Você está na página 1de 355

Direitos autorais do texto original copyright © 2023, BRENDA

RIPARDO, ANJO SOMBRIO, HERDEIROS DE SANGUE

Capa: Magnifique ♛ Design


Diagramação: Brenda Ripardo
Preparação de texto/Editor/Revisão: Graci Rocha
Leitura sensível: Saulo Moreira

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desse livro
pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes —
tangíveis ou intangíveis — sem autorização por escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98, punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Este livro segue a norma-padrão do novo acordo ortográfico
da língua portuguesa, mas há muitas abreviações como o "tá", "tô",
“pra” e "pro", de forma que o texto fique o mais natural e verossímil
possível.
Para as minhas amadas e destemidas Marias Mafiosas,
Este livro é para vocês, as verdadeiras donas do coração do
implacável Alejandro Navarro.
Cada palavra escrita aqui é uma homenagem ao nosso amor
pelos romances cheios de mistérios e suspense. Que estas páginas
aqueçam seus corações e envolvam suas almas na história que eu
construí especialmente para vocês.
Obrigada por serem a inspiração e o apoio mais incrível que
uma autora poderia pedir.
Com todo o meu amor e carinho, Brenda Ripardo.
"— Perrita, eu vou te fazer mulher. Minha mulher."
Pérola Sanchez é uma jovem camponesa e desenhista
talentosa que cresceu em Verdellano, uma cidadezinha escondida
no sul da Colômbia.
Curiosa, atrevida, linguaruda e desobediente, ela leva uma
vida razoavelmente tranquila ao lado da sua irmã mais velha e do
seu pai, cuidando do decadente bar da família.
Mas tudo vira de cabeça para baixo quando ela e Pedro, seu
melhor amigo, testemunham um assassinato no meio das vastas
plantações de café da temida Família Navarro.
Para o mundo exterior, Alejandro Navarro é apenas um dos
herdeiros do próspero negócio de café da família, mas no
submundo, é o enigmático chefe do Cartel de Santa Fé, conhecido
entre os membros como Patrón.
Imerso em sua própria escuridão por ter pedido alguém
próximo, ele busca os culpados do crime que abalou a pequena
cidade e acaba se vendo atraído pela inocência e doçura de Pérola,
uma suspeita improvável.
Ele quer a verdade e uma vingança de sangue.
Ela é inocente e corre perigo.
Pérola não deveria se sentir tão atraída por um homem
problemático como Alejandro.
E ele não deveria se importar tanto com a vida de uma
simples camponesa.
Ainda assim, o chefe do Cartel de Santa Fé está determinado
a mantê-la a salvo de tudo e de todos, ao mesmo tempo em que
tenta controlar a vontade sombria de quebrar algo puro e doce como
Pérola.
À medida que o perigo se intensifica e os segredos são
revelados, Pérola e Alejandro são forçados a escolher entre a
paixão ardente que os consome e a lealdade à família.
A história de “Anjo Sombrio” se passa em Bogotá, capital da
Colômbia e, em Verdellano (uma região agrícola fictícia que eu
criei). O Cartel Colombiano retratado neste livro não tem NENHUMA
LIGAÇÃO com qualquer organização criminosa existente.
Você vai notar que “Pablo Escobar” é citado uma vez ou outra
no decorrer desta história, mas não se engane, o enredo não traz a
forma como o líder do Cartel de Medellín trabalhava.
Usei da minha licença poética e criatividade para trazer uma
nova geração de narcotraficantes. Homens inteligentes, muito
habilidosos e que pertencem a alta classe social.
Dentro do crime organizado existe muito machismo, não
importa em que lugar estejamos, por esse motivo, decidi trazer um
pouco de revolução para o enredo. No Cartel de Santa Fé, as
mulheres têm um pouco de voz em certos assuntos, mas isso não
significa que elas não sofram certo tipo de situações desagradáveis.
Lembrando que este livro não tem o intuito de ensinar nada e
nem trazer uma grande reflexão. Apenas, entreter você num mundo
cheio de suspense, reviravoltas e um romance quente.
ANTES DE INICIAR A LEITURA DO LIVRO, SUGIRO QUE
ESTEJA ATENTA ÀS REGRAS DO CARTEL DE SANTA FÉ.

Lealdade Absoluta: Membros devem demonstrar lealdade


inabalável ao líder e à organização. Traição é punida com
severidade.
Sigilo Estrito: Discussões sobre operações e atividades do
cartel são mantidas em sigilo absoluto. Divulgar informações
sensíveis é proibido.
Respeito à Hierarquia: Membros devem respeitar a
autoridade dos superiores. Desobedecer as ordens ou desrespeitar
líderes podem ter consequências graves.
Fidelidade Familiar: Dentro do Cartel de Santa Fé, a
lealdade familiar é valorizada, e os membros da mesma família
ocupam posições-chave.
Proibição de Traição: A traição é vista como algo
imperdoável. Aqueles suspeitos de traição podem ser interrogados e
punidos com extremo rigor.
Punições Brutais: Erros graves ou desobediência podem
resultar em punições físicas ou morte, servindo como exemplo para
outros membros.
Participação na Violência: Membros podem ser obrigados a
participar em ações violentas, como assassinatos, sequestros ou
ameaças, como parte das operações do cartel.
Uso Discreto de Recursos: Evitar chamar atenção
desnecessária para atividades ilícitas, usando recursos do cartel
com moderação.
Código de Silêncio: Membros não devem cooperar com as
autoridades e nunca divulgar informações sobre o cartel, sob
ameaça de retaliação.
Proteção da Família: Os membros devem proteger suas
famílias e serem cautelosos ao envolvê-las nas operações do cartel.
Divisão de Lucros: Uma porcentagem dos lucros deve ser
repassada à liderança do cartel, sustentando sua estrutura e
operações.
Descarte Discreto: Lidar com cadáveres, evidências e
testemunhas de forma discreta para evitar a atenção das
autoridades.
Aprovação para Ataques: Operações importantes, como
ataques contra rivais, devem ser aprovadas pela liderança do cartel.
Vetar Novos Membros: A entrada de novos membros deve
ser aprovada pela liderança para evitar infiltrados ou traidores.
A história a seguir tem gatilhos e temáticas delicadas como
abuso verbal, violência, agressão, tortura psicológica e física,
menção a violência sexual e familiar, familiar, incluindo temas de
consentimento questionável, linguagem imprópria e conteúdo sexual
gráfico.
É necessário reforçar que por se tratar de uma história sobre
o Cartel Colombiano, certas passagens podem ser desconfortáveis
ao leitor, ainda assim, NÃO É UM ROMANCE DARK.
A autora não apoia e nem tolera as ações ilegais e
comportamento de alguns personagens retratados neste livro. A
atenção do leitor é aconselhada. NÃO LEIA SE NÃO SE SENTE
CONFORTÁVEL.
A história narrada nas páginas seguintes, foi escrita baseada
em muito estudo, e claro, usando o bom senso da licença poética e
minha criatividade.

ESTE LIVRO É UM ROMANCE. O FOCO AQUI É O NOSSO


CASAL PRINCIPAL E A CONSTRUÇÃO DO RELACIONAMENTO
DELES.
OBS: Eu escolhi criar minha própria estrutura de hierarquia
dentro do Cartel de Santa Fé. Claro, há coisas parecidas com outras
organizações criminosas, mas decidi adicionar coisas novas à
maneira como o Cartel funciona nesse mundo.

Patrón: É o líder supremo do Cartel, está no topo da


hierarquia e é o responsável por tomar as decisões mais
importantes dentro da organização.
Tenente: É o braço direito do Patrón e assume as suas
responsabilidades na ausência dele. A quantidade de “Tenentes”
dentro do cartel pode variar significativamente, dependendo da
estrutura, tamanho e complexidade da organização. No Cartel de
Santa Fé há mais de um tenente.
Conselheiro Sênior: Ele não tem o poder de tomar decisões
ou interferir nas escolhas do Patrón, mas é um homem de grande
valor e respeitado por todos. Neste caso, o Conselheiro Sênior é o
antigo chefe do Cartel, agora, aposentado.
Advogado do Cartel: Responsável por lidar com questões
legais, contratos e acordos para proteger os interesses do cartel e
seus membros.
Chefe de Operações ou Jefe de Operaciones:
Encarregado de supervisionar as operações diárias do cartel,
incluindo tráfico de drogas, produção, distribuição e segurança.
Chefe de Segurança ou Jefe de Seguridad: Encarregado
da proteção dos membros do cartel, das instalações e do transporte
de cargas, muitas vezes com uma equipe de guarda-costas.
Chefe de Inteligência ou Jefe de Inteligencia: Responsável
por coletar informações sobre rivais, autoridades e outras ameaças
potenciais, bem como pela espionagem.
Chefes Regionais ou Jefes de Zona: Encarregados de
diferentes áreas geográficas ou cidades, responsáveis pela
coordenação das operações em suas respectivas regiões.
Líderes de Gangue: Encarregados de grupos menores de
capangas e soldados, liderando operações locais de tráfico e
proteção.
Capangas e Soldados: Membros de nível mais baixo que
executam tarefas operacionais, como tráfico de drogas, extorsão,
intimidação e outros atos criminosos.
Sicários: Assassinos de aluguel que realizam execuções e
eliminam ameaças à organização.
Informantes: Pessoas que fornecem informações para o
cartel, seja internamente ou sobre rivais e autoridades.
Colaboradores Corruptos: Políticos, policiais, juízes,
empresários e outros que trabalham em conluio com o cartel para
facilitar suas operações, incluindo lavagem de dinheiro, corrupção e
influência.
A série "Herdeiros de Sangue" terá cinco livros no total.
No entanto, é importante notar que a ordem em que os irmãos
nasceram não necessariamente corresponde à ordem em que
os livros serão lançados.
O Cartel de Santa Fé é uma organização criminosa que tece
sua teia de influência no submundo colombiano, com raízes
profundas nas regiões sul e central do país. Fundado décadas atrás,
ele se tornou um dos atores mais influentes no cenário do tráfico de
drogas sul-americano.
Sob a liderança do enigmático Alejandro Navarro, o cartel
estabeleceu um domínio feroz sobre as rotas de narcóticos e
lavagem de dinheiro, consolidando seu poder através de uma
complexa rede de alianças, subterfúgios e segredos.
Na superfície, a família Navarro é conhecida pelo ramo de
exportação de café, mas por debaixo da fachada, usam a sua
habilidade em esconder o tráfico de drogas em meio ao negócio
legítimo de café, uma prática astuta e que permite que a
organização opere sob o radar das autoridades.
O Cartel de Santa Fé é marcado por um emblema
inconfundível: o feroz jaguar rugindo, suas presas manchadas de
sangue e uma coroa majestosa que adorna sua cabeça. Este
símbolo icônico representa não apenas o poder e a autoridade
implacável do cartel, mas, também, a sua natureza indomável.
Assim como o jaguar, o cartel é ágil e insaciável em sua
busca pelo controle de rotas de narcóticos e pela manutenção de
seu domínio.
Mas, como toda fera, há muito mais do que os olhos veem.
Dentro da organização, a fé e o crime, a santidade e a
corrupção coexistem, fazendo com que os limites entre o sagrado e
o profano se tornem cada vez mais turvos.
É nesse contexto complexo que a história dos herdeiros do
Cartel de Santa Fé se desenrola, explorando não apenas as
dinâmicas do poder e da criminalidade, mas também, os segredos
profundos, as rivalidades mortais, a lealdade e a paixão.
Sara Phillips – The Way You Move
Alejandro Sanz – Corazón Partío
Alejandro Fernandez e Beyoncé – Amor
Gitano
Shakira, Maluma – Clandestino
Juanes – A Dios Le Pido
Rodrigo Amarante – Tuyo
Laura Londoño – Unidas para Siempre
Thalía – Piel Morena
Sleep Token – Alkaline
Shakira – Antes de las seis
Shakira – La Tortura
Gloria Estefan – Hoy
Julio Iglesias – O Me Quieres O Me
Dejas
Jennifer Lopez – No me ames
IL DIVO - Regresa a Mí (Unbreak My
Heart)
Michael Bublé – Sway
Thalia – Rosalinda
“Mentiras são necessárias quando a verdade é bem difícil de
acreditar”
(Pablo Escobar)

"Ela não é acida nem alcalina, presa entre o preto e branco.


Muito menos dia ou noite, ela é perfeitamente desalinhada.
Eu estou preso no design dela e em como ela se conecta ao
meu.”
~ Sleep Token – Alkaline
Alguns meses antes...
As barracas coloridas alinham a principal rua da cidade de
Verdellano, onde fica a pracinha, lugar mais movimentado daqui.
Tem de tudo um pouco por essas bandas: artesanatos, frutas
frescas dos pequenos agricultores que têm fazendas ao redor, café
de qualidade e muitas bugigangas.
Sentada à sombra de uma árvore com meus lápis de cores e
caderno diante de mim, movo a mão, misturando as cores, fazendo
traços leves e linhas curvas, capturando a vibrante energia da
pracinha, um dos meus lugares preferidos da cidade.
Alguns passos de distância, uma risada infantil me faz olhar
para o lado. Uma garotinha de cabelos escuros e cachos rebeldes
corre pra lá e pra cá com um balão colorido nas mãos.
Curvo os lábios ao observá-la e sem me dar conta, começo a
desenhá-la no meu caderno. Mas antes de terminar o contorno do
seu corpo pequeno, a minha atenção é subitamente atraída para o
homem que se aproxima dela.
Não preciso de muito esforço para saber quem ele é, porque
qualquer pessoa que more nesta cidade pelo tempo mínimo que
seja, com certeza, sabe quem é o poderoso Alejandro Navarro.
Ele tem uma aura de autoridade e confiança, um olhar letal e
perigoso. Um deus grego materializado em carne e osso.
A altura impressionante de Alejandro faz o meu coração
acelerar e tenho que lutar para não corar sob o peso do olhar
penetrante que o homem direciona a mim depois que passo tempo
demais o admirando.
Num gesto simples ao se aproximar da menina, ele passa
uma das mãos entre os seus cabelos, que são uma tentação e
parecem implorar para serem tocados. É estranho, até consigo
sentir os fios entre os meus dedos.
Ele se ajoelha diante dela e um sorriso sereno brinca em
seus lábios.
Sem perceber, cada traço do rosto atraente de Alejandro
Navarro começa a ganhar vida na minha folha e uma sensação de
adrenalina percorre o meu corpo, mas me deixo levar e desenho os
dois, que parecem se amar tanto.
Há tantos rumores sobre Alejandro e a sua família. Desenhá-
lo aqui me faz sentir como se eu estivesse cometendo um crime.
Uma parte de mim está fascinada pelo perigo, enquanto a outra me
grita para sair correndo.
— O que pensa que está fazendo? — a voz firme e direta
atrás de mim paralisa a minha mão no ar.
Devagar, olho para trás e dou de cara com um homem alto,
dentro de roupas formais e uma carranca que combina muito com a
sua abordagem bruta.
— Nada.
Apresso-me em guardar minhas coisas, mas com apenas
uma mão, o cretino pega o meu caderno para analisar mais de
perto. Seu olhar afiado vai de encontro com o meu rosto e eu sinto
meu estômago revirar.
— Quem te deu permissão pra fazer isso? Não sabe a quem
essa cidade pertence?
— Não me importo, o caderno pertence a mim, porque eu
comprei com o meu dinheiro. Então, me devolva — ordeno,
endireitando os ombros numa postura rígida.
Em vez de me obedecer, ele pega o meu estojo velho com a
outra mão livre e alguns lápis caem no chão, e ele simplesmente
chuta para longe. Aproximo-me e numa tentativa inútil, tento
recuperar as minhas coisas.
— Não quero vê-la mais desenhando coisas sem autorização
nesta praça, entendeu? — grunhe e eu aperto os lábios com força.
— Devolva, Martín e vá para o carro. Giovanna está lá.
Nem percebi o momento exato em que Alejandro se
aproximou, então, assim que a voz rouca e envolvente ultrapassa os
meus ouvidos, envia uma onda de eletricidade direto para o meu
coração.
— Sim, senhor Navarro.
Ele só precisa ordenar uma vez para que Martín barra cretino
me devolva o caderno e, em seguida, se afaste de nós dois. Para a
minha surpresa, Alejandro se ajoelha e junta meu estojo e os lápis
de cores para entregar nas minhas mãos.
— Obrigada — murmuro, evitando olhar nos olhos dele. —
Senhor Navarro — imito o tom de voz do seu segurança.
— Martín é meio indelicado às vezes.
— Ele é um ogro — resmungo.
Respiro fundo e tomo coragem para erguer os cílios para
Alejandro. Seus olhos são como duas esferas profundas que me
prendem de maneira intensa e arrebatadora. Eles dançam sobre
mim, revelando uma faísca travessa que atiça um calor na minha
pele.
— Acho que ele não gostou do que eu estava desenhando.
— Alejandro ergue uma sobrancelha em confusão e eu continuo: —
Espera um minuto? — peço e a única coisa que ele faz é me
encarar, sem entender.
Apoio o caderno no meu antebraço e finalizo o que Martín
não permitiu. A pracinha de Verdellano em cores vibrantes, uma
garotinha sorridente segurando um balão colorido e um homem
lindo ao seu lado, com um sorriso discreto e sereno.
— Para o senhor — sussurro ao entregar o desenho ao
Alejandro.
— Me chame de Alejandro — é o que fala, ruborizando o meu
rosto e arrepiando os cabelinhos da minha nuca.
Concordo com um aceno de cabeça.
— É simples, mas quando vi você com a menina, achei lindo
e comecei a desenhar.
Os olhos claros de Alejandro brilham para o desenho e a
sombra de um sorriso brota em seus lábios bem cheios e
convidativos.
— É um desperdício uma menina tão talentosa quanto você
numa cidade como esta.
Estranhamente tímida, dou de ombros.
— Desperdício? Essa é a sua cidade — as palavras saem da
minha boca antes que o cérebro as processe. O homem me encara
com tanta intensidade, que sinto as minhas pernas se tornando
geleia. — Quer dizer, existem muitos talentos escondidos por aqui,
sabe?
— Aposto que sim.
— Pérola?! — ouço a voz de Safira gritar ao longe.
Sem dizer mais nenhuma palavra, ele assente para mim com
um gesto sutil de cabeça e gira nos calcanhares, me evolvendo com
a sua fragrância intrigante e amadeirada.
— Que merda você pensa que tá fazendo? — Safira
questiona ao agarrar o meu braço e eu sou incapaz de desviar os
olhos de Alejandro, que caminha até o carro estacionado, cheio de
autoconfiança.
— Admirando as belas coisas da vida.
Ela vem para a minha frente, tampando a minha visão e me
segura pelos ombros, me sacolejando com força demais para o meu
gosto.
— Nunca mais olhe para Alejandro Navarro desse jeito, tá me
ouvindo? Ele não é homem pra você — é o que diz, enrugando as
sobrancelhas expressivas, mas os olhos guardando uma mágoa que
não consigo compreender.
— Tá bom, tá bom. Me ajuda a juntar minhas coisas — peço,
ignorando o meu coração batendo descompassado.
Eu sei que Safira tem razão, um homem tão poderoso e rico
como ele não é alguém para uma garota como eu, mas que culpa
eu tenho se aqueles olhinhos são tão lindos e hipnotizantes?
De qualquer forma, não é como se nossas vidas fossem se
cruzar outra vez. Moro nesta cidade há tantos anos e essa deve ser
a terceira vez que o vi tão perto assim. Homens como ele não têm
tempo de sobra para passear em cidadezinhas, mesmo que elas
sejam a principal fonte da fortuna da sua família.
É uma pena.
Seria bom vê-lo mais por aqui.
Bogotá, Colômbia
Há duas coisas na vida que roubam sorrisos genuínos de mi
mamá[1].
A família toda reunida e ganhar diamantes.
— Feliz aniversário, mamá — sussurro ao descansar os
lábios na testa delicada dela, enquanto seus olhos escuros cintilam
para a caixa de veludo que comporta o colar de diamantes que
acabei de dar de presente a ela.
Sob o céu azul claro do imenso jardim, os raios de sol flanam
pela joia extravagante que mantém mamãe deslumbrada e os
convidados com a atenção fixa em nós.
— Ah, niñito[2]... que lindo. É perfeito.
Um som estrangulado escapa da minha garganta, fazendo
todos os convidados na sala de estar rirem.
Não importa quanto poder e dinheiro eu tenha ou quantas
vidas minhas mãos tenham tirado, para minha mãe, eu sempre serei
o seu garotinho.
Talvez por ter sido mãe jovem demais, não acho que o seu
jeito mudará algum dia. Os seus filhos sempre serão bebês que
precisam de proteção e cuidado, como filhotinhos indefesos.
Mamá foi uma moeda de troca no mundo dos homens. Meu
avô precisava de dinheiro e o papá de contatos importantes no
México. Das três irmãs, ela era a mais bonita e, também, a mais
atrevida.
Meu avô sabia que não podia contê-la por muito tempo, então
fez o que achou melhor. Deu a bela filha em troca de dinheiro. Um
negócio depravado e incontestável, aos quinze anos, a mamá se
tornou esposa do meu pai.
Aos dezesseis, ela deu o primeiro herdeiro ao chefe do Cartel
de Santa Fé.
Eu.
— Não me chame assim, mamá, não sou mais criança.
Ela semicerra os olhos grandes e fecha a caixa de veludo
num solavanco, endireitando os ombros numa postura firme ao
mesmo tempo em que ergue o queixo inconformada.
— Você é meu filho, eu posso chamá-lo do que eu quiser —
resmunga com o seu temperamento espevitado de sempre. — É o
meu direito como mãe.
Nem me atrevo a discordar, apenas tomo um gole do meu
whisky e deixo que os outros convidados a parabenizem também,
enchendo-a de presentes caros e brilhantes, exatamente do jeito
que a matrona gosta.
Longas mesas foram decoradas com arranjos de flores e
velas perfumadas que se misturam com o aroma delicado das
flores. Músicos preenchem o jardim com melodias suaves, que a
mamá finge amar para agradar os seus convidados mais poderosos.
Embora eventos sociais não seja o meu forte, não posso
negar que manter as conexões estabelecidas e por perto é sempre
bom para os negócios. Manter os políticos e policiais presos a nós
com coleiras é que nos faz transitar do mundo ilegal para legal de
maneira invisível.
— O presidente não para de olhar a bunda da mamá —
Mabel, uma das minhas irmãs mais novas, fala ao se aproximar de
mim e encarar o velho que está alguns passos de distância,
observando a nossa matrona como se ela fosse uma presa. — Se o
papá estivesse vivo já teria arrancado os olhos dele.
Repuxo os lábios num sorriso.
— Com certeza.
— Cabrón[3] — ela rosna entre os dentes, chiando como um
jaguar pronto para atacar. — Tem certeza de que precisamos dele?
Respiro fundo.
— Por mais divertido que seja, não vou deixar você matar o
presidente da Colômbia, Mabel — sussurro no pé do seu ouvido,
fazendo-a girar os olhos.
— Sem graça — rebate com sarcasmo e eleva a taça de
espumante em uma das mãos para um brinde solitário, depois, se
afasta de mim, rebolando tanto o quadril, que chama a atenção de
vários homens no jardim.
Arranho a garganta e, ao me perceberem, desviam a atenção
do rabo da minha irmã mais nova.
— Essa música me dá sono — mamá diz ao se juntar a mim,
fingindo sorrisos para todos os lados. — É horrível.
Rio baixo.
Ela não nasceu em berço de ouro, mas o papá a fez se
acostumar rápido com todo o dinheiro e luxo que um poderoso chefe
do submundo possui. Mamá fala que se transformou em uma
mulher forte depois que se casou com o líder do cartel e eu não
duvido.
A matrona deu seis herdeiros ao meu pai e não há quem diga
que está comemorando o seu aniversário de cinquenta e sete anos.
Meu avô tem sorte de já estar morto e enterrado a sete palmos
debaixo da terra, caso contrário, a mamá acabaria com a raça dele
num piscar de olhos.
— Abuelita... — Giovanna chama com a voz mais doce que
eu conheço ao se aproximar da avó. — Esse é o meu presente, a
Carmen me ajudou a escolher. — Com um sorriso que é idêntico ao
da mãe, minha filha entrega o pequeno embrulho nas mãos da avó,
que retribui com um abraço apertado.
Carmen também se junta a nós e troca olhares comigo de
vez em quando, enquanto tenta esconder um sorriso sedutor, que
não me cativa, mas infelizmente, enche a mamá de esperanças de
que eu volte a colocar uma mulher na minha vida para aquecer a
minha cama durante as noites.
Já fui casado.
Oito anos atrás, eu estava dizendo “sim” na igreja para uma
jovem colombiana e a tornando a senhora Navarro. Ela me deu uma
filha logo no nosso primeiro ano de casados e morreu no parto.
Desde que me lembro, Carmen está ao meu lado. Antes e
depois do meu casamento, antes e depois de Catalina. Não é como
se ela tivesse criado Giovanna, mas é presente em nossas vidas e
minha filha é completamente apaixonada por ela.
Ela é uma ótima amiga.
Mas, é apenas isso.
Não tenho pretensão de transformá-la na futura senhora
Navarro como a mamá deseja e faz questão de expressar as suas
vontades.
— Niñito — a matrona fala para mim, mas ergue um dos
braços para o garçom que passa por nós servindo o seu espumante
preferido. — Traga tequila. Preciso de algo mais forte — informa ao
homem, que assente ao se afastar.
— Já vai trocar o espumante por tequila? — Rafael pergunta
ao parar perto de nós e afrouxar o nó da gravata.
— É meu aniversário, querido — devolve ao piscar para o
meu irmão e beber um gole generoso do líquido da taça de cristal.
Rafael é um ano mais novo que eu. Assim como eu, ele
também foi amarrado em um casamento e o primeiro filho está a
caminho, mas ao contrário do que se espera, ele não está feliz.
Para falar a verdade, ele nunca esteve.
Mamá caminha para um lugar mais afastado no jardim,
buscando um pouco de privacidade e nós dois a acompanhamos.
— Não vê como os olhos de Carmen brilham pra você? —
Mamá vai direto ao ponto, como sempre. Ela nunca fez o tipo de
fazer rodeios. — Quando vai dar o grande passo?
— Com ela? Nunca.
Mamá suspira e lança um olhar exacerbado para Rafael,
como se exigisse em silêncio que meu irmão a ajude a me
convencer do contrário.
Rafael fica quieto.
— Precisa de uma esposa, Alejandro Navarro. Mais do que
isso, precisa de uma mãe para Giovanna — murmura, direcionando
o corpo para minha filha e Carmen sentadas numa mesa no jardim,
conversando animadas com Hortênsia, a caçula da família Navarro.
— Eu fiz um bom trabalho até agora — retruco, ranzinza.
— Não quero que fique sozinho.
Sorrio, cínico.
— Mamá, nunca estive sozinho. Não ter nenhuma
pretendente não significa que eu tenha feito voto de castidade.
— Ave maria! — ela branda, cerrando os olhos e torcendo a
boca para transformar o rosto em pura insatisfação, o que acaba
roubando uma risada de Rafael e atraindo a atenção de todos no
jardim.
— Não se preocupe — ordeno, deixando o seu rosto
vermelho por causa da fúria. — Giovanna e eu estamos bem.
— Carmen não vai esperar pra sempre. Uma hora ela vai
cansar e vai ser tarde demais para voltar atrás — é o que articula,
girando em cima dos saltos e pegando a tequila que o garçom traz
para ela.
— Não acha que vale a pena tentar com a Carmen? —
Rafael quer saber.
Observo-a com Giovanna e Hortênsia.
É uma merda. Nenhuma mulher além dela se entrosou tão
bem com a minha família. Nem mesmo Catalina era tão próxima das
minhas irmãs ou da minha mãe como Carmen.
Confesso que por algumas vezes eu pensei em engatar um
relacionamento com ela e eu tentei. Não sou cego, Carmen é linda e
gostosa pra cacete. Além de tudo, ama a minha filha. Ama a minha
família. E sempre esteve comigo, me apoiando.
Mas apesar de nos encaixarmos bem na cama, não há mais
nada fora dela.
Sou um cretino, eu sei.
Nunca devia ter cedido ao meu pau e comido Carmen. Sorte
que nunca fui de chorar pelo leite derramado e aprendo com os
meus erros. Só que para o meu desgosto, Carmen não pensa o
mesmo.
E Giovanna a ama.
— Não vale.
— Você comeu ela — meu irmão chega a conclusão sozinho.
— Foi uma péssima ideia — admito, incapaz de tirar os olhos
das duas. — Semana passada Giovanna perguntou se podia
chamar a Carmen de mãe.
Rafael faz um estalo com a língua.
— Que merda, cara.
— Mamá tem razão, Giovanna precisa de uma mãe — falo
num tom baixo, sentindo a garganta arranhar. — Mas não serei um
bom marido para a Carmen e ela merece um cara que queira mais
que a boceta gostosa dela.
Rafael estende o braço e apoia no meu ombro, apertando
com força.
— Então por que não concordou com a mamá?
Rio, cético.
— Sim, é claro. E amanhã eu acordaria casado com a
Carmen — ironizo, fazendo meu irmão rir descontraído e bebericar o
seu copo meio cheio de whisky. — Prefiro manter a minha paz
mental intacta, obrigado, irmão.
Rafael arqueia uma das sobrancelhas e curva o canto da
boca antes de dizer verdades que deixam a minha garganta com um
gosto corrosivo.
— Ela é exagerada, mas acho que só está preocupada com a
Giovanna. Ter uma mãe seria bom pra garota.
Eu sei que eles estão certos e odeio perceber que estou
errado, ou nadando contra a maré.
Não ter me casado novamente não tem a ver com o fato de
eu amar Catalina ou nunca a ter esquecido. Para ser honesto, não
sei se um dia nós dois chegamos a nos gostar de verdade.
Catalina me respeitava e eu fazia o mesmo.
No entanto, ela me deu uma das melhores coisas da minha
vida. Giovanna. E por causa desse pequeno pedaço de gente, eu
até consigo entender as atitudes irritantes da mamá.
Os filhos nos enlouquecem.
Não quero me casar de novo por vários motivos.
Não posso permitir que qualquer mulher entre na minha vida.
E sim, Carmen seria uma ótima opção. Mas até quando isso
duraria? O que aconteceria quando ela percebesse que eu nunca
vou querer mais do que sua boceta? O quanto disso vai afetar a sua
relação com a minha filha?
As mulheres são imprevisíveis.
E, também, é claro, eu não quero ter outro ponto fraco.
Giovanna é o meu calcanhar de Aquiles porque é ela quem
me faz querer viver.
Morrer... eu morreria por muitos. Meus irmãos, minha mãe,
minha família inteira. Mas, estou vivo porque Giovanna é o que há
de mais puro e inocente na minha vida sórdida e isso é motivo
suficiente para querer viver.
E é um problema para homens como nós.
É perigoso pra caralho.
— Hortênsia disse que vai pra Verdellano amanhã — mudo
de assunto antes que meu pau acabe me convencendo que me
enterrar na boceta de Carmen não é uma ideia tão ruim assim.
— Sim, vou ficar lá por alguns dias. A colheita vai começar
em breve. Soares e Rúben contrataram muita gente nova pra
trabalhar e eu quero estar por perto.
— Imigrantes?
— Sim. É mais fácil de lidar com os eventuais problemas no
meio do caminho. As pessoas da cidade vão apenas colher o café
normal como de costume — acrescenta a última frase com um
sussurro.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Precisa mesmo ir ou é uma desculpa pra ficar longe da
sua esposa grávida? Não parece muito feliz.
Os músculos do seu rosto se contraem.
— Não sou como você, Alejandro. Eu odeio ficar no escritório
e às vezes essa cidade me enlouquece. Só quero ficar sozinho na
fazenda e fazer o meu trabalho.
Abro meio sorriso.
— Você é parecido com o velho — admito, lembrando do
nosso pai. Ele adorava todo o luxo e dinheiro que os negócios da
família proporcionavam, mas odiava toda a burocracia por detrás.
A comparação deixa o meu irmão ainda mais chateado.
— Não sou, mano. Existem tantas diferenças entre nós dois,
que ele ficaria decepcionado comigo.
Os olhos claros miram os meus por um tempo longo demais e
eu fico com a impressão de que Rafael quer me contar algo, mas as
palavras ficam entaladas no meio da garganta.
— Do que você tá falando, Rafael?
Interrompendo o momento, a mamá nos chama com os
braços estendidos no ar, exigindo que todos os filhos cheguem mais
perto do bolo exagerado e sem velas com números, que o garçom
acabou de trazer em cima de um carrinho.
Mamá não veio ao mundo para pegar leve com ninguém.
Ela é vaidosa demais e provavelmente seja o sangue quente
correndo em suas veias ou a forma como ela aprendeu a sobreviver
entre os homens, mas a mulher é capaz de matar qualquer um que
ouse dizer sua idade em voz alta.
Minha família é pobre.
Não é que precisemos da ajuda dos outros para pagar as
contas de casa ou comprar comida, mas somos pobres do tipo: o
papá não pode trocar de carro, mesmo que o dele esteja velho e
caindo aos pedaços, não podemos reformar as paredes do seu bar,
muito menos comprar mesas ou cadeiras novas para o salão.
Mesmo assim, ele tem o sonho ingênuo de me mandar para
longe da Colômbia. Uma escola em Nova Iorque, Itália ou Espanha
para que eu possa estudar arte e ser mais do que a herdeira de um
bar miserável que não dá quase lucro nenhum.
O mais longe que meus pés estiveram foi em Barranquilla[4] e
para ser honesta, eu não acho que meu pai ficaria muito feliz com a
sua caçula estudando e morando na capital do departamento
Atlântico[5] da Colômbia.
Por razões que ele nunca deixou claro para mim, o homem
quer me ver bem longe daqui. O que claramente não vai acontecer,
já que não me vejo deixando o meu velho para trás.
Depois de domar a minha juba de leão com um lenço que foi
da minha mamá, eu saio do quarto e desço as escadas em passos
apressados e vou direto para à cozinha, que ainda tem muito da
mamãe.
Os azulejos pintados à mão que decoram toda o cômodo
ainda são os mesmos que ela decorou há dez anos e os armários
de madeira rústica estão neste cômodo desde sempre.
Encontro o papá sentado à mesa de madeira robusta cercada
por cadeiras com encostos que também são entalhados à mão.
Sobre ela, além de uma toalha colorida vibrante, há inúmeros papéis
que deixam a testa do meu velho cheia de vincos.
— Algum problema, papá? — pergunto ao me aproximar dele
e curvar o corpo para depositar um beijo na sua careca brilhante.
— Nada que você precise se preocupar, mi Perlita[6] —
devolve junto a um beijo na minha bochecha.
— O que poderia ser? As contas não param de chegar —
Safira responde com uma carranca ao surgir na cozinha com uma
prensa francesa na mão e servir café numa xícara para o nosso pai.
— Não pode esconder as coisas dela, papai. Pérola não é mais uma
criança.
Safira é minha irmã. Ela é quinze anos mais velha que eu,
mas às vezes, age como se fosse minha abuela. Velha e ranzinza,
sempre pronta para me dar um puxão de orelha.
— Tá tão ruim assim? — questiono ao erguer o braço e tentar
pegar um dos papéis em cima da mesa, mas o papai não deixa.
Ah, não...
Acho que acabamos de nos tornar pessoas pobres do tipo
que não conseguem pagar as contas de casa.
— Vou dar um jeito.
— Talvez tenhamos que vender o bar — Safira informa,
lançando um olhar duro para mim, quase como se a culpa fosse
minha.
Talvez seja mesmo.
Há anos o papá vem economizando cada centavo e
abdicando qualquer coisa na nossa vida para que eu possa ir
estudar fora do país. Nós precisamos de roupas novas, mas cada
maldito dinheiro que entra na nossa vida é para o meu futuro
promissor que eu nunca pedi.
— Use as economias, papá. Por favor, faça isso.
Ele bufa, balançando a cabeça de um lado para o outro,
enquanto organiza as contas em uma pequena pilha em cima da
mesa.
— Não. Você vai precisar quando for estudar fora.
— O senhor não pode vender o bar. Use aquele dinheiro e
depois a gente vê o que faz com o resto — insisto, enquanto Safira
aperta os lábios cheios e os olhos azuis intensos e brilhantes
focalizam os meus.
Fisicamente nós duas somos parecidas demais. O cabelo
marrom-claro com cachos grossos é o mesmo, as sobrancelhas
expressivas e o formato da boca também. Mas quando se trata de
personalidade, somos completamente diferentes.
Somos como água e vinho.
Ela é rabugenta na maior parte do tempo e tão pessimista
que me dá arrepios. E, às vezes, eu sinto que ela me odeia.
Tudo bem, pode ser que eu esteja exagerando. Só que no
fundo, eu sei que existe algo e apesar de não querer ver, eu sei o
que é. O papá faz tudo por mim e ele venderia a alma para o Diabo
se isso fosse me fazer ter um futuro brilhante.
Não lembro de Safira ter tido as mesmas propostas quando
tinha a minha idade. Não que ela seja velha demais ou algo
parecido. Minha irmã tem trinta e quatro anos e uma vida inteira pela
frente, mas é estranho, porque ela sempre pareceu perdida.
— Não seja teimoso. Use o dinheiro e depois nós damos um
jeito. Vou continuar indo na praça da cidade desenhar os turistas.
Eles sempre me dão um bom dinheiro por isso — minto, buscando
as mãos do meu pai em cima da mesa.
O que eu ganho usando o meu talento mal dá para pagar
uma conta de energia ou a internet do bar. O papá sabe disso e é
algo que o deixa triste, porque sou talentosa e ele acredita que
posso ir longe por causa do meu dom.
— Ou... — começo a articular, fazendo um bico. — Talvez eu
possa trabalhar na fazenda dos Navarro. A colheita de café está
chegando e o senhor sabe como eles pagam bem.
Talvez Alejandro Navarro nem se lembre mais de mim, mas
desde a pequena confusão na pracinha da cidade com aquele tal de
Martín, é impossível tirar aquele rosto da minha cabeça.
E sim, e eu sei que não tenho chance com um homem como
ele. De qualquer forma, nem adiantaria, papá nunca deixaria que
algo entre nossas famílias acontecesse. Ele odeia tanto a família
Navarro e eu nunca entendi o motivo de verdade.
Será que são pelos boatos?
Ou tem algo a mais que ninguém está me contando?
— O que acham? O dinheiro vai nos ajudar — insisto e é uma
péssima ideia, porque Safira prende a respiração ao me ouvir e o
nosso pai tem um ataque de fúria, soltando as minhas mãos e
arrastando a cadeira para trás num solavanco, xingando ao mesmo
tempo em que chama por Jesus e todos os santos que conhece.
— Qual é o problema? Safira já foi colhedora lá, não é? —
questiono, insistindo mais uma vez e é claro que é em vão.
— Não me meta nesse assunto — minha irmã resmunga,
torcendo o rosto numa cara feia.
— Não quero você metida com essa gente, Pérola. Prefiro
passar fome a usar o dinheiro sujo deles — é a única coisa que o
papai resmunga, dando as costas para nós ao sair da cozinha.
Ah, então é pelos boatos.
Encho as bochechas de ar e assopro, debruçando-me sobre
a mesa de forma dramática.
Mesmo que rolem muitos boatos sobre eles, para ser sincera,
eu nunca os vi fazendo mal a ninguém. Tudo bem que ninguém se
mete com essa família, mas as pessoas que trabalham nas
colheitas são muito gratas a eles.
E é bem provável que eu esteja sendo ingênua demais e não
queira enxergar as coisas como elas realmente são.
— Não desobedeça ao papai. Fique longe dessa família,
ouviu, Pérola?
Reviro os olhos.
— Não sei qual é o problema. Praticamente todo mundo de
Verdellano[7] trabalha pra eles nessa época do ano. E você sabe
como eles pagam bem, Safira. Se eu trabalhar numa colheita, com
certeza pagaria todas as dívidas que temos.
— Não se venda por dinheiro sujo — Safira repreende. — A
fortuna daquela família custou vidas inocentes — range entre os
dentes.
— Ninguém tem certeza disso — retruco, dando de ombros,
uma tentativa inútil de amenizar o assunto.
Se eu fizesse Safira mudar de ideia, talvez ela convencesse o
papai, por isso, continuo:
— As pessoas comentam demais, você sabe disso. Fofoca é
como uma doença contagiosa. E mesmo assim, ninguém nunca
provou que eles são envolvidos com o crime organizado —
argumento e me sinto ridícula.
— Você é tão inocente, Pérola — Safira murmura, os olhos
grandes brilhando com uma mágoa que eu não entendo. — Acha
que toda a fortuna daquela família é apenas pela exportação de
café?
Dou de ombros.
— Eles têm muitos hectares — devolvo.
— Sim, e é impossível saber o que acontece em todos eles
— retruca, como se soubesse de algo que eu não sei.
— O que você sabe?
Ela sacode a cabeça de um lado para o outro.
— Apenas se mantenha longe dos Navarro. Isso é pro seu
próprio bem, aquela família é podre e pode destruir você.
Prenso os lábios em uma linha reta.
— Você odeia aquela gente, não é?
— Com todas as minhas forças.
— Eu sei me cuidar Safira e... — murmuro e ela faz um estalo
com a língua, interrompendo qualquer que seja o meu próximo
argumento.
— ¡Quieta, mocosa![8] Não ouse buscar trabalho na Fazenda
Navarro, Pérola. Me entendeu bem? — pergunta em tom de ordem
e eu enrugo o nariz, contendo a língua dentro da boca para não
xingar a minha irmã.
— Tudo bem, vamos morrer de fome — zombo e ela gira os
olhos, mas serve café numa xícara para mim.

Apesar de ser um bar, o lugar tem um cheiro forte e


irresistível do café colombiano que eu tanto amo e das especiarias
utilizadas para preparar as bebidas típicas da nossa região.
Enquanto eu passo um pano úmido nas mesas de madeira
rústicas, Safira vai arrumar o pequeno palco que fica num lugar mais
afastado do bar. Desde que me entendo por gente, ela canta à noite
aqui e isso atrai muita clientela, só que ainda assim, não é o
suficiente para pagar todas as nossas contas.
Papá tem uma garçonete e pelo que fiquei sabendo, o
pagamento dela está atrasado há quase quatro semanas.
— Que cara feia é essa? — Pedro pergunta ao entrar no bar
e puxar uma das cadeiras para sentar e me observar trabalhar.
— Se vai me atormentar, me ajuda a limpar as mesas. O bar
vai abrir em meia hora — resmungo, jogando o pano úmido em cima
do rosto dele, que faz uma careta, mas como um bom amigo,
levanta-se para me ajudar.
Conheço Pedro desde sempre. Estudamos na mesma escola
no fundamental e no ensino médio. Meu primeiro beijo foi ele quem
roubou e teve uma época em que tentamos ser “namorados”, mas
não deu certo.
Foi assim que eu aprendi que às vezes não se deve misturar
amizade com amor.
E é lógico, Pedro tem muita vontade de sair daqui e morar em
outro lugar, ter uma carreira promissora e sustentar a mãe,
enquanto nunca pensei o mesmo, embora o papai quase esteja
chutando a minha bunda para longe da Colômbia.
— Decidi que vou colher café na fazenda dos Navarro —
informa ao mesmo tempo em que limpa uma das mesas e me lança
um olhar por cima dos cílios. — Preciso de dinheiro.
Suspiro, deixando os ombros caírem.
— Eu também, mas o papá não quer que eu trabalhe com
eles.
— Minha mãe também não gostou... — Pedro se aproxima de
mim, mas antes, olha por cima do ombro para Safira, que está
entretida com os instrumentos musicais velhos em cima do palco. —
Soube que eles pagam o triplo pra pessoas que colhem o café
especial deles. Soares falou que tentaria me colocar no esquema
deles.
Encrespo o nariz, confusa.
— Soares? Café especial? Que conversa é essa, Pedro?
— Não posso falar muito sobre isso. Mas imagina só,
Perlita[9]? É um bom dinheiro. Na verdade, é muito dinheiro. Já fiz os
meus planos. Vou trabalhar pra eles durante três anos e talvez eu
consiga ir embora daqui.
— E vai me deixar aqui? — provoco, dando um murro no seu
ombro e ele acaba soltando uma risada gostosa.
— Você vem comigo. O que acha?
— Como vou convencer o meu pai? Ele odeia essa família.
Você sabe, ele acha que os boatos são verdade.
Pedro lambe o lábio inferior com a língua e se aproxima de
mim ao sussurrar:
— Na verdade, eu acho que você é muito ingênua.
— Ah, não fala merda.
Pedro dá de ombros.
— Não pode convencer o seu pai?
— Como? — resmungo, bufando. — Nem a Safira quer que
eu trabalhe com isso também. Vou continuar com os desenhos na
praça e ir levando.
— Quanto você ganha desenhando os turistas? — inquire
meio debochado.
— Não seja mau, Pedro — rosno entre os dentes, contendo a
vontade de voar em cima do pescoço dele. — Vai embora. E boa
sorte com a sua nova vida.
— Amanhã vem comigo — fala, os olhos brilhando sem
motivo algum. — Vamos entrar na fazenda e explorar as plantações
de café. O que acha?
Meu coração bate desenfreado.
— Você ficou doido?
— E se a gente for lá e conseguir provar pro seu pai que não
tem perigo nenhum? Talvez ele te deixe colher café também.
Pedro é um ano mais novo do que eu e sei que deveria
colocar juízo na cabeça dele, mas não consigo.
— Não podemos entrar na fazenda deles assim, é
propriedade privada.
Moro aqui desde que tenho uns cinco anos, mas o papá
nunca me deixou chegar perto da fazenda dos Navarro. Claro que
eu já os vi por aqui, no centro da cidade, mas não é muito comum
que venham por essas bandas.
Sempre fui muito curiosa sobre eles, mas a verdade é que no
fundo, tenho medo de que as suspeitas do meu pai sejam verdade.
E se eles realmente estiverem envolvidos com coisas ilegais?
Eu que não quero dar de cara com um projeto de Pablo
Escobar porque tenho amor a minha vida.
— Ninguém vai saber — devolve e me dá uma piscada. —
Não confia em mim?
Eu sei o que tenho que fazer. Dizer um grande não para o
Pedro e pensar numa forma de ajudar minha família a ganhar
dinheiro. Mas, por alguma razão inexplicável, as palavras que saem
da minha boca são:
— Tá bem.
Ele sorri e, em seguida, volta a limpar outra mesa,
assobiando como se os nossos planos não fossem invadir a
propriedade privada de possíveis criminosos.
Enquanto ajudo a garçonete a servir as mesas que se
espremem dentro do nosso pequeno bar, sou embalada com as
batidas envolventes e calorosas de “Adios Le Pido” do Juanes que
pairam no ar.
No pequeno palco que o papá improvisou para Safira, a voz
apaixonada e expressiva da minha irmã parece envolver todos nós
com um abraço sonoro. Os olhos claros sempre brilham quando ela
está cantando e acho que é único momento em que é feliz de
verdade.
A garota que trabalha no bar estica o braço para mim, me
chamando para mais perto. Ela está completamente envolvida pelo
ritmo pulsante da música e o compasso da cumbia[10], balançando o
quadril de maneira suave, os pés tocando o chão com leveza, se
movendo com um sorriso radiante estampado no rosto.
Entro na onda, dançando também sob a voz forte da minha
irmã. Os turistas sempre ficam mais animados quando dançamos e
isso significa que vão gastar mais pesos[11] aqui dentro e claro,
vamos ganhar gorjetas gordinhas.

“Un segundo más de vida para darte


Y mi corazón entero entregarte
Un segundo más de vida para darte
Y a tu lado para siempre yo quedarme
Un segundo más de vida yo a Dios le pido
Que si me muero sea de amor
Y si me enamoro sea de vos
Y quede tu voz sea este corazón
Todos los días a Dios le pido”

Safira encerra a música com os lábios curvados num sorriso


brilhoso, a voz desaparecendo aos poucos nas últimas notas da
música. O silêncio é quebrado por causa da animação dos clientes
entusiasmados, e ela logo migra para outra música contagiante.
— O dia vai ser bom hoje, Perlita — papá fala, animado
quando chego perto do caixa. Ele tem os óculos em cima da ponta
do nariz, contando as notas de peso e de dólares em fileiras. — Mal
abrimos e já estamos cheios.
Sorrio e ergo a mão para tocar sua careca, em seguida, pego
algumas notas no caixa, porque preciso comprar folhas novas para
os meus desenhos.
— Investimento — explico e ele apenas me encara por cima
dos cílios, mas não diz nenhuma palavra. Coloco o dinheiro dentro
do bolso da minha calça jeans surrada. — Vou sair com o Pedro
hoje, não vou conseguir ficar aqui a noite.
Ele para de contar o dinheiro e leva os olhos até mim.
— Por isso trabalhou tanto ontem?
— Claro que não — minto com um sorriso amarelo. Foi
exatamente para fugir hoje que ontem fiquei até o bar fechar e
atendi tantas mesas, que foi por pouco que não enlouqueci.
— Não vou criar filho de ninguém — resmunga, esquentando
as minhas bochechas.
Essa é a sua forma de dizer para eu não fazer sexo.
Nós dois nunca tivemos uma conversa explícita sobre essas
coisas e Safira e eu não somos melhores amigas. Ela é minha irmã,
só que sempre senti uma barreira entre nós que a rabiosa[12] nunca
me deixou ultrapassar.
Tudo que sei sobre sexo é o que aprendi nas aulas de
Biologia, internet e sites de pornôs. E para ser honesta, eu sinto que
já sou graduada. E sexo com Pedro está fora de cogitação.
— Papá! Não vamos sair pra isso, além do mais, ele é só
meu amigo — devolvo, enrugando o nariz e transformando o rosto
numa careta de novo. Sacudo a cabeça de um lado para o outro,
movendo os ombros. — Não me espere acordado — emendo para
provocar.
Ele une as sobrancelhas grisalhas, fechando o rosto numa
carranca rija. Assobiando, eu pego o bloquinho de anotações e giro
nos calcanhares para atender clientes que acabaram de entrar no
bar.

Quando descemos da picape velha e caindo aos pedaços de


Pedro, sinto como se um bloco de gelo tivesse caído no meu
estômago e os pelos do meu corpo arrepiam com a brisa fria que
passa entre nós.
— Isso é uma péssima ideia — murmuro, observando a vasta
área de plantações de cultivo a nossa frente.
É tudo tão lindo.
— É tarde pra voltar atrás.
Na verdade, não é. Mas levará uma eternidade voltar para à
cidade. Como não podíamos simplesmente entrar pela porta da
frente da Fazenda, demos uma gigantesca volta aos arredores das
propriedades dos Navarros e a picape fez o mesmo caminho do
rebanho das vacas.
— De onde tirou tanta coragem? Você era bem medroso,
Pedro — alfineto, cutucando as suas costelas com o meu cotovelo.
— Eu sou homem agora. Homem não tem medo de nada —
resmunga com os lábios apertados e eu me seguro para não rir.
— Não podemos demorar, porque eu ainda quero trabalhar
na praça. Hoje é sábado e tá cheio de turistas — faço um muxoxo
ao mesmo tempo em que soco a mão no bolso de trás para tirar o
meu celular. — O sinal é péssimo aqui — reclamo, levantando o
braço para buscar algum risquinho que sinalize vida humana além
dessas plantações.
Pedro arranca o aparelho da minha mão e franze o nariz para
a tela pequena, fazendo uma cara feia.
— Esse celular é um lixo. Não vai funcionar aqui.
Pego o aparelho de volta, contraindo o maxilar e dou um
chute na sua canela magra, roubando quase um gemido de dor
dele.
— Uau. E eu aqui me segurando pra não falar da sua picape
caindo aos pedaços.
— Pelo menos ela serve pra alguma coisa — retruca e eu me
preparo para outro chute no meio das suas panturrilhas, mas meu
celular dá um pequeno bipe ao notificar que tem sinal e eu esqueço
de tudo.
Abro um sorriso largo e animado, enfiando o celular dentro do
bolso da calça jeans surrada outra vez.
— Vamos antes que você acabe com as minhas pernas —
ele ironiza e eu rio, revirando os olhos nas órbitas.
Juntos, nós entramos na plantação de café que se estende
pelas colinas ondulantes. Os raios dourados do sol esquentam as
minhas bochechas e disparam um brilho sobre as folhas verde-
escuras das plantas.
Tudo está alinhado perfeitamente em fileiras simétricas,
criando quase uma linda tapeçaria terrosa que se estende até onde
os olhos alcançam.
O cheiro envolvente e reconfortante de café flutua no ar,
mesclando com a brisa suave que balança as copas das árvores
pertos de nós. À medida que caminhamos mais para dentro, o sol
desce no horizonte.
Mais abaixo, no campo, há um rio lindo, que serpenteia
majestosamente, refletindo as cores do céu de fim de tarde.
— Essas terras são lindas, não é?
— Sim — Pedro responde, encarando as árvores altas. —
Você acha que tem coisa errada com essa família? — quer saber.
Dou de ombros.
— Meu pai acha.
— O que eles fariam se descobrissem invasores nas terras
deles? Matariam a gente? — questiona, apertando os olhos de um
jeito engraçado.
— ¡Por el amor de Dios! Não brinca com isso — grunho e
estou prestes a esticar a mão para bagunçar os seus cabelos
cacheados quando ele envolve a mão no meu pulso para
chegarmos mais perto do rio.
Rindo, eu o acompanho, mas antes que possa resmungar,
vejo dois homens de costas para nós, mais perto do que eu
gostaria. Dominada pelo instinto de sobrevivência, puxo o braço do
Pedro para baixo e o faço ficar de cócoras.
Levo o indicador em cima dos lábios, um ato desesperado de
pedir silêncio e com os olhos esbugalhados, inclino a cabeça para o
lado. Dentro do meu peito, sinto como se alguém estivesse fazendo
o meu coração de tambora[13] e tocando num ritmo energético.
Encho a boca de ar e tento levar o mesmo até os pulmões.
Pedro faz menção de quem vai abrir a boca e eu impeço,
cobrindo seus lábios com a minha mão. Assim que ele entende que
é para ficar quieto, eu me afasto e sorrateiramente, estico um pouco
o pescoço para olhar.
Quase tenho um ataque do coração ao ver os dois homens
se aproximando e reconhecer um deles.
Rafael Navarro, um dos donos da fazenda.
Ele não é muito de falar e não digo isso por conhecê-lo ou
algo parecido, mas as pessoas na cidade comentam. Claro que
alguém como este homem rico e importante nunca frequentou o bar
do meu pai, mas há bares populares em Verdellano.
E a regra para servir Rafael Navarro é bem clara.
Não olhe nos olhos dele.
Não fique em seu caminho.
Sempre achei que era por ele ser o tipo de homem que gosta
de se meter em brigas, mas droga, talvez as preocupações do meu
pai estejam todas certas. Mierda! Onde eu estava com a cabeça em
vir aqui?
Lanço um olhar fulminante para Pedro.
— ... não. Isso é impossível — um deles fala e a minha
curiosidade é tão grande, que eu espreito para saber quem está
falando. É o Rafael. — Você ficou doido ou o quê?
— Então vai ser assim? Vai virar as costas pra mim agora? —
o outro pergunta, é um homem bonito, alto e tem um rosto
quadrado, marcante e com barba por fazer.
— Não é isso, Leo, mas a nossa vida é complicada. Sabe
que não é certo, não é?
— O que não é certo? O que somos ou como levamos a
nossa vida? — pergunta, mas Rafael fica em silêncio. — Tô
cansado, cara. Cansado de toda essa merda.
— E o que vai fazer com o seu irmão? O que vai fazer com a
sua família?
— Nada disso importa — o outro homem fala e para minha
surpresa, se aproxima de Rafael, envolvendo as mãos em seu rosto
de forma íntima e carinhosa, e então, os dois ficam tão próximos
que eu diria que estão prestes a dar um beijo.
Uau...
Os dois se beijam.
Parece errado ficar bisbilhotando o momento entre eles, mas
é meio que hipnotizante e impossível desviar a atenção. Os lábios
dos dois se envolvem com tanto fervor e vontade, que minha
garganta fica seca.
— Ele não é casado? — Pedro pergunta com um sussurro
bem baixinho e acabo ficando na dúvida se ouvi certo.
Olho-o de esguelha para ele e noto meu melhor amigo
testemunhando um homem casado traindo a esposa com outro
homem.
Nossa.
Não é que eu tenha algum tipo de preconceito, mas ele
sempre foi tão robusto e sisudo. Nunca achei que por debaixo de
toda a máscara grosseira, ele escondesse algo tão sério.
Deus, isso deve ser tão triste.
— Eu te amo, Rafael — a declaração é tão sincera, que me
rouba o fôlego. — Eu sou infeliz, você é infeliz. Não podemos mais
viver assim. Foge comigo, por favor. Vamos deixar o Cartel pra trás
e reconstruir nossa vida.
Cartel...
Droga.
— Eu não posso.
— Por que não pode?
— Você acha que meus irmãos me deixariam sumir assim?
Eles moverão o mundo para me encontrar. Alejandro e Santiago
precisam de mim pra gerir os negócios.
— Não precisam — Leo retruca com um tom ácido e Rafael
não gosta do que ouve, pois se afasta com um rompante, tirando as
mãos do seu amante do rosto e virando o corpo na nossa direção.
Pedro e eu nos escondemos mais uma vez entre as
plantações.
— Eu não sou um simples capanga, Leo. Eu sou um Tenente.
[14]

— Tá dizendo que eu não sou nada por que não tenho uma
posição alta no cartel?
— Não é isso. Vai embora, Leonardo. Não me procura mais,
isso já foi longe demais. Sabe as merdas que podem acontecer se
nos descobrirem? Você é meu inimigo.
— Agora eu sou seu inimigo?
— Eu nunca devia ter te fodido — Rafael grunhe, colocando
uma máscara arrogante e cruel. — Vai embora daqui.
Encarando os olhos assustados do meu melhor amigo, forço
o bolo grosso que se formou no meio da garganta a descer.
— Tá terminando comigo? — uma pergunta sem resposta. —
Você nunca me amou, não é?
— Para com isso, Leo. Sabe que não tem como essa relação
ir pra frente. Ou você acha que o Cartel vai me deixar no comando
se souberem o que eu sou?
Leo deixa escapar uma risada irônica.
— No fundo, eu sempre soube que escolheria o Cartel a mim.
— Nunca tivemos escolha — Rafael desabafa com o tom de
voz ameno, soando triste e sincero na mesma intensidade, e sem
entender, meu coração se aperta por causa desses dois.
Deve ser tão ruim e solitário viver assim, escondendo quem é
de verdade, estrangulando os sentimentos para agradar as pessoas
em volta. Tudo isso para ser aceito. Ou para não sofrer.
— O problema é que nessa relação... eu sempre me doei
mais. Amei mais. Sempre estive disposto a enfrentar todos por você,
Rafael, só que nunca foi recíproco.
— Não seja hipócrita, Leo. Você quer fugir pra não enfrentar
o seu irmão mais velho.
— Eu quero fugir, porque eu amo você e quero viver uma
vida normal.
— Vai embora, Leonardo. Não me procura mais. Isso é uma
ordem. — Um momento de silêncio intenso e, de repente, sinto o
clima entre nós mudar completamente. — Que merda é essa?
Abaixa essa arma. Agora! — um grito estridente que levanta os
pelinhos do meu braço.
Me atrevo a avaliar a situação e ouço o coração bombear alto
dentro dos meus ouvidos com a cena. Leo com a mão estendida,
uma arma compacta em riste, apontando para Rafael, que está
alguns passos de distância.
— Se você não for meu, não será do Cartel também — Leo
afirma e retorço os lábios, aflita. — Anda, saca a sua arma e vamos
nos matar, aqui e agora. Neste lugar em que nós fodemos tantas
vezes.
— Não fala merda.
Leo entreabre os lábios para falar e para meu espanto e
desespero, e azar também, meu celular começa a tocar, o som
ecoando por todos os lados. Com as mãos trêmulas, busco o
smartphone no bolso de trás do jeans.
— Quem tá aí? — Leo pergunta, fixando os olhos para o
lugar nas árvores em que Pedro e eu estamos escondidos.
Pedro avança em cima de mim para me ajudar a desligar o
aparelho, mas eu sei que é tarde demais. Nós fomos descobertos.
— O que a gente vai fazer? — pergunto com a voz baixa,
mas não há tempo do meu melhor amigo responder, porque sons de
socos e grunhidos flutuam até os nossos ouvidos.
Rafael e Leo estão brigando pela arma, num confronto físico
intenso e perigoso. Tomo um sobressalto quando Pedro entrega a
chave da picape na minha mão e me encara.
— Vai, foge, Pérola.
— Não sem você.
De repente, um estampido alto e agudo irrompe,
preenchendo o espaço ao nosso redor com uma onda violenta e
penetrante, vibrando nos meus ouvidos e ossos, me deixando em
choque por alguns segundos.
— Rafael! — Leo se esgoela, chorando. — Não, não. Por
favor, não. Olha o que você fez — continua choramingando.
— Vamos correr — peço com a voz falhando. Na verdade,
parece que tudo dentro de mim está falhando.
— Você consegue? — Pedro questiona e eu começo a chorar
em silêncio ao balançar a cabeça de um lado para o outro.
— Eu tô com medo. Não sinto as minhas pernas — admito,
paralisada por causa do pavor.
Não sou burra, eu sabia como a vida pode ser perigosa, mas
nunca pensei que fosse ficar de frente com algo tão sério. Um
assassinato. Dois homens envolvidos com o Cartel.
— Fica aqui escondida. Vou correr pro outro lado e chamar a
atenção dele. A gente se encontra no carro, tá legal? — Pedro
anuncia o seu plano e nem me dá tempo de contestar, ele começa a
correr.
Um segundo depois, Leonardo vai atrás de Pedro, correndo
também em meio as plantações, gritando para que ele pare
imediatamente. Um silêncio ensurdecedor toma conta do lugar e eu
respiro fundo, forçando o medo goela abaixo.
Com as pernas bambas, me forço a ficar de pé e antes de
começar a correr, eu olho para trás e a única coisa que vejo é uma
das pernas de Rafael. Sem saber muito bem o porquê, meus pés
me levam até ele e o ar escapa dos meus pulmões.
A vida é tão frágil. Há menos de um minuto, Rafael estava em
pé e conversando, agora, sangrando e estirado no chão, inerte, os
olhos abertos, só que completamente vazios.
— Sinto muito — murmuro, encarando o corpo no chão e
contendo a vontade de vomitar.
Deixo as vistas caírem até as minhas mãos e fixo a atenção
no celular e na chave da picape. Chorando em silêncio, eu tomo
coragem e saio correndo em meio as plantações, rezando a Deus
para que Pedro fique bem.
Bogotá, Colômbia
Muitas coisas mudaram desde o tempo do meu tataravô,
principalmente a forma como os negócios são geridos. Hoje, os
membros mais importantes do Cartel sabem muito sobre dinheiro e
como não serem notados pelas agências internacionais que
combatem as drogas, além de ter um nível educacional superior.
Não há como negar que nossa geração é mais inteligente e
habilidosa, mas a ambição incontrolável por poder e dinheiro ainda é
a mesma desde que o Cartel de Santa Fé surgiu.
E é claro, a maneira de lidar com traidores e inimigos não
mudou, apenas não deixamos os corpos mutilados espalhados
pelas ruas da cidade para que as pessoas comuns vejam.
Uma batida leve na porta desvia minha atenção dos papéis
em cima da mesa e dos meus pensamentos. Ergo os cílios a tempo
de ver Carmen entrar na sala com um sorrisinho travesso.
Um macacão de tecido preto, impecavelmente cortado,
abraça seu corpo como uma segunda pele, realçando as curvas de
maneira deliciosa. Há um decote discreto, revelando quase nada,
mas acentuando bem os seios grandes.
— Vim te buscar pra jantar.
O cabelo preto e com aspecto esvoaçante de Carmen
combinam com os olhos delineados.
— Não posso sair agora. Ainda tenho muita coisa pra fazer.
Remexo-me na cadeira de couro e afasto os olhos de
Carmen para encarar as paredes adornadas por tapeçarias e obras
de arte que ostentavam toda a riqueza e poder que há na família
Navarro.
— Por favor, não me faz ir sozinha — pede, juntando os
lábios cheios num bico ao mesmo tempo em que meu celular em
cima da mesa começa a tocar, me salvando de Carmen.
Noto uma pitada de irritação ultrapassar os olhos dela, mas a
mulher disfarça quase que de imediato.
Agarro o aparelho e levo até o ouvido ao atender. Do outro
lado da linha, reconheço o choro da minha mãe, o que me deixa
com uma queimação irritante na garganta.
— Mãe, o que aconteceu? — pergunto com a voz firme, mas
um pequeno tremor quase imperceptível me trai.
Tanta merda passa na minha cabeça.
Ela está machucada?
Aconteceu algo com Giovanna?
Meus irmãos estão bem?
Merda!
— Alejandro...
Meu coração acelera incontrolavelmente. Sinto os músculos
do meu rosto se tornarem rígidos, uma máscara de controle sobre a
tempestade interior que começa a se formar.
— Mamá, fala comigo — exijo.
— Rafael foi encontrado morto na fazenda — fala, a voz
carregada de pesar e ainda assim, sombria de um jeito que nunca a
ouvi.
Rafael está morto?
O impacto da notícia me atinge em cheio, como um soco
certeiro no estômago. Uma onda de choque percorre todo o meu
corpo, me congelando no tempo por alguns segundos.
Fixo os olhos num ponto vago à minha frente, enquanto a
mamá continua a chorar do outro lado da linha. As palavras apenas
ecoam dentro da minha mente, difíceis de serem entendidas.
Meu irmão.
— O que aconteceu? — Carmen quer saber e não tenho
vontade de falar com ela.
— Estou indo pra casa, mamá.
As emoções dentro de mim se misturam em um turbilhão
confuso de raiva e tristeza. E a sensação de impotência me
estrangula diante da notícia da morte do meu irmão.
Cerro a mandíbula com tanta força, que me sinto capaz de
quebrar os dentes. Engulo em seco e solto o ar que estava
prendendo sem perceber ao contar o que aconteceu à Carmen.
— Rafael está morto. Preciso ir.
Como o principal chefe do Cartel de Santa Fé, eu não posso
me dar ao luxo de demonstrar qualquer fraqueza. Mesmo que a
morte do meu irmão doa dentro de mim, preciso me manter firme e
estável.
Perder a cabeça agora é um prato cheio para os inimigos,
uma brecha que nunca poderia ser reparada.
Levanto da cadeira e pego o terno feito sob medida
pendurado no cabideiro de madeira escura, me forçando a manter o
controle das minhas emoções. Com um movimento firme, enfio os
braços dentro do terno e guardo o celular no bolso interno.
— O que vai fazer, Alejandro?
— Descobrir quem matou o meu irmão e fazê-lo pagar —
digo, simplesmente, fazendo Carmen suspirar e endireitar os
ombros.
Em passos firmes, o coração quebrado e a expressão
inabalável, eu saio do escritório, deixando Carmen para trás e
escondendo a dor insuportável de ter perdido o meu irmão dentro de
mim.
Escondendo a dor atrás da fachada implacável que o mundo
conhece tão bem.
Dominada por uma sensação de desespero e exaustão, eu
empurro a porta do bar do papá. A luz suave das lâmpadas do teto
ilumina o ambiente e a Safira em cima do palco, cantando uma
música romântica com melodia triste demais para o meu gosto.
Atravesso o salão, roubando os olhares da garçonete e da
minha irmã, o que ruboriza as minhas bochechas e esquenta as
minhas orelhas. Por um momento, é como se elas soubessem do
segredo sombrio que eu carrego.
Caminho direto para à cozinha e nem o aroma familiar de
madeira envernizada é capaz de me acalmar.

“Dime de verdad qué has sentido conmigo


si he sido tu amante o he sido tu amigo
quiero convencerme de que algo ha quedado
de todo lo bueno que siempre te he dado.
Dime si mentías cuando me abrazabas
y al darme tu cuerpo después me engañabas
pues con tus caprichos me muero de celos
Ya no me interesas con tus devaneios (...)”

Ao som da voz da minha irmã cantando “Me Quieres o Me


Dejas” de Julio Iglesias, as cenas das últimas horas enchem a
minha cabeça e ficam ecoando como um filme repetido.
Fico tonta e com a boca seca.
Minha respiração fica acelerada e o peito dói.
Pedro...
Fiquei horas esperando Pedro na picape e ele não apareceu.
Não sei se Leonardo conseguiu pegá-lo ou se ainda está escondido
entre as plantações de café da Fazenda Navarro.
Meu Deus, o que eu faço?
É hora de contar para o papá? Ou para a polícia?
Tomo um susto e deixo escapar um grito do fundo da
garganta ao ver o papá entrar na cozinha. Sem saber o que fazer,
eu passo por ele e tento fugir, mas a sua mão calejada e firme me
alcança antes que eu possa chegar ao balcão.
Ele me vira, colocando-me de frente para o seu corpo e lança
um olhar preocupado, seu rosto enrugado pelo tempo e pela
experiência de vida quase me fazem cair aos prantos.
— O que aconteceu, mi Perlita?
Abro a boca, mas nenhum som sai de entre os meus lábios,
então, apenas solto um sorriso trêmulo e jogo os braços em volta do
seu pescoço, prendendo o papai num abraço apertado, enquanto
sinto o coração agitado.
— Papá, eu não sei o que fazer — é a única coisa que
admito.
Ele me aperta mais forte, enquanto a voz calorosa de Safira
continua flutuando no ar e se mesclando as conversas e risadas dos
clientes, alheios à preocupação que enchem o meu coração.
— Me conta o que aconteceu.
Recuo um passo e pondero se posso ou não contar o que vi
ao meu pai. Ou que Pedro sumiu. Não é que não confie nele, mas o
quanto disso pode colocar a sua vida em perigo?
Se algo acontecer ao meu pai, eu acho que morro.
Antes de decidir se vou ou não falar qualquer palavra que
possa colocar a vida de todos da minha família em perigo, eu me
desvencilho dos seus braços familiares e contorno o seu corpo com
o meu, rumando para detrás do balcão.
Encaro as prateleiras de madeira envelhecidas que repousam
contra a parede de tijolos desgastados. As coisas dentro do bar são
tão velhas, que tudo parece estar prestes a desmoronar, assim
como a minha vida.
As tábuas de madeira são curvas e gastas, criando pequenos
recantos e cavidades onde repousam as garrafas de aguardente de
cana de açúcar. Meus dedos ávidos agarram uma das bebidas, a
mais forte, eu desenrosco a tampa antes de levar o gargalo até os
lábios e beber um gole generoso.
— Pérola, o que está fazendo? — papá quer saber.
Não respondo, fecho os olhos com força e as imagens do
corpo de Rafael Navarro invadem a minha cabeça ao mesmo tempo
em que o álcool desce queimando pela minha garganta e embrulha
meu estômago.
— Seu Hernán — alguém cumprimenta meu pai e eu tiro
proveito do momento para me virar e tomar outro gole de
aguardente. — Soube o que aconteceu na Fazenda Navarro?
Meu coração congela.
— Nada relacionado a essa família me interessa.
Engulo em seco e minhas mãos tremem. Tampo a garrafa e
escondo o meu nervosismo do papai e do homem que chegou, me
mantendo de costas para os dois. Tenho medo de encarar qualquer
pessoa e eles perceberem que estou escondendo algo.
— O senhor Rafael Navarro foi encontrado morto nas
plantações. A família toda está vindo pra cá. Essa cidade vai ficar
um caos — fala e o papai fica em silêncio, como se remoesse algo
internamente.
Sem saber o que fazer, saio do bar correndo e agradeço
mentalmente por nossa casa ser ao lado. Abro o portão e entro,
fechando as cortinas para que nenhuma luz de fora entre.
Subo as escadas correndo e paro no meio do corredor,
encarando a porta entreaberta de Safira.
Nunca soube o motivo, mas a minha irmã tem uma arma
carregada dentro de uma caixa de sapato escondida no guarda-
roupa. Sempre fingi que nunca vi e ela nunca revelou o seu
segredo.
Talvez eu deva pegar e me preparar para o pior.
Ou para ir atrás de Pedro nas plantações antes que a família
Navarro inteira esteja por aqui.
Enfio a mão dentro do bolso da calça e mais uma vez, ligo
para Pedro. Eu já o fiz tantas vezes, que perdi a conta. Seu celular
está fora da área da cobertura e honestamente, não faço ideia do
que pensar.
Decido deixar um recado na caixa de voz.
— Pedro... onde você tá? Por favor, me liga, eu tô
preocupada. Eu te esperei por horas, mas você não apareceu. Eu
fui embora. Eu... eu... eu... tô com tanto medo de algo ter acontecido
com você, Pedro. Por favor, me liga assim que puder. Vamos
conversar e decidir o que fazer. Te amo.
Arrasto os pés até o meu quarto e tiro os tênis encardidos de
lama, me dando conta de que sujei a casa inteira, provando que eu
estava onde não devia. Provando que eu vi o que não devia.
Eu me tornei a droga de uma pessoa errada no lugar errado e
na hora errada.
Me jogo no colchão, a cabeça girando por causa do álcool e a
preocupação com o Pedro, o medo e tudo. Sinto as bochechas
molharem por causa das lágrimas silenciosas e assim, eu acabo
adormecendo.
Bato os cílios e observo o sol da manhã ultrapassar as
frestas da cortina, lançando uma luz suave e dourada sobre o meu
quarto. Com uma dor de cabeça latejante martelando nas minhas
têmporas, eu me acomodo no colchão, o coração ainda pesado
pelas coisas que aconteceram ontem.
Procuro o meu celular e checo as notificações, na esperança
de que Pedro tenha me ligado ou mandado alguma mensagem.
Qualquer sinalzinho de vida. Mas, não há nada.
Pouso a mão na testa, uma tentativa inútil de aliviar a dor que
pulsa. Deixo um suspiro fraco escapar dos meus lábios ao mesmo
tempo em que tento afastar a sensação incômoda que me
atormenta desde que testemunhei o destino cruel de Rafael nas
plantações de café da Fazenda Navarro.
Fecho os olhos por um longo segundo, implorando
mentalmente que as imagens que insistem em ecoar na minha
cabeça sumam de uma vez.
Com os pés tocando o chão frio, saio do quarto, ainda
usando as mesmas roupas de ontem. Ao descer as escadas velhas,
os degraus rangem a cada passo, o som irritante e estridente
ressoando dentro do meu cérebro.
Um gemido suave escapa de entre os meus lábios ao me
acomodar na cadeira de madeira áspera, a dor latejante na cabeça
se intensifica ao ver os olhares do papá e da Safira para mim.
— Você tá péssima — Safira contesta o óbvio.
— Papá, você viu o Pedro ontem? — pergunto, ignorando as
palavras da minha irmã.
— Vocês não saíram juntos? — ele devolve, bebericando o
café na xícara de porcelana.
Pisco com força, suspirando.
— Sim — murmuro e pondero se devo ou não dizer as coisas
que ecoam dentro da minha mente.
— O que aconteceu, mi Perlita? Ontem não parecia bem e
quando vim aqui, estava dormindo como uma pedra.
Engulo em seco e lambo os lábios com a ponta da língua.
— Ontem Pedro e eu fomos na Fazenda Navarro e vimos
coisas que não devíamos — admito, porque Pedro precisa ser
encontrado e nada acontecerá se eu continuar guardando a verdade
só pra mim.
Safira arregala os olhos claros, como se soubesse
exatamente do que se trata.
— O que vocês viram? — questiona ao arrastar a cadeira
para trás num solavanco, ficando de pé, toda esbaforida. — Tem
alguma coisa a ver com o suicídio do Rafael Navarro?
— O quê? Suicídio? — balbucio.
— É o que estão falando — Safira comenta, desconfiada. —
O que você sabe, Pérola?
Não tem como negar que muitas pessoas em Verdellano
ganham a vida por causa da colheita da família Navarro, mas a
mesma mão que pede ajuda, às vezes, é a que dá uma apunhalada
pelas costas.
Rafael mal se foi e as fofocas já estão circulando pelas ruas
como um vírus contagioso. As pessoas simplesmente falam, sem se
importar que isso vá machucar alguém de verdade.
Infelizmente, ninguém além de mim, Pedro e Leonardo
saberá sobre o que aconteceu de verdade nos campos de café.
— Ele não se matou — assumo e é automático, meu pai
apoia o cotovelo em cima da mesa velha para segurar as têmporas
com uma das mãos, tampando o rosto. — Foi alguém do Cartel.
— Ave Maria! — Safira exclama e leva as duas mãos para
cobrir a boca. — Cadê o Pedro?
As lágrimas molham as minhas bochechas, fazendo caminho
até os lábios.
— Não sei. Ele... — Respiro fundo, tomando fôlego para
explicar as coisas de forma sucinta para os dois. — Rafael e
Leonardo estavam discutindo, eles brigaram pela arma e Rafael
levou um tiro. Meu celular tocou e Leonardo... ele percebeu que
tinha alguém ali, Pedro correu pra um lado e pediu pra eu fugir e
esperar ele na caminhonete, só que ele não apareceu. E agora, eu
tô ferrada.
Chorando em silêncio, estico as mãos para pegar a do papai,
obrigando-o a olhar para mim. No momento em que nossa conexão
é feita, sinto meu coração ficar pequenininho.
Nunca tivemos muito. Sempre vivemos lutando para pagar as
contas e manter o bar, mas nós éramos felizes. E agora parece que
tudo desmoronou.
— Desculpa, papá.
Ele assente, sério.
— Não conte nada disso a ninguém — pede, a voz firme.
— Mas como vamos encontrar, Pedro?
Papá troca um olhar melancólico com Safira, e então, segura
as minhas mãos entre as suas. Observo as nossas peles, as suas
são tão enrugadas do tempo e ásperas, enquanto as minhas,
pequenas demais.
— Não acho que Pedro vá aparecer, cariño.
— Não... — sussurro, a visão embaçada por causa das
lágrimas ácidas que fazem meus olhos arderem. Balanço a cabeça
de um lado para o outro, incapaz de aceitar as palavras do papai. —
Não, ele vai aparecer.
— Sinto muito.
— Não, papá — choramingo.
— Vocês duas precisam ir para Barranquilla e deixar essa
cidade o quanto antes — ele ordena, alternando a atenção de mim
para Safira, que também está chorando sem fazer barulho. —
Façam as malas agora.
— Não podemos deixá-lo sozinho — Safira intervém.
— Vamos os três — comento, a voz fanhosa do choro. —
Vamos pegar o dinheiro que o senhor está guardando para os meus
estudos. Vamos usá-lo.
Ele abre um sorriso fraco.
— Usei o dinheiro para pagar o que estava devendo. Não
tenho reservas — admite, e é como se alguém estivesse com a mão
dentro do meu peito, espremendo o meu coração para destruí-lo.
— Não vou sem o senhor — cochicho entre as lágrimas.
— Também não — Safira fica do meu lado, e eu estou tão
triste, que nem tenho tempo de me surpreender. — Vamos vender o
bar, papá. Eu sei que está na família há gerações, mas o lugar
nunca deu lucro o suficiente.
— Vender o bar? — pergunta e solta uma risada seca. —
Não posso. O senhor Rafael Navarro acabou de morrer, Safira. Se
nós três sairmos daqui, a família virá atrás de nós. Tenha certeza
disso. Essa cidade é deles e eles sabem tudo o que acontece aqui
— fala com o maxilar trincado.
— Então, nós vamos ficar aqui e fingir que nada aconteceu —
Safira informa, sisuda.
— Sinto muito — digo baixinho, porque eu sei que a confusão
toda é por minha culpa. — Eu sinto muito de verdade.
— Vocês duas têm que sair daqui. Hoje mesmo — papá
rebate.
— Não vamos sem o senhor. — Safira volta a sentar na
cadeira, pegando uma mão do papai e também, envolvendo uma na
minha, me olhando com tristeza, mas também, um pouco de
cumplicidade. — Somos uma família. Os três juntos.
— Me perdoa — sussurro a Safira, fazendo-a abrir um sorriso
melancólico. — Por favor.
— Para de pedir desculpas e faça o que eu digo, tá bem? —
ela ordena e eu concordo com um aceno de cabeça. — Ficará
enfurnada aqui dentro pelos próximos dias — avisa e mesmo
chorando, eu não tenho como discordar.
— O Pedro... — minha voz morre no meio da garganta.
— Sinto muito, Pérola, mas não acho que você vai ver o
Pedro de novo. Eu sei que ele é importante pra você — Safira
articula e a culpa me consome tanto, que começo a soluçar aos
prantos.
— Eu não devia ter deixado o Pedro correr sozinho.
— Ele salvou você — papá comenta, cheio de pesar.
Sacudo a cabeça, desesperada. Afasto-me dos dois,
arrastando a cadeira para trás e subo as escadas correndo para
fazer exatamente o que Safira mandou, me esconder como uma
covarde.
E chorar pelo meu melhor amigo.
Na sala de estar da casa da Fazenda Verdellano, observo os
rostos tensos e sombrios da minha família. O lugar que sempre
exalou conforto e grandeza, agora está carregado de tristeza e
raiva, tingido por uma nuvem taciturna.
Mamá está sentada no sofá confortável, seus olhos que
normalmente são tão vivos e cheios de vigor, no momento estão
opacos, inchados pelas lágrimas que derramou por Rafael.
O seu luto é palpável, emanando dela para nós como uma
onda de tristeza profunda.
Hortênsia, minha irmã mais nova, segura a mão da mamá
com carinho, perdida nos seus próprios pensamentos e tristeza.
Vitória, a esposa de Rafael desmaiou logo depois que o corpo foi
sepultado e está no segundo andar com Mabel.
Santiago e Vicente, meus irmãos mais novos, também estão
agrupados na sala, todos em silêncio, com os rostos abatidos e
sérios.
Meu avô, um dos homens que já foi a principal cabeça do
Cartel de Santa Fé, se encontra em pé, de frente para a porta que
dá na direção da varanda. A mão enrugada sustenta o peso do
corpo na empunhadura com detalhes intrincados da bengala lisa de
madeira ébano.
Aperto as mangas do terno escuro com os dedos, enquanto
organizo as palavras dentro da minha cabeça.
Meu tio Camilo, que está num canto da sala, lança um olhar
acentuado para mim, como se esperasse o meu primeiro passo em
falso, algo que nunca aconteceu e não acontecerá.
Ele é o irmão mais novo do meu pai e que sempre almejou
ser o principal chefe do Cartel. Mas, para o seu azar, ele nunca teve
um herdeiro homem e o meu pai foi o primeiro a construir uma
família e orgulhar o meu avô.
— Não consigo acreditar que acabei de enterrar Rafael. Meu
menino. Isso não é justo. Não é — a matrona murmura com a voz
suave, cheia de dor. Acho que nunca a vi sofrer tanto.
— Eu sei, mamá — admito, minha própria voz carregada de
tristeza.
Mabel entra na sala de estar e cruza o olhar comigo, seus
olhos suplicantes, expondo uma dor e vulnerabilidade que ela
raramente deixa transparecer.
— Vitória dormiu — informa ao sentar-se no sofá e cruzar os
braços, espremendo os lábios.
— Enquanto eu não descobrir o que realmente aconteceu
com o Rafael, quero que todos tenham a segurança dobrada —
começo a articular e fico grato pela voz ter soado firme. — E
Vicente, você não voltará para Madrid, ficará na Colômbia com a
mamá e a sua família, onde é o seu lugar de verdade. Essa é a
minha palavra final, não há discussão — digo, anunciando uma
nova lei incontestável e imutável sobre a família Navarro.
É nítido que meu irmão não gosta da minha ordem, mas não
ousa reclamar.
Vicente é o único de nós seis, agora cinco, que odeia tudo
que envolve os negócios ilícitos da família. Sempre deu um jeito de
se manter longe de nós e do rastro de sangue que o peso do nosso
sobrenome carrega.
No entanto, chegou a hora de parar de menosprezar o que
somos e assumir o seu lugar como um dos herdeiros.
— Faça as pessoas dessa maldita cidade calarem a boca
também. Elas andam falando que o Rafael se suicidou — Mabel
resmunga ao cruzar os braços na altura dos seios.
— Essa maldita cidade é um dos principais negócios que nos
mantém, mi nieta. Tome cuidado com o que diz — nosso avô
comenta, a voz rouca e cansada, ainda assim, poderosa. — Mas ela
está certa, Alejandro, faça com que parem de falar da nossa família.
— Eu farei, abuelo.
— Há alguma novidade? — Santiago quer saber.
— O capataz da fazenda disse que alguém viu uma
caminhonete nos arredores da fazenda. Vou investigar sem fazer
alarde, não quero que tudo se torne um caos.
— Um caos?! — Mabel berra, assustando Hortênsia e
fazendo mamá chorar mais ainda. Prenso os lábios, me controlando
para não ser um babaca cruel com a minha irmãzinha. — Que se
dane essa cidade. Eu quero que todos morram. Meu irmão morreu
nessa fazenda. Alguém entrou aqui e deu um tiro nele — completa,
chorando.
Meu avô se vira para nós e dá alguns passos para perto da
poltrona de couro próximo do sofá. Num rompante, Vicente se
aproxima dele e o ajuda a se acomodar no assento, deixando o
velho confortável.
— Se acalme, Mabel.
— Abuelo... — ela choraminga. — Temos que vingar Rafael
— rosna entre os dentes ao ficar de pé e levar as mãos até os
cabelos escuros, passando as mechas para trás. — Se
estivéssemos nos tempos de Pablo Escobar, ele já teria resolvido
tudo.
— Mabel, se controle — mamá pede, completamente abatida.
— Não briguem, por favor. Eu acabei de enterrar o irmão de vocês.
Eu sei que as palavras de Mabel não são exatamente para
me ofender, ela está apenas machucada, tentando lidar com o luto,
assim como todos nós debaixo do teto desta sala.
Ainda assim, cada músculo do meu corpo se contrai em raiva
pelas palavras que acabaram de sair da boca pequena dessa
criatura atrevida. Desde que estou no comando, os negócios
triplicaram e os inimigos se mantiveram longe.
E os que se aproximaram, eu os eliminei.
Corto a distância até Mabel e ergo a mão, envolvendo o dedo
indicador e o polegar no seu queixo pequeno e trêmulo. Ela tenta
desviar o rosto, mas eu a forço olhar para mim.
Os olhos grandes e brilhantes por causa das lágrimas contra
os meus.
— Não seja tola, se estivéssemos vivendo na era de Pablo
Escobar, você não estaria discutindo comigo agora. Sua vida seria
ruim e miserável, Mabel, acredite em mim. Então agradeça por tudo
ter evoluído e os homens terem se tornado mais inteligentes, porque
a inteligência é o único freio que mantém sob controle os monstros
que vivem dentro de nós.
Minha irmã prensa os lábios e se afasta de mim num
solavanco.
— Deve respeito ao seu irmão, Mabel. — Nosso avô a
lembra, em seguida, apoia o braço na poltrona e segura o queixo,
observando-a. — Não se esqueça disso.
— Eu sei, abuelo, sinto muito — Mabel sussurra, mordendo
os lábios com força. — Me desculpa — articula ao lançar um olhar
intenso para mim.
Estico a mão e apoio no seu ombro, puxando-a para perto de
mim. Sem protestar, Mabel envolve os braços no meu tronco e me
aperta, chorando contra o meu peito como uma criança.
— Prometo vingar Rafael — falo ao encostar um beijo casto
na sua têmpora quente. — Prometo uma vingança de sangue —
emendo com tanto ódio e dor dentro do meu coração, que me sinto
sufocado.
— Faça todos sofrerem, Alejandro — Mabel pede entre as
lágrimas que sujam a minha camisa social. — Faça todos
sangrarem até a morte.
Santiago direciona um olhar incisivo para mim e concorda
com um aceno firme de cabeça, enquanto Vicente tem uma
expressão amarga, como se soubesse que não há como escapar do
rastro de sangue que envolve a nossa família.
Quem tirou a vida de Rafael morrerá, além disso, todos que
tem o mesmo sangue do seu assassino.
Mesmo que não sejam culpados diretamente, não deixarei
ninguém vivo.
Por que obedecer é tão difícil?
Para ser honesta, eu devo ter uma inclinação natural para
desafiar a autoridade do papá e da Safira, e ter uma resistência para
ser pura e simplesmente controlada. Fora o fato de parecer injusto
pra caramba, ficar trancafiada em casa, enquanto Pedro
simplesmente continua sumido.
Meu coração se parte mais um pouco com o desespero e a
preocupação da sua mãe. Sinto que estou traindo o meu melhor
amigo por não ir correndo contar a sua família o que aconteceu.
O que vimos.
Ou por não o procurar nas plantações da Fazenda Navarro.
Que tipo de monstro eu estou me tornando? Ela chora em
desespero por causa do filho desaparecido e a única coisa que
posso fazer para o seu próprio bem é balançar a cabeça e
concordar com as ordens do papá em me manter escondida.
Não aguento também os fofoqueiros de plantão. Os boatos
do sumiço de Pedro e o possível suicídio de Rafael não param de
circular e se entrelaçar como nós. Algumas pessoas acham que
meu melhor amigo tem alguma coisa a ver com isso e por esse
motivo, está escondido da família Navarro.
Mas, o que um garoto de dezoito anos faria contra um
homem poderoso como Rafael Navarro? Quando se trata de
fofocas, as pessoas simplesmente não raciocinam direito, apenas
deixam as merdas saírem de suas bocas.
Cansada e angustiada, arranco a folha do caderno em cima
da mesa, rasgando-a com raiva, partindo o rosto de Pedro ao meio.
Amasso e jogo o bolo de papel no chão, forçando as lágrimas a
ficarem dentro dos olhos.
As únicas pessoas que meus dedos andaram desenhando
nos últimos três dias foram Pedro e Rafael. Se a polícia entrasse no
meu quarto, com certeza, me levaria como suspeita de assassinato
e sequestro.
Talvez seja melhor assim, afinal, já que não posso ir embora
sozinha e não podemos ir os três.
Essa confusão toda é por causa de mim e o que eu sei. Se
eu for até a família Navarro contar tudo que eu sei, provavelmente,
vão me matar para acabar com os inconvenientes. Eu sei que não
vão querer uma garota como eu sabendo de coisas demais sobre
eles e para ser franca, não me importo de morrer.
Não me importo se isso for fazer com que Safira e o papá
fiquem seguros.
Fecho os olhos e respiro fundo, sentindo o ar carregado com
o aroma de terra molhada. Pisco devagar e pela janela do quarto,
encaro o céu escuro e cintilante ao mesmo tempo em que a brisa
traz a voz de Safira cantando no bar ao lado.
Eu sei que devo permanecer em casa, quieta, mas vou
enlouquecer se não sair por alguns minutos. Minha mente vai
explodir se eu não colocar os pés para fora desta casa e organizar
meus pensamentos.
Levanto da cadeira de madeira e pego o boné surrado de aba
larga que ganhei de Pedro há muitos anos, encaixo em cima da
minha cabeça depois de domar os cachos com um lenço colorido.
Dentro da minha bolsa de crochê, coloco o caderno e o meu
estojo com lápis para desenho da Caran d'Ache, a coisa mais cara
que eu tenho. Papá, Safira e Pedro se juntaram e me deram de
presente de aniversário ano passado.
Desço as escadas lentamente e à medida que o faço, sinto
um nó de ansiedade apertando o meu estômago. Atravesso a casa
até a porta da frente e giro a maçaneta, colocando primeiro a
cabeça para fora.
Sinto o toque suave da brisa noturna deslizar pelo meu rosto
e a culpa me consome por desobedecer. Mas, tranco o sentimento
lá no fundo da mente e saio de casa, caminhando de cabeça baixa
pelos cantos das ruas, na direção da pracinha da cidade.
Quase dez minutos depois, me acomodo no primeiro banco
de madeira que eu vejo. Lanço um olhar furtivo ao redor e respiro
fundo, pensando em Pedro e rezando em silêncio para que esteja
bem.
Abro a bolsa e tiro o meu caderno e o estojo de dentro, apoio
no meu colo, acariciando suavemente a capa antes de mergulhar
numa página branca e me perder em linhas e formas.
Formas que se transformam no rosto bonito de Rafael
Navarro.
Cada traço que faço é uma tentativa frustrante de lidar com
os meus problemas, minhas emoções, que parecem a um triz de me
sufocar inteira.
É tão triste que ele tenha morrido dessa maneira e nunca
tenha mostrado as pessoas que ama quem é de verdade. Acho que
a sua família não o conhece de verdade e a sua vida foi uma
mentira.
Nem sei o motivo de isso me deixar tão triste, eu mal o
conhecia.
— Pérola Sanchez?
Meus olhos se encaminham para voz masculina ao meu lado.
Um homem com o triplo da minha estrutura óssea, cabelos longos e
presos num rabo de cavalo baixo, usando um boné preto, como se
quisesse esconder o seu rosto, senta ao meu lado, invadindo o meu
espaço pessoal.
Seu rosto é feio e com marcas de acnes, a pele é oleosa
demais e há uma barbicha estranha contornando o queixo, que
parece pontudo.
— É muito talentosa — comenta ao gesticular com o dedo
para o meu desenho, em seguida, estica um dos braços sobre as
costas do banco, contornando o meu corpo, uma forma de me
intimidar. — Meu chefe quer falar com você.
Soco meu estojo com lápis dentro da bolsa de crochê e
quando faço menção de fechar o caderno, ele impede.
— O que você quer? — grunho.
— Eu já disse, Pérola. Meu chefe quer falar com você — diz,
os olhos brilhando de maneira lasciva contra os meus. — Este
desenho... — Toca a folha do caderno com o indicador. — E esta
carinha linda. — Agarra o meu queixo com os dedos gélidos e
ásperos. — Precisam desaparecer — emenda com um sussurro
ameaçador.
Meu coração bombeia tão rápido dentro dos ouvidos, que por
alguns segundos, não escuto mais nada, além do meu cérebro
gritando para que eu saia correndo ou comece a implorar por
socorro.
Forço o nó no meio da garganta a descer e num rompante,
eu fico em pé. Para o meu desespero, o cretino ao meu lado é tão
rápido quanto eu. Num gesto leve, porém firme, ele envolve uma
das mãos na minha cintura e a outra, abre um pouco o casaco,
revelando o cabo da arma compacta.
— Não faça merda, Pérola. Ou você quer que eu machuque
pessoas que não tem nada a ver com isso? — questiona e abre um
sorriso de lado, mostrando os dentes grandes e estranhamente
brancos demais. — Na verdade, eu não me importo.
Eu saí de casa sem falar com o papai ou a Safira, Pedro
sumiu e eu não tenho notícias dele, não sei se está vivo. Não posso
simplesmente deixar esse homem me levar e acabar com a minha
vida.
Não sem lutar.
Com uma das mãos seguro meu caderno e bolsa, com a
outra, eu aperto os dedos e num impulso forte, dou uma cotovelada
no abdômen do homem atrás de mim, roubando um gemido de
surpresa dele.
Sem olhar para trás, eu começo a correr na direção de um
beco escuro, os passos ecoando contra o chão de pedra. A
adrenalina pulsando nas minhas veias e o coração martelando como
um tambor selvagem. Com a visão ardendo, me pergunto se Pedro
se sentiu tão desesperado e angustiado assim quando correu de
Leonardo.
Lanço um olhar para trás e eu vejo, quase me alcançando,
seus passos ressoando até os meus ouvidos.
Acelero mais os meus pés para sair do beco e acabo
esbarrando diretamente em alguém que me faz cair no chão de
pedra. Meu estojo e lápis voam para fora da bolsa, meu caderno
também cai longe, e de joelhos.
— Me desculpe — murmuro rápido e com pressa, começo a
recolher meus lápis e agradecendo mentalmente pela pessoa à
frente me ajudar.
— É meu irmão.
Ao reconhecer a voz de Alejandro Navarro, meu coração
congela e eu prendo a respiração, observando as minhas mãos e
até esqueço por alguns segundos que estou fugindo de alguém.
Fico em pé e passo as mãos no joelho e deixo escapar um
gemido de dor ao perceber que ralei no chão de pedra.
— Não é o seu irmão — minto, sem ter coragem de olhar
para ele. — Pode me devolver, por favor? — peço.
— Não insulte minha inteligência.
Tomo coragem para erguer os cílios e encarar os intensos
olhos de Alejandro, que me capturam em questão de milésimos,
como se eu fosse uma presa fácil, me conectando em um mundo à
parte, que pertence apenas a ele.
Para a minha surpresa, ele me entrega o caderno e no
instante em que nossos dedos se roçam, eu tomo um choque, mas
nem tenho tempo de me concentrar no que aconteceu, eu volto a
correr, decidindo se volto para casa ou não.
Será que devo ir embora de Verdellano?
Talvez eu tenha que deixar tudo para trás.
— Achei você — o homem fala ao me encontrar em outra
viela e me fazer gritar em espanto. — Cala a boca, puta! — Coloca
a mão asquerosa contra os meus lábios, me impedindo de pedir
ajuda. — O que disse para o Alejandro Navarro?
Balanço a cabeça de um lado para o outro.
— Espero que não tenha aberto o bico ou vai ser pior —
murmura ameaçadoramente e me arrasta por uma rua sem luz e
sem movimento. — Melhor cooperar e talvez você não sofra tanto.
É impossível fazer com que meu corpo coopere com esse
cretino e eu sei que é uma péssima ideia, ainda assim, sou incapaz
de impedir os meus dentes de cravarem na sua palma com toda
força de sobrevivência que há dentro de mim.
— Puta! — ele esbraveja e o filho da puta é tão rápido, que
antes de sacodir a mão por causa da dor, me dá um chute no
estômago, me deixando sem ar.
— Sua mãe nunca te ensinou como tratar bem uma mulher?
— Alejandro pergunta, me surpreendendo.
Quando recupero o mínimo de fôlego, olho para frente e fico
em choque ao vê-lo atrás do meu agressor, segurando o homem
pelos cabelos com uma raiva desumana, obrigando-o a inclinar o
corpo para trás.
— Não se preocupe, nunca é tarde pra ensinar — Alejandro
continua a articular, uma calma mesclada a raiva e então, com um
soco, quebra o maxilar do cretino, apenas para depois, pegar a mão
que eu mordi e arrebentar um dedo de cada vez. — Martín — ele
chama e eu dou um pulo para o lado ao ver o seu segurança surgir
atrás de mim, leve-o para mim. Veja a tatuagem no pulso dele.
Alejandro e Martín se encaram e há uma comunicação
sigilosa entre eles.
— Sim, senhor.
Martin pega um lenço branco e entrega para Alejandro, que
limpa as mãos grandes ao mesmo tempo em que dá passos
silenciosos e firmes até mim.
— Por que ele estava atrás de você, Pérola?
— V-você... — é a única coisa que consigo gaguejar, em
choque.
Se ele cuidou daquele homem assim, o que fará comigo?
— Me responda — ordena, se movendo para perto de mim
com uma confiança inabalável. — Por que estava desenhando meu
irmão? Era amante dele? — a última pergunta vem com uma
pintada de ressentimento.
— O quê? Amante do seu irmão? — quase grito.
— Então, explique — exige e para a minha surpresa, ergue o
braço e o lenço para tocar o canto da minha boca. O contato físico
envia um arrepio pela minha pele, uma sensação quente e gostosa.
— Está sujo de sangue. Você mordeu ele... parecia um cachorro
selvagem — emenda e a silhueta de um sorriso brota em seu rosto.
— Ah, obrigada.
— Pensando bem, você está mais para uma perrita[15].
Torço o nariz, transformando o rosto em uma careta.
— Como é que é?
— Está com dor? — é o que pergunta, fazendo-me levar as
mãos até a barriga e sinto o abdômen dolorido.
— Um pouco. Aquele filho da puta me acertou um chute.
— Por que ele estava atrás de você? — insiste, a voz séria e
áspera, daquele tipo que deixa claro que todos ao redor respondem
todas as perguntas que ele faz. Tão diferente do homem que eu vi
naquele dia na praça com a garotinha. — Virão outros, Pérola.
Engulo em seco.
— Eu sei — admito.
— Então comece a falar — outra ordem que faz a minha nuca
arrepiar e deixa um gosto amargo na minha boca. É tão ruim que o
homem seja tão lindo e que faça o meu sangue ferver.
Nossos olhos se prendem por um longo segundo e eu nunca
senti como se alguém pudesse ouvir meu coração descompassado
ou os meus pensamentos mais secretos, mas sinto que Alejandro
Navarro é capaz de fazer isso.
Abro a boca para responder, mas a minha voz se perde. No
entanto, assinto com um leve balançar de cabeça e Alejandro faz o
mesmo, para a minha surpresa, sua mão forte vem de encontro com
o meu cotovelo, me guiando pela rua.
— Vamos conversar.
— Vai conversar comigo como conversou com aquele cara?
— a pergunta escapa de entre os meus lábios antes que o cérebro
filtre as palavras.
Ele não diz uma única palavra e diferente da situação
anterior, embora ele exale um ar de perigo, meus pés não querem
sair correndo para longe.
Caminhamos até um carro chique e brilhante estacionado
num lugar mais afastado da pracinha. É estranho estar com ele
sabendo tudo o que sei sobre o que aconteceu com o seu irmão.
A sensação é de que não passo de uma intrusa em seu
domínio, mas, de alguma forma, é instigante.
Ele abre a porta do carro para mim.
— Entre.
— Não podemos conversar na minha casa? Eu moro aqui
pertinho e... — A minha voz silencia no exato momento em que os
olhos incisivos me penetram com força, uma ordem mental para que
eu entre no carro. — Tudo bem, eu vou entrar.
Me acomodo no banco do carona e Alejandro dá a volta para
se sentar no lugar do motorista. Não há como negar que o homem é
lindo e exala um magnetismo cativante. Isso é incitador pra
caramba.
Os olhos avelãs e profundos parecem conter um próprio
mundo de emoções e honestamente, sinto que são capazes de
derreter até mesmo o gelo mais sólido do Polo Norte.
O homem entra no carro e arregaça as mangas da blusa de
linho, evidenciando o tom dourado da pele, que parece acariciar a
luz. No exato momento em que ele lança um olhar para mim, eu viro
o rosto e encaro a rua.
Alejandro se aproxima e puxa o cinto de segurança para me
prender.
— Sinto muito pelo seu irmão — murmuro, tocando de
verdade no assunto pela primeira vez.
— Você vai me contar tudo o que sabe, Pérola.
Nem consigo assentir, apenas engolir em seco com a
ondulação sombria que saiu da sua voz e alcançou os meus
ouvidos.
Ele pisa no acelerador e sai em disparada.
Merda.
É uma péssima hora para querer fugir de Alejandro.
Algumas horas antes...
— A caminhonete pertence ao Pedro Acevedo — Fabián, o
capataz da fazenda que cuida da colheita de café tradicional, diz ao
passar as mãos na calça jeans antes de se sentar na cadeira de
frente para a mesa de madeira ébano do escritório. — É um veículo
velho, não vale nada, está na família dele há anos.
— O que mais descobriu? — quero saber.
— Patrão, Pedro só tem dezoito anos, ele é um bom garoto.
Eu vi esse menino crescer e ele... bem, eu não concordei, mas
Soares ficou de contratá-lo para a colheita do café especial, o
senhor sabe — ele fala, se referindo a colheita de coca. — Pedro
queria juntar dinheiro, mas não acho que tenha feito coisa errada. —
Fabián solta uma baforada de ar e leva uma das mãos até os
cabelos, penteando para trás. — Não sei o que ele veio fazer aqui,
mas o senhor precisa saber de uma coisa, eu fui conversar com a
mãe dele.
Arqueio uma sobrancelha, questionando-o em silêncio,
enquanto meu tio Camilo, Santiago e Vicente, que também estão no
escritório, nos observam. Meu avô permanece quieto, atrás de mim,
observando o jardim através da janela que dá para uma pequena
varanda privativa, sem interferir na minha liderança.
— Ele desapareceu.
Me remexo na cadeira de couro e de repente, uma tensão
surge nos meus ombros. Apoio os dois braços na mesa e mantenho
os olhos firmes contra os do meu capataz, exigindo explicações.
— Ninguém sabe onde ele está — fala, olhando para os
lados e encontrando os rostos dos meus irmãos. — Mas, patrão, se
tem alguém que deve saber onde ele está escondido é a Pérola, a
garota que desenha os turistas na praça. Pérola Sanchez.
Pérola...
Não é a garota que Martín intimou meses atrás por que
estava desenhando a mim e a Giovanna sem permissão?
Ainda consigo me lembrar dos olhos daquela bella chica[16].
Hipnotizantes, quase como joias preciosas de um tom profundo de
âmbar que brilharam para mim como fragmentos de ouro líquido.
Incrível como os olhos daquela garota são expressivos e
cativantes a ponto de conseguirmos notar o quão curiosa e quente
ela pode ser.
— Eles foram criados juntos, são praticamente irmãos.
Quando moleques, se um estava metido em confusão, o outro
também estava. Ela deve saber onde ele está se escondendo. E eu
acho... e eu acho que Pedro deve saber o que aconteceu com o
senhor Rafael.
— É óbvio que ele matou o nosso irmão — Santiago
resmunga entre os dentes. — Precisamos encontrá-lo.
— Por que um garoto de dezoito anos iria matar Rafael? —
Vicente questiona, incrédulo.
— Talvez alguém o tenha mandado matar, Vicente. Não seja
inocente demais — tio Camilo argumenta, certo das suas palavras.
— Você passou mais tempo fora daqui do que com a gente, não
sabe a porra dos perigos que enfrentamos, sobrinho.
— Calem a boca — ordeno.
— Me envergonharia saber que Rafael foi assassinado por
um garoto de dezoito anos — a voz do vovô soa atrás de mim. —
Não acho que tenha sido um desconhecido. Rafael não sacou a
própria arma. Quem quer que seja que matou Rafael, foi um
conhecido — vovó foca nos detalhes, em seguida, lentamente, dá a
volta na mesa para sair do escritório, mas antes, lança um olhar
sério para mim e eu assinto.
— Então temos um traidor — Santiago fala, fechando as
mãos em punho.
Mantenho a postura firme e cruzo o olhar com o de Fabián.
— Me passe o endereço de Pérola.
— Patrão, se me permite perguntar, o que o senhor vai fazer
com ela? — Fabián questiona, o que me irrita profundamente, mas
me controlo ao apertar a mandíbula com firmeza.
A única coisa que falo ao meu capataz é:
— Tudo o que disse foi muito útil, Fabián. Volte ao trabalho e
cuide da colheita de café. Não se meta no caminho de Soares e
Rúben, estamos entendidos?
Ele assente ao respirar fundo e verbalizar:
— Sim, senhor.
Martín precisou apenas de duas horas para recolher todas as
informações importantes sobre a Pérola Sanchez. Ela nasceu em
Barranquilla e viveu lá até os cinco anos de idade, veio pra cá com
os pais e a irmã, que por coincidência, já foi colhedora de café na
fazenda há muitos anos.
Pérola terminou o ensino médio ano passado e ganha
dinheiro na praça da cidade, desenhando os turistas e às vezes,
ajuda o pai e a irmã no bar. A mãe das meninas morreu já faz algum
tempo e elas vivem sozinhas com o pai numa casinha ao lado do
barzinho caindo aos pedaços e que é da família Sanchez há
gerações.
Não há nada de extraordinário sobre ela nas folhas que
Martín me trouxe, mas eu mais do que ninguém, sei como parecer
alguém normal e esconder um mundo inteiro das pessoas.
Só porque não está aqui, não significa que ela não tenha algo
a esconder.
Ao passar para a última página, encontro algo interessante e
que me mantém hipnotizado por alguns segundos. É uma fotografia
de Pérola. Os cabelos estão soltos e os cachos grossos caem em
cascata sobre os ombros.
— Quer que eu vá buscá-la? — Martín questiona, enquanto
continuo com a atenção fixa na fotografia.
Ela tem olhos tão grandes e estranhamente atrevidos.
Atrevidos de um jeito convidativo pra caralho. Os cílios longos
realçam ainda mais o seu olhar petulante e parecem implorar para
que alguém mergulhe neles e a desmonte inteira.
— Patrón? — Martín me chama.
Ergo os cílios para ele e arqueio uma sobrancelha,
questionando-o.
— O que foi?
Ele pigarreia e remexe os ombros eretos antes de perguntar
com a voz profissional e respeitosa:
— O senhor quer que eu vá buscar Pérola Sanchez?
Faço um gesto negativo com a cabeça e coloco os papéis
dentro do envelope marrom, em seguida, os guardo dentro da
primeira gaveta do escritório.
— Não. Eu mesmo vou buscá-la.
Quando o carro se aproxima da entrada imponente da
Fazenda Navarro, a sensação de medo cresce dentro de mim.
Minhas mãos apertam levemente a bolsa de crochê no colo para
conter o nervosismo que faz o meu corpo inteiro tremer.
Alejandro para o carro em frente à entrada com um jardim
perfeitamente cuidado e lança uma olhada intensa para mim antes
de descer do veículo. Continuo quieta, uma mistura de apreensão e
deslumbramento pela casa da fazenda que parece uma mansão.
Prendo a respiração ao vê-lo abrir a porta do carona para que
eu desça. Engulo em seco e sinto um arrepio percorrer a minha
espinha dorsal ao colocar os pés para fora do veículo.
Atrás de nós, Martín estaciona uma caminhonete preta e
troca um olhar com Alejandro, que dá um leve aceno de cabeça
para o seu segurança antipático.
Disfarçadamente, dou uma breve checada atrás de mim e
nos meus lados, calculando as minhas chances de fuga.
— Não pense em fugir, vai ser pior — Alejandro fala, como se
lesse meus pensamentos e faz um gesto com a mão para que eu
siga pelo pequeno caminho de pedras que dá em cima da extensa
varanda da mansão da fazenda.
— Não posso admirar o lugar? — rebato, completamente na
defensiva.
Mal chegamos à varanda e as portas de madeira se abrem
diante de nós, revelando um interior que eu só vi em filmes e em
novelas. Uma senhora de cabelos grisalhos dá um sorriso simpático
para Alejandro e um passo para o lado para que nós entremos.
Pisco devagar, boquiaberta com os candelabros que cintilam
no teto, fazendo o brilho se estender pela tapeçaria, os móveis
elegantes e as paredes, que são enfeitadas com quadros de obras
de artes.
— Não achei que existisse um lugar assim em Verdellano —
balbucio, embasbacada.
— Venha — é o que diz.
Meus olhos seguem Alejandro, enquanto ele me guia por um
corredor e cumprimenta um funcionário que cruza o nosso caminho
com um respeito silencioso. Cada passo que damos, me dá a
sensação de que estou cada vez mais fundo num buraco que não
vou conseguir sair.
Eu não devia estar aqui.
Minhas mãos tremem e eu começo a morder minhas
bochechas internas até sentir gosto de ferrugem. Alejandro me
lança um olhar incisivo e sinto o coração paralisar ao lembrar de
como lidou com aquele homem na pracinha.
Forço o caroço a descer goela abaixo.
Alejandro abre uma porta e faz um gesto com a cabeça para
que eu entre. Dou de cara com um escritório espaçoso e tão
enigmático, que é impossível tratar com palavras. No centro da sala,
há um quadro grande e antigo de um homem que tem traços
parecidos com o de Alejandro.
— Não saia daqui, Perrita — é o que fala ao me deixar
sozinha no escritório intimidador.
Não acredito que ele vai continuar com essa história de
Perrita.
Apertando a bolsa contra o corpo e olhando para a imagem
do homem que enfeita o lugar, tomo coragem para me sentar no
sofá. Aproveito o momento sozinha para checar os meus joelhos
ralados e levemente feridos, depois, tateio a barriga com uma das
mãos e a sinto doer.
Passa pela minha cabeça ligar para o papá, mas no momento
em que enfio a mão dentro da bolsa para pegar o celular, eu desisto.
Ele vai enlouquecer quando souber que estou aqui e a confusão vai
ser ainda maior.
Alejandro volta para o escritório e atrás dele, vem uma
senhora de cabelos grisalhos e um sorriso gentil emoldurando o
rosto. Ela passa pelo homem imponente e caminha até mim para
colocar em cima da extensa mesa de centro à minha frente uma
bandeja de prata, que comporta um copo de cristal com água e uma
espécie de pirex de vidro com comprimido.
Alejandro se aproxima de nós e a senhora dá um passo para
trás, mas não sai da sala.
Alterno a atenção do que está em cima da mesa de centro
para Alejandro em pé à minha frente.
— Tome — ele ordena ao indicar com o polegar para o copo
de cristal com água e o comprimido diante de mim.
Ergo uma sobrancelha, cética.
— O quê?
— Beba — a voz vem em um tom firme e incisivo, o que
arrepia os pelinhos da minha nuca.
Desconfiada e com o coração acelerado, estendo a mão
trêmula para pegar o copo, sentindo o frio da água contra os meus
dedos. Por puro instinto de sobrevivência, cheiro o líquido, me
certificando de que não está envenenado.
Depois do que Alejandro fez com o homem na praça, quem
me garante que ele não vai me matar?
— O que pensa que está fazendo? — pergunta, áspero. —
Tome logo esse comprimido.
— Me desculpe, mas eu não posso.
— Como é?
— Pode estar envenenado — devolvo, roubando um sorriso
da funcionária. — Não acho que seja sábio me matar — continuo,
tagarelando para disfarçar o medo que percorre nas minhas veias.
— Precisa de mais alguma coisa, senhor Alejandro? — ela
pergunta, mantendo o tom de voz gentil.
Ele dispensa a mulher com apenas um balançar de cabeça,
sem tirar os olhos afiados de mim.
— Não brinque comigo, Perrita. Tome logo de uma vez o
analgésico antes que eu mesmo coloque dentro da sua boca. Vai
ser vergonhoso pra você e não pra mim.
Prenso os lábios com força e respiro fundo, remexendo os
ombros, ignorando os lugares doloridos do meu corpo.
— Para de me chamar de Perrita — ordeno entre os dentes,
começando a ficar irritada de verdade.
— Não.
— Por que não?
— Por que ninguém me dá ordens. — Ele pega o comprimido
com os dedos grossos e dobra um pouquinho o corpo para agarrar a
minha mão, puxando para ele e me roubando um gemido. — Tome
a merda do analgésico — ordena, esquadrinhando o meu rosto ao
mesmo tempo em que estremece o meu corpo inteiro.
Engulo em seco.
— Você tem um jeito bem único de convencer as pessoas —
balbucio ao recolher a minha mão, estudando a cápsula
rapidamente antes de jogá-la dentro da boca e tomar um gole
generoso de água.
Um sorriso devasso se curva em seus lábios ao me observar.
— Se eu morrer, não diga a minha família. Pode mentir e
dizer que eu fugi? — questiono, roubando um suspiro seco de
Alejandro, que coloca as mãos na cintura e gira o corpo inteiro,
olhando por um segundo a imagem do homem no quadro. — Quem
é ele? Parece com você.
— Meu tatarabuelo[17], Emilio Navarro. Já foi prefeito de
Verdellano. — Ele vira o corpo para mim, alcançando meus olhos.
— Se formou no ensino médio ano passado. Não estudou sobre
isso em história regional?
Dou de ombros.
Eu sei que a família de Alejandro é importante para a cidade
e que seu sobrenome está envolvido com a política e todas essas
coisas importantes. Estudamos sobre Emilio Navarro e os antigos
prefeitos da cidade, mas o quadro na sala não parece em nada com
aquela fotografia feia dentro do meu livro de história.
— Não sou muito boa em história — minto e então, me dou
conta do que Alejandro me perguntou. — Como sabe que me formei
ano passado?
Um brilho lascivo ultrapassa os olhos castanho-claros dele,
mas nenhuma palavra sai de entre os lábios carnudos e ficamos nos
encarando por um longo segundo que parece uma vida inteira.
De repente, a porta do escritório se abre e entra um senhor
de cabelos bem branquinhos, parecendo algodão, usando uma
bengala de madeira escura brilhante. Atrás dele, um homem que
parece uma cópia fiel de Alejandro, alguns anos mais jovens.
Hernando Navarro, o abuelo de Alejandro, e Santiago, um
dos irmãos mais novos. Embora eles sejam a elite de Verdellano e
não se envolvam diretamente com pessoas como eu, todos
conhecem os seus rostos.
E como não?
A cidade pertence a eles.
A cidade pertence a esta família desde que Emilio Navarro foi
prefeito.
Fico em pé, uma forma de respeito com o senhor Hernando
Navarro. Devagar, ele se direciona até mim e os olhos cansados me
observam de um jeito estranho e intrigante, como se buscasse algo
na memória.
— Então, você é a garota que tem as informações sobre
Pedro Acevedo — ele articula e é como se um bloco de concreto
caísse dentro do meu estômago.
Meu Deus, o que eles sabem sobre meu amigo?
— C-omo? — balbucio.
— Sente-se, Pérola — ele ordena, a voz baixa, ainda assim é
firme o suficiente para formar um bolo no meio da minha garganta.
Cruzo o olhar com o de Alejandro e ele assente, fazendo-me
passar a mão no vestido, ajeitando o tecido antes de fazer o que o
seu avô mandou. Assim que me acomodo no sofá, vozes agitadas
fora do escritório chamam a atenção de todos.
— Eu quero vê-la. Quero ver a mulher que sabe sobre mi
hijo.
— Mamá, por favor — alguém fala e então, a porta do
escritório se abre novamente e é quase automático, eu fico em pé.
Pilar Navarro, a bela mulher que deu seis herdeiros ao
Alfonso Navarro, entra no cômodo de uma vez. Ela é tão nova e tem
uma energia poderosa, eu diria até mesmo, cortante.
Ao seu lado, Mabel e Hortênsia, as irmãs bonitas de
Alejandro, e, também, Vicente, o único que conseguiu fugir da
família e foi morar fora do país. E é ele quem tenta acalmar Pilar,
que por alguma razão, está furiosa comigo.
— Vicente, tire a mamá daqui — Alejandro ordena e ele tenta
segurá-la pelo braço.
— Ninguém vai me tirar desta sala — Pilar informa,
desviando das mãos de Vicente. Com o queixo erguido e em passos
confiantes, ela se aproxima de mim. — Esta é a chica?
— O que você sabe, garota? Abra logo a boca — Mabel
manda, fazendo-me notar que esta é uma família que gosta de dar
ordens.
— Mabel, se acalma — Hortênsia pede ao lançar um olhar de
esguelha para mim, há tanta tristeza no seu rosto, que me faz
engolir em seco.
— Fale, chica! Diga o que sabe! — Pilar grita, os olhos
brilhando por causa da tristeza mesclada à raiva.
Ela tenta avançar em cima de mim, mas Alejandro a impede
ao se aproximar da mãe.
— Mamá, saia. Não está em condições de conversar com
ninguém — Alejandro diz, soltando uma baforada de ar, a um triz de
perder a paciência.
Respiro fundo para acalmar o meu coração descompassado
e em um silêncio atordoante, eu encaro a família Navarro. Estão
todos com os nervos à flor da pele, tristes, com raiva e de luto e
cada olhar que se fixa em mim é acusatório, como uma lâmina
afiada entrando no meu peito.
Vão realmente acreditar em mim quando eu abrir a boca e
falar que não tenho nada a ver com a morte do Rafael?
É pouco provável.
Minhas palavras serão em vão e o único impacto que terá
será contra mim.
Sinto o suor frio escorrer pela minha testa e cada batida do
meu coração ecoa como uma tambora, tornando a minha respiração
irregular e uma tontura se espalha pelo meu corpo.
Meus joelhos fraquejam e de repente, a sala inteira começa a
girar e então, tudo desaparece no exato instante em que a
escuridão me envolve.
Depois que a mamá entra no escritório com toda a sua
personalidade efervescente e temperamento forte, Pérola fica
acuada, alternando os olhos de um lado para o outro com os lábios
cheios levemente entreabertos.
No instante em que percebo o rosto de Pérola perder a cor,
as pupilas dilatarem e as pálpebras se fecharem, minhas mãos se
movem rápido e encontram o seu corpo pequeno antes que a garota
possa colidir com o chão.
Sinto o seu peso suave contra mim, os cabelos cacheados
roçando no meu braço causam uma sensação estranha na minha
garganta.
— Não acredito nisso! — mamá esbraveja, enquanto meu
abuelo apenas observa a cena.
— Pare com isso, mamá. Não vou ordenar outra vez — rosno
e seguro Pérola com firmeza, levantando-a do chão.
É estranho como seu corpo relaxa em meus braços e a
fragilidade dela atiça os meus instintos mais primitivos, como se o
meu mundo não tivesse problema o suficiente para me ferrar.
— Hortênsia, mandem preparar um quarto — só preciso falar
uma vez para que a caçula acate minhas palavras e saia correndo
do escritório.
Com cuidado, eu me ajusto para que ela esteja acomodada
em meus braços e sem saber o motivo, meus olhos percorrem os
seus traços suaves, observando cada detalhe do seu rosto delicado.
Ignorando a raiva palpável da minha mãe, me movo em
passos firmes, cruzando o escritório e seguindo o corredor que dá
na direção dos quartos. Encontro Hortênsia e uma das funcionárias,
que me guiam até um dos recintos.
Coloco Pérola sobre os lençóis macios e o seu rosto tomba
sobre o meu antebraço, a respiração frágil da garota contra a minha
pele faz meu peito formigar. Deixo a minha atenção cair sobre os
lábios entreabertos em um suspiro leve e engulo em seco quando
minha irmã pigarreia atrás de mim.
— Será que ela vai ficar bem? — Hortênsia quer saber.
— Sim, só deve ter ficado assustada.
— Ah, com certeza. Encarar a mamá e a Mabel bravas no
mesmo dia não é fácil. Vicente não conseguiu contê-las. — Ela
respira fundo. — Você acha que ela tem alguma coisa a ver com a
morte do Rafael?
Olho para Pérola em cima da cama, tão vulnerável e doce.
— Se eu achasse que ela matou Rafael não estaria aqui na
fazenda — retruco, enquanto endireito as almofadas fofas atrás da
cabeça da garota. — Mas ela sabe de alguma coisa, só não sei o
quê.
Hortênsia deixa escapar uma risada curta.
— Hum... acho que ela já tá confortável — ela solta e eu
lanço uma olhadela por cima do ombro para minha irmã, sério. —
Nunca te vi sendo cuidadoso com uma mulher que não fosse da
família — emenda, estreitando os olhos para mim.
— O que eu deveria fazer? Deixá-la jogada no escritório sob
os cuidados da mamá e da Mabel? — devolvo, áspero.
Hortênsia levanta as mãos em rendição.
— Calma. Não fica nervosinho.
— Entonces no digas tonterías.[18]
Afasto-me de Pérola, um sentimento estranho de relutância
incomodando a porra do meu peito, mas atravesso o quarto,
passando pela minha irmã e saindo porta afora, com uma imagem
que não vou esquecer facilmente.
Pérola, frágil e delicada em meio às sombras da minha
família.

— Não fique bravo com tu madre — meu avô aconselha,


enquanto sirvo whisky num copo de cristal para mim e tomo todo o
líquido num único gole. — Pilar está sofrendo, acabou de perder um
filho.
— Eu sei.
Mesmo a garganta queimando de raiva por causa da falta de
respeito da minha mãe e Mabel mais cedo, eu sei que estão todos
quebrados por causa da morte repentina de Rafael.
Ainda nem consigo acreditar que nunca mais vou vê-lo.
— E a garota? Acha que tem alguma coisa a ver com a morte
do Rafael? — Santiago questiona ao se aproximar de mim.
Em silêncio, sirvo whisky em outro copo para ele e mais uma
dose para mim, depois, caminho até o sofá e me sento de frente
para o meu avô e do lado de Vicente, que continua calado desde
que entramos no escritório.
Antes que possa responder, há uma batida na porta e depois
de eu autorizar a entrada, o tio Camilo se enfia dentro do escritório,
o rosto vermelho e as pupilas dilatadas, acusando que está alto.
Ele nunca foi de respeitar à esposa, mas esperava que por
causa do luto, mantivesse o pau dentro das calças e se
comportasse por pelo menos algumas semanas.
— Tive um problema na cidade — é o que fala ao se
acomodar no outro sofá.
Com uma desconfiança palpável, Santiago faz o mesmo e
enruga o nariz para o nosso tio.
— Problema com bocetas? — meu irmão retruca.
— Me respeite, Santiago — tio Camilo exige.
Levo o copo de whisky até os lábios e bebo um gole, incapaz
de desviar a atenção do meu tio. Coloco o copo de cristal em cima
da mesa de centro, causando um barulho forte, que chama a
atenção de todos para mim.
— Dá próxima vez, não vai entrar bêbado no meu escritório
— grunho e ele engole em seco, contraindo a mandíbula. — Não
acho que Pérola tenha alguma coisa a ver com a morte de Rafael —
respondo à pergunta anterior de Santiago, continuando o assunto,
sem me importar de não deixar o meu tio a par das coisas.
— Não me leva a mal, irmão, mas, como pode ter certeza
disso? — Santiago questiona, curioso.
— Concordo com Alejandro. Aquela garota é... inocente —
Vicente concorda comigo.
Santiago solta uma baforada de ar.
— Me desculpe, irmão, mas você é ingênuo demais. Quantas
vidas tirou? Ah, mesmo. Nenhuma. Nem sei o que está fazendo
nesta sala. Os assuntos do Cartel não dizem respeito a você.
Vicente prensa os lábios.
— Do Cartel não, mas do meu irmão morto sim — Vicente
retruca.
— Parem os dois — ordeno, começando a ficar irritado.
Santiago ama Vicente, mas nunca conseguiu o perdoar por
não querer se tornar um membro da organização. Ele o odiou
quando o nosso irmão quis estudar em Madrid e fazer a vida longe
de nós.
Nosso avô apenas nos observa em silêncio.
— Eu sei que ela é inocente — começo a articular e ergo os
cílios para encontrar o olhar de Santiago. — Porque quando olho
pra você, eu vejo um assassino. Quando olho pro tio Camilo, eu vejo
um assassino. Quando me olho no espelho, eu enxergo o maldito
assassino que existe dentro de mim. Mas, os olhos de Pérola são
como os de Giovanna. Puros — emendo com um sussurro e
nenhum deles ousa me contrariar.
— Então por que a trouxe aqui, mi nieto? — abuelo pergunta,
por fim.
— Porque ela é inocente, mas sabe de alguma coisa. E vai
me contar — digo ao passar a língua nos lábios.
— E o cara que o Martín trouxe? — Santiago quer saber.
— É um membro do Cartel da Rosa Negra — informo,
lembrando da rosa vermelha em plena floração e com espinhos
envolvendo a haste que vi tatuado em seu pulso. — Estava atrás de
Pérola.
— O que aqueles filhos da puta estão fazendo por aqui? —
tio Camilo pergunta, irritado.
— Se eu soubesse, eu já teria resolvido todo o problema, tio
Camilo — respondo, firme e áspero. — Mas deve ser algo
importante. Eles não são burros, faz anos que não invadem o nosso
território porque sabem que somos capazes de dizimá-los.
— Tem mais deles por aqui? — Vicente se remexe no sofá,
inclinando o corpo para frente apoiando os braços nas coxas. —
Eles podem fazer mal as pessoas dessa cidade?
— Já coloquei homens procurando. Vão me trazer cada
maldito membro da Rosa Negra e eu vou dilacerá-los por terem
entrado na nossa casa.
Santiago levanta o copo em um brinde silencioso e toma todo
o resto do whisky, enquanto Vicente engole em seco, mas assente,
sem dizer nenhuma palavra.
Meus olhos piscam lentamente, se ajustando a iluminação
suave à minha volta. Respiro fundo, sentindo a brisa que entra pela
janela aberta, trazendo o cheiro fresco de terra molhada e de
plantações de café.
Aos poucos, a consciência começa voltar para a minha mente
e eu me dou conta do que aconteceu.
Um gemido baixo escapa de entre os meus lábios à medida
que me movo e a dor no meu abdômen aumenta. Estou prestes a
soltar um palavrão quando meu olhar se encaminha para o meu
joelho ralado, onde há uma pequena ferida que lateja e, também,
Giovanna, a filha de Alejandro.
Ela está sentada na cama, concentrada em cuidar da minha
ferida. Seus dedos gentis aplicam um curativo, enquanto a
expressão séria quase me faz sorrir. O cabelo longo e levemente
cacheado cai em cascata sobre os pequenos ombros, um contraste
marcante para a pele clara e os olhos profundos, que acabam de se
erguer para mim.
— Oi, meu nome é Giovanna.
— Oi, eu sou a Pérola.
— Precisamos falar baixinho. Meu pai não sabe que eu entrei
aqui — fala com um tom sussurrante.
— Não devia desobedecer ao seu pai — retruco e enrugo a
testa ao perceber que só estou aqui porque eu fiz o mesmo.
Desobedeci ao meu pai. — Onde ele está? — quero saber.
— No escritório. — Dá de ombros, ainda colocando band-aid
sobre os meus joelhos. — A Milagros disse que você desmaiou, por
isso meu pai e a tia Hortênsia te trouxeram pra cá.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Sim.
— Tá com fome? — questiona, simplesmente. — A abuelita
diz que quando estamos de barriga vazia é difícil se manter de pé.
Algo absurdo vem à cabeça e me sinto péssima pela mentira
que estou prestes a contar à Giovanna, porque ela é a primeira
pessoa dessa família que está me tratando bem e parece
preocupada de verdade comigo.
— Pode trazer algo pra eu comer? Tô com muita fome.
Um sorriso ilumina o rosto delicado dela.
— Não saia daqui, eu volto logo. A Milagros faz arepas[19]
recheadas com queijo que você vai amar. São as minhas preferidas.
Giovanna sai do quarto sorrateira e eu respiro fundo, prestes
a pegar o meu diploma de pior pessoa do mundo. Como eu posso
ser tão insensível e enganar uma criança assim?
Balanço a cabeça, deixando para me sentir culpada quando
estiver bem longe daqui. Coloco os pés no chão e calço as minhas
sandálias, pego a minha bolsa e enfio no ombro ao mesmo tempo
em que uma coragem sutil se acende dentro de mim.
Caminho até a janela entreaberta e fixo os olhos no
horizonte, observando as plantações que parecem tão distantes e
ao mesmo tempo, tão perto de mim. Meu coração bombeia alto
dentro do meu ouvido e eu o ignoro ao abrir completamente,
odiando o rangido leve que ela dá.
O ar frio da noite faz carinho no meu rosto, arrepiando a
minha nuca. Sem hesitar, coloco uma perna na frente, depois a
outra. Olho para baixo e engulo em seco, porque parece
razoavelmente alto demais.
Assim que escuto uma batida de leve na porta e a voz de
Alejandro chamando o meu nome, eu dou um pulo e caio de joelhos
no gramado. Solto um gemido de dor, mas levanto novamente e ao
lançar uma olhadela para trás, vejo o homem na janela, a expressão
de fúria dominando o rosto bonito.
— Pérola! Não faça isso! — ele esbraveja.
E eu levo o ar até os pulmões e começo a correr em direção
às plantações de café, enquanto o chão cede sob os meus pés.
Atrás de mim, ouço a voz de Alejandro me chamando, só que não
posso parar agora.
Eu preciso sair daqui antes que essa família arranque a
minha cabeça.
Então, eu corro, meus passos ecoando na terra, enquanto
tudo ao meu redor se mistura em um borrão de cores e minha
respiração entra num ritmo acelerado. O som do balançar das folhas
preenche os meus ouvidos à medida em que me movo com pressa
pelos campos da colheita.
De repente, um toque firme no meu braço interrompe a minha
fuga. Meu corpo é girado num solavanco e sinto uma onda quente
passar por mim quando meus olhos encontram o rosto intenso e
furioso de Alejandro.
O tempo parece desacelerar ao me dar conta de que o
mundo me entregou ao inimigo.
— Peguei você, Perrita.
Em pé, diante de mim, os dedos firmes de Alejandro presos
ao meu braço e cada centímetro do seu corpo parece emanar uma
presença dominante sobre mim. É como uma força intimidadora,
que ao mesmo tempo é irresistível pra caramba.
Seus olhos castanho-claros se fixam nos meus, quase como
se estivessem mergulhando dentro da minha mente. Da minha
alma. É como se quisessem desvendar cada pensamento escondido
dentro da minha cabeça confusa.
Desesperada, tento me desvencilhar dos seus dedos para
fugir e ele não deixa, chocando os nossos corpos com um impacto
que envia uma onda contra a minha pele. A nossa proximidade é tão
intensa e avassaladora, que nem consigo pensar, apenas me sentir
vulnerável e exposta.
Os dedos grossos de Alejandro ainda agarram meu braço
com força, mas não me machucam.
— Não corra mais, Perrita. Não adianta fugir de mim, porque
eu vou encontrar você — a voz soa baixa, mas é firme, como uma
ordem suave que me envolve completamente.
Ele esquadrinha o meu rosto e há algo na maneira que ele
me olha, é como se eu pudesse desafiar todas as barreiras que
existem ao seu redor.
Respiro fundo, incapaz de verbalizar alguma coisa, mas
qualquer resistência que eu tenha, começa a desmoronar sob o seu
olhar atroz e a proximidade inegável dos nossos corpos.
— Vamos conversar.
— Eu... — falo, a voz falhando por causa do coração que
afunda contra o peito. — Eu não matei o seu irmão — digo de uma
vez.
— Eu sei.
Pisco devagar, surpresa.
— Sabe?
— Sim. Mas, você está escondendo algo e vai me contar tudo
que sabe.
— Eu quero uma coisa em troca — devolvo, erguendo o
queixo para o homem, que aproxima o rosto ainda mais do meu.
— O quê?
— Encontre meu amigo. Pedro. Ele também não tem nada a
ver com a morte do seu irmão — digo e os olhos de Alejandro
brilham em confusão, mas solto um suspiro em alívio no momento
em que ele concorda comigo.
— Vamos voltar e conversar.
— Só nós dois — peço, mordendo o lábio inferior e o homem
deixa a atenção cair para a minha boca. — Vou me sentir melhor se
conversar apenas com você.
— Só nós dois, Perrita.
— Pode me soltar agora. — Gesticulo com a cabeça para a
mão no meu braço e ignoro o formigamento no meu corpo. — Não
vou fugir.
— Prefiro prevenir.
Sem me soltar, Alejandro me arrasta em meio as plantações
de café e devagar, lanço os olhos para ele. Como alguém pode ser
tão lindo e assustador na mesma proporção? É uma combinação
interessante, eu preciso confessar.
Tomo um sobressalto ao ouvir o som cortante de um tiro
irromper pelo ar. Meus ouvidos captam o estampido agudo, que se
expande dentro da minha cabeça e me deixa zonza com o choque
momentâneo.
Olho para os lados, tentando entender o que está
acontecendo e um arrepio percorre a minha espinha no momento
em que Alejandro choca o corpo contra o meu, me empurrando com
força para baixo, nos jogando no chão.
Nem consigo processar direito as coisas, mas meu coração
acelera com a força e a proteção súbita dele sobre mim, me
envolvendo completamente. O homem me cobre como um escudo,
como se fosse o meu protetor.
Outro som estridente de tiro rasga o ar, o eco vibrando nos
meus ouvidos e arrepiando a minha pele, mas não sei se é pelo
perigo ou por ter o corpo musculoso e duro de Alejandro sobre o
meu.
Mais uma vez, eu fico sem fala e a respiração fica trêmula.
Desço um pouco os olhos e observo os braços fortes dele me
envolvendo, ergo os cílios e encontro os lábios carnudos tão
próximos dos meus.
Meu coração bate enlouquecido e fico com medo que ele
consiga ouvir.
— Não se mova, Perrita — sussurra, a voz é uma mistura de
urgência e firmeza, enquanto o corpo forte me mantém presa no
chão.
Com cuidado, ele mexe um dos braços e tateia o bolso da
calça, enquanto lança um olhar furtivo ao nosso redor. Quieta,
acompanho as suas ações e o vejo pegar o smartphone, enquanto
se mantém em vigilância.
Ele perde poucos segundos com o aparelho e então, o
guarda no bolso antes de descer com as vistas para mim, me
capturando. Um dos dedos firmes toca meus lábios, exigindo
silêncio e eu concordo com um aceno de cabeça.
Rápido, Alejandro sai de cima de mim e me ajuda a levantar,
só que nem por um segundo, o corpo se afasta muito do meu.
Engulo em seco ao vê-lo sacar uma arma compacta, tenho tantas
perguntas e eu sei, ele não vai me responder nenhuma agora.
Nossos olhos se encontram e ele entrelaça a mão livre na
minha, me puxando para correr com ele entre as plantações de
café. Nossos pés chutando a terra ao mesmo tempo em que mais
tiros ecoam pelo ar e parece vir de todos os lados.
— Eu peguei! Acertei a cabeça dele — alguém grita e ao me
dar conta, estamos próximos da imensa casa da fazenda
novamente.
Do lado de fora, vejo Santiago com um rifle que parece ser de
caça, todo imponente, pronto para atacar outra vez e mais homens
armados que não reconheço os rostos.
Começo a sentir meu peito sufocar.
— Você está bem? — Alejandro pergunta e eu balanço a
cabeça de um lado para o outro. — Respire fundo, Perrita.
Assinto e faço o que ele ordena.
— Quero homens examinando cada maldito hectare da
fazenda — Alejandro manda e Santiago começa a falar coisas que
não entendo.
— Você acha que ele queria me matar? — pergunto.
— Provavelmente.
Fecho a mão em punho e bato no peito com força, uma
tentativa fracassada de me acalmar.
— ¡Dios mío!
— Não fuja mais de mim, Pérola ou pode acabar morrendo —
informa ao guardar a arma compacta.
— Preciso ir pra casa. Minha família... não posso deixá-los
sozinhos.
Alejandro sacode a cabeça de um lado para o outro,
negando.
— Não vai. É melhor ficar aqui.
— Não vou deixar meu pai e a minha irmã correndo perigo.
— Estendo a mão espalmada no ar para o homem. — Me dê a sua
arma e eu me defenderei sozinha. Darei um tiro em qualquer
estranho que entrar na minha casa — continuo e os olhos de
Alejandro brilham de forma lasciva.
Com os músculos do maxilar contraídos e as narinas
expandidas, ele envolve os dedos no meu braço e me arrasta para a
entrada principal da Fazenda Navarro, onde os carros estacionam.
— O que está fazendo?
— Vou te levar — é o que diz e as palavras soam como um
xingamento. — Vamos conversar lá na sua casa, tá bom assim pra
você?
Abro os lábios e os fecho um segundo depois, sem vontade
de dizer nada.
É uma péssima ideia levar Alejandro para a minha casa,
ainda assim, é melhor do que ficar aqui, não é?
Sim, definitivamente.
Quando Alejandro estaciona o carro luxuoso em frente à
minha casa, noto que o bar já está fechado e a sala está com as
luzes acesas. Desço do veículo e noto que há mais dois carros
suspeitos estacionados perto de nós.
— São meus homens — Alejandro informa ao descer e parar
ao meu lado. — Ficarão cuidando da segurança da sua família.
— Meu pai não vai aceitar isso.
— Minhas ordens não estão em negociação.
Dito isso, o homem passa na minha frente e caminha na
direção da porta da entrada. Reviro os olhos e controlo a língua
dentro da boca para não mostrar para ele e apresso os passos para
acompanhá-lo.
— Não diga nada. Deixe que eu explico pro meu pai — dou
uma ordem, ciente de que ele não recebe ordens de ninguém.
Alejandro me lança um olhar incisivo e eu sinto que é capaz
de cortar a minha pele.
Ignoro o homem dominante ao meu lado e abro a porta da
casa. Com um sorriso falso, eu o convido para entrar. Mal chego na
sala e Safira se atira em meus braços, me prendendo contra o seu
corpo e suspirando em alívio.
— Gracias a Dios. Achei que algo tivesse acontecido com
você — assopra entre os meus cabelos e então, se dá conta de
Alejandro atrás de mim. Devagar e com os ombros eretos, Safira o
encara com toda a antipatia que existe dentro dela. — O que está
fazendo aqui?
— Pérola e eu temos assuntos a tratar — a resposta é firme e
grossa, sem se abalar com o olhar de desprezo de Safira.
— É uma longa história — começo a explicar. — Resumindo,
eu quase morri duas vezes e o Alejandro me salvou.
Papá desce as escadas e surge na sala, a antipatia com
Alejandro Navarro deve ser algo de família, porque o seu olhar de
repreensão pela presença dele é tão palpável, que falta pouco para
gritar: “Eu te odeio! Saia daqui!”
Corro para os braços do meu pai e tento amenizar um pouco
o clima tenso que surgiu entre nós. Aos poucos, a sua marra se
desfaz ao contornar o meu corpo e me prender contra si.
— Não fica bravo. Aconteceu um monte de coisa e eu quase
morri. Alejandro me salvou duas vezes. Preciso falar o que eu sei. E
ele vai trazer o Pedro de volta — falo tudo rápido e abro um sorriso
largo para o papá.
— Ah, mi Perlita.
— Deixa eu conversar com ele, papá. Por favor — peço com
um sussurro, enfiando o rosto contra o seu peito, escondendo as
lágrimas que fazem caminho até os meus lábios. — Quero encontrar
o meu melhor amigo.
— Não gosto disso, Pérola.
— Por favor. Prometo não demorar.
— Senhor Sanchez, não se preocupe, não farei mal a sua
filha. Também sou pai e sei como se sente — Alejandro diz, fazendo
meu pai suspirar, mas nem por um momento o meu velho parece
querer concordar com o Navarro.
— Seja rápido. Não quero você na minha casa, muito menos,
perto das minhas filhas — retruca, ríspido e as minhas bochechas
coram.
Ao olhar Alejandro por cima do ombro, noto o seu rosto
inteiro rígido, demonstrando uma expressão de fúria pelas palavras
que o papá acabou de proferir, mesmo assim, o homem curva o
canto da boca num sorriso lascivo e concorda com um aceno de
cabeça.
Afasto-me do papá e ele recua um passo, estendendo o
braço para Safira, que caminha até ele e os dois sobem as escadas
juntos. Encho as bochechas de ar e assopro, deixando os ombros
caírem.
Jogo a bolsa no sofá velho e rastejo os meus pés até à
cozinha, sem que eu tenha pedido, Alejandro vem no meu encalço.
— Seu pai tem sorte de ser um homem digno, Perrita.
Ninguém fala comigo daquela forma, todos sabem das
consequências.
Meu estômago gela.
— Ele não fez por mal.
— Eu sei e é por esse motivo, Perrita, que não farei nada
contra ele — fala com tanta naturalidade, que me deixa nervosa.
— As únicas coisas que posso te oferecer são um copo de
água, uma xícara de café ou uma dose de cachaça — começo a
tagarelar a fim de mudar de assunto e desviar a atenção do meu
pai.
— Cachaça.
Esbugalho os olhos para ele, que não se abala com a minha
surpresa. Com um gesto charmoso, o vejo puxar a cadeira de
madeira desgastada e se sentar à mesa da cozinha.
Pisco rápido e sacudo a cabeça rapidamente antes de
caminhar até a prateleira rústica, onde as garrafas de cachaças
preferidas do papai repousam. Algumas estão bem velhas, os
dizeres dos rótulos desbotaram por causa do tempo.
Agarro uma das garrafas e dois copos de shots com os
dedos, giro nos calcanhares e me dirijo até à mesa de madeira com
a toalha xadrez em cima. Com o pé, arrasto a cadeira e acomodo a
minha bunda.
— Você não vai beber — Alejandro diz, tomando a garrafa da
minha mão e arrastando os copos de shots para ele.
— Como é que é?
— Tomou analgésico há algumas horas — explica, servindo o
líquido transparente num copo apenas para ele.
— Não pode me dar ordens na minha própria casa.
— Sim, eu posso — retruca, bebendo todo o líquido de uma
vez, enquanto os olhos intensos focalizam os meus com uma força
que é capaz de me fazer engolir em seco.
— Você é uma pessoa difícil, sabia?
— Eu sei, agora, comece a falar o que sabe.
Endireito os ombros, controlando os músculos do meu rosto
para não fazer uma careta para Alejandro. Inspiro profundamente,
empurrando meus cachos para longe do rosto.
— Pedro ia trabalhar na colheita e vocês pagam bem, eu
também queria ir, mas meu pai nunca me deixaria trabalhar lá. A
gente resolveu visitar as plantações da fazenda e eu juro que não
tínhamos a intenção de fazer nada de errado.
Alejandro fica em silêncio, a atenção tão focada em mim, que
por um segundo, acho que pode me sufocar.
— Quando chegamos perto do rio, nós vimos o Raf... senhor
Rafael conversando com uma pessoa — digo, pensando se devo ou
não contar exatamente tudo o que eu vi. — Nos escondemos,
porque ficamos com medo.
— O que aconteceu?
Hesito, tentando encontrar uma forma de dizer a Alejandro
sobre o irmão, deixando de fora a parte que ele é gay até me dar
conta de que não tenho esse direito. Ele precisa saber a verdade,
mesmo que seja difícil.
— Diga tudo o que viu e escutou, Perrita.
— Ele estava com um homem, os dois estavam discutindo,
porque ele queria fugir e Rafael não concordou.
Vincos se formam na testa de Alejandro, deixando em
evidência a confusão.
— Como assim?
— Nós vimos os dois se beijarem, Alejandro — murmuro e o
rosto dele endurece com o impacto da notícia, assimilando tudo. —
Eu acho que os dois estavam apaixonados, mas o seu irmão não
queria decepcionar vocês.
Alejandro desvia a atenção de mim, respirando fundo.
— Continue.
— Leonardo... é o nome dele. Não aceitou bem quando
Rafael disse que não iria deixar o Cartel, então, ele sacou a arma e
os dois brigaram por ela e houve um tiro, depois, o seu irmão caiu
no chão, sangrando.
Ele ergue os cílios para mim e pela primeira vez, enxergo um
lampejo de fragilidade passar pelos olhos de Alejandro e vai embora
tão rápido quanto veio.
— Meu celular tocou enquanto eles estavam discutindo, por
isso me separei do Pedro. Ele correu para que eu pudesse ir até a
caminhonete. Disse que me encontraria, eu esperei por horas, mas
ele não apareceu.
Alejandro assente.
— Eu sinto muito, Alejandro. De verdade.
— Ele não revidou — a voz soa baixa e ao mesmo tempo
carregada de um sentimento que não consigo identificar. Talvez seja
raiva misturado à tristeza. — Rafael sempre foi cabeça quente... e
ele não revidou. Não sacou a arma de volta.
Passo a língua nos lábios antes de comentar:
— Seu irmão o amava.
Alejandro cerra os dentes, contraindo os músculos da
mandíbula.
— Isso não vai me impedir de fazê-lo pagar.
Forço o caroço no meio da garganta a descer.
— Você vai encontrar o Pedro? — quero saber.
— Sim, eu vou.
Ele fica de pé de repente e por algum motivo que não
entendo, fico inquieta ao perceber que Alejandro vai embora.
O que está acontecendo comigo?
— Você lembra do rosto dele? Quero que o desenhe para
mim.
— Sim, claro — respondo e ao me levantar para pegar o meu
caderno e lápis, papá surge na cozinha, interrompendo a nossa
conversa.
— Já está tarde. Amanhã ela faz o que o senhor precisa —
meu pai fala e eu bufo, pronta para reclamar, mas para minha
surpresa, Alejandro concorda:
— Claro. Amanhã, nós dois nos vemos — é a única coisa que
diz ao trocar um olhar comigo e sair da cozinha, poucos segundos
depois, ouço um bater de porta, informando que Alejandro foi
embora.
Emburrada, me sento na cadeira de madeira de novo.
— Foi fácil — papá comenta.
— Acho que ele tem muito o que pensar — murmuro,
pensando no seu rosto quando dei a notícia de que Rafael era gay.
— Deve ter sido um baque, eu acho que Alejandro não esperava
isso — acrescento com um suspiro.
— ¡Dios mío! Pérola, você está suspirando — ele me
repreende como se eu estivesse cometendo um dos sete pecados
capitais.
— Não tenho culpa se eu sinto empatia — resmungo.
— Vá para o seu quarto agora — ordena com um tom severo
e eu mordo a língua para não o desrespeitar, mas honestamente,
estou cansada de todos me dando ordens. — Nem pense em fugir
de novo, sou capaz de algemá-la a sua cama — grunhe entre os
lábios enrugados.
Reviro os olhos, mas empurro a cadeira para trás e me
levanto, passando por ele para ir para o quarto. Subo as escadas
correndo e ao entrar no único lugar em que tenho privacidade,
tranco a porta.
Sem saber o porquê de fazê-lo, aproximo-me da janela e
através dela, eu espio a rua. O coração erra uma batida ao ver
Alejandro em frente ao seu carro estacionado em frente à minha
casa.
Ele me encara por um longo segundo, fazendo as borboletas
do meu estômago se agitarem e então, entra no carro para ir
embora.
Fecho as cortinas e me jogo na cama, levando ar até os
pulmões.
Que loucura.
Com Martín no meu encalço, eu atravesso as portas largas
do galpão e entro. A estrutura de madeira se destaca pelo desgaste
e as paredes por causa da tinta descascando.
O cheiro de terra e ferramentas envolvem meu nariz assim
que atravesso o lugar para me aproximar de Santiago, que está de
frente para à mesa, onde o homem do Cartel da Rosa Negra se
encontra, deitado e amarrado. Tio Camilo, Soares e Rúben também
estão por perto, observando meu irmão matar a sua sede de
sangue.
Focalizo os seus olhos cheios de uma mistura de desafio e
medo, o que me deixa irritado pra caralho.
— Esse filho da puta não quer dizer nada — Santiago
grunhe, a indignação é quase palpável.
— Rubén, o moinho de café está funcionando? — pergunto
ao apontar para a máquina de dois metros de altura num canto
afastado da sala.
— É velho, mas funciona — Rubén responde com um brilho
divertido dançando pelos olhos.
— Não vai falar nada? — questiono ao homem deitado à
mesa. Odeio o fato de como ele pareça a nossa mercê, mas ainda
assim, tem a escolha de falar ou não. — Vou moer você como café.
Não me importo de perder a máquina.
— Faça isso — o verme retruca entredentes.
— Você é corajoso.
— Ou burro — Santiago rebate.
— Prefiro morrer a ser um sapo[20].
— Acha que vou simplesmente te colocar dentro daquela
máquina e ligá-la? — minha voz ecoa pelo galpão, fria e implacável,
cortando o ar como uma faca afiada. — Vou te moer até o sol
nascer. Aos poucos.
Ele range os dentes e puxa as amarras.
— Por que estava atrás da Pérola?
— Não sabia que você comia putas como ela — debocha e
num movimento hábil, dou uma cotovelada no seu rosto, quebrando
alguns dentes.
— Essa cidade é minha e todos que vivem nela me
pertencem.
— Não tenho medo de você — ele responde com um rosnado
amargo, a voz cheia de desafio, mas vejo um lampejo de medo na
sua expressão corajosa.
— Deveria.
— Ele não vai falar nada — tio Camilo é o portador das
notícias óbvias e irritantes. — Ele é fiel ao chefe dele.
— Ser fiel ao seu chefe é uma atitude digna — murmuro,
atraindo os olhos dele para mim. — Infelizmente, aqui e agora, não
vale de nada. Podem triturá-lo. Não o deixe gritar e o ceguem, não
quero que veja nada quando estiver morrendo. A dor será mais
intensa se ele não puder ver nada.
Soares assente e rápido, amordaça o homem, enquanto
Rubén segue as minhas ordens.
Giro nos calcanhares e saio do galpão, Santiago vem comigo,
a postura rígida e a presença tomada por uma energia violenta.
— Conservou com a Pérola?
— Sim.
— E aí? — pergunta, as mãos firmes pousam nos meus
ombros, os olhos ansiosos esperando por uma resposta. — O que
ela sabe?
— Rafael era gay, Santiago.
Ele deixa o braço cair e os olhos demonstram toda a
confusão que passa dentro da sua cabeça no momento. Não posso
culpá-lo, desde que conversei com Pérola, minha mente está uma
zona.
— Não. Rafael era casado.
— Eu sei. Ele tinha um amante — informo, fazendo meu
irmão balançar a cabeça de um lado para o outro, incapaz de
acreditar na verdade.
— Isso é mentira. Rafael era homem, como nós — retruca, a
respiração pesada e o rosto todo contraído.
— Não conte a ninguém — ordeno.
— Aquela garota mentiu. Meu irmão não faria isso — é a
única coisa que ele fala ao se afastar de mim e entrar no galpão em
passos firmes, uma mistura de raiva e determinação.
Vai ser quase impossível fazer a minha família aceitar a
verdade sobre Rafael.
As palavras de Pérola ainda ressoam na minha cabeça como
um eco insistente, tocando cada ponto vulnerável dentro de mim.
Foco a atenção na foto dela, contemplando cada traço
delicado, em seguida, leio pela milésima vez as informações nos
papéis que Martín trouxe sobre a garota.
Ao contrário de Santiago, eu sei que ela disse a verdade,
ainda assim, não vai ser fácil contar aos outros. Minha família é
movida às nossas tradições distorcidas, e mesmo que de maneira
deturpada, é muito católica.
No fundo, eu sempre soube que Rafael escondia algo, mas
não imaginei que fosse algo tão sério. Meu irmão viveu às sombras,
abriu mão de quem ele era de verdade por causa da nossa família,
do Cartel.
Levo uma das mãos até a nuca, que está tensionada por
causa do impacto que as notícias me causaram, e massageio com
força. Inclino o pescoço de um lado para o outro e fecho os olhos,
sentindo o peso das últimas notícias.
— Algum problema, niñito? — mamá questiona ao entrar no
escritório. Ela segura entre as mãos uma caneca e a coloca em
cima da mesa para mim. — Chegou tarde ontem, não almoçou com
a gente e está enfurnado nesse escritório há horas. Santiago
também não está muito diferente de você.
Mamá gesticula com indicador para a xícara de café preto e
eu deixo os papéis de lado para tomar um gole.
— Os negócios não param — digo uma meia verdade a ela.
Não acho que esteja prepara para saber que Rafael gostava de
homens e tinha um amante. — Mas não se preocupe.
— Como não?
Ela respira fundo e senta-se na cadeira acolchoada de frente
para mim.
— Seu irmão foi assassinado aqui, nesta fazenda. E ontem
um homem armado entrou aqui.
O homem que entrou aqui também fazia parte do Cartel da
Rosa Negra. Foi abatido com um tiro na cabeça, mas algo me diz
que se o tivéssemos pegado vivo, não teríamos respostas também.
Não acho que ele abriria a boca.
— Giovanna está com medo. Ela ouviu os tiros e ficou
apavorada.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Não posso voltar pra cidade agora, mas talvez eu deva
mandá-la pra Bogotá. Acho que Carmen vai gostar de ficar com ela
e vai ser bom pra Giovanna — digo e mamá abre meio sorriso.
— Precisa se casar, mi hijo.
— Não vamos falar sobre isso agora. Não quero discutir.
Ela levanta as mãos em rendição e deixa os olhos caírem
sobre os papéis espalhados sobre a mesa. Sem pedir permissão,
mamá agarra a foto de Pérola e as folhas que contém as
informações sobre a garota.
— Não me diga que está interessado nessa camponesa?
Contraio o maxilar.
— Não comece, dona Pilar.
Ela suspira e dá de ombros, passando as vistas pelas
informações que tenho sobre Pérola. O rosto da minha mãe fica
pálido de repente e o peito sobe e desce por causa da respiração
ofegante.
— Ela é filha do Hernán Sanchez? — questiona e não me
deixa responder, começa a ler em voz alta a data de nascimento de
Pérola e fica em silêncio por alguns minutos, como se estivesse
buscando algo na memória.
— Qual é o problema?
Mamá me dá um sorriso amarelo.
— Não, nada. Eu conheço o Hernán Sanchez, é dono de um
barzinho no centro da cidade. É só isso.
Anuo.
— Ele odeia a nossa família — informo, estreitando os olhos
para minha mãe, estudando as suas expressões, que para a minha
surpresa, fingem espanto.
— Sério? Uau. Nós fazemos tanto pelos moradores daqui.
— Sim, fazemos.
Mamá coloca os papéis e a fotografia diante de mim outra
vez e se levanta, passando a mão no seu vestido justo ao corpo.
Está prestes a sair, mas muda de ideia e dá a volta na mesa e senta
na beirada, ficando de frente para mim.
— Niñito, essa garota tem apenas dezenove anos e você,
quarenta. Você precisa de uma mulher de verdade e não de outra
filha. Não se deixe levar pela beleza exuberante dela — fala ao
estender a mão para fazer carinho no meu rosto.
Beijo de leve a sua mão.
— Não está em meus planos adotá-la.
— Alejandro! — ela repreende.
— A senhora tinha apenas quinze anos quando se casou
com o meu pai.
Ela finge um sorriso, escondendo a irritação por ser
contrariada.
— Eram outros tempos, mi hijo.
— Não se preocupe, não pretendo ser pai outra vez —
resmungo, tirando a sua mão do meu rosto.
— Não é pra tanto. Pode se casar de novo e ter outros
herdeiros — mamá insiste, fazendo-me fechar os olhos e respirar
fundo. — Não precisa ir ao extremo.
— Quero ficar sozinho — digo, cortando o assunto e uma
batida na porta me faz entender que não conseguirei o que eu
quero. — Entre.
— Patrão, posso falar com o senhor? — Fabián pergunta ao
dar um passo para dentro do escritório.
— Claro.
Lanço um olhar para minha mãe, que faz carinho nos meus
ombros antes de sair e é cumprimentada por Fabián com um aceno
de cabeça respeitoso. Gesticulo com a mão para que ele se sente à
minha frente. O homem retira o chapéu de palha e me lança um
olhar melancólico.
— O que foi?
— Encontraram Pedro Acevedo, Patrão. Acabei de falar com
a polícia.
Ontem quando voltei à fazenda depois de conversar com
Pérola, a primeira coisa que fiz foi falar com alguns dos meus
homens para procurar Pedro e informar a polícia que estava atrás
do garoto.
— Ótimo. Pode ir buscar o garoto pra mim? Só quero
conversar com ele.
— Patrão... Pedro está morto. O corpo dele foi encontrado na
cidade vizinha, no rio.
— Alguém já sabe?
— Não. Como o senhor pediu pra polícia o deixar a par de
tudo, ligaram primeiro pra cá.
Respiro fundo e toco as têmporas com os dedos, apertando
com força.
— Avise à mãe dele. Se ela precisar de algo, me diga. Vamos
pagar por qualquer coisa — falo e depois, me levanto num rampante
e pego o meu casaco no cabide de madeira próximo à janela, e
passo entre os braços.
Meu capataz também fica de pé.
— Vou contar à Pérola também, Patrão, eles eram muito
unidos.
— Não. Eu mesmo conversarei com ela — devolvo rápido e o
homem me encara como se eu tivesse dito algo absurdo. — Algum
problema, Fabián?
— Não, senhor. Claro que não.
— Me ligue se precisar de alguma coisa — é a última coisa
que falo antes de sair do escritório.
Papá passa o dia reclamando por causa dos homens de
Alejandro nos vigiando do lado de fora e até os mandou ir embora,
mas nenhum deles o obedeceu. E é nítido que Safira está chateada
comigo, então, mal nos falamos.
Eu sei que minha vida nunca foi exatamente fácil, mas não
lembro de ela ser tão complicada assim.
E apesar das complicações, não consigo me desfazer da
ansiedade estranha que corrói o meu peito com a possibilidade de
rever Alejandro. Já desenhei Leonardo ou o que minha mente
lembra dele, mas é claro que meu pai não vai me deixar
simplesmente entregá-lo ao homem, porque estou proibida de sair
de casa.
Quer dizer, há exceções. Por isso, estou aqui no bar,
ajudando a servir mesas, enquanto papá não desgruda os olhos de
mim. Se ele forçar mais um pouco, seremos uma nova espécie de
gêmeos siameses.
Depois que uma pequena família de turistas desocupa uma
das mesas, eu caminho até ela com uma bandeja e recolho os
copos, organizando tudo para os próximos clientes. Equilibro-a em
uma das mãos e passo entre os clientes em pé até chegar no
balcão e colocar o tabuleiro em cima.
Os murmurinhos das conversas se misturam com o suave
tintinar dos copos e a música que Safira canta no palco. Meus olhos
varrem o ambiente no exato momento em que eu o vejo passar pela
entrada do bar.
Meu coração dá um salto duplo dentro do peito e eu sinto
como se o tempo tivesse desacelerado por causa da presença
imponente de Alejandro preenchendo o espaço.
Lentamente, ele olha o bar inteiro até me encontrar e eu sinto
como se o ar tivesse sugado o ambiente ao meu redor. Engulo em
seco, umedecendo os lábios ao me recompor e caminhar até ele.
— Quer uma mesa?
Ele toca o meu cotovelo, enviando uma onda de calor para as
minhas entranhas, que é capaz de me derreter inteira.
— Preciso falar com você.
Sem esperar que eu diga algo, Alejandro me arrasta para um
lugar mais afastado do barzinho e se meu pai não estivesse tão
ocupado, teria vindo até nós para saber do que se trata.
— Eu fiz o desenho.
— Perrita... — ele murmura e de repente, o som ao meu
redor fica tão distante, como um zumbindo de fundo, enquanto me
perco na intensidade dos olhos penetrantes de Alejandro.
— O quê?
— É sobre Pedro. Encontraram seu amigo.
Saio do meu transe e abro um sorriso de orelha a orelha.
Sem demora, começo a tirar o meu avental e solto os meus cabelos,
pronta para ir encontrá-lo onde quer que ele esteja.
— Isso é maravilhoso. Onde ele está? Precisa que eu vá
buscá-lo? Vamos logo. Talvez você possa conversar com ele
também.
Estou prestes a sair andando, quando ele me impede.
— Perrita...
Alejandro segura meus olhos, os seus queimando os meus
com tanta força, que é como se quisesse ver além das minhas
barreiras e medos. O rubor sobe pelas minhas bochechas e a
respiração se torna instável.
— O que aconteceu com Pedro? Cadê ele, Alejandro?
Ele engole em seco antes de começar a falar:
— Antes de vir pra cá, eu falei com o oficial de Polícia. Ele foi
encontrado morto na cidade vizinha, às margens do rio.
Tento absorver o significado das palavras de Alejandro e meu
corpo inteiro parece querer desmoronar, enquanto o som da minha
respiração arfante fica mais alto, acompanhando a intensidade da
minha tristeza.
Minhas mãos começam a tremer e uma onda de frio
horripilante percorre a minha espinha à medida em que as lágrimas
molham as minhas bochechas. Sinto o peito apertar, comprimindo,
como se uma tonelada de peso tivesse sido despejada sobre ele.
Cada batida do meu coração parece martelar com força
dentro da minha cabeça, enchendo meus ouvidos com um zumbido
ensurdecedor.
— Perrita? — Alejandro me chama.
— Pedro... — Meus lábios tremem quando formo a palavra,
minha voz tão fraca, porque está sendo engolida pela minha dor. —
Pedro...
Tão tola.
Tão burra.
Meu coração estava cheio de esperanças de encontrar meu
melhor amigo vivo.
— Eu devia ter esperado mais — murmuro com um nó na
garganta, uma dor que é incapaz de aliviar. — Eu devia ter ido atrás
dele.
Pedro morreu.
Meu melhor amigo se foi e eu sinto como se uma parte de
mim tivesse sido arrancada à força.
Jogando o avental em cima de uma mesa vazia, eu saio do
bar para respirar um pouco de ar frio. Mal chego na calçada e a mão
firme de Alejandro me para, girando-me para encará-lo.
— Eu achei que fosse encontrar ele vivo — admito, tentando
segurar as lágrimas, mas meus olhos ardem e garganta amarga
tanto, que é difícil engolir em seco. — Pedro era cheio de sonhos e
agora tudo acabou. Tudo acabou — emendo, me entregando a dor
e permitindo que as lágrimas simplesmente irrompam dos olhos.
Em silêncio e com a expressão séria, Alejandro envolve a
mão na minha nuca e me puxa contra ele e eu choro contra o seu
peito, sem me importar se devo ou não permitir essa proximidade
num momento de fragilidade tão grande para mim.
Apenas choro pelo meu melhor amigo nos braços do homem
mais perigoso que eu conheci.
O celular dele toca e eu me afasto a tempo de ver papá nos
observando da porta de entrada do bar. Seco as lágrimas com as
costas das mãos e ajeito os cabelos, me preparando para enfrentá-
lo.
Antes que possa dar um passo para longe de Alejandro, ele
envolve os dedos no meu pulso, um toque tão firme e quente. Os
olhos castanhos encontram os meus e me prendem, acelerando o
meu coração.
Ele encerra a ligação e mesmo assim, não me solta.
— Meu capataz foi contar a mãe de Pedro e ela sofreu
infarto, está no hospital.
— Meu Deus. Isso não pode tá acontecendo — choramingo.
— Fabián disse que ela vai ficar bem, mas não acho que
esteja em condições de reconhecer o corpo...
— Eu vou — digo, interrompendo Alejandro. — Eu vou lá.
Alejandro assente.
— Não vai sozinha.
Nem consigo discordar.
— Tá bom.
— Amanhã de manhã, eu venho buscar você, ok? — fala,
roçando de leve o polegar no meu pulso, arrepiando os pelinhos do
meu braço.
— Certo. — Respiro fundo e ao perceber que ainda está me
segurando, Alejandro me solta, endireitando os ombros e
arranhando a garganta num pigarro. — Vem, vou te entregar o
desenho.
Giro nos calcanhares e ele me segue, papá nos observa, mas
se mantém quieto e eu agradeço mentalmente por isso, embora eu
saiba que mais tarde é capaz de ele me algemar na cama para que
eu nunca mais veja Alejandro.
Entramos em casa e rumamos direto para à cozinha, onde
deixei o meu caderno em cima da mesa. Abro-o exatamente na
imagem de Leonardo e destaco a folha, entregando ao Alejandro,
sem me importar de que estou selando o destino de um homem à
morte.
Ele matou Pedro.
Merece morrer também.
— Você o conhece?
Alejandro encara o desenho por vários segundos com o
cenho franzido. Uma ruga grossa entre as sobrancelhas deixa claro
que está concentrado e buscando informações no fundo da
memória.
— Não. Mas isso não me impedirá de encontrá-lo.
Solto um suspiro.
— Tá bom.
— Perrita, não saia de casa, ok? — é uma ordem, só que
também há uma pitadinha de pedido. — Enquanto meus homens
estiverem aqui, você estará segura.
— Acha que o mesmo que aconteceu com o Pedro pode
acontecer comigo?
— Não vou permitir que toquem em você, Perrita — é o que
fala, a voz soando como uma promessa avassaladora.
— Obrigada.
Sem dizer mais nada, Alejandro troca um olhar comigo e sai
da minha casa, esbarrando com o meu pai na porta da frente. Papai
o cumprimenta do jeito mais antipático do mundo, mas o homem
não revida.
— O que está acontecendo, Pérola? Por que estava
chorando nos braços daquele homem? — pergunta, cheio de
críticas para cima de mim.
Chorando em silêncio, eu olho para o meu pai.
— Porque o corpo de Pedro foi encontrado às margens do rio
na cidade vizinha — é a única explicação que dou ao passar por ele
e em passos duros, correr para o meu quarto.
Ao voltar para a fazenda, coloco homens para trabalhar em
busca de Leonardo. Mabel quer ficar à frente do serviço e guiá-los,
embora eu queira mantê-la sob controle, existe uma sede de sangue
dentro dela que o nosso pai sempre alimentou e a fez ser tão forte
como qualquer um dos meus homens.
Para ser honesto, minha irmã tem as mãos sujas de sangue
tanto quanto eu e apesar de não ser um membro oficial do Cartel, já
dei grandes trabalhos para ela, que excetuou de forma excepcional.
— Eu o quero vivo, Mabel. Isso é uma ordem — resolvo
deixar claro, porque a sua sede de vingança é incontrolável e eu a
entendo bem, mas também quero fazê-lo pagar com as minhas
próprias mãos.
Ela cruza os braços na altura dos seios.
— Vivo? Sim. Inteiro? Não garanto — é o que responde,
fazendo-me soltar uma baforada de ar. — Pérola tem talento —
acrescenta ao endireitar a postura e focar os olhos no desenho em
cima da mesa de madeira do escritório.
— Sim.
— E é uma garota bonita. Simples, mas nada que um banho
de loja e uma hidratação no cabelo não resolvam.
Arqueio uma das sobrancelhas para Mabel.
— Aonde você quer chegar, Mabel?
— Em lugar nenhum, estou só comentando.
— Ok.
— O que mais ela disse? Sobre o nosso irmão?
Cerro os dentes e é automático, meus ombros retesam.
— Depois conversamos sobre isso.
— Tanto faz, o mais importante tá aqui — retruca ao pegar o
desenho e ficar de pé. Mabel se inclina um pouco sobre a mesa e
deposita um beijo na minha bochecha e então, me deixa sozinho no
escritório.
Depois de fazer alguns telefonemas e resolver algumas
burocracias, saio porta afora e vou até o quarto de Giovanna. Odeio
que ela esteja com medo de preambular pela fazendo pelo que
aconteceu outra noite.
Dou uma batida na porta antes de entrar e a encontro com
Hortênsia, sentadas na cama, pintando as unhas uma das outras.
—Papá! — Giovanna exclama com um sorriso meigo.
Aproximo-me das duas e afundo na beirada do colchão,
observando-as.
— Quer pintar as unhas também? — Hortênsia pergunta, me
roubando uma risada seca. — Estamos fazendo uma promoção.
— Cada unha custa novecentos mil pesos — Giovanna
comenta e troca uma risadinha cúmplice com a tia, o que acaba me
roubando meio sorriso.
Estico a mão para tocar o topo da sua cabeça encaracolada,
fazendo carinho de leve.
— Querida, quer voltar pra casa?
Ela solta um suspiro entrecortado e balança a cabeça de um
lado para o outro, transformando os lábios num bico meigo.
— Não tô mais com medo, papá. O bisabuelo me prometeu
um cachorro se eu for corajosa — fala, os olhos brilhando por causa
do entusiasmo. — Um rottweiler, igual o cachorro da abuelita.
Hortênsia e eu nos encaramos, e é evidente que minha irmã
parece se divertir às minhas custas.
— Vamos conversar sobre isso depois que voltarmos pra
casa, tá bom? — pergunto e ela assente, ficando de joelhos na
cama para envolver os braços no meu pescoço e beijar a minha
bochecha.
— Tá bem, mas papá, não esquece, tá? Eu te amo mucho —
assopra, uma tentativa de me driblar.
E infelizmente, ela consegue.
Aperto Giovanna contra o meu corpo, tocando os cachos
macios da minha filha.
— Eu também te amo muito, querida.
Meu rosto está inchado e os olhos vermelhos, porque eu
chorei a noite inteira a morte do meu melhor amigo. Não consegui
dormir por nenhum minuto e vi o dia amanhecer através da minha
janela.
Quando ouço o som de um carro estacionar em frente à casa,
com as mãos inquietas, ajeito os cabelos para tentar parecer um
pouco melhor. Saio do quarto e ao descer as escadas, encontro
papai na sala, em pé, o rosto vincado de preocupação e um pouco
de raiva.
É claro que ele não quer que eu saia com Alejandro, mas eu
preciso ir. E talvez eu esteja sendo uma filha ingrata e malcriada,
mas a mãe de Pedro continua no hospital e eu quero ir lá.
Não posso deixá-lo sozinho agora, mesmo que ele não esteja
mais entre nós.
— Você vai mesmo me desobedecer, Perlita? — papá
dispara, a voz carregada de desaprovação, os olhos queimando em
intensidade.
— Sim e eu sinto muito, mas eu preciso ir — digo, as
palavras quase falhando. Meu coração dói por ter que enfrentá-lo
assim. — Pedro merece ter um enterro, papá. O senhor sabe disso.
— Eu sei, mas não confio em ninguém dessa família.
— Confia em mim, por favor — peço e seus olhos cansados
se cravam nos meus, como se estivesse tentando ler meus
pensamentos.
Há uma hesitação em seu rosto, mas ele suspira
profundamente, deixando os ombros relaxarem um pouco.
— Vá, então — murmura, mais suave do que antes, só que
ainda parece preocupado. — Tenha cuidado, Pérola.
Abro um sorriso trêmulo e concordo antes de me aproximar e
beijar o seu rosto enrugado. A tensão volta no momento em que
uma batida na porta irrompe e eu sei que é Alejandro.
Sem dizer mais nada um para o outro, eu saio de casa e me
aproximo do carro de Alejandro, que desce do veículo para abrir a
porta do carona para mim e eu nem consigo articular uma palavra
sequer.
— Dormiu alguma coisa?
Nego em resposta.
Respiro fundo ao colocar o cinto de segurança.
— Vamos logo, por favor — quase imploro, evitando olhar
para Alejandro.
Pela visão periférica, eu o percebo apertando o volante e
então, pisa no acelerador, saindo em disparada da minha rua.
Inclino a cabeça para o lado, encostando na janela e observando a
rua.
Fecho os olhos e acabo adormecendo.
Depois de uns trinta minutos, nós chegamos em Pasca,[21]
cidade vizinha onde encontraram o corpo de Pedro. Vamos para a
delegacia e falamos com um policial, depois seguimos para o
necrotério.
Minha vida com Pedro passa diante dos meus olhos. Sempre
fomos tão unidos, desde pequenininhos, e eu achei que fôssemos
envelhecer juntos, acreditei também que fosse ser madrinha dos
seus filhos.
Fungo e limpo as lágrimas com as costas das mãos,
enquanto caminhamos pelos corredores frios do necrotério. Sinto o
coração bater tão forte, que parece prestes a sair do meu peito.
Entrelaço minhas mãos úmidas de suor quando a porta se
abre à nossa frente. Prendo a respiração e meus pés criam raízes
no chão, não consigo mover um passo para entrar na sala.
Alejandro desliza os dedos sobre o meu antebraço e pega a
minha mão, me encorajando a entrar. Quando o faço, meu olhar
encontra a figura que está sobre a mesa metálica.
Meu corpo inteiro congela, e, por um momento, o mundo
parece perder todo o sentido. Pedro, meu melhor amigo, ali, tão
pálido e imóvel. Seus olhos estão fechados, como se estivesse
apenas dormindo.
Minha visão fica turva e um soluço escapa do fundo da minha
garganta. Tento controlar o tremor do meu corpo e é em vão.
Institivamente, minhas mãos se erguem para cobrir meus lábios,
quase como se quisessem me ajudar a conter a dor que está
prestes a explodir.
— Pedro... eu sinto muito — choramingo, tremendo inteira. —
Pedro.... eu... eu... — As palavras ficam entaladas no meio da minha
garganta, me sufocando.
De repente, o seu sorriso preenche a minha cabeça, cortando
o meu coração em pedaços.
Sinto o calor dos braços fortes de Alejandro me envolverem
de maneira forte e protetora, me aninhando contra o próprio peito.
Direciono os olhos até ele e prenso os lábios, e então, me permito
afundar nele, buscando conforto.
— Pode chorar, Perrita — murmura e eu me agarro a ele
como se fosse a minha âncora, sem conseguir esconder a garota
vulnerável e fraca que eu sou.
Minhas lágrimas molham o tecido da sua camisa cara, mas
nem consigo me importar com isso. Alejandro acaricia meus
cabelos, o toque estranhamente gentil e compassivo, enquanto me
mantém firme contra ele e eu me deixo ser consolada por este
homem.
E talvez seja a coisa mais errada da minha vida, por causa de
todas as coisas erradas que provavelmente ele e sua família
fizeram, ainda assim, em seus braços, eu encontro um estranho
amparo para o meu coração em pedaços.
— Obrigada por ter resolvido tudo — Pérola cochicha assim
que estaciono o carro em frente à sua casa. Depois de reconhecer o
corpo de Pedro e arcar com todos os custos para o velório, eu a
levei no hospital para ver a mãe do garoto. — Vou pagar cada
centavo pra sua família.
— Não precisa, Perrita. Não se preocupe com isso.
— Preciso me preocupar com alguma coisa pra tirar Pedro da
cabeça — admite com um assopro.
Ela desafivela o cinto e abre um sorriso triste, que
simplesmente não consigo ignorar. Pérola é tão frágil e forte ao
mesmo tempo, uma combinação que deixa o meu maldito peito
inquieto, formigando.
É intrigante e, também, me preocupa. E não faço ideia de o
porquê disso.
Sinto o impulso de falar alguma coisa para aliviar o peso da
tristeza sobre ela, mas pela primeira vez na vida, minhas palavras
falham.
Pérola desvia a atenção de mim e encara a fachada da sua
casa através da janela do carro. Uma lágrima silenciosa desliza pela
bochecha saliente e ela apara quase que de imediato.
Uma risada seca escapa de entre os seus lábios.
— Tô cansada de chorar — fala em tom baixo, espremendo
os lábios carnudos com força.
A visão de Pérola partida e triste ao meu lado, por algum
motivo que não compreendo, acende algo dentro de mim. A chama
que sempre tentei esconder sob as minhas camadas de controle
frio.
E então, antes que eu possa raciocinar, a minha mão direita
se ergue e vai direto para a sua nuca, envolvendo-a a gentilmente,
enquanto a giro para me encarar. Os olhos grandes de cor âmbar
me fitam e eu a vejo.
Realmente a vejo.
Ela solta um suspiro arfante e umedece os lábios.
— Não complica minha vida, Alejandro — pede com um
sussurro. — Não acho que...
Silencio Pérola ao amassar seus lábios molhados com os
meus. Eles têm um leve gosto salgado por causa das lágrimas que
derramou e é errado, eu sei, mas é bom pra caralho.
Quando minha língua exige acesso entre os lábios carnudos,
ela cede com um gemido e as mãos encontram o meu rosto num
enlace, os dedos se entrelaçam em mim de forma perfeita.
À medida que a devoro com toda a fome que existe dentro de
mim e nunca pôde ser contida, Pérola corresponde, movendo os
lábios no meu ritmo desesperado.
Essa garota é a porra de uma tentação. E merda, eu me
recusei a ceder às tentações ao meu redor por tanto tempo, e agora,
sinto que estou à beira de me jogar do precipício.
As mãos dela deslizam pelo meu peito, os dedos tocando
cada centímetro com uma reverência que faz o meu pau pulsar
contra a calça. Puxo-a mais contra mim, colando os nossos corpos
mais ainda e minha mão livre toca a curva da sua cintura,
apertando-a com força.
Ela geme contra a minha boca, entregue e eu engulo os seus
sons, incapaz de soltar os seus lábios.
Pérola é viciante pra cacete.
— Meu pai vai me matar — ela diz ao se afastar um pouco,
apenas o suficiente para erguer os cílios para mim.
Sem desviar a atenção de Pérola, a mão na sua cintura
desce até a coxa, tocando de leve e ela arfa.
— Ninguém vai tocar em você além de mim — as palavras
saem da minha boca com um tom áspero, me surpreendendo.
Ela abre meio sorriso. Dessa vez, menos triste do que a
última vez.
Pérola é pura e inocente, e talvez, ter um homem como eu na
sua vida não seja o ideal, mas para ser honesto, eu não me importo.
Eu posso dar tudo a ela. E protegê-la nunca será um problema para
mim.
E isso é o suficiente.
Não entendo, mas eu me importo com essa garota mais do
que quero admitir em voz alta e ela me faz ter um vislumbre de
humanidade que eu me recuso a deixar escapar com alguém que
não seja Giovanna.
Sem dizer nada, Pérola encosta os lábios no meu rosto,
beijando de leve e desce do carro.
Mal desço do carro e meus olhos encontram minha mãe no
topo das escadas da varanda da mansão, me esperando. Aproximo-
me dela e apoio a mão nas suas costas antes de cumprimentá-la
com um beijo na têmpora.
— Antes que entre, eu preciso falar com você, niñito.
— Agora não, mamá.
Nem tenho tempo de me afastar dela, ao erguer a cabeça
para frente, eu a vejo de mãos dadas com Giovanna, que parece
feliz por tê-la aqui. Com um sorriso amplo, Carmen vem até mim.
— Olha quem veio, papá — Giovanna chama a minha
atenção e quando ela está próxima o suficiente, eu finjo um sorriso
ao tocar o topo da sua cabeça.
— O que está fazendo aqui? — questiono, porque não
lembro de Carmen falar que estava vindo para a fazenda.
— Não aguentei de saudade de você e da Giovanna e como
sei que estão passando por um momento difícil, eu resolvi aparecer
— fala e beija o canto da minha boca, uma tentativa de me provocar,
mas não surte efeito nenhum em mim. — Pilar, mais uma vez, me
desculpe por não ter vindo no velório. Sinto muito por tudo —
continua com a voz melancólica.
— Tudo bem, querida. Não se preocupe.
— Dona Pilar, o almoço está pronto — Milagros informa ao
surgir na porta principal e então, minha filha arrasta Carmen para
entrar na mansão.
— Era isso que eu queria falar, Alejandro — mamá diz,
arqueando uma sobrancelha em desafio para mim. — A pobre
mulher apareceu aqui logo depois que você saiu.
Respiro fundo, irritado com a presença de Carmen.
Ela é uma boa mulher, mas odeio essa mania de aparecer
nos lugares sem ser chamada. Não é a primeira vez que
simplesmente surge aqui na fazenda com uma desculpa para
observar os meus passos.
— Vou mandá-la de volta pra Bogotá — resmungo.
— Mi hijo, eu criei você bem. Fora desta casa, você pode ser
um assassino cruel e implacável, mas debaixo deste teto, quero que
seja um cavalheiro com aquela mulher que está loucamente
apaixonada por você.
Contraio os músculos do meu rosto.
— Mamá, não me dê ordens — retruco entre os dentes.
— Você estava disposto a mandar Giovanna para Bogotá
para ficar com a Carmen, esqueceu? Qual é a diferença de estar lá
ou aqui?
Irritado e sentindo as veias pulsando no pescoço, eu lanço
um olhar severo para a minha mãe.
— Muitas.
— Giovanna está feliz, porque diferente de você, mi hijo, ela
ama Carmen. Então, deixe a menina se divertir — diz ao manter os
olhos firmes no meu, o que faz cada gota de sangue dentro de mim
ferver. — Por favor — emenda, suavizando a voz e tocando o meu
rosto com carinho.
— Pela Giovanna.
Dito isso, dou um passo para longe da mamá e entro na
mansão, pensando em como lidar com Carmen.
Não consigo parar de pensar nos lábios de Alejandro contra
os meus.
E eu me sinto a pior pessoa do mundo por isso, porque
acabei de enterrar o meu melhor amigo, meu pai mal está falando
comigo e Safira me trata como se eu fosse uma traidora.
Será que Pedro me odiaria também?
Eu espero que não, ele faz tanta falta na minha vida.
Apoio um dos cotovelos sobre o balcão velho do bar e
contemplo Safira em cima do palco cantando para animar os
clientes. Alguns se deixam embalar pela voz fascinante da minha
irmã, outros apenas curtem sentados.
Se Pedro estivesse aqui, ele daria um jeito de me arrastar pra
fora do bar e depois, meu pai brigaria por eu ter simplesmente
sumido.
Sinto um pequeno sorriso brotar em meus lábios.
Levo ar até os meus pulmões e, institivamente, eu olho para
a entrada do bar. Surpreendo-me ao ver Alejandro ali, alto e
imponente, preenchendo o espaço com a sua presença intensa.
Prendo a minha respiração no momento em que os olhos
castanhos dele me prendem por um instante longo e poderoso.
A blusa de manga longa em linho ressalta bem os músculos
definidos dos seus ombros e braços, e os cabelos castanhos
levemente desalinhados dão um contraste perfeito.
Alejandro curva o canto da boca, o que me rouba um sorriso.
Endireito a minha postura e caminho até ele, parando um
passo de distância. Engulo em seco ao sentir o um calor
incontrolável subir pelo meu pescoço e bochechas, me corando
involuntariamente sob o olhar intenso de Alejandro.
— Quer uma mesa?
— Sim.
Mordendo o lábio inferior, eu guio Alejandro até uma mesa
afastada dos olhares do meu pai e de Safira. Retiro o bloquinho de
notas do meu avental para anotar o pedido, mas ele agarra o meu
pulso com firmeza, arrepiando o meu corpo.
— Sente-se comigo — ordena.
— Não posso, eu tô trabalhando.
— Não é um pedido — retruca ao subir lentamente com os
dedos pelo meu antebraço.
— Tá bom, só me diz o que você quer beber antes e eu vou
buscar.
— Como você está? — quer saber de repente, mudando o
rumo da nossa conversa. — Não consegui ir ao enterro do Pedro
hoje — explica, acelerando o meu coração.
— Tudo bem. Foi melhor assim ou você e o meu pai
poderiam sair aos tapas no cemitério — digo, fazendo Alejandro
bufar. — Estou bem.
— Que horas você sai daqui?
Ergo o queixo, segurando os seus olhos profundos.
— Por quê?
Alejandro desliza a mão do meu braço até a cintura, me
puxando contra ele. Sinto como se meu coração tivesse subido até
a garganta com a possibilidade de meu pai nos ver assim... tão
próximos.
— Eu já sei que horas você sai, Perrita. Mas quero ouvir da
tua boca — rosna, todo mandão, causando um formigamento
descontrolado entre as minhas pernas.
— Meu pai não vai deixar a gente sair junto.
— Perrita, ninguém me impede de fazer nada — devolve, os
dedos apertando a minha cintura.
— Você só veio aqui pra complicar a minha vida? —
questiono e ele curva a boca num sorriso maroto.
— Provavelmente — murmura, a voz grossa alcançando os
meus ouvidos e enviando uma ondulação vibrante para o meu
corpo.
— Alejandro, não brinca comigo. Não sou igual às garotas da
cidade grande, apesar de eu achar que me viro bem. — Ele contrai
o músculo da mandíbula ao ouvir minhas palavras, mas decido
continuar. — Não faz eu me apaixonar por você só pra depois você
ir embora.
Ele fica quieto, apenas me observando.
— Não faço ideia do que aconteceu com a minha irmã, mas
ela é linda e jovem, e não se abre pra nenhum homem. Só que
mesmo não sabendo exatamente o que aconteceu, eu sei que
alguém partiu o coração dela. Não quero ter o meu partido também.
— Você sabe quem eu sou? — é o que ele pergunta.
— Sim, um dos herdeiros da família Navarro.
— Não. Você sabe quem eu sou?
Forço o caroço a descer na garganta e ao fazê-lo, sinto
arranhando.
— Não — minto.
— Não minta pra mim, Perrita. Diga a verdade.
— Você é um criminoso — murmuro, bem baixinho.
Ele segura o meu rosto com as duas mãos e se inclina um
pouco para diminuir a nossa diferença de altura. Meu coração
afunda contra o peito quando sinto a voz quente de Alejandro
sussurrar contra o meu ouvido:
— Sou o chefe do Cartel de Santa Fé, Perrita.
— Ave Maria — balbucio. — É pior do que eu pensava —
admito, e nem consigo me afastar do homem, porque o toque dele é
tão quente e aconchegante.
— Eu não sou como os pirralhos que você conhece. Eu sou
um homem.
Umedeço os lábios com a ponta da língua.
— Ah, claro. Um homem... — digo, estranhamente excitada.
— Quando eu quero algo ou alguém, eu não brinco, mas
precisa saber, Perrita, que eu simplesmente pego para mim.
E então, eu percebo que não importa o quão perigoso possa
ser, Alejandro é como uma força que não pode ser contida, uma
chama que me queimará até que não haja mais nada além dela, e
bom, para ser honesta, eu quero isso.
Preciso usar os meus melhores argumentos para convencer
Alejandro a não me arrastar para fora do bar do papá e fazê-lo
esperar algumas horas enquanto trabalho um pouco atendendo
mesas.
Tudo bem que papai e eu não estamos no nosso melhor
momento, no entanto, não posso simplesmente sair e deixá-lo na
mão, já que a garçonete faltou hoje e o lugar está bem
movimentado.
Depois de servir a nossa melhor cerveja artesanal para
Alejandro, eu volto para o balcão com a bandeja vazia e detrás dela,
o papá já me espera com os olhos fumegantes e soltando fumaça
pelas ventas.
— O que ele está fazendo aqui, Pérola?
Coloco o recipiente de inox em cima da bancada e respiro
fundo, deixando os ombros caírem. Abro a boca para dar uma
resposta razoável e amenizar o clima, só que o papai não me deixar
falar.
— Mande este homem ir embora do meu bar agora. Não
quero ele aqui. Não quero o dinheiro dele.
— Não vou fazer isso.
Papá prensa os lábios em uma linha reta, enfurecido.
— Não me desobedeça.
— Ele é um cliente como outro qualquer e aqui... nós não
expulsamos ninguém, papá. Foi assim que o senhor me ensinou.
Ele joga o pano que está nas mãos em cima do balcão com
força e focaliza os olhos nos meus.
— Ok, então saio eu.
Dito isso, meu pai passa por mim como um furacão e vai
embora pela porta da frente, fazendo-me fechar os olhos por uma
fração de segundo e soltar um suspiro exausto.
Tento me recuperar ao endireitar os ombros e erguer o
queixo, o que se torna impossível, porque Safira surge atrás de
mim, segurando meu braço para me girar e encará-la.
— O que você fez pro papá sair assim? — ela quer saber.
— Não fiz nada — digo, na defensiva e me dou conta de que
é por isso que ele está bravo. — Ele queria que eu expulsasse
Alejandro, mas eu não quis.
Safira solta um baforada de ar, meio seca e aparentemente,
irritada.
— Por que não consegue obedecer ao papá? — questiona,
me acertando como um soco no meio do nariz. — Por que sempre
tem que fazer tudo errado?
— Eu não fiz nada de errado.
— Tem certeza? — devolve, ferindo o meu coração.
— Qual é o seu problema comigo? — pergunto, arregalando
os olhos de Safira, que fica muda de repente. — Somos irmãs, mas
você nunca fica do meu lado. Nunca. O que aconteceu? Você não
queria que eu nascesse?
— Pérola... — ela murmura, mas não a deixo terminar de
falar, as palavras que ficaram entaladas na minha garganta há tanto
tempo querem sair agora.
— Eu sempre me esforcei pra você me amar, pra você me
notar, e... eu tento ignorar, mas eu sinto a sua rejeição, Safira. E
isso dói, sabia? Eu perdi meu melhor amigo e você e o papai só
sabem me dar ordens e mais ordens, brigar comigo e me tratar
como se eu estivesse fazendo algo muito errado. Eu sei que
Alejandro não é um homem comum, mas ninguém além de
Alejandro me consolou. Ninguém além dele me deu um abraço
quando eu chorei pela morte de Pedro.
Os olhos de Safira brilham por causa das lágrimas que se
acumulam.
— Eu.... eu...
— Não sou a sua inimiga, eu sou a sua irmã, então, por favor,
pare de me tratar como se não quisesse que eu estivesse aqui ou
fizesse parte da família.
A visão fica turva por causa das lágrimas e antes que eu
possa sair de perto, Safira agarra o meu pulso, o rosto cheio de uma
tristeza que não compreendo. Eu a deixo triste? Merda, o que
aconteceu? O que eu fiz?
— Não é isso, Pérola. É que...
— Então o que é?
Safira fica em silêncio, os olhos presos nos meus, incapaz de
me responder. Deixo escapar uma risada curta e seca, desvencilho-
me do seu toque e vou limpar às mesas vazias, tentando controlar
as lágrimas que querem cair.
Ela volta para o palco e depois de um momento em silêncio,
a melodia flutua pelo ambiente de novo. Reconheço o toque do
acordeão e abro meio sorriso, porque a mamá amava e essa música
sempre significou muito para nós três.
É estranho que agora pareça um lembrete doloroso de que
perdemos a mamãe e da distância que existem entre nós duas.
De olhos fechados e o rosto sério, Safira começa a cantar
“Unidas Para Siempre[22]”, fazendo com que as palavras me atinjam
direto no coração.

“A veces discutimos y también nos alejamos


En el fondo, ambas sabemos
Que siempre seremos dos
Y pase lo que pase, siempre canto yo

Ay, qué lindo es contar contigo


Saber que te tengo y tengo tu cariño
Hay días tan grises, que todo es difícil
Pero estás conmigo y yo cuento contigo (...)”[23]

Cada verso que Safira canta, me faz engolir em seco. Nossos


olhos se cruzam e eu consigo ver a minha tristeza refletindo a sua.
Um turbilhão de sentimentos se mistura dentro de mim.
Amor.
Mágoa.
Tristeza.
Saudade.
Ela abre meio sorriso para mim e eu acabo fazendo o
mesmo, sentindo a distância entre nós diminuir um pouco, mesmo
que ela não tenha se expressado diretamente. Eu sei que a ferida
entre nós é profunda, mas também sei que o amor que tenho por ela
é forte demais.
Quando sinto as mãos familiares de Alejandro nos meus
ombros, eu limpo as minhas lágrimas.
— Tudo bem, Perrita?
Assinto e forço um sorriso, evitando encará-lo.
— Olha pra mim — ordena e embora eu tente resistir no
começo, eu o faço. Ergo os cílios úmidos para Alejandro e a voz de
Safira faz o meu coração doer mais ainda. — Brigou com a sua
família?
— Sim.
— Quer que eu vá embora? — A pergunta de Alejandro me
surpreende e me deixa sem palavras por alguns segundos.
Assim que me recupero, sacudo a cabeça de um lado para o
outro, negando. Ele toma meu rosto com as duas mãos e eu dou
meio sorriso ao senti-lo limpar as lágrimas do meu rosto com os
polegares.
— Fica — peço, a voz é como um assopro fraco.
A única coisa que ele faz é me puxar contra os seus braços.
Deito a cabeça em seu peito e fecho os olhos, ouvindo os seus
batimentos cardíacos que parecem palpitar em sintonia com os
meus.
Talvez seja toda a vulnerabilidade que envolve a minha vida e
o quão sozinha eu me sinto no momento, mas nos braços desse
homem errado e perigoso, eu me sinto bem e em segurança.
E eu o sinto invadido o meu coração com força, de uma
forma tão avassaladora, que sou incapaz de resistir.
Eu devo ter perdido a porra da minha cabeça entre a notícia
da morte de Rafael e o seu enterro.
É, definitivamente algo aconteceu comigo.
Algo que não posso controlar.
Assim que os olhos grandes e marejados de Pérola
encontram os meus, meu primeiro instinto é tomar seu rosto com as
duas mãos e limpar as lágrimas com os meus polegares.
É instintivo, cada célula do meu corpo quer protegê-la e para
ser sincero, não sei como me sentir em relação a isso. Por tantos
anos, minha filha foi a única que realmente importou.
Mas, agora...
Que merda aconteceu comigo?
Por que ela é capaz de me fazer sentir assim?
Eu sei.
Ela é tão inocente e mesmo assim, quando me olha, eu sinto
que Pérola é capaz de mergulhar na minha alma sombria e ainda
continuar pura, intocada. Como isso é possível? Não faço ideia.
É doentio e errado, mas tenho vontade de fazê-la conhecer o
poder e o medo do meu mundo. Quero que ela conheça como as
coisas podem funcionar e o quão fascinante esse mundo fodido
pode ser.
Por que quero quebrar algo tão puro como ela?
Eu destruiria o mundo se alguém ousasse tocar em Giovanna
e roubar a sua pureza, mas essa garota à minha frente faz algo se
torcer dentro de mim e sinto que estou perdendo o controle.
— Fica — ela pede, soando baixo e doce.
Há algo na forma como Pérola me olha que me faz sentir
vulnerável e exposto, quase como se ela fosse a única capaz de
enxergar através das minhas barreiras que construí durante a vida.
Puxo-a contra os meus braços e ela deita a cabeça contra o
meu peito, estremecendo por causa da nossa aproximação,
atiçando mais ainda o meu desejo incontrolável por ela.
Pérola funga e se afasta de mim, evitando olhar nos meus
olhos.
— Quer outra cerveja? — pergunta, passando as mãos
pequenas no avental desgastado.
Tão louco quanto incontrolável, eu puxo Pérola para perto de
mim outra vez, chocando os nossos corpos. Uma das minhas mãos
encaixa de maneira perfeita na sua nuca e a outra, na cintura fina.
— Alejandro... — ela murmura, deixando a atenção cair sobre
os meus lábios. — Você quer que minha irmã me odeie de vez?
Incapaz de fazer algo além de esmagar a sua boca com a
minha, eu me entrego aos meus instintos primitivos, afundando a
língua nela, reivindicando cada pedaço da sua boca doce.
Ela cede de imediato, entreabrindo os lábios para mim.
Enrosco as nossas línguas, apertando-a contra o meu corpo,
engolindo os sons baixo de rendição que escapam da sua garganta.
Pérola enrosca as mãos no meu pescoço, me puxando um
pouco mais contra ela.
Ao nos afastarmos, a garota tem um pequeno sorriso
emoldurando o rosto.
— Você é louco.
— Sim, eu sou, Perrita — admito contra os seus lábios
cheios.
Louco por desejar você, alguém que é o oposto de tudo que
eu sou, mas eu estou começando a achar que a loucura pode ser
uma benção, porque nesse momento, quebrar algo tão puro como
você é algo que eu quero.
Algo que não posso parar.

Ao entrar na mansão da fazenda, a primeira coisa que faço é


ir direto para o quarto de Giovanna.
Antes de sair para ir ao centro da cidade, eu a coloquei para
dormir, ainda assim, meu lado protetor me guia até ela e confiro as
janelas outra vez e beijo o topo da sua cabeça.
Sem fazer barulho, saio do quarto e fecho a porta com
cuidado para não a despertar.
— Pensei que nunca ia voltar — Carmen fala e eu nem fico
surpreso por vê-la escorada no corredor, usando uma camisola
provocante. Assim que cheguei, eu a vi pela visão periférica e odeio
que esteja me esperando, vigiando os meus passos. — O que tinha
de tão interessante nessa cidadezinha sem graça hoje?
Talvez eu seja um ingrato fodido, mas não estou a fim de lidar
com ela no momento. Para ser honesto, nem queria que estivesse
aqui comigo e a minha família num momento tão delicado.
— Boa noite, Carmen.
— Ei, ei, ei. — Ela vem para cima de mim, parando na minha
frente e eleva as mãos para tocar o meu pescoço. — Vamos beber
um vinho e conversar um pouco? Sabe que eu sou uma ótima
ouvinte — murmura bem próximo ao meu rosto, assoprando contra
o meu nariz, o que me faz sentir o cheiro de álcool.
Seguro-a pelos pulsos e a afasto de mim.
— Parece que você já bebeu demais. É melhor ir dormir e
beber bastante água pra não acordar de resseca amanhã.
Ela bufa ao revirar os olhos.
— Só uma taça? Vai, não me faz implorar — insiste.
— Não, Carmen.
— Então me coloca pra dormir, como se eu fosse sua
garotinha? Prometo que vai ser divertido e posso te fazer esquecer
de todos os problemas — pede e tenta me beijar a boca, mas viro o
rosto e ainda com as mãos em seu pulso, a mantenho a uma certa
distância de mim. — Vai, faz isso, não seja chato.
— Não, Carmen.
Num solavanco, a mulher se solta das minhas mãos e dá um
passo para trás. As sobrancelhas erguidas e os lábios torcidos em
indignação.
— O que eu tenho que fazer pra você me levar pra cama?
Solto um suspiro longo.
— Eu já deixei claro que não estou atrás de mulher no
momento.
— Ah, eu esqueci, está apenas atrás de putas, não é? Já me
fodeu o suficiente, agora não quer mais nada. Perdeu a graça, não é
mesmo?
Uno as sobrancelhas, cético.
— Não fala merda, Carmen.
— Quem é Pérola? Não adianta mentir, eu já sei que você
tem uma puta nessa cidade. Alejandro, você decaiu muito. Qual é o
seu problema?
— Se não calar a boca, eu vou te mostrar qual é o meu
problema — ameaço entre os dentes, sentindo a raiva pulsar a veia
na minha garganta.
— Que droga. Eu perdi a minha vida. Perdi meus melhores
anos.
— Vá dormir.
— Eu dediquei sete anos da minha vida cuidando daquela
pirralha mimada e grudenta e você nunca me agradeceu como
deveria. Perdi minha vida por causa de vocês e é assim que você
me trata? — questiona, aumentando o tom de voz gradativamente.
— Pirralha mimada e grudenta? — é a única coisa que repito.
Ela revira os olhos, rindo histérica.
— Ah, por favor, Alejandro. Não acha Giovanna mimada?
Grudenta? Carente demais? Não sei como você aguenta. Às vezes
ela é insuportável— rebate, cheia de deboche.
— Sugiro que cale a boca, Carmen. Não gosto do tom que
está usando para falar da minha filha.
— Você só tem olhos pra ela. — Bufa, irritada. — Perdi os
melhores anos da minha vida pra quê? Algumas horas de foda? Ai,
como eu sou burra.
— Se não quiser que eu a expulse da minha casa, é melhor
respeitar o meu filho e a minha neta, Carmen — a mamá fala,
interrompendo a minha mão que voa para o pescoço da mulher à
minha frente, pronta para apertar até a raiva dentro de mim passar.
Com o maxilar cerrado, solto o pescoço frágil de Carmen, que
arregala os olhos assustados para mim e recua um passo.
— Suma da minha frente — ordeno e tropeçando, ela
desaparece do meu campo de visão. — Amanhã, eu a quero longe
daqui — informo à minha mãe, sem dar brechas para contra-
argumentos.
— A culpa é minha. Estava bebendo com as suas irmãs e
convidei Carmen. — Mamá toca meu braço, a fim de chamar minha
atenção. — Hortênsia acabou comentando do seu interesse
repentino pela camponesa. Acho que isso mexeu com Carmen.
Giro nos calcanhares para buscar os olhos da minha mãe.
— Carmen apenas falou o que pensa. E ela tem sorte de
você ter nos interrompido, eu estava pronto para torcer o pescoço
dela.
— Eu sei.
— Boa noite, mamá.
— Boa noite, mi hijo.
Na minha vida tudo se resume em ter domínio sobre os
negócios e o dinheiro, e claro, os laços inquebráveis de família. E
hoje eu percebi que Carmen tem o poder de quebrar o coração da
minha filha e isso é algo que eu não vou permitir.
Quebrarei Carmen ao meio antes que ela parta o coração
inocente de Giovanna.
Com as vistas fixas na paisagem além da janela grande do
escritório, a morte de Rafael, o tom de Carmen debochado ao falar
de Giovanna e Pérola ainda latejam dentro da minha cabeça.
O som da batida na porta quebra meus pensamentos e eu
giro na cadeira depois de autorizar a entrada. Encontro Carmen
parada na soleira, o rosto carrega um arrependimento que não me
comove.
Não posso dizer que me arrependo de tê-la mandado embora
da fazenda no café da manhã, porque a verdade é que as palavras
que ela deixou escapar por conta do álcool apenas revelaram o que
eu já sabia.
Carmen ficou ao meu lado esperando algo em troca.
Ela está segurando uma bagagem modesta ao lado dela, e
eu me sinto tentado a revirar os olhos diante desse gesto dramático.
— Já fiz as malas.
— Boa viagem — digo, a voz neutra, mas com um leve toque
de desinteresse.
Ela olha para mim, seus olhos brilhando um pouco, mas
embora eu tenha a deixado ficar ao meu lado por muito tempo, não
sou facilmente enganado.
— Me desculpa por ontem.
Deixo escapar um suspiro audível, a paciência se esgotando.
— Você não gosta de Giovanna, Carmen. Desculpas não
resolvem nada, então, guarde-as para você.
Carmen fica surpresa por um momento, absorvendo as
palavras que acabaram de sair da minha boca, como se esperasse
que eu não fosse tão direto. Talvez ela tenha esperado que eu
demonstrasse arrependimento ou culpa.
Mas, sabemos que não sou o tipo de homem que volta atrás.
— Eu amo Giovanna! — retruca, quase gritando. — Eu amo
você — emenda com um sussurro.
— Vá embora. Martín a levará até o aeroporto.
Carmen ri com sarcasmo.
— Eu não sou uma peça de jogo que você pode
simplesmente jogar fora porque não quer mais manter ao seu lado.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Isso não é um jogo, mas tem razão, não a quero mais ao
meu lado. Nem perto da minha filha.
— Eu fui uma tola por pensar que algum dia eu seria mais do
que apenas uma foda pra você ou a mulher que te socorreu quando
precisou.
Inclino um pouco a cadeira para trás, meu olhar fixo no dela.
— O que você quer? Uma medalha por ter me ajudado
algumas vezes? Não aja como se você tivesse criado a minha filha,
porque não foi assim, Carmen.
— Eu esperei... pacientemente por você. Perdi os melhores
anos da minha vida esperando você.
Eu não posso evitar o riso sarcástico que escapa dos meus
lábios.
— Eu nunca pedi isso a você.
Ela ergue o queixo, respirando fundo.
— Realmente, nunca pediu.
— Faça uma boa viagem.
Carmen pisca com força por um momento, como se estivesse
se contendo e então, endireita os ombros.
— Quando se cansar da pobre camponesa, eu sei que virá
me procurar e talvez, eu faça você sofrer um pouco antes de aceitá-
lo de volta na minha vida — é a última coisa que diz ao girar nos
calcanhares e sair porta afora.
Irritado por não poder torcer o seu pescoço, fico em pé e
extravaso a raiva derrubando no chão as coisas em cima da mesa.
O barulho ecoa pelo cômodo e paralisa Mabel, que fica parada entre
a soleira e o batente da porta, me observando.
— Quando eu fico assim, resolvo socando alguém — ela
começa a articular e entra no escritório, parando em frente à mesa.
— A mamá odeia quando eu quebro as coisas.
Ignoro o que ela disse e pergunto:
— O que você quer?
— Preciso ir ao México. Tenho um informante lá que sabe
sobre o Leonardo — avisa e eu concordo com um aceno de cabeça.
— Como suspeitávamos, ele faz parte do Cartel da Rosa Negra,
mas não tem um cargo importante. Não deve ser difícil encontrá-lo.
— Ótimo.
— Será que estão tentando nos enfraquecer? — quer saber e
minha língua coça para contar a verdade a Mabel, mas em vez
disso, solto uma baforada de ar ao ordenar:
— Santiago irá com você.
Mabel une as sobrancelhas expressivas.
— Não, Alejandro, por favor, deixa eu ir sozinha — implora e
junta as duas mãos em oração, o que não combina em nada com o
seu jeito atrevido.
— Não — retruco com a voz áspera, fazendo-a a bufar. —
Santiago vai e ficará de olho em você.
Mabel cruza os braços na altura dos seios.
— A coisa foi tão ruim assim com a Carmen? Encontrei ela
chorando no corredor — informa e eu solto uma baforada de ar,
cético. — A mamá me contou o que aconteceu ontem.
— Lógico — devolvo com sarcasmo.
— Eu gosto da Carmen — admite e eu bufo, perdendo a
paciência pela segunda vez no dia. — Mas diferente da mamãe, não
para ser sua esposa. E acho que fez bem em mandá-la embora.
Ninguém a convidou para vir a fazenda — continua, me
surpreendendo.
Sempre acreditei que Hortênsia seria a única a ficar do meu
lado, porque Mabel é geniosa demais para concordar comigo.
— Posso ir para o México sozinha? — questiona, batendo os
cílios longos devagar e esticando os lábios num sorriso meigo.
Rio, seco.
É claro que as palavras dessa pilantrinha me custariam
alguma coisa. Mas, para o desgosto da minha irmã mais nova, eu
não sou o tipo de homem que deixa as pessoas me cobrarem
alguma coisa.
Então, a minha resposta é:
— Não.
— ... podemos perdê-la — a voz do papá soa até os meus
ouvidos quando estou descendo as escadas.
— Ela vai ficar chocada, eu sei, mas ontem... eu me senti a
pior pessoa do mundo, papá — Safira diz, diminuindo o tom de voz.
— E se ela for embora? O que faremos? — meu pai
questiona com um sussurro preocupado, acionando os sensores
dentro do meu cérebro.
Entro na cozinha de uma vez, surpreendendo os dois, que
ficam um pouco retraídos com a minha presença. Arrasto a cadeira
de frente para Safira e me acomodo à mesa, como se estivesse
ligada no modo automático, ela serve café preto numa xícara para
mim.
— Quem vai embora? — quero saber.
— Elvira — papá responde e algo me diz que não é sobre
isso que os dois estavam conversando, mas minha atenção se foca
no nome da mãe do meu melhor amigo. — Ela não vê mais sentido
continuar aqui... nesta cidade — emenda ao respirar fundo e
esquadrinhar o meu rosto.
Meu coração dói.
— Pedro era a única família dela — comento, pensando em
como deve estar sendo difícil para dona Elvira.
— De qualquer forma, ela precisa do nosso apoio — Safira
fala, atraindo a minha atenção e eu concordo com um aceno de
cabeça. — Já foi um milagre todos os gastos do enterro terem saído
de graça.
Ao ouvir as palavras da minha irmã, envolvo os dedos na
xícara de porcelana, sentindo o calor do café e beberico, tentando
me safar de um possível problema. Não contei a ninguém que
Alejandro arcou com tudo.
— De graça? Não foi isso que Elvira falou. Ela disse que
alguém pagou por tudo, mas que preferiu não revelar a identidade.
Em sincronia, os dois lançam um olhar interrogativo para
mim.
— Nossa, que café bom — começo a tagarelar, depois,
beberico um gole pequeno. — O nosso café deve ser o melhor do
mundo todo.
Ouço a respiração pesada do meu pai e não preciso de muito
esforço para deduzir o óbvio.
Meu velho está irritado.
— Desembucha — Safira exige.
— Não me diga que é o que eu estou pensando, Pérola. Não
acredito que fez um absurdo desses — papá reclama.
Encolho os ombros, sem saber para onde correr.
— Você pediu dinheiro emprestado aquela família? — Safira
ralha, me assustando. — Sabe o que isso significa?
— Não é bem assim — rebato, completamente na defensiva.
— Então, explique, porque eu não entendo — papá
resmunga.
— Bom, talvez, eu deva um pouco de dinheiro para o
Alejandro — assumo e meu pai leva as mãos até a cabeça para
massagear as têmporas. — Me desculpem, mas Pedro merecia um
enterro digno e um bom caixão, tá legal? — emendo, os olhos
ardendo por causa das lágrimas.
— Quanto? — papá quer saber.
— Não se preocupem, a dívida é minha e eu vou pagar — é a
única coisa que eu digo ao levantar da cadeira e ir para o meu
quarto segurando a xícara de café quentinha entre as mãos.

Alejandro e eu não combinamos exatamente de nos vermos


hoje no bar, mas, mesmo assim, resolvo colocar um dos meus
melhores vestidos floridos e arrumar os cabelos.
Dou uma voltinha em frente ao espelho para checar tudo e
me sinto uma idiota, só que não consigo impedir a ansiedade que
parece estar enraizada dentro do meu coração bobo.
— Nunca a vi tão animada para ir trabalhar no bar — Safira
faz uma observação, que cora as minhas bochechas.
Dou de ombros, fingindo indiferença.
— Você está apaixonada, não é? — pergunta e a sua voz soa
tão triste, que me faz paralisar com a mão em cima do batom que
repousa na penteadeira de madeira.
— Isso é tão ruim?
Levanto o rosto para encarar minha irmã através do espelho
de corpo inteiro.
— Vou precisar de toda ajuda hoje no bar, o papá tá com um
pouco de dor de cabeça e não vai descer — é a única coisa que ela
diz ao dar as costas para mim e sair do meu campo de visão.
Desisto do batom e caminho até a cozinha para preparar chá
de manzanilla para o papai. Sirvo em uma caneca e da caixinha de
remédios que fica em cima do armário, pego um analgésico e
organizo tudo em cima da bandeja feita de bambu.
Subo até o quarto do papai e sem me preocupar se estou
sendo inconveniente, eu entro sem acender a luz. As janelas estão
abertas e a iluminação da rua corta metade do cômodo, o que me
dá a visão do meu pai dormindo sobre a cama.
Coloco a bandeja em cima da cômoda ao lado da cama e o
cubro com as cobertas, em seguida fecho as janelas e puxo as
cortinas para que fique mais escuro e confortável para ele.
— Obrigado, Perlita.
Ajoelho-me em frente a cama e dou um beijo na testa do meu
pai.
— Descansa, papá.
— Desculpa se eu sou tão duro com você, mi hija —
murmura, acelerando o meu coração. Respiro fundo e abro um
sorriso em meio a escuridão. — Eu me preocupo com você e tenho
medo de que se machuque.
— Eu sei — admito com um nó na garganta.
Entrelaço a minha mão na sua enrugada e calejada, trago até
os meus lábios e dou um beijo casto.
— Tome o chá e o remédio que eu trouxe, tá bem? E não
saia da cama, durma até a cabeça melhorar.
Ele concorda com um murmuro e eu retiro os joelhos do
chão, ficando em pé para sair do quarto. No pequeno corredor,
Safira me espera com um sorriso pequeno emoldurando o rosto que
é tão parecido com o meu.
Juntas e em silêncio, nós descemos as escadas e trancamos
a nossa casa antes de ir para o bar ao lado. Enquanto eu rumo
direto para o balcão e organizo as coisas do caixa, Safira vai
conversar com a garçonete e dar algumas ordens.
Quase três horas mais tarde, minhas esperanças de ver
Alejandro já deslizaram pelo ralo.
O bar está lotado por causa do final de semana, as luzes
fracas parecem dançar num ritmo entusiasmado com a voz de
Safira que canta “La Tortura” da Shakira, uma das suas cantoras
colombianas preferidas.
Elevo a bandeja vazia acima da cabeça para conseguir
passar entre os clientes que dançam animados e sou surpreendida
por um gringo que entrelaça os dedos na minha mão e me faz girar,
quase me fazendo cair no chão.
Começo a rir.
Meio alto por causa dos shots de tequila que tomou, ele retira
a bandeja das minhas mãos e me puxa para dançar, tentando
conversar na minha língua materna, o que me rouba outra risada.
— Você é meio duro. Tem que soltar o quadril — explico com
calma e a única coisa que o gringo faz é colocar as mãos na minha
cintura.
De repente, tomo um susto ao ver Alejandro brotar ao meu
lado e num gesto firme e brusco tirar as mãos do gringo do meu
corpo. Ele inclina a cabeça para o homem e em outro idioma inicia
uma conversa, que olhando daqui, é bem intimidadora.
Pálido e com os olhos esbugalhados, o gringo pede a conta
para a outra garçonete.
— O que você disse a ele? — quero saber.
— O suficiente.
— Não pode espantar os clientes assim, Alejandro.
— Vou fazer bem mais do que espantar os clientes se eu ver
outro homem com a mão em você, Perrita — devolve, sério.
Engulo em seco.
— Eu só pedi pra ele soltar um pouco mais o quadril —
retruco.
— Ah, sim. Se ele olhar pra você de novo, várias partes do
corpo dele vão se soltar — grunhe e por mais errado que seja, eu
sorrio.
Entrelaço os nossos dedos e arrasto Alejandro até a mesma
mesa da outra noite. Ele puxa a cadeira de madeira para sentar e
estou prestes a perguntar o que quer beber, quando a sua mão
grossa me puxa para o seu colo.
— O que está fazendo? — questiono ao sentir o nariz dele
roçar a curvatura do meu pescoço, enviando um formigamento
perigoso para o meio entre as minhas pernas. — Você quer matar o
meu pai do coração?
Alejandro solta uma espécie de rosnado.
— Ver aquele homem com as mãos em você... não gosto que
toquem no que é meu — admite e eu engulo em seco, me
engasgando com a própria saliva.
— Alejandro...
— Os homens aqui sempre fazem isso?
Minhas bochechas coram e não consigo responder de
imediato, porque a verdade é que sim. Alguns sempre acabam se
empolgando mais do que devem e o papai sempre ameaça os mais
atrevidos com um facão.
— Eu vou resolver isso, Perrita.
— O que vai fazer?
— Fazer com que este bar seja seguro pra você e a sua irmã
trabalharem — fala, roçando a barba por fazer no meu pescoço.
É estranho eu achar romântico e protetor, mesmo que a
atitude seja um pouco doentia? Droga. Nem consigo me importar
com as coisas erradas desse homem. Se ele quer me proteger, eu
deixarei.
Além do mais, ainda me lembro de como ele e a filha
estavam naquele dia na pracinha. Ele parece disposto a sacrificar o
mundo por alguém que ama e para ser sincera, isso é lindo.
Pensar em Giovanna me faz lembrar de outra coisa.
— Pode fazer algo pra mim? — pergunto, afastando-me um
pouco dele para focalizar os seus olhos castanhos. — Quero que
entregue algo pra Giovanna.
O cenho de Alejandro se franze.
— Mi hija?
— Sim.
Enfio a mão no meu avental e retiro a folha de papel dobrada.
Ontem à noite, eu a desenhei, do jeitinho que ela estava no dia que
a vi na fazenda cuidando dos meus machucados no quarto.
— Naquele dia que você me levou pra fazenda, quando eu
acordei, ela estava lá, cuidando das feridas do meu joelho. Eu me
sinto mal, porque eu a enganei, ela foi buscar arepas pra mim e eu
fugi pela janela. Pode entregar isso a ela?
Alejandro pega o papel e desdobra, descobrindo o rosto da
filha desenhado. Seus olhos brilham com uma excitação que não
consigo compreender.
— Ela é linda — é o que murmura depois de um tempo em
silêncio.
Sorrio.
— Sim — concordo. — Assim que tiver oportunidade, vou
pedir desculpas pessoalmente por ter fugid...
Minha voz é silenciada no momento em que percebo a
garçonete conduzindo dois dos irmãos de Alejandro até onde
estamos. O sangue do meu rosto desaparece e eu saio do colo dele
praticamente com um pulo, mas é tarde demais, porque eles viram.
Hortênsia e Vicente se entreolham, e a irmã mais nova de
Alejandro tenta esconder um sorriso.
— O que estão fazendo aqui? — Alejandro vai direto ao
ponto.
— Ai, ai, ai. E eu pensando que depois da visita inesperada
ter ido embora hoje de manhã ele estaria de bom humor —
Hortênsia zomba, puxando a cadeira para se sentar ao lado do
irmão.
Que visita inesperada?
Forço a curiosidade goela abaixo. A vida privada deles não
tem nada a ver comigo.
— Como sabiam que eu estava aqui? — Alejandro quer
saber.
— Você tem vindo muito a cidade à noite e Hortênsia sugeriu
esse bar, porque é da família da Pérola — Vicente conta, sorrindo e
a sua atenção vai para o palco, bem em cima da minha irmã. —
Quem é ela?
— Minha irmã.
— Ela tem uma voz linda — Hortênsia elogia e então, sinto as
bochechas corarem no momento exato em que ela vê o desenho
que fiz de Giovanna e fica abismada com a perfeição.
— Nossa, que lindo. São os mesmos traços do quadro que
tem na sala de estar da sua casa — comenta, chamando a minha
atenção.
— Foi a mesma pessoa quem desenhou — Alejandro
devolve, simplesmente, fazendo a irmã olhar para mim.
— Sabia que Giovanna colocou na cabeça que quer aprender
a desenhar por causa do quadro na sala de Alejandro? Você podia
dar aulas a ela. — Hortênsia lança um olhar atrevido para o irmão.
— O que acha, Alejandro?
Vicente ri, apenas observando os irmãos.
— O que querem beber? — é o que pergunto, um sorriso
trêmulo preenche meus lábios.
— Não se preocupe, já pedimos as nossas bebidas. Senta
aqui e faz companhia pra gente — Hortência pede e apesar de
parecer que ela quer me entrosar com parte da família, eu nego com
a cabeça.
— Não posso, o bar tá cheio e eu preciso trabalhar — é a
desculpa que dou para recuar alguns passos e me afastar dos
irmãos Navarro.
Voltando para o balcão, esbarro de leve na garçonete que
levou Hortênsia e Vicente para onde eu e Alejandro estávamos.
Curiosa, lanço um olhar por cima do ombro e a observo servir os
irmãos. Os mais novos sorriem e embora esteja sério, os ombros de
Alejandro estão quase relaxados.
Abro meio sorriso.
Então, quer dizer que ele ainda guarda o desenho que fiz
dele e da Giovanna na praça?
Naquele dia, ao entregar a arte para ele não tive intenção
nenhuma ou esperanças de que o homem fosse guardá-lo, mas
confesso que meu coração está acelerado, que nem uma idiota só
por saber que de alguma forma, Alejandro guardou na sua casa algo
que eu dei a ele.
Não há dúvidas de que manuseio melhor lápis de cor a uma
bandeja com copos de shots cheios de água ardente. No entanto,
por causa de Alejandro e os irmãos misturado à minha curiosidade,
já troquei vários pedidos e derrubei uma cerveja no chão, fazendo
uma bagunça e tanto.
Não é que eu queira me sentar ao lado deles e bater papo,
mas confesso que gostaria de saber o que estão falando, ainda
mais, porque eu flagrei os três olhando para mim enquanto
conversavam.
De trás do balcão, eu vejo Vicente tirar Hortênsia para dançar
quando os acordes de “Piel Morena” da Thalía ecoam pelo bar.
Antes mesmo da voz envolvente da minha irmã terminar de cantar a
primeira frase, sinto as mãos quentes de Alejandro na minha cintura,
me puxando de encontro com o seu corpo.

“Es la magia de tu cuerpo o el perfume de tu aliento


Es el fuego de tu hoguera que me tiene prisionera
El veneno dulce de tu encanto o es la llama que me va
quemando
Es la miel de tu ternura, la razón de mi locura (...)”[24]

A música preenche o espaço ao nosso redor e Alejandro me


gira com firmeza, sem afastar as mãos de mim. Lentamente, nossos
corpos se movem juntos, no ritmo sedutor das batidas da música.
Prendo a respiração ao senti-lo deslizando as mãos pelas
laterais do meu corpo e aos poucos, indo para as costas, descendo
até a base da minha coluna, os dedos grandes tocando o meu
bumbum.
O calor irradia contra mim, fazendo a minha pele arrepiar em
resposta ao seu toque.
Cada passo que damos é como uma dança sutil entre o
desejo e a contenção, entre a atração e a cautela. Os olhos
profundos e severos de Alejandro encontram os meus. Tão intenso
e avassalador, que me fez perder o fôlego.
Seus dedos salientes pressionam levemente contra a minha
cintura, me guiando em movimentos suaves pra lá e pra cá,
enviando ondas de eletricidade para o meio entre as minhas pernas.
De repente, ele me afasta, apenas para me girar e me puxar
contra si, fazendo-me sentir o aroma do seu perfume, que me
envolve completamente. Elevo as mãos e repouso em seus ombros,
sentindo a força contida sob a sua pele.
Droga.
Eu quero tanto me perder nele.
Meu corpo se entrega à melodia da música e ao Alejandro,
que me guia no seu ritmo. O calor do seu corpo tão perto de mim
cria uma tensão tão grande, que faz minhas bochechas queimarem.
Solto um gemido involuntário ao sentir a rigidez da calça dele
contra a minha barriga.
Meu coração bombeia alto dentro dos meus ouvidos.
— Alejandro... — é a única palavra que sai de entre os meus
lábios.
O homem me gira, esfregando a ereção contra as minhas
costas, enquanto ainda me conduz de um lado para o outro ao
mesmo tempo em que enfia o nariz na curvatura do meu pescoço,
deixando a minha vista embaçada de desejo.
A boca de Alejandro roça no lóbulo da minha orelha e eu arfo,
ansiando mais do toque dele. Eu fico tão perdida nas sensações
que nem percebo quando Safira migra para outra música.
— Por favor...
— O quê? — ele pergunta, a voz tão sedutora e grossa, que
sinto que é capaz de me partir ao meio. — Perrita, se implorar um
pouco mais, eu faço o que você quiser. Ninguém vai ver.
Alejandro desce com a mão até a barra do meu vestido e ao
tocar a minha coxa com vontade, ele arreda o tecido, o que me faz
acordar completamente do deslumbramento que o homem acabou
de causar em mim.
— Aqui não.
Viro-me para esquadrinhar o seu rosto e está nítido de que
não gostou de ser censurado, mas não está com cara de quem vai
insistir, o que eu agradeço, porque acabo de ver o meu pai passar
pela porta da frente do bar.
— Ai, droga. Pode me dar alguns minutos?
— Não — ele responde, rápido.
— Alejandro, por favor.
Meu velho não demora nem dez segundos para chegar no
balcão. Troca um olhar intenso com Alejandro, mas nenhuma
palavra é dita. Com gentileza, empurro o homem para a sua mesa.
Por sorte, Hortênsia que estava dançando, vê a situação e
pega tudo no ar, arrastando o irmão para fora do bar.
Alejandro vai, mas vai com o maxilar cerrado e soltando fogo
pelas ventas.
— Papá, melhorou? — pergunto, sorrindo e mudando as
coisas em cima do balcão de lugar.
— Acabei de piorar — resmunga depois de ficar uma
eternidade em silêncio. Reviro os olhos e respiro fundo. — Vá pra
casa antes que eu a demita — ordena e eu sei que é apenas um
pretexto para me deixar longe de Alejandro.
— Não pode me demitir, eu nem trabalho oficialmente aqui —
devolvo, tentando fazer graça, só que não funciona.
— Vá pra casa, vou ficar aqui com a sua irmã até fechar.
Encho as bochechas de ar e assopro.
— Papá, por favor, não vamos começar — peço e eu tenho
certeza de que ele teria contra-argumentado, mas o pequeno
alvoroço que se forma na entrada do bar chama a nossa atenção.
Estou prestes a sair detrás do balcão para ir até lá e sou
impedida pela mão do papá, que agarra meu braço e me impede de
sair do lugar.
— Fique aqui.
Ele dá a volta no balcão na mesma hora que um pequeno
grupo de homens mal-encarados entra no nosso estabelecimento.
Tomo um susto quando a voz de Safira é silenciada abruptamente e
percebo que um dos homens está perto do palco, com a tomada do
amplificador nas mãos.
Lá em cima do palco, os olhos de Safira encontram os meus,
cheios de preocupação. Não há nada de bom neles e o certo é ficar
na minha ou chamar a polícia, mas meu espírito teimoso está
determinado a colocá-los para fora daqui.
Devagar, os homens se aproximam do balcão e o papá sai de
trás dele, para enfrentá-los. Sinto a atmosfera ao nosso redor mudar
e eu engulo em seco, mantendo os ombros eretos.
O líder deles me encara diretamente, um olhar que me envia
um arrepio pela espinha dorsal.
— Venha comigo, Pérola, vamos conversar — ele fala, como
se já me conhecesse.
— Minha filha não vai a lugar nenhum com você — papá fala
e meu coração bate tão rápido, que minha visão fica turva por
alguns segundos.
Eu queria tanto agradecer ao papai por tentar me proteger e
pedir desculpas, porque para proteger ele e a Safira, eu sou capaz
de ir com este homem horrendo a nossa frente.
Para meu espanto, ele agarra o meu pai e acerta um soco no
seu rosto, fazendo-a sangrar. No bar, apenas o meu grito e o da
Safira escoam pelo ar junto à tensão densa que se instalou.
Corro para perto deles e em desespero, começo a gritar:
— Pare! Pare! Pare! Eu vou! Eu vou! — E então, meu pai é
arremessado no chão como se não valesse nada. — Cretino —
crispo.
Safira corre para perto de nós e me ajuda a erguer o papai,
que resmunga para eu não ir.
O líder sorri de um jeito que faz os meus ossos gelarem e
meu coração querer saltar pela boca, só que me mantenho forte,
com uma expressão de quem é capaz de voar em cima do seu
pescoço e arrebentá-lo.
— Venha! — ele ordena.
Com as mãos bambas, eu desfaço o nó do meu avental e o
jogo em cima do balcão.
— Não dê um passo um passo, Perrita — Alejandro fala,
surgindo atrás do pequeno grupo de homens e eu respiro fundo, me
sentindo aliviada. — Vamos conversar. Eu e você — ele emenda,
com a voz que envia arrepios pela minha pele. Sou capaz de sentir
o perigo e a determinação em cada palavra que soa de Alejandro.
— Quem é você, cara?
Alejandro curva a boca num sorriso cínico.
— Em breve você vai saber — ele fala, e de repente, sua
mão fechada voa no meio do rosto do homem, fazendo-a cambalear
para trás, desnorteado. — Se recomponha, eu estou só começando
— Alejandro emenda e eu umedeço os lábios antes de mordê-los.
Tudo acontece tão rápido, que é difícil acompanhar, mas vejo
Vicente e Martín no meio do grupo de homens, desferindo socos e
chutes, e Hortênsia derrubando um dos caras mal-encarados com
uma das cadeiras do bar.
Depois de dominarem o pequeno grupo e de todos os
clientes irem embora, Safira e eu fechamos o bar para irmos cuidar
dos machucados do papai. Apenas um soco e o nosso velho ficou
completamente arrebentado.
A campainha toca e eu deixo Safira com o papá na cozinha
para ir atender.
Abro meio sorriso ao ver Alejandro do outro lado da porta.
Sem dizer nenhuma palavra de imediato, ele rompe a nossa
distância, tomando meu rosto com uma das mãos e me chocando
contra o próprio corpo.
— Você está bem? — ele pergunta com um sussurro cheio
de sinceridade que atinge meu coração em cheio.
— É claro que ela está — papá resmunga ao surgir atrás de
mim na sala.
Afasto-me de Alejandro e só então, noto que Hortênsia e
Vicente vieram com ele. Dou um passo para trás e com um gesto de
cabeça, eu convido os três para entrar na casa, embora meu pai
não pareça apreciar a minha decisão.
— O senhor está bem? — Hortênsia quer saber e rabugento,
papá responde que sim. A garota troca olhares com os irmãos e
força um sorriso pequeno, em seguida, se acomoda no sofá
pequeno da sala de estar.
Alejandro e Vicente ficam em pé, deixando a nossa sala
ainda mais minúscula do que ela já é.
— Quem eram eles? — Safira questiona ao surgir no cômodo
também, atraindo a atenção dos irmãos Navarro.
— Não são da região, mas não se preocupe, eu vou
descobrir quem são — Alejandro diz, rápido e sério.
— Não são da região? Você quer dizer que não eram de
nenhum Cartel inimigo que você conheça? — minha irmã rebate,
fazendo-me engasgar com a própria saliva. — Vamos parar de fingir,
nós sabemos o que vocês são e...
— Não sabia que estávamos fingindo — Alejandro a
interrompe, a voz áspera cortando o ar e arrepiando a minha nuca.
— Seu irmão morreu e Pérola viu tudo — Safira continua com
um tom frio, que me surpreende.
Pela visão periférica, noto Hortênsia se remexer no sofá.
— Seja mais delicada, está falando do meu irmão que não
está mais entre nós — a herdeira Navarro intervém e em resposta,
Safira espreme os lábios.
— Eu sinto muito pelo seu irmão — minha irmã fala, um
pouco mais maleável. — Mas, eu sei que Pérola é apenas uma peça
no jogo doentio de vocês. O que acontece com ela agora? Ela é
importante pra você apenas enquanto te convém.
Alejandro estreia os olhos para a Safira, a raiva é tão
palpável, que o homem parece a um triz de explodir.
— Não fale merda, Safira — Alejandro grunhe, acelerando o
meu coração. — Estou sendo muito paciente com vocês, porque no
geral eu não sou assim.
— Pérola é tão ingênua por não conseguir enxergar o quanto
você é...
— Parem! — grito, assustando todos na sala. Respiro fundo e
bato os cílios por uma fração de segundo, umedecendo os lábios
antes de voltar a articular. — Parem de falar como se eu não
estivesse aqui ou como se eu fosse uma criança de três anos.
Safira desvia a atenção de Alejandro e prensa os lábios, uma
tentativa de conter a raiva. Papai continua sentado na poltrona,
pensativo e silencioso, o que para falar a verdade me assusta pra
caramba.
— Vocês agem como se Pérola fosse uma criança, mas ela
sabe se virar sozinha. Fugiu de Alejandro quando ele a levou pra
fazenda e meu irmão teve que correr bastante para conseguir pegá-
la de novo — Hortênsia comenta e eu sou a única que ri em meio ao
caos que se encontra a minha vida.
O celular de Alejandro começa a tocar e ele tateia o bolso da
calça de alfaiataria até agarrar o aparelho entre os dedos. Os olhos
do homem se concentram na tela colorida, refletindo por um minuto
antes de decidir se deve ou não atender.
— É importante — é o que diz ao cruzar o olhar comigo e sair
porta afora, deixando-me sozinha com os seus irmãos e a minha
família.
— Faça suas malas, Perlita — papá finalmente abre a boca,
para o meu desgosto, não gosto da ordem que me dá. — Você vai
para Barranquilla. Ficará na casa da sua tia até a poeira por aqui
baixar.
— Não — protesto.
— É o melhor pra você — Safira concorda com ele.
O peso das palavras de papai e Safira ecoam dentro dos
meus ouvidos e um nó aperta em meu peito, fazendo minha
respiração falhar e o coração bater mais rápido. Completamente
abalada, me deixo cair no sofá, ao lado de Hortênsia.
Lanço um olhar para Safira, buscando apoio ou qualquer
coisa que seja, mas não há nada além de concordância com o
nosso pai.
— Não... — balbucio, a voz sai um pouco mais áspera do que
antes, a incredulidade se misturando à mágoa.
— Por favor, me obedeça, mi hija — papá pede ao
esquadrinhar o meu rosto, os olhos tristes, só que firmes.
Eu sei que os dois estão tentando me proteger, só que não
consigo desfazer o nó de ressentimento que começa a se formar
dentro de mim.
— Eu não acho que... — Hortênsia começa a falar e desiste
no momento em que Vicente e Safira olham para ela. — Desculpa.
— Obrigada — Safira retruca com sarcasmo.
— Não posso ir — é o que digo, uma tentativa inútil de fazer
o meu pai mudar de ideia. — Por favor, papá.
— Não pode ir ou não quer ficar longe de Alejandro? — a
pergunta me acerta como um soco no meio do rosto.
Não posso ir porque não quero ficar longe da minha família,
mas sim, a ideia de ficar sem ver Alejandro é quase insuportável
demais.
O que está acontecendo comigo?
Por que não ver mais ele parece algo tão avassalador e
triste?
É como se algo de Alejandro ecoasse dentro de mim, me
fazendo sentir completa e vazia com a mesma intensidade.
Enquanto Safira e papai continuam me dando motivos para ir
embora de Verdellano, sinto como se estivesse à deriva num
barquinho velho no meio do oceano, sozinha e imponente.
Alejandro volta para dentro de casa, mudando o ar a nossa
volta. Nossos olhos se cruzam e no rosto dele há tanta
determinação. Ele é tão lindo e instigante. É uma pena que
provavelmente nunca mais eu o veja na minha vida.
— Eu preciso ir pra Bogotá amanhã — anuncia, partindo o
meu coração em mil pedacinhos.
Além do dinheiro, das nossas índoles, do certo e do errado,
do bem e do mal, das nossas famílias, agora, mais de mil
quilômetros vão nos separar.
— Você vai embora? — pergunto com a voz baixinha, quase
falhando por causa da tristeza entalada na garganta.
Ele assente com firmeza, passando uma das mãos em cima
do topo dos cabelos sedosos.
— Perrita, faça suas malas. Você vem comigo.
— Eu sei que o fuso horário entre os nossos países é quase
irrelevante, mas não é uma boa hora pra me ligar — com a voz
cortante e sem rodeios, é a primeira coisa que digo ao atender a
ligação e levar o aparelho até o ouvido.
Do lado de fora da casa da Pérola, analiso os meus homens
na rua, debaixo da luz fraca do poste, me observando e cuidando da
segurança.
Há uma risada do outro lado da linha, um som que carrega
um toque de desafio que me irrita.
— Alejandro, é sempre um prazer ouvir a sua voz tão
calorosa.
Eu rolo os olhos, mesmo que ele não possa ver.
— O que você quer?
— Não vai perguntar se eu estou bem?
Respiro fundo.
— Pare de perder o meu tempo, tenho negócios para cuidar
— resmungo.
— Sinto muito pelo seu irmão — fala e há um momento de
silêncio entre nós. — Eu gostava mais dele do que de você.
Deixo escapar uma risada seca.
— Me provoque de novo e eu acabo com você — grunho e o
cretino ri, atiçando o limite da minha paciência.
— Até parece que não somos amigos. Eu fui ao seu
casamento e conheci sua esposa.
— Minha esposa morreu há anos — lembro-o. — Do que
você precisa?
Ele solta um suspiro teatral.
— Tenho um pequeno problema aqui em Chicago e preciso
de ajuda.
Fixo o olhar na rua, as casas pequenas e simples silenciosas
em meio a pouca luz da rua.
— E por que eu faria isso, Danilo? Estou cheio dos meus
próprios problemas aqui, não posso resolver os seus.
— Vamos ver, Alejandro, você vai me ajudar porque é meu
amigo e talvez, porque me deve um favor ou dois.
Aperto o telefone com um toque de irritação.
Danilo Salvatore.[25]
Péssimo quando ele é seu inimigo, irritante quando é seu
amigo há anos.
Nossa relação é emaranhada com favores não ditos e uma
camaradagem que nunca admitiremos abertamente. Mas, porra!
Fico puto de dar o que ele quer de graça, como se eu estivesse a
sua mercê.
— Me diga o que você precisa e eu vejo o que eu posso fazer
— murmuro, cedendo apenas um pouco.
Danilo ri, dessa vez, parece um pouco genuíno.
— Tem alguém que eu preciso encontrar e segundo as
informações que eu tenho, a pessoa está aí na Colômbia. Meu pai
não pode saber, então, estou indo com o meu conselheiro encontrar
você para uma reunião de negócios.
Considero as palavras por um momento, ponderando a
situação.
— Você não está contando tudo.
Ele respira fundo.
— Não, mas não quero falar nada por telefone. É um assunto
deliciado. Vai me ajudar?
Aperto os dedos em volta do aparelho celular. Não é como se
eu não tivesse os recursos necessários para ajudá-lo, além do mais,
a oportunidade de mantê-lo em dívida comigo não é algo que eu
deixarei passar.
— Vou considerar isso — digo, a voz soando calculada.
— Estou indo pra Bogotá amanhã.
A linha fica silenciosa por um momento e eu me dou conta de
que eu terei o subchefe do Império Salvatore zanzando na minha
cidade. Diabos! Terei que voltar para a capital.
— Não espere que eu vá buscá-lo no aeroporto — resmungo
e ele ri, desdenhoso.
— Vou levar uma garrafa de Malört[26] — retruca, e o peso da
conversa pende entre nós.
Mesmo com todo o sarcasmo, a amizade implícita não pode
ser negada. É uma relação peculiar, confesso que é uma ligação
baseada em interesses mútuos, no entanto, há respeito também.
Depois de encerrar a ligação, volto para dentro da casa da
família Sanchez e ao focalizar os olhos grandes e redondos de
Pérola, eu sei que sou incapaz de deixá-la sozinha aqui depois do
que aconteceu hoje.
— Eu preciso voltar pra Bogotá — assim que as palavras
deixam a minha boca e alcançam os ouvidos da garota, vejo as
engrenagens funcionando atrás dos seus olhos que ficam triste de
repente com a notícia.
— Você vai embora? — ela balbucia.
— Perrita, faça suas malas. Você vem comigo — informo,
chocando todos na pequena e humilde sala de estar.
— Eu? — Pérola cochicha, unindo as sobrancelhas em
confusão.
— Você ficou louco? — o senhor Sanchez esbraveja ao se
levantar da poltrona para tentar avançar em cima de mim, mas é
impedido pela filha mais velha. — Não vai levar minha filha com
você.
— Senhor Sanchez — digo entre os dentes, controlando toda
a minha raiva por conta do seu desrespeito. — Levarei Pérola
comigo e isso não está em discussão.
— Não! — ele berra, se soltando com força das mãos de
Safira. — Ela vai pra casa da tia em Barranquilla. Sozinha.
Contraio o músculo da mandíbula.
— Você quer mandá-la pra Barranquilla? Sozinha? — ralho,
sentindo as narinas expandirem por causa da raiva. — Perrita, vá
fazer suas malas.
Hortênsia se levanta e junto de Vicente, se aproxima de mim.
A caçula está prestes a abrir a boca e me questionar, mas desiste
no momento em que nossos olhos se encontram e ela enxerga a
minha fúria.
— Você quer me levar com você? — Pérola questiona,
parece finalmente se dar conta do peso da minha ordem.
— Por que você que levar Pérola? — Safira questiona,
indignada.
Deixo escapar um suspiro pesado e disparo os olhos
impaciente para Safira, que aperta os lábios frustrada. Elevo uma
das mãos e esfrego as têmporas, cobrindo a visão por uma fração
de segundo.
Meus ombros tensionam ao endireitar a postura e cerrar os
dentes ao começar a falar:
— Ainda não se deram conta do que está acontecendo aqui?
— pergunto, entretanto, não permito que ninguém responda. — Por
que acham que estão atrás de Pérola se Leonardo não a viu nas
plantações?
O rosto de Pérola perde a cor e Safira engole em seco ao
sentir o peso do meu questionamento, enquanto o senhor Sanchez,
está irredutível.
— Pedro era meu amigo — Pérola fala com um sussurro,
quase como se fosse um pedido nas entrelinhas para que eu fique
quieto.
— Eu sei, Perrita. Mas como acha que ele morreu? —
questiono e eu me odeio um pouco, porque lágrimas começam a
rolar pelo rosto delicado dela.
— Pare — o pai de Pérola pede.
Inclino um pouco o rosto para encará-lo.
— Pedro não tropeçou e foi parar milagrosamente em outra
cidade. Antes de morrer, eles tiraram tudo do garoto. E quando eu
digo tudo, é tudo.
— Ele entregou minha irmã? — Safira quer saber.
— Não, ele não fez isso — Pérola choraminga.
— Sim — afirmo, fazendo Pérola tremer. — Mas ele era
apenas um garoto e não fez por mal — sem saber o motivo, defendo
Pedro. Talvez, eu queira diminuir um pouco a tristeza da Perrita.
— Provavelmente, ele fez isso pra não sentir mais dor —
Hortênsia tenta amenizar a conversa e Vicente sai porta afora com
uma fúria que não me surpreende. Já fez muito em se meter na
briga do bar para me ajudar, escutar como as coisas funcionam por
aqui não deve ser fácil.
— O que acontecerá da próxima vez? Ainda mais se eu não
estiver por perto? — devolvo, oscilando a atenção de Safira para o
seu pai. — Eu vou proteger Pérola, então, ela vem comigo.
— E eles? — a Perrita quer saber. — Vão ficar seguros aqui?
— Meus homens continuarão cuidando de tudo.
Pérola concorda com um balançar de cabeça.
— Eu vou.
— Perlita... — seu pai murmura, entristecido.
Pérola vai até ele e se ajoelha a sua frente, envolvendo as
mãos nas suas, em seguida, beijando de leve.
— Eu vou morrer se algo acontecer com o senhor, papai. Não
quero que se machuque por minha causa — a garota choraminga e
um nó de desconforto se forma no meio da minha garganta. — Não
quero que nenhum de vocês se machuque. — Pérola estende a
mão para a irmã, que a segura, apertando com força. — Não é pra
sempre.
Safira puxa Pérola contra os seus braços e a prende num
abraço, as duas começam a chorar.
— Vamos arrumar as suas coisas — Safira concorda. —
Prometa que vai ligar todos os dias.
Com um sorriso em meio as lágrimas, Pérola assente.
Amargurado e enfurecido, o senhor Sanchez levanta da
poltrona e sobe as escadas, deixando as filhas na pequena sala de
estar.
Sei que não deve ser fácil deixar Pérola vir comigo, mas eu
quero protegê-la.
Eu vou protegê-la.
Vou mantê-la a salvo dos perigos que eu conheço muito bem.
Sei muito bem o que acontece quando alguém cruza o
caminho errado no mundo em que vivo e não quero que nada de
ruim aconteça à minha Pérola.
E eu sei que levá-la para Bogotá, para a minha vida dessa
forma, para o meu mundo, onde o perigo espreita em cada esquina
é ainda mais perigoso, mas também, é onde eu posso mantê-la sob
a minha total proteção.
Alejandro encara a minha mochila de viagem como se fosse
um grande enigma indecifrável.
— Só isso? — pergunta e eu me dou conta de que esqueci
algo importante dentro do meu quarto.
Giro nos calcanhares e entro em casa, subo as escadas
correndo e empurro a porta com força, procurando meu caderno de
desenho e estojo de lápis. Ao encontrá-los, enfio tudo dentro da
bolsa a tiro colo.
Volto para frente do seu carro segundos depois. Endireito os
ombros e respiro fundo, tentando demonstrar um pouco de
confiança.
— Agora sim. Prontinha pra ir.
Alejandro encrespa a testa, mas não diz nada, apenas
guarda a minha bagagem no porta-malas do seu carro luxuoso. Dou
outro abraço em Safira, que chora em silêncio e me despeço do
meu pai, que está chateado comigo, no entanto, não me pede para
ficar ou me impede de ir.
— Amo vocês — sussurro ao segurar as lágrimas e quando
Alejandro abre a porta do carona para mim, quase corro para
dentro. Não quero chorar na frente deles. — Vamos, vamos, vamos
— apresso Alejandro assim que o homem se senta no banco do
motorista.
— Ainda verá sua família, Perrita.
Mordo o lábio inferior e viro o rosto para Alejandro.
— Promete?
— Sim — fala ao erguer a mão grossa e quente e aparar uma
lágrima do meu olho com o polegar. — Vou proteger você.
Na sua voz rouca e séria, há algo de terno e protetor, e
também, existe algo mais profundo. Algo que talvez, esse homem
que é tão lindo como um anjo divino, não compreenda
completamente.
Sem pensar duas vezes, me inclino um pouco para frente e
encosto nossos lábios de leve e ele nem perde tempo, a mão
segura meu rosto para aprofundar o beijo. E eu sinto como se as
preocupações fossem embora, mesmo que temporariamente.
É estranho, mas sempre que ele me toca, sempre que
estamos juntos, é como se só existisse ele no mundo.

Depois de alguns minutos, chegamos à Fazenda Navarro. Ao


nosso lado, Vicente estaciona o carro e Hortênsia desce com o
irmão. Com seu jeitinho simpático, ela me lança um sorriso de quem
diz “Boa sorte” e entra na mansão intimidadora.
Completamente arrependida de ter vindo com Alejandro,
junto as minhas mãos trêmulas e cogito a possibilidade de fugir.
A última vez que estive aqui, não foi um dos melhores
momentos da minha vida e quase levei um tiro nas plantações.
Não acho que sou bem-vinda neste lugar.
— Não podemos ir direto para Bogotá? — pergunto,
sugestiva.
— Não. Giovanna está dormindo — dá uma explicação curta
e objetiva, que me faz assentir, compreensiva.
— Ah, sim, claro.
— Vamos entrar, Perrita.
— Onde eu vou dormir? — questiono, começando a ficar
nervosa de repente. — Quer dizer... meu Deus, foi uma péssima
ideia vir com você. Ave Maria, por que eu não percebi isso antes?
Alejandro deixa escapar um som estranho de entre os lábios.
Parece uma risada, só que não tenho certeza.
— Venha.
— E se sua família me expulsar? — cochicho, encolhendo os
ombros ao lembrar da fera que é a sua outra irmã e claro, a jovem
mãe.
— Você é minha convidada, ninguém encostará um dedo em
você.
Prenso os lábios.
— Como pode ter tanta certeza?
— Porque se fizeram isso, estarão me desfiando. E nesta
casa, eu não aceito esse tipo de atitude — é a última coisa que diz
ao se desprender do cinto de segurança e descer do carro, apenas
para dar a volta e abrir a porta do carona para mim e estender a
mão no ar. — Vamos, Perrita, todos já estão dormindo. Não vai
enfrentar ninguém hoje.
Deixo os ombros caírem ao mesmo tempo em que respiro
fundo, aliviada.
Estiro o braço e entrelaço os dedos nos de Alejandro. Um
gemido escapa de entre os meus lábios no momento em que ele me
puxa contra ele de supetão, chocando os nossos corpos.
A mão livre desliza pela minha cintura e o toque firme faz os
músculos entre as minhas pernas contraírem.
Engulo em seco e apoio as mãos em seu peito forte e duro
para conseguir o impulso necessário para me afastar e me
recompor. Passo as mãos nos meus cabelos, prendendo-os detrás
da orelha, enquanto a sombra de um sorriso malicioso brinca nos
lábios de Alejandro.
Sem saber o que fazer, caminho em direção à varanda da
mansão e o homem não vem atrás de mim, porque parou para
pegar a minha bagagem. Hesitante em entrar sozinha, decido
esperar Alejandro ao me encostar na balaustrada delicada, que é
entrelaçada com trepadeiras em flor.
Em silêncio, observo Alejandro se aproximar em passos
confiantes e decididos. Meus dedos apertam o corrimão de madeira,
como se buscasse equilíbrio para me manter em pé.
Uma sensação calorosa e inebriante se espalha pelo meu
corpo e eu sinto a pele formigar. E eu odeio que meus lábios
queiram se esticar num sorriso para ele, apenas por contemplar
cada um dos seus movimentos.
Uma brisa suave balança os cabelos castanho-claros
enquanto a camisa de linho se molda aos contornos musculosos do
seu corpo, tornando tudo uma visão de dar água na boca.
Ai, eu estou perdida.
Ele parece um anjo.
Um anjo que é o chefe do Cartel.
Um anjo sombrio.
Meu coração erra algumas batidas no exato momento em
que ele levanta os olhos avelãs e nosso olhar se encontra, me
capturando completamente.
Prendo a respiração quando ele para um passo diante de
mim. Num gesto natural, ele ergue a mão para tocar a minha cintura
e me guiar casa adentro e só então, solto o ar.
O perfume dele é uma mistura de terra e folhas frescas, não
sei explicar, mas é intoxicante. Algo só dele.
Mordo o lábio inferior com força, porque está formigando
com um desejo pulsante que parece ecoar em cada parte do meu
corpo. Ave Maria. Será que vou sobreviver esta noite?
Caminhamos juntos e eu quase tenho um ataque cardíaco ao
ver Hortênsia no corredor. Levo a mão até o peito e massageio,
tentando me recuperar.
— Me desculpa — ela murmura com um sorriso amarelo, em
seguida, olha para o irmão. — Todos os funcionários estão
dormindo. Quer que eu arrume um quarto de hóspedes para Pérola?
— pergunta, sugestiva.
Devagar, direciono a atenção para Alejandro, que está me
observando de um jeito tão intenso, que cora as minhas bochechas.
— Não. Ela vai ficar comigo.
Pigarreio.
Hortênsia abre um sorriso amplo.
— É claro que sim. — Ela corta a distância entre ela e o
Alejandro, fica na ponta do pé para dar um beijo caloroso no rosto
do irmão. — Boa noite, maninho. — E então, lança uma olhadela
para mim. — Boa noite, Pérola.
Forço o caroço no meio da garganta a descer.
Para minha surpresa, Alejandro segura a minha mão,
entrelaçando os nossos dedos, o que me faz suspirar. Sem
verbalizar nenhuma palavra, ele me arrasta até o seu quarto.
É estranho, mas eu sinto que estou pronta para cada
momento, cada sensação, cada lado dessa moeda que é Alejandro
Navarro.
Eu acho que não estou pronta.
Depois de entrarmos no quarto e ele colocar a minha
bagagem em cima da cama majestosa que ocupa o centro do
quarto, sinto como se uma pedra caísse dentro do meu estômago.
Alejandro esquadrinha meu rosto, seus olhos com um brilho
devasso. Desvio e finjo contemplar o quarto.
A luz suave do lustre de cristal dança pelas paredes em tons
suaves de marfim, contrastando com o chão de madeira escura com
brilho espelhado.
— Está com medo, Perrita?
— Não — respondo rápido. — Onde você vai dormir? —
questiono, mirando seus olhos intensos.
— Aqui — diz, apontando com o indicador para cama
adornada com lençóis de luxo, que parecem me convidar para tocar
e sentir a maciez.
— E eu?
— Aqui — devolve com um leve sarcasmo, tocando com
força um dos travesseiros fofos. — Do meu lado.
— Ah — balbucio.
— Não se preocupe, Perrita. Não vou comer você... a não ser
é claro, que você me peça — fala ao se aproximar de mim e eu não
consigo mover um músculo, meus pés cravados no chão. — Mas
confesso que estou tentado a fazê-lo de qualquer forma — emenda
ao tomar meu rosto com uma das mãos.
— Eu...
Arfo.
— Nunca esteve com ninguém — deduz, fazendo o sangue
do meu corpo ferver.
Arregalo os olhos, surpresa.
— Como sabe?
— Você está tremendo — murmura ao envolver a mão na
minha cintura e me puxar contra ele, colando os nossos corpos. —
E eu mal te toquei de verdade.
— Nunca tive um namorado — admito ao umedecer os lábios
com a língua e Alejandro observa os meus gestos.
Não é que eu esteja me guardando para depois do
casamento, mas eu cresci nessa cidade e bom, os homens daqui
nunca me chamaram a atenção. E eu estava preocupada com
outras coisas mais importantes do que um namorado ou sexo.
Precisava ajudar o meu pai.
A Safira.
E logicamente, minha família não é do tipo que conversa
sobre tudo abertamente. Papai nunca falou sobre sexo comigo e eu
devo ter trocado algumas palavras com Safira, no entanto, tudo que
eu sei eu aprendi na internet ou na escola.
— Eu... — começo a verbalizar, mas o resto das palavras
morrem no meio da garganta.
— Perrita... — ele fala, a voz tão baixa e grossa, que faz
cócegas nos meus ouvidos. — Eu vou te fazer mulher.
Engulo em seco.
— Minha mulher.
Sinto as palavras de Alejandro queimando a pele quando ele
se inclina lentamente sobre o meu corpo e os lábios encostam na
curvatura do meu pescoço, me arrepiando inteira.
— Sua mulher? — balbucio, o peito subindo e descendo por
causa da respiração entrecortada.
— Sim. Completamente minha.
Ser dele?
Completamente dele?
Ser mulher dele?
O que isso significa exatamente?
Meu Deus! Onde eu estava com a cabeça quando aceitei ser
protegida por um maldito chefe do Cartel? Isso não é a mesma
coisa de ir direto para a forca? Ou comprar minha passagem para o
inferno?
Alejandro interrompe os meus pensamentos ao subir com a
mão pela lateral do meu corpo, alcançando o meu seio e me
roubando um chiado. Tudo bem, eu acho que se ele estiver no
inferno não será tão ruim assim.
Alguém bate na porta, interrompendo o momento e quando
ele se afasta de mim, tenho a sensação de que vou despedaçar ou
cair no chão. O meio entre as minhas pernas latejando por causa
dos seus toques.
Ele vai abrir a porta do quarto, mas antes, ajeita o volume
crescente na calça que eu não tinha notado.
— Hortênsia... — fala, a impaciência é quase palpável.
— Sei que devem estar ocupados, mas eu lembrei que não vi
Pérola comer nada e...
Rápido, vou até a porta, silenciando a irmã de Alejandro.
Abro um sorriso honesto para a garota, porque sinto que se
preocupa de verdade comigo e até arrisco dizer, que deve gostar um
pouco de mim.
— Obrigada, Hortênsia. Eu tô bem.
— Ok. Boa noite, outra vez — diz e Alejandro nem espera eu
responder, fecha logo a porta na cara da irmã.
Endireito os ombros e levo ar até os pulmões antes de guiar
meus pés até a mochila de viagem em cima da cama. Agarro as
alças e rumo na direção do que parece ser o banheiro.
— Vou tomar um banho — aviso e nem espero que Alejandro
responda, abro a porta e entro, só para depois perceber que é o
closet. Com o rabo entre as pernas, saio do cômodo e dou de cara
com o olhar sarcástico do homem.
— O banheiro é na outra porta.
— Eu imaginei — sussurro ao forçar um sorriso amarelo nos
lábios e caminho na direção na outra porta, queimando sob o olhar
intenso dele.
Só depois de me trancar no banheiro, que coloco a minha
bolsa tiracolo e bagagem em cima da pia, e admiro o cômodo ao
meu redor. Há espelhos que cercam a área da pia, refletindo o lugar
inteiro e multiplicando a sensação de amplitude, e a banheira
autônoma em mármore é linda e convidativa.
Saio de dentro das minhas sandálias baixas e abro o zíper
lateral do meu vestido, tiro as peças íntimas e na ponta dos pés, vou
para o box do chuveiro enorme e deixo a água cair sobre mim.
Não sei o que tem nessa água, mas sinto como se estivesse
fazendo massagem no meu corpo.
Passo mais tempo do que o necessário no banho e ao sair do
box, vasculho a minha bolsa, ficando frustrada por não ter nada
sexy. A peça menos vergonhosa que tenho é uma blusa masculina
no tamanho G que eu comprei mês passado e uma calcinha que
parece um short.
Enrolo a toalha nos meus cachos para secar um pouco e
encaro meu reflexo no espelho, sem coragem de sair do banheiro.
Mordo as bochechas internas e respiro fundo, endireitando os
ombros.
Retiro a toalha, liberando os cachos meio molhados e tento
me convencer de que não está tão ruim.
Com medo, empolgada, trêmula, ansiosa e um monte de
coisas mais juntas, eu abro a porta do banheiro e saio.
Meu Deus!
Ele...
Está...
Sem...
Camisa...
Minha respiração fica presa na garganta quando vejo pela
primeira vez os músculos definidos e a pele naturalmente dourada
de Alejandro. Os ombros são tão largos e o corpo dele... não tem
outra explicação a não ser que foi esculpido por Deus.
Alejandro é uma obra de arte e eu não consigo desviar a
atenção dele.
Com um copo de cristal meio cheio de um líquido marrom na
mão, ele se aproxima lentamente de mim, como um leão estudando
a sua presa. Estudo cada centímetro do seu peito perfeito, cada
músculo flexionando e relaxando de maneira coordenada.
Sinto minhas mãos formigarem com a necessidade de tocá-
lo, então, as entrelaço, para disfarçar meu desejo.
Desço mais um pouco os meus olhos, gravando cada detalhe
dele na minha mente. A trilha de pelos que desce pelo abdômen de
Alejandro e some sob a cós da calça de moletom cinza, me deixa
com água na boca.
Um calor se espalha por todo o meu corpo, fazendo minhas
entranhas se contorcerem e as bochechas arderem ao mesmo
tempo em que cada batida desajeitada do meu coração parece
ecoar em sincronia com a minha respiração acelerada.
— Gosta da vista, Perrita?
Ao ouvir a pergunta, ergo os cílios e meus olhos encontram
os dele. Nos seus, há um brilho intenso e lascivo, uma intensidade
que faz a minha boca ficar seca e a pele queimar.
— Sim — respondo antes que o cérebro processe a palavra.
— Quer dizer, eu... — Não consigo formular uma frase coerente,
porque parece que tudo se perdeu dentro da minha pobre cabeça.
Alejandro ri, descontraído. E preciso confessar, que isso
também mexe comigo, porque é como se ele estivesse me
mostrando uma parte secreta de si mesmo.
É tão lindo.
Meu coração bate um pouco mais rápido por causa disso,
uma sensação de timidez mesclada com excitação.
Depois de diminuir toda a nossa distância, Alejandro leva o
copo de cristal até os lábios cheios e bebe todo o líquido de uma
vez, e só então, com a mão livre, envolve o meu queixo, chamando
a minha atenção para si.
Os lábios molhados encostam nos meus de leve e à medida
que a língua me invade, o gosto do whisky se torna presente, o que
estranhamente me deixa ainda mais excitada. É diferente. É bom.
— Descansa, Perrita. E sonhe comigo — assopra contra os
meus lábios antes de se afastar e entrar no banheiro.
Queimando em desejo, afundo no colchão, sentindo a maciez
dos lençóis brancos. Cubro o meu corpo até a metade da cintura e
fixo a atenção no teto, ponderando se espero Alejandro ou
simplesmente durmo.
Como se eu fosse conseguir pregar os olhos.
Meu Deus! Vamos dividir a cama.
Aposto que o papai e Safira não esperavam por essa. Merda.
Nem eu esperava por essa, mas preciso admitir que é melhor ficar
aqui com ele do que sozinha. E gosto de estar com Alejandro.
E não devia, não é?
Esse homem tão errado e instigante, é como se meu coração
já fosse prisioneiro dele e não há nada que possa fazer para mudar
o rumo das coisas.
Sento-me na cama no momento em que a porta do banheiro
se abre e quieta, observo Alejandro andar até a mesinha perto da
grande janela com cortinas drapeadas que escondem a varanda
para mexer no celular.
Fico surpresa ao ver um jaguar adornando as suas costas. A
tatuagem é impressionante e enorme, o felino ruge, as presas
manchadas de sangue e há uma majestosa coroa sobre a sua
cabeça.
Meu olhar segue as linhas ousadas da tatuagem, os
músculos do corpo de Alejandro realçados pela arte que rodeia a
sua pele. É hipnotizante, e sinto que a própria aura do homem ecoa
na tatuagem.
Sufoco um gemido quando ele gira nos calcanhares e vem na
direção da cama, apagando as luzes do quarto e deixando o lugar
ser iluminado apenas pelo abajur em cima da cômoda.
Pelo canto do olho, observo o monumento se acomodar no
colchão ao meu lado. É incrível como mesmo tão relaxado, ele
pareça tão implacável e imponente, tão sedutor e...
As palavras somem no momento em que o homem estica o
braço para desligar o abajur, escurecendo o quarto inteiro.
— Descanse, Perrita — sussurra contra o meu ouvido.
Descansar, definitivamente, é a última coisa que vou fazer
com um homem desses ao meu lado. Ainda mais, porque o calor
entre as minhas pernas que o beijo com gosto de whisky causou,
ainda está aqui, me perturbando.
E talvez, eu não entenda muito sobre sexo na prática, mas eu
conheço o meu corpo e sou curiosa demais. Essas sensações só
vão passar ou me deixar dormir em paz quando eu me tocar.
Meu rosto queima de vergonha e excitação só de pensar em
algo assim com Alejandro do meu lado ao mesmo tempo em que ele
me dá uma vontade insana de levar a minha mão até debaixo da
minha calcinha e fazer carinho naquele ponto que é tão sensível.
— O que foi, Perrita? — Alejandro pergunta, de repente. Não
respondo. — Você está ofegando.
— E-e-eu? — gaguejo, sentindo as bochechas formigando.
Fecho os olhos por um segundo e agradeço mentalmente
pelo escuro.
— Não tenha medo de mim, não vou fazer nada com você —
diz, acelerando o meu coração.
Se ele soubesse que é exatamente o contrário.
— Alejandro? — sussurro e mordo o lábio inferior com tanta
força, que eu sinto gosto de ferrugem.
Com um gesto sutil, eu puxo o edredom, experimentando o ar
mais pesado e lentamente, empurro a minha coxa contra ele,
roçando o joelho na sua coxa musculosa e apenas isso, me faz
soltar um pequeno gemido manhoso.
— Perrita... — ele sussurra e eu sinto o peso ao meu lado do
colchão mudar, depois, a mão quente e firme de Alejandro tocar a
minha coxa com uma possessividade que me faz inclinar um pouco
o quadril.
De mansinho, os dedos sobem um pouco pela minha coxa e
eu abro os olhos, respirando com dificuldade.
Nunca fui tocada dessa forma por um homem e é muito
melhor do que brincar sozinha. A mão dele ainda nem chegou no
lugar sagrado e eu tenho a impressão de que vou explodir em mil
pedacinhos.
— Quer que eu te toque? — pergunta, trazendo na escuridão
o rosto para mais perto do meu e cravando os dentes de leve no
lóbulo da minha orelha.
— Quero.
— Implora, Perrita — ordena, fazendo o meu clitóris pulsar
em antecipação. — Implora pra mim.
Engulo em seco.
— Por favor, Alejandro — faço o que ele mandou.
— Alguém já te tocou antes? — quer saber, e eu apenas
nego com a cabeça, segurando os instintos de agarrar a sua mão e
fazê-lo tocar no meu sexo. — Me responda — ordena.
— Não.
Ele solta um suspiro pesado, que aos meus ouvidos, soa
sexy pra caramba.
Sou surpreendida com os lábios de Alejandro esmagando os
meus num beijo feroz, enquanto rosna contra a minha boca. Ergo a
mão para entrelaçar na sua nuca e puxá-lo mais contra mim.
A cada lambida e sugada que ele dá na minha boca, eu sinto
a minha excitação escorrer no meio das minhas pernas.
A mão de Alejandro sobe pela minha coxa interna e os dedos
grossos abeiram o tecido da minha calcinha. Por puro instinto e
prazer, movo os quadris, uma tentativa desesperada de encontrar
mais da sua mão.
Ele desliza o dedo sob o tecido, tocando meus lábios baixos
e ao sentir a umidade, o homem solta um rosnado.
— Que boceta molhada, Perrita.
Arfo.
Fecho os olhos e gemo quando o dedo indicador e o médio
finalmente tocam o meu ponto sensível.
— Alejandro — choramingo.
— Você tão molhada assim, fica fácil demais imaginar meu
pau comendo sua bocetinha virgem.
Arqueio o quadril quando os movimentos circulares no clitóris
se intensificam. Cada carícia, cada roçar dos dedos de Alejandro em
mim, é sedento, cheio de determinação, o que me faz arder de
prazer e me deixa ansiando por mais.
— Alejandro...
— Isso, Perrita. Geme o meu nome. Geme o nome do
homem que vai te fazer gozar.
Me contorço de prazer à medida que o desejo dentro de mim
cresce a cada segundo que se passa. Minha pele esquenta,
queimando cada vez mais forte, consumindo tudo dentro de mim.
Fecho os olhos, minha respiração falhando e acelerada ao
mesmo tempo.
— Não vejo a hora de comer a sua boceta.
Arfo, ofegante.
— Você quer isso, não quer, Perrita? Quer sentir meu pau
dentro de você, preenchendo cada centímetro dessa boceta quente
e molhada? Fala pra mim — sua voz rouca e sexy me atinge os
meus ouvidos, me deixando ainda mais excitada.
— Sim — respondo com dificuldade, minha mente turva de
desejo.
Minhas pernas tremem, respondendo aos estímulos de
Alejandro no meu clitóris. É impossível controlar os tremores no meu
corpo, então, cravo as unhas nos lençóis da cama e deixo as
sensações me dominarem.
— Tão linda — sussurra, os lábios mordiscando o lóbulo da
minha orelha. — Goza pra mim, Perrita — emenda de forma
predatória.
Os dedos de Alejandro continuam a explorar meu ponto
sensível, cada vez mais ousados, enquanto sua outra mão segura
firmemente minha cintura, mantendo-me imóvel no lugar.
Um gemido alto escapa do fundo da minha garganta quando
ele desliza um dedo para dentro da minha abertura. Lentamente, o
homem começa um vaivém ritmado, que faz barulho por causa do
meu sexo molhado.
Meu Deus, é tão bom.
— Eu...
Tento dizer, mas as palavras são sufocadas pelo prazer
avassalador que me envolve.
— Se entrega pra mim, Perrita— Alejandro murmura com
uma voz rouca e autoritária.
Levo ar até os pulmões e sinto o prazer se acumular dentro
de mim, uma chama ardente me consumindo aos poucos. Arqueio o
quadril, aproveitando mais dos seus toques e eu sei, neste
momento, eu sou totalmente dele.
Eu sou completamente de Alejandro.
Chamo o nome dele conforme a sensação elétrica percorre
cada parte do meu ser. Cada movimento de Alejandro me guia para
o orgasmo, fazendo minha mente se perder em um turbilhão de
sensações avassaladoras.
Os únicos sons que ecoam através das paredes do quarto
são a minha respiração ofegante e os gemidos que solto enquanto
meu corpo treme na mão de Alejandro.
— Tão doce.
Assim que escuto a voz dele, levo os meus olhos até o seu
rosto e o vejo lambendo os dedos que estavam dentro de mim há
alguns segundos. Minhas bochechas coram, mas gosto do que vejo.
— Não vejo a hora de experimentar a sua boceta doce,
Perrita.
Respiro fundo, mole do orgasmo avassalador que ele me
deu. Estico a mão para tocar o seu rosto e antes que possa falar
qualquer coisa, o homem se inclina em minha direção e nossos
lábios se encontram num beijo profundo e lento, me fazendo sentir o
meu próprio gosto.
Sem dizer nada, Alejandro me aninha em seus braços e
ficamos de conchinha, nossos corpos entrelaçados de uma forma
reconfortante, o que faz meu coração acelerar. Seu calor é como um
escudo protetor ao meu redor, e eu preciso confessar que nunca me
senti tão bem e segura na vida.
E assim, com ele tão pertinho de mim, eu adormeço em seus
braços firmes.
— Não posso ficar aqui até a hora da gente ir para o
aeroporto? — Pérola pergunta ao cruzar os braços de maneira
protetora sobre os seios pequenos e morder o lábio inferior. — Se
existir uma forma de eu sair desse quarto sem ser percebida, eu
gostaria de saber.
— Perrita, você é pequena, mas não cabe dentro da minha
mala.
Ela arqueia uma sobrancelha, incrédula.
— Você acabou de fazer uma piada? — devolve, chocada
com o meu sensor de humor raro. — Uau, isso é novidade.
Ignoro o seu comentário.
— Vamos, você precisa comer algo antes de sair e eu preciso
conversar com Giovanna — falo, chamando-a com um gesto de
mão.
— Não acho que consiga comer alguma coisa agora —
murmura, mas vem até mim, os ombros caídos e os lábios fazendo
um bico meigo.
Pérola está usando calças jeans justas ao corpo e é a
primeira vez que a vejo assim, o tecido grosso abraça o seu rabo
com maestria, desenhando sedutoramente o quadril avantajado que
eu não vejo a hora de desvirtuar com meu pau.
No corredor, encontramos Giovanna de mãos dadas com
Milagros. Assim que minha filha me vê, ela corre para os meus
braços e eu a pego, tirando os seus pequenos pés do chão.
Suspirando, Giovanna contorna o meu pescoço com os
braços.
— Papá, eu preciso mesmo voltar pra casa? Quero ficar com
a abuelita e a tia Hortênsia. Por favor. Por favorzinho.
Encosto os lábios na maça da sua bochecha macia, prestes a
dizer não, mas sou impedido assim que ela nota Pérola há alguns
passos de distância de nós. Giovanna abre um sorriso amplo e eu a
coloco no chão.
— Pérola!
— Você lembra de mim? — a Perrita pergunta, com as
bochechas ruborizadas.
— Sim. Fugiu de mim e não comeu as arepas — Giovanna
resmunga, fazendo charme e roubando um suspiro da garota.
— Me desculpa. Eu não devia ter saído daquele jeito. —
Pérola se ajoelha para ficar da altura de Giovanna e eu apenas
observo as duas. — Podemos começar de novo?
Minha filha assente.
— Claro.
— Eu vou pra Bogotá. Seria legal se você fosse, eu não
conheço nada por lá.
— Vai pra casa com a gente? — Giovanna devolve, eufórica.
— Podemos fazer várias coisas na cidade — ela emenda,
entrelaçando a mão na de Pérola e a arrastando para o seu quarto.
Giovanna cresceu rodeada do amor da minha mãe, do amor
das minhas irmãs e até mesmo, do carinho falso da Carmen, ainda
assim, nunca ter convivido com a mãe biológica a deixa assim,
inconscientemente carente por qualquer figura feminina.
— Alejandro Navarro! — a voz da mamá surge atrás de mim,
cortando o ar.
Milagros que ainda está no corredor, pede licença e se retira,
me deixando sozinho. Ao girar o corpo para encarar minha mãe,
percebo que ela veio com Hortênsia, que parece se desculpar em
silêncio.
— Você trouxe a Pérola para esta casa? — ela vai direto ao
ponto. — Meu filho, me diga que não fez isso.
Arqueio uma sobrancelha, cético.
— Não preciso da sua permissão, mamá. Então, vamos parar
por aqui — é o que falo, o tom ríspido e claro.
— Podemos conversar no escritório?
— Mamá... — repreendo.
— Por favor — pede entre os dentes.
Cerro o músculo da mandíbula, mas assinto e faço um gesto
com a mão para que ela vá na frente. Com as têmporas latejando
por causa da raiva repentina, eu a sigo até o escritório.
Ao meu lado, Hortênsia cochicha alguma coisa e as palavras
passam despercebidas aos meus ouvidos.
— Alejandro, por que aquela garota dormiu aqui? — é a
primeira coisa que questiona quando meus pés atravessam a porta.
— Mamá... — Hortênsia diz, quase como se quisesse impedir
que uma bomba explodisse.
— Pérola pode estar envolvida com a morte do seu irmão.
Ela começa a tagarelar, ultrapassando os limites da minha
paciência, ainda assim, apenas a observo.
— ¡Dios mio! Ela pode até ser um inimigo disfarçado e você
vai levá-la para a sua casa. Vai deixar que ela fique debaixo do
mesmo teto que Giovanna? Por favor, Alejandro, pense.
Solto uma risada seca.
— Não ria de mim, Alejandro — grunhe e coloca uma das
mãos na cintura, enquanto a outra penteia os cabelos para trás. —
Estou preocupada com esta família. Não se deixe levar por um rabo
de saia, mijo. Você não sabe as intenções daquela garota. Não a
conhece.
Assinto com firmeza.
— Mas pelo visto, você parece a conhecer bem.
Mamãe anda de um lado para o outro no escritório, evitando
os meus olhos.
— Não, não a conheço.
— Qual é o seu problema com a Pérola?
Ela endireita os ombros e me encara, mesmo que tente
esconder, consigo perceber o fogo da indignação queimando suas
írises.
— Não confio nela. Acho que tem alguma coisa a ver com a
morte de Rafael — articula, visivelmente infeliz por eu ter trazido
Pérola para as nossas vidas. — E agora, Mabel e Santiago estão no
México. E se for uma armadilha?
— Não se preocupe, os dois sabem se cuidar muito bem.
A matrona balança a cabeça de um lado para o outro,
irredutível.
— Por que confia tanto nessa garota?
— Por que não confia nela? — devolvo ao me escorar na
beirada da mesa e encará-la. — O que está escondendo, mamá?
Ela começa a xingar e Hortênsia e eu nos entreolhamos.
— Mamá, eu acho que está exagerando... — a caçula diz.
— Ela está nos dividindo — mamá rebate, como se isso tudo
fizesse sentido. Talvez, na sua cabeça faça.
— Mamá, está se escutando? Pérola não matou Rafael —
falo, atraindo os olhos furiosos da mulher que me deu a vida.
— Aquele desenho estúpido não prova nada.
Suspiro, me sentindo cansado e irritado na mesma
proporção.
— Se Pérola tiver sido amante de Rafael? — levanta o
questionamento, deixando os meus ombros rígidos. — Se ela tiver
matado o seu irmão porque ele quis romper? Não me olhe assim,
Alejandro, você sabe que os homens neste mundo têm amantes.
— Não sabe o que está falando — é a única coisa que digo,
forçando a verdade goela abaixo.
— Desde que enterramos seu irmão, Vitória mal sai do
quarto. E eu sei que ela desconfiava de algo, consigo sentir isso.
— Mamá — censuro.
— Aposto que Pérola era amante do seu irmão. E agora,
você está caindo nos encantos dessa camponesa.
— Pérola não era amante de Rafael — digo entre os dentes.
Mamãe franze a testa e, por um momento, nossos olhos
travam um no outro, em silêncio.
— E como sabe disso? Ela te disse que não?
— Rafael era gay.
Hortênsia respira fundo, no entanto, não parece tão surpresa,
já o choque que estampa o rosto da nossa mãe é imensurável. Ela
fica tão atordoada com a verdade que saiu da minha boca, que
preciso me aproximar dela para segurar os seus braços e não a
deixar cair no chão.
— Não... não diga mentiras sobre o seu irmão.
— Não estou mentindo — murmuro, buscando os seus olhos.
— No fundo, você sabia, não é?
Em silêncio, ela se afasta de mim e começa a chorar.
Hortênsia corre para perto da mamãe e a abraça, aparando-a. Sei
que ela está escondendo algo, mas não acho que seja a hora de
perguntar o quê.
— Cuide dela, Hortênsia — ordeno.
— Não diga ao seu abuelo — mamá pede, entre as lágrimas.
— Por favor, Alejandro. Ele vai... ele vai... ele vai apagar o seu irmão
da nossa família — emenda com um soluço de choro.
Ela tem razão.
Eu amo o meu avô, mas ele não é o tipo de homem que
aceitaria um gay na família Navarro. Segundo ele, um homem de
verdade tem esposa e filhos, apenas isso. Se soubesse do Rafael,
nunca o aceitaria.
Se meu irmão tivesse vivido da forma que ele realmente era,
nunca teria feito parte do Cartel de Santa Fé, muito menos, ocupado
um cargo tão importante como ser um dos meus Tenentes[27].
Talvez por causa do meu avô, eu tenho mantido a verdade
em segredo.
— Não se preocupe com isso, mamá. Vá descansar.
Aos prantos, ela se desvencilha dos braços de Hortênsia e
sai do escritório.
— Você sabia? — pergunto à caçula, impedindo que siga a
nossa mãe.
— Desconfiava — admite, suspirando meio melancólica. —
Sempre achei que Rafael fosse diferente.
— Também sentia isso.
— Vai contar ao vovô?
— Não — digo e embora eu odeie esconder as coisas dele, a
verdade é algo que pode deixar as fundações da minha família
frágeis e não posso permitir que algo assim aconteça.
Com um sorriso deprimido, ela gira nos calcanhares e vai
embora, deixando-me sozinho.
Bogotá, Colômbia
Aviões são maiores do que eu esperava e são terrivelmente
assustadores.
Viajar de avião é uma das experiências mais marcantes da
minha vida. Emocionante e assustadora. E para ser honesta, espero
que Alejandro me deixe voltar para Verdellano de ônibus.
Só que eu preciso confessar que ver as nuvens abaixo de
nós, como se estivéssemos flutuando em um sonho é incrível pra
caramba. E, também, que a sensação de alívio quando meus pés
pisaram em terra firme foi melhor ainda.
Em Bogotá, as pessoas se movem de acordo com Alejandro
e as suas ordens ditas e não ditas, é como se elas só respirassem
por causa da permissão dele. A cidade inteira está à disposição do
homem e isso é surpreendente.
Quando chegamos ao apartamento de Alejandro é como
estar em um mundo completamente diferente. O luxo que me cerca
é impressionante e me deixa abismada. Eu não sabia que duas
pessoas precisavam de um lugar tão grande para morar.
Cada detalhe é a prova de quão poderoso e rico é Alejandro
Navarro.
A mansão da fazenda em Verdellano parece até simples em
comparação a este lugar e eu sei como isso pode ser absurdo.
Fico boquiaberta ao ver uma parede inteira de vidro,
ostentando os arranha-céus da capital. É lindo e avassalador, e
também, não tem nada a ver comigo, uma camponesa que veio de
uma cidade tão pequena lá do sul do país.
Embora já soubesse que estava aqui, fico sem reação ao ver
a arte que fiz de Alejandro e Giovanna na pracinha da cidade
ostentando um porta-retratos em cima de um aparador na sala.
Por que isso faz o meu coração acelerar?
— Mostre a Pérola o quarto de hóspedes, Amparo —
Alejandro fala, me surpreendendo.
Ao girar o corpo, dou de cara com uma mulher de cabelos
grisalhos, mas não parece tão velha assim.
Ela abre um sorriso profissional, mas não parece ir muito com
a minha cara. Ela me guia na direção das escadas e Giovanna vem
comigo, tagarelando sobre os passeios que podemos fazer na
cidade e que eu posso até conhecer as amigas dela.
É tão fofa.
Amparo abre a porta do quarto para mim.
— É aqui que a senhorita vai ficar. Espero que esteja do seu
agrado — diz, passando os olhos pelo meu corpo, julgando as
minhas roupas e corando as minhas bochechas.
Giovanna e eu entramos juntas e a sensação é que estou
num hotel de luxo, mesmo que nunca tenha visitado um. O espaço é
amplo e arejado com tetos altos, as paredes são revestidas com
papel texturizado em tons claros, que refletem a luz natural que
entra através das grandes janelas de vidro.
No centro do quarto, há uma cama enorme que repousa
sobre um estrado de madeira escura, a cabeceira estofada é
revestida com um tecido de veludo azul meia-noite, criando um
contraste incrível com tudo.
Há também uma varanda privativa que se estende a partir do
quarto com uma incrível vista panorâmica da cidade.
— Precisa de alguma coisa, senhorita? — pergunta a mim,
tirando-me do meu transe.
— Não, obrigada.
Amparo nos deixa sozinhas, fechando a porta do quarto com
mais força que o necessário.
— Acho que ela não gostou muito de mim — falo, arrancando
uma risadinha de Giovanna.
— Ela só gosta da Carmen — comenta e brota uma pulga
atrás da minha orelha.
— Carmen?
— É, a melhor amiga da mamãe.
Sento-me na beirada da cama e prenso os lábios, assentindo.
Apesar de eu estar morrendo de curiosidade para saber mais sobre
essa tal de Carmen, sou incapaz de ignorar a nota de tristeza que
percebo na voz de Giovanna ao falar da mãe.
— Sente falta da sua mãe?
A garota se acomoda ao meu lado.
— Ela se foi quando eu era um bebezinho, nunca a conheci,
mas quando penso nela, eu fico meio triste — admite, partindo o
meu coração. — Todo mundo na escola tem mãe e eu não.
— Minha mãezinha também não está mais aqui. — Seguro
as mãos de Giovanna entre as minhas. — Talvez as duas estejam lá
no céu olhando a gente.
Giovanna abre um sorriso meigo.
— Você acha?
Concordo com um aceno de cabeça.
— Uhum.
— É triste, não é? Todo mundo devia viver com as suas mães
— sussurra, apertando a minha mão e a fim de mudar o clima triste
que surgiu entre nós, eu sugiro algo idiota.
— Quer fazer algo divertido?
— O quê?
— Tira os sapatos — oriento e ela faz na mesma hora,
enquanto eu faço o mesmo. Subo em cima do colchão macio e
estendo as mãos para Giovanna, chamando-a para subir também.
Com um sorriso travesso, ela vem. Sem dizer nada, eu
começo a pular em cima da cama e tímida, ela acaba me
acompanhando, as bochechas corando por causa do esforço.
— Podemos fazer isso? Carmen diz que bagunça não é coisa
de menina.
— Bagunça é divertido e é coisa de criança.
Ela segura minha mão e rindo, nós duas encontramos um
ritmo de pular em cima do colchão. É algo simples, mas tão gostoso
e ela parece se divertir tanto, que não consigo parar de sorrir.
Alejandro passa praticamente o dia inteiro enfurnado no
escritório, enquanto Giovanna e eu ficamos juntas. A garota me
mostrou o apartamento inteiro e até me ensinou a mexer no seu
computador, já que as minhas habilidades tecnológicas são bem
escassas.
Na hora do jantar, nós descemos juntas e por mais que tenha
colocado a minha melhor roupa, ainda destoo muito do lugar inteiro.
Está na cara que Amparo nota isso, mas Giovanna parece não se
importar.
No espaço para a sala de jantar, há uma mesa de madeira
maciça brilhante, com cristais pendentes. Em cima dela, há pratos
de porcelanas e muitos talheres de prata, que não faço ideia para
que servem.
Tomo um leve susto ao sentir a presença de Alejandro atrás
de mim, puxando a cadeira estofada e confortável para que eu
sente.
Meu coração acelera.
Odeio o fato de já estar sentindo saudade dele. Estamos
debaixo do mesmo teto e apenas por não o ver fico morrendo de
saudade como uma adolescente idiota e apaixonada?
O que está acontecendo comigo?
Durante o jantar, Giovanna conta o que nós fizemos e eu me
atrapalho um pouco com os talhares até que a garota vem se sentar
ao meu lado e me ensina um pouco sobre as regras de etiqueta.
Alejandro fica com a atenção fixa em nós, admirando, o que
faz o meu rosto esquentar, mas gosto de ter os olhos dele em cima
de mim.
Depois de jantarmos e rimos um pouco com as minhas
atrapalhadas em relação a coisas de gente rica, outra funcionária
retira à mesa e Amparo leva Giovanna para o quarto com a
promessa de que em breve subirei para me juntar a ela.
Alejandro me guia até a sala de estar e enquanto me
acomodo no sofá confortável com vista para a noite de Bogotá, ele
vai até a pequena adega num canto do cômodo e pega uma garrafa
de vinho e duas taças.
— Giovanna gosta de você — diz ao ocupar o meu lado e
servir o líquido escuro nas taças. — Nunca a vi tão feliz.
Pego a taça que ele me oferece, mas não bebo.
— Ela é um doce. Tão carinhosa e prestativa.
— Eu vi vocês pulando em cima da cama.
Alejandro bebe um gole pequeno de vinho e abre um sorriso
de lado antes de continuar:
— Pra falar a verdade, eu nunca a vi sendo tão criança como
hoje.
— Carmen diz que bagunça não é coisa de menina — solto e
levo o copo de cristal até os lábios, desviando a atenção dele.
Ele ri.
— Carmen era a melhor amiga da Catalina, minha falecida
esposa — fala, e eu sou obrigada a virar o rosto para olhá-lo.
— Você a amava? Sua esposa?
— Não — responde com sinceridade, fazendo meu coração
bombear alto dentro dos meus ouvidos. — Mas eu amo Giovanna.
— Eu sei. Você a criou bem — sussurro e ele mira os olhos
nos meus lábios, levando uma onda quente para o meio entre as
minhas pernas.
— Tenho minhas dúvidas, ela ainda sente falta da mãe.
Abro um sorriso triste.
— Ela sempre vai sentir.
Alejandro bebe todo o vinho e apoia o copo em cima da
mesinha de centro.
— Giovanna sentiu — começa a contar, suspirando. —
Quando Catalina morreu no parto, mesmo sendo um bebezinho que
cabia na minha mão... — Ele estira o braço e ergue a mão no ar. —
Eu sei que ela sentiu que a mãe morreu.
Levo ar até os pulmões e pisco rápido, uma tentativa de
manter as lágrimas dentro dos olhos.
— Que bom que ela tem você.
— Sim.
— E Carmen — emendo, incapaz de esconder o meu ciúme
tolo. — Giovanna fala muito bem dela.
Alejandro sacode a cabeça de um lado para o outro.
— Giovanna é ingênua demais para conseguir enxergar a
verdadeira Carmen — dispara, ácido.
— Ela fez algo?
— Não vamos falar sobre ela — ordena e eu assinto. Não
gosto de Carmen de qualquer forma. — Precisa de alguma coisa?
Posso levá-la pra fazer compras amanhã.
Bebo todo o líquido da taça e coloco-a em cima da mesinha.
— Se eu preciso de algo? Talvez nascer de novo pra me
encaixar na sua casa — zombo, mas o homem não sorri. — Não
preciso de nada.
Nem tenho dinheiro para gastar com coisas supérfluas e
estou bem assim, apesar de não me encaixar na vida de Alejandro,
não posso negar que estou acostumada com a simplicidade da
minha vida.
Minha vida... que mudou completamente.
Como serão as coisas daqui pra frente?
Lanço um olhar para Alejandro e perco a linha do raciocínio
ao vê-lo admirando as minhas pernas com uma expressão sexy e
sombria. Nem percebi, mas ao sentar, o tecido leve da minha saia
expôs uma parte significativa das minhas coxas.
Mordo o lábio inferior ao pensar na noite passada. Aquele
momento íntimo e tão sedento com ele, nunca achei que eu
pudesse me sentir tão bem com alguém. Com um homem como ele.
Sem verbalizar nenhuma palavra, Alejandro se mexe no sofá
e fica de frente para mim. Observo o momento exato em que a mão
grossa e quente pousa na minha coxa, o toque é tão familiar e
devastador, que me deixa sem fôlego.
— Aqui? — murmuro, fazendo esforço para engolir os
gemidos ansiosos que querem escapar do fundo da garganta.
— Aonde eu quiser, Perrita.
Por que as coisas que ele diz mexem tanto comigo? É como
se meu corpo gostasse das suas ordens.
— Alejandro...
Os dedos sobem pela coxa, por debaixo do tecido da saia.
Quando sinto as pontas dos dedos roçarem a minha calcinha,
estremeço e tenho dificuldade de me manter no lugar.
Ele arreda o tecido macio para o lado e com os olhos
intensos fixos nos meus, estudando as minhas reações, os dedos
passam entre as minhas dobras, descobrindo a minha umidade
crescente.
¡Dios mio! Eu não fazia ideia de que podia ficar tão molhada
assim.
— Mi Perrita hermosa... — Alejandro sussurra, trazendo o
rosto para mais perto de mim, forçando as minhas pernas a abrirem
ainda mais para ele. — Tá tudo tão molhadinho... meus dedos estão
enxarcados.
Suspiro, inebriada com a voz quente dele com gosto de vinho
roçando no meu pescoço.
— Senhor Navarro — Amparo chama atrás de nós e eu
prendo a respiração, paralisando inteira. — Pediu para avisar
quando Martín chegasse, ele está esperando o senhor lá embaixo
— continua e eu ouço os passos da mulher se distanciando.
Com as bochechas pegando fogo, eu viro a cabeça para trás,
apenas para me certificar de que ela realmente foi embora.
— Tenho uma reunião agora — Alejandro explica, retirando
os dedos de entre as minhas pernas.
— Vamos ficar sozinhas?
— Não se preocupe, deixarei homens lá embaixo e no
corredor cuidando de vocês.
Engulo em seco e assinto, ruborizando ao vê-lo levar os
dedos melados com a minha excitação até os lábios e chupar.
— Ela quase pegou a gente. O que ela pensaria de mim?
— Amparo não é paga para pensar e nem se meter na minha
vida — retruca com um tom áspero e se inclina para servir um
pouco de vinho na taça.
— Mesmo assim, ela já não gosta muito de mim e...
— Ela não gosta de você? — interrompe-me, intrigado. —
Amparo fez alguma coisa?
— Meu Deus, não, não. — Sacudo as mãos, abandando o ar.
— É só que eu não tenho nada a ver com você e a sua vida, ela
deve perceber isso.
Alejandro fica em silêncio, mas noto as engrenagens
trabalhando atrás dos seus olhos de tom dourado-amarelo. Quieto,
o homem bebe todo o líquido do cálice de uma vez, colocando-o em
cima da mesinha de centro novamente.
— Você sabe se defender, Perrita — fala, buscando meus
olhos. — Se a tratarem mal, mostre as garras. Se não o fizer, eu
farei por você.
Pigarreio.
— Tá bem, tá bem.
De repente, o homem vem para cima de mim e amassa os
meus lábios com um beijo com gosto de sexo e vinho. Meu Deus, é
tão bom, que quando as nossas línguas se enrolam, eu gemo.
— Vá descansar.
— Boa reunião — assopro contra os lábios cheios e então,
abro um sorriso para Alejandro.
Antes de ficar em pé e sair da sala, o homem dá um beijo na
minha testa e meu coração sabe.
Eu estou apaixonada por Alejandro Navarro.
Com uma hostess bonita e elegante no meu encalço, eu
cruzo a entrada do barzinho que fica em um bairro de alto padrão
em Bogotá. À medida que ela me direciona até uma mesa privada
do bar, o aroma de coquetéis exóticos invade o meu nariz e a
música suave paira no ar.
Assim que me veem, Danilo e Giancarlo[28] se levantam para
me cumprimentar. Enquanto o conselheiro continua com uma
expressão séria, o ítalo-americano repuxa os lábios num sorriso
cínico que me irrita.
— Mi amigo — Danilo fala num espanhol arranhado, me
puxando para um abraço e eu quase sorrio. — ¿Cómo te va?
Incapaz de me controlar, deixo escapar uma risada e bato no
peito de Danilo.
— Andou treinando — retruco, incapaz de esconder o meu
sarcasmo.
— Una o dos palabras — o homem devolve, arrancando um
sorriso de Giancarlo, o que é quase impossível. Conheço os dois há
tempo demais para saber que o conselheiro de Danilo não é alguém
que distribui sorrisos fáceis.
Afasto-me dele e cumprimento Giancarlo, parabenizando-o
pelo seu casamento há alguns meses.
Sentamos à mesa e a hostess anota os nossos pedidos antes
de sumir do nosso campo de visão.
— Sinto muito pelo seu irmão — Danilo volta a articular,
dessa vez, mais sério. — Descobriu quem foi?
Solto uma baforada de ar.
— Mais ou menos. É uma longa história — é a única coisa
que digo.
Nem sob ameaça de morte vou falar a eles o que descobri
sobre Rafael, porque no nosso meio, os homens gostam de medir a
sua masculinidade no tanto de poder que tem e no maior número de
bocetas que o seu pau comeu.
— Como está a esposa dele? — Giancarlo quer saber.
Talvez eu nunca vá assumir em voz alta, mas desde que
começamos a exportar cocaína para os Estados Unidos há quinze
anos e os Salvatore se tornaram aliados, Danilo e Giancarlo são
uma espécie de amigos.
E é lógico que eu não perderia a oportunidade de fazer
Alberto Salvatore, o Don do Império Salvatore e pai de Danilo,
engolir uma bala, mas tenho minhas suspeitas de que até mesmo
seus filhos fariam o mesmo.
— Pior impossível. Não fala com ninguém — admito.
Desde que meu irmão foi encontrado morto nas plantações
de café, eu sinto que Vitória se foi também e é uma droga, porque a
mulher está grávida.
Com educação, a hostess nos interrompe para trazer as
nossas bebidas. Brindamos em silêncio e a fim de mudar o rumo da
conversa, eu começo:
— Quem é que você precisa encontrar? Ela deve ser muito
importante, porque você veio até aqui e eu sei que odeia o calor da
Colômbia.
Ele abre um sorriso sacana, mas não ousa discordar.
— Preciso encontrar minha irmã.
Estreito os olhos para Danilo, sem entender.
— Como é que é?
— Existem detalhes sobre a nossa vida pessoal que nós não
compartilhamos, Alejandro, por isso, a única coisa que tenho a dizer
é que meu pai não pode saber.
Assinto.
— Tem certeza de que ela está aqui? — questiono,
alternando a atenção entre os dois.
— Segundo os nossos contatos sim — Giancarlo responde.
— O que está pensando em fazer, Danilo? — pergunto,
mantendo nas entrelinhas minha vontade de saber se ele está
pensando em trair o pai. Não me importaria com tal coisa.
— Nossa aliança vai continuar a mesma independente de
qualquer coisa.
— Me dê todas as informações que têm sobre ela e colocarei
meus homens para trabalhar.
De dentro do terno feito sob medida, Giancarlo tira um
envelope marrom e me entrega, abro-o brevemente, apenas para
checar o que eles apuraram sobre a garota e guardo os papéis
novamente.
Estou prestes a falar algo quando uma voz familiar irrompe
no espaço, atrapalhando a noite de negócios.
Carmen.
Para meu desgosto, a mulher está na minha vida há tempo o
suficiente para saber quem eu sou de verdade e conhecer alguns
dos meus aliados.
— Danilo Salvatore, que surpresa — ela o cumprimenta com
um sorriso deslumbrante. — Quando chegou?
— Hoje.
Ela estende a mão para Giancarlo junto a um sorriso.
— Negócios? — questiona, atrevida.
— E você está interrompendo algo importante — resmungo,
deixando-a desconfortável.
— Ah, me desculpe.
Ela e Danilo trocam mais algumas palavras e ela pede
licença ao se afastar, rebolando mais que o normal. Consumido pelo
desgosto, tomo toda a minha bebida de uma vez, sentindo o líquido
queimar a garganta.
— Da última vez que nos vimos... vocês eram mais próximos
— Danilo observa e eu cerro a mandíbula, sem fazer esforço para
esconder a cara feia. — Pensei que depois da Catalina, você se
casaria com a Carmen.
— Nunca tive pretensão de transformá-la em minha esposa.
— Se você fosse italiano e membro da minha organização,
eu já teria casado você com uma bela mulher — Danilo zomba e eu
solto uma bufada incrédula, depois uma risada seca por causa da
ousadia dele.
Apesar das farpas constantes e do sarcasmo que permeia
em nossas conversas, não há como negar que uma parceria sólida
se forjou entre nós ao longo dos anos.
Com Martín ao meu lado, caminho lentamente até o meu
carro estacionado, passando as informações sobre o serviço para
ele. A brisa noturna parece mais fria do que o normal e quando
Carmen se aproxima de mim, seu perfume doce e familiar me faz
enrugar o nariz.
O toque suave em meu ombro enrijece todos os meus
músculos.
Dispenso Martín com apenas um olhar e ele entra no carro,
ocupando o lugar do motorista e eu encaro Carmen.
— Quero conversar — ela murmura, mantendo a voz
manhosa e meio suplicante. — Eu sei que ainda está bravo comigo,
mas podemos acertar as coisas? Por favor, Alejandro, eu não
queria...
As palavras dela se perdem no ar, e eu a observo por um
momento antes soltar um suspiro profundo.
A tensão entre nós é palpável e eu confesso que ela sempre
soube como se infiltrar nos recantos mais profundos da minha
mente, mas agora é diferente.
Não irei mais permitir que suas palavras vazias me afetem ou
cheguem até Giovanna.
— Não quero ouvir você.
Ela insiste, os lábios se curvando em um sorriso ensaiado
que costumava me fazer perder o foco quando me lembrava do
quão quente era a sua boceta, mas que agora não surte mais
nenhum efeito sobre mim.
— Alejandro, por favor, não me tira da sua vida assim.
Giovanna vai sofrer se eu me afastar tão de repente.
Sinto uma onda de raiva subir dentro de mim e as minhas
mãos coçam para erguê-las e agarrar o seu pescoço frágil.
— Não fale da minha filha como se você se importasse com
ela — retruco, meus olhos cravados nos dela.
— Eu me importo.
Carmen tenta tocar meu braço, uma tentativa desesperada
de reconquistar a minha confiança, mas eu recuo, evitando seu
toque.
— Por favor... — implora. — Não me afasta da menina.
— Você não a ama — lembro-a. — Giovanna é apenas uma
pirralha mimada — emendo, estreitando os olhos para enfatizar
minha frustração.
— Eu amo Giovanna. Por favor, acredita em mim.
A verdade é que, mesmo que eu quisesse acreditar nela, eu
não posso. Não quando os sentimentos da minha filha estão em
jogo.
— Vá pra casa — é o que ordeno e caminho até o meu carro,
abrindo a porta do banco traseiro.
Carmen parece derrotada, o que dura apenas um momento,
logo os seus olhos endurecem, como se estivesse traçando um
novo plano.
— Eu farei o que for preciso pra ter vocês de volta.
— Não fale besteira, mulher.
Com um aceno, eu me afasto, deixando-a para trás e me
acomodo no banco do passageiro. Martín nem espera que eu
ordene, pisa no acelerador e sai em disparada pelas ruas noturnas
de Bogotá.
Talvez o que aconteceu na fazenda com Carmen tenha sido
bom para que nunca mais eu me deixe levar pelas suas mentiras.
Agora, eu só preciso tomar cuidado com ela, porque no
mundo em que vivemos, cheios de segredos e traições, todos
somos inimigos em potencial.
Do meu quarto, eu ouço passos no corredor e eu sei que é
Alejandro chegando em casa. Faz horas que ele saiu e eu não
consegui pregar os olhos desde então. Aperto as mãos inquietas e
com o coração batendo forte contra o peito, tomo coragem para sair.
A luz fraca do corredor revela seu perfil forte e tenso e eu me
pergunto se é uma boa hora para ir importuná-lo.
Em silêncio, eu observo o homem entrar no quarto de
Giovanna, o que me rouba um sorriso bobo e só depois de conferir a
pequena, ele vai para o seu.
Antes que a coragem vá embora, eu o sigo e envolvo as
mãos na maçaneta, abrindo a porta para entrar. Num movimento
rápido, Alejandro gira nos calcanhares e parece surpreso ao me
ver.
— Perrita, pensei que estivesse dormindo — sua voz é
áspera, mas ainda assim, é calma e sedutora.
Mordo o lábio inferior ao mesmo tempo em que respiro fundo,
tentando controlar o meu coração e as emoções que estão cada vez
mais à flor da pele.
— Eu não consegui dormir — admito com um nó na garganta.
Engulo em seco e decido continuar a tagarelar, ciente de
onde as palavras vão me levar.
— O quarto é maior do que a minha casa e é tão silencioso.
Lá em casa, eu conseguia ouvir os roncos do meu pai e aqui,
naquela cama enorme, eu me sinto... sozinha.
Um brilho devasso toma conta dos seus olhos, como se uma
ideia muito ardente estivesse preenchendo a sua cabeça.
— Quer dividir a cama comigo?
Há um momento de silêncio intenso e carregado de
expectativa entre nós e meu corpo inteiro formiga em antecipação,
ansioso por qualquer coisa que esse homem possa fazer comigo.
— Sim.
Alejandro se aproxima de mim em passos lentos e também,
decididos. Uma das mãos encaixa no meu pescoço com uma
precisão forte, possessiva, enquanto a outra mão, aperta a minha
cintura, me puxando para mais perto dele.
— Perrita — sussurra, roçando os lábios contra os meus. Os
olhos intensos me capturam, como se eu fosse uma presa fácil. —
Sabe o que isso significa?
Lambo os lábios e a atenção dele se fixa na minha boca, o
polegar tocando o meu lábio inferior.
— Eu sei.
— Me diz.
Forço o bolo entalado na garganta a descer.
— Que a gente vai... transar.
Alejandro faz um estalo com a língua e eu sou incapaz de ler
a sua expressão.
— Não. Significa que você vai se tornar mulher. Minha
mulher, Perrita — murmura, os dedos na minha cintura
intensificando o aperto. — Eu vou foder a sua boceta virgem e
reivindicá-la.
Minha respiração se torna instável e fraca. Não consigo
verbalizar nada, as palavras somem dentro da minha cabeça
bagunçada e nublada pela excitação que Alejandro causa em mim.
— E você não será de ninguém, além de minha. Mas comigo,
não precisará de mais nada — sussurra e num movimento brusco,
esmaga meus lábios com força, enfiando a língua dentro da minha
boca de maneira sedenta.
Alejandro me faz recuar alguns passos com firmeza, e
usando meu próprio corpo como uma barreira, ele empurra a porta
do quarto com determinação, me prendendo contra ela de forma
inescapável.
Sufoco um gemido quando ele deixa meus lábios e roça o
nariz na curvatura do meu pescoço.
— Seu perfume é tão doce, Perrita.
Lentamente, ele desliza uma das mãos pela minha coxa, os
dedos grossos e quentes subindo a blusa grande que uso de
pijama, descobrindo que não há nada além da calcinha de tecido
macio por debaixo.
— Vou te fazer minha mulher — as palavras soam como uma
promessa, enquanto a barba dele se esfrega na pele do meu ombro,
me arrancando gemidos manhosos.
A mão de Alejandro encontra a minha calcinha e enquanto eu
luto para ficar de pé, os dedos dedilham a região quente e
levemente úmida por causa do meu tesão. Em resposta ao seu
toque, meu quadril se arqueia, exigindo mais do homem.
Ele puxa o tecido para o lado e os dedos passam pelas
minhas dobras enxarcadas, me fazendo contorcer o corpo e fechar
os olhos.
— Olhe pra mim — ele ordena e piscando devagar, eu
obedeço. O brilho nos olhos de Alejandro é algo sombrio e sexy.
Impressionante. — Eu sou o único homem que te tocará assim,
Perrita. Serei o único dono da sua boceta.
Ele nem me dá chance de retrucar, a boca mandona amassa
a minha com força, sugando meus lábios e minha língua ao mesmo
tempo em que os dedos trabalham num movimento ritmado no meu
clitóris.
Alejandro faz a minha cabeça girar de excitação.
Mal tenho tempo de recuperar o meu fôlego e ele me gira
para me guiar na direção da cama grande. Sem se afastar muito de
mim, o homem vai se desfazendo das suas roupas e quando minhas
panturrilhas encontram o colchão, ele está apenas de calça social.
Engulo em seco.
Ele agarra a barra da minha blusa e à medida que vai
subindo até a altura dos meus seios, ergo os braços para passar a
roupa pelos braços. Os olhos de Alejandro deslizam pelo meu
corpo, como se estivesse marcando cada pedacinho da minha pele.
Minhas bochechas queimam.
Ele se inclina um pouco, apenas o suficiente para diminuir a
nossa diferença de altura e enfiar os dedos nas laterais da calcinha
e puxá-la para baixo, até que a peça caia sob os meus pés.
— Você é tão linda, Perrita.
Minhas bochechas coram sob o olhar de dominação e
veneração dele. Apesar de Alejandro ter me tocado e me feito gozar
lá na Fazenda Navarro, é a primeira vez que estou nua na sua
frente.
Me sinto tão exposta e vulnerável, mas ainda assim, eu gosto
de estar diante dele.
Ele descansa a mão espalmada no meu colo e então, me
empurra, me obrigando a sentar na beirada da cama. Por cima dos
cílios, encaro Alejandro, sentindo o coração subir até a garganta e
escutando um zunido nos ouvidos.
Com a ponta dos joelhos, ele me faz abrir mais as pernas e o
olhar sedento se fixa no meu sexo latejante por um segundo longo.
Para a minha surpresa, ele se ajoelha diante de mim, se encaixando
entre as minhas pernas.
Ergo as duas mãos e seguro o seu rosto, traçando linhas
invisíveis com carinho.
Parte de mim, a parte inteligente, bom, essa parte gostaria
tanto que isso não passasse de algo físico. Mas, não há como negar
que meu coração, meu corpo, minha alma estão prontos para serem
devorados por ele.
Sem afastar os olhos do meu, Alejandro se inclina para
abocanhar um dos meus seios enquanto a outra mão se enche do
outro, apertando-o com vontade. Os lábios carnudos se prendem
em volta do meu mamilo enrijecido e eu arqueio as costas,
choramingando.
Enfio os dedos entre os seus cabelos e massageio o couro
cabeludo enquanto o observo me chupar.
Como alguém pode ser tão lindo?
Gemo seu nome quando a língua traça círculos no mamilo
intumescido, me lambuzando inteira e ele migra para o outro seio,
me sugando como se fosse incapaz de afastar os lábios de mim.
— Tão doce. Vai me deixar viciado em você, Perrita —
sussurra contra a pele sensível do meu mamilo, o ar quente
causando arrepios na minha nuca.
Ele me faz deitar sobre a cama e cada uma de suas mãos
firmes agarra um dos meus tornozelos, apoiando-os em cima do
colchão e me arreganhando completamente. Os braços de
Alejandro se encaixam sob as minhas coxas antes de enterrar o
rosto entre as minhas pernas.
Choramingo no momento exato em que os lábios fazem uma
trilha de beijos quentes na parte interna da minha coxa, mas quando
chegam no meu sexo, a sensação é de que eu vou explodir.
Alejandro lambe as minhas dobras, espalhando por toda a
extensão a sua saliva misturada a minha excitação. Solto um
gemido alto quando a língua circula meu clitóris num ritmo inebriante
ao mesmo tempo em que as mãos dele apertam a minha bunda, me
segurando no lugar, para que a sua língua me explore da maneira
que quer.
Jogo a cabeça para trás, cravando as unhas nos lençóis da
cama e chamando o nome de Alejandro como se fosse uma súplica
doce.
No momento em que minhas pernas tremem e eu sinto a
minha umidade escorrer pelas minhas dobras para o lençol da
cama, um dedo grosso e longo desliza para dentro de mim,
enquanto a língua continua a pressionar o meu clítoris.
Me contorço inteira sob o toque dele, há um pequeno
desconforto no movimento do seu dedo, mas meu corpo está tão
perto do orgasmo e minhas pernas tão fracas, que a única coisa que
consigo fazer é me entregar à Alejandro.
— Alejandro...
— Goza pra mim, Perrita — murmura uma ordem, a voz
rouca vibrando nas minhas partes sensíveis. — Goza na boca do
único homem que vai te foder.
Ele volta com a boca no meu clitóris e o dedo encontra um
ritmo lento de vaivém, enquanto todos os meus sentidos sintonizam
com meus batimentos acelerados e a respiração profunda e
ofegante.
Meus músculos das pernas se contraem involuntariamente e
um formigamento elétrico percorre cada centímetro de pele, me
levando ao êxtase avassalador, que faz meu corpo inteiro explodir
em mil pedacinhos e a mente se esvaziar de tudo, exceto pela onda
intensa de prazer que me consome.
Aos poucos, me sinto amolecer e um calor de satisfação
tomar conta do meu corpo.
Em silêncio, Alejandro fica de pé. É uma visão do paraíso vê-
lo com a barba molhada por causa dos meus fluidos. Ele desafivela
o cinto e abre o zíper antes de descer a calça junto com a cueca
boxer, revelando um pau grande e grosso.
Engulo em seco, o estômago contraindo por causa da
ansiedade.
Quando ele vem para cima da cama, é automático, eu arrasto
para trás e rápido, o calor do seu corpo forte e musculoso cobre o
meu, me fazendo relaxar.
Nossos lábios se encontram num beijo molhado e profundo,
com gosto de sexo e whisky.
Alejandro olha dentro dos meus olhos, quase como se
pedisse permissão para continuar, eu assinto e então, com uma das
mãos, ele agarra o membro e com o joelho, me faz abrir as pernas
para ele.
Engulo em seco, espremendo os lábios.
— Relaxa, Perrita. Eu vou te comer gostoso.
As palavras causam uma vibração no meu clitóris e me
roubam meio sorriso.
Segurando o pau, ele brinca com a minha entrada úmida, me
fazendo suspirar e desejá-lo dentro de mim. Sem pressa e com uma
paciência surpreendente, ele se empurra para dentro de mim,
entrando aos poucos, me deixando acostumar com o seu tamanho.
Prendo a respiração.
É um pouco incômodo e arde, mas o homem esgueira uma
mão entre nós e faz carinho meu clitóris inchado, me provocando e
eu acabo cedendo, me entregando mais uma vez.
Meu corpo relaxa debaixo de Alejandro e eu o sinto me
penetrar ainda mais, fazendo com que eu me sinta cheia e dolorida,
mas é estranho, porque não é tão ruim. É duro, intenso e diferente,
mas ao mesmo tempo, os olhos dele contra os meus são tão doces
e compreensíveis.
— Sua boceta é tão apertada, Perrita — grunhe e passa uma
das mãos sobre a minha cabeça, e o quadril vem contra mim
novamente, me preenchendo. — Tão molhada — rosna, como uma
fera prestes a devorar a presa.
Os dedos em volta do meu clitóris me relaxam mais uma vez
e enviam pequenas ondas de prazer ao meu corpo, o que o faz se
enterrar tão profundamente dentro de mim, que é impossível me
mover.
Sufoco um gemido de dor e meus músculos se contraem um
pouco, mas Alejandro busca os meus lábios e me prende em um
beijo lento e sedento, enroscando as nossas línguas e eu amoleço
sob ele.
Assim que ele enfia todo o pau dentro de mim, eu me
engasgo com o ar que foge de mim, mas ele não para o beijo,
apenas diminui o ritmo. Seu quadril fica imóvel, esperando-me me
moldar ao seu tamanho e me deixando latejar, arder em volta do seu
pau grosso e quente.
— Perrita... — sussurra, mordiscando o meu queixo. — Não
achei que fosse tão difícil estar dentro da sua boceta. Estou me
controlando pra ir devagar.
Suspiro, sem verbalizar nada.
Alejandro sai de dentro de mim, me dando um alívio
repentino, depois, com uma estocada lenta e longa, empurra o
quadril, me penetrando com vontade, me abrindo inteira para ele.
Sinto dor e prazer e não sei em qual focar.
Ele continua assim, entrando e saindo bem devagar, cada
vez parece alcançar um lugar mais fundo dentro da minha boceta.
Os lábios carnudos e precisos de Alejandro mordiscam o meu
pescoço e isso é tão bom, que eu fecho os olhos, relaxando ainda
mais as pernas, permitindo que ele me reivindique como disse que
faria.
Alejandro leva as duas mãos para o meu quadril e aperta, me
arrancando um gemido. Os dedos se cravam na pele, marcando
como se eu fosse uma presa fácil. Arde pra caramba, mas é tão
bom, que me faz arquear as costas.
O homem começa a se movimentar num ritmo mais rápido,
cada investida me faz sentir uma mistura de dor e prazer que parece
querer me partir ao meio.
Grito o seu nome ao jogar a cabeça para trás.
— Olha pra mim — dita uma ordem e eu obedeço,
encontrando seus olhos severos. Uma das mãos sobe até o meu
rosto e ele segura o meu queixo, sem perder o ritmo. — Quero
gozar olhando pra minha mulher.
É imediato, um arrepio percorre a minha espinha e eu ergo o
rosto para encontrar a sua boca, dessa vez, sou eu quem o beija
com força, sugando a sua língua e o fazendo rosnar.
Afasto os nossos lábios, conectando meus olhos aos seus e
como se quisesse me dar outro orgasmo também, Alejandro volta a
tocar o meu clitóris sensível e apesar da dor latejante do seu
membro me penetrando, minhas pernas tremem.
O calor familiar se espalha pelo meu corpo e sou arrebatada
por uma onda prazerosa, que me faz amolecer debaixo dele.
Mantendo os olhos firmes nos meus, o homem intensifica o
ritmo até encontrar a sua própria satisfação e ao chegar lá, seu
corpo estremece levemente e ele entreabre os lábios, deixando
escapar um gemido rouco e sexy.
Mas ainda assim, mesmo depois de gozar, ele não sai de
dentro de mim, continua se movimentando lentamente, entrando e
saindo por um momento e só então, desaba o corpo para o lado,
afundando o colchão.
Passeio com os olhos pelo seu corpo torneado, suado e nu
ao meu lado. Os gominhos gritam por atenção. Na verdade, cada
parte do seu corpo pede por isso e minhas mãos formigam para
tocá-lo.
Viro de lado e estendo a mão para alisar o peito de Alejandro,
surpreendendo-me com os seus batimentos cardíacos acelerados.
Ele encaminha os olhos profundos para mim e há algo dentro deles,
que não consigo compreender.
Alejandro estica o braço e passa por debaixo de mim, me
puxando contra o seu peito, me aninhando em seus braços.
Um beijo alcança o topo da minha cabeça.
— Você está bem?
Abro um sorriso envergonhado.
— Sim, eu acho. E você? — devolvo antes que meu cérebro
processe as palavras.
Alejandro ri, mas não responde de imediato. Os dedos dele
envolvem o meu queixo e erguem o meu rosto para encará-lo.
— Eu nunca comi uma boceta tão gostosa como a sua,
Perrita — sussurra, me fazendo arfar e o corpo reagir às palavras
grosseiras dele.
— E você já deve ter comido muitas, não é? — provoco,
atiçando um brilho selvagem no homem. — Injusto que eu não
tenha tanta experiência também — emendo, tentando esconder um
sorriso.
— Cale a boca, Perrita. Sabe quando outro homem vai comer
você? — questiona, girando o meu corpo para ficar em cima de
mim, me dominando. Prendo o meu lábio inferior com os dentes e
nego com a cabeça em resposta. — Apenas quando o inferno
congelar.
Rio, contornando o seu pescoço com os braços.
Nossos olhos se conectam novamente e é como se
estivéssemos reconhecendo algo um no outro que é impossível
tratar com palavras. É algo que vai além da lógica. Uma conexão
inexplicável, uma atração magnética que parece nos puxar um em
direção ao outro.
Ou.
Ou talvez eu seja apenas tola demais por estar apaixonada
por ele.
— Você é tão linda, mi perla[29] — sussurra com a voz rouca,
admirando os detalhes do meu rosto e sem dizer mais nada, volta a
colar os nossos lábios, acendendo meu corpo dolorido novamente.
E eu faço a única coisa que consigo.
Eu me entrego a Alejandro e deixo que me faça sentir mulher
outra vez.
Abro os olhos devagar, ainda meio sonolenta e me deparo
com a visão surpreendente do teto desconhecido acima de mim.
Leva apenas alguns segundos para que as cenas do corpo de
Alejandro contra o meu inunde a minha mente e faça o meu coração
acelerar.
Quando vou me situando e sentindo o corpo doído, vejo o
braço possessivo do homem em volta da minha cintura, o que me
faz sorrir. Viro o rosto e admiro o seu corpo, que está voltado para
mim, uma expressão estranhamente tranquila domina seu rosto
lindo enquanto dorme.
Seu outro braço está estendido sob o meu travesseiro, me
prendendo de todas as formas.
Quietinha, observo cada traço do seu rosto, como se fosse a
primeira vez que o vejo. Os lábios estão entreabertos e a respiração
é calma e regular. É idiota, mas eu sinto que é impossível não me
perder nesse homem.
Respiro fundo.
Alejandro mexe levemente e com os olhos ainda fechados, o
homem curva a boca num sorriso sonolento e maroto, como se
soubesse que eu estava o admirando em silêncio esse tempo todo.
— Por que está me olhando, Perrita?
— Não estou olhando você — retruco e ele abre apenas um
olho para espiar, o que me faz rir.
— Mentirosa. Tem sorte de ser a mentirosa mais linda que eu
já vi — resmunga, me arrastando para mais perto do seu corpo e eu
deixo escapar um gemido ao sentir a sua ereção matinal me
cutucando. — Se não voltar a dormir, vou te colocar de quatro e
comer a sua boceta enquanto admiro o seu rabo.
Minhas entranhas se contorcem, porque é uma ameaça
tentadora.
— Eu vou voltar pro meu quarto — aviso, jogando um balde
água fria no homem.
Ele desperta completamente, arqueando as sobrancelhas.
— Por quê?
— Giovanna... — sussurro. — O que ela vai pensar de mim
se me vir saindo do quarto do pai dela? Eu prefiro contar antes que
ela descubra sozinha.
Alejandro respira fundo e a mão na cintura sobe até o meu
rosto, fazendo um carinho que aquece o meu coração.
— Você gosta mesmo dela, não é?
Sorrio.
— Sim. Não quero magoá-la.
— Tudo bem, Perrita — concorda, puxando o meu rosto para
me beijar de leve os lábios. — Mas vou passar o dia inteiro
pensando na sua boceta.
Minhas bochechas ruborizam.
— Você pode vir até o meu quarto à noite — sugiro, roubando
um sorriso sacana dele.
— Saia daqui antes que eu mude de ideia.
Rápido, eu rolo para fora da cama e procuro a minha blusa
de pijama e calcinha no chão. Me visto sob o olhar depravado de
Alejandro, mas gosto do jeito que ele me deseja.
Antes de sair, volto para a cama e dou um beijo nele.
Aproximo-me da porta do quarto e a abro cuidadosamente,
com passos silenciosos, me coloco para fora. O corredor está vazio
e tranquilo, como se todos ainda estivessem dormindo.
Sem olhar para trás, fecho a porta de Alejandro atrás de mim
e respiro fundo, quase aliviada.
O que não dura muito, porque mal dou três passos para
frente e dou de cara com Giovanna e Amparo. Meu coração só falta
sair pela boca quando eu vejo as duas e as palavras se perdem
dentro da minha cabeça.
Giovanna, com os cabelos bagunçados e a expressão
sonolenta, esfrega os olhos antes de me encarar com uma mistura
de confusão. Amparo também me olha com uma sobrancelha
arqueada, como se estivesse prestes a me fazer perguntas
constrangedoras.
— Pérola? Você dormiu no quarto do meu pai? — Giovanna
pergunta, com a voz rouca pelo sono.
Minha mente trava enquanto olho para Giovanna, depois para
Amparo, sentindo-me encurralada e indefesa.
Como vou explicar o que estava fazendo no quarto de
Alejandro?
Antes que eu possa reunir minha coragem para responder,
Amparo intervém, mas não é a meu favor.
— É claro que sim. Olhe pra ela, Giovanna. Saindo de fininho
do quarto do patrão.
Meu rosto formiga.
— Você e o papai namoram? — a garota pergunta, uma
relutância que aperta o meu coração.
— O que você acha, Giovanna? Por que acha que seu pai a
trouxe pra cá? — Amparo fala novamente, me deixando irritada.
— Não fale como se eu não estivesse aqui, Amparo. Esse
assunto não tem a ver com você, então por favor, cale a boca —
retruco ao mesmo tempo em que Alejandro surge na porta do seu
quarto, vestindo calças moletom e com o peitoral de fora.
— Senhor, eu...
— Saia, Amparo — Alejandro ordena e a mulher obedece.
Relutante, Giovanna alterna a atenção de mim para o seu
pai, os pequenos olhos brilhando em confusão, e então, sai
correndo para se esconder no seu quarto, o que parte o meu
coração.
— Vou conversar com ela — Alejandro informa, um tom sério
que arrepia até o último fio de cabelo da minha cabeça.
— Não. Eu vou falar com Giovanna — retruco ao me afastar
dele e ir em direção da porta da menina, sentindo o calor dos olhos
curiosos de Alejandro queimando as minhas costas.
Dou uma batida de leve na porta antes de girar a maçaneta e
entrar, um nó se formando no meu estômago. Encontro a garota
sentada na cama, perto dos travesseiros rosas, lágrimas escorrem
pelo seu rosto angelical e os olhos ligeiramente vermelhos de choro.
Meu coração se parte ao vê-la tão magoada.
— Giovanna... — minha voz sai como um sussurro.
Ela ergue o rosto na minha direção, a tristeza é tão
avassaladora que não sei o que dizer.
— Eu pensei que você... — a voz da pequena é um soluço
abafado, o que me dá coragem de caminhar até ela e se sentar ao
seu lado, esticando a minha blusa de pijama para não mostrar
coisas demais.
Carinhosa do jeito que ela é, me entrega o edredom para que
eu cubra as minhas pernas.
— Obrigada.
— Pérola — choraminga. — Eu gosto tanto de você e agora
vou te perder — emenda, fungando.
— O quê? Você não vai me perder.
— Eu achei que você tivesse vindo com a gente porque papai
iria te adotar. Achei de verdade que você seria minha irmã.
Respiro fundo e meus olhos ardem, mas mesmo assim, abro
um sorriso pequeno e me inclino para abraçá-la, amparando o seu
choro doce. Dou um beijo terno no topo da sua cabeça, sentindo
que sou incapaz de soltá-la.
— Seu pai não pode me adotar, porque eu já tenho um pai —
explico da forma menos ofensiva possível.
— Você e o papai são namorados?
O que Alejandro me falou sobre me fazer sua mulher
preenche a minha cabeça. É tão complicado, que nem eu mesma
sei explicar.
— Como posso te explicar isso? — falo mais para mim do
que para ela.
— Não posso gostar de você se for namorada do meu pai.
Arregalo os olhos em surpresa.
— Por que não?
— Carmen disse que não devo gostar das mulheres que se
envolvem na vida do papai, porque elas nunca vão me amar e com
o tempo, vão me separar dele — admite, chorando.
Carmen...
Eu não te conheço e eu não suporto você.
— Não posso viver sem o meu pai, Pérola — Giovanna diz
entre um soluço e outro, enchendo meus olhos de lágrimas.
Envolvo-a em outro abraço apertado, aninhando com carinho.
— Carmen fala besteiras demais, Giovanna.
— Mas ela tem razão, a culpa é minha. A mamãe morreu por
culpa minha. E não posso deixar o papai namorar pra ele não me
abandonar. É tudo culpa minha.
Recuo um pouco e seguro seu rosto pequeno entre as
minhas mãos, focalizando seus olhos úmidos.
— Escute bem, Giovanna. Você não tem culpa de nada. Sabe
por que seu pai nunca namorou ninguém durante esses anos? —
questiono e ela funga. — Porque ele escolheu você. Porque ele te
ama incondicionalmente, cariño mio. Nenhuma mulher é capaz de
afastar vocês dois. Ele não permitiria isso.
De maneira brusca, ela enterra o rosto no meu colo e chora
mais um pouco, enquanto faço carinho nas suas costas, dando um
pouco de conforto.
— Não quero perder você.
— Prometo que não vai me perder. — Aperto-a contra mim.
— Não importa o que Carmen disse. Eu gosto de você, não como
uma namorada do seu pai, mas como uma amiga, como alguém que
se importa com você. E isso nunca vai mudar. Tá bem?
Giovanna se afasta um pouco e me olha com os olhos tristes,
mas um brilho cheio de gratidão dançando por eles. A menina abre
um sorriso e limpa as lágrimas do rosto com as costas das mãos
pequenas.
— Mesmo?
— Mesmo — confirmo, sorrindo levemente. — Nada vai nos
afastar, Giovanna.
— Pode prometer?
— Sim. — Endireito a minha postura e elevo a mão para que
ela veja, cruzo o dedo indicador e o médio, em seguida, dou um
beijo, arrancando um sorriso genuíno da menina. — Eu prometo que
sempre seremos amigas.
Ela me abraça com força, e eu a envolvo com meus braços,
prometendo a mim mesma que, aconteça o que acontecer, sempre
estarei ao lado dela.
Depois de acalmar completamente Giovanna, eu saio do seu
quarto com o coração mais leve. Mal fecho a porta e dou de cara
com Alejandro, que me observa com um olhar sincero e meigo.
Um sorriso suave estampa seus lábios cheios.
Ele se aproxima de mim e, sem dizer uma palavra, me
envolve em um abraço caloroso. Os braços fortes me acolhem, e eu
posso sentir o alívio e a gratidão em seu gesto.
Ficamos assim por alguns segundos, em silêncio, apenas
presos nos braços um do outro, conectados de uma forma intensa.
Finalmente, Alejandro se afasta o suficiente para me olhar
nos olhos.
— Carmen encheu a cabeça dela de coisas — sou quem falo.
— Eu ouvi. Você foi incrível com ela, Perrita.
Abro um sorriso orgulhosa.
Eu entendo o quanto a relação dele com Giovanna é
importante, e é reconfortante saber que estou contribuindo de
alguma forma para que ela se sinta melhor.
— Ela achou que você ia me adotar.
Ele deixa escapar uma risada seca.
— Impossível.
— Eu sei.
— O que você fez por Giovanna significa muito pra mim —
sua voz é suave e ao mesmo tempo, intensa demais. — Obrigado,
Perrita — emenda, me deixando um pouco chocada.
Eu nunca imaginei que ouvira o homem me agradecendo por
alguma coisa.
Meu sorriso fica ainda mais largo e meu coração se aquece
com as palavras sinceras dele.
Giovanna só volta para a escola semana que vem e antes de
me deixar sozinha nesse apartamento enorme, acompanhada da
simpática Amparo, nós duas vamos ao shopping fazer compras.
Logo depois do nosso momento no corredor, Alejandro
precisou ir para Navarro Coffee Estates. Pois é, além de uma
espécie de narcotraficante, o homem também é um empresário
astuto durante o dia.
Talvez eu peça um emprego no escritório dele.
Qualquer coisa é melhor do que ficar aqui, sozinha, olhando
para o teto e vendo as horas passarem ou sendo julgada pelos
olhares de Amparo.
Definitivamente, essa mulher não gosta de mim.
Antes que eu possa me sentar no sofá para esperar
Giovanna descer, a campainha toca. Resolvo ir atender a porta para
passar o tempo, mas uma das funcionárias da casa passa por mim
apressadamente, chegando antes de mim.
Ela abre a porta e dá de cara com uma mulher bonita e alta,
que parece ter saído direto de uma novela.
— Dona Carmen, que surpresa — a funcionária dá um passo
para trás e a mulher entra, mudando todo o clima da casa. — Não
esperava a senhora aqui.
— Eu vim ver Giovanna.
Ao me ver parada no hall de entrada, lança um olhar
venenoso para mim.
— Eu não sabia que Alejandro tinha contratado uma
empregada nova — fala, com um tom de desdém, que faz meu
sangue gelar e o coração acelerar. — Novinha demais, não deve
saber fazer nada.
A funcionária esbugalha os olhos e gagueja, tentando
explicar, mas Carmen nem a deixa falar.
Respiro fundo e com calma.
— Não que tenha alguma coisa errada em ser empregada,
mas não trabalho para o Alejandro.
Os olhos de Carmen deslizam sobre mim, dos pés à cabeça,
a superioridade que sente é tão palpável, que me dá raiva. A mulher
enruga o nariz como se eu fosse algo que ela encontrou no lixo.
Tudo bem que ela é linda e está na cara que é classuda, mas
isso nunca deu o direito a ninguém de tratar o próximo como se
fosse merda.
— Então, quem é você?
— Pérola Sanchez.
Estendo a mão em um cumprimento e fico satisfeita ao ver a
cor do seu rosto mudar. Sem saber como, é nítido que ela já ouviu
falar de mim e que bom que eu a afeto de alguma forma.
— Pérola.
— Carmen — retruco.
— Já ouviu falar de mim?
— Sim, mas não se anime, não foram coisas boas.
Ela cerra os dentes.
— Veja bem o jeito que fala comigo, garota. Eu conheço
Alejandro há anos, um estalar de dedos e posso fazer você
desaparecer.
Sorrio.
— Não acho que será possível, dona Carmen — devolvo,
sentindo a raiva bombear o meu coração.
Ouço a voz de Giovanna chamando por mim e é isso que
move meus pés de volta à sala. Para meu desgosto, Carmem me
segue. Encontro a garota no último degrau da escada, falando coisa
com coisa, animada com a nossa saída.
— Carmen... — ela murmura ao perceber a mulher atrás de
mim.
— Oi, querida. Eu vim ver você.
Mesmo que Carmen tenha enchido a cabeça de Giovanna de
merdas, a menina não percebe o quanto a mulher é venenosa, por
isso, o seu rosto se ilumina ao vê-la. Ela se aproxima da amiga e a
abraça, um gesto de carinho que passa despercebido por Carmen,
já que não tira os olhos maldosos de mim.
— Que tal sairmos? Pegar um cineminha?
— Não posso, vou sair com a Pérola.
Giovanna vem até mim e segura a minha mão com ternura,
me roubando um sorriso.
— Ah — Carmen deixa escapar, desgostosa. — Vai me
dispensar, Giovanna? — a bruxa insiste, tentando jogar com a
cabeça da garota.
— Ninguém precisa dispensar ninguém. Você pode vir com a
gente.
As narinas de Carmen inflam, mas decide me ignorar.
— Não, obrigada.
— Então, nós já vamos — informo e endireito os ombros ao
encontrar os olhos de Carmen, que permanece imóvel. Giovanna e
eu caminhamos em direção à porta, prontas para o nosso dia de
compras e eu tento não ficar remoendo o fato de Carmen ter ficado
no apartamento de Alejandro.

No shopping, Giovanna e eu exploramos muitas lojas de


roupas infantis e escolhemos várias coisinhas para ela. E quando
chega a minha vez, eu não aceito comprar nada para mim, mas a
pestinha acaba ligando para Alejandro, que ordena Martín a nos
levar de volta para o apartamento apenas depois que eu comprar
roupas novas.
Sou obrigada a entrar numa butique sofisticada e as
vendedoras voam em cima de nós três como se fossem ratos
atraídos por queijo.
Martín resolve se acomodar em um sofá que está em um
local mais reservado na loja. Ele apanha uma revista e outra
vendedora oferece algo para ele beber, enquanto Giovanna e eu
somos apresentadas a inúmeros vestidos.
— Do que você gosta? Clássico? Elegante? Sexy?
Minimalista? Romântico? Vintage? Casual? Boêmio? — a
vendedora questiona, me deixando tonta.
— Boê... o quê? — gaguejo, oscilando a atenção dela para
Giovanna, pedindo socorro em silêncio.
— O que você acha, pequena? Acho que ela combina com
um estilo romântico, um leve toque boêmio e causal.
Animada, Giovanna sorri e ergue a mão num soquinho para
cumprimentar a vendedora.
Com calma e paciência, ela vai me mostrando vestidos e me
entregando, explicando coisas que não fazem o menor sentido
dentro da minha cabeça. Giovanna começa a rir por causa da minha
falta de noção e eu me sinto perdida em meio a tantas peças de
roupa.
As duas me incentivam a entrar no provador e experimentar
peça por peça. Nunca me senti tão linda e eu não sabia que meus
olhos podiam se destacar tanto por causa de uma peça de roupa.
Para completar, as duas me fazem comprar sapatos, que,
sinceramente, não acreditava que usaria um dia. É impossível me
equilibrar em saltos altos tão finos. Como isso é possível?
Mas preciso confessar, Giovanna tem um talento especial de
me fazer sentir mais confiante e bonita.
Depois das compras, ela sugere irmos ao salão de beleza
para uma hidratação no cabelo. E de brinde, ganhamos máscaras
faciais, que me deixam sufocada, mas o resultado é surpreendente.
Não pensei que meus cabelos pudessem ser tão cacheados
e brilhantes.
Atrás de nós, mantendo uma vigilância discreta de longe,
segurando muitas sacolas, Martín nos acompanha com a expressão
séria e sem reclamar, mas seu olhar atento e profissional sem nos
deixar.
— Só falta mais uma coisa — Giovanna fala, enquanto
caminhamos pelo shopping comendo os nossos cholados.[30]
— O quê?
— Precisamos comprar um celular novo pra você. O seu é
horrível e nem tira foto — rebate, fazendo-me rir, porque me lembra
Pedro reclamando do meu pobre celular.
— Não preciso de um celular novo.
— Precisa sim.
— Não.
— Sim.
— Não quero.
— Quer sim — devolve e eu reviro os olhos. Meu Deus, é
igualzinha ao pai. Toda mandona. — Vamos comprar um celular
novo pra você.
Sem escolha, acabo cedendo aos caprichos da pequena. Ela
e eu caminhamos pelos corredores movimentados do shopping até
encontrar uma loja de aparelhos eletrônicos.
Há vários celulares e não faço ideia de qual escolher, então,
deixo Giovanna, porque ela sabe mais sobre essas coisas do que
eu.
— ... este aqui, por exemplo, é o mais recente modelo. Tem
uma câmera incrível com várias funções, uma tela grande e
brilhante...
— Ah, sim, uma tela grande e brilhante, é legal — interrompo
o vendedor, deixando-o constrangido e arrebatando uma risada de
Giovanna.
Ele raspa a garganta e volta falar:
— Ele também é muito rápido, com bastante armazenamento
para aplicativos, fotos e músicas. Além disso, tem uma bateria de
longa duração, então você não precisa se preocupar em recarregar
o tempo todo.
— Esse parece ótimo pra ela — Giovanna diz e eu assinto,
concordando.
— E ele também é à prova d'água, então se você
acidentalmente derrubar na água, não...
— ¡Dios mío! À prova d’água? Isso é impressionante! —
exclamo, surpresa e o vendedor começa a rir.
— Vamos levar esse aqui — é Giovanna quem fala, toda
adulta e chama Martín para ir até o caixa.
Enquanto os dois vão até lá, eu fico no balcão, observando
os outros modelos que parecem tão iguais e, também, tão
diferentes. Espero ter dinheiro um dia para comprar um assim para
Safira.
Talvez, para o meu pai, mas não acho que ele vá gostar.
Ele odeia tecnologia.
Sinto a presença de um homem perto de mim. Viro o rosto
para o lado e seus olhos penetrantes me fazem sentir
desconfortável.
— Oi, gata borralheira — diz, com a atenção fixa em mim, as
palavras soam com um tom ameaçador velador.
Franzo a testa em confusão.
— Gata borralheira? Eu te conheço de algum lugar?
Ele abre um sorriso de lado.
— Parece que você finalmente encontrou o seu lugar... ao
lado dos Navarros. Antes tarde do que nunca.
— O quê? Quem é você?
— Não se preocupe, está aonde devia estar. Este é o seu
lugar.
As palavras dele pairam no ar, enigmáticas e perturbadoras.
Meus olhos se estreitam, tentando entender o que ele quer
dizer. Quem é esse homem? E o que ele sabe sobre mim e os
Navarros?
— Quem é você? — pergunto, minha voz soando mais firme
do que me sinto por dentro.
— Pérola? — Martín me chama e eu lanço um olhar para
trás, encontrando o segurança de Alejandro com Giovanna, que
tenta entender o que está acontecendo. — Quem é?
Volto a atenção para a frente e o homem já desapareceu do
meu campo de visão.
— Não sei.
— O que ele disse?
— Ele não disse coisa com coisa — balbucio e Martín leva a
mão até a orelha, pressionando o seu fone de ouvido de
comunicação e fala com alguém. — E o celular? — questiono
diretamente a Giovanna que abre um sorriso largo.
— Aqui — ela diz ao me entregar a caixinha.
— Vai ter que me ensinar a mexer nele.
— Fechado.
Sorrio para Giovanna e abro os braços para prendê-la contra
mim, apertando-a com carinho, enquanto meus olhos encontram os
de Martín. Há uma tensão no ar, mas ele tenta disfarçar.
Não posso negar que aquele cara deixou uma sensação
sinistra dentro do meu peito e não faço ideia do que ele quis dizer.
Não se preocupe, está aonde devia estar. Este é o seu lugar.
Que merda isso significa?
Por muitos anos, eu nunca achei que uma mulher seria boa o
suficiente para Giovanna, mas Pérola é.
E eu nunca vi minha filha tão feliz.
É estranho, porque a Perrita parece a peça que faltava no
quebra-cabeça da nossa família conturbada.
Ver as duas fazendo coisas juntas, compartilhando segredos
e fazendo planos faz o meu peito formigar. Não vou permitir que
Carmen estrague isso e eu sei que ela quer. A mulher foi até o meu
escritório tirar satisfação por eu ter trazido Pérola para a minha
casa.
Depois de colocar Giovanna para dormir, arrasto Pérola para
o meu quarto, sedento para senti-la tremer na minha língua e gemer
o meu nome. Num solavanco, giro o corpo dela, roçando o rabo
redondo contra a minha ereção crescente e começo a desabotoar o
vestido.
— Não se preocupe, está aonde devia estar. Este é o seu
lugar — ela murmura, me deixando completamente confuso.
Pérola vira o corpo para mim, os olhos grandes encontram os
meus.
— Foi o que o cara disse — articula, espremendo os lábios
ao enrugar a testa em preocupação. — Ele me chamou de gata
borralheira. Por quê?
Mais cedo, Martín falou sobre o homem no shopping, mas até
agora, Pérola não tinha tocado no assunto. Quando liguei
perguntando, ela disse que não era nada demais. No entanto, está
na cara que é.
— Como ele era?
— Suspeito. Ele falou... parece que você finalmente
encontrou o seu lugar... ao lado dos Navarros. Antes tarde do que
nunca. O que ele quis dizer com isso?
Olhando dentro dos olhos da Perrita, minha mente repete as
palavras devagar, enquanto trabalha rapidamente, tentando
conectar os pontos, encontrar algum motivo plausível para as
palavras deles.
— Vou investigar isso, Perrita.
— Tem alguma ideia do que seja? — quer saber e a reação
da minha mãe naquele dia ao ver o nome de Pérola nas folhas de
papéis que Martín trouxe para mim, enche a minha cabeça.
Por que algo me diz que a matrona deve saber do que se
trata?
Minha cabeça começa a fervilhar com os pensamentos.
— Não, mas vou descobrir. Não se preocupe.
Ela respira fundo e assente, forçando um sorriso e eu retribuo
o gesto, sabendo que algo estranho está acontecendo e preciso
descobrir o que é antes que isso coloque a Perrita em perigo.
— Foi tão divertido com Giovanna hoje.
Seguro seu rosto entre minhas mãos.
— Amei o seu cabelo. Parece mais selvagem do que de
costume — digo, arrancando uma risada verdadeira dela.
— Você acha? Fiz hidratação intensa.
— Ficou ainda mais linda, Perrita.
Deslizo as mãos pelas suas costas e volto a desabotoar o
vestido, vendo a empolgação preencher os seus olhos. Obrigo
Pérola a recuar alguns passos até nos aproximarmos da cama.
Antes de qualquer coisa, puxo as alças do vestido para baixo,
deixando o tecido cair no chão. Abro um sorriso sacana ao perceber
as mãos pequenas na minha calça social, trabalhando para remover
o cinto.
Deito-a na cama, meu corpo sobre o seu e a beijo
intensamente, mergulhando minha língua na sua boca, enquanto as
mãos de Pérola remexem para empurrar minha calça social para
baixo.
Saio de cima dela, apenas para arrancar a sua calcinha
pequena levemente molhada com o seu tesão e depois, me
despedir completamente, exibindo o meu pau duro e ereto para ela.
Agarro-o com uma das mãos e bombeio com força,
imaginando o dia que vou foder a boca de Pérola. Ele lateja de
desejo apenas pela ideia, mas agora, estar dentro dessa boceta
quente e apertada vai ser mais do que suficiente.
— Abre as pernas pra mim, Perrita.
Lentamente, ela abre as pernas para mim, revelando a
boceta quente e úmida que me espera. Os olhos dela faíscam de
desejo, enquanto me observa me aproximar com meu pau rijo e
pulsante.
Ajoelho-me ente as suas pernas, minha respiração pesada
contra a sua entrada apertada e com um movimento devagar,
acaricio a sua extensão com o dedo, e então, eu enfio o meu rosto
na sua boceta, lambendo-a inteira, sentindo o gosto doce do seu
prazer.
— Alejandro — ela geme, manhosa.
— Essa boceta é minha, Perrita — grunho, me perdendo no
seu sabor e acariciando o seu ponto sensível com a língua.
Sinto o meu pau doer de desejo e sem tirar a língua dela, eu
o massageio um pouco até não aguentar mais. Rápido, me coloco
de pé novamente e fricciono a abertura de Pérola com a ponta do
meu cacete, roubando um suspiro dela.
Minha garota geme suavemente, os lábios entreabertos e os
olhos fixos nos meus, ansiosa para me sentir inteiro dentro dela.
— Você é tão linda, Perrita.
Num solavanco, empurro meu quadril, enfiando o pau inteiro,
sentindo o calor e a umidade da sua boceta engolir o meu pau
pulsante. Ela solta um gemido alto e os olhos se fecham, enquanto
eu a preencho inteiro, centímetro por centímetro.
— Alejandro...
Estico os braços para tocar os seios com os mamilos duros e
guio os meus movimentos, entrando num ritmo forte de dentro e
fora, cada investida arrancando um gemido mais alto dela, que se
contorce debaixo de mim.
Pérola se agarra aos lençóis da cama, os dedos se cravando
no tecido, enquanto eu a fodo lentamente, me controlando para ir
devagar.
— Que bocetinha gostosa, Perrita. E ela é só minha.
Ela arqueja.
— Fala pra mim que você é minha.
Deslizo a mão pelo corpo de Pérola, reivindicando cada
pedaço de pele.
— Eu sou sua, Alejandro — ela confirma, olhando nos meus
olhos, fazendo algo dentro de mim se contorcer, e então, eu
enlouqueço. Saio de dentro de Pérola e a coloco de quatro para
mim na cama.
— Empina esse rabo pra mim — ordeno.
Ainda trêmula de desejo, ela obedece, empinando o rabo
provocante para mim, me deixando ainda mais ensandecido de
tesão. Os cabelos cacheados e selvagens de Pérola caem sobre as
costas e a visão fica mil vezes melhor.
Dou um tapa forte na sua bunda, sentindo a pele quente e ela
estremece, excitada.
Meu pau se contorce ao ver a pele marcada por causa do
meu toque. Incapaz de resistir, eu me lanço completamente para
dentro da sua boceta melada de novo, possuindo cada canto da sua
boceta apertada.
Cravo as mãos nos seus quadris, enquanto ela solta um grito
de prazer. Começo a fodê-la profundamente, num ritmo rápido e
forte, meu corpo se chocando contra o dela, colidindo de maneira
excitante.
Cada estocada que dou é acompanhado de um gemido
gutural, que cresce dentro de mim, enquanto ela empina ainda mais
o rabo.
Seguro Pérola pela cintura, firme, puxando-a para mim a
cada investida, indo mais fundo a cada vez, querendo tudo dessa
garota que mal entrou na minha vida e já é tão importante para mim.
— Alejandro... — ela geme, quase implorando.
— Adoro ver você implorar, Perrita.
Afundo com tudo dentro da sua boceta, dando o que ela quer,
dando o que eu quero, comendo Pérola do jeito que ela merece.
Com força. Com vontade.
Inclino-me sobre as suas costas, esgueirando uma das mãos
até a sua boceta quente e alcanço o seu clitóris inchado, com as
pontas dos dedos, faço movimentos circulares, fazendo Pérola
arquear o quadril involuntariamente para mim, engolindo o meu pau
mais ainda.
Ela começa a estremecer debaixo de mim, o corpo todo
suado e ofegante.
— Goza no meu pau — ordeno. — Goza no pau do único
homem que vai comer a sua boceta — grunho, me sentindo tão
possessivo quanto louco por ela.
— Alejandro... eu... eu...
Continuo, sem perder o ritmo e sinto minhas bolas e os
músculos se contraírem involuntariamente, como ondas quentes
percorrendo o meu corpo, mas tento me segurar até ver Pérola
alcançando o seu clímax debaixo de mim.
Volto com as duas mãos na sua cintura e me enterro com
tudo até me sentir saciado. Meu coração acelera com a
aproximação do meu orgasmo e então, eu libero a tensão
acumulada dentro da boceta aperta de Pérola.
Só paro meus movimentos depois de despejar até a última
gota de porra dentro dela.
Respiro fundo e ela também. Passo o braço em volta do seu
corpo, segurando-a no lugar e devagar, eu a solto, deixando o seu
corpo mole e saciado afundar contra o colchão.
Me acomodo ao seu lado e puxo para mim, entrelaçando os
nossos corpos suados, enquanto seus cabelos cacheados e cheiros
se espalham pelos meus braços.
— Não parte o meu coração, Alejandro.
— Nunca, Perrita — minha voz é firme, quase autoritária,
mas carrega um traço de promessa inquebrável. Farei de tudo para
não quebrar o coração da minha Perrita.
Ela se vira para mim, aninhando o rosto contra o meu peito.
— Vai proteger ele também?
— Sim.
Inclino a cabeça e dou um beijo suave na testa de Pérola,
fazendo-a sorrir timidamente.
— Você bagunçou a minha vida toda, sabia? — questiona ao
erguer os cílios para mim, fazendo meu coração trepidar contra o
peito.
Observo-a com uma intensidade quase predatória.
— Você fez o mesmo com a minha vida, Perrita.
Pérola morde o lábio inferior, seus olhos não deixam os
meus.
— Fiz?
— Sim. Nunca trouxe uma mulher pra viver na minha casa.
Ela ergue uma sobrancelha.
— E Carmen?
— Ela sempre esteve aqui, mas nunca dormiu aqui.
Pérola assente.
— Carmen é linda.
— Você é a mulher mais linda que eu já vi, Perrita — digo,
roubando um sorriso meigo dela. — E eu acho que nunca estive tão
fascinado por uma mulher, como eu estou por você — admito.
Pérola se aproxima de mim e encosta os lábios nos meus.
— Às vezes você diz coisas lindas.
— Só pra você.
Ela ri.
Puxo-a para mais perto, segurando-a firmemente em meus
braços.
— Eu vou proteger você, Perrita. Vou proteger o que é meu
com tudo o que eu tenho — sussurro, fazendo-a suspirar e
murmurar alguma coisa que escapa aos meus ouvidos.
Como Patrón, eu sei que paixão é uma vulnerabilidade e
luxo, mas eu não me importo, algo me diz que Pérola é a exceção
que faz tudo valer a pena.
Com as palavras que Pérola disse ontem à noite ainda
matutando dentro da minha cabeça, pego o celular e disco o número
da minha mãe, algo que não faço desde que voltei para Bogotá.
Ela atende após alguns toques.
— Alejandro.
— Mamá, preciso que volte para Bogotá imediatamente —
declaro, um tom de comando que não admite desobediência.
— O que aconteceu, niñito?
— Precisamos conversar sobre a Pérola, é urgente.
Há um breve silêncio do outro lado da linha e eu a ouço
respirar fundo, pronta para protestar, o que me irrita. Mamãe sempre
foi teimosa e desafiadora, mas infelizmente, não estou a fim de
desafios no momento.
— Não tenho nada pra falar sobre ela, por isso, ficarei aqui
na fazenda até me sentir melhor e voltar.
Endireito a postura na cadeira confortável do escritório e a
giro devagar, observando o centro da cidade de Bogotá através da
grande janela de vidro que vai do chão ao teto.
Penso um pouco sobre todas as coisas e na recusa da
mamãe sobre Pérola. Não é apenas por ela ser uma camponesa
que cresceu no campo, existe algo mais.
— Tem certeza? — questiono com um leve toque de
ferocidade na voz.
— Claro que sim.
— Então, se eu mandar investigar a fundo tudo sobre a
família da Pérola... eu não vou encontrar nada que me deixe irritado,
mamá? Não vou encontrar nada que me faça querer decapitar ou
esquartejar alguém?
Ela fica quieta novamente, dessa vez, por muito mais tempo,
até que finalmente, resolve articular:
— Pare com isso, Alejandro. Por que mexer no que está
tranquilo, mi hijo? Deixe o passado quieto, eu estou implorando.
— O que você sabe, mamá? — disparo ao sentir as têmporas
latejarem por causa raiva crescente. — Que merda está
escondendo de mim?
— Não se envolva com essa garota, é a única coisa que
peço. Pode fazer isso pela sua mãe?
Respiro fundo, minha paciência se esgotando.
— Não.
— Alejandro — repreende.
— Pegue o primeiro voo para Bogotá. Eu a quero na mansão
ainda esta noite — exijo entredentes. — Passarei lá logo depois de
sair do escritório... para conversamos. E mamá, vai me contar tudo
o que sabe.
Ela solta um suspiro resignado do outro lado da linha.
— Vou fazer minhas malas.
— Ótimo — retruco, encerrando a chamada.
Não há dúvidas que minha mãe sabe algo sobre Pérola e a
família dela, e tenho a impressão de que não é coisa boa que a
matrona está escondendo.
Só espero que isso não acabe machucando a Perrita e minha
filha.

Entro na mansão em que cresci com os meus irmãos e


encontro a mamá na sala de estar, sentada no sofá, olhando para o
nada, enquanto toca o colar de diamantes em seu pescoço delicado.
Aproximo-me dela e mesmo com raiva, me inclino para beijar
o seu rosto, cumprimentando-a. Seus cílios se erguem para mim, os
olhos mostram irritação e um pouco de resistência.
— Cadê Hortênsia e Vicente? Vieram com você?
— Apenas Vicente, ele está descansando lá em cima.
Hortênsia decidiu ficar na fazenda com o seu abuelo, Vitória e o seu
tio Camilo até o jantar do seu aniversário no final de semana que
vem.
— Não quero nada no meu aniversário. Não estou com clima
para comemorações, acabei de enterrar o meu irmão.
Ela assente, magoada.
— Eu acabei de perder um filho e parece que um pedaço de
mim está faltando, mas eu também, Alejandro, tenho mais cinco
filhos vivos. E eu tenho certeza de que Rafael gostaria que
comemorássemos o seu aniversário.
Assinto, um pouco irredutível, mas decido concordar.
— Não quero nada exagerado.
— Será um jantar simples — é o que diz, mas na verdade,
não acredito muito que ela planeje algo assim.
Abro um botão do terno e me acomodo no sofá na mesma
hora que uma das funcionárias surge na sala de estar, perguntando
se quero beber algo. Só depois de pedir whisky e esperar que ela
me sirva, fixo os olhos na minha mãe.
— O que você sabe sobre Pérola? — vou direto ao ponto.
— Nada.
— Mamá — repreendo.
Com as pernas cruzadas, um de seus pés balança
rapidamente, demonstrando o nervosismo que tenta esconder com
um sorriso sarcástico.
— O que eu saberia sobre ela? Nada. não temos nada em
comum e nem frequentamos os mesmos lugares.
Bebo toda a minha bebida de uma vez e respiro fundo.
Preciso de muita paciência para lidar com a minha mãe, já que ela
não é um simples informante e não há como arrancar a verdade
dela de qualquer jeito.
— Quando Pérola estava no shopping com Giovanna...
— Você está deixando as duas saírem juntas? — interrompe-
me. — E se Giovanna se apegar a Pérola?
— Qual é o problema disso? Me diz, mamá. Qual é a porra
do problema?
Ela prensa os lábios pintados de vermelho e desvia a atenção
de mim, ainda balançando o pé calçado com um sapato caro.
— Alejandro, por favor...
— Quando elas estavam no shopping, um homem abordou
Pérola e disse algo como finalmente ela ter encontrado o lugar dela
ao lado dos Navarro.
Ela une as sobrancelhas.
— Isso não faz sentido — retruca, claramente, mentindo.
— Por que eu acho que sabe de alguma coisa?
Num rompante, mamãe se levanta, esbaforida e começa a
andar de um lado para o outro, falando várias coisas ao mesmo
tempo, mas nada perto do que eu quero ouvir dela.
Respiro fundo, deixando-a se acalmar primeiro.
— É o seguinte, mamá. Me conte tudo o que sabe, eu sou o
Patrón e exijo que me diga a verdade. Vai ser pior se eu descobrir
por conta própria, não acha?
Derrotada, ela se senta no sofá, os olhos brilhando.
— Ainda não sei o que você vê nessa garota, Alejandro.
— Cuidado com as palavras, mãe.
Ela fecha os olhos por uma fração de segundo e solta uma
respiração profunda, quase cansada.
— Pérola é... Pérola é... ela é... ela é filha do seu tio Camilo.
Fico mudo e meio atordoado ao assimilar as informações.
O quê?
Pérola é filha do meu tio Camilo?
Olho para a minha mãe, tentando encontrar qualquer sinal de
que isso seja algum tipo de piada cruel, mas seus olhos não
mentem. Ela está dizendo a verdade, mesmo que não faça o menor
sentido.
Pérola é filha do meu tio. Pérola é minha prima.
Enquanto processo a novidade perturbadora, o tempo ao
meu redor parece parar ao mesmo tempo em que minha mente
corre freneticamente, tentando assimilar o impacto dessa
descoberta.
Pérola é minha prima.
Pérola é uma Navarro.
Uma onda de emoções contraditórias me invade. Raiva,
incredulidade, preocupação, tormento e, no fundo, uma pontada de
tristeza.
— Que merda é essa, mãe? — finalmente pergunto ao
encontrar minha voz. — Que porra é essa?
Ela fica em silêncio por um momento, o peito subindo e
descendo por causa da respiração arfante.
— Camilo não sabe, seu pai achou melhor esconder a
verdade, porque na época, não fazia muito tempo que ele tinha se
casado. Um casamento estratégico. Seu pai não podia permitir que
uma filha bastarda arruinasse os negócios.
Minha mãe explica e eu sacudo a cabeça de um lado para o
outro, confuso pra caralho.
— Seu tio sempre foi um homem muito difícil, seu pai teve
medo de que ele estragasse as coisas.
— O quê?
— Ele fez o melhor que pode para manter a família unida e
bem estruturada. Por isso, nunca ninguém ficou sabendo da
existência de Pérola, além de mim e o seu abuelo.
— Meu avô também sabia? — pergunto, como se estivesse
testando as palavras.
— Claro que sim, Alejandro, porque...
Mamãe faz uma pausa.
— Por que o quê? Continue, mamá.
— Camilo é pai de Pérola e Safira é a mãe — ela fala,
encolhendo os ombros, como se soubesse de mais coisas do que
está me contando. — A mulher a quem Pérola chama de irmã é na
verdade... a mãe dela.
Levanto do sofá de uma vez, irritado pra caralho.
— Isso é alguma piada de mal gosto?
— Infelizmente, não, mijo.
Na minha mente, passo todas as informações que li sobre
Pérola naqueles papéis e me lembro que Safira tem trinta e quatro
anos, Pérola, dezenove. Se Safira é a mãe de Pérola, meu tio se
envolveu quando a garota tinha quatorze anos.
A merda de quatorze anos?
— Mãe... — grunho, passando os dedos entre os cabelos,
controlando os nervos para não explodir de vez. — Safira tem trinta
e quatro anos e Pérola dezenove. Me diga que há um engano ou
que de repente, eu fiquei burro demais para fazer contas de cabeça.
Ela ergue o queixo para mim e para a minha surpresa, parece
completamente magoada.
— Qual é o problema? Eu não te pari quando tinha dezesseis
anos? O que acha que aconteceu antes entre mim e o seu pai,
Alejandro? Eu só tinha quinze ano quando ele me forçou a ser
mulher dele — retruca, chorando.
E eu me sinto escroto do caralho. Ainda mais, porque ela
nunca disse que foi forçada a nada. Sempre acreditei que se
apaixonou pelo meu velho, mas como isso seria possível?
Minha mãe era uma criança.
Que desgraçado eu sou.
— Mamá...
— Sim, exatamente. Ela tinha quatorze anos quando seu tio
Camilo colocou os olhos nela. E sim, exatamente, parece que esta
família tem uma queda por ninfetas.
— Mamá, vem cá — falo, estendendo o braço e a chamando
para perto. A mulher resiste no início, mas vem, se aninhando em
meu peito. — Por que nunca me contou sobre o papá?
Ela funga.
— Não queria manchar a imagem que vocês tinham dele. E
depois, ele aprendeu a ser bom pra mim. Ficar grávida de você foi a
minha salvação. Seu pai mudou completamente depois que tivemos
você.
Encosto os lábios no topo da sua cabeça.
— Você é uma mulher forte.
— Eu sei, niñito.
Mamá limpa as lágrimas de maneira delicada e se afasta de
mim, esquadrinhando o meu rosto.
— Pode fazer algo por mim?
— O quê?
— Não conte nada ao seu tio, Alejandro — ela pede,
obstinada e ergue os ombros, enquanto mantém olhar firme contra o
meu. — E mantenha Pérola longe de todos nós, vai ser melhor
assim.
— Isso é impossível.
Ela prensa os lábios e respira fundo.
— Por quê, mi hijo?
— Porque eu a farei minha mulher.
— Alejandro, ela é sua prima — lembra-me.
— Não me importo. Ela é minha.
A sua mão vem espalmada para tocar o meu peito, ajeitando
a minha gravata, mas não parece com alguém que vai discordar de
mim, o que acho bom. Não quero continuar brigando com ela.
— Você é tão teimoso, Alejandro. Isso complica as coisas,
mas é o Patrón, a última palavra é sua.
Concordo com um gesto firme de cabeça.
— Mãe... tio Camilo e Safira? Foi com consentimento da
garota? — pergunto, mesmo irredutível a acreditar que uma garota
de quatorze anos aceitaria dormir com o meu tio.
Mamá respira fundo e abre a boca para falar, mas somos
interrompidos por Vicente, que surge na sala e ela se afasta de mim,
escondendo o rosto de choro e eu vou abraçar o meu irmão.
— Como foi a viagem de volta pra cá? — quero saber.
— Tranquilo. Veio jantar com a gente?
Sacudo a cabeça em negativa.
— Não, eu já estou indo. Giovanna e Pérola estão me
esperando no apartamento — explico, transformando os lábios do
meu irmão mais novo num sorriso franco.
— Depois passo lá pra ver Giovanna — fala e se despede de
mim com um abraço apertado, rumando para à cozinha e me
deixando sozinho com a nossa mãe novamente.
— Não há mais nada que precise saber — é o que minha
mãe diz, evitando me olhar. Não sei se está mentindo ou apenas
com vergonha de me dizer a verdade.
— Tem certeza?
— Sim.
— Vá descansar — ordeno, puxando-a para um abraço
apertado e dou um beijo doce na sua cabeça antes de ir embora.
Com a porra da novidade assolando meu peito.
Pérola é filha do meu tio.
Pérola é minha prima.
Pérola é uma Navarro.
Se eu contar a verdade para a Perrita, além de perdê-la, eu
vou partir o seu coração.
Algum tempo depois...
Depois de colocar Giovanna para dormir, caminho
silenciosamente até a sala de estar do apartamento. A noite parece
calma lá fora e a luz fraca da cidade se infiltra através da janela de
vidro, iluminando um pouco.
Sinto falta da minha casa e de estar com o papá e a Safira,
mas aqui também é bom, apesar da minha família não concordar.
É estranho Giovanna, Alejandro e eu já perecermos tanto
com uma família? Sim, com certeza, eu sei. Não faço ideia, mas no
fundo, eu sinto uma ligação tão profunda com eles, que faz eu me
sentir idiota pra caramba.
Acendo as luzes da sala de estar e me acomodo no chão,
entre o sofá e a mesinha de centro. Abro o caderno de desenhos
que deixei ali mais cedo e folheio, me prendendo nos rostos que
desenhei.
Rafael.
Pedro.
Papai.
Safira.
Alejandro.
Giovanna.
E mamãe.
Meu coração aperta e um nó no meu estômago faz a minha
garganta amargar. Respiro fundo, massageando os ombros, a fim
de amenizar um pouco a tensão meio sufocante no corpo.
Abro o meu estojo e escolho um lápis.
Posso não ser tão instruída intelectualmente como Carmen e
não entender muito sobre computadores e celulares de última
geração, mas a arte nasceu comigo. Ela sempre foi a minha
maneira de escapar e me conectar com as minhas emoções.
Como se tivessem vida própria, meus dedos traçam de
maneira suave na folha em branco. No começo, são apenas
esboços, depois, os contornos ganham vida, se transformando num
rosto familiar.
Meu lápis dança sobre o papel, enquanto foco nos detalhes e
preencho todo o espaço da folha.
Ouço a porta do apartamento se abrir e meu coração salta no
peito. Alejandro entra na sala, seus passos mais pesados do que o
normal. Observo-o se aproximar de mim e noto uma inquietação.
Na verdade, há dias ele parece aflito, como se algo estivesse
fora do normal, mas não faço ideia do que possa ser. Será que há
problemas relacionados ao Cartel? Muito invasivo se eu perguntar?
Respirando fundo, o homem deposita um beijo no topo da
minha cabeça e se acomoda no sofá, os olhos intensos fixos no
meu caderno.
— Está me desenhado.
Minhas bochechas coraram e eu abro meio sorriso ao ficar de
pé para me sentar ao seu lado.
— Sim.
Entrego o caderno a ele, que contempla a ilustração e
devagarinho, vai folheando e descobrindo os outros rostos. Ele abre
um sorriso meigo ao ver a filha e fica em silêncio ao ver o irmão.
Quando chega na imagem da minha mãe, ele para mais que
o necessário.
— Essa é a minha mãe — falo baixinho, um sorriso triste
brotando nos meus lábios. — Giovanna queria conhecê-la, então, eu
a desenhei para ela.
Alejandro encaminha os olhos até mim e me encara de
maneira enigmática, fazendo uma tensão pairar no ar.
— Tudo bem?
Ele assente, sério.
— Sim, Perrita.
Alejandro volta a observar atentamente o desenho, seus
olhos percorrendo os detalhes com uma expressão pensativa.
— Já pensou em fazer Bacharelado em Belas Artes?
Dou de ombros.
— O sonho do papai é que eu me forme, mas a verdade é
que não temos dinheiro pra isso. E tudo bem, estou feliz com a
minha vida.
— Dinheiro não é problema, Perrita. Escolha uma
Universidade aqui em Bogotá e ano que vem, no início do ano
acadêmico, eu a colocarei lá.
Esbugalho os olhos, piscando devagar.
— Espera, calma aí. Vamos com calma, tá bem? Eu preciso
conversar com o meu pai primeiro. Tem muitas questões para
resolver antes. Como eu vou viver aqui em Bogotá? — questiono e
os olhos dele brilham, acelerando o meu coração tão forte e rápido,
que minha respiração falha.
— Comigo.
A resposta me pega desprevenida e eu fico sem reação, com
os olhos cravados em Alejandro. Sinto algo mudar, como se pela
primeira vez, eu pudesse enxergar além da fachada fria e
imperturbável que ele sempre exibe para o mundo exterior.
Talvez, para muitos, uma proposta dessas não seja nada
além de caridade ou algo do tipo. Mas, o homem é o chefe do Cartel
de Santa Fé, viúvo, pai solo e solteiro há muitos anos.
Viver com ele... não é uma sugestão vazia. É algo profundo e
que até me faz questionar o seu coração sombrio e distorcido.
Abro meio sorriso, sem desviar dos seus olhos que parecem
revelar uma vulnerabilidade que ele não mostra muito para os
outros. Sou idiota o suficiente para acreditar que talvez, apenas
talvez, ele possa me amar.
O pensamento me deixa sem fôlego, porque não há dúvidas
que eu já estou completamente entregue a ele.
A sensação de que ele pode ser meu da mesma forma que
eu sou dele é arrebatadora. Será que serei a única mulher capaz de
penetrar no escudo impenetrável que ele construiu ao longo dos
anos?
Não me importaria de ser a luz capaz de iluminar as sombras
que envolvem Alejandro Navarro.
— O que foi, Perrita? — questiona, quebrando o silêncio.
— Nada.
Retiro o caderno da mão dele e coloco em cima da mesinha
de centro, em seguida, debruço o corpo sobre ele, procurando os
seus lábios para um beijo suave. Sinto o calor ardente preencher o
espaço entre nós, arrepiando o meu couro cabeludo.
Ele ergue a mão para envolver na minha nuca, me arrastando
mais perto ao mesmo tempo em que a sua língua mergulha em
mim, tomando posse de cada pedaço da minha boca.
Nossas bocas se moldam uma à outra, encontrando um ritmo
lento, mas intenso pra caramba. Alejandro suga a minha língua e
então, deslizando com vontade sobre ela, cava mais o beijo úmido e
quente.
À medida que o desejo cresce e me sinto pegar fogo, as
mãos dele passeiam sobre o meu corpo, tocando as minhas coxas,
bunda, apertando cada parte, enquanto me puxa ainda mais contra
ele.
Sem saber muito bem o que fazer, me deixo guiar pelos meus
instintos e primeiro, apoio a mão espalmada sobre o seu peito e vou
descendo aos poucos até encontrar a protuberância contra a calça
social.
Aperto o volume e o sinto pulsar contra as minhas mãos.
Alejandro rosna.
— Perrita...
— O que foi?
— Se continuar assim, eu vou foder sua boca aqui na sala —
murmura com um grunhido ao mesmo tempo em que mordisca meu
lábio inferior.
— Você quer?
Assim que ouve a minha pergunta, o homem recua um pouco
para esquadrinha o meu rosto. Ele olha intensamente nos meus
olhos, seus lábios se curvam em um meio sorriso malicioso,
tornando a tensão no ar quase palpável.
— Claro que eu quero foder a sua boca, Perrita, mas...
— Deixa eu te fazer relaxar — sussurro, interrompendo a sua
fala, meu coração subindo até a garganta. — Me ensina a te dar
prazer também.
Sem dizer nenhuma palavra, Alejandro pega a minha mão,
que está sobre a sua protuberância e me faz apertar com firmeza,
rosnando como uma fera faminta, o que me excita pra caramba.
Engulo em seco.
Ele me ajuda a desafivelar o cinto da calça social, depois,
desce o zíper e um pouco do tecido com a cueca boxer, exibindo o
pau duro e firme que aponta para mim. Mordo o lábio inferior e deixo
escapar um gemido quando Alejandro me faz agarrar seu membro
quente com uma das mãos.
— Aperte.
Faço o que ele manda.
— Com mais força — orienta, colocando uma das mãos por
cima da minha e me guiando, para cima e para baixo, enquanto
seus olhos, escurecidos de desejo, me encaram com paixão.
Lambo bem os lábios antes de inclinar a cabeça na direção
do seu pau e envolvê-lo completamente com os meus lábios.
Alejandro deixa escapar um gemido rouco, que preenche toda a
sala.
— Perrita... — arfa. — Engole tudo.
Uma das mãos dele envolve os meus cabelos da nuca e eu o
deixo me guiar, engolindo o seu membro rijo até onde consigo,
deslizando a língua suavemente sobre a extensão pulsante, vendo o
corpo de Alejandro se contrair de prazer.
Ele inclina a cabeça para trás, fechando os olhos e
respirando profundamente. A sua mão no meu cabelo continua no
lugar, com firmeza, dominando ao mesmo tempo em que mostra o
seu desejo crescente.
Continuo a deslizar meus lábios para cima e para baixo,
encontrando um ritmo que deixa o homem louco e gemendo.
— Caralho, Perrita.
Sinto Alejandro ficar cada vez mais duro dentro da minha
boca, as pernas estremecem de leve e ele aperta os dedos em volta
da minha nuca à medida que move o quadril na direção da minha
boca, fazendo exatamente do jeito que ele gosta.
É tão bom fazê-lo perder o controle, que meu íntimo lateja e
eu aperto uma perna na outra para me conter.
— Vou gozar...
Ele começa a se mover mais rápido em minha boca, ditando
o ritmo que lhe dá mais prazer e eu deslizo a língua para baixo,
sentindo-o pulsar e tremer, o que me faz quase gemer também.
E então, Alejandro goza na minha boca, o líquido quente jorra
direto na garganta e eu engulo, deixando o homem tão louco de
tesão, que meus lábios mal deixam o seu pau ainda rígido e ele está
levantando o meu vestido para arredar a minha calcinha para o lado
com um gesto firme.
— Alejandro... — murmuro, surpresa, ainda recuperando o
fôlego depois de ele ter gozado na minha boca.
— Vou comer a sua boceta agora, Perrita.
Sinto um arrepio de antecipação percorrer o meu corpo
quando a sua mão quente e áspera toca a minha intimidade
molhada, explorando minha extensão e me fazendo gemer
manhosa.
— Alejandro... — murmuro, minha voz carregada de desejo.
Ele me encara com intensidade, seus olhos intensos fixos
nos meus. Sua voz é rouca quando responde:
— Vou dar o que você precisa, Perrita.
Gemo alto no momento exato em que ele se posiciona entre
as minhas pernas, o pau duro e ansioso roçando na minha abertura
enxarcada antes de me penetrar com força e determinação,
fazendo-me arquear as costas de prazer.
Cada estocada é profunda e poderosa, forte e avassaladora.
As mãos ásperas dele se encaixam na minha cintura, me
ajudando com o sobe e desce, meu corpo se movendo em perfeita
sincronia com os seus comandos. Me agarro a Alejandro, gemendo,
pedindo por mais.
O homem me preenche por completo, seu calor e a sua força,
me envolvendo em uma sensação inebriante.
Seu corpo musculoso se move rápido contra mim, como se
quisesse me dominar por inteiro. Meus gemidos se misturam aos de
Alejandro, enquanto uma descarga elétrica de prazer percorre o
meu corpo.
Seguro seu rosto com as duas mãos e ele me beija com
fome, os lábios carnudos procurando os meus, apaixonados e
urgentes. Nossas línguas se enrolam, se sugam, enquanto ele
continua me penetrando com vontade.
Cada estocada mais intensa do que a anterior, me levando
para mais perto do ápice do prazer.
Cravo as minhas unhas nas costas e meus gemidos se
tornam quase incontroláveis, meu corpo estreme e eu não consigo
mais pensar em nada, apenas me entregar inteiramente a ele.
Quico no colo de Alejandro, um movimento quase
desesperado, tremendo à beira do êxtase. Deixo escapar um
gemido alto de entre os meus lábios, ele se contorce debaixo de
mim e então, sou eu quem chega lá primeiro, chamando o seu
nome, apertando os seus ombros com força.
Ainda frenético, Alejandro investe contra mim, consumindo
cada centímetro do meu ser e não demora para que ele, num
movimento obstinado, meta até o talo, buscando o alívio para o seu
próprio prazer.
Um som gutural escapa do fundo da garganta de Alejandro,
seu corpo forte e quente se entregando a onda de prazer. Por
alguns segundos, seu corpo se contrai sob o meu e ele goza de
novo, despejando o líquido quente dentro da minha boceta.
À medida que nossos corpos se acalmam, meus olhos
encontram os dele e eu sorrio com a conexão intensa que surge
entre nós.
— Vou proteger você — fala, de repente.
Franzo o cenho.
— Eu sei.
— Não vou deixar que ninguém machuque você.
Encosto a minha testa na sua, sem perder os seus olhos.
— Eu sei — murmuro com outras palavras entaladas na
minha garganta. — Eu confio em você.
Depois de me ouvir, Alejandro amassa meus lábios, me
prendendo num beijo suave e carregado de um sentimento que não
consigo descrever, mas eu sei que não importa o que aconteça, ele
vai me proteger e cuidar de mim.
Alejandro vai proteger meu coração.
Se eu não fosse um homem de moral duvidosa, eu já teria
contado a verdade à Pérola. Mas, eu sei que a notícia de que ela é
filha do meu tio Camilo com a sua irmã vai magoá-la e, também, vai
afastá-la de mim.
Sim, definitivamente, eu sou um cretino egoísta, porque não
vou permitir que isso aconteça.
Observo-a descansar sobre o meu peito, enquanto a cascata
de cachos está esparramada sobre mim. A respiração de Pérola é
tranquila e a paz em seu rosto adormecido me lembra o quão
vulnerável ela é.
Acaricio os seus cabelos suavemente, enfiando o segredo no
fundo da minha mente. Não sou burro, eu sei que, eventualmente, a
verdade vai vir à tona, porque as mentiras são como bombas-
relógios que ameaçam explodir a qualquer momento.
Mas, por enquanto, eu escolho mantê-la ao meu lado, mesmo
que eu tenha que esconder a verdade.
Então, deixo as preocupações e os segredos de lado, me
permitindo apenas desfrutar do calor do corpo de Pérola contra o
meu.
A garota se remexe contra os meus braços e deixa escapar
um gemido ao piscar devagar e abrir os olhos lentamente para me
encarar.
— Por que ainda está acordado? — questiona, sonolenta.
— Volte a dormir, Perrita. Não é nada.
Ela assente, manhosa.
— Alejandro? — me chama, voltando a fechar os olhos e se
aninhar no meu peito, contornando meu corpo com um dos braços.
— Hum?
— Eu te amo — sussurra, fazendo meu coração acelerar e eu
me sentir igual a porra de um adolescente.
Há um momento de silêncio entre nós.
— Perrita? O que disse? — pergunto, mas ela está dormindo
profundamente de novo.
Pérola me ama.
Para ser honesto, eu não pensei que abriria minha e a vida
de Giovanna para uma mulher algum dia, mas eu abri para a Perrita.
Talvez seja por causa da nossa ligação sanguínea, eu não sei.
No entanto, agora, eu a quero ao meu lado.
E ela ficará comigo.
Minha vida sempre esteve imersa em segredos e perigos, e
sem exceção, eu lidei bem com tudo. Por isso, eu sou capaz de
fazer qualquer coisa para proteger Pérola.
E o mais importante, vou mantê-la ao meu lado.
Não sei se sonhei ou se realmente disse as palavras, mas o
meu coração ainda está acelerado pela possível confissão que pode
ter escapado de mim enquanto eu dormia ontem à noite.
Que droga.
Como aquelas palavrinhas podem ter encontrado o caminho
até os meus lábios? Dizer que amo Alejandro é tão precipitado e
cedo, mesmo que não seja totalmente mentira.
Agora, o que me resta é a vergonha.
Sentados à mesa da sala de jantar, com o café da manhã
diante de nós, eu evito a todo custo olhar o homem à minha frente e
foco a minha total atenção em Giovanna, que vai para à aula daqui
a pouco.
Mal consigo comer, meu apetite despareceu completamente.
Sinto meu rosto esquentar ao perceber que Alejandro tem os
olhos fixos em mim e eu foco minhas vistas no meu prato.
— Senhor Alejandro? — Amparo chama ao surgir na sala de
jantar, um sorriso profissional desenhando o seu rosto enrugado. —
Desculpe interromper, mas sua mãe está ao telefone e quer saber a
que horas o senhor pode vê-la para acertar os detalhes sobre o
jantar do seu aniversário?
Jantar de aniversário?
— Diga que me ligue no celular — ele ordena.
Amparo pigarreia.
— Ela disse que ligou várias vezes, mas o senhor não atende
as ligações dela.
O homem suspira.
— Quando sair do escritório, eu passo lá.
Amparo concorda e se retira do cômodo. Finalmente,
encontro coragem para erguer os cílios para Alejandro e prendo a
respiração ao notar que o homem está com os olhos fixos em mim.
— Quando é o seu aniversário?
— Amanhã.
Assinto.
— Por que não me disse antes? Eu poderia ter comprado um
presente — murmuro e olho para Giovanna, que abre um sorriso
doce. — Depois da aula, me ajuda a escolher algo pro seu pai?
— Sim, ainda não comprei o meu presente. — Ela leva a
atenção para Alejandro. — Papá, me empresta o cartão de crédito
para comprar o seu presente?
Alejandro ri.
— Claro.
Giovanna desce da cadeira e sai da sala de jantar, falando
que vai escovar os dentes. Engulo em seco, evitando Alejandro.
— O que aconteceu? Mal tocou na comida.
Engasgo com a minha saliva.
— Nada, estou sem fome.
— Você mente mal, Perrita — devolve, um sorriso sacana
esticando seus lábios cheios.
Respiro fundo, tentando encontrar coragem para enfrentar a
situação. Devagar, eu elevo o rosto, olhando diretamente para ele.
Não vejo surpresa na sua expressão, apenas uma suave e estranha
ternura que faz meu coração bater mais rápido.
— Não sei o que dar de presente pra você — admito, minhas
palavras saem em um sussurro incerto.
— Eu quero você.
— Você já me tem.
Ele me observa por um momento, seus olhos intensos e
penetrantes cravados nos meus.
— Verdade, você já é minha.
Um sorriso tímido brota nos meus lábios e eu sinto um calor
reconfortante preencher o meu peito. Por incrível que pareça, suas
palavras têm o poder de acalmar minhas inseguranças.
— Compre um vestido elegante para ir ao jantar amanhã.
Será algo íntimo e simples, eu acho.
Raspo a garganta e esbugalho os olhos.
— Você quer que eu vá?
— Por que não iria no meu aniversário, Perrita?
Balanço a cabeça de um lado para o outro, negando.
— Não acho que seja uma boa ideia, Alejandro.
— Não vou deixá-la aqui sozinha. Se não for, eu cancelarei
tudo — resmunga e agarra a xícara de café para um gole. — E
minha mãe ficará furiosa.
Ah, merda!
E eu pensando que nunca usaria saltos altos.
Em frente ao espelho, eu contemplo meu reflexo.
Quem diria que aquela pobre garota que cresceu no campo
estaria tão linda como agora?
O vestido é longo e vermelho, ele abraça cada curva do meu
corpo e o decote profundo ressalta o formato redondo dos meus
seios. Meus cabelos estão soltos e os cachos grossos perfeitamente
definidos.
O batom vermelho destaca meus lábios, me deixando sexy
de uma maneira que nunca imaginei que poderia ser.
As joias caras que Alejandro escolheu para mim brilham no
meu pescoço e pulsos, dando um toque de elegância. Nos pés, um
salto alto que me faz sentir mil vezes mais alta e prestes a cair.
Enquanto me ajusto ao espelho, uma onda de insegurança
me atinge como um soco no meio da cara.
Será que estou à altura da família de Alejandro?
Será que consigo me encaixar nesse mundo de luxo e poder?
A porta do quarto se abre, dissipando meus pensamentos.
Minha respiração falha ao ver Alejandro entrar no cômodo e parar
atrás de mim, o calor do seu corpo irradiando para o meu.
Seu olhar é ardente e o rosto reflete o desejo e admiração
que sente ao me ver.
— O que acha? Ficou bom?
— É a mulher mais linda que eu já vi, Perrita — ele murmura,
sua voz rouca e quente, cheia de tesão.
Eu me viro para encarar Alejandro diretamente. O brilho no
seu olhar me faz sentir como se fosse a única mulher no mundo.
— Você está lindo.
As mãos dele tocam minha cintura, me puxando para mais
perto. O homem inclina a cabeça para roçar os lábios contra os
meus, enviando uma onda elétrica para o meio entre as minhas
pernas.
Gemo contra os seus lábios, quase me entregando, mas sou
forte o bastante para me afastar.
Pisco devagar e sorrio ao perceber que sujei a boca dele de
batom vermelho.
— Vai ter que retocar o batom — é ele quem diz, limpando os
cantos do meu lábio com o polegar e me arrancando um suspiro.
— E sua boca está suja — retruco, passando os dedos nos
lábios de Alejandro para amenizar a mancha de batom.
Giovanna entra no meu quarto de repente para perguntar se
eu estou pronta e embora ela saiba que estou namorando o seu pai,
meu primeiro instinto é me afastar de Alejandro.
E eu o faço tão rápido, que quase caio de bunda no chão,
porque me desequilibro em cima dos saltos altos.
Ele me segura pelo antebraço, roubando uma risada da
garota.
— Ah, entendi.... vou esperar lá embaixo, Perritos — fala com
um tom brincalhão e nos deixa sozinhos.
Encontro o olhar de Alejandro, que tem a testa franzida em
confusão.
— Ela acabou de falar Perritos? — ele questiona, oscilando a
atenção de mim para a porta, e eu começo a rir, incapaz de dizer
alguma coisa.

Ao entrar na mansão dos Navarro, eu sou rapidamente


envolvida por um mundo novo que me deixa sem fôlego.
Os mármores reluzentes do hall de entrada ecoam sob os
saltos altos dos meus sapatos e eu preciso me agarrar no braço de
Alejandro para não cair de bunda no chão, porque tudo me deixa
sem fôlego.
Giovanna está bem à vontade e logo se afasta de nós para
correr para os braços da família.
Ainda bem que Alejandro me obrigou a comprar um vestido
elegante para hoje à noite, porque o jantar íntimo do seu
aniversário, parece tudo, menos algo simples e honestamente, me
pergunto o que estou fazendo aqui.
Um grupo seleto de convidados conversa animados, usando
seus trajes elegantes e joias brilhantes que refletem a luz.
Garçons bem-vestidos circulam entre os convidados,
servindo pratos requintados que me dão água na boca.
A música ambiente é suave e envolvente, só que parece tudo
ensaio demais e algo me diz, que não combina muito com a família
calorosa e complicada de Alejandro Navarro.
Mas é claro, eu que não farei essa observação.
Olho para Alejandro ao meu lado, seu rosto másculo e
expressivo.
Tão lindo.
Ele me guia até os convidados, como se eu pertencesse ao
seu mundo de riqueza e poder.
— Uau, Pérola. Você está deslumbrante — Hortênsia fala ao
se aproximar de mim e me cumprimentar com um abraço apertado.
— Obrigada, mas sinto que não posso dar um passo sem o
braço de Alejandro ou vou cair de cara no chão.
— Mantenha os ombros para trás e a cabeça erguida,
contraia o abdômen. Isso ajuda a distribuir o peso do corpo. E
sempre lembre de pisar com a parte do meio do pé, passos curtos
são a chave — sussurra rápido ao meu ouvido.
— Obrigada.
Ela ri, depois vai abraçar o irmão, enquanto Mabel vem na
nossa direção. Ela está usando um vestido preto de alças finas e
com uma fenda na coxa esquerda, que é de deixar qualquer homem
de queixo caído.
Ao parar na nossa frente, me olha dos pés à cabeça.
— Linda — elogia e então, olha para Alejandro. — Eu disse.
Uma hidratação de cabelo e um banho de loja resolviam.
Uno as sobrancelhas em confusão.
— O quê? — balbucio.
— Menos, Mabel — Alejandro repreende a irmã ao abraçá-la.
Para a minha surpresa, Giovanna traz a dona Pilar para me
cumprimentar. Minha garganta fecha, ainda assim, abro um sorriso
para a mãe de Alejandro, que parece um pouco desconfortável com
a minha presença.
Alejandro troca um abraço e alguns palavras secretas com a
mãe e então, me leva até o avô, que está sentado no sofá, em
seguida, Santiago e Vicente se juntam a nós, e o único que está
visivelmente incomodado com a minha presença é Santiago.
Acho que ele não vai muito com a minha cara.
Também conheço Vitória, a viúva de Rafael. Ela é tão linda,
fico me perguntando se sabe os segredos que o seu marido
escondia.
O único familiar quem Alejandro mal deixou falar comigo é o
seu tio Camilo. O velho veio cheio de gracinhas para cima de mim e
o chefe do Cartel o cortou imediatamente.
— Camilo é um predador. Fique longe dele — é a única coisa
que Alejandro explica e as palavras vêm em um tom de ordem, é
claro.
Pego uma taça de espumante de um dos garçons que passa
por mim e levo o cristal até a boca para tomar um gole e quase me
engasgo com a bebida ao ver quem chegou.
Carmen.
Ela está acompanhada de um casal bem mais velho, que
suponho ser seus pais. Os olhos gélidos e carregados de desdém
são os mesmos. Sinto um calafrio percorrer a minha espinha
quando os três olham diretamente para mim.
— Alejandro — o homem fala ao andar até nós, um sorriso
falso desenhando o seu rosto enrugado. — Acho que meu convite
extraviou no meio do caminho.
— Eduardo — Alejandro diz entre os dentes, mas ainda
assim, cumprimenta o homem com um abraço rápido.
Carmen me dá um sorriso debochado, me analisando dos
pés à cabeça. E de repente, sinto que o vestido deslumbrante que
escolhi para a ocasião é inadequado e meu coração afunda contra o
peito por causa do julgamento silencioso dela.
— E quem é essa mulher de beleza... tão... robusta? — a
mulher ao lado de Carmen questiona e a expressão de desdém para
mim é a mesma.
— Minha mulher — Alejandro retruca e eu engulo em seco.
— Pérola Sanchez. — Ele nos apresenta. — Esses são Eduardo e
Valéria Ruiz, os pais de Carmen.
— Sua mulher? — Carmen devolve, cética.
Tento manter a minha compostura e abro um sorriso largo ao
estender a mão livre em cumprimento, apesar da tensão que se
instalou no ar.
— Eduardo, Valéria. — Pilar surge perto de nós e eu me sinto
tão grata, que eu daria um abraço de urso nela, se a mãe de
Alejandro também não me odiasse. — Sejam bem-vindos à minha
casa.
Gentilmente, ela os empurra para longe de nós e troca um
olhar intenso com Alejandro.
— Eu não os convidei — sussurra, sem desfazer o sorriso do
rosto e como uma boa anfitriã, faz sala para os convidados
inesperados.
Bebo todo o espumante de uma vez e rezo silenciosamente
para que a noite termine bem.

O inevitável acontece.
Alejandro precisa dar atenção aos seus convidados e se
afasta de mim, no entanto, eu não fico sozinha. Giovanna, Hortênsia
e por incrível que pareça, Mabel, se tornam o meu escudo.
— Achei que você não gostasse de mim — sou sincera com
Mabel, fazendo Hortênsia rir de leve.
— Mabel não gosta de ninguém — Hortênsia explica, fazendo
a irmã rolar os olhos de maneira exagerada.
— Quando eu achei que tinha matado o meu irmão, eu te
odiava. Mas agora que eu sei que é inocente, não tenho nada contra
você.
Sorrio.
— Justo — murmuro.
— Ela não para de olhar pra nós — Mabel comenta e sem
disfarçar, encara Carmen do outro lado da sala, que parece querer
me matar.
— Muita cara de pau aparecer sem ser convidada —
Hortênsia retruca.
— Quem não foi convidada? — Giovanna quer saber, mas
desconversamos e ela logo volta a atenção para o celular.
— Ela me odeia — falo baixinho.
— Claro — Mabel confirma. — Ela está na cola do meu irmão
há anos e perdeu pra você que chegou agora. Eu também te odiaria
por roubar o meu futuro homem.
Pisco devagar e assinto.
— Ah, certo — é o que eu digo.
Carmen some do nosso campo de visão e eu me sinto um
pouco mais aliviada em não ter os olhos invejosos dela em cima de
mim. Decido mudar de assunto e pergunto algo que talvez, ninguém
vá me responder.
— Encontraram o cara que eu desenhei?
— Ainda não, porque ele sempre está um passo à minha
frente. Só que, mais cedo ou mais tarde nós vamos nos encontrar.
Ele voltou pra Colômbia. E a coisa vai ser feia para ele.
Respiro fundo e sinto meu estômago embrulhar.
— Aonde fica o banheiro? — pergunto e é Hortênsia quem
me explica e eu giro nos calcanhares, rumando para a direção que
me orientou.
A mansão é imensa e eu facilmente me perderia aqui dentro.
Parece impossível que apenas uma família more aqui, mas moram.
Entro num corredor bem iluminado com candelabros e fotografias da
família pendidos na parede.
Sorrio ao ver os irmãos Navarro crianças ostentando uma
moldura que lembra ouro.
Talvez seja ouro.
Antes de chegar no fim do corredor, desacelero os passos ao
ouvir a voz de Carmen.
— ... o que o senhor quer que eu faça?
Eu sei que não deveria escutar a conversa dos outros, mas
sou incapaz de interromper ou mover meus pés para o caminho
oposto.
— Como foi que deixou isso acontecer, Carmen? — a voz de
Eduardo, o pai dela, é tão áspera, que arrepia os pelinhos do meu
braço de maneira ruim. — Você é realmente uma imprestável.
— Papai, por favor — Carmen sussurra, quase
choramingando.
— Engula o choro — surpreendo-me ao ouvir a mãe dela
ordenar.
— Anos e anos bancando os seus luxos e a única coisa que
você tinha que conseguir era se casar com Alejandro, mas perdeu
para uma mulher sem classe. Que inútil você é — Eduardo continua
a falar.
— Eu não tenho culpa, pai. Eu tentei de tudo.
— Não tentou — a mãe dela retruca. — Sabe o quanto seria
importante para os nossos negócios termos a família Navarro do
nosso lado? Se soubesse, teria tentado de tudo.
Carmen chora.
— Mãe, eu estou sofrendo, porque eu amo o Alejandro e ele
só tem olhos pra caipira.
— Não seja tola. Amor? — Valeria rebate.
— Nem pra seduzir um homem você serve, Carmen. Que
desperdício — o pai dela solta e as palavras soam como um
palavrão e então, num rompante, o homem surge no corredor, me
assustando. — O que está fazendo aqui, criatura? No campo não te
ensinaram que é feio escutar a conversa dos outros?
Meu coração bombeia alto dentro dos ouvidos, mesmo assim,
não abaixo a cabeça.
— Não acho que o senhor saiba alguma coisa sobre
educação para falar comigo — retruco, mantendo o queixo erguido.
Com um copo de cristal meio cheio de vinho, Carmen surge,
depois, a mãe também, ambas surpresas ao me ver. Junto do
marido, Valéria vai embora, me deixando sozinha com uma versão
frágil e delicada de Carmen que nunca pensei que conheceria.
— Por que você não some da minha vida? — a mulher
pergunta, arisca.
— Eu sinto muito — digo, fazendo-a rir com um tom
sarcástico, quase cruel.
— Agora sente pena de mim? Não seja ridícula, pobretona de
merda — devolve e para meu espanto, acerta meu colo com o vinho
antes de dar as costas para mim.
Incrédula e boquiaberta com a atitude infantil dela, procuro o
banheiro para me limpar. E nem mesmo depois de encontrá-lo,
consigo amenizar o estrago que Carmen fez em mim.
Morrendo de vergonha, eu volto para a sala onde todos os
convidados estão e faço esforço para ignorar os olhares em cima de
mim. Alejandro me encontra e franze o cenho ao ver meu vestido
molhado.
— O que aconteceu com o seu vestido, Perrita?
— Pode me levar embora? — peço.
Mabel se junta a nós, afobada e excitada. Estreita o olhar
para o meu vestido e eu nego com a cabeça ao abanar com a mão,
pedindo em silêncio para deixar o assunto pra lá.
— Encontramos o Leonardo. Que tal esse presente de
aniversário, maninho?
Um brilho devasso e doentio se apodera dos olhos intensos
de Alejandro e o homem esquadrinha o meu rosto.
— Vá, você precisa ir — digo, compreensiva, embora tudo
que eu queira é ficar com ele no momento. — Martín me leva com
Giovanna.
Ele toma o meu rosto entre as duas mãos e me dá um beijo
suculento antes de se fastar e falar com Giovanna, que também é
compreensiva e ergue os olhos curiosos para mim, sorrindo de
maneira genuína.
Observo Alejandro atravessar a porta e me sinto deslocada
no meio da sala da mansão Navarro, rodeada de pessoas ricas que
eu não conheço. Sinto um alívio imediato quando Giovanna corre
para mim e segura minha mão, depois, Martín surge e se aproxima
de nós e informa:
— Senhoritas, vou levá-las para casa.
Mabel é esplêndida.
Se as coisas no nosso mundo fossem mais modernas, ela
seria meu braço direito. Não tenho dúvidas de que ela governaria o
Cartel de Santa Fé com punho de ferro e seria uma excelente
Patrona.[31]
E eu sei que Santiago morreria de raiva se me ouvisse falar
algo assim em voz alta.
Minha irmã liderou bem a missão de encontrar o assassino
de Rafael. Santiago esteve no seu encalço o tempo todo, mas ela
fez a maior parte do trabalho sozinha, porque é um pouco
individualista e está sempre querendo mostrar que é capaz de fazer
o trabalho dos homens.
Para ser honesto, ela quer provar para o nosso abuelo que
substituiria qualquer soldado dentro da organização, já que ele é o
único que não concorda com a sua participação ativa em algumas
atividades.
Para mim, Mabel não precisa provar nada, porque eu sei que
ela é capaz de qualquer coisa.
No galpão frio e com pouca luz, nós nos reunimos ao redor
do homem amarrado em uma cadeira velha. Eu trouxe todos
comigo. Hortênsia, Vicente, Santiago e Mabel. Exigi que todos
viessem para encarar o homem que causou tanta dor à nossa
família.
E agora, diante de nós, Leonardo está à nossa mercê.
Eu o encaro com uma intensidade fria, enquanto minha
mente viaja de volta a um passado recente.
Exatamente para a noite em que recebi a notícia da morte de
Rafael. Exatamente para a maldita dor que eu e minha família
sentimos ao perdê-lo.
Mabel se desfaz dos saltos altos e entrega a um dos
soldados, que mesmo cerrando o maxilar, segura.
— Cadê a minha maleta? — questiona, sem desviar a
atenção de Leonardo, que está amordaçado.
— Lá vai ela se exibir — Santiago reclama.
— Deixe a garota se divertir um pouco — devolvo e pela
visão periférica, noto Vicente endurecer.
É a primeira vez que eu o obrigo a ver uma tortura de perto.
Quando me tornei o Patrón, há dezessete anos, ele tinha apenas
dez anos. Sempre foi um garoto muito inteligente e quando me
pediu para cursar direito em Madrid, eu deixei.
Mas, agora, eu quero que ele conheça quem somos de
verdade.
Que faça parte da nossa família.
Um soldado entra no galpão trazendo a maleta de Mabel. Ele
para em frente dela e abre, exibindo um conjunto variado de facas
de arremesso. Com um sorriso perverso, minha irmã agarra uma,
passando o indicador na lâmina afiada.
— Do jeito que eu gosto — murmura e com os pés descalços,
se afasta da cadeira, e, de repente, gira o corpo, encarando o
Leonardo completamente indefeso. — Vamos brincar, gatinho.
Os olhos de Mabel brilham com determinação, enquanto se
fixam no alvo à sua frente. Com um movimento fluído e controlado,
ela se posiciona, sorrindo vitoriosa, como se já tivesse acertado o
inimigo mesmo antes de lançar a faca.
Contrastando a aparência delicada, ela segura a faça de
arremesso, sabendo exatamente que o objeto responderá ao seu
toque.
Mabel estreita os olhos, calculando o alvo e então, o braço
sobe um pouco e ela lança a faca afiada num gesto rápido e
preciso, acertando o ombro de Leonardo.
Ele geme de dor, o que parece satisfazer minha irmã.
— Quantos furos será que você aguenta? — pergunta,
agarrando outra faca e todos nós observamos o pequeno show de
Mabel.
Com um impacto suave, ela acerta outra faca nele, que se
crava no braço. Ele tenta gritar de dor e se remexe na cadeira,
tentando escapar. Mabel sorri satisfeita e continua atirando facas em
Leonardo, furando seu abdômen e canelas.
— Satisfeita? — Santiago quer saber.
— Ainda não — Mabel grunhe.
Respiro fundo e intercepto minha irmã, antes que pegue outra
faca. Se ela continuar furando o alvo, ele vai sangrar até morrer e
não vou ter tempo de ter uma conversa com ele.
— Já chega — ordeno.
Ela revira os olhos, mas obedece.
Faço um gesto com a mão para que tirem a mordaça da boca
de Leonardo e um dos homens pega a ordem no ar. Quando está
com a boca livre, as primeiras palavras que jorram de seus lábios
são insultos.
— Vocês são todos doidos! — esbraveja.
— Por que matou o meu irmão? — pergunto, cravando meus
olhos nos seus, sentindo uma mistura de raiva complexa e desejo
de vingança bombear o meu coração.
Ele chora e fico surpreso, porque parece arrependido.
— Não vão acreditar em mim.
— Tente — exijo.
— Foi um acidente. Eu amava Rafael. Eu amava — admite,
deixando Santiago tão furioso, que meu irmão retira uma das facas
de arremesso do seu ombro e enfia em um de seus olhos,
arrancando-o, fazendo Hortênsia curvar o corpo e vomitar.
Ela sempre soube o quão cruéis nós somos com os inimigos,
mas diferente de Mabel, ela é a nossa princesa e nunca presenciou
os atos brutais que fazemos na calada da noite.
— Meu irmão não era gay! — Santiago berra.
Leonardo chora, grita de dor e ri ao mesmo tempo.
— Sim, ele era. E me amava também. Vai, arranca meu outro
olho — provoca e Vicente segura Santiago para que não faça
exatamente isso.
— Por que matou meu irmão? — questiono novamente,
girando uma das facas cravadas em seu braço, arrancando gemidos
de dor do infeliz. — Prometi uma vingança de sangue à minha
família. Sabe o que isso significa, não é?
— Não! Por favor. Não! — implora. — Existe gente inocente
na minha família, por favor, não faça isso.
— Eu não me importo. Toda a sua família vai pagar pelo seu
erro. É isso que acontece quando você mexe com um Navarro —
grunho, girando a faca mais uma vez.
Leonardo se esgoela de dor e desespero.
— Foi um acidente! Foi um acidente! Eu amava o Rafael.
— Como aconteceu? Ele poderia ter sacado a arma, mas não
o fez — argumento ao endireitar a postura.
— Eu queria que ele fugisse comigo. Queria que vivêssemos
uma vida diferente, longe de tudo. Longe de vocês. Ele terminou
comigo e eu saquei minha arma, mas nunca tive a intenção de
matá-lo de verdade. Eu juro.
— Cale a boca ou vou cortar a sua língua — Santiago grunhe
e eu faço um gesto com a mão, exigindo que se acalme.
— Sabe, Leonardo? Talvez você amasse mesmo o meu
irmão e estou quase acreditando que não teve a intenção de matá-
lo, no entanto, você o fez. Matou o Rafael e o deixou lá, sozinho, no
meio das plantações com a boca cheia de formiga, como se fosse
um nada. Um pedaço de merda. Por isso, você sofrerá do mesmo
jeito. Sofrerá por todos nós. Sofrerá por toda a minha família.
Endireito o meu corpo, sem desviar a atenção do assassino
do meu irmão.
— Vamos começar.
São as únicas palavras que eu preciso dizer para que um dos
meus capangas saia do galpão e volte meio minuto depois,
empurrando uma mesa de aço inox com seringas, alicates, tesouras
e arames.
Leonardo se remexe na cadeira, tentando se libertar.
— Rafael odiaria vocês se estivesse vivo. Ele me amava.
— Meu irmão não pode me odiar, porque você o matou —
grunho, encarando-o com veemência.
Entre lágrimas, ele berra:
— Foi um acidente!
— Nunca devia ter sacado a sua arma, Leonardo.
É a única coisa que eu digo a ele, em seguida, me aproximo
da mesa de inox e com cuidado, escolho uma seringa de aspecto
peculiar, mas resistente a produtos químicos corrosivos. Ela é longa
e fina, revelando uma composição translúcida, na extremidade, uma
agulha de aço inoxidável.
Repouso o polegar sobre o êmbolo e abro meio sorriso para
Leonardo ao cortar a nossa distância em passos precisos.
— O que é isso?
Sem responder a sua pergunta, enfio a agulha na sua coxa e
injeto o ácido sulfúrico em Leonardo, o fazendo gritar de dor e se
contorcer enquanto baba.
— A dose é pequena, mas vai te queimar de dentro pra fora.
Leonardo chora.
— Não acredito que você era irmão de Rafael, ele era
diferente de vocês.
Irritado com as palavras que saíram da boca dele, Santiago
pega mais uma seringa e perfura o seu braço, arrancando um grito
de dor alto do homem, que faz Hortênsia vomitar novamente.
— Pode me torturar o quanto quiser, nada vai apagar o fato
de que Rafael e eu nos amávamos — Leonardo fala, chorando de
tristeza e dor.
— Não tenho a pretensão de apagar nada, Leonardo, eu
apenas quero fazer você sofrer.
Ele balança a cabeça.
— Foi sem querer.
— Você matou o meu irmão. Matou Pedro Acevedo e foi atrás
da Pérola. Você fez tanta gente sofrer.
— Eu sei.
— E eu sei, mas... — a frase dele se perde no ar.
Ergo uma sobrancelha.
— Mas o quê?
— Me mata logo.
— Não, eu estou apenas começando. Vou queimar cada
centímetro da sua pele, de dentro pra fora. Vou machucar tanto
você, Leonardo, que no fim, não vai ter mais voz para gritar de dor.
Ele engole em seco e deixa os ombros caírem.
— Não queria que meu irmão soubesse que sou gay. Por isso
eu matei o Pedro e o culpei. Falei pro Ramiro que Pedro matou
Rafael e tentou me culpar. Foi uma mentira absurda, mas ele
acreditou.
Cerro os dentes.
— Covarde.
— Ele teria me castrado se soubesse que eu sou gay.
— Eu devia fazer isso — rebato.
— Eu não ia meter Pérola no meio, mas ela ligou para o
Pedro e meu irmão ouviu a mensagem que ela deixou na caixa de
voz do garoto, porque eu sou burro e fiquei com o celular dele.
Leonardo faz uma pausa e eu fico em silêncio, exigindo que
continue.
— Ele... ele só precisou de algumas ligações para saber que
Pérola é uma Navarro e... — Sacode a cabeça de um lado para o
outro, atordoado. — Meu irmão criou uma história dentro da própria
cabeça e eu dei corda para esconder o meu segredo.
— Como assim, Pérola é uma Navarro? — é Mabel quem
questiona, parando ao meu lado.
— Ela é filha do tio Camilo — é o que digo, chocando a todos
na sala, menos Leonardo, porque ele já sabia.
— Ramiro se convenceu de que Pedro matou Rafael e Pérola
também está envolvida. Ele quer culpar alguém por vocês estarem
atrás de mim, como não pode bater de frente com vocês, meu irmão
vai acabar com ela.
Sinto o coração afundar contra o peito.
— O quê? — grunho.
— Ele deve estar indo atrás dela agora. No seu apartamento.
— Aquele puto mentiu, Alejandro — Santiago resmunga.
— Por que eu mentiria? Vocês vão me matar de qualquer
jeito.
Com a fúria martelando nas têmporas, eu pego o arame em
cima da mesa de inox e enrolo no pescoço de Leonardo, que
esbugalha os olhos, assustado. Sem que eu tenha pedido, Santiago
vai para o ouro lado, pegando a ponta para me ajudar.
— Cabo de guerra? Como nos velhos tempo? — Santiago
provoca com um sorriso doentio estampado no rosto.
— Sim.
Com força, eu puxo o arame contra mim, do outro lado,
Santiago faz o mesmo, colocando a potência necessária para
decapitar a cabeça de Leonardo.
Rápido, Mabel se move para trás do assassino de nosso
irmão e agarra suas têmporas com as duas mãos, aplicando uma
pressão insuportável. Com um movimento preciso, ela enfia o
polegar no único olho restante de Leonardo, arrancando-o com
brutalidade.
O ar fica pesado enquanto eu e Santiago nos envolvemos em
um cabo de guerra mortal, brincando com a vida de Leonardo, o
homem que causou tanta dor a nossa família.
Com todas as minhas forças, puxo o arame na minha
direção, consciente de que a cabeça de Leonardo está por um fio.
Um grito de dor ensurdecedor irrompe dos lábios de
Leonardo e ele se contorce em agonia. O arame cortante dói em
minhas mãos, mas não o solto e nem Santiago o faz. Colocamos
mais força e então, a cabeça de Leonardo se separa do pescoço,
sujando o vestido de Mabel de sangue.
Respiro fundo e ofegante, satisfeito com o resultado.
— Você sabe o que fazer — digo a Mabel, que abre um
sorriso amplo.
— Acabarei com todos da família dele — garante, chutando a
cabeça de Leonardo para longe.
Vicente está impassível, nos encarando, enquanto Hortênsia
está chocada e assustada com a brutalidade que acabou de assistir.
— Leve-a para casa, Vicente — dou a ordem e meu irmão
assente, sem reclamar. — Hortênsia está em choque.
— Eu... eu... tô bem — Hortênsia balbucia, atordoada.
— Vá — ordeno de novo e eles saem juntos, Vicente
abraçando-a com carinho.
— Vai atrás de Pérola?
— Sim.
— Acreditou nele? — Mabel quer saber.
— Com certeza. Vou pra casa ver como minhas garotas
estão.
Meu olhar se fixa na saída do galpão.
Pérola e Giovanna estão no apartamento. Deixei Martín com
elas, mas eu preciso voltar pra casa, não posso permitir que elas
fiquem em perigo.
Eu vou protegê-las a todo custo.
Ainda não consigo entender como uma garota tão pequena
sabe tanto sobre computadores e afins. É como se Giovanna tivesse
um manual embutido dentro da sua cabecinha fértil.
Sentadas no chão, de frente para a mesinha de centro feita
em vidro, o silêncio é interrompido apenas pelas palavras tranquilas
de Giovanna enquanto me mostra os segredos do mundo virtual.
— ... e aqui, você consegue verificar as câmeras de
segurança do elevador privativo, do estacionamento e do corredor lá
fora.
Pisco, embasbacada.
— Como sabe tanto sobre essas coisas?
— Martín me ensinou. Ele disse que tenho que ficar atenta
sempre. E se encontrar algo estranho, ligar imediatamente para o
papai. Ou para ele.
Suspiro.
— Uau.
— E tem mais. Se eu apertar esse botão. — Giovanna aponta
para uma tecla do notebook. — As imagens vão direto para o celular
do papai. Enviam um tipo de alerta. Ou algo assim.
Enquanto ela continua a me ensinar, eu fico cada vez mais
impressionada com a sua esperteza. Tão novinha e acho que
nasceu com um dicionário cravado dentro do pequeno cérebro.
Ela abre a boca, bocejando.
— Tá ficando tarde, é melhor ir escovar os dentes e depois,
cama — ordeno, fazendo-a enrugar a testa em protesto.
— Não. Quero esperar o papá chegar.
— Talvez ele demore.
Giovanna boceja novamente, dessa vez, eu faço o mesmo,
contagiada pela garota. Chamo Amparo, que surge na sala sem
reclamar, o que me surpreende, para falar a verdade, e leva a
menina para o andar de cima.
Por causa do jantar de aniversário de Alejandro, ele
dispensou todas as funcionárias e a única na casa é a Amparo,
porque a mulher é quase como um cão de guarda, mas estou
aprendendo a lidar com ela.
Sozinha em frente ao computador, tentando lembrar das
coisas que Giovanna me ensinou, acabo pensando em Carmen e na
sua atitude infantil de jogar vinho no meu vestido.
No fundo, eu devo ser muito idiota, porque nem consigo
sentir raiva dela por ter feito algo assim comigo. Com aqueles pais
que ela tem, até eu teria crescido amargurada e esnobe.
Difícil ser uma pessoa boa em um lar sem amor. E
definitivamente, não acho que Carmen conheça o amor da forma
como eu conheço.
Distraída por causa dos meus pensamentos, nem sei o
momento exato que acontece, mas ao voltar os olhos para a tela
colorida do computador, percebo algo estranho nas câmeras de
segurança.
Do jeito que Giovanna me ensinou, uso os dedos para
arrastar a seta até a câmera pequena e ampliar. Meu coração gela e
a respiração fica presa na garganta ao ver Martín caído,
desacordado, e um homem estranho usando balaclava e com as
mãos sujas de sangue dentro do elevador privativo.
— Já escovei os dentes, mas não quero dormir agora.
Podemos ver um filme? — ouço a voz argumentativa de Giovanna
atrás de mim.
Num rompante, eu me levanto do chão e corro até Giovanna,
que arregala os olhos apreensiva.
— Vá para o quarto e se esconda. Tranque a porta. Rápido.
Rápido — digo e ela fica sem entender, mas eu a giro, forçando a
subir as escadas novamente.
Amparo nos observa, a expressão de confusão estampa em
seu rosto.
— Se escondam. Rápido! — digo entre os dentes, o coração
subindo até a garganta. — Amparo proteja a Giovanna.
A mulher parece entender o meu desespero e desce as
escadas correndo, segura os braços de Giovanna e a arrasta para o
andar de cima. Corro para a cozinha, procurando qualquer objeto
afiado dentro das gavetas do armário para nos defender.
Encontro uma faca de cutelo e a minha mão treme ao agarrar
o cabo, mas ainda assim, eu caminho para a sala, me escondendo
detrás da coluna grande de mármore que separa os cômodos.
O silêncio é quase ensurdecedor e quando ouço a porta do
apartamento se abrir, um nó aperta no meio do meu estômago.
— Alguém em casa? — a voz do homem soa pelo cômodo e
eu fico quieta, inclino a cabeça e observo as suas costas. — Eu sei
que tem alguém em casa. Caso contrário, o grandão lá embaixo não
teria lutado tanto.
Quando ele ameaça subir as escadas, meu coração acelera
descompassado com a ideia de ele chegar perto de Giovanna,
então, eu dou um passo para fora do meu esconderijo, com a faca
em riste.
— Quem você?
Lentamente, ele gira nos calcanhares e, então, retira a
balaclava, jogando-a no chão antes de olhar diretamente nos meus
olhos, um sorriso frio e calculista desenha os seus lábios.
— Oi, Pérola Sanchez — ele diz, dando um passo para
frente. Um brilho perverso dançando pelos seus olhos. — Ou devo
te chamar de Pérola Navarro?
— O que você quer?
— Não é óbvio?
Meu coração parece querer escapar do meu peito e minhas
mãos tremem tanto, que tenho medo de dar mais um passo para
frente e derrubar a faca. Mas, não posso recuar, tenho que me
manter firme e proteger Giovanna e Amparo.
Preciso nos proteger.
— O que você quer?
— Eu quero você.
Ele se aproxima com passos lentos e calculados, seu olhar
gélido perfurando o meu. A adrenalina pulsa nas minhas veias ao
mesmo tempo em que me preparo para atacá-lo com todas as
minhas forças.
Infelizmente, antes que possa fazer algum estrago nele, o
homem segura o meu pulso com tanta força, que eu gemo de dor e
o cutelo cai no chão, o barulho ecoando por todo o apartamento.
— Não seja idiota, Pérola. Nem se fizesse esforço
conseguiria me ferir. É apenas uma presa indefesa.
— Vai se ferrar — grunho e cuspo no seu rosto, deixando-o
furioso. Ele me dá um tapa tão forte, que eu caio de joelhos no
chão. — Não sou como os Navarro. Mulher pra mim só serve pra
foder e dar filhos. Não passam de cadelas.
Preparo-me para xingá-lo, mas o cretino puxa os meus
cabelos e me força a ficar em pé.
— Aquele maldito desenho que você fez sentenciou o meu
irmão a morte. Agora estamos fodidos por sua culpa — fala com
tanto ódio que demoro um pouco para entender a situação.
Ele é o irmão do Leonardo.
— Agora, essa família maldita está atrás dele e tudo é culpa
sua. Só que adivinha, gracinha? Nós estamos atrás de você —
provoca, puxando meu cabelo para trás com força. — Olho por olho
e dente por dente. Vou te fazer sofrer por ter colocado meu irmão no
meio disso tudo.
— O quê? Eu não fiz nada.
— Não se faça de burra! — grita. — Eu sei que tudo isso não
passa de um plano seu.
— Do que você tá falando?
— Tá me fazendo perder a paciência.
— Foi Leonardo quem matou Rafael.
Ele me gira para buscar os meus olhos e a mão livre coberta
de sangue agarra o meu queixo, espremendo com força.
— Não. Quem mantou Rafael foi o seu amigo, o Pedro. Meu
irmão me contou tudo. Eu não sei qual é o seu plano de merda,
Pérola, mas vai pagar por ter nos colocado no caminho dos Navarro.
Enrugo a testa, incrédula.
Que história Leonardo contou para o irmão?
— Pedro não matou ninguém.
— Ah, não? E quem foi? — retruca, rindo histérico.
— Leonardo — repito.
— Para de falar merda, vagabunda. Por que meu irmão
mataria Rafael? — rebate, mas algo me diz que nem mesmo ele
está acreditando nas próprias palavras.
— Você não sabe o que aconteceu — disparo, minha voz
firme, mas ainda assim, meio trêmula. A tensão no ambiente é
quase palpável. — Ele não te contou a verdade — decido arriscar.
— Cala a boca! — ele grita e solta o meu rosto, apenas para
me acertar uma bofetada que me faz sentir gosto de ferrugem na
boca.
— Seu irmão é gay — solto de uma vez, sem me importar o
quão louco ele possa ficar com a nova informação. — Ele amava
Rafael e queria fugir com ele. Queria fugir de você. Queria fugir da
vida que vocês levam.
Ele fecha uma das mãos em punho e respira fundo,
expandindo as narinas.
— Pare de mentir ou eu vou cortar você em pedacinhos.
— Por que ele estaria na fazenda no dia da morte do Rafael?
Não seja burro. Você não quer enxergar a verdade. No fundo sabe
que o seu irmão é gay.
O cretino me arrasta pelo cabelo até o meio da sala e eu
tento me soltar dele, infelizmente, é em vão.
— Não fale merda do meu irmão, sua puta!
— É a verdade. Ele mentiu pra você.
— Meu irmão não é bicha — grunhe entre os dentes, e há
tanta raiva nele, que me faz estremecer.
Ele monta em cima de mim, colocando todo o seu peso sobre
o meu corpo e envolve as mãos ao redor do meu pescoço, enquanto
um sorriso cínico desenha o seu rosto horrendo, arrepiando a minha
espinha.
Conforme ele vai apertando, fechando os dedos em torno da
minha garganta, meus músculos tensionam e o peito dói. Minha
visão fica turva e os sons ao redor ficam cada vez mais abafados ao
mesmo tempo em que meu coração parece bater numa intensidade
avassaladora.
Esperneio e tento me soltar das suas mãos, uma tentativa
inútil e inalcançável de escapar dele.
As forças vão se dissipando do meu corpo e a dor em meu
peito vai ficando cada vez mais lancinante, impossível de suportar.
Estou quase cedendo e desistindo, pedindo desculpas em
silêncio ao papai e a Safira, mas de certa forma aliviada por
Giovanna estar segura, quando ouço tiro sobre tiro e as mãos no
meu pescoço afrouxam no mesmo instante em que um líquido
quente toca o meu rosto.
Ele cai para o lado e eu começo a tossir, me esforçando para
recuperar o fôlego. Me arrasto para longe dele e demoro alguns
segundos para sentir minha visão voltar ao normal.
Mãos firmes e familiares tocam o meu rosto, buscando os
meus olhos e ao erguer os cílios, encontro Alejandro.
— Perrita...
— Alejandro — minha voz sai fraca.
Ele pega um lenço branco de dentro do terno e passa no meu
rosto, e só então noto que o líquido quente que caiu em mim é
sangue. Olho por cima do ombro e sinto ânsia de vômito ao ver a
cabeça do homem deformada por causa de vários tiros.
— Não olhe — ordena.
— Giovanna... — balbucio.
— O que aconteceu?
— Ela está escondida no quarto. Ela e Amparo — digo e os
olhos de Alejandro brilham com uma comoção que não consigo
compreender. — Preciso ir lá.
Alejandro me ajuda a ficar de pé e ao olhar o redor, vejo que
há homens espalhados por todo o apartamento.
— Martín? Ele está bem?
— Ele vai ficar — Alejandro fala, me guiando para a
escadaria.
— Pérola! — Giovanna grita ao me ver e vem correndo para
mim, envolvendo os braços na minha cintura, enterrando o rosto na
minha barriga e caindo no choro. — Pensei que tivesse perdido
você.
— Eu estou bem, querida.
Faço carinho em seus cabelos macios, em seguida, seguro
seu rosto entre as mãos e limpo as suas lágrimas.
Giovanna vai de mim para Alejandro, que a pega no colo e
esconde o seu rosto propositalmente para que não veja o homem
morto na sala de estar. Eu e ele trocamos um olhar em silêncio e eu
assinto antes de subirmos as escadas.
— Vai ficar tudo bem, querida. Papai chegou e eu vou
proteger vocês duas — ele fala, assumindo o controle da situação,
como sempre faz.
Ouvir Alejandro Navarro dizer que vai nos proteger faz o meu
coração aquecer. Giovanna sempre será a sua prioridade e não há
nada de errado nisso. Para ser honesta, hoje, ela foi a minha
também.
Mas eu sinto que agora, eu sou prioridade de Alejandro
também.
Ele lança um olhar cheio de preocupação para mim e uma de
suas mãos encosta na base da minha coluna de maneira protetora e
possessiva, me guiando sobre os degraus até o corredor.
Nunca imaginei que meu destino se entrelaçaria de uma
maneira tão avassaladora com um homem, ainda mais um que é o
chefe de uma organização criminosa. Mas, eu sinto que apesar do
perigo, nós dois estamos mais unidos do que nunca.
Dias depois...
Nenhuma vingança de sangue trará meu irmão de volta, mas
a sensação de ter feito algo para vingá-lo é compensadora pra
caralho e esse sentimento ficará dentro de nós até sermos
enterrados a sete palmos do chão.
Com as coisas resolvidas em relação a morte de Rafael,
Pérola está pensando em voltar para Verdellano. Não gosto da
ideia, ainda mais porque o meu tio Camilo decidiu ficar uns tempos
na cidadezinha e lógico, o pai de Pérola me odeia.
Muito mais fácil mantê-la aqui, longe de todas as pessoas
que podem interferir na nossa relação, mas eu sei que ela está com
saudades de casa e por mais que meus instintos estejam em alerta,
gritando para dizer não a Pérola, sou incapaz de negar o seu
pedido.
Por outro lado, Giovanna, parece preocupada com a ida dela
e estou contando com a minha pequena princesa para fazer a
Perrita mudar de ideia.
— E se você for e não voltar mais? — Giovanna levanta o
questionamento durante o jantar. — Acho melhor você ficar aqui
com a gente.
Assinto, concordando com ela.
Pérola raspa a garganta e arqueia uma sobrancelha
desafiadora para mim.
— Eu vou voltar. Eu prometo.
— Mas e se não quiser voltar? — minha filha insiste e eu
observo Pérola, esperando uma resposta também.
— Eu quero voltar... pra vocês.
Giovanna prensa os lábios.
— Eu posso ir com você? Assim é mais garantido que você
volte pra cá — ela sugere e eu curvo os lábios, orgulhoso da sua
esperteza.
— Não. Você tem aula.
Giovanna hesita, preocupada com a escola e as suas
responsabilidades, mas suas preocupações duram apenas alguns
segundos.
— Sou uma das melhores alunas da classe. E a gente volta
logo, não é?
— Sim, mas... — Pérola perde as palavras e fica quieta,
refletindo.
— O que você acha, papá? Pode vir com a gente também?
— Giovanna pergunta, animada demais.
Não estou a fim de ir para a fazenda, mas, por outro lado,
ficarei perto da Perrita e da minha filha, e, também, será mais fácil
manter o tio Camilo longe do que é meu. Então, eu dou a minha
palavra final:
— Acho uma excelente ideia.
Os olhos de Giovanna brilham de alegria, e ela arrasta a
cadeira para longe da mesa e desce, em seguida, corre para fora da
sala de jantar, avisando que vai fazer as malas para a viagem.
— Alejandro... — ela murmura, suspirando. — Ela não pode
perder aula assim — emenda, realmente preocupada com a
educação acadêmica da minha filha.
— Giovanna vai ficar bem.
Ela anui, mordendo os lábios.
— Sabe que vai ser difícil pra eu voltar, não é? Meu pai e a
Safira vão fazer uma confusão.
— Ninguém vai me impedir de ver você, Perrita — digo, o tom
mais áspero do que eu esperava.
— Eu sei, mas eu preciso conversar com o meu pai sobre a
faculdade e tudo mais. Não acho que ele vai aceitar que eu venha
morar aqui com você assim, sem mais e nem menos. Ele é um
velho à moda antiga.
Agarro a taça de vinho e levo o cristal até os lábios, tomando
um gole generoso.
— Então casa comigo.
Lanço um olhar inquisitivo para ela, que engasga com a
própria saliva.
— Para de brincadeira.
— Estou com cara de quem está brincando, Perrita?
— Não acha que é cedo demais? — murmura, as bochechas
corando e os olhos brilhando para mim. — Não vai se arrepender?
Abro um sorriso para Pérola.
— Vem cá — ordeno.
Ela arreda a cadeira para trás e ajeita o vestido, que abraça
de maneira deliciosa as curvas salientes do seu corpo. Quando
chega perto o suficiente, eu a puxo para sentar no meu colo,
encaixando-a de maneira perfeita em mim.
— Perrita, eu tenho quarenta anos e uma filha de sete. Quero
aproveitar o tempo que me resta comendo a sua boceta e fazendo
você gozar no meu pau. Não tenho tempo pra desperdiçar. Você é
minha e será minha esposa, agora ou mais tarde. Por que eu me
arrependeria disso?
Meu olhar contra o dela é firme, cheio de determinação.
Há um momento de silêncio e então, ela sorri, um sorriso
radiante e cheio de amor.
— Sim — sussurra ao envolver as mãos no meu rosto e
encostar os lábios nos meus, selando o nosso compromisso.
— Vou comprar um anel.
Ela ri de um jeito meigo, balançando a cabeça de um lado
para o outro.
— Já?
— Eu devia estar com um anel agora, mas fiz o pedido
desprevenido — resmungo e ela estreita os olhos para mim,
desconfiada.
— Por que me pediu em casamento? Pra ter a certeza de
que eu vou voltar? Pra matar meu pai do coração? — zomba, mas
algo me diz que ela quer ouvir algo a mais e eu sei o que é.
Por que eu a pedi em casamento?
Simples.
Porque eu a amo.
— O que acha? — murmuro, esquadrinhando o seu rosto. —
Você lembra do que disse pra mim?
— Quando?
— Quando estava meio dormindo.
As bochechas dela ruborizam, mas assente.
— Achei que estivesse sonhando.
— Diz de novo — ordeno, fazendo-a arfar. — Quero ouvir
você falar olhando nos meus olhos.
Pérola umedece os lábios e solta um leve suspiro antes de
fazer o que eu mando.
— Alejandro... eu te amo.
Entrelaço a mão nos seus cabelos da nuca e trago o seu
rosto para mais perto de mim, enfio a língua dentro da sua boca e a
prendo num beijo, roubando um gemido manhoso da minha garota.
— Eu também te amo, Perrita. Eu também te amo —
sussurro contra os seus lábios, com a sensação de que sou incapaz
de viver sem ela.
O carro de Alejandro desliza suavemente pelas ruas
familiares de Verdellano. O ar fresco da região rural entra pelas
janelas abertas, fazendo-me fechar os olhos por um momento e
aproveitar a sensação.
É tão bom estar de volta.
O entardecer pinta o céu com tons de laranja e rosa, e a
paisagem ao redor é uma mistura de campos verdes e plantações
de café.
À medida que nos aproximamos do centro da cidadezinha,
meu coração acelera. Estou morrendo de saudade da minha família,
mas sei que papai vai pirar quando ver o anel extravagante de
diamante que Alejandro colocou no meu dedo como sinal de que
pertenço a ele.
Alejandro dirige com tranquilidade, mas uma vez ou outra o
seu olhar se fixa em mim, como se estivesse estudando as minhas
reações.
Chegamos de Bogotá e fomos direto para à Fazenda
Navarro, para deixar Giovanna descansar. Para a minha surpresa,
Pilar veio conosco e acho que está começando a gostar de mim ou
eu estou vendo coisas.
De qualquer forma, ela foi gentil.
Quando chegamos na mansão, o avô de Alejandro também
estava lá, o que não me surpreende. Embora ele não seja muito
sociável, ele sempre gostou da calmaria da fazenda.
Bom, é o que as pessoas falam na cidade.
O tio de Alejandro, o Camilo, também estava lá, junto da
esposa, mas o homem se manteve há metros de distância de mim,
embora estivesse visivelmente curioso sobre o anel brilhante que
descansa em meu dedo.
Conforme entramos no centro, sorrio ao perceber que tudo
está igual, do mesmo jeitinho de quando eu fui para Bogotá. A ruas
familiares, as lojas locais e os rostos sorridentes dos moradores,
tudo exatamente igual.
Alejandro estaciona o carro na frente do pequeno bar do meu
pai. As portas estão abertas, mas ainda não há movimento no
estabelecimento.
— Obrigada por me trazer, Alejandro.
Seu olhar profundo e caloroso encontra o meu, e ele inclina
um pouco o corpo para beijar os meus lábios.
— Volta pra mim, Perrita.
Engulo em seco e sem saber o motivo, meu coração aperta.
— Claro que vou voltar.
Desafivelo o cinto de segurança e desço do carro, sentindo o
solo familiar sob os meus pés. Os olhares curiosos dos vizinhos se
voltam para mim, mas ignoro e caminho até a portão velho da minha
casa.
Ao entrar, mal consigo conter o sorriso no meu rosto.
— Papá? Safira? — chamo.
Papai é o primeiro a surgir na sala e o choque de me ver de
volta deixa o meu velho sem palavras. Ele vem para perto e estende
os braços em torno de mim, me apertando com tanta força, que me
faz chorar.
— Perlita... mija.
Aperto meu pai de volta.
— Senti tanta saudade, papá.
— Você voltou — sussurra contra os meus cabelos, enquanto
alterna entre me apertar contra o próprio corpo e me beijar o rosto.
— Você está tão linda.
— Obrigada.
Ele se afasta um pouco, apenas para me olhar dos pés à
cabeça.
— E essas não são as mesmas roupas que você levou...
porque parecem caras — resmunga e eu reviro os olhos,
suspirando, mas logo rio e volto abraçá-lo bem forte, chorando em
silêncio.
Safira surge no final da escada também, os olhos cintilando
por causa das lágrimas. Solto-me do papai e corro para a minha
irmã, abraçando-a também. Sem dizer nenhuma palavra, ela chora
ao me segurar em seus braços.
— Senti tanta saudade de casa — sussurro e ela me aperta
ainda mais.
Ao me largar, ela me analisa dos pés à cabeça, franzindo o
cenho.
— Você está linda, Pérola.
— Obrigada — murmuro com um sorriso e antes que possa
contar a novidade, o olhar do meu pai é atraído para a joia no meu
dedo.
— O que isso significa, Pérola? — ele rosna.
— Eu posso explicar — falo a meu favor e Safira engole em
seco, chorando em silêncio.
Furioso, papai ruma para à cozinha.
— Ele te pediu em casamento... — Safira conclui e eu sinto
como se algo estivesse se partindo dentro dela.
— É tão ruim assim? — devolvo, na defensiva.
Ela abre um sorriso melancólico e também vai para à
cozinha.
A última coisa que eu quero é brigar com eles, mas,
infelizmente, não existe uma maneira de resolver essa situação sem
uma pequena discussão. E por mais que eu queira fugir, não tem
como.
Preciso enfrentar papai e Safira.
Na cozinha, meu pai está soltando fogo pelas ventas, falando
tantos palavrões, que fico me perguntando se é uma boa hora de
tentar resolver a nossa situação. Talvez seja melhor esperar o
sangue dele esfriar, porque meu velho parece prestes a explodir a
qualquer momento.
— Você se deitou com ele? — pergunta, grunhido.
— Papá, por favor, se acalme — Safira pede.
— Me responde, Pérola! — ele exige com um grito, me
magoando.
— Qual é o problema? Eu amo Alejandro — retruco, os olhos
ardendo e me sentindo tão idiota.
— ¡Dios mío! ¡Dios mío! ¡Dios mío! — papá fala sem parar.
Respiro fundo e tento controlar as lágrimas.
— Eu sei que o senhor não gosta dele, mas papá, eu...
— O problema é muito maior do que eu simplesmente não
gostar do Alejandro — resmunga, trocando um olhar pesaroso com
Safira.
— Não, papá. Prometemos que não contaríamos — ela pede.
— O que aconteceu? Qual é o problema? — quero saber.
— Não pode se casar com Alejandro Navarro — deixa
explícito em palavras a sua vontade, partindo o meu coração.
— Pai... — murmuro.
Ele respira fundo, como se estivesse reunindo coragem para
dizer alguma coisa.
— Não pode, Pérola — meu pai insiste e Safira começa a
chorar, sacudindo a cabeça de um lado para o outro.
Fico sem entender, mas não consigo abolir de dentro de mim
a vontade de chorar.
— Pérola...
— Não, pai! — Safira berra, enfiando as mãos nos cabelos e
começa a ficar tão desesperada, que eu fico sem reação. — Não
diga nada! A gente prometeu que não ia falar nada. Deixa tudo
como tá, por favor.
Papai me olha e engole em seco, parece estar se preparando
para dizer palavras que mudarão a minha vida para sempre.
—Tem algo que você não sabe — fala, aumentando o choro
de Safira, que é desconsolado. — Camilo Navarro, o tio de
Alejandro, aquela escória é o seu pai biológico.
Fico paralisada.
As palavras do meu pai ecoam em meus ouvidos, deixando a
minha boca com um gosto amargo. Sinto que estou dentro de um
pesadelo que não posso fugir, é como se o ar ao meu redor tivesse
se fechado sobre mim.
— Camilo Navarro é o seu pai, Pérola — papai fala outra vez
e as palavras parecem soar em câmera lenta, como um sussurro
sinistro.
O choque é tão grande, que eu perco o equilíbrio e quase
caio no chão, mas me seguro na parede e consigo me manter em
pé.
Meus olhos buscam o do papai, mas tudo está embaçado. As
lágrimas reprimidas deslizam pelo meu rosto e fazem caminho até a
minha boca. Elas têm gosto de fel.
— Não... — consigo finalmente dizer.
— Alejandro Navarro é o seu primo.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, negando e noto
que Safira ainda está chorando. Chorando muito.
— Tem mais uma coisa — papá continua e fico atordoada,
com medo.
— Papá, por favor. Tá bom, já chega — Safira implora entre
as lágrimas.
— Chega de mentiras! — ele esbraveja. — Pérola merece
saber o quão podre a Família Navarro é.
Prenso os lábios, incapaz de verbalizar alguma coisa.
— Safira tinha quatorze anos quando foi abusada por Camilo
Navarro. Mas, é claro que ele não teve culpa, estava bêbado e nem
lembrava do que fez a minha ingênua filha — cospe as palavras de
maneira sarcástica, ácida. — Na época, o pai de Alejandro encobriu
tudo e ficou por isso mesmo. Meses despois, descobrimos que
Safira estava grávida de você.
Meu mundo inteiro parece ter desmoronado em um instante.
O ar se torna pesado e sufocante ao meu redor, meu corpo
parece pesar uma tonelada, enquanto meu coração se debate
contra o meu peito com a descoberta. Caio de bunda no chão,
completamente atordoada.
As palavras ecoam dentro da minha cabeça como um
redemoinho e me deixa surda. Camilo, Alejandro, Safira... palavras
que agora têm um novo significado na minha vida.
A verdade me atinge como um soco no estômago.
Minha vida...
Minha família...
Tudo não passou de uma mentira.
Sinto como se a verdade fosse capaz de me engolir inteira.
O que eu faço agora? O que eu faço? O que eu faço? O que
eu faço?
Ergo os cílios para encarar Safira, que chora, como se
sentisse culpada por tudo e papai, que exibe uma expressão furiosa,
capaz de destruir qualquer um agora.
— O senhor não é o meu pai? — balbucio, o coração partido
em tantos pedaços, que é impossível de colar. — Você é minha
mãe?
Safira choraminga e me dói pensar em tudo que ela passou
no passado. Ela foi violentada por um monstro. Um monstro que é
meu pai biológico. Ainda foi obrigada a conviver comigo e se
lembrar todos os dias do que aconteceu, incapaz de sarar a ferida
que aquele cretino causou.
Será que é por isso que ela não me ama?
— Eu sinto muito, Pérola — ela sussurra.
Com as costas das mãos, limpo as lágrimas do meu rosto e
me coloco de pé. Minha vida inteira foi uma grande mentira, então,
não haverá problema se eu condenar o meu destino a um final cruel
agora.
— Me dê a arma que você tem guardada — falo para Safira,
que nega com a cabeça e pergunta:
— O que tá pensando em fazer?
— O certo — retruco, saindo da cozinha e procurando a
chave do carro do papai, e a encontro em cima da mesinha de
centro velha na sala.
— Pérola, volte aqui — papá ordena e ao olhar por cima do
ombro, vejo que já está no meu encalço, junto da Safira. — Não vá
fazer nenhuma besteira.
Papá...
Eu ainda posso chamá-lo assim?
Ele é meu avô.
— Cadê a arma, Safira? — pergunto ao vê-la atrás do nosso
pai, nossos olhos se encontrando. — É por isso que você a guarda,
não é? Para o caso de um dia aquele monstro voltar?
— Pérola... — ela murmura, prensando os lábios e chorando.
— Tudo bem, eu me viro.
Estou prestes a sair e papai me intercepta ao segurar o meu
braço, me impedindo de continuar, mas rápido, me desvencilho da
sua mão e saio de casa, correndo na direção do seu carro.
Nem que eu me mate, eu vou matar Camilo Navarro.
Cada curva que dou na estrada que me leva à Fazenda
Navarro é como um ruído doloroso na minha mente. No peito, o
coração pesa tanto, quase como se fosse feito de chumbo.
Aperto o volante do carro com tanta força, que os nós dos
meus dedos ficam brancos e sinto o leve desconforto no pulso, mas
nada é capaz de me parar.
Estaciono o carro de qualquer jeito dentro da propriedade dos
Navarro e ao descer do veículo, Martín vem ao meu encontro, me
cumprimentando com um olhar. Ele faz uma pergunta, mas mal
consigo registrá-la, apenas passo por ele e rumo as escadas da
varanda da mansão.
Com passos firmes e a raiva martelando nas minhas
têmporas, eu entro no campo minado de segredos e verdades
dolorosas que a mansão esconde. Que essa família esconde.
Assim que chego na sala, vejo que estão todos lá, sentados
no sofá, conversando como se não tivessem nenhuma culpa sobre
nada. Pilar, Hernando, o respeitável avô de todos, Alejandro, Camilo
Navarro e a sua esposa.
Meus olhos encontram os de Alejandro, que ficam confusos
ao me ver. Ele se levanta, uma mistura de curiosidade e expectativa,
mas não consigo focar nele, apenas encaro Camilo Navarro, o
monstro que abusou da Safira.
Lágrimas ardentes e salgadas começam a escorrer pelo meu
rosto e meu peito parece um vulcão em erupção, queimando em
uma mistura de raiva e ódio acumulados.
— Perrita... — Alejandro me chama e eu sou incapaz de
responder a ele.
Conforme me aproximo de Camilo, a pressão dentro da
minha cabeça se torna insuportável.
— Você... — grunho.
— Alejandro — ouço a voz de Pilar ao fundo chamando o
filho.
— O que está acontecendo? — Camilo questiona.
— Filho da puta desgraçado — rosno as palavras presas na
garganta. — Como pôde fazer aquilo? Como...
— Do que está falando, garota? — ele rebate, alternando a
atenção de mim para os olhos atrás da minha cabeça.
— Me desculpe — ironizo, um sorriso cínico brotando nos
meus lábios. — Eu esqueci que deve ser fácil pra você esquecer
das merdas que faz. Mas quer que eu te lembre, Camilo Navarro?
— Pérola, por favor — é Pilar quem fala ao se aproximar de
mim, tenta pegar o meu braço, mas Alejandro ordena que se afaste
de mim.
— Há vinte anos, você estuprou Safira Sanchez. Estava
bêbado demais, não é? Bêbado demais para saber que era errado
abusar de uma garota de quatorze anos! — grito entre as lágrimas.
— Não sei do que está falando — ele devolve, claramente
mentindo, incapaz de assumir os seus erros.
Monstro!
— Pare! Seja homem e admita os seus erros!
— Olha o jeito que fala comigo, garota — rebate, endireitando
os ombros. O cretino nem teve a descendência de se levantar do
sofá para me encarar.
Engulo o caroço no meio da garganta e encaminho minha
atenção até o seu Hernando, que me observa em silêncio. Não sei
ler de que lado ele está, mas não parece feliz com a situação.
Minha mente viaja até o dia em que nos encontramos no
escritório e a forma como ele me olhou, como se me conhecesse.
— O senhor sabia, não é? Que Safira estava grávida de
mim?
— Sim — admite.
— Aquela menina ficou grávida? — Camilo questiona, ficando
de pé pela primeira vez.
— O que você acha? — rebato, cravando os olhos nele.
— Você é minha filha?
Minha nuca arrepia ao vê-lo tentar se aproximar de mim, mas
quando dou um passo para trás, o homem paralisa. Odeio ver o
sorriso de felicidade que brota no seu rosto horrendo.
Não é possível que ele esteja feliz.
— Eu tenho uma filha, uma herdeira — repete, como se fosse
a melhor coisa do mundo. — Você é minha filha.
— Pare de fingir que isso é uma coisa boa. Não sou sua filha.
Nunca serei — digo entre os dentes, a voz carregada de
ressentimento e uma profunda dor que parece dilacerar o meu peito.
— Por que esconderam isso de mim? — Camilo interpela,
olhando para todos na sala, como se estivesse no seu total direito.
— Por quê?
— Você está mesmo perguntando isso, Camilo? — é a
mulher dele quem fala, pela primeira vez, nitidamente magoada.
— Perrita... — Alejandro murmura ao parar do meu lado,
tocando o meu braço com carinho.
— Você sabia?
Lanço um olhar para ele e há tanta confusão nos seus olhos
avelãs, que meu coração dói.
— Vamos conversar a sós — pede. Pela primeira vez,
Alejandro pede algo, no entanto, não quero conversar com ele no
momento.
— Me dê a sua arma, Alejandro. Eu sei que tem uma. Me dê
a sua arma, porque eu vou acabar com esse desgraçado.
Cruzo meu olhar com o de Camilo, que ri com desdém, o que
me faz prensar os lábios com força.
— Não seja ridícula, garota. Sabe quem eu sou? Sabe o que
represento para esta família? Para o cartel? Querida, essa é a
minha família, acha mesmo que um Navarro ficará contra mim?
Suas palavras só fazem minha raiva crescer.
Sinto uma chama dentro de mim, me consumindo,
queimando cada parte do meu ser como se eu fosse feita de
pólvora. Fixo os olhos em Camilo... o monstro de Safira.
Agora, o meu também.
Penso nela, nos momentos cruéis que passou por causa
desse homem.
Meus olhos ardem, não só de frustração e tristeza, mas de
fúria também.
Alejandro desliza uma das mãos sobre os meus dedos,
atraindo minha atenção. Sinto-o prender uma mecha de cabelo
detrás da minha orelha ao colocar uma arma compacta na minha
mão.
Sinto o peso do objeto contra a palma, a frieza do metal
parece penetrar a minha pele. Ajusto os dedos ao formato da arma
compacta, a sensação é estranha.
— Que merda, Alejandro — Camilo protesta.
— Faça o que tem que fazer, Perrita.
Respiro fundo, cada sopro é uma luta para controlar a
explosão que está prestes a acontecer dentro de mim, ameaçando
me dominar.
Encaro Camilo com terminação e levanto a arma, apontando
para ele. Não faço ideia do que fazer e me surpreendo ao sentir as
mãos de Alejandro me guiando ao destravar a arma.
Meu coração afunda contra o peito.
— Alejandro, por favor — é a esposa de Camilo quem fala,
mas ele a ignora, mantendo a atenção fixa em mim.
— Alejandro, não pode fazer isso! — Camilo esbraveja,
finalmente instigando a atenção do sobrinho. — Eu sou da família.
Eu sou o seu tio.
— Eu sou o Patrón, Camilo. Minha palavra é lei e ninguém
ousará ir contra as minhas vontades.
Camilo encaminha atenção para o seu Hernando.
— Papá, por favor.
— Não posso ir contra o Patrón. Eu fiz um juramento de
sangue, mi hijo — é o que diz, acelerando o meu coração.
— Que merda! Não é possível que estão todos de acordo
com isso? — ele se esgoela, levando as mãos até os cabelos ralos.
— Alejandro, pense. Não vale a pena, isso é... ridículo.
Afasto-me de Alejandro e me aproximo de Camilo, a arma em
riste o dedo no gatilho. Cada passo na direção dele é como um soco
na boca do estômago. O cretino começa a tagarelar, mas não
consigo assimilar suas palavras.
— Você fez tanto mal a ela — minha voz trêmula escoa na
sala, enquanto encaro os olhos de Camilo cheios de indignação. —
Como você pôde? Como você pôde machucá-la daquela maneira?
Não há nenhum vestígio de remorso em sua expressão, o
que me deixa ainda mais furiosa.
Chorando, eu aperto o gatilho. O estampido preenche os
meus ouvidos e vibra no meu corpo, recuo um pouco para trás por
causa do impacto da arma. Camilo grita de dor e eu abaixo as
mãos, me sentindo fracassada por não conseguir matá-lo.
Sou tão fraca por não conseguir tirar a vida desse
desgraçado.
— Minha perna! — Camilo grita com as mãos no buraco que
eu fiz.
— Peguem toalhas limpas, por favor — a esposa dele pede
aos berros e antes de sair da sala, Pilar pede permissão a Alejandro
para ajudar Camilo.
— Me tira daqui, por favor — imploro entre as lágrimas.
Com carinho, Alejandro pega a arma compacta de mim e com
as mãos na base da minha coluna, me guia para fora da sala.
Inconsolável, eu me deixo ser guiada por ele, pensando em
toda dor que Camilo causou em Safira e como deve ter sido difícil
para ela conviver comigo, sempre lembrando da ferida.
Ao sairmos da mansão, Alejandro pede a chave do carro do
meu pai e nem presto atenção no que faz, mas me permito ser
conduzida até o seu carro. Me acomodo no banco do carona e é ele
mesmo quem me prende com o cinto de segurança, enquanto eu
choro.
O caminho até a minha casa é carregado de um silêncio
pesado, mas dentro de mim, tudo parece barulhento demais. Está
tudo tão bagunçado que tenho vontade gritar, de sumir.
As lágrimas continuam escorrendo pelo meu rosto, fazendo
uma trilha até meus lábios. São quentes e amargas, uma
combinação horrível.
Quando finalmente chegamos em frente à minha casa, estou
tão magoada que nem consigo olhar nos olhos de Alejandro.
— Você mentiu para mim — digo com a voz tremida,
embargada por causa do choro. — Por que não me contou?
— Porque eu não queria te perder.
— Não devia ter escondido isso de mim.
Alejandro solta uma baforada de ar e bate no volante do
carro.
— Você teria saído correndo se eu tivesse te contado a
verdade, Pérola — explica e eu apenas enterro o meu rosto entre as
mãos, sufocando meus soluços. — Eu sou egoísta pra caralho e
não queria perder você.
— Ele abusou da Safira. Ela era apenas uma criança.
— Eu não sabia. No fundo, eu desconfiava, Pérola... eu...
merda!
Arfo entre meus fungos de choro.
— Nem consigo olhar pra você agora.
— Não faz isso, Perrita.
Ele estica a mão e envolve os dedos no meu queixo, me
obrigando a olhá-lo. Pisco com força, incapaz de encarar Alejandro.
— Olhe pra mim.
Deixo meus ombros caírem e suspirando, eu bato os cílios
devagar, encarando o homem que eu amo, mas que agora, está me
deixando tão confusa, magoada.
— Me desculpa, Perrita.
Choro mais ainda, porque algo dentro de mim diz que é a
primeira vez que ele diz essas palavras e elas são tão honestas,
que me atingem em cheio. Ainda assim, não são capazes de apagar
o que Camilo fez com Safira.
Desvio a atenção de Alejandro.
— Eu tenho nojo de mim — admito, prensando os lábios com
força. — Deve ter sido tão difícil pra Safira ter de viver comigo. Eu
não devia ter nascido, Alejandro. Eu sou fruto de um estupro.
— Pérola... — ele repreende.
— É só nisso que consigo pensar agora.
Balanço a cabeça de um lado para o outro, atordoada.
— O que você quer que eu faça? Me diz, Perrita. Me diz que
eu faço — murmura, a voz tão grossa e carregada de... amor
mesclado à tristeza.
No fundo, eu entendo as razões de Alejandro. Entendo
mesmo, só que é difícil. Mesmo que ele tenha feito isso para não me
perder, não consigo encarar seus olhos agora. Não quero ficar perto
dele agora, porque é como se algo dentro de mim tivesse sido
quebrado.
— Preciso de um tempo, Alejandro. — As palavras escapam
dos meus lábios, fazendo o homem grunhir de raiva. — Não acho
que consiga ficar com você agora.
— Perrita.
Engulo em seco.
— Não consigo, Alejandro. Como vou ficar com você
sabendo que a qualquer hora posso esbarrar com aquele monstro?
Nem forte o suficiente eu fui pra matá-lo.
— Não faz isso, Perrita. Hoje de manhã você disse que
voltaria pra mim.
Fecho os olhos, chorando.
— Me desculpa, mas eu não posso. Não consigo ficar com
você agora, Alejandro. Eu te amo, mas tá doendo tanto.
Pela visão periférica, noto o seu maxilar cerrar.
— Não posso deixar você.
— Por favor — imploro.
— Perrita.
— Eu te amo, Alejandro — murmuro ao virar meu rosto para
ele e encostar meus lábios nos seus de leve. — Preciso ficar
sozinha.
— Perrita...
Antes que me arrependa da minha decisão, desafivelo o cinto
e saio do carro, deixando o homem que eu amo para trás.
Meus pés reproduzem um som pesado pelos corredores da
mansão. Cada passo é carregado de fúria e frustração, como se o
meu próprio corpo se rebelasse contra as emoções que tento conter
dentro de mim.
Eu sou Alejandro Navarro, o Patrón, o líder indomável do
Cartel, o homem que sempre se ergueu aos momentos tenebrosos,
não importa o quão difíceis tenham sido. Mas aqui e agora, dentro
destas paredes repletas de lembranças, eu sinto que estou prestes
a explodir.
A raiva me consome com força, crua e incandescente, parece
prestes a me detonar a qualquer momento.
As últimas palavras de Pérola ainda ecoam dentro da minha
cabeça. Perdê-la é como um punhal perfurando o meu peito, me
arrancando a respiração.
É tudo culpa de Camilo.
Assim que entro na sala principal, me deparo com o meu tio
Camilo sentado no sofá, a sua esposa cuidando do ferimento em
seu joelho, enquanto a minha mãe e meu avô o observam em
silêncio.
Ele ergue os olhos enrugados para mim, exibindo uma
expressão de resistência.
— Alejandro, niñito — mamá fala, tentando chamar minha
atenção.
Não desperdiço um segundo sequer, meto a mão detrás do
meu casaco e saco a minha arma, a mesma que Pérola apontou
para ele e deu um tiro em seu joelho.
O velho me observa com uma mescla de perplexidade e as
rugas que marcam seu rosto parecem se aprofundar, traçando mais
linhas de apreensão.
— Alejandro, o que você está pensando em fazer? — Camilo
quer saber, o rosto que sempre foi tão decidido e firme, agora, não
passa de uma névoa cheia de incerteza.
Destravo a minha arma, cravando meus olhos nos seus.
— Papá, faça alguma coisa — pede.
Aproximo-me de Camilo e todos se afastam, repelidos com a
minha intensidade. Com a mão livre, seguro o seu pescoço com
tanta força, que os olhos dele esbugalham. Soco o cano da minha
arma na sua boca, fazendo-o engolir e estremecer.
Com o meu rosto a centímetros do dele e os meus olhos
queimando por causa da fúria, eu começo a articular:
— Escute bem, porque eu só vou falar uma vez, Camilo.
Você acaba de me fazer perder algo precioso e estou com tanto
ódio de você, que explodiria a sua cabeça aqui e agora. Mas em
consideração a minha mãe e ao meu avô, eu não o farei. No
entanto, você vai embora da Colômbia. Nunca mais pisará neste
país, entendeu? Se eu souber que voltou pra cá, ah, Camilo, vou
tratar você como um traidor. E sabe bem como eu trato meus
traidores.
Forço o cano mais ainda contra a sua boca, fazendo-o ter
ânsia de vômito.
— Balance a cabaça se me entendeu.
Ele assente e eu me afasto, tirando a arma da sua boca.
Camilo respira fundo, me encarando por cima dos olhos, incrédulo.
— Você acabou de me exilar?
— Achei que tivesse entendido — retruco e emputecido por
causa do questionamento, miro a arma no seu outro joelho e atiro,
arrancando um grito de dor dele. — Da próxima vez que me
questionar, passará o resto dos seus dias numa cadeira de rodas.
Lamentando-se de dor, Camilo olha para o meu avô, que está
em pé, sustentando o peso do corpo na bengala.
— Quando seu irmão encobriu o que fez no passado para
manter a salvo o seu casamento, eu disse que um dia você teria que
enfrentar as consequências do seu ato. Você sempre foi um
problema, Camilo. Nunca consegui domá-lo, infelizmente, nem o
seu irmão.
— Mas eu sou o advogado do Cartel, vocês precisam de
mim.
Camilo engole em seco e os músculos de seu maxilar se
contraem.
— Não precisamos. — Curvo a boca num sorriso perverso
para Camilo. — Você acaba de ser rebaixado. Vicente assumirá o
seu lugar.
— E o que ele sabe sobre os nossos negócios?
Aponto a arma compacta para Camilo novamente, dessa vez
encosto o cano na sua testa.
— Abra a boca de novo e eu estouro os seus miolos — minha
voz soa dura, cortante, carregada de autoridade. — Antes do sol
nascer, eu quero você fora do meu país, Camilo Navarro. Entendeu?
A contragosto, ele assente ao falar:
— Irei embora antes do amanhecer.
Giro nos calcanhares para sair da sala e o abuelo vem atrás
de mim. Entramos juntos no escritório e eu espero que opine sobre
a minha decisão. Ele nunca questionaria minha autoridade na frente
dos outros, mas em quatro paredes, não duvido que o faça.
— Cuidado com o que vai dizer, abuelo.
Ele respira fundo e se acomoda na cadeira de frente para à
mesa, enquanto eu sirvo uma dose generosa de whisky num copo
de cristal.
— Não estou aqui para criticá-lo. Quando eu fui o Patrón,
cortei a língua de todos que me desafiavam. Mesmo que não
concorde com você, não vou criticar a sua liderança, Alejandro.
— Ótimo.
— Camilo sempre foi difícil e, honestamente, dei um cargo
importante para ele na organização porque é meu filho, mas não
acho que tenha potencial.
— Não tem potencial pra porra nenhuma. — Bebo a bebida
toda de uma vez e encaminho a atenção para o meu avô. — Vou me
casar com Pérola, se ela quiser a cabeça de Camilo, eu darei,
abuelo. Nada me impedirá de fazer isso.
— Espero estar morto quando isso acontecer. Mesmo que ele
seja um idiota, não quero ver meu filho morrer.
— Ela quase o matou — lembro-o.
Meu avô deixa escapar uma risada seca.
— Não se engane, Alejandro. Aquela menina é pura demais,
não é uma assassina como nós. E ela nunca será. Por mais
doloroso que seja, por mais que ela esteja sofrendo, Pérola não o
mataria. No instante em que ela pegou a arma, eu sabia que não
conseguiria.
— Mas eu sim.
Ele anui, sério.
— Eu sei.
— E o senhor ficaria contra mim?
— Nunca, mi nieto. Mas como eu disse, não quero que se
matem. Foi uma decisão sábia mandá-lo embora. Dentro da
organização não fará diferença, sempre fez o trabalho dele malfeito.
— Abuelo, eu amo o senhor e o respeito. Mas se Camilo
voltar para Colômbia, eu o matarei.
— Não tenho dúvidas disso.
Há um momento de silêncio tenso entre nós.
— E Pérola?
— Ela vai ficar bem.
É a única coisa que digo, fazendo meu avô assentir. Não
tenho certeza sobre como as coisas entre mim e a Perrita irão se
resolver, contudo, eu estou disposto a tudo para protegê-la.
Disposto a tudo para tê-la de volta.
Mesmo que isso significa deixá-la em paz por algum tempo.
Dias depois e as únicas vezes que saí do meu quarto foram
para tomar banho. Me trancar e não falar com ninguém nem de
longe é a melhor escolha, mas como enfrentar Safira? Como
encarar o papai? Como lidar com a saudade que sinto de Alejandro?
Eu me sinto tão culpada por amá-lo.
Não sei como consertar as coisas.
Não sei como consertar a minha vida.
Deitada na cama, fixo os olhos na luz suave da tarde que
atravessa a janela do meu quarto. Tudo está tão triste, é como se o
meu coração fosse incapaz de se recuperar do baque.
Nos últimos dias pensei tanto em Safira, nas lembranças da
minha infância. Não é que ela tenha sido ruim para mim, mas agora,
eu entendo a sua recusa comigo. Eu a fazia sofrer. Eu a lembrava
da dor que Camilo causou nela.
Eu era o que infeccionava a ferida.
Eu era o lembrete que aquele monstro roubou a sua
inocência.
Sei que não existe nada que eu pudesse ter feito para salvar
Safira de Camilo, só que ainda assim, o peso da culpa é
avassalador e eu o sinto deteriorando os pedacinhos do meu
coração.
Quando as lágrimas escapam dos cantos dos meus lábios
mais uma vez, mordo o lábio inferior e solto um suspiro longo e
cansado. Estou tão cansada de chorar, mas é a única coisa que
posso fazer.
Queria que Pedro estivesse aqui, ele saberia o me dizer e
como me consolar, mas até ele me deixou também.
Remexo no colchão e viro de lado, minha atenção se fixa na
fotografia que repousa em cima da cômoda. O porta-retratos de
madeira é velho e desgastado, mas está carregando uma foto de
família.
Mamãe, papai, Safira e eu.
Estamos sorrindo, mas agora não sei se é apenas fingimento
ou se um dia nós fomos felizes de verdade.
Uma leve batida na porta e então, Safira entra no quarto de
mansinho, trazendo uma bandeja com suco, frutas e arepas. Só de
olhar para tudo isso, meu estômago embrulha e tenho vontade
vomitar, mas engulo a ânsia e forço um sorriso depois de limpar
minhas lágrimas e me sentar no colchão.
Safira coloca a bandeja em cima da cômoda ao lado da cama
e por um momento, encara a nossa foto de família, depois,
suspirando, afunda a cama ao sentar na beirada, bem ao meu lado
e me lançar um olhar cheio de compaixão e tristeza.
— Precisamos conversar.
— Não precisamos, Safira. Não precisa me dizer nada.
Ela engole em seco.
— Eu preciso.
— Eu sei que dói e tudo bem, você não tem culpa de nada.
Eu que não devia estar aqui — murmuro, fazendo Safira chorar em
silêncio. — Tudo bem, não vou cobrar nada de você. Eu entendo de
verdade.
— Pérola...
Ela ergue a mão para fazer carinho no topo da minha cabeça.
— Eu amo você.
Sinto minhas vistas arderem.
— Não precisa mentir pra eu me sentir melhor, Safira. Não
faça isso com você, por favor — imploro, prensando os lábios.
— Eu tive uma gravidez complicada, não vou mentir sobre
isso. Não tinha ideia do que era ser mãe e eu estava pronta pra doar
você quando nascesse — admite, fazendo meu queixo tremer por
causa do choro. — Mas assim que você nasceu e eu ouvi seu
choro... você era tão pequeninha, quente. A enfermeira te colocou
nos meus braços e você segurou o meu dedo, Pérola. E eu soube
que seria difícil, porque a ferida ainda doía dentro de mim, mas eu
queria você. E a mamãe também... ela se apaixonou por você e
então, decidimos que seria melhor que ela fosse sua mãe.
Engulo em seco, a garganta amargando.
— Por que não me abortou? Por que não acabou de uma vez
com isso?
— No começo... eu queria, mas um dia antes de ir à clínica,
eu sonhei com você me pedindo pra te deixar viver. Talvez tenha
sido a minha culpa de tirar você de dentro mim, mas eu sabia que o
bebê que crescia dentro de mim não tinha culpa de nada.
Desvio a atenção de Safira.
— Não sei como consegue olhar pra mim.
— Pérola, olhe pra mim — pede e me esforço para fazer o
que ela pede. — Eu sempre fui rígida com você não por me lembrar
do que Camilo fez comigo, mas porque tinha medo de que algo
parecido acontecesse com você. Eu te amo, tá bem?
— Eu também te amo.
Contorno o corpo de Safira com os braços e a aperto com
força, chorando entre os seus cabelos.
— Vai ficar tudo bem, nós sempre teremos uma à outra.
— Obrigada por não me odiar — murmuro e ela me aperta
mais ainda, aumentando o meu choro.
— Nunca vou te odiar. — Ela encosta os dedos no meu rosto
e limpa as minhas lágrimas, colocando mechas de cabelos detrás
da minha orelha. — Agora coma um pouco, faz dias que não se
alimenta.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Cadê o papá?
— Na cozinha.
— Preciso falar com ele.
Com um coração um pouco mais leve por causa da nossa
conversa, eu saio dos braços de Safira e desço da cama, com os
pés descalços, eu saio do quarto e desço as escadas correndo,
rumando para a nossa cozinha.
Encontro o papai sentado à mesa, ocupado com alguns
papéis, que deixa de lado ao me ver. Seus olhos cansados brilham
ao se fixarem nos meus e ele abre um sorriso doce.
Ainda chorando, eu me aproximo dele, que fica de pé.
Apenas alguns passos de distância nos separam, mas não consigo
mais me mover, parece que meus pés criaram raízes no chão.
— Papá... — murmuro com a voz trêmula, a garganta
apertada. — Eu... eu...
— Tudo bem, Perlita. Eu sei.
Ele corta a distância que falta e me abraça calorosamente,
me fazendo soluçar. Aperto-o com tanta força, que sinto sou incapaz
de soltá-lo.
— Papá, obrigada por ter me criado. Obrigada por ter me
feito sentir parte da sua família.
Ele arreda um pouco, apenas para me encarar. Suas mãos
tomam o meu rosto, enquanto os olhos me esquadrinham.
— Escute uma coisa, Pérola e nunca esqueça disso, ok? Não
importa o que digam, o único pai que você tem sou eu. Apenas eu
— retruca, firme e carinhoso ao mesmo tempo. — Você sempre será
a minha filha, minha menina.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Obrigada, papá. Por tudo.
— Não chore mais, Perlita. Seu pai está aqui pra você.
Ele limpa as minhas lágrimas com os polegares e eu abro um
sorriso amplo, grata por ele me amar incondicionalmente.
— Eu te amo, papá.
— Eu também te amo, Perlita.
Ele volta a me abraçar com força e eu respiro fundo. Em seus
braços, eu tenho a certeza de que não importa o que Camilo
Navarro tenha feito de ruim para nós, Safira, papai e eu vamos
superar e vamos continuar juntos.
Vamos ser uma família como sempre fomos.
E isso ninguém pode destruir.
Um pouco mais de um mês depois...
Seguir com a minha vida, tentando reconstruir o que foi
desfeito pelos últimos acontecimentos, não foi fácil. O tempo
pareceu se arrastar e embora eu tenha me acertado com o papá e a
Safira, há um vazio persistente dentro de mim.
Um vazio que só Alejandro Navarro pode preencher.
Eu venho o ignorando desde aquela noite em que ele veio me
deixar em casa e eu pedi um tempo. Terminar com ele foi uma das
coisas mais difíceis que eu fiz, mas foi a coisa certa naquele
momento.
Ainda assim, é impossível esquecê-lo.
Alejandro é o dono do meu coração e ficar sem ele é como
uma ferida que nunca vai cicatrizar completamente, mas talvez, com
um pouco mais de tempo, eu supere e o esqueça de vez.
Merda.
Quem estou tentando enganar?
Sinto tanta falta dele que parece que falta um pedaço de
dentro de mim e a cada minuto me sinto tentada a retornar às suas
ligações e mensagens. Às vezes acho que não vou conseguir ser
forte o suficiente para viver longe dele.
E eu sinto tanta falta de Giovanna também e da sua doçura.
Não queria fazê-la sofrer por ter me afastado, mas nem sou capaz
de responder as mensagens que manda para mim.
Isso só torna tudo mais amargo e cruel.
Ainda nem fui capaz de tirar do dedo o anel de noivado que
Alejandro me deu, porque eu sinto que quando o fizer, acabou de
verdade.
— Cansei de te ver sofrendo de amor — Safira resmunga ao
entrar no quarto, trazendo uma xícara fumegante em suas mãos.
O aroma de café invade o quarto e mais uma vez, o enjoo
que me atormenta há semanas ataca meu estômago. Num
rompante, levanto da cama e corro da direção do banheiro,
passando por Safira sem dizer nada.
Mal tenho tempo de alcançar o vaso sanitário antes de tudo
sair. O gosto amargo do vômito se mistura com o cheiro do café e
torna tudo mil vezes pior.
Safira logo se põe atrás de mim, preocupada, ela segura o
meu cabelo, enquanto tento me recuperar. Depois que a verdade
veio à tona, algo mudou entre nós e nos tornamos mais próximas.
Irmãs mais próximas.
E eu a amo ainda mais por isso.
Mesmo que seja minha mãe biológica, Safira sempre será
minha irmã mais velha.
— Pérola, você precisa fazer um teste de gravidez.
Nego com a cabeça.
— Não.
— Não adianta fugir.
Respiro fundo, me sentando no chão do banheiro e limpando
a boca com as costas das mãos.
— O papai vai pirar se der positivo.
— Faça logo esse teste de gravidez — Papá surge na porta
do banheiro, assustando-me.
— Me desculpe — murmuro.
— Se estiver grávida, criaremos essa criança. Não se
preocupe — é a última coisa que fala ao me deixar sozinha com
Safira.

Mesmo que no fundo já suspeitasse de estar grávida, a ideia


de encarar a verdade me deixa apavorada.
Safira enfia a mão dentro da bolsa de crochê e pega o teste
de gravidez que comprou, entregando-o com carinho em minhas
mãos. Ela me guia até a porta do banheiro e eu entro sozinha,
seguindo as instruções da caixinha.
Meu coração pulsa descompassado e eu me tremo toda, mas
faço o teste. Incapaz de esperar o resultado sozinha, abro a porta e
encaro Safira, que abre um sorriso meigo e me abraça com força.
Ela entrelaça as mãos nas minhas e embora me sinta
vulnerável, sei que posso contar com ela.
— Olha pra mim? Não tenho coragem de olhar.
— Tá bem.
Entramos no banheiro e ela se aproxima da pia, mas fica em
silêncio e minha mente corre em todas as direções. Penso em
Alejandro e a saudade aperta meu peito, fazendo meu corpo doer.
Safira respira fundo.
— Você está grávida, Pérola.
Ela ergue o teste de gravidez e eu o olho, as duas listrinhas
rosas, revelando que um bebê cresce em meu ventre. Forço o
caroço no meio da garganta a descer e começo a chorar.
Grávida.
Safira contorna o meu corpo com os braços, como se
entendesse a complexidade da situação.
Atrás de mim, sinto o papai nos envolver contra ele e beijar a
minha cabeça, me apertando com força, enquanto eu soluço.
— Vai ficar tudo bem, mi hija. Vamos dar um jeito.
Depois do teste de gravidez de farmácia, eu fui obrigada a ir
ao ginecologista e ele apenas confirmou o que já estava bem óbvio.
Gravidíssima.
Mesmo com os protestos de papai, Safira me aconselhou a
ligar para Alejandro e dar a notícia, mas estou protelando e eu sei
que é burrice pra caramba esconder a verdade do homem.
Ele vai descobrir mais cedo ou mais tarde.
Quanto tempo até o ginecologista da cidade sair contando
para todos os moradores daqui que eu estou grávida? Não muito, eu
aposto.
A verdade é que estou morrendo de medo.
E se ele não quiser ser pai de novo?
E se Giovanna não quiser um irmão?
E se ele não me quiser grávida?
Aprumada em um canto do balcão do bar, eu observo as
pessoas olharem encantadas Safira cantar “Regressa a mí”, a
versão espanhol de Unbreak My Heart da Toni Braxton.
“Mais uma vez, tocar sua pele e respirar fundo.
Recuperemos o que foi perdido.
Volta pra mim, me ame outra vez.
Apague a dor que você me causou quando se separou de
mim.
Diga-me que sim, eu não quero chorar.
Volta para mim.
Sinto falta do amor que se foi.
Sinto falta da felicidade também.
Quero que venha para mim e volte a me amar (...)”

— Odeio te ver assim, Perlita — papá reclama, chamando


minha atenção. — Odeio mesmo.
Endireito a postura e pisco rápido, limpando com as costas
das mãos as lágrimas que fugiram dos meus olhos e eu não
percebi. Detesto que a playlist de Safira esteja tão melancólica.
O que ela quer? Me matar de tristeza?
— Vou ficar bem.
— Você ama aquele homem — fala, segurando a borda da
mesa com força. — Eu não gosto disso. Pra ser honesto, eu odeio
com todas as minhas forças, mas, eu odeio mais ver você sofrer,
mija.
Fungo e abro um meio sorriso.
— Me desculpa, papá. Eu prometo que vou me esforçar pra
esquecê-lo — digo, ciente de que é impossível.
— Não seja tola. Ninguém manda no coração.
— Então o que eu faço?
— Vá conversar com ele de uma vez e se resolvam. Eu sou
velho, não idiota, sei que é impossível vocês ficarem separados.
— Mas e Safira?
— Sua irmã quer ver você feliz — devolve, envolvendo a mão
no meu rosto e me puxando para depositar um beijo na minha testa.
— E as coisas mudaram agora. Você está grávida e eu gostando ou
não, ele é o pai.
— Sinto muito, papai.
— Não sinta, meu amor.
Ele abre meio sorriso e se afasta de mim para ir atender um
cliente que chama, enquanto continuo no mesmo lugar, imóvel
quando de repente, a porta do bar se abre e a figura imponente dele
surge.
Meu coração dá um salto.
Alejandro.
Ele está acompanhado de Giovanna, que fica tão feliz ao me
ver, que corre na minha direção. Saio de detrás do balcão e fico de
joelhos para recebê-la de braços abertos, prendendo-a contra mim.
— Pérola, eu senti tanta saudade de você.
— Eu também.
— Você prometeu voltar e não voltou.
Meus olhos ardem.
— Me perdoa.
Os braços pequenos me apertam ainda mais, deixando
minha garganta áspera.
Elevo os cílios e observo Alejandro, que parece cansado,
como se a espera por mim também tivesse sido difícil para ele.
Nossos olhos se encontram e eu sinto um suspiro escapar de entre
os meus lábios.
— Viemos te buscar — ela fala, simplesmente, o que me faz
chorar e rir ao mesmo tempo.
— É?
— Tá na hora de voltar pra gente.
Respiro fundo e fico em pé, o coração afundando contra o
peito.
Meu pai surge perto de nós e para a minha surpresa,
cumprimenta Alejandro com um aceno de cabeça e eu apresento
Giovanna ao meu velho, que oferece um lanchinho para a garota e
arrasta para longe nós.
— Vamos conversar, Perrita.
Engulo em seco e concordo com um aceno de cabeça.
Guio Alejandro para uma das mesas mais afastadas do bar e
Safira continua a cantar músicas românticas demais para o meu
gosto. Ele puxa uma cadeira para que eu me sente e então, se
acomoda ao meu lado.
— Eu estou cansado de esperar, por isso eu vim aqui.
Precisamos resolver as coisas entre nós.
Minha respiração fica arfante.
— Eu sei.
— Não posso apagar o que Camilo fez à Safira, mas não vou
deixar que ele atrapalhe a nossa vida.
— Alejandro... — interrompo, mas ele sacode a cabeça de
um lado para o outro.
— Eu o mandei para fora do país. Se ele voltar, eu o matarei
— fala, como se fosse simples. — Perrita... — diz, pegando a minha
mão e levando até os seus lábios e depositando um beijo. — Se
quiser a cabeça dele, eu dou. Não me importo, mas volta pra mim,
porque eu te amo e não aguento mais essa distância.
Um nó de ansiedade se forma no meu estômago.
— Você o mandou pra fora da Colômbia?
— Sim. Ele nunca mais pisará neste país, mas se quiser e
quando estiver preparada, eu darei Camilo pra você.
Fico sem ar.
— E a sua família?
Alejandro abaixa os olhos, notando o anel de noivado da
minha outra mão.
— Minha família vai fazer o que eu quiser, porque eu sou o
chefe do Cartel. Sou o Patrón deles, e você, meu amor, será a
minha esposa. Minha rainha.
— Ainda quer casar comigo?
— Você não tirou o anel — é o que retruca.
— Não.
— Não desistiu de nós — conclui.
— Eu te amo, Alejandro — murmuro, incapaz de resistir ao
amor que sinto por ele. — Senti tanta saudade de você, que achei
que fosse morrer — solto as palavras que ficaram entaladas na
minha garganta por tanto tempo.
— Então volta pra mim, Perrita.
— Somos primos.
— Que se dane.
Me perco nos olhos de Alejandro por um segundo longo,
sabendo que, no final, o que importa é o que sentimos um pelo
outro.
— Tem uma coisa.
— O quê?
O homem me observa, paciente e compreensivo, o que faz a
minha voz ficar presa dentro de mim, quase me sufocando.
— Fala, Perrita — insiste, segurando minhas mãos trêmulas.
Dentro de mim, um misto de ansiedade e excitação, enquanto os
olhos dele cintilam esperançosos. — Eu estou aqui.
— Eu estou grávida.
Há um breve momento de silêncio entre nós e apesar de ter
contado a verdade, ainda sinto o peso das palavras sufocando o ar
ao nosso redor.
A expressão de Alejandro é de surpresa ao mesmo tempo em
que ele parece atordoado, como se a novidade fosse difícil de
processar. Sou incapaz de decifrar o que está passando em sua
cabeça, mas consigo ver as engrenagens trabalhando por detrás
dos olhos de cor âmbar.
Abro a boca para começar a tagarelar e ele é mais rápido do
que eu:
— Está esperando um filho meu... — não é uma pergunta,
mas, mesmo assim, eu respondo:
— Sim.
Respiro aliviada quando Alejandro abre um sorriso para mim.
Ele se levanta e me puxa para um abraço, me encaixando de
maneira tão protetora em seu peito, que eu sinto meu coração
querendo sair pela garganta.
Alejandro beija o topo da minha cabeça várias e várias vezes,
me arrancando sorrisos.
Em meio a todas as incertezas, uma coisa é clara como água
cristalina: Alejandro e eu estamos juntos novamente, prontos para
enfrentar o que quer que o destino nos reserve.
Somos surpreendidos por Giovanna, que entrelaça os
pequenos braços em nós, fazendo parte do momento também.
Alejandro se arreda um pouco e pega a menina no colo, beijando o
rosto bochechudo dela.
— Você vai voltar pra casa? — ela pergunta para mim e eu
encaminho minha atenção para Alejandro ao responder:
— Sim.
— Você terá um irmão, Giovanna — ele conta de uma vez,
me pegando desprevenida.
— Não acredito! De verdade?
Giovanna arregala os olhos e abre um sorriso tão amplo, que
me faz sorrir também.
Com ela ainda nos braços, Alejandro me puxa para mais
perto e encosta os lábios nos meus, me beijando de leve,
acelerando o meu coração e preenchendo aquele vazio de semanas
atrás.
— Que bom que voltou pra mim, Perrita — assopra contra os
meus lábios, enquanto enfia a mão entre os meus cabelos da nuca.
— Que bom que veio me buscar.
— Sempre.
Com delicadeza, meus braços rodeiam a cintura de Pérola e
as mãos espalmadas tocam a sua barriga grande, o ninho dos
nossos filhos nos últimos meses. Inclino o rosto para depositar um
beijo suave em seu pescoço e ela abre um sorriso radiante.
Na varanda da Fazenda Navarro, ela assiste ao pôr do sol, o
céu em tons de dourado e laranja, enquanto se mescla com o verde
das plantações de café.
— Será que um dia o meu pai vai aceitar vir aqui?
— Talvez quando os gêmeos nascerem.
Ao longo dos meses, Hernán e eu aprendemos a conviver e
dividir a atenção da Pérola, o que não foi tão difícil, já que vivemos
em Bogotá. É nítido que ele odeia que eu tenha feito Pérola ir para a
capital, mas como esposa do chefe do Cartel de Santa Fé, ela
precisa de segurança.
E é claro que ele ainda não gosta de mim, mas, eu sou o
marido da sua filha e o pai dos seus netos, então, as coisas estão
caminhando bem entre nós. Ou pelo menos, estão sendo razoáveis.
Ela lança um olhar cheio de esperanças para mim e um
sorriso doce brota em seus lábios, enquanto minhas mãos
espalmadas, capturam um pequeno vislumbre das duas vidas que
crescem dentro do seu ventre.
— Eles mexeram — murmuro ao mesmo tempo em que
acaricio gentilmente a barriga, sentindo o nosso filho se mover em
resposta. — Estamos quase lá, mis campeones.
Pérola se vira para mim, os olhos brilhando com um amor
profundo. Ela contorna os braços em meu pescoço e eu seguro o
seu rosto com ternura para beijar os lábios carnudos.
Ela arfa.
— Se continuar assim, vou pedir pra me levar pro quarto —
diz, a voz toda manhosa, o que me faz rir.
— Se continuar assim, você vai engravidar de novo antes de
dar à luz ao Rafael e o Pedro — Mabel resmunga ao surgir na
varanda, corando as bochechas de Pérola.
— Deixe que aproveitem — mamá fala ao aparecer também,
um sorriso largo desenha o seu rosto ao olhar para Pérola.
Quando a matrona entendeu que nada me manteria longe de
Pérola, ela se conformou e se esforçou até aprender a gostar da
minha esposa. Eu sei que minha mãe é difícil e irredutível às vezes,
mas sempre quis o melhor para os filhos.
— Que horas vai ser a inauguração do bar do seu pai? —
Mabel questiona, checando as horas no celular. — Quero socar
alguém antes de ir pra lá.
Pérola pigarreia e Mabel ri.
— Tô brincando.
— Daqui uma hora mais ou menos. Hortênsia e Vicente já
estão lá, ajudando Safira com os últimos retoques.
Nem de longe foi fácil convencer Hernán a repaginar o bar,
ainda mais, porque ele odeia dinheiro sujo, mas depois de
convencer Safira, Pérola conseguiu fazer o mesmo com o pai.
Claro que o velho fez exigências, não quis tornar o bar em
algo alto padrão, então, fizemos o que pudemos para melhorar o
ambiente sem perder a essência da família Sanchez.
— Obrigada por ter feito isso, meu amor — ela fala depois
que minha mãe e irmã nos deixam a sós.
— Qualquer coisa por você, Perrita.
Toco com leveza a barriga dela novamente, onde Rafael e
Pedro, os nossos filhos crescem fortes e saudáveis, e sem desviar
os olhos apaixonados de mim, eu sinto o calor da sua mão por cima
da minha.
Alguém finge uma tosse, atraindo a nossa atenção. Ao olhar
para trás, vejo Giovanna com um envelope pequeno na mão e o
rosto todo ruborizado, os lábios espremidos e nitidamente nervosa.
— O que foi, querida?
Ela alterna os olhos de mim para Pérola.
— Tenho um pedido.
— Claro.
— É pra Pérola — fala, deixando a Perrita surpresa e
animada ao articular:
— Pra mim?
— Sim.
Giovanna se aproxima de nós, em seu rosto doce, há uma
mistura de esperança e ansiedade. Com os braços pequenos,
Giovanna ergue o envelope para Pérola e eu noto que há vários
corações vermelhos pintados de lápis de cor.
Pérola começa a abrir o envelope e eu inclino a cabeça para
ver também, mas Giovanna me repreende.
— Não, papá!
Arqueio as sobrancelhas e levanto as mãos em rendição.
— Tudo bem.
Meus olhos ficam fixos na Perrita durante todo o tempo em
que ela lê a carta de Giovanna, e então, noto as lágrimas fazendo
caminho pelas bochechas salientes e encontrando os lábios.
— Você tem certeza? — Pérola pergunta, emocionada.
Timidamente, Giovanna assente.
— Você deixa?
— Sim, meu amor.
Giovanna corre para Pérola e as duas se abraçam, e embora
não saiba precisamente as palavras exatas da carta, eu sei do que
se trata.
Pérola foi a única mulher capaz de penetrar no meu coração
e no fundo, sempre gostei de como ela e Giovanna se deram bem
logo de início, de como se completaram sem fazer esforço.
Eu sei o quanto significa para Giovanna ter uma mãe e, no
fundo, também é importante para mim. Ainda mais, porque é Pérola
quem vai ser a figura materna de quem ela precisa.
— Mamá... — Giovanna murmura com um sorriso tímido e
doce e eu sinto um nó na garganta, mas sorrio também. — É
estranho? — quer saber.
— Não, não é.
Pérola faz carinho no rosto de Giovanna ao enfatizar:
— Agora... soy tu mamá.
— Obrigada. Vou contar pra abuelita — fala e sai correndo,
sumindo do nosso campo de visão e nos deixando sozinhos
novamente.
Tomo o rosto dela entre as minhas mãos e limpo as suas
lágrimas com os meus polegares.
— Você é incrível, Perrita.
Puxo-a para um abraço e ela enterra o rosto contra o meu
peito, suspirando.
— Eu te amo, Alejandro.
— Eu te amo mais, meu amor.
Oi, Maria Mafiosa, tudo bem?
Que bom encontrar você aqui.
Quero dizer que vocês são a verdadeira força por trás desta
história.
Espero que tenham se apaixonado por Alejandro e Pérola
tanto quanto eu me apaixonei por escrevê-los.
Obrigada por serem tão incrivelmente leais e apaixonadas
pelas coisas que eu crio e por terem embarcado comigo nesta nova
série. Mal posso esperar para continuarmos essa jornada juntas.
Sobre o próximo casal da série “Herdeiros de Sangue”,
pensei e repensei se colocava um bônus ou não aqui, mas de última
hora decidi deixar o suspense no ar. Pretendo lançar ainda esse ano
o próximo da série.
Não é uma promessa absoluta, mas darei o meu melhor para
isso acontecer!
Fiquem de olho nas redes sociais, porque há mais surpresas
emocionantes a caminho!
A seguir, eu reservei um bônus especial para você. É um
trecho de “Entregue ao Mafioso”, o primeiro livro da Série Império
Salvatore, que está disponível na Amazon e Kindle Unlimited.
Lembra do Danilo? O amigo do Alejandro que veio de
Chicago? HAHAHA
Boa leitura!
— Chegou a hora de solidificar a nossa parceria com a
família Giordano — o papà[32] fala.
Faz quase um ano que nós controlamos os Giordano. Não foi
fácil no começo, porque Giuseppe, o Don[33] deles, estava irredutível
a ceder. No entanto, existem propostas que são irrecusáveis.
— É uma ótima forma de sossegar o seu pau também.
O papà tem razão, apesar de achar que meu o pau está bem
sossegado dentro das calças no exato momento. Ele não come uma
boceta faz vinte e quatro horas.
— Você vai para Detroit amanhã e escolherá a filha mais
bonita que Giuseppe tem — o Don fala, ordenando enquanto mexe
nos papéis em cima da mesa de madeira escura. — Vai se certificar
de fazer um filho o quanto antes também. Já tem trinta e cinco anos,
passou da hora de construir uma família. Você é o meu sucessor e
precisa desse tipo de laço. Precisa de herdeiros. Homens, de
preferência.
Controlo os músculos do rosto para não demonstrar o meu
desgosto ao ouvi-lo e fico quieto. Não tenho a pretensão de fazer
um pirralho com o nariz escorrendo de catarro tão cedo.
Na verdade, não vou colocar uma criança no mundo para
criá-lo do jeito que eu fui criado. Além do dinheiro, poder e bocetas,
não há nada de bom nas nossas vidas.
O meu silêncio faz com que ele me olhe por cima dos óculos
de armação grossa. Acabo me remexendo na cadeira de couro e
sou obrigado a concordar com um balançar de cabeça.
— Claro, a mais bonita e um filho em breve — falo com a
expressão e a voz séria, mas por dentro me contorcendo de raiva.
Giuseppe Giordano é a merda de um ambicioso. Odeia
receber ordens, mas quando se tem muito dinheiro e poder em jogo,
o homem consegue abaixar a crista de vez em quando.
Os negócios sempre vêm em primeiro lugar, porém, para
alguns homens do nosso meio, os filhos são importantes também.
Entregar uma das suas preciosas filhas para nós é sinônimo de que
ele sempre será fiel e não causará problemas no futuro.
E para ser honesto, controlar Giuseppe é ótimo para os
negócios e enche os nossos bolsos com dinheiro, o que nunca é
demais. E lógico, fortalece o nosso império e nos deixa ainda mais
fortes e indestrutíveis.
Sempre soube que a união com a família Giordano se
solidificaria com um casamento, mas mesmo assim, eu não tinha
pretensão de me casar agora. Depois do que Sienna fez com a
própria vida há cinco anos, não gosto da possibilidade de escolher
uma mulher para ser minha esposa e vê-la escapar das minhas
mãos de novo.
Giancarlo, o consigliere[34], que está em pé ao meu lado e não
disse uma única palavra desde que entrei no escritório do papà,
inclina-se um pouco e me entrega um envelope marrom lacrado.
— Caso queira ver as meninas antes do encontro amanhã —
ele diz, a voz é tranquila, mas irrita meus tímpanos.
Giuseppe tem fama de ter filhas bonitas, as mais belas de
toda a organização de Detroit. E também, é conhecido por mantê-
las a sete chaves. Agora, está entregando as filhas como se fossem
uma mercadoria.
Uma carga.
Meu pai faria exatamente a mesma coisa se tivesse uma
filha. Casamentos estratégicos estão na família há tanto tempo, que
não lembro a última vez que alguma das mulheres que nasceram no
nosso mundo, casaram por livre e espontânea vontade. Ou por
amor.
Talvez nunca tenha acontecido.
— Como conseguiu isso? — pergunto e percebo o olhar do
meu pai cruzar com o do conselheiro. Não tenho resposta para
minha pergunta, o que também não importa. Amasso e jogo o
envelope no cesto do lixo. — Prefiro vê-las amanhã.
— Como preferir — Giancarlo fala e pela visão periférica,
noto o homem assentindo.
— Esse casamento precisa acontecer, Danilo — meu pai diz
ao prender os olhos frios e sem vidas nos meus. — Giuseppe
movimenta cargas importantes para nós e eu não quero correr o
risco de ele ousar se rebelar. Por isso, preciso que uma das filhinhas
dele esteja debaixo das nossas asas. Então, escolha certo.
Contraio a mandíbula e controlo a vontade de dizer que quem
escolheu Sienna para mim foi ele, não eu. Mas em vez disso,
concordo com um aceno firme de cabeça.
— Escolherei a mais bonita e lhe darei um neto em breve —
é o que digo ao levantar da cadeira acolchoada, mesmo sem ter
nenhuma pretensão de fazer um filho agora.
Meu pai assente, satisfeito.
OUTROS LIVROS DA AUTORA:
IMPÉRIO SALVATORE:
ENTREGUE AO MAFIOSO: https://amz.run/61sQ
RESGATADA PELO MAFIOSO: https://amz.run/6rZK
PROIBIDA PARA O MAFIOSO: https://amz.run/77zK

SÉRIE FAMÍLIA CARBONE:


O HOMEM DA MÁFIA: https://amz.run/57yT
NAS GARRAS DA MÁFIA: https://amz.run/4rRB
O SENHOR DA MÁFIA: https://amz.run/5VMD
EM NOME DA MÁFIA: https://amz.run/5jS5
A PROMETIDA DA MÁFIA: https://amz.run/5phZ
UM ACORDO PELA MÁFIA: https://amz.run/6rZL
IRMÃOS BYRNE:
A FILHA PERDIDA DO MAFIOSO: https://amz.run/6rZM

[1]
“Minha mamãe” em espanhol, é uma forma mais carinhosa e informal de se referir à
mãe.
[2]
Significa "menininho" ou "garotinho”.
[3]
“Desgraçado” em espanhol.
[4]
Barranquilla é a capital do departamento Atlântico da Colômbia, está localizada na costa
do Mar do Caribe, reconhecida por sua vitalidade econômica e cultural. Seu papel como
centro industrial e comercial é marcado pela proximidade com o oceano, o que a torna um
relevante porto marítimo.
[5]
No contexto colombiano, um "departamento atlântico" refere-se a uma divisão
administrativa localizada na região costeira do país, próxima ao Oceano Atlântico. Esses
departamentos possuem autonomia governamental e são equivalentes a estados ou
províncias em outros países.
[6]
Perlita é o diminutivo de Pérola em espanhol. Seria algo como “Perolinha”.
[7]
Verdellano é uma cidade fictícia que eu criei para este universo de Herdeiros de Sangue.
[8]
Quieta, pirralha em espanhol.
[9]
Perlita é o diminutivo de Pérola em espanhol. Seria algo como “Perolinha”.
[10]
Cumbia é uma dança tradicional e folclórica originária da Colômbia e também é popular
em muitas regiões da América Latina. A dança e a música cumbia têm raízes culturais
profundas e são frequentemente realizadas em festivais, celebrações e eventos sociais.

[11]
Moeda corrente oficial na Colômbia.
[12]
Significa raivosa ou furiosa.
[13]
É um grande tambor de duas peles tocado com as mãos, frequentemente usado em
ritmos como a cumbia e outros gêneros musicais tradicionais.
[14]
É o braço direito do Patrón e assume as suas responsabilidades na ausência dele. A
quantidade de “Tenentes” dentro do cartel pode variar significativamente, dependendo da
estrutura, tamanho e complexidade da organização. No Cartel de Santa Fé há mais de um
tenente.
[15]
Perrita significa filhotinho de cachorro ou cachorrinha e pode ser usado como apelido
também.
[16]
“Linda garota” em espanhol.
[17]
Tataravô em espanhol.
[18]
“Então não fale besteira” em espanhol.
[19]
Arepas são como panquecas redondas feitas de massa de milho. Elas são populares
na Colômbia e em outros países da América Latina. As arepas podem ser cozidas,
grelhadas ou assadas, e podem ser recheadas com queijo, carne, ovos ou outros
ingredientes. Elas são uma comida básica e versátil que pode ser consumida como lanche
ou como acompanhamento para outras refeições.
[20]
Sapo é uma gíria que se refere a alguém que está delatando, espionando ou sendo um
informante para as autoridades ou para pessoas que não são confiáveis. Portanto, se
alguém é considerado um "sapo" na Colômbia, significa que está agindo como um
informante ou dedurando algo para outras pessoas.
[21]
Pasca, está situada em Cundinamarca, é uma cidade cercada por paisagens
montanhosas, que é rica em belezas naturais e os eventos festivos atraem visitantes
interessados em explorar a essência autêntica dessa região.
[22]
Os compositores de "Unidas para Siempre" são Nicolás Uribe e Sebastián Luengas,
quem canta é a atriz Laura Londoñoa. A música foi lançada em 2021 e fez parte da trilha
sonora de uma novela colombiana.
[23]
Tradução do trecho: “Às vezes discutimos e também nos afastamos. No fundo nós dois
sabemos que sempre seremos dois e não importa o que aconteça, eu sempre canto. Oh,
como é bom ter você. Saiba que eu tenho você e tenho seu amor. Há dias tão cinzentos,
que tudo é difícil, mas você está comigo e eu conto com você.”
[24]
Tradução do trecho: “É a magia do seu corpo ou o perfume do seu hálito. É o fogo da
sua fogueira que me deixa prisioneira. O veneno doce do seu encanto ou é a chama que
vai me queimando. É o mel da sua ternura a razão de minha loucura.”

[25]
Danilo Salvatore é o protagonista de “Entregue ao Mafioso”, primeiro livro da sério
“Império Salvatore”. É isso mesmo, Maria Mafiosa, parece que os mafiosos da
Brendolândia coexistem no mesmo mundo!
[26]
"Malört" é um licor amargo criado em 1934 por Carl Jeppson em Chicago, conhecido
por sua intensa amargura e sabor desafiador.
[27]
É o braço direito do Patrón e assume as suas responsabilidades na ausência dele. A
quantidade de “Tenentes” dentro do cartel pode variar significativamente, dependendo da
estrutura, tamanho e complexidade da organização. No Cartel de Santa Fé há mais de um
tenente.
[28]
Giancarlo é o protagonista de Resgatada pelo Mafioso, segundo livro da série “Império
Salvatore”.
[29]
“Minha Pérola” em espanhol.
[30]
O Cholado é uma refrescante sobremesa colombiana composta por gelo picado, frutas
frescas, leite condensado e, ocasionalmente, sorvete, oferecendo um sabor tropical e uma
explosão de texturas.
[31]
Patrona" em português significa "Chefe" ou "Líder" quando se refere a uma mulher que
ocupa uma posição de liderança ou autoridade em uma organização, empresa, grupo ou
contexto específico. Portanto, em um contexto de liderança, "Patrona" se refere a uma líder
ou chefe feminina.
[32]
Pai ou papai em italiano.
[33]
O chefe dos chefes. Título máximo na hierarquia da máfia italiana.
[34]
Consigliere ou também conselheiro é às vezes visto como o braço direito do Don.
Participam da mediação de disputas, atuam como representantes da família em situações
de risco e frequentemente são a ligação entre o Don e o aspecto judiciário ou político.

Você também pode gostar