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MANUAL PRÁTICO

Terapia Cognitivo-
Comportamental
TÉCNICAS: ESTRUTURAÇÃO
DA ROTINA E ATIVAÇÃO
COMPORTAMENTAL
Edivana Aguiar

A saúde mental da criança e do adolescente é atualmente reconhecida como uma


prioridade da nossa sociedade, em razão da prevenção de agravos e promoção da
saúde. Problemas de saúde mental mais comumente surgem na infância e adoles-
cência, e o tratamento nesta fase da vida pode evitar que problemas sejam man-
tidos na idade adulta, a fim de evitar o sofrimento psíquico ao longo da vida e os
custos individuais, sociais e econômicos que o acompanham.

A depressão, dentre outros transtornos mentais em crianças e adolescentes, é


uma das principais causas da carga de doenças, assim como os transtornos de an-
siedade. Na verdade, os dois frequentemente ocorrem simultaneamente entre
a infância e adolescência. Outros transtornos mentais e de desenvolvimento são
responsáveis por uma grande quantidade de anos de vida focados no transtorno.
Intervenções eficazes e implementáveis são então urgentemente necessárias para
abordar a saúde mental das crianças e dos adolescentes. A estruturação da rotina
(ER) e ativação comportamental foi considerada altamente eficaz para crianças,
adolescentes e adultos.

A ativação comportamental é uma técnica específica de TCC. Pode ser um trata-


mento por si só ou pode ser usado com outras técnicas, como a reestruturação cog-
nitiva. A ativação comportamental nos ajuda a entender como os comportamentos
influenciam as emoções, assim como o trabalho cognitivo nos ajuda a entender a
conexão entre os pensamentos e emoções.

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A ativação comportamental é umas das intervenções mais eficazes para crianças e
adolescentes em razão de quatro fatores fundamentais:

1. A intervenção é adequada ao desenvolvimento do paciente. Por exemplo, as


atividades propostas são de simples aplicação para crianças e adolescentes,
evitam envolver pensamentos abstratos complexos, o foco é no “concreto”.

2. Clinicamente, a intervenção pode tratar tanto a depressão e transtornos de an-


siedade, quanto as comorbidades desses transtornos.

3. Envolve conceitualizações do caso para poder ser implementado amplamente,


em diversos ambientes e contextos multiculturais.

4. Escalabilidade da intervenção, com recursos mínimos para permitir ampla im-


plementação, incluindo pessoas ligadas a estas crianças e adolescentes.

A estruturação da rotina e ativação comportamental são baseadas em uma ideia


simples – nos sentimos melhor quando fazemos atividades que nos proporcionam
uma sensação de realização, conexão ou proximidade com os outros ou com o que
gostamos. Muitos transtornos mentais tornam menos provável que o paciente faça
as atividades que os fazem sentir-se bem. Quando isso acontece, terminam em um
ciclo vicioso no qual realizam menor quantidade de atividades prazerosas, então
podem sentir-se pior emocional e fisicamente e, como por se sentirem pior, dimi-
nuem a probabilidade de realizar atividades úteis e ou prazerosas.

A estruturação da rotina e ativação comportamental deve envolver a família da


criança/adolescente, uma maneira útil da família começar a planejar a semana é
escrever uma lista de atividades e fazer com que todos trabalhem juntos. Isso dará
a todos uma boa ideia de como as pessoas podem querer utilizar seu tempo e dará
à família a chance de obter um bom equilíbrio de atividades.

O terapeuta pode sugerir também que a criança ou adolescente escreva uma lon-
ga lista de atividades que gostaria de fazer é uma boa maneira de começar. Pode
incluir tarefas mais ambiciosas, como reorganizar um quarto, e tarefas simples,
como ler ou assistir televisão, ou algo intermediário, como tentar aprender um

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novo joguinho educativo. Também deve incluir atividades sociais específicas para
crianças e adolescentes.

O planejamento
O terapeuta pode sugerir que a família da criança ou do adolescente ao iniciar esta
técnica, faça um planejamento da rotina envolvendo de 2 a 3 dias por vez, conside-
rando que muitos dos pais têm suas próprias dificuldades para lidar no trabalho,
no casamento, círculo de amizades, entre outros, e planejar atividades para um dia
de cada vez, seja o máximo que eles podem fazer no início.

As agendas comuns provavelmente são muito pequenas para um planejamento


amplo e visível a todos da família. Sugerimos que o pai, a mãe ou demais respon-
sáveis da criança/adolescente, elabore uma agenda, também denominada planner,
em um tamanho maior. Como no exemplo seguinte[1], no qual consta os dias da
semana em colunas e várias linhas, onde são colocadas as atividades e seus respec-
tivos horários:

É importante começar um dia com horários combinados para acordar e levantar da


cama pela manhã, principalmente nos finais de semana e feriados, pois é tentador

[1] Fonte: https://www.picullico.com.br/quadros-educativos/rotina/quadro-de-planejamento-semanal-da-familia

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ficar até tarde na cama quando não há escola ou trabalho. Da mesma forma com-
binar um horário para se preparar para dormir. Os padrões irregulares de sono
podem ter um impacto bastante negativo na saúde mental e bem-estar físico das
pessoas, por isso sugere-se que esses horários sejam mantidos o mais próximo pos-
sível da realidade de cada família. O mesmo princípio se aplica à hora das refeições.

O terapeuta deve ajudar as famílias a planejarem a maior parte do dia. Se a ativi-


dade planejada for de apenas 10 ou 15 minutos, como fazer uma atividade aeróbica
(caminhada, bicicleta, correr), pode colocar outra atividade na sequência, como
um tempo apenas para relaxar, “não fazer nada”. O importante é o terapeuta levar
a familiar a observar o equilíbrio entre as atividades, combinando atividades que
exigem maior esforço físico ou cognitivo com atividade mais relaxantes.

Outro aspecto a ser considerado no planejamento da rotina e ativação do compor-


tamento é que o planejar as atividades com antecedência apresenta uma série de
vantagens. O planejamento permite que as pessoas vejam o formato geral dos dias
e da semana com antecedência para que possam fazer ajustes necessários para
mantê-lo bem equilibrado.

O terapeuta também pode pensar se as atividades refletem os interesses de todos


os envolvidos. Neste ponto, é importante que o terapeuta verifique se no planeja-
mento semanal a família incluiu um tempo para avaliar se as atividades refletem
os interesses de todos os envolvidos e se há tempo para aprender coisas novas tam-
bém. Os pais podem ter responsabilidades deste trabalho, portanto, o terapeuta
deve organizá-las como tarefa de casa.

Cumprindo os planos
É importante que as famílias cumpram os planos que fazem juntas. Uma das tare-
fas mais difíceis de realizar a ativação comportamental para a depressão é a ten-
dência que as pessoas têm de fazer o que sentem, e não com o que se comprome-
teram. O humor rebaixado geralmente leva os indivíduos a desenvolver sintomas
como apatia e anedonia, com grande tendência de abandonar atividades mais

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complexas, como um jogo familiar de futebol, vôlei, entre outros, em favor de um
menos trabalhoso, como assistir televisão em relativo silêncio.

Um dos princípios fundamentais da ativação comportamental é a ideia de que ao


planejar com antecedência e que tenha um caráter lúdico, deve-se agir de acordo
com o plano e não de acordo com o humor e achamos que esse mesmo princípio
será útil para crianças/adolescentes que se isolam. Se houver momentos em que
for difícil para o paciente agir de acordo com o planejado, esta questão deve ser
discutida na terapia.

Uma das hipóteses é que os sentimentos associados à indisposição física estejam


dificultando a realização das atividades planejadas em razão de pensamentos so-
bre a inutilidade da atividade. Se for esse o caso, indica-se que o paciente se com-
prometa a fazer a atividade por um curto período e isso pode ser suficiente para
estabelecer uma rotina. Por exemplo, o planejado pode ter sido arrumar o quarto,
passear com o cachorro, ajudar os pais em algumas tarefas domésticas, esta pode
ser uma tarefa de uma hora de duração, dizendo a si mesmo que fará isso por um
período mais curto de tempo, como 15 minutos e, em seguida, revisar como está
indo na execução da tarefa. Esta revisão pode dar uma oportunidade do paciente
perceber que pode fazer mais ou se precisa substituir por uma atividade diferente.

O tempo em frente às telas


O tempo que crianças e adolescentes passam em frente às telas (televi-
são, smartphone, notebook, tablets, entre outras) realizando as mais diferentes ati-
vidades, muitas vezes requer orientações para gerenciar este tempo e, especial-
mente, no uso de smartphones. No entanto, é importante o terapeuta estar atento
às diferentes visões dos membros da família quanto ao tempo gasto nas telas e
mídias sociais. Pode valer a pena conversar sobre isso e estabelecer alguns limites e
expectativas para todos. O tempo em frente às telas pode ser incluído no dia como
parte de atividades planejadas e acordos feitos sobre diferentes usos de telas. Por
exemplo, o tempo em uma tela fazendo o dever da escola, lendo um livro, apren-
dendo outro idioma, seria contado de forma diferente em relação ao tempo nas
redes sociais ou apenas assistindo vídeos sem conteúdo significativo no Youtube.

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Pode ser um bom momento para baixar aplicativos que permitem que o tempo de
tela seja monitorado, caso ainda não tenha sido feito.

É provável que os membros da família tenham compromissos de trabalho ou es-


tudos de modo virtual e o tempo para estes também deve ser incluído no plane-
jamento do dia, mas é importante lembrar que a maioria dos empregos e aulas
virtuais geralmente envolvem alguns contatos sociais, por isso, é importante certi-
ficar-se de que os períodos de trabalho ou estudos on-line são seguidos de ativida-
des agradáveis e, de preferência, sociais. Neste caso, a família pode discutir como
as atividades realizadas no presente poderão ajudar a planejar atividades futuras
e assim ter uma ideia melhor do que funciona para todos.

Em suma, pode-se afirmar que a estruturação de rotina e a ativação comportamen-


tal é tão eficaz quanto outros tratamentos bem estabelecidos para crianças e ado-
lescentes, incluindo tratamento medicamentoso.

EXEMPLO PRÁTICO[2]

No quadro a seguir, os pesquisadores Abreu e Abreu (2017) apresentam um protocolo


integrador de ativação comportamental no tratamento da depressão. No quadro são de-
monstradas atividades planejadas durante a semana para uma adolescente, no qual são
pontuados os graus de prazer (P) e domínio (D) de 0 a 5 nas atividades, nas quais quanto
maior a pontuação, maior o nível do constructo avaliado.

[2] Para acessar ao caso completo: Abreu PR, Abreu JHSS. Ativação comportamental: Apresentando um protocolo
integrador no tratamento da depressão. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva 2017;19(3):238-
259. https://doi.org/10.31505/rbtcc.v19i3.1065

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Sistematizando: Técnicas: Estruturação da rotina e ativação comportamental

Técnicas: Estruturação No início do tratamento,


Deve envolver a família
da rotina e ativação sugere-se poucas
da criança/adolescente.
comportamental. atividades.

Quatro fatores Agendas – planejamento


O planejamento
fundamentais: semanal

1. A intervenção
4. Recursos mínimos O tempo em frente
é adequada ao
para permitir ampla às telas: de acordo a
desenvolvimento
implementação. realidade de cada familia.
do paciente.

2. Clinicamente, a Estruturação da rotina e


intervenção pode tratar 3. Envolve ativação comportamental
tanto a depressão e conceitualizações do caso. – tão eficaz quanto
os transtornos. outros tratamentos.

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REFERÊNCIAS

1. Beck JS. Terapia Cognitivo-Comportamental: teoria e prática. 2. ed. Porto


Alegre: Artmed; 2014.
2. Friedberg RD, McClure JM, Hillwig JG. Técnicas de terapia cognitiva para
crianças e adolescentes: ferramentas para aprimorar a prática. Porto Alegre:
Artmed; 2011.
3. Leahy RL. Técnicas de terapia cognitiva: manual do terapeuta. 2. ed. Porto
Alegre: Artmed; 2019.

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