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― Você não acha que essa saia está muito curta para ir para faculdade?
― Meu namorado gritou do lado de fora do nosso quarto.
― É só uma saia Carlos, não confia em mim? ― Perguntei, cansada
dessa conversa.
― Confio em você, só não confio neles.
Era sempre assim, as roupas, os amigos, os lugares que eu frequentava.
Nós nos conhecemos na faculdade, ele cursava direito e eu pedagogia.
Meu sonho era trabalhar com crianças, sempre gostei da alegria e da magia
que era o mundo infantil.
Carlos era bonito, tinha corpo sarado, o cabelo sempre com o corte feito,
roupas legais, o carro do ano, amigos sempre por perto, era o playboy da
faculdade, nunca achei que ele iria me notar, até que em uma festa da
faculdade, lá estava ele conversando comigo e pedindo o meu número.
Em menos de um ano estávamos morando juntos, abandonamos nossas
respectivas repúblicas para dividir uma quitinete, segundo ele, precisa ficar
perto de mim, para me proteger das amizades ruins que eu tinha.
Eu trabalhava durante o dia em um consultório pediátrico, o médico, Dr.
Alcides, era um amor, tanto com os funcionários, quanto com os pequenos
pacientes dele.
Mas tive que sair do meu emprego, pois Carlos achava que o Dr. Alcides
era um pervertido que não tirava os olhos de mim, e a namorada dele não
precisava trabalhar.
Minha vida foi assim por muito tempo, vivia em função do meu
namorado, que por sinal, não aceitava nem o curso que eu escolhi fazer,
pois segundo ele não ia ganhar dinheiro trabalhando com crianças. Mas eu
não queria saber do dinheiro, queria ser feliz, coisa que não estava
conseguindo há um bom tempo.
Carlos bancava as nossas despesas, afinal, ele vinha de uma família
muito poderosa e rica de Minas Gerais, enquanto eu lutava para segurar a
minha bolsa de estudos integral que consegui com muito esforço.
― Tudo bem Carlos, eu troco, se vai te deixar feliz. ― Falei, exausta.
― Como é que é? Tudo bem, o que? ― Ele respondeu, perdendo a
paciência.
― Tudo bem amor, eu troco. ― Concordei com medo da sua reação.
― Isso mesmo, sou seu amor e você sabe que nunca vai achar alguém
que te ame mais do que eu, né?
― Claro que sei, amor!
Estava no meu limite com esse relacionamento, e era o último ano do
meu curso, eu só queria me ver livre dessa situação.
Carlos me deixou no campus e seguiu para o seu estágio, na empresa de
advocacia do pai. Ele se formou no ano passado, mas ainda não passou no
curso da ordem, o pai dele estava uma fera, e como de costume, ele colocou
a culpa em mim.
― Você sabe que tenho olhos aí dentro, né? Espero não ter que te
lembrar que não precisa de amigos, eu sou suficiente para você. ― Disse
me beijando de um jeito molhado demais, como se quisesse marcar
território no meu rosto.
― Eu sei meu amor! ― Concordei louca para sair do carro e vomitar no
banheiro.
Corri para o campus e já na entrada encontrei Sofia, minha amiga
doidinha, ela tinha os cabelos coloridos e as roupas mais legais que já vi,
uma alma alegre, diferente do que eu sou hoje.
― Gaby, achei que não ia sair daquele carro nunca. ― Comentou com
cautela.
― Amiga, está cada vez mais difícil lidar com o Carlos, agora até as
minhas roupas eu tenho que trocar para não o desagradar.
Ela sabia de tudo, era um alívio conversar com alguém e poder dizer
toda a verdade, ela me entendia, mas não aceitava a situação e sempre me
chamava para morar com ela.
― Não sei o que você está esperando para terminar esse relacionamento,
amiga. Espero que você não deixe o pior acontecer. ― Ela falou com ar de
esperança com o dia em que eu me libertaria de Carlos.
― Amiga, me empresta o seu celular? Preciso ligar para minha irmã. ―
Desconversei.
Eu não tinha mais celular, desde quando Carlos me pegou contando para
minha irmã que ele tinha levantado a voz para mim, ele o quebrou na
parede. Eu era proibida de conversar com a minha irmã sozinha, só podia
pelo celular dele e com ele por perto. E é claro que minha irmã o odeia.
― Vamos até o banheiro, assim você conversa à vontade.
Corremos para o banheiro e lá liguei para minha irmã. Ela morava em
Portugal, foi atrás dos seus sonhos, e está muito feliz trabalhando e curtindo
a vida.
Ela mora com uma amiga, a Madá, ela e minha irmã são uma figura. Na
turma tem também o Miguel, ele é chef de cozinha e tem um restaurante
bem badalado, já minha irmã Beatriz e Madá tem um ateliê de estética, elas
arrasam.
Me tornei muito amiga deles, embora conversássemos por três anos
apenas por ligação, foi inevitável não surgir uma amizade entre nós quatro.
Eles tentam me convencer de ir embora também, buscar sonhos que nem
eu mesma sei se os tenho, estou no meu limite e assim que conseguir um
dinheiro para as passagens vou embora. Elas têm uma vida financeira
tranquila, mais não quero ser um peso na vida de mais ninguém, já basta me
sentir a cruz que meu namorado carrega.
― Irmãaaaaaaaaaa, que bom que ligou! ― Ela grita do outro lado da
linha, sempre me chamando de “irmã” e nunca pelo meu nome.
― Oi Bea, como você está? ― perguntei, tentando não demonstrar que
estava chateada.
― Morrendo de saudades de você!
― Para com isso, nós conversamos ontem!
― Nunca é o suficiente, só vou me acostumar quando você estiver aqui
comigo, aliás, e essa carinha aí em?
Eu era dois anos mais velha, mesmo assim ela sempre me tratou e
aconselhou como se fosse a mais velha entre nós.
― Nada, só cansada mesmo. ― Tentei mentir, mesmo sabendo que
falharia miseravelmente na missão de enganá-la.
― Não mente pra mim, foi aquele bosta de novo, né? Para de marra e
vem embora logo, se liberta.
Bea a cada dia nomeia Carlos com um apelido diferente, a relação deles
nunca foi um mar de rosas, desde que se conheceram.
― É tão difícil para mim, parece que estou planejando algo ruim contra
ele, como se fosse errado, sabe?
― Não tem nada de errado em querer viver e sonhar com coisas
melhores.
― Eu nem sei se sou capaz de sonhar, irmã.
― Às vezes precisamos nos aventurar, conhecer novos ares, viver coisas
novas, alimentarmos nossa alma para podermos sonhar livremente.
Ela falou de forma tão sábia, quem a ouvisse, não acreditaria que era a
mais animada do rolê, nós éramos inimigas do fim, não via a hora de
estarmos juntas.
― O que essa cabecinha está pensando, hem? ― Bea perguntou, me
tirando das lembranças da época em que saíamos sem preocupação alguma.
― Nada demais, só lembrando dos nosso rolês, como era bom sair com
você e esquecer de tudo.
― Irmã, eu estava conversando com a Madá, esse mês foi muito bom,
estamos atendendo várias madames aqui, e as gorjetas são ótimas, Miguel
também...
― Nem começa, eu não quero que vocês gastem o dinheiro suado de
vocês comigo. ― A cortei imediatamente.
Fechei a tampa do vaso e me sentei - sim, eu precisava conversar
escondido dentro da cabine do banheiro - já não estava me sentindo bem
com essa conversa.
― Nós somos uma família, família se ajuda, estende a mão quando a
outra precisa.
― Eu sei, mas até agora só consegui tirar o passaporte, e até o ano que
vem consigo juntar grana para a passagem. ― Falei de forma sonhadora,
queria muito ir embora, ficar com elas.
― Para de bobagem, nós vamos resolver isso esse mês ainda, você vai
vir embora o quanto antes.
― Não posso ir sem um emprego, sem alguma coisa segura, não quero
dar trabalho para mais ninguém.
― Você não me daria trabalho nenhum, eu te amo e quero você por
perto. ― Eu sei que ela falava a verdade, pois faria o mesmo por ela.
― Irmã, tenho que ir para aula, depois nos falamos, tá bom? ― Me
despedi para evitar esse assunto.
― Está bem, mas você não vai escapar de uma conversa séria, viu?
Miguel tem milhas e vamos comprar essa passagem o mais breve possível.
― Ela afirmou toda animada.
― Tudo bem Bea, amo você!
― Ok, te amo mais.
Era sempre assim que finalizávamos nossas conversas, com amor sempre
em dobro.
Depois das três primeiras aulas, corri para o outro lado do campo, onde
ficava a área de alimentação. Como meu namorado não me permitia
trabalhar, eu tinha que arrumar dinheiro de alguma forma. Fazia trabalhos
para alguns colegas e cobrava por isso. Não me interpretem mal, eu sei que
não é correto, mas não tinha outra opção, pelo menos até meu plano de ir
embora dar certo. Eu tinha que aceitar tudo.
Dona Tereza, a tia da lanchonete, me recebeu com um abraço carinhoso,
o melhor abraço do mundo. Ela não sabia de tudo que acontecia na minha
vida, mas imaginava, já que eu a ajudava na cozinha em segredo. Ela sabia
que meu namorado não podia saber. Ela me pagava pela ajuda, já que seu
filho havia se acidentado e não poderia mais ajudá-la até se recuperar. Era
outra forma que encontrei para conseguir dinheiro extra.
― Você está muito pálida e magrinha, minha filha. Vem comer antes de
lavar essas louças ― disse ela, enquanto colocava um escondidinho de
frango divino na minha frente.
Se tem uma coisa que me conquista é comida, definitivamente, e a
comida da dona Tereza era a melhor.
― Obrigada, nem lembrei de comer hoje ― falei enquanto devorava o
prato.
― Come, menina. Saco vazio não para em pé.
Depois do movimento, lavei as louças e ajudei a limpar a cozinha. Eu
precisava ficar nos bastidores, não podia ajudar no atendimento, pois não
queria ser vista pelos amigos do meu namorado. Fui assistir ao restante das
aulas e, no fim do horário, encontrei Sofia, que me acompanhou até a saída.
Já era tarde, o sol estava se pondo, pintando o céu com tons de um
alaranjado lindo.
― Gaby, vou fazer uma festa na República neste fim de semana. Será
que o insuportável do Carlos deixa você ir? ― perguntou minha amiga.
― Amiga, provavelmente não. A futura esposa de um admirável
advogado não pode frequentar esse tipo de ambiente ― respondi, sabendo
das restrições que o relacionamento impunha.
― Tão admirável que nem advogado é, né amiga? Nem na OAB ele
conseguiu passar ― ela disse, gargalhando alto, e eu a acompanhei. Eu não
gostava de diminuir ninguém, mas a Sofia me fazia sentir mais leve, e eu
precisava aproveitar esses momentos de alegria.
― Do que as meninas mais lindas da faculdade estão rindo? ― um braço
passou pelo meu ombro e outro no de Sofia, enquanto recebia um beijo no
rosto.
― Irmão! ― Sofia gritou alto, soltando-se e pulando em seus braços.
Antônio era o irmão mais velho dela, morava em outra cidade e sempre
vinha visitá-la quando podia.
― Calma, irmãzinha, assim vai derrubar nós dois ― ele disse rindo da
animação da irmã.
― Estava com tantas saudades, onde está a Camila? ― quis saber Sofia.
― Não estava se sentindo muito bem, no final da gravidez tudo
incomoda. Quis ficar na casa da mamãe, mas ela está te esperando lá.
Vamos jantar todos juntos? ― perguntou para nós.
― Claro que sim! Mal posso esperar para ter meu sobrinho nos braços
― disse Sofia, animada com a possibilidade de ser tia. Sua empolgação era
contagiante.
― Vamos, Gaby? Mamãe mandou sequestrar vocês duas. Ela diz que
você nunca mais apareceu lá em casa ― disse Antônio, me repreendendo
com carinho.
― Não vai dar, Antônio. Carlos vem me buscar ― disse, me livrando da
vergonha de Carlos chegar e fazer um show, pois qualquer pessoa do sexo
masculino é uma ameaça para ele.
― Tudo bem, mas não vou aceitar um não da próxima vez, hein? ―
disse Sofia, me abraçando e dando um beijo. Antônio fez o mesmo, e eles
foram em direção ao estacionamento.
Caminhei um pouco em direção à saída quando senti uma dor no meu
braço direito. Só então percebi que era Carlos me puxando para o carro.
― Boa tarde, amor. Como foi o seu dia? ― disse, tentando sondar o seu
humor.
Mas ele não me respondeu. Fizemos todo o caminho em silêncio até
nossa casa. Ou pelo menos o lugar que chamávamos de casa, mas que não
tinha nada de nosso. Era tudo dele, frio, sem cor, sem vida.
Subimos pelo elevador, ainda estranhando o seu silêncio. Ele abriu a
porta, e fui para o quarto, guardei minhas coisas e tirei o tênis. Estava indo
para a cozinha preparar algo para comer quando o encontrei tomando uma
cerveja na sala.
Algo foi arremessado na parede ao lado da minha cabeça. Com sorte,
consegui me esquivar e a garrafa que estava em sua mão não me acertou.
Fiquei em choque, sem reação. Ele sempre gritava, sempre me ofendia, mas
nunca me machucava.
Esse ainda era o motivo pelo qual eu permanecia aqui. Eu o amei um dia,
realmente achei que ele fosse o homem da minha vida. Mas a convivência
foi me mostrando que ele não queria compartilhar uma vida juntos. Ele
queria me possuir da pior maneira possível.
― Você acha mesmo que sou cego, Gabriela? Acha que não vejo você se
oferecer como uma qualquer, para qualquer homem que se aproxima? ―
gritou ele, como se quisesse que o prédio inteiro ouvisse.
― Não estou entendendo, Carlos. O que eu fiz para você agir assim? ―
disse, afastando-me, porque estava realmente com muito medo.
― Eu agir assim? Estou agindo assim por sua causa. Você me faz ser
assim. A culpa é sua, sua vadia.
― Pelo amor de Deus, Carlos, não fiz nada.
― Você acha que me engana, né? Acha que não vi como estava se
esfregando e recebendo beijos daquele idiota do irmão da Sofia? ― Então
era isso. Ele viu Antônio conversando conosco. Pelo amor de Deus, não
houve maldade alguma.
― Antônio foi buscar Sofia. Ele nos convidou para jantarmos e conhecer
a esposa dele, que está grávida, Carlos. Só isso ― tentei acalmá-lo.
― Então é pior do que eu pensava. Além de se envolver com ele, você ia
fazer papel de amante na frente da esposa do cara? ― Meu Deus, esse
homem não está bem.
― Carlos, você está me ofendendo. Nunca passou pela minha cabeça a
possibilidade de te trair. Por favor, se acalme. ― Tentei me aproximar para
conversar com calma, mas ele me pegou pelo braço, jogou-me no sofá, caiu
em cima de mim e deu um tapa no rosto.
Na hora, não consegui assimilar o que estava acontecendo. Sua mão foi
para o meu pescoço, privando-me de ar, e eu não conseguia reagir. Ele
puxava meu cabelo, gritando coisas que eu não conseguia mais entender.
Tirando forças não sei de onde, consegui dar um chute em sua virilha, e
ele caiu para o lado, segurando-se de dor.
― Não foge de mim, sua vadia. Hoje eu te mostro como você é minha
mulher e tem que se comportar ― disse, levantando-se e vindo atrás de
mim. Eu consegui correr e me trancar no quarto.
― Não, não, por favor, não. Eu não quero ser mais uma mulher nas
estatísticas. Tenho que ir embora daqui ― pensei, arrastando a cômoda para
a porta para que ele não pudesse entrar. Ele não parava de gritar e socar a
porta, mandando eu abrir.
― Se não abrir essa porta, eu vou destrui-la, assim como vou fazer com
você, sua maldita vadia.
― Por favor... Vá embora!
Só consegui dizer isso. Nada saía da minha boca. Eu não sabia o que
fazer. Não tinha celular, não tinha como me comunicar com ninguém, pedir
ajuda. Morava no quinto andar, pelo amor de Deus, nem dava para pular a
janela. Encostei na parede e deixei meu corpo escorregar para o chão.
Abracei minhas pernas e fiquei assim até os gritos pararem e ele desistir,
indo embora.
Fiquei assim por tanto tempo que não vi a hora passar. O silêncio estava
me envolvendo naquele momento. Lembrei das palavras de apoio da minha
irmã e dos meus amigos. Eu não precisava passar por aquilo. Eu era uma
mulher forte e independente, sempre corri atrás do meu próprio caminho,
era alegre e cheia de vida. Agora, estava aqui, sentada no chão com medo
do homem que um dia achei que seria o pai dos meus filhos. Chega, tenho
que sair daqui, mas como sem que ele veja e venha atrás de mim?
Estava tudo calmo demais. Ou ele tinha saído para beber com os amigos,
ou tinha desmaiado de tanto beber. Ele descontava toda a frustração que o
pai jogava nele desde a desastrosa nota no exame da ordem em mim e na
bebida.
Juntei toda coragem que havia em meu corpo e me levantei. Peguei
minha mochila e coloquei o essencial. Peguei meu passaporte, que tirei com
muito sacrifício e escondi embaixo do colchão, e o pouco dinheiro que
consegui guardar. Peguei uma foto minha e da minha irmã e pronto, não
precisava de mais nada, nem de lembranças dessa casa, dessa vida, desse
homem. Pensando em sair na surdina, arrastei a cômoda da porta sem fazer
muito barulho e abri a porta. O silêncio predominava o ambiente, como
aquela calmaria antes da tempestade.
Caminhei na ponta dos pés, sem fazer qualquer barulho. Ele não estava
na pequena cozinha nem no banheiro. Continuei aliviada, ele só podia ter
saído. Chegando na porta, a chave não estava na fechadura. Sim, minhas
amigas, eu não tinha a chave da minha própria casa.
Pensando em alguma forma de abrir a porta ou gritar por ajuda, meu
cabelo foi puxado para trás com tanta força que perdi os sentidos ao bater a
cabeça no chão.
― Onde pensa que vai, vadia? Achou que seria tão fácil assim?
Eu estava com tanto medo, que acabei não tendo reação. Mais uma vez,
estava desprotegida, desamparada, fraca nas mãos desse homem.
Ele me puxou como se eu não pesasse nada e me jogou no chão, caindo
em cima de mim. Olhando para o seu rosto desfigurado pelo ódio, percebi
que não teria chance de escapar, que ali seria o meu fim.
― Você é minha e sempre vai ser, porra! Não me provoca. Não tá vendo
que eu fico assim por causa das suas atitudes? ― Ele disse como se eu
tivesse culpa, passando a mão pelo meu rosto onde havia me batido antes,
deixando uma marca. Fico impressionada como ele muda de humor de um
momento para o outro.
― Só me deixe ir embora, por favor, pelo tempo que ficamos juntos, me
deixe ir!
― Você está pensando em me deixar? Por causa de uma briga à toa? É
isso?
― Fala, porra! ― Disse gritando e socando o chão ao lado da minha
cabeça. Eu só sabia chorar, estava apavorada. Deus, me ajude, o que devo
fazer?
O medo já tomava conta do meu corpo. Tentei argumentar com ele.
― Eu não vou, só me deixe levantar. Estou com medo, Carlos.
― Você tem medo de mim? Vou te mostrar o que é ter medo. Não
precisava ser assim, mas você não me ajuda a te ajudar.
Em um minuto, eu tinha esperança.
Em outro, o pavor me paralisou. Ele rasgou minha camiseta e mordeu
meu seio como um animal. Eu tentei sair de debaixo dele, mas ele era muito
pesado. Ele abriu o botão da calça, pronto para fazer comigo o que quisesse,
sem meu consentimento.
― Vou foder essa sua boceta até você entender que eu sou o único
homem que vai estar dentro de você! Entendeu, vadia? ― Meu Deus! ―
Meu pai tinha razão. Tinha que ter te ensinado há muito tempo a ser
obediente, dessa forma, sua puta.
Eu não conseguia me mexer. Ele me mordia e me apertava. Eu consegui
virar para o lado, e ele me deu um soco na costela. Fiquei sem ar de tanta
dor que meu corpo recebeu. Ele tentava tirar meu jeans, e nesse momento
avistei a chave que caiu do seu bolso. Sem pensar duas vezes, peguei o
enfeite de vidro que ficava na mesa de centro e bati com toda a minha força
em sua cabeça.
Ele cambaleou para o lado, e eu vi a oportunidade ali. Peguei a chave do
chão, e minha mochila estava perto da porta caída. Não sei se foi obra
divina, mas consegui abrir a porta.
Minha visão estava embaçada pelas lágrimas e pelo sangue, muito
sangue, que só agora percebi que estava ali. Ele se misturava, o meu e o
dele, que espirrou em mim. Eu precisava pensar, não conseguiria ir muito
longe nesse estado, nem chamar a polícia. Ele e o pai jogariam tudo debaixo
do tapete, tudo o que ele fez em apenas algumas horas. Eu precisava fugir,
precisava de ajuda.
Passando pelo corredor, prestes a correr pela escada de incêndio, uma
porta se abriu e uma mão me puxou para dentro. Só ouvi o barulho da
fechadura se trancando e um abraço forte envolvendo meu corpo. Nesse
momento, vi minhas esperanças se construindo novamente.
Eu nem sabia o nome dela, só lembro de vê-la na porta sempre que
chegava da rua com Carlos. Ela era muito bonita, devia ter uns quarenta e
cinco anos no máximo, cabelo curto e preto, muito bem cuidado, e roupas
elegantes.
― Seu nome é Gabriela, não é? Desculpa, eu sei por que ouço sempre as
discussões de vocês, aliás, quase todos ouvem, desculpe, não quero ser
indelicada, só quero que saiba que estou do seu lado.
Nunca em toda a minha vida imaginei estar nesta situação. Sempre
pensei que seria eu a demonstrar sororidade com alguma mulher, nunca
imaginei ser eu a receber esse sentimento. Olhei para ela, que estava
assustada, mesmo assim transmitia tranquilidade.
― Vamos chamar a polícia. Esse sangue é todo seu? ― perguntou,
levando-me para uma cadeira.
― Não, ai meu Deus, eu bati nele. Será que o matei? ― O pavor tomou
conta de mim mais uma vez. Seria possível que ele destruiria a minha vida
dessa forma?
― Claro que não, estou ouvindo barulho no corredor. Calma, vou tentar
ver algo pelo olho mágico. ― Eu estava apavorada. A senhora foi olhar
pelo buraquinho da porta e voltou correndo.
― Ele está no corredor, esperando o elevador. Ele está vivo, não se
preocupe. Vamos chamar a polícia agora. Você quer ligar para alguém
antes?
― Não, polícia não. Ele vai acabar comigo. O pai dele e ele são
advogados. Eu só quero ir embora, só isso.
― Tá bem, eu te entendo, mas você tem alguém para quem possamos
ligar?
― Tenho sim, você me empresta o seu telefone? ― Só tinha um número
fixado na minha cabeça, o da Sofia. O número da minha irmã era
internacional, com muitos dígitos e eu não memorizei. A Sofia tinha o dela
salvo em seu celular.
― Claro, espera só um minuto. ― Ela saiu e voltou com o celular e uma
maleta de primeiros socorros.
Peguei o telefone e já comecei a digitar o número. No quarto toque, ela
atendeu. Já era tarde da noite, mas eu sabia que ela não dormia cedo. Ela
devia estar em algum barzinho nessa hora.
― Alô? ― O barulho alto confirmou onde ela estava, no bar do Raul,
um lugar muito frequentado pelos estudantes da nossa faculdade.
― Amiga, sou eu.
Nesse momento, ela já sabia o que tinha acontecido e nem me perguntou
nada, apenas onde eu estava.
― Onde você está? Vou te buscar agora, sem discussão. ― Ela foi
falando, e o barulho ficou para trás.
― Estou na casa de uma vizinha, ela me ajudou. Por favor, não queria te
envolver nisso, mas me ajuda a sair daqui, amiga ― eu disse, na dúvida
entre envolvê-la nessa confusão. Minha amiga não merecia isso.
― Passa o telefone para a sua vizinha, Gaby.
Passei o telefone e elas conversaram por alguns minutos. Em seguida,
ela desligou e disse que me ajudaria a sair do prédio e ir ao encontro da
Sofia. Ela não poderia ir ao prédio, pois Carlos era bem-visto por todos e
conseguiria mudar a história a favor dele, prejudicando minha amiga.
― Vamos, Gabriela. Vem tomar um banho, trocar de roupa, fazer uns
curativos e dar um jeito de chegarmos até o meu carro na garagem ― Me
levantei, sentindo meu corpo dar os primeiros sinais de cansaço.
A água morna caía pelo meu corpo, e eu fui sentindo exatamente os
lugares onde ardia e doía. Mas nenhum lugar doía mais do que o meu
coração. Como o homem que um dia amei pôde apenas me trazer dor e
medo? Como eu seguiria com minha vida carregando a lembrança dessa
noite?
Se eu conseguisse sair desse maldito prédio que só me trouxe sofrimento
seria um alívio.
― Gaby, você está bem? Precisa de ajuda? ― Marta, cujo nome só
soube depois de um tempo, me chamou do outro lado da porta. Nem percebi
o tempo passar; já deve estar de madrugada.
― Não, Marta, obrigada. Já estou indo ― Respondi, só querendo deitar
e dormir. Mas só farei isso quando estiver longe e segura.
― Desculpe, não percebi o tempo passar. Seu chuveiro é maravilhoso ―
elogiei, tentando ser agradável, afinal, ela me ajudou até agora.
Marta sentou-se ao meu lado na cama e se aproximou.
― Vamos fazer esse curativo. Parece que não será preciso dar pontos,
mas ficará uma pequena marca na sua testa.
― Para que eu nunca esqueça dessa noite ― disse tristemente.
― Não, Gabriela. Essa marca será para te lembrar o quão forte você é e
de como superou isso de cabeça erguida. Sempre admirei sua coragem,
minha filha. Não é de hoje que ouço as brigas, os insultos dele contra você.
Eu sabia que essa força dentro de você um dia te libertaria. Estou muito
orgulhosa de você. Apesar de não concordar, você deveria ir à polícia e
fazer um boletim de ocorrência. Ele não pode sair impune.
― Obrigada, Marta. Nunca poderei agradecer o suficiente pelo que fez
por mim, sem nem me conhecer. Mas realmente, não será bom para mim ir
à polícia. A vida se encarregará de puni-lo, eu não duvido.
― Você não precisa me agradecer. Se todas as mulheres se ajudassem
em vez de julgar e rir da desgraça uma da outra, a vida seria muito mais
leve, e esses indivíduos desprezíveis que acham que podem mandar em nós
não existiriam.
― Marta, você já passou pelo que estou passando? ― Perguntei, com
medo da resposta. Como podemos sofrer tanto, meu Deus?
― Sim, passei e consegui me libertar. E você também conseguirá.
Agora, vamos vestir uma roupa... ― ela foi interrompida pela campainha, e
o medo e o pavor tomaram conta do meu corpo novamente.
― Calma, vou ver quem é. Não estou esperando ninguém. Vá para o
banheiro e se esconda lá ― Ela falou e eu saí correndo para o banheiro e
me tranquei.
Ouvi uma conversa ao longe, mas não me arrisquei a chegar perto para
ouvir o que estavam falando. Um tempo depois, Marta voltou e eu estava
paralisada de pânico.
― Gaby, sou eu, Marta. Pode abrir a porta. Era o porteiro, ele já foi ―
disse Marta.
Saí do meu estado de transe e abri a porta, tremendo.
― O que ele queria, Marta?
― Ele veio conversar, queria saber se eu não tinha visto você passar pela
porta. Disse que o Sr. Carlos estava procurando por você, preocupado
porque você teve uma crise de pânico e fugiu de casa. Ele está indo de porta
em porta perguntando.
― Meu Deus, ele está dizendo que eu fugi por causa de uma crise de
pânico? ― Eu não conseguia acreditar.
― Sim, querida, infelizmente. E o idiota do porteiro é tão desprezível
quanto ele. Todos sabem que ele não é um bom namorado para você, e o
porteiro está protegendo esse canalha.
― Como vou sair daqui, Marta, se o porteiro está do lado de Carlos?
― Vamos dar um jeito. Sua amiga já está nos esperando em um
estacionamento de um supermercado 24 horas. Ela achou melhor do que te
levar para casa dela, pois com certeza ele vai te procurar lá.
― Com certeza, esse será o primeiro lugar aonde ele irá.
― Vamos te vestir com as roupas do meu namorado, que ficam aqui, e
vamos para a garagem. Eu vou distrair o idiota do porteiro enquanto você
entra no meu carro.
Deus me ajude, que isso dê certo. Não quero voltar para as mãos desse
homem.
Vesti um jeans, botas e um casaco de couro que tinha capuz de moletom.
Saímos com cuidado e desci pela escada abraçada a Marta, como um casal
de namorados. Minha mochila estava escondida debaixo do casaco. Eu era
magrinha, então foi bom para me dar mais volume.
Chegamos ao térreo do prédio, onde havia um hall de entrada. O porteiro
tinha acesso tanto à entrada pelo hall quanto à garagem, havia uma porta
anexa. Passei pela porta com a chave do carro de Marta na mão. Ela já tinha
me dito qual era o seu carro.
Ela foi em direção ao porteiro para desviar a atenção dele das câmeras.
Assim que ele a viu, mudou a postura. Não era surpresa, Marta era uma
mulher linda, forte e imponente. Aproveitei a distração e corri para o carro,
destravei a porta e entrei, puxando bem o capuz do casaco para cobrir o
meu rosto. Depois de minutos que mais pareciam horas, Marta entrou no
carro.
― Desculpa pela demora, mas queria saber onde aquele traste do seu ex
estava. Fingi querer saber da fofoca e o porteiro contou que ele e o pai
saíram de carro para te procurar nas redondezas. Disse que o pai está mais
furioso do que ele mesmo, até o chamou de incompetente, dizendo o idiota
do porteiro.
― Isso nos dá a chance de sair do prédio, né? É bom?
― Sim, é ótimo. Vamos sair logo daqui ― Ela ligou o carro, e eu quase
chorei de felicidade, mas me segurei. Ainda não era hora.
― Depois de uma eternidade, chegamos ao estacionamento de um
grande supermercado que funcionava 24 horas. Procuramos pelo carro da
minha amiga, um Fiat 500 branco com teto solar. Mais a cara dela,
impossível. O carro era lindo e engraçado, assim como ela.
Minha amiga desceu do carro correndo, chorando, só parando quando
nossos corpos se chocaram. Me abraçou e ficou passando a mão em mim,
procurando todos os machucados.
― Amiga, como você está? Esse filho da puta tem que pagar por isso,
amiga ― disse ela, passando a mão nos meus curativos, no meu olho e no
rosto com hematomas que já estavam roxos.
― Não, amiga, não tenho tempo. Só quero sumir, mas não sei o que
fazer.
― Amiga, eu imaginei isso. Então, me perdoa pelo que vou contar
agora, mas entrei em contato com sua irmã ― ela jogou essa bomba em
mim, e eu fiquei sem reação. Não tinha pensado nisso ainda.
Minha irmã, como vou encará-la levando problemas?
― Meninas, vamos conversar dentro do carro. Acho mais seguro. ―
Marta disse, abrindo a porta do carro. Entrei atrás, com Marta e Sofia nos
bancos da frente. Sofia começou a falar.
― Gaby, não temos outra escapatória. Ou é polícia ou você ir embora,
não é o que sempre quis? Ficar com a sua irmã? Você pode não me perdoar,
mas fiz pensando no melhor para você ― Meu Deus, minha melhor amiga
estava se culpando por me ajudar.
Não, ela não fez nada de errado. Rapidamente, esclareci para ela.
― Sofia, você não fez nada que precise se desculpar, amiga. Você fez
certo. Só não tinha pensado em ter essa conversa com a minha irmã ainda.
― Avisei a ela o horário em que iríamos nos encontrar, e ela está muito
nervosa em saber se você está bem. Logo ela vai ligar, e resolvemos. Não
tenho muito, você sabe, mas posso pegar minhas economias para a gente
comprar uma passagem para você.
― Sim, eu também posso ajudar ― disse Marta, me surpreendendo.
― Mulher, você é um anjo, é? Não tem lógica você fazer isso por mim,
nem me conhece ― eu falei brincando, mas com o mais puro sentimento de
gratidão no peito.
― Não precisamos nos conhecer para ajudar outra mulher, Gaby, e você
tem que ir embora.
― Sua irmã está ligando, vai atender, Gaby ― disse Sofia, me
entregando o celular.
Olhei para a tela e vi uma chamada de vídeo. Eu não queria que minha
irmã me visse desse jeito, mas atendi e era uma chamada em grupo com
Madá, Miguel e minha irmã, todos apreensivos.
― Irmã, pelo amor de Deus, o que aquele monstro fez com você? ―
minha irmã falou desesperada.
― Desgraçado, vou aí pessoalmente quebrar a cara desse filho da mãe
― foi a vez de Miguel falar, ele estava visivelmente nervoso com seu
sotaque português.
― Amiga, como você está? ― Madá quis saber, triste e já chorosa.
― Calma, gente, agora estou bem e livre dele ― Tentei acalmar os
ânimos, mas eles estavam muito agitados e falando ao mesmo tempo.
― Gente, calma, não temos tempo. Ele está pela cidade procurando por
Gaby. O que vocês acham que é melhor ser feito? Um de cada vez, por
favor? ― Sofia pediu gritando, colocando ordem na casa. Já disse que amo
minha amiga?
― É simples, já compramos a passagem e você vem embora agora
mesmo. O voo sai daí às 4 horada da manhã ― Miguel avisou, sem nem
respirar.
― Irmã, é sério. Você só precisa aguentar mais um pouco e logo estará
longe desse pesadelo.
― Estou com tanta vergonha de colocar vocês nessa situação ― Eu
falei, começando a chorar.
― Não tem que ter vergonha de nada, amiga. Esse idiota é que tem que
ter vergonha ― Madá falou emotiva.
― Olha, vamos tentar ser práticas, ok? ― começou Sofia ― Gaby, você
conseguiu pegar seu passaporte e documentos? ― Balancei a cabeça em
afirmativo. ― Ok, vamos bolar um plano. São uma e meia da manhã agora.
Vamos para o aeroporto e ficamos no estacionamento até a chamada do
embarque, e só então saímos do carro e levamos você até o portão de
embarque. Acho que o imbecil do Carlos não teria a coragem de chamar a
polícia, ele deve estar tentando te encontrar sem envolver as autoridades ―
Sofia concluiu eufórica.
― Sim, enquanto isso, faço o check-in online no meu notebook, aqui do
carro mesmo ― Marta mais uma vez me surpreende sendo prestativa.
― Ele sempre duvidava que eu teria coragem de ir embora, dizia que
não era capaz de fazer nada sem ele ― Falei sem perceber que tinha
pensado em voz alta. O silêncio impregnou o carro.
― Vou organizar a sua chegada em casa. Eu e Madá já estávamos
arrumando um quarto para você. Já está quase tudo pronto ― Minha irmã
me comunicou, apertando meu coração. Eu dormiria até no chão estando ao
seu lado, para mim era o que importava.
― Não se preocupe com emprego, Gaby. Você me ajuda lá no
restaurante até arrumar alguma outra coisa que goste de fazer ― Miguel
sugeriu empolgado.
Eu poderia trabalhar com a minha irmã, sim, mas não tenho os dons que
elas têm e só iria atrapalhá-las.
― Vamos, então, porque o caminho até o aeroporto não é rápido. Me
envia a passagem dela, Miguel ― Sofia pediu, já fazendo Marta ligar o
carro.
Eu só queria ficar ali, olhando aqueles três rostos na tela do celular, em
conjunto com essas duas mulheres na minha frente, os cinco eram as únicas
pessoas que me apoiaram nesse momento, e eu era muito agradecida por
isso.
― Vamos desligar, irmã, para adiantar tudo e te esperar no aeroporto.
Não se preocupe, estaremos lá no desembarque esperando por você, que
nunca mais vai sair de perto de nós.
― Obrigada, amo você!
― Te amo mais ― minha irmã disse, me emocionando, mas ainda assim
não me permitia chorar, não ainda.
Me despedi deles sem saber como pagaria por tudo que fazem por mim.
Eu e minha irmã temos uma história bem estilo novela mexicana. Não
sabíamos da existência uma da outra até metade de nossas vidas. Por um
acaso do destino, ela descobriu que não era filha biológica dos seus pais e
assim começou a saga em busca da sua irmã mais velha, no caso eu.
Com dois anos de diferença, morávamos em cidades vizinhas no estado
de Minas Gerais. O pai adotivo dela ajudou a me encontrar. No começo, foi
meio estranho. Éramos muito novinhas, eu com meus 15 anos, toda
adolescente, e ela um amor de menina. Desde nosso encontro, não nos
separamos mais. Nossa progenitora não fez questão de suprir nossas
dúvidas, só contou que nos deu para adoção porque não podia cuidar das
duas. Aliás, sempre foi assim. Minha relação com minha mãe nunca foi
fácil, sempre em pé de guerra. Eu nunca era boa o suficiente para ela como
filha.
Quando fiz 18 anos, saí de casa e arrumei um emprego. Depois de dois
anos, decidi prestar vestibular e minha irmã resolveu ir para Portugal. Eu
até ia acompanhá-la quando a faculdade acabasse, realizando assim o sonho
de morar com ela, mas aí Carlos entrou no meio do caminho, e até aqui
vocês já sabem o que aconteceu.
― Chegamos, amiga ― Fui acordada das minhas lembranças por Sofia.
Ficamos no carro, Marta abriu seu notebook e fez o meu check-in.
Esperamos as horas que faltavam. Aproveitei que estava mais calma e
perguntei a Marta o que estava martelando em minha cabeça.
― Marta, posso fazer uma pergunta?
― Claro, querida.
― Como você conseguiu seguir em frente? Pelo que entendi, você tem
um namorado, certo? ― Só então lembrei que estava com as roupas dele e
comecei a trocar pelas minhas.
― É simples, querida. Aprendi a me amar primeiro, a ver as outras
pessoas com outros olhos. Aprendi que o amor de verdade não dói, que
depois que superei, nunca mais dormi chorando, e que ninguém vai me
amar mais do que eu mesma. E em relação ao meu namorado, só o aceitei
na minha vida depois que ele me provou que nunca seria capaz de me
machucar. Nem todos os homens são iguais, e alguns, mesmo que poucos,
ainda prestam.
Eu ri, Sofia gargalhou, mas a emoção em nossos olhares estava lá, e eu
nunca seria capaz de pagar o que essas mulheres fortes fizeram por mim.
A primeira chamada do meu voo saiu pelo alto-falante com aquela voz
feminina. Olhei para Sofia, que chorava como um bebê, e abracei minha
amiga-irmã, que esteve ao meu lado em muitos momentos da minha vida.
― Obrigada por tudo, amiga, por ser essa menina com o coração lindo e
cheio de amor. Vai ser muito difícil ficar sem você ― Falei sem querer sair
do abraço de Sofia.
A verdade é que achei que quando esse dia chegasse, eu não iria precisar
abandonar minha faculdade, conhecidos e, principalmente, Sofia.
― Eu quero o melhor para você, e não vai se ver livre de mim. Vou lá
em Portugal atrás de você, e quem sabe não acho um boy europeu gato? ―
Ela brincou, me fazendo gargalhar mesmo nessa situação, me tirando
sorrisos.
Me virei para Marta, e não preciso dizer, né? A mulher me abraçou como
se fosse uma mãe mandando a filho voar. Me despedi delas ouvindo que
seriam amigas e me prometendo ficarem bem e em segurança.
― Amo vocês! ― Disse de longe já na fila do embarque vendo-as se
afastarem.
Entrei no avião com o coração apertado, só ficaria em paz quando esse
avião estivesse em solo português. Não demorou muito, estávamos no ar,
cortando as nuvens, e eu olhando pela janela, imaginando a vida que deixei
para trás. O cansaço me pegou e nem os olhares curiosos pelas minhas
marcas roxas conseguiram me impedir de mergulhar em um sono profundo.
Estaciono meu SUV, seguido por Luigi e Giovanni, meu braço direito e
esquerdo, respectivamente. Admiro o meu império, um prédio cuja fachada
perfeita para os meus negócios ilícitos é claramente confundida com o
transporte marítimo e construção de embarcações. A "Rocatti Marine" é a
maior empresa de transporte e construção marítima de Portugal.
Sim, tornei-me milionário quando a oportunidade de comprar a empresa
chegou até mim, cerca de oito anos atrás. O dinheiro limpo que dela provém
me faz ter certeza de que foi um bom negócio, mas nada se compara à
oportunidade de poder transportar minhas cargas de drogas e armamentos
que vêm da Itália e de nossos parceiros comerciais, sem me preocupar com
as autoridades.
Estamos localizados em Lisboa, uma cidade que aprendi a gostar,
embora não tanto quanto a minha Itália, é claro, mas não fica para trás. Sou
o subchefe da máfia italiana, o segundo na linha de comando, mas isso não
vem ao caso agora. Meu pai, o Don da Cosa Nostra, está muito bem de
saúde e pode se manter no cargo por muitos anos. Enquanto isso, ocupo-me
em conquistar territórios e tomar Portugal como um segundo lar para minha
família e negócios.
― Nervoso para a sua reunião, chefe? ― Giovanni me tira do diálogo
comigo mesmo.
― Deveria? Afinal, não é um fornecedor de armamentos, mas sim de
obras-primas. Ainda não aprendeu a separar os negócios? ― disse,
perdendo a paciência. Não estava em um dia bom, e eles, mais do que
ninguém, sabiam disso.
― Desculpa, chefe. Não está mais aqui quem falou! ― Giovanni coloca
os braços para cima, em sinal de rendição.
― Os pirralhos não dormiram de novo? ― Luigi pergunta preocupado,
mas com seu senso de humor apurado.
Os pirralhos a quem ele se referia eram meus filhos, Dante e Nina. Os
gêmeos têm apenas 4 anos e já fizeram cinco babás pedirem demissão.
O motivo? Ninguém sabe. Eles não falam, não comem, só infernizam a
vida das coitadas até que elas não voltem mais. À noite, eles não dormem
direito, principalmente em dias chuvosos. Passo a noite tentando entender
do que eles precisam, mas na verdade eu sei. Daria minha vida por eles, o
mundo se fosse preciso, mas não posso dar o que eles realmente precisam:
uma mãe.
― Sim, eles não dormiram. Chuva e gêmeos não combinam ― disse,
atravessando a calçada e entrando na porta giratória do prédio de 26
andares.
― Vou te falar a verdade, sua mãe não vê a hora de te casar novamente.
Ela acha que o que falta para as crianças é uma figura feminina. ―
Giovanni comenta caminhando atrás de mim e passando pela catraca ao
meu lado.
― Minha mãe quer me casar de qualquer maneira. É apenas uma
desculpa para apressar as coisas. As crianças já têm uma figura feminina em
casa, a Margô. ― Continuo andando em direção aos elevadores.
As recepcionistas me cumprimentam com um aceno de cabeça. Meus
funcionários nunca olham diretamente para mim. Todos têm medo de mim
por ser um CEO focado nos negócios. Imagina se eles soubessem que sou
um mafioso assassino e cruel. Aí sim teriam medo.
― Sua governanta já está velha e sem energia para correr atrás dos
pirralhos, Matteo. Em algum momento, você vai ter que resolver isso. ―
Luigi afirma, meu primo e meu futuro consigliere. Ele é o único que ouço
conselhos e se atreve a questionar minhas decisões. Isso vale para Giovanni,
que é meu amigo de infância. Mas é melhor ele não saber, senão seu ego
ficará nas alturas.
― Na hora certa, porra! Já estou cansado dessa conversa. ― Falo
impaciente. Paciência não é uma virtude minha.
Giovanni estende o braço segurando a porta do elevador. Entramos e ele
aperta o botão para o nosso andar. Lá em cima, está o meu trono, onde vejo
o mundo passar aos meus pés. Subimos em silêncio. Eles me conhecem o
suficiente para saber quando se calar. Giovanni, além de amigo, é chefe da
segurança. É o homem em quem confio a minha vida e a dos meus filhos.
Ele está encarregado de toda a nossa segurança.
Passo pela minha secretária, que se levanta assim que me vê, trazendo o
meu café. Meu dia não começa sem ele. Sigo direto para a minha sala.
― Bom dia, Sr. Rocatti. Aqui está a pauta da reunião que o senhor me
pediu. ― diz ela, já colocando as pastas na minha mesa. Poderia pagar
alguém para fazer o trabalho lícito? Poderia, mas gosto de estar aqui no
topo do mundo.
― Bom dia, Srta. Vasques. A sala de reunião já está pronta? ― pergunto,
já sabendo que sim. Minha secretária é muito competente, não posso negar.
― Já está, Sr. Rocatti. Estou apenas aguardando os fornecedores
chegarem. ― respondeu um pouco desconfortável. Ela não se sente à
vontade na presença de Giovanni. Na verdade, ele não disfarça sua
expressão de assassino de aluguel.
― Está bem, pode se retirar. Me avise quando eles chegarem. E Srta.
Vasques, ligue para aquela agência de babás e peça para enviarem uma mais
qualificada desta vez. A última não aguentou nem 4 horas dentro de casa.
― pedi, fazendo um sinal de que ela poderia sair.
― Sim, senhor.
― Você vai fazer essa moça pedir demissão um dia desses, Giovanni.
Pare de assustar a garota. ― Luigi disse repreendendo Giovanni, que estava
esticado no meu sofá e apenas sorriu. ― E quanto ao carregamento que foi
roubado? Eles colocaram fogo em uma de nossas boates no Algarve. Por
sorte, nenhuma das garotas foi morta. ― Luigi mudou de assunto
preocupado.
Além do meu império, tenho uma variedade infinita de
empreendimentos: boates, bares, pubs, restaurantes. Os malditos russos
estão querendo invadir meu território, achando que vou deixá-los comer
pelas beiradas. Estão enganados.
― Escolham um negócio de grande faturamento deles e coloquem uma
bomba. Vamos mandar nosso recado. ― mandei, atendendo uma ligação da
minha secretária.
Levantei-me, arrumei meu terno de três peças e fui para a sala de
reuniões junto com a minha secretária, Luigi e Giovanni, que se sentaram
próximos a mim. Os fornecedores se posicionaram ao redor da grande mesa
oval. A reunião transcorreu bem, com um contrato de matéria-prima a um
preço razoável que me renderia um bom lucro no final.
Saí da empresa já tarde e passei em um dos nossos galpões para conferir
um carregamento de drogas que seguiria para Madri. Meus soldados
trabalhavam a todo vapor, contabilizando a mercadoria, quando meu
telefone tocou.
― Sr. Rocatti, as crianças querem falar com o senhor. ― alertou Margô,
minha governanta.
― Claro, Margô. Pode passar para eles. ― disse, afastando-me dos
soldados.
Eu não gostava que me vissem no meu momento de pai. Na máfia, não
se pode demonstrar fraqueza, e perante os chefes antigos da organização,
amor é igual a fraqueza. Eu não me via fraco por amar meus filhos. Pelo
contrário, era forte o suficiente para lutar por eles.
― Papai, papai! ― gritaram juntos em uma bagunça que só eles sabiam
fazer.
― Calma, um de cada vez.
― O Dante jogou minha boneca na piscina. ― Nina disse, chorosa.
― Ela duvidou de mim, papai. ― Dante disse, todo orgulhoso.
Enquanto meu menino era ação, minha menina era coração.
― Dante, quantas vezes já disse para não brigar com sua irmã? Você tem
que cuidar dela, não a provocar. ― falei, tentando acalmar os ânimos.
― Mas eu não a joguei na piscina, foi só a boneca. ― eu me segurei
para não sorrir. Meu garoto era muito direto.
― Está bem, quando chegarmos em casa, vamos conversar, certo?
Ligaram só para falar com o papai? ― Perguntei duvidando. Esses dois
eram os maiores fofoqueiros que já conheci na vida. Devem estar
aprendendo com Giovanni.
― Não, papai. Ligamos para contar que o vovô e a vovó estão no seu
escritório há um tempão te esperando! ― Nina confessa, e já consigo
imaginar ela com a mão na boquinha, fazendo cara de sapeca. Às vezes, não
acredito que eles tenham apenas 4 anos.
― Fizeram muito bem, minha principessa. Papai já está indo para casa.
Vamos jantar juntos.
Desligo o celular, pensando no que o Don da Cosa Nostra está fazendo
na minha mansão sem avisar. Só pode ser dor de cabeça ainda mais com
minha mãe junto.
Desde que a mãe dos meus filhos morreu no parto dos gêmeos, minha
mãe tenta me casar novamente, por causa das crianças, segundo ela. Mas,
no fundo, ela quer é organizar um casamento do ano e escolher uma mulher
para mim entre as doces e virginais damas da máfia. A esposa perfeita. O
que me preocupa é meu pai estar no meio dessa armadilha para mim.
Ele sempre entendeu que meu objetivo era aumentar nosso império e
cuidar dos meus filhos. Já basta o meu primeiro casamento por contrato
com a mãe das crianças. Angelina era uma boa pessoa. Não a amava, mas a
respeitava. Sei que ela faz falta para as crianças, mas nunca amei ninguém
além dos meus pais e filhos, e pretendo continuar assim.
― Vou para casa. Cuide de tudo por mim, Dona Donattela está em casa
me aguardando. Não sairei mais hoje. ― avisei a Luigi, que ficou rindo da
minha cara. Figlio di puttana.
Saí de lá escoltado por um Giovanni que estava com semblante
divertido. Outro que queria rir da minha cara.
Passo pela guarita, onde meus soldados verificam os carros. Sempre
ando com dois carros extras, com soldados de confiança, garantindo minha
segurança. As crianças também seguem os mesmos padrões. Nunca saem
sozinhas. Temos muitos inimigos e não posso arriscar meus bens mais
preciosos por falta de segurança.
Passo pelo grande jardim e desço na porta de casa. No interior, posso
ouvir a bagunça das crianças vindo do segundo andar. Passo direto pela
sala, adentrando meu escritório. Papa está sentado na minha mesa, de
costas para a entrada, admirando a paisagem pela grande janela de vidro.
Papa é um Don cruel e impiedoso, o mais temido da Cosa Nostra. Eu
não fico para trás. Tudo o que sei, aprendi com ele. Dentro de nossas
paredes, trato-o como Papa, com admiração e respeito pelo homem que ele
é, pois ele me ensinou que dentro de casa posso ser eu mesmo, mas lá fora
devo ser temido e odiado pelos aliados e inimigos. Só assim imponho
respeito.
Em nossa comunidade, não existe casamento por amor. As putas dos
bordéis têm mais de nós do que as próprias esposas. Um pensamento
machista, eu sei. Por sorte, meu pai me ensinou que a família deve ser
cuidada e amada, lembrando que isso deve ficar entre nossas paredes.
Passo direto e vou até o bar. Sirvo dois copos da minha bebida âmbar
favorita, perdendo apenas para o vinho. Paro ao seu lado e entrego um
copo. Ele aceita, já sabendo da minha presença há muito tempo.
― Papa ― digo, já esperando o assunto tão aguardado.
― Figlio ― Ele me cumprimenta, mas permanece calado.
― Qual o motivo da visita sem aviso, papa? ― falo, ficando apreensivo.
― Sua mãe é o motivo, meu filho, e, por incrível que pareça, o Conselho
também ― agora entendi. Meu pai nunca cederia aos caprichos de Dona
Donattela sem algo por trás. ― Você sabe que entendo os seus motivos meu
filho, mas o Conselho está me pressionando, querendo saber quando você
vai se casar. Se algo acontecer comigo, você sabe que aqueles cabeças-
duras não aceitariam um Don solteiro ― Aqueles ultrapassados não me dão
paz.
― Não preciso de uma esposa para comandar, papa ― disse, afastando-
me e sentando no sofá, enquanto meu pai virava a cadeira.
― Eu sei que você não quer, e você será um Don muito melhor do que
eu fui, mas as crianças precisam de uma figura feminina também, meu
filho.
― Agora você está falando como a mamãe.
― Sim, ela sabe ser muito mais perigosa do que os inimigos russos
quando quer nos torturar. Tudo o que ela diz fica na cabeça ― ele diz,
divertido.
― Eu sei, pai. Me dê apenas mais um tempo, preciso eliminar a presença
dos russos em nosso território. Não é o momento para isso agora ― Falei,
querendo ganhar mais tempo.
Não quero me prender a ninguém agora. Estou bem com as prostitutas
por enquanto, apesar de não ser algo constante. Vou me divertir nos bordéis
uma vez ou outra.
― Ok, vamos jantar então. Volto para a Itália ainda hoje. Queria ter essa
conversa pessoalmente e ter uma resposta para aqueles infelizes ― Diz,
saindo do escritório.
Termino minha bebida e sigo em direção à sala de jantar.
Avisto mama descendo as escadas com Dante. Nina já está nos braços do
meu pai. Esse momento em família revitaliza minhas energias.
Sentamos à mesa, com Nina à minha direita, Dante à minha esquerda,
Papa e Mama ao lado deles. Os funcionários servem os pratos: um
delicioso peixe com legumes grelhados e as crianças não comem, como
sempre.
Não importa o que façam, a cozinheira sempre pega o prato dos meus
filhos intacto. No fim da noite, eles tomam leite para dormir e fica por isso
mesmo, mas sei que não é o correto.
Meus pais se despedem e partem de jatinho de volta para a Itália. Eu fico
com a cabeça fervendo, pensando em nossa conversa.
Tomo um banho enquanto Margô fica com as crianças. Sem babá, fica
difícil cuidar das coisas em casa. Assim que terminado de me arrumar pego
os meus filhos e vou para o quarto deles. Eles gostam de dormir juntos.
― O papai queria pedir a vocês dois que se comportem amanhã com a
próxima babá que virá, nós precisamos de uma e vocês sabem disso ―
digo, esperando que eles compreendam.
― Não gosto delas, papai. Elas parecem bruxas e não brincam com a
gente ― Nina diz, sem muita vontade.
― E todas querem que comamos legumes ruins, eca ― Dante não aceita
qualquer coisa que seja verde no prato.
― Se vocês não se comportarem, o papai vai ter que se casar com uma
moça, e ela vai ajudar a cuidar de nós ― espero que eles entendam a minha
aflição.
― Casar, não, papai! Não quero nenhuma princesa em casa que não seja
eu ― Nina, toda autoritária como sempre, consegue tudo o que quer.
Já sei que é hora de encerrar esse assunto.
― Ok, amanhã continuamos a conversa. Venham deitar-se ― Os chamo
assim que deito na cama de Nina. Os dois vêm para cima de mim e assim
temos uma noite de sono tranquila, sem chuva e pesadelos.
Acordo todo dolorido por ter dormido no meio dos dois, mas nada me
aborrece ao saber que meus filhos não tiveram pesadelos essa noite. Vou
para o meu quarto e me arrumo para mais um dia de trabalho. Desço as
escadas e encontro Margô já mostrando a casa para a nova babá.
― Bom dia ― cumprimento-as, já saindo de casa.
Não tomo café em casa, só faz sentido quando as crianças estão
acordadas, e não é o caso hoje. Mais tarde ligo para elas dando bom dia.
Encontro Giovanni com a porta do carro aberta. Cumprimento-o e ele me
dá notícias sobre o carregamento de ontem e me passa todos os dados da
nova babá. Não coloco ninguém perto dos meus filhos sem conhecer
completamente sua vida e seguimos para um galpão que tenho afastado da
cidade enquanto me informo de tudo.
― Encontramos um dos russos em nosso território. Pegamos ele para
animar o seu dia ― Giovanni diz, todo animado.
Se tem algo que me fascina é a tortura. Ver no olhar do traidor a vontade
de morrer logo e a dor cessar é algo que nunca me cansa. Está no meu
sangue o poder de infligir dor a alguém que merece. Sim, é um bálsamo
para os meus dias.
Dentro do galpão, o cheiro de urina e medo se misturam com o de
sangue, e eu já fico animado. Tiro meu terno, dobro as mangas da minha
camisa e vou em direção ao meu brinquedo. Ele está amarrado pelos braços
com correntes, totalmente nu. Percebo que meus soldados já se divertiram
bem com o infeliz. Meus olhos brilham ao vê-lo. Bem, isso será divertido.
Estava tão aliviada. Eles estão aqui, como prometeram. Estou finalmente
em Portugal posso me sentir segura. Caminho até o portão de desembarque
e corro para os braços daqueles que nunca vão me machucar.
― Que alívio ver vocês aqui ― digo, com as lágrimas prontas para cair.
― Seja bem-vinda, irmã, ao seu recomeço ― minha irmã diz animada,
mas com um olhar triste ao ver meus hematomas.
― Vem, deixa eu pegar a sua bagagem ― Miguel diz procurando a
mala.
― Não tenho nada além dessa mochila, amigo, deixa que eu levo ― a
tristeza se manifestou em forma de lembrança. Deixei tudo o que tinha para
trás.
― Claro que não, né? Eu levo. Vem aqui, me dá um abraço, e vamos sair
daqui. Você precisa comer e descansar ― diz, pegando minha mochila e me
abraçando enquanto andamos em direção à saída do aeroporto.
― Veste esse casaco, irmã. Está muito frio ― Beatriz falou, entregando-
me o casaco que havia trazido para mim. Eu estava morrendo de frio desde
a saída do avião. Que lugar frio é esse?
― Obrigada. Cadê a Madá? ― perguntei, sentindo sua falta.
― Está em casa, preparando uma comidinha gostosa para você. Louca
para te ver. Eu iria fazer uma comida para você, mas o carro da sua irmã
está no conserto, então tive que ser motorista dessa vez ― Miguel falou,
todo divertido com seu sotaque português que eu amo.
Miguel era ainda mais bonito pessoalmente. Como pode um cara ser tão
bonito? Ele foi feito à pincel, loiro, olhos azuis, alto, másculo, inteligente e
chef de cozinha. Só faltou o mais importante: gostar de mulheres. Sim,
Miguel é gay. Quem olha para ele nunca diz, ele não dá pistas. É um
príncipe europeu, sabe? Muito bonito e não finge que não é bonito porque
ele sabe que é.
Seguimos para o carro que é muito bonito, limpo e cheiroso. Miguel é
muito cuidadoso, pelo que percebi até agora. É estranho ter um amigo tão
íntimo que só agora vou conseguir conhecer os detalhes.
A cidade é linda e o que mais me encanta é a mistura do antigo com o
novo, como se a cidade contasse duas histórias ao mesmo tempo. Espero
que eu consiga refazer o mesmo, um dia contar as duas versões da minha
história.
Chegamos ao prédio onde minha irmã e Madá moram. É lindo, parece
aqueles imóveis que a gente vê nos livros antigos. Janelas grandes, algumas
partes em tijolinho, mas por dentro é tudo moderno. Entramos no elevador
até o terceiro andar. O frio estava fazendo meu queixo tremer. Estava
receosa, ansiosa, nervosa. Tudo que continha o sufixo "osa" eu estava
sentindo.
A porta foi aberta por uma Madá emocionada. O abraço foi gostoso,
quentinho, e logo na porta já senti o cheiro de casa, um cheiro que não
sentia há muito tempo.
― Vamos entrar, irmã. Você precisa de um banho e comer. Vamos
conversar bastante também ― Minha irmã disse, entrando. Madá se afastou
e me puxou para dentro.
O apartamento era lindo, simples, mas arrumado no estilo delas, que,
aliás, era o meu estilo também. Eu gostava muito, tinha um jeito de
Pinterest, sabe? Em tons bege, marrom e dourado. Parecia que eu estava
dentro de uma foto.
― Nossa! ― Só consegui murmurar isso.
― É a nossa cara, né, irmã? Espera até ver o seu quarto. Arrumamos
com muito carinho para você.
― Eu dormiria no chão se fosse preciso, Bea. Não precisa gastar o seu
dinheiro comigo. Já estou te dando tanto trabalho ― Me sentia tão
envergonhada, tão intrusa na vidinha delas.
― Ei, não pense assim. Você não tem que ter vergonha de nada. Somos
uma família, uma família de 4 pessoas, mesmo assim uma família que se
ama e se cuida ― Ela parece que leu meus pensamentos.
Minha irmã é uma pessoa tão mais evoluída que eu, mesmo sendo mais
nova, me inspiro nela.
Miguel e Madá também são sozinhos, não têm parentes próximos, e acho
que isso nos une um pouco mais.
― Vem ver o seu quarto ― Madá disse, já me puxando. Saímos da sala,
mas já tínhamos passado pela cozinha, pequena, mas muito bem arrumada.
No corredor, tinha um banheiro. Estranhei não ter um chuveiro, mas tinha
uma banheira que, meus senhores, eu ia ficar de molho ali umas boas horas.
No fim do corredor, tinha três quartos. Olhei para minha irmã em uma
pergunta silenciosa.
― Quando alugamos o apartamento, o Miguel morava conosco, lembra?
Aí, no fim do ano, ele resolveu morar sozinho. E no lugar de escolher outro
apartamento, achamos melhor esperar, porque sabíamos que você ia vir
morar com a gente. Era só uma questão de tempo. Não foi da forma que
imaginei, mas você está aqui agora, é o que importa ― Minha irmã falou,
me emocionando mais uma vez. E dessa forma, as lágrimas apareceram,
mas não deixei que elas caíssem ainda.
― O seu cantinho, amiga ― Madá disse, abrindo a segunda porta depois
do banheiro.
― Onde você vai colocar o sono em dia, a cabeça no lugar, descansar,
porque amanhã será um novo dia ― Miguel me aconselhou, sensato como
sempre.
Minha irmã estava me abraçando por trás e eu olhei para dentro do
quarto. Tinha uma cama de casal com uma cabeceira branca de aço, parecia
uma cama de princesa. O quarto era de um tom cinza claro, o guarda-roupas
era branco de porta de correr. Um tapete felpudo cobria quase todo o quarto.
Havia um banheiro pequeno, e esse sim tinha uma ducha. Disseram que era
o quarto do Miguel e que ele, como o único homem da casa, não dividia o
banheiro com as meninas, pois segundo ele, elas eram muito bagunceiras.
Era simples, mas era lindo e era meu.
Havia dois porta-retratos. Um com uma foto minha e da minha irmã no
Brasil ainda, em uma balada que tínhamos ido, estávamos lindas e um
porta-retratos vazio. Olhei para as três pessoas no quarto.
― Está vazio porque ainda não temos uma foto em família. Quando
saímos para comemorar a sua chegada e recomeço, vamos revelar e colocar
aqui ― disse Miguel emocionado. Eu concordei com a cabeça e eles
pularam deitando-se na cama.
― Deixamos para você decorar devagar, do jeito que você quiser. Foi
tudo muito rápido, mas em breve você poderá colocar do seu jeitinho ―
Beatriz falou, me puxando para deitar em cima deles. Este momento era
tudo o que eu queria: o colo das pessoas que me amam.
― Vocês acham que ele pode vir atrás de mim por achar que tem direito
sobre mim? ― perguntei, tentando conter a enxurrada de lágrimas em meus
olhos.
― Acho que ele não tem coragem para isso, mas se tiver, ele que venha.
Vou mostrar para aquele idiota o lugar dele ― Miguel falou bravo, e as
meninas riram dele, achando engraçado o seu nervosismo. Logo, ficamos
sérios de novo, os quatro olhando para o nada.
― Não tenha medo, irmã. Agora você está segura e nada vai te abalar
mais. Estamos aqui ― Bea falou me abraçando. E eu não consegui mais me
segurar, acho que agora posso me dar o direito de chorar tudo no abraço da
minha irmã.
Depois do primeiro soluço, vieram outros e outros. Madá e Miguel
vieram para o abraço também. Ficamos assim, abraçados e chorando por
tanto tempo que meus olhos arderam, as pálpebras pesaram e se fecharam.
Dormi em um sono pós-choro, tão profundo que quando acordei e olhei
para o relógio na mesinha ao lado da cama. Já era mais de dez da noite.
Levantei e encontrei os três na sala, tomando uma garrafa de vinho. Sentei
no tapete ao lado deles. Me sentia tão segura agora que o mundo lá fora não
importava mais.
― Tu dormiste um sono de beleza, hein? ― disse Miguel, levando sua
taça de vinho à boca.
― Parece que a Gaby não precisa de sono de beleza, olha essa pele ―
Madá estava sentada de frente para mim no sofá.
― Minha irmã é linda, a nossa genética é boa! Como você se sente
agora, depois de colocar tudo para fora? ― Beatriz perguntou receosa.
― Mais leve, segura por estar aqui com vocês. Nem em dez vidas vou
poder pagar pelo que vocês fizeram por mim!
― Não precisa pagar nada. Só quero que você volte a ser a menina feliz
e alegre que era antes desse idiota! E vamos começar com uma garrafa de
vinho bem gostosa, que você adora, um banho e uma comidinha. Você não
deve ter comido nessas últimas 24 horas ― Minha irmã me puxou pelo
braço, me levou para o banheiro, colocou a banheira para encher,
acrescentou sais de banho e um produto cheiroso, e mandou eu entrar
enquanto ela saía para me dar privacidade.
Tirei minha roupa e me assustei com a quantidade de hematomas
espalhados pelo meu corpo. Parecia uma pintura em vários tons de roxo,
amarelo e verde. Não me permiti chorar mais. Ergui a cabeça e decidi que
nenhum homem iria me fazer chorar nem me machucar novamente.
Entrei na banheira decidida a voltar a ser a mulher forte que era, pelo
menos por fora. Minha irmã bateu na porta, entrou e me entregou uma taça
de vinho. Aceitei, nem me lembrando da última vez que tomei vinho, pois,
na minha antiga vida, uma mulher direita não bebia.
Pegando o shampoo, ela começou a esfregar minha cabeça, cuidando de
mim como uma criança que precisa de carinho, sem dizer uma palavra,
tivemos a conversa mais preciosa da minha vida. Ela me mostrou cuidado,
carinho e amor apenas em gestos.
No fim do banho, vesti um pijama quentinho e felpudo e uma meia fofa
da minha irmã, que me ajudou a secar o cabelo. Fomos para a cozinha e lá
estava Miguel no fogão, preparando algo muito cheiroso. Foi nesse
momento que lembrei que não tinha comido a comida de Madá. Olhei para
ela com um olhar de desculpas, e ela me olhou divertida, sem julgamentos.
Ela sabia que eu precisava descansar.
Comemos um bacalhau divino e bebemos umas duas garrafas de vinho.
Eles me contaram como eram as coisas por lá, sobre o ateliê das meninas.
Concordamos que minha presença lá não seria de grande ajuda, afinal, não
podia fazer nada além de cuidar da minha aparência. Depois de pensar um
pouco, Miguel achou melhor esperar alguns dias para os hematomas no
meu rosto diminuírem, assim eu poderia escondê-los com maquiagem e não
chamar a atenção desnecessariamente.
Não quis ir ao médico, estava bem, pelo menos era isso que eu queria
acreditar. Eu iria ajudar no “restaurante-bar” que o Miguel tinha, até
encontrar uma ocupação que eu realmente gostasse.
Tive que trancar a faculdade, então liguei para a Sofia para falarmos
desses detalhes, e ela rapidamente incluiu a Marta na chamada. Foi só
emoção.
Fomos dormir quando já era madrugada, mas eu me sentia leve e feliz.
Não fui para o meu quarto, me ajeitei no cantinho da cama da minha irmã e
dormimos abraçadas como duas crianças com medo do escuro.
O dia foi cansativo, mas muito produtivo. A empresa superou minhas
expectativas, somos os maiores exportadores da Europa. Nossas
embarcações têm uma lista de espera de dois anos à frente. Nossos clientes
incluem magnatas empresariais e até associados da máfia, que desejam uma
embarcação para passeios. Nossos iates e lanchas são os melhores do
mercado.
No entanto, as atividades ilegais estão me deixando irritado. Esses
malditos russos acham que podem me desafiar, enviando aliados e soldados
para o meu território. Vou devolvê-los um por um, para que aprendam que
não permito intrusos no meu território.
Don, meu chefe, está preocupado com a repercussão negativa que isso
pode trazer. Em nosso meio, não toleramos fraqueza e essa brecha que os
russos estão explorando está sendo vista como tal. Eles acham que dou
muita atenção à empresa e estou negligenciando a máfia. Eles não veem que
tripliquei o lucro líquido da máfia em menos de 5 anos. Quando assumir a
posição de Don, farei muitas mudanças no Conselho e aqueles que não
concordarem terão sua vida encerrada de forma simples e rápida.
Meu império me permite ter associados como juízes, delegados e
políticos importantes, todos eles na minha folha de pagamento. Ter uma
dívida comigo é como dever ao diabo.
― O passarinho russo cantou? ― Perguntou Luigi sobre o russo que eu
torturei.
― Cantou uma ópera linda. Eles não foram capazes de enviar um
soldado que aguentasse 3 horas de tortura. Foi até frustrante ― Respondi
sentando-me na minha mesa favorita na boate da família.
Essa é uma boate mais restrita aos membros da família. Há gaiolas onde
dançarinas tentam atrair a atenção dos clientes, que em sua maioria são
soldados e aliados próximos. O ambiente tem uma atmosfera mais sombria,
com sofás de veludo vermelho espalhados pelo local e atendentes vestindo
lingeries provocantes.
Uma delas se aproxima com a melhor garrafa de uísque da casa e três
copos. Não sou alguém que frequenta essa boate apenas para sexo, mas hoje
estou particularmente estressado e preciso aliviar minha tensão. A tortura
não foi suficiente.
― Vocês não acham estranho esses ataques malfeitos e esses soldados
despreparados? ― Giovanni, que até então estava calado, expressa sua
opinião.
― Na verdade, sim. O russo disse que recebeu apenas uma ordem por
telefone e não sabe de onde veio, nem quem foi o superior que deu a ordem.
Já mandei nosso hacker monitorar e rastrear o celular do russo ― respondi,
pensativo.
― Você acha que eles estão planejando algo grande? ― Perguntou
Luigi, e já pude ver a fumaça saindo de sua mente pensativa.
― Ele disse que minha cabeça está a prêmio. O maldito do Nikolai quer
tomar parte da Europa e sabe que só conseguirá passando por cima do meu
cadáver ― Falei e já estava cansado dessa conversa, só precisava me
enterrar em uma relação sexual neste momento.
― Vamos reforçar a segurança na empresa e na mansão. As crianças não
podem ficar expostas ― Afirmou Giovanni, olhando ao redor em busca de
sua presa.
Embora eu não tenha irmãos, meus filhos têm dois tios que se
preocupam com eles, e sou grato por isso.
― Esse é o primeiro passo. O segundo é caçar todos os malditos russos
que estiverem em meu território. A partir do momento em que Nikolai
colocou um alvo nas minhas costas, ele declara guerra contra a Cosa
Nostra. Envie um comunicado para todos os soldados e associados. Não
quero ninguém vivo ― falei determinado.
Fiz um sinal para Ana, uma das mulheres da casa que sabe como fazer
um excelente boquete, para subir para a suíte no segundo andar.
Temos várias suítes para o conforto dos nossos homens e as mulheres
aqui não são vítimas de violência. Ao contrário de outras máfias, não
obrigamos as mulheres a se prostituírem. Elas estão aqui porque querem e
são bem pagas por isso. Esse é mais um dos motivos pelos quais o Conselho
me considera fraco. Mas não entendo como forçar uma mulher pode ser um
sinal de poder.
― Considere feito, chefe. Agora, se me der licença, vou conversar com
uma bela mulher ali ― Avisou Giovanni, levantando-se e caminhando
rapidamente atrás de uma morena peituda.
― Bom, eu vou adiantar algumas coisas em casa mesmo, já que você vai
ficar por aqui ― Luigi falou.
Ele não gosta muito de boates com prostitutas. Ele prefere nossa versão
de boate "normal", onde pode flertar com mulheres do mundo "real". Ele
gosta mais de dançar e beber. Não julgo, também frequento, mas hoje não
estou com vontade de conquistar.
― Ok, vá lá. Não vou ficar por aqui hoje. Assim que terminar, vou para
casa. As crianças não estão passando por um bom momento ― Não gosto
de me afastar por muito tempo dos meus filhos, ainda mais com essa
rotatividade de babás. Pelo menos a babá de hoje ainda não foi embora.
Terminei meu copo de uísque e segui para o segundo andar. Havia várias
portas vermelhas lado a lado. Entrei na suíte de sempre, já tirando a parte de
cima do meu terno que coloquei em cima da cadeira e, ao tirar a gravata,
observei Ana deitada na cama completamente nua.
Ana era loira, sua raiz escura entregava que não era natural, seu corpo
era longo, barriga chapada, olhos castanhos, peitos grandes, não eram
naturais também, mais um conjunto bem satisfatório para uma boa foda,
com o tempo deixei que tivesse um certo nível de intimidade comigo, coisa
que as outras não tinham, mas como Ana sabia o seu lugar, deixei que
pensasse que era minha exclusiva.
Ela se levantou e foi até o bar que estava no canto da suíte, enchendo um
copo de uísque. Em seguida, ela veio andando em minha direção, com um
jeito cativante, e me entregou o copo.
― Deixa que te ajudo, chefe. ― Falou enquanto desabotoava minha
camisa. Bebi o líquido de uma só vez, e então ela retirou minha camisa e se
abaixou, desfazendo o botão da minha calça.
― Achei que você não se lembrava mais de mim, chefe. Quanto tempo
faz desde a última vez que senti o seu gosto? ― Perguntou de forma
manhosa, reclamando da minha ausência.
― Chupa. ― Ordenei, sem interesse em prolongar a conversa, eu só
queria desestressar hoje, não trocar palavras.
Seus olhos brilharam, ela adorava seguir ordens na cama, já eu adoro
comandar e dar prazer. As minhas parceiras nunca saíram insatisfeitas da
minha cama, mesmo quando quero um sexo mais bruto, como agora.
Ela segurou meu pau com uma mão e lambeu a minha glande já
lubrificada com o meu pré-sêmen, colocou ele na boca até a metade e com a
outra mão foi massageando as minhas bolas, agarrei seus cabelos fazendo
um rabo de cavalo e ela foi mais fundo, colocando todo meu comprimento
em sua boca, não resisti.
― Se prepare gostosa, vou foder a sua boca como fosse a sua boceta. ―
Falei com um tom de aviso.
Segurei a sua cabeça e fodi sua boca até ela se engasgar procurando por
ar, afrouxei a pegada deixando-a respirar, mas a safada queria mais e me
engoliu novamente, continuei os movimentos bruscos até sair lágrimas em
seus olhos, e como eu estava longe de gozar, ordenei que Ana se levantasse,
peguei ela no colo e a coloquei na cama.
Ela procurou meu pau e começou a me masturbar. Retribui a gentileza
massageando o seu clitóris, espalhando a lubrificação pela sua boceta que
estava encharcada só de me chupar.
A safada se contorcia na cama, e logo eu inseri dois dedos na sua boceta
macia, fazia movimentos rápidos e com o polegar massageava o seu clitóris,
logo ela gozou com força e aproveitei a deixa para encapar o meu pau com
a camisinha, que já estava na cama, já que Ana estava sempre bem-
preparada e eu gostava disso nela.
Sem aviso a penetrei de uma só vez, fazendo meu pau se enterrar no
fundo de sua boceta.
― Não vou ser piedoso hoje, gostosa, estou a fim de uma foda dura. ―
Avisei assim que comecei meus movimentos.
― Não esperava outra coisa, chefe, sou toda sua. ― Ela não sabia, mas o
seu consentimento me animou ainda mais.
A fodi com força em movimentos ritmados, indo até o fim sem dó, sentia
minhas bolas baterem na sua bunda, e eu adorava ver como ela se entregava
a mim. Sem piedade a virei de costas a colocando de quatro pra mim,
admirei a sua bunda pequena, redonda e no formato certo para uns tapas,
estalei um tapa bem dado do seu lado esquerdo, depois cruzei os braços em
sua cintura e enfiei com força até o fundo da sua boceta, dando uma última
ordem.
― Se toque, quero você gozando no meu pau agora. ― Ela mais do que
rápida começou a se tocar, se remexendo na cama em busca de alívio.
Eu a segurava no lugar, socando forte em sua boceta, saí e entrei com
força, dando um último tapa no seu lado direito, e logo Ana estremeceu
apertando o meu pau com sua boceta molhada, me fazendo gozar em
seguida.
Saí de dentro dela admirando o meu trabalho. Ana estava deitada de
bruços com a respiração ofegante, fui até o bar e me servi mais uma dose de
uísque, virando de uma só vez, me vesti e fui em direção a minha casa, mais
aliviado, mais não menos preocupado.
Meu motorista de confiança estava ao volante quando entrei no carro, já
acomodado, e Giovanni entrou atrás, sentando ao meu lado.
― O cerco está se fechando, chefe. Eles estão mais próximos do que
imaginamos. Uma das mulheres que peguei esta noite na boate me contou
que tem tido um aumento no número de russos rondando por lá. Já solicitei
as imagens das câmeras internas. ― Giovanni trouxe essa novidade, me
deixando ainda mais preocupado.
Eles estavam se aproximando muito e eu não gostava disso.
― Vamos aguardar as imagens. Aliás, você se diverte ou conversa com
as mulheres? ― perguntei.
― Ficaria surpreso com a quantidade de coisas que consigo fazer ao
mesmo tempo, chefe! ― Respondeu ele com seu jeito brincalhão de
sempre.
― Prefiro não imaginar, obrigado. ― Seguimos para casa.
Giovanni tinha seu próprio apartamento, assim como Luigi, mas ambos
tinham quartos na minha mansão. Quando as coisas ficavam confusas, eles
dormiam lá para estar sempre por perto e para ajudar com as crianças.
O problema era que, às vezes, eles faziam mais bagunça do que
ajudavam com as crianças. Não dava para saber quem eram as crianças e os
adultos. Tínhamos um acordo silencioso de sempre estarmos lá uns pelos
outros. Éramos nós três contra o mundo.
Chegamos em casa e fui ver meus filhos, que já estavam dormindo.
Giovanni passou pelo quarto deles também para se certificar de que
estavam bem e seguiu para o seu quarto. Fiquei na porta admirando os dois
dormindo quando Margô apareceu atrás de mim usando roupas de dormir e
um roupão por cima.
Margô deveria ter seus 60 anos bem vividos, com cabelos grisalhos
sempre presos em um coque perfeito. Ela cuidou de mim quando eu era
criança, ajudou na criação de Luigi também, e sempre passou a mão na
cabeça de Giovanni quando ele aparecia em nossa casa. Na Itália, nós três
éramos inseparáveis. Quando os gêmeos nasceram, minha mãe nos
emprestou Margô e Carmen, nossa cozinheira, mas nunca mais deixei que
elas voltassem. Margô é o equilíbrio desta casa.
― Quem vê esses anjinhos dormindo assim nem acredita que são
capazes de fazer todas as travessuras que fazem ― Ela comentou, em tom
de brincadeira.
― Verdade. O que a senhora está fazendo acordada a essa hora? E por
que não está em sua casa? ― Perguntei, já curioso.
Todos os funcionários que trabalham para mim dormem em uma casa
nos fundos da propriedade. Margô tem seu chalé, que reformei do jeito que
ela quis, porque ela não é uma simples governanta, ela é parte da família.
Em casa, apenas a babá dorme em um quarto bem equipado nos fundos
da cozinha. Afinal, não tenho horário para chegar em casa, e as crianças não
podem ficar sozinhas. Gosto de ter privacidade, mas no momento as
crianças precisam de alguém.
― A babá do dia não aguentou até o entardecer. Ela era uma senhora
boa, mas os ratos que as crianças colocaram na gaveta de suas roupas
íntimas foram o fim para ela. ― Margô contou, pesarosa.
― De onde essas crianças arranjaram ratos, Margô? Como é possível
que duas crianças de 4 anos tenham essas ideias? ― Eu segurava o riso, não
conseguia entender.
― Da mesma forma que arranjaram minhocas, cocô de cachorro, aliás,
até os soldados têm medo de chegar perto do canil, bolinhos de barro na
comida delas... O repertório é extenso e cansativo. Não vale a pena contar
ao senhor todas as travessuras. Os ratos provavelmente saíram dos galpões
de móveis velhos. ― Meu Deus, eu não sabia dessas coisas. Eles não
podem ficar fazendo essas travessuras.
― Margô, me dê uma solução, uma luz, qualquer coisa. ― Eu caí na
gargalhada, e ela me acompanhou.
― Vocês três eram assim, ou você se esqueceu? Até armadilhas de ratos
colocavam dentro das gavetas. ― Ela me trouxe lembranças da nossa
infância. Éramos realmente impossíveis.
― É verdade, Margô, mas a senhora e minha mãe juntas controlavam os
danos. Eu não sei por onde começar.
― Eu sei que é difícil. A questão é como você vai lidar com os danos
que essas crianças causam a elas mesmas. Eu estou aqui com você, sempre
ajudando no que for preciso, mas só você pode resolver essa situação. ―
Ela me lançou um olhar carinhoso e materno.
― Eu consigo lidar com o inimigo mais cruel e perigoso, mas não
consigo entender meus filhos.
― A paternidade é assim, meu querido. Nem sempre há uma resposta
certa para cada problema.
― Estou começando a perceber. ― Eu disse pensativo.
― Pedi uma última tentativa na empresa de recrutamento de babás. Eles
estão achando difícil porque já experimentamos todo o catálogo, mas a
gerente me garantiu que o senhor não vai ficar na mão. Eles pediram alguns
dias para resolverem o problema e enviar alguém mais bem preparado.
Enquanto isso, vou cuidar deles aqui. ― Isso resolvia meu problema
temporariamente.
― Obrigado, Margô. Vamos esperar então. Diga a eles para agilizarem,
não é possível que não haja ninguém competente nessa empresa,
considerando o valor que estou disposto a pagar. A senhora pode aumentar
o valor se achar necessário e tem a liberdade de escolher a moça que achar
melhor, desde que passe pelo crivo do Giovanni. Não se esqueça disso. Vou
tomar um banho e me deitar.
― Sim, vou mantê-lo informado.
Ela se retirou para o seu aposento, e uma dor de cabeça começou a me
cercar. Será que estou fazendo um bom trabalho com meus filhos? Tento ser
um pai tão bom quanto o meu foi, mas sinto que estou falhando em algum
ponto e me sinto frustrado.
Nos últimos dias, dediquei-me a conhecer a cidade. Miguel me levou
para passear de bonde pela cidade. Minha irmã e Madá me levaram ao
shopping, onde comemos em lugares diferentes e visitamos cafés
encantadores que pareciam saídos de um filme. Compramos algumas
roupas para mim, já que minha irmã, Madá e eu vestíamos o mesmo
tamanho, eu estava usando as roupas delas, mas precisava de algumas
coisas minhas, afinal, não tinha quase nada.
Minha irmã tinha um celular que não usava e me emprestou para que eu
pudesse falar com Sofia e Marta sem precisar pedir o delas o tempo todo.
Para muitos, ter um celular é apenas um luxo, mas para mim era um
símbolo de liberdade. Eu não queria gastar o dinheiro da minha irmã, então
procurei por coisas mais baratas. Encontramos um brechó cheio de coisas
lindas e conseguimos comprar muitas coisas legais. Também encontramos
algumas lojas com preços mais acessíveis, e foi incrível ter esse tempo com
eles.
Miguel também era excelente em moda e me ajudou a escolher casacos e
peças-chave para montar um guarda-roupa inteligente, segundo ele. Eu
adorava peças de alfaiataria com tênis, croppeds e coisas retrô, mas também
gostava de peças modernas, vestidos bem estruturados. Conseguimos tudo o
que eu precisava por enquanto. Fiz as contas de tudo, pois eu iria pagar todo
o dinheiro que eles gastaram comigo.
Passamos em uma farmácia, onde comprei itens de higiene que gostava.
Minha irmã me levou a uma lojinha que parecia ter saído de um filme
chinês, com vários produtos de maquiagem e acessórios. Compramos
algumas maquiagens, pois meus hematomas não haviam sumido e eu estava
os cobrindo com maquiagem. Os hematomas na costela e no rosto eram os
piores.
Miguel me levou à clínica de um amigo dele, onde fizemos um raio-x.
Não havia quebrado nada, era apenas uma luxação. No prontuário da
clínica, tive que explicar que tinha caído, mas não fui muito convincente. Vi
nos olhos da enfermeira e do médico amigo de Miguel que eles suspeitaram
que ele tivesse me causado aquilo. No final, ele foi conversar em particular
com Miguel, que deve ter contado a minha situação, já que eu era uma
imigrante sem visto ou residência no país. Depois de me receitar alguns
medicamentos para a dor, eles nos liberaram.
O restaurante de Miguel não é apenas um simples restaurante, parece
uma casa antiga por fora e do lado de dentro possui dois andares
interligados por uma parte coberta e outra ao ar livre, sendo a área externa
mais reservada para o restaurante e um pub. Entre as mesas, há aquecedores
de pé para aquecer os clientes do pub durante o inverno. Há um bar enorme
com bancadas altas para aqueles que desejam beber no balcão, além de uma
mesa muito estilosa onde um DJ toca música ambiente durante o dia e
animadas durante a noite para os clientes da área externa. É um lugar
extremamente charmoso e de um bom gosto incrível.
Embora não seja um restaurante grande, a área aberta é suficiente para os
mais jovens desfrutarem de petiscos e bons drinks. O restaurante oferece
uma comida excelente, com destaque para um cardápio exclusivo de risotos
que conquistou meu coração, além de outras delícias. Como adoro beber e
sei fazer alguns drinks, estou ajudando no balcão à noite e tem sido muito
divertido. Conheci os funcionários do restaurante, que foram muito
receptivos comigo.
― Moça, poderia fazer qualquer drink para mim com uísque, por favor?
― Pediu uma moça com um olhar cansado para mim. Respondi com meu
melhor sorriso.
― Claro, você gosta de canela? ― perguntei para preparar um drink, e
se ela concordasse, faria um que adoro com uísque.
― A moça bonita é brasileira? Gosto sim, pode fazer do seu jeito. O
Miguel está aqui hoje? ― Ela me lançou duas perguntas ao mesmo tempo,
olhando para os lados.
― Sim, ele está aqui. Está finalizando a cozinha e deve estar vindo para
cá. E sim, sou brasileira. Você quer que eu o chame? ― perguntei enquanto
pegava um copo de uísque bonito para fazer uma apresentação à altura para
a moça simpática. Adoro pessoas educadas.
― Não precisa, pode fazer do seu jeito. Estou estressada e hoje não vou
sair daqui tão cedo ― Ela disse rindo nervosamente. Eu acenei com a
cabeça e fui preparar sua bebida.
Peguei o copo, queimei um pau de canela e, quando começou a sair
fumaça, coloquei-o no copo e virei de cabeça para baixo. Em seguida,
peguei uma laranja, tirei a casca de metade dela sem chegar na parte branca,
desvirei o copo, coloquei gelo e a fatia de laranja, que girou e ficou um
charme. Adicionei o pau de canela e completei com uísque. Entreguei para
a moça simpática, que ficou admirando o copo e provou sem tirar os olhos
de mim. Seus olhos se arregalaram e ela soltou um gemido alto.
― Nossa, garota, de onde você tirou isso? Que delícia! Não vou sair
desse balcão mais. ― Elogiou dando outro gole.
― Sei que tem um nome, mas não sei qual. Encontrei a receita na
internet. Adoro drinks e gosto de uísque, mas não consigo tomar puro.
Então experimentei a receita um dia e deu certo. Que bom que gostou. ―
Antes da moça me responder, Miguel chegou atrás de mim.
― Dia difícil, Paula? Tomando uísque, então o dia foi tenso! ―
Perguntou ele, divertido.
― Nossa, nem me fala. Estou com um problemão e não consigo
encontrar uma solução para ele. Aliás, quem é a sua nova funcionária? Ela é
incrível. Vou tomar mais um, pode fazer outro, por favor. ― Já disse que
adoro gente educada? Pois é.
Fui fazer o drink enquanto eles conversavam.
― Posso ajudar de alguma forma, amiga? ― Miguel perguntou a Paula,
solícito.
― A não ser que conheça uma babá com boas referências, aí você pode
me ajudar, amigo. Sabe aquele magnata da exportação? O cara mais
importante e rico de Lisboa? Ele tem gêmeos de 4 anos e esses anjinhos já
aterrorizaram seis das melhores babás que contratei. E agora, a governanta
do cara me deu um ultimato. Se eu não enviar uma babá excelente, ele vai
procurar outra empresa, e você sabe que ele pode acabar com a minha
reputação com um estalar de dedos, afinal, ele nunca vai admitir que as
crianças são duas pestinhas. ― Paula desabafou em um fôlego só, tadinha,
já estava com os olhos cheios de lágrimas.
― Nossa, Paula, que barra. Essas crianças devem ser uns pirralhos
mimados, não é? ― disse Miguel.
― Ou então são totalmente incompreendidos e estão passando por uma
fase difícil. ― Não aguentei e me intrometi na conversa.
― Já pensei nisso, mas nenhuma babá dá conta deles. As travessuras
envolvem cocô de cachorro, minhocas, barro na comida. A última tinha
pavor de ratos e adivinha o que ela encontrou na gaveta de calcinhas dela?
Isso mesmo, um rato! ― Ela nos contou desesperada, e nós três
gargalhamos.
Alguma coisa estava errada com essas crianças, tadinhas.
― Amiga, você não estudava pedagogia? ― Miguel me perguntou
animado.
― Sério? ― Paula me questionou.
― Sim, estudava. Meu sonho era trabalhar com crianças, mas não
terminei meu curso. Falta um ano, e meu diploma não é válido aqui de
qualquer forma, amigo. E até o momento, estou ilegal no país, esqueceu? ―
Falei triste, sabendo que nunca poderia realizar meu sonho.
― O fato de ser ilegal podemos resolver. Tenho uma empresa que
recruta babás e ajudantes do lar. Arrumar um contrato de trabalho para você
é fácil. ― Paula disse tão animada que estava até sem fôlego.
― E o diploma é indispensável para esse cargo, amiga. Aposto que a
maioria das babás da Paula não tem formação acadêmica. ― Miguel falou,
sentando-se em frente a Paula com uma long neck na mão.
― Verdade, como é seu nome mesmo? Desculpa pela falta de educação.
― Paula quis saber.
― Gaby, Gabriela. ― Respondi pensativa. Seria essa a oportunidade que
eu precisava?
― Gaby, vamos lá então. Eu preciso de alguém responsável e que saiba
lidar com os anjinhos. Você teria um visto de trabalho, eu te ajudo e você
me ajuda. Só preciso de referências suas, porque o cara é bilionário e
superexigente com os filhos. ― Ela afirmou, animada.
― Eu me responsabilizo pela Gaby, te dou a minha palavra de que ela é
mais responsável do que você possa imaginar. Minha referência vale? ―
Miguel perguntou em seu modo protetor.
― Claro que vale, amigo. Sua palavra é lei para mim. Só falta agora a
Gaby aceitar. O valor do salário é absurdamente bom. O cara não tem dó de
gastar com seus filhos. Só tem um probleminha: tem que dormir no
emprego e as folgas são aos sábados e domingos. Mas como o cara viaja
muito, isso pode ser discutido com a governanta, mas ele paga horas extras
e um monte de benefícios. ― Paula estava tentando me convencer.
― Nossa, deve ter um problema grande com essas crianças. Um
emprego tão bom e nem uma babá ficou? ― Miguel falou curioso.
― Como em qualquer emprego para imigrantes, não tínhamos ninguém
com formação direcionada à área pedagógica. Às vezes a Gaby dá certo e é
a minha última esperança. Por favor, Gaby, aceita. ― O desespero estava
em seu rosto.
― Meu Deus, que responsabilidade. O que você acha, amigo? ― Quis
saber a opinião de Miguel.
― Acho uma excelente oportunidade. Não deixe escapar, Gaby. Você
queria dinheiro para ajudar nas despesas das meninas e pagar as coisas que
elas compram para você, apesar de elas dizerem que não precisa. E temos a
questão do seu visto, sem contar que vai fazer o que gosta: trabalhar com
crianças. ― Ele estava me convencendo a cada minuto.
― Vamos fazer assim: você faz um teste de um mês e se gostar, você
fica. Aliás, com o valor que garanto que irá receber, em um mês você paga
suas despesas com sua irmã. ― Paula bateu o martelo com essa frase. Tudo
o que eu quero é pagar tudo que eles gastaram comigo.
― Beleza, vamos lá. Não deve ser tão difícil lidar com duas crianças de
4 anos, não é mesmo? ― Pensei, rezando para dar certo.
― Já deu certo, amiga. Tu vai ver. ― Miguel estava animado.
― Faz assim, te espero amanhã na empresa. Leva seus documentos, vou
te levar pessoalmente até a mansão Rocatti. ― Nossa, mansão, pensei
comigo. Deve ser incrível.
― Tudo bem, Miguel. Você me leva até a empresa? ― Perguntei a meu
amigo.
― Claro que sim, amiga. ― Ele me respondeu solícito, como sempre.
Após conversar muito sobre a mansão e as crianças, Paula foi embora e
eu e Miguel começamos a arrumar o balcão com o bartender que trabalhava
para ele. Ele não tinha muitos funcionários, mas todos eram muito
competentes.
Miguel me contou, enquanto enxugava os copos, que o cara era
realmente bilionário, italiano, disse que ele era um tesão de tão lindo -
palavras do Miguel -, viúvo e que vivia cercado de seguranças. Saiu em
revistas de fofoca e até nas mais badaladas revistas de negócios.
Assim que terminamos de organizar tudo, lembramos de contar a
novidade para as meninas, que deviam estar em casa. Mandamos uma
mensagem no nosso grupo do WhatsApp.
Miguel:
Meninas, a Gaby arrumou um emprego!
Bea:
Jura? Onde?
Madá:
Que legal, amiga! Onde é?
Miguel:
Um bilionário vai bancá-la!
Bea:
Como assim? Bancar?
Madá:
Amiga, você não vai se tornar uma prostituta, né? Tudo bem, acho que
você precisa liberar a Larissinha.
Bea:
Mas não precisa sair distribuindo, né, irmã? Assim não! Haha.
Madá:
Tá, mas hipoteticamente falando, quão bonito ele é?
Bea:
E de quanto dinheiro estamos falando?
Gaby:
Miguel, vai procurar o que fazer e para de palhaçada. É mentira,
meninas.
Madá:
Hahaha.
Bea:
Puta que pariu, hahaha.
Miguel:
A beleza dele é, hipoteticamente, nada mais, nada menos que o gostoso
do Matteo Rocatti.
Bea:
O quê? O bilionário? Dos iates?
Madá:
Para mundo que eu quero descer, só de olhar pra aquele homem eu gozo.
Bea:
Se ele disser "goza", eu gozo sem pensar duas vezes.
Miguel:
Gente, sério, chega de brincadeira. Gaby vai cuidar dos anjinhos dele.
Bea:
Ele também precisa de cuidados, não?
Madá:
Que pena, eu daria até banho, hahaha.
Gaby:
Chega, meninas! Se não, vou ficar olhando para o homem e lembrando
de vocês, e vou ficar rindo o tempo todo, haha. Chega, estou indo embora.
Miguel:
Tudo bem, não está mais aqui quem falou.
Gaby:
Meninas, vocês podem me emprestar uma mala pequena? A amiga do
Miguel disse para levar coisas para uma semana, pois tenho que dormir na
mansão durante a semana.
Bea:
Ai, que chique, na mansão, hahaha!
Madá:
Eu dormia na casinha do cachorro. Tá, parei.
Acordei suada, ofegante, com a boca seca, uma sensação de falta de ar.
Isso me incomodava, meu pulmão ardia. Meu Deus, isso nunca terá fim?
Toda noite isso. Esses malditos pesadelos não vão me deixar em paz?
Levantei da cama, precisava de água, de ar, precisava respirar. Fui até a
cozinha, peguei um copo, abri a geladeira e a claridade dela foi bem-vinda.
A casa estava totalmente escura. Virei com o copo na boca e fechei a
geladeira.
― Noite difícil? ― Me assustei, dei um pulo para trás e soltei um grito
envergonhado.
A figura estava sentada na ilha da cozinha, com um copo na mão,
idêntico ao meu. Meu Deus, será que ele ouviu meu pesadelo? Com a mão
ainda na boca, só consegui acenar em concordância.
― Desculpe incomodar o senhor ― Foi o único pensamento que
consegui formar.
― Há quanto tempo? ― A pergunta era clara como água.
― Há pouco tempo! ― Não queria me expor mais.
― Boa noite para o senhor! ― Falei me afastando e indo em direção ao
quarto.
― Boa noite, Gaby. ― Ele disse Gaby? Ou eu ainda estou dormindo?
Não respondi, apenas fui para o quarto tentar voltar a dormir.
Muito obrigada meu papai do céu, pelas duas crianças que o senhor me
deu...
Tanta tristeza que há no mundo, mas não há tristeza nos olhinhos seus...
A voz de Gabriela me encantou como um canto de sereia. Nina estava
deitada em sua barriga, Dante abraçado entre a irmã e Gabriela, deitado em
seu braço. Ela acariciava suas cabeças, e eu queria guardar aquele momento
para sempre em minha memória.
Ela me viu e fiquei desconcertado, nunca me senti assim antes. Gabriela
me cumprimentou com um aceno de cabeça, ajeitou as crianças na cama e
saiu de perto delas. Ela juntou as camas, se levantou e então eu vi: aquelas
pernas perfeitas vestindo um shortinho fino e uma camisa masculina por
cima. Um tremor atingiu meu coração. De quem seria aquela camisa? Do
seu ex?
Por um momento, imaginei como ela ficaria usando uma camisa minha.
Ela veio andando na ponta dos pés, cruzou os braços para cobrir os seios e
me chamou, interrompendo meus devaneios.
― Eles tiveram um pesadelo, choraram e pediram por você. Consegui
fazê-los dormir, mas estavam muito assustados ― Comunicou, olhando
para mim sem jeito. Ela parecia desconfortável com as roupas.
― Acontece em tempos de chuva, não sabemos o porquê, mas os
pesadelos estão sempre presentes ― Respondi com tristeza ― As crianças
não merecem passar por isso.
― Imagino. Eu também enfrento isso de vez em quando, mas agora já
está tudo bem. Vou me deitar.
― Vou te acompanhar até a cozinha ― Falei, querendo ficar mais um
tempo perto dela.
― Tudo bem, vou beber água e voltar a dormir ― Respondeu.
Descemos as escadas e eu a observei por trás, reparando naquela bunda
perfeita. Como seria deixar a marca da minha mão ali?
Ela abriu a geladeira e pegou a garrafa de água, distraída, não me viu
atrás dela quando se virou rapidamente e eu levantei o braço para pegar um
copo no armário. Ela imediatamente se abaixou e colocou os braços na
frente do rosto. Fiquei paralisado. Ela estava com medo de mim? Eu nunca
a machucaria.
― Gabriela, olhe para mim. Não tenha medo, eu só ia pegar um copo ―
Tentei acalmá-la.
Ela me olhou e pude ver dor e medo em seus olhos. Eu nem sabia que
tinha um coração, mas ele se despedaçou naquele momento.
― Desculpe, eu me assustei. Não tenho medo de você ― disse com a
voz embargada.
E foi assim que eu ultrapassei os limites do aceitável e a abracei. Ela
tremia e, quando se acostumou com meu toque, começou a chorar.
― Quem fez isso com você, pequena? ― Perguntei, já sabendo a
resposta, mas sentindo a necessidade de que ela me contasse, de que
confiasse em mim.
― Não quero falar sobre isso ― Ela se afastou e eu senti um arrepio na
espinha, uma ausência do seu calor. ― Desculpe, molhei sua camisa ― Ela
falou envergonhada.
― Gabriela, já imagino o que aconteceu e preciso que você confie em
mim. Eu posso te ajudar, mas preciso ouvir de você. Eu queria que você me
desse essa chance.
― Obrigada, mas está tudo bem. Só me assustei mesmo e desculpa de
novo. ― falou, virando-se e indo para o quarto.
A vontade de ir atrás dela, abraçá-la e ficar debaixo das cobertas com ela
era grande, mesmo que nunca tenha feito isso com nenhuma outra mulher.
Mas com ela, esse tipo de coisa parecia certo. Olhei a porta se fechar e fui
para o meu quarto.
Acordei, ou melhor, nem cheguei a dormir, desistindo de tentar e fui para
a academia e encontrei os rapazes. Malhamos e, no final, passamos pela
cozinha. O cheiro de café estava por toda parte. Gabriela estava com duas
xícaras na mão, entregou uma para Giovanni e outra para Luigi, e depois se
virou e me entregou uma.
― Ei, por que a dele é maior? ― Giovanni brincou.
― Porque ele paga o salário dela, ué! ― Luigi disse rindo.
― Vocês não cansam, né? ― disse, e Giovanni abriu a máquina de
waffles, mas Gabriela deu um tapa na mão dele. Ele reclamou que queria
apenas um, então ela pegou um, colocou no prato e deu para ele.
― Sua mãe não te deu educação? ― Gabriela perguntou, sorrindo para
ele.
― Deu sim, mas ela não fazia waffles perfeitos assim. ― Gabriela
gargalhou.
― Hoje não é a sua folga, Gaby? ― Luigi perguntou, recebendo um
waffle também. Em seguida, foi a minha vez. Sentamos os três na ilha da
cozinha, de frente para Gabriela.
― Sim, mas queria deixar o café da manhã pronto para vocês. Já estou
indo daqui a um pouquinho. ― se justificou, tomando um gole do seu café.
― Quer carona? Estou saindo e posso te levar. ― Perguntei, e ela me
respondeu rapidamente, ainda sem graça comigo por ontem.
― Não precisa, obrigada. O Miguel vem me buscar. ― Eu tremi e quase
não consegui disfarçar. O que esse cara quer com ela?
― Seu namorado? Você nunca fala sobre a sua vida. ― Giovanni
perguntou, e eu fiquei aguardando a resposta.
― Não, ele não é meu namorado. É mais fácil ele querer beijar a sua
boca do que a minha! ― Ela respondeu, rindo alto.
Luigi se engasgou com o café enquanto Giovanni disse um "não" mudo.
E eu, bem eu, senti um alívio! Que merda é essa?
Todos nós rimos e logo o interfone tocou e Gabriela foi atender, dizendo
que já ia descer. Ela vestia uma calça preta que abraçava sua bunda perfeita,
coturnos pretos, uma blusa de gola alta bem justa no corpo, que marcava
seus seios pequenos e perfeitos. Eu imaginava se eles caberiam
perfeitamente em minhas mãos. Vi ela ir ao quarto pegar sua pequena mala
de rodinhas, uma bolsa e um casaco nos braços, e então se despediu de nós.
Pediu para darmos um beijo nas crianças por ela e se foi.
Olhei para Giovanni e finalmente pude matar minha curiosidade.
― Por que você não me deu a informação de que o cara era gay? ―
Perguntei nervoso. Poderia ter me poupado dessa dor de cabeça.
― Porque eu não tinha essa informação. Está bravo porque ficou com
ciúmes esse tempo todo, chefe? ― Luigi perguntou, e eu os mandei se
foderem.
Fui me arrumar, pois os negócios não param. A Margô ia ficar com as
crianças, mas eu queria chegar em casa cedo para dormir com elas.
― Estava com tantas saudades! ― Bea pulou no meu colo e eu tentei
segurá-la para não cairmos no chão.
― Calma, foi só uma semana, já estou de volta.
Miguel me buscou na mansão, viemos direto para casa, pois estava com
muita saudade das meninas.
― Madá ainda está dormindo, saiu com um cara ontem e até agora não
deu sinal de vida. Só espero que ela não esteja de ressaca quando formos
sair mais tarde. Agora quero saber todos os babados da semana. ― Bea
estava muito animada, e eu também, não vou negar.
― Vou esperar ela acordar para contar os últimos acontecimentos da
mansão. ― Contávamos tudo em grupo para não ter que repetir várias
vezes.
― Ah, não, vou lá acordar aquela safada. Não tenho culpa se ela passou
a noite toda com alguém. Quero saber das fofocas. MADÁAAAAAAAA.
― Minha irmã gritou, bateu na porta do quarto e, meia hora depois, Madá
apareceu na sala, enrolada na coberta, e sentou-se no tapete em frente a nós.
Miguel fez um chocolate quente divino. Pedi a Madá que trocasse de
lugar comigo. Ela se levantou e deitou com a cabeça no colo de Miguel e as
pernas no colo de Bea.
Contei tudo o que aconteceu durante a semana e, principalmente, ontem
à noite. Eles ficaram chocados com o pedido de Matteo para eu confiar nele
e com a revelação que ele fez para mim, sobre saber o que tinha acontecido
comigo. Eu também fiquei muito mexida. Por um breve instante, quase me
abri para ele, pois me senti segura em seus braços.
― E o que você está sentindo? Sentiu necessidade de se abrir para ele?
― Miguel perguntou sério.
― Sinceramente? Quase me abri. Eu me senti segura em seus braços,
mas não posso me iludir novamente. O cara é um bilionário lindo, gostoso,
pode ter qualquer mulher que quiser. Você acha que terei alguma
importância para ele? Serei apenas mais uma em sua cama. ― Disse,
olhando fixamente para a parede.
― Lá vem você começar com essa baixa autoestima. Você não se olha
no espelho? Louco é o cara que não te quiser. ― Minha irmã falou brava
comigo.
Não posso negar que me sinto inferior, me diminuí tanto para caber na
vida de Carlos por tantos anos, que agora me sinto um nada.
― Você é a garota mais linda que eu conheço. O cara que enxergar isso
será o cara mais sortudo do mundo. ― Miguel disse, acariciando os cabelos
de Madá.
― Ele me abraçou tão forte que senti os batimentos do coração dele,
acredita? E ele cheira tão bem, mas não posso me iludir. Sou funcionária e
ele é o patrão. Carlos está se aproximando, e se ele realmente contratou um
detetive? Vai descobrir rapidamente que estou aqui. ― Estava com tanto
medo, não só por mim, mas também por eles.
― Ele disse que te ajudaria se você contasse, não foi? Quem sabe ele
possa realmente ajudar? O cara é bilionário e tem contatos. Ele coloca
aquele idiota no chinelo. Espere um pouco mais. Se você confiar nele, quem
sabe ele possa te ajudar? ― Madá, que estava calada até agora, disse de
uma vez com a voz sonolenta.
― Também acho. Um cara com dinheiro pode comprar o que quiser, mas
um cara influente conquista o mundo. ― Miguel levantou-se. ― Meninas,
tenho que ir adiantar algumas coisas para hoje à noite. Acho que teremos
lotação máxima. O DJ é muito bom. Vou indo e vocês se preparem, pois já
reservei a mesa de vocês perto dele.
― O que acham de fazer uma limpeza de pele, hidratar o cabelo? Dia de
meninas? ― Minha irmã perguntou, me animando.
― Dia de meninas! ― Gritamos, juntando nossas mãos.
Madá até despertou e vamos obrigar ela a contar detalhes sórdidos da
noite dela com o misterioso.
O dia passou voando. Além de cuidar de nós, bebemos vinho e
arrumamos a casa. Conversar com as meninas era fácil e tranquilo. Ligamos
para Sofia e Marta, que contaram que depois do surto de ameaças de Carlos,
ele sumiu e não procurou mais Sofia. Marta também contou que o entra e
sai de mulheres duvidosas no apartamento dele só aumenta.
Deixei esses pensamentos ruins de lado e minha mente me levou para a
mansão, senti saudade das crianças e dos rapazes também. Eles são umas
figuras. Contar para eles que Miguel era gay foi um impulso. Não sei por
que, mas não queria que Matteo pensasse que tenho alguém, estranho, né?
Mais tarde, arrumamos nossos cabelos. O meu estava liso na raiz e
ondulado nas pontas, com volume. Estava lindo, parecendo cabelo de
comercial de shampoo. Peguei um vestido emprestado da minha irmã, que
era preto, com um decote acentuado no peito e saia curta. As sandálias de
salto fino tinham tiras na frente e o bico fino lembrava um scarpin. Nas
pontas das tiras, nas pernas, tinha uma pequena pluma. Completei com
acessórios e uma bolsa de lado, além de um casaco elegante. Sentia-me
como uma celebridade.
Fomos de táxi até o restaurante. Minha irmã não queria dirigir, porque
queria beber. Chegamos na porta do restaurante e entramos. As meninas
também estavam lindas. Minha irmã usava um vestido vermelho, e Madá
estava maravilhosa com uma calça de cintura alta bem justa e um top de
couro tomara que caia.
Já na entrada, percebemos como a área do pub estava lotada.
Cumprimentei os funcionários que já conhecia, enquanto as meninas me
puxavam de mãos dadas para passarmos entre as pessoas. Havia muita
gente em pé e sentada. Foi quando encontramos Miguel, ele nos abraçou e
nos levou até a nossa mesa, que ficava ao lado da mesa do DJ, que, aliás,
era um gato. Minha irmã não tirava os olhos dele, uma safada mesmo.
Sentamos e pedimos nossas bebidas. Madá optou pela vodca, minha irmã
preferiu o vinho e eu decidi tomar um gin com especiarias. Queria dançar,
beber e curtir a noite com meus amigos.
Miguel disse que ia pedir comida para nós. Eu, é claro, pedi um risoto
com filé mignon, especialidade dele. Enquanto esperávamos nossa comida,
bebíamos nossas bebidas ao som da música. Hoje não era apenas música
ambiente, o som estava alto e contagiando as pessoas que dançavam.
― Vou ali buscar uma coisa para animar a noite. ― Minha irmã se
levantou e seguiu em direção ao balcão, atraindo olhares dos homens do
bar. Eu e Madá sorrimos.
― O que aquela doida vai fazer? ― Madá perguntou. ― Ah, ela está
com tequila na mão! A noite vai ser boa! ― Disse animada, levantando os
braços.
― Com certeza! Eu adoro essa música, vamos nos levantar! ― Disse
para Madá, que já estava se levantando. Ficamos em volta da nossa mesa
dançando. Bea chegou com as tequilas e Miguel a seguia. Fizemos um
brinde os quatro, com os braços para cima e os mini copos juntos.
― Ao primeiro de muitas noites incríveis que Gaby vai ter, ao
recomeço! ― Bea disse alto, e nós repetimos.
― Ao recomeço! ― Viramos de uma vez o líquido transparente. Eu
estava tão feliz, a música nos contagiava ao som de Ocean Drive do Duke
Dumont e eu adorava essa música. As batidas acompanhavam as do meu
coração, e começamos a dançar.
Miguel me abraçou por trás e fazíamos passinhos no ritmo da música,
com as meninas ao nosso redor. Foi tão mágico! Todos olhavam para nós e
se animavam para dançar também. Com minha taça nas mãos, bebi mais do
meu gin. Minha irmã e Bea sumiram do meu campo de visão, eu e Miguel
dançando um de frente para o outro. Aliás, como Miguel dançava bem!
That's my girl
Essa é minha garota
You've been down before
Voce já esteve pra baixo antes
You' vê been hurt before
Você já esteve ferido antes
You got UP before
Você se levantou antes
That' s my girl
Essa é minha garota
That's my girl
Puta merda, como esse infeliz entrou no meu país sem que eu soubesse?
Gabriela deve estar arrasada. Preciso estar com ela e acabar com esse
cretino de uma vez.
― Giovanni, prepare o jatinho. Vamos embora agora. ― Disse enquanto
digitava uma resposta para Luigi.
"Descubra como esse idiota entrou no meu território sem que soubéssemos
e acalme a Gabriela, por favor. Não saia do lado dela até eu chegar!"
― Aconteceu algo com as crianças, meu filho? Você não está com uma
expressão boa. ― Mamãe perguntou preocupada.
― Problemas, mamma. Vou resolver rapidamente, não se preocupe.
― Precisa de ajuda, meu filho? ― Meu pai perguntou solícito, enquanto
meu celular vibrou novamente.
"Não sei acalmar ninguém sem bebida. Vamos beber, e quando você chegar,
ela estará mais calma. Nunca sairia do lado dela, irmão. Somos família,
lembra?"
Gaby:
Preciso de vocês urgentemente, tenho que contar algumas coisas que
aconteceram!
Miguel:
Onde e quando?
Madá:
Bom dia, garotas, onde nos encontramos, amiga?
Bea:
Bom dia, irmã. Conta logo, senão vou ficar preocupada.
Gaby:
Não é nada sério, vou contar quando estivermos juntos.
Miguel:
Que tal no restaurante? Vou testar uma nova receita e vocês podem
comer enquanto conversamos.
Gaby:
Pode ser às 10:00?
Bea:
Ok, não temos clientes pela manhã.
Gaby:
Ótimo, amo vocês ❤️
Bea:
Eu amo você mais 💗
“Por favor, ouça com atenção e salve essa gravação. Não tenho outra
cópia. Improvisei o que pude. Espero que ajude.”
Então finalmente pude respirar aliviada. Minha carta de liberdade estava
sendo escrita e eu estava cheia de esperança.
Minha estadia em Las Vegas havia se estendido por mais tempo, apesar
de estar com os nervos à flor da pele por descobrir a aliança e traição de
Roberto de forma tão clara e transparente como água, estava satisfeito com
os resultados.
Romeo foi enfático em nossa parceria: ele me forneceria drogas e
prostitutas com habilidades específicas para satisfazer os fetiches insanos de
nossos clientes em nossos estabelecimentos noturnos, e é importante
ressaltar que tudo ocorre com o consentimento das mulheres, que são
devidamente remuneradas pelo seu trabalho. Além disso, a proteção da
máfia é um diferencial valioso para elas. Trabalhar em um lugar seguro vale
mais do que ter bons clientes em seu mundo. Da minha parte, forneceria
armas, minha especialidade, e é claro, o dinheiro para investir em cassinos e
casas de entretenimento adulto. Agora somos sócios, e nossos territórios
estão interligados.
A cidade é linda, com restaurantes e boates frequentados por pessoas de
alto padrão. Mal posso esperar para trazer Gabriela para cá, ela vai adorar
passar a noite dançando como gosta e terminar em um luxuoso hotel de um
dos inúmeros cassinos dos quais sou sócio. Nossas chamadas de vídeo se
tornaram o ponto alto do meu dia. Fazemos todas as noites, e cada vez é
melhor do que a anterior. Nunca são iguais, sempre perfeitas.
Hoje embarquei para Portugal. O evento de Nikolai, mencionado por
meu executor, era um jantar beneficente que realizamos todos os anos com
membros da máfia, políticos importantes, pessoas da alta sociedade e
indivíduos poderosos em busca de visibilidade, além de arrecadar fundos e
fazer negócios.
Tudo indica que Roberto estará presente. Meu plano é ir direto para o
evento, sem assustar minha pequena, ela não sabe da surpresa que a espera
em casa ao final desta noite, livre de Roberto, pelo menos é o que eu
espero.
Estamos em dois aviões: um é meu e o outro pertence a Romeo, ambos
carregados com soldados bem armados e treinados. Estamos prontos para a
guerra, dispostos a eliminar cada filho da puta retrógrado que pensa que
pode me tirar do meu trono. Se não me querem em meu posto, serão
eliminados, assim como Roberto e Nikolai que cruzaram meu caminho.
Neste momento, meu celular apita com uma mensagem de áudio do
próprio celular de Agatha. É estranho ela estar usando seu próprio celular,
já que fomos bem claros sobre o rastreamento, então deve ser algo urgente.
― É Agatha ― falei para Romeo e Luigi, que estavam sentados à minha
frente. Luigi me olha com expressão preocupada.
― Será que ela descobriu algo? ― Luigi perguntou.
― Espero que sim ― Respondi, já abrindo a mensagem e lendo em voz
alta.
“Por favor, ouça com atenção e salve essa gravação. Não tenho outra
cópia. Improvisei o que pude. Espero que ajude.”
― Porra, a menina é corajosa ― Romeo falou sorrindo.
Coloquei o áudio para tocar e ficamos atentos. Luigi estava estranho,
nervoso, e sei que não é por causa do pai, mas sim por ela.
― Filho da puta! Juro que vou matar lentamente esse maldito. Ele nunca
chegará perto dos meus filhos e da minha mulher ― falei com ódio
transparecendo em meus olhos.
O monstro cruel dentro de mim queria sair para caçar, e minha presa
nem imaginava o perigo que corria. Sou capaz de qualquer coisa por eles.
― Nós vamos ― Romeo completou, amolando sua adaga e olhando
fixamente para ela.
― Ameaçar o próprio irmão, a cunhada, as crianças e Gaby? Nada que
venha desse desgraçado me surpreende, temos que tirar Agatha e sua mãe
de lá urgentemente ― Luigi falou, levantando-se e indo até o corredor do
avião.
Ele serviu-se de uísque e voltou a se sentar à minha frente, aguardando
minhas instruções.
― Não quero você envolvido na execução nem na emboscada contra seu
pai. Eu sei que o odeia, mas prometo que vou fazê-lo pagar por tudo que fez
a vocês. Quero que você se encarregue de resgatar Agatha e sua mãe na
Itália, sem levantar suspeitas. Não faça alarde e traga-as em segurança. Elas
não precisam de mais nada, apenas estar bem na mansão até o final do dia.
Você concorda? ― perguntei, já sabendo qual seria sua resposta.
― Sim, é tudo o que eu queria. Não tenho condições psicológicas para
lidar com aquele merda ― respondeu ele, visivelmente abalado.
Não iríamos entrar nesse assunto agora. Eu queria ocupar sua mente para
que ele não pensasse em ir atrás do pai. Sabia que, no futuro, isso não seria
bom para o meu primo-irmão.
― Vou avisar os soldados para se prepararem. Vamos manchar as ruas
com um pouco de sangue hoje ― Romeo falou, levantando-se.
A adrenalina já estava correndo em minhas veias. Avisei meu pai sobre o
ocorrido por meio de um telefone via satélite do avião. Ele não poderia ser
rastreado. Instruí que deixasse minha mãe em casa e fosse ao evento
sozinho, apenas com seus soldados de confiança. Ainda não sabíamos em
quem confiar, então teríamos que interrogar todos os soldados e eliminar os
corruptos de nosso meio.
Aterrissamos em uma pista clandestina, afastada da cidade. Não
queríamos que soubessem que chegamos, no fim da tarde o avião retornaria
para a pista usada por mim momentos antes do início do jantar. Queria que
Roberto ficasse tranquilo, pois o pegaria desprevenido.
Meus soldados já estavam em posições estratégicas. Todos os comparsas
de Roberto poderiam ser abatidos com apenas um tiro na cabeça, todos na
mira. Roberto já estava na cidade, junto com a elite da máfia. Meu pai
chegaria mais tarde, com mais reforços. A cidade iria parar hoje.
Giovanni estava acompanhando as crianças e Gabriela no parque.
Ordenei que os levassem em segurança para casa. Eu sabia que o alvo para
hoje seria eu, mas não queria arriscar a vida dos amores da minha vida,
depois Giovanni seguiria em nosso encontro.
De hoje essa situação não passaria. Eu acabaria com a vida desse
maldito.
A falta de Matteo estava me matando de saudades. As crianças já
estavam agitadas, choravam à toa e faziam birra na hora das refeições. Era
compreensível que se sentissem assim, já que fazia quase uma semana
desde que ele partiu. As ligações não eram suficientes para acalmar as
crianças. Eu segui com nossa rotina de sexo virtual, o que era bom, mas não
se comparava a tê-lo aqui, tocando em mim.
Pedi a Giovanni que nos levasse ao parque que visitamos da última vez.
Ele se recusou no início, dizendo que não era o momento de sair, mas no
fim o convenci. Seria apenas uma horinha, e as crianças ficariam mais leves
e menos irritadas. Minha irmã e Madá resolveram sair hoje à noite, dizendo
que iriam "à caça", como elas costumavam chamar. Elas estavam
aproveitando ao máximo antes de Beatriz se afastar de mim. Sinto um
aperto no coração só de pensar na sua partida.
No parque, tudo correu tranquilo, como sempre, com uma legião de
soldados ao redor. As crianças não se importaram, e para ser sincera, eu
também não me importo mais. Elas correram, pularam, rimos e brincamos
ao máximo. Voltamos para casa, e notei uma movimentação estranha dos
soldados, além de vários carros que, em vez de entrar, seguiram viagem.
― Algum problema, Giovanni? ― perguntei, segurando as perninhas
das crianças, uma de cada lado.
― Não, Gaby, apenas um contratempo em uma boate. Vamos resolver, já
volto para casa, ok? ― respondeu Giovanni, mas não senti segurança em
sua resposta.
Meu sexto sentido estava me alertando sobre algo.
― Você sabe se Matteo volta neste fim de semana? ― perguntei.
Ele nunca me dá uma data certa para voltar para casa, "nossa casa",
como ele diz. Sinto um aperto no coração só de lembrar.
― Quando você menos esperar, ele estará ao seu lado. Não se preocupe
― respondeu Giovanni seriamente, sem fazer piadas nem brincadeiras.
Alguma coisa estava errada. Talvez tenha sido coisa da minha cabeça.
Ele me deu um sorriso sem humor pelo retrovisor e desceu para abrir a
porta do carro na entrada de casa. Nem percebi quando entramos.
Levei as crianças para o quarto. Elas estavam cansadas das brincadeiras,
mas não queriam ceder ao sono. dei banho, troquei as roupas e assistimos a
um filme no quarto deles mesmo.
Desci para arrumar um lanche, já que não queriam jantar. Estranhei o
silêncio na casa. Margô não apareceu desde que cheguei com as crianças.
Não havia ninguém na cozinha. Devem estar descansando nos aposentos.
Levei o lanche para as crianças, não era muito tarde, mas a energia deles
já estava se esgotando. Contei histórias e os deixei dormindo juntos, como
sempre fazia. Desci para tomar um banho no meu quarto e aproveitar para
pegar os fones, pois queria estudar um pouco, já que meu italiano estava
muito bom, mas sempre há espaço para melhorias.
Vesti um pijama de cetim de mangas compridas, confortável e
comportado. Não estava com sono ainda, queria esperar Giovanni chegar.
Estava subindo para o quarto de Matteo, que agora também é meu,
quando ouvi Carmem, de costas para mim, encostada na ilha da cozinha,
olhando pela janela.
― Já está feito, todos adormeceram com o sonífero que coloquei no
café. ― Como assim? Eu devia estar ouvindo errado. Será que meu italiano
está uma droga?
― Reuni todas as informações que estudei e, sim, estava ouvindo
corretamente. Me abaixei atrás da ilha da cozinha e continuei ouvindo
atentamente.
― Sim, eu sei. Eu amarrei todos para evitar o risco de acordarem e
voltarem para casa antes de nos livrarmos desses insuportáveis aqui. Já
temos os carros preparados. ― Meu Deus!
Coloquei a mão na boca para evitar qualquer ruído. Quem era essa
mulher de verdade?
― Vou liberar a entrada para seus soldados e pegar as pestinhas de uma
vez. O que faço com a prostituta brasileira? ― Ela falava um italiano
impecável, e eu já estava tremendo.
― Claro, senhor. A levarei junto. Divirta-se na festa, nos encontraremos
no galpão. ― Eu não sabia o que fazer.
Estava tremendo, mas precisava ser forte para salvar minhas crianças.
Ela saiu pela porta dos fundos.
Imediatamente me levantei e fui até a janela com cuidado. Não havia
soldados no jardim, apenas um que ficava na guarita. Ele estava
caminhando em direção a Carmem, que lhe perguntou algo. Sem resposta,
ela apenas sacou uma arma de trás de sua calça e atirou na testa do soldado.
Seu corpo caiu para trás, simples assim. Ela continuou a andar sem olhar
para os lados, em direção ao portão.
Essa mulher... Ela era a informante! Droga, ela passava tudo de dentro de
casa para Roberto, aposto. Ela não tinha o hábito de levar pratos prontos e
ficar fingindo ser uma boa funcionária. Ficava em volta da mesa para ouvir
as conversas, essa mulher é uma cobra. Não vou deixá-la fazer mal às
crianças.
Estava apenas de meias, o que ajudou a não fazer barulho. Antes de subir
para o quarto, peguei uma faca menor e a escondi no cós da calça na frente
e corri para a escada.
Abri a porta do quarto e Dante acordou com o barulho. Nina dormia
profundamente, como um anjo. Olhei pela janela no momento exato em que
Carmem estava entrando na guarita, provavelmente para abrir o portão para
seus cúmplices.
Dante esfregava os olhinhos, e eu voltei a olhar pela janela, procurando
uma rota de fuga para as crianças. Não havia maneira de sairmos daqui sem
sermos vistos, então olhei ao redor do quarto, em busca de uma solução.
A não ser que elas não saiam, e apenas eu vá com essa desgraçada. Ou,
talvez, eu consiga enrolá-los aqui até que a ajuda chegue. Daria minha vida
por essas crianças, então lembrei-me do fundo falso, que ficava bem em
frente a nós. Chamei Dante, que veio até mim com passinhos curtos.
― Dante, o que você acha de a gente brincar um pouquinho? ―
Perguntei, agachando-me para olhar em seus olhos.
― Eu adoro brincar! Vamos sim! De quê? ― Ele respondeu, esfregando
as mãozinhas, ansioso.
― Vamos brincar de príncipe forte e corajoso que defende a princesa? ―
Perguntei, empurrando a cômoda que estava em frente ao fundo falso.
― Sim, tia Gabyzinha, eu sou forte, muito forte! Olha! ― O pequeno
falou mostrando o músculo por baixo do pijama de carrinho que vestia.
Meus olhos encheram-se de lágrimas.
― Isso mesmo. Quero que me ouça com atenção. Vou precisar de você
para proteger sua irmã da bruxa má. Você me ajuda? ― Peguei o colchão da
casinha de bonecas da Nina e estiquei-o no chão do fundo falso, então
peguei dois travesseiros e duas cobertas no closet, sem desfazer a cama
deles para não levantar suspeitas.
― Ajudo sim, tia Gaby. O que tenho que fazer? ― Meu menino era tão
corajoso.
Peguei-o no colo e falei com calma para que ele entendesse.
― A tia Gaby precisa que você fique aqui dentro com sua irmã. Coloque
os fones de ouvido nela e não deixe que ela os tire, entendeu? ― Não era
ideal colocar essa responsabilidade em uma criança tão pequena, mas não
tínhamos outra opção e eu precisava salvá-los.
― Você vai ficar também? ― Perguntou, olhando para a irmã deitada na
cama.
― Vou tentar despistar a bruxa até que a ajuda chegue. Não faça barulho
e não tire os fones de ouvido de jeito nenhum. Eles ajudam vocês a ficarem
invisíveis. Entendeu o que a tia Gaby disse? ― Ele balançou a cabeça,
confirmando.
― Ela não vai nos ver? ― Seus olhinhos estavam atentos ao que eu
fazia.
― Enquanto vocês estiverem com os fones, ela não poderá ver vocês. A
bruxa má está aqui, mas eu não vou deixá-la chegar perto de vocês.
Aconteça o que acontecer, não saiam do esconderijo. Vamos brincar, eu vou
ser o soldado do príncipe. Mesmo que ouçam barulho, não saiam,
entendeu? ― Ele estava com os olhos cheios de lágrimas e meu coração se
partia.
― Sim, tia Gaby, mas a brincadeira vai acabar rápido? Estou com medo.
― Como eu mentiria para ele, meu Deus?
― Sim, meu bem, vai acabar quando o papai ou seus tios os tirarem
daqui, tá bom? Você me ajuda a proteger a sua irmã? ― Ele confirmou.
Coloquei-o sentado no colchão, peguei a Nina e coloquei o fone de jogos
do Dante. Era grande e não sairia facilmente, coloquei música de ninar em
seu tablet. Antes de colocar meus fones no Dante, mandei uma mensagem
no grupo avisando a Bea, Madá e Miguel onde as crianças estavam e
pedindo socorro.
Enviei para o Matteo um "eu te amo para sempre" e as mesmas
coordenadas. A mensagem não chegou para ele, mas as meninas
visualizaram. Mandei outra dizendo que a traidora era a Carmem. Silenciei
o celular e não esperei por uma resposta. Coloquei um desenho para o
Dante e antes de colocar nos ouvidos dele, dei um último aviso.
― Não importa se você ouvir a tia Gaby gritar ou qualquer pessoa que
não seja o papai ou seus tios. Não saia daqui, jura de dedinho? ― Ele
derramou uma lágrima.
No fundo, sei que ele sabia o que estava acontecendo. Eu o abracei e
coloquei o fone. Beijei os dois e me despedi com o olhar. Sabia que poderia
ser a última vez que os via. Fechei o fundo falso, coloquei a cômoda no
lugar, corri e arrumei as camas e fingi estar dobrando umas roupas.
Ouvi passos no corredor. Sabia que meu fim, agora sim, poderia estar
próximo. Não morreria pelas mãos do Carlos, como imaginei várias vezes,
mas morreria feliz, sabendo que salvei as minhas crianças.
Carmem entrou no quarto, olhando ao redor em busca das crianças. Ela
estava vestida toda de preto, com o cabelo preso em um coque. Nem parecia
a cozinheira que estava há algumas horas antes trabalhando.
Ela me encarou com todo o ódio, tentando disfarçá-lo com um ar de
deboche.
― Onde estão aquelas pestes? ― perguntou, vindo em minha direção.
Eu arregalei os olhos, fingindo estar surpresa com suas palavras, mas eu
já sabia quem ela realmente era.
― O que está acontecendo, Carmem? O senhor Matteo não vai gostar de
ouvir você falando dessa forma ― ela pegou meu braço e me sacudiu.
― Escute aqui, sua vadia! Você já me atrapalhou demais. Onde estão as
crianças? ― ela olhou em volta, encontrando a cama intacta, sem nenhum
sinal delas.
― Elas estão com o Giovanni.
― Não estão! ― ela gritou, sem soltar meu braço.
― Ué, você está vendo-as aqui? ― perguntei com deboche. ― O que
você quer com elas?
― Vocês passaram pela guarita, fui informada de que o idiota do
Giovanni deixou vocês aqui ― seu rosto já estava vermelho de raiva.
― Foi uma informação errada, então, porque só eu fiquei aqui. As
crianças foram comprar um presente com o Giovanni para o meu
aniversário ― era uma mentira, mas foi a única coisa que me veio à mente.
― Não minta para mim, sua vadia! ― senti a dor do tapa em meu rosto e
caí sobre a cama, com a mão no rosto.
― Não estou mentindo, elas não estão aqui, você não vê? ― Eu queria
enfrentá-la, utilizar tudo o que aprendi, mas não podia fazer barulho. Não
queria assustar as crianças. Preciso atrasar a saída dela. ― O que você quer
com as crianças? Por que está fazendo isso?
― Estou apenas seguindo ordens do verdadeiro chefe da máfia italiana,
do futuro ― três homens com aparência de assassinos de aluguel entraram
no quarto. Tentei ganhar tempo, alguém tinha que chegar logo.
― Vocês acham que vão sair impunes? Matteo vai matar todos vocês.
― Não acho, tenho certeza. Quando Roberto conseguir o que é dele por
direito, tudo será como deve ser, não como um playboy metido a mafioso
faz. ― Ela sentia raiva de Matteo, mas por quê?
― Matteo sempre tratou você bem, ele é uma boa pessoa. Por que você
está fazendo isso? ― Ela ainda não tinha percebido que eu estava tentando
enrolar.
― Boa pessoa para quem ele quer, eu não o vejo como chefe, nem os
integrantes do conselho.
― Todos? Mas são 17 cadeiras no conselho ― só podia estar
entendendo errado. Uma organização inteira contra ele?
― Todo o conselho. O plano inicial era matar o Dom e Matteo em uma
emboscada que o conselho estava planejando, mas você entrou no nosso
caminho e aquele idiota do Rocatti parou de comparecer às reuniões, estava
muito ocupado trepando com você.
― Meu Deus! ― disse, colocando a mão no peito.
― Ele tinha que ser morto em território italiano, com a desculpa de ser
um ataque russo, por isso Roberto inventou o noivado, mas você chegou e
atrasou os planos. ― Céus, eu preciso contar isso a Matteo. Se eu morrer,
ele vai ficar em meio a um ninho de cobras.
― Fico feliz em saber que atrapalhei seus planos. O que você ganhará
com isso? Acha que Roberto lhe dará um lugar de destaque? Você é apenas
um peão para ele ― por dentro, estava cheia de medo, mas consegui o que
queria. Ela ficou extremamente brava.
― Cale a boca agora! Eu vou conquistá-lo, ele sabe que precisa de mim,
ele me prometeu que ficaria comigo, sou muito melhor do que aquelas duas
falsas que vivem em sua casa ― ela gritava, descontrolada.
Coitada, estava apaixonada e iludida. Na máfia, ela não teria nenhum
posto.
― Pelo que entendi, na máfia, amantes não têm posição alguma. E quem
trai a máfia faz todos ao seu redor pagarem por isso, não é? ― ela estava
furiosa comigo. Eu conseguia ver o ódio em seu rosto.
― CALE A BOCA! Vasculhem a casa. Essas pestes têm que estar aqui.
Não acredito nessa vagabunda ― eles vasculharam o quarto, o banheiro, o
closet.
Cada vez que passavam em frente à cômoda, meu corpo tremia. O
telefone dela tocou e prestei atenção no que ela falava em italiano.
― Elas não estão aqui. Só temos a vadia do Rocatti. O que faço? ―
senti um calafrio percorrer minha espinha. ― Sim, vou levar essa
vagabunda, o senhor Roberto ficará muito nervoso se não levarmos nada
depois de quase cinco anos de espera ― esses malucos estavam aqui há
muito tempo, meu Deus.
Ela desligou o celular, olhou para mim com desdém e nojo e chamou os
seus homens.
― Levem a puta para o carro, temos que sair daqui rapidamente, não
vamos chegar lá de mãos vazias. Mas antes, deem uma lição nela para
aprender ― ela se encostou na parede, cruzando os braços.
Um homem se aproximou de mim e me arrastou para trás, até meu corpo
encostar na parede. Ele me pegou pelo pescoço, me levantando, e olhando
nos meus olhos, falou em um italiano perfeito:
― Eu daria uma lição nessa belezinha de outra forma ― ele passou a
língua nos lábios, me deixando com nojo.
― Anda logo, só quero ter o prazer de ver essa vadia sangrar ― ele me
deu um soco no estômago e outro no rosto. Eu já tinha levado socos mais
fortes.
― Você bate como uma criança ― vi a fúria tomar conta de seu rosto.
Ele me deu soco atrás de soco, enquanto o outro homem me chutava. Eu
não fazia nada, não reagia, não gritava, não chorava. Só queria que isso
acabasse logo.
Meu corpo implorava por uma reação, quando um terceiro homem
entrou na briga eu não consegui me conter, dei uma rasteira em um deles,
fazendo-o cair para o lado. Subi em cima dele e, com a faca, cortei sua
garganta. Seus comparsas ficaram chocados.
Me levantei em silêncio, segurando a faca apontada para eles. O segundo
homem veio em minha direção.
― Então a vadia sabe reagir? Só derrubou ele porque não estava
esperando ― falou, vindo em minha direção.
Carmem ria, sem se abalar pela morte de seu cúmplice. Meu Deus, eu
matei uma pessoa. Mas não tenho tempo para pensar nisso agora.
― Duvido que em uma luta justa você vença ― avancei em sua direção
e enfiei a faca em seu estômago. Girei meu corpo e dei um chute certeiro
em seu estômago. Ele caiu para trás, com a mão na barriga.
Carmem me pegou desprevenida por trás e enfiou uma adaga em minha
costela. A dor se espalhou pelo meu corpo como brasa quente. Dei uma
cabeçada em seu nariz, fazendo-a chiar de dor, mas ela me deu um chute e
seu cúmplice me aplicou um golpe de mata-leão.
Eu tentava me soltar, como Matteo me ensinou, mas estava sem forças.
O outro homem veio me golpeando no estômago, sempre no mesmo lugar.
Carmem me dava chutes, o ar não entrava em meus pulmões. Eu não
gritava, não podia gritar. Não podia chorar. Meus filhos não podiam ouvir.
Senti meu corpo cair no chão. Carmem subiu em cima de mim e desferia
socos em meu rosto, enquanto o homem que eu acertei com a faca chutava
minhas costelas.
Eu não podia gritar...
Não podia fazer barulho...
O ar começou a faltar em meus pulmões, o único som que se ouvia no
quarto era o dos socos e chutes. Eu estava em uma realidade paralela e
percebi que ali era o fim da linha para mim. Lutei o quanto pude para
proteger meus filhos. Não gritei... então, tudo ficou escuro e me despedi
mentalmente.
Eu não chorei...
Eu não gritei...
Por eles.
Conferi a munição da minha Glock pela sétima vez, ajeitei as facas e
adagas no coldre. Nunca fiquei tão nervoso em uma missão, mas essa é
diferente. Tem um sabor de liberdade. Quero acabar com isso logo e poder
viver um pouco mais leve.
Na máfia, nunca há paz. Sempre há um contratempo. Podemos ter
períodos bons, mas nunca cem por cento tranquilos. Eu aceitaria qualquer
tempo extra com minha família e lutarei por isso hoje.
Giovanni chegou há algum tempo e já revisou todo o planejamento do
ataque. Vamos sequestrar Roberto antes de matá-lo. Quero os nomes de
todos os envolvidos, e não me importo com quanto tempo dure a tortura, ele
vai falar. Luigi já partiu para a Itália no mesmo avião em que chegamos.
Tudo está sendo feito com o máximo sigilo.
Romeo está no evento com um ponto de escuta, ele vai atrair Roberto
para o jardim da casa de eventos, fingindo se aliar a ele, sem levantar
suspeitas. Vamos invadir o local pelos fundos e sequestrá-lo.
― O filho da puta já foi avisado que eu quero um minuto a sós com ele
― Romeo falou pelo ponto de escuta.
― Ótimo, já estou em posição ― Giovanni respondeu.
Era possível ouvir os passos dos soldados correndo atrás dele.
― Ele não vai sozinho, estará acompanhado de soldados de confiança ―
avisei, pois sabia que ele não era tão burro assim.
― Eu não me importo. Protejam minha retaguarda, o resto é comigo ―
Romeo falou confiante. ― Ele está vindo, dois soldados à sua frente, três
atrás. Fiquem atentos.
― Atirem primeiro, perguntem depois. A prioridade é proteger Romeo e
levar Roberto vivo ― avisei ansioso, queria ter aquele rato em minhas
mãos.
― Não consigo imaginar a surpresa que tive ao saber, por meio do meu
soldado, que você queria um minuto comigo ― Roberto começou falando,
soprando a fumaça do charuto para cima, olhando fixamente para Romeo.
Estávamos acompanhando tudo em tempo real pelas câmeras e escutas
escondidas em seu smoking.
― Assuntos de negócios não podem ser discutidos no meio de uma
multidão ― os soldados de Roberto já estavam na mira dos atiradores
posicionados nos prédios.
― E que tipo de negócio seria esse? Pelo que sei, você já tem uma
aliança sólida com meu sobrinho e até mesmo um casamento acertado com
uma bela brasileira. Devem ser mulheres quentes, não é? Para vocês dois se
prenderem dessa forma ― Resposta errada.
Ele não deveria ter seguido por esse caminho. Tenho certeza de que o
receberei bastante machucado. Dei permissão aos atiradores. Estava atrás de
Romeo em um arbusto e Giovanni estava do outro lado, bem na minha
frente.
― Um negócio altamente vantajoso para mim, e não tanto para você ―
avisou Romeo friamente, calculista.
Eu podia imaginar a cena que se passava em sua cabeça. Roberto olhou
com uma expressão irritada.
― Não estou interessado nessa negociação se for para eu sair perdendo,
me desculpe, mas tenho que voltar para dentro ― Roberto se virou e, nesse
momento, Romeo o puxou pelo braço, passando sua faca afiada na mão em
que ele segurava o charuto, decepando sua mão bem no punho.
Os soldados se agitaram e entramos em ação. Três deles foram
eliminados pelos atiradores de elite e os outros dois por mim e Giovanni,
sem barulho, com tiros precisos e limpos. Romeo passou por trás de
Roberto, segurando-o e tampando sua boca para não chamar atenção para
nós.
― Sabe qual foi o seu erro? Referir-se à minha mulher. Ela é minha e
não aceito que qualquer filho da puta pense em tê-la. Nosso acordo é o
seguinte: eu vou te torturar e meu amigo Matteo vai te matar ― Romeo
sussurrou em seu ouvido, enquanto eu me mantinha à frente deles.
Roberto arregalou os olhos ao me ver.
― Oi, titio, vamos passear? ― perguntei sorrindo, enquanto ele gemia
de dor.
Seguimos para o meu galpão, onde eu costumava realizar torturas.
Estava todo preparado para receber meu ilustre convidado. Roberto estava
amordaçado e quase desfalecido devido à dor e à perda de sangue ao ter a
mão decepada.
Ordenei que o médico estivesse presente, pois eu queria me divertir com
Roberto e não queria que ele morresse rápido. Ele estava ali para mantê-lo
vivo, injetando a quantidade necessária de adrenalina.
O médico injetou adrenalina em sua veia e Roberto deu uma reação. Eu
queria que ele estivesse bem acordado para ver o que eu faria com ele.
Giovanni estava de pé, encostado na parede, Romeo sentado ao lado da
minha mesa de objetos de tortura. Quando o médico terminou o processo de
reanimar Roberto, ordenei que o amarrassem às correntes penduradas no
teto. Ele estava abrindo os olhos quando me viu, já amarrado pelos braços e
pernas.
Peguei um maçarico e acendi um cigarro, me permitindo fumar em
comemoração. Caminhei em sua direção, parando em frente ao seu rosto e
soltando a fumaça.
― Você realmente achou que poderia me trair e sair ileso? ― aumentei a
chama do maçarico ao máximo e cauterizei seu braço onde a mão não
existia mais.
Ele gritou de dor, urinando nas calças e tremendo.
― Seu desgraçado de merda! ― ele gritou, cuspindo sangue acumulado
em sua boca. Romeo deu uma surra nele até trazê-lo até aqui.
― Eu imaginava que ele fosse um rato, mas um rato fraco que mija nas
calças me surpreendeu ― Romeo falou rindo, enquanto me entregava um
copo de uísque que eu nem vi ele colocar. Bebi de um só gole.
― Vocês acham que acabou? Estão muito enganados. Pode me matar,
vou morrer feliz, sabendo que sua vida será infeliz pelo resto dos seus dias
― Roberto gritava a plenos pulmões.
― E por que eu seria infeliz? Se tenho tudo o que você sempre quis?
Uma família, filhos, uma mulher, um trono, um império... coisas que você
nunca terá. Então vamos agilizar nossa conversa. Quero os nomes dos
traidores que estavam com você nisso. Sua morte será rápida e indolor ou
será longa e agonizante ― sentei-me à mesa ao lado de Romeo, olhando
para Roberto.
― O trono e o império, você até pode ter, mas mulher e filhos... será que
ainda tem? ― ele disse sorrindo, ao mesmo tempo em que o celular de
Giovanni tocou.
Ele atendeu, franzindo a sobrancelha. Um sinal de alerta acendeu em
minha cabeça. Meu coração disparou. Roberto gargalhava alto como um
lunático. Olhei para Romeo, cujo olhar estava fixo em Giovanni, que olhou
para nós, gritando.
― Mas nem por um caralho! ― nesse momento, meu coração já sabia
que meus bens mais preciosos estavam em perigo.
― Beatriz, fale devagar! ― fui em direção a Giovanni e peguei o celular
de sua mão, exatamente quando Beatriz gritava entre soluços e choro. ―
...Esconderijo, ela disse algo sobre um informante e não responde às
mensagens. O telefone da mansão toca até cair. Pelo amor de Deus,
Giovanni! Cadê o Matteo, caralho? ― Beatriz estava histérica. Nem percebi
que havia caminhado em direção à parte externa do galpão, onde os carros
estavam.
Romeo e Giovanni me seguiram.
― Estou aqui. Me conte tudo desde o começo e envie sua localização
agora! ― nesse momento, lembrei que meu celular estava descarregado.
Não poderia agir com desespero, tinha que ser calmo e agir com frieza.
Roberto não iria me contar o que ele havia feito. Eu só perderia tempo com
ele, e tempo é algo que eu não tenho agora.
Aconteça o que acontecer, minha mulher e meus filhos serão salvos,
mesmo que eu precise queimar a cidade
Não esperei nem o motorista entrar no carro. Com o celular apoiado em
meu ombro, conversava com Beatriz, que estava a caminho da mansão com
Miguel e Madalena. Seguíamos a 120 km por hora, sem me importar com
semáforos ou pedestres. A única informação que chamou minha atenção foi
a confirmação de Beatriz de que eles estavam lá. Tudo estava como deveria
ser, sem nenhum alerta de invasão na mansão.
― Isso tudo é muito estranho. Não recebi nenhum alerta de invasão na
mansão, tudo está como deveria ser.
― A menos que a casa não tenha sido invadida. Eles já estavam lá
dentro ― Romeo constatou, sério, conferindo o pente de sua arma.
― Me passa o celular, Matteo. Deixe-me falar com Beatriz. Você está
em choque ― E eu realmente estava.
As informações que chegavam ao meu cérebro eram filtradas para que
apenas a parte deles estarem vivos me interessasse.
― Beatriz, leia a mensagem que Gabriela enviou, por favor, com calma
― ele colocou a chamada no viva-voz, e Beatriz leu a mensagem.
― Ela enviou em nosso grupo assim: “Estamos em perigo, por favor,
venham salvar as crianças. As escondi em um fundo falso no quarto. Dante
está assustado. Por favor, não demorem. Vou tentar atrasá-los, avisem ao
Matteo que Carmen é a informante, ela rendeu todos os funcionários da
casa. Amo vocês para sempre.” Ela... Meu Deus, minha irmãzinha. Por
favor, diga que vocês já chegaram ― eu soquei o volante.
Aquela maldita da Carmen. Eu vou torturá-la pessoalmente. Sua morte
será por minha conta. Beatriz tentou ser forte, mas sua voz embargou.
― Estamos na rua da mansão, e vocês? Porra! Carmen, sua desgraçada.
Sempre senti algo estranho sobre aquela mulher ― Giovanni respondeu
enfurecido, e Romeo se manteve calado.
― Já os vimos, estamos na porta. É estranho não ver nenhum soldado
aqui. Você retirou a segurança, Giovanni? Como aquela maldita fez isso? ―
Descemos do carro imediatamente.
Beatriz, Miguel e Madalena fizeram o mesmo e vieram até nós. Eles
estavam vestidos para sair, as duas com vestidos curtos e justos. Pude ouvir
o rosnado de Romeo atrás de mim, mas Beatriz pouco se importou, com os
olhos cheios de lágrimas.
― Vamos entrar. Nós sabemos onde as crianças estão. Já brincamos de
pique-esconde com eles pelos fundos falsos da casa ― Beatriz falou e
Romeo segurou o braço dela.
― Você fica aqui, nós vamos ― Romeo falou, achando que ela iria
obedecer.
― E quem vai me impedir? Você que não, né? Minha irmã está lá
dentro, caralho, e as crianças que ela ama, e nós também. Não vem com
esse papo machista pra cima de mim agora, não ― ela mostrou o dedo do
meio para ele.
― Vamos parar? Chega vocês dois. Como vamos entrar, Matteo? Parece
que tem movimento no jardim ― Madalena falou, ela estava se saindo um
ótimo soldado, pensando em estratégias.
― Vamos nos dividir. Eu vou sozinho para eles acharem que têm
chances ― eu estava conferindo meu pente de munição.
― Tem uma movimentação no quarto das crianças. Três pessoas em
movimento e duas no chão. No andar inferior da casa tem algumas pessoas,
e no jardim também ― Giovanni avisou, com o celular na mão.
Deus me ajude para que nenhuma pessoa no chão seja a minha pequena.
Ele já estava em comunicação com o nosso setor de inteligência. Drones
estavam captando a movimentação, já que as câmeras foram cortadas.
― Podemos descer de rapel, do telhado até a sacada no quarto das
crianças ― Beatriz falou pensativa, olhando para cima.
― Eu subo primeiro pela entrada principal. Se houver soldados, já os
elimino. ― avisei.
― Eu vou pelos fundos com Giovanni, e protegemos a sua retaguarda ―
Madalena falou, olhando para Giovanni, que estava com um sorriso
orgulhoso.
― Eu posso ir para os aposentos, verificar o que aconteceu com os
soldados que deveriam estar de plantão. Me encontro com os soldados de
Romeo e cercamos a mansão para nenhum filho da puta fugir ― Miguel
sugeriu, e eu acenei achando uma ótima ideia. ― Volto com ajuda para dar
suporte a vocês. ― concluiu ele.
― Vou com Beatriz, tome ― Romeo entregou uma Glock dourada para
Beatriz.
― Não sabia que você fazia rapel. E obrigada ― ela falou sem graça,
balançando a arma que combinava com seu vestido.
― Era um presente que lhe daria amanhã, mas acho que o momento é
mais apropriado. E sei sim, mesmo se não soubesse, eu iria com você em
qualquer lugar. E não sou machista, só queria proteger você ― os dois se
olharam, e por um milagre, Beatriz não o retrucou pela primeira vez.
― Puta merda, amiga, que irado! Agora você é uma mulher armada ―
Madalena comentou.
― Não sei se devo dizer, mas acho que você cometeu a maior burrada da
sua vida ― Miguel falou olhando para Romeo, que respirou fundo.
Tenho certeza de que ele concordava com Miguel.
― Vamos então, agora é a hora. Os equipamentos de rapel estão no
galpão de treinamento. Vamos em silêncio. Eu vou ditando os pontos cegos
para passarmos, pegamos equipamentos, armas e entramos. ― Dei a ordem.
Saindo do galpão, estávamos preparados para o combate. Olhei aquelas
cinco pessoas se colocando em risco pelos meus filhos, pela minha mulher,
e foi uma sensação boa saber que temos uma família que luta uns pelos
outros. Romeo segurou meu ombro, olhei para ele, agradecendo
silenciosamente. Ele já era parte integrante da nossa família. Estaremos
sempre juntos, somos uma unidade, uma família distorcida, mas uma
família unida.
Cada um foi para o seu posto. Aguardamos o sinal de Beatriz, pois só
entraríamos quando ela já estivesse descendo. O filho da puta colocou seus
mercenários dentro da minha casa. Sua morte vai ser longa e agonizante,
com toda certeza.
Entrei pela porta lateral, que dava acesso à cozinha. Passei pela sala de
jantar em silêncio, em posição de ataque, os braços esticados com a mira da
arma pronta para o primeiro tiro. Usava um silenciador, não queríamos
anunciar nossa chegada.
Encontrei dois homens de costas para mim. Atirei em um e com minha
adaga rasguei a garganta do outro. Eles nem viram a morte chegar.
Passei pela sala, aguardando um sinal de Madalena e Giovanni. A sala
tinha pelo menos seis indivíduos bem armados, aguardando alguma ordem.
Eles entraram atirando, com tiros limpos e certeiros. Aproveitei a distração
e subi as escadas em silêncio.
Um passo à frente do outro, com calma por fora, mas em um turbilhão de
sentimentos por dentro. Só iria me acalmar quando os três estivessem em
meus braços. O silêncio pairava no ar. Eu sabia que estavam no quarto das
crianças, mas não esperava ver a cena que partiu meu coração.
Pela porta, avistei Gabriela, minha pequena. Ela estava no chão, em
posição fetal, desacordada. Seu corpo estava coberto de sangue. Não era
possível ver seu rosto ou um pedaço de pele limpo do líquido vermelho.
Carmen estava de costas para a porta, com dois homens, e não viram minha
chegada. Havia um homem morto no chão. Eu estava em estado de choque,
imobilizado, olhando para minha pequena grande mulher no chão.
― E agora? O que vamos dizer ao chefe? ― Um homem que segurava a
barriga, sangrando, falou ofegante.
-Eu disse só um susto na puta, não era para matar a vagabunda ― Morta,
a minha mulher estava morta.
― Ela me feriu, caralho. Queria que eu deixasse passar? ― Eu não tinha
reação, eu não podia acreditar.
― Agora vocês irão lidar com a fúria de Roberto ― O homem que não
estava machucado falou, e por um minuto tirei os olhos da minha mulher e
olhei para suas mãos, que estavam com os nós dos dedos arrebentados e
sangrando.
― Os planos dele irão mudar um pouquinho, mas não será tão ruim. Ele
vai pegar o bosta do Matteo hoje ― Carmen falou, sorrindo e ainda olhando
para a minha mulher que estava morta no chão. Ela. Estava. Morta.
PORRA!
― Não vai, não. Eu vou estripar vocês junto com ele ― falei, mirando
minhas duas armas para eles.
Quando vi o movimento das sombras de Beatriz e Romeo entrando pela
varanda do quarto, chutando a porta e estourando os vidros, os estilhaços
voaram pelo quarto em cima dos três, que não tiveram reação além de
proteger seus rostos.
― Você está morto, Matteo, igual a sua puta. Só não caiu ainda ―
Carmen falou, mirando a arma para atirar em mim, mas Romeo acertou seu
ombro.
― Quero todos vivos ― falei a Romeo, que trocava tiros com os três.
Beatriz lutava com Carmen, que não desistia de tentar sair viva daqui.
Caminhei entre eles, pouco me importando com os tiros e com a luta
corporal. Os tiros passavam por mim como um zumbido em meus ouvidos.
Eu só queria chegar até ela, sentir o cheiro dela, a maciez de sua pele, o
calor de seu corpo próximo ao meu, ouvir sua voz.
Me agachei ao lado de seu corpo e a puxei para o meu colo. Ela estava
mole como uma boneca. Seu corpo não tinha calor. Sua pele só tinha o
cheiro do seu sangue. Seu rosto estava desfigurado. Eu a chamei, mas ela
não respondeu. Sua voz não estava ali. Não era a minha Gabriela. Não era a
minha doce e pequena mulher.
― GABRIELAAAAAAA ― Gritei com toda a minha alma, com toda a
minha dor, segurando-a em meus braços como uma criança, embalando-a e
alisando seus cabelos molhados de sangue. ― Por favor, não. Por favor,
volta pra mim. ― Eu pedia desesperado.
― Não, não, não, por favor, não me diga, por favor ― Beatriz falava ao
meu lado, abraçando a irmã que estava em meus braços e puxando-a para os
seus.
Eu deitei minha cabeça em sua barriga, chorando lágrimas de sangue
pela vida perdida da única mulher que amei na vida.
― Irmã, por favor, fale comigo. Por favor... Eu juro que vou me
comportar. Não vou mais te deixar preocupada. Acorda, por favor... Você é
minha família, esqueceu? Você me prometeu, Gabriela... Me prometeu que
nunca me deixaria... Uma pela outra, sempre, lembra? Por favor, irmã, volta
pra mim, por favor ― Beatriz soluçava e se engasgava, alisando o rosto da
irmã.
Meu coração estava em pedaços. Eu precisava encontrar meus filhos. Eu
tinha que encontrá-los, mas não conseguia largar o corpo da minha mulher.
Olhei para Beatriz e ela me abraçou e nós dois abraçamos o corpo de
Gabriela, sem vida, no chão daquele quarto onde vivemos tantos momentos
felizes. Hoje, vivo o pior momento da minha vida.
Um braço forte me tirou de cima do corpo da minha mulher. Ouvi
Beatriz espernear e gritar para soltá-la, mas não me importava com o que ou
quem era, só queria ficar o máximo possível com minha mulher.
Dei socos e chutes em alguém que não enxergava. Eu estava cego de
raiva, de ira, de tristeza. Eu queria matar alguém. Só queria matar alguém.
Ouvi meu nome ao longe, mas não me reconhecia naquele chamado.
― Matteo, Matteo, porra, sou eu ― uma voz falava.
― Matteo, para, volta pra nós ― outra pessoa pedia.
― Matteo, ouça a minha voz, irmão. ― Eu parei por um instante para
respirar.
Eu não sabia que precisava respirar até sentir a necessidade de ar em
meus pulmões.
― Calma, irmão. Olha para mim, respira fundo, olha nos meus olhos. ―
Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, mas reconheci a voz de
Giovanni.
Eu estava fraco, pouco me importava quem estava ali me vendo nesse
estado. Eu mataria todos.
― Volta para nós, por favor ― Ouvi a voz de Madalena.
Olhei para o lado e vi as duas amigas ajoelhadas ao lado do corpo de
Gabriela, estendido no chão. Romeo estava em cima dela, fazendo
massagem cardíaca com as duas mãos, uma em cima da outra. O som da
força que ele aplicava sobre o coração de Gabriela era alto, ele suava.
Quando o médico chegou acompanhado de Miguel, jogando a maleta no
chão, ele foi para cima da minha mulher e continuou a massagem.
Eu estava deitado com três pessoas me segurando. Giovanni estava
sentado em minha barriga, segurando meu rosto, com as pernas prendendo
meus braços no chão. Olhei para ele e ele viu em meus olhos que eu havia
voltado à realidade.
― Irmão, calma, respira. Vou te soltar, tudo bem? Sua mulher ainda está
viva. Estamos tentando reanimá-la, mas precisamos nos acalmar. Me
garante que voltou a si? ― Apenas acenei com a cabeça.
Os soldados saíram de cima de mim. Eles estavam com os rostos
sangrando, e um deles tinha o nariz quebrado. Giovanni estava com a boca
e a sobrancelha machucadas.
― Calma, temos muito o que fazer ainda. Vou te soltar, mas você precisa
estar bem para ajudar Gabriela. Me promete? ― Ele perguntou novamente.
― Sim, porra, me solte. Não sou criança. ― Falei nervoso.
Queria ir até minha mulher. Ela estava viva.
― Não é criança, é um homem que precisou de quatro pessoas para te
segurar e ainda assim machucou as quatro e a si mesmo. ― Sua voz era de
pesar e repreensão ao mesmo tempo. ― Nunca te vi fora de si desse jeito.
― Giovanni estava saindo de cima de mim.
Eu não me levantei, apenas me arrastei até o corpo da minha mulher e
Romeo segurou meu ombro.
― Deixe o médico fazer o trabalho dele. Ela é sua pequena grande
mulher, lembra? Ela é forte e vai sobreviver a isso também. ― Olhei para
ele, que parecia exausto,
Eu precisava encontrar forças, ela merecia que eu fosse forte, meus
filhos também.
― Ela voltou, me ajudem a colocá-la na cama ― Levantei-me e fui em
direção a ela.
Peguei Gabriela no colo e ela parecia tão mais leve, tão frágil. Levei-a
para o meu quarto, em frente ao quarto das crianças, e a deitei na cama,
nossa cama.
― Preciso de espaço para examiná-la ― Antes que eu pudesse falar que
ficaria, três enfermeiras que trabalhavam com ele entraram no quarto e
foram em direção à minha mulher.
― Não adianta o senhor ficar. Ela voltou a respirar, mas está
desacordada. Preciso examiná-la e saber o que podemos fazer. Eu vou
cuidar dela, prometo ― Não respondi, mas senti Giovanni e Miguel me
puxaram para fora do quarto. Ainda estava atordoado.
― Eu sei o que está sentindo, acredite, eu estou sentindo em dobro. Ela é
uma parte minha. Mas temos que encontrar as crianças. Elas devem estar
assustadas ― Beatriz foi mais forte do que eu e me mostrou que sim, eu
tinha mais dois corações batendo fora do peito, que também precisavam de
mim.
Entramos no quarto e olhamos ao redor. Alguém havia retirado aqueles
vermes daqui e esperava que tivessem seguido as minhas ordens. Eles iriam
sofrer mortes violentas e lentas.
Começamos a gritar, chamando pelos nomes das crianças, mas elas não
respondiam. Beatriz não se lembrava em qual parede estava o fundo falso.
Tateamos as paredes em busca de uma brecha, pois essa casa tinha muitos
fundos falsos.
Romeo disse que buscaria uma marreta e eu quebraria essa merda até
encontrá-los, foi então que Miguel se lembrou de que Gabriela costumava
arrastar uma cômoda. Miguel e Giovanni a removeram, enquanto Beatriz e
Madalena apertaram um pequeno relevo na parede. A parede se abriu e o
que meus olhos viram partiu meu coração.
Dante estava sentado, encostado em um travesseiro, com fones de
ouvido. Nina estava em seu colo, também com fones nos ouvidos, enquanto
Dante a abraçava e fazia carinho em suas costas. Ele me olhou com os olhos
cheios de lágrimas, sorrindo e procurando alguém com os olhos.
― A brincadeira acabou? Cadê a tia Gaby? ― Lágrimas escorreram pelo
meu rosto. Agachei para abraçar os dois.
― Eu amo tanto vocês, Deus, como eu amo vocês. ― Falei, pegando os
dois no colo.
― Nós ganhamos a brincadeira. Vamos contar para a tia Gabyzinha que
a bruxa não nos achou. Nós não tiramos os fones em momento algum.
Ficamos invisíveis. ― Dante falou, e meu coração se partiu em milhões de
pedaços. ― E eu fui muito corajoso. Cuidei da minha irmã para ela não
tirar o fone dela, não é, Nina? Fui forte como vocês, papai. ― Dante
concluiu, terminando de acabar com a minha estrutura.
Ele só não sabia que o que Gabriela fez, salvou meus filhos e a levou à
beira da morte. Ouvi um soluço alto e vi Beatriz saindo pela porta.
― Estou muito orgulhoso de vocês, mas agora temos que prender a
bruxa, ok? Vamos sair daqui, mas quero que fechem os olhos. Só abram
quando eu pedir, pode ser? ― Eles não podiam ver a quantidade de sangue
e coisas quebradas que havia naquele quarto.
Giovanni pegou Dante do meu colo e deu um beijo em sua cabeça.
― A brincadeira não acabou, papai? ― Dante perguntou curioso.
― Só acaba quando chegarmos no quarto do tio. Vamos jogar
videogame, o que acha? ― Giovanni perguntou, e Dante concordou.
― Quero pintar com a tia Madá. ― Nina falou, pedindo colo.
Madalena a pegou rapidamente no colo, saíram pela porta com os olhos
fechados. Beatriz olhava para a mancha de sangue no chão onde Gabriela
estava, Romeo a abraçou de lado e ela não rejeitou o abraço. Ela chorava,
mas não soluçava. Era um choro de raiva.
― Você foi incrível. Ela vai ficar bem. É forte como você. ― Romeo
não tinha muito jeito com as palavras, mas acertou em cheio.
Ela o olhou, agradecendo, e depois se virou para mim.
― Quero que a tortura deles seja a pior da história da máfia. Todos eles.
Quero que sofram até o fim, até o último suspiro. ― Concordei com a
cabeça.
Estava orgulhoso dela, mas não sairia dessa casa até ter notícias de que
Gabriela estava bem.
― Essa é a minha garota. ― Romeo falou, orgulhoso.
― Sua o caralho. ― Beatriz falou e se afastou dele.
― Bom, eu não me importo de extravasar sua raiva em mim. Melhor
assim do que triste. ― Saí indo em direção ao meu quarto. Não sairia da
porta até ter notícias.
Sentei-me no corredor em frente à porta do meu quarto, com a cabeça
baixa e as mãos nos joelhos. Acendi um cigarro, deixando a nicotina tentar
acalmar o meu corpo, que ainda estava quente. E tive uma conversa com
Deus. Eu não era merecedor de nenhum pedido. Não havia pecado que eu
não tivesse cometido, eu era o maior pecador de todos, mas minha pequena
não, ela não. Ela era boa, doce, seu coração era bom. Pedi, com toda a
minha alma, que se houvesse um Deus, se houvesse realmente uma
entidade, que olhasse pelas pessoas boas no mundo, que olhasse para a
minha mulher nesse momento.
Eu cumpriria toda a minha cota de erros da minha vida quando fosse a
hora, mas agora não. Ainda tinha muito a viver. Prometi que a faria feliz.
Eu era um egoísta que a queria só para mim, e a envolvi nesse mundo, mas
nunca mais permitiria que alguém encostasse um dedo nela. A porta se
abriu e o médico saiu de lá com o olhar cansado.
― Senhor Rocatti, eu...
― Não, por favor, não me diga. ― O medo me atingiu novamente.
― Eu preciso olhar o seu ombro, parece que o senhor está machucado,
veja o sangue escorrendo. ― Olhei para o meu ombro, nem sentia a dor
nem o sangue, devo ter sido baleado no quarto.
― Não, me diga sobre ela primeiro, eu não sou importante.
― Tudo bem, ela está estável agora. Presumi que o senhor não queira ir
para o hospital, então pedi ao Giovanni que providenciasse o equipamento
necessário para a sua recuperação ― Meu Deus, ela estava viva. ― Ela vai
precisar de respiradores, pois o corpo entrou em choque devido à dor e aos
ferimentos, está viva, mas ainda não reage pois está em coma, senhor. ―
Meu mundo desmoronou novamente.
― Em coma? ― Era como se a terra se abrisse sob meus pés.
― Sim. O corpo entrou em choque e não voltou, é uma forma do seu
subconsciente de protegê-la. Agora vai depender dela, fiz tudo o que podia
fazer. Vamos monitorá-la 24 horas por dia. Ela é jovem e forte, vai se
recuperar.
― Me conte tudo o que ela sofreu. Eu farei em dobro com aqueles
infelizes, todos eles. ― Meu nível de ódio estava transbordando.
― Ela está com os dedos da mão direita quebrados, todos eles. Tive que
colocá-los de volta no lugar, junto com a perna esquerda, três costelas
quebradas, nariz e maxilar. Ela tem escoriações por todo o corpo, cortes nos
supercílios e um corte na lateral do abdômen, provavelmente feito por uma
faca. Ela foi espancada brutalmente, senhor. Ela aguentou coisas que muitos
soldados não aguentariam. ― Meu Deus, eu tinha tanto material para
trabalhar nesses desgraçados. Vou vingar você, minha pequena.
― Ela foi... ela foi est... ― Não consegui terminar a pergunta que tanto
temia.
― Não, senhor. Eu examinei e, graças a Deus, não, ela não foi
violentada sexualmente. ― O alívio me atingiu.
― Faça o que tiver que ser feito, contrate quem precisar. Minha mulher
precisa se recuperar bem.
― Claro, senhor. Agora deixe-me olhar o seu ombro. ― Permiti que ele
o fizesse. Em seguida, passaria a noite ao lado da minha mulher e meus
filhos.
Quando ela estivesse bem, eu iria me vingar daqueles malditos. Eles
despertaram a besta que vive dentro de mim, e isso nunca é bom.
Tomei um banho no quarto de hóspedes, não me deixaram entrar no
quarto para ver a minha pequena. Queria bater nos soldados que Giovanni
colocou para me impedir de entrar. Segundo ele, eu precisava me acalmar.
O médico estava fazendo os procedimentos e verificando tudo o que era
necessário para a recuperação da minha mulher. Eu entendi, mas não
aceitei. Eu sei que Gabriela precisa do melhor de mim neste momento, mas
não suporto essa distância.
A limpeza da casa já está em pleno andamento. Temos uma equipe de
soldados especializados na remoção de sangue, corpos e tudo o que possa
nos ligar a qualquer cena de crime. Não sei como será quando Gabriela
acordar, porque ela vai acordar. Se ela não quiser ficar aqui, eu comprarei
outra mansão para ela. Duas, três, quantas ela quiser. Meu propósito de vida
será fazer minha pequena feliz.
Os três infelizes que machucaram minha esposa já estão no galpão de
tortura, juntamente com Roberto e os soldados que tiveram a má sorte de
ainda não morrerem. Eles estão sob os cuidados de Romeo e meus
soldados, que já os deixaram amarrados, de pé e de braços, para
sobreviverem com pão e água até que minha esposa acorde. A tortura deles
começa hoje, tanto física quanto psicológica, que é a minha preferida.
Roberto não me viu, não me ouviu. Sua mente projetará mil e uma cenas de
como será o seu fim. A ordem é que ninguém pronuncie uma palavra para
eles.
― Filho, como estão meus netos? ― meu pai me perguntou assim que
entrei em meu escritório, um dos ambientes da casa que não foram afetados.
― Bem, dentro do possível. Estão com Margô e Madalena. ― segui para
o bar em busca de uma boa dose para aliviar meus músculos.
Aquela desgraçada da Carmem dopou todos com sonífero em café, água,
comida, tudo o que podia ser utilizado. Especialistas já testaram tudo que
havia na casa, e mesmo assim mandei jogar tudo fora, todo e qualquer
alimento que estivesse aqui. Margô não foi ferida, mas foi amarrada
juntamente com Paulo. Ela já está tranquila com a situação. Para quem vive
no nosso meio, situações como essas tornam-se um tanto mais fáceis de
lidar.
― E a Ragazza? ― a pergunta foi feita com um tom de pesar em sua
voz. ― Fiquei sabendo de tudo. Ela salvou meus netos. Tenho uma dívida
eterna com essa moça. ― sua afirmação era verdadeira. Meu pai é um
homem correto e vai me ajudar nesse momento.
― Sim, nós temos. E você pode começar a pagar sua dívida não criando
problemas com a nova Sra. Rocatti.
― Você tem certeza disso? Não será fácil inseri-la em nossa
organização. Nem todos vão aceitar, e uma guerra pode começar.
― A guerra já começou, papai, só o senhor ainda não percebeu. Vou
lavar as ruas de Portugal e Itália com o sangue dos traidores que estão na
organização, e os desgraçados que ousarem falar da minha mulher terão o
mesmo destino. ― Virei uma dose de uísque, peguei outra e trouxe a
garrafa para a minha mesa, acendi um cigarro, mesmo assim meus
músculos não relaxaram. Eu precisava estar com minha mulher antes de
tomar qualquer atitude.
― Eu te apoio, meu filho. Estarei ao seu lado sempre. ― Meu pai
respondeu com sinceridade em seu olhar. ― Não me conformo em não ter
percebido a traição de Roberto. Droga, ele é meu irmão. ― Ele se levantou
e pegou um copo, servindo-se da minha garrafa.
― Você não teve culpa, tio. Ele era um manipulador. - Luigi falou sobre
o pai, e eu lembrei da missão que o mandei.
― Me perdoe, meu sobrinho. Eu deveria ter sido mais firme com ele.
Assim você não teria sofrido tanto. ― Meu pai falou, segurando os dois
lados do rosto de Luigi.
― Não, meu tio. Tudo tinha que acontecer como tinha que acontecer,
certo? ― Eles se abraçaram, e o silêncio tomou conta do escritório.
― Sua missão foi concluída? ― Perguntei, tragando meu cigarro, que
queimava minha garganta com a fumaça. Eu estava apático e sem energia.
― Sim, senhor. Achei melhor deixá-las em segurança no meu
apartamento, até a poeira abaixar. ― Estranhei a medida tão drástica, mas
não falei nada, sua casa era seu templo, ele nunca levou mulher alguma lá.
― Matteo, elas estão muito machucadas. O filho da puta deu uma surra
nelas antes de virem para Portugal. Vou pedir para o médico vê-las.
― Claro, traga-as para a mansão, se quiser. ― Ele inclinou a cabeça para
o lado, como se estivesse testando o movimento.
― Não, elas são minha responsabilidade agora. Vão ficar comigo, claro,
se você permitir. ― Havia algo aí, mas não vou me aprofundar no assunto,
pelo menos não por enquanto.
― Ok, preciso de vocês. Hoje vamos caçar, meus irmãos. Faremos uma
faxina, não restará um traidor ou alguém contra o meu comando nas
próximas 72 horas. Giovanni, mande nossa inteligência hackear e localizar
todos os membros do conselho, aliados e soldados da máfia. Será fácil, a
maioria está na cidade para o evento. Ninguém entra e ninguém sai da
minha cidade. ― Ordenei, virando a dose.
― Considere feito, senhor. Eles não vão escapar. ― Giovanni
respondeu.
Olhei para o meu pai e antes mesmo de falar, ele já se levantou,
arrumando o terno de três peças.
― Não precisa dizer nada, meu filho. Limpe a casa daqui, e eu limparei
lá na Itália, e apesar de não ter me informado sobre minha cunhada e minha
sobrinha, eu estou ao seu lado. Vamos proteger as duas. ― Não esperava
menos do homem que me criou. ― E filho, tenho muito orgulho do homem
e líder que você se tornou. Vamos limpar nossa casa, eu ainda sigo os
métodos antigos, não tenho essas modernidades de vocês, então tenho que
correr. ― Ele se despediu e me deixou lidar com a situação à minha
maneira.
― Espalhem boatos sobre o meu casamento com Gabriela. Vamos ver
quem vai se colocar contra. Vou subir e ficar com a minha mulher. Quando
estiver tudo pronto para a caçada, me avisem. ― Saí deixando as ordens.
Eu caçaria à luz do dia, pouco me importando com qualquer um. Eu
tinha sede de vingança.
Subi as escadas com as pernas bambas. Nem me lembro da última vez
que me senti assim, ou se algum dia me senti. Tinha soldados de confiança
na porta, fazendo a segurança da minha mulher. Parei por um instante,
respirando fundo. O médico saiu junto com as enfermeiras, me passou um
relatório sobre o estado dela, e disse que só dependia da recuperação dela e
dos medicamentos agora. Uma enfermeira ficaria na casa para cuidar dela
quando eu não estivesse presente, mas quem iria cuidar seria eu. Respirei
fundo e me forcei a colocar a mão na maçaneta.
Fechei a porta nas minhas costas, encostando-me nela. Coloquei as mãos
nos bolsos e fiquei por bons minutos, que mais pareceram horas,
observando a minha mulher deitada naquela cama. Seus braços estavam
esticados para baixo, um lençol cobria seu corpo até os seios. Ela tinha uma
bolsa de soro e uma máscara de oxigênio em seu rosto. Uma máquina
emitindo um bip constante estava ao lado da cama. O quarto parecia uma
ala de hospital, não era mais o quarto onde passei os melhores momentos
com a minha pequena.
Me aproximei da cama, ajoelhando-me ao lado do seu corpo inerte, sem
o calor que exalava, sem a alegria que ela tinha. Percebi meus ombros
tremendo, meu peito doendo, minhas mãos tremiam e suavam frio. Meu
rosto estava molhado de lágrimas. Me permiti soluçar e chorar alto, como
uma criança. Seu rosto estava muito inchado, seus dedos da mão enfaixados
com talas para mantê-los no lugar. Havia pontos acima das sobrancelhas.
Não havia uma parte de sua pele sem um hematoma.
― Me perdoe, por favor, meu amor. Me perdoe por não conseguir
protegê-la, por não estar aqui por você. Volta pra mim, volta pra nós. ― Eu
não conseguia formular uma frase sem um soluço me atrapalhar, mas
precisava dizer a ela tudo, ela tinha que me ouvir. ― Você salvou as
crianças. Eles estão bem, estão procurando por você. Eles não aceitam que a
brincadeira acabe sem você aqui. Devo minha vida a você, meu amor. Por
favor... pequena... por... favor... ― Era mais forte do que eu. Como pode
doer tanto? Como posso não sentir minha alma?
Sem ela, eu não tinha alma, não teria vida.
― Deus! Se você existe, se você realmente olha por alguém neste
mundo, eu lhe peço, eu EXIJO, se existe um Deus, se você está aí em cima,
olhe por Gabriela. Ela não merece isso, ela é boa demais, já sofreu demais
sem merecer. Me responda, caralho, DEUSSSSSSSSSSS! ― Eu gritava e
soluçava. Quando dei por mim, estava com a cabeça na barriga de Gabriela,
abraçado ao seu corpo.
Um braço delicado me abraçou por trás, e senti mais mãos ao meu redor.
Quantas eram, eu não sei, mas posso afirmar que foi o abraço com mais
sentimentos que já recebi. Todos nós chorávamos, e no círculo que fizeram
ao meu redor, percebi que Deus pode não vir pessoalmente, mas enviou
pessoas que estariam aqui comigo e com Gabriela: nossa família. Torta,
distorcida, mas minha família. Beatriz e Madalena soluçavam alto, Miguel,
Giovanni e Luigi choravam sem se importar, Romeo olhou profundamente
nos meus olhos, limpou uma lágrima que desceu de seus olhos com o dorso
da mão e me consolou à sua maneira.
― Vamos caçar, meu amigo. Vamos extravasar esse ódio e arrancar
algumas cabeças. ― Ele deu um sorriso sanguinário e virou as costas em
direção à porta.
O peso do coldre era quase o dobro, todos os espaços onde eu poderia
colocar armas estavam cheios. O coldre na perna continha minhas facas e
adagas. Conferi o meu fuzil e a minha metralhadora semiautomática. Hoje,
não queria usar disfarces. Queria voltar com minha camisa branca
encharcada do líquido da vingança. O empresário respeitado e bem-
sucedido ficaria em casa, pois a besta estava indo para as ruas. Que todos
saiam da minha frente, pois eu passaria por cima de quem fosse necessário.
― Prontos? ― perguntou Romeo, girando sua faca karambit butterfly
entre os dedos. Antes que pudéssemos responder, ouvimos o barulho da
porta do galpão se abrir.
― Prontíssimas - Beatriz e Madalena entraram segurando um fuzil e
uma Glock cada uma.
Beatriz portava o presente de Romeo. Ambas estavam vestidas com
roupas pretas justas, cabelos presos em rabos de cavalo e coturnos. Não se
importavam em esconder os coldres que também continham armas e facas
nas costas e coxas. Giovanni suspirou alto, Luigi não disse nada, Romeo
rosnou alto e seguiu em direção à sua noiva.
― Pronta pra quê? Onde você pensa que vai? ― Romeo perguntou no
limite de sua paciência.
― Haja cu para eu tomar nesse caralho! Quem você pensa que é para
achar que te devo satisfação? ― ela perguntou apontando a Glock dourada
que brilhava em sua mão em direção a Romeo.
― A porra do seu noivo, caralho! ― Cada palavra era um passo à frente
que eles davam.
― FO-DA-SE! Você não manda em mim, nem quando eu me amarrar a
você, seu pau no cu. Eu vou e pronto ― Mais um passo, eles estavam quase
cara a cara.
― Você não tem treinamento suficiente para sair em uma caçada como
essa. Não permito que você se coloque em risco ― mais um passo.
Luigi percebeu um risco iminente que Romeo poderia correr e se
colocou em posição de ataque.
― Tenho sim, se bobear mais do que esses soldadinhos de chumbo seus
― Mais um passo.
― Você não vai, caralho! Eu já disse ― mais um passo.
Como em um jogo de tabuleiro, a próxima casa era de Beatriz, e eles
ficariam cara a cara.
― Não fode! Você está achando o quê? Que eu não sei me defender? ―
Mais um passo.
Os ânimos estavam exaltados, mas ninguém se mexia para interferir. Eu
conheço minha cunhada, ela pode ser um pouco agressiva.
― É isso que você quer ouvir? Sim, acho que pode se ferir ― Esse foi o
último grito de Romeo antes do caos se instalar dentro do galpão.
Beatriz colou o corpo em Romeo, respirando ofegante, apontou a arma
em sua têmpora, sem um pingo de medo. Pressionou tão forte que a pele ao
redor já estava ficando vermelha. Todos nos aproximamos, os soldados de
Romeo já estavam em posição de ataque, os dois não piscavam.
― Bea, por favor, estamos aqui por Gaby, vamos pensar nas nossas
prioridades ― Madalena pediu, segurando o braço da amiga, que estava
tenso.
― Talvez a minha prioridade seja ficar viúva antes do casamento. Você
está insinuando que não sou capaz de me defender? ― falou sem piscar,
direcionando seu olhar para Romeo e pressionando a Glock contra a sua
cabeça, que permanecia imóvel.
Os dois pareciam dois pitbulls prestes a atacar.
― Não! Estou dizendo que se alguém lhe ferir, eu faço essa cidade
explodir ― eles se encararam por alguns segundos.
Ela abaixou a arma e bateu a ponta do cano no peito dele.
― E não é isso que estamos prestes a fazer? ― ela falou, sorrindo.
Em seguida, segurou seu ombro e ficou na ponta dos pés, aproximando-
se de seu ouvido e sussurrou.
― E não existe um filho da puta que vá me impedir.
Romeo permaneceu imóvel e ofegante. Beatriz se virou para mim e
olhou nos meus olhos.
― Não é isso que a família de vocês faz? Explodem cidades para se
vingar? Vamos, cunhado, quero voltar logo para minha irmã ― Não havia
uma única pessoa no galpão que não estivesse prendendo a respiração. A
garota seguiu em direção à porta e virou-se.
― Estão esperando o quê, porra? ― Todos nós corremos em direção aos
carros.
Nos carros, dividimos as tarefas. Éramos um comboio de carros, todos
da minha coleção, meus favoritos. Mercedes-Benz Classe G, negros como a
noite. Destacaríamos em cada parada obrigatória. Alguns iriam para hotéis
da cidade, outros para boates, fóruns, laboratórios, consultórios, escritórios.
Todos os lugares onde nossos membros e aliados estivessem, inocentes ou
não. Descobriríamos hoje em quem ainda poderíamos confiar. Todos seriam
trazidos até mim. Reservei nosso maior galpão para receber meus
convidados, mas antes passaríamos pelas residências de luxo dos membros
do conselho que queriam me trair pelas costas. Velhos filhos da puta que
estavam com Roberto.
Em frente à casa de Marcos Bulgari, um antigo membro do conselho e
nosso contador direto, onde todo o dinheiro da máfia passava por ele, o
filho da puta trocava mensagens com relatórios meus e de todo o dinheiro
que eu ganhava.
Passando pela comunicação, eu podia ouvir as ordens de Giovannini.
Entramos pela lateral da mansão do desgraçado, neutralizando os soldados
no caminho. Pulamos um muro alto, com Romeo, Beatriz, Luigi e eu,
enquanto o restante do grupo se dividiu com Giovanni.
Beatriz estava excelente na mira, derrubando três soldados seguidos a
uma distância segura, com silenciador. Romeo protegia nossa retaguarda,
Luigi cobria a minha. Encontramos dois soldados e eu atirei na cabeça de
um deles, enquanto quebrei o pescoço do outro com um golpe limpo.
Entramos pela ala dos funcionários, deixando meus soldados do lado de
fora, enquanto eu passei por uma grande janela de vidro e admirei o
trabalho deles. A grama, antes verde, agora estava tingida de vermelho.
Chegando à biblioteca, ouvimos o soldado, o principal segurança de
Marcos, falando ao telefone.
― Precisamos de reforços, porra. Vou sair pela rota de emergência e
buscá-lo depois, sem que ninguém perceba onde ele está escondido ― ele
iria morrer junto com seu chefe.
Entrei em silêncio e me aproximei do soldado, que estava de costas.
Pressionei minha faca contra sua garganta.
― Onde está seu chefe? ― perguntei, pressionando a faca com mais
firmeza. Seu celular caiu no chão e ele engasgou.
― Você nunca o encontrará ― ele era um soldado leal ao chefe,
admirável. Eu lhe proporcionaria uma morte rápida.
― Eu vou encontrá-lo sim, e você vai me ajudar - os soldados leais
conheciam as senhas e os lugares estratégicos para proteger seus chefes, e
eu sabia onde procurar. ― Onde está o quarto do pânico? Não vou
perguntar de novo ― ele balançou a cabeça, se recusando a falar.
― Não há ninguém aqui, já disse, você nunca o encontrará ― estava na
hora de sua morte rápida.
Cortei sua garganta de forma rápida e profunda, seu sangue jorrou para
frente, me sujando ainda mais.
― Procurem um botão, um fundo falso, qualquer coisa que esconda um
quarto do pânico. Ele está aqui ― ordenei, passando a mão por baixo da
mesa.
Foi quando Luigi empurrou uma estante de livros, revelando uma porta
de aço com um painel escuro e nada mais.
― Esses filhos da puta não queriam a tecnologia que você apresentava,
mas em casa estavam cheios dela. Isso é um leitor de impressão digital, e
pelo que parece também reconhece a íris ― Luigi falou, sorrindo.
O maldito estava lá dentro, eu podia sentir. Olhei para o soldado morto
no chão. Ele abriria essa maldita porta. O barulho lá fora já não existia
mais, meus soldados já haviam eliminado todos. Giovanni, Madalena e
Miguel entraram pela porta, tão sujos quanto eu. Giovanni se aproximou da
porta, sorrindo, com o mesmo pensamento que Luigi. Hipócritas de merda.
― Como vamos abrir? ― Beatriz perguntou.
― Com a impressão digital e íris corretas. ― falei e me agachei ao lado
do soldado morto.
Peguei minha adaga do coldre na perna, estiquei a pele dos olhos dele e
com cuidado inseri a lâmina para não danificar os olhos. Por trás, arranquei
um olho e entreguei para Luigi, que estava ao meu lado. Em seguida, ergui
o braço dele e cortei sua mão na altura do pulso. Nos aproximamos do
painel, posicionei a mão do soldado no lugar certo e o painel foi acionado,
disparando raios para fazer a verificação da íris. Luigi colocou os olhos nas
pontas dos dedos e boom, a porta destravou.
― Não seria mais fácil pegar o corpo do cara e fazer isso? ― Madalena
perguntou.
― Sim, mas aí não teria emoção. ― Giovanni respondeu, sorrindo.
― Por favor, fui ameaçado, me obrigaram, por favor, chefe, não me
mate. ― Droga, eu odeio covardes.
― Vamos conversar. ― Entrei no quarto, onde havia uma cama de
solteiro, estantes com comida e armas, mas o covarde nem se preocupou em
pegar uma.
Peguei-o pelo pescoço e o levei para fora, sentando-o em sua poltrona
atrás da mesa. Ele foi amarrado pelas mãos nos braços da cadeira, e o
desgraçado já chorava de medo.
― Tem algo para me contar, Marcos? ― Perguntei, acendendo um
cigarro e soprando a fumaça em seu rosto. Peguei uma faca e fiz um corte
em sua barriga.
― Não, senhor, não sei de nada. ― ele tremia e chorava.
O maçarico já estava ao meu lado; queimei as pontas dos seus dedos que
estavam abertos nos braços da poltrona.
― Como não? O dinheiro que estava transferindo para Roberto não
significa nada? ― Eles realmente acharam que eu não descobriria?
― Fui ameaçado, senhor, me perdoe, peço clemência. ― Dei um tapa
em seu rosto, tão forte que ele virou o pescoço.
Voltei minha atenção para a faca.
― Seja um homem e aceite seu destino, seu maldito covarde. ― Sua
expressão mudou de medo para raiva; ele sabia que não havia saída.
― Roberto vai te matar e tomar seu trono, seu moleque, e seu pai com
aquele punho fraco também. ― Mal sabia ele que já tinha Roberto sob meu
controle.
― Infelizmente, seu desejo não será atendido. A situação dele no
momento é igual à sua. Vocês dois se encontrarão no inferno. ― Abri sua
barriga da garganta até a virilha, enfiei a mão que não segurava o cigarro lá
dentro e puxei suas tripas e órgãos para fora. Ele deu seu último suspiro e
eu soltei meu primeiro sorriso do dia.
Ouvi alguém vomitar atrás de mim. Era Madalena.
― Está tudo bem? Quer ir embora? Mando levarem você. ― Giovanni
perguntou, passando as mãos nas costas de Madalena. Ela negou, limpando
a boca com o dorso das mãos.
― Está tudo bem. ― ela acenou com a cabeça para mim, e senti orgulho
delas, estavam sendo fortes.
― Deixem o corpo e a casa assim, não mandem limpar. Quero que o
mundo saiba que ninguém deve mexer com minha família. ― avisei,
acendendo um cigarro.
Passamos um total de 48 horas fazendo visitas aos traidores ilustres. Ao
entardecer, Giovanni me avisou que não havia mais traidores, apenas
aliados esperando no galpão. Eu estava limpando a casa e não me
importaria de fazer isso a semana toda. Entre uma casa e outra, ligava para
a mansão para saber atualizações sobre minha futura esposa e meus filhos.
Tudo estava indo conforme o planejado.
Entrei no galpão seguido pelos rapazes e pelas duas mulheres, que não
fraquejaram em nenhum momento. Miguel se manteve firme na linha de
frente. Eles mereciam a iniciação, se assim desejassem, e eu daria a eles a
oportunidade de se tornarem meus protegidos na organização.
No interior do galpão, estavam advogados, juízes, médicos, engenheiros,
policiais, cientistas, políticos, o alto escalão estava presente, e eles sabiam o
porquê.
Os boatos se espalharam como pólvora pelo ar, alegando que fui
capturado essa tarde e que Roberto estava no poder. Um soldado de Romeo,
que ninguém conhecia na cidade, entrou na sala em que eles estavam.
Observávamos tudo de uma sala auxiliar através dos vidros de proteção.
― Estou aqui para informar que o senhor Roberto seguiu o plano. O
antigo subchefe foi capturado e ele aguarda os aliados para testemunharem
a execução de Matteo Rocatti. ― Imediatamente, 10 das 30 pessoas naquela
sala se animaram e deram um passo à frente. Como puderam cair em um
golpe tão infantil? Claro que os outros 20 passariam pelo soro da verdade.
Não quero ratos em minha casa.
Os 10 traidores seguiram o soldado para fora. Eu não queria conversar
nem ouvir pedidos de clemência. Estava com minha metralhadora apontada
para a porta. Quando todos passaram por ela, apertei o gatilho sem piedade.
Eles caíram no chão um por um. Quando me senti satisfeito, parei de atirar.
O soldado trouxe os outros aliados, que me olharam com os olhos
arregalados.
― Sintam-se lisonjeados. Hoje, a morte não quis nenhum de vocês.
Espero que entendam a mensagem. ― Virei-me e segui em direção ao meu
carro.
Era hora de ver meus três amores que deixei em casa.
Sentado no sofá preferido de Gabriela no jardim, com meu fiel
companheiro dos últimos tempos, meu copo de uísque, nos tornamos
inseparáveis há exatos 15 dias, desde aquela noite em que o chão se abriu
aos meus pés. Há exatos 15 dias não ouço a voz da minha pequena, não
sinto seus abraços e beijos. Ela não reage, não há previsão de que acorde. Já
pensei em matar pelo menos três médicos que estavam cuidando dela, todos
especialistas renomados, mas nenhum foi capaz de despertar minha esposa.
Todos têm a mesma resposta: depende unicamente dela sair de seu
subconsciente.
Não vejo Roberto, Carmen e seus comparsas desde aquela noite. Eles
estão presos no meu calabouço especial feito para traidores como eles,
vivendo há 15 dias com pão e água em uma cela que possui apenas um
balde e grades. Dormem no chão frio, sem aquecimento, sem claridade. Seu
único companheiro é a umidade, a escuridão e o silêncio. Apenas Roberto
recebeu atendimento médico por causa da mão decepada, pois não quero
que ele morra antes da hora. Eu direi quando poderá ir conhecer o inferno.
As crianças estão tristes, agitadas e nervosas. Elas vão ao quarto todas as
manhãs, dão um beijo de bom dia em Gabriela, contam histórias e, à noite,
cantam a música que ela costumava cantar para elas dormirem. Às vezes,
permito que durmam na cama com ela, pois os médicos dizem que seria
bom, pois Gabriela poderia ouvir. Minha vida está em pausa e continuará
assim até que minha mulher acorde. Meus negócios estão sendo
comandados por Luigi, as questões da máfia por Giovanni e Miguel, que
estão por dentro de tudo que possa ser útil. Minha única função é estar ao
lado de Gabriela, pois ela não vai acordar sozinha. Beatriz e Madalena estão
me auxiliando nessa jornada.
― Você vai passar o resto dos seus dias dentro dessa casa? ― Luigi
perguntou, sentando-se ao meu lado e pegando a garrafa de uísque que
estava aos meus pés.
― Se for preciso, sim. ― Respondi, decidido a não sair daqui até que
minha esposa esteja bem.
― Estou preocupado com você, você está sendo negligente. ― Ele
olhou para a frente, apoiando os cotovelos nos joelhos.
― Você e Giovanni são meus braços direito e esquerdo, tenho certeza de
que estão se saindo bem. ― Respondi, tragando meu cigarro e vendo a
fumaça se dissipar no céu.
― Não estou falando dos negócios, estou preocupado com você. ― Ele
olhou nos meus olhos e pude ver a sinceridade neles. ― Estou aqui como
seu primo, não como seu futuro Consigliere. Você está descuidando de si
mesmo, está bebendo mais do que o normal, está fumando com frequência e
Margô me contou que não está se alimentando adequadamente. ― Porra,
eles acham que sou uma criança.
― Margô está se tornando uma fofoqueira como o Giovanni? ―
Perguntei com um humor ácido que tem me acompanhado nos últimos dias.
― Ela está preocupada com você, todos nós estamos. Beatriz tem te
visto passar a noite acordado na poltrona ao lado da cama de Gabriela. Há
quanto tempo você não dorme, irmão? ― Era a pergunta de um milhão de
dólares, nem eu mesmo sabia há quanto tempo não dormia uma noite
inteira.
― Não sei, só conseguirei ter uma noite de sono tranquila quando
Gabriela acordar. ― Eu não me permitiria perder nenhum momento ao lado
dela.
― E você acha que ela vai ficar feliz quando acordar e perceber que
você não cuidou de si mesmo? Que você está magro, com olheiras, com um
pé no alcoolismo, fumando como uma chaminé? ― Giovanni perguntou,
me surpreendendo ao se sentar na minha frente. Esses idiotas queriam me
encurralar? ― Aliás, pode continuar assim mesmo. Quando Gaby acordar,
eu estarei à disposição dela. Afinal, você estará feio, magro, alcoólatra. Ela
não vai te querer, e aí vai vir para o papai aqui. ― Ele riu e apontou o dedo
em sua direção.
Eu me levantei para dar um soco nele, mas uma tontura me derrubou de
volta no sofá e Luigi me segurou pelo braço.
― Chega, vamos subir. Você vai tomar um banho, comer e se deitar ao
lado de Gaby. Vamos cuidar de você. ― Não tive tempo de pensar antes dos
dois me carregarem escada acima.
― Não posso deitar na cama, não quero ferir Gabriela. ― Eu tinha um
medo irracional de encostar nela e machucá-la ainda mais.
― Você não vai feri-la, mas vai magoá-la se ela acordar e ver que você
não cuidou de si mesmo. Porra, Matteo, olha a quantidade de peso que você
perdeu. ― Giovanni falou, beirando o nervosismo.
Eles tinham razão, não poderia continuar daquele jeito.
― Vem, vamos para o banho. Não quero ver o seu pau, mas você não
pode ficar sozinho e fraco assim. ― Giovanni abriu a porta do quarto de
hóspedes.
Não queríamos fazer barulho no quarto principal. Luigi desceu para
pedir a Margô para preparar algo. Eu não me lembrava da última vez em
que me alimentei.
Entrei no banho, e Giovanni me esperou do outro lado do box, quando
terminei meu banho, a noite estava quase chegando, horário em que as
crianças cantavam para Gabriela. Queria ser forte o suficiente para aguentar
mais uma noite sem minha pequena abraçada em meu peito. A toalha foi
estendida para mim, enrolei-a na cintura e segui para o quarto. Luigi me
esperava com uma bandeja contendo sopa, suco e pães. Sentei-me na cama
e comi em silêncio. Tomei o suco e olhei para os dois brutamontes parados
em frente à porta, me vigiando.
― Obrigado por isso. ― Agradeci envergonhado. Não queria passar por
isso, mas ainda bem que os tinha ao meu lado.
― Somos irmãos, lembra? Sempre juntos um pelo outro. ― Luigi
respondeu, com os braços cruzados. Giovanni estava com as mãos nos
bolsos, sério, e se aproximou da cama.
― Tenho algo sério para te contar. Espero que esteja mais lúcido agora.
― Não era um bom sinal quando Giovanni falava sério assim.
― Diga logo. ― Coloquei a bandeja na mesa ao lado da cama e peguei
um cigarro para fumar. Luigi me olhou com uma expressão desaprovadora,
mas não disse nada. Ele sabia que era para aliviar a tensão.
― Um traidor do conselho conseguiu fugir do seu pai. Ninguém sabe
onde ele está, mas estamos mobilizando nossa inteligência para rastreá-lo.
Seu pai não gostou muito e disse que prefere a moda antiga, mas aceitou
nossa ajuda. Estou te contando para que você fique por dentro dos
movimentos. ― Aqueles desgraçados... eles parecem baratas, nunca
morrem, sempre sobram alguns perdidos.
― Faça o que for preciso e encontre-o. Quero a cabeça dele. Quanto ao
meu pai, ele não gosta, mas entende que a tecnologia é necessária. E quanto
a Roberto e Carmem, como está a estadia deles? ― Fazia dias que não via
aqueles malditos.
― Eles estão sendo tratados como os filhos da puta que são. ― Giovanni
riu.
― Roberto exige te ver todos os dias. Carmem e os dois soldados pedem
uma morte rápida todos os dias, depois das surras diárias que levam.
Roberto está até aguentando firme. ― Aquele desgraçado deve estar
pensando que vai me pedir perdão e continuar vivo. Engano dele.
― Ótimo, me mantenha informado. Vou me deitar agora. ― Falei,
apagando o cigarro no cinzeiro ao lado da cama.
Me dirigi à porta, mas antes de abri-la, olhei para eles.
― Obrigado mais uma vez. Vocês são meus irmãos e eu pagarei tudo
que fizerem por mim. ― Eu era grato por tê-los em minha vida.
― Vamos cobrar. ― Luigi respondeu com um sorriso triste. A situação
estava afetando todos nós.
― Com juros e correção, meu irmão. ― Giovanni brincou. Ele sempre
se mantinha forte quando os outros estavam desabando.
Acenei e segui para meu quarto. Bati na porta e entrei após a
confirmação de Beatriz.
― Boa noite. ― Falei entrando no meu closet e pegando uma cueca e
calça de moletom. Vesti uma camisa e voltei para o quarto.
― Boa noite. ― Beatriz estava de costas, trocando a bolsa de soro de
Gabriela.
Ela se virou para mim, com o olhar cansado. Temos turnos para cuidar
de Gabriela. Não queremos que fique apenas aos cuidados de enfermeiros.
Todos os dias os médicos vêm, e a enfermeira fica na casa 24 horas por dia,
mas quem cuida dela somos nós, Madalena, Beatriz e eu. Bem, eu até aceito
o turno das duas, mas não saio de casa. Sempre fico por perto. Elas me
expulsam do quarto sempre que podem.
― Como ela passou a tarde? ― Beatriz tinha olheiras sob os olhos, mas
se mantinha firme.
― Bem, da mesma forma que todos os dias. Nada mudou. E você,
Matteo? Quando vai dormir? Você precisa estar bem quando ela acordar. ―
Beatriz se aproximou de mim e eu a puxei para um abraço apertado.
Nós desenvolvemos um carinho um pelo outro, e eu nunca poderei
retribuir toda a força que essa mulher tão pequena e tão forte está me dando.
Ela e Madalena têm minha gratidão, e Miguel não sai perdendo também.
― Não se preocupe comigo, sou forte, e vou dormir agora, prometo. ―
Dei um beijo em sua cabeça, e ela se afastou um pouco, olhando em meus
olhos.
― Ela vai voltar para nós, eu tenho fé. ― Eu esperava que sim. ― Ela é
forte, só está descansando. ― Sorri sem humor. Espero que seja verdade.
― Deixei o banho para você, eu sei que gosta de dar você mesmo. Vou
treinar um pouco para extravasar, depois vou descansar. Quero participar do
"bom dia" dos seus prisioneiros. ― Beatriz e Madalena têm participado das
surras que os quatro miseráveis levam diariamente.
Não me importo, assim ela extravasa um pouco da raiva. Se essas
meninas tivessem nascido na máfia, não seriam tão perfeitas.
― Vai lá, eu vou ficar aqui tentando convencê-la a acordar. ― Beatriz
deu um beijo na testa da irmã e saiu pela porta.
Eu adorava dar banho na minha pequena. Sentia-me mais próximo dela,
em contato com sua pele. Conversava com ela, contava como foi o dia das
crianças, suas travessuras, que haviam voltado com força total e a deixava
cheirosa como sempre foi.
Peguei o pano e o molhei em água morna com os óleos que ela usava.
Passei em todo o seu corpo, com cuidado para não machucar. Alguns
hematomas já estavam sumindo, seu rosto estava menos inchado. Ela estava
mais magra, mas não menos linda. Coloquei seu pijama, penteei seus
cabelos, que estavam enormes como eu gostava. Uma batida na porta me
tirou dos meus pensamentos.
― Pode entrar. ― Meus anjinhos entraram no quarto, carregando a
pantufa de patinha de Gabriela nas mãos. Eles usavam as mesmas pantufas.
― Papai, às vezes a tia Gaby precisa usar a dela para lembrar de acordar.
― Conversamos com eles sobre como a Gabriela estava dormindo e que ela
precisava se lembrar de acordar.
Automaticamente, eles criaram na cabeça deles que a bruxa má tinha
lançado um feitiço nela por protegê-los. Deixamos assim. Não queria que
eles tivessem mais pensamentos ruins.
― Sim, vocês querem que eu coloque nela? ― Perguntei, pegando Nina
no colo e trazendo Dante pela mão, próximo da cama.
― Queremos! Vamos cantar para a tia Gaby, papai, para ela dormir sem
pesadelos. ― Dante falou triste.
Desde a noite do incidente, os pesadelos voltaram com força total. Nós
não os deixamos dormir sozinhos. Cada noite um de nós dorme com eles,
ou os levamos para nossos quartos. Não sei o que seria de mim sem essa
rede de apoio. Miguel, Madalena e Beatriz se mudaram para a mansão, e só
tenho a agradecer.
-Então vamos, porque vocês têm que dormir. Amanhã é um novo dia, e
quem sabe a tia Gaby acorda. ― Coloquei os dois na cama, cada um de um
lado de Gabriela.
Eles abraçaram sua barriga como sempre fazem. Coloquei as pantufas
em Gabriela, e eles começaram a cantar baixinho.
FIM
Que fique claro que sem essas pessoas, este livro não estaria em suas
mãos neste momento. Quero expressar meu agradecimento ao meu marido,
Franz. Sou eternamente grata por seu apoio, por ser meu primeiro leitor e
meu assistente de café durante as madrugadas. Obrigada por cuidar das
crianças muitas vezes, permitindo que eu pudesse escrever. Seu apoio e
incentivo foram essenciais.
Minha irmã, Geane, é minha fonte de inspiração. Ela sempre dizia que
nossa história daria um livro, e aqui está a minha metade. Obrigada por
nunca soltar minha mão.
Meu eterno agradecimento vai para minha primeira leitora beta, Jenifer.
Naquela tarde, enquanto eu tremia de nervoso na janela de sua casa, ela leu
os 10 primeiros capítulos, ainda no bloco de notas do meu celular. Quando
terminou, ela me mandou de volta para casa, ordenando que eu escrevesse
mais. Obrigada, amiga, por acreditar em mim, mesmo quando eu duvidava
de mim mesma. Agradeço também à minha amiga Lilian, que nunca me
abandonou, incentivando-me a não parar de escrever, e à minha amiga
Juliana, que junto com as outras, me apoiaram e animaram quando pensei
em desistir. Passamos noites em claro, esperando por capítulos novos em
tempo real, modificando cenas e aprimorando acontecimentos. Valeu a pena
cada ameaça que minhas betas me fizeram em troca de novos capítulos. A
pressão só aguentei porque vocês estavam ao meu lado. Amo vocês e com
toda certeza do mundo, este livro não estaria pronto se não fosse por vocês.
Sou eternamente grata pela ajuda e apoio que cada um me deu.
[UC1]o traço do dialogo saiu e nao consigo colocar igual aos outros