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O OLHAR DA CRIANÇA SOBRE A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Por Uiliete Márcia Silva de Mendonça


Professora do NEI, atuando na TURMA 1 (manhã)
Pedagoga e Especialista em Psicopedagogia
EMAIL: etinharon@ig.com.br
Orientadora: Profa. Dra. Maria Estela Costa H. Campelo – Deped/UFRN

Nosso estudo objetiva investigar o olhar da criança sobre a escola de

educação infantil e tem como sujeitos da pesquisa crianças do Núcleo de

Educação Infantil - NEI/UFRN - das turmas quatro e cinco que têm, em média,

5 e 6 anos de idade.

Ao longo do trabalho, utilizamos uma metáfora - a pintura -, vinculando

as partes do texto a alguns dos elementos constitutivos dessa área da

produção artística.

Assim sendo, teremos: como pintores, as crianças; a tela será a escola

de educação infantil, onde a criança pintará, através do seu olhar, as cores da

escola; a imaginação, as combinações e os experimentos das cores serão

construídos pelos olhares das crianças, representados pela pintura na tela; o

ateliê será o lócus de pesquisa - o NEI; a matéria prima - o aporte teórico, que

será utilizado como respaldo na construção do olhar das crianças sobre sua

escola.

O tema escolhido foi construído ao longo do curso de Pedagogia.

Também consideramos como fundamentais para as decisões concernentes a

esta monografia duas ricas experiências que vivenciamos: uma como bolsista

voluntária no Projeto de Pesquisa Especificidades da Alfabetização: na

Pedagogia e na Andragogia e a experiência como estagiária do Núcleo de

Educação Infantil.
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A experiência como bolsista do NEI se iniciou no ano de 2005, e teve

duração de dois anos. Ali, desenvolvemos atividades relacionadas à formação

docente, juntamente com duas professoras efetivas, numa sala de aula da

turma dois, com crianças de faixa etária entre três e quatro anos de idade.

Neste período, já participávamos de alguns momentos do processo

educacional dessa escola: o planejamento com as professoras, as reuniões de

estudo e administrativas, reuniões de pais e professores, semana pedagógica,

além do próprio fazer pedagógico em sala de aula, orientado pelas professoras

efetivas.

As atividades desenvolvidas no NEI nos oportunizaram aliar a teoria à

prática, o que é bastante importante para a formação docente. Como nos

esclarece Freire (1996, p.22), “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma

exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir virando

blábláblá e a prática, ativismo". Além disso, por trás da prática de um professor

há uma teoria que ilumina o seu trabalho, isto é, a prática é o fruto dos

conhecimentos construídos pelo professor (WEISZ, 2001). Mas não basta ter o

conhecimento teórico para agirmos conforme desejamos; a prática é muito

importante, pois nos permite ratificar ou retificar a teoria, alicerce onde

construímos conhecimentos, fazendo e refletindo sobre o fazer.

No início dessa experiência, era tudo muito novo, haja vista que, embora

já tivéssemos trabalhado no ensino fundamental com crianças maiores, na

educação infantil, com crianças pequenas, era a nossa primeira experiência.

Na experiência como bolsista do NEI, também aprendemos a concepção

de criança adotada pela escola, percebendo que as crianças, ali, são

consideradas sujeitos que possuem um olhar crítico, que pensam, agem e


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sentem, como seres singulares, que têm direitos e deveres, como sujeitos

humanos que se constituem, desenvolvem-se nas interações sociais,

aprendendo, incorporando e ressignificando práticas culturais, ou seja, sujeitos

que têm vez e voz na educação infantil.

Nesse sentido, convém salientar que Kramer (2003, p. 91) defende uma

concepção de criança que

Reconhece o que é específico de infância – seu poder de


imaginação, fantasia, criação – e entende as crianças
como cidadãs, pessoas que produzem cultura e são nela
produzidas, que possuem um olhar critico que vira pelo
avesso a ordem das coisas, subvertendo essa ordem.
Esse modo de ver as crianças pode ensinar não só a
entendê-las, mas também a ver o mundo a partir do
ponto de vista da infância, pode nos ajudar a aprender
com elas.

É essa, portanto, a concepção de criança/infância do NEI. A criança é

considerada no NEI como um sujeito central que constrói seu conhecimento,

mediado pela ação significativa do professor, das outras crianças e da própria

cultura.

Refletindo sobre a criança, considerando a importância de conhecê-la e

reconhecendo que as crianças são sujeitos que produzem cultura, que

pensam, que se expressam, surgiu o interesse em pesquisar o olhar da criança

sobre a escola de educação infantil, o seu papel, a sua finalidade, verificar o

que as crianças pensam sobre a escola em que estudam.

O critério de escolha das crianças foi a idade, porque percebemos que

as crianças do NEI apresentam, nessa faixa etária, características como:

linguagem oral bem elaborada, possibilidades de troca oral das suas vivências,

sentimentos expressos com mais fluência e segurança; narrativas com riqueza


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de detalhes; seqüência lógica nas exposições orais, relação de causalidade

não mais centrada no eu (egocentrismo), mas numa lógica fundada nas

observações das coisas e processos reais, maior grau de elaboração nas

relações de espaço e tempo, dentre outras.

Além da importância do olhar da criança, Didonet (2003, p. 97) nos

chama a atenção para o nosso olhar sobre a criança:

É preciso que haja um novo olhar sobre a criança e que


esse olhar a encontre como pessoa. É preciso que se
fortaleça o compromisso moral e ético com essa pessoa
que chegou para viver, para desfrutar da vida, para
expressar e expandir a riqueza do mundo.

Nesse sentido, também nos esclarece Kramer (2003, p. 81):

Não podemos continuar a olhar para as crianças como


aqueles que não são sujeitos de direitos. Precisamos
aprender com as crianças, olhar seus gestos, ouvir suas
falas, compreender suas interações, ver suas produções.

Para subsidiar teoricamente o estudo, recorremos a alguns estudiosos

que têm contribuído para avançar o conhecimento na área em que

desenvolvemos o trabalho: Kramer (1993); Freire (1996); Fontana e Cruz

(1997); Vygotsky (1998); Craidy e Kaercher (2001); Leite Filho (2001); Oliveira

(2002); Basílio e Kramer (2003).

Neste trabalho, a consulta a fontes documentais também se fez

necessária, o que nos levou a estudar os seguintes documentos: Brasil (1998);

Proposta Pedagógica do NEI (2004); Política Nacional de Educação Infantil

(2005); dentre outros.


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Para nortear a pesquisa, definimos as seguintes questões de estudo:

O que pensam as crianças sobre as diferenças existentes entre a escola

de educação infantil e a escola de educação de adultos? Como se manifesta o

olhar da criança sobre a educação infantil? Como pensam as crianças acerca

do professor e da escola de educação infantil?

Procurando entender o olhar da criança da educação infantil sobre a

escola de educação infantil, nos deparamos com as características, as

especificidades da escola de educação infantil. O que é uma escola de

educação infantil? Que características a singularizam como tal? Que espaços

devem ser organizados nesta escola? E a formação do professor? Que função

esse professor deve exercer?

Com essas inquietações, definimos como objetivo do trabalho:

• Investigar o “olhar” da criança acerca da Escola de Educação Infantil, em

termos do seu funcionamento, da sua finalidade e do trabalho dos seus

professores;

Em termos metodológicos, nos definimos pela abordagem qualitativa de

pesquisa, pois de acordo com Lüdke e André (1986), esse tipo de abordagem

possibilita o (re)conhecimento da realidade em estudo, visto que enfoca mais o

processo do que o produto, com a preocupação maior de retratar o ponto de

vista dos participantes, além de ser um tipo de pesquisa rica na apreensão,

percepção e descrição/explicação dos fenômenos. Como a pesquisa qualitativa

se preocupa mais com o processo, ela se torna muito importante na obtenção

de dados de um determinado grupo estudado, pois os dados não se dão num

ato mecânico de registro, e sim, num processo de interação, reflexão e


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atribuição de sentidos entre o grupo estudado e o pesquisador, possibilitando

um melhor conhecimento do objeto de estudo.

Discutindo sobre a pesquisa qualitativa, Lüdke e André (1986, p.11)

fazem o seguinte registro: [...] “a pesquisa qualitativa supõe o contato direto e

prolongado do pesquisador com o ambiente e a situação que está sendo

investigada, via de regra através do trabalho intensivo de campo”.

A construção dos dados foi realizada através da entrevista semi-diretiva

e pesquisa bibliográfica. A escolha da entrevista se justifica por ser este um

instrumento importante que se caracteriza pela interação entre o pesquisador,

a pesquisa e os sujeitos. Como os sujeitos são crianças, esse instrumento de

pesquisa se tornou adequado, pois o entrevistado irá discorrer sobre o tema

proposto, com base nos conhecimentos que dele detém. Assim, sendo,

buscamos um clima de estímulo e de aceitação mútua, fazendo com que as

informações fluíssem de maneira autêntica. Sobre a importância das

entrevistas, assim nos esclarecem Lüdke e André (1986, p. 34):

A grande vantagem da entrevista sobre outras técnicas é


que ela permite a captação imediata e corrente da
informação desejada, praticamente com qualquer tipo de
informante e sobre os mais variados tópicos. Uma
entrevista bem feita pode permitir o tratamento de
assuntos de natureza estritamente pessoal e íntima,
assim como temas de natureza complexa e de escolhas
nitidamente individuais. Pode permitir o aprofundamento
de pontos levantados por outras técnicas de coleta de
alcance mais superficial, como o questionário.

A leitura dos dados construídos através da entrevista nos possibilitou a

estruturação de um quadro-guia - o Quadro 1 - que se encontra a seguir - para


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nortear as análises. O Quadro foi organizado em três blocos de categorias com

suas subcategorias.

QUADRO 1

TEMA CATEGORIAS SUBCATEGORIAS


1.1) Diferenças com relação à Escola de Adultos
1) Escola de Criança
1.2) Características de uma boa Escola

2.1) O que deve saber

2.2) Como recebe a criança na escola

2) O bom professor de crianças 2.3) O que ensina

2.4) Como ensina


Educação Infantil
2.5) Como procede com a criança que errou

3.1) Características das Professoras

3.2) Espaços mais agradáveis

3) O NEI como Escola de Crianças 3.3) Acerca da Rotina

3.4) Atividades mais prazerosas

3.5) Avaliação Geral

Percebemos, através dos estudos teóricos, que uma boa escola de

educação infantil deve ter profissionais capacitados e competentes, que

assumam o binômio educar/cuidar, que privilegiem as brincadeiras, que tenha

uma rotina estruturante com atividades diversificadas e espaços organizados

que permitam à criança se comunicar, brincar, aprender, viajar no mundo da

imaginação, desenhar, dançar, cantar, enfim, ampliar seus conhecimentos.

Para que se construa um ambiente favorável para uma boa escola de

educação infantil, necessário se faz:

[...] oferecermos às crianças um ambiente que propicie a


cada uma – e ao grupo como um todo – a manifestação e
ampliação de seus interesses e conhecimentos. As
atividades e situações propostas têm, portanto, o objetivo
último de favorecer a exploração, a descoberta e a
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construção de noções, ou seja, o desenvolvimento e o


maior conhecimento do mundo físico e social [...].
(KRAMER, 1993, p.21).

É incrível! Mas as crianças sabem muito sobre tudo isto.

Nesse sentido, Demartini (1997, p. 2) defende em "reiterar a importância

cada vez maior, em nossos dias, de aprender a ouvir as crianças e os jovens".

É fundamental conhecer as crianças, pois elas nos revelam muitas

coisas que são importantes para nós, adultos, refletirmos, haja vista que

O olhar das crianças permite revelar fenômenos sociais


que o olhar dos adultos deixa na penumbra ou obscurece
totalmente. Assim, interpretar as representações sociais
das crianças pode ser não apenas um meio de acesso à
infância como categoria social, mas às próprias
estruturas e dinâmicas sociais que são desocultadas no
discurso das crianças. (PINTO; SARMENTO, 1997,
p.25).

Ouvimos as crianças... As cores foram misturadas, combinadas... A

imaginação seguiu seu caminho... E através dessa mistura de cores e da

imaginação, as crianças revelaram seus olhares... Podemos, então, contemplar

a tela! E não só isto!

As crianças revelaram que a escola em que estudam não está no plano,

apenas, do ideal; esta escola também é real, porque as características

desejadas, sonhadas pelas crianças, encontram materialidade no NEI – na sua

estrutura física; nos seus “cantinhos”; na rotina que norteia a prática

pedagógica; no acolhimento das crianças, pelas professoras; nas

aprendizagens que realizam; nas “viagens” ensejadas pela imaginação,

embalada pela leitura de histórias e pelas brincadeiras; pelas músicas que

ouvem e aprendem a cantar; pelas dramatizações que lhes permitem serem


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transportadas para outros lugares, outros momentos históricos, assumindo os

mais diversos personagens.

Realçamos que a temática proposta neste trabalho é instigante. Dessa

forma, pretendemos aprofundar tal estudo futuramente, abarcando as questões

em uma maior dimensão.

Chegando ao término deste estudo, consideramos ter alcançado o nosso

objetivo inicial.

Consideramos também que a realização deste trabalho não se

constituiu, apenas, no cumprimento de uma tarefa acadêmica. As

aprendizagens decorrentes desta experiência acadêmica foram bastante

significativas para nossa formação pessoal e profissional e suas contribuições

estão “para além” de todas as palavras que possam ser ditas ou escritas.

Aos professores e aos demais leitores deste trabalho, convidamos para

uma reflexão sobre o modo de pensar e agir das crianças, suas significações,

suas produções.

Considerando esta etapa de trabalho, chegamos! Mas acreditamos que

logo, logo, partiremos em busca de novos conhecimentos porque não existe

nada melhor que o prazer da renovação.


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