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E ESTÉTICA DA EXISTÊNCIA
EM MICHEL FOUCAULT
Fernando Danner1
Introdução
O presente artigo tem por objetivo fazer uma reconstrução das principais
idéias foucaultianas sobre o cuidado de si e, também, de suas práticas, nas obras
História da Sexualidade (v. 2 e 3). As análises de Foucault estão voltadas para a
questão dos prazeres sexuais (e, de modo geral, ao próprio sexo) na antigüidade
greco-romana. Foucault busca compreender como emerge e se constitui a sub-
jetividade moral dos indivíduos.
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Mestre em Educação pela Universidade de Passo Fundo (UPF). Doutorando em Filosofia na PUCRS.
A ética é a maneira pela qual o ser humano age sobre si mesmo procu-
rando constituir-se como sujeito moral, como sujeito de suas próprias ações; é
o modo como o indivíduo se constitui enquanto sujeito moral. Com efeito, a
ética é a prática da liberdade, ou melhor, a prática refletida da liberdade, que
possibilita, cada vez mais, a autonomia do indivíduo em relação a si próprio
(seu corpo, seus desejos, seus apetites, etc.), em relação aos outros, aos objetos,
que o rodeiam e, finalmente, ao próprio mundo. Diz ele: “O que é a ética senão
a prática da liberdade, a prática refletida de liberdade. [...] A liberdade é a con-
dição ontológica da ética. Mas a ética é a forma refletida assumida pela liber-
dade” (FOUCAULT, 2004, p. 267). Se a ética é a prática refletida da liberdade,
o que é a liberdade? A liberdade, para Foucault, assume um caráter essencial-
mente político, isto é, ser livre é, de um lado, não ser escravo dos outros (pois,
80 Filosofazer. Passo Fundo, n. 32, jan./jun. 2008, p. 73-94.
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“[...] a cólera por coragem, a paixão amorosa por amizade, a inveja por emulação, a covardia
por prudência” (FOUCAULT, 1985, p. 63).
86 Filosofazer. Passo Fundo, n. 32, jan./jun. 2008, p. 73-94.
Dessa forma, o que está em jogo nos procedimentos de provação não são
estados sucessivos de privação pela qual o indivíduo deve passar; mas é uma
forma de ver e medir até que ponto o indivíduo conquistou uma independência
tal que lhe possibilite abster-se de tudo aquilo que é supérfluo, desnecessário,
fazendo-o permanecer somente no solo das necessidades elementares, isto é,
das necessidades mais básicas. É uma prática que busca afastar o indivíduo de
tudo aquilo que é desnecessário e fútil, de modo que possa formar uma sobera-
nia e uma independência sobre si mesmo, sobre as coisas e sobre o mundo.
No Demônio de Sócrates, Plutarco relata um exemplo de provação deste
tipo. Começava-se a abrir o apetite por meio da prática de um determinado
esporte para, em seguida, colocar-se diante de uma mesa repleta de pratos su-
culentos e, após tê-los contemplado, deixá-los aos serviçais e contentar-se com
a comida que seria servida aos escravos (Cf. FOUCAULT, 1985, p. 64). Os
exercícios de abstinência eram também muito comuns para os epicuristas. Tra-
tava-se de mostrar de que forma pela satisfação das necessidades elementares
se podia encontrar um prazer mais pleno, mais puro, mais estável em relação a
tudo aquilo que é considerado supérfluo (Cf: FOUCAULT, 1985, p. 64). Entre
os estóicos, tratava-se de se preparar para as eventuais privações, descobrindo
o quanto era fácil abster-se de tudo o que o hábito, a opinião, a educação, o
cuidado com a reputação, o gosto pela ostentação lhes tinha apegado, mostran-
do que podemos ter sempre à nossa disposição o indispensável, o supérfluo e
que era preciso preservar-se de toda apreensão quando se pensa nas possíveis
privações (Cf. FOUCAULT, 1985, p. 64). Sêneca, por sua vez, evoca peque-
nos estágios de pobreza fictícia a serem realizados mensalmente e no curso dos
quais, situando-se voluntariamente durante três ou quatro dias na miséria, faz-
se a experiência de pobreza, usando roupa ordinária, comendo pão de má qua-
lidade. Para Sêneca, esses estados de privação serviam para convencer-se de
que mesmo o pior dos males não privará do indispensável, e que sempre se pode
suportar aquilo que se foi capaz de agüentar algumas vezes. Com efeito, estes
estados de pobreza fictícia visam fazer com que o indivíduo se acostume com o
mínimo e que é possível viver com o mínimo. Familiarizar-se com o mínimo, é
Referências bibliográficas