Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Alain Boutot
2. O ser-aí e a quotidianidade
A) O ser-no-mundo.
C) O ser-com-outro e o A gente.
O ser-aí não encontra no mundo que o envolve apenas utensílios de que dispõe,
mas também outros ser-aí. O mundo do ser-aí é sempre um mundo comum... Mesmo
só, sem nenhum outro ser-aí nas suas proximidades, o ser-aí está sempre com-outro. A
solidão só tem sentido para um ser que está fundamentalmente com os outros. Os
outros só podem faltar para um ser-com. [Ser-aí é ser-com].
Na quotidianidade, o ser-aí mantém, entretanto, uma relação particular com os
outros. Ele está, podemos dizer, monopolizado pelos outros e determina-se sem cessar
na relação com eles; mantém-se sob influência do outro e é desapossado do seu ser si
mesmo. “Não é ele mesmo que é; os outros subtraem-lhe o ser”. O ser-aí cai sob o que
Heidegger chama de ditadura de “A gente”. [No cotidiano, o ser-aí é monopolizado
pelos outros. É desapossado do seu ser. Cai sob a ditadura de A gente].
O ser-aí não se determina mais por ele próprio, mas a partir daquilo que a gente
diz: diverte-se como a gente, julga como a gente, lê como a gente, etc. O “a gente”
alivia o ser-aí do seu ser. O ente que na existência quotidiana está no mundo não é o
ser-aí autêntico, mas uma modalidade inautêntica. [Ser-aí autêntico e inautêntico].
A dispersão do ser-aí na gente é aquilo que Heidegger chama “a queda” (Verfallen)
do ser-aí. Essa queda não é pejorativa, mas parte da constituição ontológica do ser-aí.
O ser-aí, enquanto caído, evita seu poder ser, refugia-se no falatório, na curiosidade,
ou no equívoco [queda: evitar o poder ser, refúgio no falatório e na curiosidade].
D) O ser-em
E) O cuidado
No fim dessa análise, o ser-aí surge como um ser lançado em projeto, no qual
entra, no seu ser, em virtude do seu próprio poder ser. Heidegger reúne a
multiplicidade destes momentos constitutivos numa estrutura unitária: o cuidado (die
Sorge), que representa a estrutura fundamental do ser-aí enquanto ser-no-mundo. O
cuidado unifica, ao articulá-los, os três caracteres ontológicos fundamentais do ser-aí:
1) o ser-aí face a si mesmo (ser em projeto em direção ao próprio poder-ser); 2) o ser
já no mundo (facticidade); 3) o ser-junto do ente encontrado no mundo (a queda).
Estas três determinações do ser são cooriginárias e constituem juntas a totalidade da
estrutura ontológica do ser-aí. O ser para o ser-aí quer dizer: ser já face a si mesmo em
(mundo) como ser junto (do ente encontrado no mundo). O cuidado não tem nada a
ver com zelo; é uma determinação ontológico-existencial. Ele precede toda a conduta
afetiva do ser-aí.