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Pela primeira vez em português (eu acho), um documento histórico do


feminismo negro. Ele é uma das primeiras tentativas de integrar na
mesma análise o marxismo, o feminismo e a luta antirracista. Como o
texto é autoexplicativo, só vou mencionar três coisas: a) o nome do
coletivo foi tirado da ação de Combahee River, uma ação militar da
Guerra Civil Americana, a única planejada e dirigida por uma mulher,
a abolicionista Harriet Tubman; b) como elas falam na Declaração, o
foco do coletivo era o grupo de estudos, combinado com a
participação nas lutas. Como isso não exigia uma organização muito
formal, o coletivo acabou se dissolvendo em 1980, e as militantes
foram para os movimentos em que já estavam ativas; c) eu continuo
usando o meu método irritante de encontrar equivalentes para gírias,
menos em herstory, que eu simplesmente aportuguesei para herstória,
por não ter encontrado solução melhor; d) eu não vou falar aqui sobre
a política ou a teoria da Declaração, mas podemos falar sobre isso nos
comentários.

O original está aqui.

Declaração do Coletivo Combahee River 


Coletivo Combahee River

Nós somos um coletivo de feministas negras que têm se reunido desde


1974. [1] Durante esse tempo, estivemos envolvidas no processo de
definir e clarificar a nossa política e, ao mesmo tempo, fazer trabalho
político no nosso próprio grupo e em coalizão com outras
organizações e movimentos progressistas. A declaração mais geral
sobre a nossa política atual seria que estamos comprometidas
ativamente na luta contra a opressão racial, sexual, heterossexual, e de
classe, e que vemos como a nossa tarefa particular o desenvolvimento
de uma análise e de uma prática integradas, baseadas no fato de que os
grandes sistemas de opressão são interligados. A síntese dessas
opressões cria as condições das nossas vidas. Como mulheres negras,
vemos o feminismo negro como o movimento político lógico para
combater as opressões multifacetadas e simultâneas que todas as
mulheres não-brancas enfrentam.

Nós discutiremos quatro grandes temas no artigo que se segue: (1) a


gênese do feminismo negro contemporâneo; (2) em que acreditamos,
ou seja, o território específico da nossa política; (3) os problemas em
organizar feministas negras, incluindo uma breve herstória do nosso
coletivo; e (4) questões e prática feminista negra.

1. A gênese do Feminismo Negro Contemporâneo

Antes de olhar para o desenvolvimento recente do feminismo negro,


gostaríamos de afirmar que encontramos as nossas origens na
realidade histórica da contínua luta de vida e morte das mulheres
afroamericanas por sobrevivência e libertação. A relação
extremamente negativa das mulheres negras com o sistema político
americano (um sistema de domínio branco masculino) sempre foi
determinada pela nossa participação  em duas castas oprimidas, racial
e sexual. Como Angela Davis nota em Reflexões sobre o papel da
mulher negra na comunidade dos escravos, as mulheres negras
sempre incorporaram, nem que fosse somente na sua manifestação
física, um exemplo adverso ao domínio branco masculino, e resistiram
ativamente às suas investidas sobre elas e sobre as suas comunidades,
tanto de formas sutis quanto dramáticas. Sempre houve mulheres
negras ativistas - algumas conhecidas, como Sojourner Truth, Harriet
Tubman, Frances E. W. Harper, Ida B. Wells Barnett, e Mary Church
Terrell, e milhares e milhares desconhecidas - que compartilharam
uma consciência de como a sua identidade sexual se combinava com
sua identidade racial, tornando toda a sua situação de vida e o foco de
suas lutas políticas algo único. O feminismo negro contemporâneo é o
resultado de incontáveis gerações de sacrifício pessoal, militância e
trabalho de nossas mães e irmãs.

Uma presença feminista negra se formou mais obviamente em


conexão com a segunda onda do movimento de mulheres americano,
que começou no final da década de 1960. Mulheres negras, de outros
países do Terceiro Mundo e trabalhadoras se envolveram no
movimento feministas desde o começo, mas tanto as forças
reacionárias exteriores como o racismo e o elitismo dentro do próprio
movimento serviram para obscurecer a nossa participação. Em 1973,
feministas negras localizadas principalmente em Nova Iorque
sentiram a necessidade de formar um grupo feminista negro separado.
Ele se tornou a National Black Feminist Organization (NBFO,
Organização Nacional Feminista Negra).

A política feminista negra também teve uma conexão óbvia com os


movimentos pela libertação negra, particularmente os dos anos 1960 e
1970. Muitas de nós fomos ativas nesses movimentos (pelos direitos
civis, nacionalismo negro, Panteras Negras), e todas as nossas vidas
foram grandemente afetadas e mudadas pelas suas ideologias, seus
objetivos e pelas táticas usadas para atingir esses objetivos. Foi a
nossa experiência e desilusão dentro desses movimentos de libertação,
assim como a experiência na periferia da esquerda branca masculina,
que nos levaram a desenvolver uma política que fosse antirracista,
diferentemente daquela das mulheres brancas, e antissexista,
diferentemente daquelas dos homens brancos e negros.

Também há, inegavelmente, uma gênese pessoal do feminismo negro,


ou seja, a compreensão política que vem das experiências
aparentemente pessoais das vidas individuais das mulheres negras. As
feministas negras, e muitas mulheres negras que não se definem como
feministas, têm experimentado a opressão sexual como um fator
constante na sua existência cotidiana. Desde crianças, percebemos que
éramos diferentes do meninos e que éramos tratadas diferente. Por
exemplo, nos falaram, ao mesmo tempo, para ficarmos quietas, para
sermos "mocinhas" e para sermos menos rejeitadas pelos brancos.
Conforme crescemos, ficamos conscientes da ameaça de abuso físico
e sexual cometido pelos homens. Mesmo assim, não tínhamos
nenhuma forma de conceitualizar o que era tão aparente para nós, o
que sabíamos que estava realmente acontecendo.

As feministas negras muitas vezes falam sobre se sentirem loucas


antes de se conscientizarem sobre os conceitos de política sexual,
domínio patriarcal e, mais importante ainda, feminismo, a análise e
prática política que nós mulheres usamos para lutar contra a nossa
opressão. O fato de que a política racial e, na verdade, o racismo, são
fatores onipresentes nas nossas vidas não nos permitiu, e ainda não
permite à maioria das mulheres negras, olhar mais profundamente
para as nossas próprias experiências e, a partir daquela consciência
compartilhada e crescente, construir uma política para mudar as
nossas vidas e, inevitavelmente, acabar com a nossa opressão. O nosso
desenvolvimento também deve ser ligado à posição econômica e
política contemporânea do povo negro. A geração pós-Segunda
Guerra das juventude negra foi a primeira capaz de, minimamente,
aproveitar certas opções de educação e empregos, que anteriormente
eram completamente negadas aos negros. Embora a nossa posição
econômica ainda esteja no ponto mais baixo da economia capitalista
americana, um punhado dos nossos foi capaz de ganhar certas
ferramentas, como resultado do paternalismo na educação e nos
empregos, ferramentas que potencialmente nos permitem lutar mais
efetivamente contra a nossa opressão.

Uma posição que combinava o antirracismo e o antisseximo nos uniu


no começo e, conforme nos desenvolvemos politicamente, abordamos
o heterossexismo e a opressão econômica sob o capitalismo.

2. Em Que Acreditamos

Acima de tudo, a nossa política partiu da crença comum de que as


mulheres negras têm valor inerente, que a nossa libertação é uma
necessidade não como um adjunto da de outrem, mas sim por causa da
nossa necessidade, como seres humanos, por autonomia. Isso pode
parecer tão óbvio que soa até mesmo simplista, mas é aparente que
nenhum outro movimento que se reivindicasse progressista nem
mesmo chegou a considerar a nossa opressão específica como uma
prioridade ou trabalhou seriamente para acabar com a nossa opressão.
Simplesmente nomear os estereótipos pejorativos atribuídos às
mulheres negras (ex. mãe preta, matrona, poderosa, piranha, sapatão),
pra não falar em catalogar o tratamento cruel, muitas vezes, assassino,
que recebemos, indica como as nossas vidas têm sido pouco
valorizadas durante quatro séculos de servidão nos hemisfério
ocidental. Nós percebemos que as únicas pessoas que se importam
conosco o suficiente para trabalhar consistentemente pela nossa
libertação somos nós. A nossa política nasce de um saudável amor por
nós mesmas, nossas irmãs e nossa comunidade, que nos permite
continuar a nossa luta e nosso trabalho.

Esse foco na nossa própria opressão está incorporado no conceito de


política de identidade. Acreditamos que a política mais profunda e
potencialmente mais radial vem diretamente da nossa própria
identidade, em oposição a trabalhar para acabar com a opressão de
outrem. No caso das mulheres negras, isso é um conceito
particularmente repugnante, perigoso, ameaçador e, portanto,
revolucionário, porque é óbvio, ao olhar todos os movimentos
políticos que nos precederam, que qualquer um merece mais a
libertação que nós mesmas. Nós rejeitamos os pedestais, a realeza, e
andar dez passos atrás. Sermos reconhecidas como seres humanos, no
mesmo nível, é o suficiente.

Acreditamos que a política sexual sob o patriarcado é tão onipresente


nas vidas das mulheres negras quanto as políticas de classe e raça.
Também achamos, muitas vezes, difícil separar opressões de raça,
classe e sexo porque, nas nossas vidas, elas são quase sempre
experimentadas simultaneamente. Nós sabemos que existe uma coisa
que é uma opressão sexual-racial que nem é somente racial nem
somente sexual, por exemplo, a história do estupro das mulheres
negras por homens brancos como arma de repressão política.

Mesmo sendo feministas e lésbicas, nos solidarizamos com os homens


negros progressistas, e não defendemos o fracionamento que as
mulheres brancas separatistas reivindicam. A nossa situação como
negras exige que que nos solidarizemos em torno do fato da raça,
solidariedade que, é claro, as mulheres brancas não precisam ter com
os homens brancos, a não ser que seja a solidariedade negativa como
opressores raciais. Nós lutamos junto com os homens negros contra o
racismo, e contra os homens negros contra o sexismo.

Nós compreendemos que a libertação de todos os povos oprimidos


exige a destruição dos sistemas político-econômicos do capitalismo e
do imperialismo, assim como do patriarcado. Somos socialistas,
porque acreditamos que o trabalho deve ser organizado para o
benefício coletivo dos que trabalham e criam os produtos, e não para o
lucro dos patrões. Os recursos materiais devem ser igualmente
distribuídos entre os que os criam. Entretanto, não estamos
convencidas que uma revolução socialista que não seja, também,
feminista e antirracista possa garantir a nossa libertação. Nós
chegamos à necessidade de desenvolver uma compreensão das
relações de classe que leve em conta a posição de classe específica das
mulheres negras, que geralmente são marginais na força de trabalho,
mesmo que no momento algumas de nós sejam temporariamente
vistas como duplamente desejáveis figuras decorativas entre os
trabalhadores administrativos e profissionais liberais. Precisamos
articular a situação de classe real de pessoas que não sejam meros
trabalhadores sem raça nem sexo, mas para as quais as opressões
racial e sexual sejam  determinantes significativos das duas vidas
profissionais/econômicas. Embora estejamos em acordo essencial com
a teoria de Marx quando aplicada às relações econômicas muito
específicas que ele analisou, sabemos que a sua análise tem que ser
estendida, para que entendamos a nossa situação econômica específica
como mulheres negras.

Uma contribuição política que sentimos que já fizemos é a expansão


do princípio feminista de que o pessoal é político. Nas nossas sessões
de conscientização, por exemplo, fomos, de muitas maneiras, além das
revelações das mulheres brancas, porque estamos lidando com as
implicações de raça e classe, além do sexo. Até mesmo o nosso estilo
de falar e testemunhar como mulheres negras em linguagem negra
sobre o que temos passado tem uma ressonância tanto cultural quanto
política. Gastamos muita energia investigando a natureza cultural e
experiencial da nossa opressão por necessidade, porque nenhum
desses assuntos tinha sido considerado antes. Ninguém antes tinha
examinado a tessitura multidimensional das vidas das mulheres
negras. Um exemplo desse tipo de revelação/conceituação aconteceu
numa reunião, quando discutíamos as formas em que os nosso
primeiros interesses intelectuais tinham sido atacados pelos nossos
pares, principalmente os homens negros. Descobrimos que todas nós,
por sermos consideradas "espertas', também foram consideradas
"feias", ou seja, "esperta-feia". "Esperta-feia" cristalizou a forma em
que a maioria de nós foi forçada a desenvolver os nossos intelectos às
custas das nossas vidas "sociais". As sanções nas comunidades negras
e brancas contra pensadoras negras é comparativamente muito mais
pesada que em relação às brancas, principalmente de classe média ou
alta.

Como já declaramos, rejeitamos a posição do separatismo lésbico,


porque não é uma análise política ou estratégia viável para nós. Ela
abandona pessoas demais, particularmente homens, mulheres e
crianças negras. Nós temos muitas críticas e repugnância ao que os
homens foram socializados a ser nessa sociedade: o que eles apoiam,
como agem, e como eles oprimem. Mas não temos  a noção
desorientada de que é a sua masculinidade, per se - ou seja, a sua
masculinidade biológica - que os torna quem eles são. Como negras,
achamos qualquer tipo de determinismo biológico uma base
particularmente perigosa e reacionária sobre a qual construir uma
política. Devemos também questionar se o separatismo lésbico é uma
análise política e estratégia adequada e politicamente progressiva até
mesmo para as que o praticam, já que ele nega completamente todas
as fontes não-sexuais da opressão da mulher, negando os fatos da raça
e da classe.

3. Problemas em organizar as feministas negras

Durante os nossos anos juntas como um coletivo feminista negro,


passamos por sucessos e derrotas, alegrias e dores, vitórias e
fracassos. Achamos muito difícil nos organizarmos em torno de
questões feministas negras, difícil até mesmo anunciarmos, em alguns
contextos, que somos feministas negras. Tentamos pensar sobre as
razões das nossas dificuldades, particularmente porque o movimento
das mulheres brancas continua forte e a crescer em várias direções.
Nessa seção, vamos discutir algumas das razões gerais  para os
problemas de organização que encaramos, e também falar
especificamente sobre as etapas da organização do nosso coletivo.

A maior fonte de dificuldades no nosso trabalho político é que


estamos tentando não combater a opressão em uma frente ou duas, e
sim abordar todo um espectro de opressões. Nós não temos privilégio
racial, sexual, heterossexual ou de classe em que nos apoiar, nem
mesmo temos o mínimo acesso aos recursos e poder que os grupos
que têm qualquer um desses privilégios possuem.

O fardo psicológico de ser uma mulher negra, e as dificuldades que


isso representa para a conscientização política e para a realização do
trabalho político nunca podem ser subestimados. As psiques das
mulheres negras são muito pouco valorizadas nessa sociedade, que
tanto é racista como sexista. Como uma antiga participante do grupo
disse uma vez, "Todas nós somos pessoas feridas pelo simples fato de
sermos mulheres negras". Somos roubadas psicologicamente e em
todos os outros níveis, e mesmo assim sentimos a necessidade de lutar
para mudar a condição de todas as mulheres negras. Em Uma busca
feminista negra pela sororidade, Michele Wallace conclui:

 Existimos como mulheres


que são negras que são
feministas, cada uma
dispersa no momento,
trabalhando
independentemente
porque não existe ainda
um ambiente nessa
sociedade minimamente
simpático à nossa luta -
porque, estando no ponto
mais baixo, teríamos que
fazer o que ninguém mais
fez: teríamos que lutar
contra o mundo.[2]
Wallace é pessimista mas realista na sua avaliação da posição das
feministas negras, particularmente na sua alusão ao isolamento quase
clássico que a maioria de nós enfrenta. Devemos usar a nossa posição
no ponto mais baixo, contudo, para dar um claro salto para a ação
revolucionária. Se as mulheres negras se libertassem, isso significaria
que todos os outros teriam que se libertar, porque a nossa liberdade
exigiria a destruição de todos os sistemas de opressão.

O feminismo é, mesmo assim, muito ameaçador para a maioria dos


negros, porque coloca em questão algumas das mais básicas ideias
sobre a nossa existência, ou seja, que o sobre deva ser determinante de
relações de poder. Aqui é a forma como os papeis masculino e
feminino foram definidos num livreto nacionalista negro do começo
dos anos 1970:

 Entendemos que é e foi


tradicional que o homem
seja a cabeça da casa. Ele
é o líder da casa/nação
porque o seu
conhecimento do mundo é
mais amplo, sua
consciência é maior, sua
compreensão é mais plena
e sua aplicação dessa
informação é mais sábia...
No fim, é simplesmente
razoável que o homem
seja a cabeça da casa,
porque ele é capaz de
defender e proteger o
desenvolvimento da sua
casa... As mulheres não
podem fazer as mesmas
coisas que os homens -
elas são feitar por
natureza para funcionar
diferente. A igualdade
entre homens e mulheres
é algo que não pode
acontecer nem mesmo no
mundo abstrato. Os
homens não são iguais
aos outros homens, por
exemplo, habilidade,
experiência ou mesmo
compreensão. O valor dos
homens e das mulheres
pode ser visto como o
valor do ouro e da prata -
não são iguais, mas
ambos têm grande valor.
Devemos entender que
homens e mulheres se
complementam, porque
não existe casa/família
sem um homem e sua
esposa. Os dois são
essenciais para o
desenvolvimento de
qualquer vida. [3]
As condições materiais da maioria das mulheres negras dificilmente as
levariam a derrubar os arranjos tanto econômicos como sexuais que
parecem representar alguma estabilidade em suas vidas. Muitas
mulheres negras têm uma boa compreensão tanto do sexismo como do
racismo mas, por causa das restrições cotidianas de suas vidas, não
podem se arriscar a lutar contra os dois.

A reação dos homens negros ao feminismo tem sido notoriamente


negativa. Ele se sentem, é claro, ainda mais ameaçados que as
mulheres negras pela possibilidade de que as feministas negras
possam se organizar para lutar pelas suas necessidades. Eles imaginam
que podem perder não só aliadas valiosas e trabalhadoras nas suas
lutas mas também que podem ser forçados a mudar as suas formas
habitualmente sexistas de interagir com e  oprimir mulheres negras.
As acusações de que o feminismo negro divide a luta negra são
poderosos freios ao crescimento de um movimento autônomo das
mulheres negras.

Mesmo assim, centenas de mulheres têm estado ativas em diferentes


momentos durante a existência de três anos do nosso grupo. E toda
mulher negra que veio, veio por uma forte necessidade de algum nível
de possibilidade que não existia antes em sua vida.

Quando começamos a nos reunir em 1974, depois da primeira


conferência da região Leste da NBFO, não tínhamos uma estratégia de
organização, nem mesmo um foco. Apenas queríamos ver o que
tínhamos. Depois de um período de meses sem reuniões, começamos a
nos reunir de novo no final do ano, e começamos uma grande
variedade de conscientização. O sentimento geral que tínhamos é que,
depois de anos e anos, finalmente tínhamos nos encontrado. Embora
não estivéssemos fazendo político trabalho como um grupo,
indivíduos continuavam o seu envolvimento com política lésbica,
esterilização forçada, e trabalho pelo direito ao aborto, atividades do
Dia Internacional das Mulheres do Terceiro Mundo, e atividade de
apoio para os julgamentos do Dr. Kenneth Edelin, Joan Little e Inéz
García. Durante o nosso primeiro verão, quando a quantidade de
integrantes caiu consideravelmente, as que permanecemos devotamos
uma séria discussão à possibilidade de abrir um refúgio para mulheres
vítimas de violência doméstica numa comunidade negra (não existia
nenhum refúgio em Boston na época). Também decidimos, nessa
época, nos tornar um coletivo independente, porque tivemos sérios
desacordos com a política feminista burguesa da NBFO e sua falta de
um claro foco político.

Também fomos contatadas na época por feministas socialistas, com


quem trabalhamos em atividades pelo direito ao aborto, que quiseram
nos encorajar a participar da Conferência Nacional Feminista
Socialista em Yellow Springs. Uma das nossa integrantes participou e,
apesar da estreiteza da ideologia promovida naquela conferência em
particular, nos tornamos mais conscientes da nossa necessidade de
entender a nossa situação econômica e de fazermos a nossa própria
análise econômica.

No outono, quando algumas integrantes voltaram, passamos por vários


meses de inatividade relativa e divergências internas que foram
entendidas a princípio como um racha lésbicas-caretas, mas que
também foram o resultado de diferenças políticas e de classe. Durante
o verão, as que ainda estávamos nos reunindo tínhamos determinado a
necessidade de fazer trabalho político e de nos movermos além da
conscientização e de servir exclusivamente como um grupo de apoio
emocional. No começo de 1976, quando algumas das mulheres que
não quiseram fazer trabalho político, e que tiveram outras
divergências, pararam de participar por vontade própria, procuramos
novamente por um foco. Decidimos na época, com a entrada de novas
integrantes, virar um grupo de estudos. Nós sempre tínhamos
compartilhado as nossas leituras entre nós, e algumas tínhamos escrito
artigos sobre feminismo negro para discussão em grupo meses antes
dessa decisão ser tomada. Começamos a funcionar como um grupo de
estudos e a discutir a possibilidade de começar uma publicação
feminista negra. Tivemos um encontro no final da primavera que nos
deu tempo tanto para a discussão política como para resolver
problemas interpessoais. Atualmente, estamos planejando reunir uma
coleção de escritos feministas negros. Sentimos que é absolutamente
essencial manifestar a realidade da nossa política para as outras
mulheres negras, e acreditamos que podemos fazer isso escrevendo e
distribuindo o nosso trabalho. O fato de que feministas negras
individuais estejam vivendo isoladas por todo o país, de que os nosso
números sejam pequenos, e que tenhamos alguma habilidade em
escrever, editar e publicar nos faz querer realizar esse tipo de projeto
como forma de organizar as feministas negras, ao mesmo tempo em
que continuamos a fazer trabalho político em coalizão com outros
grupos.
4. Questões e projetos feministas negros

Neste tempo juntas, identificamos e trabalhamos muitas questões de


particular interesse para as mulheres negras. A inclusividade da nossa
política faz com que nos interessemos por qualquer situação que
acometa as vidas das mulheres, povos do Terceiro Mundo e dos
trabalhadores. É claro que estamos comprometidas particularmente
com o trabalho nas lutas em que raça, sexo e classe sejam fatores
simultâneos de opressão. Podemos, por exemplo, nos envolver em
organização por local de trabalho numa fábrica que empregue
mulheres do Terceiro Mundo, ou fazer piquetes num hospital que
esteja cortando os serviços de saúde para uma comunidade do
Terceiro Mundo, já inadequados, ou criar um centro de atendimento a
mulheres estupradas num bairro negro. A organização por
reivindicações de creches também pode ser um foco. O trabalho a ser
feito e as questões incontáveis que esse trabalho representa meramente
refletem a onipresença da nossa opressão.

Questões e projeto em que integrantes do coletivo já trabalharam são


esterilização forçada, direito ao aborto, mulheres que sofreram
violência doméstica ou estupros e serviços de saúde. Também fizemos
muitos workshops e atividades educativas sobre feminismo negro em
campi universitários, conferências de mulheres e, mais recentemente,
para estudantes secundaristas.

Uma questão que é de grande preocupação para nós e que começamos


a abordar publicamente é o racismo no movimento das mulheres
brancas. Como feministas negras, somos constante e dolorosamente
conscientes de o quanto pouco é o esforço que as mulheres brancas
têm feito para entender e combater o seu racismo, o que requer, entre
outras coisas, que elas tenham uma compreensão mais que superficial
sobre raça, cor e história e cultura negras. Eliminar o racismo no
movimento das mulheres brancas é, por definição, trabalho para as
mulheres brancas, mas vamos continuar a falar e exigir
responsabilidade sobre essa questão.

Na nossa prática política, não acreditamos que os fins sempre


justificam os meios. Muitos atos destrutivos e reacionários foram
cometidos em nome de conseguir objetivos políticos "corretos". Como
feministas, não queremos passar por cima das pessoas em nome da
política. Acreditamos no processo coletivo e numa distribuição não-
hierárquica do poder dentro do nosso próprio grupo e na nossa visão
de uma sociedade revolucionária. Nos comprometemos com um
exame contínuo da nossa política enquanto ela se desenvolve, através
da crítica e da autocrítica como um aspecto essencial da nossa prática.
Na sua introdução a Sisterhood is Powerful (A Sororidade é
Poderosa), Robin Morgan escreve:

 Não tenho a menor noção


do possível papel
revolucionário que os
homens brancos
heterossexuais possam
desempenhar, já que eles
são a própria
incorporação do poder
reacionário.
Como feministas negras e lésbicas, sabemos que temos uma tarefa
revolucionária bem definida para cumprirmos, e que estamos prontas
para o trabalho e a luta de uma vida inteira diante de nós.

Notas
[1] Essa declaração tem a data de abril de 1977.
[2] Wallace, Michele. "A Black Feminist's Search for Sisterhood,"
The Village Voice, 28 de julho de 1975, pp. 6-7.
[3] Mumininas of Committee for Unified Newark, Mwanamke
Mwananchi (The Nationalist Woman), Newark, N.J., ©1971, pp. 4-5.

THE COMBAHEE RIVER COLLECTIVE: "The Combahee River


Collective Statement," copyright © 1978 by Zillah Eisenstein.

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