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Serviço de Psicologia e Orientação (SPO)

PHDA EM TEMPO DE PANDEMIA

Devido à pandemia de COVID-19, estamos a viver tempos difíceis, sem


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paralelo na experiência de vida da maioria de nós. Existe uma alteração
significativa das nossas vidas, as nossas rotinas mudaram, são mais
restritivas, tivemos que nos reorganizar e adaptar a uma nova forma de
contacto social e de trabalho, o que coloca nas nossas mentes dúvidas em
relação ao futuro imediato mas também a médio prazo.

Estes desafios podem ser amplificados nas famílias de crianças com


Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção (PHDA).

A PHDA é uma perturbação do neurodesenvolvimento caracterizada por


dificuldades de atenção, impulsividade e agitação motora, características que
conduzem a dificuldades nos mecanismos de autorregulação emocional e
comportamental. Esta condição apresenta normalmente um impacto significativo
na vida das famílias. A somar a isto, a situação atual de quarentena, coloca ainda
mais obstáculos ao bem-estar das crianças com PHDA, sobretudo tendo em
consideração que:

- Têm mais dificuldade em se autorregular, o que pode levar a um aumento


na frequência de explosões comportamentais devido a um aumento do nível de
stress;

- Precisam de maior supervisão e monitorização dos pais, numa altura em que


a disponibilidade parental pode ser um desafio pelas exigências do teletrabalho
e da própria estabilidade emocional dos progenitores;

- Apresentam maior necessidade de movimento, o que nesta fase é difícil


devido à restrição de sair de casa e frequentar espaços de lazer.

Neste sentido, é importante pensar na forma como ajudar as famílias a


encontrar uma estrutura adaptada à situação de confinamento que permita
uma maior estabilidade das crianças com PHDA no desempenho das suas
atividades e no funcionamento no dia-a-dia.

RELAÇÃO POSITIVA

Uma relação positiva é fundamental para a colaboração de crianças com


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PHDA. A forma como o adulto se relaciona com a criança influencia a sua
motivação para cumprir as rotinas (ex. fazer a cama, tomar banho). Neste
sentido, é importante ter maior atenção à forma como comunica com a criança,
porque é através do diálogo que desenvolvemos a cumplicidade e a
empatia.

Durante este período de maior stress, apesar de poder ser mais difícil, tente
continuar a transmitir as orientações de forma positiva e elogie sempre que for
possível, os comportamentos da criança. O elogio aumenta significativamente a
disponibilidade da criança para repetir os comportamentos.

Ainda sobre a comunicação, mantenha a consistência e a veracidade daquilo


que transmite à criança. As mensagens contraditórias aumentam a dúvida e a
insegurança da criança. Fale com a criança abertamente sobre aquilo que está
a acontecer à sua volta, tendo o cuidado de adaptar a mensagem ao seu nível
de desenvolvimento. É importante que a criança saiba pelos pais, e não por
outras fontes de informação, o que pode acontecer e de que forma ela pode lidar
com isso.

ROTINAS

Devido às dificuldades em gerir o tempo, a quebra da rotina escolar traz às


crianças com PHDA uma sensação de maior desorganização e confusão mental.
Por esse motivo, organizar um horário visual é muito importante. Com este
objetivo, opte por dividir o dia da criança em diferentes períodos para: os
cuidados pessoais, as refeições, a aprendizagem, as tarefas domésticas, as
atividades de lazer, o tempo livre… Se os pais estiverem a trabalhar a partir de
casa, não se esqueça de equilibrar as exigências das tarefas das crianças com
os compromissos do emprego, principalmente para as que exigem mais
monitorização ou supervisão por parte de um adulto.
REGRAS

Também é importante não esquecer as regras. Continue a reforçar as


consequências do comportamento da criança. Apesar de ser uma altura
complicada e de poder ser mais flexível em alguns aspetos, é importante para
as crianças com PHDA entender que as regras se continuam a aplicar. As
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crianças precisam de previsibilidade e consistência e as frases-chave
como “quando… então” são uma boa opção (por exemplo “quando arrumares
o quarto, então podes ver televisão”).

TEMPO DE ECRÃS

(Telemóvel, tablet, consolas, computador e televisão)

Para além dos ecrãs serem também, neste momento atual, uma forma de
contacto social com os amigos, acresce a necessidade de usar os ecrãs como
uma ferramenta de ensino à distância. Por este motivo, se já seria difícil retirar o
tempo de ecrã, agora ele pode ser necessário durante período significativo do
dia. No entanto, não deixa de existir um impacto negativo da utilização excessiva
das tecnologias. Crianças com PHDA beneficiam muito em manter as regras de
utilização dos aparelhos eletrónicos. É fundamental estipular uma média de
tempo de acesso livre aos ecrãs por dia. Claro que é possível que a média seja
diferente daquela que é no habitual, mas é importante sublinhar isso com a
criança.

SONO

Muitas crianças com PHDA têm dificuldades significativas na regulação do


sono. As alterações podem ser variadas: algumas crianças lutam contra o sono,
outras resistem à hora de dormir, ficam mais agitadas ou “despertas”, ou não
conseguem adormecer sozinhas, algumas crianças têm o sono agitado, com
despertares ou insónia matinal.

Nesta altura, com a ausência das rotinas da escola, esta situação poderá
aumentar. Por isso é importante manter horas de deitar regulares, pois isso irá
facilitar o sono. As rotinas tornam a sequência de acontecimentos à noite
previsíveis e ajudam a programar o relógio biológico para “desligar”.

Se necessário coloque as horas de deitar no quadro de rotinas visuais, porque


isso pode diminuir a hipótese de fuga em ir dormir. Também é relevante reduzir
atividades que coloquem o cérebro mais ativo, como o uso da tecnologia, algum 4

tempo antes de dormir. Por um lado, os estímulos luminosos dos ecrãs podem
atrasar o início do sono, por outro é difícil controlar que a criança possa vir a ser
exposta a imagens assustadoras que podem causar mais despertares noturnos.

Se as crianças precisarem de comer antes de ir para a cama, dê-lhe um snack


fora do quarto e antes da lavagem dos dentes, para não criar habituações. Para
o quarto devem ficar reservadas atividades como ler uma história, conversar
sobre o dia ou planear o dia seguinte, os miminhos relaxantes, etc…todos eles
com a criança bem aconchegada e com o mínimo de estímulos sensoriais
possível.

A luz de presença, se for necessária, é mais adequada fora no quarto, e pode


ser útil uma luz que vai progressivamente baixando a intensidade (ou
aumentando no amanhecer).

ATIVIDADE FÍSICA

Para crianças com PHDA, em especial para as crianças predominantemente


hiperativas, é necessário manter a atividade física, num nível que lhes permita
dispêndio de energia e ajude a focar a atenção durante o resto do tempo. Podem
ser feitos pequenos passeios com a criança fora de casa e outras atividades ao
ar livre (que se possam enquadrar no regulado passeio higiénico).

Dentro de casa podem ser utilizados vídeos de exercício físico através de


plataformas como o Youtube ou mesmo das aulas online proporcionadas pelos
ginásios ou escolas desportivas. Nesta fase, também podem ser usadas as
ferramentas que permitam uma maior estimulação sensorial vestibular ou táctil,
como por exemplo a bola de pilates para sentar.
REGULAÇÃO EMOCIONAL

As crianças com PHDA apresentam características que se traduzem em


desafios à capacidade de auto-regulação emocional. A dificuldade no controlo e
a impulsividade acabam por afetar a forma como as crianças reagem
emocionalmente, o que traz consequências negativas para si e para toda a
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dinâmica familiar. Com aumento dos níveis de stress, promovidos pela situação
que vivemos, pode ser importante ajudar as crianças com PHDA a
criar estratégias de gestão de ansiedade.

Uma das estratégias mais conhecida é a “Técnica da Tartaruga”. Esta


estratégia consiste em adotar a postura 1) o queixo a tocar no peito; 2) olhar para
o chão; 3) braços esticados ao longo do corpo e punhos cerrados e em tensão;
4) contar até 10 e em seguida relaxar os músculos. Isto pode ser acompanhado
da expressão “eu consigo ficar calmo” para si mesmo.

Existem também livros infantis que podem ajudar a exteriorizar emoções e a


encontrar estratégias para lidar com as mesmas, como por exemplo “O monstro
das cores” (Anna Llenas), “As minhas emoções” (Porto Editora), “Ouvir o que a
criança não diz” (Miguel Mealha Estrada) ou “O que me preocupa” (Molly Potter).

Ainda, a plataforma Miniland colocou à disposição dos pais, de forma gratuita,


algumas atividades de relaxamento que podem ser uma ajuda útil para a
regulação emocional (https://www.minilandgroup.com/pt/playminiland/mindful-
kids).

Se a explosão emocional acontecer, fale o menos possível com a criança


durante o tempo em que ela durar. Use frases-chave que mostrem compreensão
e suporte e ao mesmo tempo estabeleçam limites, como por exemplo: “estou a
perceber que está a ser difícil para ti, eu vou falar contigo quando estiveres
calmo”. A criança irá acalmar-se. Depois, com uma expressão empática e sem
tom crítico, fale tranquilamente com ela sobre o que aconteceu de forma a
clarificar o que aconteceu e a poder acordar um plano para a próxima vez em
que uma situação semelhante ocorra. Explique-lhe como é que ela pode
comunicar acerca dos seus problemas e como pode gerir melhor as suas
emoções. É importante mostrar que confia no seu esforço, mas seja claro em
relação ao que espera que ela faça no futuro.

MEDICAÇÃO

Apesar das escolas estarem fechadas e as aulas serem à distância, será


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importante manter a medicação para a PHDA, se esta já tiver sido prescrita e
não houver outra orientação médica. Apesar de muitos dos desafios serem
diferentes, continua a ser necessário que a criança se ajuste a regras, seja
autónoma e que cumpra tarefas e por isso é necessário manter o mesmo apoio
que era dado anteriormente.

Ao ajudar na atenção e controlo do comportamento, a medicação também


influencia a regulação emocional e reduz a possibilidade da criança ter situações
de crise, uma vez que permite que ela se sinta mais competente.

Estes tempos são diferentes de tudo o que vivemos até à data, e vão
surgir muitas situações em que é normal que sinta frustração e cansaço!
Todas estas estratégias podem e devem ser usadas na medida das
possibilidades dos pais e existirão, certamente, momentos em que isso não
será possível.

Não se julgue nessa altura, porque isso faz parte da situação extraordinária
em que estamos. Partilhar as suas experiências com outras famílias com
crianças com PHDA ou visitar páginas com informação importante e adaptada
ao funcionamento do seu filho pode ajudar.

E lembre-se que as crianças com PHDA precisam sem dúvidas de todas estas
estratégias (estrutura, planificação, consistência, coerência, assertividade e
consequências para o seu comportamento, mas também precisam muito de
incentivo, valorização, reconhecimento, suporte, carinho e amor!

A Psicóloga
Catarina Alexandra Pinto Pombo
(CP. 15970)

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