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X - O direito à educação
No Brasil, país que ainda se ressente de uma formação escravocrata e hierárquica, a EJA
foi vista como uma compensação e não como um direito. Esta tradição foi alterada em
nossos códigos legais, na medida em que a EJA, tornando-se direito, desloca a idéia de
compensação substituindo-a pelas de reparação e eqüidade. Mas ainda resta muito
caminho pela frente a fim de que a EJA se efetive como uma educação permanente a
serviço do pleno desenvolvimento do educando.
A concepção pela qual ninguém deixa de ser um educando, deve contar com a
universalização completa do ensino fundamental de modo a combinar idade/ano escolar
adequados com o fluxo regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e
o prolongamento de sua obrigatoriedade, inclusive possibilitando aos interessados a opção
por uma educação profissional. Neste sentido, a EJA é um momento de reflexão sobre o
conceito de educação básica que preside a organização da educação nacional em suas
etapas. As necessidades contemporâneas se alargaram, exigindo mais e mais educação,
por isso, mais do que o ensino fundamental, as pessoas buscam a educação básica como
um todo.
A nova concepção da EJA significa, pois, algo mais do que uma norma programática ou um
desejo piedoso. A sua forma de inserção no corpo legal indica um caminho a seguir.
A EJA é educação permanente, embora enfrente os desafios de uma situação sócio-
educacional arcaica no que diz respeito ao acesso próprio, universal e adequado às
crianças em idade escolar.
Os liames entre escolarização e idade podem até não ter conseguido a melhor expressão
legal, mas pretendem apontar para uma democratização escolar em que o adjetivo todos tal
como posto junto ao substantivo direito seja uma realidade para cada um deste conjunto de
crianças, adolescentes, jovens e adultos. A efetivação deste “direito de todos” existirá se e
somente se houver escolas em número bastante para acolher todos os cidadãos brasileiros
e se desta acessibilidade ninguém for excluído. Aí teremos um móvel da atenuação de
constrangimentos de qualquer espécie em favor de uma maior capacidade qualitativa de
escolha e de um reconhecimento do mérito de cada um num mundo onde se fazem
presentes transformações na organização do trabalho, nas novas tecnologias, na rapidez da
circulação das informações e na globalização das atividades produtivas, para as quais uma
resposta democrática representa um desafio de qualidade.
Os pareceres da Câmara de Educação Básica sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais do
Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação Profissional de nível técnico,
assinalam e reafirmam a importância, o significado e a contemporaneidade da educação
escolar, daí decorrendo a busca e as ações em vista da universalidade de acesso e de
permanência. Qualquer formação futura deve ter nas etapas da educação básica, cada vez
mais universalizadas, um patamar de igualdade e de prossecução. Assim sendo, a EJA é
um modo de ser do ensino fundamental e do ensino médio, com seus homólogos, voltado
para crianças e adolescentes na idade adequada são chaves de abertura para o mundo
contemporâneo em seus desafios e exigências mais urgentes e um dos meios de
reconhecimento de si como sujeito e do outro como igual.
De acordo com Bobbio (1987), a possibilidade de escolha aumenta na medida em que o
sujeito da opção se torna mais livre. Mas esta liberdade só se efetua quando se elimina uma
discriminação que impede a igualdade dos indivíduos entre si. Assim, tal eliminação não só
libera, mas também torna a liberdade compatível com a igualdade, fazendo-as
reciprocamente condicionadas. A superação da discriminação de idade diante dos itinerários
escolares é uma possibilidade para que a EJA mostre plenamente seu potencial de
educação permanente relativa ao desenvolvimento da pessoa humana face à ética, à
estética, à constituição de identidade, de si e do outro e ao direito ao saber. Quando o Brasil
oferecer a esta população reais condições de inclusão na escolaridade e na cidadania, os
“dois brasis”, ao invés de mostrarem apenas a face perversa e dualista de um passado
ainda em curso, poderão efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a
revelar méritos pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua
multiplicidade, moderno e democrático. (p. 58 a 60)
“ (...) ser escolarizado não garante, por si só melhoria das condições de vida, mas
assegura, mesmo que de forma ilusória, a possibilidade de sentir-se um pouco
menos oprimido, um pouco mais distanciado da sua realidade de marginalização e
exclusão. Enfim uma garantia legal e palpável ( o diploma) de ser visto como alguém
que passou pela escola e possui seus saberes oficializados e legitimados por ela e
por isso mesmo necessários e desejados.” (p.47)
ZAGO, Nadir (2000). Processos de escolarização nos meios populares. In: Família e
Escola. Petrópolis:Vozes,p.17-44
“Estou feliz, porque minha estrela que estava se apagando voltou a brilhar, o mundo
quase me engoliu. A minha história estava pintada com tintas escuras e sem vida, as
dores do passado me corroíam, mas agora posso assumir o controle e mudar as
cores, tomei uma decisão, posso tudo com lápis e papel na mão.” Ao ouvir a leitura,
ela imediatamente se reconhece como autora e se emociona, fazendo o seguinte
comentário: “Mas não é tudo isso que eu te contei aqui? A minha história toda que
eu te contei, não tem tudo a ver com isso aí? Porque, realmente, o que era a minha
estrela que estava se apagando, eu já... olha para você ver, na idade em que eu
estava, em que eu estou, naquela época que eu escrevi isso, com os meus filhos...
acho que já estava desempregada, com problema no braço... quer dizer, é você se
sentir, a própria aposentadoria é um negócio que te joga no chão! Eu tinha uma
declaração de inválida e isso é muito sério! Agora, o mundo realmente quase me
engoliu. Agora, quando eu percebi esta coisa de estudar, de voltar, do poder, então,
assim, eu me percebo podendo modificar isso tudo. E uma das coisas que realmente
mais modificou na minha vida foi isso comigo mesmo, o meu Eu liberto. Que até
então, o meu Eu era prisioneiro de mim mesmo, e isso é muito complicado! Hoje eu
sei que não é poder tudo, mas é poder quase tudo. Ser livre é ajudar os meus filhos
a ter vontade de estudar. É poder pegar o material da escola... Eles chegavam com
o material: ‘Mãe o que é isso?’ Mamãe não sabia, mamãe não podia ajudar. A tal
vergonha de não saber! Não assumido, claro, mas é claro que é isso. Sabe, que
diferença, que o estudar faz essa diferença? É isso o que eu estou sentindo hoje. A
minha vida profissional e financeira não mudou em nada, mas eu sou livre. Isso é
ser feliz. É você poder olhar de frente para o outro e dizer: ‘oi, como é que vai?’ Isso
é ser feliz! Esses laços que quebraram. Porque o simples fato de eu ter feito uma
mudança de postura diante da vida, uma mudança de pensamento diante da vida...
As mágoas continuam, mas o simples fato de eu ter conseguido dar essa reviravolta
no meu pensar, para mim já é uma coisa muito assim... importante. Então eu acho
que valeu a pena, vale a pena estudar, claro que não posso fazer tudo, mas
bastante coisa eu posso, com certeza! Até o direito de ser livre eu tenho, eu posso!
Olha que coisa mais interessante é isso: é você poder, sabe...Isso é que é legal! È
não ter vergonha de olhar a minha cara no espelho; eu não tenho vergonha de mim,
eu me sinto bem comigo mesma. Tenho 39 anos, esse poder falar! Financeiramente
não mudei de casa, não comprei carro... mas quem sabe um dia, não é não? Vou
continuar, eu estou tentando, é por aí.” (p.102)
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“(...) além de tudo, o estudo traz respeito (...). Diante do desrespeito constante que
enfrentam no cotidiano do mundo do trabalho, vêem na escola, no estudo e no
diploma, um meio de serem respeitados, serem considerados cidadãos. A
escolarização é posta como condição para exercerem os direitos mínimos de
cidadão, funcionando como um mecanismo seletivo. Como grandes parcelas da
população são excluídas da escola, então temos cidadãos e meio-cidadãos. Ao
mesmo tempo em que assimilam esta concepção, buscam, com as armas do próprio
sistema, se fazerem respeitar.” (p.229)
“Podemos perceber que é o mundo do trabalho, nas relações ali vivenciadas que
vão experimentando na pele a desvalorização social de determinadas profissões, a
humilhação que sofrem ao exerce-las. Mas é também neste espaço, neste mesmo
embate, que alargam o projeto de futuro, descobrindo a possibilidade/ necessidade
de se afirmarem como trabalhadores qualificados, condição aspirada para uma
maior competitividade no mercado, melhores salários, como também, maior
dignidade como trabalhadores.” (p.219)
O tema "educação de pessoas jovens e adultas" não nos remete apenas a uma
questão de especificidade etária, mas, primordialmente, a uma questão de
especificidade cultural. Isto é, apesar do corte por idade (jovens e adultos são,
basicamente, "não crianças"), esse território da educação não diz respeito a
reflexões e ações educativas dirigidas a qualquer jovem ou adulto, mas delimita um
determinado grupo de pessoas relativamente homogêneo no interior da diversidade
de grupos culturais da sociedade contemporânea. O adulto, para a educação de
jovens e adultos, não é o estudante universitário, o profissional qualificado que
freqüenta cursos de formação continuada ou de especialização, ou a pessoa adulta
interessada em aperfeiçoar seus conhecimentos em áreas como artes, línguas
estrangeiras ou música, por exemplo. Ele é geralmente o migrante que chega às
grandes metrópoles proveniente de áreas rurais empobrecidas, filho de
trabalhadores rurais não qualificados e com baixo nível de instrução escolar (muito
freqüentemente analfabetos), ele próprio com uma passagem curta e não
sistemática pela escola e trabalhando em ocupações urbanas não qualificadas, após
experiência no trabalho rural na infância e na adolescência, que busca a escola
tardiamente para alfabetizar-se ou cursar algumas séries do ensino supletivo. E o
jovem, relativamente recentemente incorporado ao território da antiga educação de
adultos, não é aquele com uma história de escolaridade regular, o vestibulando ou o
aluno de cursos extra-curriculares em busca de enriquecimento pessoal. Não é
também o adolescente no sentido naturalizado de pertinência a uma etapa bio-
psicológica da vida. (para uma discussão aprofundada da constituição da juventude
como conceito nas ciências sociais contemporâneas, veja-se Peralva e Sposito,
1997). Como o adulto anteriormente descrito, ele é também um excluído da escola,
porém geralmente incorporado aos cursos supletivos em fases mais adiantadas da
escolaridade, com maiores chances, portanto, de concluir o ensino fundamental ou
mesmo o ensino médio. É bem mais ligado ao mundo urbano, envolvido em
atividades de trabalho e lazer mais relacionadas com a sociedade letrada,
escolarizada e urbana. Refletir sobre como esses jovens e adultos pensam e
aprendem envolve, portanto, transitar pelo menos por três campos que contribuem
para a definição de seu lugar social: a condição de "não-crianças", a condição de
excluídos da escola e a condição de membros de determinados grupos culturais.
Com relação à condição de "não-crianças", esbarramos aqui com uma limitação
considerável da área da psicologia: as teorias sobre o desenvolvimento referem-se
as crianças. Os processos de construção de conhecimento e de aprendizagem dos
adultos são, assim, muito menos explorados na literatura psicológica do que aqueles
referentes às crianças e adolescentes. Palacios, em um artigo que sintetiza a
produção em psicologia a respeito do desenvolvimento humano após a
adolescência, comenta como a idade adulta tem sido tradicionalmente encarada
como um período de estabilidade e ausência de mudanças, e enfatiza a importância
de se considerar a vida adulta como etapa substantiva do desenvolvimento. Enfatiza
também a importância dos fatores culturais na definição das características da vida
adulta: "Se cada período da vida é suscetível de se identificar com uma série de
papéis, atividades e relações, não cabe dúvida de que a entrada no mundo do
trabalho e a formação de uma unidade familiar própria são identificadas como
papéis, atividades e relações da maior importância a partir do final da adolescência.
[...A forma como esses dois fenômenos ocorrem] e as expectativas sociais em torno
deles são claramente dependentes em relação a fatores históricos, culturais e
sociais." (Palacios, 1995: 315). No que diz respeito ao funcionamento intelectual do
adulto, o mesmo autor afirma que "as pessoas humanas mantêm um bom nível de
competência cognitiva até uma idade avançada (desde logo, acima dos 75 anos). Os
psicólogos evolutivos estão, por outro lado, cada vez mais convencidos de que o
que determina o nível de competência cognitiva das pessoas mais velhas não é
tanto a idade em si mesma, quanto uma série de fatores de natureza diversa. Entre
esses fatores pode-se destacar , como muito importantes, o nível de saúde, o nível
educativo e cultural, a experiência profissional e o tônus vital da pessoa (sua
motivação, seu bem estar psicológico...). É esse conjunto de fatores e não a idade
cronológica per se, o que determina boa parte das probabilidades de êxito que as
pessoas apresentam, ao enfrentar as diversas demandas de natureza cognitiva."
(Palacios, 1995:312) Embora nos falte uma boa psicologia do adulto e a construção
de tal psicologia esteja, necessariamente, fortemente atrelada a fatores culturais,
podemos arrolar algumas características desta etapa da vida que distinguiriam, de
maneira geral, o adulto da criança e do adolescente. O adulto está inserido no
mundo do trabalho e das relações interpessoais de um modo diferente daquele da
criança e do adolescente. Traz consigo uma história mais longa (e provavelmente
mais complexa) de experiências, conhecimentos acumulados e reflexões sobre o
mundo externo, sobre si mesmo e sobre as outras pessoas. Com relação a inserção
em situações de aprendizagem, essas peculiaridades da etapa de vida em que se
encontra o adulto quando não há menção explícita aos jovens, na verdade o sujeito
de que se fala aqui é mais especificamente o adulto. Isso faz com que ele traga
consigo diferentes habilidades e dificuldades (em comparação à criança) e,
provavelmente, maior capacidade de reflexão sobre o conhecimento e sobre seus
próprios processos de aprendizagem. Para além dessas características gerais,
entretanto, tratar o adulto de forma abstrata, universal, remete a um certo
estereótipo de adulto, muito provavelmente correspondente ao homem ocidental,
urbano, branco, pertencente a camadas médias da população, com um nível
instrucional relativamente elevado e com uma inserção no mundo do trabalho em
uma ocupação razoavelmente qualificada. Assim a compreensão da psicologia do
adulto pouco escolarizado, objeto de interesse da área de educação de jovens e
adultos, acaba sendo uma contraposição a esse estereótipo.
Disciplina: Educação de Jovens e Adultos – 7º período
Professora: Sheilla Brasileiro
“Jovens e Adultos com pouca ou nenhuma escolaridade anterior detêm uma grande
quantidade de conhecimentos sobre fenômenos naturais e sobre a dinâmica social,
econômica, política e cultural do mundo contemporâneo. Elaboram esses conhecimentos ao
longo de suas experiências de vida e trabalho, tendo já desenvolvido estratégias que
orientam suas condutas e hipóteses interpretativas relacionadas aos mais diferentes
aspectos da realidade. Suas vivências são também enriquecidas continuamente pelos meios
de comunicação de massa, que tornam acessíveis uma infinidade de informações sobre
fatos não imediatos à sua experiência. Com o acesso a novas informações e vivenciando
novas experiências, os jovens e adultos podem ir constantemente modificando a
compreensão que têm do mundo à sua volta.
Por vezes, entretanto, as vivências podem produzir uma compreensão muito parcial dos
fenômenos, ou as informações veiculadas pelo rádio e pela TV podem ser assimiladas de
forma mais ou menos desconexa. O estudo sistemático que se realiza na escola é uma boa
oportunidade para articular os conhecimentos de modo mais significativo e abrangente. Para
tal, os educandos precisam estabelecer conexões entre suas explicações e o conhecimento
escolar. Precisam relacionar os conteúdos escolares com aquilo que já conhecem. Muitas
vezes, seus esquemas de compreensão da realidade poderão ser enriquecidos ou
parcialmente modificados pelos conteúdos escolares; outras vezes, suas crenças ou
explicações deverão ser transformadas e, para tanto, eles precisarão convencer-se de que
uma nova explicação sobre um fenômeno é mais abrangente e significativa do que a que
eles tinham previamente.
É comum que os alunos memorizarem explicações e classificações científicas apresentadas
na escola como fatos isolados, pois não dominam ainda os conjuntos da disciplina científica
em que foram geradas essas explicações ou classificações. Quando isso acontece, eles
podem ser capazes de repeti-los ou utilizá-los de modo mecânico, sem entender o que
estão dizendo ou fazendo. Relacionar os conhecimentos científicos que a escola apresenta
com os conhecimentos prévios dos alunos é uma forma de garantir a memorização
compreensiva, a assimilação de conteúdos que o aluno realmente aprende porque se
incorporam à sua rede de conhecimentos. É uma forma também de evitar que os alunos
trabalhem com uma lógica dicotômica, separando conhecimentos que servem só para a
escola de conhecimentos que servem para a vida.
(...) É bastante possível que educandos jovens e adultos resistam mais do que as crianças a
explicitarem suas idéias. Muitas vezes, esses educandos não têm clareza que possuem
conhecimentos sobre os conteúdos escolares e reconhecê-lo pode ser o primeiro passo da
sua aprendizagem. Outras vezes, podem não identificar seu saber como adequado ao
espaço escolar e sentir receio de verbalizá-lo no grupo. Por esses motivos é fundamental
que o educador dedique atenção especial à criação de ambientes pedagógicos favoráveis
que estimulem os alunos a exporem suas idéias por meio de diversos tipos de linguagens.
(...) A complexidade da vida moderna e o exercício da cidadania plena impõe o domínio de
certos conhecimentos sobre o mundo a que jovens e adultos devem ter acesso. Os
conhecimentos deverão favorecer uma maior integração dos educandos em seu ambiente
social e natural, possibilitando a melhoria de sua qualidade de vida. Faz-se necessário,
porém, superar certa visão utilitarista da educação de jovens e adultos, baseada no suposto
de que os interesses dos educandos estão restritos às suas experiências imediatistas. A
pesquisa e a prática educativa revelam que eles se interessam tanto pelas questões
relativas à sua sobrevivência cotidiana como por temas aparentemente distantes como a
origem do universo, o desenvolvimento da informática ou a eclosão de conflitos religiosos
em outros continentes. Podemos nos surpreender com o prazer que sentem em fruir e
exercitar as diversas formas de arte e sua grande motivação para participar de atividades
que instiguem a imaginação.
Nessa perspectiva, além de propiciar o acesso a informações relativas às suas vivências
imediatas, espera-se estimular o interesse dos educandos por abordagens mais
abrangentes sobre a realidade.”
“(...) a mudança de lógica incide também sobre a avaliação, que deixa de ter cunho
punitivo e seletivo, passando a ser momento de reflexão e tomada de consciência do
processo de aprendizagem individual e coletivo.
Os instrumentos de avaliação também acompanham essa mudança de concepção,
sendo amplos e diversificados. Relatórios individuais, análise de problemas,
elaboração de documentos, produções de textos, são alguns dos instrumentos
utilizados, nessas experiências, para servir de análise e reflexão do processo vivido.
Outro aspecto fundamental que os relatos revelam é a necessidade de estar
socializando os olhares, as impressões, as análises. Colocar em xeque os vários
olhares – de alunos e professores – sobre o trabalho traz avanços e contribuições
efetivas para o redimensionamento do processo.
Assim, avaliar deixa de ser um instrumento de julgamento na mão dos educadores e
passa a ser fonte e forma de adquirir conhecimento. Nesse exercício o aluno adulto,
não tem o compromisso, apenas de demonstrar o que sabe, mas de opinar e
justificar sua opinião sobre o seu processo de aprendizagem. O professor participa
do processo “não para contabilizar, mas para organizar o que já foi aprendido e
dialogar.” A avaliação é vista, assim, como um exercício democrático de explicitação
e reflexão dos processos de aprendizagem vivenciados no cotidiano escolar.”
(p.108)
UFMG. Faculdade de Educação. Projeto Político Pedagógico da Fase de
Complementação do Ensino Fundamental do Profae. Belo Horizonte, 2000 (mimeo)
Educação Compensatória
Podemos destacar três características da educação compensatória ou supletiva tão
presente, ainda, na educação de jovens e adultos:
A primeira característica é que a visão compensatória olha para o passado. As
políticas de Educação de Jovens e Adultos se justificavam porque as pessoas
tiveram pouca ou má escolarização, ou seja, um nível baixo de educação escolar.
Os tradicionais cursos de suplência e supletivo se fundamentam nesta concepção
compensatória do passado. E a prática que dominou por décadas em todos os
países.
A segunda característica da concepção compensatória é supor que se a
necessidade de educação de jovens e adultos é provocada pela má ou pouca
escolarização tida no passado, a solução está em garantir escolarização de
qualidade na educação fundamental. Em outros termos, essa concepção pensa que
as reformas na educação fundamental resolvem de vez o problema da necessidade
de educação de jovens e adultos.
Para não ter que compensar, suprir a educação não recebida no passado, a
prioridade é a reforma escolar - melhoremos agora a educação básica, para acabar
com a suplência. Itália, Grécia e Portugal tinham este tipo de política de educação.
Até 1987, a Espanha também tinha essa visão. Nos últimos anos sentiu-se a
necessidade de fazer uma mudança de mentalidade na maioria dos países.
A terceira característica da concepção compensatória supletiva tem como
fundamento a idéia de que há uma idade apropriada para a aprendizagem. É o
pensamento de que aprendemos melhor quando somos crianças e que quando nos
tornamos adultos aprendemos menos! A infância e a adolescência seriam os tempos
apropriados para aprender. A vida adulta é tempo de praticar o aprendido, de
trabalhar.
Esta concepção supletiva ainda está muito arraigada nas políticas educacionais e na
prática de muitos profissionais. Estaria sendo superada em outros países?
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Nos permitimos reproduzir livremente as reflexões feitas em encontro realizado no CAPE/SMED entre os
professores de jovens e adultos da Rede Municipal de Belo Horizonte e o Professor Ramón Fecha, Barcelona.
Educação Antecipatória
A educação de jovens e adultos está sendo repensada na maioria dos países a
partir de uma nova concepção. É a concepção antecipatória que supera essas três
características ou justificativas da visão compensatória ou supletiva. Por que a
concepção antecipatória passa a orientar as políticas educacionais?
Em primeiro lugar, porque as políticas educacionais pensam nos jovens e adultos no
presente e no futuro, não nas carências acumuladas no seu passado. O que importa
é sua condição de vida, como cidadão e trabalhador, como pessoa no presente e no
futuro.
No final da década de 80 fomos convencendo-nos que o jovem de 18 - 20 anos será
o adulto do ano 2.000. Olhamos para o futuro e não para o passado dos educandos.
A necessidade da educação de jovens e adultos justifica-se olhando para o futuro de
uma nova sociedade, da sociedade de que necessitamos. O que os jovens
aprendem e tem de aprender depende do que a sociedade de seu tempo lhes
demanda, lhes pede. Temos que melhorar sua educação, temos que capacitá-los
mais porque a sociedade exige mais.
Por exemplo, antes dos anos 90, acreditava-se que teria que haver mais educação
de jovens e adultos nos países subdesenvolvidos, onde muitos não completaram a
educação fundamental. Infelizmente, não é assim. No Japão, por exemplo,
aumentou e é muito boa a educação de jovens e adultos.
Na Espanha houve uma explosão na educação de jovens e adultos, em pouco
tempo, passou-se de 6% para 14%. Este fato está ocorrendo em toda a Europa, a
sociedade de informação está sendo mais valorizada, está mudando rapidamente a
vida das pessoas e aumenta a necessidade de reeducar os jovens e adultos.
Em segundo lugar não se confirma a expectativa de que melhorando a educação
básica seria reduzida a demanda de educação de jovens e adultos. As reformas
educacionais dos anos 70 expandiram a escolarização. Entretanto, não
solucionamos o problema da demanda de educação de jovens e adultos, pelo
contrário, o fizemos maior, mais grave. porque com mudanças tão grandes na
sociedade. o nível de informação vai subindo, O nível de informação proporcionado
pela escola até 1980 era um. O nível de informação que a educação proporciona
agora, nos anos 90, é outro. E maior um fato que pode ser comprovado. Mas a
escola não dá conta do crescimento de informações que a sociedade produz e
demanda. A juventude e a vida adulta passam a ser tempos de aprendizado de
informações e de saberes novos. Além dos aprendidos no tempo da educação
fundamental. Quanto maior a percentagem de adolescentes que completam a
educação fundamental e quanto melhor a qualidade dessa educação, maior a
capacidade de incorporar novas informações e maior a demanda de novas
informações na juventude e na vida adulta.
Em terceiro lugar as teorias pedagógicas avançaram e atualmente não se aceita que
apenas a infância e a adolescência sejam idades da aprendizagem e que a
juventude e a vida adulta não sejam mais idades de aprendizagem. Toda idade é
apropriada para educar-se: não é verdade que uma criança de 10 anos aprenda
mais que uma pessoa de 60 ou 70 anos. Em cada idade há uma aprendizagem
diferente. Aprendemos distintamente em cada idade, mas não mais ou menos. É um
ponto a ser trabalhado na nossa tradição pedagógica.
Novas Políticas de Educação de Jovens e Adultos
Há uma tendência a que esta concepção antecipatória, e não mais compensatória,
oriente as políticas e as práticas de educação de jovens e adultos. Da concepção
antecipatória (ou antecipadora) surgiram avanços que estão orientando a prática dos
educadores.
Cada vez mais, propostas estão centradas nos educandos, na sua condição de
jovens e adultos, orientadas pela confiança na capacidade das pessoas que
freqüentam as aulas. O que mais provoca a aprendizagem nas pessoas é o fato de
acreditarmos nelas, em sua capacidade de percepção e aprendizagem. E uma
“profecia que se cumpre”. Se acreditamos que a pessoa vá aprender muito, ela
aprende, se não acreditamos, ela não aprende. Todas as pesquisas estão nos
levando a crer que uma pessoa normal aumenta sua inteligência até os 60, 65 anos.
Cada vez mais é dada centralidade aos processos de apreensão do conhecimento
próprios do jovem e adulto. Em que tempos e espaços o adulto aprende? Uma
pessoa de 25 anos, por exemplo, no 1º grau, quantas horas tem para aprender se a
compararmos com as crianças?
Uma criança de 8 anos, por exemplo, tem 180 dias ao ano, 4 horas ao dia, mais as
horas que dedica a fazer os exercícios, os deveres de casa. Um adulto que tenha 2
anos de suplência ou supletivo, por exemplo, terá muito menos tempo de estudo.
Tem de trabalhar. Ele não pode ser tratado na mesma lógica das crianças que se
submetem a aulas de Matemática, História, Ecologia, por exemplo. Para o jovem e o
adulto não podemos ter a mesma lógica. Temos que incorporar os outros tempos de
aprendizado, que são mais ricos do que as experiências da infância.
Os adultos gastam várias horas da semana em entretenimento, vídeo, televisão,
trabalho, militância etc.. Estas experiências são educativas, trazem informações,
aprendizados que eles levam aos tempos de aula. Como incorporá-los, organizá-
los? Qual a relação específica do adulto com o conhecimento? Por exemplo, nas
horas de lazer assistem a filmes, e, entre estes filmes alguns de conteúdo histórico.
Mas não se fixam no conteúdo histórico dos mesmos. Que poderíamos fazer? É
comum haver, nos Centros de Educação para adultos, uma sala, ou uma biblioteca
com uma enciclopédia. Que poderíamos fazer para levar estes adultos a consultá-
la? Como podemos incorporar esses tempos formadores na educação de jovens e
adultos?
Nas aulas de História, por exemplo, primeiro podemos passar o filme juntamente
com um questionário. Os alunos assistem e respondem às perguntas. No segundo
momento, outro questionário e os alunos necessitarão da consulta à enciclopédia.
Haverá um terceiro momento onde se fará um trabalho de grupo sobre a consulta à
enciclopédia. Em síntese, o adulto aprende incorporando os diversos tempos de
experiência, de trabalho e cultura no projeto de educação escolar.
Podemos constatar ainda que a funcionalidade é outra característica da educação
atual de jovens e adultos. As pessoas que vêm aprender, não são somente
estudantes, são trabalhadores, fazem outras coisas. As pessoas tentam melhorar de
emprego ou buscam outro emprego. Estes cursos devem ser funcionais, devem
servir para o projeto de vida do jovem e adulto.
No primeiro dia de aula de alfabetização, por exemplo, a pessoa deve levar para
casa algo que aprendeu, seu nome, por exemplo. Do contrário, abandonará as
aulas. Voltando à funcionalidade: para explicarmos o corpo humano a um adulto, por
exemplo, como podemos motivá-lo? Explicando o esqueleto e os nomes dos ossos e
dos músculos? Isto não serve para nada. Que interesse há para as pessoas em
aprender esses nomes? O melhor será partir de uma vontade de ser informado
sobre as doenças, por exemplo. Falar de doenças pode ser uma forma de
interessar-se sobre o corpo. Os centros de educação para adultos podem chamar os
médicos dos centros de saúde e os médicos do planejamento familiar para dar aulas
aos adultos. Os adultos que vêm no primeiro dia chamam outros colegas para o
segundo dia, os do 2º dia chamam outros para o 3º dia de aula e assim por diante.
É preciso levar em conta as capacidades adultas para aprender. Muitos adultos têm
muita dificuldade porque o conteúdo das aulas está muito distante do seu cotidiano e
dos saberes que dominam. Não por que o adulto tenha menos capacidade de
aprender. Tem formas diferentes de relacionar-se com o conhecimento.
Por exemplo, uma pessoa responsável pela compra ou venda de material para uma
loja, ou um funcionário vendedor de uma padaria, sabe somar, multiplicar, porém
com uma lógica diferente da que lhe é exigida na aula de matemática. Com entender
sua lógica e avançar, em vez de ignorá-la?
Todas estas questões que foram levantadas mostram o quanto está sendo
interrogada a educação de jovens e adultos em outros países.
O encontro dos professores do CAPE com o professor Ramón Fecha, de Barcelona
permitiu uma oportunidade para continuar buscando novas concepções e novas
práticas de educação que dêem corda da especificidade na vida adulta como tempo
de formação.
EIXO 3 - GRUPO 3 C –
A EJA COMO ESPAÇO SÓCIO-CULTURAL
“[...] os alunos que chegam à escola são sujeitos sócio-culturais, com um saber, uma
cultura, e também com um projeto, mais amplo ou mais restrito, mais ou menos
conscientes, mas sempre existente, fruto das experiências vivenciadas dentro do
campo de possibilidades de cada um. A escola é parte do projeto dos alunos.
O que implicam estas considerações a respeito da diversidade cultural dos alunos?
Um primeiro aspecto a considerar é que a escola é polissêmica, ou seja, tem uma
multiplicidade de sentidos. Sendo assim, não podemos considera-la como um dado
universal, com um sentido único, principalmente quando este é definido previamente
pelo sistema ou pelos professores. Dizer que a escola é polissêmica implica levar
em conta que seu espaço, seus tempos, suas relações podem estar sendo
significados de forma diferenciadas, tanto pelos alunos, quanto pelos professores,
dependendo da cultura e projeto dos diversos sociais nela existentes”. ( p.144).
“Analisar a escola como espaço sócio-cultural significa compreendê-la na ótica da
cultura, sob um olhar mais denso, que leva em conta a dimensão do dinamismo, do
fazer-se cotidiano, levado a efeito por homens e mulheres, trabalhadores e
trabalhadoras, negros e brancos, adultos e adolescentes, enfim, alunos e
professores, seres humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes na
história, atores na história. Falar da escola como espaço sócio-cultural implica,
assim, resgatar o papel dos sujeitos na trama social que constitui, enquanto
instituição.
Este ponto de vista expressa um eixo de análise que surge na década de 80. Até
então, a instituição escolar era pensada nos marcos das análises macro-estruturais,
englobadas, de um lado, nas teorias das análises funcionalistas (Durkheim, Talcott
Parsons, Dreeben, entre outros), e, de outro, nas teorias da reprodução (Bourdieu e
Passeron, Baudelot e Establet, Bowles e Gintis, entre outros). Essas abordagens,
umas mais deterministas, outras evidenciando as necessárias mediações expõem a
força das macroestruturas na determinação da instituição escolar. Em outras
palavras, analisam os efeitos produzidos na escola pelas principais estruturas de
relações sociais que caracterizam a sociedade capitalista, definindo a estrutura
escolar e exercendo influências sobre o comportamento dos sujeitos sociais que ali
atuam.
A partir da década de 80, surgiu uma nova vertente de análise da instituição escolar,
que buscava superar os determinismos sociais e a dicotomia criada entre homem-
circunstância, ação-estrutura, sujeito-objeto. Essa vertente se inspira num
movimento existente nas ciências sociais, direcionado por um paradigma emergente
que, no dizer de Santos (1987), tem como característica a superação do
conhecimento dualista, expresso na volta do sujeito às ciÊncias: ‘O sujeito que a
ciência moderna lançará na diáspora do conhecimento irracional, regressa investido
da tarefa de fazer erguer sobre si uma nova ordem científica.’ O reflexo desse
paradigma emergente é um novo humanismo, que coloca a pessoa, enquanto autor
e sujeito do mundo, no centro do conhecimento, mas, tanto a natureza quanto as
estruturas estão no centro da pessoa, ou seja, a natureza e a sociedade são antes
de tudo humanas.
Nessa perspectiva, Espeleta e Rockwell (1986) desenvolvem uma análise em que
privilegiam a ação dos sujeitos, na relação com as estruturas sociais. Assim, a
instituição escolar seria resultado de um confronto de interesses: de um lado, uma
organização oficial do sistema escolar, que ‘define conteúdos da tarefa central,
atribui funções, organiza, separa e hierarquiza o espaço, a fim de diferenciar
trabalhos, definindo idealmente, assim, as relações sociais’; de outro, os sujeitos –
alunos, professores, funcionários, que criam uma trama própria de interrelações,
fazendo da escola um processo permanente de construção social. Para as autoras,
em ‘cada escola interagem diversos processos sociais: a reprodução das relações
sociais, a criação e a transformação de conhecimentos, a conservação ou destruição
da memória coletiva, o controle e a apropriação da instituição, a resistência e a luta
contra o poder estabelecido.’ (idem). Apreender a escola como construção social
implica, assim, compreende-la no seu fazer cotidiano, onde os sujeitos não são
apenas agentes passivos diante da estrutura. Ao contrário, trata-se de uma relação
em contínua construção, de conflitos e negociações em função de circunstâncias
determinadas. (p.136-137)