*Os pais são os primeiros e maiores promotores de saúde mental da criança.*
Começamos por situar a psicologia pediátrica como psicologia da saúde e, se compararmos com o que se passa entre a medicina e a pediatria (Teixeira Santos et al., 1987), poderemos dizer que a psicologia pediátrica é uma psicologia geral da saúde de um grupo etário. São apresentados os domínios que mais atenção têm obtido dos psicólogos que intervêm na saúde da criança, relativos à prevenção primária, abordagem da criança doente e investigação. (...) alguns fatores que nos parecem determinantes para a caracterização do psicólogo pediátrico: o contexto e objetivos. O contexto de intervenção é o dos serviços médicos de saúde infantil, a atenção recai naturalmente na criança e no ambiente socioafetivo envolvente. Quanto aos objetivos, nem sempre consistem em intervir na criança doente e família, pois um domínio ainda pouco explorado, mas, quanto aos profissionais, fundamental e prometedor é o da criança saudável em risco, ou seja, o objetivo situa-se no domínio da prevenção, e especialmente nos níveis primário e secundário. O modelo de intervenção e perspectivas teóricas são da teoria do comportamento (Tuma, 1982), psicologia do desenvolvimento (Maddux, Roberts, Sledden, & Wright, 1986) e psicologia social (Contrada, Baum, Glass, & Friend, 1991). (...) As respostas implicariam diagnosticar os fatores psicossociais associados à ocorrência de algumas doenças (etiologia), assim como a interação dos mecanismos fisiológicos e psicológicos (influência recíproca dos processos somáticos e psicológicos), identificação dos fatores que contribuem para que o doente lide eficazmente com a doença, de modo a ser facilitada a sua adaptação e reabilitação (reações à doença). Nesse caso poderão ser desenvolvidos e implementados métodos e procedimentos que possam contribuir para prevenir a doença, prevenir e atenuar as consequências das disfunções crônicas e morte prematura. Para Tuma (1982), este objetivo poderá ser atingido modificando comportamentos específicos, atitudes e respostas emocionais e melhorando o suporte social (e. g. através da intervenção comportamental). Por prevenção primária entende-se a exclusão ou modificação das causas de uma ou várias doenças de modo a impedir a sua ocorrência (Engstrom, 1984). Algumas áreas parecem prioritárias no que concerne à prevenção primária. A implementação de hábitos alimentares adequados e prevenção da obesidade (Dietz, 1994; Johnson & Birch, 1994; Brwnell, 1982) de cuidados básicos de higiene, de prática de exercício físico (McAuley, 1994; Taylor & Calfas, 1994), medidas de segurança nos transportes e face ao risco de acidentes na estrada, na rua, em casa, edifícios públicos etc. O objetivo das ações de educação para a saúde é implementar e desenvolver atitudes que suportem ao longo do ciclo de vida comportamentos saudáveis, ou seja, estimular que desde muito cedo se estabeleça uma predisposição para que seja adaptado um estilo de vida saudável. Mesibov e Johnson (1982) estabeleceram três alvos principais a ser atingidos pelo esforço de prevenção do psicólogo pediátrico. Educação dos pais – este alvo seria alcançado principalmente através de duas estratégias. Sugerem a criação de grupos de pais, que receberiam informação, treino e apoio em áreas em que fossem considerados carentes. Propõem a contribuição dos psicólogos na edição de manuais e guias de apoio aos pais em área como princípios comportamentais e sua aplicação a problemas do quotidiano, desenvolvimento infantil normal e estratégias para lidar com problemas de desenvolvimento, e manuais sobre a comunicação e relações entre pais e filhos. Avaliação e intervenção precoce em populações de alto-risco, incluindo famílias socioeconomicamente desfavorecidas e crianças com problemas de desenvolvimento, crianças maltratadas, etc.. Por fim o desenvolvimento de competências sociais em crianças. O treino de competências visaria implementar estratégias de resolução de problemas, compreensão das perspectivas dos outros, e aptidões sociais. O tipo de intervenção realizada no internamento de crianças depende das características da criança como a personalidade, o meio social envolvente, características familiares, idade, sexo, tipo de patologia e modo como a criança reage à doença. A idade e personalidade da criança, as características da família, são determinantes no modo como a criança entende e maneja a doença, e se adapta à situação, de maneira a concretizar um estilo de vida adequado e realista que facilite a sua reintegração em casa, na escola, no grupo de amigos etc. No que diz respeito à doença é necessário ter em consideração se é uma situação aguda, crónica, se é incapacitante; que tipos de tratamentos são necessários, tratamentos agressivos, dolorosos, que implicam idas frequentes ao hospital e por isso interrupções das aulas, etc.; qual a qualidade de vida possível para a criança, e qual o prognóstico (Almeida & Viana, 1990). (...) A avaliação no contexto pediátrico deve ser entendida como um processo e nunca como uma meta nem diagnóstico psicológico. La Greca e Lemanek (1996) consideram que, ao longo do processo de avaliação, é fundamental responder, em diferentes momentos, às questões sobre quem vai ser avaliado, ou seja, quais as características da amostra ou indivíduo (e.g., que idades e que problemas são apresentados), quais os momentos adequados e quais os instrumentos que devem ser utilizados, tendo em conta as suas características psicométricas, e se são mais adequados instrumentos genéricos ou específicos. Spieth e Harris (1996) consideram fundamental a utilização de instrumentos específicos na avaliação de fatores como a qualidade de vida e estado de saúde de crianças com doença crónica, uma vez que a comparação destas com crianças saudáveis não adequada. As áreas de pesquisa consideradas mais importantes, por psicólogos da saúde infantil, foram a doença crônica, adesão e colaboração com o tratamento, prevenção primária, crianças em risco, os papéis relacionados com a doença na criança, eficácia do tratamento, neuropsicologia, e estudos de custo- benefício (Walker, 1988). Para Routh (1982) os aspectos a investigar, característicos do contexto médico, são os relacionados com o desenvolvimento e comportamento, prevenção primária e intervenção precoce, técnicas comportamentais de tratamento, acompanhamento dos pais e família, aspectos psicológicos da saúde e doença infantil, maus-tratos, acidentes, implicações psicológicas dos tratamentos médicos e internação, doenças crônicas e que ameaçam a sobrevivência.
2.1 O que é a Psicoterapia Infantil?
A psicoterapia infantil é o cuidado e a atenção com a saúde mental da criança. É um espaço potencial para acolhimento das angústias, medos, inseguranças e um momento de intervenções com os pais. Com o intuito de promover uma infância saudável a psicoterapia infantil utiliza a Ludoterapia para caminhar rumo ao bem-estar familiar, a prevenção e solução de conflitos. 2.2 Qual o objetivo da Psicoterapia Infantil? O objetivo é auxiliar na expressão das emoções de cada criança, pois através da brincadeira ela pode expandir seus sentimentos acumulados de tensão, frustração, insegurança, agressividade, medo, espanto, confusão e ressignificar os eventos traumatizantes. Desta forma, o terapeuta exerce a função de facilitador, sendo capaz de identificar os conflitos e auxiliar na busca de melhores alternativas para lidar com eles, ao mesmo tempo em que, orienta os pais a como intervir diante dessas vivências. 2.3 Como funciona a Psicoterapia Infantil? As primeiras sessões são realizadas com os pais, ou quem exerce essa função. O psicólogo realiza entrevistas iniciais para reunir informações sobre a história da criança e para conhecer a dinâmica da família em que a criança está inserida. Depois, o psicólogo tem maiores condições de entender a queixa e avaliar os objetivos do trabalho. As sessões seguintes são realizadas apenas com a criança. Sabemos que as crianças não expressam seus sentimentos e emoções como fazem os adultos, verbalizam menos e tem outras formas de comunicações, por isso, o atendimento a ela é feito de forma lúdica, ou seja, “brincando” (desenhos, jogos, massinhas, etc.). É através do brincar que a criança expressará seu mundo simbólico, e com o auxílio do terapeuta encontrará recursos de enfrentamento para se posicionar diante do mundo, mas desta vez, de forma saudável e sem prejuízos no seu dia a dia. Encontros periódicos com os pais serão importantes ao longo da psicoterapia. A participação dos pais neste processo é imprescindível para sua evolução, muitas vezes, se faz necessário solicitar aos pais informações, como também, oferecer-lhes auxílio para o desenvolvimento satisfatório do processo psicoterapêutico. A parceria com a escola também é importante, já que, é no ambiente escolar que a criança passa boa parte do tempo. 2.5 Benefícios da Psicoterapia Infantil Através do brincar a criança encontrará com o auxílio do terapeuta recursos de enfrentamento e expressão dos sentimentos, permitindo a resolução de conflitos internos e aliviando os sintomas. O acompanhamento psicológico na infância promove uma vida emocional equilibrada, já que é ensinada de forma lúdica a importância de compreender as emoções para enfrentar os conflitos de forma saudável. Os benefícios também são voltados aos pais, já que, também é trabalhado as necessidades de se afastarem da ideia de terem que ser perfeitos em suas funções. É importante lembrar que, a busca de Psicoterapia Infantil não significa que os pais não estão sendo bons suficientes, mas é preciso ressaltar que filhos não vem com manual de instrução, e que as falhas vão existir, mesmo quando os pais estão fazendo de tudo para não falhar. Os pais não podem ter medo de pedir ajuda, pois em nenhum momento serão julgados, o psicoterapeuta os receberá com o mesmo acolhimento dado a criança. Quanto mais os pais compreenderem o que é a psicologia, e o quanto ela está disponível para o bem-estar da dinâmica familiar, maior é a participação dos integrantes e mais conquistas o paciente apresentará. Atualmente, a infância é caracterizada como um estágio específico do desenvolvimento humano, o qual busca compreender as fases em que a criança se desenvolve a partir de três grandes domínios que constituem o processo unificado do desenvolvimento e que estão interligados entre si, sendo eles: físico, cognitivo e psicossocial (Papalia, Olds & Feldman, 2006). As autoras definem os três grandes domínios como: • Desenvolvimento físico: o crescimento do corpo e do cérebro, das capacidades sensórias, das habilidades motoras e da saúde. • Desenvolvimento cognitivo: a mudança e a estabilidade nas capacidades mentais, como aprendizagem, memória, linguagem, pensamento, julgamento moral e criatividade. • Desenvolvimento psicossocial: a mudança e a estabilidade na personalidade e nos relacionamentos sociais. Segundo Papalia et al. (2006), para compreender as diferenças entre as crianças, consideram-se as seguintes influências em seu desenvolvimento: hereditariedade (características inatas herdadas pelos pais biológicos); ambiente (família nuclear e família extensa, condições socioeconômicas, etnicidade e cultura); maturação do corpo e do cérebro (o que vai influenciar para o comportamento precoce ou não: na hereditariedade, as síndromes genéticas, e, no meio ambiente, os estímulos recebidos). Porém, é preciso considerar se as influências são ou não são normativas e se o evento é positivo ou negativo. Entende-se que normativo é a “característica de um evento que ocorre de modo semelhante para a maioria das pessoas de um grupo”, enquanto que influências não normativas “são eventos incomuns que têm grande impacto sobre vidas individuais” (Papalia et al., 2006). A doença faz surgir na vida da criança um novo contexto, que exige a mobilização de recursos internos para a adaptação necessária à situação imposta pela condição do adoecimento. Novas relações se estabelecem, e o médico e o hospital passam a fazer parte desse novo contexto (Lima, 2004). A doença e a hospitalização do sujeito criança repercutem na posição subjetiva de cada membro da rede familiar, a qual está envolta no desejo parental instável (Britto, 2010). Nas crianças, em se tratando de hospitalização, existem inúmeras consequências nocivas, sendo elas: privação materna (sensação de abandono com possíveis consequências emocionais, físicas, sociais e intelectuais), medo do desconhecido, medo da morte, estresse, ansiedade, sensação de punição/culpa, limitação de atividades e estimulação, aparecimento ou intensificação do sofrimento físico, despersonalização (Britto, 2010; Chiattone, 2003; Lewis & Kellet, citado por Castro, 2007; Nigro, 2004). Uma medida preventiva recorrente é a preparação da criança para a hospitalização, a qual deve ser realizada pelos pais, os quais serão instruídos para o bom desempenho dessa função. O objetivo é ambientar a criança quanto à estrutura e rotina da enfermaria, bem como as pessoas que a frequentam, além do caráter temporário ou não da internação (Chiattone, 2003). A equipe precisa compreender a necessidade do “suporte adequado à díade criança-família” (Lima, 2004). É preciso ressaltar que a hospitalização pode gerar sequelas graves e ser um evento traumático, quando agravado por medidas terapêuticas agressivas, pelo ambiente ameaçador, por uma equipe de saúde rígida, por sofrimento, dor e pela imposição da separação da mãe (Chiattone, 2003). O recurso interpessoal mais importante que as crianças podem ter frente às situações de doença, dor e hospitalização é o apego seguro aos seus cuidadores (Trianes, 2002). São eles que vão ajudá-la a enfrentar as dificuldades e a modificar seu estilo de vida, especialmente quando a criança é pequena. Com o passar do tempo, as crianças assumem, pouco a pouco, sua própria capacidade de lidar com a situação (Castro, 2007, p. 402). Por isso, além de ambientar a criança, é necessário estabelecer um diálogo recorrente quanto sua condição de saúde, uma vez que ela é capaz de captar fragmentos nos olhares, gestos e falas codificadas, os quais ela utiliza para conseguir entender o que lhe acontece. A ausência de preparação, informação e explicação para os procedimentos médicos que precisa passar são elementos que contribuem para a criança fantasiar ainda mais sobre sua condição e sobre os medos do que lhe possa acontecer (Britto, 2010). A criança como um sujeito de direito deve saber sobre sua condição de saúde e sobre sua doença, o que contribui para que ele consiga organizar seus sentimentos e emoções, a partir recursos internos para sua adaptação ou não à situação (Lima, 2004; Trianes, 2002, citado por Castro, 2007). É inquestionável que o diálogo com a criança deva ser franco e sincero, sem ludibriar com mentiras. Quando a criança percebe que foi enganada, perde a confiança naquele de quem recebe os cuidados o que pode torná-la resistente aos atos médicos posteriores (Britto, 2010; Chiattone, 2003). O que se espera, portanto, é a honestidade dos pais, que devem conversar com ela sobre o que sabem, explicando-lhe o que vai ser feito, para que vai ser feito, de forma clara e em uma linguagem compreensível, ainda que a internação seja de emergência (Britto, 2010, p. 35). (...) Faz-se necessário salientar que o direito da criança em receber visitas é diferente do direto da criança à acompanhante. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a criança tenha o direito de ser acompanhada em tempo integral durante a internação. É evidente a redução dos efeitos traumáticos causados pelo distanciamento da criança do que lhe é conhecido e do impacto emocional da hospitalização quando na presença de seus pais (Britto, 2010; Crepaldi & Hackbarth, 2002, citado por Broering & Crepaldi, 2008). O objetivo da Psicologia nesse contexto é “a diminuição do sofrimento inerente ao processo de hospitalização e doença” (Chiattone, 2003, p.55). Entende-se que trabalhar na pediatria é “objetivar a que a criança e a família sejam elementos ativos no processo de hospitalização e doença, recebendo, é claro, um suporte verdadeiro por parte da equipe de saúde” (Chiattone, 2003, p.55). Para a criança, informar sobre questões médicas possibilita que ela adquira e amplie seu repertório de comportamentos mais ativo em relação ao ambiente hospitalar (Costa, Coutinho & Ferreira, 2006, citado por Broering & Crepaldi, 2008). Chiattone (2003) afirma que “a atuação junto aos pacientes é operacionalizada através de estimulação, terapia através do brinquedo e terapia de apoio (individual ou em grupo)”. O fato é que, “no hospital, faz-se necessário instituir um espaço para o brincar” (Britto, 2010, p. 47). E é nesse brincar que “muitas vezes, a criança nos surpreende com a sua capacidade para enfrentar as adversidades, o inusitado, a doença e a dor” (Britto, 2010, p. 48). O planejamento da intervenção requer a consideração de fatores importantes para serem levantados com a família, os quais embasarão a “análise acurada da criança e de suas condições psicossociais” (Le Roy & cols, 2003, citado por Broering & Crepaldi, 2008, p. 64). São eles: (...) o nível de desenvolvimento da criança e seu estilo de enfrentamento; a compreensão da criança e da família sobre sua condição médica e sobre o procedimento médico a ser realizado; experiência prévia de hospitalização e particularmente de situações adversas; sintomas emocionais, cognitivos e físicos; medos em geral e de procedimentos específicos; composição familiar, incluindo fatores linguísticos, culturais e religiosos; o método mais apropriado para lhes transmitir as informações (verbal, visual, escrita e sensorial); outros estressores familiares como os financeiros, sociais, outros eventuais problemas de saúde; além do modo segundo o qual os familiares tomam decisões (Le Roy & cols, 2003, citado por Broering & Crepaldi, 2008). As intervenções são diversas, mas percebe-se que recorrentemente tem-se a descrição daquelas utilizadas pela teoria cognitivo comportamental, como “exercícios de respiração, de imaginação, modelação, reforçamento e ensaio comportamental” (Broering & Crepaldi, 2008, p. 64). Porém, existem outras possibilidades como a representação do próprio corpo pela arte ou pelo desenho infantil, “pois transmite de forma simbólica essa relação do sujeito com os outros e com seu mundo interno” (Nigro, 2004, p. 66). Independente da intervenção utilizada, a Psicologia clínica hospitalar possibilita o lugar do sujeito por trás da doença ao funcionar como interlocutora dele a partir da rede de comunicação estabelecida por uma escuta significativa. Esse lugar permite ao sujeito que adoece ou ao seu familiar diminuir o sentimento de despersonalização (Nigro, 2004). Tanto a criança quanto seus pais devem ser encorajados a expressar suas emoções durante o período de internação. A adaptação pretendida não é a obtenção da conformidade e da passividade extremas, mas sim a de ter reações normais de alegria, de medo, com riso, choro, nos diferentes momentos da hospitalização (Lima, 2004, p. 82). O trabalho da Psicologia no hospital tem como foco o paciente e objetiva “minimizar seu sofrimento” frente o adoecimento e internação. O psicólogo pode, ainda, realizar uma análise da dinâmica multiprofissional, proporcionando, através dela, reflexões entre os membros, sobre os papeis de cada um frente ao paciente, à família do paciente e aos demais colegas do grupo, e, também, sobre o seu próprio papel como parte integrante da equipe, sempre no sentido de um favorecimento da saúde de todos os envolvidos (Bruscato et al., 2004, p. 39). (...) os profissionais de Psicologia respondem administrativamente pelo seu trabalho a um setor de saúde mental, e não diretamente ao chefe de cada enfermaria. Esse fato, apesar de fortalecer o trabalho da saúde mental a partir de planejamento, promoção e execução de intervenções, contribui para a perda significativa do espaço da Psicologia na equipe multiprofissional e de sua participação nas decisões tomadas quanto aos tratamentos oferecidos aos pacientes e seus acompanhantes, ou seja, deixa de ser um trabalho interdisciplinar. Apesar disso, alguns profissionais de saúde reconhecem a necessidade da atuação da Psicologia e de sua participação nas discussões dos casos. Todavia, ainda permanece, em seus discursos, a incompreensão quanto às diferenças existentes entre os protocolos da Psicologia e os existentes nas demais categorias de profissionais de saúde. Outra observação da prática hospitalar é a demanda elevada de pareceres psicológicos e psiquiátricos. Porém, sabe-se que as respostas aos pareceres, que são colocadas no sistema unificado de informações de saúde do hospital, nem sempre são utilizados pelos demais membros da equipe, por mais que seja um sistema de livre acesso também a esses profissionais. Pergunta-se: para que servem as evoluções dos atendimentos? Thainá H Moreira afirma aqui, em seu estudo, que o início do reconhecimento das questões psíquicas no tratamento do corpo físico seja a solicitação de parecer para a Psicologia. Contudo, o que a prática evidencia é que as evoluções dos atendimentos da Psicologia são utilizadas apenas pelos profissionais dessa área. Em se tratando de um atendimento que acontece em rede, como é o SUS, considero indiscutível a relevância das evoluções desses atendimentos. Porém, como o trabalho do psicólogo acontece em uma equipe que é multidisciplinar e que visa o atendimento interdisciplinar, não faz sentido os demais profissionais apenas solicitarem parecer, e não considerarem a resposta ao parecer para as tomadas de decisões dos casos atendidos. O número elevado de parecer, no meu entendimento, deflagra a má gestão da atenção básica de saúde, que sobrecarrega a atenção hospitalar e ambulatorial. Para o psicólogo, especificamente, o desafio torna-se a “articulação entre o atendimento às demandas da equipe e a preservação da atenção às necessidades do paciente” (Bruscato et al., 2004, p. 39). O psicólogo, ao integrar a equipe de saúde, deve favorecer o funcionamento grupal, facilitando, quando necessário, a comunicação interna. Com isso, estará criando possibilidades de vínculos na interação entre os membros do grupo e na relação do paciente e familiares com a equipe, como um todo (Bruscato et al., 2004). Além disso, apesar de considerar de suma importância dar voz aos próprios pacientes (crianças e adolescentes) internados, percebo que eles se mobilizam muito quando seus entes queridos estão sofrendo. Por isso, faz sentido intervir também com seus acompanhantes para fortalecê-los nos cuidados durante a internação e após alta médica. Além de prestar continência emocional e orientação familiar diariamente nas enfermarias pediátricas do hospital, o psicólogo pode trabalhar com Grupos de Convivência (Grupos de Pais e Oficinas de Artesanato, por exemplo) com o objetivo de reduzir os sofrimentos psíquicos oriundos do adoecimento e hospitalização. Essa estratégia é extremamente útil e necessária, uma vez que, além de minimizar em parte a elevada demanda por atendimento,trabalhar com grupo tem grandes vantagens terapêuticas, pois a continência emocional e orientação familiar servirão de alguma forma para todos os membros que compõem o grupo. (...) Sabe-se que para promover o desenvolvimento infantil é preciso considerar a brincadeira como um instrumento valioso, pois ela contribui para o desenvolvimentocognitivo (memória, atenção e percepção, por exemplo), sensorial (audição, paladar, olfato, tato e visão) e socioafetivo. Na promoção de saúde na infância, considera-se a hipótese de que as práticas de brincar, imaginar e contar são necessárias (Ministério da Saúde, 2012a). No contexto hospitalar, a importância da brincadeira como estratégia de intervenção do psicólogo é indiscutível. (...) o brincar no hospital surge como um poderoso recurso que possibilita à criança o resgate da sua vida antes do processo de hospitalização e, segundo Silva (2006), favorece a sociabilidade, interação e dinamismo mesmo com a restrição do espaço físico e das limitações provenientes do adoecimento. Guerrelhas, Buenos e Silvares (2000, citado por Reis, 2008) apontam a brincadeira como uma possibilidade que a criança encontra de aprender maneiras de se comportar diante de novos estímulos presentes no ambiente, tomando consciência de si e do local em que se encontra. A brincadeira no contexto hospitalar é então um instrumento de intervenção utilizado como forma da criança construir estratégias de enfrentamento em relação à doença, hospitalização, comunicação e resolução de conflitos. Através do brincar, a criança pode se expressar melhor, assim como demonstrar os seus sentimentos e resgatar a si mesma (Fortuna, 2007). **Compreendendo a importância da brincadeira, a Lei nº 11.104 de 21 de março de 2005 foi aprovada pelo Congresso Nacional. Essa lei torna obrigatória a instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que ofereçam atendimento pediátrico em regime de internação. O Art. 2° dessa lei entende que brinquedoteca é “o espaço provido de brinquedos e jogos educativos, destinado a estimular as crianças e seus acompanhantes a brincar”. A Criança com Câncer Aspectos Emocionais: Ao abordar a infância, é indispensável que haja uma delimitação deste período a fim de que se possa melhor compreender e relativizar as informações oferecidas. A reação da criança em relação ao diagnóstico dependerá da reação de seus pais. A respeito disso, Dávila (2006) afirma que quando uma criança é diagnosticada com câncer, são os pais os primeiros a necessitarem de ajuda, pois visto que a criança desconhece a doença, são eles quem vão transmitir ao filho todos os sentimentos provocados pela descoberta do diagnóstico, e quando a família está bem orientada, os efeitos da doença são menos prejudiciais, pois os pais saberão manejar a situação da melhor maneira possível para que ela não seja tão sofrida para a criança. Para o autor, a criança somente se depara realmente com a doença, no momento em que ela começa a sofrer os efeitos do tratamento, pois ela passa a ter sua vida limitada, não podendo realizar as atividades que costumava anteriormente. Ainda que a criança não tenha sido informada do diagnóstico ela também reagirá, não ao diagnóstico, mas a uma situação, um clima que se instalará no ambiente familiar, já que os pais sabem da existência da doença e seu comportamento falará de alguma forma que algo está errado. Romano (1999, p.32) diz que “(...) a ignorância sobre a verdadeira condição é que alimenta a fantasia dos doentes, mobilizando sentimentos irracionais, e até desproporcionais de medo. O conhecer os dissipa (se não, atenua), reforçando sentimentos de cooperação, confiança e esperança”. Sendo assim, não revelar o que está acontecendo à criança, não impede que esta sofra e pode até ser pior, pois ao saber que algo não vai bem e ao mesmo tempo não saber o que se passa, faz com que a criança imagine e fantasie inúmeras situações, que podem até mesmo ser piores que a situação real. Segundo Silva, Teles e Valle (2005), estudos voltados à compreensão das experiências das crianças diante do câncer, revelaram que em diferentes contextos e momentos do tratamento, as temáticas abordadas pelas crianças diziam sempre respeito aos mesmos assuntos. São eles: a identidade (o mundo, o próprio corpo); a doença e o tratamento (o diagnóstico, a história do tratamento, os procedimentos, as consequências, a equipe), a vida (o mundo, relações, histórias e situações vividas e/ou imaginadas, a família, a escola) e a morte (expectativa diante de perdas). São temas que permeiam todo o período do desenvolvimento infantil e que com a presença da doença tornam-se mais vivos, mais presentes e por isso exigem uma maior elaboração. A presença da mãe ou de um familiar acompanhando a criança durante a hospitalização é uma questão importante e causadora de inúmeras divergências e resistências entre os profissionais de saúde, pois muitos ainda têm uma visão muito bioligicista da doença e não consideram o impacto emocional que a doença e a internação produzem, o que faz com que também desconsiderem a importância da presença de um familiar durante a hospitalização da criança. Chiattone (op.cit) cita a privação materna como a pior experiência que a criança pode passar durante uma internação hospitalar, principalmente quando não recebe o cuidado e o carinho adequados dos membros da equipe a fim de minimizar a ausência da figura materna. A autora destaca que todas as experiências serão influenciadas pela idade da criança, a situação psicoafetiva dela no momento da internação, seu relacionamento prévio com a mãe, sua personalidade, sua capacidade de adaptação a situações difíceis, às atitudes da equipe hospitalar, às experiências vividas durante a hospitalização, à duração da mesma, o tipo de internação e a natureza da doença. ***Segundo Murray (citado por Cavicchioli, 2005, p.22), a atenção aos filhos saudáveis é extremamente negligenciada e estes apresentam sentimentos como “depressão, raiva, ansiedade, ciúmes, culpa e isolamento social”. Para Pedrosa e Valle (citados por Cavicchioli, 2005) os irmãos saudáveis, por perceberem que o irmão tem ganhos secundários com a doença, passam a manifestar queixas psicossomáticas na tentativa de chamar a atenção da família.A instabilidade emocional provocada pelo câncer infantil nos irmãos saudáveis, além de afetar seu comportamento dentro do contexto familiar, também repercute no ambiente escolar, provocando uma diminuição do rendimento devido à falta de atenção, indisciplina, agressividade, e em outros casos, introspecção (Cavicchioli, 2005). Para Simonetti (2004, p.20), “o psicólogo pode fazer muito pouco em relação à doença em si, este é o trabalho do médico, mas pode fazer muito no âmbito da relação do paciente com seu sintoma: esse sim é um trabalho do psicólogo”. O trabalho do psicólogo com o paciente tem como objetivo principal, através das palavras e das mais diversas formas de comunicação (olhares, gestos, entre outros), fazer com que o paciente expresse suas emoções, fale de seus medos e angústias, coloque-se como sujeito ativo e participante do seu processo de adoecimento e com isso possa simbolizar e elaborar da melhor forma possível a experiência do adoecer. Para a realização dos atendimentos, o psicólogo respeitará a rotina do serviço bem como as condições físicas do paciente. Sendo assim, nem sempre atendimentos previamente programados poderão ser realizados, devendo ser remanejados, seja porque o paciente precisou fazer um exame de última hora ou porque está sob efeito de alguma medicação. Isto demonstra a necessidade da flexibilidade e da criatividade do psicólogo hospitalar. Não são todos os pacientes de um hospital que necessitam de atendimento psicológico. Muitas pessoas, apesar dos aspectos negativos que o ambiente e a situação hospitalar proporcionam, possuem uma estrutura egoica forte o suficiente que permite que elas atravessem esta experiência sem repercussões emocionais negativas. Outras com ego mais fragilizado e que não desenvolveram uma maturidade emocional razoável, necessitam de suporte e é papel do psicólogo estar atento para esta necessidade que nem sempre é percebida pelo próprio paciente. Família e equipe também estão aptas para perceber a demanda e devem ser sensibilizados para esta atitude, colaborando para o trabalho da psicologia e consequentemente estimulando o trabalho interdisciplinar. ***O apoio psicológico à equipe pode ser feito tanto através de conversas informais durante a rotina de trabalho, através da realização de grupos ou atuando em situações específicas, nas quais o psicólogo é solicitado ou perceba a necessidade e pertinência de uma intervenção. Além das condutas terapêuticas realizadas no cotidiano hospitalar com a tríade paciente-família-equipe, é dever do psicólogo hospitalar investir nas áreas de ensino e pesquisa, formando e especializando novos profissionais para trabalhar na área e participando de estudos que proporcionem novas informações e conhecimentos sobre o tema e que divulguem a importância da especialidade na área da saúde. A Psico-oncologia: Segundo Holland e Almanza-Muñoz (2007), a Psico- oncologia tem como foco de cuidado o paciente oncológico e tem como objetivo principal proporcionar uma maior qualidade de vida ao paciente com câncer através de uma abordagem psicossocial, a incorporação do conceito de cuidados paliativos e a valorização do aspecto religioso. Para os autores, o trabalho da Psico-oncologia tornou-se possível devido a uma maior possibilidade e abertura dos pacientes com câncer e seus familiares de falar sobre a doença e o prognóstico, já que antigamente muitos médicos tinham o costume de esconder ou atrasar a revelação do diagnóstico, o que impedia qualquer tipo de trabalho que envolvesse as questões emocionais relativas à doença. Segundo Gimenez, Carvalho – Magui e Carvalho (In Angerami- Camon, 2006), a Psico-oncologia no Brasil surgiu a partir da mudança de visão dos profissionais de saúde e da opinião pública em geral, a respeito da doença e seu aspecto psicossocial. Neste mesmo contexto, o reconhecimento dos fatores psicológicos como contribuintes para o desenvolvimento do câncer e a necessidade de uma intervenção psicossocial nesta área, fez com que diversos profissionais, inspirados em serviços de Psico-oncologia existentes em outros países, percebessem a necessidade de investimento neste Campo. Alguns temas básicos na vida do ser humano e que ganham significado durante a infância, tornam-se mais presentes durante a vivência de um câncer para a criança. Vida, morte, doença, identidade, autoimagem, corpo, são alguns destes temas e a maneira como eles serão tratados definirá a importância e o significado que cada um deles terá no futuro da criança. É papel do psicólogo auxiliar a criança a fim de que o sofrimento proporcionado pelo câncer não influencie de forma negativa nas significações atribuídas pela criança a estes temas. Inicialmente, um dos meios de minimizar e organizar a confusão de sentimentos que acomete os pais com o recebimento do diagnóstico do filho é desmistificar o caráter mortal do câncer. Mostrar aos pais que cada caso é único e o câncer não afeta a todos da mesma maneira. Também é de grande utilidade esclarecer dúvidas ou pontos obscuros quando necessário e de preferência juntamente com o médico (a fim de estreitar a relação paciente-médico e não desempenhar um papel que não é do psicólogo, quando os esclarecimentos de informações médicas se tornam uma rotina).