit., 1986. Não é possível afirmar que a monarquia portuguesa
lançava mão de um projeto que procurava amortecer uma iminente separação do Brasil. No entanto, o exemplo
que ocorrera nos Estados Unidos provocava na Europa uma crescente tensão.
41

1.1 Os memorialistas, D. Rodrigo de Sousa Coutinho e a questão das manufaturas na


metrópole portuguesa

Como parte do reformismo ilustrado português, a criação da Academia Real das


Ciências de Lisboa representou os esforços da administração lusa e dos intelectuais em dar
forma mais consistente ao projeto de nação que tinha por base o uso dos conhecimentos
científicos, de modo a marcar posição econômica diante das demais nações e para o melhor
aproveitamento dos seus recursos. Fundada em 24 de dezembro 1779, a Academia Real das
Ciências de Lisboa teve por primeiros sócios D. João Carlos de Bragança,, o abade José
Francisco Correia da Serra e Teodoro de Almeida.
Em conjunto com o Estado, os espaços de intercâmbio intelectual, entre os quais a
Academia Real, foram capazes de dar forma e estímulo ao concurso econômico pelo qual as
nações europeias daquele período passaram. De fato, a ciência do século XVIII foi a pedra
angular para a resolução dos problemas econômicos. De acordo com Oswaldo Munteal Filho,

podemos admitir que o pensamento ilustrado setecentista inovou não apenas no


plano das temáticas e na elaboração de uma nova concepção de ciência fundada num
método rigoroso e verificável, mas, sobretudo, desenhou um corpo doutrinal básico
que ampliou as possibilidades de enfrentamento de realidade a partir das
experiências dos diversos reformismos europeus e ultramarinos que viviam dilemas
distintos. Referimo-nos essencialmente a um pensamento pragmático que reuniu nos
estudos sobre a história natural e a agricultura as suas principais fontes,
especialmente em Portugal que contava com dois laboratórios: o mundo colonial das
viagens filosóficas e as experiências disseminadas pela academia. 54

Desse modo, a Academia Real nasce como um espaço no qual as resoluções,


adaptações e alguns dos embaraços naturais do Antigo Regime se dilataram, fato que era
natural do movimento que o absolutismo ilustrado do final do século dezoito demonstrou. Os
intelectuais, com o corpus documental gerado nesses centros de saber, deram alternativas e
uma sobrevida para o governo que não abriu mão de todas as características do despotismo:

podemos considerar que parte da ação administrativa lusa sinalizava tanto para a
exploração exaustiva da Natureza colonial quanto para um processo de reforma do
Estado burocrático fundado nos articuladores da política proporcionada pela
“viradeira”, que não objetivava mudar a natureza despótico-absolutista do poder em
essência. O fomentismo possibilitado pelo poder régio e o naturalismo experimental
conduzido pela Academia Real das Ciências representaram o esforço português de
estabelecer uma doutrina reformista fundada nas propostas do subgrupo naturalista-
utilitário da própria Academia.55
54
MUNTEAL FILHO, Oswaldo. Uma sinfonia para o novo mundo: a Academia Real das Ciências de Lisboa e
os caminhos da ilustração luso-brasileira na crise do Antigo sistema colonial. 1998. 585 f. Tese (Doutorado em
História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, p. 303.
55
MUNTEAL FILHO, Oswaldo. op. cit., 2001, p. 503.
42

Conforme o Plano de Estatutos da Academia Real, a origem desta instituição estava


referenciada nos Estados europeus que possuíam centros de estudos e pesquisa voltados para
o melhoramento econômico orientado pelo conhecimento científico, bem como a divulgação
desse último nos diversos campos da sociedade para sustentar os avanços nos setores vitais da
vida comercial. Conforme a abertura do estatuto:

o zelo, o amor da pátria, animado com louvor e beneplácito da Sua Majestade,


estabelece em Lisboa, à imitação de todas as nações cultas, esta Academia de
Ciências, consagrada à glória e felicidade pública, para adiantamento da instrução
nacional, perfeição das ciências e das artes e aumento da indústria popular. 56

Em outras palavras, o objetivo da fundação desse centro acadêmico era promover e


difundir o conhecimento científico em grande escala, o que exigia a conjunção tanto dos
esforços dos estudiosos e da ação política57 da administração portuguesa para que fosse
concretizado a divulgação dos saberes gerados no âmbito da Academia. Fica evidente nessa
movimentação intelectual franqueada pela monarquia portuguesa uma convergência entre os
aspectos da ilustração e das características do ancien régime, perfil esse que formava o
despotismo esclarecido, cujos aspectos que foram comuns à monarquia portuguesa, a exemplo
do catolicismo como a religião oficial do Estado, permaneceram na estrutura das reformas.58
Havia correntes de conceitos econômicos que circularam em Portugal nas últimas
décadas do século XVIII e isso é notável nas produções textuais geradas pela Academia Real.
Os elementos teóricos do mercantilismo indicavam desgaste, o que gerou debates em torno

56
Plano de Estatutos em que convierão os primeiros sócios da Academia de Sciencias de Lisboa com beneplácito
de Sua Magestade. In: RIBEIRO, José Silvestre. Historia dos estabelecimentos scientificos litterarios e artisticos
de Portugal nos successsivos reinados da monarchia, tomo II. Lisboa: Academia Real das Sciências, 1872, p. 39.
Vale lembrar que “indústria” tem o sentido de toda atividade que manipula e transforma a natureza.
57
Aqui se faz necessário abrir parênteses. Os termos absolutismo ilustrado, despotismo ilustrado ou mesmo
despotismo esclarecido não pode ser confundido com Ilustração política que, conforme Francisco Falcon, “[…]
esta, sim, verdadeira herdeira política do Iluminismo, apropriada pelas correntes políticas e ideológicas do século
XIX – liberalismo, democratismo, socialismo – e viva ainda em pleno século XX. Acrescente-se que foi
precisamente contra concepções racionalistas e universalistas típicas da Ilustração política que se produziu, já no
final do século XVIII, a teoria romântica do Estado, calcada nas ideias de nação, povo, tradição e história.”. Cf.
FALCON, Francisco J. C. op. cit., 1986, p. 14.
58
Nesse sentido, as observações feitas por Breno Leal Ferreira são importantes: “para se referir a essa renovação,
a historiografia consagrou o termo ‘Iluminismo Católico’. Como mostrou Plongeron, o conceito foi inicialmente
introduzido na historiografia germânica, que questionava a tendência de se enquadrar o Iluminismo
exclusivamente como um fenômeno francês, ou no máximo um fenômeno estendido à Inglaterra ou à Alemanha.
Pretendia-se romper com a oposição entre ‘modernidade’ e ‘catolicismo’, ou religiões em geral, permitindo-se a
compreensão do pensamento desenvolvido em países católicos e nas áreas coloniais também com ilustrados.”.
FERREIRA, Breno Ferraz Leal. A economia da natureza: a história natural, entre a teologia natural e a economia
política (Portugal e Brasil 1750-1822). 2016. 233 f. Tese (Doutorado em História) – Faculdade de Filosofia.
Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, p. 23.
43

das premissas do capitalismo mercantil ativo naquele momento.59 Como indicamos em tópico
anterior, a influência maior que notamos foi o da Fisiocracia, escola que pressupunha a
agricultura como primeiro motor de toda vida econômica e social. Havia também, em certa
medida, a influência do Liberalismo econômico smithiano, embora apenas alguns conceitos
pontuais apresentaram alguma influência, a exemplo do resguardo das liberdades individuais
como guia para o desenvolvimento econômico e do apelo ao menor controle do Estado nas
atividades comerciais. Vale lembrar que, dentro dessa conjuntura que mesclava teorias
econômicas, existiam os partidários de que a proteção da indústria portuguesa, especialmente
aquela de escopo colbertista, era uma delonga da era mercantilista, o que prejudicava o
assentamento das premissas ilustradas.60
O pano de fundo que dava limites a margem na execução desses conceitos econômicos
era a monarquia e seus privilégios. O fato é que uma série de problemas pontuais marcavam o
desenvolvimento do pensamento econômico português, a exemplo da superação da proteção
alfandegária que entrava em choque com os interesses produtivos lusos em relação aos
produtos manufaturados ingleses. Assim, diante desse cenário particular movidos pela disputa
dos interesses particulares, estamentais e do Estado gerido pela monarquia portuguesa, a
circulação e a ventilação de diversas correntes econômicas confluíram e geraram um ethos
característico que permitia a sobrevivência de Portugal dentro do mercado que estava se
mundializando naquele momento.
As Memórias Econômicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa para
adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em Portugal e suas conquistas (1789-
1813) constituem os registros publicados sob os cuidados da Academia Real com a intenção
de disseminar os parâmetros científicos que os intelectuais julgavam mais importantes para
orientar a nação.61 As Memórias Econômicas contribuem, sobretudo, como o próprio nome
indica, para a formação bibliográfica de um saber que fosse capaz de instruir e melhorar a
economia de Portugal.62
59
Conforme a proposição de Cardoso e Cunha, “não obstante, o que precisa ser apreendido aqui é que o próprio
mercantilismo é um espaço de recombinações e entrecruzamento de influências nessa segunda metade do século
XVIII, e são essas recombinações que começam a haver no período pombalino e inspiram um ambiente de
reformas que estamos aqui a perseguir.”. CARDOSO, José Luís; CUNHA, Alexandre M. op. cit., 2011, p. 75.
60
Cf. CARDOSO, José Luis. op. cit., 1988.
61
A Academia Real também foi responsável pela publicação de outros volumes investigativos, entre eles,
Memórias de Agricultura Premiada, Memórias de Literatura Portuguesa, história e Memória, História
Portuguesa, Coleção dos Principais Autores Portugueses.
62
É necessário lembrar que esse conhecimento construído na Academia Real das Ciências de Lisboa ficou, em
grande medida, fechado aos círculos das elites. Como boa parte dos sócios envolvidos na Academia eram
advindos dos extratos sociais mais ricos, era natural que os estudos gerados contribuíssem para o fortalecimento
44

De acordo com os estudos de José Luis Cardoso 63, as Memórias Econômicas estavam
voltadas especialmente para o melhoramento da agricultura portuguesa e de seus domínios
ultramarinos e da consolidação da História Natural. Seguindo a tabulação proposta por
Cardoso em sua tese de doutorado64, as memórias podem ser classificadas em sete grupos,
sendo o primeiro composto por memórias físico-químicas aplicadas; memórias botânicas e
agronômicas aplicadas; memórias descritivas dos recursos naturais e atividades produtivas
de âmbito particular; memórias descritivas dos recursos naturais e atividades produtivas de
âmbito geral; memórias sobre a situação e o fomento da agricultura ; memórias sobre
problemas e mecanismos econômicos e memórias sobre reforma e assistência social. A
considerável variedade de temas das memórias indica, portanto, o quanto a expertise dos
autores era diversa e que, apesar da forte presença de textos cujo conteúdo era ligado à
História Natural e à agricultura, tópicos que estavam na ordem, tais como a questão da
assistência social ou mesmo as questões referentes às manufaturas.
A partir de uma visão ampliada, é possível notar que os intelectuais e suas respectivas
memórias trabalhavam para criar uma ligação entre os pressupostos de uma economia que
necessitava passar por uma reformulação regulando-se por um sistema científico que
orientasse um pleno reconhecimento da natureza. Portanto, a História Natural se aliava ao
ecletismo teórico econômico65 em que se destacava a Fisiocracia, tornando-se a base para a
instrumentalização das ações do Estado.
Para as questões relativas à agricultura e à História Natural, destacam-se as memórias
escritas por Domingos Vandelli. No texto intitulado Memória sobre as produções naturais do
reino e das conquistas, primeiras matérias de diferentes fábricas ou manufaturas, Vandelli
apresenta o argumento que valoriza aquilo que ele chama de “[…] mais necessárias de todas
as fábricas […] chama agricultura [...]”,66 o que torna patente a adoção das teses da
Fisiocracia que exerciam força nos âmbitos acadêmicos daquele período.

desses grupos. Cf. MATOS, Ana Maria Cardoso de. op. cit., 1997.
63
Cf. CARDOSO, José Luis. op. cit., 1988.
64
Ibidem. É possível mencionar também a organização e divisão das Memórias Econômicas que estão na
introdução da edição dirigida por Cardoso. Cf. CARDOSO, José Luís. Memórias Econômicas da Academia Real
das Ciências de Lisboa para adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas
conquistas (1789-1815). Tomo I. Lisboa: Banco de Portugal, 1990.
65
Para Oswaldo Munteal Filho, havia no período aqui estudado uma plena sobrevida do mercantilismo. Cf.
MUNTEAL FILHO, Oswaldo. op. cit., 1998. No entanto, como já notamos, existiram diversas influências
teórico-econômicas em Portugal. Para José Luis Cardoso, a Fisiocracia se sobressaia às demais correntes, mas o
Liberalismo era também influente em alguns pontos, a exemplo das liberdades individuais para o amplo
concurso econômico. Cf. CARDOSO, José Luis. op. cit. 1988.
66
CARDOSO, José Luís. op. cit. 1990, p. 169.
45

Em outro texto, o título67 que Vandelli dá ao mesmo determina sem qualquer dúvida a
sua firme defesa do pressuposto de que antes de qualquer operação industrial ou
manufatureira, a natureza é a fornecedora de todos os recursos primordiais para que sejam
posteriormente transformados, modificados ou purificados. Conforme o autor: “querer fazer
independentes entre si a agricultura e a indústria é um paradoxo, porém querer entre nós
antepor a indústria à agricultura, é outro mais pernicioso ainda.”.68
Sem embrago, é preciso lembrar que boa parte do incentivo às manufaturas na
metrópole foi crescente especialmente durante a época pombalina. Como elemento das
características do mercantilismo que buscavam manter a balança comercial favorável, era
lugar comum o estímulo da indústria portuguesa que atendesse ao consumo popular e não
apenas de artigos de luxo:

a política do fomento industrial, com bases manufatureiras, teve como ponto de


partida uma nova crise na capacidade de importar que forçou a tomada de
providência no sentido de realizar a substituição daquelas importações mais
necessárias ao consumo de um maior número de pessoas. Logo, não foi pelos artigos
de luxo que se tentou começar, embora tais produtos aparecessem nos requerimentos
dos empresários desejos de fabricar alguns deles no país mediante amplos
privilégios. Esses incentivos às “artes”, além de conjuntural, era também
doutrinário, pois representava um dos mais sólidos instrumentos do arsenal
mercantilista, para assegurar uma balança comercial favorável [...].69

Por conseguinte, as reformas promovidas por Marquês de Pombal foram notadas a


partir da década de 1770, a medida em que a indústria portuguesa tomou fôlego e uma
complexa teia de dependência em relação às matérias-primas oriundas dos domínios
coloniais. Como sintetizou Maximiliano M. Menz,

ultrapassada a década de 1770, começaram a dar resultados as transformações


institucionais pombalinas: foi incentivada a produção manufatureira na metrópole e
diversificada a economia da colônia, marcando também a retomada das atividades
na produção do açúcar e de outros produtos coloniais tradicionais. Destaque-se ainda
o crescimento das exportações da região amazônica. Houve novamente uma
mudança na estrutura econômica do Império e a recuperação nas remessas aos
particulares da década de 1790, referida por Rita Martins de Souza, pode ser reflexo
de um aumento da velocidade de circulação das moedas no interior do próprio
Império português. O crescimento nos preços dos produtos coloniais foi decisivo,
mas arrisco a dizer que na década de 1790 o centro dinâmico não era apenas a
agricultura de exportação, mas um complexo econômico que unia as atividades
manufatureiras na metrópole à agricultura do litoral do Brasil, particularmente na
produção do algodão.70

67
Cf. VANDELLI, Domingos. Memória sobre a preferência que em Portugal se deve dar à agricultura sobre as
fábricas. In: CARDOSO, José Luís. op. cit., 1990, pp.185-193.
68
Ibidem, p. 186.
69
FALCON, Francisco J. C. op. cit., 1982, p. 464.
46

A princípio, os intelectuais portugueses ligados à ilustração pretendiam fomentar a


indústria na metrópole a despeito de seus domínios ultramarinos, mas os grandes depósitos
naturais das colônias também foram objeto de profunda reflexão, mormente porque, nesse
quesito, o campo mais rico em matéria-prima era aquele encontrado no Império colonial e,
para bem aproveitá-los, seria necessário perpassar pelo processo manufatureiro diretamente
em suas localidades de origem. O próprio Vandelli foi um dos entusiastas pela geração de um
amplo inventário das riquezas naturais na América portuguesa, orientando os naturalistas
luso-brasileiros para que se erigisse uma taxonomia qualificada dos elementos da botânica e
do mundo dos minerais.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho, autor do Discurso sobre a verdadeira influência dos
metais preciosos na indústria das nações que as possuem, e especialmente a portuguesa,
publicado nas Memórias Econômicas71 apresentou argumentos que mostram sua preocupação
com a indústria, mesmo não descartando por completo a importância das minas de ouro para
uma nação. Neste breve texto, o político português defendeu que a economia teria uma
balança desfavorável se o ouro substituísse todos os produtos da indústria. A consequência da
queda aurífera não prejudicaria um país que mantivesse sua indústria independente.
É sintomático notar esse argumento no discurso de D. Rodrigo, pois fica clara que sua
defesa das manufaturas tanto em Portugal quanto em seus domínios ultramarinos foi
ostensiva.72 Era evidente que o Conde de Linhares temia que os mercados portugueses fossem
inundados com produtos manufaturados da Inglaterra, o que evidentemente acentuaria o
atraso econômico português no cenário europeu.
De modo geral, D. Rodrigo de Sousa Coutinho manteve parte das posturas
mercantilistas em relação às possessões ultramarinas de Portugal.73 Entretanto, quando esteve
70
MENZ, Maximiliano Mac. Reflexões sobre duas crises econômicas no Império Português (1688 e 1770). Varia
História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, pp.35-54, 2013, p. 48.
71
Cf. COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa. Discurso sobre a verdadeira influência dos metais preciosos na
indústria das nações que as possuem, e especialmente a portuguesa. In: CARDOSO, José Luís. op. cit., 1990, pp.
179-183.
72
Na Memória sobre o melhoramento dos domínios de sua majestade na América, publicado entre 1797 e 1798,
D. Rodrigo apresentou argumentos favoráveis ao estabelecimento de manufaturas nos domínios ultramarinos
quando afirmou: “não seria contrário ao sistema de províncias com que luminosamente se consideram os
domínios ultramarinos que neles se estabeleçam manufaturas, [...]”. COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa. op. cit.,
1993, p. 54.
73
Seguindo o raciocínio da nota referencial anterior, D. Rodrigo entende as regiões ultramarinas como parte do
Império português espalhado no mundo. As relações econômicas deveriam ser verticalizadas da metrópole para
os seus domínios, o que de certa forma reitera a continuidade das características do pacto colonial. Conforme
Cardoso e Cunha: “Coutinho não rompe com o modelo mercantilista tradicional sobre o papel das colônias nos
impérios europeus. Apoiado por uma doutrina bem elaborada sobre a unidade política do território português no
estrangeiro, ele estava, porém, pronto a admitir, uma vez que os ‘domínios de Sua Majestade na Europa não
formam senão a capital e o centro das suas vastas possessões’, que a cada uma das províncias da monarquia,
47

à frente de pastas ministeriais a partir de 1796, D. Rodrigo entendeu que o Estado necessitava
gerar receitas e as operações das manufaturas eram parte desse processo. Não bastava
entender o Império atlântico como um mero exportador de matérias-primas, mas sim, como
parte desse mecanismo que fortaleceria o Erário Régio.
Parte do ideário econômico de Sousa Coutinho esteve voltado para a questão dos
incentivos fiscais da entrada de produtos na colônia, entre os quais o ferro chegou a ser um
dos beneficiados. Provavelmente a substituição das importações foi uma das inquietações para
o ministro. O salitre, por exemplo, tornou-se uma grande meta para superação das
importações no Reino.74 O ministro português via nas riquezas naturais América portuguesa
uma grande oportunidade de como a substituição das exportações poderia ser aplicada, pois
seus recursos apontavam para a possibilidade de fornecimento de inúmeros produtos
manufaturados.
Em relação ao salitre, podemos citar de passagem o projeto manufatureiro que, embora
a historiografia não tenha desvelado com profundidade, D. Rodrigo esteve envolvido dentro
da metrópole. Magnus Pereira fez apontamentos sobre esse tema:

afora as experiências em pequena escala conduzidas por Feijó e Veloso, o ministro


promoveu em Lisboa uma tentativa relativamente bem-sucedida de produção de
salitre em maior escala. Manoel Jacinto Nogueira da Gama foi responsável por ela e
deixou um extenso relato sobre essa vertente reinol da proposta de Souza Coutinho.
Em 1803, o matemático e naturalista mineiro publicou, pela Impressão Régia, um
pequeno livro em que relata seu envolvimento pessoal no processo. A obra foi fruto
de uma apresentação pública, feita no ano anterior, na Sociedade Real Marítima,
Militar e Geográfica. Essa instituição foi criada por Souza Coutinho, tendo entre
suas figuras-chave Marino Miguel Franzini e José Bonifácio de Andrade e Silva. O
livro de Nogueira da Gama passou em branco para a maior parte da historiografia
brasileira sobre o tema devido a uma peculiaridade: o opúsculo não trata do Brasil,
mas de Portugal. Muitas informações pertinentes foram deixadas de lado devido a
esse recorte nacional anacrônico frequentemente adotado pelos historiadores
brasileiros.75

espalhadas por diferentes continentes, deveriam ser dados identidade e status. Isso era particularmente verdade
para o caso do Brasil no século XVIII, uma vez que se fazia autoevidente sua importância econômica para o
império. Já quanto à unidade econômica do império.”. CARDOSO, José L; CUNHA, Alexandre M. op. cit.,
2011, p. 83.
74
De acordo com Magnus Pereira, “como dito anteriormente, as políticas de d. Rodrigo não foram exatamente
‘coloniais’. Suas atividades referentes à produção de salitre tiveram início assim que assumiu a pasta do
Ultramar. Afora as experiências em pequena escala conduzidas por Feijó e Veloso, o ministro promoveu em
Lisboa uma tentativa relativamente bem-sucedida de produção de salitre em maior escala. Manoel Jacinto
Nogueira da Gama foi responsável por ela e deixou um extenso relato sobre essa vertente reinol da proposta de
Souza Coutinho.”. PEREIRA, Magnus R. M. D. Rodrigo e frei Mariano: A política portuguesa de produção de
salitre na virada do século XVIII para o XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, pp. 498-526, 2014, p. 514.
75
Ibidem. A memória citada por Magnus Pereira foi intitulada Memoria sobre a absoluta necessidade que ha de
Nitreiras nacionaes para a independencia e defensa dos Estados: com a descripção da origem, actual estado, e
vantagens da Real Nitreira Artificial de Braço de Prata. Cf. GAMA, Manoel Jacinto Nogueira da. Memoria
sobre a absoluta necessidade que ha de Nitreiras nacionaes para a independencia e defensa dos Estados: com a
48

O prisma com que D. Rodrigo via o domínio ultramarino estabelecido na América


superava alguns pontos do que usualmente foi aplicado no Brasil com o pacto colonial. Não
se tratava mais de uma política indiferente cuja perspectiva era um lucro imprevisível e a
dispensa do controle dos colonos e seus representantes diretos nas capitanias, mas de trazer o
Império colonial para o jogo da empresa que o mesmo ministro pretendia abrir com o extenso
mapeamento e pela rede de informações, interesses que estavam na pauta do projeto
reformista da economia portuguesa, na qual era um dos entusiastas. Mesmo que os fomentos
fossem tímidos, havia a perspectiva de pautar uma economia racionalizada que Coutinho tinha
idealizado desde que foi enviado plenipotenciário à Turim.
É preciso, neste ponto, mencionar a postura de Martinho de Melo e Castro quando
esteve à frente da mesma pasta e colocá-la em contraste com as políticas que se seguiram,
sobretudo ao que se refere às atitudes para com a colônia brasileira. Conforme Virgínia
Valadares, o ministério de Melo e Castro foi marcado pelo abandono e indiferença do que
ocorria nas capitanias brasileiras, especialmente em Minas Gerais que intensificava o seu
desgaste da busca aurífera no final do século XVIII.76
Tendo por parâmetro a ilustração que guiou sua formação política e intelectual, Conde
de Linhares seguiu a orientação das possíveis vantagens econômicas que gerassem ganhos
para o Erário português, o que fica evidente em uma de suas abertas defesas ao crédito
público para defesa da indústria e das manufaturas:

se o atual sistema geral é indispensável para a defesa e conservação dos Estados,


também o mesmo pode ser útil para a favorecer a agricultura, artes e comércio, pois
que pelo seu meio podem se achar todos os recursos necessários, seja para construir
estradas e canais, seja para erigir fábricas e máquinas, seja para sustentar aqueles
estabelecimentos que servem de base à circulação …. 77

Permanece explicita a tomada à dianteira em relação aos problemas das manufaturas


do Reino como um todo, diferentemente da postura adotada por Melo e Castro referente aos
descripção da origem, actual estado, e vantagens da Real Nitreira Artificial de Braço de Prata. Lisboa: Impressão
Régia, 1803.
76
De acordo com a autora, “na verdade, o ministro manteve, por mais de uma década, o que chamo neste estudo,
de diálogo de ‘surdo’ e sua inação fomentou, consequentemente, a exorbitância tributária, as injunções de
jurisdição, a violência, a corrupção, o contrabando, enfim, o caos político-econômico.” VALADARES, Virgínia.
A sombra do poder: Martinho de Melo e Castro e a administração da Capitania de Minas Gerais (1770-1795).
São Paulo: Hucitec, 2006, pp. 207-208. No entanto, é importante dizer que, embora existisse por parte de
Martinho de Melo e Castro essa postura de pouco cuidado com a situação colonial, o mesmo ministro entendia
que sem a América portuguesa, o Reino estava fadado ao fracasso, especialmente em relação ao projeto pleiteado
para a reestruturação da economia portuguesa. Esse fato era uma unanimidade entre os administradores lusos.
Cf. PEDREIRA, Jorge. op. cit., 2014.
77
COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa. op. cit., 1993, pp. 284-285.
49

problemas econômicos que urgiam para a administração pública. A substituição da importação


do ferro e do salitre apareceram como parte elementar das políticas econômicas. Em outras
palavras, a questão manufatureira tornou-se acentuadamente um assunto de contornos
políticos.
A vida pública de D. Rodrigo ficou marcada pelo intenso movimento em favor da
ilustração como forma de elevar o reino em direção a melhores condições enquanto Estado
soberano. Quando era enviado plenipotenciário em Turim, D. Rodrigo deu claro endosso para
que se realizassem as chamadas viagens filosóficas, entre as quais se fariam estudos
minuciosos para aproveitar em Portugal as vantagens dos conhecimentos elencados pelos
estudiosos. Manuel Ferreira da Camara Bittencourt e José Bonifácio de Andrada e Silva
cumpriram essas indicações propostas.78

1.1.1 Considerações sobre as manufaturas na metrópole portuguesa

Outros importantes estudos, para além das Memórias Econômicas, da situação


econômica de Portugal escritos por pesquisadores que viveram durante o último quartel do
século XVIII e nos anos iniciais do século XIX, sublinharam e reforçaram a preferência que
os portugueses deveriam dar à agricultura. Joaquim José Rodrigues de Brito apontou que a
indústria, setor que abrangia diversas artes e manufaturas que transformavam a natureza,
deveria ser fomentada apenas quando a agricultura e o comércio estivessem plenamente
estabelecidos respectivamente, de modo que esses setores completassem suas necessidades
mutuamente. Ainda assim, Rodrigues de Brito é categórico ao afirmar que

igualmente nós nunca podemos figurar uma nação, mesmo meio bárbara, que não
tenha tido mais ou menos indústria; porque todas têm ofícios, e profissões, em que
os homens se ocupam, já na agricultura, e no comércio, já na estrutura das casas e no

78
Como aponta Júnia Ferreira Furtado, “durante nove anos, os brasileiros José Bonifácio de Andrada e Silva
(1763-1828), Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt (1762-1835) e o português Joaquim Pedro Fragoso (-1833)
tiveram aulas com os mais conceituados mestres e fizeram visitas técnicas e estágios práticos nos principais
centros mineradores da Europa, depois passaram por Paris, onde permaneceram por cerca de um ano e
frequentaram cursos de Mineralogia e Química, e por Freiburg, entre 1792 e 1794, onde completaram cursos de
mineralogia, Metalurgia e Geologia, este último com Gottlob Werner (1749-1817), os três foram excursionar por
diversas localidades europeias, onde a exploração mineral era intensa – viagens de investigação, aprendizado e
intercâmbio intelectual, visitando as principais minas europeias.”. FURTADO, Júnia Ferreira. Ciência,
diplomacia e viagem: Dom Rodrigo de Souza Coutinho e o tour mineralógico dos savants luso-brasileiros José
Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt em Turim. In: MOTA, Isabel Ferreira da;
SPANTIGATI, Carla Enrica (Org.). Tanto ella assume novitate al fianco: Lisboa, Turim e o intercâmbio cultural
do século das luzes à Europa pós-napoleónica. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019, p. 145.
50

vestuário dos habitantes, cura de enfermos, e progressos de uma tática mais ou


menos perfeita.79

Rodrigues de Brito propôs em suas Memórias Políticas argumentos que efetivamente


contemplam as teorias da Fisiocracia e do Liberalismo smithiano. O fato é que o conteúdo da
obra de Rodrigues de Brito é um exemplo de como foram urgentes as questões relativas ao
Antigo Regime e de como o pacto colonial necessitava de uma ressignificação. Nesse ponto,
sua obra procurou resolver essas questões, bem como intentou estabelecer um parâmetro para
o exercício da economia política portuguesa.80
Manoel Jacinto Rebelo apresentou argumentos em favor do pleno estabelecimento da
agricultura, ainda que considerasse obrigação do reino estar atento às suas produções locais
para que, em momentos de escassez, Portugal não dependesse exclusivamente de produtos
importados. Para Rebelo,

um destes exercícios sem o outro, nos objetos de primeira necessidade, não poderia
permanecer muito em um Estado e mesmo fazer vantajosos progressos, porque o
comércio exterior sujeito a muitas contingências, não pode alcançar sempre com
prontidão tudo o que é mais necessário e se não há de casa alguma parte do que falta
para dar lugar ao efeito útil de sua diligência, será forçoso sujeitar-se á lei da
necessidade e impossível negociar com proveito, além do que, o trabalho dos
artífices ajuda e suscita o dos lavradores, assim como o destes dá a matéria, e
sustenta ao do artífice.81

Jacinto Rebelo é mais próximo às proposições da Academial Real, de modo que suas
ideias estão mais concatenadas dentro de um fio teórico pragmático pelo qual sua proposta
econômica serviria como projeto em conjunto aos ritos das Memórias Econômicas como viés
de ação política das autoridades.
Destarte, os tratados propostos por Rodrigues de Brito e Jacinto Rebelo sinalizavam
para um esforço que as autoridades deveriam empregar para resolver questões latentes,
especialmente aquelas ligadas aos problemas do Antigo Regime. Ainda que para ambos a
agricultura permaneça como força primordial da economia portuguesa, os autores entendem
que a indústria82 deveria ser estabelecida e desenvolvida.

79
BRITO, Joaquim J. Rodrigues de. Memórias politicas sobre as verdadeiras bases da riqueza das nações e
principalmente de Portugal (1803-1805). Tomo I. Lisboa: Banco de Portugal, 1992, p. 53.
80
Conforme Cardoso, “Smithiano sem o querer ser, fisiocrata sem sempre o ser, Joaquim José Rodrigues de
Brito foi acima de tudo expoente da literatura política e econômica portuguesa no limiar do oitocentos, um autor
que procurou com suas memórias políticas contribuir para a mudança gradual e moderada da (e na) estrutura
social do antigo regime.” CARDOSO, op. cit., 1988, p. 521.
81
REBELO, Manoel Jacinto. Economia Política. Lisboa: Banco de Portugal, 1992, p. 42.
82
Aqui entende-se a indústria como desenvolvimento manufatureiro.
51

Os intelectuais trabalharam, de certa forma, extrapolando os limites das teorias


econômicas que vigoravam no período. O mercantilismo, e mais especificamente o
colbertismo, solucionavam a questão dos excedentes cuja eventual produção manufatureira
poderia oferecer, nesse caso, os lucros gerados pelas disputas comerciais. Já a Fisiocracia não
possuía uma fórmula pronta para calcular o lucro em relação aos excedentes dos produtos já
manipulados e manufaturados e o quanto eles poderiam valer num contexto econômico e
social. Os fisiocratas encontravam nas riquezas naturais geradas pela agricultura como
produtoras o excedente líquido de riqueza.83
No entanto, as últimas décadas do século dezoito apontavam a produção industrial
como parte substancial do comércio e, para os fisiocratas, qualquer atividade econômica para
além da agricultura era “improdutiva”, embora não deixassem de ser menos importantes.
Nesse sentido, as manufaturas na metrópole caminhavam para um desenlace em relação às
prerrogativas das teorias da Fisiocracia. Em outras palavras, é possível afirmar que o
colbertismo, como parte do antigo sistema mercantilista, gerou um sentimento de superação
das suas proposições, de modo que os portugueses abraçaram as ideias da Fisiocracia, ainda
que naquele momento não bastasse apenas uma expansão agrícola para gerar um excedente de
riquezas: a saída racionalista e utilitária veio resolver esse problema, até, a certo ponto,
desconsiderar o que fora proposto nos manuais de economia que davam respaldo à agricultura
como primeira indústria.
Retomando a tabulação proposta por Cardoso para as Memórias Econômicas, as
memórias descritivas de recursos naturais e atividades produtivas de âmbito particular
manifestam que havia uma preocupação por parte de alguns autores em apresentar
argumentos científicos em favor da substituição das importações, o que era parte das
inquietações latentes para a economia portuguesa. Além disso, reforçaram o estímulo à
diferentes setores manufatureiros que deveriam ser operados pela iniciativa particular. Isto
posto, era nítida a preocupação do pronto estabelecimento das manufaturas.
O problema dos produtos manufaturados que eventualmente poderiam inundar os
mercados portugueses indicava que os lusitanos não poderiam desenvolver uma agricultura
reduzida a si mesma. A força da plantação de elementos, a exemplo do algodão, era crucial
83
No clássico texto A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa do fim do século
XVIII, Fernando A. Novais faz importantes considerações sobre a questão da Fisiocracia e o debate que a leitura
das propostas econômicas dessa escola gerava. No subtítulo seguinte, voltarei a revisitar esse texto. Cf.
NOVAIS, Fernando A. A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa do fim do
século XVIII. Revista de História, São Paulo, n. 142-143, pp. 213-237, 2000.
52

para o fortalecimento de setores manufatureiros, especialmente a do setor dos tecidos que


tanto haviam sido prejudicados pelo tratado de Methuen.
Reduzindo a escala dos objetos tratados nos estudos produzidos nas Memórias
Econômicas, é possível observar o cuidado com que a questão do ferro e do salitre se
apresentavam para os pesquisadores. Entre as memórias que tratam detalhadamente o tema da
manufatura do ferro está a que Barão de Eschwege escreveu sobre os problemas da fábrica de
ferro de Figueiró dos Vinhos. Intitulada Memória sobre as dificuldades das fundições e
refinações nas fábricas de ferro para ganhar este metal na maior quantidade, e da melhor
qualidade para os diferentes fins84, o texto aponta os problemas que assolavam a fábrica, entre
os quais estava aquele relativo ao carvão de cepa e de sobreiro, considerados de baixa
qualidade para uma boa fundição. De fato, a pouca consideração que havia com a questão
deste importante minério caracterizava o abandono em relação à sua produção, o que ia em
contramão ao que faziam outros países europeus. Eschwege colocou à disposição dos
portugueses sua expertise sobre metalurgia e mineralogia durante um bom tempo,
especialmente no Brasil.
Podemos entender dessa conjuntura que o pensamento econômico português das
últimas décadas do século XVIII operava sob uma via de mão dupla. Por uma via, foi
profundamente influenciado pelas ideias da Fisiocracia, pelo qual, grosso modo, se defendia a
agricultura como centro primeiro e primordial para o desenvolvimento e circulação
econômica. Na outra, havia a necessidade da produção de produtos que atendessem as
demandas internas do Reino e acompanhassem solidamente o mercado europeu. Esses fatores
indicaram para os portugueses o quanto as manufaturas eram importantes, a exemplo da
desvantajosa experiência com tiveram com a inundação dos produtos têxteis oriundos da
Inglaterra e como isso sufocou a indústria de tecidos portuguesa. A substituição de
importações demandava a ampliação de manufaturas capazes de atender minimamente os
interesses internos, ao passo que também fosse vantajoso produzir dentro da Metrópole e dos
domínios ultramarinos o que era comprado a altos custos no mercado externo.
Ponto que vale destacar para entendermos a importância que os lusos atribuíam às
manufaturas foram as mudanças no quadro de participantes da Junta de Comércio, o que nos

84
Cf. ESCHWEGE, Guilherme Barão de. Memória sobre as dificuldades das fundições e refinações nas fábricas
de ferro para ganhar este metal na maior quantidade, e da melhor qualidade para os diferentes fins. In:
CARDOSO, José Luís. Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para adiantamento da
Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas conquistas (1789-1815). Tomo IV. Lisboa: Banco de
Portugal, 1991, pp. 97-101.
53

direciona para avaliarmos que a agricultura não era o único setor que despertava o interesse
dos estudiosos, administradores e empresários portugueses. Criada em 1755, a Junta de
Comércio reunia os comerciantes com o intuito de promover a economia sob a égide das
políticas pombalinas. Contudo, após 1788,

[…] o recrutamento dos seus membros foi feito de forma diversificada. Quando
analisamos a composição desta instituição verificamos que a presença de homens
como Domingos Vandelli só pode ser entendida se a interligarmos com a
preocupação, constante nessa instituição, de introduzir novos métodos e processos
de fábrico. Durante os anos em que exerceu este cargo Domingos Vandelli deu
pareceres sobre os novos inventos, sobre a nomeação de pessoas para determinados
cargos e sobre a implementação de determinadas indústrias. 85

Em linhas gerais, o mote do melhoramento econômico que os memorialistas


propuseram para o Império português estava calcado no desenvolvimento utilitário da
agricultura. No entanto, isso não eliminou os debates relativos às manufaturas e à busca da
substituição das importações, assim como as ações práticas que foram perseguidas nos
âmbitos administrativos e intelectuais rumo aos esforços industrializantes.

1.2 As manufaturas na América portuguesa: políticas ilustradas, necessidades econômicas e


o alvará de 1785

A questão das manufaturas na América portuguesa conduz a um olhar mais minucioso


sobre as condições do cenário da época aqui estudada, especialmente sobre os recursos
políticos e regimentais que nortearam Portugal em relação às suas colônias. Em primeiro
lugar, é importante fazer um breve panorama da historiografia clássica brasileira em relação
ao que se escreveu sobre as manufaturas no Brasil em fins do século dezoito e início do século
dezenove.
Inicialmente, alguns autores pontuaram que as manufaturas foram tolhidas no seu
alvorecer a partir do ponto em que foi publicado o alvará de 5 de janeiro de 1785, que as
interditava em todo o território colonial brasileiro. É possível notar o esteio desse argumento
nas observações de Francisco de Adolfo Varnhagen:
85
MATOS, Ana Maria Cardoso de. op. cit., 1997, p. 273. Essa passagem é essencial, mais uma vez, para
compreendermos a participação de Vandelli na promoção das manufaturas do Reino. O fato de suas predileções
estarem voltadas para o aperfeiçoamento da agricultura portuguesa não o afastaram da atuação para a efetivação
manufatureira.
54

diz o alvará que desde alguns annos se tinham diffundido em diferentes capitanias do
Brazil “grande número de fábricas e manufacturas.” — Era talvez o acto mais
arbitrário e oppressivo da metrópole contra o Brazil, desde o princípio do reinado
anterior, e houvera justificado qualquer opposição ou rebeldia que a ele
apresentassem os povos. Em vez desta, que seria justíssima, por sua origem, outra se
manifestou e tomou corpo, chegando a converter-se em uma tal ou qual
conspiração.86

Há também a tendência entre os autores mais consagrados da historiografia brasileira


em sublinhar a hipótese de que as manufaturas no Brasil colônia eram meros acessórios ao
sistema de produção de gêneros tropicais e por sua consequência, um elemento da máquina
escravocrata que sustentava rentistas ociosos. A posição de Caio Prado Júnior é referência
nesse sentido:

precisamos começar esta matéria por distinguir os centros urbanos da zona rural. Os
edifícios mecânicos se exercem diferentemente nestes dois setores. [...] as artes
mecânicas e indústrias constituem um simples acessório dos estabelecimentos
agrícolas e mineiros. Para o manejo destes, ou para atender a necessidade de seus
numerosos moradores – proprietários e sua família, escravaria e agregados – torna-
se necessário, por motivos das distâncias [...] a presença de toda uma pequena
indústria de carpinteiros, ferreiros e outros, bem como, frequentemente, manufaturas
de pano e vestuário.87

Uma das conjecturas que sustentam o argumento do pouco interesse em desenvolver


manufaturas no Brasil eram os pressupostos econômicos da Fisiocracia que foram, como
observamos no tópico anterior, notadamente apreciados pela classe dos intelectuais
portugueses, especialmente pelos sócios da Academia Real. Nos limites dessa ótica, o Brasil,
como grande produtor de matérias-primas, representava uma referência mais concreta que
direcionava a agricultura como setor fundamental para o encadeamento da economia.

86
VARNHAGEN, F. Adolfo de. História geral do Brazil. Tomo II. Rio de Janeiro: E. e H. Laemmert, 1877, p.
1014. Capistrano de Abreu é também enfático ao afirmar a negligência deste processo: “depois de brutalmente
extintas as primeiras tentativas industriais, ficaram nas cidades apenas mecânicos que trabalhavam por
encomenda e a quem se pagava só o feitio.”. ABREU, Capistrano de. Capítulos da história colonial, 1500-1808.
Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1963, p. 226. Nesse ponto, as sentenças de alguns economistas do
início do século XX apontam para a mesma direção: “Portugal não via com bons olhos o surto rápido da colônia,
a despeito de tantos óbices e vexames.”. BRITTO, Lemos. Pontos de partida para a história econômica do
Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, p. 191.
87
PRADO Jr., C. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2011, pp. 232-233. Roberto
Simonsen também reitera o perfil incipiente da indústria que existiu no Brasil colônia. Segundo o autor, “na era
colonial, afora os estaleiros navais, que os houve, importantes e produtivos, e os engenhos, rara foi a indústria
instalada no país. No século XVIII proibiram-se os ourives – para evitar o contrabando do ouro ou a exportação
das moedas. Mais tarde, em 1785, houve o célebre decreto da Rainha D. Maria, mandando abolir as indústrias e
fábricas do país – para não distrair braços da lavoura – e para assegurar uma diferenciação na produção entre a
metrópole e a colônia, que permitisse o fomento do comércio e o aumento do consumo dos produtos industriais
da metrópole. Era essa, aliás, a política seguida pelos demais países europeus – não consentindo a Inglaterra, em
seu regime colonial, que nos Estados Unidos se fabricassem simples pregos!.”. SIMONSEN, Roberto C.
História econômica do Brasil (1500-1820). Brasília: Senado Federal, 2005, p. 481.
55

Como mencionado em seção anterior deste trabalho, um dos clássicos da historiografia


sobre o período, publicado por Fernando A. Novais, reitera que na realidade, o que o alvará de
janeiro de 1785 proibiu foram as manufaturas têxteis, e não todo gênero de indústria que era
necessária ao processo de exploração da colônia brasileira. Esse ponto é de fato esclarecedor
quando se recupera a documentação ao que se seguiu após a publicação do alvará, pois as
comunicações oficiais, sobretudo entre os representantes administrativos portugueses
instalados nas capitanias indicam preocupações para com as fábricas que o Brasil tinha a
potencialidade de desenvolver, especialmente quando se pensava a substituição das
importações.
Antes de prosseguir a análise sobre a questão das manufaturas na América portuguesa,
é necessário entender quais eram os sentidos das palavras manufatura, fábrica e indústria 88
para os agentes do período. Em linhas gerais, podemos dizer que todas as formas citadas eram
sinônimas. De acordo com o dicionário do padre Bluteau, as manufaturas são “fábrica, e
officina de artefactos […] A obra feita nellas, e neste sentido he mais usual.” 89. Segundo
Antonio de Morais Silva,

fabrica, Manufactura. Esses dous termos teem diversas acepções: tomam-se 1.º o
local onde um certo número de obreiros se reunem para trabalhar um certo número
de obra; 2.º pela mesma obra que fazem; 3.º pela qualidade d’esse gênero de obra.
Fábrica apresenta especialmente a ideia de indústria, de arte, do trabalho mesmo da
fabricação. Manufactura diz respeito ao gênero de estabelecimento ou empresa às
mesmas obras, e ao seu commercio. Fábrica entende-se o estabelecimento onde se
prepara objetos mais communs, e do uso ordinário; manufacturas de aquelle onde se
fazem os que mais captivam a atenção. Fábrica é uma manufactura em ponto
pequeno, e a manufactura uma fábrica em ponto grande.90

Fábricas e manufaturas, no fim do século XVIII, eram termos semelhantes. Assim


sendo, manteremos nesta dissertação a palavra manufatura para indicar os locais que eram
destinados a fabricar algo. É importante reiterar, portanto, que as manufaturas eram espaços
destinados à transformação de alguma matéria-prima, ou a elaboração de determinados
recursos a partir de fatores iniciais de manipulação da natureza e que demandavam o
conhecimento técnico de um corpo de trabalhadores. Assim, havia nesses mesmos espaços

88
Durante o século XVIII, a palavra “indústria” era entendida como toda atividade que transformava a natureza,
o que abrangia diversos trabalhos. Indústria no sentido contemporâneo do termo foi construído ao longo do
século XIX.
89
BLUTEAU, Rafael. Diccionario da Lingua Portugueza. Segundo tomo. Lisboa: Officina de Simão Thaddeo
Ferreira,1789, p. 56.
90
SILVA, Antonio de Morais. Diccionario de Lingua Portugueza. Segundo tomo. Lisboa: Typ. de Joaquim
Germano de Souza Neves, 1877, p. 5.
56

divisões específicas do trabalho que visavam ampliar os produtos das elaborações que eram
objetivadas de acordo com os propósitos de cada ramo de produção.
Ainda segundo as definições daquele período, esse processo metódico que era exigido
para obtenção de algum produto era chamado de arte.91 É importante lembrar também que, em
meados do século XVIII, os portugueses ainda não conheciam as maquinofaturas, processo
que revolucionaria o sistema fabril.92
O conteúdo do alvará publicado em 5 de janeiro de 1785 tem maior significado ao se
pensá-lo não apenas no viés de simples reflexo de uma tradicional postura mercantilista, ou
mesmo da confluência das ideias da Fisiocracia nas ações do Estado português. As
interpretações dos historiadores e economistas citados anteriormente evidenciam o quanto a
discussão do alvará precisa ser redimensionada a partir da conjuntura reformista que se
apresentou no século XVIII em Portugal.
Havia evidentemente a preocupação com o crescimento do desenvolvimento
manufatureiro de forma autônoma na colônia portuguesa estabelecida na América. No
entanto, as considerações pragmáticas dos estudiosos da Academia Real e dos naturalistas
luso-brasileiros não poderiam dispensar o uso das riquezas naturais a partir de sua
transformação nas fábricas e nas manufaturas, de forma a consolidar o poder da economia do
Reino. A farta documentação autorizando a busca e a produção de diversos produtos atesta
que o alvará esteve circunscrito ao momento em que foi publicado e para os fins que urgiam
para a economia portuguesa, sobretudo o controle alfandegário. O mercado colonial não
poderia se restringir a comprar os produtos manufaturados de Portugal. O fato de se proibirem
manufaturas têxteis, como é possível notar no alvará, buscou proteger a indústria têxtil
metropolitana.
Outro problema apontado no alvará girava em torno da escassez de população que
havia no Brasil e do crescente número de manufaturas existentes nas capitanias, o que,
segundo o documento, contribuía para o crescente deslocamento de mão de obra que poderia
ser aplicada na agricultura e na mineração. É possível ler que:

eu a Rainha faço saber aos que este Alvará virem: sendo-me presente o grande
número de Fábricas, de Manufacturas, que de alguns annos a essa parte se tem
diffundido em differentes capitanias do Brazil, com grave prejuízo da Cultura, e da
91
De acordo com Morais Silva, “collecção de regras, ou methodos de fazer alguma cousa com acerto [...]”.
Ibidem, p. 231.
92
Conforme enfatiza Novais: Entre "fabrica" e "manufactura" a distinção não era nítida, na época, em Portugal,
até porque ali se desconhecia a maquinofatura, característica específica do Sistema Fabril.”. NOVAIS, Fernando
A. op. cit., 2000, p. 217.
57

Lavoura, e da exploração das terras mineraes daquelle vasto continente; porque


havendo nelle huma grande, e conhecida falta de População, he evidente que quanto
mais se multiplicar o número de Fabricantes, mais se diminuirá o número de
Cultivadores […].93

O século XVIII ficou marcado pela conquista do ouro. O deslocamento populacional


para a capitania de Minas Gerais foi intenso94, especialmente de mão de obra escrava. Mesmo
com início do declínio das produções auríferas na segunda metade do século dezoito, as
formas mais rentáveis de se conquistar riquezas permaneceram restritas à mineração. As
manufaturas eram uma parte muito pequena desse universo. 95 Importa lembrar que a crise
relacionada à queda da obtenção do ouro que foi reverberada em todo o Império português nas
décadas de 1760 e 1770 se deu em razão da ampla dependência interna à América portuguesa
de resultados satisfatórios da indústria aurífera. Como bem sintetiza Maximiliano M. Menz:

já a crise das décadas de 1760-1770 explicita o ritmo particular da produção mineral,


posto que todo o sistema econômico colonial dependia em grande parte das
demandas geradas pela produção do ouro; é uma crise essencialmente colonial, pois
tem início em Minas Gerais. Como bem atentou Carrara, não é possível aplicar o
modelo explicativo do açúcar para a economia mineradora. Não obstante, o modo
como a redução na produção aurífera afetou o sistema revela como a economia
metropolitana e o tráfico de escravos estavam amarrados à produção do ouro,
reagindo aos ritmos impostos desde os sertões mineiros.96

A força proibitória do alvará esteve ligada à correção do desequilíbrio alfandegário


que era necessária no momento de sua publicação, pois, como a documentação oficial
demonstra, as manufaturas continuaram a existir no Brasil. Até este ponto, concordamos com
as proposições de Fernando A. Novais pelo qual o alvará corrige a distorção nos interesses da
metrópole. Porém, Novais segue afirmando que

93
MARIA I. Alvará de 5 de janeiro de 1785. In: SILVA, Antonio delgado da. Collecção da legislação
portugueza. Volume 3. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p. 370.
94
Aqui vale reiterar os apontamentos de Caio Prado Junior sobre o tema: “o século XVIII abre-se com a
revolução demográfica que provoca a descoberta do ouro no centro do continente: nas Minas Gerais, seguidas
logo por Mato Grosso e Goiás. Em poucos decênios, redistribui-se o povoamento da colônia que tomará nova
estrutura e feição. […] Durante toda a primeira metade do século, em que se sucedem as novas descobertas e
também as explorações e tentativas malogradas, assistimos a deslocamentos bruscos e violentos que agitam e
transformam a cada momento a estrutura demográfica da colônia.”. PRADO Jr., Caio. op. cit., 2011, p. 74.
95
Lemos Britto aponta o irrisório número de manufaturas aos cuidados de particulares. De acordo com o autor,
“vejamos, agora, conforme as pesquizas de Luiz de Vasconcellos, quaes eram as pessoas que possuíam
manufacturas do Rio de Janeiro, e qual o numero de seus teares. Pessoas que tem teares de tecidos de ouro e
prata: Jacob Munier, cinco teares, quatro armados e um desarmado. O capitão José Antonio Lisboa, três teares.
Miguel Xavier de Moraes, um tear. José Mario Xavier, um tear. Sebastião Marques, dois teares e um pequeno
desarmado. Pessoas que tem teares de tecidos de lã, linho e algodão: João Monteiro Celi: tem teares de
grosserias de algodão, em que algumas vezes fabricava uns cobertores felpudos de algodão fino, e pannos
grossos ou baetões do mesmo algodão, José Luiz: tem teares da mesma qualidade de grosseria de algodão nos
quaes algumas vezes fabricava toalhas de mesa e guardanapos [...]”. BRITTO, Lemos, op. cit., 1939, pp. 213-
214.
96
MENZ, Maximiliano Mac. op. cit., 2013, p. 49.
58

manufaturas coloniais, descaminhos, contrabandos convergem em idênticos efeitos


sobre a economia portuguesa, que, como já avançamos no primeiro passo da análise
que estamos perseguindo, não podia dispensar os estímulos do mercado colonial
para consolidar seu esforço industrialista. Ao determinar a supressão das
manufaturas existentes no Brasil (terceira parte do Alvará), bem como ao intentar
coibir a penetração de economias mais desenvolvidas no mercado ultramarino, a
política colonial portuguesa reage a uma situação de fato, que deve ser encarada com
objetividade, mas é indiscutível que ao fazê-lo procura preservar em moldes
tradicionais o funcionamento do sistema, e nesse sentido é justo falar-se em
persistência de uma orientação mercantilista. As preocupações relevantemente
fiscais que repontam neste conjunto de documentos (alvarás, instruções) indicam no
mesmo sentido conservantista.97

Ao pensarmos a política ultramarina de Melo e Castro, é possível considerar a


publicação como uma mera expressão mercantilista das ações usuais portuguesas. Contudo, é
preciso refletir que as manufaturas sinalizam mais do que uma preocupação de arrecadação de
impostos e mesmo uma acentuação na dinâmica de domínio nas relações entre metrópole e
colônia.
Como vimos, diante do corolário da ciência ilustrada, as manufaturas eram parte do
exercício para a busca dos produtos que, por ventura, não estavam disponíveis em quantidade
e qualidade na metrópole. Ora, para se pensar a substituição das importações era necessário
que os domínios ultramarinos pudessem atender as demandas da produção, por exemplo, do
ferro98, ao menos para as necessidades internas da colônia. As vantagens dentro do espectro da
realização da manipulação do ferro poderiam levantar receitas que outrora não foram
contabilizadas. A abundância desse valioso minério não poderia ser mais relegada à produção
rudimentar realizada por particulares em suas tarefas ordinárias locais. Foi preciso apontar as
qualidades do ferro e as possibilidades de sua manufatura e para tanto, o trabalho dos
naturalistas foi de suma importância.
Havia também a questão dos limites do pacto colonial. Com a existência das
manufaturas, houve o trânsito pelo qual as possibilidades de elencar as qualidades do solo da
colônia brasileira direcionou a uma complexa teia de interesses e de preocupações, entre os
quais a já mencionada autonomia econômica dos colonos.. O temor de uma eminente
emancipação de alguma das partes da América portuguesa esteve presente para o cálculo das
ações dos administradores lusos. Além disso, a arrecadação de impostos e o fomento da
indústria portuguesa concorriam para que o pacto colonial fosse repensado.

97
NOVAIS, Fernando A., op. cit., 2000, pp. 223-224.
98
Não era apenas pela pouca tradição em produzir ferro, mas também pelo fato de o solo português não ter a
mesma qualidade de combustíveis para se fazer a fundição desse minério.
59

Até certo ponto é possível concordar com as afirmações de Fernando A. Novais 99


quando propõe que as manufaturas foram suprimidas em função de controle fiscal que
expressava as usuais diretrizes mercantilistas. Mas, o que se seguiu aos anos após a
publicação do alvará aponta que o efeito proibitório esteve muito mais relacionado às fábricas
de particulares. A colônia brasileira, conforme os resultados alcançados pelas pesquisas
desenvolvidas pelos naturalistas, não poderia ser enquadrada como coadjuvante da economia
portuguesa, ou seja, os políticos e intelectuais não poderiam mais relegar as potencialidades
do solo brasileiro às atividades comerciais pontuais que mantivessem Portugal em uma
postura de repasse de produtos manufaturados na metrópole.
O processo do Estado português em atribuir a tabulação e o inventariado das riquezas
naturais brasileiras sugere uma nova postura quanto ao exercício que havia caracterizado a
ação lusa nos anos anteriores, qual seja, a delegação de particulares movidos por interesses
pecuniários imediatos, bem como pela exploração dentro de limites difusos.
Nesse sentido, há a viabilidade de se considerar que a existência das manufaturas e os
protótipos de fábricas após 1785, em sua quase totalidade, estiveram sob controle direto dos
representantes políticos e intelectuais do Estado português, ou, em alguns casos, através da
exploração de particulares sob completo escrutínio das autoridades locais com vistas a se
atender os interesses imediatos do Império português. Os resultados alcançados com as
pesquisas dos elementos disponíveis no Brasil passaram pelo criterioso controle burocrático
governamental que se formou naquele período.
Podemos sustentar que a defesa pela instalação das manufaturas pleiteadas pelo
pragmatismo utilitário nas duas últimas décadas do século XVIII estiveram em notória
concomitância com a diligência política, ou seja, os fundamentos para que fábricas, a exemplo
das do salitre e do ferro, pudessem existir dependeram em grande medida dos anseios
reformistas dos quadros políticos. Assim, essas experiências podem ser denominadas de
manufaturas políticas.
Em outras palavras, o interesse em se desenvolver manufaturas na América portuguesa
extrapolou as circunstâncias alfandegárias e da preocupação com um surto industrial
brasileiro: Portugal precisava dos produtos chaves para a mundialização de sua economia e o
domínio ultramarino brasileiro era uma das partes para o êxito desse projeto.

99
Cf. NOVAIS, Fernando A. op. cit., 2000.
60

O alvará de primeiro de abril de 1808, que revogou o alvará de 1785, é bem explícito
ao dizer que toda e qualquer pessoa poderia estabelecer fábricas e manufaturas em todo o
território continental americano sob domínio dos portugueses:

[…] e convindo remover todos os obstaculos que podem inutilisar e frustrar tão
vantajosos proveitos: sou servido abolir e revogar toda e qualquer prohibição que
haja a este respeito no Estado do Brazil e nos meus Domínios Ultramarinos e
ordenar que daqui em diante seja licito a qualquer dos meus vassallos, qualquer que
seja o Paiz em que habitem, estabelecer todo o genero de manufacturas, sem
exceptuar alguma, fazendo os seus trabalhos em pequeno, ou em grande, como
entenderem que mais lhes convem; para o que hei por bem derogar o Alvará de 5 de
Janeiro de 1785 e quaesquer Leis ou Ordens que o contrario decidam, como se
dellas fizesse expressa e individual menção, sem embargo da Lei em contrario.100

O conteúdo desse documento é bem elucidativo no sentido de desvelar a questão do


controle da produção manufatureira sob a direção de particulares. De fato, com a chegada da
família Real ao Brasil, a liberdade para que indivíduos com cabedais próprios estabelecessem
fábricas esteve em grande medida circunscrita à movimentação reduzida a um irrisório grupo,
de modo que os empreendimentos mais vultosos, a exemplo da Real Fábrica de Ferro de São
João do Ipanema ou a Real Fábrica de Ferro do Morro de Gaspar Soares 101 mantiveram
fomentos da Coroa, o que nos direciona para a hipótese de que o impulso para a instalação de
manufaturas no Brasil, antes da chegada da família Real, esteve na égide, em grande medida,
do Estado português, intermediado pela ação dos naturalistas e dos administradores alocados
na América portuguesa, assim como pela expressa autorização de alguns pesquisadores
independentes que visavam ser agraciados em razão do levantamento de informações que
ajudassem a inventariar os elementos valiosos, especialmente entre os anos de 1779 e 1808.
Os registros publicados anteriormente à lei 1º de abril de 1808 reforçam o pressuposto
de que havia a plena intenção de se erguer fábricas de salitre e de ferro no Brasil. No alvará de
24 de abril de 1801 era nítida a motivação de se promover a manufatura do ferro na capitania
de São Paulo e de também de manter a manufatura do salitre para uso e controle exclusivo do
Estado, embora contasse com a ampla participação dos colonos. No documento, D. João VI
isentou o ferro vindo de Angola e prometeu fomentar a manufatura do ferro em todo o
domínio americano e de criar fábricas de pólvora a partir do incentivo à produção do salitre:

100
ARAUJO, José Paulo de Figueiroa Nabuco de. Legislação brazileira. Tomo 1. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e
Const. de J. Villeneuve e Comp., 1836, p. 4.
101
Manuel Ferreira da Câmara conseguiu boa parte dos fomentos para erigir a Real Fábrica do Morro Gaspar
Soares foram de recursos oriundos da extração dos diamantes. Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. O
intendente Câmara. Manuel Ferreira da Câmara Bithencourt e Sá, intendente geral das Minas e dos Diamantes,
1764-1835. São Paulo: Brasiliana, 1958.
61

hei por bem conceder-lhes a Graça não só de isentar todos os direitos todo o ferro,
que das minas de Angola se exportar para os portos do Brazil; mas mandar crear
hum estabelecimento para excavação das minas de Sorocaba na capitania de S.
Paulo; e animar todos os descobrimentos, que outras quaesquer partes se possão
fazer desse metal; como também permitir se estabeleção fábricas Reaes, para com o
salitre do Paíz se fabricar polvora por conta da minha Real Fazenda.102

Se o alvará de 5 de janeiro de 1785 de fato proibia a existência das manufaturas no


Brasil, podemos dizer que essas determinações vigoraram apenas até a chegada de Luís Pinto
de Sousa Coutinho e, em seguida, de D. Rodrigo de Sousa Coutinho 103 ao Ministério da
Marinha e dos Domínios Ultramarinos.
A rede de informações e de solicitações geradas em torno de D. Rodrigo de Sousa
Coutinho foi volumosa. Houve uma triangulação para alcançar resultados que passava pela
pesquisa dos naturalistas, das orientações administrativas dos governadores das capitanias e
da decisão do ministro.
Os sinais da abertura dessa movimentação foram dados nas últimas décadas do século
XVIII, conforme os governadores de Minas Gerais e da Bahia sustentaram abertamente suas
defesas em relação ao estabelecimento de fábricas para se obter os produtos necessários ao
bem da economia de suas capitanias. Com o início das pesquisas desenvolvidas pelos
naturalistas, concluíram os administradores que seria viável criar estabelecimentos para
substituir as importações que tanto eram prejudiciais ao andamento dos negócios da América
portuguesa.
Assim sendo, mesmo que o alvará de 1785 fosse somente oficialmente abolido em 1º
abril de 1808, a documentação atesta que as manufaturas foram incentivadas especialmente no
período em que D. Rodrigo de Sousa Coutinho tomou a frente da pasta da Marinha e dos
Negócios Ultramarinos. Como fora apontado, a própria Maria I e o príncipe regente
autorizaram a manufatura do ferro na América portuguesa. Em circular endereçada á todas as
câmaras da capitania de Minas Gerais, no ano de 1795, fica expresso que D. João VI autoriza
102
D. JOÂO VI. Alvará de 24 de abril de 1801. In: SILVA, Antonio Delgado. Collecção da legislação
portugueza. Volume 4. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828, p. 695. José da Silva Lisboa resume o Alvará em:
“em benefício dos vassallos do Brasil, e da franqueza do commercio, abolindo os contratos da pescaria das
balêas e do estanco do sal; constituindo privativa da Real Fazenda as vendas do salitre e da pólvora, com
providências a favor das minas de ferro do Reino de Angola, e das capitanias de S. Paulo, e de Villa Rica.”.
LISBOA, José da Silva. Synopse da legislação principal do Senhor D. João VI pela ordem dos ramos da
economia do estado. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1818, p. 28.
103
Luís Pinto de Sousa Coutinho já indicava em 1795, antes de D. Rodrigo assumir a pasta da Marinha e dos
Domínios Ultramarinos, o apoio à manufatura do ferro, por exemplo. Com o aval de D. Maria I, “Tem Sua
Majestade. resolvido em segundo lugar, que em todo o Continente do Brasil se possam abrir Minas do Ferro, se
possam manufaturar todos os quaisquer Instrumentos deste gênero.”. SIMONSEN, Roberto. op. cit., 2005, p.
252.
62

a manufatura do ferro, especialmente para a fabricação de utensílios essenciais. Conforme a


circular, “Tem Sua Magde rezolvido em segundo lugar que em todo continente do Brazil se
possão abrir minas de Ferro e se possão manufacturar todo e quaesquer instrumentos deste
genero [...]”.104 No alvará de 19 de maio de 1799 é possível observar a expressa autorização
para se manufaturar o ferro na capitania de São Paulo:

finalmente, tendo mandado criar hum estabelecimento para a escavação das Minas
de Ferro que existem na capitania de São Paulo, de que necessariamente se hão de
erguer as maiores vantagens aos meus vassallos: ordeno ao governador e capitão
general da mesma capitania que faça logo trabalhar nas referidas minas e ponha em
venda por conta da minha Real Fazenda o ferro que delas se extrahir, com dez por
cento sobre o custo que o mesmo fizer, ficando livre o referido metal de pagar
direito de entrada nas outras capitanias.105

Apesar das ressalvas quanto ao estabelecimento de fábricas de ferro no domínio


ultramarino americano por parte de alguns administradores coloniais, a inspiração para que se
construísse esses tipos de estabelecimentos era presente, mormente pelos requerimentos que
havia em relação aos instrumentos de ferro. Apesar das citadas autorizações para a manufatura
do ferro por parte da Rainha, pode-se notar que houve certa diligência quanto ao pronto
estabelecimento de fábricas de ferro em função do controle fiscal, o que entra consonância
com as justificativas do alvará proibitório das manufaturas de 1785. Na câmara de Vila Rica é
possível perceber esse processo:

enquanto a segunda graça a resp to. do ferro excede o calculo na contadoria geral da
junta dos impostos daqueles dirtos. ou bruto ou lacerado deve somte. ter respas.
quando estabelecidas forem as fábricas, pois reconhecendo as indigências dos
habitantes não devemos esperar o estabelecimto. das mmas. ainda usando a experiência
dos artífices para a manufatura […].106

João Manso Pereira foi um notório representante das projeções dos interesses da Coroa
portuguesa, especialmente no sentido de estender o controle do Estado sobre particulares em
relação à pesquisa de ferro. Em ofício de 19 de agosto de 1799, Bernardo José de Lorena
atende as requisições do príncipe regente de modo a atribuir a Manso Pereira as pesquisas de
minas de ferro em três capitanias:

pela carta régia incluza verá V. S a. que sua Alteza real manda encarregar João Manso
Pera., como Sagto. mais capaz da inspecção e exame das minas e trabalhos do ferro
nas três capitanias de S. Paulo, das Minas Geraes e do Rio de Janeiro, e que

104
APM, Secretaria de Governo da Capitania, cód. 259, fl. 19, 20 de outubro de 1795.
105
AHU, Projeto Resgate - Avulsos (BG), cx. 31, doc. 2542, 19 de maio de 1799. É importante reiterar que no
mesmo alvará D. Maria I deu incentivos ficais em relação ao ferro que vinha do Reino de Angola.
106
APM, Câmara de Ouro Preto, cx. 87, doc. 45, 30 de novembro de 1795.
63

consequentemente logo o sobredito João Manso estiver desembaraçado da cap nia. de


S. Paulo, V. Sa. deve procurar que me vá examinar as Minas existentes nessa cap nia.,
as quais poderão vir a ser de muita grande utilidade [...] p a. se estabelecerem as
grandes carvoarias e pa. que depois se não experimente na Fábrica de Ferro, que se
erigida, não falte carvão [...].107

D. Rodrigo José de Meneses foi provavelmente o governador mais interessado em que


se erigisse uma fábrica de ferro na América portuguesa. Há uma celebre carta de sua
autoria108, do ano de 1780, encaminhada a Martinho de Melo e Castro apresentando
argumentos favoráveis à construção de uma fábrica de ferro. Conforme o então governador:

se em toda parte do mundo he este metal necessario, em nenhuma outra he mais que
nestas minas; qualquer falta que dele se experimente, céssa toda qualidade de
trabalho [...] Fabricando-se aqui pode custar hum preço muito mais módico [...]
Essas considerações são importantes me obrigando a ouvir hum homem que aqui me
veio me falar e assegurou ter achado um segredo para o fabricar.109

Na capitania da Bahia também é possível ver, através dos documentos do Conselho


Ultramarino, que Portugal manteve intensa comunicação que demonstrou ser grande o
interesse em desenvolver manufaturas a partir das potencialidades do solo baiano. Em junho
de 1798, por exemplo, Francisco Tavares comunicou a D. Rodrigo de Sousa Coutinho a
existência de salitre e cobre de qualidade na referida capitania, apontamentos esses feitos pelo
boticário Domingos José Correia.110 Igualmente podemos observar os incentivos de D.
Rodrigo para as pesquisas mineralógicas e metalúrgicas dirigidas por Manuel Ferreira da
Câmara Bittencourt:

recomendo investigar em suas viagens à Bahia que visite todos os distritos da


capitania onde possa haver minas de ouro, prata, cobre ou ferro, ou outras que sejam
interessantes e que tenha sempre princípio de eterna verdade, que minas e bosques

107
APM, Secretaria de Governo da Capitania, cód. 269, fl. 34-v, 19 de agosto de 1799. Dom Rodrigo de Sousa
Coutinho, já no ano de 1796, indicou os trabalhos de João Manso Pereira através de avisos direcionados ao vice-
rei do Brasil e aos governadores de Minas Gerais e São Paulo. No documento do ano citado, D. Rodrigo solicita
o apoio financeiro para que João Manso realizasse as viagens mineralógicas e concluísse suas pesquisas. Outro
ponto interessante sobre esta personagem é que ele esteve também envolvido nas pesquisas do salitre na
capitania de São Paulo. De acordo com carta de 31 de outubro de 1799, o Conde de Resende orienta Bernado
José de Lorena o pagamento pelos serviços de José Manso Pereira na pesquisa do salitre: “em aviso de 11 de
março do presente ano foi S. Maje. servida determinar, que recebesse sua pensão de quatrocentos mil reis cada
ano João Manso Pereira, encarregado do descobrimento das nitreiras naturais nas barreiras da capitania de S.
Paulo [...]”. APM, Secretaria de Governo da Capitania, cx.73, doc. 75, 31 de outubro de 1797.
108
No capítulo 3, esse documento é analisado com mais detalhes.
109
APM, Coleção Secretaria de Governo da Capitania, cód. 224, fls. 8-v - 9, 4 de agosto de 1780.
110
Conforme as palavras de Tavares sobre os resultados das pesquisas de José Correia, “2º Está pronto a
estabelecer uma fábrica não somente de salitre e de cobre para o Reino, mas para o giro do negócio; ou seja, a
fábrica por conta da Fazenda Real [...]”. AHU, Projeto Resgate - Bahia Avulsos, cx. 209, doc. 14851, 15 de
junho de 1798.
64

necessitam de ser regulados por princípios científicos em que se ache calculada a


utilidade geral.111

Em ofício de 27 de junho de 1798, o Ministro da Marinha e dos Domínio Ultramarinos


autoriza o boticário citado a estabelecer uma oficina para manufaturar o salitre:

tendo representado a sua majestade Domingos José Correa, boticário nessa cidade,
que em pouca distância da mesma havia abundância de ótimo salitre, de cobre
finíssimo e de ótimo pau Brasil, V. Sa. o mandará chamar à sua presença e lhe
declarará no Real nome de Sua Majestade que fazendo ele fazendo suas descobertas,
e indo logo estabelecer uma oficina de lavagem de salitre […] e que sua Maj e. não
duvidará depois acrescentar novas graças, se a produção de salitre e cobre, assim
como a de pau Brasil corresponder à expectação que ele dá.112

Vários documentos mencionam a bibliografia que poderia servir de suporte à


manufatura do salitre no Brasil. Não são raras as vezes em que os oficiais expedidos pelo
ministério de D. Rodrigo indicam listas de livros que ensinam a forma de se obter o salitre a
serem distribuídos nas capitanias. Em 4 de outubro de 1798, por exemplo, é possível verificar
na documentação da secretaria ultramarina ordens entre as quais “sobre salitre. remetendo-se
exemplares do impresso intitulado: Memória sobre a prática de se fazer o salitre”.113
Em carta datada de 1797, D. Rodrigo encaminha as ordens régias que determinam que
se encaminhe para a capitania da Bahia um exemplar do escrito sobre o modo de se fazer o
salitre nas fábricas de tabaco da Virginia.114 Segundo as orientações de D. Rodrigo:

sua Majestade manda remeter a V. S a. os exemplares inclusos de um escrito sobre o


modo de se fazer o salitre nas fábricas de tabaco da Virginia para que V. S a. procure
espalhar os conhecimentos que contém o referido escrito sobre aquele importante
gênero, cuja produção a mesma Senhora manda novamente recomendar que V. S a.
que promova por todos os modos e com a maior eficácia.115

111
A.N.R.J., cód. 807, v.1, fl.49 apud MUNTEAL FILHO, Oswaldo. op. cit., 1998.
112
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 606, fls. 189-189-v, 27 de junho de 1798.
113
AHU, Projeto Resgate - Avulsos (BG), cx.30, doc. 2491, 4 de outubro de 1798. É sintomático notar no mesmo
documento as ordens relacionadas a fins militares, especialmente a defesa dos domínios ligados à América
portuguesa. Sendo assim, não é estranho encontrar suporte técnico para a obtenção do salitre.
114
É provável, neste caso, que as cópias que tenham sido enviadas para o Brasil sejam aquelas impressas na
oficina de João Antonio da Silva em 1797. Cf. BROWN, Jeremiah. Extracto do modo de se fazer salitre nas
Fábricas de tabaco da Virgínia. Lisboa: Officina João Antonio da Silva, 1797. Aqui vale destacar outros escritos
relacionados ao salitre encaminhados à capitania de São Paulo. De acordo com a tabela dos impressos elencada
por Ivana Veraldo, entre os livros encaminhados estão Mineralogias de Bergman – jogos; Mineralogias de
Bergman – volume avulso; Cartas sobre a Nitreira Artificial do Manso; Memória sobre o salitre – D’Urtubie;
Memorias sobre a pratica de fazer Salitre; Extrato sobre o método de preparar a potassa; Extrato do método de
fazer Nitrato de Potassa; Impresso sobre o modo de conhecer as terras onde há salitre. Cf. VERALDO, Ivana.
O comércio de impressos na capitania de São Paulo (1797-1802): uma estratégia civilizadora e educativa.
Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.18, pp. 10-18, 2005.
115
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 606, fl. 159, 6 de outubro de 1797.
65

Embora o ministério de d. Rodrigo tenha expedido uma grande quantidade de livros


que fossem referenciais para a propagação das reformas ilustradas planejadas na América
portuguesa, pouca capilaridade tiveram esses escritos entre os grandes agricultores e
comerciantes, sobretudo, porque parte majoritária da população, mormente aquela em
situação de escravidão, estava excluída ao letramento. Segundo Ivana Veraldo:

entretanto, para que os agricultores e comerciantes pudessem concluir que os


impressos transmitiam informações inadequadas às condições climáticas,
geográficas ou comerciais da capitania primeiro era necessário que tivessem acesso
a eles, através da compra e da leitura, o que, parece, não era o que ocorria. De fato, o
que se percebe é que eles não estavam interessados nas Artes, nas Ciências ou por
qualquer manifestação cultural letrada. Esse desinteresse era percebido pelo
governador que, num ofício enviado a Coutinho, depois de reclamar da dificuldade
de vender os livros remetidos, diz que a falta de compradores é resultado da
negligência e descuido da população quanto às Artes e às Ciências. 116

A extensão dos cuidados para com que os encarregados particulares deveriam dar à
investigação do salitre também assinalam a preocupação com que o beneficiamento desses
itens valiosos faziam parte das políticas administrativas do ministério de D. Rodrigo. Vale
reiterar que a prática de permissão para investigação particular dos recursos naturais valiosos
era firmado pelo interesses de recompensa com possíveis resultados das investigações. Em
carta endereçada a Antonio Pires da Silva Pontes, o ministro salientou que:

vossa Maje. manda recomendar a V. Mce. todo o desvelo no descobrimento da terra


própria para se extrair salitre, servindo-se V. M ce. Para este fim do impresso que lhe
vai remetido com os que acusa a lista, que acompanha outro ofício desta mesma
data: a mesma senhora espera que V. M ce. desempenhará esta comissão com zelo e
eficácia que lhe são próprios. 117

É possível citar também o caso de João Nogueira Duarte que solicitou, por meio de
Paulo José Lima, para aproveitar das nitreiras que estavam dispostas nas posses do
requerente:

agora se me apresenta José Nogueira Duarte, morador nesta Com ca. efo. famílias do
capm. João Nogueira Duarte, dizendo-me q. por nat al. inclinação que tem as nitreiras
naturais, estava a fazer suas experiências pa. descobrir o salitre […] em tanta conta q.
demorando-se […] pode fazer duas libras q. o queria apresentar a V. E xa. pedindo-me
que quisesse eu de algum modo abonar na respeitável presença de V. E xa. a fim de
ser ouvido neste descobrimento e em outros a q, ele se tem aplicado […], 118

116
VERALDO, Ivana. op. cit., 2005, p. 15.
117
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 606, fl. 201, 25 de julho de 1798.
118
APM, Secretaria de Governo da Capitania, cx. 42, doc. 09, 17 de janeiro de 1799.
66

As instruções para o tratamento das remessas que os sócios da Academia Real das
Ciências de Lisboa sugerem a elaboração de relatórios que deveriam ser redigidos em relação
às artes e manufaturas, assim como o estudo da agricultura que elucidam para as
considerações a partir de um conjunto de referências para aplicar melhoramentos às
produções do Império colonial, método usual mesmo para aqueles que não tinham ligação
direta com a instituição:

em quanto ás Artes, mostrarão: I.º o estudo de sua agricultura, os usos e defeitos de


seus instrumentos de lavoura; 2.º o modo de se fazerem as suas caças e pescas; 3.º as
plantas, de que se servem de sustento, vestidos, remédios, tintas, etc. 4.º os animaes
que empregam no trabalho, e em outros serviços domésticos; 5.º os mineraes que
extraem da terra, os usos a que os applicão, e o modo de se reduzir a esses mesmos
usos; 6.º a perfeição e a imperfeição das artes, manufaturas, e de todo gênero de
indústria, e commércio que houver no país.119

É importante reforçar que as pesquisas e a fundação de manufaturas estavam ligadas


diretamente ao círculo de pessoas de confiança de D. Rodrigo. Isso se fez necessário em
função das possibilidades de sedição que poderiam ocorrer. Notamos, mais uma vez nesse
sentido, que o Estado, através do seu corpo burocrático de ministros, exerceu amplo controle
das atividades dos naturalistas, assim como estendeu seu monopólio de interesses em boa
parte das dinâmicas empregadas nas manufaturas.
Outro testemunho referente à potencialidade de se erigir uma fábrica de salitre na
capitania da Bahia pode ser observado em um ofício de Fernando José de Portugal
encaminhado a D. Rodrigo apontando que eram ricos os depósitos de salitre e que para
administrar uma fábrica seria necessário a expertise de algum naturalista,

nas frequentes conferências que tive com o sobredito José de Sá, depois que se
recolheu, lhe fiz saber que era preciso apontar a Sua Majestade os empregos que se
haverão de criar para as Fábricas de salitre e sua administração e julgo serem
indispensáveis um administrador com conhecimento de História Natural, muito
principalmente da matéria de que se trata […].120

Entendemos, destarte, que o Estado português, antes da chegada da família Real ao


Brasil, admitiu a existência de manufaturas sob a égide dos administradores e dos naturalistas
luso-brasileiros, fundamentadas nas viagens filosóficas, da redação das memórias e das
experiências com testes pregressos e da instalação de protótipos.

119
BREVES instrucções aos correspondentes da Academia Real das Sciencias de Lisboa sobre as remessas dos
productos, e noticias pertencentes a história da natureza, para formar hum museo nacional. Lisboa: Regia
Offiicina Tipográfica, 1781, p. 45.
120
AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 97, doc. 19081, 25 de janeiro de
1799.
67

Assim, a influência do pensamento ilustrado entre os representantes administrativos


nas capitanias e os savants brasileiros contribuíram para formar um conjunto de concepções
que refletiriam diretamente na urgência das manufaturas para atender às demandas
econômicas que o final do século XVIII apresentou. É evidente que havia a tensão entre ideias
sediciosas que fomentavam o pensamento de alguns letrados que viam as potencialidades dos
recursos que estavam dispostos no Brasil, sobretudo em Minas Gerais, o que causava
preocupação em Portugal.121
As dinâmicas do pacto colonial tomam, nesse sentido, novos rumos quando o Estado
português passa a encorajar as pesquisas dos produtos que abundavam na natureza brasileira,
assim como a autorização para a existência de uma indústria que fosse capaz de transformar
esses produtos em bens que usualmente eram comprados em outras localidades fora do Reino.
Vale mencionar que mesmo com o controle dos administradores portugueses, o salitre,
por exemplo, continuou a ser produzido clandestinamente.122 Estabelecer, ainda que na maior
parte das vezes não passasse de propósitos teóricos, manufaturas de ferro e de salitre, sob a
égide do Estado português, nas capitanias de Minas Gerais e da Bahia cumpriu perfeitamente
os interesses dos administradores que estavam sujeitos às reformas na economia, assim como
em implementar os parâmetros da ciência ilustrada no impulsionamento de setores que
estavam em defasagem.123
Ainda que os exercícios manufatureiros estivessem sob a administração do Estado e
com feições ensaísticas para a construção de uma estrutura fabril que atendesse a inserção do
mercado português ao cenário da integração mundial da economia, bem como para servir as
demandas internas dos domínios ultramarinos, essas mesmas manufaturas do salitre e do ferro

121
É interessante notar o volume de livros publicados por ilustrados franceses que circulavam no Brasil em fins
do século XVIII, especialmente entre alguns dos naturalistas. O caso de José Vieira Couto é sintomático, mesmo
que ele não tenha participado diretamente na inconfidência mineira. Cf. FURTADO, Júnia Ferreira.
Enlightenment Science and Iconoclasm: the Brazilian Naturalist José Vieira Couto. Osiris, Chicago, v. 25, pp.
189-212, 2010.
122
Conforme Farias e Filgueiras, “nota-se que o salitre, contado até mesmo em verso e prosa, era um produto
químico de uso cotidiano e deveria ser tão comum e conhecido naquela época como hoje é conhecido o fósforo
dos palitos ou mesmo o cloro (ou hipoclorito) da água sanitária.” FARIAS, Luciano E; FILGUEIRAS, Carlos A.
L. Salitre: o produto químico estratégico no passado do Brasil. Química Nova, São Paulo, v. 44, n. 4, pp. 519-
535, 2021, p. 520.
123
É necessário lembrar também dos interesses imediatos que rendiam riquezas ao Erário Real, qual seja o da
mineração. Deste modo, Antonio Pires da Silva Pontes Leme sugere a manufatura imediatamente para se
substituir as importações e assim dar progresso à produção do ouro em Minas Gerais: “[…] quando cumqualquer
principio d’arte se podem construir os fornos em q’. juntem aquellas differentes especies de ferro p a. formar hum,
q.o Seja maleavel, e capaz pa. os usos q’. lhes dão os ferreiros ordinarios.”. LEME, Antonio Pires da Silva Pontes.
op. cit., 1896, pp.420-421.
68

foram pleiteadas e tiveram nos textos memorialísticos um grande viés pelo qual os resultados
direcionaram para proveito industrial.
Além da inventariação dos elementos dispostos na natureza elencados pelos
naturalistas, podemos notar o quanto Portugal estendeu o controle do Estado para estabelecer
o uso discriminado das manufaturas que eram necessárias tanto na metrópole quanto nos
domínios ultramarinos. Curiosamente nota-se a força de decisão do governo português, sem
desconsiderar os interesses estamentais no exercício econômico dos domínios ultramarinos.
A partir de 1808, com a chegada da família real ao Brasil, os interesses manufatureiros
passam, ao menos teoricamente, ao controle dos particulares.124 O já citado alvará de primeiro
de abril de 1808 lança mão da iniciativa dos particulares para o estabelecimento de fábricas e
manufaturas no Brasil, mesmo que na prática o Estado tenha continuado a estabelecer os
investimentos mais onerosos em relação ao ferro e na produção da pólvora.
É necessário realçar que após a abertura dos portos às nações amigas, de acordo com a
publicação do decreto de 28 de janeiro de 1808, a tímida indústria no Brasil foi muito
prejudicada em função da enxurrada de produtos manufaturados que chegavam aos portos
brasileiros, sobretudo aqueles oriundos da Inglaterra, encontrados por valores irrisórios. 125
Mesmo com incentivos fiscais, a indústria que havia no Brasil não conseguia competir com o
preço dos produtos importados.
Outro ponto importante a se destacar é a questão da mão de obra especializada que os
empreendimentos manufatureiros necessitavam. Grosso modo, os trabalhadores que
trabalharam nas fábricas, ou nos projetos e protótipos delas, no fim do século XVIII e início
do XIX, eram pessoas em situação de escravidão. Conforme a intensificação das diferenças
entre os âmbitos particulares e públicos de trabalho, houve também mudanças que refletiram

124
Como veremos mais detalhadamente nos próximos capítulos, o reformismo ilustrado e os interesses comuns
que orientavam as ações do Estado português apresentou uma ruptura entre 1807 e 1808, acima de tudo em
função do deslocamento da família Real para o Brasil. Esse monopólio do Estado do controle da natureza
pulveriza-se nesse período. Como aponta Munteal Filho: “o reformismo ilustrado que objetivara a recuperação
econômica do Reino e o rebalizamento da política colonial acabara por aplacar as diferenças, pelo menos
provisoriamente, quer dizer, até as invasões francesas de 1807-1808, o desmantelamento do monopólio e do
‘exclusivo’ e o acontecimento da setembrizada de 1810-1811, que levaria a ferros e ao exílio alguns membros do
grupo naturalista-utilitário da Academia das Ciências, no bojo da crise da Europa napoleônica.”. MUNTEAL
FILHO, Oswaldo. op. cit., 1998, p. 329.
125
Segundo Célia de Barros Barreto e outros autores, conforme as embarcações ingleses chegavam aos portos
brasileiros, “[…] trouxeram tal quantidade de mercadorias que logo abarrotaram o mercado. […] os trabalhos de
desembarque eram lentos e os navios ficavam esperando dias e dias para descarregar, gastando grandes somas
em taxas portuárias. […] Descarregadas, as mercadorias eram colocadas em armazéns pequenos, insuficientes
para o comércio em grande escala e que logo ficavam superlotados.”. BARRETO, Célia de Barros et. al.
História geral da civilização brasileira. O processo de emancipação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p.
86.
69

no tratamento e nas exigências das pessoas escravizadas que operavam as fábricas que tinham
referencial técnico europeu.126 Embora as relações de trabalho fossem diferentes em relação
ao espaço de particulares, os escravos sofreram com as péssimas condições nessas fábricas,
especialmente as de produção de ferro.127
Além disso, havia a questão do transporte dos produtos manufaturados na América
portuguesa, como trataremos mais aprofundadamente nos capítulos 2 e 3. Os administradores
instalados na colônia brasileira pouco se movimentaram para resolver a questão das estradas
para escoar as eventuais produções, apesar das determinações expressas diretamente da Coroa
para a abertura de estradas de modo a escoar a produção de salitre, por exemplo. 128 O ferro
produzido na Real Fábrica de Ferro de Morro de Gaspar Soares foi altamente oneroso em
função do seu transporte ser caro, fato esse que contribuiu para o fracasso da empresa.129
É importante mencionar também que, antes da chegada da família Real ao Brasil,
havia a preocupação com a extração de outros elementos mais rentáveis, com ganhos mais
rápidos do que o salitre e o ferro, a exemplo do tão almejado ouro e diamantes. Assim,
podemos afirmar que a indústria da extração desses elementos menos cobiçados foi preterida
no seu alvorecer.
De fato, a indústria brasileira de larga escala iniciou-se apenas após a transmigração da
corte portuguesa ao Brasil. Os primeiros grandes empreendimentos que se seguiram ao ano de
1808 indicam a etapa prática que as manufaturas de larga escala tomaram no século XIX. A
Real fábrica de ferro de Gaspar Soares, a Fábrica Patriótica, a Real Fábrica de Ferro de São
João de Ipanema e a Real Fábrica de Pólvora do Rio de Janeiro evidenciam os primeiros
passos da indústria nacional no moderno sentido do termo.
É preciso lembrar que o grosso da economia brasileira que se seguiu ao século XIX
manteve-se alicerçada no binômio monocultura-latifúndio, especialmente por este ter sido o
século em que o café se tornou o principal gênero cuja produção atravessou em alta todo o
século dezenove e foi e manteve-se em altos níveis até meados de 1930.
126
Aqui vale importante ressalva. Muitos africanos raptados e levados em situação de escravidão ao Brasil
tinham conhecimento técnico nativo notadamente apurado em produzir ferro. Essas pessoas vinham sobretudo
do Reino de Angola e eram preferencialmente escolhidas para trabalhar nas oficinas de ferreiros em Minas
Gerais. Cf. ALFAGALI, Crislayne. op. cit., 2012.
127
Cf. ROCHA, Ilana Peliciari. Escravos da nação: o público e o privado na escravidão brasileira, 1760-1876.
São Paulo: Edusp, 2018.
128
Em carta régia do ano de 1799, é solicitado ao governador da Bahia a abertura de uma estrada de Montes
Claros à Camamú para o transporte de salitre e madeira, o que reforça que a metrópole também interferia para o
melhor resultado do aproveitamento dos referidos gêneros. Cf. AHU, Projeto Resgate - Bahia Avulsos, cx. 213,
doc. 15044, 12 de julho de 1799.
129
Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro. op. cit., 1958.
70

A ilustração ocorrida no Reino português projetou no Brasil um processo ensaístico


manufatureiro que de fato só se concretizou ao longo do século XIX. Portanto, ao passo que a
aceleração do processo de inserção da economia portuguesa se deu no mercado mundial, o
vasto domínio brasileiro contribuiu para uma via de mão dupla: se por um lado o estudo das
riquezas naturais encaminhou Portugal para a reformulação econômica, por outro deu início
ao movimento, ainda que rudimentar, do estabelecimento da industrialização no Brasil.
Parte da historiografia esteve debruçada nos aspectos pelo qual a ciência da Historia
Natural se projetou na América portuguesa. No entanto, para além da tendência de se
estabelecer uma total inventariação do Novo Mundo, as manufaturas eram parte do saber
utilitário que poderia fomentar o crescimento econômico do Império português. Assim,
construir fábricas no Brasil contribuía plenamente para a realização dos interesses
pragmáticos do período aqui estudado.
Com a institucionalização da ciência ilustrada por parte do Estado português na
segunda metade do século XVIII, houve a abertura para o conhecimento técnico
manufatureiro, qual seja do estudo aqui proposto, para a extração e produção metódica do
salitre e do ferro. Em outras palavras, graças ao desenvolvimento da ciência ilustrada na
América portuguesa, é possível afirmar que houve a abertura para um espaço ensaístico de
industrialização em larga escala no Brasil.
Portanto, a ciência ilustrada, que foi instrumento do reformismo no Império português,
esteve sob a égide do Estado. Neste ponto, a figura se D. Rodrigo de Sousa Coutinho foi
fundamental para se promover e disseminar o desenvolvimento manufatureiro não apenas em
Portugal, mas também no domínio americano.
O processo de melhoramento da mineração e da agricultura com referência nas
pesquisas desenvolvidas pelos naturalistas também contribuiu para que fosse possível ampliar
a produção. Conforme salienta Varela:

[…] na América Portuguesa não se contentou apenas em apresentar as atividades de


pesquisa e exploração de bens minerais para o mercado internacional, mas também
para o mercado local. […] a pesquisa e a exploração de minerais para o
abastecimento do mercado interno foi uma atividade intensa no período colonial,
destacando a produção do sal, enxofre e salitre, ferro e aço, pedras, areias e argilas,
entre outros.130

Com a intensificação do processo pragmático da obtenção de recursos naturais, a


exemplo do ferro, cuja abertura para o conhecimento metalúrgico que até então não havia sido
130
VARELA, Alex G. op. cit., 2005, p. 85.
71

aplicado na colônia brasileira, não pode ser confundido com a dinâmica que era usual nas
oficinas dos ferreiros. Em linhas gerais, o ferro manipulado nas oficinas dos ferreiros em
Minas Gerais era importado em barras de outras localidades da Europa, o que dispensava as
etapas iniciais de obtenção daquele minério.131 Vale destacar também que a manufatura do
salitre, em grande medida, esteve majoritariamente sob tutela orientação das diretrizes
ilustradas que os administradores consideravam melhores ao seu beneficiamento.
Entre outras características da conjuntura do período aqui estudado, é preciso reiterar a
questão do já citado esgotamento das minas de ouro, momento que demandava por mais
ferramentas específicas para obter o ouro que não estava mais depositados nas superfícies dos
rios, por exemplo. Testemunho que ilustra as recomendações do estabelecimento de
manufaturas para substituir o ferro importado, assim como outras fábricas a exemplo do
salitre, é o do político José Elói Ottoni. Em memória escrita no ano de 1798, Ottoni apresenta
argumentos favoráveis à instalação de alguns ramos manufatureiros em Minas Gerais, de
modo que com as mesmas indústrias se superassem certos problemas que decorriam da falta
de alguns produtos naquela capitania:

o que tudo cessa, querendo Sua Mag. servir dos meios que acabo de propor a
benefício da Industria; pois esta (jamais deixarei de repetir) he som. e quem pode
fazer com que se percebão as grandes vantagens daquelle paiz. Eu não digo que se
lhe permittão o uzo de todas as Fábricas, nem todos os generos de manufacturas;
porem não acho razão, por que se lhe neguem aquelles ramos da Industria que por
negligencia compramos as Naçoens extranhas, e que de algum modo esgotão o
sangue do Estado, como são o ferro, o aço, o salitre […].132

As posições dos naturalistas fazem, nesse panorama, parte imprescindível no processo


nas intenções de instalação de fábricas no Império colonial. Como indicaremos nos capítulos
seguintes, os estudos e as considerações gerais dos pesquisadores luso-brasileiros são
fundamentais no sentido de manter e justificar a existência de manufaturas que substituíssem
as importações com argumentos metódicos. José Vieira Couto fez considerações a
necessidade da introdução da moderna metalurgia para sustentar a produção aurífera:

131
Cf. ALFAGALI, Crislayne. op. cit., 2012.
132
OTTONI, José Eloi. Memória sobre o estado actual da capitania de Minas Geraes. In: ANNAES da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro. Volume 3. Rio de Janeiro: Oficinas Graphicas da Biblioteca Nacional, 1930, p. 315.
Ao longo do texto, o autor faz apontamentos para o melhoramento da agricultura, para melhor proveito da
extração do ouro, mas defende veementemente a questão das manufaturas como setor fundamental para as boas
finanças da capitania de Minas Gerais. Já no início da memória, Ottoni indica que: “[…] por não haver na
Capitania hum só gênero, q. possa suster a força de um imposto ainda o mais leve enquanto não se crearem n
Brazil alguns ramos do mecanismo e da indústria. Eis aqui a origem da abundância, a protetora das artes, a mão
do provido trabalho, a indústria… eis aqui some. quem pode assegurar a independência das naçoens. He tão
evidente a força desta questão, que não precisa ser demonstrada .”. p. 307.
72

não basta somente ter-se mostrado aos mineiros o como devam abrir c trabalhar as
suas minas; cumpre mais administrar-lhes certos meios e remover alguns obstáculos
que se apresentem ou possam tolher o expedito giro desta máquina. O ferro, este
melai tão necessário a todas as artes, a Iodos os ofícios, que rasgando a terra obriga
esta a ornar-se de uma verdura mais amena e alegre e a desentranhar-se em dons e
riquezas, que levado às nossas fronteiras mostra aos nossos inimigos um muro
inconquistável - a morte c o espanto; este metal, mais precioso ao homem do que o
ouro e a prata, que é o que a Providência derramou sobre nós com uma
prodigalidade espantosa. Não sei porque fatalidade, ainda até hoje não nos temos
abaixado para levantarmos da terra estas riquezas que ela tão largamente nos
oferece: porque razão estamos a sustentar com o nosso dinheiro as fundições da
Suécia, da Alemanha e da Biscaia, nós que as podemos arruinar todas ou, ao menos,
tirar-lhes grande parte dos seus lucros! Por que razão uma nação de necessidade
mineira como a nossa esperará que lhe venha do fundo do norte, por um preço
exorbitante, o ferro c o aço para poder trabalhar as suas minas? Quanto estas coisas
não devem retardar, empecer e ainda quase de lodo impossibilitar o exercício de
muitas lavras! Isto é patente aos olhos da razão e nós, os moradores deste continente,
o vemos todos os dias com os nossos próprios olhos. E, na verdade, sendo o ferro e o
aço os gêneros de maior necessidade e consumo para o mineiro e a sua falta um
empecilho para a mineração, logo que o listado providenciar para que estes mesmos
gêneros haja, em abastança e por um baixo preço, ele terá já dado um grande passo
para animar o trabalho desta mesma mineração e para a constituir em um muito
melhor pé. O meio. porém, de termos estes mesmos gêneros baratos e sempre
prontos, não vejo outro senão lançarmos mão daquele mesmo ferro que a natureza
nos oferta junto às bocas das nossas minas, estabelecendo nós neste país as nossas
fundições.133

José de Sá Bittencourt e Accioli, pesquisador que fez importantes estudos sobre o


salitre baiano, indicou numa de suas pesquisas a possibilidade de se instalar fábricas de salitre
na Memória sobre os terrenos nitrosos dos Montes Altos:

por toda a encosta da serra desde os Montes Altos, até a Tabocas […], que abunda de
muita lenha, e madeiras de construcção, taessão os amargos, páos pretos, páos de
arco, cedros, tamboris, aroeiras e havendo igualmente muita pedra de cal por toda a
planície, de que se observam aqui, e ali vários cervos espalhados no plano das
caatingas, que ficam entre as serras dos Montes Altos, e das Emburanas […]. Destas
serras tenho alguma notícia communicada dos habitantes, que todas as vezes que
fazem lapas, contém salitre, o que não observei por me ficarem fora do giro da minha
viagem, e não querer retardar as notícias, e observação dos mais lugares, que me
restava fazer, o querem qualquer outro tempo se pode executar depois de estabelecida
a fábrica neste lugar, havendo homens hábeis, que bem o possam executar, ainda que
eu encarreguei esta observação a Manoel Ribeiro de Vasconcellos, sujeito
intelligente, que assistio comigo em todos os exames, e é um dos homens brancos
que ha no lugar dos Montes Altos […] e um negro vaqueiro, de que é administrador
José Pereira da Silva, homem pardo […] sendo o sobredito terreno muito necessário
para a administração, comodidade do serviço, caso a vista dos exames, que remete
haja sua Magestade por bem levantar fábrica, como também todo o mais terreno, que
acompanha a serra […].134

133
COUTO, José Vieira. op. cit., 1994, p. 73.
134
ACCIOLI, José de Sá Bittencourt. Sobre a viagem ao terreno nitroso nos Montes Altos em 1799. O auxiliador
da Indústria Nacional, Rio de Janeiro, v.13, n.4, pp. 97-114, 1845, p. 103.
73

Os diversos pedidos para o estabelecimento de fábricas na América portuguesa pelos


naturalistas indicam outrossim que a elite burocrática estava em sintonia com as reformas
ilustradas ocorridas em Portugal. Para se concretizar os anseios do Império colonial
estabelecido no Brasil, as artes e manufaturas eram vistas como parte substancial dentro desse
processo.135
As manufaturas estavam, assim, ligadas ao conjunto das ações que pretendiam mapear
o mundo colonial. A princípio, os interesses que orbitavam nas reformas ilustradas estavam
boa parte circunscritos às produções naturais e ao fomento de melhores técnicas agrárias.
Porém, o fabrico, no caso do estudo aqui empreendido do salitre e do ferro, evidenciam a
necessidade para o melhor rendimento das riquezas naturais.
Não se pode afirmar aqui que o pacto colonial mudou substancialmente de qualidade e
aspecto a partir do momento em que se iniciaram as pesquisas praticadas pelos naturalistas
luso-brasileiros, assim como a produção manufatureira que, em boa parte, eram extensão do
salto científico iniciado na metrópole. Grosso modo, o Brasil continuou sendo um grande
celeiro de riquezas naturais, sobretudo nas últimas décadas do século XVIII, cuja importância
era fundamental para manter a economia de Portugal operante. No entanto, o esforço de
inventariar a América portuguesa indicou mudanças no caráter meramente exploratório
impassível à economia portuguesa.
O movimento em defesa das manufaturas intensificado pelos estudos dos naturalistas,
portanto, não pode ser considerado meramente como extensão das operações corporativas das
oficinas e do interesse pontual de particulares em produzir gêneros artesanais.
Em suma, a ciência utilitária abriu espaço para que as manufaturas operassem a partir
de um cariz metodológico pelo qual os resultados renderiam proveitos econômicos para o
Império português. Em outras palavras, é possível desvelar na História Natural brasileira
como um dos principais pilares para o estabelecimento de manufaturas. A tomada à dianteira
de Portugal sobre as produções do salitre e do ferro foram indispensáveis para a abertura do
reconhecimento das potencialidades do solo brasileiro, assim como para melhor aproveitá-lo.
Mesmo com as dificuldades em cumprir todos os objetivos lançados nos círculos ilustrados, a
exemplo dos citados anteriormente neste tópico, estava inaugurada nova etapa da ciência do

135
Segundo Oswaldo Munteal Filho, “a utilidade desses acontecimentos acumulados revestiam-se, portanto, de
grande importância se considerarmos a orientação da política portuguesa dirigida à burocracia colonial que, por
sua vez, era também metropolitana, quer dizer, cada vez mais a elite burocrática do Império colonial ultramarino
associava-se ao reformismo lisboeta e coimbrão.”. MUNTEAL FILHO, Oswaldo. op. cit., 1998, p. 313.
74

período colonial, assim como sua influência para que, completando os ensejos circunscritos à
época, as manufaturas se instalassem com um verniz operativo objetivando consideráveis
resultados.
75

Capítulo 2

A manufatura do salitre e do ferro na capitania da Bahia: perspectiva ilustrada nos estudos


do ferro e nos projetos da indústria salitreira na América portuguesa

Ao que concerne a produção salitreira e da exploração do ferro na capitania da Bahia,


privilegiaremos neste capítulo as análises relativas ao beneficiamento do nitrato de potássio
em razão do destaque dado aos estudos e aos testes que foram realizados naquela localidade,
que podem ser retroagidos à atuação dos naturalistas luso-brasileiros. Para compreendermos
as mudanças relativas à exploração do salitre na Bahia, nesta primeira parte, o foco recai
sobre as pesquisas que culminaram nas propostas relativas ao uso pragmático desse composto
químico.
O salitre, de acordo com as proposições apresentadas no capítulo I, foi um dos
produtos fundamentais para consolidação das forças bélicas das nações do século XVIII,
principalmente em termos de proteção dos domínios ultramarinos que os europeus possuíam.
Portugal não deixou de acompanhar esse processo pelo qual o nitrato de potássio, comprado
tradicionalmente da Índia, entre outros fins, serviu para assegurar seu projeto de conquista
colonizadora. Como bem resumiu Ana Cardoso de Matos,

o salitre foi outro dos produtos químicos sobre a qual o governo fez recair as suas
preocupações de substituição da importação pela produção nacional. A auto-
suficiência na produção da pólvora era fundamental para os governos assegurarem a
sua independência no abastecimento de munições aos seus exércitos. Para Portugal
essa auto-suficiência assumiu particular importância na altura em que Portugal a
invasão francesa era iminente.136

Em outras palavras, a exploração do salitre foi uma das chaves para o fortalecimento
da formação dos Estados europeus. Vale reiterar que, antes do desenvolvimento do
trinitrotolueno e nitroglicerina no século XIX, esse mineral era um dos insumos
indispensáveis para se fabricar a pólvora. Além de sua importância bélica, a pólvora era
componente importante na exploração de ouro e diamantes, pois era utilizada para o desmonte
dos morros e abertura de minas subterrâneas.

136
MATOS, Ana Maria Cardoso de. Ciência, tecnologia e desenvolvimento industrial no Portugal oitocentista: o
caso dos Lanifícios do Alentejo. 1997. 599 f. Tese (Doutorado em História Contemporânea) - Universidade de
Évora, p. 80.
76

Consoante ao que sintetiza de Luciano Faria, o salitre “[...] como se referem ainda os
antigos autores, nitro ou nitre [...] misturado com enxofre e carvão em proporções que
poderiam variar entre nações ou culturas, a Pólvora era o mais almejado produto final do
salitre.”137, sendo que sua fórmula química contemporânea é apresentada por KNO 3 e que no
período aqui estudado era conhecido cientificamente por nitrato de potassa, atualmente
intitulado nitrato de potássio.
Esse mineral se tornou um dos interesses operacionais da máquina administrativa pela
qual o Estado português permitiu a sua manufatura no Brasil a partir do final do século XVII,
embora as invasões holandesas ao continente Americano tenham suscitado, desde a década de
1620, a necessidade de se obter o salitre como garantia para a produção de munição com a
finalidade de combater aos possíveis invasores, assim como para dar respaldo ao processo de
conquista ao interior.
O Estado teve papel fundamental no fomento da produção salitreira durante todo o
período colonial brasileiro. À máquina administrativa coube os investimentos essenciais à
vida econômica dos domínios ultramarinos que progressivamente se integraram ao corolário
centralizador do despotismo ilustrado, ao passo que havia uma clara indução ou mesmo a
proteção de certas atividades, como é o caso do salitre.138
Desde o início da colonização, Portugal dispôs de um vasto depósito de recursos
naturais a ser conquistado na América. Ao longo do processo da exploração dessas riquezas,
os colonizadores notaram prontamente as quantidades de salitre em forma de nitreiras
naturais, ou seja, em cavernas calcárias. Esse arranjo em cavernas calcárias garantia que o
salitre não se dissolvesse, pois, como salienta Frei Mariano Veloso, notável conhecedor da
viabilidade da exploração daquele mineral no período aqui estudado, “he muito dissoluvel
porque trez ou quatro partes de água fria dissolvem huma parte do Salitre, e a água quente
dissolve o dobro do seu pezo.”139. Não menos importante foi a possibilidade de fazer no Brasil
uma potencial indústria salitreira a partir do método artificial de produção, conforme notaram

137
FARIA, Luciano Emerich. Mineralogistas e seus estudos sobre os minerais úteis nas Minas Gerais dos
períodos colonial e imperial. 228 f. 2019. Tese (Doutorado em Ciência) – Universidade Federal de Minas Gerais,
Departamento de Química, p. 23.
138
Cf. WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova
fronteira, 1999. Não podemos deixar de lembrar que o contrabando era uma atividade que existia ao arrepio do
controle do Estado. Isso não é diferente para o salitre. Como indicamos no primeiro capítulo, o salitre era um
produto altamente usual na vida colonial não apenas para fins bélicos, mas também para uso medicinal.
139
VELOSO, José Mariano da Conceição. Alographia dos alkalis fixos. Lisboa: Offic.. de Simão Thaddeo
Ferreira, 1798, p. 47.
77

alguns dos naturalistas encarregados de realizar sua investigação no final do século XVIII e
início do século XIX.
As invasões da baía do Guanabara pelos franceses, em 1711, evidenciaram para a
Coroa portuguesa a necessidade de fortalecer a proteção das áreas costeiras colonizadas pelos
lusos. D. João V enviou à América portuguesa o engenheiro militar Joseph Fernandes Pinto
Alpoim para o ensino da artilharia, que incluía a instrução para o fabrico da pólvora. 140 Joseph
Alpoim deixou registros, entre os quais indica formas de se obter o salitre. Esse registro pode
ser observado no livro intitulado Exame de bombeiros141.

2.1 A manufatura do salitre e as reformas ilustradas

Com as reformas ilustradas adotadas em Portugal, ao longo do século XVIII, os


portugueses lançaram mão de um grande programa de mapeamento e de um inventário que
elencasse as riquezas naturais tanto na metrópole quanto nos domínios ultramarinos.
Diante desse cenário, o salitre naturalmente se tornou um dos recursos mais almejados,
com o desígnio de conquistar a autonomia de sua produção. Houve, portanto, um
investimento do Estado português na obtenção do salitre na metrópole e nos domínios
ultramarinos e isto se tornou distinto porque o desenvolvimento da ciência de viés utilitário
foi fundamental na realização desse intento.142
A particularidade do Brasil em relação à conquista do salitre e o seu uso na indústria
bélica obteve especial impulso nas últimas décadas do século XVIII, mormente após as
reformas da Universidade de Coimbra (1772) e a criação da Academia Real das Ciências de
Lisboa (1779). Intensificadas como parte dos estágios obrigatórios do curso de Filosofia da
Universidade de Coimbra, as viagens filosóficas se inseriam num novo plano pragmático que
visava o levantamento metódico dos recursos naturais tanto do Reino, quanto do Império
140
Para mais detalhes a atuação de Alpoim e o comprimento dos interesses administrativos dos representantes da
coroa portuguesa no Brasil, ver o artigo O fábrico da pólvora no Brasil colonial: o papel de Alpoim na primeira
metade do século XVIII. Cf. PIVA, Teresa C. C; FILGUEIRAS, Carlos A. L. O fábrico da pólvora no Brasil
colonial: o papel de Alpoim na primeira metade do século XVIII. Química Nova, São Paulo, v. 31, n. 4, pp. 930-
936, 2008.
141
Cf. ALPOIM, Joseph. F. P.. Exame de Bombeiros. Madrid: Oficina de Francisco Martinez Abad, 1748. O
tratado de número 10 aborda especificamente sobre a pólvora e o salitre, qual seja, Tratado da Pirobolia Militar,
ou dos Fogos Artificiais da Guerra.
142
Esse investimento pragmático nas produções coloniais esteve voltado principalmente para o melhoramento da
agricultura através da modernização das técnicas de cultivo. A resistência quanto à adoção dessas técnicas é o
que diferencia a aplicação dos conhecimentos técnicos da ciência ilustrada em relação ao que foi pleiteado na
manufatura do salitre.
78

ultramarino, com destaque para o Brasil. Embora as viagens filosóficas em solo brasileiro não
fossem parte da grade curricular, as mesmas foram empreendidas sob o estímulo do ministério
da Marinha e dos Domínios Ultramarinos.
O fortalecimento do aparato bélico a partir das possibilidades de aproveitamento
industrial dos recursos naturais, desde o início da colonização, contou com um diversificado
leque de minerais à disposição. Outrossim, como veremos mais aprofundadamente neste
tópico, mesmo quando se empregavam as técnicas rudimentares para a extração do salitre, a
qualidade desse mineral no Brasil suscitou uma considerável indústria salitreira, embora os
resultados desfavoráveis tenham acompanhado os primeiros projetos nesse setor da produção
química. As técnicas que mais tarde foram empregadas pelos naturalistas luso-brasileiros
testificam um aperfeiçoamento da forma de obtenção do nitrato de potássio, a exemplo da
produção artificial da potassa, elemento que contribuía para a manufatura no momento em
que se filtravam as terras nitrosas.
Ao longo dos anos, as abordagens historiográficas, sobretudo aquelas da segunda
metade do século XIX, sublinharam as posturas dos naturalistas em pesquisar e produzir o
salitre no período colonial como meros feitos que os tornaram homens distintos. 143 É preciso
reiterar que a busca dos naturalistas pelo salitre era parte de uma rede planejada de intentos
políticos de cooperação que tomou corpo nas últimas décadas do setecentos. Esses intentos
estavam notadamente ligados ao círculo de intelectuais sob a órbita de D. Rodrigo de Sousa
Coutinho, ministro da Marinha e dos domínios Ultramarinos a partir de 1796 e dos Negócios
Estrangeiros a partir de 1807.144
Entre as duas figuras proeminentes que estavam conectados ao ministro estavam João
da Silva Feijó, que inauguraria as pesquisas do salitre na capitania do Ceará, em 1799, e Frei
José Mariano da Conceição Veloso, que dirigiu a Casa Tipográfica do Arco do Cego, braço
editorial na promoção da implementação e transformação da indústria química e agrícola
planejada por Sousa Coutinho.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho exerceu importante papel para a consolidação da
Ilustração no Brasil e também para a manutenção da unidade do Império, assim como foi um
grande incentivador da indústria química e da metalurgia. Suas disposições apontavam para a
abrandamento do pacto colonial, especialmente quando se tratou da manufatura do salitre na

143
Cf. PEREIRA, Magnus Roberto de Melo. D. Rodrigo e frei Mariano: A política portuguesa de produção de
salitre na virada do século XVIII para o XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, pp. 498-526, 2014.
144
Não podemos afirmar que as movimentações desses naturalistas eram despojadas de interesses particulares.
79

América portuguesa, redirecionando a participação do Brasil na economia do Império e no


fortalecimento do Estado a partir da interiorização das manufatureiras na colônia.
D. Rodrigo entendeu perfeitamente que o Brasil não poderia ter apenas um papel
secundário na modernização da agricultura e da indústria no interior do Império português,
mas que deveria ser ali instalada manufaturas concomitantemente, baseando-se em técnicas
industriais sofisticadas, o que fazia parte das reformas ilustradas e de um progressivo
abandono das diretrizes mercantilistas. Em outras palavras, D. Rodrigo, respaldado por um
corpo técnico de especialistas, tentou substituir as importações de um produto altamente
necessário à integridade do Reino. Houve, desse modo, uma política de cooperação na
construção econômica baseada na substituição de importações entre Portugal e Brasil mediada
pelos intelectuais luso-brasileiros que estavam sob assistência do Conde de Linhares.145
Assim, as estratégias de conquista do mundo natural na América portuguesa, no caso
do nitrato de potássio, passaram pelo crivo da análise dos naturalistas luso-brasileiros ligados
à pessoa de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. O mecanismo de análise seguiu as linhas
pragmáticas, científicas e utilitárias que, importa lembrar, foram parte usual das diretrizes das
ações político-administrativas dos envolvidos nas reformas e nos testes relativos ao
beneficiamento desse composto químico.
As técnicas industriais relativas à efetivação da produção salitreira no Brasil, assim
como a volumosa documentação desse intercâmbio de informações sofreu descontinuidade
com a saída de Sousa Coutinho da vida pública em 1803. O projeto político 146 de D. Rodrigo,
145
Aqui vale sublinhar ponto importante. A Inconfidência Mineira alertou os portugueses para a necessidade de
manter a integridade do Império, assim como o receio da reverberação das independências das colônias inglesas
na América preocupou os administradores lusos no Brasil. Valia cooptar a elite intelectual para frear avanços que
direcionassem à independência das capitanias brasileiras. Conforme sintetiza Magnos Pereira, “sem
desconsiderar o decisivo papel econômico que, à época, a coroa atribuía às capitanias brasileiras, é preciso levar
em conta outros dois aspectos. A independência de algumas colônias inglesas da América do Norte acendera um
claro sinal de perigo. A elite colonial brasileira, até pela própria formação na Universidade de Coimbra
reformada por Pombal, facilmente poderia ser contagiada por esse exemplo. O caso da conjura mineira e o quase
perdão dado aos revoltosos são um forte indício de que a coroa não buscava o confronto, mas uma acomodação.
O que se seguiu foi uma tentativa de fazer de conta que nada acontecera. Com d. Rodrigo, este deliberado
ignorar transformou-se em política de cooptação e ele não hesitou em trazer para a sua órbita suspeitos e
condenados de participação na inconfidência.”. PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. op. cit., 2014, pp. 500-
501.
146
Além de um projeto político, podemos entender dentro desse processo um projeto editorial, como sugere
Robert Wegner: “parece haver uma grande conexão entre o projeto editorial de Veloso e o projeto político do
Império transatlântico. O projeto editorial pode começar a ser desvelado observando-se os dez volumes editados
por Veloso entre 1798 e 1806, com o significativo título: O fazendeiro do Brasil melhorado na economia rural
dos gêneros cultivados, e de outros, que se podem introduzir; e nas fábricas, que lhe são próprias, segundo o
melhor que se tem escrito a este assunto. Como o título demonstra, aquela era uma publicação voltada para a
colônia. Os livros eram enviados ao Brasil, para venda.”. WEGNER, Robert. Livros do Arco do Cego no Brasil
colonial. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 11, pp. 131-140, 2004, p. 133. Vale dizer
novamente que, a despeito da circulação de livros na América portuguesa, essas mesmas publicações não tiveram
80

em outras palavras, redimensionou o pacto colonial em razão do processo da intensificação


das pesquisas e projetos elaborados para a produção do salitre alocados na colônia brasileira.
Outro importante aspecto da política de reformas ilustradas de Dom Rodrigo, como
mencionamos, foi a fundação da Casa Tipográfica do Arco do Cego, que pretendia divulgar
obras conectadas à atualização das atividades científicas e econômicas, com a finalidade de
divulgar novas metodologias e técnicas manufatureiras e agrícolas. Frei José Mariano da
Conceição Veloso esteve envolvido na disseminação de textos relativos à fabricação de salitre,
entre os quais o Extracto do Modo de se. Fazer o Salitre Nas Fabricas de Tabaco da Virginia
(1797).
A aplicação dos mais atualizados conhecimentos do período em relação ao salitre é
indicador dos primeiros ensaios do estabelecimento de uma indústria química de grande porte,
assentada na produção de elementos essenciais a vida do Império. Grosso modo, as condutas
para melhoramento da extração do salitre das nitreiras naturais não apresentaram grandes
novidades. Todavia, os testes com as nitreiras artificiais demonstraram, especialmente na
capitania de Minas Gerais e na Bahia, como o avanço da manipulação da natureza esteve de
acordo com os pressupostos da ciência utilitária que era objetivada aplicar uma maior
rentabilidade dos recursos naturais brasileiros.
Como observado anteriormente, o repertório das Memórias, assim como dos
documentos oficiais emitidos tanto pelas autoridades administrativas quanto pelas científicas,
notificaram o perfil dos recursos dispostos no domínio americano português. De fato, a
correspondência entre os naturalistas, os administradores locais e entre aqueles instalados na
metrópole, especialmente pelos que ocupavam a pasta dos da Marinha e dos Domínios
Ultramarinos, evidenciaram o quanto a preocupação com a manufatura do salitre no Brasil foi
inerente à política ilustrada do Império.
Vale aqui destacar, mais uma vez, a importância de Frei José Mariano da Conceição
Veloso na promoção da indústria química no Brasil. Frei Veloso foi importante disseminador
de procedimentos que atualizaram as técnicas manufatureiras no Brasil, entre as quais se
insere as instruções da elaboração da potassa (carbonato de potássio), encontradas na
Alographia dos alkalis fixos147 (1798), publicação encomendada pelo príncipe regente, sob a
tutela de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, cujo conteúdo compilava uma série de escritos
ampla penetração, considerando a parca alfabetização e letramento das populações locais. Além disso, as culturas
tradicionais locais foram avessas à grandes transformações na agricultura, por exemplo.
147
É importante mencionar que o terceiro tomo desta obra, conforme a introdução do tomo I, indica os modos de
se obter o salitre. No entanto, o terceiro tomo não foi encontrado até o fim do desenvolvimento desta pesquisa.
81

produzidos em diversas academias europeias. A potassa poderia era usada na produção do


salitre quando inserida no processo de filtração, colocando-a entre as palhas e as terras
nitrosas.
De acordo com Magnus Pereira, quando Frei Veloso esteve a serviço direto de D.
Rodrigo, ambos trabalharam para que o salitre fosse produzido no Reino. De fato, essa era
uma das preocupações mais urgentes do ministro:

o que se observa então é o estabelecimento de uma parceria entre o naturalista e o


ministro, com vistas a enfrentar a questão do salitre, tópico de primeira ordem nas
preocupações de d. Rodrigo. A partir deste ponto percebe-se a progressiva imersão
de Veloso na agenda do ministro. No entanto, essa parceria, que iria desembocar no
empreendimento editorial do Arco do Cego, ainda é mal compreendida pela
historiografia.148

A Alographia dos Alkalis fixos não apenas indicou as formas de se obter o carbonato


de potássio com o intuito de auxiliar em parte do processo de obtenção do salitre, mas
também nos usos relacionados à elaboração do vidro e sabão. É interessante pontuar que esse
manual fez parte de obras traduzidas por Frei Mariano Veloso que objetivaram promover
técnicas industriais capazes de acelerar o crescimento industrial do Reino. Esse ponto é
sintomático ao considerarmos que os grandes trabalhos do Frei Veloso advogavam pelo
melhoramento dos conhecimentos botânicos, entre eles a monumental Flora Fluminesis
(1790).
Outra publicação que fez parte do projeto editorial que respaldava a execução da
exploração utilitária do mundo natural foi a Memória ou extracto sobre o salitre, extraída da
obra de Theodoro D’Urtubie, intitulada Manuel de l'artilleur (1793). Ao comparar os textos
originais elaborados por D’Urtubie observa-se que permaneceram as partes que fornecem
detalhes das quantidades dos insumos para o fabrico da pólvora, além dos métodos naturais e
artificiais empregados para se manufaturar o salitre. Em relação aos insumos da pólvora, as
quantidades que, de acordo com o autor, deveriam ser estabelecidas por ordem do Estado
francês149, fracionadas adequadamente para que o resultado da reação química seja
consentâneo. Segundo D’Urtubie:

148
PEREIRA, Magnus Roberto de Melo. op. cit., 2014, p. 503.
149
O destaque para o progressivo aumento do Estado sobre o controle do aparato bélico e militar foi usual
durante a segunda metade do século XVIII. No Reino português, as colônias ultramarinas foram proibidas de
manufaturar a pólvora, pelo menos até a chegada da família Real ao Brasil.
82

les proportions des trois ingrédiens que l'on le indiqués ci-dessus devoir composer la
poudre, ount souvent varié. En le France elles sont fixés, par ordonnance, à trois
quarts de salpêtre, un huitieme de soufre et un huitieme de charbon. Ces proportions
ne sont pas suivies par toutes les nations, chacune la frabiquant à samaniere:
plusieurs emploeint trois quarts ou quatre cinquiemes de salpêtre, et divisent la rest,
de sort que le charbon entre en le plus fort dose que le soufre.150

Os pormenores das descrições eram tópicos elementares para orientação dos


indivíduos do aparato governamental e acadêmico que pretendiam adotar métodos correntes e
considerados mais efetivos para se produzir a pólvora. D’Urtubie também, como observamos,
distinguiu os modos se obter o salitre a partir de nitreiras naturais assim como das artificiais.
Em relação às definições das mesmas, é proposto que:

l'on considère, quoqu'imparfaitement, deux denominations de salpêtre: tous deux ont


les mémes principes constituans. Le premier se nomme salpêtre naturel parcequ'il se
forme sans soin et sans travail dans les caves, les écuries, etc. et l'on entend por
salpêtre artificiel celui qu'on produit par des moyens dirigês vers ces objet [...]. 151

O autor continua o capítulo referente à pólvora salientando como se forma o salitre,


vale dizer, a partir da putrefação de materiais animais e vegetais depositados em algum
terreno propício a receber quantidade de água adequada. Tudo o que faz acelerar o processo
de putrefação desses elementos nas terras também acelera o processo de formação do
salitre.152
As nitreiras, segundo D’Urtubie, eram entendidas como “[..] un établissement où se
fabriqué en grand […]”153 e podiam apresentar três perfis, quais sejam: “[…] on peut faire
usage de fosses, de murailles et de hangars.”.154 No processo em que o salitre se forma nas
fossas, o ar dificilmente penetra nas matérias putrefatas inseridas na terra, o que torna o
processo lento para se obter o produto dessa operação, além do mesmo não apresentar
resultado à superfície. Da mesma forma, o nitrato de potássio formado nas paredes oferecia
certa dificuldade de ser obtido, especialmente pelo fato da rega só poder ocorrer na superfície,
além dessas paredes sofrerem com as intempéries. O modo que D’Urtubie sugeriu mais
adequado para se produzir o salitre eram em galpões, com a intenção de se manufaturar de

150
D’URTUBIE, Théodore. Manuel de l'artilleur. Paris: Magmel, Libraire pour l’art militaire et les
sciences et arts quai des Augustins, près le Pont-neuf, 1793, pp.128-129. O autor chega a citar o exemplo dos
chineses: “Les Chinois, dit-on, mettent trois parties en charbon sur deux de soufre.”. p. 129.
151
Ibidem, p. 130.
152
Cf. Ibidem.
153
Ibidem, p. 131.
154
Ibidem, p. 131.
83

modo artificial, respeitando as condições adequadas entre as quais a de se evitar as


inundações.
Havia outras obras que os portugueses consumiram sobre a produção do salitre. Entre
elas, destacam-se a Instruction sur l'établissement des nitrières et sur la fabrication du
salpêtre, publiée par ordre du Roi (1777), de Antoine-Laurent Lavoisier. É interessante notar
como nessa publicação o autor dá preferência à produção artificial do salitre, assim como é
lançado mão desse mesmo procedimento no Manuel de l'artilleur155. O que se pode inferir dos
conteúdos desses registros é que os franceses já instalavam uma indústria de larga escala para
a produção do nitrato de potássio. Entre as razões para adoção da manufatura artificial desse
mineral se encontrava a corrida armamentista que os Estados europeus disputaram ao longo
do século XVIII.156
De fato, os estudos relativos ao salitre se intensificaram na Europa ao longo da
segunda metade do século XVIII. De acordo com Márcia Helena Ferraz, a França foi palco de
diversas pesquisas desse mineral,

[...] no período que queremos discutir, lembremo-nos dos trabalhos realizados na


segunda metade do século XVIII no Arsenal de Paris por pensadores proeminentes
como L. -B. Gutyton de Morveau, P. -J. Macquer e C. -L. Berthollet, assim como na
Administração da Pólvora e do Salitre, onde vamos encontrar A. -L. Lavoisier. Esses
trabalhos, por sua importância, já renderam estudos de diversos historiadores da
ciência abordando os aspectos da produção e das explicações químicas para os
processos envolvidos. Acabaram por receber de um historiador francês, por uma
analogia com a chamada “Revolução Química”, o epíteto de ‘Revolução da
Pólvora’.157

A disseminação dos conteúdos científicos, ou, pelo menos, a intenção de adotar esse
viés, é significativa se considerarmos que a Metrópole portuguesa pretendia associar a elite
intelectual dos brasileiros que haviam tido alguma instrução nos centros de difusão científica
de Portugal, em especial a Universidade de Coimbra. Como reiteramos, o fato de Portugal
dinamizar as questões relativas ao pacto colonial evidencia o temor quanto às sublevações
internas que poderiam ocorrer e que de fato aconteceram, a exemplo da Inconfidência Mineira

155
Havia também uma publicação cuja autoria é desconhecida intitulada Instruction sur la fabrication du
salpêtre brut (179-?) na qual se prioriza o modo de se extrair o salitre em sua forma bruta. O curioso dessa
publicação é seu formato panfletário, assim como a responsabilidade de sua reprodução estava aos cuidados dos
responsáveis da Revolução Francesa, como o frontispício indica.
156
Na França, a pólvora foi um recurso importantíssimo durante o processo revolucionário e ao que se seguiu à
Revolução de 1789.
157
FERRAZ, Márcia Helena M. A produção do salitre no período colonial. Química Nova, São Paulo, v. 23, n. 4,
pp. 845-850, 2000, p. 845.
84

(1789) e a Conjuração Baiana (1798).158 Uma das questões que debateram os inconfidentes
mineiros foi exatamente sobre o acesso e a produção de pólvora necessária para sustentar a
guerra que se seguiria à declaração de independência que eles pretendiam lançar.
É necessário destacar que as transformações econômicas de fins do século dezoito
fizeram com que Portugal reformulasse suas estratégias político-administrativas. Os setores
agrícolas e mercantis, que tinham dominado os mercados europeus durante os séculos XVI e
XVII, tiveram à dianteira as potências ibéricas. Já, no século XVIII, assistia-se a ascensão do
setor industrial, em que os países do noroeste europeu pareciam tomar a frente.159
Mas as nações ibéricas não se fizeram esperar e um exemplo da industrialização
encetada nos ministérios de Luís de Sousa Coutinho, 1º. visconde de Balsemão, ministro dos
Negócios Exteriores, e de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Os portugueses mergulham no
processo de tomada de consciência das potencialidades do Brasil que poderiam deslanchar a
força econômica de Portugal sob o signo da sofisticação técnica manufatureira. Para isso, os
administradores e os naturalistas defenderam que era necessário adotar os novos
conhecimentos de viés científico, atualizando as atividades extrativas que haviam
caracterizado os primeiros séculos da colonização, inclusive incumbindo escravos para o
exercício dessas transformações.
Como testemunho dessa postura aplicada rumo à produção manufatureira do salitre,
para além da proposta do recorte espacial proposta neste estudo, que se centra na Bahia e em
Minas Gerais, cabe salientar os exames realizados por José da Silva Feijó, empreendidos na
capitania do Ceará. Em 1802, o governador da capitania do Ceará, Bernardo Manuel de
Vasconcelos, informou o então ministro da Marinha e dos domínios ultramarinos, João
Rodrigues de Sá e Melo, sobre a abertura de estrada para o escoamento do salitre produzido
na mina de Tatajuba. De acordo com o ofício,

158
Neste ponto, é necessário ressaltar que a mentalidade na colônia engendrada a partir do contato com a
literatura científica, com os cursos universitários e, não menos importante, com a dependência orientadora de
Portugal para as atividades da vida colonial, tinha sua particularidade. O ethos formado do sincretismo desses
pressupostos, tendo como uma das pontas a adesão ao pensamento científico ilustrado, não significou um amplo
anseio comum de mudança das bases que norteavam o Brasil nos últimos dois séculos de colonização. Como
sugere Carlos Guilherme Mota, o desejo sobre o controle da propriedade que, naquele momento era de perfil
agrário operada por mão de obra escrava, permeava a mentalidade de alguns sediciosos e mesmo de alguns
naturalistas, como é o caso de José de Sá Bitencourt e Accioli e José Vieira Couto. Portanto, houve uma versão
colonial do reformismo ilustrado. Assim, “[...] é em relação a tal ordem estabelecida que se ajustam – ou não –
certas formas de pensamento e certos comportamentos. [...] As formas de pensamento serão ajustadas aos tipos
de comportamento [....].”. MOTA, Carlos Guilherme. Atitudes de inovação no Brasil (1789-1801). Lisboa:
Livros Horizonte, 1970, p. 97. A propriedade de manufaturas, como ainda sugere Mota, é símbolo dos novos
tempos que alguns dos homens das ciências tinham a intenção de desenvolver no Brasil.
159
Cf. MOTA, Carlos Guilherme. op. cit., 1970.
85

[…] tinha encarregado o Sargento Mór. naturalista de fazer abrir huã estrada desde o
lugar do Baturité até a mina da Tatajuba onde se extrahe e purifica o salitre, e forma
a distancia de 30 legoas, a fim de se poder praticar por ella se condusção da caldeira
para onde ter minna, agora pois que a referida estrada se acha assim concluida,
[…].160

A inquirição que João da Silva Feijó realizou na capitania do Ceará também evidencia,
portanto, como os administradores régios agiram em favor da exploração do salitre. Embora
não tenha sido vultosa as quantidades obtidas por Feijó, é necessário apontar que:

para se ter uma ideia de tal soma, basta pensarmos que no ano de 1800 a arrecadação
dos dízimos de toda a Capitania do Ceará Grande alcançou somente a cifra de
16:685$000257. O relatório enviado já em 1802, pelo Escrivão deputado da Junta da
Fazenda, Francisco Bento Maria Targine explicita que, no ano de 1801 dos cofres
reais haviam saído 1:249$360 réis e a produção de salitre do sítio Tatajuba tinha
ficado apenas em 34 quintais. No ano de 1802 somente para jornais dos
trabalhadores e as conduções, segundo o relatório do mesmo escrivão da Fazenda, já
tinha saído 1:240$020 réis (um conto, duzentos e quarenta mil e 20 réis) extraindo
com isso a parca quantia de 21 quintais de salitre. O escrivão da Fazenda argumenta
ainda que, cada quintal extraído, incluindo-se o valor dos utensílios do Laboratório,
teria chegado à quantia de 61$235 réis, e que o computado unicamente com as
despesas de extração e condução teria tomado o espantoso vulto de 524$235 réis.
Ainda dessa soma, dever-se-ia adicionar o frete da Capitania do Ceará para os portos
de Pernambuco, posto que no ano de 1802, ainda não havia se estabelecida a
navegação direta para o reino.161

Essa experiência é sintomática na medida que permite perceber a expertise dos


naturalistas luso-brasileiros, que contribuíram para concretizar os interesses da Metrópole no
que diz respeito à obtenção do salitre. Destarte, pode-se perceber como o Reino português se
integrou à economia mundializada e respondeu aos interesses bélicos imediatos das nações do
século XVIII e início do século XIX. Nesse último momento, a formação de um arsenal de
guerra tornou-se ainda mais necessário, especialmente depois que a família Real transmigrou
para o Brasil. Assim, em 1810, foi erigida uma fábrica de pólvora com produção em larga
escala no Rio de Janeiro, fundada na fazenda da lagoa Rodrigo de Freitas.162

160
AHU, Projeto Resgate - Ceará (1618-1832), cx. 17, doc. 944, 30 de setembro de 1802.
161
OLIVEIRA, Antonio José Alves. João da Silva Feijó e os dilatados sertões: Pensamento Científico e
representações do mundo natural na Capitania do Ceará (1799 – 1816). 2014. 231 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, p. 171.
162
É necessário dizer que alguns autores pontuam que havia fábricas de pólvora na metrópole e, portanto, não
tinham interesse em desenvolver fábricas na América portuguesa. Conforme Lemos Britto, “uma das razões que
militaram em favor desta prohibição foi, sem duvida, a da concorrência que a nova industria faria às polvoras
portuguesas, conhecidas por polvoras do reino, até que a Inglaterra passou a tomar o Jogar que deveria ser
nosso.”. BRITTO, Lemos. op. cit., 1939, pp. 514-515. No entanto, já na primeira metade do século XVIII, na
capitania da Bahia, foi fabricado pólvora com anuência da Coroa portuguesa.
86

O panorama de inserção e de integração do Brasil às práticas ilustradas redefiniu a


posição das elites coloniais brasileiras, embora não tenha transformado vertiginosamente os
setores mais dinâmicos da economia do período colonial, entre os quais a produção de
gêneros tropicais e de metais preciosos.
Na fileira das produções coloniais, o nitrato de potássio encontra importante destaque
em razão das guerras, mas não apenas nesse sentido. A obtenção desse composto químico
ocorre num ritmo particular em relação às demais atividades econômicas na colônia,
especialmente durante o esgotamento das técnicas usuais de mineração já na segunda metade
do século XVIII que, em Minas Gerais, demandavam a investigação de veios cada vez mais
profundos que requeriam quantidades cada vez maiores de pólvora para sua extração.
Saliente-se que a mineração aurífera e a diamantífera ocorreram em ritmos diferentes.
Enquanto, por essa época, assistia-se o início do declínio da produção de ouro; a de diamantes
encontrava-se em expansão e era muito dependente da pólvora que a Real Extração dos
Diamantes consumia em volumes cada vez maiores.163
As discussões em relação à qualidade do salitre brasileiro foram intensas. Nas últimas
décadas do setecentos, os naturalistas e outros moradores da colônia brasileira, movidos por
interesses particulares, auferindo as gratificações que D. Rodrigo colocou à disposição para
aqueles que encontrassem salitre, enviaram amostras para o Reino. As primeiras investigações
sobre as jazidas localizadas no nordeste não foram promissoras. As análises de João da Silva
Feijó, em Tatajuba, indicaram que as nitreiras naturais eram as mais auspiciosas, embora o
processo de extração e de transporte tornariam a sua produção muito menos interessante das
já tradicionais importações da Índia, e as amostras, quando avaliadas em Portugal, geraram
dúvidas.
Os debates quanto à participação da América portuguesa na integração mundial dos
mercados, assim como nas origens do capitalismo no Brasil é objeto de intenso debate. 164 De
fato, o processo que aqui caracterizamos como manufatureiro, em razão do início da adoção
das práticas sofisticadas consoantes à evolução das técnicas europeias, não modificou as bases

163
FURTADO, Junia F. O Livro da Capa Verde: a vida no Distrito Diamantino no período Real Extração. São
Paulo: Anna Blume, 1996, p. 48.
164
Na academia brasileira, essas discussões tiveram seu ápice nos anos 70 e 80, amparadas sobretudo pela teoria
marxista, mas com certa revisão, consideradas as particularidades que a América portuguesa apresentava. Esses
debates se assentavam, entre outros, na classificação da economia brasileira dentro dos aspectos feudais, pré-
capitalistas e capitalistas. Essas mesmas discussões se acentuaram, mormente, em função do trabalho escravo
que foi usual em toda história colonial. Cf. HIRANO, Sedi. Formação do Brasil Colonial: pré-capitalismo e
capitalismo. São Paulo: Edusp, 2008.
87

usuais que sustentavam a economia colonial, principalmente o trabalho escravo que foi parte
indissociável da instalação das indústrias química e metalúrgica brasileiras.

2.2 As iniciativas para a extração do salitre na Bahia

As ideias ilustradas do século XVIII reverberaram na colônia e se reproduziram numa


ampla cadeia de informações que contribuíram para o estabelecimento de técnicas e métodos
de produção. A exploração do salitre revela a dependência em que Portugal se encontrava e as
dificuldades enfrentadas para a consolidação do aparelho bélico do Estado. A substituição da
importação desse importante insumo da pólvora, em um primeiro momento, permitiu que o
Estado português ampliasse o controle sobre as forças produtivas brasileiras: desde o início da
descoberta do salitre, os administradores coloniais procuraram mapear a localização desse
composto químico, evitando que particulares controlassem de forma independente a
produção.
Não podemos deixar de mencionar que boa parte das importações do salitre, no século
XVII e XVIII, eram oriundas da Índia e eram intermediadas pela Inglaterra. Ao encontrarem
grandes depósitos de nitreiras naturais no Brasil, os portugueses pretendiam substituir essas
importações por uma produção local.
Entre os primeiros registros sobre o salitre brasileiro em obras descritivas do Brasil
está a de Gabriel Soares de Sousa, produzida no ano de 1587. As descrições em relação aos
produtos naturais brasileiros mostram-se, para o autor, altamente promissoras. Para ele, o
salitre era parte dos enormes depósitos dispostos pela natureza na recém conquistada colônia
ultramarina. Já na abertura do Tratado descriptivo do Brasil, sublinhou que:

tem muito pào de que se fazem as tintas, Em algumas parte d'elle se dá trigo, cevada,
e vinho muito bom, e em todas todos os fructos e sementes ele Hespauha, do que
haverá muita qualidade, se Sua Magestde mandar prover n'isso com muita instancia,
e no descobrimemo dos metaes que n'esta terra ha; porque lhe não falta ferro, aço,
cobre, ouro, esmeralda, crystal e muito salitre, e em cuja costa sahe do mar todos os
annos muito bom âmbar.165

O primeiro grande movimento na conquista do salitre brasileiro esteve pautado na


investigação das nitreiras naturais. Portugal deu os primeiros passos na direção da manufatura

165
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descriptivo do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignacio da
Silva, 1879, p. 2.
88

desse mineral com a análise dos terrenos em que poderiam encontrar e fazer desse um produto
proveitoso.
A pólvora está intrinsecamente ligada à história da conquista da América pelos
europeus e, particularmente, do Brasil, como para a manutenção das fronteiras Sul-
Americanas. Capítulo particular que acentuou a importância da pólvora foram as descobertas
auríferas em Minas Gerais.166
É importante salientar que, devido ao clima temperado, o salitre não era facilmente
encontrado na Europa em nitreiras naturais, sendo mais comum a sua obtenção a partir de
nitreiras artificiais. As colônias ultramarinas, seja a Índia ou a América portuguesa, com
territórios muito maiores e situadas em climas tropicais, eram mais promissoras.167 No século
XIX, de acordo com levantamento d’O Auxiliador da Indústria Nacional, no ano de 1855, o
salitre movimentava o mercado europeu de forma crescente:

a Inglaterra recebe annualmente das índias Orientaes perto de 250,000 quintaes de


salitre, proveniente das lixivias de terras nitrosas no interior do paiz. A importação
total d'este artigo nos portos da Grãa-Bretanha, incluindo-se o producto de todos os
paizes, subio no anno de 1842 á 316,930 quintaes, contra 155,499 no anno de 1831,
204,580 no anno de 1835 e 309,204 quintaes no anno de 1840 tendo-se elevado esta
importação até 465,007 quintaes no anno de 1851. Destes dados póde-se deduzir,
que o consumo de salitre augmenta prodigiosamente, não só na Inglaterra, mas
também na Allemanha e mais outros paizes,. os quaes geralmente recebem este sal
por meio dos mercados inglezes.168

Em outras palavras, o Brasil participou do desenvolvimento e da manutenção das


forças armamentistas europeias. O Auxiliador da Indústria Nacional calculava que as jazidas
brasileiras eram extensas:

de vários relatórios de viajantes póde-se colligir, que o Brazil encerra grandes


quantidades de Salitre ao longo do Rio de S. Francisco; desde 20 até 10 grãos de
latitude meridional. Encontra-se esta matéria também mais ao Norte, como por ex.
em Coité, debaixo do areo de 6 gráos de latitude, e mesmo nas províncias de Ceará e
Piauhy se diz existir abundância deste genero.169

166
Cf. ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das minas Gerais no século XVIII. São Paulo:
Hucitec, 1990.
167
Cf. GANDOLFI, Haira E.; FIGUERÔA, Silvia Fernanda de M. As nitreiras no Brasil dos séculos XVIII e
XIX: uma abordagem histórica no ensino de ciências. Revista Brasileira de História da Ciência, Rio de Janeiro,
v. 7, n. 2, pp. 279-297, 2014.
168
O AUXILIADOR da Indústria Nacional, Rio de Janeiro, v. 4, pp. 227-239, 1855, p. 227.
169
Ibidem, p. 227. Vale destacar que no mesmo texto é reforçado que as nitreiras naturais, no período em que foi
escrito, ainda não estavam plenamente mapeadas: “por falta de investigações rigorosas não é possível afíirmar,
qual é a quantidade de salitre que o Brazil pôde extrahir de suas fontes naturaes; mas julgandorse pela extensão
enorme de suas terras nitrosas, o seu producto não podera deixar de ser importantíssimo.”. p. 227.
89

A descoberta do salitre na América portuguesa está ligada à interiorização promovida


pelos portugueses durante o processo da colonização dos sertões na segunda metade do século
XVII e o início do século XVIII. De acordo com Luciano E. Faria e Carlos L. A. Filgueiras:

no Brasil, a história da descoberta e extração do salitre coincide com a história da


conquista e da exploração dos Sertões de nosso país. O avanço populacional nas
proximidades do litoral aumentava o interesse pelos “desertões” do interior do
continente das maiores capitanias. Esse fato ocorreu inicialmente na Bahia,
principalmente na época em que Salvador exercia elevada importância política como
capital da colônia entre 1549 até 1763. Os ditos exploradores, denominados
“sertanejos”, acumularam por décadas o conhecimento de rios, serras e montanhas
que permitiriam o estabelecimento de rotas de navegação e a criação de estradas em
direção ao interior do Brasil. Dessa forma, aos poucos se desenhavam as
delimitações das capitanias banhadas pelo Rio São Francisco que contou também, na
sua porção mais ao sul, com o avanço das Bandeiras que partiam de São Paulo.
Entretanto, é certo que outro fator mais relevante e que não enxerga fronteiras, a
geologia local, foi proeminente na descoberta das novas fontes minerais localizadas
entre as capitanias da Bahia e de Minas Gerais.170

Segundo os dois autores, essa descoberta no Brasil resultou do reconhecimento das


paisagens que compunham os sertões. A geologia local foi investigada pelos exploradores,
mormente ligadas à sanha da descoberta aurífera. A busca e a produção do salitre se inserem
no processo de estabelecimento das fronteiras das capitanias de Minas Gerais e da Bahia,
sobretudo ao longo do rio São Francisco.
Em fins do século XVII, Portugal fez os primeiros ensaios para a análise das nitreiras e
o possível levantamento de fábricas de salitre para o aproveitamento desse produto. O envio
de amostras para análise na metrópole remonta a essa época. 171 O antecessor do salitre foi o
nitrato de cálcio, encontrado em regiões calcárias “[…] formado por bactérias nitrificantes
sobre matéria nitrogenada de origem animal (dejetos de morcegos e mocós).”. 172
Nessa conjuntura, o modo ordinário de se obter o salitre foi descrito por José Martins
da Cunha Pessoa na Memória sobre o Nitro e utilidades que dele se pode tirar e cuja citação a
seguir carrega muitas das projeções da Figura 3. De acordo com ele,

[...] e o mais geralmente recebido é, construindo tonéis de figura ordinária, e postos


verticalmente, colocando sobre o seu fundo inferior e fixo, outro que seja móvel,
sustentado por cilindro de pau, que separem os dois ditos fundos por espaço de dez,

170
FARIAS, Luciano E.; FILGUEIRAS, Carlos A. L. Salitre: o produto químico estratégico no passado do
Brasil. Química Nova, v. 44, n. 4, pp. 519-535, 202, p. 520.
171
D. João de Alencastre, governador da Bahia no fim do século XVI, encaminhou ao Rei amostras de salitre
com a intenção de erguer uma fábrica de salitre na referida capitania.
172
VITA, Soraya; LUNA, Fernando J.; TEIXEIRA, Simone. Descrições de técnicas da química na produção de
bens de acordo com os relatos dos naturalistas viajantes no Brasil colonial e imperial. Química Nova, São Paulo,
v. 30, n. 5, 1381-1386, 2007, p. 1383.
90

ou de doze polegadas, sendo ao mesmo tempo o superior guarnecido de vários


buracos. Disposta deste modo a vasilha, e tendo já uma ou duas torneiras na sua
parte inferior, se põem sobre uns malhais de altura que possam receber debaixo de si
alguma celha para conter a água que passa pela terra das nitreiras. Depois dessa
operação prévia se mete entre os dois fundos [...] alguma palha cumprida [...]. Feito
isso se mete o mineral no tonel o mineral com o sal de sua mina [...] se usa outras
camadas de palha [...] para mais fácil passagem da água por entre a terra [...].
Quando este líquido tiver passado por entre o mineral, e se julgar que está no fundo
do tonel, se abrirá a torneira para por ela sair a água carregada dos sais, que se
dissolveu, e ser recebida nas celhas. Essa operação assim praticada se repete duas
vezes, e á água da terceira é que os fabricantes do salitre chamam lavagem [...] essa
água de saturada, ou de coação, se pões em caldeiras de cobre ao fogo até ferver, e
nesse estado se lhe tira com uma escumadeira uma matéria [...] conhecida pelo
genuíno sal marino [...] quando já está privada desse sal se continua toda a operação
até consumir todo o líquido e aparecer no fundo [...] que se chama nitro puro ou
bruto.173

173
PESSOA, José Martins da Cunha. Memória sobre o Nitro. In: CARDOSO, José Luis. Memórias Econômicas
da Academia Real das Ciências de Lisboa. Lisboa: Banco de Portugal, 1991, pp.161-162. Esse processo foi
provavelmente o mais utilizado entre fins do século XVII até o início do século XIX pelo fato de ser um
procedimento mais simples de se obter o salitre, o que exigia apenas a lavagem das terras nitrosas e da
evaporação que eliminasse todo o sal.
91

Figura 3 - Fourneau avec chaudière cuivre, et bassin d'´évaporation in bois

Legenda: Forno com caldeira de cobre e bacia de evaporação de madeira. A legenda da imagem pode ser lida: A
- câmara da fornalha, sem grelha e onde se deve queimar lenha; B – porta do forno; C – passagem abobadada; D
- chaminé horizontal, na qual é colocada a bacia de evaporação; E - chaminé vertical, continuação da horizontal;
F – alvenaria sólida; G - fogão ou caixa grande de chumbo ou cobre, chamada bacia de evaporação; H - Barras
de ferro usadas para suportar esta caixa; J - tubulação terminada por uma torneira para levar a água da bacia G
para a caldeira K e para substituir a que evaporou; K – caldeira de cobre; L - caldeirão com alça, suspenso por
uma corrente e que se sobe de tempos em tempos usando um balde; M - aro de madeira ou pedra sobre o qual se
apoia a caldeira K; N - cuba cujas águas correm por um poço na bacia G; P - cavalete para carregar esta cuba.
Fonte: INSTRUCTION sur la fabrication du salpêtre brut. [s.l.: s.n.], [179- ?}.

Em outras palavras, o modo mais simplificado de se obter o salitre era utilizando-se de


tonéis onde eram depositadas as terras salitrosas. Essas terras eram dispostas em camadas
alternadas com palhas174. Seguida essa disposição, acrescentava-se a água 175 que, no primeiro
momento, deveria penetrar a terra e permanecer nos tonéis. Em seguida, retirava-se a água e
levava-se às caldeiras de cobre para que, quando essa mesma água fervesse, o sal marinho
(cloreto de sódio) ficasse na superfície e assim fosse retirado com escumadeiras. Concluído
174
De acordo com Márcia Helena Ferraz, poderiam acrescentar também cinzas. Cf. FERRAZ, Márcia Helena
Mendes. A produção do salitre no Brasil colonial. Química Nova, São Paulo, v. 23, n. 6, pp.  845-850, 2000.
175
Como indicado anteriormente, para se obter o produto final com mais precisão, poderia ser acrescentado a
potassa, como indica Márcia Helena Ferraz: “fazia-se uma cova na parte superior deste arranjo, onde se
adicionava potassa (nosso carbonato de potássio), para em seguida, colocar água.”. Ibidem, pp. 845-846.
92

esse processo, peneirava-se o restante da água. O mineral que ali permanecia era o salitre em
sua forma bruta.176 Essa forma ordinária de se obter o salitre foi usual entre os brasileiros e os
colonos. Para esse processo, não eram necessários grandes conhecimentos técnicos. O que se
tornou obstáculo para os produtores de salitre no Brasil colonial foram justamente os recursos
instrumentais necessários à mineração, bem como o processo de transporte dos resultados
obtidos até a área litorânea.
Em relação ao processo de refinamento do salitre, o Extracto do modo de se fazer o
salitre nas fábricas de tabaco da Virginia, manual traduzido para auxiliar a manufatura do
nitrato de potássio, é possível ler que

refinação. Quando se tem obtido o salitre na primeira cozida, e se quer refinar,


encha-se com elle só a terceira parte da caldeira, ponha-se ao fogo, e se mexa com
todo o cuidado com huma vara de ferro; e apenas entrar a ferver com força, e a
derreter-se, não deverá haver o menor descuido em o mexer, até que todo se derreta;
porque do contrario pegar-se-há o fogo, e se perderá todo o trabalho. Entrando a
tomar huma cor branca suja na caldeira, se deve mexer com maior força, e animar o
fogo por hum bom quarto de hora: augmenta-se este, e se mexa ainda mais sem o
receio, de que se accenda o salitre, se queime. Antes de estar inteiramente derretido,
a caldeira terá o fundo de huma cor vermelha inflamada; e a matéria apparecerá
como creme fervido. Quando assim estiver embranquecido, e líquido, se lançará
sobre huma pedra, ou em uma panela de barro, ou sobre o assoalho ou pavimento de
terra dura, bem calcada, e varrida. Logo que se esfriar, ficará duro o salitre, o qual
lançado em pedra, soará como porcellana quebrada.177

A Figura 4 ilustra uma das etapas de beneficiamento do salitre, cuja representação


abrange a descrição acima descrita.

176
Após esta última etapa, o salitre bruto era refinado.
177
BROWN, Jeremiah. Extracto do modo de se fazer o salitre nas fabricas de tabaco da Virginia. Lisboa: Off.
João António da Silva, 1797, pp. 5-6.
93

Figura 4 - Fourneau avec chaudière en cuivre, et bassin d'évaporation en bois

Legenda: Forno com caldeira de cobre e cuba de evaporação de madeira. A legenda da imagem pode ser lida: A
– sala do forno; B – passagem que segue o calor e a fumaça; C - tubo cilíndrico de cobre, nove polegadas de
diâmetro, que se encaixa no final da passagem B, atravessa a bacia de evaporação F, a três polegadas de
isolamento do fundo e junta-se ao cano da chaminé D onde a fumaça evapora; D – chaminé de tijolo; E - caldeira
de cobre de forma regular; F - grande caixa de madeira, servindo como bacia de evaporação por onde passa o
tubo C, cujo calor é transmitido ao líquido circundante; G - tubulação alinhada com sua torneira despejando na
caldeira E; H - cuba cuja água culmina na bacia F; J - aro de madeira ou pedra que sustenta a caldeira; K -
caldeirão onde os depósitos de terra são coletados; L – alvenaria sólida; M - barra de ferro colocada no forno; N -
válvula que fecha a passagem P que une a chaminé comum D. Esta passagem só será utilizada (abrindo a válvula
O, e fechando a passagem B, C, por uma válvula num ponto B) apenas quando as águas ferventes da caixa F
fosse considerável, ou que houvesse reparos a serem feitos lá; O - laço para segurar a corrente e a corda da polia.
Fonte: INSTRUCTION sur la fabrication du salpêtre brut. [s.l.: s.n.], [179- ?].

Retomando os antecedentes da indústria salitreira, vemos que para manter a soberania


em relação aos seus domínios pelos portugueses, como apontam Carrara Jr. e Meirelles, a
averiguação das jazidas de salitre foi contínua, o que foi estimulado pelos governadores gerais
da Bahia. Segundo os dois autores,

compreendem-se assim as instruções explícitas da Coroa portuguesa a Antonio Teles


da Silva quanto a intensificação da pesquisa do salitre, quando da sua nomeação
como governador do Brasil (1642). Outros governadores que sucederam a d.
Antonio foram igualmente incumbidos dessa tarefa: Afonso Furtado de Castro do
Rio Mendonça - Visconde de Barbacena (11671-1675) – e Roque da Costa Barreto
(1678-1682). Apesar dos esforços desprendidos, e até mesmo da veiculação de
94

notícias dando conta da descoberta de salitre, não foi implantada nenhuma fábrica na
Colônia.178

Na Bahia, as nitreiras dos Montes Altos apresentaram-se promissoras. D. João de


Lencastre, governador-geral (1694-1702), foi o primeiro administrador que tentou explorar o
nitrato de potássio das jazidas baianas. Autorizado a averiguar os sertões, Lencastre notou a
boa disposição das nitreiras naturais, especialmente em Jacobina.
De acordo com Francisco Varnhagen, quando os colonizadores reconheceram o
potencial dessas nitreiras, a Casa da Torre comprometeu-se a obter vinte mil quintais de
salitre, o que não se efetivou. Esse primeiro contrato foi reincidido e, assim, a Coroa decidiu
patrocinar os empreendimentos particulares, incentivando com recompensas os que, com o
uso de recursos próprios, conseguissem granjear o salitre. 179 No final do século XVII, foram
autorizadas as instalações de duas fábricas no sertão baiano. Para tanto, destaca-se a figura de
Pedro Leal Barbosa, ainda que também não tenha auferido grandes êxitos.
Um grande problema inicial enfrentado, especialmente em relação às jazidas situadas
mais afastadas do litoral, era o escoamento do produto para além da colônia, o que prejudicou
os primeiros ensaios na medida em que eram notadamente caros o transporte nas incipientes e
perigosas estradas e na travessia de rios. A abertura de mais e melhores estradas foi vital para
viabilizar a produção. Como salientam Haira Manuela Gandolfi e Silvia Fernanda de
Mendonça Figueirôa,

alguns pesquisadores apontam uma tendência de fracasso da exploração do salitre e


da pólvora no Brasil. Porém, convém destacar que este fato está relacionado
principalmente aos problemas de logística de transporte no território e não à falta de
estudos e pesquisas por parte de nossos naturalistas e técnicos […].180

As primeiras tentativas de instalação de fábricas de salitre não tiveram grande êxito


também em função dos parcos incentivos que os administradores portugueses concediam aos
indivíduos envolvidos naquela empreitada. Com os obstáculos já citados, não era interessante

178
CARRARA Jr., Ernesto; MEIRELLES, Helio. A indústria química e o desenvolvimento do Brasil (1500-
1889). Tomo I. São Paulo: Metalivros, 1996, p. 134.
179
Nas palavras de Varnhagen, “o mesmo Lancastro veiu também a receber a autorisação que, por proposta do
mesmo Antônio Luiz, obtiveram então os governadores para poderem criar novas villas; e, em virtude das ordens
do governo, passou em pessoa aos sertões da Bahia, para as bandas da Jacobina, afim de examinar as nitreiras
delles. Dois annos depois a casa da Torre se comprometteu a pôr annualmente na Caxoeira vinte mil quintaes de
salitre; porém sem tardança se viu obrigada a rescindir o contracto, offerecendo sessenta mil cruzados á Coroa, a
título de indemnisação, o que lhe foi acceito (1699) [...].”. VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral
do Brazil. Vol. 2. Rio de Janeiro: Em casa de E. e H. Laemmert, 1877, pp. 790-791.
180
GANDOLFI, Haira Manuela; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. op. cit., 2014, p. 283.
95

fornecer cabedais próprios num empreendimento que não assegurasse retornos interessantes
aos investidores.
Conforme documento orientador dos membros do Conselho Ultramarino, foi exarada
ordem, datada do ano de 1694, sobre como deveriam ser realizadas as diligências para se
reconhecer as nitreiras naturais da Bahia:

para se dar principio ao exame das terras salitrozas da Bahia deve V.S. ordenar q. a
pessoa ou pessoas q. troucherao do sertao a terra q veyo a S. Mag de. em q. fis a
experiencia vao em compa. de V.S. a esta [...] e mostrem o sitio de onde a tirarão p a.
q. conferida a do sertão com a amostra q. he a que veyo se examine provando a em
huãs brasas bem vivas; por ser o modo mais efficas e conveniente p a. se conhecer a
terra salitroza.181

Os exames primários das terras salitrosas poderiam ser feitos por qualquer pessoa que
o governador indicasse, desde que fosse dado conhecimento dessa análise ao Conselho
Ultramarino. Resultado dessas investigações, ainda que realizadas de forma pouco metódica,
em 1695, a Coroa portuguesa já tinha conhecimento de que o salitre baiano era de boa
qualidade, embora em quantidades que não permitiam a abertura de uma fábrica. Nesse
sentido, as pesquisas continuaram em Jacobina:

no entanto, embora de boa qualidade, o salitre foi encontrado em quantidade


reduzida, o que desencadeou uma nova série de pesquisas às margens dos rios
Pariqui e Serrão [...]. O equacionamento do impasse, caracterizado pela ausência de
uma fonte garantida de suprimento de salitre, tornou-se mais premente quando a
fábrica de pólvora instalada por D. João de Lencastre, no bairro de São Pedro, em
Salvador, teve sua implantação concluída. 182

Apenas em 1695, D. João de Alencastre tomou certa dimensão dos depósitos de


salitres na região do Rio Jacaré, em Jacobina. De fato, desde o início da exploração das
riquezas distribuídas pelo Brasil, a capitania da Bahia apresentou grandes quantidades de
nitrato de potássio em sua forma disposta em nitreiras naturais. Quando anunciadas as grandes
quantidades desse mineral naquela localidade e do não cumprimento das ordens iniciais para
exploração desse composto químico, a Coroa portuguesa manteve os colonos sob pressão para
exploração desse insumo:

ainda muito interessada na exploração do salitre, a Coroa portuguesa tomou a


decisão de d. João de Alencastro como ultrapassada e, através das cartas régias de 7
e 15/03/1697, insistiu na implantação de fábricas na Colônia, em locais mais

181
AHU, Projeto Resgate - Bahia Luísa da Fonseca (1599-1700), cx. 30, doc. 3874, 26 de novembro de 1694.
182
CARRARA Jr.; MEIRELLES. op. cit., 1996, p. 134.
96

convenientemente escolhidos, tendo na oportunidade determinado fornecimento de


1.200 t. de salitre a Portugal.183

A primeira fábrica foi fundada por Pedro Barbosa Leal, depois da descoberta de
jazidas de salitre e ametista, em março 1697, em Jacobina.184 Como aponta Helida Conceição,

sua habilidade para a administração dos negócios reais foi destacada na Carta de
Nomeação para o cargo das minas, “Por ser muito capaz nesta ocupação, de que eu o
julgo benemérito, pelas experiencias que eu tenho do seu zello, experiencia e
actividade e bom procedimento”. Vale destacar que as jornadas de descobrimento às
minas de salitre no sertão da Jacobina foi realizada às custas de seus escravos,
criados, cavalos.185

É interessante notar que, embora Pedro Barbosa Leal fosse recompensado com a
quantia de cento e cinquenta mil reis para a administração da fábrica salitre, o descobrimento
da jazida foi feito amparado com fundos próprios:

[...] provesse o officio de administração da fabrica do salitre no coronel Pedro


Barbosa Leal, com cento e cincoenta mil reis de ordenado cada anno enquanto servir
o dito offcio pagos na forma da mesma carta, [...] o que tudo mostrou
acompanhando-me com [...] a sua custa na jornada que fis ao descobrimento das
ditas minas [...].186

No início do século XVIII, as instalações das fábricas de salitre continuavam a ser


estimuladas na mesma capitania, como aponta carta régia encaminhada a D. Rodrigo da
Costa, governador geral do Brasil (1702-1705), a 18 de abril de 1702:

D. Rodrigo da Costa. Sua Magde. que deus guarde foy servido resolver que as
fabricas de salitre que assentou Dom Joam de Lancastro nos dsitrictos da capitanya
da Ba. não só se conservem mas que se procurem augmentar, facilitando os meios de
sua authoridade e melhora das ditas fabricas pello interesse que nisso poderá ter a
faza. Real...e importância de que... hum gênero tam necessário pa. a defença.187

Conquistado aquele composto químico, os colonizadores poderiam assegurar suas


posses americanas com um dispêndio consideravelmente mais baixo, considerados os valores
de importação do nitrato de potássio. Vale destacar, desse modo, as vantagens pecuniárias que

183
Ibidem, pp. 134-135.
184
Katia Mattoso expõe que as atividades mineradoras foram importantes para colonização dos sertões: “um
terceiro exemplo é demonstrativo de como a atividade mineradora podia abrir uma região à colonização.
Partindo de Salvador em 1696-1697, o baiano Pedro Barbosa Leal explorou a serra dc Jacobina, ali encontrando
salitrc e ametistas. Nomeado governador da fábrica de salitre em Curaçá [...].”. MATTOSO, Katia M. de
Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992, p. 75.
185
Ibidem, p. 7.
186
ANNAES do Archivo Publico e do Museo do Estado da Bahia. Salvador: Imprensa Official do Estado, v. VI e
VII, ano IV, 1920, p. 353.
187
Ibidem, p. 354.
97

são claramente indicadas com as possíveis quantias que poderiam ser angariadas com os
excedentes gerados após a execução do projeto.
De acordo com Carrara Jr. e Meirelles, esses estabelecimentos produziram muito
pouco, chegando apenas a 2.550 kg de salitre. 188 Em razão da baixa produtividade e os altos
custos de transporte do produto até o litoral fizeram com que a Coroa interrompesse o
incentivo às fábricas. Nos Montes Altos, em 1702, afirma Lemos Britto em Pontos de partida
para a História Econômica do Brasil (1939) que “extrahiram-se della 170 arrobas.”189
No ano de 1701, a atividade realizada por Gaspar dos Reis Pereira foi um dos últimos
empreendimentos salitreiros antes do abandono dessa indústria na primeira metade do
setecentos:

em 1701, a ação de Gaspar dos Reis Pereira desenvolveu-se no sentido de examinar


as jazidas do Morro do Chapéu, à margem do rio Jacaré, de modo a confirmar os
indícios de que seriam mais interessantes do que as já conhecidas. Entretanto, [...] a
exploração do salitre no Brasil parecia fadada ao fracasso.190

Embora o entusiasmo com o salitre encontrado na Bahia tenha levado ao


estabelecimento das primeiras fábricas, ordens régias, nos primeiros anos do século XVIII,
determinaram que não se continuasse na sua exploração e beneficiamento. Em carta régia de
1706, D. João V ordenou que:

havendo visto o que me informastes e o provedor mor de minha Fazenda


desse Estado sobre a deligencia a que foi mandado o coronel Pedro Barbosa
Leal, a examinara produção das minas de salitre; e consideradas as grandes
despezas que se tem feito nesta fábrica de salitre e experiência de tantos
annos de pouca utilidade que se pode tirar delle, e o muito que custa e o
pouco que say da dita fabrica e se verificar por todas as deligencias e exames
que se tem feito neste particular que o salitre he em muito pouca quantidade.
Fuy servido resolver senam continue mais com tal fabrica, aplicando-se a
outras despezas que podem ser mais necessárias [...].191

É interessante pontuar que, em 1702, teve início a construção de outra fábrica de


Pólvora na capitania da Bahia. De acordo com Adler Castro,

esta instalação ficava no “campo dos Aflitos”, onde hoje se situa o quartel do
Comando Geral da Policia Militar da Bahia. Originalmente, no local havia uma Casa
do Trem, substituído pelo prédio ilustrado, construído em 1705. Depois o edifício
voltaria a ser usada como Casa do Trem.192

188
CARRARA Jr.; MEIRELLES. op. cit., 1996, p. 135.
189
BRITTO, Lemos. op. cit., 1939, p. 152.
190
CARRARA Jr. Ernesto; MEIRELLES, Helio. op. cit., 1996, p. 135.
191
ANNAES do Archivo Publico e do Museo do Estado da Bahia. Salvador: Imprensa Official do Estado, v. VI e
VII, ano IV, 1920, pp. 355-356.
98

Por esse trecho, é possível inferir que a fábrica de pólvora chegou a ser construída, e
sua conclusão ocorreu em 1705. Até 1715, esteve à frente do empreendimento o perito
Manoel da Costa. No entanto, é provável que a operação de fabrico, que perdurou até o fim de
1730193, tenha sido esporádica194, pois a produção do salitre foi interrompida por ordens de D.
João V.195 Na Figura 5 podemos notar a planta da fábrica de pólvora da cidade da Bahia
encontrada no livro Arquitetura colonial baiana: Alguns aspectos de sua história (2010), de
Robert C. Smith.

192
CASTRO, Adler H. Fonseca de. A pré-indústria e governo no Brasil: iniciativas de industrialização a partir do
arsenal de guerra do Rio de Janeiro. 2017. 633 f. Tese (Doutorado em História Comparada) – Universidade
Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História, p. 11.
193
Considerarmos também as reformas pelas quais a casa da pólvora passou entre a sua fundação até o fim de
suas operações em 1730, quando Afonso Luiz da Silva entregara a fábrica ao almoxarife Francisco de Torrez
Bayam. Cf. SMITH. Robert C. Arquitetura colonial baiana. Alguns aspectos de sua história. Salvador:
EDUFBA, 2010.
194
É possível deduzir este ponto se considerarmos, por exemplo, a carta do vice-Rei, Visconde de Sabugosa, em
1726, solicitando o provimento de canhões, morteiros e pólvora. Cf. AHU, Projeto Resgate - Bahia Avulsos
(1604-1828), cx. 27, doc. 2439, 28 de junho de 1726.
195
Entre 1706 e 1739, a extração do salitre não foi apontada nos livros de registros oficiais. Assim sendo, o
fabrico deste elemento provavelmente ficou reduzido a produções pontuais para usos diversos do dia a dia dos
habitantes da capitania, sobretudo para uso doméstico. De acordo com Ignacio Accioli Silva, os registros oficiais
indicam que a autorização de particulares para a exploração do salitre foi indicada apenas em 1739, sem
qualquer subsídio por parte do Estado: “não apparece nos livros desta secretaria outra alguma ordem a este
respeito até o anno de 1739, expedindo-se então uma provisão pelo conselho ultramarino, datada em i3 de
outubro do dito anno, com que S. M.,por resolução sua de ia de julho daquelle anno, foi servido conceder licença
a Manoel Fernandes Lavado, João Baptista Rodrigues, e mais sócios pela experiencia, que adquirirão nos sertões
do estado do Brasil , para abrirem em diversas paragens delles, minas de salitre,que tinhão descoberto, com os
privilégios e condições declaradas na mesma provisão, sem que igualmente conste de resultado desta
sociedade.”. SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. Memórias historicas e políticas da província da Bahia.
Tomo I. Bahia: Typ. do Correio Mercantil, de Précourt e C., 1835, p. 239.
99

Figura 5 - Casa da Pólvora

Fonte: SMITH, Robert C. Arquitetura colonial baiana.


Alguns aspectos de sua história. Salvador: EDUFBA, 2010, p. 32. .

As investigações sobre as nitreiras baianas só retomariam com fôlego na década de


1750. Progressivamente, o Estado português exigiu conhecimento mais especializado para a
verificação ou a produção de salitre. Assim, na segunda metade do século XVIII, essa
investigação passou, em grande medida, para os naturalistas luso-brasileiros.
Após 1750, a primeira iniciativa de extração do salitre na Bahia foi levada a cabo por
Thomaz Roby de Barros. Ele havia sido aventado, em 1760, ao cargo de vice-rei do Brasil,
porém, sua nomeação acabou por não ser aprovada. Embora tenha sido preterido nesse último
cargo, manteve-se ligado às pesquisas químicas.
100

Em meados de 1757, Roby de Barros foi incumbido de remeter ao Reino amostras das
nitreiras naturais dos Montes Altos, embora não tenha realizado ele mesmo as prospecções 196,
que foram feitas pelo mestre de campo Pedro Leolino Mariz 197, pelo engenheiro Manoel
Cardozo de Saldanha e pelo tenente de infantaria Francisco da Cunha de Araujo. Em 1758, os
resultados das análises empreendidas encaminhados para Portugal foram auspiciosas. Ainda
durante a década de 1760, as ordens régias foram categóricas para se intensificarem as
pesquisas do salitre na comarca de Jacobina:

teve ordem este governo de proseguir na exploração do terreno nitrogeneo da


província, para o que enviou o engenheiro Manoel Cardozo Saldanha, e o capitão
Francisco da Cunha Araújo, já mencionados, a examinarem as nitreiras dos morros
que ficão próximos aos rios Sipò, e Parafina na comarca da Jacobina,
abundantíssimos em salitre segundo o participou o chanceller Thomaz Ruby [...]. 198

Como resultado desses estudos, em 1761, por ordem régia, foi criada uma fábrica nos
Montes Altos, quando foram remetidos ao Brasil os seguintes utensílios sob os cuidados do
tenente Luiz de Almeida Pimentel:

constava esse laboratório, para cuja direcção chegou tambem de Lisboa, o major
engenheiro Luiz de Almeida Pimentel, vencendo soldo dobrado desde o dia do seo
embarque, do seguinte: 16 caldeiras grandes de cobre, para purificar o salitre, com o
peso todas de 123 arrobas e 18 libras; a caldeiras mais que pesavão 33 arrobas e 15
libras; as celhas de páo para alixivia; 1 celha grande de cobre de peso de 58 libras,
para fazer correr o salitre depois dc cozido; 4 escumadeiras grandes com o peso de
15 libras, dois cabaços de cobre, para tirar o salitre das caldeiras, pesando 13 libras;
4 ferros de cortar o salitre, 4 maxadimhas; 7 colheres de ferro; 4 baldes de páo; 1
crivo de latão; 3 taxas grandes de cobre, que pesavão 42 libras; 2 ferros de moer o
salitre nas caldeiras; 2 chaminés de ferro e seos pertences; 12 pás grandes de
madeira; 1 caixão de pedra hume com 150 libras; outro de gomma de peixe com 1
arroba; 24 peneiras de pano; 2 pás; 6 cabaços pequenos de cobre com 22 libras, e 6
vassouras de cabello.199

Em relação ao escoamento do salitre a ser produzido nos Montes Altos, após a


verificação positiva de sua qualidade, os encarregados das pesquisas de 1757, liderados por
Thomaz Roby, propuseram “emendas” nos caminhos, ou seja, a abertura de atalhos para que
os custos de transporte até o litoral baixassem e que deveriam ser construídos mediante a

196
Cf. SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 1976.
197
Pedro Leolino Mariz, já no ano de 1755, havia sido indicado para analisar o salitre dos Montes Altos, como
aponta documento do Arquivo Histórico Ultramarino. Em carta, Leolino Mariz justifica o atraso nas análises.
Entre as justificativas para o atraso, o pouco tempo disponível e o inverno foram argumentos para o não
cumprimento das ordens. Cf. AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais, cx. 69, doc. 76, 11 de maio de 1756.
198
SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. op. cit., 1835, p. 229.
199
Ibidem, pp. 229-230.
101

concessão de subsídios pagos pelos cofres régios. A Tabela 1 apresenta os trechos do caminho
onde deveriam ser abertos atalhos, sua distância e os custos para a Fazenda Real. O transporte
também foi calculado de acordo com a disponibilidade de alguns indivíduos cujas
propriedades se encontravam no trajeto até o porto de São Félix. A Tabela 2 lista o nome dos
particulares responsáveis pelo transporte do salitre a partir de suas propriedades nos arredores
dos Montes Altos e o valor a ser pago a cada um.
102

Tabela 1 - Propostas de atalhos exaradas pelos comissários designados pela Coroa portuguesa, no
ano de 1757, para escoar o salitre dos Montes Altos
Local Atalho - Distância total Custos adicionais à Fazenda Real
Montes Altos até 6 léguas Sem custos adicionais
fazenda do Pé da
Serra
Fazenda do Pé da 7 léguas Sem custos adicionais
Serra até a
Fazenda do
Ambuzeiro
Rio das Contas Até 6 léguas 100$000 rs.
o Sincurá
Fazenda Manoel 13 léguas 200$000 rs.
José d’Ermon até a
Fazenda das Flores
(Com entreposto
na fazenda da
Palma)
Cabeça do Touro 7 léguas Sem despesas
até fazenda Boa-
Vista

Total de gastos adicionais para a Fazenda Real com os atalhos: 300$000 rs.

Fonte: SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. op. cit., 1835, pp. 211-212.

Tabela 2 - Custos pagos pelo transporte do salitre, nome do responsável


e da sua propriedade nos arredores dos Montes Altos
Responsável pelo Local - propriedade Custos do transporte por
transporte quintal
Manoel Pinto Fazenda da Palma 8$500 rs.
Cardozo
Manoel José Fazenda S. João 3$200 rs.
d’Ermondo Baptista
Francisco Soares Engenho de Santo 3$200 rs.
Antonio
Antonio Rodrigues Fazenda da Tapeira 5$000 rs. (independente
da quantidade de quintais
que estivessem dispostos
anualmente).
José Tavares Administrador dos 4$600 rs.
comboios da estrada aproximadamente
da Bahia para Minas
Fonte: SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. op. cit., 1835, pp. 230-231.
103

Não menos importante para realizar os ensaios para a instalação de fábricas nos
Montes Altos foi a questão do conhecimento adequado para a realização de todas as tarefas
relativas ao processo de extração e transporte. Os chamados “homens peritos” eram
frequentemente solicitados para os auxiliarem nessas atividades. Da mesma forma, os
instrumentos adequados eram constantemente requisitados para o empreendimento, como
alguns vistos na Figura 4.
Pode-se apurar pela leitura da documentação relativa à fábrica dos Montes Altos que
três grandes pontos de estrangulamento ainda dificultavam a instalação de fábricas de salitre,
na segunda metade do século XVIII, na capitania da Bahia: o transporte, os instrumentos
necessários para as atividades mineradoras e a falta de peritos especialistas na obtenção do
nitrato de potássio na sua forma disposta nas nitreiras naturais.
Em relação ao transporte, como dito, o corpo dos examinadores da década de 1750
listou as ofertas disponíveis para as “emendas de caminho”, ou seja, os locais que permitiriam
reduzir o tamanho do caminho através de atalhos construídos dentro das fazendas e dos sítios
com o intuito de escoar a produção até o porto de São Felix, apontando os recursos
necessários para a empreitada.
No que se refere aos instrumentos que não eram manufaturados no Brasil, caberia à
Coroa portuguesa subsidiar os custos para que estes meios de produção chegassem à América
portuguesa, o que foi assumido pela Coroa quando da construção das duas fábricas de salitre
nos Montes Altos.
Já em relação aos homens que possuíssem o conhecimento necessário para a obtenção
do salitre, os primeiros peritos eram membros das forças militares, geralmente engenheiros
militares, a exemplo de Alpoim, que recebiam treinamento adequado para tanto. Nas últimas
décadas do século XVIII, os naturalistas luso-brasileiros completaram esse quadro.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho foi o ministro encarregado de arregimentar o corpo de
experts, bem como de articular uma das bases importantes para a efetivação desse processo,
qual seja a divulgação dos conhecimentos técnicos através de publicações 200 que orientassem
metodicamente seus interlocutores.

200
Entre os empreendimentos editorais que apontavam para este caminho estão as traduções de panfletos que
orientassem a produção do salitre. Entre esses panfletos que foram traduzidos exatamente por Frei Veloso, vale
mencionar novamente, está o Extracto do modo de se fazer o salitre nas fabricas de tabaco da Virginia, de
Jeremiah Brown. Mariano Veloso também traduziu a Memoria, ou extracto sobre o Salitre: trasladada do manual
do artilheiro de Theodoro D'Urtubie, em 1797.
104

Entre esses intelectuais sob a influência de D. Rodrigo e que cumpriram a diligência


de averiguação do salitre, bem como as formas de seu aproveitamento industrial, estava José
de Sá Bittencourt e Accioli (1752-1828). Bacharel pela Universidade de Coimbra, José de Sá
esteve ostensivamente envolvido nas investigações químicas baianas. Importa lembrar que
esse naturalista foi implicado na Inconfidência Mineira, o que lhe causou a prisão. Esse ponto
nos remete, novamente, a questão da cooperação dos intelectuais, ainda que implicados em
alguma sedição, para a colaboração nas reformas ilustradas.
Em 1799, José de Sá Bitencourt e Accioli, por ordem de D. Rodrigo de Sousa
Coutinho, redigiu importante texto sobre os Montes Altos cujo título é Memória sobre a
viagem do terreno nitroso dos Montes-Altos, discursando sobre como se deveria extrair o
salitre do local. As atividades e as reflexões de José de Sá Bittencourt sobre Montes Altos,
bem como as de José Vieira Couto, encetadas na capitania de Minas Gerais, são importantes
capítulos da história da Química, no Brasil, na qual o método científico de viés iluminista se
torna a base do conhecimento que produziram.

2.3 A manufatura do salitre nos Montes Altos

Em portaria de 18 de maio de 1799, José de Sá Bittencourt deu conta das análises


empreendidas nos Montes Altos e das incumbências necessárias para se extrair o salitre de
forma proveitosa para o Erário Real. No início do documento, apresentou os dois modos mais
convenientes de se abrir a empresa, sendo elas: “1. Quer S. A. Real tomar inteiramente sobre
si a extracção do salitre e trabalhal-o a seu proveito, e perda, ou 2. Quer encarregar a sua
extracção a huma parte dos seus vassalos, que della se queira incumbir, isto é, fazel-o extrahir
por huma Companhia”201. Fica implícito no documento que a preferência deveria ser dada à
injeção de recursos diretos do governo e que seria mais conveniente ao empreendimento o
Estado arcar com a gerência.
José de Sá Bittencourt informou que, resultantes das análises já aplicadas nos testes,
foram enviadas amostras de salitre bruto e purificado para averiguação da qualidade das
mesmas em Portugal. No entanto, advertia que antes de prosseguir com as diligências
necessárias para lançar as bases da empresa, seria necessário justamente abrir estradas para ali

201
PORTARIA de 18 de maio de 1799. In: O Auxiliador da Industria Nacional, Rio de Janeiro, v. 13, pp. 77-85,
1845, p. 77.
105

ser possível se instalar laboratórios, o mesmo obstáculo com que se defrontaram os


empreendimentos anteriores.
De acordo com o naturalista, os Monte Altos estavam situados a 60 léguas da costa do
sul da Bahia. Suas experiências haviam mostrado que, num terreno de pouco mais de 30
léguas e da largura de 200 braças, as terras eram salitrosas, “[...] que se deve contar da base de
formação, ou rocha nitrosa, até a base do monte, onde achei eflorescências de nitro, e d’ahi
subindo a serra [...]”202. Os percursos usuais para os Montes Altos eram perigosos e,
principalmente, onerosos. Um dos caminhos possíveis era seguindo o curso do rio São
Francisco. Nesse caso, o salitre seria transportado em embarcações, sempre sujeitas às
inundações. Outro era por terra, que cobria uma distância de 25 léguas e, por ele, o transporte
seria feito em animais de carga. Por fim, havia os rios Duna e Paraguassú, trajeto pelo qual se
despenderia entre 160 e 180 léguas, percorrendo um território insalubre, que ameaçava as
caravanas.
Usando de recursos próprios, José de Sá abriu estrada que seguia pela costa, junto ao
mar, a partir da Comarca de Ilhéus. Examinados os terrenos ao redor dos Montes Altos, o
naturalista chegou à conclusão de que para tirar partido do salitre, era necessário “[...] abrir a
communicação a mais directa com a costa [...]”203. Assim considerado, sugeriu que era
necessário

abrir húma estrada de 60 legoas dé extensão parecerá a primeira vista huma grande
empreza, quando realmente não he, e se não houvessem outras provas bastaria dizer-
se, que a totalidade do nosso Brasil está cortada de estradás muitas dellas de 300,
400, e 500 legoas de comprido, feitas pelos poucos habitadores de hum tão vásto
terreno, sem socorro directo da parte do Governo; e quando agrade a S. A. Real
mandar abrir a.estrada de que se trata, he mui provável qué caiba a S. A. Real a
gloria de fazer o primeiro beneficio d'esta natureza aos povos, que habitão o interior
do Brasil, tão próprio pára a cultura do gado, genero de industria, a que só podem
recorrer pela sua posição, é feliz constituição do terreno e clima. 204

A abertura da estrada exigia que a Coroa fornecesse os recursos necessários. Contudo,


para dar início aos trabalhos o mais rapidamente possível, por sua vez, José de Sá ofereceu
empregar recursos próprios, mas também valer-se da mão de obra nativa, advogando que para
“[...] poderemos abrir com brevidade, he [possível] empregar os indios da Nação Mongoio

202
Ibidem, p. 78.
203
Ibidem, p. 79.
204
Ibidem, p. 79.
106

[...] dando-se-lhes alimentos como recompensa de seus trabalhos [....] e como recompensa de
seus trabalhos, alguns instrumentos de ferro [...]”205.
O trabalho forçado dos nativos e africanos foi apresentado como indispensável para a
realização do empreendimento. Abertas as estradas e instalados os laboratórios, caberia ao
Estado trazer para trabalhar nas instalações “[...] cazaes de pretos que possam adaptar-se, seja
na manipulação do salitre, seja em procurar a subsistência das pessoas [...]” 206 Não menos
importante era a questão dos instrumentos necessários para a manufatura. José de Sá
Bittencourt especifica que o cobre era necessário para fazer as caldeiras. Em relação a este
ponto, também aponta que o custeio deveria partir do governo português. A disponibilidade de
animais habilitados com o transporte de cargas e o fornecimento de carros completaram as
diligências elencadas pelo naturalista.
Consideradas essas disposições, detalhadas na Memória que encaminhou à pasta da
Marinha e dos Domínios Ultramarinos, José de Sá defende que o salitre já formado pela
natureza cobriria, com juros, todos os gastos que o governo haveria de empregar. No entanto,
informa que, depois de realizar várias pesquisas, “não achei minas de salitre, porque as não
há, nem é possível que existão. Achei na grande extensão de 30 legoas uma rocha muito
propria para aformação do Nitro [...]”207. Levado em conta a disposição atmosférica e as
intempéries, havia então “[...] a melhor baze para a formação de Nitreiras artificiaes”208.
Ele reitera que, para o êxito da empreitada, necessariamente, os gastos deveriam ser
custeados pelo Estado e que os frutos colhidos dos seus resultados, seguindo-se as orientações
que expôs na sua Memória, tornariam compensadores todos os investimentos. Além disso,
informa que o emprego da mão de obra escrava reduziria os custos de produção. Fica evidente
que um dos fatores de produção para o exercício da manufatura do salitre era o trabalho
escravo. Esses trabalhadores ficaram conhecidos “escravos do fisco”, indivíduos alocados em
empreendimentos régios, tal como aqueles encontrados na Real Fábrica de Ferro de São João
de Ipanema, em São Paulo.
José de Sá Bittencourt acrescenta que um dos grandes obstáculos é “[..] convencer aos
capitalistas, para que hajão de abraçar um gênero de industria [..]”209 e sugere, para levantar

205
Ibidem, p. 80.
206
Ibidem, p. 80.
207
Ibidem, p. 81.
208
Ibidem, p. 81.
209
Ibidem, p. 83.
107

fundos, o fornecimento de créditos consignados e a especulação em torno dos investimentos


relativos a este ramo da indústria.
Ao final do documento, expôs as circunstâncias para a criação de uma companhia
monopolizada na extração do salitre. Entre elas, pode-se destacar que um dos meios para
animar que os particulares investissem em tal ramo era a sugestão de que “[...] a companhia
[ficasse] livre [de] todos os direitos sobre os artigos exportados do Reino, e Portos do Brasil,
necessários à construcção de caminhos; abertura de laboratórios; e mais officinas tendentes a
tirar partido do nitro [...]”210. Ficaria também livre de pagar direitos sobre o comércio dos
gêneros que circulassem pelas estradas dos sertões, além da isenção de pagamento de tributos
na compra de terrenos adjacentes às terras salitrosas, e o não pagamento de dízimos no espaço
de dez anos. Por outro lado, caberia à companhia pagar um governador ou um intendente,
bem como os pesquisadores que a Coroa indicasse.
José de Sá Bittencourt propôs a produção de salitre em sua forma arranjada em
nitreiras artificiais e defendeu que, para tanto, seria necessário um investimento considerável
do Estado português ou de uma companhia animada pelo mesmo Estado. Vários privilégios
deveriam ser concedidos aos envolvidos, dando-se preferência primeiro aos investimentos do
governo. O investimento era necessário para a abertura de estradas, a compra de instrumentos,
os mais modernos existentes, fosse o cabedal da companhia estatal ou dos investidores
particulares.

2.4 Considerações sobre a Memória sobre a viagem do terreno nitroso dos Montes-Altos

A abertura da Memória sobre a viagem do terreno nitroso 211, de autoria de José de Sá


Bittencourt, revela os pressupostos da Ilustração em que o texto se baseia: “a experiência
mestra das sciencias faz com que a philosofo conheça aquillo, que parece escapar aos seus
conhecimentos [...]”212, na qual os progressos que desvelam a natureza também atuam para a
proteção dos Estados, sendo a pólvora parte do receituário de composição do aparelho bélico
“[...] servindo esta de primeira base para a deffensa da guerra [...]”213.

210
Ibidem, p. 83.
211
Originalmente a escrita desta memória foi concluída em 1799.
212
ACCIOLI, José de Sá Bitancourt e. Memória sobre a viagem do terreno nitroso dos Montes Altos. O
Auxiliador da Industria Nacional, Rio de Janeiro, v. 13, pp. 85-114, 1845, p. 85.
213
Ibidem, p. 85.
108

Para fazer suas análises, mapear os terrenos, assim como para verificar as produções
da terra, Bittencourt propõe se valer da “[...] Chymica, para dar de tudo uma exacta, e
circunstanciada razão do que observei [...]”214.
Entre os malogros apontados para assentar as bases da indústria do salitre no Brasil,
José de Sá considerou que ocorreu a falta de peritos para exploração do salitre, capazes de
analisar corretamente as terras nitrosas da colônia brasileira:

he verdade que os conhecimentos da natureza então erão muito poucos, e por isso os
primeiros enviados para este exame forão Legistas, ou Canonistas, ou totalmente
ignorantes, que não sabendo combinar as leis da natureza, nem conhecer o modo
como Ha obra, discorria cada hum conforme os seus principios, de que resultou o
atrazamento de huma obra tão interessante do Estado.215

Para sanar essas faltas, o proponente percorreu todas áreas possíveis dos Montes Altos,
inclusive aquelas que haviam sido relegadas nas primeiras tentativas de erigir fábricas. Como
bom conhecedor do composto químico, a partir das análises que realizou embasada na forma
como a ciência de seu tempo entendia esses elementos, José de Sá Bittencourt apresentou o
nitrato de potássio como composto pela junção do ácido nitroso e pelo alcáli fixo vegetal. Não
menos importante, explanou a terra onde é formado, resultado da mistura de substâncias e do
contato com a água, assim como com o ar atmosférico.
Embora tenha apontado no início da portaria de maio de 1799 que o salitre em sua
forma natural não apresentava grandes possibilidades de aproveitamento, quando levados em
consideração os investimentos necessários, Bittencourt sublinhou que “[…] no Brasil o ha
com abundância, principalmente nos Montes-Altos, cuja observação faz o importante objecto
da presente Memória.”216. Sobre a descrição geográfica daquele local, descreveu:

a serra dos Montes Altos, que não é outra mais do que hum ramo da grande serra,
que atravessa do Rio de Janeiro á Bahia, he situada entre a Villa do Urubu, o Arraial
do Castilhè da parte d'Oesle da Estrada geral, que segue da Bahia para Minas
ficando entre a Estrada de Minas, e a de Goyaz, que lhe passa á légua e meia
desviada; a sua direcção he de Leste Sueste para Oeste Noroeste, formando
différentes ângulos, cuja figura representa huma grande Fortaleza com guaritas
naturaes em alguns ângulos, formando por cima huma bateria plana, sendo para
cima de vinte legoas pela face do Leste, aonde ella forma a muralha com dous
filoens encarpados huns sobre os outros, que parecem duas serras huma por cima da
outra, deixando ás vezes algum espaço de terreno entre hum e outro Filão, porem
Íngreme bastante.217

214
Ibidem, p. 86.
215
Ibidem, p. 86.
216
Ibidem, p. 88.
217
Ibidem, p. 88.
109

Os primeiros ensaios desenvolvidos por Bittencourt apontaram para uma região


denominada Lapa da Boa Vista, onde foi encontrado “[...] bastante salitre eflorescido, e
congelado entre, as fendas das pedras [...]”218. Ele o considera disposto em nitreiras naturais e
afirma que após os primeiros estudos ali desenvolvidos, conseguiu obter uma oitava e meia de
nitro por libra de terra.
Sua atenção estava voltada para a disposição do salitre nos filões. Para tal disposição,
os registros da Memória consideram alguns fatores, entre os quais, o contato adequado com as
águas dos riachos e com o ar, o que o torna eflorescente. O naturalista concluiu de suas
análises preliminares que: “deu pela analyze de onze libras da effloresencia, cinco libras de
salitre, e a demais terra uma oitava, por libra, sendo o salitre d’esta mina muito claro, assim
como o da Lapa da Boa-vista, que do primeiro cozimento da água madre, parece refinado”219.
Ele continuou suas análises, conforme pode ser visto na Figura 6, investigando outras
localidades próximas ao morro da Lapa do Conde, cujos filões constituíram bom arranjo para
a existência de salitre. Curiosamente, ao pesquisar em várias dessas lapas, José de Sá
Bittencourt indica que muitas vezes é possível observar o salitre eflorescente em “pissárrão”
ou “falco atabacado”, na qual após fervido e retirado o composto químico almejado, pode ser
colocado novamente à sombra ou ao sol que tornará eflorescente novamente. Viu ali uma boa
oportunidade de reaproveitar esse material nas nitreiras artificiais, “[...] como também a mais
terra, e pedras de que se tirar o salitre pela primeira vez.”220.
Vale destacar que José de Sá Bittencourt também apontou que muitas das lapas
analisadas não apresentaram salitre. Por esta razão, informou que

muitas lapas não abundão de salitre por dous princípios, ou por muito altas, porque
então lhes passa pelo meio o Filão, que o produz, não tendo humidade alguma para
desenvolver os seus princípios, e só no tempo das chuvas, quando vem tangidas do
Norte, que então por demaziadas, farão destruir os seus princípios, e deste modo em
vez de cooperarem para sua formação, o arrastarão com demaziada rega, o deixando
as terras estereis [...].221

Bittencourt se queixava que a falta de homens brancos nos Montes Altos era um dos
fatores do abandono pela qual a região passara, e nessa crítica deixou subtendido que também

218
Ibidem, p. 89.
219
Ibidem, p. 89.
220
Ibidem, p. 96.
221
Ibidem, pp. 98-99.
110

o governo deveria ofertar um corpo de oficiais ligados ao aparato de justiça para que os
empreendimentos pudessem lograr êxito.
Como apontamos anteriormente, o naturalista propôs duas formas de controle das
possíveis fábricas, ou pelo Estado ou pelas companhias. Nos dois casos sugere que deveriam
ser observados dois pontos que ponderou indispensáveis, quais sejam o da extração e o da
exportação. Em relação à extração, defendeu que não se empreguem jornaleiros e sim pessoas
em situação de escravidão. Entre as razões para essa sugestão, argumentou que seria mais
oneroso ao Estado pagar jornaleiros, além do que tiraria esses trabalhadores de outros ramos.
Menos oneroso seria importar escravos de Benguela e Moçambique, pois os custos com seu
vestuário e comida também seriam menores. Para ele, a mão de obra escrava deveria abranger
“os mesmos officiaes de pedreiros, carpinteiros, ferreiros, caldereiros, cavouqueiros, e oleiros
devem; ser da mesma qualidade pela mesma razão [...]”222.
Em relação à exportação, primeiro levou em consideração a questão do transporte do
salitre. O transporte pelo rio São Francisco seria muito interessante se não houvesse os
perigos e os incômodos inerentes a esse trajeto, como o emprego de bestas até referido rio e o
longo percurso de 200 léguas até a cachoeira de Paulo Afonso, sendo que, desse ponto, outras
baldeações seriam necessárias. Para piorar, esse caminho ficava interrompido no período das
inundações, que eram constantes. Havia ainda um caminho de terra, pela estrada de Peruasú,
que possuía cerca de 180 léguas de extensão, mas que deflagrava problemas de insalubridade
devido às inúmeras moléstias que atacavam aqueles que se aventuraram por desse trajeto.
Para solucionar esse problema, José de Sá Bittencourt defendeu a abertura de um caminho
alternativo:

a estrada mais breve que ha dos Montes-Altos para a beira-mar é a seguinte,


conforme as relações dos práticos do paiz, e as respostas dos officiaes, que fiz a este
fim, análogas com as observações da mesma viagem, devendo ser encaminhada da
Fazenda de Santa Rosa para a das Emburanas, seguir pela Fazenda dás Barrocas á
sahir pela Fazenda do Catulé, a procurar a Fazenda de Santa Rosa do Gavião, de
donde deve partir por cima da Barra do Gavião procurar a Fazenda da passagem do
Rio de contas, donde deve não partir, pelo rio abaixo, mas a rumo de leste a procurar
o posto da villa do Camamú, que é o mais breve, vindo a ficar toda a estrada com
oitenta léguas ou mais, como se suppoem; e uma vêz estabelecida, e cultivada, é
mais commoda por seguir por lugares sumariamente sadios.223

222
Ibidem, p. 107.
223
Ibidem, p. 109.
111

Figura 6 - Resumo das analyses do terreno nitroso dos Montes-Altos

Fonte: ACCIOLI, José de Sá Bitancourt e. Memória sobre a viagem do terreno nitroso.


O Auxiliador da Industria Nacional, Rio de Janeiro, v. 13, pp. 85-114,1845, p. 111.

Em linhas gerais, José de Sá Bittencourt e Accioli defendeu alguns pontos substanciais


para viabilizar a manufatura do salitre a partir das nitreiras artificiais de Montes Altos, como o
emprego de mão de obra escrava, e, quanto ao transporte, para facilitar a exportação do salitre
para o Reino sugestionou o estabelecimento de atalhos entre as fazendas próximas aos Montes
Altos, que resultariam numa extensão de 80 léguas ao todo para saída ao porto.
112

2.5 A manufatura química brasileira: o caso do nitrato de potássio

As sugestões do naturalista José de Sá Bittencourt em relação ao controle da


manufatura salitreira brasileira gravitavam entre duas possibilidades: a da manutenção do
controle do Estado em sua forma monopolista ou o estabelecimento de monopólios
comerciais que gerissem essa empresa, o que gerava contrapartidas tanto do fornecedor do
controle da empresa comercial, como também dos administradores que ficassem responsáveis
para gerir os negócios.
Como produto de interesse para o Estado, o nitrato de potássio, como insistiu José de
Sá, poderia ter mais benefícios se fosse servido da circulação mercantil controlada pelo
governo. Uma das razões principais era a segurança, buscando se proteger de que futuros
sediciosos tivessem acesso aos elementos para produzir pólvora. A demanda da produção,
nesse caso, seria em grande medida determinada pelos administradores portugueses e dos
representantes diretos alocados nas capitanias. Nesse caso, o processo de desenvolvimento das
manufaturas teria de ser adotado dentro dos limites do Reino, ou seja, a formação de uma
indústria endógena capaz de suprir as necessidades bélicas da metrópole e dos domínios
ultramarinos.
Não podemos afirmar que a dinâmica do exclusivo colonial, no modo geral do
processo usual pregresso, fosse diferente das demais formas de extração dos recursos naturais
brasileiros ao longo da vida colonial brasileira. Todavia, o caso da produção salitreira o
deslocamento dos fatores de produção, entre os quais os investimentos aplicados, seja em
instrumentos, mão de obra escrava e a abertura de estradas, deveriam ser fornecidos pelo
Estado. A metrópole dependia, desse modo, da transposição de um instrumental que desse
suporte a uma indústria que, com as indicações dos naturalistas e com os métodos de
aplicação artificial para uma produção de considerável escala, poderia dar suprimento ao
aparelho bélico do Reino e também pelas rendas que os excedentes da produção pudessem
gerar aos cofres Reais.
Com o grande reservatório dos recursos naturais depositados na América portuguesa, a
dependência de Portugal para sustentar sua economia voltou-se sobremaneira para o Brasil no
final do século XVIII. É importante ressaltar que, via de regra, a intenção dos administradores
residiu na transferência do salitre manufaturado no Brasil para a metrópole onde seria
acrescentado ao fabrico da pólvora. A aplicação da técnica de extração salitreira na colônia,
113

que foi também praticada nos centros de demanda europeia setecentista, demonstra a
formação de uma manufatura do nitrato de potássio filtrado pelo controle central português no
que diz respeito aos seus elementos de demanda interna para o escoamento da produção.
Embora a produtividade contribuísse com o êxito da empresa, o objetivo principal era o pleno
atendimento dos interesses imediatos do Estado português, pois, era parte substancial do
arsenal armamentista das nações do período. Vale lembrar que José Vieira Couto recomendou
a instalação de fábricas de pólvora próxima ao Monte Rorigo.
O caso das propostas apresentadas pelos naturalistas luso-brasileiros no sentido de
abrir nitreiras artificiais movimentam, pois, não apenas um aparato instrumental necessário à
sua realização, mas também o deslocamento de experts para monitorar os procedimentos de
instalação e de execução dos trabalhos. O exercício da manufatura do salitre pode ser
compreendido para além de uma complementariedade de um setor exportador, mas na
cooperação que eliminava algumas partes intermediárias que eram usuais na agroindústria e
na exploração aurífera. Coube ao Estado português, como proposto por José de Sá Bittencourt
ser o grande realizador de tal empreendimento.
O momento da redação das Memórias sobre o salitre é sintomático para refletir a
maneira como a metrópole se relacionou com a colônia, no que diz respeito ao beneficiamento
de seus produtos naturais. Seu objetivo principal era manter as colônias ultramarinas sob sua
égide. Os meios utilizados para instalar uma manufatura química na América portuguesa
reforçam que a metrópole não poderia, possivelmente no período mais crucial que foi o do
esgotamento aurífero e da mudança do eixo da dinâmica econômica para os países cuja
industrialização progressivamente tomou conta dos mercados, abrir mão de suas produções
coloniais.
Embora tenha sido o Estado o monopolizador das produções do salitre, ou da intenção
de produzi-lo em larga escala sob a tutela dos naturalistas, parece evidente a forma como o
interesse bélico de Portugal determinou a necessidade de controle das fabricações coloniais
estratégicas. Pelo alto valor do nitrato de potássio, a extração desse produto na Bahia e em
Minas Gerais recaia sobre o erário português.
A proposta da instalação de fábricas de salitre na Bahia e em Minas Gerais revela
como a dependência dos recursos brasileiros esgarçava os limites impostos pelo pacto
colonial. Isso se deu, em síntese, porque a América portuguesa não poderia mais participar
como mera exportadora de matérias-primas dentro do circuito Brasil-Portugal, o que exigia
114

uma certa liberalidade quanto à elaboração de produtos a partir de processos de produção,


qual seja a da instalação de nitreiras artificias. João Cardoso de Mello sustenta que as esferas
produtivas metropolitanas começam a se animar e a se confundir dentro dos limites de
atuação, assim como surgem suas contradições:

o que há, portanto, é uma única totalidade, ou melhor, um único processo em que o
“sentido” e os rumos são animados pelas contradições que animam as economias
metropolitanas. Se economia colonial e economia metropolitana são faces da mesma
moeda, empresa colonial e manufatura tomada (tomada como a estrutura produtiva
que apanha o “sentido” da marcha rumo ao “capitalismo industrial”) também o
são.224

Uma das hipóteses para a descontinuidade aplicação das propostas teóricas


apresentadas pelos naturalistas luso-brasileiros em relação ao nitrato de potássio foram as
agitações políticas ocorridas em Portugal na primeira década do século XIX. Observamos que
as atenções voltaram-se para os conflitos que permeavam as nações europeias e,
especialmente, o receio das invasões francesas.225 A outra reside na saída da vida pública de
D. Rodrigo de Sousa Coutinho em 1803, o que afastou o apoio político para essa empreitada.
Em resumo, os lampejos relativos à abertura de fábricas de salitre nos sugerem a
reverberação das reformas econômicas que urgiam para a manutenção do Reino, nesse caso,
das forças bélicas. Produzir o nitrato de potássio no domínio ultramarino americano resultaria
a substituição das importações de um tão importante insumo e também poderia, com os
excedentes gerados numa eventual produção em larga escala, gerar lucros para os cofres
portugueses com os excedentes de produção, além de garantir o controle produtivo sob certo
verniz de autonomia dos envolvidos na empresa com o respaldo dos intelectuais brasileiros
avocados naquele projeto.

2.6 As pesquisas e a manufatura do ferro na Bahia

Os primeiros ensaios metalúrgicos e mineralógicos com plena permissão das


autoridades portuguesas e que faziam parte da órbita dos interesses de reformulação
econômica na capitania da Bahia foram muito mais tímidos, se comparados aos do salitre, e se
valeram de uma estrutura mais alheia aos cabedais dos indivíduos que ali tinham o desejo de
224
MELLO, João M. Cardoso de. Capitalismo tardio. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982, pp. 42-43.
225
Cf. CARDOSO, Ana Maria Cardoso de. op. cit., 1997.
115

se beneficiar junto a essa empreitada. Comparados aos esforços empregados na capitania de


Minas Gerais pelas quais as autoridades administrativas tomaram a dianteira na resolução da
falta de ferro, o processo de verificação desse minério não demonstrou grandes resultados,
especialmente no recorte temporal que aqui estabelecemos.
As movimentações relativas ao aproveitamento do ferro na Bahia encontram marco
especial, como temos indicado, com o projeto de renovação econômica formulado na
Metrópole com intenção de ser aplicado nos domínios ultramarinos. D. Affonso Miguel de
Portugal foi o responsável por comunicar às autoridades portuguesas, em 1782, as descobertas
que tomou conhecimento no sítio de Mamocabo, riacho que desemboca no Rio Paraguassú,
distrito de São Thiago de Iguapé. 226, indicadas pelo juiz de fora da villa da Cachoeira,
Marcelino da Silva Pereira. Essas descobertas estavam voltadas para a possibilidade de se
encontrar grandes quantidades de cobre227 que havia naquela localidade.
Como os resultados relativos ao cobre foram interessantes, Martinho de Melo
comunicou à Rainha essas descobertas, ao passo que as amostras daquele minério acabaram
por serem depositadas no Museu Real de Lisboa. Em vista dessa conjuntura, o ministro da
Marinha e dos Domínios Ultramarinos recomendou que Marcelino da Silva Pereira
continuasse e avaliar os minerais da região da qual era responsável:

para se poder mais algumas noções desta descoberta, se faz necessário que V. Exa.
ordene ao dito juiz de fora, louvando-lhe no Real nome de S. M. a efficacia e zelo,
comque tem servido, que procure examinar, e fazer cavar superficialmente o terreno
em que o dito cobre foi achado, afim de ver se ha indicios de alguma mineral mesmo
de cobre ou de ferro.228

Marcelino da Silva Pereira atendeu as diligências do ministro e prontamente ordenou


que se fizessem as análises dos terrenos do sítio de Mamocabo. Ao que consta dessas análises
preliminares, foi confirmado a boa qualidade e quantidade de cobre disposto ali depositado,
assim como alguns vestígios de ouro que poderiam ser utilizados.229
Essas pesquisas iniciais foram profundamente minadas pela falta de recursos que os
investigadores envolvidos careciam. Os procedimentos eram, em grande medida, pautados
226
Cf. PIMENTEL, Alfredo Vieira (Dir.). Anais do arquivo público da Bahia. Volume XXXII. Salvador:
Imprensa Oficial, 1952.
227
É importante mencionar que o cobre era um produto altamente visado em função de ser uma das matérias-
primas de caldeiras e vasilhas usadas em engenhos de açúcar, e que também poderiam ser muito bem aplicados
nos insumos necessários à produção salitreira, por exemplo.
228
MELLO E CASTRO, Martinho. Officio de 14 de setembro de 1782. In: PIMENTEL, Alfredo Vieira (Dir.).
Anais do arquivo público da Bahia. Volume XXXII. Salvador: Imprensa Oficial, 1952, pp. 409-410.
229
Cf. PIMENTEL, Alfredo Vieira (Dir.). Anais do arquivo público da Bahia. Volume XXXII. Salvador:
Imprensa Oficial, 1952.
116

numa evidente superficialidade pela qual os minérios eram coletados, o que denota também a
ausência de perícia que marcava o estudo dos envolvidos. Como sustenta Alfredo Vieira
Pimentel:

da sorte que estas explorações feitas sob o mais rudimentar apparelhamento


indigena, veio com o transcorrer dos annos, refletindo os processos primitivos e
inefficientes trazer o desânimo e desinteresse em torno das tentativas de mineração
em Mamocabo.230

Em relação ao sítio de Mamocabo, é necessário pontuar que, posteriormente, D.


Fernando José de Portugal encaminhou José de Sá Bittencourt para avaliar a qualidade dos
minerais que ali haviam sido anteriormente reconhecidos. Assim, para confirmar se aquele
sítio poderia render uma boa exploração, coube a análise de um perito:

[...] o que me obrigou a mandar proximamente a José de Sá Bitencourt examinar


aquele lugar, o que executara, dando conta a V. Ex a. deste exame que remeti com
oficio meu de vinte oito de junho do prezente anno, em que se mostra não
corresponder o resultado as esperanças de huma Mina rica.231

Domingos Vandelli aparece nas documentações do Conselho Ultramarino como um


dos intelectuais do reformismo ilustrado ligado às pesquisas para o beneficiamento do ferro na
Bahia. Em 28 de agosto de 1782, Vandelli encaminhou Antonio Ramos da Silva Nogueira,
sendo que o último fora discípulo do referido naturalista paduano em História Natural e
Química:

estando o juiz de fora da caxoeira com dois meses de tempo p a. acabar este lugar e
desejndo V. Exa. saber […] se alem desse cobre virgem descoberto se poderá achar
maior porção, e averiguar quanto he possível a sua origem e se nos montes […]
existem minas do cobre pyriticoso e de ferro, como he mto. Provavel […]. 232

Na Memória sobre o cobre virgem ou nativo da capitania da Bahia, descoberto no ano


de 1782, Vandelli salienta que havia dispostos na Bahia boa qualidade de cobre e de ferro, o
que garantiria a sua exploração com bons resultados. De acordo com o naturalista paduano,
conforme as amostras que recebeu: “a vastissima peça de cobre q. o Ex mo Snr. Martinho de
Mello fez por neste Real Museo, mereçe toda a estimação pelo seu tamanho, e pela sua

230
Ibidem, p. 414.
231
AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 106, doc 20656, 7 de julho de
1800.
232
AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 60, doc. 11460, 28 de agosto de
1782.
117

mistura com huma mina de ferro, o q. serve p a. explicar um fenômeno particular da


natureza.”233.
Conforme afirmação de D. Fernando José de Portugal, seu antecessor, Rodrigo José de
Menezes, havia também apontado que o sítio de Vaza Barris era um proeminente local onde
alguns metais estavam depositados. Os exames desses terrenos foram feitos pelos capitão-mor
Bernardo de Carvalho da Cunha, cujos resultados acabaram por ficar atolados no Rio
Bendego.234 O procedimento de avaliação que D. Fernando adotou em relação ao sítio de
Mamocabo foi similar ao que tomou em relação às de Vaza Barris: José de Sá Bittencourt
acabou por analisar as amostras que estavam em posse do governador:

em poder de hum dos officiaes da secretaria deste governo, se conservava huma


amostra de ferro extrahida daquela grande e notável massa, a qual entregando a José
de Sá Bitencourt para a analisar, me segurou ser o ferro nativo, e por consequencia
de admirável qualidade, como V. Exa. poderá tãobem examinar nessa Corte [...].235

As duas últimas décadas do século XVIII dão testemunho de como as análises se


intensificaram com o propósito de se apurar um elemento que outrora não recebera incentivos
para sua exploração. Assim, a figura de especialistas para tal verificação é muito mais
marcante para tal intento. Essa particularidade fora diferente do que a que analisamos na
capitania de Minas Gerais que, mesmo que em etapas distintas da manipulação e manufatura,
esteve familiarizada com o ferro em boa parte do século XVIII.
Com a movimentação das recomendações indicadas no ofício de 1795, expedido por
Luis Pinto de Sousa Coutinho aos governadores sobre a extinção do monopólio do sal e da
autorização da extração do minério de ferro em toda a colônia, foi elaborado um documento,
sem data, com toda a movimentação do ferro que entrou na alfândega da Cidade de Bahia, o
que nos aponta a para a preocupação com a questão da manufatura daquele minério na
capitania, como indica a Tabela 3:

233
AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 60, doc. 11463, [s.d] 1782.
Possivelmente as amostras citadas por Domingos Vandelli sejam as da leva que D. Affonso Miguel de Portugal
havia enviado à Metrópole.
234
Cf. AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 106, doc 20656, 7 de julho
de 1800.
235
Ibidem.
118

Tabela 3 - Extrato de todo o ferro e coado que entrou na Alfândega da cidade da


Bahia,de 1791 a 1795, e pagou a dizima de seu valor
Ano Em barra Coado
(Acrescidos 2% sobre a (a 4:000 réis)
totalidade de cada ano
considerando a arroba a 3:000
réis)
1791 2475 509
1792 5014 435
1793 2479 1110
1794 1140 545
1795 671 123
Total: 12:079 2:722

12:079 ..................... (3:000)= 36:237$500


2:722 ....................... (4:000)= 10:888$000
Total ...................................... 47:126$500
Dizima a 10 por cento 4:712$650
Donativo a 2 por cento 942$530
Total: 5:665$180
Fonte: Fundação Biblioteca Nacional, BNdigital. Extrato de todo o ferro em barras, e coado que
entrou na alfândega da cidade da Bahia, de 1791 a 1795, e pagou a dizima de seu valor. 7,3,15 nº5
– Manuscritos [s.d].

Nessa conjuntura, podemos destacar a importante participação de Francisco Agostinho


Gomes e Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt na execução e reconhecimento mineralógico
da capitania da Bahia. De acordo com Maiara Alves do Carmo 236, o próprio Agostinho Gomes
indicou Câmara Bittencourt para as análises mineralógicas e metalúrgicas.
Francisco Agostinho Gomes (1769-1842) foi um religioso, comerciante e político
nascido na cidade de Salvador. Agostinho Gomes seguiu o caminho eclesiástico, embora não
tenha concluído os estudos para o presbiterado. Por outro lado, dedicou-se aos estudos
autodidatas da História Natural. Influenciado pelas premissas ilustradas, Gomes foi um dos
implicados na Conjuração Baiana.
É curioso observar que, como sublinhou Marcos Carneiro de Mendonça 237, o nome de
Agostinho Gomes foi preterido por Câmara Bittencourt quando o primeiro havia solicitado
autorização para explorar as minas de ferro baianas. O padre Agostinho Gomes foi

236
Cf. CARMO, Maiara Alves. Rerum novus nascitur ordo: a trajetória de Francisco Agostinho Gomes (1769-
1842). 2018. 167 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia
e Ciências Humanas.
237
Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958.
119

apresentado, na visão de Bittencourt, como um boticário movido por interesses particulares


que não confluíam com os interesses da política reformista:

lembra-me que V. Excia. me disse, não há muito tempo, que havia um particular na
Bahia, se bem me recordo um boticário, que pedia para o extrair um privilégio
exclusivo; guarde-se V. Excia. de favorecer semelhante emprêsa, por quem é lho
rogo, pois que como V. Excla. bem sabe as minas de todo gênero fazem uma das
exceções dos objetos administráveis, e se por algum tempo florescem arruinam-se e
decaem logo, postas nas mãos de particulares e dirigidas por êles.238

A recomendação de Manuel Ferreira nos revela como foi usual a postura entre os
naturalistas em fundamentar as atividades chaves para a exploração econômica sob a tutela de
estudiosos egressos dos centros acadêmicos portugueses. A falta de projetos relativos à
instalação de uma indústria metalúrgica no Bahia abre a hipótese da falta de naturalistas para
apoiar a exploração do minério de ferro.
Embora não sejam encontrados registros de sua passagem pela Universidade de
Coimbra, Agostinho Gomes esteve imerso nos assuntos que eram de interesse das reformas
econômicas que entraram nas pautas dos administradores, mormente para o melhoramento da
agricultura e das extrações mineralógicas.239 Uma das chaves para reconhecer seu interesse
pelas ciências daquele período é notar que o religioso era dono de uma ampla biblioteca.
Francisco Gomes era dono da mais completa biblioteca da Bahia. 240 Em 1801, o religioso
voltou de Portugal à Bahia com um considerável número de livros, sendo que, segundo
Maiara Carmo, alguns deles eram títulos proibidos pela Real Mesa Censória:

trouxe na bagagem 356 títulos de livros, com autorização da Real Mesa Censória -
alguns deles, inclusive, constavam na lista de censura da Real Mesa Censória. Os
assuntos eram os mais diversos: havia obras sobre minérios, botânica, animais,
política, agricultura, indústria e economia, áreas de conhecimento que muito lhe
interessaram no início do século XIX e que nos permite vislumbrar aspectos de sua
personalidade.241

Portador de uma miríade obras dos mais variados temas que urgiam naquele período,
Agostinho Gomes era versado nos temas metalúrgicos e mineralógicos, cujo conjunto dos
títulos nos revelam o seu interesse nesses temas:

destacam-se livros de mineralogia, agricultura e geologia, tais como:


“Christalographie par Romé de Lisle”, mineralogista francês; “Corographia
238
BITTENCOURT, Manuel Ferreira da Câmara, 1799 apud MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958,
p. 101.
239
Cf. CARMO, Maiara Alves do. op. cit., 2018.
240
Cf. ANNAES da bibliotheca Nacional. Rio de Janeiro, v. 43, 1931.
241
CARMO, Maiara Alves do. op. cit., 2018, p. 76.
120

Portugueza”, de Antonio Carvalho da Costa; Dicionário de Vandelli; Dicionário de


História Natural, [...] “Geographia moderne” de Mr. De La Croix; “Manuel du
Meneralogiste” de Bergman; “Memoires d'Agriculture”; [...] É possível que estes
livros fossem utilizados por Francisco Agostinho Gomes na análise do material
mineralógico, das propriedades das minas no decorrer e das atividades
mineralógicas.242

É notável, destarte, que o religioso tenha sido mais um dos intelectuais incorporados
pela administração portuguesa, no caso por D. Rodrigo de Sousa Coutinho, a participar do
projeto de reformas do Reino. Era mais interessante aos portugueses ter Agostinho Gomes
como colaborador desse projeto de reforma econômica, assim como outros intelectuais
implicados em outras sedições e inconfidências. Vale ressaltar que Agostinho Gomes
mantinha, ao que indica a documentação, boa relação com D. Rodrigo de Sousa Coutinho.
Nesse sentido de proximidade, é possível atestar, em carta particular datada de 1801 que
Francisco Agostinho parabeniza D. Rodrigo pela nomeação do último como ministro do Real
Erário.243
Agostinho Gomes fazia parte do circulo de estudiosos que, de certa forma, atendeu os
anseios da Coroa, mas que possivelmente visou conciliar os seus interesses particulares ao
passo das reformas econômicas da capitania da Bahia. Sua situação em relação ao processo
sedicioso em que foi implicado no ano de 1798 o colocava como indivíduo pela qual o Reino
português pretendeu subsumir ao projeto reformista utilitário:

é possível também que Francisco Agostinho Gomes houvesse feito a proposta para
exploração das minas com o objetivo de retirar sobre si qualquer suspeita de
“inimizade” com a Coroa, colocando-se, através do projeto, à disposição para servir
ao Império. A proposta da exploração das minas de ferro e cobre, feita por Francisco
Agostinho Gomes, atendia aos novos modelos econômicos aplicados no Império
Português.244

Francisco Agostinho Gomes tomou a dianteira da manufatura do ferro na capitania da


Bahia com um projeto baseado em investimentos de fundos próprios. O proponente
argumentou em favor de uma companhia comandada por ele valendo-se do fato de que a
carestia do ferro e cobre contribuíam sobremaneira para que o progresso de muitas das
atividades dentro do Reino: “na occazião em que Portugal e seus dominios estam na maior
prexizão de ferro e cobre, tanto para estender sua cultura, e sua navegaçam, e ainda

242
Ibidem, p. 77.
243
Cf. AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 116, doc. 22948, [s.d.]
1801.
244
CARMO, Maiara Alves. op. cit., 2018, p. 75.
121

conservála, pela excessiva carestia a que tem sahido estes metaes tão necessários […]” 245. De
acordo com o requerente, era mais do que necessário a busca desses metais em respostas as
contingências que urgiam no momento “[…] em que a Inglaterra acaba de prohibir a sahida de
todo o seu cobre […]”246.
A princípio, como é possível notar em carta régia de 12 de julho de 1798 247, a
companhia proposta por Gomes fora bem recebida por parte da Coroa e de sua administração
direta. Um empreendimento desse tipo era interessante à agricultura, artes e navegação, ao
passo que o ferro era um produto que onerava sobremaneira as atividades citadas e, portanto,
era necessário substituir a importação desse elemento tão importante.
Para que a companhia fosse autorizada, as recomendações régias recomendaram que
deveriam ser feitas análises prévias nos terrenos pleiteados por um magistrado e um mestre de
artilharia. Em averiguado e atestado a qualidade dos minérios encontrados nos terrenos
solicitados pelo suplicante, a Coroa também, da mesma forma que aconteceu nos
empreendimentos localizados na capitania de Minas Gerais, permitiu a contratação de um
corpo de especialistas estrangeiros para auxiliar no percurso de manipulação do ferro: “que
poderá a Companhia vir de fôra do Reino todos os homens hábeis, que julgar necessario para
os trabalhos das minas […]”248. Agostinho Gomes havia suplicado junto à Coroa as seguintes
localidades: […] o de minas de cobre da Serra da Borracha; todo o lugar onde elle se
descobrir na enseada de Vasa-barris; o de minas de Cobre da Cachoeira; o de minas de ferro
de Tapicurú e as que se acharem nas vizinhanças na mesma Serra da Borracha […]249.
Vale destacar que, para a que os trabalhos da companhia fossem realizados, caberia a
Coroa garantir o produto das matas adjacentes a fim de dar os insumos necessários à
fabricação do carvão. Notamos, mais uma vez, como era importante reservar os recursos
necessários para a realização dos trabalhos metalúrgicos, no caso, o carvão que era o
combustível usual para o aquecimento dos fornos e, portanto, na redução do minério.
Outro ponto que é necessário ressaltar sobre a localidade pleiteada por Agostinho
Gomes é que foi de feição de sesmarias. Deste modo, o perfil de análise utilizada nesses lotes
de terras cedidos pela Coroa mantinham a característica que demandava os cabedais dos
245
Fundação Biblioteca Nacional, BNdigital. Carta régia ao governador e capitão general da Bahia, Fernando
José de Portugal, sobre a proposta, em cópia anexa, de Francisco Agostinho Gomes, concernente à exploração
das minas de ferro e cobre daquele estado. II-33,34,20 – Manuscritos. 12 de julho de 1799.
246
Ibidem.
247
D. JOÃO VI. Carta Régia. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 4, pp.
403- 408, 1842.
248
Ibidem, p. 405.
249
Ibidem, p. 406.
122

envolvidos, diferentemente das pesquisas empreendidas em Minas Gerais, onde os


naturalistas não demandaram por concessão direta de áreas.
Os problemas que foram observados com o transporte do salitre foram também
notados com outros recursos naturais nos depósitos baianos. Deste modo, “o solo, hidrografia
e vegetação, assim como a falta de recursos e meios de transportes adequados, tornaram-se
um grande obstáculo no conhecimento e, posteriormente, exploração do território e seus
minérios”250. Isso posto, o transporte das eventuais produções, ao que sugere a documentação
relativa à companhia, ficaria a cargo do Estado português, em vista dos altos custos que o
processo de escoamento exigia.
Assim, o proponente arremata sua solicitação a fim de que sua companhia fosse
autorizada com a seguinte promissão:

a Companhia reconhecida, em nome daquelle Paiz que vai receber de S. A. R. tão


grandes benefícios, erigirá à sua Memória do primeiro Cobre que fundir huma
Estatua que fará eternizar o seo Nome, elevar até à última posteridade a lembrança
do seo feliz Governo que deo principio à sua prosperidade, fazendo abrir as suas
riquissmas Minas até aqui fechadas.251

Desse modo, Fernando José de Portugal foi autorizado pelo príncipe regente a atender,
em 1799, os pedidos de concessão ao padre Agostinho Gomes com algumas recomendações
para que empresa alcançasse benefícios tanto para a Fazenda Real quanto para o andamento
dos interesses econômicos mantidos na colônia. Conforme ofício de 12 de julho de 1799:

que além dos sobreditos concedidos terrenos pedidos, que lhe serão doados, em
quanto trabalharem as mesmas Minas, será permittido a companhia arrematar em
Praça publica em preferencia tanto pelo tanto a qualquer outro lançador as mattas,
que a mizericordia possui nos destricto da Villa da Cachoeira, no cazo que esta seja
obrigada a alienallas, ou as venda voluntariamente: que se lhe vendera toda a
polvora de que se necessitarem as Minas pelo preço que se ajustar, e que será,
aquelle, a que a mesma sahir a Real Fazenda posta na cidade da Bahia. Que a
companhia será izenta de pagar direitos, não só de ferro, aço e enxofre de que se
necessitar para o trabalho das Minas, mas de todos os escravos até o numero de dois
mil, com tanto porem que sejão empregados nos ditos trabalhos. Que igualmente
será izento de todo e qualquer direito o ferro e cobre extrahidos destas Minas por
espaço de dez annos, e findo este termo, ficará a companhia obrigada a pagar a
Minha Real Coroa dez por cento do producto liquido, que tirar destas Minas de
cobre e de ferro […].252

250
CARMO, Maiara Alves. op. cit., 2018, p. 78.
251
Fundação Biblioteca Nacional, BNdigital. Carta régia ao governador e capitão general da Bahia, Fernando
José de Portugal, sobre a proposta, em cópia anexa, de Francisco Agostinho Gomes, concernente à exploração
das minas de ferro e cobre daquele estado. II-33,34,20 – Manuscritos. 12 de julho de 1799.
252
AHU, Projeto Resgate - Bahia Avulsos (1604-1828), cx. 213, doc. 15045, 12 de julho de 1799.
123

Em linhas gerais, as obrigações impostas por D. João VI estavam de acordo com as


imposições apresentadas na capitania de Minas Gerais. O primeiro ponto, no entanto, é um
dos fatores que diferenciaram de algumas das empresas que tinham por produto o ferro e que
se estabeleceram no Brasil no século seguinte: o empreendimento seria uma companhia
privada. As sesmarias cedidas para os trabalhos das minas acompanhariam as movimentações
de acordo com os cabedais dos particulares envolvidos. A isenção dos impostos relativos à
produção de qualquer objeto manufaturado foi apresentado como um dos estímulos.
É importante notar que a pólvora para abertura das minas também seria concedida com
algum subsídio do Estado português: indiretamente a produção do salitre no Brasil, conforme
os intentos reformistas e utilitário em relação às riquezas minerais brasileiras, poderiam
contribuir para que a indústria metalúrgica se estabelecesse na Bahia.
Além disso, a companhia se beneficiaria do uso de escravos que lá pudessem
apresentar proveito à empreitada. Assim como o nitrato de potássio, vemos novamente que os
projetos relativos à instalação de manufaturas na Bahia se valeriam da mão de obra escrava. A
transição para a instalação de manufatura do ferro estava orientada, portanto, para o ostensivo
o uso de escravizados.
Em 1800, o mesmo príncipe regente retoma alguns pontos apresentados na carta de
julho de 1799, na qual autorizou Francisco Gomes a lançar a companhia. O interesse de D.
João VI permaneceu, conforme atestam os documentos que se seguiram ao sucessor de
Rodrigo José de Menezes: Em carta dirigida a Francisco da Cunha e Menezes, o príncipe
regente salienta que:

fui servido prescrever ao vosso antecessor em carta régia da mencionada data de 12


de julho, e que igualmente achareis na Secretaria d’esse Governo, as minhas reaes
ordens a cerca do referido objeto. Como porém seja necessário tomar as ulteriores
providencias a esse respeito, afim de que em consequencia da graça solicitada se
verifiquem os interesses da minha real Côroa e também os dos meus vassallos:
Encarrego-vos de fazer subir á minha real presença huma circunstanciada
informação de tudo o que até agora se tem praticado sobre aquelle assumpto e do
estado actual em que se acha a execução de minhas reaes ordens. 253

Como o documento do príncipe regente aponta, os administradores portugueses


mantinham interesse na companhia que Francisco Agostinho Gomes havia requerido junto à
Coroa, o que nos revela outra vez a movimentação dos mais interessados, naquele momento,

253
D. JOÃO VI. Carta régia em que se dirigem diversas instrucções ao capitão general da capitania da Bahia,
Francisco da Cunha Menezes. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 26, pp. 235-
241, 1916, p. 239.
124

em lançar mão do beneficiamento dos recursos minerais brasileiros para garantir a


reformulação econômica do Reino, no caso, os reformistas da economia portuguesa.
Para atestar que havia a possibilidade de aproveitamento das riquezas minerais baianas
e estabelecer os limites dos terrenos a serem explorados, D. Fernando José de Portugal enviou
um oficial de artilharia, conforme pedido de D. Rodrigo, para avaliar as terras que estavam
sendo pleiteadas como sesmarias: “[...] os faça logo marcar, e delinear, averiguando tãobem se
a companhia que elle pretende estabelecer para escavação das Minas de Cobre, e Ferro, tem
ficado competente [...]”254 Essas averiguações pretendiam não ferir as condições que o
suplicante havia apresentado e, caso não atendesse os requisitos exigidos, não fosse celebrado
o contrato com a companhia.
As dúvidas em relação à boa disposição dos minerais que o requerente se propôs a
beneficiar permaneceram no momento em que as autoridades discutiam os limites das
sesmarias da companhia. No mesmo documento de 7 de julho de 1800, D. Fernando José de
Portugal apontou que a falta de examinadores peritos em mineralogia tornava imprecisas as
análises superficiais que, até aquele momento, haviam feito sobre o ferro e o cobre.
A especulação em torno da quantidade dos minerais também levava às considerações
em torno do transporte dos produtos obtidos daquela companhia. Foi ponderado que, “[...]
como a experiencia mostra, achar-se algumas porçoens de cobre, ou de ferro em tão pouca
abundancia, ou districtos tão remotos, e tão incômodos para o transporte, que não faça conta
sua extracção.”255.
Caberia, portanto, grande cautela em relação à concessão das sesmarias. Para que
houvesse a concessão, D. Fernando sugeriu análises minuciosas por especialistas em
mineralogia. Isso era mais um dos sintomas dos gestos pragmáticos pela qual o corpo
burocrático lançou mão para realizar empreendimentos que rendessem ganhos seguros à
Coroa portuguesa.
Ao aproveitar o ensejo dessa diligência proposta, D. Fernando José de Portugal
sugeriu Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt como bom conhecedor de metalurgia e
mineralogia para desvelar os minerais dispostos nos terrenos pleiteados para o
estabelecimento de fábricas de ferro.256

254
AHU, Projeto Resgate - Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 106, doc 20656, 7 de julho de
1800.
255
Ibidem.
256
Ibidem.
125

Importa lembrar da atuação de D. Rodrigo de Sousa Coutinho dentro da


movimentação para que o ferro fosse de fato manufaturado na Bahia. Sousa Coutinho
recomendou diretamente ao governador os trabalhos de Francisco Agostinho Gomes numa
sociedade que, entre outras finalidades, tinha por intenção a produção de ferro. Conforme o
Ministro da Marinha e dos Domínios Ultramarinos: “[...] verificandose a possibilida de, tanto
das concessoens pedidas como dos cabedaes q. a socieda de. tem então S. M. promete a
sociedade. dar lhe isentos de direitos todo o ferro, aço, [...]” 257. Notamos como a isenção de
impostos foi um dos mecanismos de estímulo para que fossem executadas tais atividades.
Grosso modo, a companhia que Agostinho Gomes pretendia organizar para a
exploração, entre outros, do cobre e do ferro, estava projetada a ser uma organização que se
serviria dos cabedais dos envolvidos: caberia ao Estado subsidiar apenas em alguns pontos
que já estavam assegurados nas ordens de 1795, quais sejam o da isenção de impostos e
entradas em relação aos minérios que fossem explorados, a redução dos valores da mão de
obra escrava e o fornecimento de pólvora pelo Estado pelo mesmo valor que custasse ao Real
Erário.258
Como apontou Maiara Carmo, em razão da falta de documentos relativos à companhia
proposta por Francisco Agostinho Gomes, não é possível analisar os rumos que esse
empreendimento teve após 1802.259 Dito isto, podemos considerar que, com a saída de D.
Rodrigo de Sousa Coutinho do comando do Real Erário, o apoio político que Agostinho
Gomes recebeu até então cessou-se. Os projetos reformistas da economia do Reino, após
1803, tiveram poucos avanços, o que possivelmente reverberou na empreitada da manufatura
do ferro na capitania da Bahia pleiteada por Francisco Agostinho Gomes.

257
AHU, Projeto Resgate - Avulsos (ULT), cx. 12, doc. 968, julho de 1799.
258
Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. op. cit., 1904.
259
Cf. CARMO, Maiara Alves. op. cit., 2018.
126

Capítulo 3

Projetos manufatureiros para a América portuguesa: o ferro e o salitre na conquista


econômico-científica da natureza em Minas Gerais

Este capítulo aborda a questão manufatureira do salitre e do ferro no âmbito da


capitania de Minas Gerais. O foco será maior sobre o ferro, já que aquela localidade é
notoriamente reconhecida pelos seus ricos depósitos de minérios e pelas experiências práticas
que ocorreram no setor metalúrgico. A primeira parte traça um panorama das tentativas
pregressas de exploração do ferro no Brasil para, assim, analisar as transformações específicas
que possibilitaram a adoção da inserção de técnicas manufatureiras inovadoras para o
aproveitamento industrial que, até o início do século XIX, eram inéditas na América
portuguesa. Não por acaso, grande parte das iniciativas e atores envolvidos na manufatura do
ferro e do salitre, na capitania, eram os mesmos naturalistas.
Para a Coroa portuguesa e para os naturalistas luso-brasileiros, o ferro apareceu como
elemento indispensável no que poderia ser denominada uma nova conquista da América, que,
em fins do século XVIII, pretendia explorar sua pujante natureza sob o signo de uma
manufatura nascente. Nesse contexto, a autonomia na produção de ferro se tornou fulcral para
sustentar os diversos setores manufatureiros, como ocorria com as nações que se
industrializavam naquela conjuntura, caso da Inglaterra260. A constante necessidade de
importação de objetos de ferro indispensáveis à produção aurífera, na capitania de Minas
Gerais, se tornou um dos empecilhos que contribuíram para o declínio da extração do ouro.
Os naturalistas que percorreram a capitania identificando sua potencialidade natural,
observaram nas suas ricas jazidas de ferro uma de suas maiores riquezas. Em conjunto com as
autoridades locais, eles iniciaram estudos para promover seu beneficiamento.

260
Como aponta Neldson Marcolin, a siderurgia estava em pleno concurso na Europa já no início do século XIX:
“nesse período a siderurgia já estava avançada na Europa, onde os altos-fornos eram feitos com base no
conhecimento científico acumulado nos últimos séculos.”. MARCOLIN, Neldson. Siderurgia na colônia. Revista
FAPESP, São Paulo, n. 209, pp. 86-87, 2013, p. 86.
127

3.1 A manufatura do ferro na América portuguesa

Em linhas gerais, o ferro, cujo símbolo químico é apresentado por Fe, é


industrialmente obtido a partir de substâncias minerais.261 Assim, “embora faça parte da
composição de vários minérios, apenas alguns destes podem ser economicamente explorados
para a obtenção do ferro […].”262 Os minérios em que tais elementos metálicos são
encontrados são classificados em óxidos, carbonatos, sulfetos e silicatos. Somente os óxidos
têm aproveitamento industrial e econômico.263
No Brasil, entre os principais locais onde é possível encontrar o minério de ferro em
abundância, está o hoje chamado Quadrilátero Ferrífero, situado hoje no Estado de Minas
Gerais, cuja riqueza mineral foi identificada sob o signo da ciência utilitária pelos naturalistas
no último quartel do século XVIII. Ali encontram-se presentes dois grandes grupos de
minérios, quais sejam, o itabirítico e o hematítico. Isso posto,

as denominações dos minérios de ferro explorados para fins comerciais são as


seguintes: itabirito, hematita e canga (cobertura de laterita). Os diferentes minérios
de ferro explorados comercialmente no Brasil têm teores elevados de ferro e
quantidades pequenas de elementos indesejados nos processos siderúrgicos, como o
enxofre, o alumínio, o fósforo e os carbonatos.264

Usualmente, os minérios que continham ferro, beneficiados nas primeiras manufaturas


na América portuguesa, eram os óxidos. O modo de se obter o ferro metálico era atrelado ao
carbono, com a finalidade de retirar o oxigênio do mineral coletado. Quanto mais enriquecido
o forno estivesse de carbono, maior a possibilidade de obtenção do ferro a partir do ponto de
fusão a 1.200º. No período colonial, esse ferro era conhecido como coado e, atualmente, é
chamado de gusa. O ferro puro apresenta ponto de fusão a 1.500º e, quando reduzido o óxido,
alcança estado sólido abaixo da temperatura de fusão.265
O ferro foi, desde o início da colonização, verificado e apreciado como um elemento
recorrente na natureza brasileira e passível de aproveitamento manufatureiro. De acordo com
Heitor Ferreira Lima, a importância da exploração desse minério se torna muito mais

261
CARVALHO, Pedro Sergio Landim de, et al. Minério de Ferro. BNDES setorial, Rio de Janeiro, n. 39, pp.
197-234, 2014.
262
Ibidem, p. 198.
263
Cf. Ibidem.
264
Ibidem, p. 199.
265
Cf. LANDGRAF, Femando José G; TSCHIPTSCHIN, André P.; GOLDENSTEIN, Hélio. Nota sobre a
História da Metalurgia no Brasil (1500-1850). In: VA RGAS, Milton. História da Técnica e da Tecnologia no
Brasil. São Paulo: UNESP, 1995, pp. 107-129.
128

relevante no sentido de se perscrutar sua história e produção nas Américas. Ele afirma que,
“para confirmar isto, basta dizer que o primeiro engenho de ferro montado na América foi no
Brasil, em São Paulo, em fins do século XVI, pois os de Jamestown, em Virginia, Estados
Unidos, são posteriores a 1607.”266 Entre as primeiras indicações da boa disposição do ferro
estão sublinhadas na carta do padre José de Anchieta, datada de 1554:

acresce também a isso que, como todas as orações e gemidos dos nossos Irmãos,
depois que aqui estão, se afadigam pedindo contínua e fervorosamente a Deus
Ótimo e Maximo que enfim se digne algumas vezes mostrar e descobrir algum
caminho em que para aqui se dirijam os gentios a receberem a sua fé, agora
finalmente se descobriu uma grande cópia de ouro, prata, ferro, e outros metais, até
aqui inteiramente desconhecida (como afirmam todos), a qual julgamos ótima e
facilima razão, de que já por experientia estamos instruidos.267

Em carta que data ao ano de 1535, D. João III emitiu as primeiras ordens para que, na
capitania de São Vicente, doada a Martim Afonso de Sousa, “[…] havendo nas terras da dita
capitania […] qualquer sorte de pedraria, aljofar, ouro e prata, coral, cobre, estanho e chumbo
ou outra qualquer sorte de metal, pagar-se-á a mim o quinto, do qual quinto haverá capitão de
seu redizimo [...]”268. Essas diretrizes apontam que a exploração inicial dos recursos locais
deveria ser iniciativa particular dos homens que possuíssem os recursos necessários para
empreitada desse perfil, cabendo apenas o pagamento à Coroa do quinto de tudo que se
produzisse nas conquistas.
O Tratado descriptivo do Brasil, publicado em 1587, indica as primeiras
movimentações para a manipulação do ferro na Bahia:

bem por culpa de quem a tem não ha na Bahia muitos engenhos de ferro, pois o elIa
está mostrando com o dedo em tantas partes, para o que Luiz de Brito levou
apparelhos para fazer um engenho de feito por conta de S. A. e ofliciaes d'este
mister; e o porque se não fez, não serve de nada dizer-se; mas não se deixou de fazer
por falta de ribeiras de agua, pois a terra tem tantas e tão capazes para tudo; nem por
falta de lenha e carvão, pois em qualquer parte onde se· os engenhos de ferro
assentarem ha disto muita abundancia. Tambem na Bahia, trinta leguas pela terra
dentro, ha algumas minas descobertas sobre a terra de mais fino aço que o de Milão;
o qual está em pedra sem outra nenhuma mistura de terra nem pedra; e não tem que
fazer mais que lavrar-se em vergas para se poder fazer obra com elle, do que ha
muita quantidade que está perdido sem haver quem ordene de o aproveitar; e d'esta
pedra de aço se ser· vem os indios para amolarem as suas ferramentas com ella á
mão.269

266
LIMA, Heitor Ferreira. Formação Industrial do Brasil (período colonial). Rio de Janeiro: Fundo de Cultura,
1961, p. 114.
267
ANCHIETA, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1933, p. 49.
268
D. JOÃO III. Forais da capitania de S. Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de
Janeiro, Tomo IX, pp. 467-473, 1871, p. 468.
129

Atribui-se a Afonso Sardinha as primeiras forjas, instaladas em Biraçoiaba, na


capitania de São Paulo. A Figura 7 apresenta uma forja ao estilo da que Sardinha construíra.
Tais instalações mimetizavam os processos milenares, realizados em fornos de pequenas
dimensões, operados com carvão vegetal, cujo processo era de redução direta. 270 De acordo
com Pedro Taques, “Afonso Sardinha, e seu filho do mesmo nome, foram, os que tiveram a
glória de descobrir ouro de lavagem nas Serras de Jaguamimbaba, e de Jaraguá, em São
Paulo, na de Voturuna em Parnaíba e na Biraçoiba, no Sertão do Rio Sorocaba, ouro, prata, e
ferro pelos anos de 1597”271. Sardinha doou as minas, na mesma década, a D. Francisco de
Sousa272, então governador-geral do Brasil. O ferro era, naturalmente, um elemento de
segunda ordem nas expedições que visavam primeiramente a busca de metais preciosos –
ouro e prata.273
De acordo com Neldson Marcolin, “muitos práticos em metalurgia e fundição e
mineiros especializados em ouro, prata e pedras preciosas foram trazidos ao Brasil em 1598
por dom Francisco de Sousa (1591-1602)”274. No ano de 1608, D. Francisco de Sousa foi
nomeado, pela Coroa, administrador geral das Minas descobertas e a se descobrir, mas a
ênfase ainda recaía sobre o ouro e a prata.

269
SOUSA, Gabriel Soares. Tratado descriptivo do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia de João Ignacio da Silva,
1879, pp. 326-327.
270
Cf. LANDGRAF, Femando José G; TSCHIPTSCHIN, André P.; GOLDENSTEIN, Hélio. op. cit., 1995.
271
TAQUES, Pedro. Notícias das Minas de São Paulo e dos sertões da mesma Capitania. São Paulo: Livraria
Martins Editora, 1953, p. 33.
272
Pandiá Calógeras acrescenta que: “D. Francisco de Sousa, que já pesquisara minas durante sua primeira
missão como governador geral do Brasil e então auxiliara Gabriel Soares em suas mallogradas explorações,
voltou como governador das capitanias sulinas. Tratou de fomentar a fundação de pequenas forjas de producção
directa de ferro segundo o methodo catalão.” CALÓGERAS, Pandiá. Formação histórica do Brasil. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1938, p. 49. Essas mesmas minas foram entregues aos cuidados de Diogo
Gonçalves Laço em 1598.
273
As primeiras notícias que se deram da existência de minérios na capitania de São Vicente foram dadas a D.
João III pelo bispo Pedro Francisco Sardinha.
274
MARCOLIN, Neldson. op. cit., 2013, p. 86.
130

Figura 7 - Forno típico de século XVI

Fonte: LANDGRAF, Femando José G; TSCHIPTSCHIN, André P.; GOLDENSTEIN, Hélio. Nota sobre a
História da Metalurgia no Brasil (1500-1850). In: VARGAS, Milton. História da Técnica e da Tecnologia no
Brasil. São Paulo: UNESP, 1995, pp. 107-129.

É importante reiterar o fato de que essas primeiras tentativas em se produzir o ferro no


Brasil, especialmente aquelas iniciadas por Sardinha, valiam-se de

[…] uma variação das primitivas forjas tradicionais, utilizadas desde que o homem
iniciou o trabalho em ferro, fornos de chão ou “fornos baixos”, processo milenar de
redução direta do minério por meio de carvão vegetal em fornos de pequenas
dimensões, em torno de um metro de altura. Composta por dois orifícios, o superior,
por onde é carregado o minério e o carvão, e frequentemente retirado o metal
reduzido, e o inferior, por onde sopra-se o ar e retira-se a escória.275

Em 1609, numa parceria entre Diogo Quadros, Francisco Lopes Pinto e Antonio de
Sousa foi estabelecido o controle sobre a fábrica de ferro de Santo Amaro 276, em Ibirapuera. É
importante notar que os três sócios já receberam pronta a estrutura de uma fábrica e não
erigiram uma nova instalação. Como bem observou Sérgio Buarque de Holanda,

[...] a sociedade referida, em que efetivamente participaram Diogo de Quadros,


Francisco Lopes Pinto e o filho primogênito de D. Francisco de Souza, não visava
propriamente a criação de uma fábrica, pois esta já existia em funcionamento dois
anos antes, conforme o atestam documentos da época. [...] Finalmente o Geribatiba,

275
FACIABEN, Marcos Eduardo. Tecnologia siderúrgica no Brasil do século XIX: conhecimento e técnica na
aurora de um país (o caso da fábrica de ferro de São João do Ipanema). 2012. 200 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, p. 69.
276
É preciso lembrar que entre 1832 a 1935, Santo Amaro foi um município independente dentro do Estado de
São Paulo. Muitos dos autores aqui citados escreveram seus estudos durante esse período.
131

a que se refere a escritura celebrada na nota do tabelião Simão Borges não é


certamente o rio Jurubatuba [...] mas seu antigo homônimo do planalto paulista, que
é o atual rio Pinheiros [...].277

Essas instalações beneficiaram-se pela enorme disposição de água provindas do rio


Pinheiros, levando em conta que nesses empreendimentos fora adotado o método catalão. 278 A
Figura 8 apresenta uma estrutura geral do forno e de sopro de uma forja catalã, como eram
conhecidas à época o tipo de instalação que foi reproduzida no Brasil para manufaturar o
ferro. Quando Francisco Lopes Pinto faleceu, em 1629, o contrato sobre o engenho de ferro
foi finalizado e dessa forma cessou a produção do mesmo, após 20 anos de funcionamento. 279
Fato é que a historiografia salienta o pioneirismo de São Paulo na produção de ferro, 280 porém
negligencia outras formas não manufatureiras de produção do metal. Os estudos de Crislayne
Alfagali sobre os artesãos do ferro, em Minas Gerais, no século XVIII, revela uma pujante
produção siderúrgica na capitania levada a cabo por artesãos brancos pobres e escravos. 281
Mas, no caso desta pesquisa, o interesse recai sobre a produção manufatureira de ferro em
Minas Gerais e na Bahia, no contexto do Iluminismo a partir da segunda metade dos
setecentos.

277
HOLANDA, Sérgio Buarque de. A fábrica de ferro de Santo Amaro. Digesto Econômico, Rio de Janeiro, n.
38, pp. 78-81, 1948, p. 79.
278
Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. O Ferro (Ensaio de História Industrial). Revista do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 9, pp. 20-100, 1904.
279
Cf. MORAES. Frederico Augusto Pereira. Subsídios para a história do Ypanema. Lisboa: Imprensa nacional,
1858.
280
Entre os quais, podemos citar: SANTOS, Nilton Pereira dos. A fábrica de ferro de São João de Ipanema:
economia e política nas últimas décadas do segundo reinado (1860-1889). 2009. 181 f. Dissertação (Mestrado
em História) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas; PIZOL, Helton
de Bernardi. A fabricação do ferro no começo do século XIX em Ipanema no período de Hedberg e Varnhagen.
2009. 95 f. Dissertação (Mestrado em História da Ciência) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
281
Cf. ALFAGALI, Crislayne. Em casa de ferreiro pior apeiro: os artesãos do ferro em Vila Rica e Mariana no
século XVIII. 2012. 220 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de Campinas, Instituto de
Filosofia e Ciências Humanas.
132

Figura 8 - Forno e sistema de sopro de uma forja catalã

Fonte: LANDGRAF, Femando José G; TSCHIPTSCHIN, André P.; GOLDENSTEIN, Hélio. Nota sobre a
História da Metalurgia no Brasil (1500-1850). In: VA RGAS, Milton. História da Técnica e da Tecnologia no
Brasil. São Paulo: UNESP, 1995, pp. 107-129.

Conforme apontamos no parágrafo anterior, parte das forjas que foram instaladas
inicialmente na América portuguesa empregavam o “método catalão”, usando fornos
intermediários entre os baixos fornos e altos-fornos, valendo-se de carvão vegetal e de foles
elaborados a partir de peles de animais e de madeira, que eram aplicados para insuflar a
combustão, ou, como característica singular de tal método, também valiam-se das “rodas
d’água”, mecanismos hidráulicos que auxiliavam na formação da corrente de ar. 282 Vale

282
Cf. ZEQUINI, Anicleide. Arqueologia de uma fábrica de ferro: Morro de Araiçoba séculos XVI-XVIII. 2006.
223 f. Tese (Doutorado em Arqueologia) - Universidade de São Paulo, Museu de Arqueologia e Etnologia.
133

lembrar que o minério de ferro encontrado na região de Sorocaba, onde se situavam as


primeiras fábricas de ferro, era do tipo magnetita.
Para termos uma noção geral de como era construída uma forja simples, é necessário
reiterar que uma instalação era colocada sempre às margens de um rio, cuja água fornecesse a
força motriz necessária. Além disso, devia ser a forja rodeada de florestas capazes de fornecer
a madeira empregada como carvão para aquecer os fornos. Ademais, as rochas das imediações
poderiam ser usadas para construção das fundações e dos fornos.283

Figura 9 - Planta da Forja284

Fonte: FERRAND, Paul. A industria do Ferro no Brazil (província de Minas Gerais).


Annaes da Escola de Minas de Ouro Preto, Rio de Janeiro, n. 4, pp. 167-188, 1885.

283
Cf. FERRAND, Paul. A industria do Ferro no Brazil (província de Minas Gerais). Annaes da Escola de Minas
de Ouro Preto, Rio de Janeiro, n. 4, pp. 167-188, 1885.
284
Conforme a descrição de Paul Ferrand, a planta da forja disposta na figura 9 é composta por “um forno de
quatro cadinhos (A). Uma a duas forjas de reaquecimento, semelhantes as nossas tendas de ferreiro (B). um
malho (C) movido por uma roda hydraulica (D). Duas trompas para mandar o vento, uma (E) aos cadinhos a
outra (F) à forja de reaquecimento. Duas bigornas (G e H) collocadas na proximidade da forja de reaquecimento
para o trabalho das peças delicadas. Finalmente, diversos utensílios, servindo para manejar as lupas e para o
acabamento das barras. O carvão de madeira é collocado ao abrigo da chuva, por baixo de um telheiro de
alvenaria (I). O minerio, que é trazido á medida das necessidades é posto em montes (M) na proximidade dos
cadinhos. Todos os telheiros se achão encostados á montanha a agua é trazida por um duplo canal de tábuas (L e
N) e se despeja de um lado na roda e na trompa (F) e do outro na trompa (E), cahindo depois em um canal de
vasão (PQ) que leva á torrente.”. FERRAND, Paul. op. cit., 1885, p. 169.
134

Essas investidas iniciais para a instalação dessas fábricas foram custeadas, quase na
totalidade, por fundos de particulares, caso das fábricas de salitre de fins do século XVII e
início do XVIII elencadas no segundo capítulo. Os administradores reais 285, em linhas gerais,
tiveram pouca participação.
Após extinção do contrato para o controle da fábrica de ferro de Santo Amaro e do
abandono das primeiras experiências da manipulação do ferro, ainda no século XVI, o
progressivo crescimento da plantation de cana-de-açúcar dominou, a partir do século
seguinte, as atividades produtivas na colônia. Ainda assim, em 1682, os irmãos Jacinto
Moreira Cabral e Pascoal Moreira Cabral e o frei Pedro de Sousa foram incumbidos de
averiguar o valor dos minérios em Biraçoiba.286 Segundo Calógeras:

a 2 de maio de 1682 mandou o Príncipe várias cartas autographas aos paulistas mais
ilustres da Capitania, afim de que elles se auxiliassem […]. E em 5 de Maio do
mesmo anno outra carta régia autorizava o alcaído mór Jacintho Moreira Cabral,
Martim Garcia Lumbria e Manoel Fernandes de Abreu a levantarem uma fábrica de
ferro em Arayçoba. Não se encontra nos documentos até hoje divulgados de ter sido
levado a effeito essa construção.287

Findando os registros relativos às autorizações para instalação de fábricas de ferro, em


carta datada de 1698, Thomé Monteiro Faria, capitão-mor de Itanhaem, declarou que Luis
Lopes de Carvalho tinha a intenção de levantar uma instalação para fundir ferro na serra de
Biraiçoba. É possível que esta solicitação tenha sido indeferida, visto que o projeto de Lopes
de Carvalho pretendia ocupar 4 léguas de extensão de terras.288
Além disso, em fins do século XVI, foram intensificadas as explorações em busca do
ouro, o que obliterou a busca e o beneficiamento de outros minérios. No início do século
XVIII, o tão almejado ouro foi encontrado em grandes jazidas na região que tomou o nome de
Minas Gerais e, a partir daí, a indústria aurífera foi a que mais prosperou na primeira metade
do setecentos.289 Conforme as orientações apresentadas pelo desembargador João José
Teixeira Coelho: “a única baze em que se sustentão os interesses políticos da Capitania de
Minas Geraes he a estracção do Ouro: ao mesmo passe que se arruinar esta baze, se verão
destruidos, e extintos tais interesses.”290. O progressivo esgotamento do ouro de aluvião levou
285
Especialmente durante o período da União Ibérica.
286
Cf. CALÒGERAS, João Panidá. op. cit., 1904.
287
Ibidem, p. 36.
288
Cf. Ibidem.
289
Segundo Calógeras, em novembro de 1715, por exemplo, foram proibidos o levantamento de engenhos na
capitania de Minas Gerais. Isso impediria que a mão de obra se alocasse em outras atividades que não a extração
do ouro. Cf. Ibidem.
290
COELHO, João José Teixeira. Instrucção para o governo da capitania de Minas Geraes. Revista do Arquivo
Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 8, n. 1, pp. 399-581, 1903, p. 498.
135

a medidas imediatas para aumentar o volume de mão de obra escrava no setor e novas
técnicas de exploração foram empregadas.291
Não deixa de ser curioso que, apesar da capitania Minas Gerais possuir enorme
potencial para instalação de fábricas de ferro, devido às volumosas jazidas ali existentes, foi
em Biraiçoba, em 1765, que, novamente, foram estabelecidas tentativas para se fundir ferro
não como uma pequena indústria apêndice à outra de maior vulto, como eram os casos das
produções domésticas que podem ser verificadas ao longo do século XVIII, mas uma empresa
livre com intuito exclusivamente metalúrgico.292 A concessão da autorização concedida a
Domingos Ferreira Pereira não foi automática, pois justificava-se que os envolvidos não
tinham experiência nem conhecimento técnico necessário para a manipulação do aço. Os
pedidos para a contratação de mestres biscainhos visaram superar essas dificuldades, mas,
conforme afirma Pandiá Calógeras, não se sabe se a Coroa atendeu essas solicitações. É
possível que sim, pois a fábrica manteve-se em atividade até, aproximadamente, a década de
1780.293

3.2 A metalurgia na capitania de Minas Gerais

A manipulação do ferro, sobretudo aquele importado da Europa, foi amplamente usual


nas oficinas e em forjas de particulares vinculados à indústria aurífera em Minas Gerais. A
movimentação para autonomizar as buscas daquele minério, assim como seu beneficiamento
manufatureiro em larga escala começaram a ganhar corpo apenas nas discussões dos
administradores governamentais no final do século XVIII.
Localizar projetos relativos à indústria siderúrgica no final do século XVIII e início do
século XIX, nos remete novamente a algumas considerações que não podem ser relegadas. A
aplicação das premissas da ciência ilustrada que os naturalistas promoveram no Brasil, a
princípio, inauguram os testes necessários para o aproveitamento industrial dos minérios que
estavam dispostos em abundância. Esses testes implicaram em avaliações, por parte dos
especialistas, da qualidade e da possibilidade de lucro com a produção em larga escala.
291
A preocupação com a retirada de trabalhadores para a execução de trabalhos em engenhos de aguardente fez
com que alguns desses fossem proibidos. Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. op. cit., 1904.
292
Em 1765, “uma carta régia concedia privilégio exclusivo por dez annos a Domingos Ferreira Pereira, morador
da capitania do Rio de Janeiro, para na comarca de S. Paulo, minerar ferro, chumbo e estanho, podendo
estabelecer uma ou mais fábricas para caldear esses metaes [...]”. CALÓGERAS, João Pandiá. op. cit., 1904, p.
42.
293
Cf. Ibidem.
136

As viagens filosóficas cujos membros envolvidos investigaram a disposição do


minério de ferro nas capitanias de Minas Gerais jogam luz sobre as pesquisas desenvolvidas
pelos naturalistas luso-brasileiros nesse campo. Estas pesquisas foram abertamente apoiadas e
subsidiadas pelos administradores portugueses e, entre eles, destaca-se D. Rodrigo de Sousa
Coutinho.294
Apenas o Estado português era capaz de lançar as bases para a instalação de
empreendimentos de tal envergadura, pois a manufatura siderúrgica que se buscava implantar
tinha por parâmetros a indústria europeia. Seu sucesso dependia ainda de significativos
investimentos em infraestrutura, como a construção de estradas para escoamento da produção
local, o que acabou não ocorrendo, a despeito de tais obstáculos serem recorrentemente
apontados pelos naturalistas em seus escritos.
Faz-se necessário apontar também as pressões internas da colônia pelo arrefecimento
das dinâmicas oriundas do Antigo Sistema Colonial. A compra de produtos importados da
Europa encarecia as produções locais, sendo que os estudos desses naturalistas apontavam
para as possibilidades reais de produção local de determinados gêneros. Nesse sentido,
destacam-se os conselhos do naturalista José Vieira Couto, que investigou as jazidas de ferro e
salitre na capitania de Minas Gerais, ao passo que conclamava que “cabia ao estado português
não só abolir os entraves ao surgimento de uma indústria nativa, com ele própria devia ser
responsável pela criação de uma primeira siderurgia nacional”. Assim, “em consonância com
o reformismo ilustrado, ele defendia o abrandamento do exclusivo metropolitanos e o
incentivo à produção nacional, ou seja, uma política reformista patrocinada pelo próprio
Estado”295.
A adesão ao corolário das ideias ilustradas pode ser considerada um marco rumo à
fabricação do ferro na América portuguesa. Por meio de empreendimentos manufatureiros sob
o signo da Ilustração pretendeu-se explorar o minério de ferro com a finalidade de seu
aproveitamento em larga escala. O perfil artesanal com vistas a atender as demandas locais,
embora tivesse permanecido usual, no recorte temporal aqui estudado, conviveu com as
premissas de técnicas industriais metalúrgicas.

294
Cf. FURTADO, Júnia F. Ciência, diplomacia e viagem: Dom Rodrigo de Souza Coutinho e o tour
mineralógico dos savants luso-brasileiros José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Ferreira da Câmara
Bittencourt em Turim. In: MOTA, Isabel Ferreira da; SPANTIGATI, Carla Enrica (Org.). Tanto ella assume
novitate al fianco: Lisboa, Turim e o intercâmbio cultural do século das luzes à Europa pós-napoleónica.
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019. pp.143-187.
295
FURTADO, Júnia Ferreira, Estudo crítico. In: COUTO, José Vieira. Memórias sobre a capitania das Minas
Gerais. Coordenação de Junia Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, dez.1994, pp.32-33.
137

Portugal esteve envolvido, no início da segunda metade do século XVIII, com uma
curiosa experiência no fabrico de ferro em instalação de grande porte estabelecida no Reino
de Angola.296 A Real Fábrica de Ferro de Nova Oeiras foi um empreendimento liderado por
Francisco de Sousa Coutinho e revela as mesmas intenções das autoridades portuguesas de
caminhar para substituição das importações desse minério, sendo que o projeto pretendia
exportar para o Reino boa parte das produções da fábrica. Em outras palavras, os
administradores lusos estavam propensos, desde a década de 1760 a promover a indústria
metalúrgica dentro do Reino.
Apesar do corpo de técnicos que operaram as primeiras fábricas de ferro brasileiras ter
sido composto por número considerável de suecos e alemães, a exemplo da Real Fábrica de
Ferro de Ipanema, as primeiras movimentações para que se desenvolvesse uma siderurgia em
larga escala no Brasil estiveram circunscritas às pesquisas desenvolvidas pelos naturalistas
luso-brasileiros, entre os quais se destaca José Vieira Couto.
O objetivo de parte deste capítulo, portanto, é revelar a política metalúrgica que uniu a
administração portuguesa e os esforços dos naturalistas luso-brasileiros, visando o
aproveitamento dos recursos naturais dos domínios ultramarinos para sustentar a economia do
Reino como um todo. Não se trata de analisar, aqui, essas experiências em termos de fracasso
e ou de sucesso, como foi usual em algumas abordagens historiográficas do século XX
referentes ao tema.
Além disso, vale destacar, novamente, a questão da mão de obra escrava que esteve
envolvida na produção de ferro na colônia. Como apontou Crislayne Alfagali 297, no século
XVIII, foi dada preferência, por exemplo, às pessoas oriundas de Angola que, entre outros
motivos, constava o conhecimento na manipulação do minério de ferro nos seus locais de
origem, das quais eram fundamentais para o trabalho nas pequenas oficinas já instaladas na
capitania de Minas Gerais. A disposição de trabalhadores escravizados que recebiam jornais
ou mesmo dos chamados “escravos do Reino” foram recorrentes nas instalações implantadas
no Brasil no século XIX.
O processo de manipulação do ferro antes das viagens filosóficas empreendidas pelos
naturalistas luso-brasileiros na capitania de Minas Gerais e do estabelecimento das fábricas de

296
Cf. ALFAGALI, Crislayne. Ferreiros e fundadores de Ilamba. Uma história social da fabricação do ferro e da
Real Fábrica de Nova Oieras (Angola, segunda metade do século XVIII). 2017. 407 f. Tese (Doutorado em
História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
297
Cf. Ibidem.
138

ferro em média e grande escala298 ocorria em pequenas oficinas locais. Essa produção
doméstica, produzida nas oficinas ou tendas de ferreiros e ferradores, era feita a partir de
barras de ferro importadas da Europa e que, a altos custos, chegava aqueles locais. Como
sintetizou Alfagali:

o ferro, em barras, ou já obrado, fazia parte de um grupo de mercadorias necessárias


e não disponíveis na Capitania das Minas: como o aço, o chumbo, o cobre e o
estanho [...] bem como restrições ao estabelecimento de fundições na colônia, o que
aumentava a taxação sobre esse produto. Prática tributária que era lucrativa para a
Coroa, mas onerosa para os colonos, que chagavam a pagar em “um quintal de ferro
o mesmo que costumam pagar [em] fazendas finas (tecidos finos), de grande valor,
em igual proporção de peso”.299

Antes da organização de técnicas industriais, havia um saber “prático”, transferido


entre as gerações de artesãos, e que não dividiam o processo de produção em grandes etapas.
Os processos anteriores ao uso de alto-forno faziam com que o aquecimento do minério o
transformava em uma massa pastosa. Era natural que, nesse processo de manipulação, o
minério recebia impurezas e, na forja, eram produzidos apenas instrumentos retos, como facas
e enxadas. De acordo com Crislayne Alfagali, “essa técnica de produção de ferro ficou
conhecida como método de redução direta por não atingir a temperatura de fusão do metal
(1538 o C)”.300
Com a crescente necessidade de descoberta e beneficiamento de metais ferrosos, a
Real Fazenda amenizou a cobrança de impostos sobre a circulação desse produto nas
capitanias do Brasil, ao passo que autorizou a exploração das regiões onde se encontravam os
depósitos mais significativos do metal.
O mapeamento das localidades onde havia jazidas de ferro definiu os rumos da
transformação da siderurgia e da metalurgia no Brasil. A análise dos documentos sobre o tema
emitidos pelo Conselho Ultramarino permite verificar que a introdução das premissas
ilustradas foi marcante nas últimas décadas do século XVIII, notadamente pela investigação
da localização dos minérios, pelos testes para descobrir suas qualidades e a viabilidade de se
aproveitar em um esquema de produção em escala considerável. Não é de se estranhar, visto
que as elites intelectuais luso-brasileiras estavam em constante contato com suas congêneres

298
Como é o caso da indústria que operava com alto-forno e que exigia um corpo técnico com um certo tipo de
especialização.
299
ALFAGALI, Crislayne. op. cit., 2012, pp. 70-71.
300
ALFAGALI, Crislayne. op. cit., 2012, p. 87.
139

europeias, que a siderurgia colonial estivesse em compasso com a Revolução Científica e com
a Revolução Industrial do final do século XVIII.
O círculo de pesquisadores ilustrados em torno de D. Rodrigo de Sousa Coutinho
defendia não apenas uma nova empresa exploradora das riquezas minerais na América
portuguesa, mas também uma reformulação da participação do Brasil no beneficiamento
desses mesmos produtos, o que se articulava dentro de um projeto político mais amplo de
equiparação da colônia e sua elite intelectual ao reino.301 Vale destacar que, para compreender
o movimento que modificou a busca do ferro no Brasil nas duas últimas décadas do século
XVIII, é necessário identificar os limites que o estabelecimento da indústria encontrou dentro
do escopo de reformulação da posição econômica colonial.
Entre esses limites, cabe ressaltar a falta de um corpo técnico preparado para atuar em
uma produção metalúrgica de cariz industrial. A mão de obra escrava, empregada na maioria
das atividades pregressas coloniais, dominava um saber fazer distante do referencial teórico
europeu,302 ao passo que portugueses lançaram mão dos mesmos trabalhadores para efetivar
esses projetos.
É importante também mencionar as mudanças que ocorreram com a transferência da
Família Real para o Brasil. Então, findaram abertamente alguns dos elementos fundantes do
sistema colonial, como o exclusivo metropolitano, e novas perspectivas abriram-se no sentido
da organização econômica brasileira, muitas delas relativas à matriz industrial. Formalmente,
os recursos legais que bloquearam, ao menos teoricamente, a instalação de fábricas
metalúrgicas foram liquidados a partir de 1808. A Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar e a
Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema são exemplos que emergiram desse processo.
É interessante pontuar que tais fábricas, operadas ao longo da primeira metade do século XIX,
funcionaram com capital público e privado. Isso sugere as normativas econômicas liberais que
influenciavam os círculos administrativos. Antes da chegada da Família Real, as medidas para
erigir uma indústria de ferro no Brasil ficaram circunscritas ao Estado, aos administradores
das capitanias e ao corpo de intelectuais que atuavam no Reino e na colônia.

301
Cf. FURTADO, Júnia F. Um cartógrafo rebelde? José Joaquim da Rocha e a cartografia de Minas Gerais.
Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 17, n.2, pp. 155-187, 2009.
302
A transferência de europeus, a exemplo de Carl Gustav Hedberg, para a direção das fábricas de ferro do início
do século XIX são indicadores de como, de modo geral, havia carência de pessoal com especialização na
execução desses trabalhos.
140

As pesquisas desenvolvidas pelos naturalistas luso-brasileiros visavam inaugurar


sofisticadas práticas metalúrgicas e mineralógicas na história do Brasil. Posto isso, cabe
esclarecer como foi a atuação dos intelectuais brasileiros do círculo de influência de D.
Rodrigo de Sousa Coutinho para a instalação de fábricas com a finalidade de aproveitar o
minério de ferro em escala industrial.
Ponto chave para compreendermos esse processo foi a ordem emitida pelo ministério
da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, capitaneado por Luís Pinto de Sousa Coutinho, o
visconde de Balsemão, a 25 de maio de 1795, informando ao vice-rei do Brasil, D. José Luis
de Castro, da extinção do monopólio da produção de sal e autorizando para que, em toda a
colônia, a mineração de ferro pudesse ser livremente explorado:

tem sua Magde. resolvido em segdo. Lugar qe. em todo o continente do Brazil se
possão abrir Minas de Ferro, se possão manufacturar todos e quaesquer Instrumentos
desse genero, mas para suprir o desfalque q e. huma simillante liberdade possa
ocazionar nos Reais Direitos. He a mesma Senhora outrora servida Ordenar q e.
ouvindo V. Sa. as Camaras dessa capitania haja de assentar com ellas em huma tarifa
moderada dos Direitos, qe. hum simillante genero devera pagar na Fabricas do Pais,
logo qe. ali se puder fazer venda, tanto qe. respeito ao Ferro bruto ou em barra, como
daquelle qe. se vender já manufacturado pa. instrumentos de agricultura e outros
utensílios domestico.303

Em ofício de 31 de outubro de 1795, D. José Luis de Castro deu conta das


autorizações emitidas no ofício de 24 de maio de 1795. Com o fim do monopólio do sal e a
permissão para o beneficiamento do ferro pelos colonos, foi exarado um imposto maior sobre
esses produtos de maneira a recompensar a Real Fazenda. 304 Esse imposto também recaía
sobre a introdução de novas pessoas escravizadas para atender às demandas geradas com as
novas atividades. Para Calógeras, as ações dos governadores das capitanias foram tímidas em
relação ao processo de cumprimento das ordens do ministério da Marinha e dos Domínios
Ultramarinos, tendo em vista, especialmente, a questão dos processos que corriam em relação
à Inconfidência Mineira.305
303
AHU, Projeto Resgate - Rio de Janeiro Avulsos (1614-1830), cx. 154, doc. 11665, 24 de maio de 1795. É
possível ver esse documento essa mesma instrução na capitania de Minas Gerais em 20 de outubro de 1795. Cf.
APM, Secretaria de Governo da Capitania, Seção Colonial, cód. 259, fls. 24-v, 25, 20 de outubro de 1795.
304
Cf. AHU, Projeto Resgate - Rio de Janeiro Avulsos (1614-1830), cx. 156, doc. 11782, 31 de outubro de 1795.
De fato, em 4 de novembro de 1795, a câmara de São João da Praia concorda que seja cobrado valor maior
referente aos impostos do sal e do ferro que fosse manufaturado: “[...] mostra concordar mutuamente com outras
na contribuição, respectiva do sal, logo que fique abolido o contrato, e da mesma sorte hé o seo parecer em
quanto ao ferro extrahido, ou manufacturado no paiz.”. AHU, Projeto Resgate - Rio de Janeiro Avulsos (1614-
1830), cx. 156, doc. 11796, 4 de novembro de 1795.
305
Cf. CALÓGERAS, João Pandiá. op. cit., 1904. Na documentação do Conselho Ultramarino, D. Tomás José de
Melo, governador da capitania de Pernambuco em 1795, encaminhou um ofício em prontidão ao atendimento
das diligências apontadas por Luis Pinto de Sousa Coutinho, de modo que os resultados que ali se realizassem
141

O documento expedido por Luis Pinto de Sousa Coutinho, portanto, ocupa uma
posição intermediária entre o alvará de 1785 e o decreto de 1º de abril de 1808, que autorizou
toda e qualquer manufatura. Esse pioneirismo por parte de D. João, príncipe regente, em
1795, revela como a necessidade de reformulação das políticas econômicas fazia-se premente.
Mesmo com a política oficial, parte das experiências de aproveitamento manufatureiro
do ferro, após 1795, se valeram dos esforços e dos fundos de particulares. Coube, ao corpo de
intelectuais dos naturalistas luso-brasileiros inaugurar, com o suporte dos administradores
metropolitanos, as primeiras tentativas da introdução no Brasil de modernas técnicas
industriais relativas à metalurgia, passando pela esquematização da averiguação da
disponibilidade dos minérios, o envio de amostras para a metrópole e das sugestões da
implantação das fábricas.

3.3 Antecedentes da produção de ferro em Minas Gerais

Os primeiros registros da existência de jazidas de minério do ferro em Minas Gerais


surgem desde o início do século XVIII e, conforme indicou Geraldo Dutra de Morais,
aparecem na correspondência, no ano de 1702, de Artur de Sá e Meneses, governador da
Repartição Sul, quando afirmou, ao dar notícias das primeiras expedições na região, que
“aquele País possui muita prata, cobre, salitre e ferro e muitos outros tesouros”. 306 Ainda que a
existência da prata jamais se concretizasse, a exploração aurífera, ao longo do século XVIII,
sublimou a dos outros metais.
Como afirmamos no tópico anterior, para atender à demanda por ferro, os mineiros
importavam peças do metal que, em seguida, eram refundidas em oficinas por ferreiros e
serralheiros, transformando-as nos objetos necessários à economia mineral e agrícola. Essas
oficinas se valiam do trabalho tanto de livres quanto de escravos africanos, que possuíam
experiência pregressa na manipulação do ferro na África, embora, nesse continente, a
siderurgia tivesse origem ritualística.
Como resumiu Calógeras: “numerosíssimos eram os escravos vindos da África” que
eram “metallurgistas natos como bem fazem notar os ethnologos, e dos quaes alguns eram

referentes ao sal e ferro e a entrada de escravos seriam avisados ao ministro interino. Cf. AHU, Projeto Resgate -
Pernambuco (1590-1826), cx. 189, doc. 13079, 18 de agosto de 1795.
306
MORAIS, Geraldo Dutra de. História de Conceição de Mato Dentro. Belo Horizonte: Biblioteca Mineira de
Cultura, 1942, p. 252.
142

empregados em pequenas ferrarias onde o preparo de metal accessoriamente podia ser


feito.”307 Fato é que houve a preferência para ocupar o trabalho de ferreiro por escravizados de
determinadas regiões, especialmente os oriundos do Reino de Angola, porque lá a fundição de
metais tinha tradição. De acordo com Eduardo França Paiva, o ferro era transformado

em instrumentos de trabalho nas pequenas forjas montadas pelos africanos.


Aliás, o ferreiro, profissão prestigiosa em algumas regiões africanas, como,
por exemplo, nas terras dos Beafares, costa da Guiné, era, também, cuteleiro
e ourives. As duas ocupações estavam tradicionalmente associadas nessas
sociedades, o que acabou sendo reproduzido no Brasil [...]. A grande
quantidade de escravos e de libertos oficiais de ferreiro e a ocorrência de
ourives negros e mestiços, inclusive escravos, podem ser indícios importantes
para uma investigação mais apurada.308

Em linhas gerais, a extração aurífera na capitania estimulou diversas outras atividades,


entre as quais as das pequenas oficinas que manipulavam o ferro europeu. 309 Grosso modo, os
que almejavam trabalhar como oficiais ferreiros deveriam prestar exame junto aos juízes de
profissão, eleitos pelas câmaras municipais. Os exames eram prestados e, verificada a aptidão
dos pretendentes pelos juízes, eram autorizados a exercer o ofício com total comprometimento
em observar o regimento profissional dos ferreiros.310 A habilitação de artífice permitia,
portanto, que os oficiais trabalhassem em suas vilas, limitados ao exercício de ferreiros com o
objetivo de produzir de objetos que atendessem às necessidades imediatas das suas
localidades. De acordo com Salomão de Vasconcelos, “o número de ferreiros era enorme,
maior mesmo que o dos carpinteiros e pedreiros”311.
A análise da qualidade do ferro de Minas Gerais foi relegada a segundo plano durante
boa parte do século XVIII. De modo geral, o minério ferroso da capitania foi ao longo do
século XIX, classificado de acordo com sua localização. As maiores jazidas ficavam entre a
massa de quartzos, sendo encontradas no nível superior dos terrenos eruptivos, designados por
Paul Ferrand como itabirito, caracterizado pela mistura de quartzo e oxido de ferro.
Em 1769, um particular pediu licença para abrir uma fábrica de ferro no arraial de
Nossa Senhora da Piedade de Paraopeba. O solicitante era Manoel Alvares Correia, natural do
Reino: “diz Manoel Alz. Corra. […] q. elle se ppe. obter a licença do Governador Geral Freire
307
CALÓGERAS, João Pandiá. op. cit., 1904, p. 64.
308
PAIVA, Eduardo França. Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagem no Novo Mundo.
In: PAIVA, Eduardo França; ANASTASIA, Carla Maria Junho (Org.). O trabalho mestiço: maneiras de pensar e
formas de viver, séculos XVI a XIX. São Paulo: Annablume; PPGH/UFMG, 2002. p. 189.
309
Cf. BAETA, Nilton. op. cit., 1973.
310
Cf. Ibidem.
311
VASCONCELOS, Salomão de. Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o século XVIII. Revista do Serviço
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 4, pp. 331-359, 1940, p. 332.
143

de Andrade pa. a experiencia de fazer ferro, […] a sua fabrica a qual serve de beneficio ao
bem comum […].”312. O ouvidor-mor de Sabará, José Lobo Pessanha, deu parecer positivo em
relação ao estabelecimento dessa natureza. Segundo Pessanha:

conduzindo me pela maxima de que todo adiantamento, toda a faculdade que se


puder dar a arte de minerar, hé útil ao Rei e ao Estado e que o ouro hé a mais
importante produção deste continente, hé certo que contribuira para maior extracção
delle, o haver ferro fabricando no mesmo continente da qual possão proverem os
mineiros a preço mais moderado do que a que vem do Reino e por que será mayor a
utilidade ao Erario Regio no augmento dos Reaes Quintos [...].313

A resposta da solicitação não foi encontrada. Porém, tudo indica que a mesma não foi
atendida.
O alto custo pela qual o ferro acabava por chegar aos mineiros eram um dos motivos
de insatisfação e corroboraram para que na América portuguesa se pleiteasse a substituição de
importações daquele produto. Conforme expõe Alfagali;

[…] o ferro fazia parte de um conjunto de mercadorias importadas e percorria um


longo caminho até as tendas e oficinas dos oficiais do ferro. O tributo das entradas
desses produtos juntamente com o contrato dos dízimos constituía a fonte de maior
rendimento para a Real Fazenda. Ao passarem pelos postos fiscais, chamados
registros ou contagens, as tropas de cargas eram examinadas e suas mercadorias
registradas – fazendas secas (em geral, tecidos), escravos e molhados (gêneros
alimentícios).314

Os tributos de entradas e os contratos de dízimos rendiam consideráveis quantias aos


cofres régios.315 Em meados do século XVIII, um quintal de ferro manufaturado
valia no Rio de Janeiro “entre 4$800 réis e 6$000 réis e do tributo da entrada se cos-
tumava pagar em Minas Gerais 4$500 réis”. Além desse imposto, se acrescentava os
“direitos, os transportes, conduções, demoras e outras despesas”, fazendo o valor fi-
nal chegar a 14$400 réis nos mercados mineiros. Ou seja, o valor do quintal de ferro
em Minas era praticamente três vezes mais do que se pagava no Rio de Janeiro”.316

312
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 94, doc. 49, 17 de março de 1769.
313
APM, Secretaria de Governo da Capitania, cód. 166, f. 62, 19 de dezembro de 1769.
314
ALFAGALI, Crislayne. op. cit., 2012, p. 80.
315
Cf. CARRARA, Ângelo Alves. A administração dos contratos da capitania de Minas: o contratador João
Rodrigues de Macedo, 1775-1807. América Latina en La Historia Económica, Ciudad de México n. 35, pp. 31-
52, 2011. Um recibo passado por Manuel Velho da Silva a Antonio Gonçalves Ledo referente a compra de ferro
revela que “[…] duzentos quarenta e quatro mil quinhentos e sincoenta seis produto de quarenta e sinco qtes.
duas arobas e vinte [ilegível] libras de ferro que me havia comprado Luis Pinto de Govea […]”. APM, Secretaria
de Governo da Capitania, cx. 10, doc. 25, 18 de dezembro de 1780.
316
ALFAGALI, Crislayne. op. cit., 2012, p. 80
144

3.4 Como animar a produção de ferro a partir de 1780

Alguns dos membros do corpo administradores públicos da capitania de Minas Gerais


demonstraram sua aflição em relação ao ferro e como esse minério bem poderia ser
aproveitado naquela localidade. Nesse sentido, vale citar o escrito do desembargador José
Teixeira em que lista a relação aos minérios, para além do ouro, que podiam ser beneficiados.
Na sua Instrucção para o governo da Capitania de Minas Geraes, sublinha que aquele local
“tem pedras de cevar que não são más, tem minas de pedra hume, de salitre e de ferro, que se
não promovem por falta de indústria.”317.
O governador D. Rodrigo José de Menezes, na Exposição do governador D. Rodrigo
José de Menezes sobre a decadência da capitania de Minas Gerais e os meios de remediá-lo
(1780), listou, entre as medidas para animar a mineração aurífera, o estabelecimento de
fábricas de ferro, que viriam, segundo ele, em socorro dos atrasos pela qual malogravam a
economia da capitania. Esse documento revela os esforços administrativos para promover as
reformas necessárias com o intuito de superar os atrasos que eles identificavam nos setores
mais rentáveis da economia colonial.318
A Exposição é iniciada com a descrição das atividades mineradoras e sua situação
atual. D. Rodrigo explica que, apesar dos gastos não serem inicialmente vultosos com o
emprego de escravos e com os instrumentos necessários, o mineiro “acha a cada passo
obstaculos quazi invenciiveis, humas vezes na mesma natureza do terreno [...]”319. Além
disso, apontou que muitas lavras eram negligenciadas pelos seus donos e isso prejudicava o
Real Erário e também os que de fato tinham interesses em realizar os trabalhos nesses locais.
Além de não aproveitarem as lavras, as águas acabavam não sendo usadas.
Em vista das demandas relativas aos atrasos que considerava assolar a mineração, o
governador defendeu a abertura de fábricas de ferro:

para principiar corresponder a ideia q. de mim tem formado e concernido de grande


utilidade q. resultaria tanto à Real Faz da. como a mineração sou obrigado a propor

317
COELHO, José Teixeira. Instrucção para o governo da capitania de Minas Geraes. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, Tomo XV, pp. 255-481, 1888, p. 260.
318
É preciso lembrar das movimentações quanto a preocupação com as sublevações e sedições que poderiam
ocorrer no período em que a Exposição fora escrita. Assim, reformas eram necessárias também com vistas a se
proteger e manter o domínio dos portugueses sobre o Brasil, especialmente na capitania de Minas Gerais. Cf.
FERREIRA, O. S. Administração nas Minas Gerais. Revista de História, [S. l.], v. 19, n. 39, pp. 181-193, 1959.
319
MENEZES, D. Rodrigo José de. Exposição do governador D. Rodrigo José de Menezes sobre a decadência da
capitania de Minas Gerais e os meios de remediá-lo. Revista do Arquivo Público Mineiro, Ouro Preto v. 2, pp.
311-327, 1897, p. 312.
145

um novo estabelecimento q. a primeira vista parece oposto ao espirito e sistema de


administração desta Capitania mas q. bem examinado se conhece pela razoens
quanto a mim, as mais sólidas, e convenientes, a sua utilidade. 320

Argumentou favoravelmente pelo estabelecimento de fábricas de ferro tendo em


observância que “se em toda parte do mundo he este metal necessario, em nenhuma o he mais
que nestas minas […]”321. O governador segue sua exposição com o fato de que o ferro aqui
produzido poderia “[…] custar hum preço, muito mais módico […]” 322, pois os preços do
ferro importado, nesse caso dos suecos, hamburgueses e biscainhos, eram bem maiores,
defendendo a substituição das importações.
Substituir importações significava repensar as bases do pacto colonial que, na teoria,
posicionava a colônia como compradora exclusiva dos produtos manufaturados via metrópole.
Nesse sentido, a defesa de dom Rodrigo advogava a revisão das bases que norteavam até
aquele momento as relações entre Portugal e a América portuguesa, pois a colônia ultramarina
poderia ganhar autonomia na produção de bens manufaturados.
Para atestar a qualidade do minério existente na capitania de Minas Gerais, D. Rodrigo
autorizou que um dos moradores323 do local minerasse e conduzisse algumas amostras para
encaminhar à Metrópole. Após ter feito as experiências necessárias, ele concluiu ser “[…]
bom e verdadeiro ferro, ou talvez compozição com todas as suas propriedades e capaz de ser
empregada em todas as obras em q. se necessita daquele metal [...]” 324. Essas experiências
com permissão das autoridades locais revela a política que se manteria nos anos seguintes em
relação aos ensaios e aos testes para beneficiamento do ferro, o que seria realizado com as
pesquisas dos naturalistas luso-brasileiros.
Fica evidente que o interesse em promover uma indústria metalúrgica servia para
atender as demandas diretas da mineração do ouro. No entanto, outras atividades, ligadas ou
não à mineração, também se beneficiariam com a redução dos custos da importação de um
produto tão importante que era o ferro.
O único senão que D. Rodrigo José de Menezes apresentou seria a redução da
arrecadação em relação aos contratos das Entradas, mas o próprio governador rebateu os
danos possíveis, ao afirmar que:
320
MENEZES, D. Rodrigo José de. op. cit., 1897, p. 315.
321
Ibidem, p. 315.
322
Ibidem, p. 315.
323
Calógeras aventa a hipótese de que quem analisou esses minerais foi José Vieira Couto, embora em 1780, ele
estava, na Europa, realizando estudos e não havia ainda regressado ao Brasil. Cf. CALÓGERAS, João Pandiá.
op. cit., 1904.
324
MENEZES, D. Rodrigo José de. op. cit., 1897, p. 316.
146

a este inconveniente, porem, se pode remediar por diversos modos, primeiro tendo
nesta fábrica o Contratador, ou a Real Fazenda, segundo parecer mais conveniente,
hum homem de confiança q. vá marcando o ferro a medida em que se for
fabricando, e contando iguaes Direitos aos que paga quando entra, segundo, sendo a
mesma Real Fazenda o principal interessado na sobre dita fábrica, ficando o
segundo descobridor do Segredo administrando-a com lucro de um tanto por cento
sobre as vendas q. se fizerem, terceiro, tomando-a a Fazenda Real totalmente a si a
imitação da polvora de Lisboa fazendo a administrar p.r sua conta. 325

Ainda em 1780, Manuel Monteiro Novais pediu licença a D. Rodrigo José de Menezes
para manufaturar o ferro na freguesia de Tamanduá. Conforme observou Nilton Baeta, “este,
morador naquela freguesia de Tamanduá, recebeu assim, em 20 de abril de 1780, autorização
para realizar uma experiência, condicionando porém o prosseguimento da atividade a nova
ordem governamental.”.326
No entanto, nos parece que o plano não foi adiante e as fábricas de ferro ficaram
relegadas à segunda ordem nos meios administrativos por aproximadamente 15 anos. Após D.
Rodrigo de Sousa Coutinho assumir a pasta da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, em
1796, houve novas e mais consistentes iniciativas para averiguar a possibilidade de
aproveitamento do minério de ferro em Minas Gerais. A missão foi encarregada a José Vieira
Couto, que recebeu subsídios régios para esse intento.
José Vieira Couto (1752-1827), nascido no arraial do Tejuco, estudou Matemática na
Universidade de Lisboa, tendo concluído seus estudos em 1778. 327 De acordo com Márcio
Mota Pereira, Vieira Couto,

assim como vários estudantes brasileiros em Lisboa, […] se adaptou às letras


filosóficas de tal modo que, posteriormente, seria convidado pelo lente de História
Natural e Química Domingos Vandelli (1735-1810) para aplicar os conhecimentos
científicos em sua pátria.328

Suas investigações na comarca do Serro Frio, encomendadas por D. Rodrigo de Sousa


Coutinho através do governador D. Rodrigo José de Menezes, encontraram obstáculos na
oposição do Intendente dos Diamantes, João Inácio do Amaral Silveira, conforme apontado
por Júnia Ferreira Furtado.329
325
MENEZES, D. Rodrigo José de. op. cit., 1897, p. 316.
326
BAETA, Nilton. op. cit., 1973, p. 69.
327
Cf. FURTADO, Júnia F. op. cit. 1994.
328
PEREIRA, Márcio Mota. “Parecia-me que me via no Mundo da Lua”: Relações políticas e viagens filosóficas
do naturalista José Vieira Couto no Distrito Diamantino. Temporalidades, Belo Horizonte, v. 8, n. 1, pp. 522-542,
2016, pp. 522-523.
329
Cf. FURTADO, Júnia F. op. cit. 1994, pp. 17-22. Muitas dessas observações feitas por Vieira Couto em
relação ao Intendente dos Diamantes podem ser encontradas cartas elaboradas pelo naturalista, datadas de 20 de
setembro de 1798, apontando os impedimentos que recebera para executar as análises mineralógicas e
147

De acordo ao que propôs Nilton Baeta330, o simples fato de D. João VI, sob os
cuidados de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, encaminhar José Vieira Couto de fazer as análises
mineralógicas na capitania de Minas Gerais, a partir de 1797, nos revela que havia a intenção
do beneficiamento do ferro em dimensões industriais. Sobre o tema e as viagens de Couto
houve intensa troca de correspondência entre as autoridades instaladas na colônia e no reino e
os resultados das pesquisas eram enviados a Portugal.
Essas pesquisas enfrentaram vários percalços. Vieira Couto observou que as
dificuldades ocorriam não apenas em circunstância da insalubridade dos territórios que as
viagens filosóficas percorriam, mas também devido à oposição de parte das autoridades
locais, como pela falta ou pela precariedade dos equipamentos para conduzir os experimentos
químicos necessários à avaliação das amostras minerais. A 30 de julho de 1799, Vieira Couto
solicitou a D. Rodrigo de Sousa Coutinho alguns equipamentos e se queixa que

tenho tãobem experimentado, Exmo. Senhor, grandes dificuld.es em m.tas experiencias


chimicas por causa de não ter o meu laboratorio munido de vasos de vidro, nem,
nestes sertões, há pa. onde recorrer-se: se V. Ex.ca. me suprisse com os vasos da lista
inclusa m.to V. Ex.a promoveria pa. a gloria e aumento do Estado de q. he V. Ex c.a
Dignissimo e benemerito Ministro.331

Vale mencionar que muitas dessas pesquisas foram também empreendidas, como
aponta o documento, por ou conjuntamente com Joaquim Veloso de Miranda que fez vários
ensaios e sugeriu o aproveitamento em larga escala do salitre e do ferro brasileiro.
Além de Vieira Couto e Joaquim Veloso de Miranda, é necessário lembrar de João
Manso Pereira.332 Embora não tenha frequentado os âmbitos acadêmicos de Portugal, Manso
Pereira praticou algumas experiências químicas como autodidata, entre os quais se destaca
sobre os alambiques. Além disso, Manso Pereira, reconhecido pelos serviços exercidos no
Brasil, foi incumbido pelo príncipe regente de fazer pesquisas das minas de ferro nas
capitanias de Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro e verificar o melhor local para se
instalar fábricas de ferro. A 19 de agosto de 1799 escreveu D. João:

sendo me prezente os grandes e uteis rezultados que soube tirar das Minas de Ferro
da capitania de S. Paulo o hábil chimico methalurgico João Manso Per. a que se
pantenteião no vazo de ferro coado, e no Aço que fez subir a Minha Real Prezença: e
metalúrgicas. Cf. AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 145, doc. 46, 20 de setembro de 1798.
330
Cf. BAETA, Nilton. op. cit., 1973.
331
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 149, doc. 30, 30 de julho de 1799.
332
Cf. FURTADO, Júnia F. Súditos de um império ilustrado: a Real Academia das Ciências de Lisboa, os
naturalistas e a capitania de Minas Gerais. In: Vicente Coelho de Seabra: o primeiro químico moderno brasileiro
- 250 anos de nascimento. Belo Horizonte: CRQ-MG, 2014, pp .159-172
148

dezejando ha muito tempo procurar aos meus vassalos as vantagens q. lhes há de


rezultar de se trabalharem as minas de ferro nas capitanias do Ryo de Janeiro, Minas
Gerais, e S. Paulo: Hei por bem ordenarvos que logo que esta minha carta regia vos
for prezente, procedaes em companhia e debaixo da direcção do mesmo João Manso
ao exame do lugar onde melhor se podera estabelecer huma fabrica de ferro, com
fornos para fundir, e côar o ferro para depois o preparar, assim como tãobem reduzir
a Aço pr. meio da cimentação: Que procedaes a demarcar os bosques que forem
mais proprios, pela sua extenção, situação e qualidade das arvores, para darem o
necessário carvão para consumo da mesma fabrica [...]. 333

De acordo com Nilton Baeta, Manso Pereira possivelmente não chegou a cumprir as
ordens dadas pelo príncipe regente, pois o governador Bernardo José de Lorena informou ao
reino que o estudioso não dera notícias após as ordens dadas para averiguação das minas, pelo
menos até a data de 12 de dezembro de 1799, e a questão voltou a ser tratada em 4 de julho de
1800, quando foi informado que “[...] discorrendo sobre a abundância de água e de reservas
florestais que se achavam ao inteiro dispor da fábrica de ferro planejada, aguardando apenas a
presença do técnico encarregado do assunto.”334. As investigações se faziam necessárias
porque “ninguém de bom senso animaria a produzir ferro em grande quantidade, sem saber
primeiro como mobilizar fatores de produção, principalmente matéria-prima.”335.
Após as últimas informações sobre o ferro fornecidas por Vieira Couto e com o não
cumprimento das tarefas por parte de João Manso Pereira, paralisaram-se as pesquisas e o
estabelecimento da manufatura do ferro até a chegada da família Real ao Brasil em 1808. 336
Por essa razão, a análise aqui estabelecida se centra no trabalho dos naturalistas José Vieira
Couto e Manuel Ferreira da Câmara que versaram sobre o ferro e suas formas de
beneficiamento.

3.5 As propostas metalúrgicas na Memória sobre a Capitania de Minas Geraes; seu


territorio, clima e producções metálicas, de José Vieira Couto

A Memória Memória sobre a Capitania de Minas Geraes; seu territorio, clima e


producções metálicas, de José Vieira Couto se inicia apontando os atrasos pelos quais a
capitania de Minas Gerais atravessava, mormente com a baixa da produção aurífera que,

333
APM, Secretaria de Governo da Capitania, cód. 269, fl. 36, 19 de agosto de 1799.
334
BAETA, Nilton. op. cit., 1973, p. 71.
335
Ibidem, p. 63.
336
Cf. Ibidem.
149

naquele momento, levava a que muitos procurassem como alternativa a agricultura: “os
mineiros enfim desgostozos com sua occupação e vendo q. a fertild. de da terra poderá melhor
satisfazer suas necessidades, largarão os picões e as alavancas e correrão p a. a agricultura
[...]”337. Havia, portanto, uma propensão ao abandono da mineração em função da decadência
que essa atividade representava no final do século XVIII. Júnia Ferreira Furtado salientou
que, em parte, esse “estado decadente das Minas” era um argumento de retórica que
empregava a retórica iluminista da luz e da escuridão para reforçar a necessidade de
reformas.338 Vieira Couto chegou a afirmar que “[…] e dos Mineiros, q. são os consumidores,
nem os mesmos agricultores acharão sahida aos seus generos […]”339.
No tópico Arte Metallurgica Nacional, Vieira Couto expõe abertamente suas
proposições e considerações referentes ao aproveitamento das minas e abre seu discurso
ponderando que as nações mais cultas fazem amplo proveito dos seus minérios valiosos,
defendendo que, na América portuguesa, haveria a possibilidade de se aplicar o mesmo,
levando em conta os fartos depósitos de ferro que existiam na região.
Homem ilustrado, Vieira Couto defendeu os livros como forma de difusão dos
conhecimentos metalúrgicos, permitindo “[…] girar entre o povo o corpo completo da Arte
Metallurgica [...]”340, sendo esta obra composta por três volumes tratando o primeiro da
“metallurgia mechanica”, o segundo da “metallurgia pyrotechnica” e o terceiro da
“metallurgia docimastica”. Argumentou que o primeiro volume da “metallurgia mechanica”
deveria tratar de disseminar os conhecimentos de como se abrir as minas, o modo de se
reconhecer as pedras, a maneira de identificar os sais, o enxofre e, por fim, os metais. Feitas
essas observações, o volume deveria seguir evidenciando as “matrizes dos metaes”, de modo
que se verifique adequadamente o que se encontra em “cumulos”, “vieiros” e “fendas”.
Munidos desses conhecimentos,

he tempo de já fazer descer o mineiro pela sua nova mina. Esta he formada de poços,
de galerias, de canos, de azos, de canaes de esgotos. Mostrar q tas. qualidaes, ha de
poços: estes pela maior pe. descem perpendicularmte. ao centro da terra, e ha poços
[…] pa. a serventia de descer e subir somt e. a gente, outros para o esgoto das aguas, e
assento das maquinas pa. este effeito, outros p a. o uso dos ventiladores que devem
renovar e purificar continuamte. o ar na profundeza da Mina. No extremo de cada
poço ficão as galerias, q. cortão orizontalm te., a direita e a esquerda e servem p a.
descortinar os vieiros, arrumar entulhos, e encaminhar as aguas soteraneas. Os canos
são como galerias mais estreitas e servem pa. repassar a montanha e hir-se por meio

337
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799, pp. 15-16.
338
FURTADO, Júnia F. op. cit., 1994, pp. 27-30.
339
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799, p. 16.
340
Ibidem, p. 28.
150

delles em busca de novos vieiros. A azos q. são como huns nichos postos ao lado dos
poços, servem tambem para arrumar os entulhos, descobrir os vieiros e nellas
separarem os obreiros a verdadeira mina da ganga ou pedra esteril. Os canaes de
esgoto tem sua entrada nas fraldas do monte e vão-se communicar depois com as
galerias interiores, receberem as aguas exauridas pelas maquinas, e conduuzirem p a.
fora do mesmo monte. 341

Vieira Couto seguiu propondo que o monte em que se realizasse a exploração deve ser
fortificado pela alvenaria e carpintaria, ao que ele chama de “architetura soterranea”, assim
como os trabalhos empregados no desenvolvimento das “máquinas” que cuidam das águas
são dependentes do emprego de conhecimentos relativos à “hydraulica soterranea”. Isso
posto, pode-se inferir que propunha-se o avanço na especialização dos conhecimentos para
que tal empresa mineradora lograsse êxito.
Essas orientações poderiam ser aplicadas na extração do ouro, mas Vieira Couto
assegurou que, quanto mais se estenderem as pesquisas, mais metais podem ser extraídos dos
montes em que se aplicam tais trabalhos. O segundo volume, Metallurgia pyrotechinica
deveria tratar dos assuntos referentes ao reconhecimento e maneira de “[…] ensinar como se
extrae pelo fogo os metaes das suas pedras” 342. O mesmo volume trataria de instruir os
processos de trituração, da lavagem, da calcinação e dos fornos que deveriam ser aplicados na
sua produção. Nesse segundo volume, por conseguinte, deveriam ser tratadas as questões
relativas aos fornos de fusão e, não menos importante, seria descrito como deveria ser a fusão
de cada gênero de metal. Sobre a instrução da separação de cada metal, o naturalista apontou
que:

os metaes depois de fundidos. saem pela maior pe. huns misturados huns com os
outros e impuros, e por isso convem separallos e purificallos. Essa separação é toda
fundada sobre as leis das afinidades q. tem os metaes huns com os outros, e sobre o
differente gráo de dificulde. de cada um dos mesmos metaes.343

É interessante notar que as recomendações encontradas na Memória reiteram que os


processos relativos à metalurgia deveriam partir das especificidades que os fundidores
encontrassem na colônia. Vieira Couto propunha uma racionalização das práticas
mineralógicas e metalúrgicas que deveria prover os envolvidos dos conhecimentos que
garantissem os resultados desejados desde o reconhecimento dos minérios até a sua
manipulação nos fornos e nas forjas: “a nossa arte metallurgica […] isto he, fundada em

341
Ibidem, p. 30.
342
Ibidem, p. 31.
343
Ibidem, p. 32.
151

experiencias feitas sobre as próprias minas e sobre os próprios fundadores do pais; isto avança
muito.”344.
O terceiro volume “Metallurgia Docimastica” deveria ser um manual que orientasse os
mineiros a reconhecer a qualidade dos metais, mais especificamente o valor que poderia ser
atribuído ao ouro e a prata. Importa reiterar que essas proposições indicavam uma plena
adoção de recursos pragmáticos para qualificar e classificar as produções minerais, sobretudo
no que se refere ao ouro, a prata e o cobre.
Tratando mais especificamente sobre o estímulo às fundições de ferro, Vieira Couto
fez importante observação sobre este minério:

o ferro, este metal tão necessario á todas as artes á todos os officios, q. rasgando a
terra obriga esta a ornar-se de huma verdura mais amena e alegre a desentranhar-se
em dons e riquezas, q. levado a nossas fronteiras mostra aos nossos hum muro
inconquistavel, a morte e o espanto, este metal mais precioso ao homem, do q. o
ouro e a prata, he o q a Providencia derramou sobre nos com huma prodigalid e.
espanntoza. 345

É sintomático notar como ele posicionou o ferro como um minério mais importante
que o ouro e a prata. Era natural que, sabendo dos enormes depósitos desse metal, o estímulo
ao aproveitamento industrial do ferro ganhasse destaque na Memória. José Vieira Couto
sublinha que: “não sei porq. fatalide. ainda ate hoje não nos temos abaixado pa. levantarmos da
terra essas riquezas q. ella tão largamte. nos offerece […]”346. Insiste que, até então, se pagava
“[…] hum preço exorbitante [...]”347 pelo ferro manufaturado, sendo um dos argumentos
centrais que direcionavam para a substituição das importações. Advogava que as fábricas de
ferro deveriam ser instaladas da seguinte forma:

a fábrica de ferro, ou as fundições e forjas deste metal, he uma das cousas mais
complicadas na arte metallurgica. O ferro sendo um metal de vil preço, he por
consege. preciso q. a fabrica para haver de fazer utili de. e fundam to. e em grandes
quantides. ao mesmo tempo, e esteja sempre em actual ativid e, o q. não succede assim
nos outros metaes, q. os seus fornos são mais pequenos e suas fundições em menores
quantides. e seguindo nisto mesmo a ordem da natureza q. tambem os criou com
maior escassez e os doou ao mesmo tempo de maior valor. Por cuja causa, tais
fabricas de ferro e tais fundições, tudo deve ser em hum ponto em grande. Os fornos
são de vinte pés em quadre, e vinte e cinco de alto; os folles de madeira e de quinze
pés de comprido, não ha braços que os possão mover e huma torrente d’agua os
agita por meio de huma roda, o forno […] vomita de tempos em tempos huma lava
de ferro de quinze pés de comprido. E sobre dois mil arreteis de peso. Esta he

344
Ibidem, p. 33.
345
Ibidem, p. 36.
346
Ibidem, p. 36.
347
Ibidem, p. 36.
152

condusida por maquinas a huma forja ao depois a huma grande bigorna onde hum
martelo de mil e duzentos arreteis de massa, e tambem movida por outra maquina
d’agua, a malha onde he formada em barras. Esse exercicio nessa labutação atura
sem cessar dez ou doze meses continuos.348

Vieira Couto descreve que o processo da fabricação de ferro exigia esforço para que os
resultados lograssem êxito. Para que fossem aproveitados os grandes depósitos de ferro eram
necessárias, entre outras, máquinas que auxiliassem na manufatura. O resultado seria
compensador visto que, produzir o ferro em larga escala, segundo aquele naturalista,
garantiria lucros maiores aos donos do empreendimento do que produzir em pequena escala:

eis aqui como estas fábricas podem fazer utilide. Suprindo a quantidade de metal ao
seu barato e ao reves em hum pequeno ponto e fundindo as arrobas, nunca o
proprietário tera lucro consideravel e cada libra lhe ficara por hum preço
consideravel.349

Outra necessidade seria o aporte de especialistas, bem como um grande volume de


capital, pois máquinas deveriam ser importadas. Levando em consideração o alto valor do
capital requerido, considerava que: “nenhum particular o poderá fazer por falta de meios. Sua
Mage. porqto. qm. a melhor pode levantar e mui particularmte a primeira.”350. Seria o Estado
português o primeiro a tomar a dianteira para a concretização do projeto. Também seria sua
responsabilidade formar o corpo de cientistas para operar a fábrica, a exemplo de físicos e
químicos.
Todas essas recomendações possuíam perfil notadamente pragmático e utilitarista. As
características utilitaristas são evidenciadas na divisão das atividades no interior da fábrica, a
na recomendação de um corpo de especialistas com saber capaz de dar suporte aos processos
das operações e na instrução daqueles que participariam da empresa. Para tanto, recomendou
que:

deve observar como se fazem estas operações tend es. a taes fundições, tirar planos
dos edifícios, dos fornos, levantar modelos de varias maquinas, de vários
instrumentos, descrever o numero e os deveres de cada official ou artífice; o numero
de trabalhadores, as oras de cada fornada, e mil cousas dessa natureza.351

Elencar esses pontos era necessário, de acordo com Vieira Couto, para que o Estado
português conseguisse disso tirar bom proveito dos tesouros depositados na natureza brasileira
348
Ibidem, pp. 36-38.
349
Ibidem, p. 38.
350
Ibidem, p. 38.
351
Ibidem, p. 38.
153

e que ainda não haviam sido aproveitados. A Tabela 4 apresenta a classificação do ferro
disposto na capitania de Minas Gerais de acordo com Vieira Couto pois, para a viabilidade do
projeto, era necessário reconhecer as particularidades dos minérios daquela localidade, de
modo que:

tal mina de ferro he so própria pa. formar peças fundidas, aquella da hum bom ferro
flexível e próprio pa. ser forjado antes, aquella outra serve p a. se converter em bom
aço; humas vão mais boas e mais ricas, porem não fundem e dão hum ferro
quebradiço e misturada com outras estas lhes servem de fundentes e bom tempero
[...]. 352

Tabela 4 - Tipos de minas de ferro elencadas por José Vieira Couto e suas medidas
Classificação da Mina Quantidade
Tesselare 2 Em quintal: 56 libras
Crystalinum 3
Chalybeatum 4
Rhombeum 6
Selectum 8
Granorum 9 Todas essas Minas são riquíssimas em ferro e dão
Commune 10 em cada quintal de Mina de 70 para 108 libras de
Falcorum 12 ferro puro
Decupatum 14
Icamorum 16
Ipecularis Wal
Carulucens 19 47 libras de ferro em quintal
Homatites 22 57 para 84 libras em quintal
Arenorum 24 29 para 36 libras em quintal
Fonte: AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799, p. 11.

Reconhecer a natureza das jazidas de ferro só seria possível se o projeto tivesse o


envolvimento de especialistas para identificarem as qualidades do minério, bem como a
maneira de fazer sua fundição e sua forja. Um fundidor ordinário, por exemplo, como aponta
o naturalista, não saberia aproveitar devidamente o minério.
Outras observações foram elencadas pelo naturalista mineiro, como a questão da der-
rubada das matas e do consumo descontrolado das madeiras que prejudicava o estabelecimen-
to de uma fundição. “sem o saber, o naturalista tocava em problemas hoje bastante atuais”. 353
Afirmou que “parece-me q. seria conveniente vedar-se a todos os cultivadores do Brasil, q.

352
Ibidem, p. 39.
353
FURTADO, Júnia F. op. cit., 1994, p. 33.
154

habitão longe de povoados, a derrubar e incendiar mais da metade dos seus matos [...]” 354. Vi-
eira Couto apontou que viu disposto na natureza muito minério de ferro em algumas localida-
des, mas que, por falta de lenha, não poderiam ser explorados. Nas suas palavras: “observei
em mtos. lugares riquíssimas veias e camadas de excellente ferro, q. já mais virão a ser úteis a
ninguém pela distancia da lenha.”355. Outro ponto que chamou a atenção do estudioso foi o
excesso de dias santos, ao que propôs abolir esses dias para a indústria e o comércio conquis-
tassem maior espaço.356
Questão sensível ao bom funcionamento da empresa extrativa de minérios em Minas
Gerais, do mesmo modo que em relação ao salitre, era relativa ao escoamento das suas
produções. Não caberia apenas a população local consumir os excedentes que as fábricas
produzirem, pois “he certo q. as nossas fundições tarde ou sedo perecerão, principalm te. a dos
metaes mais vulgares se não entendermos na cômoda exportação delles. O pais não pode nem
deve consumir todos elles, o Estado necessita do ferro para instrumentos bellicos [...]”357.
Apontadas como inviáveis para o escoamento dos metais as estradas existentes, a
Memória sugeriu o uso da navegação para solver esse problema, a partir de uma série de rios,
entre os quais o Rio das Velhas e o Paraúna. Isso facilitaria, segundo o autor, reduzir os custos
de exportação. Porém, apenas a comunicação feita por rios não seria suficiente: a abertura de
estradas era necessária para concluir com mais rapidez os trajetos. Estradas bem localizadas e
plenamente abertas permitiriam o escoamento dos produtos. Além disso, sugeriu o emprego e
a domesticação de alguns animais para tração, como o camelo e a anta.
Suas proposições para a metalurgia defendiam que, após o aporte do Estado, os
particulares seriam animados também a investir no mesmo projeto, levando em conta a
enorme quantidade desse minério na capitania de Minas Gerais e que apenas o Estado, a
longo prazo, não teria condições de explorar as jazidas:

mas isto he so praticável neste pais, onde as minas se achão todas quasi juntas em
hum pequeno espaço de terreno. No Brasil, onde ellas podem ficar em distancias de
cem e mais legoas desviadas humas das outras, fica oneroso multiplicar o Estado
tantas fabricas e fundições, e q. pela maior p e. estarão agora no principio das cousas,
sem ter que fazer maior pe. do anno. O melhor sempre será nestes começos
desonerar Sua Magestade os povos desse direito, p a. q. elles com a esperança de
maior grangearia se afoitem a extrahir estes novos metaes, e ate será conveniente
animallos cõ algumas isenções e privilégios. Estabelecidas as depois estas fabricas e

354
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799, p. 44.
355
Ibidem, p. 44.
356
Cf. FURTADO, Júnia F. op. cit., 1994, pp. 33-34.
357
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799, p. 46.
155

postas de huma vez de assento arraigado este genero de mineração, será então mui
fácil achar-se hum verdadro. meio de arrecadar-se estes mesmos direitos.358

Muitas das suas recomendações foram seguidas nas tentativas de estabelecimento de


uma indústria de ferro de larga escala nas primeiras décadas do século XIX, entre as quais a
contratação de estrangeiros capazes de operar fábricas e a necessidade de análises
preliminares sobre as particularidades das jazidas de ferro próximas.
Em síntese, José Vieira Couto apresentou várias sugestões para que as fábricas de ferro
lograssem êxito, assentadas em diretrizes ilustradas. Entre elas, a necessidade de contratação
de um corpo de especialistas que estudassem as particularidades do minério brasileiro, o
patrocínio do Estado para implantar uma produção de ferro manufaturado em escala industrial
e a abertura de estradas para o escoamento da produção, constituindo o que poderia ser
chamado de o primeiro projeto metalúrgico moderno brasileiro.

3.6 O projeto e a formação da Real Fábrica de Ferro do Morro do Pilar

A experiência de fabricação de ferro implantada por Manuel Ferreira da Câmara


Bittemcourt e Sá, o Intendente Câmara, seguiu as sugestões dos naturalistas, como Vieira
Couto. A 5 de abril de 1809, o Intendente Câmara foi autorizado a erguer a Real Fábrica de
Ferro de Gaspar Soares. Com a transferência da Família Real ao Brasil, em 1808,
dinamizaram-se os estudos e as iniciativas para o aproveitamento dos seus recursos naturais,
como os que o Intendente Câmara projetava.
Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt Aguiar e Sá (1764-1835), nascido na comarca
do Serro Frio, era descendente de portugueses que estavam ligados às explorações do ouro e
dos diamantes em Minas Gerais. Irmão de José de Sá Bittencourt e Accioli, Manuel Ferreira
esteve amplamente envolvido com as atividades ilustradas da segunda metade do século
XVIII. Inicialmente, matriculou-se no curso de Leis na Universidade de Coimbra, mas, em
1784 transferiu-se para o curso de Filosofia Natural, obtendo o título de bacharel em Leis e
Filosofia no ano de 1787. Membro da Academia Real das Ciências de Lisboa, o Intendente
Câmara cultivou grande interesse pela História Natural, sobretudo pela mineralogia e pela
metalurgia, áreas em que aplicou seus conhecimentos no Brasil.
358
Ibidem, p. 53.
156

Junto a José Bonifácio de Andrada e Silva e Pedro Fragoso, Câmara fez importante
viagem filosófica em escolas de fundição e fábricas de ferro europeias, a exemplo das Minas
de Freiberg. De acordo com Américo Antunes, “durante essa longa expedição, Manuel
Ferreira da Câmara chegou a produzir importantes trabalhos científicos. Entre eles, destacam-
se a descrição das Minas alemãs de chumbo e prata e a produção de ferro com novas
tecnologias, para reduzir o uso de combustíveis.”359.
Com referência à difusão dos saberes científicos através de publicações, Manuel
Ferreira da Câmara redigiu, entre outros, o Ensaio da descrição física e econômica da
Comarca de Ilhéus na América (1789) e as Observações a cerca do carvão de pedra da
Freguesia da Carvoeira (1789). Inicialmente, muito do que foi escrito sobre a biografia sobre
Manuel Ferreira da Câmara estava relacionado às suas atividades políticas, especialmente
quando atuou como parlamentar.360
O resgate por parte dos historiadores e historiadoras, assim como de outros
especialistas, na área de História da Ciência tem evidenciado sua importância enquanto
homem ilustrado e que esteve inserido nas reformas econômicas do Reino. O trabalho
pioneiro nesse aspecto foi volumoso estudo de Marcos Carneiro de Mendonça 361, que serviu
de grande referência teórica para a construção deste tópico. Além disso, como aponta Alex G.
Varela, “somente nos últimos anos, em razão do resgate da história das ciências na América
Latina sob novo arcabouço historiográfico, é que Câmara voltou a ser objeto de estudo,
destacando-se os trabalhos de Manuel Serrano Pinto e Silvia Figueirôa.”362.
Câmara foi também um dos intelectuais que estavam inseridos no círculo de influência
de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Em 1800, ele foi indicado a assumir a Intendência Geral
das Minas, na capitania de Minas Gerais, por recomendação de D. Rodrigo, baseada na sua
expertise adquirida ao longo de anos nos centros acadêmicos europeus. Júnia Ferreira Furtado
destaca como a experiência que Coutinho adquiriu em sua passagem como diplomata no
Reino do Piemonte, na Itália, foi fundamental para esboçar sua política mineralógica e
359
ANTUNES, Américo. Do diamante ao aço: a trajetória do Intendente Câmara. Belo Horizonte: UNA, 1999,
pp. 32-33.
360
Parte das memórias de Manuel Ferreira da Câmara já começaram a ser estudadas com o intuito de revelar o
perfil científico daquele autor, a exemplo do que analisou Alex G. Varela. Cf. VARELA, Alex G. Atividades
científicas no Império português: um estudo da obra do ‘metalurgista de profissão’ Manuel Ferreira da Câmara –
1783-1820. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 15, n. 4, pp. 1201-1208, 2008. Entre
outros naturalistas luso-brasileiros que igualmente se destacaram como parlamentares e cientistas, vale
mencionar José Bonifácio de Andrada e Silva.
361
Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958.
362
VARELA, Alex G. A trajetória do ilustrado Manuel Ferreira da Câmara em sua “fase européia” (1783-1800).
Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, pp.150-175, 2007, p. 152.
157

metalúrgica quando se tornou ministro de Estado. Por instância sua, Câmara e José Bonifácio
estiveram em Turim e, ainda que ele estivesse ausente na viagem, a partir dali estreitou os
laços com os dois, especialmente após o retorno dos três a Portugal.363
Como bem observou Alex G. Varela, o Intendente Câmara no Ensaio da descrição
física e econômica da Comarca de Ilhéus na América (1789), assim como José Vieira Couto,
apontou a necessidade do controle do Estado português em relação ao corte das madeiras,
sendo esses insumos necessários para a construção, entre outros, de casas e de navios. Além
disso, o interesse de Câmara em relação às madeiras entendia que “pois estas eram fontes de
abastecimento energético das siderúrgicas [...] uma vez que o carvão, fonte de combustível
com o advento da revolução industrial inglesa, não existia em quantidade suficiente em
Portugal e no Brasil.”364 Nas palavras do naturalista:

são bem conhecidas as utilidades, que resultao das madeiras do Brazil a Portugal: he
também sabido, que todas as terras do Brazil, exceptuados alguns campos
primitivos, estão cubertas de grandes, e espessas matas y em cuja destruição
trabalhão allaz os habitantes sem ainda constar, que se tenha plantado hum só pé das
necessarias á construçção, e á combustão diaria; e pelo axioma de que ninguém dá
mais do que tem, em hum dado tempo virse-hão a consumir todas as especies de
preciozas madeiras, que poíssuimos y para o que principalmente contribue o não
renascerem as especies primitivas; e senao houver grande cuidado a respeíto
daquellas terras vizinhas aos portos marítimos e de fácil exportação como a
Comarca dos Ilhéos, que ainda não tem sido tão atacada em breve tempo as
madeiras serao hum genero mui caro; e esta falta já tem sentido o Estado ha uns
annos a esta parte.365

A repressão sobre a derrubada das matas e a sugestão de fiscalização para impedir o


uso indiscriminado das madeiras revelam o perfil utilitário que ele possuía sobre as produções
naturais e como as mesmas poderiam ser aplicadas com fins pragmáticos, especialmente no
que se refere às produções mineralógicas e metalúrgicas. Isso se deve, entre outros, ao fato de
que o Brasil e Portugal careciam do combustível que serviu de motor para a Revolução
Industrial, qual seja, o carvão mineral. 366 Esse argumento para proteção do corte de árvores
também se assentava na questão de diminuir a necessidade de importação de madeira
necessária para que as atividades manufatureiras.
Vale dizer que, com a experiência adquirida nos centros europeus, Câmara se tornou
grande defensor da atualização das técnicas de mineração, o que também era parte das

363
Cf. FURTADO, Júnia F. op. cit., 2019.
364
VARELA, Alex G. op. cit., 2007, p. 160.
365
BITTENCOURT, Manuel Ferreira da Câmara. Ensaio de descripção fizica, e economica da Comarca dos
Ilheos na America. Lisboa: Offic. da Academia Real das Sciencias, 1789, p. 44.
366
Cf. VARELA, Alex G. op. cit., 2007.
158

propostas ilustradas de José Vieira Couto. De acordo com Silvia Filgueirôa e Clarete Paranhos
da Silva, os projetos que Câmara propôs foram aceitos, embora ao final apenas parte das suas
ideias tenham sido cumpridas:

an early efforto achieve some of his scientific goals was legislation that Camara
proposed to the Brazilian Assembly supporting a "general system of mineral
economy." When the bill was passed into law on 15 March 1803, however, he had
not attained his goals. As he reported to the Portuguese minister of foreign and
colonial affairs, Luiz de Sousa Coutinho, a key figure in the Portuguese government
and a tenacious advocate of the mining sector, the bill had "suffered more discussion
than any other ever presented at the Assembly, and in the end was so [changed and]
disfigured that he could perceive only the faint outline of his ideas.". 367

Câmara foi escolhido e contratado por D. Rodrigo de Sousa Coutinho para ser o
consultor do Reino para assuntos de minas e metalurgia, após sua chegada das viagens
filosóficas na Europa. Entre elas, “foi convidado a emitir diversos pareceres pelo governo
português, dentre os quais se destacaram: o parecer sobre a Memória Sobre o Melhoramento
dos Domínios de Sua Majestade na América [...]”368. Vale lembrar que Câmara também
propôs a criação de uma escola de mineralogia e de metalurgia, tendo como referência na
escola de Minas de Freiberg. Além disso,

realizou um estudo sobre as montanhas da região do Centro de Portugal; elaborou


um parecer sobre o estado em que se encontrava o Pinhal de Leiria; foi também
incumbido de dar consultoria ao governo português sobre os meios de obtenção de
ferro para a fabricação de armas e sobre o projeto de restabelecimento das ferrarias
de Portugal, em especial a de Figueiró dos Vinhos.369

Em fevereiro de 1801, chegou à capitania da Bahia e manteve contato constante com


D. Rodrigo, fazendo balanços sobre o território e o estado de alguma das suas produções,
enquanto aguardava a formalização para assumir o cargo de intendente. No ano de 1803, D.
Rodrigo oficializou Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt no posto de Intendente Geral das
Minas. Conforme a provisão do ministro,

o mesmo Senhor [Príncipe Regente] há por bem de participar-lhes ter nomeado para
Intendente Geral das referidas Minas a Manuel Ferreira da Camara Betancourt no
decreto do dito dia doze de julho, com o ordenado annual de três contos e duzentos
mil reis para lhe serem pagos por essa junta [...].370

367
FIGUEIRÔA, Silvia; SILVA, Clarete Paranhos da. Enlightened Mineralogists: Mining Knowledge in Colonial
Brazil, 1750-1825. Osiris, Chicago, v. 15, pp. 174-189, 2000, p. 182.
368
VARELA, Alex Gonçalves. Ciência e patronagem: análise de trajetória do naturalista e intendente das minas
Manuel Ferreira da Câmara (180-1822). Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro,
n. 446, pp. 67-92, 2010, p. 74.
369
Ibidem, pp. 74-75.
159

Após cinco anos aguardando sua posse como Intendente Geral das Minas e dos
Diamantes, a mesma ocorreu em 1807 e Câmara se tornou o primeiro brasileiro a assumir esse
cargo, que havia sido criado pelo Alvará de 1803. Outro ponto que importa ressaltar foi que,
no mesmo ano de 1807, a Família Real e o aparato administrativo português partiam para o
Brasil, fato que alterou seus planos do ao passo que abriu outras possibilidades em relação à
metalurgia na colônia.
Como sugeriu Alex G. Varela371, todo o trabalho pregresso que Manuel Ferreira da
Câmara desenvolveu, especialmente as consultorias realizadas junto a D. Rodrigo de Sousa
Coutinho, ajudaram a construir sua reputação como naturalista, o que provavelmente estreitou
as relações com o mesmo ministro e confirmou a confiança da Coroa portuguesa em lhe
atribuir os trabalhos relativos à Real Fábrica de Ferro de Gaspar Soares.
O perfil de homem ilustrado pela qual se valia de uma metodologia capaz de
transformar a natureza com a intenção de angariar ganhos econômicos contribuiu também
para a sua nomeação como primeiro brasileiro a cuidar da Intendência dos Diamantes, no
arraial do Tejuco.
A transferência da Família Real para o Brasil resultou na criação de inúmeras fábricas
e instituições, como a Real Fábrica de Pólvora e o Banco do Brasil. Nesse processo, os planos
de Câmara referentes à metalurgia foram acelerados, o que culminou na instalação da Real
Fábrica de Ferro do Morro do Gaspar Soares:

Camara was able to establish the Royal Iron Works (Real FJbrica de Ferro) at
Gaspar Soares (in Minas Gerais). (This was certainly one of the first iron works in
Brazil, although credit is often given to the German Wilhelm L. von Eschwege, who
established one in Minas Gerais at the same time.372

De fato, em 10 de outubro de 1808, na decisão n. 41 exarada por D. João, Príncipe


Regente, foi autorizada a organização de uma fábrica de ferro, que entrara na lista das
prioridades dos subsídios da Real Fazenda. Os ganhos anuais da extração dos diamantes no
Tijuco giravam em torno de 120:000$000 réis, sendo que no ano seguinte seriam aplicados
10:000$000 réis desse montante para o empreendimento:

370
Biblioteca Nacional, BNdigital, Provisão do presidente do Real Erário, Dom Rodrigo de Souza Coutinho, à
Junta de Adminitração e Arrecadação da Real Fazenda de Minas Gerais nomeando Manoel Ferreira da Câmara
Bitencourt como intendente geral das minas. I-25,20,028 – Manuscritos. 12 de agosto de 1803.
371
Cf. VARELA, Alex Gonçalves. op. cit., 2010.
372
Ibidem, p. 184.
160

o Principe Regente Nosso Senhor attendendo ao que Vm. representou, é servido


ordenar: l° que dos 120:000$000 com que por anno se suppre pela Real Fazenda ás
despezas da extracção diamantina do Tijuco, se haja de applicar para o
estabelecimento de uma fabrica de ferro, em que muito pode interessar a mesma real
fazenda e o publico, a quantia de 10:000$000 no proximo anno de 1809, e nos dous
seguintes annos a de 4:000$000 que ficarão á disposição de Vm., para as empregar,
como melhor e mais util lhe parecer [...].373

Com a decisão de 10 de outubro, as recomendações de José Vieira Couto, ainda que


indiretamente, foram observadas: um empreendimento de tal porte só poderia ser realizado
com o suporte dos recursos do Estado, nesse caso, os fundos relativos à extração dos
diamantes. Embora nos anos seguintes o valor dos investimentos fosse reduzido a 4:000$000
réis, o apoio da máquina administrativa régia revela o seu interesse para que a fábrica fosse
bem sucedida.
D. Rodrigo de Sousa Coutinho, mais uma vez, desempenhou papel preponderante no
desenvolvimento da metalurgia no Brasil e, para tanto, estreitou suas ligações com Manuel
Ferreira da Câmara. Isso ocorreu especialmente depois que D. Rodrigo retornou à vida
pública desde que deixara a presidência do Real Erário (1803), ao assumir a pasta dos
Negócios Estrangeiros e da Guerra (1807).
Importa lembrar que a produção de ferro e pólvora respondiam também às
necessidades armamentistas em vista da escalada militar napoleônica. Câmara tomou a
dianteira desse processo. Segundo ele, “qual outro onipotente, com a palavra de V.A.R. tudo
se fará; e, sobretudo, se fabricará o ferro, que servindo a rasgar as entranhas da terra, nos
armará contra os inimigos de V. A. R.: assegurando assim a V.A.R., e à sua real descendência
este nascente Império.”374
À frente da intendência dos diamantes, Câmara dispunha dos cabedais necessários
para lançar o projeto de uma grande fábrica de ferro. Caberia o controle das despesas da
fábrica à Administração Diamantina, bem como o controle dos seus produtos,

devendo-se annualmente dar conta a sua Alteza Real pelo Real Erario do estado
deste estabelecimento, para que se conheça, o interesse que houve, sendo calculado
o preço do ferro, que desta nova fabrica consumir a Administração Diamantina, pelo
medio deduzido dos preços porque á mesma adminístração chegou o ferro nos tres
proximos annos precedentes, e não pelo que se vender aos particulares [...].375

A Administração Diamantina foi a primeira beneficiária dos resultados dos produtos


que a fábrica gerou. A 5 de abril de 1809, foram iniciadas as obras, no morro de Gaspar
373
COLECÇÃO das leis do Brazil. Índice de decisões. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 52.
374
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958, p. 143.
375
COLECÇÃO das leis do Brazil. Índice de decisões. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891, p. 52.
161

Soares, próximo a Vila Rica, local estratégico escolhido em função das estradas e rios
próximos que facilitariam o escoamento da produção para o Rio de Janeiro e a Bahia. Nas
palavras de Marcos Carneiro de Mendonça, Câmara julgou o local

próprio e capaz de permitir o escoamento do excesso da produção não consumida na


capitania de Minas Gerais, para o Rio de Janeiro e Bahia, por meio da navegação do
rio Doce, do qual era afluente o rio St. Antônio, que passava próximo à fábrica insta-
lada no morro de Gaspar Soares.376

A fábrica recebeu como doação, da parte do guarda-mor Sancho de Barros Heredia, o


terreno situado próximo ao arraial do morro de Gaspar Soares. Câmara certamente escolheu o
lugar também em função dos depósitos de minério de ferro ali localizado pois o local era.
formado “de montanhas de rochas contendo em sua composição diferentes minerais de ferro
como magnetita, especularita, hematita e limonita.”377.
As primeiras complicações que Câmara enfrentou em relação ao empreendimento
estiveram ligadas à questão da falta de corpo de trabalhadores que detivessem os
conhecimentos técnicos que uma fábrica de ferro que operava com alto forno exigia. De
acordo com Marcos Carneiro de Mendonça, a questão da falta de técnicos foi observada por
D. Rodrigo de Sousa Coutinho anteriormente à criação da fábrica:

sôbre o justo requerimento para o estabelecimento duma fábrica de ferro que temo
por ora não possa ainda executar-se sem fundidores, ou mineiros da Alemanha, que
venham trabalhar debaixo das suas ordens, exceto por um daquêles milagres, que
podem esperar-se dos seus grandes talentos, suprindo tudo, e principiando a
organizar um estabelecimento de que tanto necessitamos [...]. 378

Além da falta de um corpo técnico, a questão da localização da fábrica também


dificultou o transporte dos insumos que o empreendimento necessitava, bem como a
fiscalização do andamento das obras. Como aponta Américo Antunes, “[…] o morro ficava
distante 25 léguas do arraial do Tijuco, cerca de cinco a seis dias de viagem a cavalo”.379
Segundo Joaquim Felício dos Santos, a intenção inicial de Ferreira da Câmara era a de
construir apenas um alto forno ao estilo de vazar ferro, segundo o perfil alemão, pela qual
fosse possível, de uma só vez, fundir “até trinta quintais de mineral de ferro […]” 380. O alto
forno projetado por Manuel Ferreira da Câmara foi construído com vinte e oito pés de altura e

376
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958, p. 190.
377
VARELA, Alex G. op. cit., 2010, p. 80.
378
COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa, 1808 apud MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958, p. 191.
379
ANTUNES, Américo. op. cit., 1999, p. 72.
380
SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio. São Paulo: Ed.
Da Universidade de São Paulo, 1976, p. 216.
162

a parte superior do equipamento tinha três polegadas de diâmetro. 381 No entanto, ainda como
aponta o mesmo autor, Câmara modificou os planos iniciais em função da falta de água para a
movimentação dos foles, o que culminou na construção de 3 fornos ao estilo catalão, cujas
medidas eram de pequeno porte, para auxiliar na operação do alto forno. Mesmo assim, os
fornos deixavam de operar pela escassez de água durante alguns dias da semana.382
Os primeiros resultados da Real Fábrica de Ferro de Gaspar Soares se concretizaram
apenas em 1815, pois além dos diversos problemas mencionados, Câmara também enfrentou
a falta de peritos adequados. Quando os ensaios culminaram na fusão do minério, em 1815, as
instalações da fábrica também dispunham de uma casa de moinho e de armazém e seus
funcionários somavam administradores pagadores, administradores feitores, oficiais
operadores dos fornos baixos catalães, mestres moldadores e mestres para operar o forno alto
alemão.
Diversas etapas foram concluídas até esse momento como a construção de um açude e
do alto forno, que aconteceram em 1812. Entre 1812 e 1815, ocorreram uma série de
imprevistos nos ensaios:

a primeira campanha iniciou em novembro de 1812 com o aquecimento e secagem


do alto-forno e cessou com o acidente nas correntes de acionamento dos foles na
madrugada de 28 de janeiro de 1813. A segunda, já com a presença do mestre
fundidor alemão Shönenwolf, iniciou e findou entre novembro e dezembro de 1813.
A terceira, teve início em julho de 1814. Nessas campanhas, o ferro correu líquido
duas vezes em 1813 e dez vezes em 1814, Nas duas últimas, produziu-se gusa e
utensílios de ferro fundido para a fábrica. A rigor, as três campanhas do alto-forno do
Pilar foram consideradas por Câmara como ensaios. O exame de documentos
referidos à Fábrica de Ferro do Morro do Pilar mostrou que Câmara nunca referiu-se
a essas campanhas nos termos de produção industrial, frisando sempre o caráter
experimental das corridas de gusa.383

Num esforço de elencar os números que concerniam à Real Fábrica de Ferro de


Gaspar Soares, os deputados do Governo Provisório, em 28 de janeiro de 1822, receberam o
conjunto dos valores gastos até dezembro de 1821, informação repassada pelo coronel João da
Motta Ribeiro. Até 5 de abril de 1809, a fábrica havia custado 1:262$518 réis 384. No primeiro
381
Cf. Ibidem. Essas medidas equivalem aproximadamente, às medidas utilizadas na atualidade, à nove metros de
altura e a parte superior indica aproximadamente a três metros.
382
Cf. Ibidem.
383
ARAÚJO, Paulo Eduardo Martins. Fábrica de Ferro do Morro do Pilar. As três campanhas experimentais e o
colapso estrutural do alto-forno na noite de 21 de agosto de 1814. Anais Eletrônicos do 14º Seminário Nacional
de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT. Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade
Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a 11 de outubro de 2014, p. 1.
384
Fundação Biblioteca Nacional, BNdigital. Ofício aos deputados do governo provisório informando sobre a
análise da fábrica do morro do Gaspar Soares, sua estrutura e o número de empregos que lá trabalham. I-
27,13,029 – Manuscritos. 25 de janeiro de 1822.
163

semestre de 1810, o estabelecimento dispendera o dobro da importância do ano anterior -


2:399$024 réis -, sendo que no segundo semestre os valores chegaram a 2:751$016 réis.385
Embora as preocupações recaíssem sobre os depósitos de minério de ferro do morro
Gaspar Soares, Câmara deu andamento às diversas atividades satélites da empresa, atuando
como “[…] oleiro, carpinteiro, pedreiro, desenhista, […].”386. O primeiro auxiliar que chegou
em seu socorro, com conhecimentos técnicos, foi João Schõnewolf, fundidor alemão.
Em maio de 1812, após viagem realizada para resolver questões relativas à
Intendência dos Diamantes, Manuel Ferreira da Câmara retomou sua participação nas obras.
Durante sua ausência, os trabalhadores encarregados acabaram por construir um talude que o
Intendente considerou de baixa qualidade, visto que os envolvidos possuíam pouca
experiência nesse tipo de estrutura. Além disso, os alicerces não haviam sido feitos
adequadamente, visto a baixa qualidade das terras do terreno escolhido. Contudo, devido à
localização do forno, cuja construção já estava em andamento, ele decidiu manter as
construções da fábrica no mesmo local.
Em razão da péssima qualidade em que foi construído o talude, cujas águas lançadas
fizeram com que a obra não se sustentasse, Câmara optou por reconstruir tudo desde os
alicerces, o que consumiu “oito a nove mil camadas de pedra [...] e 15 a 20 mil de terra
[...]”387. Toda essa reformulação demorou entre 3 a 4 meses.
No final de 1812, o Intendente Câmara começou, com grandes dificuldades, os testes
com o forno. Em 29 de novembro, para que a máquina dos foles pudesse ser operada, foi
utilizado um cabo de couro de 9 polegadas de circunferência. O uso desses cabos não foi bem-
sucedido, pois, com início do aquecimento, acabaram por se romper. Ele decidiu substituí-los
por correntes de ferro, o que também gerou inconvenientes, visto que os estoques do metal
eram inexistentes. Como apontou o próprio Câmara, “passou então um Tropeiro com algum
Ferro, mas que Ferro? Pregos e, Cavilhas de navios já velhos, retalhos de barras de tôda
qualidade, e a necessidade me forçou a lançar mão dele para o fabrico das sobreditas
Cadeias.”388.
Levantados esses pontos sobre a construção da fábrica de ferro do morro de Gaspar
Soares, capitaneadas por Manuel Ferreira da Câmara, faz-se necessário elencar algumas

385
Ibidem.
386
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958, p. 193.
387
CARVALHO, Daniel de. Documentos sobre a Fábrica de Ferro do Morro do Pilar. Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 263, pp.203-235, 1964, p. 208.
388
Ibidem, p. 209.
164

considerações. A empreitada foi, como apontaram, entre outros, Marcos Mendonça Carneiro e
Sílvia Figueirôa, o primeiro empreendimento de metalurgia moderna e que teve por objetivo
produzir ferro em larga escala no Brasil. Seus resultados foram pouco atraentes,
especialmente se comparados a outras investidas que se seguiram, a exemplo da Fábrica
Patriótica, cuja obra foi autorizada em 1812 e alguns naturalistas estrangeiros, entre os quais,
Guilherme von Eschwege lhe deram pouca importância,389 mas resultou na primeira produção
real de ferro fundido em alto forno, o que ocorreu em 1815.
Para avaliar sua real dimensão, é necessário lembrar a enorme oposição que Manuel
Ferreira recebeu tanto das autoridades administrativas e intelectuais. José Vieira Couto foi um
dos desafetos de Câmara,390 bem como o governador da capitania de Minas Gerais, D. Manuel
de Portugal e Castro. Como aponta Júnia Ferreira Furtado, Vieira Couto ressentia-se que todas
as suas principais ideias foram encampadas por Câmara, que o acusava de ser um simples
curioso, sem formação adequada, e ele viu recair sobre o último todos os postos e as glórias
que almejava.391
Outra rivalidade, como percebeu D. Rodrigo de Sousa Coutinho, foi a gerada pelo
início da operação da Real Fábrica de Ferro do Ipanema:

muito estimo o que me diz sôbre a sua fábrica de ferro, que irá rivalizar com outra
que vai erigir-se em S. Paulo na famosa mina de Sorocaba pelos alemães, que
vieram de Portugal, e com as de Sabará para onde espero vá uma companhia de
mineiros de Suécia, que brevemente vai chegar, Se desta vez não tivermos ferro para
o Brasil e para a Ásia será grande desgraça. 392

Alguns pontos cruciais são necessários ser destacados sobre os anos iniciais da
construção da Real Fábrica de Gaspar Soares. Em primeiro lugar, as construções físicas
estiveram, desde o começo, prejudicadas pela falta de técnicos adequados. O talude foi o
maior exemplo, cuja construção original foi condenada por Câmara, o que acarretou atrasos.
Somente no segundo semestre de 1812, ele deu início às primeiras tentativas de fundição. Os
encadeamentos dos foles, realizados originalmente com couro animal, também exigiram
389
Para Marcos Carneiro de Mendonça, Eschwege pouco caso fez da experiência da Real Fábrica de Ferro do
Morro de Gaspar Soares, ao que diz: “[…] Eschwege, o que se pode deduzir dos relatórios a êste enviados
periodicamente, e dos quais o barão serviu-se mais tarde para tentar ridicularizar a obra de Ferreira da Câmara,
esquecendo que o valor daquela iniciativa, colocara êste ilustre brasileiro acima de qualquer tentativa nêsse
sentido.” MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958, p. 194.
390
Cf. ANTUNES, Américo. op. cit., 1999. Vieira Couto criticou, entre outras coisas, a dificuldade com que a
fábrica sofreu em relação à disposição de água, ao passo que chegou a denominar a fábrica fábula de ferro. Cf.
Ibidem.
391
FURTADO, Júnia F. Enlightenment Science and Iconoclasm: the Brazilian Naturalist José Vieira Couto.
Osiris, v. 25, pp. 189-212, 2010, especialmente pp. 207-210.
392
MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958, p. 192.
165

adaptações, e o uso de correntes de ferro enfrentou a carestia de produtos manufaturados a


partir desse metal naquela região.
Em segundo lugar, embora a região escolhida se caracterizasse pela abundância de
jazidas de minério de ferro, a falta de água foi crucial. Isso exigiu a construção de fornos
menores pelo sistema catalão, ou seja, operados por mecanismos hidráulicos. Na falta de
água, foram usados animais, que também eram escassos na região. Esse revés contribuiu para
mais atrasos nas operações da fábrica.
Em terceiro lugar, cada equipamento da fábrica necessitava da expertise para que
fossem bem operados, caso do forno de maiores dimensões e que foi construído nos
parâmetros alemães, conhecimento, até então, inédito no Brasil. A contratação de estrangeiros,
no caso a de Schõnewolf, foi de extrema importância. Mas esse fundidor alemão chegou
apenas em setembro de 1813, pois Câmara sofreu com as objeções de Eschwege, sendo que
Schõnewolf se encontrava a serviço da fábrica de Congonhas.393 Assim, em quarto lugar
observa-se que, então, dependeu enormemente dos conhecimentos do próprio Intendente
Câmara, reunidos em seu tour europeu.
Em quinto lugar, destaca-se outro revés que prejudicou a fábrica que foi a interrupção
do apoio de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, em razão de sua morte em 26 de janeiro de 1812.
Em outras palavras, além de perder um dos grandes entusiastas da metalurgia e mineralogia,
Manuel Ferreira sofreu a privação influente amparo nos círculos políticos.
Em sexto lugar, destacam-se elementos próprios da região onde o empreendimento
estava localizado, que resultaram em dificuldades de transporte para escoamento das
produções de uma indústria em larga escala, como haviam apontado as análises dos
naturalistas. De acordo com o Intendente Câmara, para escoar o excedente não consumido na
capitania Minas Gerais, a fábrica deveria se valer das navegações através do Rio Doce, cujo
afluente Santo Antonio se ligava ao mesmo rio, de modo que os produtos chegassem ao Rio
de Janeiro e à Bahia.394
A despeito das dificuldades enfrentadas, recaiu sobre Manuel Ferreira da Câmara
enquanto estudioso e servidor do Estado português, especialmente à frente da Intendência dos
Diamantes, o ônus da construção de uma fábrica de ferro.

393
Cf. MENDONÇA, Marcos Carneiro de. op. cit., 1958.
394
Cf. Ibidem.
166

3.7 As iniciativas para a extração do salitre em Minas Gerais

Na capitania de Minas Gerais, o nitrato de potássio aparece nas comunicações oficiais


mormente na segunda metade do século XVIII. A pressão pela produção local de salitre foi
exigência natural da exploração aurífera e diamantífera, que faziam recorrente uso da pólvora
para o desmonte do material a ser garimpado. De acordo com Luciano Faria, os primeiros
relatos sobre as pesquisas do salitre em Minas Gerais são mencionados por Joaquim Felício
dos Santos395 no seu clássico, Memórias do Districto Diamantino da comarca do Serro Frio:

o relato de Felício dos Santos, após indicar a extração de salitre em Montes Altos na
Bahia, continua mencionando acertadamente o território das Minas Gerais como
fonte do mineral. A descoberta foi feita em 1757 por dois “aventureiros”, Miguel
Luiz Filgueiras e Antônio José Fernandes – o primeiro, partindo do Tijuco (atual
Diamantina), vai ao encontro do outro, que residia na confluência do rio das Velhas
com o São Francisco.396

Foi sob a influência de D. Rodrigo de Sousa Coutinho, que ocorreu, entre fins do
século XVIII e início do século XIX, sob a justificativa das reformas estruturais da economia
do Reino, o incentivo à investigação sobre o nitrato de potássio, com destaque, no Distrito
Diamantino, para a ação de José Vieira Couto e de Joaquim Veloso de Miranda, que foram
incumbidos de fazer as primeiras pesquisas com o auxílio da Coroa.
No ano de 1799, Vieira Couto foi responsável por analisar as nitreiras de Serra Cabral.
Mais uma vez de acordo com Felício dos Santos, foi D. Rodrigo quem o incumbiu dessa
missão e, caso fossem promissores os resultados, ali se erigiria uma fábrica de salitre:

em 1803, o dr. José Vieira Couto, por comissão do ministro D. Rodrigo de Souza
Coutinho, foi encarregado de ir examiná-las, e informar, se com uma fábrica, que ali
se estabelecesse por conta da fazenda real, poderia o salitre chegar aos portos do mar
no custo de 5$000 a 6$000 réis. Ali demorou-se o dr. Couto por espaço de quarenta
dias em exames.397

395
Como indica Felício dos Santos, “Com este animo partiu do Tijuco, em 1757, Miguel Luiz Filgueiras e
juntando-se na barra do rio das Velhas com Antonio José Fernandes, que ali residia, embrenharam-se ambos
pelos sertões; e depois de muitas fadigas, trabalhos e perigos por que passaram, descobriram afinal uma rica
nitreira da serra da Lapa, que formava os confins do distrito diamantino com a comarca do Sahará. Satisfeitos os
seus intentos, vieram comunicar este descobrimento ao intendente Thomaz Roby de Barros, trazendo as amostras
do salitre, que achara, já puro e cristalizado; e pediram que fossem seus nomes recomendados a El-Rei para
serem eles remunerados. Não nos consta terem obtido as recompensas esperadas.”. SANTOS, Joaquim Felício
dos. Memórias do distrito diamantino da comarca do Serro Frio. São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo,
1976, p. 113.
396
FARIA, Luciano Emerich. Mineralogistas e seus estudos sobre os minerais úteis nas Minas Gerais dos
períodos colonial e imperial. 2019. 328 f. Tese (Doutorado em Química) – Universidade Federal de Minas
Gerais, Departamento de Química, p. 36.
397
SANTOS, Joaquim Felício dos. op. cit., 1976, p. 223.
167

Não apenas as nitreiras naturais, mas também as nitreiras artificiais foram tomadas
como possíveis fontes de produção. As nitreiras artificiais seguiram testadas principalmente
na capitania de Minas Gerais, sendo um dos grandes expoentes desses testes Joaquim Veloso
de Miranda. Esse naturalista esteve envolvido na construção, em suas propriedades, de
nitreiras artificiais. De acordo com Márcio Mota Pereira, ele foi responsável pelas “[...]
Nitreiras e Fábrica de Pólvora da Capitania das Minas [...] nos sertões do Ouro Branco, o que
não significa que tais ações tenham gozado de longa vida e operação”. 398 Enquanto esteve à
frente da pasta da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, entre 1796 e 1801, D. Rodrigo era
informado de tais empreendimentos, o que foi substancial para que fossem realizadas.

3.8 Considerações relativas à Memória sobre as nitreiras naturaes e artificiaes de Monte


Rorigo

A Memória sobre as nitreiras naturaes e artificiaes de Monte Rorigo (1803), de


autoria de José Vieira Couto, foi dedicada a D. Rodrigo de Sousa Coutinho, reiterando a
influência do ministro na pesquisa do salitre no Brasil. O texto foi emitido em 1803 e o nome
dado ao local – Rorigo ou Rodrigo - explicita a homenagem ao Conde de Linhares.
Na abertura do estudo sobre o nitrato de potássio, José Vieira Couto sublinha as
qualidades naturais de Monte Rorigo, por ser “hum vasto e formozo monte, e por ventura he
daquelles que o tempo nunca o aplainará e tirará do numero das montanhas; encerra dentro em
si thesouro de apreço […]”399. E assegura que a qualidade do terreno era premissa
fundamental para garantir o valor e a importância das pesquisas. A seguir, explica que o nitro
“se encontra naturalmente produzido em muitos lugares desta capitania [...]”400 e era de plena
prodigalidade “[…] e tão largamente espalhado, como em huã larga serra, ou lombada de

398
PEREIRA, Márcio Mota. Saber e honra: a trajetória do naturalista luso-brasileiro Joaquim Veloso de Miranda
e as pesquisas em história natural na capitania de Minas Gerais (1746-1816). 2018. 412 f. Tese (Doutorado em
História) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, p. 187.
399
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 2095, f. 3 – 3v, 20 de maio de 1803.
400
Idem, p. 1. Vieira Couto reitera outras localidades, quais sejam: “Em as margens do rio Cipó em a sua direita,
e logo por baixo da estrada, na comarca do Serro, no mesmo cipó, mais abaixo, á sua esquerda, na comarca de
Sabará, no Paraúninha, comarca do Serro, em a Serra da Lapa, em huma caverna, chamada a da Velha; na
demarcação Diamantina, em huma pequena lapa [...]”. p. 2.
168

terra, que de hora em diante haverá nome de Monte Rorigo.” 401. Descreve as terras da
localidade como sendo de tonalidade vermelha, pesada e fértil.
Tal prodigalidade seria demonstrada pelo envio de amostras para avaliação em
Portugal. Em documento que acompanhou sua Memória, Vieira Couto fez os seguintes
apontamentos: “Tenho a honra de pôr na prezença de S. A. Real por via de V. Ex ca. dous
caixões de salitre, extrahidas das nitreiras naturaes de huns montes ermos, a q. hora lhes
chamei monte Rorigo […].”402.
O Monte Rorigo é descrito como uma localidade que possuía diversas cavernas com
consideráveis formações de estalactites. Segundo ele, abundavam “vários saes estas cavernas,
sendo todavia dominantes os nitratos de potassa, de cal e magnesia. Os mais são os Muriatos
de soda, cal, ammonia, como também o sulfato de magnesia. Encontrão-se misturados e
confundidos todos esses saes”403. Ademais, as cavernas eram favorecidas pela umidade
necessária para a formação do salitre, além do que a água atmosférica é atraída “pelos saes
dos radicaes terreos.”404.
A formação de parte dos nitratos, assim como apontado por José de Sá Bittencourt em
seus estudos realizados nos Montes Altos, era resultado do apodrecimento de plantas e de
restos de substâncias animais. Posto isso, Vieira Couto estabelece os parâmetros para a
extração do salitre das nitreiras artificiais:

este fabrico consistirá pois em lavrar, ou descascar, digamo-lo afim, toda a superfície
destas cavernas, construindo-se para isso altissimos ãdaimes unidos as suas paredes;
as terras destas superficies serão lixiviadas e o sal colhido. Hum semelhante trabalho
não poderá ser repetido, senão passados tempos, e seis mezes ao menos será preciso
para a nova reprodução deste sal. 405

Em relação ao processo de lixiviação das terras salitrosas, a figura 10 ilustra o


procedimento adotado para essa etapa da produção:

401
Ibidem, pp. 2-3.
402
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 166, doc. 77, 20 de maio de 1803.
403
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 2095, 20 de maio de 1803, p. 11.
404
Ibidem, p. 17.
405
Ibidem, pp. 19-20.
169

Figura 10 - Lessivage dês terres salpétrées

Legenda: Lixiviação das terras salitrosas. A imagem pode ser explicada a partir da seguinte legenda: A -
cavidade preenchida com terra salitre perfurada com um buraco no fundo; B - plataforma de pedra ou madeira,
inclinada até o ponto C; D - tanque de barro escuro onde as águas lixiviadas se encontram; E - bomba que
transfere a referida água para as outras cubas, ou para o tanque de saturação; F - Calha de madeira, nivelada
sobre ferraduras, de onde sai a água pelas calhas G; H - locais que transportam as cubas; G - Calha que leva ao
tanque de saturação.
Fonte: INSTRUCTION sur la fabrication du salpêtre brut. [s.l.: s.n.], [179- ?}.

O autor seguiu afirmando que a extração do salitre das estalactites, a partir das
mesmas manobras, logo se esgotariam e, por fim, se extinguiriam pois “consumir-se-hão
todas essas terras calcareas; econtrar-se-há com o amago da montanha, que são rochedos de
cal, duros, e porventura não tão aptos para a reprodução dos nitratos” 406. Considerados, pois,
esses inconvenientes, propôs a solução que lhe ocorrera para superar os possíveis
esgotamentos naturais. Isto só seria possível graças à engenhosidade humana e à ciência
ilustrada, que deram total respaldo para a modificação da natureza.

tudo isto evitar-se-há recorrendo-se aos braços da industria e da arte. Quando o


clima de qualquer paiz he próprio para a producção deste ou daquelle genero, então
se as forças e propenção da natureza se ajuntão as […] da Arte, então o sucesso he
certo […]. 407
406
Ibidem, p. 20.
407
Ibidem, p. 21.
170

No tópico que seguinte, José Vieira Couto apresentou os recursos gerais que seriam
necessários lançar mão para que fosse possível construir nitreiras artificiais, ponderando que
“cobrir-se-há de alpendradas toda a raiz do monte; porem a posição destas não sera
indistinctamente determinada.”408. É importante pontuar que sua primeira sugestão sobre a
necessidade de instalação das fábricas de salitre era anterior a 1803. Couto já havia proposto,
na Memória, datada de 1799, a instalação de manufaturas químicas, garantindo o bom
proveito de tal empreendimento: “o q, eu infiro desta facilid e. q. he em se formar sal nestes
paizes, he q. as nossas fabricas, ou nitreiras artificiaes terao todo o bom sucesso o q. não é
pequena vantagem.”409.
Entre os primeiros procedimentos que deveriam ser tomados, ele recomendou, como
perito, cobrir os montes metodicamente de modo que os topos “pegará com o monte, e o outro
pegará com o poente”410. A ideia era que a disposição das alpendrarias 411 dessem conta das
posições sul e norte do monte. A vantagem desse procedimento seria resguardar o monte do
sol. Dessa maneira “conserva-se-hão as terras das alpendradas sempre humidas, e evitar-se-há
huma evaporação muito rapida”.412
As extremidades dos muros das terras dispostas ao longo das alpendradas deveriam
tocar as extremidades das montanhas, cujas matérias já eram ricas em nitratos e demais sais,
em concurso com as substâncias decompostas de vegetais e animais. Esse procedimento não
era, deveras, muito diferente do que José de Sá Bittencourt Accioli havia apresentado no seu
modo de se produzir nitreiras artificiais, considerando os pressupostos elementares que
concorriam para a formação do salitre artificial, quais sejam, a retenção adequada do sol, o
contato com a umidade necessária e os insumos decompostos de animais e vegetais para a
formação do nitro. José Vieira Couto balanceou muito bem os recursos naturais necessários
para o estabelecimento da indústria química do nitrato de potássio: aproveitar-se-iam os sais
já formados pela natureza para que se formassem o composto químico desejado.
Couto reiterou várias vezes a qualidade do solo brasileiro e as oportunidades que se
poderiam tirar do mesmo para o êxito da indústria química. Havia, portanto, muitos recursos

408
Ibidem, p. 21.
409
AHU, Projeto Resgate - Minas Gerais (1680-1832), cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799; COUTO, José
Vieira. Memória sobre a capitania das Minas Gerais. Coordenação de Junia Ferreira Furtado. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, dez.1994.
410
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 2095, 20 de maio de 1803, p. 21.
411
Conjunto de alpendres que tem por base uma construção.
412
AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 2095, 20 de maio de 1803, p. 23.
171

que favoreceriam o exercício da manufatura do nitrato de potássio, entre eles as lenhas, as


madeiras e as cinzas dos quais as matas ao redor do Monte eram prodigiosas. É interessante
notar que José Vieira Couto argumenta em favor de arrematar todas os terrenos adjacentes ao
empreendimento para que fosse possível, de forma adequada, o transporte dos produtos
necessários para o funcionamento da fábrica. 413 E aponta que os rios poderiam ser ótimos
meios para o transporte da madeira, da lenha, da potassa e das cinzas.
Ele preconiza que não poderia haver duas empresas explorando dois produtos naturais
diferentes coexistindo lado a lado pois, sendo uma delas a do salitre, essa consumiria
totalmente os insumos disponíveis nas redondezas. Também defendeu que o grosso do
trabalho deveria ser executado por escravos, o que torna evidente que os primórdios dessa
manufatura estavam indissociavelmente ligados ao regime escravista então vigente no Brasil.
Além disso, não apenas apresentou as medidas para o sucesso da obtenção do salitre
em sua forma natural e artificial, como também prescreveu os meios para se erigir uma
fábrica de pólvora, mesmo em circunstâncias em que há estanque de sua produção:

tambem sabido que coisa he, que quando qualquer genero de qualquer fabrica, ao
sair della, pela vileza de seu preço se estanca, e não pode sofrer exportação alguma,
muitas vezes se esse genero, com mais huma pequena mão d’obra, he se susceptivel
de se lhe dar mais valor, então isso feito, he já exportado, e a fabrica, próxima a
expirar, florescer. 414

Ele advogou que alocar os mesmos trabalhadores, ie. escravos, que estivessem
envolvidos com a extração do salitre era a solução mais racional para que as atividades dessa
empreitada fossem possíveis. Em relação aos outros insumos necessários à fatura da pólvora,
caberia ao Estado fornecê-los. Entre os produtos rejeitados pelos mineiros envolvidos com a
extração do ouro, havia a abundância de “[…] pyrites sulforosas […]. Ficará muito mais
barato a S. A. compralas aos mineiros, do que extrahilas por sua conta […]”415 .
A parte que segue o trabalho das pesquisas desenvolvidas por José Vieira Couto na
Memória sobre as nitreiras naturaes e artificiaes de Monte Rorigo toca num ponto crucial
pela qual José de Sá Bittencourt também fez importantes apontamentos, qual seja o da
exportação das produções das ditas fábricas. A princípio, ele rebate o argumento de que um tal

413
Vale dizer que o naturalista afirma que a Fazenda Real tinha a intenção de, considerando o êxito da extração
do salitre, pagar “[…] de cinco a seis mil reis [...]”. Idem, p. 30.
414
Ibidem, pp. 33-34. Nesse caso, Vieira Couto afirma que “em tal caso, quando se não possa conseguir, que o
quintal de nitrato chegue a referido preço a porto de mar; na mesma fabrica, com mais hum pouco de trabalho,
lhe aumentaremos cinco ou seis vezes o seu valor, reduzindo-o a pólvora: hum quintal de polvora, que são dois
barris, em beira mar, o seu preço ordinario anda de 30: para 32:000 ŕ.”. Idem, p. 34.
415
Ibidem, p. 35.
172

gênero de indústria instalado no seio do sertão teria pouco escoamento e seria de grandeza
medíocre. Para resolver a importante matéria da exportação, o conselho apontado é o uso do
rio Paraúna, cujo acesso se daria a vinte ou trinta léguas das portas da fábrica, que desemboca
no rio das Velhas. O destino final era Vila Rica, de onde o produto poderia ser escoado, de
forma irradial, para outras comarcas e o litoral baiano ou carioca.
Havia também outro caminho apontado por ele como “muito mais expedito. Este he o
canal do Rio Doce.”416. Do monte Rorigo até o local de embarque, situado no Rio Vermelho,
ele calculou a distância em trinta léguas, o que corresponderia a seis a oito dias de viagem,
contando com a auxílio de animais próprios para o transporte de altas cargas. Como
conclusão, Vieira Couto justificou o empreendimento:

eis aqui a brilhante perspectiva das Fabricas de Monte Rorigo, perspectiva nada
chimerica, mas toda verdadeira e solida, como fundada na realidade das coizas: pois
que em Monte Rorigo existem estas riquezas e immensas existem essas estradas,
existe a forçosa necessidade, e carencia de hum tal sal […].417

Ao final da exposição dos argumentos favoráveis à abertura de tal empresa, Vieira


Couto descreveu as potencialidades mineralógicas das localidades em torno do Monte Rorigo,
na forma de um diário de viagem. No quarto dia das viagens aos locais estudados, ele
testemunha a existência de nitreiras naturais, especialmente nos morros fronteiriços ao Monte
Rorigo, sendo que para ele “[…] confirma-me de mais a mais em minhas suspeitas, que estas
nitreiras acompanhão toda a larga lombada de Monte Rorigo, e por muitas leguas.” 418. A
Figura 11 apresenta um panorama do percurso feito pelo naturalista mineiro e que sintetiza os
pontos analisados do Monte Rorigo.
Vieira Couto defendeu a instalação de fábricas de salitre artificial por ser o meio mais
vantajoso pela qual se garantiriam os resultados mais satisfatórios. É possível notar, nesse
sentido, como a tomada de tal partido é reflexo de uma posição pragmática quanto ao
aproveitamento dos recursos naturais. Ele advogou que os interesses pecuniários exigiam que
um projeto da instalação de uma indústria química não poderia mais deixar de ser guiado por
um método que garantisse o retorno dos investimentos. Tais recursos deveriam ser repassados
pelo governo português, especialmente no que dizia respeito aos instrumentos necessários à

416
Ibidem, pp. 41-42.
417
Ibidem, p. 46.
418
Ibidem, pp. 60-61.
173

manufatura, bem como ao fornecimento de mão de obra escrava que a divisão de trabalho em
uma fábrica de salitre exigiria.

Figura 11 - Carta das nitreiras do Monte Rorigo

Fonte: AHU, Projeto Resgate - Códices (1548-1821) e (1671-1833), códice 2095, 20 de maio de 1803.

Em síntese, José Vieira Couto foi um dos intelectuais abertamente favorável à


instalação de uma indústria salitreira na América portuguesa, ancorada nos subsídios do
Estado, semelhante às propostas de José de Sá Bittencourt para o nitrato de potássio baiano,
cujas premissas utilitárias estavam voltadas para uma produção em larga escala a partir do
método artificial de manufatura, além de advogar para a instalação de uma fábrica de pólvora
que aproveitasse os resultados produtivos do salitre do Monte Rorigo. Em razão das fontes
consultadas nesta pesquisa nos indicarem que essas propostas de beneficiamento não foram
aplicadas, aventamos, entre outras razões, a hipótese do suporte político que se findara no ano
em que a Memória foi emitida, o mesmo em que D. Rodrigo saíra da vida pública, sendo
174

aquele ministro um dos maiores interessados na promoção das pesquisas do salitre na colônia
brasileira419, o que contribuiu para projeto não saísse do plano teórico.

419
Cf. PEREIRA, Magnus R. M. D. Rodrigo e frei Mariano: A política portuguesa de produção de salitre na
virada do século XVIII para o XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, pp. 498-526, 2014.
175

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As transformações na estrutura da economia portuguesa, ao longo da segunda metade


do século XVIII, se amparavam nas ideias ilustradas que eram desenvolvidas no mundo
ocidental. Em Portugal sua aplicação resultou, entre outras, nas reformas da Universidade de
Coimbra (1772) e, em especial, na criação da Academia Real das Ciências de Lisboa (1779).
Essa segunda instituição estimulou e patrocinou a produção de uma série de estudos em
História Natural que pretendiam investigar os recursos naturais do Império português.
O veículo de divulgação desses estudos foram as Memórias Econômicas da Academia
Real das Sciencias de Lisboa para adiantamento da agricultura, das artes e da indústria em
Portugal e suas conquistas (1789-1813). Os textos publicados nas Memórias Econômicas
privilegiaram a agricultura como setor primordial a ser estimulado para dinamizar a economia
portuguesa. Importa lembrar que Domingos Vandelli foi um dos grandes expoentes na defesa
da sofisticação dos métodos agrários do Reino português.
Embora a Fisiocracia fosse uma das escolas econômicas que influenciou a ampla
defesa da agricultura como setor essencial da economia portuguesa, houve outras correntes do
pensamento econômico daquele período que reverberam entre os intelectuais, a exemplo do
Liberalismo. Diante da diversidade das ideias econômicas vigentes, havia também aqueles
intelectuais e políticos que pretendiam dinamizar as manufaturas portuguesas. Entre os que
defendiam a transformação industrial do Reino, estava D. Rodrigo de Sousa Coutinho, sócio
da Academia Real.
Preocupado com o dinamismo da indústria inglesa e seu progressivo predomínio sobre
os mercados, D. Rodrigo de Sousa Coutinho, o Conde de Linhares, considerou pertinente a
reorganização da indústria metropolitana, e também foi, possivelmente, o maior defensor da
instalação de fábricas e manufaturas no Brasil, de modo que, com certa autonomia, os
brasileiros e os demais súditos pudessem substituir localmente uma série de produtos
importados. Essa visão que Sousa Coutinho adquiriu ao longo de sua formação intelectual e
sua vida pública foi fundamental para favorecer o estabelecimento de uma indústria reinol.
Partindo dessa premissa, percebemos que almejava-se abrandar o pacto colonial,
transformando as tradicionais características que sustentavam o comércio colônia-metrópole,
de acordo com as reformas econômicas que foram introduzidas enquanto foi ministro régio.
Durante as duas últimas décadas do século XVIII e, principalmente, antes da chegada
do Conde de Linhares ao ministério da Marinha e dos Domínios Ultramarinos, em 1796,
176

vigorava o Alvará de 5 de janeiro de 1785, que proibira a instalação de fábricas e de


manufaturas em toda colônia brasileira. Devido à necessidade de explorar os depósitos
minerais naturais do Brasil, parte importante do projeto de reestruturação econômica que os
intelectuais e administradores propuseram para modernizar a economia portuguesa, foi
necessário arrefecer, entre 1795 e 1808, os termos do Alvará de 1785. Assim a proibição
recaiu apenas sobre as produções têxteis.420
A partir de 1795, estabeleceu-se uma política em prol da instalação de fábricas e de
manufaturas no Brasil. Nessa época, uma série de providências foram expedidas por
autoridades portuguesas a favor da produção de ferro e do salitre por ordem de D. João
Príncipe Regente, especialmente por meio de seu secretário de Estado, Luis Pinto de Sousa
Coutinho.
Desse modo, as capitanias de Minas Gerais e da Bahia figuram nesta dissertação como
localidades onde os portugueses encetaram uma série de estudos que tinham, entre outras
razões, a intenção de substituir importações por meio da instalação de manufaturas locais.
Essas atividades deveriam garantir a efetiva exploração dos recursos coloniais o que, até
então, havia sido de responsabilidade de particulares, empregando cabedais próprios, ainda
que contassem com o apoio do Estado português.
O salitre e o ferro foram os recursos, como se procurou analisar neste estudo, que
foram alvo de beneficiamento pragmático e que concorreram para que, na colônia brasileira,
se instalassem manufaturas que empregavam como referência os métodos em vigor nas
manufaturas europeias. O salitre, como apontamos, era um dos insumos necessários para a
fabricação da pólvora421 e o ferro era necessário para a fabricação, entre outros, de
instrumentos para aperfeiçoar a mineração que, vale mencionar, na segunda metade do século
XVIII, enfrentou os primeiros declínios na sua produção na capitania de Minas Gerais.
Essas projeções reformistas no domínio ultramarino português foram possíveis,
sobretudo, pelos estudos e projetos apresentados pelos naturalistas luso-brasileiros egressos
dos centros acadêmicos portugueses. Esses mesmos intelectuais produziram uma série de
Memórias, bem como uma vasta rede de comunicação para reverberar essas informações a
partir de uma série de viagens filosóficas que realizaram no Brasil. 422 Vale lembrar que esses

420
Cf. NOVAIS, Fernando A. A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica portuguesa do fim do
século XVIII. Revista de História, [s.l.], n. 142-143, pp. 213-237, 2000.
421
A pólvora também foi essencial para o desmonte e acesso de áreas em estavam depositados o ouro que não
havia sido conquistado na capitania de Minas Gerais. Em outros casos, o salitre era usado para fins medicinais.
422
Houve um intenso envio de amostras de minérios e minerais para apreciação na metrópole.
177

intelectuais estiveram sob o patronato de D. Rodrigo de Sousa Coutinho quando esse foi
ministro de Estado.
As proposições relativas ao salitre ficaram mais circunscritas ao plano teórico.
Destarte, José de Sá Bittencourt e Accioli, na capitania da Bahia, e José Vieira Couto, na
capitania de Minas Gerais, apresentaram projetos específicos para o aproveitamento em escala
industrial daquele composto químico. As Memórias423 redigidas por esses naturalistas refletem
alguns pontos cruciais relativos à manufatura química, quais sejam: a ampla defesa da
instalação de fábricas de salitre a partir do método de nitreiras artificiais, cujos resultados
seriam muito maiores e mais efetivos; o estabelecimento de caminhos, sejam eles terrestres ou
fluviais para o escoamento das produções das fábricas tanto para as demais localidades do
Brasil quanto para os portos; a defesa do Estado português como financiador prioritário dessas
empreitadas, com vistas a substituir as importações no abastecimento das necessidades do
Reino e a ser o primeiro beneficiário com a venda dos excedentes da produção.
Em relação ao ferro, encontramos, mais vez, José Vieira Couto, na capitania de Minas
Gerais, como proponente da instalação de uma indústria metalúrgica local. 424 As análises de
Couto procuraram mapear os tipos de minérios que continham ferro, o que era inédito naquele
momento, ao mesmo tempo que era etapa inicial e fundamental para pleitear o beneficiamento
industrial daquele recurso. No entanto, para Vieira Couto, essa indústria constituiria um
apêndice da indústria aurífera.
De maneira prática, o projeto capitaneado por Manuel Ferreira da Câmara Bittencourt,
outro que fez proposições acerca do beneficiamento do ferro na capitania de Minas Gerais,
efetivou as propostas que a administração pública elegera. Elas começaram a ser formuladas a
partir de 1780, quando chegou ao governo da capitania D. Rodrigo José de Menezes, que
passou a defender a implantação da metalurgia e da siderurgia no Brasil. Manuel Ferreira da
Câmara foi responsável pela construção da Real Fábrica de Ferro de Gaspar Soares,
empreendimento que foi marcado por uma série de revezes, principalmente em razão da falta

423
Cf. ACCIOLI, José de Sá Bitancourt e. Memória sobre a viagem do terreno nitroso dos Montes Altos. O
Auxiliador da Industria Nacional, Rio de Janeiro, v. 13, pp. 85-114, 1845; Arquivo Histórico Ultramarino.
Memória sobre as nitreiras naturais e artificiais de Monte Rorigo na capitania de Minas Gerais, escritas por José
Vieira Couto. Códice 2095. AHU_ACL_CU - Cod. 2095.
424
Cf. Arquivo Histórico Ultramarino. Memória escrita por José Vieira Couto sobre a capitania das Minas, seu
territorio, clima e produccoes metalicas, sobre a necessidade de se estabelecer e animar a mineracao decadente
do Brasil, sobre o comercio e exportacao dos metais e interesses regios, com um apendice sobre os diamantes e
nitro natural. cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799. AHU_ACL_CU_011, Cx. 147\Doc. 1; COUTO, José Vieira.
Memória sobre a capitania das Minas Gerais. Coordenação de Júnia Ferreira Furtado. Belo Horizonte:
Fundação João Pinheiro, 1994.
178

de um corpo técnico especializado, tanto para a montagem da parte estrutural, quanto para a
operação dos fornos aos moldes que eram usuais na Europa.
A capitania da Bahia, em relação à pesquisa e à obtenção do ferro, apresentou algumas
características que não eram usuais para o período aqui analisado. Francisco Gomes
Agostinho, religioso e comerciante, foi o agente que propôs a instalação de uma companhia
de exploração metalúrgica, usando de cabedais próprios. Agostinho Gomes, embora não tenha
frequentado os centros acadêmicos lusitanos, era influenciado pelas premissas ilustradas. As
informações relativas à companhia, conforme as fontes que consultamos, não indicam que
tenha sido levada à diante ou tenha produzido resultados. De forma diversa à Real Fábrica de
Ferro de Gaspar Soares, esse o projeto de instalação desse estabelecimento não contou com o
investimento direto do Estado português e a exploração das áreas com os depósitos de
minérios se daria por meio da concessão de sesmarias ao proprietário.
Ponto fundamental para a realização das investigações e da efetiva instalação de
manufaturas, como observamos, foi a atuação de D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Defensor da
produção de salitre e do ferro na América portuguesa, D. Rodrigo forneceu a proteção política
para que os naturalistas luso-brasileiros realizassem suas viagens filosóficas e ensaiassem as
fábricas que beneficiassem esses recursos. A evidência desse processo é verificada quando ele
deixou a vida pública, em 1803 e boa parte dos projetos aqui analisados foram findados. A
criação de uma rede de intelectuais sob sua tutela, bem como o patrocínio para a publicação
de obras que auxiliassem essa política reformista marcaram suas ações na vida pública.
Outra questão que prejudicou a continuidade da indústria química brasileira foram as
agitações políticas ocorridas nos anos inciais do século XIX em Portugal. As atenções
estiveram voltadas para os conflitos que estavam ocorrendo entre as nações europeias e,
sobretudo, pelo temor das invasões napoleônicas que, para os administradores portugueses,
era iminente.
Conforme indicamos, as tentativas de instalação de fábricas no Brasil foram
prejudicadas pela ausência de especialistas aptos nos processos industriais que, em fins do
século XVIII e início do XIX, configuravam-se como os mais adequados para esses intentos.
Portanto, muitas dessas iniciativas foram reduzidas à aplicação dos conhecimentos dos
naturalistas, que, embora conhecessem as características necessárias para a instalação dos
processos industriais de produção, não poderiam exercer todas as atividades que esses
empreendimentos necessitavam. Assim, as propostas encontradas nas Memórias exigiam a
179

formação de um corpo técnico que não foi capaz de ser preparado a tempo para a implantação
da indústria química e metalúrgica. Importa lembrar que muitos dos naturalistas, entre eles
José de Sá, defenderam o uso de escravos para a realização dos trabalhos numa eventual
fábrica de salitre, visto que os valores finais da empreitada seriam menos onerosos ao Estado.
Além disso, como citamos, a questão do transporte das possíveis produções dessas
fábricas foi um ponto de estrangulamento para o êxito dos projetos registrado pelos
naturalistas. Não havia uma estrutura logística que garantisse o escoamento das eventuais
produções das fábricas de salitre e, no caso efetivo das produções da Real Fábrica de Ferro de
Gaspar Soares, o preço do produto final acabara por ser muito maior devido aos encargos do
transporte em estradas incipientes ou por rios altamente insalubres.
Notamos que essas experiências, excetuada a da Real Fábrica de Ferro de Gaspar
Soares, apesar de terem ficado circunscritas a planos teóricos, levaram em conta as
especificidades do Brasil e, conforme os métodos usuais na Europa daquele período,
procuraram tornar praticáveis as técnicas a partir da realidade climática, de disposição dos
minérios e minerais e dos recursos instrumentais disponíveis no Brasil. Em outras palavras,
houve um momento na histórica colonial em que um conjunto de intelectuais nascidos no
Brasil tentaram transpor os conhecimentos usuais iluministas da Europa para a América
portuguesa.
A adoção da ciência ilustrada nos sugere não apenas como o passado colonial
brasileiro ensaiou as práticas da química, da metalurgia e da mineralogia ensinadas nos
centros acadêmicos e na literatura científica do período subsumidas à realidade colonial, mas
também, a partir dessas mesmas práticas, abriu espaço para a manufatura do salitre e do ferro
num escopo pragmático e utilitário que visou resultados em escala industrial.
As Memórias redigidas pelos naturalistas luso-brasileiros, no caso desta dissertação as
escritas por José Vieira Couto e José de Sá Bittencourt e Accioli, também nos indicam como
os planos elaborados pelos mesmos pesquisadores apontam para as diretrizes iniciais
estabelecidas de forma que uma indústria na realidade da colônia pudesse operar.
Faz-se necessário reiterar que o pleiteamento para a instalação de fábricas operadas
com o pragmatismo utilitário só foi possível graças à ampla associação ao aparato político do
período aqui estudado. Ou seja, o encetamento para que existissem manufaturas químicas e
metalúrgicas dependeram dos anseios reformistas do quadro político. Podemos considerar,
portanto, que graças ao complemento do apoio governamental, assim como da sugestão do
180

Estado como controlador dessas empreitadas, podemos chamar essas experiências estudadas
nesta dissertação de manufaturas políticas.
Em síntese, observamos que as políticas do Estado português fomentaram medidas
técnicas para o estabelecimento de manufaturas na América portuguesa, embora essas mesmas
medidas tenham sido colocadas em prática apenas em parte. Em alguns casos, estiveram
restritas ao processo inicial de investigação, bem como à etapa de ensaios para
aproveitamento do salitre e do ferro, o que nos aponta para uma postura singular em relação à
conjuntura colonial brasileira. A estrutura da fábrica instalada por Manuel Ferreira da Câmara
Bittencourt representou o resultado prático do projeto luso-brasileiro de criação de uma
siderurgia em Minas Gerais. Ela fora inicialmente proposta por José Vieira Couto, a partir das
pesquisas sobre o ferro que realizou na mesma capitania. No entanto, ela enfrentou vários
problemas citados nesse trabalho. A despeito dessas dificuldades, esta dissertação procurou
revelar como os naturalistas luso-brasileiros procuraram transformar a natureza amparados
pela metodologia iluminista, de matiz científico e pragmático daquele período, empreitada
que contou com o apoio do Estado português, ainda que limitado e descontínuo em suas
ações.
181

REFERÊNCIAS

Fontes

Fontes Manuscritas

Arquivo Histórico Ultramarino – Projeto Resgate

Avulsos (BG)

ALVARÁ (minuta) da rainha (D. Maria I) ordenando a abolição da pescaria da baleia e do


estanco do sal no Brasil, determinando aos governadores que procedam a uma severa devassa
sobre o aprovisionamento do sal feito pelos contratadores durante o tempo do seu contrato; e a
um inventário do sal existente no termo do contrato e dos escravos do contrato da pesca das
baleias; a criação de impostos sobre o sal exportado para o Brasil, lançando a décima sobre a
renda anual das casas em todos os pontos daquele Estado; regulando o transporte e comércio
do sal; reduzindo para metade os direitos sobre os vinhos exportados para o Brasil à saída do
Reino e à entrada do Brasil; reduzindo também para a metade os direitos do ferro nos
registros para as entradas em Minas Gerais; estabelecendo que o ferro proveniente de Angola
entre no Brasil livre de direitos durante dez anos e goze da mesma isenção quando for levado
para o interior do Brasil e Minas Gerais; ordenando ao Governo de São Paulo o início dos
trabalhos de escavação das minas de ferro da capitania e a venda por conta da Fazenda Real
do ferro com 10% sobre o custo que o mesmo fizer, ficando livre de qualquer direito de
entrada nas outras capitanias. cx. 31, doc. 2542, 19 de maio de 1799. AHU_ACL_CU_003,
Cx. 31\Doc. 2542.

LISTA das ordens passadas às diversas capitanias do Brasil acerca da forma como se deve
fazer o salitre, do envio de informações sobre o número de religiosos e dos bens e
rendimentos de cada uma das ordens; o estado em que se encontram as capitanias; o estado
das tropas, as propostas para os postos militares e os fardamentos de que necessitam, as
medidas para evitar o contrabando dos navios estrangeiros e para implementar a defesa dos
domínios do Brasil cx.30, doc. 2491. 4 de outubro de 1798. AHU_ACL_CU_003, Cx. 30\
Doc. 2491.

Avulsos (ULT)

OFÍCIO [minuta] do [secretário da Marinha e Ultramar], D. Rodrigo de Sousa Coutinho, ao


[oficial maior da secretaria de estado da Marinha e Ultramar, João Felipe da Fonseca] sobre
carta régia a ser enviada ao governador da Bahia, [D. Fernando José de Portugal], relativa a
uma sociedade, sugerida pelo padre Francisco Agostinho Gomes que iria ali ser formada com
a finalidade de desenvolver explorações e trabalhos metalúrgicos, em torno das minas de
cobre, ferro, prata e chumbo. cx. 12, doc. 968, julho de 1799. AHU_ACL_CU_089, Cx. 12\
Doc. 968.

Bahia Avulsos (1604-1828)


182

CARTA de Francisco Tavares ao [secretário de Estado da Marinha e do Ultramar D. Rodrigo


de Sousa Coutinho] referente às informações sobre a existência de salitre e cobre na Bahia
fornecidas pelo boticário, Domingos José Correia. cx. 209, doc. 14851, 15 de junho de 1798.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 209\Doc. 14851.

CARTA do [vice-rei e capitão-general do Brasil] conde de Sabugosa ao rei [D. João V] sobre
a necessidade de canhões, morteiros e pólvora para a defesa da capitania. cx. 27, doc. 2439,
28 de junho de 1726. AHU_ACL_CU_005, Cx. 27\Doc. 2439.

CARTA RÉGIA [minuta] ao governador da Bahia [Fernando José de Portugal] sobre a


construção de uma estrada de Montes Altos a Camamú, para facilitar o transporte do salitre e
das madeiras. cx. 213, doc. 15044, 12 de julho de 1799. AHU_ACL_CU_005, Cx. 213\Doc.
15044.

CARTA RÉGIA [minuta] do governador da Bahia D. Fernando José de Portugal, sobre as


minas de cobre e de ferro da Serra da Borracha. cx. 213, doc. 15045, 12 de julho de 1799.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 213\Doc. 15045.

Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807)

CARTA do notável naturalista e diretor do Real Jardim Botânico de Lisboa, Domingos


Vandelli (para Martinho de Melo e Castro), pela qual apresenta e recomenda Antonio da Silva
Nogueira para proceder as pesquisas das minas de cobre e de ferro, que suppunha existirem
nas serras da Cachoeira. AHU, Bahia Eduardo de Castro e Almeida (1613-1807), cx. 60, doc.
11460, 28 de agosto de 1782. AHU_ACL_CU_005, Cx. 60\Doc. 11460.

CARTA particular de Francisco Agostinho Gomes para D. Rodrigo de Sousa Coutinho em que
o felicita por ter sido nomeado administrador das rendas reaes e do Real Erario. cx. 116, doc.
22948, [s.d.] 1801. AHU_ACL_CU_005, Cx. 116\Doc. 22945.

MEMÓRIA sobre o cobre virgem ou nativo da capitania da Bahia, descoberto no anno de


1782. (Por Domingos Vandelli). cx. 60, doc. 11463, [s.d] 1782. AHU_ACL_CU_005, Cx. 60\
Doc. 11460.

OFFICIO do governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho,


sobre a concessão de terrenos que o Padre Francisco Agostinho Gomes pedira lhe fossem
dado de sesmaria e a companhia que o mesmo pretendia formar para a exploração das minas
de cobre e ferro existentes nesses terrenos. cx. 106, doc. 20656, 7 de julho de 1800.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 106\Doc. 20654.

OFFÍCIO do governador D. Fernando José de Portugal para D. Rodrigo de Sousa Coutinho


em que lhe dá conta das investigações e que procedera José de Sá Bethencourt e Accioli sobre
a exploração do salitre na serra dos Montes Altos. cx. 97, doc. 19081, 25 de fevereiro de 1799.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 96\Doc. 18732.

Bahia Luísa da Fonseca (1599-1700)


183

CONSULTA do Conselho Ultramarino sôbre a conta que dá o governador D. João de


Lencastre, da promessa com que queria concorrer a viúve do coronel Francisco Dias de Ávila,
para estabelecer a fábrica de salitre. cx. 30, doc. 3874, 26 de novembro de 1694.
AHU_ACL_CU_005, Cx. 30\Doc. 3874_3875.

Ceará

OFÍCIO do governador do Ceará, Bernardo José de Vasconcelos, ao [secretário de estado de


negócios da Marinha e do Ultramar], Visconde de Anadia, João Rodrigues de Sá e Melo,
sobre a abertura de estrada do Baturité até a mina de Tatajuba, onde se extrai o salitre. cx 17,
doc. 944, 30 de setembro de 1802. AHU_ACL_CU_006, Cx. 17\Doc. 944.

Minas Gerais (1680-1832)

CARTA de Bernardo José de Lorena, governador da capitania de Minas Gerais, a D. Rodrigo


de Sousa Coutinho, Secretário de Estado dos Domínios Ultramarinos, dando conta da
experiência de José Vieira Couto, enviado as salinas a fim de poder principiar os seus exames
mineralógicos e metalúrgicos no Serro do Frio, os quais foram razoáveis, entre outros
detalhes.. cx. 145, doc. 46, 20 de setembro de 1798. AHU_ACL_CU_011, Cx. 145\Doc. 46.

CARTA de José Vieira Couto para {D. Rodrigo de Sousa Coutinho] queixando-se da falta de
meios de subsistência e equipamento para as suas experiências químicas. Pede o
abastecimento dos vasos de vidro da lista que junta. cx. 149, doc. 30, 30 de julho de 1799.
AHU_ACL_CU_011, Cx. 149\Doc. 30.

CARTA de José Vieira Couto, informando ao secretário de Estado sobre o envio de dois
caixões de salitre extraídos das nitreiras naturais a que denominou Monte Rorigo. cx. 166,
doc. 77, 20 de maio de 1803. AHU_ACL_CU_011, Cx. 166\Doc. 77.

CARTA de Pedro Leolino Mariz, dando conta da necessidade que ha em se extrair salitre na
Serra dos Montes Altos. cx. 69, doc. 76, 11 de maio de 1756. AHU_ACL_CU_011, Cx. 69\
Doc. 76.

MEMÓRIA escrita por José Vieira Couto sobre a capitania das Minas, seu territorio, clima e
produccoes metalicas, sobre a necessidade de se estabelecer e animar a mineracao decadente
do Brasil, sobre o comercio e exportacao dos metais e interesses regios, com um apendice
sobre os diamantes e nitro natural. cx. 147, doc. 1, 3 de janeiro de 1799. AHU_ACL_CU_011,
Cx. 147\Doc. 1.

REQUERIMENTO de Manoel Alvares Correia, natural do Reino, residente no arraial de


Nossa Senhora da Piedade de Paraopeba, filial do Curral del Rei, pedindo licença para abrir
uma fábrica de fazer ferro. cx. 94, doc. 49, 17 de março de 1769. AHU_ACL_CU_011, Cx.
94\Doc. 49.

Pernambuco

OFÍCIO do [governador da capitania de Pernambuco], D. Tomás José de Melo, ao [secretário


de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e interinamente da Marinha e Ultramar, Luís
184

Pinto de Sousa [Coutinho], sobre ter enviado cartas às câmaras e aos ministros desta e das
capitanias anexas, informando o aviso que determina o fim do monopólio do sal, a moderação
nos direitos sobre o ferro e a introdução de escravos. cx. 189, doc. 13079, 18 de agosto de
1795. AHU_ACL_CU_015, Cx. 189\Doc. 13079.

Rio de Janeiro Avulsos (1614-1830)

AVISO [minuta] do [secretário de estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra e interino da


Marinha e Ultramar, Luís Pinto de Sousa [Coutinho], ao [vice-rei do Brasil], conde de
Resende [D. Luis de Castro], informando a extinção do monopólio do sal no Brasil;
determinando o cumprimento das ordens que autorizam a mineração do ferro naquele
território, declarando os valores dos direitos do sal e do ferro que se importam, exportam e
transitam no Brasil. cx. 154, doc. 11665, 24 de maio de 1795. AHU_ACL_CU_017, Cx. 154\
Doc. 11665.

OFÍCIO [cópia] do [vice-rei do Estado do Brasil], conde de Resende, [D. José Luís de Castro]
ao [secretário de estado dos Negócios Estrangeiros, da Guerra e interino da Marinha e
Ultramar], Luís Pinto de Sousa [Coutinho], informando o cumprimento da ordem régia de 4
de Maio do mesmo ano, que determinava a extinção do monopólio do sal no Rio de Janeiro,
ficando livres todas as salinas que se puderem estabelecer naquela capitania e acessíveis a
todos os colonos, e compensação se proceda ao aumento do valor do imposto cobrado nos
direitos deste ou de outros gêneros, como o ferro, de modo a ressarcir o Erário Régio pelas
perdas ocorridas com a benesse concedida. cx. 156, doc. 11782, 31 de outubro de 1795.
AHU_ACL_CU_017, Cx. 156\Doc. 11782.

OFÍCIO [cópia] do [vice-rei do Estado do Brasil], conde de Resende, [D. José Luís de Castro]
ao [secretário de estado dos Negócios Estrangeiros, da Guerra e interino da Marinha e
Ultramar], Luís Pinto de Sousa [Coutinho], sobre a concordância da vila de São João da Praia
em aplicar a nova legislação relativa ao fim do monopólio do sal e do aumento do imposto da
mineração do ferro naquela capitania. cx. 156, doc. 11796, 4 de novembro de 1795.
AHU_ACL_CU_017, Cx. 156\Doc. 11796.

Códices (1548-1821) e (1671-1833)

Códice 606. AHU_ACL_CU - Cod. 606


Códice 2095. AHU_ACL_CU - Cod. 2095.

Arquivo Público Mineiro

Câmara de Ouro Preto

CMOP, cx. 87, doc. 45, 30 de novembro de 1795.

Secretaria de Governo da Capitania

Avulsos, cx. 10, doc. 01, 08 de janeiro de 1780.


185

Avulsos, cx. 10, doc. 25, 18 de dezembro de 1780.


Avulsos, cx. 42, doc. 09, 17 de janeiro de 1799.
Avulsos, cx.73, doc. 75, 31 de outubro de 1797
Códice Seção Colonial 166.
Códice Seção Colonial 224.
Códice Seção Colonial 259.
Códice Seção Colonial 259.
Códice Seção Colonial 269.
Códice Seção Colonial 276.

Fundação Biblioteca Nacional – BNdigital

CARTA régia ao governador e capitão general da Bahia, Fernando José de Portugal, sobre a
proposta, em cópia anexa, de Francisco Agostinho Gomes, concernente à exploração das
minas de ferro e cobre daquele estado. II-33,34,20 – Manuscritos. 12 de julho de 1799.

EXTRATO de todo o ferro em barras, e coado que entrou na alfândega da cidade da Bahia, de
1791 a 1795, e pagou a dizima de seu valor. 7, 3, 15 nº5 – Manuscritos. [s.d].

OFÍCIO aos deputados do governo provisório informando sobre a análise da fábrica do morro
do Gaspar Soares, sua estrutura e o número de empregos que lá trabalham. I-27,13,029 –
Manuscritos. 25 de janeiro de 1822.

PROVISÃO do presidente do Real Erário, Dom Rodrigo de Souza Coutinho, à Junta de


Administração e Arrecadação da Real Fazenda de Minas Gerais nomeando Manoel Ferreira
da Câmara Bitencourt como intendente geral das minas. I-25,20,028 – Manuscritos. 12 de
agosto de 1803.

Impressos

ACCIOLI, José de Sá Bitancourt e. Memória sobre a viagem do terreno nitroso dos Montes
Altos. O Auxiliador da Industria Nacional, Rio de Janeiro, v. 13, pp. 85-114,1845.

ANNAES da bibliotheca Nacional. Rio de Janeiro, v. 43, 1931.

ANNAES do Archivo Publico e do Museo do Estado da Bahia. Salvador: Imprensa Official do


Estado, v. VI e VII, ano IV, 1920.

ARAUJO, José Paulo de Figueiroa Nabuco de. Legislação brazileira. Tomo 1. Rio de Janeiro:
Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp., 1836.

BREVES instrucções aos correspondentes da Academia Real das Sciencias de Lisboa sobre as
remessas dos productos, e noticias pertencentes a história da natureza, para formar hum
museo nacional. Lisboa: Regia Offiicina Tipográfica, 1781.
186

BROWN, Jeremiah. Extracto do modo de se fazer o salitre nas fabricas de tabaco da


Virginia. Lisboa: Off. João António da Silva, 1797.

CALÓGERAS, João Pandiá. O Ferro (Ensaio de História Industrial). Revista do Instituto


Histórico e Geográfico de São Paulo, São Paulo, v. 9, pp. 20-100, 1904.

COELHO, João José Teixeira. Instrucção para o governo da capitania de Minas Geraes.
Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v. 8, n. 1, pp. 399-581, 1903.

COLECÇÃO das leis do Brazil. Índice de decisões. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1891.

COUTO, José Vieira. Memória sobre a capitania das Minas Gerais. Coordenação de Júnia
Ferreira Furtado. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1994.

D. JOÂO VI. Alvará de 24 de abril de 1801. In: SILVA, Antonio Delgado. Collecção da
legislação portugueza. Volume 4. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828. pp. 694-700.

_____. Carta régia em que se dirigem diversas instrucções ao capitão general da capitania da
Bahia, Francisco da Cunha Menezes. Annaes da Bibliotheca Nacional do Rio de Janeiro, Rio
de Janeiro, v. 26, pp. 235-241, 1916.

_____. Carta Régia. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.
4, pp. 403-408, 1842.

D’URTUBIE, Théodore. Manuel de l'artilleur. Paris: Magmel, Libraire pour l’art militaire et
les sciences et arts quai des Augustins, près le Pont-neuf, 1793.

FERRAND, Paul. A industria do Ferro no Brazil (província de Minas Gerais). Annaes da


Escola de Minas de Ouro Preto, Rio de Janeiro, n. 4, pp. 167-188, 1885.

INSTRUCTION sur la fabrication du salpêtre brut. [s.l.: s.n.], [179- ?].

LEME, Antonio Pires da Silva Pontes. Memória sobre a utilidade pública em se extrair o ouro
das minas e os motivos dos poucos interesses que fazem os particulares, que mineram
igualmente no Brasil. Revista do Arquivo PúblicoMineiro. Ouro Preto, v. 1, n. 3, pp. 417-426,
1896.

LISBOA, José da Silva. Synopse da legislação principal do Senhor D. João VI pela ordem
dos ramos da economia do estado. Rio de Janeiro: Imprensa Régia, 1818.

MARIA I. Alvará de 5 de janeiro de 1785. In: SILVA, Antonio delgado da. Collecção da
legislação portugueza. Volume 3. Lisboa: Tipografia Maigrense, 1828. pp. 370-371.

MELLO E CASTRO, Martinho. Officio de 14 de setembro de 1782. In: PIMENTEL, Alfredo


Vieira (Dir.). Anais do arquivo público da Bahia. Volume XXXII. Salvador: Imprensa Oficial,
1952. pp. 409-410.
187

MENDONÇA, Marcos Carneiro de. O intendente Câmara. Manuel Ferreira da Câmara


Bithencourt e Sá, intendente geral das Minas e dos Diamantes, 1764-1835. São Paulo:
Brasiliana, 1958.

MENEZES, D. Rodrigo José de. Exposição do governador D. Rodrigo José de Menezes sobre
a decadência da capitania de Minas Gerais e os meios de remediá-lo. Revista do Arquivo
Público Mineiro, Ouro Preto v. 2, pp. 311-327, 1897.

O AUXILIADOR da Industria Nacional. Rio de Janeiro, v. 4, 1855.

OTTONI, José Eloi. Memória sobre o estado actual da capitania de Minas Geraes. In: Annaes
da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Volume 3. Rio de Janeiro: Oficinas Graphicas da
Biblioteca Nacional, 1930.

PIMENTEL, Alfredo Vieira (Dir.). Anais do arquivo público da Bahia. Volume XXXII.
Salvador: Imprensa Oficial, 1952.

PORTARIA de 18 de maio de 1799. In: O Auxiliador da Industria Nacional, Rio de Janeiro, v.


13, pp. 77-85, 1845.

SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. Memórias historicas e políticas da província da


Bahia. Tomo I. Bahia: Typ. do Correio Mercantil, de Précourt e C., 1835.

Bibliografia

ABREU, Capistrano de. Capítulos da história colonial, 1500-1808. Brasília: Editora da


Universidade de Brasília, 1963.

ABREU, Jean Luiz Neves. O memorialismo e a produção do conhecimento sobre o território


brasileiro: perspectivas para uma historiografia das ciências. In: MATA, Sérgio Ricardo da;
MOLLO, Helena Miranda; VARELLA, Flávia Florentino (Org.). Caderno de resumos &
Anais do 2º. Seminário Nacional de História da Historiografia. A dinâmica do historicismo:
tradições historiográficas modernas. Ouro Preto: EdUFOP, 2008. pp. 1-8.

ALFAGALI, Crislayne, Ferreiros e fundadores de Ilamba. Uma história social da fabricação


do ferro e da Real Fábrica de Nova Oieras (Angola, segunda metade do século XVIII). 2017.
407 f. Tese (Doutorado em História) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

_____. Em casa de ferreiro pior apeiro: os artesãos do ferro em Vila Rica e Mariana no século
XVIII. 2012. 220 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de Campinas,
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.

ALPOIM, Joseph. F. P.. Exame de Bombeiros. Madrid: Oficina de Francisco Martinez Abad,
1748.
188

ANCHIETA, José de. Cartas, informações, fragmentos históricos e sermões. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1933.

ANTUNES, Américo. Do diamante ao aço: a trajetória do Intendente Câmara. Belo


Horizonte: UNA, 1999.

ARAÚJO, Paulo Eduardo Martins. Fábrica de Ferro do Morro do Pilar. As três campanhas
experimentais e o colapso estrutural do alto-forno na noite de 21 de agosto de 1814. Anais
Eletrônicos do 14º Seminário Nacional de História da Ciência e da Tecnologia – 14º SNHCT.
Belo Horizonte, Campus Pampulha da Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG 08 a
11 de outubro de 2014.

BAETA, Nilton. A indústria siderúrgica em Minas Gerais. Belo Horizonte: Imprensa Oficial,
1973.

BARBOSA, Francisco de Assis. Dom João VI e a siderurgia no Brasil. Rio de Janeiro:


Biblioteca do Exército, 1958.

BARRETO, Célia de Barros et. al. História geral da civilização brasileira. O processo de
emancipação. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

BASTOS, Humberto. A conquista siderúrgica no Brasil. São Paulo: Martins Editora, 1959.

BITTENCOURT, Manuel Ferreira da Câmara. Ensaio de descripção fizica, e economica da


Comarca dos Ilheos na America. Lisboa: Offic. da Academia Real das Sciencias, 1789.

BLUTEAU, Rafael. Diccionario da Lingua Portugueza. Segundo tomo. Lisboa: Officina de


Simão Thaddeo Ferreira,1789.

BRITO, Joaquim J. Rodrigues de. Memórias politicas sobre as verdadeiras bases da riqueza
das nações e principalmente de Portugal (1803-1805). Tomo I.Lisboa: Banco de Portugal,
1992.

BRITTO, Lemos. Pontos de partida para a história econômica do Brasil. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1939.

CALÓGERAS, João Pandiá. Formação histórica do Brasil. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1938.

CARDOSO, José L. M. O pensamento econômico em Portugal em fins do século XVIII


(1780-1808). 1988. 736 f. Tese (Doutorado em Economia) – Instituto Superior de Economia,
Universidade Técnica de Lisboa, Coimbra.

_____, Alexandre M. Discurso econômico e política colonial no Império Luso-brasileiro


(1750-1808). Tempo, Niterói, v. 17, pp. 65-88, 2011.
189

_____. Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa para adiantamento
da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas conquistas (1789-1815). Tomo
I. Lisboa: Banco de Portugal, 1990.

CARMO, Maiara Alves. Rerum novus nascitur ordo: a trajetória de Francisco Agostinho
Gomes (1769-1842). 2018. 167 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal
da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.

CARRARA Jr., Ernesto; MEIRELLES, Helio. A indústria química e o desenvolvimento do


Brasil (1500-1889). Tomo I. São Paulo: Metalivros, 1996.

CARRARA, Ângelo Alves. A administração dos contratos da capitania de Minas: o


contratador João Rodrigues de Macedo, 1775-1807. América Latina en La Historia
Económica, Ciudad de México n. 35, pp. 31-52, 2011.

CARVALHO, Daniel de. Documentos sobre a Fábrica de Ferro do Morro do Pilar. Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 263, pp.203-235, 1964.

CARVALHO, Pedro Sergio Landim de, et al. Minério de Ferro. BNDES setorial, Rio de
Janeiro, n. 39, pp. 197-234, 2014.

CASTRO, Adler H. Fonseca de. A pré-indústria e governo no Brasil: iniciativas de


industrialização a partir do arsenal de guerra do Rio de Janeiro. 2017. 633 f. Tese (Doutorado
em História Comparada) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de História.

COUTINHO, D. Rodrigo de Sousa. Discurso sobre a verdadeira influência dos metais


preciosos na indústria das nações que as possuem, e especialmente a portuguesa. In:
CARDOSO, José Luís. Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa
para adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal, e suas conquistas
(1789-1815). Tomo I. Lisboa: Banco de Portugal, 1990. pp. 179-183.

D. JOÃO III. Forais da capitania de S. Paulo. Revista do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro, Rio de Janeiro, Tomo IX, pp. 467-473, 1871.

DIAS, maria odila Dias. Aspectos da ilustração no Brasil. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 278, pp. 105-170, 1968.

ESCHWEGE, Guilherme Barão de. Memória sobre as dificuldades das fundições e refinações
nas fábricas de ferro para ganhar este metal na maior quantidade, e da melhor qualidade para
os diferentes fins. In: CARDOSO, José Luís. Memórias Econômicas da Academia Real das
Ciências de Lisboa para adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em Portugal,
e suas conquistas (1789-1815). Tomo IV. Lisboa: Banco de Portugal, 1991, pp. 97-101.

FACIABEN, Marcos Eduardo. Tecnologia siderúrgica no Brasil do século XIX: conhecimento


e técnica na aurora de um país (o caso da fábrica de ferro de São João do Ipanema). 2012. 200
f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia,
Letras e Ciências Humanas.
190

FALCON, Francisco C. A época pombalina: política econômica e monarquia ilustrada. São


Paulo: Editora Ática, 1982.

_____. Despotismo esclarecido. São Paulo: Editora Ática, 1986.

FARIA, Luciano E. Mineralogistas e seus estudos sobre os minerais úteis nas Minas Gerais
dos períodos colonial e imperial. 2019. 228 f. Tese (Doutorado em Química) – Universidade
Federal de Minas Gerais, Departamento de Química.

_____; FILGUEIRAS, Carlos A. L. Salitre: o produto químico estratégico no passado do


Brasil. Química Nova, São Paulo, v. 44, n. 4, pp. 519-535, 2021.

FAORO, Raymundo. A questão nacional: a modernização. Estudos Avançados, São Paulo, v.


6, n. 14, pp.7-22, 1992.

FERRAZ, Márcia Helena M. As ciências em Portugal e no Brasil (1772-1822). O texto


conflituoso da química. São Paulo: EDUC, 1997.

_____. A produção do salitre no período colonial. Química Nova, São Paulo, v. 23, n. 4, pp.
845-850, 2000.

FERREIRA, Breno Ferraz Leal. A economia da natureza: a história natural, entre a teologia
natural e a economia política (Portugal e Brasil 1750-1822).2016. 233 f. Tese (Doutorado em
História) – Faculdade de Filosofia. Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo.

FERREIRA, O. S. Administração nas Minas Gerais. Revista de História, [S. l.], v. 19, n. 39,
pp. 181-193, 1959.

FIGUEIRÔA, Silvia; SILVA, Clarete Paranhos da. Enlightened Mineralogists: Mining


Knowledge in Colonial Brazil, 1750-1825. Osiris, Chicago, v. 15, pp. 174-189, 2000.

FILGUEIRAS, Carlos A. L.. A química de José Bonifácio. Química Nova, São Paulo, v. 9, n.
4, pp. 263-268, 1986.

FURTADO, Júnia F. O Livro da Capa Verde: a vida no Distrito Diamantino no período Real
Extração. São Paulo: Anna Blume, 1996.

_____. Ciência, diplomacia e viagem: Dom Rodrigo de Souza Coutinho e o tour mineralógico
dos savants luso-brasileiros José Bonifácio de Andrada e Silva e Manuel Ferreira da Câmara
Bittencourt em Turim. In: MOTA, Isabel Ferreira da; SPANTIGATI, Carla Enrica (Org.).
Tanto ella assume novitate al fianco: Lisboa, Turim e o intercâmbio cultural do século das
luzes à Europa pós-napoleónica. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2019.
pp.143-187.

_____. Enlightenment Science and Iconoclasm: the Brazilian Naturalist José Vieira Couto.
Osiris, Chicago, v. 25, pp. 189-212, 2010.
191

_____. Homens de negócio: a interiorização da metrópole e do comércio nas Minas


setecentistas. São Paulo: Hucitec, 2006.

_____. Súditos de um império ilustrado: a Real Academia das Ciências de Lisboa, os


naturalistas e a capitania de Minas Gerais. In: Vicente Coelho de Seabra: o primeiro químico
moderno brasileiro - 250 anos de nascimento. Belo Horizonte: CRQ-MG, 2014. pp .159-172.

_____. Um cartógrafo rebelde? José Joaquim da Rocha e a cartografia de Minas Gerais”.


Anais do Museu Paulista, São Paulo, v. 17, n.2, pp. 155-187, 2009.

GAMA, Manoel Jacinto Nogueira da. Memoria sobre a absoluta necessidade que ha de
Nitreiras nacionaes para a independencia e defensa dos Estados: com a descripção da
origem, actual estado, e vantagens da Real Nitreira Artificial de Braço de Prata. Lisboa:
Impressão Régia, 1803.

GANDOLFI, Haira E.; FIGUERÔA, Silvia Fernanda de M. As nitreiras no Brasil dos séculos
XVIII e XIX: uma abordagem histórica no ensino de ciências. Revista Brasileira de História
da Ciência, Rio de Janeiro, v. 7, n. 2, pp. 279-297, 2014.

HIRANO, Sedi. Formação do Brasil Colonial: pré-capitalismo e capitalismo. São Paulo:


Edusp, 2008.

HOLANDA, Sérgio Buarque de. A fábrica de ferro de Santo Amaro. Digesto Econômico, Rio
de Janeiro, n. 38, pp. 78-81, 1948.

KURY, Lorelai. Homens de ciência no Brasil: impérios coloniais e circulação de informações


(1780-1810). História, Ciências, Saúde, Manguinhos, v. 11 (suplemento I0), pp. 100-129,
2004.

LANDGRAF, Femando José G; TSCHIPTSCHIN, André P.; GOLDENSTEIN, Hélio. Nota


sobre a História da Metalurgia no Brasil (1500-1850). In: VA RGAS, Milton. História da
Técnica e da Tecnologia no Brasil. São Paulo: UNESP, 1995, pp. 107-129.

LIBBY, Douglas Cole. Transformação e trabalho em uma economia escravista no século XIX.
São Paulo: Brasiliense, 1988.

LIMA, Heitor Ferreira. Formação Industrial do Brasil (período colonial). Rio de Janeiro:
Fundo de Cultura, 1961.

MARCOLIN, Neldson. Siderurgia na colônia. Revista FAPESP, São Paulo, n. 209, pp. 86-87,
2013.

MATOS, Ana Maria Cardoso de. Ciência, tecnologia e desenvolvimento industrial no


Portugal oitocentista: o caso dos Lanifícios do Alentejo. 1997. 599 f. Tese (Doutorado em
História Contemporânea) – Universidade de Évora.

MATTOSO, Katia M. de Queirós. Bahia, século XIX: uma província no Império. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 1992.
192

MAXWELL, Kenneth. A geração de 1790 e a ideia do império luso-brasileiro. In:_____.


Chocolate, piratas e outros malandros:ensaios tropicais. São Paulo: Paz e terra, 1999. pp.
157-207.

MELLO, João M. Cardoso de. Capitalismo tardio. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982.

MENZ, Maximiliano Mac. Reflexões sobre duas crises econômicas no Império Português
(1688 e 1770). Varia História, Belo Horizonte, v. 29, n. 49, pp.35-54, 2013.

MORAES. Frederico Augusto Pereira. Subsídios para a história do Ypanema. Lisboa:


Imprensa nacional, 1858.

MORAIS, Geraldo Dutra de. História de Conceição de Mato Dentro. Belo Horizonte:
Biblioteca Mineira de Cultura, 1942.

MOTA, Carlos Guilherme. Atitudes de inovação no Brasil (1789-1801). Lisboa: Livros


Horizonte, 1970.

MUNTEAL FILHO, Oswaldo. Academia Real das Ciências de Lisboa e o Império Colonial
Ultramarino (1779-1808). In: FURTADO, Júnia Ferreira (Org.). Diálogos oceânicos: Minas
Gerais e as novas abordagens para o império ultramarino português. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2001. pp. 483-518.

_____. Uma sinfonia para o novo mundo: a Academia Real das Ciências de lisboa e os
caminhos da ilustração luso-brasileira na crise do Antigo sistema colonial. 1998. 585 f. Tese
(Doutorado em História Social) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais.

NOVAIS, Fernando A. A proibição das manufaturas no Brasil e a política econômica


portuguesa do fim do século XVIII. Revista de História, [s.l.], n. 142-143, pp. 213-237, 2000.

_____. Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial (1777 – 1808).São Paulo:
Hucitec, 1983.

OLIVEIRA, Antonio José Alves. João da Silva Feijó e os dilatados sertões: Pensamento
Científico e representações do mundo natural na Capitania do Ceará (1799 – 1816). 2014. 231
f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas.

PAIVA, Eduardo França. Bateias, carumbés, tabuleiros: mineração africana e mestiçagem no


Novo Mundo. In: PAIVA, Eduardo França; ANASTASIA, Carla Maria Junho (Org.). O
trabalho mestiço: maneiras de pensar e formas de viver, séculos XVI a XIX. São Paulo:
Annablume; PPGH/UFMG, 2002.

PATACA, Ermelinda Moutinho. Terra, água e ar nas viagens científicas portuguesas (1755-
1808). 2006. 698 f. Tese (Doutorado em Geociências) – Universidade de Campinas, Instituto
de Geociências.
193

PEDREIRA, Jorge. A economia política do sistema colonial. In: FRAGOSO, João;


GOUVÊA, Maria de Fátima. O Brasil Colonial (1720-1821). Vol. 3 Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2014. pp. 419-460.

PEREIRA, Magnus R. M. D. Rodrigo e frei Mariano: A política portuguesa de produção de


salitre na virada do século XVIII para o XIX. Topoi, Rio de Janeiro, v. 15, n. 29, pp. 498-526,
2014.

PEREIRA, Márcio Mota. “Parecia-me que me via no Mundo da Lua”: Relações políticas e
viagens filosóficas do naturalista José Vieira Couto no Distrito Diamantino. Temporalidades,
Belo Horizonte, v. 8, n. 1, pp. 522-542, 2016.

_____. Saber e honra: a trajetória do naturalista luso-brasileiro Joaquim Veloso de Miranda e


as pesquisas em História Natural na capitania de Minas Gerais (1746-1816). 2018. 412 f. Tese
(Doutorado em História) - Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas.

PESSOA, José Martins da Cunha. Memória sobre o Nitro, e utilidades que dele se pode tirar.
In: CARDOSO, José Luis. Memórias Econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa.
Tomo IV. Lisboa: Banco de Portugal, 1991. pp. 159-173.

PIVA, Teresa C. C; FILGUEIRAS, Carlos A. L. O fábrico da pólvora no Brasil colonial: o


papel de Alpoim na primeira metade do século XVIII. Química Nova, São Paulo, v. 31, n. 4,
pp. 930-936, 2008.

PIZOL, Helton de Bernardi. A fabricação do ferro no começo do século XIX em Ipanema no


período de Hedberg e Varnhagen. 2009. 95 f. Dissertação (Mestrado em História da Ciência)
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

PRADO Jr., C. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2011.

REBELO, Manoel Jacinto. Economia Política. Lisboa: Banco de Portugal, 1992.

REVEL, Jacques Micro-história, macro-história: o que as variações de escala ajudam a pensar


em um mundo globalizado. Revista Brasileira de Educação, [Online], v.15, n. 45, pp.434-
444, 2010.

RIBEIRO, José Silvestre. Historia dos estabelecimentos scientificos litterarios e artisticos de


Portugal nos successsivos reinados da monarchia, Tomo II. Lisboa: Academia Real das
Sciências, 1872.

ROCHA, Ilana Peliciari. Escravos da nação: o público e o privado na escravidão brasileira,


1760-1876. São Paulo: Edusp, 2018.

SAMPAIO, Antonio C. J. A economia do império português no período pombalino. In:


FALCON, Francisco; RODRIGUES, Cláudia (Org.). A “época pombalina” no mundo luso-
brasileiro. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2015. pp. 31-58.
194

SANTOS, Joaquim Felício dos. Memórias do distrito diamantino. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 1976.

SANTOS, Nilton Pereira dos. A fábrica de ferro de São João de Ipanema: economia e política
nas últimas décadas do segundo reinado (1860-1889). 2009. 181 f. Dissertação (Mestrado em
História) – Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

SANTOS, Nivia Pombo C. dos. O palácio de Queluz e o mundo ultramarino: circuitos


ilustrados. Portugal, Brasil e Angola, 1796-1803. 2013. 395 f. Tese (Doutorado em História) –
Universidade Federal Fluminense, Instituto de Ciências Humanas e Filosofia.

SILVA, Antonio de Morais. Diccionario de Lingua Portugueza. Segundo tomo. Lisboa: Typ.
de Joaquim Germano de Souza Neves, 1877.

SILVA, Clarete Paranhos da. Garimpando memórias: as ciências mineralógicas e geológicas


no Brasil na transição do século XVIII para o XIX. 2004. 282 f. Tese (Doutorado em História)
– Universidade estadual de Campinas, Instituto de Geociências.

_____. O desvendar do grande livro da natureza: um estudo da obra do mineralogista José


Vieira Couto, 1798-1805. São Paulo, Annablume, 2002.
SILVA, Ignacio Accioli de Cerqueira e. Memórias historicas e políticas da província da Bahia.
Tomo I. Bahia: Typ. do Correio Mercantil, de Précourt e C., 1835.

SILVA. Maria Beatriz Nizza da. A ilustração baiana. Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 446, pp. 53-65, 2010, p. 55.

SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil (1500-1820). Brasília: Senado


Federal, 2005.

SIQUEIRA, Maria Isabel et al (Org.). Administração, recursos naturais e contrabando:


documentos selecionado sobre a América portuguesa no tempo dos Filipes (1580-1640). Rio
de Janeiro: Gramma, 2016.

SMITH. Robert C. Arquitetura colonial baiana: Alguns aspectos de sua história. Salvador:
EDUFBA, 2010.

SOARES e SILVA, Edmundo de Macedo. O ferro na história e na economia do Brasil. Rio de


janeiro: Biblioteca do sesquicentenário, 1972,

SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado descriptivo do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia de
João Ignacio da Silva, 1879.

VALADARES, Virgínia. A sombra do poder: Martinho de melo e castro e a administração da


Capitania de Minas Gerais (1770-1795). São Paulo: Hucitec, 2006.

VANDELLI, Domingos. Memória sobre a preferência que em Portugal se deve dar à


agricultura sobre as fábricas. In: CARDOSO, José Luís. Memórias Econômicas da Academia
195

Real das Ciências de Lisboa para adiantamento da Agricultura, das Artes, e da Indústria em
Portugal, e suas conquistas (1789-1815). Tomo I. Lisboa: Banco de Portugal, 1990. pp. 185-
193.

VARELA, Alex G. A trajetória do ilustrado Manuel Ferreira da Câmara em sua “fase


européia” (1783-1800). Tempo, Niterói, v. 12, n. 23, pp.150-175, 2007.

_____. Atividades Científicas na "Bela e Bárbara" Capitania de São Paulo (1796-1823).


2005. 368 f. Tese (Doutorado em História da Ciência) – Universidade de Campinas, Instituo
de Geociência

_____. Ciência e patronagem: análise de trajetória do naturalista e intendente das minas


Manuel Ferreira da Câmara (180-1822). Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, Rio de Janeiro, n. 446, pp. 67-92, 2010, p. 74.

VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História geral do Brazil. 2 Vols.. Rio de Janeiro: Em
casa de E. e H. Laemmert, 1877.

VASCONCELOS, Salomão de. Ofícios mecânicos em Vila Rica durante o século XVIII.
Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 4, pp.
331-359, 1940.

VELOSO, José Mariano da Conceição. Alographia dos alkalis fixos. Lisboa: Offic.. de Simão
Thaddeo Ferreira, 1798.

VERALDO, Ivana. O comércio de impressos na capitania de São Paulo (1797-1802): uma


estratégia civilizadora e educativa. Revista HISTEDBROn-line, Campinas, n.18, pp. 10-18,
2005.

VILLALTA, Luiz Carlos. 1789-1808: O império luso-brasileiro e os Brasis. São Paulo:


Companhia das Letras, 2000.

VITA, Soraya; LUNA, Fernando J.; TEIXEIRA, Simone. Descrições de técnicas da química
na produção de bens de acordo com os relatos dos naturalistas viajantes no Brasil colonial e
imperial. Química Nova, São Paulo, v. 30, n. 5, pp. 1381-1386, 2007.

WEGNER, Robert. Livros do Arco do Cego no Brasil colonial. História, Ciências, Saúde -
Manguinhos, Rio de Janeiro, v.11, pp.131-140, 2004.

WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José C. M. Formação do Brasil colonial. Rio de


Janeiro: Nova fronteira, 1999.

ZEMELLA, Mafalda P. O abastecimento da capitania das minas Gerais no século XVIII. São
Paulo: Hucitec, 1990.

ZEQUINI, Anicleide. Arqueologia de uma fábrica de ferro: morro de Araçoiba (séculos XVI-
XVII). 2006. 223 f. Tese (Doutorado em Arqueologia) – Universidade de São Paulo, Museu
de Arqueologia e Etnologia.

Você também pode gostar