Você está na página 1de 10

MANUAL PRÁTICO

Terapia Cognitivo-
Comportamental
AVALIAÇÃO DO
ADOLESCENTE NA TCC
Introdução
A TCC com crianças e adolescentes usa procedimentos específicos, baseados no de-
sempenho cognitivo, emocional e comportamental desses pacientes, bem como
intervenções cognitivas para produzir mudanças no pensamento, sentimento e
comportamento. Várias estratégias e técnicas da TCC com crianças e adolescentes
compartilham o objetivo comum de promover na criança e no adolescente o de-
senvolvimento de uma visão de mundo caracterizada por uma atitude construtiva
e positiva de si, dos outros e do mundo. Por meio do fornecimento de experiências
cuidadosamente planejadas, a TCC ajuda esses pacientes e a família a construírem
uma perspectiva adaptativa de resolução e ou enfrentamento de problemas.

A TCC com crianças e adolescentes continua experimentando expansão e refina-


mento. Desde a publicação da segunda edição dos estudos sobre o trabalho com
crianças e adolescentes, uma série de volumes editados, meta-análises, manuais de
tratamento e estudos de pesquisa foram publicados informando os leitores sobre
os ganhos potencialmente benéficos associados à TCC na infância e adolescência.

Diferenciações na avaliação de crianças e adolescentes


Existem diferenças que devem ser consideradas na condução da avaliação de crian-
ças e adolescentes em comparação com adultos. O tratamento deve ser imple-
mentado de maneira apropriada ao desenvolvimento para que seja eficaz. Fatores
que são particularmente relevantes para como alguém conduz a TCC com jovens
incluem: 1) Reconhecimento das diferenças e em como os pacientes adolescentes
chegam ao tratamento, 2) Uso de métodos avaliativos e interventivos apropriados
para a idade, 3) Sensibilidade ao desenvolvimento cognitivo e afetivo do paciente,

2
4) Consciência do contexto familiar e social no qual o adolescente está inserido e,
finalmente, 5) Clareza sobre o papel do terapeuta e as expectativas para a terapia.

Crianças e adolescentes normalmente não ligam ou se encaminham para os serviços


de um profissional de saúde mental. Frequentemente, outras pessoas além da crian-
ça ou adolescente, como pais ou professores, são os iniciadores dos serviços psicoló-
gicos. A fonte de referência tem implicações clínicas importantes, pois buscar ajuda
para si mesmo é muito diferente de ser encaminhado para serviços por outra pessoa.
Crianças e adolescentes não são conhecidos por sua ansiedade ou até mesmo por sua
vontade de sentar e conversar sobre problemas com um adulto. Muito pelo contrário,
crianças e adolescentes tendem a ser impulsivos, limitados em sua autorreflexão e
não reveladores em conversas com adultos. É imprescindível que se busque a criação
de um ambiente afetivo agradável para que as crianças e adolescentes, por conta pró-
pria, possam aproveitar a experiência e queiram se tratar.

Uma questão central a respeito do processamento cognitivo é a diferenciação en-


tre deficiência cognitiva e distorção cognitiva no processamento. As deficiências
de processamento referem-se à ausência de pensamento (falta de processamento
cuidadoso de informações em que seria benéfico) e a distorção refere-se ao pensa-
mento disfuncional. Adolescentes com problemas de internalização tendem a ter
um processamento mais mal adaptativo e distorcido, no qual aqueles com proble-
mas de externalização apresentam deficiências de processamento. Ao fazer essa
distinção, o psicólogo pode trabalhar tanto para direcionar a natureza específica
da disfunção quanto para identificar a distorção.

Também é importante reconhecer o papel dos conceitos cognitivos, como expec-


tativas, atribuições, autoafirmações, crenças e esquemas no desenvolvimento de
padrões emocionais e comportamentais. Programas eficazes para crianças e ado-
lescentes planejam e capitalizam intencionalmente na criação de experiências
comportamentais com intenso envolvimento emocional positivo, enquanto pres-
tam atenção às atividades cognitivas antecipatórias e posteriores dos participantes.

O terapeuta orienta as atribuições dos adolescentes sobre o comportamento e


emoções anteriores e suas expectativas para o comportamento e emoções futuras.

3
Isso permite que o adolescente adquira uma estrutura cognitiva para eventos
futuros.

A consciência do nível de desenvolvimento psicossocial do paciente é importan-


te. Os problemas enfrentados pelos adolescentes são diferentes daqueles enfren-
tados pelas crianças. Para os adolescentes, as questões escolares tornam-se mais
importantes e estressantes e o namoro e as relações interpessoais ganham im-
portância acrescida. Esses temas devem ser vinculados ao tratamento para aten-
der à necessidade crescente do adolescente de autonomia em relação aos pais.
Diferentes questões surgem durante a terapia com adolescentes do que com crian-
ças e os programas de tratamento devem ser planejados de acordo.

Avaliação psicológica
A avaliação tem o objetivo principal de coletar e comparar dados sobre o contexto
do adolescente. Assim, através da anamnese, é possível obter uma melhor compre-
ensão de uma pessoa e seu comportamento e identificar sintomas, sinais, caracte-
rísticas atuais vinculadas a sua história de vida e contexto familiar e social.

A avaliação psicológica com adolescentes segue as mesmas etapas da avaliação


psicológica com adultos, mas a diferença é significativa no que se refere ao modo
de condução no decorrer do processo da avaliação pelo psicólogo, considerando-se
que o paciente é um adolescente com todas as suas peculiaridades e idiossincra-
sias, e que geralmente chega ao psicólogo trazido pelos pais/responsáveis e que
foram encaminhados por adultos significativos (professores, médicos, familiares),
ou seja, raramente a demanda psicológica parte do próprio adolescente.

A abordagem nestas etapas envolve uma grande variedade de processos que in-
cluem observações clínicas sistemáticas, entrevistas clínicas e aplicação de ins-
trumentos psicológicos (testes, escalas, inventários, questionários devidamente
validados pelo Conselho Federal de Psicologia). Nesse sentido, a finalidade é com-
preender melhor os pontos fortes e fracos do adolescente, identificar problemas
potenciais com cognições, reatividade emocional e fazer recomendações para
tratamento.

4
A avaliação psicológica do adolescente não envolve um único instrumento, mas
uma série de instrumentos e procedimentos desenvolvidos cientificamente que
avaliam vários aspectos do funcionamento psicológico do paciente. Os tipos de ins-
trumentos e procedimentos incluem as entrevistas, que podem ser não estrutura-
das ou semiestruturadas com o paciente, cuidadores, professores e outros adultos
significativos para o adolescente. As entrevistas permitem a observação clínica e
sistemática das habilidades sociais, de linguagem e de comunicação do paciente;
instrumentos com medidas referenciadas por normas – são instrumentos padro-
nizados em amostras claramente definidas com características representativas de
idade, gênero, etnia, status socioeconômico ou outras características. Esses tes-
tes nos permitem comparar o paciente que estamos avaliando com a maioria da
população (por exemplo, comparar este adolescente a maioria dos adolescentes
comuns).

As observações clínicas sistemáticas permitem que o psicólogo observe o compor-


tamento do adolescente durante a avaliação e, quando possível, em seu ambien-
te, como sala de aula, casa, entre outros. Quanto aos procedimentos informais de
avaliação, estes complementos fornecem informações suplementares para apoiar
os procedimentos formais e podem incluir itens como registros escolares, registros
médicos, questionários informais, entre outros.

Todos os tipos de avaliações psicológicas medem o funcionamento de um indiví-


duo em um ponto específico no tempo e fornecem uma “foto” do adolescente, ou
seja, um recorte específico dos aspectos relevantes e que se destacam do indivíduo
em um determinado momento.

Os principais tipos de avaliação com o adolescente:


Avaliação psicoeducacional: este tipo de avaliação é recomendado para adoles-
centes que estão buscando atender às expectativas do desempenho escolar e/ou
comportamentais dentro do ambiente escolar. Se as preocupações dos pais com o
adolescente são principalmente de natureza escolar ou com potenciais déficits de
atenção e hiperatividade, ou ainda dificuldades específicas de linguagem, leitura,
escrita ou matemática, este tipo de avaliação provavelmente será suficiente para

5
identificar e atender às necessidades do adolescente na escola. Se o adolescente
parece estar sofrendo de problemas de saúde mental ou constantemente luta para
controlar seu humor, comportamento ou relacionamentos, uma avaliação mais
abrangente é provavelmente necessária.

Avaliação psicológica: Este tipo de avaliação é recomendada para indivíduos que


estão lutando com dificuldades voltadas para sua saúde mental (por exemplo, sin-
tomas de depressão e ansiedade) ou transtornos mais graves (transtorno bipolar,
transtornos psicóticos, traumas). Também é recomendado para os adolescentes
que desde criança têm dificuldades para controlar seu humor e/ou comportamen-
to ou que têm dificuldade em manter relacionamentos saudáveis com colegas da
escola, amigos da vizinhança, familiares, ou parceiros românticos. Como as ava-
liações psicológicas são bastante amplas e podem ser adaptadas às necessidades
de cada cliente, esse tipo de exame é suficiente para a maioria dos indivíduos que
buscam uma avaliação.

Avaliação neuropsicológica: Esse tipo de avaliação é recomendada para os ado-


lescentes com histórico de lesão cerebral traumática, ataques convulsivos, dificul-
dades severas de aprendizagem de longa data, de inter-relacionamento pessoal,
disfunções cerebrais ou transtornos neurológicos suspeitos ou ainda àqueles ado-
lescentes que não responderam satisfatoriamente a avaliação psicoeducacional ou
psicológica.

Entretanto, é preciso ressaltar que as avaliações psicológicas e neuropsicológicas


são mais semelhantes do que diferentes. Normalmente, ambas incluem medidas
de aferição do funcionamento cognitivo, escolar, emocional e comportamental.
Os psicólogos podem e, de fato, administram muitas das mesmas medidas que os
neuropsicólogos e, até onde sabemos, não existem instrumentos que exijam espe-
cialização em neuropsicologia, mas, ao contrário, há instrumentos que são de uso
exclusivo do psicólogo.

Muitas avaliações neuropsicológicas que revisamos parecem muito semelhantes


às avaliações psicológicas. No entanto, os psicólogos devem consultar os neurop-
sicólogos, quando há preocupações ou suspeita das consequências de danos ou

6
disfunções cerebrais ou ainda quando o paciente apresenta sinais e sintomas neu-
ropsicológicos ou associados ao neurodesenvolvimento.

EXEMPLO PRÁTICO1

Caso clínico: Transtorno de ansiedade mista e comportamento autolesivo

O paciente F., 16 anos, foi encaminhado para uma reavaliação psicológica devido aos
resultados insatisfatórios do tratamento para evitar o SIB (comportamento autolesivo, do
inglês Self Injurious Behavior). Ele tinha o diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista
(TEA) e Deficiência Intelectual (DI) grave. Apresentava habilidades de linguagem verbal
limitadas, mas pedia objetos conhecidos e diferentes tipos de comida usando expressões
de uma ou duas palavras. O paciente também exibiu ecolalia extensa, repetindo frases
que eram desafiadoras para conectar à situação atual.

F. é o filho mais velho e foi diagnosticado com TEA não especificada quando tinha 4 anos.
O último diagnóstico foi posteriormente alterado para DI moderado e novamente para
DI grave quando F. tinha 14 anos.

O nascimento de seus dois irmãos mais novos e seu comportamento se tornando cada vez
mais desafiador para seus pais lidar resultou em F. passando cada vez mais períodos de
internação em clínicas especializadas durante seus anos de idade escolar. Aos 10 anos, F.
mudou-se para uma clínica de cuidado de tempo integral para crianças com seu diagnóstico;
aos 14 anos, se mudou para uma clínica de repouso. Ele recebia visitas frequentes de sua
família em ambas as instituições. No momento atual, estava residindo com os pais que
apresentavam muita dificuldade em lidar com ele.

O paciente tinha em média 20 a 30 episódios diários envolvendo fortes batidas de cabeça


contra as paredes ou o chão. As tentativas de interromper esses episódios por seus pais
ou cuidadores geralmente levavam às reações violentas, como chutar, morder ou bater
nos cuidadores. O próprio F. e vários cuidadores sofreram ferimentos físicos durante esses
episódios. Devido à gravidade dos episódios e aos cuidadores sem outras opções para
limitar as lesões físicas, no momento do encaminhamento, o SIB era administrado por
dois a três cuidadores manualmente, restringindo F. com o rosto para baixo no chão em
um tapete de borracha até que os episódios diminuíssem.

1 Para acessar o estudo de caso completo: Kildahl, A. N. e cols. Case study: identification of anxiety and subse-
quent intervention in an adolescent male with autism, severe intellectual disability and self-injurious behaviour,
International Journal of Developmental Disabilities, 2020. DOI: 10.1080/20473869.2020.1850160

7
O SIB de F. havia se desenvolvido gradualmente, começando na pré-escola com frequentes
mordidas no pulso e F. ocasionalmente batendo no rosto com o punho. Quando o paciente
tinha cerca de 13 anos, teve um episódio de passividade e isolamento social em que se
recusou a ir à escola ou a sair do quarto, perdeu peso e parecia geralmente infeliz.

Durante esse episódio, seus cuidadores direcionaram esses comportamentos como


passividade, trabalhando sistematicamente para aumentar a conformidade de F. com as
demandas diárias. Essas intervenções aumentaram sua participação em tarefas básicas,
como higiene, hora das refeições e ir à escola, mas foi também durante esse período que
o SIB de F. se tornou mais severo e ele começou a bater a cabeça contra superfícies duras.
No encaminhamento, os episódios de SIB atingiram um nível de gravidade que limitou
as atividades de F. e ele ficou principalmente dentro do seu quarto sob intensa vigilância
da família e cuidadores.

Várias tentativas anteriores foram feitas para reduzir o SIB de F. e incluíram estratégias
variadas de análise do comportamento do paciente. Estratégias baseadas em reforço
foram tentadas inicialmente, com tentativas subsequentes incluindo hipercorreção e
estratégias baseadas em punição. Apesar disso, o SIB de F. piorou gradualmente em
frequência e intensidade.

Nenhuma avaliação psiquiátrica anterior havia sido realizada. Intervenções farmacológicas


foram tentadas, incluindo o uso de antipsicóticos, benzodiazepínicos e antiepilépticos,
mas nenhuma dessas tentativas resultou em qualquer mudança duradoura na frequência
ou intensidade do SIB de F.

F. foi internado em uma enfermaria psiquiátrica, na qual uma avaliação multiprofissional


foi realizada envolvendo o uso de ferramentas de avaliação múltiplas com informantes
múltiplos e observação clínica por diferentes profissionais. A equipe responsável pela
avaliação foi composta por uma psicóloga clínica, psiquiatra e enfermeiras. Os cuidadores de
F. também estiveram presentes durante o processo avaliativo. A equipe realizou observações
iniciais de F. em sua casa em três ocasiões, pouco antes de sua internação.

Os resultados da anamnese, observações sistemáticas, entrevistas e aplicação de


instrumentos psicológicos indicaram que F. preenchia os critérios para um transtorno de
ansiedade. Ele também teria passado por um episódio depressivo anterior, durante o qual
seus problemas de ansiedade haviam piorado.

Concluiu-se que F. tinha transtorno de ansiedade mista, de acordo com os critérios da


CID-10 (Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde, 10ª
edição), devido à combinação observada de estados semelhantes aos ataques de pânico e
sinais observáveis de ativação fisiológica ocorrendo antes, durante e após os ataques. Com

8
base nos resultados da avaliação também foi concluído que ele não havia desenvolvido
estratégias para regular suas próprias experiências de ansiedade além do SIB, indicando
que ele precisaria da ajuda da equipe no desenvolvimento de estratégias mais adequadas
e menos prejudiciais.

Sistematizando: Avaliação do Adolescente na TCC

Avaliação
Os principais tipos
Avaliação do psicoeducacional;
de avaliação com
Adolescente na TCC avaliação psicológica; e
adolescentes
avaliação neuropsicológica

As avaliações psicológicas
Diferenciações na
Objetivo principal - coletar e neuropsicológicas
avaliação de crianças
e comparar dados são mais semelhantes
e adolescentes
do que diferentes.

O tratamento deve
ser implementado de
maneira apropriada Avaliação psicológica
ao desenvolvimento
do paciente

9
REFERÊNCIAS

1. Beck, J. S. (2014). Terapia cognitivo-comportamental: teoria e prática 2. ed.


Artmed.
2. Friedberg, R. D., & Mcclure, J. M. A. (2007). Prática Clínica De Terapia
Cognitiva com crianças e adolescentes. Artmed.
3. Papalia, D. E., & Feldman, R. D. (2013). Desenvolvimento Humano (12th ed.).
AMGH Editora Ltda.

10

Você também pode gostar