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U D E G O L D M A N E N T R A N O PA R K WAY
J
sobre o peito, sentindo o coração acelerado, as batidas
violentas do órgão contra sua caixa torácica. Tenta respirar, mas
não consegue. Os pulmões não parecem capazes de funcionar
neste momento; o cérebro, muito menos. Caminha pelo lugar de
forma mecânica, passando pelas paredes perturbadoramente
brancas com uma sensação intensa de náusea. Engole o vômito,
começa a correr.
Os homens obedecem.
Leitura Crítica: B r e n d o n I d z i D u h r i n g
Revisão: B r e n d o n I d z i D u h r i n g
Diagramação: S e n a r a S o u s a
Capa e Emblemas: S e n a r a S o u s a
Ilustrações de Personagens © A r d a A r t w o r k s ,
Cosmikla, Letícia Vasconcelos
FOLHA DE ROSTO
D A N G E R O U S : AT O I N O F O R M AT O F Í S I C O
DIREITOS AUTORAIS
D E D I C AT Ó R I A
P L AY L I S T
N O TA D O A U T O R
AV I S O D E C O N T E Ú D O
SOBRE OS SNAKES
SOBRE OS SCORPIONS
S O B R E A G O L D M A N E N T E R TA I N M E N T
PRÓLOGO
PA R T E I
INTERLÚDIO
PERIGOSO
H AT E F U C K
TORTURA
RELAXE O QUEIXO
S E LVA G E N S
IMPLORE
NOAH
FÁ C I L
FRIO
SR. HENNEY
22
PROMÍSCUO
24 / 7
UM HOMEM PODEROSO
ESCORPIÕES
PA R T E I I
INTERLÚDIO
HORA EXTRA
QUER ME ENFORCAR
PET
AUDREY
O DEMÔNIO EM MIM
PA R T E I I I
INTERLÚDIO
O JOGO DO SILÊNCIO
LILITH
PA P E L D E PA R E D E
AGRESSIVO
POR VOCÊ
NEVE NA PRAIA
FIQUE
ARMA CARREGADA
SERPENTES, PT. I
SERPENTES, PT. II
FLOR DO INVERNO
C O N T I N U A E M D A N G E R O U S : AT O I I
AGRADECIMENTOS
SOBRE O AUTOR
cuidadosamente organizada
E S S E L I V R O P O S S U I U M A P L AY L I S T
para complementar a experiência de leitura. Acesse-a através do
código abaixo (abra a barra de busca do spotify, clique sobre o
ícone da câmera e o escaneie), ou busque pelas palavras-chave
“DANGEROUS (Atos I e II) – Playlist Oficial” no serviço de
streaming.
NOTA DO AUTOR
EU JURO QUE JÁ ESCREVI e reescrevi essa nota tantas vezes, e
mesmo assim ainda não parece real que meu décimo livro
(primeiro sob o pseudônimo Mister M e primeiro romance erótico)
está finalmente vendo a luz do dia. Depois de inúmeros atrasos,
inúmeros imprevistos com minha vida pessoal e uma divisão em
dois atos, o dia que certa vez pareceu nunca chegar, finalmente
chegou. Então vamos a algumas explicações:
Se você leu tudo isso, está salivando pra partir logo para a
leitura, então não ocuparei muito mais do seu tempo. Se
possível, leia o livro com a playlist de fundo, a experiência será
ainda mais imersiva.
Um enorme abraço,
MM.
AVISO DE CONTEÚDO
Este livro é recomendado para maiores de 18 anos por conter:
Abuso de drogas
Conteúdo sexual gráfico
Linguagem imprópria
Violência explícita (gore)
— Não.
— Por quê?
— O quê?
— Não tô tentando—
Estou pronto.
— AL Ô ?
— Paramédico?
— Um acidente?
— Como?
— Por quê?
— O quê?
— E...?
— VO C Ê É B O N I T O D E M A I S PA R A um cão.
Além disso, quanto tempo faz desde a luta? Quanto tempo tenho até
que eles cheguem ao meu irmão?
Fito à minha frente uma vidraça ampla que dá vista ao andar inferior do
apartamento. A escada está logo ao seu lado, parece conectar o quarto, no
segundo andar, ao restante do lugar. Presto atenção no espaço ao redor: há
pouca mobília, mas tudo parece sóbrio, minimalista e caro. O teto é alto, tão
alto que quase não consigo discernir a lâmpada que ilumina o cômodo.
Viro o pescoço para a esquerda. Há uma porta dupla que leva a algum
tipo de extensão do ambiente, uma varanda ou uma sacada. As outras
vidraças — as que, imagino, dão para o exterior da propriedade — estão
cobertas por cortinas pretas; não consigo enxergar a paisagem. Sequer sei
se ainda estou em Nova York.
Ouço passos na escada, cada vez mais altos, cada vez mais próximos.
Paro de me distrair. Meu objetivo é deixar este lugar o mais rápido possível.
— 900 mil dólares: esse foi o preço que paguei pela sua cabeça antes
que eles te arrastassem para fora do ringue. Não sei que merda acontece por
trás desses clubes de luta ilegais, mas sei que os perdedores não ficam vivos
por muito tempo.
Como imaginei, ele não tem olhos para mim. Seus olhos estão
centrados em outra coisa, em outro momento. Talvez um que não esteja
neste quarto ou neste apartamento.
As cordas fazem meus pulsos doerem, mas já senti tantas dores que
essa parece só uma coceira.
Seus olhos estão fixos nos meus, seu hálito quente faz arrepios
atravessarem minha nuca. Fico asfixiado e enebriado. Seu cheiro é quase
bom demais para um homem. Aperto as cordas em meus punhos. Minhas
palmas estão geladas, sem circulação.
— Que porra você quer dizer com isso? — rebato, mais agressivo.
— Sei que você tem uma dívida com os Snakes deixada pelo seu pai e
por isso estava naquele lugar de merda — explica, o tom mais firme. — Ou
melhor, tinha. A dívida está paga. Paguei por ela, além do valor da sua
cabeça. Não foi barato. — Volta a me encarar sobre os ombros. — Que
merda ele fazia pra dever tanto praquela gente?
— Não te interessa.
Suspira fundo.
— Algo assim.
— Por quê?
— Porque você ainda tem uma dívida, mas agora... — seus dedos se
fecham firmes nos lençóis brancos — comigo. E vai precisar pagá-la de outra
forma — diz com uma calma melancólica, quase triste.
Inclino-me até ele e agarro seu cabelo por trás. Puxo-o bruscamente
para baixo e prendo-o numa posição desconfortável. Os fios longos facilitam
a pegada. Suas costas curvam-se sobre meu joelho. Encaro as profundezas
de suas íris de cima, e posso enxergar nelas o arrependimento de ter acatado
meu pedido.
Uma risada seca escapa de sua garganta, tão macabra quanto seus
olhos.
Puxo os fios dourados para trás com mais força. Um grunhido abafado,
surpreso, escapa de seus lábios. Ele precisa apertá-los para não deixar
outros sons escaparem.
— Por que está fazendo essa merda? — pergunto. — Por sexo? Mas
você...
Não sei mesmo porra nenhuma além de seu nome, seu poder sobre a
vida do meu irmão e de que gosta de frequentar os clubes de luta
subterrâneos nas madrugadas. E de que pagou minha dívida — para me
foder.
Empina o queixo:
— Então você sabe o que acontecerá com seu irmão. Quer deixá-lo
sozinho nesse mundo perigoso e cheio de monstros?
— Meu irmão não tem nada a ver com isso, seu filho da puta —
vocifero.
— Oh — ri —, nunca disse que faria isso com Noah. Até onde sei, ele
ficaria de quatro pra mim voluntariamente. Você também não acha? Seja
sincero.
— Você dormiu por três dias, tive tempo suficiente pra pensar. —
Agarra meu queixo e me obriga a encará-lo. — Você não respondeu à minha
pergunta.
Seguro seu punho com força, esmagando-o. Retiro sua mão do meu
rosto e puxo seu braço para baixo com violência. Ele se curva sobre mim, a
camisinha e o lubrificante escapam de sua outra mão. Ficamos face a face,
nossos narizes praticamente se tocam.
— Sim.
— Não. Nunca fiz sexo com homens — respondo com uma calma
ardente. — E não pretendo começar agora.
— O quê?
— Sim, sim, porque tenho muitas opções, né? Ainda bem que você
não quer me estuprar, graças a Deus. — Arregalo os olhos, cínico.
Não costumo agir desse jeito, mas há algo nele que me deixa
assustado. Algo em sua forma de falar, de se mover, de reprimir
profundamente as mais básicas reações.
— Grato?
— Por quê? Por que salvou minha vida? O que você quer de mim?
Estreito os olhos.
— Não seja ridículo, seu cuzão estúpido. Por que eu? Por que não
escolheu qualquer outro cara?
A imagem de seus olhos fixos no meu pau logo que afastou os lençóis
do meu corpo retorna à minha mente.
Sua boca fica aberta por alguns segundos, mas nenhum som escapa
dela. É toda a confirmação de que preciso.
Olho bem para o homem sem camisa montado sobre o meu pau. Que
estúpido.
Há beleza no seu corpo, certamente há. Não posso mentir para mim
mesmo e dizer que não o acho bonito, mas isso é diferente de achá-lo
atraente. Nunca me atraí por homem algum durante minha vida inteira — o
simples pensamento de ficar nu e encostar em outro cara me causa arrepios.
Sempre fui mulherengo; antes dos Snakes me arrastarem para o ringue,
comia duas, três na mesma noite. Meu pai me levou para conhecer o gosto
de uma mulher muito cedo, sempre me ensinou a olhar homens como irmãos,
como amigos, e a rejeitar qualquer outro tipo de pensamento. Noah aprendeu
as mesmas coisas, e mesmo assim cresceu do jeito que cresceu. Isso quer
dizer que ele nasceu gay, e eu nasci hétero. Certo?
Há algo estranho acontecendo com meu corpo, não vou negar. Mas
isso não importa. A desigualdade de poder aqui é muito grande. Estou
encurralado contra a parede, com um punho fechado ao redor do meu
pescoço. Não há saída. Não há opção. Não se eu quiser livrar o bem mais
precioso que tenho de toda essa merda.
— É claro. Como você mesmo disse: ele não tem nada a ver com isso.
O emprego dele estará seguro. Seu futuro, certamente garantido. Na
verdade, ele sequer precisa saber dos detalhes do nosso contrato. Sequer
precisa saber que temos um contrato. Conte a ele o que quiser, não me
importo. — Nossos olhares voltam a se encontrar. — Então, qual é a sua
decisão, Kim Henney?
— FA Ç A 2 M I L D Ó L A R E S por cada foda.
HATEFUCK
eu te odeio
toda vez que eu te fodo
hatefuck — cruel youth
ELA ENÉSIMA VEZ DESDE QUE começamos, tomo cuidado para não deslizar
P
inteiro para dentro de Jude. Seu corpo é desconfortável, apertado. Estamos
há tempos tentando engatar essa foda, encontrar um ritmo que seja agradável
e indolor para os dois, sem muito sucesso. Fecho os olhos, tento imaginar que
estou com Olivia. A suavidade dos movimentos dela em nada se comparam à
aspereza, à brutalidade de Jude — de um homem. Há algo elétrico e quente
em seu toque que o torna único. Quando fecho os olhos, tudo o que consigo
ver é exatamente o que está em minha frente: o desgraçado loiro de quatro na
cama, bem aberto para mim, seu buraco me envolvendo, as costas curvadas
de maneira irregular — como as de alguém que realmente nunca fez isso.
Talvez eu não seja gay. Foder mulheres é tão prazeroso quanto, afinal
de contas.
Mas há algo no corpo deste filho da puta que me faz duvidar disso.
— Foda-se isso — diz. Meu pau desliza para fora, em direção ao meu
próprio abdome. Caio deitado na cama, ao seu lado. — Preciso de um tempo.
Ele acende o cigarro e aspira fundo uma única vez. Deixa um cinzeiro
de metal sobre a mesa de cabeceira. Inclina-se em minha direção. Antes que
eu possa perceber o que ele vai fazer, sua mão se fecha ao redor do meu
pau.
— Não tenho.
— Nunca comi um homem. Não tenho o gosto pra isso. Essa é a porra
do problema.
— Não.
— Não.
— Você é entediante.
— Você é desprezível.
— Não broxei. Caso não se lembre, foi você que não aguentou por
muito tempo.
Depois disso, abro os olhos e me viro para ele. Fico preso num
pequeno detalhe em suas costelas que não tinha notado até agora.
Fique calmo, Kim. É uma pergunta qualquer. Ele não teria como saber.
Ergo os olhos até ele. Sua expressão muda. O cinismo frio dá lugar a
um pequeno rastro de interesse. O cigarro parcialmente consumido é
abandonado no cinzeiro.
Volto a encará-lo.
— Não. Não sou — diz. As íris azuis fixam-se sobre mim. Observo sua
expressão mudar outra vez: a ponta da língua passeia sobre os lábios
vermelhos, as pupilas se dilatam. — Se toque pra mim.
TORTURA
talvez eu devesse gritar por ajuda
talvez eu devesse me matar
sail — awolnation
Sua expressão, seu sorriso e seu tom desinibido fazem minha ereção
despertar outra vez. Desvio o rosto, preocupado. Estico as pernas sobre a
cama. Encaro meu pau semiereto. Jude acompanha meu olhar. Cerro os
punhos nos lençóis. Há um calor bem específico nas palmas das minhas
mãos.
Mas não faço nada. Ainda há tensão sobre mim, ainda sinto as cordas
de Jude esmagando meus pulsos.
— Faça. Não estou pedindo. — E ergue o olhar frio até meu rosto.
Embora a voz seja calma, há um comando violento no azul-marinho de seus
olhos.
Inspiro fundo. Encaro a parede branca em minha frente, onde a
cabeceira se apoia. Preciso imaginar algo erótico para recuperar o tesão.
Penso que a primeira coisa que aparecerá em minha mente será Olivia, mas
não é. Minha mente viaja no tempo até alguns minutos antes, quando estava
enterrado no interior de Jude, quando ele se deitou de bruços em minha
frente, seu corpo aberto e impenetrado entregue a mim, seu rosto corado
colado aos lençóis, seu pescoço curvando-se para trás de maneira incômoda
para observar meus movimentos.
Seus olhos estão fixos no meu pau, na minha mão, talvez na forma
como minhas bolas sobem e descem, acompanhando o vai e vem. Ele
semicerra os dentes, arrastando uma fileira sobre a outra. Solta um suspiro
lânguido.
— Cale a boca.
Umedeço os lábios. Olho para baixo, para o pau em minha mão. Meus
dedos se movimentam, mas não sinto muita coisa. O balde de água fria que
ele acabou de jogar em mim arruinou o pouco prazer que tirava disso.
— Mais forte — diz e senta sobre os próprios joelhos, como eu. — Use
as duas mãos.
— Pensei que tinha mandado você se calar — replica num tom mais
malicioso do que severo. — Use as duas mãos.
— Assim.
— Solte — diz.
Entreabro os lábios. Ele está próximo demais para que eu não imagine
seu gosto.
Gosta disso? era o que Olivia repetia quando eu gozava depois de tê-
la enforcado. Enrijeço e me afasto alguns centímetros. Meu pau desliza em
sua mão, mas ele aperta forte, me prendendo perto de si. Seu olhar se
estreita.
Uma mecha amarela cai sobre seu rosto, obstruindo minha visão de
seus olhos. Tento tirá-la do caminho, mas ele me impede.
Acompanho seu olhar. Antes que perceba suas intenções, ele envolve
minha cintura com a mão esquerda e me empurra para o lado. Caio de costas
na cama. O loiro deita de bruços em minha frente, não larga meu pau por um
segundo. Seu corpo fica preso no espaço entre minhas pernas abertas. Fita-
me com uma lascívia tímida, asfixiada — o tipo que se vê num adolescente
rebelde quando está prestes a experimentar uma droga nova.
Jude realmente nunca fez isso antes. Seus dentes roçam sobre a
cabeça quando tenta engolir mais do que consegue. Os olhos abrem e
fecham sem um padrão, nunca encontram os meus. Ele não masturba a
base, não se concentra o suficiente na ponta, não faz ideia do que fazer com
as bolas.
A coisa mais excitante sobre isso é seu rosto corado por um tom rosa
claro, mais intenso nas bochechas e no pescoço. Consigo ver a tensão em
seus ombros, os bíceps levemente flexionados mesmo que não tenha que
fazer força alguma.
Pigarreio.
Faz quase uma hora desde que começamos isso. Homem, mulher, não
importa. Depois que você passa tanto tempo sem conseguir gozar, a
frustração começa a se transformar em dor física.
Toco sua mandíbula, abro sua boca. Encosto-a na glande. Ela desliza
para dentro lentamente. Jude consegue engolir pouco mais da metade dessa
vez, mas então está tossindo e recuando novamente.
Não respondo.
Retiro a maldita mecha amarela que esteve sobre seus olhos esse
tempo todo e prendo-a atrás da orelha.
Ele franze a testa, mas não diz nada. Arrasto-me para baixo, sentando
sobre os joelhos e calcanhares. Sem desviar os olhos dos seus, desprendo
suas pernas da minha cintura e forço-as para frente, em direção ao peito.
Tiro o pau até a metade e encaro seu rosto irritado por um tempo.
Flashes de quando fodi Olivia nessa mesma posição e encarei seu rosto
irritado depois de deslizar para dentro dela rápido demais me vêm à mente.
Meus dedos afundam mais no seu pescoço delicado e fino, pisco
rapidamente para não perder o controle. Aperto a traqueia e vejo-a grunhir
em busca de ar, em vão.
— Me responda!
Viro em sua direção instintivamente. Ele não parece tão tenso quanto
antes. Há algo convidativo em suas pernas ainda abertas para mim.
Engulo em seco:
— Sim.
Quando nos separamos, ele joga o peso para trás. Seu aperto no meu
pescoço e na cintura me fazem acompanhá-lo. Deitamos na cama
novamente. Roça o nariz contra o meu.
Você dormiu por três dias, ele comentou casualmente mais cedo. Esse
é meu único marcador da passagem de tempo. Meu coração dói quando
imagino Noah sozinho, há três dias sem notícias minhas.
— Parece que fui atacado por um grupo de selvagens. — A voz ríspida
soa atrás de mim. — Você não podia ter sido mais cuidadoso?
Caminho até a pia da cozinha, pego o primeiro copo de vidro que vejo
pela frente. Abro a torneira. Encho o copo até a metade. Levo-o à boca.
Jude está ali, com uma camisa social branca, um blazer azul e uma
calça de alfaiataria. Não demonstra reação alguma ao copo quebrado no
chão. Apenas permanece me fitando, apático.
Quando paira sobre mim, seu olhar é vago e inexpressivo. Não há nele
sequer um resquício do homem que acabou de gemer na minha pica.
— Além de dois mil dólares a cada foda, você vai trabalhar como meu
chofer pessoal. Uma porcentagem de seu salário será debitada todo mês do
valor total da dívida.
Estufa o peito. O botão mais alto da camisa está aberto. Consigo ver a
leve depressão entre suas clavículas pelo espaço. Merda. Como posso me
atrair tanto por um decote masculino?
— Tenho.
— Ótimo.
— Vou ter que fazer outra cópia. Embora eu realmente fosse gostar
que você não fizesse isso.
Mas morrerei antes de confessar isso para ele. Então o que digo é:
Sei que você tem um irmão mais novo, Kim Henney. Acha que ele
conseguirá pagar sua dívida no seu lugar?
— Prometa que isso vai ficar apenas entre nós dois. — Cruzo os
dedos. Minhas pernas balançam freneticamente.
Levanto do sofá e caminho até ele. A cada passo, meus ombros ficam
mais tensos. A ansiedade me deixa mais agressivo. Jude dá um passo para
trás, me fita profundamente. Paro a alguns centímetros dele. Não digo nada,
deixo que minha postura fale por mim.
— Eu prometo.
Passo por ele e caminho em direção à porta. Jude fica para trás, leva
alguns segundos até se aproximar novamente.
— Vire-se — diz.
Assinto, então retorno à porta. Levo uma mão ao puxador, mas ele me
para no meio do caminho.
— Espere.
Retira um molho de chaves do bolso e o atira sobre mim como fez com
o contrato.
— São as chaves do carro.
— Você me manteve preso na cama por dias, mas confia que não
pegarei seu carro e tentarei fugir assim que deixar esse prédio?
Quando volto o olhar para o seu rosto, noto, pela primeira vez, marcas
de cansaço na testa e sob os olhos.
— Eu os cortaria primeiro.
Jude não resiste ao meu toque — mesmo que possa, mesmo que seus
seguranças possam estourar minha cabeça com um comando só. Na
verdade, ele o aceita: curva a nuca para cima, expira fundo, passa a ponta da
língua sobre os lábios.
— Então você não abomina mais a ideia de estar tão próximo de outro
homem? — Pressiona as pernas contra as minhas, o pau contra o meu.
Há algo sexy e perigoso nisso, nessa frase, na sua voz, no seu rosto.
Algo magnético. Tenho que desviar o olhar para o corredor e esfregar o rosto
para não me perder completamente.
— Boa noite pra você também, Kim Henney — a voz soa atrás de mim,
logo antes do fechar da porta.
O contrato dos Snakes era menos formal do que esse, bem mais
simples também:
Pelo canto dos olhos, vejo o papel amassado. Tenho mais de um ano
para cumprir as condições de Jude, muita coisa pode acontecer nesse meio-
tempo. E se ele se cansar de mim? E se resolver me atirar de volta no
ringue? Estou navegando por um território desconhecido — tanto profissional
quanto pessoal.
Me odeio por ser tão fraco, tão insuficiente, tão desprezível. Por que
Deus me castigou tanto? Por que minha miséria parece nunca ter fim? Mas
não importa. Posso me odiar o quanto quiser, questionar Deus o quanto
quiser. Preciso engolir tudo, manter a cabeça erguida. Preciso enxergar a luz
no fim do túnel; não por mim, mas por meu irmão.
O carro passa por um buraco no asfalto. É claro que não. Ele teve uma
escolha. Eu, não.
— AH!
Abro os braços e ele praticamente pula neles. Dou um passo para trás
para me equilibrar. Envolvo suas costas, aperto-o. Noah descansa o rosto no
vão do meu peitoral. Está vestido apenas por uma calça de moletom, o torso
desnudo, o cabelo bagunçado e o rosto abatido de alguém que acabou de ser
acordado.
— Meu Deus, Kim! — exclama contra meu peito. Seus braços estão
firmes ao redor da minha lombar.
— Sim.
— Sim.
Ele dá um passo para trás e outro soco no meu ombro. Cruza os
braços. Desvia o olhar para as janelas na parede atrás de mim, faz um
biquinho. Após alguns segundos, ergue as sobrancelhas, como se tivesse se
lembrado de algo.
— Sim — diz com uma serenidade que me assusta. — Ele não veio
aqui pessoalmente, mas mandou entregar seu celular, sua carteira e as
outras coisas que estavam com você no ringue. Coloquei tudo no seu quarto.
— Aponta o corredor com o queixo quadrado.
— Outra pessoa veio aqui enquanto você tava com o seu empregador.
— Quem? — pergunto.
— Olivia.
FÁCIL
não me deixe triste, não me faça chorar
às vezes amor não é suficiente
quando a estrada fica muito difícil
[...]
escolha suas últimas palavras com cuidado
essa é a última chance que terá
born to die — lana del rey
Já é manhã.
Merda.
Tento não ser tão melancólico. Visto a roupa, faço o possível para não
parecer que acabei de ser atropelado por um caminhão (embora seja
exatamente assim que me sinto por dentro).
Além do terno, me lembro de outra coisa que será útil hoje. Apanho
uma pequena caixa preta no topo do guarda-roupas. Abro-a. O peso e a
frieza do metal são desconfortáveis, mas é melhor estar prevenido — não sou
otário o suficiente para acreditar na palavra de Jude de que os Snakes vão
me deixar em paz. Prendo o objeto na parte de trás da calça, encubro-o.
Guardo a caixa.
Roubo mais algumas de suas risadas, que ecoam por nossa casa. Me
contagio, rio junto.
— Como caralhos essa merda vai ser útil no futuro? Quanto custou?
— Não acho que o cara vai sentir falta disso, Kim. Aliás, você sabe
disso melhor do que eu. Passou muito tempo com ele afinal. — Balança a
xícara em pleno ar, observando o líquido no interior, evitando meu olhar.
— Só o relógio.
— Devolva.
— O quê?
— Por que é idiotice? O cara literalmente deu esse cartão pra gente—
— Por que está usando o terno do seu pai, Kim? Pra onde está indo?
Hesito.
— Não, não era. Não tive pai, fui criado por um monstro. Você sabe
muito bem disso, foi criado por ele também. E, mesmo assim, é estúpido o
suficiente pra lhe dar alguma validação depois da morte mais que merecida.
Depois de tudo o que ele fez comigo, como pode me pedir para chamá-lo de
pai?
— Não estou. Você é bem grandinho, pode pensar por conta própria.
Mas nunca mais diga que sua morte foi merecida. Foi por causa dela que eu
fui parar naquela fossa, caso não se lembre.
— Porque foi difícil pra caramba ficar sem você nos últimos dias —
dispara ferozmente. — Eu menti, okay? — Volta o olhar marejado a mim. —
Não estou bem. Como espera que eu esteja bem quando a única pessoa que
tenho faz uma coisa dessas comigo?
Puxo-o pelo braço e o obrigo a ficar em pé. Abraço-o mais forte do que
jamais abracei, praticamente abrigando-o em meus braços. Noah chora
silenciosamente contra meu peito, contra o terno de nosso pai, e descarrega
toda a frustração que queimava em seu interior, tudo aquilo que ainda não
tinha colocado para fora. Ele se agarra em mim como se estivesse lutando
pela própria vida. Meu coração afunda, como se uma faca fosse passada
sobre a carne delicada.
— É, sobre isso — diz numa voz mais próxima do normal —: você não
vai deixar essa casa até me explicar o que tá acontecendo, Kim. — Vira-se e
aponta o indicador para o meu peito. — E até prometer que nunca mais
sumirá desse jeito. — O rosto vermelho está confiante e sério. Tão sério que
realmente acredito que não me deixará sair de casa antes de ter o que quer.
Deus, como vou explicar que agora temos o mesmo chefe, que, esta
manhã, sairemos para o mesmo lugar?
Guardo as mãos nos bolsos da calça social azul, encaro meu irmão.
Embora eu tivesse apenas cinco anos na época, ainda me lembro de sua
cara no berçário do hospital logo depois de nascer. Era uma cara parecida
com essa.
Volto a encará-lo. Minha boca seca, minha voz sai mais áspera do que
deveria:
— Por quê?
Tento abrir os lábios e dizer as palavras, mas algo me impede. Merda.
Um peso se deposita sobre meus ombros, o semblante confuso e
preocupado de Noah é constrangedor.
— É dele.
— Não, você não tá falando sério. Por que tá brincando comigo, Kim?
— balbucia com um sorriso nervoso.
— Eu sei.
— Uh-huh.
— Tem certeza de que não está enganado?
— Não sei, Noah. Realmente, não sei. Tem muito sobre isso que eu
ainda não entendo. Dormi por três dias depois da luta. Acordei ontem. E,
acredite em mim: quando soube de quem se tratava, também fiquei tão
confuso quanto você.
Ele leva uma mão à base da garganta como quem tenta se acalmar.
Seus olhos pairam sobre os cômodos vazios na casa, e então sobre o relógio
dourado no pulso. Retira-o rápida e apressadamente. Caminha para longe de
mim, em direção ao próprio quarto.
— Noah...?
Ele se desfaz do meu toque e joga a mochila nas costas. Passa por
mim e caminha até a porta, como se desse a conversa como encerrada.
Porém, logo depois, desiste da ideia.
— Então...?
— Chofer?
— “Estamos bem”? Essa foi a mesma merda que você me disse antes
de ir pro ringue pela primeira vez. Não sei o que está acontecendo entre você
e o meu chefe, mas, eu juro por Deus, Kim: se você se envolver com
qualquer coisa parecida com os Snakes novamente, pode me considerar
morto. Se entrarem por aquela porta — aponta a entrada da casa — pra
cobrar alguma merda de dívida que você me deixou, não vão me pegar vivo,
entendeu?
— Tudo o que vou fazer é pagar minha dívida, de forma limpa dessa
vez.
Fita-me de relance.
— Não preciso.
Noah ainda hesita, olhando ao redor até se certificar de que não tem
alternativa.
— Por quê?
Faço uma curva suave e então paro num sinal vermelho em frente a
uma faixa de pedestres. As pessoas caminham em minha frente enquanto
resmungo:
— O que é Wikipédia?
Gargalho.
— Só tô te zoando.
— Na real, não. Quem sabe ele não se abre mais com você, meu
irmão? Nunca vi Goldman andando com outros caras da empresa, deve estar
precisando de um amigo. Talvez, por isso, tenha comprado sua dívida.
— Pode ser.
— O que quer dizer com isso? Que tipo de coisa já teve de engolir
vindo dessas pessoas?
11h47.
Merda.
Afasto as mãos uma da outra e consigo adivinhar o que vai falar antes
de seus lábios se abrirem.
Quando Jude ouve o clique da maçaneta, ergue os olhos até mim. São
os mesmos olhos gélidos que conheci na noite passada, o mesmo rosto
apático, os mesmos fios dourados — agora reluzentes sob o sol. Diferente de
mim, ele parece ter tido todo o sono de que precisava.
Sem dizer uma palavra, ele abandona a caneta com a qual assinava
os papéis e se levanta da poltrona. Abre os botões do terno azul-marinho, dá
a volta na mesa e se senta na ponta dela. Retira um maço de cigarros e um
isqueiro do bolso da calça.
Ele expele a fumaça do cigarro. Há muito espaço entre nós, o que não
impede que eu me sinta encurralado.
— Não sei se percebeu, mas não sou o tipo que liga pra esse tipo de
frescura. Não precisei de um terno enquanto socava a cara de filhos da puta
no ringue, ou em qualquer um dos serviços que fiz antes disso.
Ele dá de ombros.
Sua postura relaxada me dá nos nervos. Sei que posso manter a nuca
curvada e aceitar as merdas que ele diz, as merdas que faz. Essa é a opção
mais segura afinal de contas. A opção que mais o deixaria feliz.
Ele dá uma longa olhada nas folhas, então me encara. Não há sorriso
arrogante em seus lábios, ou expressão de vitória. Há apenas tédio. “E daí?”,
me pergunta silenciosamente. A apatia me irrita. Atiro o maldito documento
sobre sua mesa e ele se mistura aos outros.
— Me passe um.
— Você sabe de toda essa merda sobre mim e eu não sei porra
nenhuma sobre você. Absolutamente nada.
— Se você acha que tem algum poder nesta relação, está enganado.
Jude entreabre os lábios e roça os caninos entre si. Dobra a nuca para
trás, me encara solícito e selvagem.
— Devia ter falado pra ele que você é o meu cão. É mais próximo da
verdade, não acha?
Aperta a lapela do meu terno bem no local onde meu coração bate.
Jude abaixa o olhar para minha garganta, então para o peito sob o
tecido fino da camisa. Passeia a mão sobre a linha média entre minhas
costelas.
— Você pode achar tudo o que quiser sobre mim em uma página da
Wikipédia.
“É bem estranho que alguém rico e exposto como ele não tenha
sequer uma página na Wikipédia.”
Sem retirar os olhos dos fios claros que caem sobre sua testa, dou
uma última tragada no cigarro e rebato:
— Sua tia?
— Aham.
Mordisca o lábio.
— Já está fazendo perguntas difíceis... Nem começamos nosso
joguinho ainda.
Ele sorri, provocativo. Mas não me engana: vejo a tristeza por trás
deste sorriso. Tristeza que me deixa curioso.
— Sua idade.
— Olhe para mim — sussurro contra seu rosto. Ele o faz. — Quantos
anos você tem?
— Por quê? — pergunta com desconfiança. — Por que fez tudo isso?
Fecho o rosto.
— Minha mãe nos abandonou quando Noah tinha quatro anos. Meu
pai preferia gastar seu dinheiro com bebidas e putas ao invés de alimentar os
filhos. — Reflito. — Entre bebidas, putas e apostas ilegais, não devia sobrar
muito pra comida mesmo. — Uma risada amarga deixa meus lábios.
— Fui muito cego. Devia ter percebido o que ele estava fazendo antes
que fosse tarde demais. Assim... poderia ter fugido com meu irmão, ou
guardado alguma coisa pra quando os cobradores viessem à nossa casa.
— Já surgiu.
— Não sinto.
— Não sei.
— Não sei. Quero me afastar, mas não consigo. Meu corpo não
obedece minha mente.
— Então me conte.
— Vim aqui hoje... com o seu carro — balbucio, o olhar fixo em seus
lábios. — O contrato tá assinado, na sua mesa. Tô te contando sobre o meu
passado fodido. — Ergo os olhos até os dele. — O que você acha?
Meus olhos vagam até seu pescoço. Penso em pedir desculpas, mas
suprimo o desejo. Não vou me desculpar uma segunda vez.
ANTES
Subi as mãos das coxas até a cintura, apertei-a mais contra mim.
— Me desculpa — eu disse.
— Ainda estamos jogando o seu jogo, Kim. Quem era a mulher que
você enforcava enquanto fodia? — dispara de maneira cínica. — Foi ideia
sua... ou dela? Hmm, pelo olhar no seu rosto, acho que nem vale a pena
perguntar quem era a putinha da relação.
— Me chamou até aqui pra falar sobre o meu passado ou pra que eu
coma seu cuzinho?
Não respondo.
Ele mantém o olhar preso no meu quando toca minha nuca, forçando-a
para baixo.
Jude repousa a mão livre no meu peito, então sussurra ao meu ouvido:
— Não tem medo de que seu irmão nos escute do lado de fora? — E
morde o lóbulo da minha orelha.
Jude o faz sem questionar. Aperto suas coxas, impulsiono-o para cima.
Suas pernas envolvem minha cintura, está preso nos meus braços. Suas
mãos apertam minha cabeça e o terno barato. Ele descansa o rosto no vão
entre meu pescoço e o ombro.
— Sim.
Quando Jude fita meus músculos, seus dedos ficam imóveis nos
botões. Sua expressão se fecha, mas de uma maneira diferente. Não está
irritado ou magoado. Está sedento.
— Não tenho.
Kim mantém o peso todo depositado sobre mim, seu peito exposto me
encobre como uma muralha de músculos. Fito-o e vejo o desejo de entrar na
minha boca outra vez estampado nas íris escuras. Viro o rosto para o lado.
— Olha só a bagunça que você fez. O pobre Noah vai ter que ficar
depois do expediente pra arrumar tudo.
O calor torna-se insuportável, mas não tenho forças para afastar Kim e
retirar minha camisa; não tenho forças para me descolar dele por um
segundo sequer. Ele me exaure.
Kim morde meu lábio inferior e puxa-o para cima, bem próximo de
rasgá-lo.
— Ah!
Respiro fundo. Sem largar seu olhar, abro alguns botões da minha
camisa.
Toco seu dedo com a língua e o chupo até a base. Deixo que deslize
para fora lentamente. Saboreio o gosto de suas digitais, de sua pele. Ele me
fita como se estivesse hipnotizado.
Kim não responde de imediato, mas posso ver uma ou outra coisa
passando pela sua mente. Ele é muito transparente. Isso é perigoso... para
ele mesmo.
Será que tem ideia do que homens como eu podem fazer com homens
como ele?
Toco os fios lisos e macios nas laterais de sua cabeça, inclino-me até
ele. Sinto o cheiro suave, fresco, de seu cabelo.
Sem desviar o olhar do meu, ele segura minhas coxas e as inclina para
trás, dobrando meus joelhos, me expondo completamente a ele. Aproxima
uma mão dos meus lábios, dois de seus dedos invadem minha boca
apressadamente. Chupo os dois como fiz com o polegar. Quando deslizam
para fora, estão encharcados de saliva. Kim não demonstra qualquer reação.
Os dedos viajam diretamente dos meus lábios à entrada entre minhas pernas.
Meu estômago queima pela antecipação.
Movo o quadril em direção aos seus dedos. Arrasto uma das pernas
pelo seu torso desnudo, até descansar o tornozelo em seu ombro. Ele
acaricia meu pé com a bochecha. Traço o contorno de sua sobrancelha com
o dedão.
— Sem muitos problemas pra você, quer dizer — replico. — Por que
está tão tagarela hoje?
Os dedos entram fundo outra vez, minha perna desliza pela lateral de
seu corpo. Ele se deita sobre mim. Apoia o cotovelo ao lado do meu rosto,
responde com certa ferocidade:
Deslizo a perna pelo seu abdome, toco sua bunda. Tento puxá-lo para
mais perto. Kim é uma parede, no entanto. Não se move a não ser que
queira.
Kim traça a lateral do meu rosto e do meu pescoço com beijos suaves
— beijos que me acalmam. Quando chega ao ombro, para. Seus dedos
deslizam para fora e ele se afasta, volta a ficar em pé. Não consigo desviar o
olhar, é como se uma corrente magnética me prendesse aos traços brutos e
jovens de seu rosto.
Ele retira o cinto, abre o zíper da calça e a desliza para baixo. Tudo
lentamente, tudo sem piscar uma vez, tudo enquanto meu corpo treme por
desejo, por desejo dele.
Mais magnético do que seu olhar é seu pau. Meus olhos deslizam até
ele sem nem perceber. Sob a cueca branca, vejo claramente o desenho do
membro. As veias, a cabeça, o espaço sensível entre a cabeça e o corpo, a
abertura de onde uma ou outra gota de pré-gozo escapou e umedeceu o
tecido, a protuberância circular dos testículos.
Uma mão segura meus quadris; a outra, meus ombros. Curvo a perna
esquerda sobre a mesa, estico a direita até o chão. Meu pau é esmagado
delicadamente contra a mesa, num ângulo que não me permite tocá-lo, mas
não incomoda.
Ele abre os olhos, encara meu rosto molhado. Meu corpo esquenta
sob suas mãos; em resposta, elas me apertam com mais força. Seus
movimentos lentamente se tornam mais intensos, o pau começa a entrar até
a base. Seu quadril se impulsiona contra o meu com cada vez mais
ansiedade, mais violência. O som de nossas peles se chocando é alto e
obsceno. Espero que o jovem Noah esteja bem longe da porta do escritório.
Ele intensifica as estocadas. A mesa range toda vez que seu quadril se
choca com a minha bunda. Preciso trincar os dentes para não acabar
gritando.
Empurro-o para o lado com o ombro. Curvo o pescoço para trás. Fito-
o.
Jogo um dos braços para trás e fecho o punho em seu peito, o impeço
de continuar. Me movo para frente sem perceber, tentando fugir da
penetração.
Seu rosto não mente: ele está chateado por ter me causado dor, e
agora está tentando me agradar. Que cão bem treinado.
— Você tá diferente hoje — comento. Encontro suas íris escuras: —
Parece que comprou a história do cão e entrou no cio.
— Só isso?
— Só.
— Posso te enforcar?
Posso te enforcar?
Posso te enforcar?
Não posso ser hipócrita comigo mesmo e dizer que não gostei de seus
dedos rudes e grossos ao redor da minha garganta.
Posso te enforcar?
Posso te enforcar?
O telefone toca.
— Achei que tinha deixado bem claro que eu não deveria ser
incomodado enquanto estivesse com meu chofer. É melhor ter uma
justificativa muito boa para fazer isso agora, ou uma nova vaga de secretária
será aberta ainda esta tarde.
— Que situação?
— Sua tia acha que a iminente crise do euro vale uma discussão em
caráter emergencial.
— Obrigado.
Ele fica parado por alguns segundos, mas não consegue ignorar a
ordem implícita no meu olhar. Apanha minha camisa branca do chão e a
coloca sobre meus ombros, encobrindo parte da minha nudez.
— Bom garoto.
— Pra onde?
Ele se aproxima mais. Seu corpo projeta uma sombra sobre mim, seus
lábios aproximam-se do meu ouvido:
— E você vai me deixar assim? — Leva minha mão até seu pau. —
Que tipo de dono você é?
— Olha só, alguém aqui aprende rápido. — Entro no carro. Ele fecha a
porta e se dirige ao banco do motorista. Coloca a chave na ignição.
— Não acho que foder no meio da rua seja uma boa ideia.
Apanha o embrulho retangular que guardei ali alguns dias atrás. Ele o
vira de um lado para o outro com algum interesse. Nossos olhares se cruzam
pelo retrovisor.
— Abra e descubra.
— Não espera que eu permita que você trabalhe pra mim vestido
nisso, não é? — Indica meu terno com um levantar das sobrancelhas. —
Como você disse que não tem mais nenhum, não temos outra opção.
— Ajudando?
— Sim. Seu irmão estava mais bem vestido do que você. Isso não te
incomoda?
Se entrarem por aquela porta pra cobrar alguma merda de dívida que
você me deixou, não vão me pegar vivo, entendeu?
— Sim, senhor.
Saio do carro e abro a porta de Jude. Ele fecha o terno e caminha para
o interior da loja. Sigo-o logo atrás.
— Cosa ne pensi?
— O que foi?
— Vai me presentear?
Esfrego o tecido caro e macio entre meus dedos. Miro-o com certo
desgosto.
Inspiro fundo.
— Pra caso você resolva cobrar as coisas que Noah comprou no seu
cartão enquanto eu estava fora de casa.
— Esqueça aquele cartão, não há dívida alguma a ser paga por causa
dele. Tem minha palavra — afirma, soando honesto o suficiente para me fazer
vacilar. — Posso ser várias coisas abomináveis, mas sou um homem de
palavra, Kim Henney. — Estreito os olhos. — Também tem minha palavra de
que o valor do terno não será descontado do seu salário.
— Talvez eu queira.
— Eu sei.
Esfrego minha barba por fazer, os olhos fixos nele. Um calor estranho
espalha-se em minhas entranhas, meu coração dispara sem razão aparente.
— Sim.
Jude assente.
— Quebrar o contrato é a única coisa que não posso fazer, sinto muito.
Umedeço os lábios.
— Nem um pouco.
Goldman toca meus braços, e então sobe as mãos aos meus ombros,
meu pescoço. Por fim, repousa-as no meu rosto.
— Como queira.
No fim do beijo, Jude morde meu lábio inferior, puxando-o para cima
entre os dentes. A pele se rompe. A dor é pífia, mas o gosto metálico e forte
de sangue espalha-se em minha boca. Goldman admira sua travessura com
certo encanto. Passa a ponta da língua sobre meus lábios, saboreando
algumas das gotas rubras. Nossos olhares se encontram.
— Quando estou com você — ele murmura quase sem voz —, não sei
mais o que gosto ou não gosto. Não sei mais quem sou.
Sorrio.
— Achei que iria ficar satisfeito com um beijo, mas estava enganado.
— Você ganhou um terno e um beijo hoje, Kim. Não acha que está
sendo ganancioso? Essa é uma das piores qualidades de um homem.
— Aham.
— O quê?
— Sua porra.
— Você ainda não disse se quer que eu fique — murmura tenso diante
do meu silêncio.
— Vou te falar o que quero. — Retiro o terno velho do meu pai e atiro-o
para o lado. — Quero que me ajude a trocar de roupa, a colocar o terno que
vai comprar pra mim. Se fizer um trabalho tão bom quanto seu amigo
pervertido lá fora faria, vou gozar na sua boca.
Goldman inclina o pescoço para o lado, analisando minha proposta,
examinando minhas intenções.
Sem dizer uma palavra, começa abrindo os botões das mangas, então
parte para o meu colarinho. Os dedos manhosos deslizam sobre a camisa
como se quisessem esticar a tarefa; tateiam o botão mais superior na parte
da frente, e o abrem. Então o segundo, o terceiro, o sétimo. Meu torso e
abdome ficam expostos. Goldman puxa o tecido preso dentro da minha calça
para fora e, sem cerimônia, empurra a camisa para trás, fazendo-a cair pelos
meus ombros, costas e braços. A peça repousa no chão com um baque
surdo.
— Você tá me zoando.
Meu olhar cruza com o do Kim do outro lado. Eu quero ser como você.
Me ensine a ser você.
— Um homem poderoso.
— Mereço?
— Bom garoto.
— Merda.
São dois homens muito parecidos. Ambos carecas, com poucos traços
distintos em seus rostos; as mandíbulas são bem definidas, os olhos são
afiados, pequenos e sugestivos. O da direita tem olhos castanhos; o da
esquerda, verdes. Talvez sejam irmãos. Vestem blazers acobreados e calças
um pouco mais escuras, vináceas. As blusas são pretas, grossas e de gola
alta. No lado direito de seus pescoços, uma tatuagem entrega suas
identidades.
Merda. Merda.
Goldman me fita.
— O que foi?
— Acho que você devia dar o fora aqui antes de termos problemas.
— Filho da puta.
Jude se levanta num supetão e parte para cima dos homens. Seguro-o
pelo braço. Ele se vira bruscamente.
— Talvez queira guardar seu amigo nas calças outra vez — o cara da
direita diz e indica meu pau com o olhar. — Precisamos conversar.
Merda.
ESCORPIÕES
se você precisar de alguém,
vou interromper meus planos
mas você vai ter que me amarrar
e então quebrar minhas duas mãos
se você precisar de alguém, estarei bem aqui
mas você vai precisar me segurar pela garganta
e me erguer no ar
jumpsuit — twenty one pilots
Quando voltei para casa, prometi a Noah que não tinha mais uma
gangue no meu rabo. E estava certo: agora tenho duas. Boa, Kim.
— Vou abrir seus estômagos com os dentes, puxar suas entranhas pra
fora e então forçá-los a comê-las se não me disserem quem são e o que
querem nos próximos trinta segundos — afirmo vagarosamente.
— Uau, uau, uau, ele tem culhões de ferro, Wolf. Viu isso? — Ri como
uma hiena, agarrando o couro do banco. Atrás de mim, o outro mafioso
acompanha sua risada. Wolf. — É mesmo a porra de um milagre que os
Snakes tenham conseguido te adestrar.
— Ok, ok. Como eu quero manter minhas tripas aqui dentro — toca
sua barriga —, vou parar com as piadinhas. — Direciona-se ao mafioso ao
meu lado: — Não seja um cuzão, deixa o cara respirar.
— Sei.
— Como você mesmo disse, minha dívida foi comprada. Não tenho
mais relação alguma com os Snakes — explico. — Então por que caralhos tô
nesse carro?
Ele abre a boca para responder algo furioso, mas então a fecha
rapidamente. Luta por alguns segundos contra a vontade de deixar escapar o
que quer que tenha passado por sua mente neste momento, fazendo
algumas caretas cômicas ao abrir e fechar os lábios.
— Não são muitos os miseráveis que entram naquele covil e saem pra
contar história — diz num tom mais brando. Me fita tão profundamente que
me sinto invadido. — Kim, nós também sabemos quem você é. Sabemos o
que eles fizeram com você, com sua família. A dívida de seu pai não merecia,
não deveria, ter sido cobrada do jeito que foi. Eles te ameaçaram com outra
coisa antes de te arrastarem pro clube de luta?
— Não interessa.
— Não, não mesmo. Mas sabe o que interessa? — Toca meu rosto e
me puxa para frente, nos aproximando mais. — Que você sobreviveu a toda
essa merda, que está aqui hoje pra contar história. E que tem a chance de se
vingar das pessoas que fizeram tudo isso.
— Não ouviu o que eu disse? Vamos tomar de volta nossa cidade das
mãos daqueles filhos da puta, vamos explodi-los antes que percebam o que
os atingiu, cortar a cabeça da serpente e triturar suas presas, enfiar seu
veneno goela abaixo de todos que a seguem, como você estava enfiando o
pau na garganta daquele loirinho. Vamos arrombar suas gargantas com
nossos caralhos de ferro, Kim, asfixiá-los até ver as lágrimas saindo de seus
olhos malditos.
Afasto meu rosto de sua mão e observo com cautela os dois mafiosos
no carro. O sorriso de Maddox se desfaz.
Me dirijo a Maddox:
— Tô farto dessa merda. Se você acha que vou escapar de uma
gangue e pular de cabeça em outra só por vingança, está redondamente
enganado — declaro, grave e seguro. Sangue começa a vazar entre meus
dedos. — Além do mais, não acho que tenha muita utilidade pros planos de
vocês. Não é como se eu frequentasse reuniões da cúpula dos Snakes
enquanto estava lá. Eu era um cão, caso não saibam ou não se lembrem.
Meu lugar era no canil, no subterrâneo, rasgando as gargantas de outros
como eu pra conseguir ver um novo dia nascer. Eu conheço violência,
conheço sangue, conheço dor. Não conheço nada mais que venha daqueles
desgraçados. — Solto a faca e empurro Wolf para trás, livrando-me dele. —
Então sinto muito em decepcioná-los.
Acha que era fácil te ver chegar em casa ensanguentado toda maldita
noite?, as palavras de Noah ecoam na minha mente. Acha que era fácil
cuidar das suas feridas que abriam no meio da noite?
— Nada.
— Kim—
— Entre no carro.
— Algo que não pedi, e que não quero — digo, muito mais inseguro do
que achei que soaria.
— O quê?
— Um lugar na máfia.
INTERLÚDIO
1 ANO ANTES
Aviso de gatilho:
— Cuspa — mandou.
1 SEMANA DEPOIS
— Cê tá louco — resmungo.
— Tem uma ciência por trás dessas coisas, Kim — ele diz com uma
certeza cômica e gesticula com as mãos como se tivesse descendência
italiana. — O enredo é sempre a mesma porcaria.
— Nem fodendo.
Ele estica um dos braços sobre o apoio do sofá e cruza os pés sobre a
mesa de centro da sala de estar. Pego o recipiente plástico cheio de batatas
fritas sobre a mesa e trago para o sofá, deixando-a no espaço vazio entre nós
dois. Como uma, duas, três, enquanto o filme se prolonga.
— O quê?
— É o meu trabalho como seu irmão mais velho, idiota — digo. Estico
o braço sobre o estofado, convidando-o a se aconchegar em mim. — Agora
vem aqui.
Ele o faz prontamente, aninhando-se no meu peito.
— Foi tão bom passar o dia com você hoje — meu irmão murmura em
determinado momento. Encaro o topo de sua cabeça, num misto de surpresa
e compreensão. Ele continua: — Queria que a gente pudesse passar mais
tempo juntos assim. Sinto como se tivéssemos perdido um ano inteiro com
tudo o que aconteceu.
Expiro fundo, fico calado por alguns segundos. Noah curva o pescoço
para o lado e para cima, me encara.
— Eu gostaria disso.
— Eu te amo, maninho.
Assinto.
Meu irmão sai do sofá e se dirige à cozinha outra vez.
Observo suas costas. Como posso amar outra pessoa dessa forma?
Ao ponto de me sacrificar por ele sem pensar duas vezes, de sentir dores
piores quando ele está machucado do que quando estou completamente
fodido? Como meu pai pôde não nos amar dessa mesma forma?
O toque continua ressoando cada vez mais alto, cada vez mais
desnorteante. Está vindo de algum lugar ao meu redor. Guardo meu aparelho
no bolso e procuro sobre o sofá, a mesa, o chão, mas não encontro a fonte
do barulho irritante. Até que me viro em direção à porta. Mais
especificamente, ao gancho para chapéus preso à porta, onde larguei meu
terno quando cheguei em casa ontem à noite.
Sempre que esse celular tocar... atenda, não importa o que esteja
fazendo.
Caminho até o terno, vasculho seus bolsos até pegar o aparelho que
Jude me deu. Encaro a tela, e é o seu maldito número.
— O que você está fazendo? — a voz soa do outro lado, fria e ríspida
como sempre.
— Preciso de você.
— Filho da puta.
Mais uma vez, preciso fazer algo que não quero. Mais uma vez,
preciso abandonar meu irmão em prol da maldita dívida que sequer é minha.
Não sei se Deus existe. Se existe, não sou um de seus filhos favoritos. Nem
de longe.
— O que quer dizer? Tem que ser justo você? — Meu irmão começa a
se alterar. — Esse não é o seu dia de folga?
— Deveria ser. — Retiro a camisa preta surrada que vestia até então e
troco pela outra. Faço o mesmo com a calça, trocando-a por um jeans escuro
e rasgado nos joelhos.
— Ótimo — grunhe.
— O quê?
Reviro os olhos.
— Por quê?
— Então, por favor, me conte mais detalhes sobre meu próprio chefe,
Kim Henney. Aposto que vocês dois têm aproveitado muito seu tempo juntos.
— Você não pode achar que sou tão idiota, certo? Não pode realmente
acreditar que eu cairia nesse papinho de que um homem como ele compraria
a dívida de um homem como você apenas pra te colocar no cargo de chofer.
Eu sei que tem mais alguma coisa acontecendo — insinua —, e vou descobrir
o que é.
— Homem como ele? Homem como eu? — repito, num grito tão alto e
rouco que machuca minha garganta. Inspiro fundo com alguma dificuldade. O
ar que antes me dava claridade agora me envenena. — Tá tentando me
machucar? — questiono, sem esconder a mágoa em minha voz.
— Cale a boca. — Abro a porta. — Não quero ouvir sua voz por um
tempo.
Aviso de gatilho:
violência conjugal/doméstica
Prestes a pegar meu celular pessoal e ligar para ele, ouço sons
abafados e altos num cômodo próximo. Parecem pancadas contra uma
superfície macia.
Jude está de costas para mim, vestido apenas com uma bermuda
curta de treino, branca, e um par de luvas de boxe. Suas costas estão
suadas, e os músculos se contraem e relaxam enquanto soca um saco de
pancadas pendurado próximo a uma das janelas do cômodo, em frente a
uma parede espelhada. O chão está recoberto por um tatame; há uma luva
extra, uma luva de foco aparador, duas bandagens, além de protetores de
cabeça, bucais e genitais, largados num dos cantos do cômodo. Quando ele
preparou toda essa porra?
Aproximo-me dele.
Encaro sua nuca. Um filme do último ano da minha vida passa pela
minha mente. Curvo a nuca para baixo, melancólico.
— O que quer dizer? Você não lutava antes de ir pro ringue dos
Snakes?
— Não.
— Você venceu 364 lutas seguidas sem lutar boxe antes? — Contrai o
rosto, incrédulo.
Aceno e dou um passo até ele. Prendo as luvas pretas sob as axilas e
puxo seus braços até mim. Sem dizer uma palavra, desfaço a bandagem
porca que ele fez sozinho e inicio o processo de fazer uma mais decente.
Quando eu era iniciante, também tive problemas com essa coisa.
Contraio os lábios.
— Gostou dessa?
— Por quê?
— Você vai ser meu professor — diz com tanta naturalidade que, por
um segundo, não me dou conta do que as palavras significam.
— O quê? O que, seu filho da puta? — Minha voz sai esganiçada entre
as risadas. — Você tem coragem de me perguntar isso? — Encubro a boca
com a mão. Fecho os olhos, caminho de um lado para o outro, respirando
fundo. Quando consigo me recompor, rebato: — Me tirou de casa e me
chamou até aqui pra essa merda?
— Posso te chamar quando quiser, para o que eu quiser. Temos um
contrato, se lembra? — fala em seu tom arrogante e frio costumeiro.
Ele se irrita.
Você não quer comprar uma briga com Jude Goldman. Acho que enfiei
o conselho de Noah no cu.
Para minha surpresa, Jude não se afasta. Na verdade, dá um passo
em minha direção e cicia:
E cruzo os braços.
— Não.
— Sim.
Ele repete o que lhe foi ensinado, posso até confundi-lo com um
boxeador amador que nunca viu um tatame antes na vida.
— Pode partir pra parte que importa? — diz com alguma antipatia.
Aperto os lábios.
— O jab é um golpe reto no seu oponente, no queixo ou no abdome.
Vamos focar só no queixo pra não complicar demais. O soco é rápido, sua
mão precisa voltar para proteger seu queixo imediatamente. — Enquanto
explico, realizo o movimento várias vezes, enfatizando diferentes etapas. —
Percebe como minha palma fica voltada pra baixo? Como meus cotovelos
não dobram pro lado? — Ele acena, e mimetiza o movimento. No entanto,
comete o erro mais básico de todos. Seguro seu braço próximo ao corpo. —
Não deixe sua mão abaixada dessa forma, lembre-se sempre de proteger seu
queixo. — E ergo-o até próximo ao rosto. Esfrego seu queixo com o polegar.
— Não iria querer que um selvagem como eu destruísse essa coisinha linda,
não é mesmo?
Franzo o cenho.
— Nunca falei que o achava feio. Agora repita o jab, protegendo seu
queixo dessa vez. — Ele o faz. — Perfeito.
— Por quê?
— Curiosidade.
Ele se corrige, mas volta a errar, o que é normal para alguém cuja
experiência no boxe até agora consistia em sentar na plateia e observar os
homens de verdade lutando no ringue.
— Agora, faça uma série, se aproximando com um passo — faço um
jab —, e se afastando com um passo — e um cruzado — em seguida.
Começo devagar, um jab óbvio aqui, outro ali. Ele se defende deles
com alguma habilidade, porém com dificuldade em coordenar o movimento
seguinte. Quando inicio os cruzados, as séries e, principalmente, quando
aumento a velocidade, ele se desespera e acaba perdendo parte do controle.
Por algum tempo, tento não atingi-lo, espero que se renda. Mas ele
não o faz, e continua insistindo, mesmo que em clara desvantagem. Avanço
contra Goldman, empurrando-o para trás, errando meus socos
propositalmente. Quando suas costas encostam na parede espelhada e um
suspiro de surpresa deixa seus lábios, desfiro um golpe com toda a força em
seu rosto, parando a meros milímetros de seu nariz — e de uma chamada de
urgência por uma ambulância.
Abro o velcro das luvas e viro de costas, caminhando para trás. Atiro-
as sobre o tatame e esfrego o rosto. Tento ignorar minha ereção.
Posso ter alguns parafusos soltos, mas ele tem mais, muito mais.
Ri com escárnio.
E, mais uma vez, minha mente se prende nas memórias do ringue. Fito
a paisagem noturna de Nova York pela janela. Vejo as luzes de um avião
cruzando o céu neste momento.
— Culpa de quem?
— Dos caras que lutavam comigo. Eles não tinham culpa de serem tão
despreparados. Eram homens normais, como eu, arrastados praquele lugar
contra a vontade.
Em momentos como esse, ele soa tão diferente do homem que acabou
de me comparar aos criminosos que destruíram a minha vida; preciso me
virar em sua direção para me certificar de que é a mesma pessoa. E,
surpreendentemente, ainda é. E suas palavras — as palavras que ninguém
me disse até agora, nem Olivia, nem Noah, nem o maldito espírito de meu pai
em meus pesadelos — preenchem um buraco em meu peito junto com a
serenidade de seu olhar, com o calor de sua pele tão próxima à minha.
Por um momento, esqueço qualquer coisa sobre o homem ao meu
lado que não seja este olhar, esta voz, estas palavras, e me permito demolir
parte da armadura com que aprisiono minhas inseguranças.
— O meu também estaria nos ombros deles se não fosse por você.
— Bom saber que tem alguma gratidão por isso — balbucia. Os dedos
brincam com o tecido acolchoado do chão.
— Não sei.
— Por que inventou essa história do boxe justo hoje, quando eu estava
com Noah? — Arqueio as sobrancelhas. — Estava com ciúme dele?
Seguro seu queixo e viro-o para mim, fitando suas íris gélidas outra
vez, os malditos pedaços de oceano que às vezes me fazem esquecer de
quem sou.
— Acha que sou feio? — indago com o cenho franzido, e sinto sua
respiração pesada contra meu rosto.
— E você fica de quatro com um sorriso no rosto pro cara mais feio
que já viu na vida? É tão pouco exigente, Jude Goldman? Sei que não se
importa com o boxe, que só fez essa merda pra chamar minha atenção.
— Eu te odeio tanto. — Aperta forte meu pulso com uma mão, e com a
outra agarra meu ombro. — Às vezes acho que estou enlouquecendo —
confessa de olhos fechados.
A cada vez que fodemos, entendo mais sobre o corpo dele. Existe um
equilíbrio entre a velocidade e a intensidade que Jude consegue suportar;
preciso me controlar para não ultrapassar esse limite. O problema é que ele
se comunica apenas quando o limite já foi ultrapassado. É difícil saber
quando está sentindo prazer ou desconforto, quando está sentindo algo ou
nada.
Isso é novo para mim. Olivia sempre deixou seus gostos muito
explícitos, eu estava acostumado a ultrapassar o limite entre dor e prazer com
ela. Com Jude, me sinto preso por uma coleira.
Penetro Jude inteiro de uma vez só. Ele praticamente engasga com a
própria saliva.
— Vá um pouco mais devagar, desgraçado! — Soca meu peito,
impedindo meus movimentos. — E um pouco menos fundo também.
Puxo seu braço para longe do meu pescoço. Ele se desequilibra, cai
de costas no chão. Surpreso, fica parado, me encarando de baixo. Há
hostilidade em seu olhar.
— Pra alguém que sobreviveu tanto tempo num ringue, você tem uma
baixa tolerância pra dor. — Bufa e se arrasta para longe, sentando-se contra
a parede oposta ao espelho.
— Vai ficar surpreso quando descobrir que os lutadores são todos uns
frouxos — digo.
— Às vezes...
— Nada.
— Então você quer saber tudo o que se passa na minha mente mas
não quer dizer o que se passa na sua? — pergunto.
— Você me disse que a conversa foi pacífica, exceto pelo corte. Houve
algo a mais na oferta deles que te fez achar o contrário?
Seu sorriso se alarga. Para alguém tão sério o tempo todo, ele tem um
sorriso lindo.
Touché.
— Não sei. Foi só um chute. — Ele se retesa, mas está preso sob o
meu toque, não pode se afastar muito. — E, pela sua reação, acho que
acertei.
— Bom — é tudo o que diz, no tom mais frio que já escutei sair de sua
garganta.
Deslizo as mãos pelo seu corpo, até segurar seus flancos e me inclino
para frente, sentando. Puxo-o para frente, de encontro ao meu peito,
retirando parte da pressão de seus quadris. Ele aperta meus braços quando
sente o alívio, enterra a cabeça no vão entre meu pescoço e meus ombros.
Alterno o olhar confuso entre o rosto dele e o dela. Tento entender que
merda está havendo aqui. Porém, qualquer hipótese na qual eu possa chegar
é triturada quando ele se volta para mim e diz:
— Mas que porra, Jude? — sibilo entredentes, furioso. Tão furioso que
nem consigo fitá-lo nos olhos.
— Por favor, não se incomode comigo, finja que não estou aqui. — A
mulher cantarola e se vira em minha direção. Nossos olhares se cruzam. —
Sempre tive curiosidade de ver dois homens fodendo na vida real. —
Caminha em direção a Jude. Posiciona-se ao seu lado, como uma matriarca,
e esfrega seus ombros. Beija sua bochecha e acaricia seu rosto. — E que
oportunidade melhor de fazê-lo do que com meu próprio marido? — Jude a
fita. — Vá em frente, quero ver.
Meu rosto queima. Minha mandíbula está tão tensa que posso quebrar
meus próprios dentes a qualquer momento.
Não consigo colocar para fora tudo o que estou sentindo. Vergonha
misturada à ira, misturada a desejo; é uma combinação explosiva.
— Vá à merda.
Pego minha camisa do chão. Me viro. Tento sair pela porta, mas Jude
agarra meu braço.
— O quê?
Quando percebe que não vou obedecê-lo desta vez, é tarde demais.
Agarro o puxador da porta de saída do apartamento e fito-o sobre os ombros
uma última vez.
Quem ele acha que é para decidir o que posso ou não fazer com ele?
Para dizer quando posso ou não humilhá-lo? Quão inconsequente alguém
precisa ser para desafiar o homem que tem seu destino na palma da mão?
Que o salvou de um maldito canil? Ele quer voltar para lá?
Soco a parede.
Soco a parede.
Por que não me obedece o tempo todo? Posso matá-lo só por isso.
Soco.
Posso jogar seu corpo aos ratos do esgoto só por ter complicado tudo.
Soco.
Não entende que há muito mais em jogo aqui? Por que não entende?
Soco.
A dor me invade de uma vez só, como um choque. Grito. Tento abrir a
mão, mas não consigo: é como se a passasse por um moedor de carne. Meu
braço inteiro fica dormente.
Por que ele é tão atraente quando toma controle sobre si?
Encaro os nós dos meus dedos em carne viva. Tenho o desejo visceral
de esmagá-los contra a parede até meu sangue pintar os azulejos brancos.
Mas me lembro de que tenho visita. Minha querida esposa está me
esperando no andar de baixo.
— Acho que saber quem é o homem que está fodendo meu marido é
de meu interesse sim, Jude. Não acha também?
Encaro meu reflexo no espelho. Tão útil quanto raspar os pelos quase
invisíveis da minha barba.
Abro a navalha.
— Sabe?
Segura meu queixo, sujando os dedos com o creme. Vira meu rosto de
um lado para o outro, analisando as áreas já barbeadas e as que ainda
precisam de trabalho.
— É.
— Como o planejado.
— Então por que trazer um miserável inocente pra dentro disso? Por
que ser tão cruel?
Ela se limita a concordar com a cabeça. Retira mais um, dois cortes de
creme do meu rosto antes de comentar:
— Ele é bonito.
— Sei de seu fetiche, mas pode esquecer; não vamos transar com
você no mesmo cômodo. Particularmente, não me importaria, mas Kim é
muito moralista.
— Durante a investigação.
— De quem?
— E qual é o nome?
Umedeço os lábios.
Largo a pia e dou um passo para trás. Entreabro os lábios, mas não
tenho uma resposta pronta. Realmente me esqueci. Encaro o piso branco
entre nossos corpos com um olhar vazio.
— Falei pra você anotar na sua agenda nas últimas vezes em que se
esqueceu — reclama e bate o salto no chão uma única vez.
— Mas há espaço pra ser fodido pelo seu chofer? — esbraveja contra
meu rosto. — Ela é sua filha, tanto quanto é minha. — Aperta mais meu
braço.
Curvo o pescoço para baixo, até estar tão perto dela que nossas
respirações se misturam.
— Não pra uma criança de quatro anos, Jude. — Seu tom magoado,
frágil, me faz parar. — Mesmo que ela não seja nada pra você, é tudo pra
mim.
Cerro as pálpebras. Tento controlar a enxurrada de sentimentos que
me invade neste momento. Florence não me dá tempo, entretanto. Logo está
me virando pelos ombros.
O asco me faz perder o controle. Agarro seu braço fino, puxo-a para
perto grosseiramente.
Florence me fita como uma águia, o corpo inteiro tenso sob meu toque.
Não vacila um momento sequer quando diz:
Ela segura meu braço com a mão livre, finca as unhas afiadas na
carne.
Deixo o banheiro. Caminho até o closet. Pela varanda, vejo que daqui
a pouco estará escuro. Abro o closet. Navego até a seção de cuecas. Retiro a
toalha da cintura. Visto a primeira peça que encontro.
— Ela te ama, Jude — a maldita voz de Florence volta a ecoar às
minhas costas. Aperto os olhos, amaldiçoando os seguranças que a deixaram
entrar no prédio. — Ela te ama tanto. Me pergunta sobre você todo dia.
— Não foda a infância da sua filha como foderam a sua — ela diz
calmamente, em completo contraste ao rosto transtornado.
— Eu te amo.
Assim como sei que não me ama, ela sabe que não a amo de volta,
que não amo nossa filha, que não amo qualquer coisa que jamais tenhamos
tido. A única coisa que nos mantém ligados é o ódio comum a outra pessoa.
Um ódio mortal. O sentimento mais vil, hediondo, desdenhável do universo. O
único sentimento capaz de manter unidas duas pessoas que deixaram de se
importar consigo mesmas há muito tempo — duas pessoas que têm muito
pouco a perder.
Minha garganta seca. Minha boca treme. Não consigo mentir para mim
mesmo.
Pego a aliança que larguei sobre a pia antes de entrar no box. Seguro
a circunferência dourada entre os dedos, observo-a cuidadosamente. Minhas
iniciais e as de Florence estão cravadas na concavidade. Não tinha percebido
isso até agora.
“Não deixe o veneno ficar nas suas veias por tempo demais.”
Soco o espelho.
Uma, duas, três vezes.
PERTO O VOLANTE DE COURO até meus punhos perderem a cor, até minhas
A
palmas ficarem frias, até minha frustração ser transferida ao carro. O carro
dele.
A esposa chegou de surpresa porque vive aqui também? Por que não
a vi antes? Onde ela estava quando passei três dias inconsciente no quarto
dele?
Por que veio aqui sem avisar? Pela fala de Jude, não deve ser o caso.
De qualquer jeito, por que ficou tão calma ao ver o marido trai-la? Eles têm
algum tipo de contrato? Um casamento aberto?
Ótimo. A única parte sendo traída aqui sou eu mesmo. Uma risada
ácida deixa meus lábios. Uma risada amargurada.
Com menos força, bato no volante outra vez. E outra. E outra. E outra.
Até toda a ira deixar meus sistemas. Até o peso da vergonha se afastar dos
meus ombros.
Tudo o que vou fazer é pagar minha dívida, de forma limpa desta vez.
Atendo o celular.
A primeira coisa que digo depois de subir até o apartamento e ver Jude
ensanguentado é:
— Feche a mão até os nós dos dedos ficarem brancos. — Minha voz é
calma, desinteressada.
Ele leva alguns segundos até assimilar o que falei, então faz como o
indicado. Seu olhar paira sobre meu rosto o tempo todo, como se os
ferimentos em sua mão não importassem, como se o sangue descendo pelo
ralo fosse entediante.
Volto a analisar sua mão. Os cortes nos nós pararam de sangrar. Bom.
Abro o pacote de algodão, molho-o no álcool.
Bufo. Jogo o algodão com álcool no lixo, pego outro. Abro o frasco de
analgésico, despejo uma quantidade pequena sobre o chumaço branco.
Fecho a pomada e devolvo-a ao kit. Esfrego a pomada sobre os cortes
abertos delicadamente. Sobre minha mão, sua palma esquenta e relaxa — é
o medicamento fazendo efeito. Olho para seu rosto de relance. Nada.
E o silêncio se prolonga.
Jude analisa o curativo sem interesse algum. Estica os dedos, vira a
mão de um lado para o outro. Subitamente, com a mão erguida em frente ao
rosto, seu olhar se distancia. Deve estar pensando na próxima merda que vai
fazer, no próximo espelho que vai quebrar, na próxima maneira de me
humilhar enquanto o contrato durar.
Expiro fundo. Não sei por que ainda me esforço para esperar algo
dele. Viro as costas para deixar o banheiro.
Me viro.
É claro que não vou falar toda a ladainha sobre a pintura. Por isso, falo
a segunda coisa que me vem à mente:
Vejo o primeiro traço de dor no rosto de Jude desde que entrei neste
banheiro. Sua expressão se fecha de uma maneira diferente — se fecha
tanto que não tenho ideia de como vai conseguir se abrir depois.
— Minha vida não é da sua conta. — Passa por mim e sai do banheiro.
— Agora, vá embora. Esteja preparado pra trabalhar amanhã à noite: tenho
uma festa importante pra ir.
PESAR DE TODA A MINHA fúria, entro em casa com todo o cuidado do
A
mundo para não fazer um barulho sequer. Sei que deveria conversar e
acertar as coisas com Noah imediatamente, mas não quero. Esta noite já foi
estressante o suficiente.
— Difícil de acreditar.
Caminho em direção ao meu quarto para dar esta noite como
encerrada, mas paro quando ele diz:
— Me desculpa.
Volto-me ao meu irmão, sério, ainda muito magoado, mas com uma
pontada quente no coração.
— Entendo.
— Não, não entende. Você diz que entende pra me agradar, mas sei
que na verdade gostaria que tudo o que eu fizesse fosse para os seus
interesses, sei que queria que eu vivesse por você, e não com você. E talvez
eu seja o culpado por isso também, talvez... nas minhas tentativas de dar a
você o que não tive quando era moleque... posso ter dado demais. E agora já
é tarde demais para consertar isso.
Expiro profundamente.
— UM , D O I S , T R Ê S , Q U AT R O ,
cinco, seis, sete, oito, nove, dez.
Conte até dez e tudo vai ficar bem. Depois, conte novamente.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Conte até
dez e tudo vai ficar bem. Depois, conte novamente. Um, dois, tr—
Ninguém me atendeu.
— Bom garoto.
te achei quando seu coração estava partido
enchi seu copo até extravasar
passei dos limites pra te manter perto
tinha medo de te deixar sozinho
[...]
dei a esse amor ao menos cem tentativas
sempre correndo e me esquivando dos demônios em sua
cabeça
então eu os peguei e os transformei em meus próprios
não percebi nada porque meu amor era cego
[...]
você não precisa dizer o que fez
eu já sei
descobri por conta própria
without me — halsey
O JOGO DO SILÊNCIO
acho que eu fujo às vezes
quando fico vulnerável demais
isso não é culpa sua
[...]
e todas as vezes que eu te afasto
na verdade, eu queria dizer que sinto muito
mas não digo nada
let you love me — rita ora
Sou jovem. Sei que ainda vou ter outras oportunidades, que ainda
posso tirar meu irmão daquele bairro, que ainda posso ganhar o suficiente
para comprar o carro que quiser. Estou cansado de viver para enriquecer
outros homens — seja em dinheiro ou em subjugação.
Xingo mentalmente esse trajeto que parece eterno. O GPS indica mais
quinze minutos de viagem. Olho para o horário no relógio do rádio. 20h17.
Passo tempo demais encarando o rádio, até que percebo uma coisa:
está mudo. Talvez ouvi-lo aliviará a tensão neste carro. Toco no botão de
volume.
— Estava errado.
Fico sem reação, desejando ter em minhas mãos algo que possa
quebrar.
O sinal abre.
— Dirija.
em frente à porra do prédio indicado pelo
E S TA C I O N O A M E R D A D O C A R R O
caralho do GPS e sinto vontade de explodir. A raiva acentua meu cansaço.
Esta foi uma semana longa, exaustiva e terrível. Só quero que acabe o mais
rápido possível. Estarei feliz quando estiver em minha cama e me esquecer de
que esse merdinha chamado Jude Goldman sequer existe.
Talvez a única coisa que faça sentido seja a semelhança entre Audrey
e seu pai. Jude a carrega nos braços agora, e seus traços parecidos ficam
ainda mais claros. É o mesmo tom de cabelo, a mesma cor das íris, o mesmo
tom levemente rosado nas bochechas, os mesmos rostos quadrados, as
mesmas mandíbulas retas. Não há dúvida de que é sua filha biológica — ou
isso, ou eles rodaram o mundo até achar uma criança idêntica a ele.
Eu, o chofer — seu guarda pessoal —, fico neste canto escuro, vazio e
esquecido... como um cão.
Inspiro fundo, aperto minhas mãos atrás das costas. Percorro o salão
com os olhos novamente. Não há qualquer outro “guarda pessoal”, ou
qualquer outra pessoa tão destruída quanto eu. Todos parecem banhados em
opulência e riqueza. Todos parecem exploradores — e sou o único explorado.
Só quero que esta noite de merda acabe, que esta festa maldita
acabe.
É quando me dou conta de que não avisei Noah que vou chegar tarde
em casa esta noite. Droga. Não quero assustá-lo outra vez. Pego meu celular
do bolso e ligo para casa. Viro de costas para ter a ilusão de privacidade.
— Sei que disse que estaria por aí mais cedo, mas não vou conseguir.
Não me espere acordado.
— Jude? Tá tudo bem, pode falar dele comigo, não vou insinuar nada.
Depois de uma semana, já descobriu o que ele quer de você? Realmente
tava só precisando de um amigo?
— Obrigado.
— Em que?
— Você mesmo disse: não está o tempo todo em controle sobre tudo.
A distância entre nós irá apenas se acentuar caso noites como essa
continuem se repetindo. Se isso acontecer... vou ter falhado em literalmente
todos os aspectos da minha vida.
Outra pessoa veio aqui enquanto você estava com o bilionário, a frase
que Noah disse uma semana atrás volta a ressoar em minha cabeça.
Afasto o celular do rosto, abro a lista de contatos e rolo para baixo até
a letra O. Observo o nome e o número na tela por um tempo. Aproximo o
polegar para tocá-lo, mas paro no meio do caminho.
ANTES
— OUCH.
— Ouch.
Me puxei para trás bruscamente, desvencilhando-me dos seus dedos e
daquele maldito pano branco.
Agarrei o pescoço dela e apertei sua boca contra a minha. Seus lábios
grossos eram suaves, seu polegar no meu rosto era macio. Queria tomá-la
naquele momento, na frente de qualquer um que decidisse entrar no
vestiário. Afinal, como ela tanto gostava de reiterar, eu era um exibicionista.
— Uma recompensa?
— Sim.
Envolvi sua cintura com as mãos e a puxei para mais perto. A médica
sentou na extremidade do banco. Suas coxas tocaram as minhas, meu suor
manchou sua calça branca. Quero manchá-la um pouco mais.
Minhas mãos deslizaram pela sua cintura, pelas suas costas, até o
interior da sua calcinha. Toquei a parte superior de sua bunda.
AGORA
MINHA MANDÍBULA DÓI PELA FORÇA com que a aperto. Um ardor estranho
sobe aos meus olhos. O ardor de quando se quer algo de volta
desesperadamente, mas se tem medo de pedi-lo.
É a esposa dele.
PAPEL DE PAREDE
me culpando por toda a tristeza
eu não sabia sobre vocês dois
não sei por que estou sendo arrastada pra isso
o problema é de vocês
shedontknowbutsheknows — tove lo
IRO E A ENCARO POR um breve momento. Então não consigo encarar mais.
V
Há um brilho ofuscante nela, algo que queima meus olhos. O vestido
branco é longo e cheio de pequenas pedras preciosas. A bolsa de couro cabe
na palma de sua mão. Os brincos são de esmeralda; os lábios,
assustadoramente vermelhos. O delineador deixa seus olhos grandes e
letais. Além disso, algo em sua postura relaxadamente tensa e seu sorriso
ardentemente frio.
— Por favor, não fique tão desconfortável. Eu não mordo — diz com
um tom cativante, convidativo, que me faz ter a certeza de que morde.
— Desculpa?
— Juro que não estou tentando dar em cima de você desta vez — ela
comenta.
A esposa de Jude abre a pequena bolsa de couro que tem nas mãos e
pega seu celular. Desbloqueia a tela e a vira em minha direção.
Tento esconder meu incômodo. Olho para algo atrás de sua cabeça,
no centro do salão: sua família. Ela guarda o celular na bolsa e vira o
pescoço para trás, acompanhando meu olhar. Percebe que meus olhos estão
presos no seu marido. Um rubor leve queima em meu rosto.
Florence continua sem me dar atenção, até que diz em tom distante,
perigosamente frágil:
— Audrey idolatra Jude. Às vezes, acho até que ama mais ele do que
a mim, mesmo que eu a crie praticamente sozinha. — Bufa. — Tive que
forçá-lo a vir nesta festa. E não é fácil forçar Jude a fazer qualquer coisa.
Estreito os olhos, tentando discernir suas intenções por trás disso. Ela
está mesmo discutindo questões pessoais comigo? Comigo?
Florence apoia-se na parede pelos ombros, fica virada para mim. Entro
em defensiva.
Merda.
Ela me observa por um longo tempo. Tão longo que minhas entranhas
chegam próximo de explodir. Tão longo que começo a duvidar do que vai
fazer com essa informação. Tão longo que me sinto imoral pelo que disse.
E ela deixa esse tempo se estender, deixa que eu sinta tudo, deixa que
pague o preço por oferecer compaixão. Eu a machuquei, então nada mais
justo que me machuque de volta.
Ela não responde de imediato. Pensa por muito, muito tempo. Após o
que parecem milênios, sua voz amargurada ecoa entre nós:
— Não — corto.
— Pelo seu próprio bem, e pelo bem de seu irmão... tome cuidado com
Jude.
— Cuidado?
— Nada do que ele faz é por acaso. Já deve ter percebido isso.
— Oh, Kim... Você não tem ideia de onde está se metendo, não é
mesmo?
Abro a boca para perguntar o que ele estava fazendo no clube naquela
noite, mas sou interrompido.
Jude se volta para mim pela primeira vez nesta noite. Seu rosto se
fecha. Confusão e fúria reluzem em suas íris; percebe que estive
conversando sobre ele com sua esposa durante esse tempo todo.
festa é mais silenciosa do que a que me levou até lá.
V I A G E M D E V O LTA D A
A
E esse silêncio me incomoda. Chego perto de interrompê-lo várias vezes,
mas sempre que encaro Kim, que dirige, pelo retrovisor, me lembro de
Florence e ele conversando num canto afastado da festa. Isso me faz engolir
qualquer coisa que tenha a dizer.
Por algum maldito motivo... não posso deixar isso acontecer. Não
posso deixá-lo ir embora.
— Tem ideia do quão insolente está sendo pra um miserável que não
tem onde cair morto? Pra alguém que tem uma dívida milionária a quitar? —
provoco.
— Então, seu filho da puta, me diga por que realmente você me levou
pra festa de aniversário da sua filha — demanda, baixo e grosso.
— Por que estava no clube dos Snakes na noite da minha última luta?
— Agarra o banco, se aproximando mais.
Kim me fita por um, talvez dois segundos, então pula sobre mim.
Agarra meus pulsos, prendendo-os sobre minha cabeça; impulsiona o corpo
sobre o meu. Fico curvado no banco, meio deitado, meio sentado. Ele usa um
dos joelhos para abrir minhas pernas, posicionando-se entre elas. Meus pés
batem no banco da frente.
— Não.
Sua mão desliza pelo meu peito até alcançar os mamilos. Ele os pinça
com o polegar e o indicador, logo antes de se curvar à frente e mordê-los
fortemente. Uma descarga de dor impetuosa — súbita e quente, suave e
delirante —, me atinge, me faz atirar a cabeça contra o banco, fechar os
olhos, suar frio.
— Merda...
O que fará quando descobrir que não o escolhi por acaso, que sabia
muito bem quem era antes de vê-lo ensanguentado, quebrado, fodido
naquele ringue?
Devo contar a ele que jamais poderia escolher outro? Que armei para
que perdesse a luta? Que seu destino estava selado antes mesmo do
primeiro golpe?
Não posso revelar coisas demais sobre minha vida agora. Mas
também não quero afastá-lo. Preciso achar um meio termo nesse cabo de
guerra: mantê-lo próximo sem expor meus planos. Preciso ganhar tempo
enquanto a revelação inevitável não chega.
Abro a boca, deixando o caminho livre para sua língua me explorar. Ela
o faz avidamente. Sua libido não está decadente mesmo depois dessa noite
de merda, mesmo depois de descobrir que sou casado. Sequer há algo que
possa derrubá-la?
— Me leva pra cima. — Encaro seus olhos tão de perto que enxergo
cada uma das veias ao redor das íris.
Ele não responde, não se move. Sequer pisca. O pobre cérebro ainda
deve estar mandando-o se afastar o máximo possível de mim.
RINCO COM MEUS DEDOS ENQUANTO espero por Jude sentado na cama.
B
O quarto está escuro, a única iluminação vem dos prédios ao redor e
entra através da sacada aberta; uma brisa fresca balança as cortinas
suavemente. Há um silêncio inquietante me cerceando, interrompido somente
pelo som do chuveiro que passa pela porta fechada do banheiro ao lado e
chega aos meus ouvidos de forma abafada. É um som que perdura por vários
minutos — talvez mais minutos do que seria realmente necessário — e me
enche de ansiedade. É isso o que ele quer? Me deixar ansioso? Me deixar
sozinho no escuro esperando por ele para provar um pouco mais sua
dominância?
Após alguns segundos, ele penteia os fios para trás, me dando uma
visão clara de seu rosto. Enquanto se aproxima, murmura:
— Kim... — Inspira e expira alto pela boca, como quem está sem ar.
— Desabotoe a camisa.
— Por que você não faz isso por mim? — rebato num tom rouco.
Não preciso conhecer a vida pessoal de Jude para saber que ele não
tem um problema com abrir botões, mas com obedecer. A balança de poder
entre nós dois ficaria perturbada no segundo em que eu ditasse quem abre
ou não minha camisa. Abrindo este botão, ele afrouxaria também a coleira em
meu pescoço. A coleira de seu cão.
— Do quê?
Solto seu pulso. Jude inspira fundo. Minha resposta parece assegurá-
lo de algo sobre o que ainda estava em dúvida. Seus dedos trabalham no
quarto botão.
— Por você — sussurra contra meus fios. — Pra você. — Ele me usa
de apoio para colocar as duas pernas sobre a cama, senta no meu colo. Seus
joelhos me cercam. — Tô assim pra você. — Suas mãos afastam meu rosto
de seu peito e me mantêm imóvel enquanto ele encerra a distância entre
nossos lábios. O beijo é curto e suave. Sua saliva aplaca a minha sede. —
Você tá frio e seco.
— Então por que não resolve isso? — digo contra seu pescoço. Beijo a
parte de baixo de sua mandíbula. Sinto a aspereza de uma barba recém-
aparada na minha língua.
Ele se força a engolir por alguns segundos, então tosse. Retira meu
pau, úmido por sua saliva, da boca com as mãos e o observa enquanto
recupera o fôlego. Depois disso, beija a lateral e esfrega os lábios
semiabertos da base até a cabeça em um movimento rápido, de novo, e de
novo, e de novo.
Jude empurra o membro para frente e beija sua base bem no local
onde minhas bolas se conectam. Ele permanece um tempo ali, depois vai
abaixando lentamente, me explorando, analisando minhas reações,
descobrindo onde sinto prazer, onde sinto dor, onde sinto prazer e dor. Não é
de surpresa alguma para mim, mas ele é muito mais perverso do que seu
rosto inexpressivo deixa a entender para alguém que não o conhece bem.
— Jude — chamo.
Toco seu queixo e o puxo para baixo. Ele faz como indico. Guio sua
boca ao longo do membro, estocando-a, controlando a velocidade, o ritmo e a
força.
— Ah... — suspiro quando sinto meu sangue correr mais rápido, ferver
dentro das veias. Minhas têmporas pulsam, tenho que controlar a força em
meus braços para não machucá-lo. Minhas costas curvam-se sobre a cama,
e uma estocada particularmente forte leva Jude a seu limite.
Sem perder muito tempo, nos viro na cama: fico por cima. Jude se
segura em meus braços. Afasto nossos lábios e encaro suas bochechas
rosadas. Toco o topo delas com o polegar e caminho para baixo, deslizando
para o canto de sua boca, então o queixo, o pescoço, as clavículas, a linha
média do peitoral, o abdome, o umbigo e, finalmente, a pelve.
Ouço um suspiro deixando sua garganta, então paro. Fito seu rosto.
Ele quer que eu continue. Deseja que eu continue. Há um pedido ardente em
seus olhos, um pedido que vela uma arrogância desesperada. Um pedido
que ele não tem coragem de fazer com a boca, que não tem coragem de falar
em voz alta.
Jude é um covarde.
Será que Jude não fodeu com ninguém além dela? Em quatro anos?
— Te preparando.
— Eu gosto.
Ergo as sobrancelhas.
— Sua esposa?
Uma risada tenta deixar seu peito, mas ele a asfixia, resultando em um
som que mais parece o de uma tosse seca.
Sei que está mentindo, que provavelmente deveria insistir até arrancar
a verdade dele, mesmo que à força. Mas também sei que minha insistência
resultaria em Jude se afastando de mim mais uma vez. Para conseguir
qualquer coisa dele, preciso jogar conforme suas regras, me adaptar às suas
condições. Por isso, deixo as palavras de escárnio pairarem entre nós e
continuo meu trabalho como um bom cão.
Jude grunhe, treme e se debate sob mim quando não consegue mais
suportar o estímulo. Aperta meus braços.
— Seu corpo é tão honesto — sussurro contra seu rosto. — Por que
sua boca não é do mesmo jeito?
Jude tenta formular alguma coisa, mas tudo o que sai de sua boca é
um suspiro morno. Seus olhos afastam-se dos meus, seu rosto vira para o
lado. Viro-o de volta, obrigando-o a me encarar, obrigando-o a me confrontar
enquanto sua resposta não vem.
Ele engole em seco uma, duas vezes. Seu rosto parece mais e mais
afoito diante da minha pressão.
— Não.
— É uma ordem.
— E estou desobedecendo.
Sinto meu interior queimar ao dizer isso em voz alta. Queimar por ele.
O coração de Jude acelera sob o meu, sua pele úmida pelo suor do
sexo desliza contra a minha. Calo a resposta cínica que ele estava
preparando quando peço:
— Vire.
Não perco tempo esperando que ele o faça por livre e espontânea
vontade. Saio de dentro dele e aperto seu ombro, fazendo-o virar na cama
uma segunda vez. Jude faz uma careta de confusão, mas fica de bruços,
seguindo minhas orientações. Depois, estica os braços para baixo do
travesseiro.
Jude grunhe com as mordidas, sua voz é abafada pelo colchão. Mordo
a pele delicada até alcançar seu centro, me movendo cada vez mais para
trás. Pouco depois, meus pés já estão no chão do quarto, meu torso curvado
sobre a cama na altura da cintura dele.
Abro suas nádegas com as mãos e tenho uma visão clara de seu
corpo integralmente exposto a mim, sem amarras, sem cinismo, sem
mentiras. Mordo o lábio inferior e, com o olhar firme no rosto de Jude, o toco
ali embaixo com a ponta da língua pela primeira vez. Forço a parede de
músculos, simulando penetrá-lo, e então retraio; uma, duas, três vezes. Me
perco no prazer físico de sentir o gosto suave da pele da região, e no prazer
mental de tê-lo tão vulnerável a mim.
Os quadris de Jude parecem perdidos sob meu toque; ele não
consegue ficar completamente imóvel, mas também não sabe como se
mover. Aperto sua lombar para baixo com uma das mãos, estimulando-o a
erguer a cintura e os quadris levemente do colchão, a se projetar no ângulo
ideal para que meu rosto se encaixe perfeitamente em seu corpo.
Passo um braço por baixo de seu ventre, seguro firme e o puxo para
trás. O corpo de Jude está mole, entorpecido, então apenas segue minha
deixa. Seus joelhos se arrastam sobre o colchão, suas coxas dobram, o
quadril se ergue. Me posiciono melhor entre suas pernas, aperto suas
nádegas e volto a me enfiar entre elas, forçando minha língua, sentindo o
interior ardente de seu corpo da forma que — talvez — ninguém antes tenha
sentido. Suave e imoral. Caloroso e indecente. Quente e íntimo.
Depois de vários minutos tremendo sob meu toque, Jude se apoia nos
cotovelos e vira para trás para me encarar outra vez.
Agarro meu pau com uma mão e seu quadril com a outra. Deito o
comprimento do membro sobre a parte inferior de suas costas e dou uma
risadinha curta quando percebo quão fundo consigo chegar dentro dele.
Seguro seu quadril com as duas mãos e me movo para frente e para trás
lentamente, sentindo a fricção da minha pele sensível contra suas costas.
— Não — respondo depois de um tempo, e paro os movimentos.
— Não — repito.
Passo um braço ao redor de seu pescoço e o puxo para trás até suas
costas colarem em meu peito. Meu pau se projeta para cima quando sua
bunda esmaga minha pele. Jude agarra meu braço e minha cintura, se
equilibrando, e curva as costas, expandindo o peito.
Agarro sua boca com a minha, mordendo e beijando. Meu braço que
estava ao redor de seu pescoço desce para seu peito. A mão que usava para
se equilibrar em mim sobe da minha cintura até meus fios. O beijo se
aprofunda quando pressiono meu corpo contra o dele. O desejo de penetrá-lo
se torna quase incontrolável.
Aproximo o pau de sua entrada, deixando para trás uma trilha do meu
pré-gozo em suas costas. Brinco com a parte externa de seus músculos,
forçando a penetração, mas me afastando assim que sinto sua resistência
ruindo, o corpo se abrindo para me alojar. Faço isso algumas vezes. Quando
canso, pego um de seus braços esticados sobre o colchão e o puxo para trás.
Puxo seu braço direito e repito tudo até tê-lo se abrindo para mim, até
deslizar para dentro dele, até sentir suas paredes quentes e úmidas me
esmagando, até curvar a cabeça em direção às suas costas e gemer algo
quando seu corpo relaxa e me permite chegar mais fundo. Gemo quando
minha pelve encontra sua bunda, quando os sons se tornam mais altos —
como o de tapas fortes em um rosto machucado —, quando inesperadamente
me sinto próximo de gozar e preciso diminuir o ritmo.
Jude agarra e morde os lençóis sob si, grunhe e rosna no meu pau
como o puto que jamais imaginei que fosse sob o terno naquele escritório, ou
sob o blazer e sorriso paternal naquela festa. Ele treme enquanto o fodo,
treme e joga os quadris contra os meus, tomando controle das estocadas por
algum tempo. Retiro o pau inteiro e o coloco de volta outra vez. Retiro e
coloco. Retiro e coloco. Seu orifício dilatado me aloja com cada vez mais
facilidade, me envolve com cada vez menos resistência. Seu calor me
queima.
Extasiado, vendo o mundo girar ao redor, puxo seus fios amarelos com
força. Aproximo nossos rostos.
— Falei pra Noah não me esperar acordado, mas não avisei que ficaria
a noite inteira fora — explico no tom mais brando que consigo formular tão
tarde da noite. Suspiro. — Preciso voltar.
— Não posso, Jude — reitero, curto e grosso. — Não hoje pelo menos.
Viro de costas.
Não consigo dar outro passo antes de ser puxado pelo braço para trás
bruscamente. Sou atirado em direção à cama. Minhas costas encontram o
colchão macio; minha cabeça, o travesseiro. Tento levantar, mas sou lento
demais. Ainda pelado, Jude monta sobre mim, me prendendo na cama,
imobilizando meus braços sobre a cabeça.
Infelizmente, levo tempo demais para perceber o que ele está fazendo.
Infelizmente, quando me dou conta de suas intenções... ele já apanhou a
arma.
ARMA CARREGADA
eu estou aqui
olhe nos meus olhos
e me diga que você está aqui também
[...]
eu me sinto como uma arma carregada
e quando fizer o que quero fazer
serei o seu único
I’m your doll — FKA twigs
Meus olhos viajam ora para o revólver em minha cara, ora para a cara
do homem segurando-o sobre mim. Este Jude não se parece em nada com o
cara que acabei de foder.
— Desde quando?
Ele volta a pressionar a arma contra meu rosto com tanta força que
sinto o cano deixando uma impressão em minha bochecha. Desta vez, no
entanto, não tenho mais medo.
— Não.
— Só acho que você não vai desperdiçar as outras 400 fodas que
ainda estou devendo. Não depois de gozar daquele jeito.
Ele tem formas de me fazer esquecer que não sei porra nenhuma
sobre ele, que pode me destruir com um estalar de dedos, que está apenas
me usando para um objetivo.
Quando olho para o rosto dele, não tenho certeza se o que estou
vendo é o Jude de verdade ou apenas uma máscara criada por ele para me
manipular, me fazer ficar. Desde quando ele sabia sobre a arma? Por que
resolveu usá-la contra mim apenas agora?
“Tome cuidado com Jude. Nada do que ele faz é por acaso.” A voz de
Florence ressoa em minha mente como o gemido de um fantasma. “Não
desconfia do motivo que levou Jude ao clube dos Snakes na noite em que se
conheceram?”
Pondero questioná-lo diretamente outra vez sobre o que quer de mim,
sobre o que estava fazendo nas Arenas na noite da luta. Mas isso seria
apenas confessar para ele que Florence não me revelou as repostas. Talvez
seja mais útil manter Jude um pouco paranoico.
— Por que você tinha que acabar com o clima? — diz com uma voz
desapontada. Soca meu peito na tentativa me afastar. Fico imóvel, mesmo
quando seus socos se intensificam, até ele se cansar. Por fim, sem ter muito
para onde fugir, ele expira fundo e responde enquanto esfrega a testa com as
costas das mãos. — Sim, claro que é. Não notou como somos parecidos? —
Uma risada sarcástica escapa de sua boca. — Esse tipo de engenharia
genética ainda não tá disponível, caso você não saiba.
Tenta me afastar com os punhos outra vez, mas tudo o que consegue
é esgotar os próprios músculos.
— Não vou te deixar sair da cama até que me diga o que aconteceu —
declaro. Ele me fita com um semblante preocupado. — Não estou brincando.
— Sua tia?
Neste momento, me torno ciente do quão inerte seu corpo está sob
mim, como se invadir seu passado pulverizasse toda e qualquer vontade de
resistir que ele tinha até então.
— Ela queria se livrar do bebê tanto quanto eu. Mais, até — continua,
apático. — Ser mãe durante a faculdade não estava nos seus planos.
— Meus pais morreram quando eu tinha oito anos, Kim, num acidente
de trânsito. Foram assassinados. Desde então, Brianna é minha guardiã
legal. Tomou conta de todos os aspectos da minha vida até o dia em que
completei 21 anos. — Seus olhos se distanciam mais de mim, fúria queima
sob as íris. — Não importava o que eu e Florence queríamos naquela
situação. Importava apenas o que minha querida tia desejava.
— Por que ela queria te forçar a ter um bebê? — pergunto outra vez,
sentindo os músculos em meu rosto contraídos pela confusão.
Sento na cama.
— Jude?
O problema é que... eu não quero mais ir. Eu preciso, mas não quero.
É o meio da madrugada. O dia parece ter sido tão estressante para ele
quanto foi para mim. Seu corpo está mole depois de gozar nos meus braços
tantas vezes. Sem contar que ele já me disse mais do que eu esperava. Se
pretendo extrair mais de Jude, se pretendo compreender essa história mal
contada, então nenhum outro momento será melhor do que este. Ele está
vulnerável agora, e vai se tornar ainda mais conforme a droga analgésica
descer por sua garganta e entrar em sua corrente sanguínea.
Seus ombros ficam tensos com minha presença. Ele abandona o copo
na pia e guarda o frasco no armário sobre sua cabeça. Se volta para mim,
embora permaneça apoiado na pia. O roupão azul-escuro complementa o
tom de suas íris, permite uma visão limitada de seu peito e nada mais.
Ele me encara irritado. Não comigo, no entanto. Com outra coisa. Algo
que talvez não esteja neste lugar.
— Não tem como esconder uma merda dessas da minha tia — dispara
em tom de derrota, e reflete sobre isso logo em seguida. Seu semblante se
distancia, se apaga; seus traços se tornam inexpressivos como da primeira
vez em que o vi. — Não tem como esconder merda alguma de Brianna.
Jude não descruza os braços, não desvia os olhos dos meus, não
demonstra um sinal sequer de abalo. Na verdade, a frieza em seu rosto se
aprofunda.
Neste momento, não sei mais se estou conversando com o Jude que
acabou de me implorar para comê-lo ou o que me manteve amarrado em
uma cama por três dias. Então percebo: ele não é um ou outro, é ambos.
Ambos são sua verdadeira face.
O corpo de Jude se tensiona sob o meu. Não preciso fitá-lo para saber
que sua expressão está mudando de uma irritação cansada para uma
curiosidade mórbida.
Continuo:
— Sabe o que aconteceu com a pessoa que matou meu pai? — Afasto
meu rosto apenas o suficiente para observá-lo. Jude me fita de volta;
lamento, remorso e empatia brigam contra a frieza em seu rosto. Ele nega
com a cabeça sutilmente, enquanto me observa com angústia. — Eu também
não. Os registros dos suspeitos foram apagados. O único advogado público
que consegui achar disse que o caso foi arquivado como um acidente sem
testemunhas ou suspeitos. No final... — Sinto um ardor em meu rosto. Viro
para o lado bruscamente e mordo o interior do lábio até senti-lo se romper. —
No final, o único culpado por sua morte, ao menos oficialmente, foi ele
mesmo.
Um sorriso triste abre-se em meu rosto quando conto outra coisa que
nunca falei a ninguém:
— Ela fugiu há muito tempo, e não tenho nenhuma foto dela. Talvez os
golpes que recebi na cabeça nesses últimos meses tenham piorado a
situação. — Aperto os lábios e estico o queixo como Noah costuma fazer
quando está tentando controlar as próprias lágrimas. — Ela simplesmente
desapareceu da minha mente... como um fantasma, como se nunca tivesse
existido.
Mesmo assim, me sinto leve por tirar isso do peito. Sei que talvez
tenha colocado demais no prato de Jude por apenas uma noite. Talvez ele
sequer se importe com toda essa merda, talvez só veja um cão que precisa
ser melhor adestrado quando olha para mim. Mas eu precisava colocar isso
para fora.
Também viro em sua direção. Seu rosto fechado parece mais tranquilo
depois da minha história — e daquela aspirina.
Me aproximo.
— Acha que é o único que tem um passado fodido aqui? Acha que seu
sofrimento te faz superior?
— Isso é uma competição pra descobrir qual dos dois tem a história
mais desgraçada com a família? — Ergue uma sobrancelha. Sua expressão
cínica me causa um alívio indescritível, retira uma risada abafada da minha
garganta. — Você venceu. — Dá de ombros. — Parabéns.
Envolvo sua cintura com um braço, colando nossos corpos. Aperto seu
pescoço com a mão livre, afundando meus dedos em sua carne, sentindo o
pulso galopante de suas jugulares em minhas palmas, sua vida na ponta dos
meus dedos.
Ergo sua cabeça para que ele possa ver o fundo dos meus olhos, para
que possa entender que não estou mais disposto a brincar.
— Ajudar?
— Ajudar a destruir minha tia de uma vez por todas. — E enfia a mão
sobre a pia, apanhando a faca quiescente no balcão até agora. A lâmina
afiada está no meu pescoço antes que eu possa me afastar, letalmente
posicionada entre o topo da minha garganta e o pomo de adão. Ergo as mãos
instintivamente. O rosto de Jude é animalesco: — Se me estrangular sem
permissão novamente, Kim, será a última coisa que fará na vida — esbraveja
como uma tempestade violenta —, e não pense que estou brincando. Estou
cansado dessa merda.
Porra, Kim. Porra. Porra. Porra. Esse não é você. Esse não é você.
Paro num sinal vermelho e aperto o volante. Expiro fundo. Deveria ter
pedido desculpas? Mas não estou arrependido, no entanto. Se foder nossa
relação é o necessário para fazê-lo cuspir suas explicações, então é o preço
que terei que pagar.
Esfrego o rosto. São mais de 4h30 da manhã. Ao redor, as ruas de
Nova York estão tão vazias e escuras quanto jamais ficarão. Deixei o Upper
East Side duas quadras atrás. Mais dez minutos e estarei no Bronx. Arranco
o carro quando o sinal abre. Atrás de mim e nas laterais, três carros me
seguem de perto pelas avenidas largas.
Ele sorri quando percebe que não precisei de muito para reconhecê-lo.
Nos outros dois carros — que encurralam o sedan de Jude pela frente
e por trás —, portas são abertas. Dois homens ainda maiores, corpulentos e
empunhando armas letais se juntam ao par. É como um esquadrão da morte
— e eu sou o único alvo.
O que passará pela mente de Jude quando ele souber disso? Será
que vai mesmo cumprir sua promessa e derramará sangue por mim? Eu
pagaria para ver isso. Merda, eu pagaria qualquer coisa só para ver esse
miserável mais uma vez. Pelo menos minha última visão antes de morrer
seria bonita.
Expiro fundo e me concentro. Uso o poste de apoio e empunho a arma
de meu pai. Aponto-a para a barreira da morte que se aproxima. Alterno a
mira entre cada um de seus peitos. Suas expressões permanecem
inalteradas, nenhum traço de desconforto desenha-se em suas faces.
Continuam se aproximando como robôs programados para matar.
— Seu irmãozinho? — ele ri com escárnio. — Ele vai ter tudo o que
merece. Mas não esta noite. Hoje, só quem vai ser punido por fugir de casa é
você.
— Nem pense nisso, Jax. Temos que levar o filho da puta de volta com
todos os órgãos internos pro Dom. Pode se divertir com o que restar do corpo
dele depois.
— Está em você não acordar com uma bala enfiada no cu. Agora
vamos acabar logo com isso: prendam-no, esmurrem a cara do viadinho até
ele ficar desacordado, joguem-no no carro de Jax e levem-no até a Arena. —
Ele vira de costas e caminha com passos tranquilos em direção ao veículo de
Jude.
Mesmo um tanto contrariado, o fodido de dois metros cede e retrai sua
lâmina. Volta a se aproximar de mim, em direção às minhas costas, no intuito
de me cercar e me imobilizar por trás. Ao seu lado, o loiro segue me
encarando com desconfiança. Minha mira permanece nele, embora eu esteja
vertiginosamente ciente da emboscada que os desgraçados estão armando.
— Ah! Ah, ah! — ele grita, e geme, e grita. Mas é tarde demais quando
percebe que isso nunca foi sobre ele, que o Esquadrão da Morte caminhou
direto para dentro da minha enrascada, que sempre estiveram nas palmas
das mãos deste animal que tanto desprezam e que não conseguirão escapar.
Cerceado pelo meu ódio e pelos cadáveres que estripei com minhas
próprias mãos, fito-o sem me mover do lugar, deixando que sua impulsividade
o leve a trilhar o caminho mais previsível possível. E pensar que eu fiquei um
ano inteiro refém de inúteis como esses. O que exatamente os separa de
bandidos comuns? Os ternos? Olho para os ternos que mais parecem queijos
suíços aos meus pés. Que diferença eles fazem agora?
“Tô louco pra acabar essa noite e voltar logo pras minhas putas.”
Suspiro.
Noah cruza minha mente. Se os Snakes não tiverem ido atrás dele,
como me explicarei quando chegar em casa? Ensanguentado deste jeito, não
poderei parar em nenhum lugar antes. Talvez seja melhor dar meia-volta e
retornar ao apartamento de Jude.
Não me importo com o que pensa, com o que faz, com o que sente.
Espero sua voz grossa e profunda soar do outro lado. Espero seus
xingamentos e palavrões. Espero sua fúria e sua incompreensão, sua
confusão, sua mágoa. Espero que diga que me odeia, que outra vez quer
acabar com o contrato, que vai me matar da próxima vez em que me ver.
Espero que fale qualquer coisa, mas ele não diz nada.
— Meu nome é Will. Sou um paramédico. Qual sua relação com Kim
Henney? — Embora seu tom seja calmo, noto que ele está um pouco
ofegante, como se fizesse três coisas ao mesmo tempo enquanto mantém a
ligação.
O celular desliza pelo meu rosto e cai no chão. Pula duas, três vezes,
até parar. O vidro racha, assim como meu peito.
Fico sem resposta. Entreabro os lábios uma, duas vezes, mas fecho-
os logo em seguida. Como posso definir minha relação com Kim? Ele é meu
namorado, penso em dizer, mas desisto imediatamente. É meu... parceiro,
soa mais perto da verdade, mas mesmo assim parece estranho, uma mentira
deslavada. Ele é... Eu sou...
Crimes?, quase digo, mas não sou capaz de abrir a boca. A imagem é
muito chocante. O que aconteceu com você depois que deixou a minha casa,
Kim?, penso, encarando o homem enfaixado e com um tubo grosso preso à
boca, ligado a um respirador. Uma tela ao lado da cama mostra seus sinais
vitais e o eletrocardiograma. O que aconteceu?
Os homens obedecem.
Sozinho, tremo e cerro o punho tão forte que minhas unhas machucam
minhas palmas. Angústia e ansiedade começam a ser substituídas por fúria e
violência dentro de mim. Quem foi o filho da puta que fez isso com você?
Foram os Snakes? Os Scorpions? Dom? Foi Brianna?, as possibilidades
cruzam minha mente.
— Esse é o celular que Kim sempre usava para falar com você quando
estava em casa. Suponho que queira de volta.
Fito Noah.
— Kim não morreu, e não tive nada a ver com o acidente — rebato,
ácido, mantendo uma distância segura entre nós. — Sugiro que você não
saia por aí disparando acusações que não consegue provar.
Ele dá um passo intimidador em minha direção. Já não parece tão
inofensivo quanto em todas as vezes em que serviu meus cafés matinais.
— Você pode não ter dirigido aquele carro — diz rígido, em tom baixo
—, mas sei que é o responsável por meu irmão estar desacordado numa
cama de hospital agora, lutando por sua vida.
Expiro fundo.
— Os seguranças são para segurança dele. — Aponto Kim com a
cabeça. — Caso não tenha percebido, é bem possível que os Snakes
estejam por trás disso.
Rio.
— Não me importo com o que você acha ou não, Noah — declaro com
desdém. — Sou contratualmente ligado a Kim, e vou ficar aqui até vê-lo se
recuperar.
Arregala os olhos.
— Quero que ele fique bem longe de você — confessa. — Não faz
ideia de como me arrependo de ter te contado sobre ele, de ter te contado
qualquer coisa sobre a minha família. Quando eu falei... — Sua respiração se
exaspera, os olhos parecem perder o foco. — Quando eu falei que tinha um
irmão preso em uma gangue, que lutava naqueles ringues todas as noites...
nunca imaginei... nunca imaginei que as coisas fossem acabar assim. Se eu
nunca tivesse te contado sobre ele, nada disso teria acontecido, Kim não
estaria... — Aponta o vidro atrás de mim.
— Tem razão, ele não estaria. Teria morrido no ringue logo depois de
perder aquela última luta. E você... Bem... também não teria vivido muito pra
contar a história.
— Você é tão insolente e ignorante quanto seu irmão. Deve ser algo
que corre no sangue.
F I M D O AT O I
vez. Ouço a sequência de
E FA Ç O A L I G A Ç Ã O P E L A Q U A R TA
R
bipes irritantes do outro lado por um minuto inteiro pela quarta
vez.
Minha tia.
— Sério?
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