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VIVER A INFÂNCIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E NO ENSINO

FUNDAMENTAL: direito das crianças

Antonia Fernanda Jalles1

O presente artigo discute sobre a importância do respeito ao direito das crianças de


terem sua infância assegurada na educação infantil e séries iniciais do ensino fundamental.
Analisa o processo de inclusão das crianças de 6 anos no ensino fundamental de 9 anos,
questionando sobre a formulação e implantação das leis federais nº 11.114 de maio de 2005
e 11.274 de fevereiro de 2006.
Parte da concepção da infância como construção histórica e social, destacando que
cada época tem a sua maneira própria de considerar o que é ser criança e de caracterizar as
mudanças que nela ocorrem ao longo da infância. De pequeno adulto na idade média,
passou a ser visto como ser vulnerável e com necessidades próprias na modernidade. Na
pós- modernidade, sofre o risco de ter violado o direito de viver em plenitude essa fase
fundamental.
Várias são as leis de proteção à infância, com destaque para o ECA (1997), que
dentre outras coisas, garante às crianças o direito ao lazer e à escola. Na área da educação, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB-9.394/1996) está embasada em orientações
pedagógicas que consideram as especificidades afetivas, emocionais, sociais e cognitivas da
criança, concebendo-a como sujeito de direitos. Um desses direitos fundamentais está o de
brincar, sendo este, elemento constitutivo do que podemos considerar criança. Assim, o
brincar contribui para o desenvolvimento integral da mesma, sendo portanto, uma forma
particular de expressão, pensamento, interação e comunicação infantil.

(foto crianças brincando)

Porém, nem todas as crianças têm seus direitos garantidos, como é o caso das que
desde idades tempranas precisam trabalhar para o seu sustento ou contribuem para o
sustento da família. O tempo destinado ao estudo e à brincadeira transforma-se em um
tempo destinado ao trabalho. Essa problemática no Brasil não é recente, remontando ao
tempo da colonização e em pleno século XXI, ainda faz-se presente infelizmente, em nossa
sociedade.

(foto crianças trabalhando)

Porém, não são apenas as de classe menos favorecidas que têm seus direitos
violados; as de classes mais favorecidas, em algum momento, podem, também, por outros
motivos, ter “roubada” a sua infância. Estas não vivenciam a situação de trabalho precoce
para contribuir para o sustento da família, mas podem ser “obrigadas” a ocupar seu tempo
com ballet, aulas de inglês, informática, faltando tempo para brincar simplesmente,
atividade esta, considerada pelos estudiosos da criança como fundamental para o seu
desenvolvimento.

1
Doutora em Educação pela Universidad Complutense – Madri-Espanha/ Diretora do Núcleo de Educação
Infantil da Universidade Federal do Rio Grande do Norte/ Coordenadora do Fórum de Educação Infantil do
Rio Grande do Norte.
A idéia de sujeito em formação e de como é vivida a experiência da infância podem
variar de época para época (são históricas) e as escolhas que fazemos para dirigir este
processo, também.
As crianças vão se constituindo no seio de um continuado e complexo processo de
definições que, estabelecidas por instituições, são apropriadas por elas por intermédio de
sua participação em práticas sociais e culturais.
Partindo dessas idéias, vivemos atualmente o risco de, com a implantação da lei nº
11. 114/2005 e 11.274/2006, que inclui a criança de 6 anos no Ensino Fundamental, de em
um ano para outro passar-se a ver e tratar essa criança que antes fazia parte da Educação
Infantil de uma outra maneira.
Sabemos que a entrada da criança no ensino fundamental pressupõe muitas
mudanças na sua vida escolar. A geografia muda, pois passa-se de uma sala com
mobiliários adequados à sua idade e distribuídos na perspectiva do trabalho em grupo, onde
todos podem se ver, para carteiras enfileiradas; os tempos de parque e de brincadeiras
espontâneas diminuem consideravelmente, e em muitos casos, não se pensa em lugares
adequados para essas brincadeiras, não dispondo de parques ou cantinhos de faz-de-conta,
limitando assim os momentos de fantasia, sonho e imaginação, enfim, as manifestações de
caráter subjetivo e expressão do corpo e de sentimentos. Os jogos quando acontecem, são
jogos de mesa, dirigidos e com fins voltados exclusivamente para a aprendizagem de
conteúdos. São experiências voltadas para uma escolarização precoce, com atividades
reduzidas à lápis e papel, com fins voltados exclusivamente à alfabetização ou a
numeração, onde também se faz presente a rigidez dos horários e da distribuição das
atividades, as rotinas repetitivas, pobres e empobrecedoras. Até então considerada criança,
passa a ser vista como aluno.
Por parte do atual governo, as justificativas para a construção dessa nova
estruturação do Ensino Fundamental, vem no sentido de ampliar o ensino obrigatório como
estratégia de democratização e acesso à escola para um número maior de crianças. Parte da
constatação de que um número significativo de crianças com essa idade, filhas de famílias
das classes mais abastadas economicamente, já se encontravam inseridas na escola, seja na
pré-escola ou no ensino fundamental (BRASIL, 2005), o que difere da realidade da maior
parte das crianças brasileiras nesta mesma idade. Com a nova lei, passa a ser um direito e
um dever das famílias matricular as crianças na escola e obrigação do estado em oferecer o
atendimento, proporcionando assim, igualdade de oportunidade para todas as crianças.
A extensão dessa obrigatoriedade nos anos escolares de 8 anos para nove anos,
iniciando-se aos 7 anos, podem ser compreendidas também como estratégias que visam
proporcionar uma aproximação da realidade educacional brasileira à dos países vizinhos na
América Latina, onde a escolarização obrigatória tem em média 12 anos de duração.
Possivelmente, essa iniciativa significaria uma ação no sentido de aproximação desses
países, atendendo às exigências dos organismos multilaterais.
Faço parte do grande grupo de educadores brasileiros que questionaram essa nova
lei, que sem a suficiente justificativa e em tempo assombrosamente rápido, foi aprovada.
Muitos são os questionamentos que ainda necessitam ser respondidos: a inserção da criança
de 6 anos no ensino fundamental não seria uma estratégia de desmonte da educação
infantil? por que não investir numa política de fortalecimento da Educação Infantil que já
atendia a essa faixa etária? por que não tornar obrigatório o ingresso aos 6 anos, porém na
Educação Infantil? quais os efeitos dessa medida? qual a motivação política que
fundamenta a tomada de decisão acerca dessa medida? por que adotá-la tão rápido, já em
2006? (Pacheco, 2005; Barbosa, 2006).
A implementação de mudanças educacionais dessa natureza não acontece
simplesmente pela aplicação de novas leis, abertura de novas salas e vagas, mas exige dos
educadores um amplo debate e movimento no interior de cada escola, com a participação
de todos os envolvidos para assegurar a verdadeira efetivação desse direito, evitando que as
crianças de 6 anos que passam a ingressar no Ensino Fundamental não venham a engrossar
as futuras estatísticas de fracasso escolar.
A elaboração do documento: Ensino Fundamental de 9 anos: orientações para a
inclusão da criança de seis anos de idade, a ser publicado e divulgado nas escolas do
Brasil, vem sendo uma tentativa de diálogo do MEC com os educadores, de realizar
reflexões sobre aspectos indispensáveis para subsidiar a prática pedagógica nos anos
iniciais do ensino fundamental (Brasil, 2006).
O documento publicado anteriormente pelo MEC em 2005, Ensino Fundamental de
Nove Anos: orientações gerais, alerta para o fato de que a inclusão da criança de 6 anos de
idade não deverá significar a antecipação dos conteúdos e atividades que tradicionalmente
foram compreendidos como adequados à primeira série. Destaca a necessidade de se
construir uma nova estrutura e organização dos conteúdos em um ensino fundamental,
agora de 9 anos.
Que esse momento de mudanças no ensino fundamental possibilite uma
reorientação curricular que privilegie no cotidiano escolar o lúdico como veículo norteador
das atividades, a definição de caminhos pedagógicos nos tempos e espaços da escola e da
sala de aula que parta da realidade concreta das crianças, que respeite sua cultura, sua
história, sua subjetividade. A construção de conhecimentos deve efetivar-se a partir de um
movimento interdisciplinar e não fragmentado, de forma contextualizada, com sentido,
significado. Deve-se proporcionar às crianças propostas criativas de atividades, onde
discutam regras, opinem, levantem hipóteses, realizem ações concretas.
Que os avanços conseguidos em termos de pesquisas, teorizações e práticas bem
sucedidas, conseguidas nas últimas décadas na Educação Infantil Brasileira, sejam
estendidas ao Ensino Fundamental, compreendendo articuladamente as ações a serem
realizadas nas duas etapas da educação, respeitando-se esse tempo único e fundamental,
que é o tempo de ser criança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARBOSA, M. C. S.. O ensino obrigatório aos 6 anos e sua ampliação para 9 anos
trará vantagens ou não para os alunos? Revista Pátio Educação Infantil, fev./abril, 2006-08-

BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino


Fundamental de Nove Anos: Orientações Gerais. Disponível em: www.mec.gov.br
(acessado em dez/2005).
BRASIL, Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Ensino
Fundamental de 9 anos: orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade.
Disponível em www.mec.gov.br (acessado em junho/2006).

PACHECO, Dirce. Ensino Fundamental de Nove Anos: A Quem Interessa?


Disponível em: www.comciencia.br (acessado em janeiro/2006).

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