Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Editora Angel
Campinas/ SP
Sumário:
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Epílogo
Playlist do livro
Agradecimentos
Sobre a autora
EDITORA ANGEL
Deus fez o céu e a terra, criou o dia e a noite, separou as trevas da luz,
entre muitas outras maravilhas. Religião? Acredito que Ele não seja uma
religião, e sim amor. É nisso que eu acredito. Mas por que é difícil para as
pessoas respeitarem opiniões que não sejam iguais às delas? Por que é tão difícil,
minha mãe respeitar a minha opinião e entender que eu acredito em Deus, porém
não tenho que seguir ou concordar com o que a igreja diz?
Pertencer ao lar cristão da minha mãe pode não ser tão fácil quanto as
pessoas pensam. O livre-arbítrio não existe, pelo menos, não na minha casa.
Aqui são as regras da minha mãe, e ninguém em sã consciência deve ousar
quebrá-las.
Dona Elisângela Pereira é uma viúva completamente religiosa. Suas
regras são quase leis, e não dessas que existem brechas ou podem ser quebradas.
É do ventre dela que eu surgi, e fui criada como diz ser correto. Mas sempre me
senti diferente, só não sei como.
Quero conhecer o mundo, ter amigos e ir para lugares diferentes. Isso não
é pecado, ou é? Já nem sei mais. São vinte anos da minha vida seguindo as
mesmas regras e fazendo as mesmas coisas. Estudei em um colégio religioso.
Meus passeios sempre foram em ONG’s, igreja, obras de caridade, e reuniões
familiares. Fui ao shopping uma vez com colegas do colégio, mas que minha
mãe não sonhe com isso, ou nem sei do que ela seria capaz. Eu a amo, mas
confesso: ela passa dos limites muitas vezes.
Quando meu pai faleceu, minha mãe ficou pior, talvez a tristeza tenha
feito isso a ela. Meu tio, o padre João, diz que não há nada que se possa fazer.
Ele compreende que Deus ama a todos, e só cabe a Ele julgar alguém. Mas é
uma pena que mamãe não pense como meu tio.
Estando no hall da fama
E o mundo conhecerá o seu nome
Porque você brilha com a chama mais viva
E o mundo conhecerá o seu nome
E você estará nas paredes do hall da fama
— The Scrip “Hall Of Fame”
Téo Lima
Chego em casa, e para melhorar o meu dia, ela está sentada na minha
sala, folheando uma revista. Assim que me vê, sorri animada.
— O que faz aqui? — pergunto ao me jogar no sofá.
— Vim ver como estava a situação desta casa e fiz uma pausa para ver a
revista de fofocas. O que você faz aqui a esta hora? — Olha no relógio de pulso
e volta a olhar para mim.
— Esta é a minha casa — desconverso.
— Não mude de assunto. Não me diga que teve outra discussão com seu
pai? — Fecha bruscamente a revista e coloca sobre a mesa de centro.
Sorrio.
— Vocês dois ainda vão me enlouquecer! — Faz puro drama. — Vocês
precisam começar a entrar em algum acordo de paz.
— Dona Eleonor, não existe acordo de paz.
— Sou sua mãe, então trate de me chamar de mãe. Eu tenho uma vontade
imensa de arrancar a orelha dos dois. Mas no momento quero arrancar apenas a
sua. Meu filho, já até imagino o motivo da briga da vez. E não discordo de seu
pai.
— Mãe, não quero falar sobre isso.
— E o que eu tenho a ver com isso? Sou sua mãe, e vai falar sobre isso.
Sente a bunda direito neste sofá, e vamos conversar decentemente! — ordena, e
quando faz isso é melhor não discutir.
Ajeita-se na poltrona, arrumando o vestido branco.
— O que quer falar, mãe? — pergunto paciente.
— Por que está evitando aquele hotel? É alguma mulher? Meu filho, se
for, basta dizer. Mamãe conversa com a moça, posso ser uma boca cupido.
— Não, mãe. Na verdade, sou eu que fujo delas. — Sorrio.
— Então me diga. Já sei! É gay, e encontrou seu amor lá. Não irei julgá-
lo. Com a Hannah fora, sempre quis alguém que entendesse melhor o lado
feminino.
— Está louca?! Mãe, não é isso. Se tem algo que não sou é gay.
— Que pena... Mas, então por que foge daquele lugar?
— Não fujo. Apenas estou com a cabeça cheia.
— Sei... Se não disser o que está acontecendo, jamais poderemos ajudá-
lo a resolver — analisa-me desconfiada. — Está tão magrinho. Eu disse que
seria uma péssima ideia vir morar sozinho. Olhe só!
Se tem uma pessoa que consegue falar de vários assuntos em uma única
fala é minha mãe.
— Mãe, estou bem! Não tem nada para hoje?
— Na verdade tenho. Vou passar no hotel, para pegar as contas que
devem ser pagas, e depois preciso fazer compras no mercado.
— Dia cheio, hein! — Me esparramo no sofá.
— Pode levantar. Já que está sem fazer nada vai me acompanhar!
— Nem pensar. A última vez que fomos ao mercado juntos, a senhora fez
um barraco na fila, porque o presunto estava com preço diferente da prateleira.
— Fiz mesmo! Absurdo aquilo. Faço novamente se for necessário. Agora
vamos, ou te arrasto pelos cabelos.
— Mãe, quando Hannah retornará? A senhora precisa de alguém além de
mim.
— Nem me lembre. Aquela ingrata! Disse que ficaria um mês fora, e já
são um mês e um dia — diz chorosa. Reviro os olhos.
— Mãe, ela apenas foi aprimorar o curso de inglês e se livrar de tudo o
que aconteceu. Não foi embora para sempre.
— Não diga como se eu não soubesse. Quando aquela menina voltar, eu
irei trancá-la em uma jaula.
— Sabe que ela é maior de idade, não é?
— Téo, me diga algo que não sei? Vamos logo. E iremos no meu carro.
Aquele troço seu é perigoso demais.
— Não fale assim da bebê! — Ela faz um gesto com a mão e pega a
bolsa.
— Vamos, porque não tenho o dia todo!
No percurso até o hotel e depois até o mercado, ela disse o tempo todo
que eu estava dirigindo rápido demais, ou que iria matar os pedestres. E com
toda certeza não seria diferente na volta para casa.
Porra, isso tem que valer alguns pontos no céu, porque aguentar dona
Eleonor não é fácil.
Segura teu filho no colo
Sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir
— Ana Vilela “Trem-bala”
Raquel Pereira
Depois de duas horas, fomos recebidas por tia Noemi, que sorri muito
quando me vê. Tia Cássia está de repouso no quarto, e vamos até ela.
— Que bela visita! — ela diz animada enquanto Tia Noemi vai preparar
algo para nós comermos.
— Tia! — cumprimento-a. — Sinto muito pelo acontecido. Espero que
fique bem logo.
— Que Deus lhe ouça. Ficar nesta cama está me deixando louca — ela
sempre fala alto e contagia com sua alegria.
— Que melhore logo, minha irmã! — minha mãe deseja a ela.
— Obrigada. Estou surpresa em vê-las aqui. Só aparecem em
festividades, e olhe lá. — Pisca para mim e tento não rir.
— Temos obrigações. Se você não estivesse rebelde com Deus, também
teria — mamãe rebate e minha tia revira os olhos.
Tia Noemi retorna com lanches e suco. Sentamos nos lugares vagos, e
comemos; enquanto conversamos, sempre mantenho certo receio nas palavras
devido minha mãe.
— Vai entrar para a faculdade este ano, menina? — tia Noemi pergunta.
— Fiquei sabendo que abriram vagas para bolsas.
Olho para a minha mãe, que responde por mim:
— Não! Raquel não frequentará estes lugares repletos de jovens
pecadores. Ela está feliz ajudando-me com a caridade.
Minhas tias frequentam a igreja também, mas não são como minha mãe.
Segundo ela, ambas ficaram assim desde que vovó morreu, e que ela foi a única
que se manteve firme. Eu gosto delas, e não acho que são rebeldes. Como
também gosto muito da minha avó paterna, que minha mãe me proibiu de ver,
por não frequentar mais a igreja com tanta frequência e dizer-lhe o que pensa
sobre o modo como me educa e os tais sonhos que mamãe diz ser coisas de
bruxaria.
— Tenha a santa paciência. Não deixou a menina responder. Diga, minha
menina, o que pretende fazer da vida? — Tia Cássia indaga.
Bebo o suco.
— E-Eu... — gaguejo enquanto minha mãe me lança um olhar rígido. —
Estou feliz ajudando minha mãe na caridade. — Não é mentira, mas tampouco
toda a verdade.
— “O perigo de uma meia-verdade é você dizer exatamente a metade que
é mentira”. Sabe quem disse isso? — Tia Noemi pergunta e nego. — Millôr
Fernandes, um homem muito inteligente. Compreende o que eu quis dizer?
— Está na hora de irmos. Temos coisas para fazer — minha mãe diz se
levantando e colocando o copo sobre a bandeja.
— Sinto que isso não vai terminar bem! — tia Cássia fala com tristeza
em sua voz.
Despedimo-nos e partimos para a rodoviária.
Porque só os que eu realmente amo irão
realmente me conhecer
— Lukas Graham “7 Years”
Téo Lima
Algumas semanas depois...
Observo meu pai através da enorme zona que está seu escritório.
— Eu preciso de uma nova assistente. Estou ficando perdido. E você não
presta pra nada! — Aponta a caneta em minha direção.
— E ainda é de manhã para o primeiro elogio.
Ele me olha feio e sorrio.
— Contrate outra.
— Para você fazê-la pedir as contas? Me poupe.
— Relaxe. Eu prometo que não tocarei nesta.
Ele me olha desconfiado.
— Eu juro! Mas não prometo nada sobre a nova moça na limpeza,
gostosa pra caralho — digo, provocando-o.
— Não! Chega. Não quero mais demissões.
Entrego os papéis que vim trazer.
— O que é isto?
— A lista sobre o que está faltando no hotel. — Ele me lança um olhar,
como se o meu pau tivesse saído.
— Quem fez isso?
— Eu!
Fica surpreso.
— Não acredito! — Cruza os braços.
— Está bem. Natanael fez. Satisfeito?
— Agora sim.
— Tenho que ir.
— Preciso que me faça um favor. Busque Hannah no aeroporto.
Sim, um mês fora do país se tornou quase dois. Minha mãe está louca
com ela.
Bufo irritado.
— Porra, não sou motorista. Ela que pegue um táxi.
— Téo, por favor, estou todo enrolado aqui, graças a você!
— Está bem, senhor estressado.
Saio de sua sala bem irritado. Mas meu humor muda quando vejo a nova
funcionária caminhando até mim. Ela rebola e me olha mordendo os lábios, e
abre os primeiros botões de seu uniforme, exibindo parte de seus seios.
— A bela moça tem nome?
— Claro. Me chamo Mel. — Morde o lábio.
— Quarto 712, em meia hora — sou direto.
— Não sou assim. — Sua voz é manhosa.
— Sabemos que é.
— Me disseram que era direto, só não imaginei que fosse tanto.
— O tempo é precioso, Doçura. — Seguro seu queixo e me aproximo de
seu ouvido. — Quarto 712.
— E se estiver ocupado?
— Não vai estar. Sei o que eu digo. Agora vá.
Ela sorri e me joga um beijo.
Passo por ela e dou de cara com Natanael. Seu olhar é de poucos amigos.
— Não acredito! Não tem uma semana que ela chegou. Seu pai vai
enlouquecer.
— Relaxe. Com ele me entendo depois. Quero o quarto 712 em meia
hora.
— Não irei te ajudar desta vez. Está na hora de crescer, Téo!
— Realmente algo vai crescer. Até mais!
Passo por ele e vou até meu escritório, que por mim não teria.
Meu celular começa a tocar e, quando vejo o nome da pessoa na tela,
respiro fundo, pois sinto que fiz alguma merda.
— Fala.
— Olha como fala comigo, seu traste. Onde está?
— No hotel. O que quer?
— Não vai vir buscá-la?
Merda! Esqueci-me de que tinha marcado com ela hoje.
— Estou indo.
— Você não tem jeito. Eu juro que só não te proíbo de vê-la, porque ela o
ama muito.
— Sabe que a amo. Apenas me esqueci. Já falhei alguma vez com ela?
— Não. E nem pense em fazer isso, ou eu corto seu pau e faço você
comer.
— Estou indo. Não precisa das ameaças. — Ela desliga.
Terei que falhar com a tal Mel, mas depois eu a recompenso.
Téo Lima
Não gosto de vir ao mercado com minha mãe, pois ela sempre julga as
pessoas que encontra, e não disfarça. Eu não gosto disso.
— As coisas estão muito caras — comenta olhando os produtos na
prateleira do corredor.
Concordo apoiada no carrinho, como se minha vida dependesse dele.
Quero ir embora logo.
Ela coloca alguns leites no carrinho e então me afasto para conduzi-lo.
Tia Cássia ligou hoje cedo para saber se minha mãe vai ficar com ela,
mas a resposta foi: “Conversaremos mais tarde”.
Depois do jantar silencioso de ontem, antes do meu tio ir embora, pediu
para conversar a sós com minha mãe e conversaram durante um bom tempo.
Mesmo não tendo ouvido nada, pela cara que ela ficou após ele ter ido, a
conversa não foi boa. Não quero ficar longe do meu tio e tampouco das minhas
tias, já basta não poder visitar minha avó paterna que tanto gosto.
Aperto a bolsa da minha mãe em meu corpo e continuo seguindo-a por
todos os corredores. Seus olhares para as pessoas são de recriminação. Algumas
notam e olham feio; outras não percebem, ou fingem não notar.
— Acho que é só. Falta algo?
Olho o carrinho.
— Acho que não.
— Se faltar volto depois. Vamos. O tempo está fechando para chuva, e se
demorarmos pegaremos ela.
Vamos para o caixa mais vazio. Há duas pessoas na nossa frente. Porém,
ao que parece, a que está passando no caixa, não está muito feliz com algo. É
uma mulher bonita, elegante, mas bem brava. Discute algo sobre valor errado.
— Que baixaria. Onde já se viu uma mulher se expondo de tal forma, que
ridículo! Deus tem que ter muita misericórdia. Por isso te proíbo de sair mundo
afora. Isso é o que vai encontrar, e coisas piores também! — minha mãe diz alto,
e sinto minhas bochechas corarem, pois a moça à nossa frente escuta e franze o
cenho.
— Mãe, não diga isso, por favor.
— Estou dizendo a verdade. Olhe isso!
— Eu quero o gerente! Não me interessa que o preço no sistema é este.
Da prateleira não era. Então quero o gerente imediatamente. Tentei ser amigável,
mas a senhorita me tratou com grosseria. Quero o gerente ou teremos a polícia!
A mulher está muito irritada. Gesticula muito enquanto fala. A moça que
está na nossa frente desiste da compra dizendo bem alto que está atrasada para
um compromisso, para ficar esperando resolverem brigas por preço de produto.
A mulher elegante não gostou muito do que ouviu, e mandou ela ir plantar
bananeira. Espero que minha mãe não diga mais nada, ou tenho medo do que ela
retruque para nós.
— Quanta vergonha. Pior que os outros estão lotados! — minha mãe
comenta nervosa.
Todos olham bem curiosos com o escândalo, até mesmo os funcionários.
Um rapaz uniformizado se aproxima e se apresenta como gerente. Então uma
nova discussão de inicia. Encosto na prateleira de revistas e respiro fundo. Não é
a primeira vez que presenciamos brigas no mercado, e isso vai longe pelo visto.
— Tenha a santa paciência. Isso é um absurdo. Que demora! — mamãe
reclama e finjo não ouvir.
Olho para a mulher elegante que mantém sua opinião de que está certa e
vai chamar a polícia. Neste momento um rapaz muito alto se aproxima, e está
vestido de um jeito... chamativo? Não sei dizer, não entendo de moda. Mas sua
calça é preta, tênis branco e usa uma camiseta branca bem justa. Tem uma
corrente com um crucifixo. Mamãe diz que esses tipos de correntes viraram
moda entre os jovens, que deveria existir punição para isso. Eu logicamente não
concordo, mas não digo nada. Seus braços são repletos de tatuagens. Ele é forte
e muito belo. Tem brinco nas orelhas. Não é só mulher que usa? Estranho, mas
legal. Contudo, o que chama a atenção é sua aparência, uma barba muito bem-
feita assim como o penteado em seus cabelos castanhos da mesma cor dos olhos,
que ganham contraste com seus lábios bem rosados. Ele encosta no caixa, com
as mãos no bolso da calça, seu olhar é fixo na mulher elegante. Já vi homens, é
claro, mas este tem um jeito diferente, bem original. Bom, quem sou eu para
dizer algo? Não posso opinar quanto à moda. Então para mim, ele tem um estilo
diferente, mas provavelmente para as outras pessoas é “normal”. Escondo-me
mais entre a prateleira para não ser notada assim que mamãe diz:
— Olhe isso! O mundo está perdido. Rabiscos por todo o corpo, brincos,
roupas coladas. Que absurdo um homem se vestir de tal forma.
Quero dizer que achei o moço belo, mas prefiro ficar quieta. Ele revira os
olhos para algo que a mulher diz a ele, e então troca o peso das pernas para outro
pé. Olha no relógio em seu pulso e cruza os braços. Parece estar irritado.
— O que tanto olha, menina?
— Apenas olhando a confusão, mamãe, e o estilo do rapaz.
— Pois deixe de olhar. Homens pensam que, quando nós o olhamos, é
porque queremos coisas indecentes!
— Sério? — Essa é nova.
— Sim.
Téo Lima
Téo Lima
Entro na igreja. Tem apenas uma senhora rezando. Não é comum aqui na
cidade ficar lotada na semana, porém aos finais de semana é totalmente o oposto.
Vejo o padre vindo dos fundos, e assim que me olha fica surpreso, e faz
um sinal para eu ir até ele. Vamos até a saleta disponibilizada para conversas
particulares.
— O que o traz, meu filho? Tenho que dizer que estou bastante surpreso.
Duas vezes que vem até aqui, depois de tanto tempo.
Tenho vontade de cobrar a resposta sobre o que vim pedir da primeira
vez, mas me controlo.
— Sente-se, por favor.
Sento na poltrona ao lado da que ele se senta. Me sinto desconfortável,
faz tempo que não falo com um padre cara a cara.
— Vim em nome da minha família.
— Família Lima. Vejo todos com frequência, menos você.
Se o senhor frequentasse boates, festas, eventos, clubes, dos quais sempre
estou, poderíamos nos esbarrar sempre. Tudo é uma questão de lugar. Se
concentra!
— Tempo corrido. — Mentir para um padre é pecado? Perdi pontuações
no céu, tenho certeza.
— Sei. Então?
— Meu pai pediu para que eu lhe entregasse isto. É para ajudar na
reforma da igreja e nos orfanatos. — Pego o envelope no bolso da calça e
entrego a ele.
— Deus abençoe a todos vocês. Isso ajudará, pode ter certeza. Deus
multiplica tudo.
— Meu pai ficou muito sentido por não ter vindo, mas está todo enrolado
no hotel, e como hoje começam as entrevistas para uma nova funcionária, vira
uma loucura. Mas pode ter certeza de que ele viria se estivesse mais livre.
— Sei disso. Não se preocupe. — Ele coloca o envelope na mesinha à
nossa frente. — Sabe, garoto, eu gostaria de entender por que não veio mais.
Vejo que ainda usa o crucifixo.
Automaticamente coloco a mão em minha corrente.
— Sim, padre. Diversos motivos, mas o principal é não me encaixar mais
aqui e não concordar com muitas coisas vindas daqueles que aqui frequentam.
— Entendo. Não julgo, mas fico triste. Saiba que Deus nunca esquece de
seus filhos. E sobre o seu pedido naquele dia, não tem vergonha ainda?
Ah, ele lembra. Ótimo!
— Não. Fui sincero apenas.
Ele sorri.
— Vocês jovens são... Espera, disse que vai ter entrevistas para uma nova
funcionária? — Assinto. Ele fica pensativo por um tempo.
— Por que a pergunta?
— Tenho uma sobrinha, mas acho que não daria. Na verdade, seria uma
missão impossível.
— Freira? — Olha só, parece que mamãe pode ter profetizado algo.
— Oh, não! — Ele ri.
— E por que não daria certo? Converse com ela e envie o currículo, e
pode dizer que foi minha indicação.
Isso, mais uma boa ação. Nada de broxar mais. Estou fazendo muita
bondade.
— Isso seria maravilhoso. Vou ver o que faço. Na verdade, irei rezar
muito, porque só Deus para ajudar no que tentarei.
Depois eu sou o louco. O homem não diz nada com nada.
— Era isso, padre João. Agora tenho que ir, muitas coisas para fazer.
— Vá com Deus, meu filho!
Saio da igreja às pressas. Muitos diriam que pareço o diabo fugindo da
cruz. Eu diria que é a vergonha de ter sumido há séculos deste lugar e vir apenas
quando preciso.
Abro a porta do carro, mas uma voz me impede de entrar.
— Téo Lima. Eu não acredito. Vivi para ver o Senhor Pecado na igreja.
E não adianta mentir, eu vi você saindo de lá.
— Giovana, que surpresa!
Eu sabia que mentir para o padre dava merda. Não sei por que questionei.
Olho para o céu, e imploro por socorro. Viro para olhá-la.
— Surpresa? Eu estou surpresa. Veio entender por que broxou comigo?
— Na verdade, eu vim por outros motivos, e um deles para saber como
me livrar de um encosto. — Cruzo os braços e encosto no carro.
— Você anda me surpreendendo muito. Primeiro falhando comigo, e
agora vindo à igreja. Vai me dizer que quer ser padre? — Ri.
— Seria um desperdício para as mulheres. O que faz por aqui?
— Vim à clínica de estética. — Ela aponta para a clínica do outro lado da
rua. — Já que te encontrei, como está a Catarina? Samira me disse que ela ficou
com você.
Samira é uma linguaruda. Se ela soubesse o quanto fica linda muda, não
abriria a boca.
— Sim. Está neste momento na minha mãe. Agora tenho que ir.
— Fugindo? Não sinta vergonha por ter broxado. É normal... Bom, nunca
nenhum homem teve este problema comigo...
— Não estava tão atraído por você, e também estava muito estressado.
— Ou é porque sente algo pela minha irmã ainda.
— Não sinto nada além de um carinho por ela. Somos amigos e sempre
fomos, nada mudou.
Ela se aproxima, prestes a colocar as mãos ao redor do meu pescoço, mas
a impeço, segurando seus braços.
— Não repito mulheres, sabe disso.
— Mas não terminou seu serviço aquele dia. Samira não se importa, sabe
disso.
— Não aconteceu aquele dia, porque não senti tesão por você, e não irei
insistir nisso. Agora me dê licença que preciso ir.
— Seu grosso! Contarei a todas sobre o que aconteceu.
— Publique no jornal e nas revistas. Só me dê licença. — Entro no carro.
Porra, aonde eu estava com a cabeça para querer ter transado com ela?
No pau, é isso, no maldito pau!
Como pode Giovana ser tão diferente da irmã? Maldição!
Raquel Pereira
Minha mãe está arrumando as coisas para ficar na casa de tia Cássia.
Porém, não disse se eu deveria arrumar as minhas.
— Vamos ficar quantos dias? — pergunto.
— Eu ficarei o tempo necessário. Já você ficará aqui. — Arregalo os
olhos.
Ela se senta na cama e pede para eu sentar ao seu lado. Segura minhas
mãos e começa a falar:
— Eu jamais faria isso, mas não tive saída. Seu tio cuidará de você. Não
interessa como decidi isso. Mas, saiba que se você sair desta casa, fizer qualquer
coisa de errado, ou simplesmente se entregar ao pecado, Deus me mostrará, e
não te perdoarei nunca. Eu nunca te deixei sozinha neste lugar, e tampouco
queria deixar. Mas prefiro você sendo cuidada por seu tio, do que ao lado das
ideias terríveis de sua tia. Nesta vida temos que sacrificar algumas coisas.
— Não irei fazer nada de errado, mãe. Não conheço e não sei nada, como
poderia sair?
— Ótimo, pense sempre assim.
Desde que ela chegou da igreja está estranha. Não falou nada e agora
isso. Nunca ficamos separadas por mais de uma hora, e agora ficaremos dias.
Não sei se grito de felicidade por esta nova experiência, ou se me encolho em
um canto e entro em desespero. Tio João não dormirá aqui, ele fica na igreja.
Passarei a noite sozinha. Meu Deus!
— Espero que esta viagem seja rápida. Cuide da casa, não atenda
ninguém na porta e não saia. Tranque tudo, e nunca deixe saberem que está
sozinha. O mundo lá fora é maléfico, e espera apenas uma oportunidade para
atacar. — Fico assustada com suas palavras.
Cresci ouvindo histórias terríveis dela. Quando pequena não contava
histórias boas para eu dormir, eram sempre sobre as maldades do mundo e logo
após recitava um versículo da Bíblia.
— Não deixe de rezar. Se descumprir qualquer ordem minha será
castigada por mim e por Ele lá em cima.
— Prometo que seguirei suas ordens como sempre fiz.
— Isso!
Ela se levanta rapidamente e fecha a mala.
— Vamos rezar juntas — diz e concordo.
Minha mãe já foi para a casa da tia Cássia. Estou sozinha. Ela disse que o
meu tio viria antes do jantar. Tranco a casa como ela pediu para fazer. Subo e
fico em meu quarto, até dar o horário de preparar o jantar.
Deito na cama e fico olhando para o teto. Nunca fiquei sozinha como
ficarei. Estou com medo.
As horas passam, e começo a preparar o jantar. Meu tio já chegou, veio
antes, para me fazer companhia.
— Agora me diga, como se sente sendo livre? — brinca.
— Tio!
Ele ri.
— Queria saber como ela aceitou me deixar sozinha.
— Não irei mentir. Eu falei que se ela deixasse de cuidar da irmã, por
medo de deixar você sozinha, eu ligaria para a sua avó paterna e faria de tudo
para ter uma ajuda por parte dela, porque as coisas já estão saindo de controle.
— Nossa! Tio, isso é errado. Ameaçou sua irmã.
— Não ameacei, querida. Apenas fui sincero. Não é porque sou um
padre, que tenho que manter a calma. Sou humano, tenho falhas, e se precisei
falhar neste ponto para lhe trazer alegria, que eu seja condenado, mas serei com
tremenda alegria. Sua tia Cássia vai segurar sua mãe por lá, você vai viver sua
vida. Você precisa. E Deus sabe que eu faria de tudo para que isso acontecesse.
Está na hora de voar, meu passarinho engaiolado.
Sinto as lágrimas escorrerem por meu rosto, e corro abraçá-lo.
— Obrigada, tio. Eu estava com medo dela nos afastar.
— Isso nunca vai acontecer. Precisa confiar em mim, e em tudo o que
tenho em mente.
— Sim, senhor. Mas ela prometeu que eu não sairia e obedeceria.
— Se o seu coração falar que deve fazer, faça. Deus conhece seu coração.
Não adianta dizer não, quando sua alma grita sim. A boca pode mentir, mas o
nosso interior e nossos olhos jamais. O que ela faz não é certo, precisa entender
isso. Você tem que ter liberdade. Eu vou lutar por isso, nem que eu seja odiado
por ela. Eu a amo, mas o amor não significa aceitar os erros, mas sim ajudar a
pessoa a enxergar onde errou e dizer que ela precisa corrigi-los.
— Estou com medo — confesso ainda em seus braços.
— Eu sei. É normal. Só não é viver esta vida. Eu vou te ajudar, eu
prometo. — Beija o topo da minha cabeça.
— Não quero magoá-la, e tampouco a Deus.
— Siga seu coração e Deus poderá guiá-la. Só siga ele, e não a mente.
Afastamo-nos. Termino de preparar o jantar e rezamos antes de comer,
como de costume. Pela primeira vez tenho um jantar tranquilo e me sinto
culpada por pensar que só está assim por ela não estar.
— Antes de mais nada, grave bem o que direi. Tudo nos é licito, mas
nem tudo nos convém. Compreende?
— Sim. A Bíblia explica isso, tio.
— Ótimo. Lá fora não é repleto de monstros, tem pessoas boas, mas
temos que aprender a enxergar quais são as boas e ruins através dos pequenos
detalhes, e não da aparência, ou coisas assim.
— Então pode existir uma pessoa boa, mesmo que tenha tatuagens? —
pergunto lembrando do moço do mercado. Ele era diferente.
— Claro! Deus é o único que pode julgar, porque não somos juízes nesta
Terra.
— Entendo. Sempre acreditei nisso.
— Eu sei, meu anjo. O mundo é repleto de descobertas, e se soubermos
analisar todas com atenção, podemos aproveitar a vida sem precisar seguir o que
é errado.
— Mas como posso analisar, se nada conheço?
— Isso vai mudar. Confie em mim. Amanhã iremos em um lugar.
— Que lugar?
— Vai descobrir.
Estou curiosa por tudo o que vai acontecer. Mas também preocupada.
Como ela vai reagir ao descobrir? Estou realmente com muito medo.
Dá pra viver
Mesmo depois de descobrir que o mundo ficou mau
É só não permitir que a maldade do mundo
Te pareça normal
— Kell Smith “Era uma vez”
Raquel Pereira
Téo Lima
Vou até a recepção e Natanael já me olha feio. Porra, o que fiz agora?
— Qual é a da vez?
— Você e a camareira no quarto 310. Téo, ainda não é meio-dia, e já
começou a usar esse negócio?
— Ele trabalha cedo. — Dou de ombros.
Ele me entrega alguns papéis.
— A segunda turma para serem entrevistadas. Leve ao seu pai.
— Acho que não será necessário. Pelo visto vai contratar uma freira. —
Natanael arregala os olhos e rio.
— Verdade. Tem que ver a garota na sala dele. Nem senhoras se vestem
como ela. Se não for freira, está estudando para ser.
— Téo Lima, não ficou interessado por uma futura funcionária, é isso
mesmo?
— Exatamente. Tenho uma regra, meu caro amigo.
— Vou me arrepender, mas tenho que perguntar. Qual?
— Nada de virgens.
— Como sabe que ela é virgem? — pergunta com ironia.
— Primeiro, ela não erguia o rosto, só fez quando o tio chamou.
Segundo, ficou vermelha assim que me viu. Terceiro, se atrapalhou toda falando.
É virgem.
— Pode ser tímida.
— Ela nunca falou com um homem, além de um padre. Vai por mim.
Nunca erro. Tenho um radar do caralho.
— E eu tenho muito serviço. Some!
— Quanto mau humor.
— Oi, Téo — Pietra diz assim que se aproxima, trazendo alguns papéis.
— Oi, Doçura. E Mayara?
— Você é um safado! — diz com raiva e fixa a atenção no computador.
— O que eu fiz agora?
— Some daqui! — Natanael diz e saio rindo.
Vou para o meu escritório, e termino de conferir o livro caixa.
Estou em casa com minha gatinha. Peguei ela na minha mãe, e vim para
cá, antes de ser impedido pela mulher que consegue me enlouquecer, mas que eu
amo.
— Papai, podemos ver filme hoje?
— Está bem, mas apenas um.
— Eba! — grita e se joga em cima de mim, e na hora protejo meu pênis
que por pouco não é atingido.
— Cuidado, gatinha. Qual filme?
— A bela e a fera.
— Já vimos tantas vezes.
— E vamos ver de novo! — diz fazendo carinha de gatinho perdido.
— OK. Mas primeiro vamos tomar banho e depois fazemos pipoca para
assistir.
Ela vai correndo para o seu quarto, e sigo. Toma banho, e coloca um
pijama rosa, cheio de coroas brilhantes, sorrio vendo. Penteio seu cabelo,
enquanto ela me conta como a avó ajudou ela com a lição de casa.
— Faz trança, papai.
— Exigente, não?
— Mamãe falou que você tem que me tratar como princesa.
— Sua mãe anda falando muitas coisas, espertinha.
Puxo ela para o meu colo, e começo a fazer cócegas. Sua risada preenche
o quarto e o meu coração. Amo demais essa baixinha. É a mulher da minha vida.
O meu primeiro acerto.
Tomo um banho e depois preparo a pipoca. Ficamos assistindo o filme,
em meu quarto, debaixo das cobertas. Na verdade, eu fiquei assistindo, porque
ela dormiu na metade. Retiro a pipoca e os sucos do quarto. Escovo meus dentes,
e desligo a televisão. Fico com dó de levá-la para o seu quarto, e deixo que
durma comigo. Assim que deito, ela se aconchega em mim, e sorrio como um
bobo. Ela é a única que me deixa bobo. Dou um beijo em seu rosto e ajeito as
cobertas.
— É, gatinha, só você para fazer o papai ficar em casa uma hora dessas e
já pronto para dormir — sussurro.
Ela abre os olhinhos bem lentamente.
— Te amo, papai.
— Eu também te amo, gatinha. — Ela sorri e me derreto. Porra, essa
menina me mata.
Meu celular vibra, e estico o braço livre com cuidado para pegá-lo no
criado-mudo, pois Catarina dorme praticamente em cima de mim.
É uma mensagem:
Espero que esteja cuidando bem dela. Já sabe, um arranhão e fica sem suas
bolas.
Que inveja, quero minha menina. Você não deu sonífero para ela, não é?
Raquel Pereira
Estou na minha mesa de trabalho. Quem diria que um dia eu teria uma.
Antes de irmos embora da entrevista, o Sr. Lima informou o horário que eu
deveria vir e que era para trazer meus documentos. Por enquanto ficarei em
experiência e depois ele decidirá se irei continuar. Como se este emprego já não
estivesse com as horas contadas. Minha mãe vai me matar, eu tenho certeza
disso.
O próprio senhor Augusto me ensinou a mexer no sistema utilizado para
o hotel no computador, e achei fácil, mesmo eu me atrapalhando um pouco com
tudo. Parece que também terei de usar uniforme, e que hoje devo deixar minhas
medidas com o senhor Natanael, mas como vou saber? Minha mãe quem compra
minhas roupas. Resolverei isto depois.
Meu tio me acompanhou até aqui, e disse que me buscará assim que o
expediente terminar.
O senhor Augusto me deixou encarregada de colocar os dados dos
últimos ajustes feitos no hotel e seus gastos, disse que esta função era de seu
filho, mas ele está fazendo outras coisas. Só de pensar neste moço, eu fico
doidinha. Se minha mãe sonhar que estou trabalhando no mesmo lugar que o
moço na qual criticou no mercado, eu não sei o que ela fará, mas não será nada
alegre. Estou perdida. Tento não pensar, mas é impossível. Meu tio vai arranjar
problemas por tentar me ajudar, e isso só piora meu sentimento de culpa.
O telefone toca, e é de uma empresa de limpeza, transfiro para o telefone
do meu chefe, como ele também ensinou. Adorei ele, muito educado e paciente.
Desligo os pensamentos sobre o que pode acontecer quando mamãe
descobrir que estou trabalhando, e foco minha atenção no trabalho.
— Oi, Doçura. — Ergo lentamente o olhar da tela do computador.
Minhas mãos já começam a suar e meu coração acelera. Ele sorri de um modo
diferente, mas não sei dizer qual.
— Meu nome é R-Raquel. — Meu tom é baixo e parece que o diverte.
— Meu pai informou que está registrando os dados dos últimos ajustes.
Quando terminar me mande tudo, preciso colocar no livro caixa, ou o Sr.
Zangado me mata. Poderia deixar essas porcarias todas no computador, não
tenho paciência para ficar mexendo naquele negócio.
Não respondo. Não sei o que dizer. Acho que vou vomitar. Ele coloca as
mãos no bolso da calça.
— Você é bem tímida. Eu não mordo... bom, depende.
— De quê? — consigo dizer. Ele está me assustando um pouco.
— Melhor deixar quieto. Não se esqueça de me mandar tudo. Antes que
eu me esqueça, meu e-mail fica registrado no sistema. Sabe como encontrar? —
Faço que não com a cabeça. — Vou ser um bom homem e te ajudar.
Ele se aproxima, ficando ao meu lado. Muito próximo. Meu coração está
batendo rápido demais. Seu perfume fica muito mais forte, e fico um pouco
tonta, não pelo cheiro, porque é bom, mas não sei explicar o motivo.
— Abre o e-mail da empresa diretamente da área de trabalho. — Ele
mostra e presto atenção, mas meu olhar se desvia para sua mão no mouse, ele
usa um anel, será que é casado? Deve ser. — Depois vá ao lado esquerdo, e clica
nesta caixa onde tem uma estrela, e aqui vai mostrar diversos e-mails, o meu é
este. — Ele mostra e volto a olhar rapidamente. — É diferente dos e-mails
tradicionais, mas logo você pega o jeito.
Ele se afasta e não sei o motivo, mas agradeço mentalmente por essa
pequena distância.
— O-obrigada. — Sorrio timidamente.
— Precisa parar de gaguejar toda vez que falar. Eu já disse que não
mordo. — Ele sorri.
— Desculpa. Só não...
— Não está acostumada a falar com homens — ele completa. — Me
diga, já falou com algum além de seu tio?
— Eu...
— Pelo amor de Deus, deixe a menina em paz, Téo! — Sobressalto com
a voz do senhor Augusto.
— Só estou conferindo se ela precisa de ajuda.
— Não! De você, ela só precisa de distância.
— Não tenho culpa de ser o oitavo pecado e elas ficarem loucas. — Ele
me dá uma piscadela e sinto meu rosto esquentar muito. Então ele sorri.
— S-são só sete pecados — digo baixinho, mas pelo visto não tanto
quanto eu desejava.
— Posso te mostrar o oitavo, e vai ver como esteve enganada este tempo
todo.
Arregalo os olhos.
— Tenha a santa paciência. Some daqui e vá trabalhar! — seu pai grita
com ele.
— Estou brincando. De virgem quero distância. — Como ele pode dizer
isso para o próprio pai? E na minha frente? Que vergonha.
— Some logo daqui! — o senhor Augusto insiste e o filho sai rindo.
Volto a olhar para o computador ainda assustada com a conversa. Este
Téo é muito...
— Não ligue para o que meu filho diz. Ele esquece de usar o cérebro às
vezes. Qualquer problema pode me procurar. Irei sair agora, e não retorno hoje.
Assim que der seu horário pode ir embora. Amanhã nos vemos. Até mais. — Ele
sorri e se retira.
Fico trabalhando até a hora do almoço. Os funcionários podem almoçar
no próprio, na cozinha especial. As mulheres daqui falam muitas coisas
assustadoras, e a maioria apenas fala sobre o Téo Lima, e coisas que não entendo
muito, mas tenho certeza de que é melhor continuar sem entender. Depois do
almoço retorno ao trabalho, pois são muitas coisas para registrar. É legal. Depois
de vinte anos estar fazendo algo diferente é muito bom.
Téo Lima
Raquel Pereira
Raquel Pereira
Estou no serviço. Desta vez, eu vim sozinha. Meu tio não pôde me
acompanhar, tinha uma família para visitar. Confesso que gostei. Tive um pouco
de medo, mas é normal, pelo menos é o que eu acho.
— Cadê ele? — uma moça muito bonita, de cabelos escuros e um olhar
muito furioso, indaga.
— Ele quem? — pergunto sem entender.
— O cretino do meu irmão! Eu vou matar o Téo! — Olho assustada por
suas palavras. — Perdão. Sou Hannah, irmã do Téo. Eu já o procurei em todo
lugar e ele está fugindo de mim. Meu pai está aí?
— E-ele foi para um compromisso, mas disse que não demoraria muito.
Ela bufa. Está nervosa e me assustando. Será que é de família falarem
tudo o que pensam, assim do nada?
— O Téo, onde ele está?
— Não o vi hoje — respondo a verdade.
— Que ótimo. Ele me deixa com a filha, vai curtir com as milhares de
mulheres que sai, me faz levá-la para o colégio e manda apenas uma mensagem
de texto dizendo que buscaria ela depois. Eu vou matá-lo. Ele sempre faz isso.
Se o meu irmão não aparecer, eu vou recorrer ao reforço.
— Reforço?
— Sim! Desculpe o desabafo. Mas o Téo dá muito trabalho. Tem irmãos?
Nego.
— Sorte a sua. Se o vir, diga que a irmã assassina veio e que vai matá-lo.
Concordo com um aceno lento de cabeça.
— Até mais... Qual o seu nome?
— Raquel.
— Até mais, Raquel. — Ela sorri e se retira. Bem assustadora, mas
bonita. Tem traços semelhantes aos do irmão.
Volto ao que estava fazendo. O senhor Augusto me pediu para organizar
a lista de convidados, pois terá um evento em comemoração ao aniversário do
hotel esta semana. A lista é enorme, e deve ser organizada por ordem alfabética,
porque o local que fará os convites exige isso.
— Ela já foi?!
Grito assustada.
— Foi mal. — Ele sorri.
— Se está se referindo à moça muito brava. Sim.
— Minha irmã sabe ser assustadora quando quer. Eu deixei minha filha
com ela, e prometi que voltaria logo, e meio que menti.
— Mentir é pecado.
— Se for pecado, eu serei condenado ao inferno. — Ele ri.
— Como pode dizer isso, senhor?
— Senhor morreu, Doçura. Chame apenas de Téo.
— É Raquel.
— E eu sei. Se ela aparecer novamente, você não me viu.
— Ela disse que iria recorrer ao reforço.
— Ela não faria... Merda, faria sim. Samira vai arrancar minhas bolas!
Inferno. — Ele sai nervoso e apressado.
Meu Deus, como ele pode dizer tantas coisas assim?
Téo Lima
Ligo para a pequena demônia, conhecida por Hannah!
— Ah, cretino! Resolveu ligar?
— Maninha. Minha doce e amada maninha.
— Corta essa. Eu não sou babá. Eu amo minha sobrinha, mas tenho
minhas coisas. Perdi uma reunião importante hoje cedo, para levar a Catarina
ao colégio.
— Desculpe. Cheguei tarde, e não queria acordá-la — minto.
— Você é um idiota. E só por isso vai ficar me devendo.
— Devendo o quê? — pergunto preocupado.
— Terá que me ajudar a organizar o evento do hotel. Tem que ser o
melhor de todos. As pessoas precisam querer saber quem foi a responsável.
Papai me deu a chance de mostrar que o “Buffet Hannah” é pra valer. E irei dar
o meu melhor. E o senhor, vai me ajudar.
— Minha querida, deveria ter pedido algo mais difícil. Irei adorar te
ajudar nisso. Este local precisa de uma boa festa. — Sento em cima da mesa.
— Téo, nada de strippers, garçonetes nuas, ou qualquer coisa indecente
que tenha imaginado.
— Agora ficou chato.
— Problema seu. Me ajuda, ou conto a Samira que você vive saindo e
deixando a Catarina sob os meus cuidados ou da mamãe, e volta apenas no dia
seguinte. Ela vai amar saber que foge de suas responsabilidades.
— Me poupe. Uma vez ou outra faço isso.
— Você conhece a Samira. Quando se trata da filha, ela fica doida.
— Irei te ajudar. Só fique calada.
Ela ri.
— Pode deixar. Me ajude, e fico muda.
— Certo. Agora preciso desligar.
— Bye, bye. — Desliga.
Coloco o celular no bolso. Minha irmã definitivamente é a minha cruz.
Encho meu copo com uísque e acendo um dos meus charutos cubanos, os
melhores. Sento em minha cadeira, e relaxo. Minha noite foi agitada, e minha
manhã está sendo um tédio. Precisarei de muita bebida, e calma para lidar com
minha irmã, já que ela pode ser bem louca quando se trata de organizar algo.
Que graça tem fazer uma festa sem poder extrapolar um pouco? Algo tem que
ser tentador neste hotel. Tive todas que eu queria neste lugar, e não tem
novidades.
Coloco meu copo na mesa, e pego meu celular. Vou nas fotos, e vejo as
que tirei com a câmera e passei para o celular. Todas paisagens e pessoas
desconhecidas, de lugares distintos. Preciso fotografar, isso sim me anima
quando não tenho mulheres, óbvio. Mas, infelizmente, estou sem inspiração para
fotos. Sou como um pintor, eu preciso me inspirar para registrar algo. Não é
apenas tirar uma foto, é mais que isso. Eu tenho que sentir o momento, ver algo
além da cena, enxergar o que é alheio as outras pessoas.
Batidas na porta me fazem deixar o celular de lado.
— Entre.
A porta se abre e Raquel surge.
— Senhor Téo, seu... Meu Deus, você fuma? Isso mata e é errado! —
Olho para o charuto, levo-o até a boca, sob seu olhar reprovador. A fumaça se
espalha e ela fecha a porta nervosa. Sorrio.
— O que quer, Raquel?
— Isso é muito errado. Álcool e fumar? Vai te matar! — A menina está
realmente brava. Rio.
Deixo o charuto no cinzeiro, e assim apagará sozinho. Bebo um gole do
meu uísque e ela fica me olhando.
— Por Deus. Não tem amor a sua vida?
Ergo a sobrancelha e ela continua me olhando brava.
— Acho que sou bem grandinho para fazer o que bem entender. E quem
é você para dizer qualquer coisa?
— P-perdão. Só fiquei assustada. Perdão — implora.
— Raquel, o que queria? — mudo de assunto. A menina vai acabar
caindo dura no chão.
— Seu pai pediu para lhe entregar esses documentos, para que os
arquive. — Ela me entrega uma pasta.
— Do que se tratam?
— É a revisão dos procedimentos de segurança do hotel.
— Mais alguma coisa?
— Não. Com licença. — Ela se vira para sair.
— Raquel, quantos anos tem?
Volta a me olhar.
— Vinte anos, senhor.
— Téo. Apenas Téo.
— Tenho que ir. — Concordo e ela se retira.
Vinte anos e é toda certinha. Foi criada por freiras? Seu tio é padre, já era
de se esperar que a menina poderia ser assim.
Olho meu charuto e sorrio. Bebo o restante do uísque e abro a pasta para
avaliar os documentos antes de arquivá-los.
Raquel Pereira
O que eu tinha na cabeça em falar daquele modo com o Sr. Téo Lima?
Nunca agi desta forma. Meu Deus, eu preciso rezar e pedir perdão pelo meu ato.
O que eu fiz?
Sento em minha cadeira e respiro fundo. Estou completamente
envergonhada.
— Menina Raquel. Olhe só o que chegou! — Natanael me entrega uma
sacola.
— O uniforme?
— Sim. Experimente para vermos se está tudo certo.
— Agora?
— Claro. — Ele sorri.
— Está bem. Se o senhor Augusto perguntar...
— Não se preocupe. Vá.
Vou até o banheiro das funcionárias e dou sorte por estar vazio. Retiro o
uniforme da sacola. É uma saia preta e uma camisa azul-clara com o nome do
hotel.
Retiro minha roupa e visto o uniforme. Tudo é muito justo e estranho.
Fico na frente do enorme espelho e quase não me reconheço.
Eu tinha seios assim? Meu Deus!
Tento puxar a saia, que é bem curta. É exatamente um palmo acima dos
meus joelhos, acabo de conferir. Eu nunca usei roupa assim. Agora sim mamãe
ficará doida. Como vou usar isso? Todos vão ver minhas pernas, e curvas. Desde
quando eu tenho essas curvas?
Ouço batidas na porta seguidas pela voz do Natanael.
— Está tudo bem?
Vou até a porta, abro apenas uma frestinha e fico escondida atrás dela.
— Eu acho que é um número pequeno. Está tudo justo e curto. — Ele
sorri.
— Deixe-me ver.
Nego.
— Não seja boba. Preciso ver se realmente é necessário trocar o
uniforme.
— É que nunca usei algo assim. E o senhor é homem.
— Minha querida, está tudo bem. Só quero ajudá-la. — Ele sorri.
Vamos lá. Seja o que Deus quiser. Abro totalmente a porta e fico de olhos
fechados.
— Nossa! Senhorita está ótimo. É assim mesmo. Não tem nada muito
justo. É o modelo do uniforme. Ficou muito bem. Abra os olhos, bobinha. —
Faço o que ele pede.
— Tem certeza? Eu não sei. Está tudo muito...
— Natanael, você viu a Raque... Meu Deus! — O senhor Augusto para
na porta. — Minha querida, você é bem bonita sem aquelas roupas estranhas.
Desculpe a sinceridade.
Minhas bochechas esquentam. Quero me esconder. Nunca fui motivo de
elogios. Meu tio me elogiava, mas apenas ele.
— Eu não sei...
— Precisa apenas de sapatos adequados. Porque estas sapatilhas não
combinam. Tem que estar sempre bem-vestida, nada muito chique. Nosso hotel
recebe muitas pessoas importantes e, às vezes, vão vê-la, então temos que passar
uma boa impressão desde nossas vestes. — o senhor Augusto diz.
— Mas que sapatos? — pergunto curiosa.
— Saltos. Não precisam ser altos demais — Natanael responde.
— Nunca andei de saltos. Não sei...
— Não se preocupe, vai dar tudo certo, querida — Natanael diz animado.
— Ótimo. Assim que voltar para a sua mesa, preciso que entre em
contato com o último hóspede do quarto 418. Esqueceram um relógio e um
perfume. — Concordo e ele se retira.
— Já tenho que ficar com isso?
— Sim, senhorita! — Natanael afirma sorridente.
Meu Deus! Acho que nem mesmo meu tio vai gostar disso.
Téo Lima
Saio de minha sala e procuro por Natanael, porém não o encontro. Onde
o homem se enfiou? Hannah me ligou e quer saber a quantidade de tudo que tem
na limpeza, cozinha e banheiros. Ele registra tudo, então só ele para responder. A
menina está levando a sério o trabalho. Disse que não pode faltar nada. Só faltou
perguntar a quantidade de tudo o que necessita nos quartos.
— Doçura, e Natanael? — pergunto a Mayara.
— Foi levar o uniforme da Raquel. Agora chispa, seu tarado. Tenho
hóspedes para atender.
— Ok, estressadinha.
Vou até a mesa da Raquel, mas ela não está. Pergunto ao meu pai por
Natanael e ele diz que está na ala dos funcionários. Vou até o local, e está vazio.
Neste horário todos estão trabalhando. Entro no corredor dos banheiros, e vejo o
bendito homem na porta do feminino.
— Olhe só. Depois eu sou o safado. Olhando as funcionárias? Coisa feia
— brinco e ele se assusta.
— O que faz aqui?
— Te procurando. — Me aproximo e a porta do banheiro se fecha. — O
que você faz aqui?
— Ala dos funcionários.
— Porta do banheiro feminino. — Ergo a sobrancelha e ele revira os
olhos. — Quem está escondendo? Safado! — Ele fica vermelho.
— Não estou escondendo nada. É apenas...
— Meu caro amigo, já vi todas as mulheres deste hotel nuas... Bom
algumas não, mas seja lá quem for pode me dizer.
— Deixe de gracinhas. Não é o que está pensando. Eu estou ajudando...
— não permito que ele termine. Abro a porta e a pessoa grita assustada.
— Pelo amor de Deus, é apenas uma mulher vestida... PUTA QUE
PARIU! — Só pode ser o uísque com o charuto que não me fez bem. Não é
possível.
— Vamos, senhorita. Precisamos retornar.
Ela me olha e está completamente encabulada. Tenta puxar mais a saia, o
que não resolve nada. Nossa, que belas curvas!
— Nada mal, Raquel. E olha que não a vi nua.
— TÉO LIMA! — Natanael me repreende e sorrio.
— Só estou surpreso. A menina tem um belo corpo. Rosto de menina e
um corpo de mulher. A santinha escondia um bom conteúdo.
Ela entra correndo em uma das cabines e se tranca.
— O que eu fiz? — Natanael me acerta um tapa no braço.
— Some daqui! — Ele me empurra para fora.
— Nem pensar. Eu a assustei. Eu cuido disso.
— Téo...
— Confie em mim, homem. Vá cuidar do seu serviço. Tem bastante
hóspedes e as meninas estão sozinhas. — Ele me olha sério. — Vai.
— Não faça mais nada errado!
— Prometo! — Ele se retira.
Vou até a cabine que ela está e bato.
— Raquel, desculpa se eu te ofendi. Só fiquei surpreso. — Se esta
menina pedir as contas por minha causa, meu pai me mata.
Escuto-a fungar. Ótimo, está chorando. Estou fodido.
— Raquel, abre, por favor.
Ela abre a porta. Está sentada na tampa da privada, chorando.
— Eu não quis te ofender, é sério. Foi um elogio.
— É que os homens n-nunca me elogiaram. E-eu, estou a-assusta...
assustada — gagueja.
— Sério? Está brincando, não é?
Ela nega, e enxuga o rosto sem jeito.
— Você é bem estranha. Quero dizer... Esquece. — Pelo visto, não estou
ajudando, já que ela chora mais.
— Desculpa eu estar chorando, só...
— Está tudo bem. Eu fui infeliz nos comentários. Não deveria ter falado
daquela forma...
— Está tudo bem. Vou ficar bem. Pode ir, senhor.
— Se me chamar de senhor novamente, eu vou ficar bem estressado. —
Ela me olha e sorrio. — Lave o rosto e vamos sair daqui. Se meu pai sonhar que
estou com você aqui dentro, eu serei morto.
Ela concorda. Passa por mim e não deixo de reparar em seu traseiro, nada
mal. Caralho, sou um cretino. Ela lava o rosto e enxuga com o papel toalha,
depois joga fora.
— Agora me fale a verdade. Realmente nunca foi elogiada por homem?
— Não menti. É verdade.
— Não sai para a rua? — Só assim para não ter sido elogiada por
qualquer um.
— Saio com minha mãe. Ela é muito “religiosa”. — Faz aspas com os
dedos. — Fui criada com muitas regras. Este é meu primeiro emprego, e é a
primeira vez que uso uma roupa assim. Também é a primeira vez que falo com
homens que não sejam da família. — Eu devia ter apostado com Natanael. —
Não devia estar falando nada disso.
— Olha, essa sua mãe deve ser um porre. — Ela fica me olhando sem
entender. — Esquece. Vamos sair daqui.
Ela pega a sacola e coloca as roupas antigas dentro.
— Fiquei curioso pela sua história. Nunca vi nada assim — sou sincero.
— Minha vida não tem muito o que ser contado.
— Duvido.
Saímos dali. Deixo-a em sua mesa, e vou atrás de Natanael. Espero ele
atender o hóspede e me aproximo.
— Preciso da lista com quantidade de tudo o tem na cozinha, produtos de
limpeza e tudo para banheiros, a Hannah pediu. E quero saber tudo o que sabe
sobre a Raquel.
— Darei a lista, e não falarei nada da menina.
— Não seja ruim. Ajude este pobre homem curioso.
— Não posso. Eu não sei quase nada. Apenas o que todos sabem. É
tímida, e vem de uma família religiosa. Téo, fique longe. Você prometeu.
— Eu não irei levá-la para a cama, mas estou curioso para saber da vida
dela. Você viu aquilo no banheiro? Ela chora por receber elogios. Que tipo de
família ela veio? Religiosa ou de loucos?
— Não sei e não é da nossa conta.
— Pois irei descobrir. Estou bastante curioso.
— Isso não vai acabar bem! Não se meta no que não lhe diz respeito. —
Sorrio.
O que posso fazer? Sou um homem curioso. Quem realmente é Raquel?
Eu vou descobrir.
Agora, não sou muito um poeta
Mas sei que alguém me disse uma vez
Para aproveitar o momento e não desperdiçá-lo
Porque você nunca sabe que tudo pode acabar amanhã
— Rihanna e Eminem “The monster”
Téo Lima
Estou na minha mãe. Samira passará aqui para pegar a Catarina. Ligou
avisando que conseguiu terminar tudo antes do tempo. Já jantamos, e Catarina
brinca no quarto com a Hannah. Quando as duas se juntam, não há quem consiga
aguentar, é loucura na certa.
— Marido, como é a nova funcionária? Téo já fez merda? — dona
Eleonor pergunta.
— Estou aqui, mãe, sabia?
Ela faz um gesto qualquer com a mão direita.
— Ela é ótima. Muito educada. Delicada. Faz tudo certinho. E o melhor,
é quase uma freira.
— Está é nova. Quase freira?
— Ela não é freira. Só parece uma — digo.
— Exatamente. O que significa que seu filho ficará longe dela.
— Agora ele é meu filho? Téo faz merda, e é meu filho. Téo faz o certo e
é seu filho? — ela pergunta a ele e sorrio.
— Você entendeu, meu amor.
— Não entendi não, bonitinho. Vai dormir no sofá.
Sorrio.
— Não sorria, moleque. Não esqueça de convidar a Samira para o evento
— ele muda de assunto.
— Já fiz isso. Ela não sabe se vai — minha mãe diz melancólica.
— Quero que seja muito bom. Foram anos de luta por este lugar. Merece
um dia especial para ele — meu pai diz orgulhoso. — Seria melhor se alguém se
importasse mais.
Estava demorando para começar.
— Pai, eu me importo. Mas não nasci para ficar ali.
— Não comecem. Toda vez que entram neste assunto sai faíscas.
Catarina está aqui, vamos evitar confusões pela menina — minha mãe diz
determinada, e meu pai suspira.
Catarina vem correndo até mim, rindo sem parar.
— O que aconteceu, gatinha? — Ela ri.
Hannah aparece na sala e olhamos para ela sem entender.
— Eu acabei caindo da cama brincando com ela, e parece que isso a
diverte — diz e rimos.
— É pior que ela, minha menina — meu pai fala e Hannah sorri.
— Apenas gosto de me divertir — ela rebate e se senta no braço do sofá
ao meu lado. — E você, maninho, pronto para me ajudar com o evento?
Meus pais nos olham.
— Sim.
— O que o Téo fez para você, que está torturando-o? — minha mãe
questiona. Nos conhece bem.
— Nada. Não é, Hannah? — Ela concorda, rindo.
Catarina se senta no colo da avó, que ajeita seu cabelo. Minha mãe nem
sonha que a neta ficou aqui porque eu fui para a boate e não porque a Hannah
queria.
— Minha mãe vai demorar, papai?
— Acredito que não. Já quer me abandonar? — Finjo tristeza e ela sorri.
— Não. Mas estou com saudade dela.
— Logo ela chega, princesinha — meu a tranquiliza. — O vovô vai ficar
com saudade. — Ele estica o braço e ela vai até ele abraçando-o. — Que abraço
mais gostoso.
— Estou sem ar, vovô — ela resmunga e ele sorri. — É, meu filho, fez
algo certo, pelo menos uma vez. — Entendo o que quer dizer e não posso
discordar. Minha filha é tudo para mim.
A campainha toca e minha mãe vai abrir. Samira entra e ambas se
abraçam.
— Mamãe! — Catarina corre para os braços da mãe, que a pega no colo
e a enche de beijos.
— Que saudade, minha linda!
— Eu também estava, mamãe. — Beija a mãe no rosto.
Catarina vai para o chão e Samira cumprimenta a todos nós.
— Está cada vez mais bonita, querida! — meu pai a elogia.
Todos sempre gostaram de Samira como parte da família. Ela sabe
conquistar as pessoas.
— Olha quem fala! O senhor não envelhece, não? E a Eleonor? Linda,
como sempre — ela diz e minha mãe mexe nos cabelos e todos rimos.
— Pode parar, Samira, sabemos que a mais bela aqui sou eu! — Hannah
fala e Samira dá uma piscadela para ela.
— Mamãe, ganhei presentes da tia Hannah.
— Que maravilha, meu amor. Quero ver tudo depois. — Catarina
concorda animada. — Agora pegue suas coisas, para não irmos muito tarde. —
Ela sai em disparada da sala e Hannah vai atrás.
Trouxe a mala dela para cá. Minha mãe queria que jantássemos juntos, e
como Samira viria, facilitei.
— Téo, vou fazer a vistoria. Um arranhão nela e já sabe! — provoca-me.
— Se quiser vistoriar outra coisa.
— Babaca! — responde me olhando feio.
Minha mãe ri e então diz:
— Isso aí não tem jeito não, minha querida. Só nascendo de novo.
— Tem sim, Eleonor. Deixa só alguma mulher entrar no caminho dele e
ele ficar de joelhos por ela. Ah, eu vou querer ver isso.
— Vamos querer ver isso! — meu pai rebate.
— Eu irei até filmar. Quando isso acontecer, não quero perder. — Minha
mãe bate palmas animada.
— Quando isso acontecer, é porque o apocalipse chegou em seu
momento final — reclamo e eles riem.
— Cuidado, Téo. Nunca se sabe. Se bem, que só uma louca para te
aguentar — Samira fala rindo.
— Engraçadinha! Não está na hora de ir?
Ela sorri, e não resisto e acabo sorrindo.
O sonho da minha família é me ver louco por alguma mulher. Porra, isso
lá é sonho? Já enlouqueço com loucas que transo, imagine uma na minha cola.
Seria carma demais. Por falar nisso, o padre não me trouxe nenhuma resposta.
— Ah, Téo, quase me esqueci! Giovana me contou sobre a quase noite
de vocês. Que baixaria. — Ela ri. — Vivi para descobrir isso. — Eu vou matá-la.
— Eu não acredito! Você foi para a cama com a irmã da Samira?! — meu
pai grita.
— Meu filho, esse treco tem que cair, ou vamos enlouquecer com suas
safadezas!
— Relaxem, não aconteceu nada pelo que ela disse. — Samira continua
rindo.
— Sim, eu broxei e aí? — falo nervoso.
— Ai, meu Deus! Meu filho, você tem certeza de que não é gay?
— Téo é gay?! — meu pai pergunta assustado. — Impossível. E todas
aquelas mulheres?
Samira ri sem parar. Vou matar ela e a irmã. Duas pragas. Atiro uma
almofada nela, que desvia e continua rindo.
— Eu não estou bem — meu pai fala apreensivo.
— Eu sempre quis um filho gay. Deve ser tão bom! — Minha mãe
suspira.
— Porra, eu não sou gay! Samira, você me paga — ameaço nervoso e ela
me mostra a língua, quanta maturidade.
Raquel Pereira
Depois que saí da casa da minha mãe, minha noite foi péssima. Fui para a
boate e não aconteceu nada. Literalmente nada. A maldição voltou para a minha
vida. Não consegui ter uma porra de uma ereção. Estou com dor de cabeça de
tanto beber. Que merda está acontecendo? Estou sem paciência, de péssimo
humor e preocupado. Porra, nunca aconteceu e agora acontece duas vezes!
Hannah decidiu ontem, que iríamos começar a partir de hoje resolver
tudo do evento que já está atrasado. Antes eu tinha que deixar alguns
documentos com meu pai, mas para a minha sorte seu humor está horrível
também.
Assim que Raquel sai de sua sala, ele confere os papéis que deixei, e
depois junta tudo e coloca em sua mesa.
— Téo, preciso que faça uma coisa.
— Hoje, sua filha me obrigou a ajudá-la.
— Não é para hoje. Depois do evento preciso viajar por alguns dias para
o exterior. Se tudo der certo fecharei negócio para abrimos um hotel em Los
Angeles também. Mas para isso preciso que assuma meu lugar e cuide disso
corretamente nesses dias.
— Quantos dias?
— Não sei. Mas não é rápido. Acredito que por quinze dias.
— Nem pensar, pai. Sabe que isso aqui não é para mim!
— Téo, sinto muito, mas não tem escolha. — Ele retira os óculos de grau
e esfrega os olhos. — Eu não posso perder esta oportunidade. E você tem que
me ajudar. Pelo menos uma vez, faça algo por este lugar. Finja ao menos se
importar com o lugar que lhe gera sustento.
— Pai, eu nunca disse que não me importo. Eu só não nasci para viver
aqui como o senhor. Eu nunca gostei de ficar trancado em uma sala. Isso não é
para mim.
— E O QUE É PARA VOCÊ?! — grita. Estava demorando. —
Mulheres, bebidas, e esbanjar dinheiro? Porque me nego a aceitar que queira
viver daquelas porcarias de fotos! Isso não vai lhe dar sustento algum. Mal
poderá pagar a pensão de sua filha. Quer sair tirando fotos? Então vá, mas crie
responsabilidades aqui também. Pare de pensar apenas em você.
— Porcarias? Nunca as viu. Nunca se importou. — Rio estressado. — Se
tem alguém aqui que se importa apenas consigo mesmo é o senhor! Quando
abriu este lugar, começou do pequeno, do humilde, e não sabia se daria certo.
Mas veja só aonde chegou. Sabe por que chegou aqui? Porque mamãe, Hannah e
eu acreditamos no seu sonho. Eu sempre te apoiei. Quando Hannah passou por
tudo aquilo e se afastou, eu fiquei aqui. Eu escolhi ficar. Quando todos
resolveram cuidar de seus próprios desejos, eu fiquei aqui. O filho ingrato ficou
exatamente aqui. Eu me importo com este lugar, eu me importo com o senhor.
Mas será que o senhor se importa comigo? Desculpa, papai, mas se hoje sou
assim é de sua responsabilidade também. Porque quando eu queria um abraço,
ganhei brinquedos; quando eu queria conversar, ganhei dinheiro; quando concluí
a faculdade não ganhei felicitações, ganhei um carro. Você sempre supriu a sua
ausência em minha vida e falta de fé em mim com tudo o que o dinheiro pode
comprar. E agora quer exigir que eu seja melhor? Eu sou o resultado da sua
criação.
Saio de sua sala, com ele me chamando, mas não dou ouvidos. Passo por
Raquel, que me olha assustada, deve ter escutado tudo. Coloco meus óculos e
vou para a recepção. Hannah me olha assustada.
— Téo, o que houve? Veio como um furacão.
— Nada. Vamos logo!
Entramos em meu carro, e Hannah se mantém calada, mas sei que não
por muito tempo, conheço bem minha irmã.
— Para onde?
— Vamos para a loja “Festas e Doces”. Sabe onde fica?
Assinto, colocando o cinto e dando partida.
— Brigaram novamente, não é?
Não respondo.
— Papai é teimoso as vezes, eu sei bem disso. Mas, Téo, tenta entender
um pouco...
— Eu venho tentando entendê-lo minha vida toda.
— Eu sei... Brigaram por qual motivo agora?
— O mesmo de sempre.
— Sabe, mamãe tenta evitar que vocês conversem por ter medo do que
possa vir a acontecer, mas, na boa, ele terá que entender que você ama
fotografar, que essa é sua paixão. Se ele ao menos visse suas fotos. São lindas.
Você é bom no que faz.
— Ele não aceita, sabe disso.
— Vocês são dois cabeças-duras. Em parte, a culpa é minha. Depois que
tudo aconteceu, eu joguei toda a responsabilidade de filho apenas para você.
— Você não tem culpa de nada. O culpado sou eu. Me acomodei, o
tempo passou, e agora já está sendo tarde para consertar todas as merdas.
— Não é tarde. Ainda tem tempo. Prove a ele que você é bom nas fotos.
Prove que Téo Lima com uma câmera nas mãos, é como um grande escritor com
um computador ou papel e caneta. Você é um artista, meu irmão. Suas fotos são
obras de artes. — Ela sorri.
— Estou sem inspiração para fotografar. Sabe que não funciona apenas
sair fotografando.
— Mostre as antigas. As que você me mostrou.
— Não. Esquece isso, Hannah. Além do mais, ele vai viajar a trabalho.
— Ouvi ele comentar com a mamãe. Tempo perfeito para você aprontar
uma grande exposição de suas fotos.
— Esquece isso, e nem pense em fazer nada. Não quero que arrume
problemas por minha causa. Eu darei um jeito em toda essa bagunça.
— Está bem. Agora me diga, por que já chegou estressado?
— Você vai rir.
— Não irei.
— Vai sim. — Paro no sinal vermelho.
— Não vou. Diga logo!
— Broxei ontem à noite quando fui para uma boate. E é a segunda vez
que acontece.
Ela se mantém séria.
— Pode rir.
— Não. Por que iria rir? É normal acontecer.
— Não comigo! — exclamo revoltado.
— Téo, o corpo e a mente cansam. Talvez seja o cansaço ou... Deixa pra
lá. — O sinal abre e volto a dirigir.
— Ou? Diga de uma vez, sabe que não consegue ficar muda.
— Ou você está cansando desta rotina de libertinagem, e está rejeitando
por puro cansaço de continuar vivendo assim. — Rio.
— Piada. Eu, cansado de viver assim?
— Às vezes, não quer admitir para si mesmo. Mas uma hora cansamos
de viver a mesmice. Seu corpo está cansando de viver sempre as mesmas coisas.
E, no fundo, você sabe disso. Acho que sua mente e corpo dizem para encontrar
alguém e sossegar, mas sua teimosia exige que seu pau levante para todas as
mulheres que aparecem na sua frente, apenas para se mostrar o garanhão. Pronto,
falei.
— Só pode ser piada. Não tem outra explicação.
— Eu duvido que, desde que se separou da Samira, nunca pensou em ter
um relacionamento de verdade. Pertencer a alguém bom.
Não respondo. Já pensei, é claro. Mas descartei na velocidade da luz.
— Chega desse assunto.
— Está bem. Mas uma hora vai querer deixar de ser o Senhor Pecado
como sai dizendo por aí, e tomara que não seja tarde. E pare de dirigir como um
louco.
Qual o problema com o meu modo de dirigir, é sério?!
Entramos na casa da minha mãe. São seis horas da tarde. Hannah me fez
ir em todas as lojas de festas abertas. Eu quero matá-la, mas pelo menos disse
que encomendou e comprou quase tudo, falta apenas os comes e bebes, e espero
que não precise de mim.
— Olhe só, meus dois filhos em casa. Resolveram se importar com esta
pobre velha? — dona Eleonor diz se sentando no sofá à nossa frente.
— Mamãe, tive uma ideia. Téo disse que é péssimo.
Claro que eu disse. Eu não seria o irmão mais velho se não dissesse.
Além do mais falaria qualquer coisa para ela calar a boca por alguns segundos. A
garota não parava de falar.
Brinco com a bolinha do piercing dentro da boca, passando no céu da
boca.
— O que pensou? — minha mãe pergunta.
— Pensei em circo. Muitas luzes, mágicos, tochas e garçons fantasiados.
Fitas vermelhas e douradas. Um circo com elegância. Cartolas, varinhas, tudo
que faça os convidados sentirem a magia do momento.
— Resumindo, um Cirque du Soleil cheio de trecos — provoco.
— Idiota. Vá tomar o remédio para sua dor de cabeça e nos dê paz.
— Gostei da ideia. Fugirá da mesmice das festas ali. A festa pode ser no
jardim dos fundos, e o jantar no salão de festas. Dois ambientes. — Minha mãe
se anima. — Adorei. Já quero este evento.
Reviro os olhos.
Saio da sala e vou atrás de remédio para dor de cabeça. Assim que
encontro tomo. Retorno para a sala e elas ainda continuam animadas. Não sei
para que a Hannah pediu opinião, já que comprou tudo para o tema que quer. Ou
seja, ela faria com minha mãe aceitando ou não.
— Estou indo.
— Já vai, meu filho? Comeu? Estou te achando tão magro. Não está
usando drogas, não é?
— Mãe pare de paranoias. — Beijo seu rosto e depois o de Hannah.
— Não está magro? Olhe isso — pergunta a minha irmã.
— Mãe, está a mesma coisa. Tendo mais bunda que eu, isso sim é para se
preocupar.
— Hannah, tem coisas que deveriam ficar em sua mente apenas, sem
compartilhar — falo e ela ri.
— Tatuagens que não acabam, é piercing na língua... Seu irmão está
usando drogas, tenho certeza.
— Mãe, não é porque a pessoa tem tatuagens ou piercing que usa drogas
— Hannah rebate e concordo.
— Sou a mãe, eu falo e vocês têm que concordar, mesmo que eu esteja
errada. Agora pronto. Me desacatam dentro do meu próprio lar. Preciso de um
suco de maracujá. Meus nervos vão me matar. — Ela sai da sala e ficamos rindo.
Vou embora e direto para casa.
A vida continua, fica tão pesada
A roda corrompe a borboleta
Cada lágrima, uma cachoeira
Na noite, na noite de tempestade
Ela fecha os olhos
Na noite, na noite de tempestade
Ela voaria para longe
— Coldplay “Paradise”
Raquel Pereira
Chego ao trabalho novamente sozinha. Não dormi quase nada. Estou bem
desanimada hoje. Cumprimento as meninas e Natanael, além de outros
funcionários. Vou para a minha mesa, e ligo o computador. Já tem um papel
deixado pelo senhor Augusto do que tenho para fazer hoje. Começo a trabalhar,
e isso ajuda a me distrair.
— Bom dia — senhor Augusto diz, e me assusto, pois nem sequer
percebi quando se aproximou.
— Bom dia, senhor.
— Hoje irei me ausentar novamente, tenho reuniões antes de viajar. Se
tiver algo importante me ligue no celular. O número está na agenda que tem no
sistema.
— Senhor, a empresa de limpeza estará aqui no final de semana, porém
disseram que os valores serão maiores por dedicarem dois dias seguidos e com
longos horários ao hotel.
— Sem problemas. Preciso ir agora. Até mais tarde ou até amanhã para a
festa. — Ele sorri e se retira.
A festa que eu não deveria ir e esqueci de informar ao meu tio. Meu
Deus!
Téo Lima
Estou fugindo da Hannah, porque sei que vai exigir que eu a ajude em
mais coisas. Ela está doidinha, e se eu deixar, ficarei como ela.
São sete horas da noite. Ainda não fui para casa. Estou em minha sala.
Natanael está aqui falando sobre o que tem que mandar arrumar no hotel.
— Apenas isso? — pergunto, quando ele me entrega a pequena lista.
— Sim.
— Ótimo. Mas é para arrumar somente após a festa. Segunda-feira.
Ele concorda.
— Eu quero ir embora. Sabe se Hannah está andando pelo hotel?
Eu me tranquei na sala e abri apenas para Natanael.
— Não. Ela já foi. Na verdade, do turno da manhã restou apenas você e a
Raquel. Todos os funcionários da noite chegaram. E eu fico, afinal moro aqui e
vivo por este lugar.
— Ela está fazendo extra? — pergunto.
— Não. Está treinando.
— Treinando o quê? — Essa é nova.
— Não é da sua conta.
— Não faça isso. Sabe que descubro sozinho.
— Está bem. Ela está no quarto 410.
— Que diabos ela faz lá?
— Eu já disse, treinando. E você fique longe, não estou brincando.
— E o tio da Santinha não apareceu para levá-la?
— Veio, mas ela disse que teria que ficar um pouco mais, e eu me
comprometi em chamar um táxi para ela, e arcaria com o custo.
— Nossa! Quanta bondade. Qual o problema que todos estão idolatrando
a garota?
— Ela é boa. Gosto dela.
— Hum... Interessado? — provoco.
— Pelo amor de Deus! — Ele fica nervoso e isso me faz rir. — Ela não
faz o meu tipo — pigarreia.
— Não vai me dizer que é...
— Sou. Nunca percebeu? Me poupe.
— Porra, isso sim é novidade. Você é gay?
— Com orgulho. Agora com licença.
— Por isso, fica tarando minha bunda — provoco ainda mais.
— Eu não ganho o suficiente para isso. Não ganho! — Sai nervoso da
sala e gargalho.
Porra, é cada novidade que aparece. Por falar em novidade, a santinha
está no quarto 410. Eu disse que iria descobrir mais sobre ela, que tem me
intrigado, e esta é uma boa oportunidade. Além do mais, o que ela está
treinando?
Subo para o andar do quarto. Solange, uma das camareiras, está no
corredor.
— Oi, Téo. — Sua voz é baixa.
— Oi, Doçura.
Ela olha para os lados e se aproxima, ficando com o corpo colado ao
meu.
— Podíamos repetir tudo novamente. — Acaricia meu rosto.
— Podíamos, não é? — Me aproximo de seu ouvido e mordo o lóbulo de
sua orelha, ela geme baixinho. — Mas não repetirei.
Me afasto com ela me xingando e rio. Ela vai embora com seu carrinho.
As únicas mulheres que repito são as da boate Mister Sin, porque não criam
esperanças.
Bato na porta do quarto em que Raquel está. Ninguém responde. Bato
novamente, e novamente. E quando penso em desistir, a porta se abre. Ela me
olha e logo fica vermelha.
— Deseja algo, senhor?
— Já disse que é Téo. Soube que estava treinando — sou direto.
— E-eu... Sim.
Entro no quarto sem esperar por um convite. Ela fica me olhando e tenho
vontade de rir, porém controlo. Ela fecha a porta e se encosta nela. O quarto está
normal. Apenas um par de sapato no chão. Que porra de treino ela fazia?
— Não devemos ficar sozinhos aqui. É errado.
— É mesmo? Quem liga, não é? — Sento-me na cama. — Então, o que
fazia aqui?
— Sua irmã me emprestou estes saltos, e estou tentando andar.
Sorrio.
Pego eles e avalio. Raquel não tem cara de quem já usou algo assim.
Prevejo o hotel tendo que pagar os custos das pernas quebradas dela, por culpa
de Hannah.
— E vai usá-los quando?
— Amanhã.
— Isso que eu chamo de querer milagre. Não deve ser tão ruim assim.
Ande para eu ver. — Se eu quero descobrir coisas sobre ela, preciso passar mais
tempo com ela.
— Melhor não.
— Pare com isso. Venha aqui, Doçura, não vou te engolir.
Caminha em minha direção em passos lentos.
— É Raquel. Não me chame de Doçura. — Acabo sorrindo.
Ela para ainda afastada. Levanto, e me abaixo na sua frente. Ela fica me
olhando assustada.
— Permita-me.
Coloco o sapato em seus pés, então me levanto.
— Ande para eu ver.
— Você vai rir.
— Prometo que não irei.
Ela olha desconfiada.
— Não irei rir — afirmo.
— Está b-bem.
Ela caminha sem me olhar. Tropeça algumas vezes. É dura no andar. Não
entendo de saltos, mas acredito que isso é péssimo.
— Então, continue andando enquanto conversamos. Pode ser que se
distraindo consiga.
Ela concorda.
Ela caminha lentamente. Encosto em uma das paredes, colocando as
mãos no bolso da calça. Fico atento ao seu andar, para o caso de qualquer
acidente. Parece que ela tem medo do chão do jeito que está andando.
— Mora com seus pais?
— Apenas com a minha mãe. Meu pai já faleceu.
— Eu sinto muito.
Por pouco, ela não cai.
— Cuidado!
— É difícil. Não vai dar certo.
— Se continuar pensando assim, não vai mesmo. Você consegue, só
continue andando, e olhando para mim, assim manterá o equilíbrio. — Ela ergue
o olhar. É tímida demais.
Faço perguntas tolas sobre ela, apenas para entrar no assunto que tanto
quero. Ela responde enquanto continua andando, e desta vez me olhando.
Algumas vezes sorri, quando quase cai, e devo confessar que tem um belo
sorriso.
— Você disse que sua mãe é a mais religiosa da família, certo?
— Todos são — afirma. — Mas mamãe é um pouco complicado de dizer.
— Você já pensou em ser freira, ou algo assim?
— Não. Mamãe também não queria.
Percebo que, quando fala da mãe, é um pouco travada, parece ter medo.
— Sua mãe parece ser bem séria.
— Ela é sim. Suas palavras são quase leis... — parece dizer mais para si
do que para mim.
— Tem namorado?
— Não! Nunca namorei. Minha mãe jamais deixaria. — Ela fica
vermelha.
Caminho até a cama onde me sento novamente. Acho que estou
começando a entender por que ela é assim meio estranha.
— Raquel, já fez algo porque queria? — vou direto ao ponto.
Ela para no meio do quarto e me olha.
— M-melhor mudarmos de assunto.
Concordo.
Essa mãe dela tem algo haver com ela ser assim. Lembro das palavras do
padre no dia da igreja:
“Tenho uma sobrinha, mas acho que não daria. Na verdade, seria uma
missão impossível.”
“Isso seria maravilhoso. Vou ver o que faço. Na verdade, irei rezar
muito, porque só Deus para ajudar no que tentarei.”
Ela disse que mora apenas com a mãe. Tem algo de muito louco nesta
história, e agora fiquei mais curi...
— Ai! — Seguro-a rapidamente assim que despenca em meu colo com
um gritinho, interrompendo meus pensamentos.
— Está tudo bem? — pergunto a ela, que tem a respiração ofegante pelo
susto. Está tremendo.
— S-sim. P-perdão. Eu iria sentar para descansar os pés, mas tro-tropecei
— gagueja.
— Está tudo bem. Relaxa. — Ela se levanta do meu colo e se senta ao
meu lado, retirando rapidamente os saltos. — Raquel, se acalma, foi um
acidente.
— É que isso tudo está errado.
Ela se levanta descalça. Está nervosa.
— Eu não podia estar trabalhando aqui. Eu não poderia estar tentando
usar saltos. E nem cogitar a ideia de vir à festa. Agora estou sozinha com o
senhor, caí em seu colo. Está tudo errado. Quando minha mãe descobrir, não vai
me perdoar nunca. Eu prometi a ela que... — chora desesperadamente. —
Prometi que não faria nada de errado. E agora... Agora... Ela está longe, e eu
aqui es-escondendo tudo d-dela... — soluça em desespero. Certo, não estou mais
entendendo nada.
Levanto e caminho até ela, que se afasta.
— Deus deve estar completamente triste comigo. Eu estou mentindo para
a minha mãe. Ele não se agrada de mentiras. São vinte anos assim, e não deveria
mudar. Ela é minha mãe... — ela começa a desabafar. A garota está tremendo
muito.
— Raquel, eu não consigo entender. Você precisa tentar se acalmar.
— Não posso. Eu tenho que ir embora. Não posso voltar. Não posso. É
pecado tudo isso. Ela deve ter seus motivos para me afastar de tudo. Ela é mãe,
sabe disso tudo. — Continua chorando. Estou preocupado.
— Senta na cama, que vou pegar água. — Ela caminha e faz o que digo.
Não para de tremer e chorar.
Pego água no frigobar. Abro a garrafinha e entrego a ela, que bebe uma
boa quantidade.
— Eu quero ir embora.
— Vou falar para o Natanael pedir um táxi.
— Não. Não quero ir sozinha. Eu estou com medo. — Esta menina está
tendo uma crise de pânico, não é possível.
— Eu te levo para onde quiser ir, pode ser? — Ela concorda rapidamente.
— Então pegue o que for seu e vamos. Só tente se acalmar, por favor, estou
preocupado.
Ela pega as coisas dela, que estão no banheiro, mas os saltos ficam.
Passamos pelo saguão do hotel. Natanael me olha sem entender e faço
sinal para que fique quieto. Sei que vai querer explicações. Pego meu carro, e
ajudo ela a entrar, e logo em seguida entro. Coloco o cinto de segurança nela,
que não se move para nada. Olha apenas para frente.
— Consegue dizer o caminho?
Ela assente com a cabeça.
Coloco o meu cinto, e dou partida.
Sigo o caminho que ela vai indicando, não é longe. Então estaciono na
frente de uma casa humilde. A mais humilde da rua. Desço e ajudo ela a fazer o
mesmo.
A porta da casa é aberta e, para o meu azar, é seu tio. Ele sai em passos
largos, e com uma expressão nada boa.
— O que é isso?!
— Dessa vez, eu não fiz nada. Eu juro.
Ele olha para a sobrinha.
— Não foi ele.
— Meu Deus, o que houve, querida?
— Quero ir para o meu quarto. Só isso, tio.
Ela passa por ele correndo. Ficamos olhando sem entender.
— Entre, agora.
Eu ajudo e me ferro. Não ajudo e me ferro. Porra, difícil essa vida. Ativo
o alarme do carro.
Entramos na casa e ele fecha a porta. Indica o sofá e sento. Olho
rapidamente ao redor, e é tudo muito marrom e velho. Tem um enorme crucifixo
em uma das paredes. Parece casa de filmes de terror, onde o padre fará algum
tipo de exorcismo.
— O que aconteceu?
— Não sei. Estou tentando entender.
— Não compreendo.
— Do nada, ela começou a chorar, e dizer que era pecado, que não podia
isso, que não podia aquilo. Não queria vir sozinha. Ela se referia à mãe.
Ele encolhe os ombros e solta o ar.
— Só Deus para ajudar, meu filho.
— Preciso saber o que está acontecendo. Afinal ela trabalha no hotel,
tenho que saber com que tipo de funcionária estamos lidando.
— Ah, meu filho, é uma longa história. Raquel foi criada por uma mãe
complicada. Cresceu trancada dentro de casa, sem amigos, sem vida. A mãe
coloca coisas absurdas na cabecinha dela. Para minha irmã, tudo é pecado. Ela se
diz muito religiosa, mas na verdade tudo está passando dos limites. Raquel está
trabalhando escondida, enquanto a mãe viaja, mas a pobrezinha tem medo de
quando a mãe retornar, que não a perdoe. Minha menina é como um recém-
nascido, não conhece o mundo, e não compreende nada. A mãe dita e ela segue.
Não seria errado, se o que minha irmã dissesse fosse o correto.
— Está querendo dizer que a mãe dela é puro fanatismo?
— Infelizmente sim. Rezo tanto por minha menina. Deus sabe o quanto
tento mudar todo esse sofrimento. Tentei ajudá-la com este emprego, mas pelo
visto piorou tudo.
— A Raquel então nunca teve uma vida “normal”? Ela viveu sob as
regras da mãe louca?
— Não diga isso.
— Desculpe, mas pelo que falou, a mãe é louca. — Fico nervoso. —
Como uma menina de vinte anos não sabe nada da vida? Minha filha deve ter
mais conhecimentos que a sua sobrinha.
— Ouso dizer que sim.
Levanto e passo a mão pelo cabelo.
— A minha irmã é muito preconceituosa. Ela diz que faz a filha seguir os
passos de Cristo, mas está tão cega... A menina nunca saiu ou ficou sozinha até
agora. Os vizinhos chamam-nas de “família careta”. Ela não conhece nada
mesmo, e quando digo nada, é nada. Sempre acreditei que devemos aproveitar
deste mundo, sem nos esquecermos de saber o que é certo e errado e jamais
deixarmos Deus de lado. Eu tento ajudar sem colocar uma contra a outra. Eu sou
humano, e nesta causa, só Deus.
— Porra, é inacreditável tudo o que estou ouvindo. Século XXI e ainda
existem pessoas assim.
— Filho, olhe o palavreado.
— Desculpe, mas só um palavrão para aliviar um pouco da raiva aqui. —
Sento novamente. — Sabe por que sumi da igreja? Por causa disso. Eu cansei
das pessoas ali dentro julgarem, condenarem, e se acharem Deus na terra. Ele
não é religião. Ele é amor. Eu prefiro viver sem uma religião, do que viver em
uma e ter que ver pessoas como a mãe desta garota. Algumas pessoas criam
guerras, se atacam, fazem loucuras por religião. Sua sobrinha teve uma crise de
pânico praticamente, por causa de uma doida que se diz mãe. Padre, eu não
conheço esta mulher, mas já tenho raiva dela.
— Humanos erram. Alguns aprendem rapidamente, e outros precisam
aprender, infelizmente com a dor.
— E tem aqueles que mesmo na dor não aprendem. Duvido que o senhor
já não quis mandar muitos que se dizem cristãos irem à merda.
Ele arregala os olhos.
— Téo, por Deus! — repreende-me.
— Sou sincero. Se eu fosse padre, diriam que eu estaria com o demônio
no corpo, porque iria dizer umas boas verdades na cara de muitos. Por falar
nisso, outra coisa que não suporto em muitos que se dizem religiosos, tudo a
pessoa está possuída, mas a língua de quem diz esta besteira não é possuída.
Estou revoltado. Porra. Porra. E porra. — Levanto novamente nervoso.
— Filho, infelizmente alguns se acham juízes. O mundo é assim. Por
isso, temos que tomar cuidado. Hoje julgamos, e amanhã seremos julgados.
Enquanto você aponta um dedo há outros mil apontando você. É assim. Um
julgando o outro. Este é um grande mal. — Ele faz uma pausa e então conclui:
— Não julgueis, para que não sejais julgados.
— Mateus 7. — Ele me olha surpreso. — Frequentei muito a igreja
quando criança e adolescente, sabe disso. Conheço muitas partes da Bíblia. Já fui
um bom menino, não me olhe assim.
Ele sorri.
— Eu preciso vê-la — ele diz e concordo. — Téo, sei que no fundo é um
bom rapaz. Mas Raquel é diferente. — Entendo o que quer dizer.
— Não farei nada de errado. Talvez eu possa ser um amigo para ela.
— Téo...
— Cuide dela.
Saio da casa e entro rapidamente em meu carro e vou para a minha casa.
Raquel Pereira
Estou deitada na cama depois de ficar rezando. Estou mais calma agora e
envergonhada por ter tido aquela atitude na frente de um desconhecido.
A porta do meu quarto se abre.
— Posso entrar? — meu tio pergunta e concordo.
Ele entra e se senta na beirada da cama.
— Querida, é normal ter medo. É normal se assustar com muitas
novidades.
Sento-me na cama e puxo as pernas ao meu encontro, ajeitando as
cobertas.
— Não posso magoá-la. Não é assim que desejei que tudo fosse
diferente.
— Meu anjo, nem mesmo Jesus pôde agradar a todos. Da mesma forma
que somos ensinados a honrar pai e mãe, eles também são ensinados pela palavra
a não provocar a ira dos filhos.
— Tio, eu não quero voltar.
Ele me olha entristecido.
— Siga seu coração. Não está mentindo para ela. Quando ela voltar
saberá de tudo.
— Eu prometi a ela...
— Querida, o mal das promessas é que nem sempre vamos cumprir, por
isso temos que tomar muito cuidado com aquilo que prometemos, porque, às
vezes, existirão forças maiores que nos impedirão de realizar o que proferimos a
alguém. O único que pode prometer sem qualquer problema é Deus. Nós
humanos falhamos em algumas coisas, acertamos em outra, mas jamais
poderemos ser perfeitos. Eu, como padre, tenho erros, talvez bem mais do que
acertos. Mas procuro sempre tentar acertar, mesmo que falhe algumas vezes. Isso
não é pecado. Pecado é não admitirmos nossos erros, e dizer que somos sempre
certos quando não somos.
— Minha mãe sempre diz estar certa em tudo. Às vezes, eu acho que não
está.
— E não está. Eu não estarei certo o tempo todo, você não estará,
ninguém além de Deus estará. E admitirmos isso é um passo muito importante
para aprendermos a não repetir nossos erros.
— Estou com medo de retornar ao hotel.
— Já lhe disse que sentir medo é normal. Você não está sozinha. Deus,
suas tias e eu estamos contigo. Se aquele lugar estiver te fazendo bem, retorne,
encare esse medo. Coloque Deus na frente e vá.
Mexo em uma linha solta da coberta.
— Terá uma festa de aniversário do hotel. Todos os funcionários têm que
ir. Será amanhã, às nove da noite.
— Você quer ir?
— Não sei.
— Se quiser ir, vá. Apenas não se esqueça do que já lhe disse. Tudo nos é
licito, mas nem tudo nos convém. O único que pode te julgar é Deus, e ninguém
mais. Mas temos que sempre tomar cuidado com nossas atitudes, porque toda
ação terá uma reação.
— Eu vou pensar. Vou tomar um banho, e dormir.
— Faça isso. Descanse. E siga o seu coração. Eu irei dormir no quarto de
sua mãe hoje, se precisar pode me chamar. Hora de voar, não se esqueça, minha
querida. — Ele beija minha testa e se levanta. — Durma com Deus e sonhe com
os Anjos.
— Amém, tio.
Tá escancarado
Vai negar pro coração
Que você tá com sintomas de paixão
Que é quando os olhos se caçam
Em meio à multidão
É quando a gente se esbarra
Andando em qualquer direção
— Jorge e Mateus “Aí já era”
Raquel Pereira
São quase quatro horas da tarde. Estou entediada, mais que o normal.
Talvez seja melhor ir à igreja, ficar com o meu tio. Pelo menos terei com quem
conversar.
Pego minha bolsa de sempre e me olho no espelho do quarto. Nada muito
animador ou diferente. Não tem como melhorar.
Saio de casa, e dou de cara com Ivone, uma senhora que mamãe não
suporta. Acho que deve ser a vizinha que ela menos gosta.
— Olha só. Caretinha! — diz sorrindo, enquanto varre a calçada.
— Oi, dona Ivone.
— Menina, faz tempo que não te vejo. Viajou? — pergunta apoiando os
braços no cabo da vassoura.
Fecho o portãozinho.
— Não.
— Oxe. Está saindo sozinha? Mentira! — exclama escandalosa como
sempre. Fico um pouco envergonhada quando a encontro, devido suas atitudes.
— Sim.
— Desculpe a curiosidade. Mas está indo para que lugar? Menina, não
diga que está fugindo de sua mãe! Ela é uma doida, porém não faça isso. —
Aponta a vassoura na minha direção.
— Não! Estou indo à igreja.
— Claro. Aonde mais iria, não é? Conheço vocês há muitos anos e o
passeio nunca muda. Vá lá, menina, e reze por minha filha. Aquela desgraça não
muda. Agora todo final de semana fica bêbada, e o pior, toda semana é um
homem diferente. Não sei mais o que fazer. Reza por ela.
— Bom, eu tenho que ir.
Saio às pressas, enquanto ela se despede gritando.
Dona Ivone e a filha sempre viveram em pé de guerra. Às vezes, eu
escutava todas as brigas do meu quarto. Era tenso. Acho que quebravam coisas,
porque era cada barulho. Outra vez, acordei de madrugada escutando alguém
gritando, e dizendo “mais forte”, eu falei para a minha mãe chamar a polícia,
mas ela ficou brava, e no dia seguinte brigou muito com dona Ivone, que bateu
na filha na rua. Foi bem assustador.
Aproximo-me da igreja. É rápido o caminho de casa até ela. Espero os
carros pararem para poder atravessar. Um carro azul passa em alta velocidade e
vira na esquina que estou. Estaciona na entrada de um clube. Toda vez que eu
passava aqui com minha mãe e era de noite, ficava repleto de homens e mamãe
dizia para nunca olhar.
Algumas mulheres, que estão esperando para atravessar, ficam olhando
na direção do carro. O homem sai do veículo, e meu coração acelera: Téo Lima.
Ele retira os óculos escuros e prende na camiseta. Está de calça jeans,
uma camiseta azul, tênis e boné virado para trás. Fazia tempo que não via seus
braços repletos de rabiscos. Na verdade, eu vi apenas no mercado. Ele olha na
direção que estou, e desvio o olhar rapidamente. Vejo que já é possível
atravessar e faço isso rapidamente. As mulheres que olham para ele começam a
fazer o mesmo que eu.
Chego ao outro lado da rua, com o coração ainda mais acelerado. Espero
que não tenha me visto. Estou bem envergonhada pelo ocorrido de ontem. Baixo
a cabeça, e paro na porta da igreja.
— Fugindo de mim? — Sobressalto, e viro rapidamente para o dono da
voz, que me causou um tremor no estômago.
— E- eu...
— Bom, vamos sair daqui da porta.
Ele sai andando na frente. Olho para a igreja e para ele. Então começo a
segui-lo. Paramos na frente de uma árvore, que fica um pouco distante da igreja.
— O que o senhor quer?
— Pare de me chamar de senhor. Eu quero saber se está bem. — Ele
retira o boné e passa as mãos pelo cabelo. Prende-o na lateral da calça, cruza os
braços e me analisa.
— Sim. Obrigada por ter me ajudado.
Ele sorri. O sorriso dele é tão bonito.
— Tenho que ir.
— Raquel, eu sinto muito. Seu tio me contou sua situação.
Sinto minhas bochechas esquentarem.
— Tudo bem. — Meu tom é baixo.
— Vai à festa hoje?
— Não sei.
— Pois deveria. É bom curtir um pouco. Eu já vou curtir desde agora. —
Ele passa a língua pelo lábio inferior, e vejo uma bolinha prateada. Isso é um
brinco na língua?
— O que foi?
— Você usa... O que é isso na sua língua? — Não resisto à curiosidade.
— Piercing. Nunca tinha visto?
Lembro-me da vez do mercado, mas não conseguia ver muito, mamãe
impedia, e no trabalho nunca reparei.
— Não. Dói?
Ele ri e apoia as costas na árvore.
— Agora não.
— E para que colocou isso aí, se ninguém vê a não ser se mostrar? —
Minha curiosidade está difícil de controlar.
— Primeiro, se reparar na boca quando falo, dá para ver. E segundo, o
importante mesmo não é vê-lo. É sentir o que eu posso fazer com ele. As
mulheres nunca reclamam. Elas adoram. — Fico sem entender, e deve ser
melhor.
— Se você diz. Bom, tenho que ir.
— Vá até a festa. Vai se divertir, eu prometo.
— Eu não sei... Nunca fui a uma festa que não fosse da família.
— Existe primeira vez para tudo. Agora eu também preciso ir.
— Até qualquer dia.
— Até hoje à noite. Vou te esperar.
Ele se afasta, e as mulheres que passam ficam olhando. Até alguns
homens.
Volto para a igreja e desta vez eu entro.
Vou até a saleta que meu tio fica. Bato na porta e ele pede para entrar.
Assim que me vê, sorri, mas logo sua expressão muda. Está ao telefone. Sento na
cadeira e espero ele terminar a ligação.
— Sim. Na verdade, ela está aqui. Vou passar o telefone para ela, se
acalme! — Ele me entrega o telefone e sussurra: — É sua mãe. — Sinto meu
peito apertar.
Pego o telefone com as mãos trêmulas. Respiro fundo.
— Oi, mamãe.
Meu tio me avalia.
— O que está acontecendo? Sei que estão escondendo algo de mim aí.
Raquel, se eu sonhar que está aprontando, as coisas vão ficar muito sérias! —
ela grita.
Não pergunta nem se eu estou bem. Sinto as lágrimas querendo cair, mas
controlo.
— Mamãe, está tudo bem aqui.
— Seu tio está muito estranho. Sua tia foi ao médico e ele disse que ela
deve ficar mais tempo de repouso. Eu não estou gostando disso. Isso está me
cheirando a armação. Menina, se estiver aprontando, não será apenas eu a lhe
castigar, Deus também fará. — Ela está muito nervosa. Olho para o meu tio, que
está sério. — Então é melhor começar a me dizer toda a verdade, antes que eu
descubra sozinha.
É sempre assim. Nunca pergunta como estou. Se estou me sentindo bem.
Se estou feliz. Se eu quero algo. Qual a minha opinião sobre alguma coisa.
Sempre tem que ser do jeitinho dela. Eu não aguento mais.
— Ande, menina, fale de uma vez! Não minta para mim.
— A verdade? — Meu tio fecha os olhos. Posso sentir a preocupação que
ele sente. — Estou fazendo tudo o que a senhora mandou, mamãe. Não se
preocupe.
— Raquel, se estiver mentindo...
— Não estou! — As lágrimas que evitei começam a escorrer por meu
rosto.
— Acho bom. Tchau, tenho coisas para fazer! — Ela desliga. Entrego o
telefone ao meu tio.
Desabo em lágrimas. Nem ao menos um “te amo” é capaz de me dizer.
— Meu anjo...
— Tio, ela é tão dura. Não sei por que menti quando me perguntou sobre
o que estava acontecendo. Mas eu fiquei com tanta... Com tanta...
— Raiva? — ele indaga e meneio a cabeça, concordando. — Sentir raiva
é normal, só não podemos dar a este sentimento forças maiores. Quando ela
voltar pode contar tudo a ela. Não irei lhe impedir. Se quer contar, pode dizer,
não tenha medo por mim e suas tias. — Enxugo as lágrimas.
— Eu não quero mais isso. Eu não quero ter que esconder as coisas. Eu
quero ser “normal”. Não quero mais os vizinhos me chamando de caretinha.
— Não devemos nos importar com o que as pessoas dizem sobre nós.
— Mas é difícil não se importar. Não quero mais isso. Preciso ficar um
pouco sozinha. — Ele concorda.
Saio de sua sala.
Ajoelho-me em um dos bancos da igreja. Não está muito vazia.
— Eu cansei. Não quero mais viver assim. Hoje ela mostrou que não se
importa comigo. Ela apenas quer que eu faça tudo como ela deseja. Nem parece
que somos mãe e filha. Eu quero ser diferente. Não aguento mais as pessoas
rindo de mim. Quero poder fazer as coisas sem medo. Eu quero viver mais. Não
posso mais continuar assim. Eu não aguento mais sentir medo. Eu não aguento
mais. Então se nesses vinte anos, eu fiz algo que lhe desagradou para eu ter uma
vida assim, me perdoe, porque eu não sei mais o que fazer. Não quero nada
grande. Só quero ter mais liberdade. Quero poder sorrir de verdade. Me ajuda...
Choro desesperadamente. Não me importo se estou rezando alto, ou se
choro alto. Simplesmente não me importo. Eu só não aguento mais.
Sinto braços passarem ao meu redor.
— Shhh... Se acalma... — Sento no banco com sua ajuda, e ele me
ampara. — Tudo tem seu tempo, meu anjo — diz baixinho. Escondo o rosto em
seus braços.
Ficamos assim por um tempo até eu me acalmar por completo. Afasto o
rosto, e algumas pessoas estão me olhando.
— Está melhor? — ele questiona e afirmo.
— Tio, eu vou à festa.
— Tem certeza? — Seu tom é de preocupação.
— Sim. Eu não aguento mais viver com medo. Eu vou. Cansei, tio.
Cansei.
— Eu temia muito que isso acontecesse. Eu disse para a sua mãe que lhe
prender demais poderia ser prejudicial.
— O que quer dizer?
— Só siga seu coração. E não se deixe ir pela cabeça das pessoas.
— Está bem. — Levanto ele me olha ainda preocupado. — Hora de voar,
não foi o que me disse, tio?
Ele concorda.
— Eu preciso então começar a aprender a voar.
Saio da igreja e sigo para o hotel.
Raquel Pereira
Téo Lima
Vou até ela, que ainda está à mesa, e parece estar maravilhada com o que
está mastigando.
— Esse negócio com nome impronunciável é muito bom — diz após
mastigar.
— Deve ser mesmo, pela sua cara. — Sorrio.
Um garçom passa e pego uma taça de champanhe.
— Quer?
Ela nega.
— É bom. A bebida nos faz esquecer dos problemas por um tempo —
brinco.
— Sério? — pergunta bastante curiosa.
— Estou brincando. Bebida não muda os problemas. — Bebo um gole.
— Entendi.
— Vai ficar apenas sentada?
— Assim não caio.
— Levante o traseiro daí. Vamos dar uma volta, e quem sabe dançar.
— Não vou dançar.
— Eu disse que não poderia discordar de nada. Venha.
Bebo de uma vez o champanhe e coloco a taça na mesa. Puxo ela da
cadeira, que se assusta e solta um gritinho.
— Vamos, precisa curtir antes do discurso que meu pai faz todo ano, e é
bem longo. Muito longo. O sono marca presença.
Ela sorri.
— Minha flor. — Ela vai pegar a flor que está na mesa.
— Esquece. Vamos logo.
Ela revira os olhos e isso me faz rir.
Andamos pelo lugar, com ela quase arrancando meu braço pelo medo de
cair. Ela fica encantada com tudo. Hannah ganhou uma fã. Dançar, ela não quis e
não obriguei. Nem iria.
Meu pai faz sinal para eu ir até ele, que conversa com um pessoal.
— Já venho — digo a Raquel, que concorda.
Raquel Pereira
Téo Lima
“Infelizmente não deu para ir ao evento. Peça desculpa a todos por mim. Preferi
curtir com nossa filha, já que fiquei fora, então fizemos a noite das meninas.
Aproveite por mim, e depois conte todos os babados que sempre tem nesses
eventos. Bjs.”
Olho para a Raquel e sorrio. Este evento teve “babado”, como diz a
Samira, e dos grandes. Coloco o celular de lado, depois falo com ela.
Garoto, te escuto em meus sonhos
Sinto o seu sussurro do outro lado do mar
Te guardo comigo em meu coração
Você torna as coisas fáceis quando a vida fica difícil
— Jason Mraz feat. Colbie Caillat “Lucky”
Raquel Pereira
Choveu pelo visto. Assim que entramos no carro, uma outra preocupação
surge.
— Téo, elas vão pensar que nós...
— Problema delas. — Começa a dirigir. — A partir de amanhã ficará
completamente sob minhas ordens. — Ele ri.
— Por quê?
— Meu pai foi viajar. Vai ficar alguns dias fora, e irei assumir seu lugar.
Vai ficar mais próxima de mim.
Sinto um arrepio ao ouvir isso.
— E-eu vou? Téo...
— Amanhã iremos em um lugar. Vamos começar com a pior parte. Irei te
levar para conhecer uma boate.
— UMA O QUÊ?
— Boate.
— Nem pensar — nego apavorada.
— Vai sim. Eu disse que não poderia discordar. Vai ter que ir.
— Téo...
— Doçura, é pegar ou largar. Se quer que eu te ajude, será do meu jeito.
Sinto um friozinho na barriga.
— Ok. Mas, por favor, não me chame mais de Doçura.
Essa forma dele até então não me incomodava, mesmo eu corrigindo ele
com meu nome, mas hoje, não sei, me incomodou.
— Combinado.
Téo Lima
Meu celular toca, enquanto dirijo para casa. O nome da Samira aparece
no painel do carro. Atendo e sua voz ecoa.
— Fale rápido, estou dirigindo.
— Estou sentindo que quer passar o dia com a Catarina.
— Sempre quero estar com ela. Mas algo me diz que essa sua ligação
significa que tem homem na história.
— Exato. Tenho um encontro hoje. Mas pego ela na sua casa assim que
eu retornar. Me dá uma forcinha.
— Não. Se vira — provoco.
— Téo, estou sem sexo há três meses. Essa pode ser uma grande
oportunidade. Então não retire isso, ou juro que irei ser uma empata-foda na
sua vida.
— Está bem, me convenceu.
Ela ri.
— Eu deixo ela na sua casa.
— Pego ela, só preciso tomar um banho antes... Ah, e vê se depila,
ninguém merece uma mata.
— Seu cretino! Eu te odeio.
Gargalho.
— Não odeia não.
— Pior que não mesmo. Estou te esperando.
— Senti algo a mais nessa frase.
— Vai à merda! Vem logo. Tchau. — Ela desliga e rio.
Estou na sala do meu pai. Ficarei aqui até o seu retorno. Já adiantei boa
parte de tudo o que tinha para ser feito, com a ajuda de Natanael. Nem parece
que este lugar teve uma imensa comemoração, pois tudo já segue normalmente.
Ontem Samira foi buscar a nossa filha bem tarde. Não é problema para
mim dormir tarde, mas desde a festa que estou querendo dormir tranquilamente e
cedo, porém também não será hoje. Tenho um compromisso com a Raquel, e por
falar nisso, essa garota está fugindo de mim. Cheguei e ela saiu às pressas
dizendo que precisava conferir algo com Natanael. Depois veio rapidamente até
minha sala, trouxe alguns documentos e saiu às pressas, sem dizer qualquer
coisa. Quando saí para resolver alguns assuntos, ela disse que precisava ir ao
banheiro e saiu em disparada. Ela está me evitando, e sei o motivo, mas ela não
vai me enrolar.
Não adiantei tudo à toa. Não mesmo.
Olho no relógio e ela já deve ter saído para almoçar. Sei que almoça no
hotel.
Raquel Pereira
Téo Lima
Raquel Pereira
Assim que o Téo sai da sala, fico andando de um lado para o outro.
Estou fazendo muita coisa errada. Mais motivos para meu tio ficar
chateado, e minha mãe surtar. Senhor, dá-me uma luz, por favor!
Olho ao redor e é tudo lindo. Vejo uma parte da cozinha e é muito
chique. Nunca estive em uma casa assim. Vou caminhando e quando vejo já
estou no corredor. É tudo muito claro, e repleto de quadros. Tem uma porta
entreaberta, e a curiosidade que habita em mim, é imensa. Olho para os lados, e
não tem sinal do Téo. Meu Deus, será que se eu entrar é errado? Quero ver mais
cômodos. É tudo tão bonito.
Abro mais da porta, e sinto uma adrenalina por estar fazendo isso. Meu
tio disse para voar, e o Téo para se soltar. Então vamos lá. Se fosse um lugar
secreto, não estaria entreaberto. Abro por completo a porta e entro no cômodo
escuro. A pouca luz que vem do corredor me permite encontrar o interruptor de
luz, no qual acendo. Fico completamente chocada com tudo o que vejo, assim
que o cômodo se torna claro.
— Nossa!
É tudo o que consigo dizer. Olho ao redor e é impressionante. Eu não
deveria estar aqui, mas agora que estou não tenho escolhas, a não ser olhar
atentamente. Aproximo-me de uma das paredes, e fico olhando a paisagem no
retrato. É lindo!
Vou caminhando e olhando tudo com cuidado. Porém, é a parede da
direita, que chama mais a minha atenção. Tem vários tipos de pessoas nos
retratos. São imagens lindas.
— A curiosidade é perigosa, Raquel! — Viro-me assustada para o dono
da voz.
— Desculpa. E-eu... Eu não re-resisti...
Ele sorri.
— Tudo bem.
— Téo, o que é tudo isso?
Ele olha tudo rapidamente e então suspira.
— Sou formado em fotografia. Minha paixão é tirar fotos.
Ela acena.
— Eu tirei todas essas.
— São lindas demais!
— Tenho outras, mas destaquei aqui as favoritas — diz orgulhoso.
— Você é muito talentoso.
— Quem dera todos pensassem assim. — Ele cruza os braços.
— Por que diz isso? Com certeza as pessoas devem pensar da mesma
forma. São imagens lindas.
Lembro-me de uma coisa e começo a rir.
— O que foi?
— É que... Melhor deixar quieto.
— Fale, por favor.
Olho para ele e depois para as fotos e então falo:
— Eu te vi pela primeira vez no mercado. Você estava com a sua mãe.
Assim que o vi, eu te achei diferente, belo. E minha mãe te julgou, como faz
com todos. Fico pensando o que ela diria se visse esse seu talento.
Ele me olha surpreso e fico envergonhada. Acho que falei demais.
— Então era isso que iria dizer no hotel... Você já tinha me visto antes. E
me achou belo?
Concordo novamente.
— Téo, vamos sair daqui?
Estou muito envergonhada por ter revelado isso.
— Vamos. E não fique com vergonha por ter dito isso. E obrigado por ter
elogiado meu trabalho.
Sorrio e saio dali, com ele em meu encalço.
Chegamos à sala e me sento. Melhor eu ficar quieta, assim não digo
bobagens.
— Não consegui falar com a Hannah, mas outra pessoa vai ajudar.
— Quem?
— Vai gostar dela. Prometo.
Não sendo nenhuma do hotel, tudo bem.
Téo Lima
Raquel Pereira
Raquel Pereira
Téo Lima
Eu preciso relaxar. Porra, Raquel quase me faz fazer uma loucura hoje.
Preciso de sexo. De qualquer mulher, para relaxar totalmente.
Retorno à boate. Chamo Lily. Apenas ela basta.
Fomos para a suíte.
— Sabia que não iria resistir — ela diz, deitada completamente nua na
cama.
— Preciso relaxar, e você é capaz de fazer isso. — Ela sorri animada.
Retiro minha blusa, e tênis. Abro o botão da minha calça.
— Hmmm... Assim que eu gosto. Homem sedento.
Ela abre completamente as pernas. Meu pau já está duro. Pego um
preservativo na carteira.
— Fique de quatro. Agora.
Ela faz o que digo. Baixo a calça junto com a cueca. Coloco o
preservativo, e me aproximo dela.
— Sabe, Téo, se quer relaxar, nada de delicadeza. Também preciso me
desligar dos problemas. Então quero com força, bruto. Sabe como é. — Ela
morde o lábio.
— Como quiser, Doçura.
Penetro-a com força, e ela grita de prazer.
Preciso esquecer toda loucura de hoje, e essa é uma boa forma para
colocar a cabeça no lugar. Não posso fazer besteira com a Raquel. É clichê,
porém real, eu não sirvo para ela. Não posso destruir ainda mais sua vida.
Vamos virar estranhos se nós dois continuarmos desse jeito
Você pode ficar entre essas paredes e sangrar
Ou só ficar comigo
— Ed Sheeran “One”
Raquel Pereira
Téo Lima
— Robson! — cumprimento o manobrista ao jogar as chaves para ele.
— Senhor. — Faz um pequeno aceno e sorri.
Ele leva o carro para o estacionamento ao mesmo tempo que um trovão
ecoa. Olho para o céu e está cinzento.
Fui para a academia hoje cedo. Pensei que estar com a Lily resolveria,
mas foi momentâneo. Então, tive de ir malhar, para relaxar de verdade.
Entretanto, isso me fez atrasar para o trabalho. Espero que meu pai não tenha
ligado para saber se eu já cheguei, ou seus gritos poderão ser ouvidos daqui.
— Téo. — Viro-me assustado.
Era só o que me faltava. Fiz merda.
— Padre João. Que prazer em vê-lo. Veio ver a sua sobrinha? Ótima
menina. Uma funcionária maravilhosa — digo a primeira coisa que me vem à
mente.
4
— Não vim vê-la. Eu preciso ter um tête-à-tête com você.
Lá vem bomba. Ou seria a resposta que tanto quero?
— Vamos até a minha sala.
— Não! Raquel não pode nos ver. Serei breve.
Certo. Estou bem preocupado agora.
— Ok. Vamos então ficar naquele canto. — Indico com a mão e ele
concorda.
Vamos até o canto esquerdo na lateral do hotel.
— Diga. — Coloco as mãos no bolso da calça de moletom que uso.
— Raquel me contou tudo. — Fico muito espantado.
— Padre, eu...
— Não, por favor, meu filho, deixe-me terminar.
— Está bem. Prossiga.
— Ela é ingênua demais. Pediu ajuda a você. Não sei quais são suas
intenções, e tampouco em que modo pensa em ajudá-la, já que ela terminou
bêbada, e foi a uma boate, além de mentir para mim. Porém, ela deixou
transparecer não apenas nas palavras, mas também no olhar, algo que me afetou
muito. Meu filho, por minha sobrinha, eu faço de tudo, até mesmo sou capaz de
esquecer que sou um padre. Então, para o bem dos dois, se afastem. Raquel não
merece isso. A mãe dela já a faz sofrer demais, não seja mais um a causar isso a
ela.
Fico completamente perdido. Porra, que raios ele está falando?!
— Padre, com todo respeito. Mas eu não entendo o que quer dizer.
Raquel está conhecendo tudo o que lhe foi privado. Ela vai errar, e vai acertar,
isso é do ser humano. Se quer que ela deixe de sofrer, ela precisa aprender a
deixar de ser ingênua e a lidar com tudo o que o mundo tem a oferecer. Eu estou
mostrando a ela, tudo o que a mãe teve medo de fazer, e repito, eu tenho raiva
desta mulher antes mesmo de conhecê-la.
— Você não entende. Vocês dois não podem ficar próximos. Você não é
bom para ela.
Cruzo os braços, e olho sério para ele.
— O senhor está me ofendendo. Posso ser um cretino quando quero, mas
com a sua sobrinha eu jamais seria. Eu não tocaria em um fio de cabelo dela, se
é isso que está pensando.
— Por Deus! Filho, não estou te julgando. Não leve por este lado. Mas,
neste momento, você não é a melhor escolha para estar ao lado dela.
— Porra, me dê um bom motivo para isso? Porque até agora, vi ela rir, se
divertir, bem diferente da garota que chegou aqui. Ela está mudando.
— Oh, céus, como não percebeu ainda?
— Padre, está usando algo ilícito? Se tiver, procure ajuda, não sei...
— Santo Deus! Não diga algo assim. Ela não está mudando porque você
está ajudando apenas.
— Não?
— Não! Isso é... É amor.
— Certo. Chega desse papo. Estou confuso, e preocupado com o senhor.
— Ela está ap...
— Padre, com licença.
Passo por ele rapidamente. Não estou com tempo para ficar escutando
histórias malucas. Esse homem não está bem. Ele nunca vem até a mim com a
resposta que tanto quero. É sempre com assuntos estranhos. Vou esganar a
Raquel, por ter aberto a boca. Garota teimosa.
Entro no hotel, e Natanael já me olha feio. Passo rapidamente pelo
saguão. De papo louco, já basta o que tive com o padre.
Chego à mesa da Raquel, e ela me olha.
— Primeiro, se meu pai ligar, diga que estou ocupado, mas não fale que
eu cheguei agora. Segundo, vou tomar um banho, trocar de roupa. Terceiro, pare
de contar tudo ao seu tio!
Ela me olha espantada e logo fica vermelha.
— Sobre seu banho, tudo bem. Agora, sobre eu contar tudo ao meu tio, e
seu pai ligar, temos um probleminha.
— Ele já ligou, e você disse que eu não estava e ele surtou, acertei?
Ela acena em afirmação.
— Porra! E sobre seu tio?
— Não posso esconder as coisas dele. Pensei que podia, mas não dá. Já
tenho que esconder da minha mãe.
Fica me olhando inocentemente após suas palavras. Essa garota vai me
foder ainda.
— Vou tomar banho.
Afasto-me seguindo para o meu escritório, onde tenho algumas roupas.
Pego tudo o que preciso, e vou até o Natanael para pegar o cartão de acesso a
qualquer quarto. Ele me entrega, xingando-me como sempre.
Vou para o quarto, e tomo um banho rápido.
Estou na sala do meu pai. Não aguento mais ver papéis de gastos, e do
que precisa repor. Estou ficando louco. Eu não nasci para isso.
A porta se abre e é a pessoa que eu tenho certeza de que vai terminar de
me deixar louco.
— Mãe.
— Olhe só. O meu filho trabalhando, isso merece um brinde! Por isso
está chovendo. — Reviro os olhos.
— O que deseja?
Deixo os papéis de lado, e olho atentamente para ela, que se senta na
cadeira colocando sua bolsa em seu colo.
— Sabe, eu estive pensando. Seu pai foi viajar, e vai ficar dias fora.
Hannah, você e eu podíamos fazer algo juntos.
— Mãe, eu não vou ao mercado com você.
— Não é isso. Querido, pensei em irmos para a praia na sexta-feira e
retornamos no domingo à noite. Faz tanto tempo que não vamos juntos.
Podemos levar a Catarina. — Sorri.
— Mãe, não dá. Primeiro que, quando é dia da Samira ficar com a Cate,
ela se dedica a isso, só falta morrer quando ocorrem imprevistos. Segundo, que
eu não quero ir. Porra, ficar um final de semana com você e com a Hannah é
loucura.
— Não diga isso! — Ela bate em minha mão.
Começou as “agressões”!
— Pois eu repito até. Não irei!
— Deixe de ser ranzinza. Vamos nos divertir. — Ela bate palmas
animada.
Eu pago pecados, e na maioria das vezes nem sei por qual estou sendo
condenado. Mas tenho certeza de que foi algo muito grave para ter que aturar as
loucuras da minha mãe.
— Hannah não vai aceitar. Ela tem o trabalho dela. — Passo a bomba
para a minha irmã.
— Pois já aceitou. Disse que seria divertido. Eu quero curtir com meus
filhos. Então não aceito um não da sua parte. Sexta-feira à noite vamos para a
praia, e isso não tem discussão.
— Então não é um convite? — provoco.
— Exa...
A porta se abre. A figura da Raquel surge, timidamente como sempre.
— Desculpe a intromissão. É que Natanael pediu que assinasse esses
papéis.
Ela me entrega. Confiro, para saber se não é a minha sentença de morte
que Natanael quer que eu assine.
— Querida, diga-me. É tão ruim assim passar um final de semana na
praia com a mãe e a irmã?
Ergo o olhar dos papéis. Minha mãe realmente não sabe a hora de calar a
boca.
— Perdão, senhora, mas não tenho irmãos, e nunca fui à praia. Para ser
sincera, nunca fiz viagem do tipo. Acho que não sou a melhor pessoa para
responder isso — Raquel responde. Sua expressão muda.
— Como assim nunca foi à praia? Que mundo vive? Menina, está
perdendo o paraíso.
— Imagino que seja, senhora.
— Apenas Eleonor. Está vendo, Téo, você fugindo de ir se aventurar
conosco, enquanto a menina aqui nunca foi a uma praia. Deus anda dando asas a
cobra!
— Mãe! — repreendo-a enquanto volto a atenção ao que eu estava
fazendo.
— Pois eu tive uma ideia excelente. Raquel, venha conosco. Vai adorar.
Pago tudo. Já que este ingrato está fazendo pouco caso, e se for vai ficar
emburradinho, então venha você.
— E-eu? — Raquel indaga espantada.
— Ela? — pergunto rindo e assino os papéis.
— Por que o espanto? Sim, você menina. Sem discussão. Vamos sexta-
feira à noite e voltaremos no domingo. Te pegamos aqui no hotel.
— Senhora, eu sinto muito, mas...
— Eleonor, menina!
— Demorou um século para ela me chamar apenas de Téo, se acostume!
Entrego os papéis a Raquel.
— E você está perdida. Quando ela coloca algo na cabeça, é um inferno
retirar — falo e minha mãe bate em minha mão.
— Eu agradeço, mas não posso.
— Claro que pode. Não tenho meu filho, então levarei você.
— Agora sou substituível? — finjo aborrecimento.
— Téo, perdão. Não quero causar problemas. — Raquel se desespera.
— Menina, isso aí é fingimento. Téo só me dá trabalho. Ingrato demais.
Só servi para lhe dar abrigo dentro de mim, e depois para lhe dar uma saída pela
minha vagina. Ele me olha e deve me ver apenas como um portal para este
mundo. Não me dá valor. Sofro tanto.
Raquel arregala os olhos.
Encosto o corpo todo na cadeira, e respiro fundo. Começou a sessão
drama.
— Mãe, eu não irei. E se a Raquel não quer ir, não insista. Vá você e a
Hannah.
— Nem pensar. A Raquel vai. A menina precisa conhecer a praia. Eu sou
a solução para este problema dela. Querido, é uma missão que me foi concebida.
— Mãe, menos.
— Senhora, eu não posso. Desculpe.
— Pode e vai. Gente, o que é isso? Um complô contra mim? Sou tão
legal, e ninguém quer ficar comigo por um final de semana? Hannah, essa sim
merece tudo de bom, pois aceitou de primeira ir.
Fico imaginando qual foi a ameaça que ela fez a minha irmã, para ela
querer ir de primeira.
Raquel fica sem saída. Seu olhar é de um bichinho assustado. Minha mãe
causa isso em todas as pessoas, imagine na pobre garota.
— Mãe, ela não vai. Eu não irei. Chega.
— Hum... E agora você decide os passos dela?
Jogo a cabeça para trás e esfrego o rosto. Paciência, eu preciso disso.
Ajeito minha postura e cruzo as mãos sobre a mesa.
— Mãe, ela não quer ir, é apenas isso.
Minha mãe se levanta e sorri.
— Bobagem! Vejo você na sexta-feira à noite. Te pego aqui no hotel.
Vamos nos divertir. Com licença, preciso pegar as contas com o Natanael para ir
ao banco. Beijinhos, ingrato. — Joga beijos no ar.
Ela sai da sala, e Raquel fica olhando boquiaberta para a porta.
— Ela vai vir mesmo? — pergunta em um quase sussurro.
— Para o seu azar, sim.
Me olha espantada.
— Téo, o que eu faço?
— Até lá eu dou um jeito. Agora, vamos adiantar logo o serviço, porque
prometi te ajudar com suas vestimentas.
Ela sai da sala, mas não deixo de notar que usa o sapato que dei a ela. E
me pego rindo. Minha mãe deixou a menina doidinha e assustada.
Eu não sei
De onde vem
Essa força que me leva pra você
Eu só sei, que faz bem
Mas confesso que no fundo eu duvidei
Tive medo, e em segredo
Guardei o sentimento e me sufoquei
— Luan Santana “Amar não é pecado”
Raquel Pereira
Téo Lima
Retorno para a loja. Desta vez com uma garrafinha de água, que tive que
comprar. Preciso de qualquer coisa que me acalme.
Raquel está dentro do provador, escuto sua voz brigando com algo.
Sento no sofá, e pego a almofada brilhante, e coloco sobre meu colo.
Bebo um pouco de água e respiro fundo.
Só pense em coisas diferentes, e vai dar certo.
— Raquel, estou aqui. Já escolheu?
Espero que sim. Nunca desejei fugir de um lugar tão rápido como agora.
— Não. Téo, não consigo usar essas coisas. Mostram muito.
Mostram pouco para mim... Se controle!
— Raquel, o amarelo ficou ótimo — falo tentando não lembrar da sua
imagem nele.
— Não acho. E você ficou estranho.
Não imagina o motivo!
— Estou colocando toda a minha coragem para sair daqui e mostrar o
próximo. Então, por favor, não faça comentários que vão me assustar. Estou
implorando.
E eu implorando para que saia com uma burca.
— Pode deixar.
A cortina se abre lentamente e ela aparece com um maiô vermelho.
Desvio o olhar rapidamente.
— Ficou ótimo.
— Você nem olhou direito.
— Olhei e ficou ótimo. — Mantenho o olhar para qualquer coisa.
— Está bem. Se está dizendo. Tem certeza de que está bem? —
Concordo com um leve aceno de cabeça.
Bebo mais da água e respiro fundo.
Ela se aproxima e pega outras peças ao meu lado. Olho de relance e
maldita decisão. Porra.
Entra correndo para experimentar outros. Vejo que tem muitos biquínis
ainda para ela experimentar e mais alguns maiôs. Retiro vários e jogo atrás do
sofá. Deixando pouquíssimos. Não aguentarei essa tortura por muito tempo.
A cada vez que ela sai, eu olho rapidamente e desvio o olhar, dizendo um
apenas “ficou ótimo”. E essa tortura se faz por um tempo, que para mim parece
bem longo.
— Estranho, tinha mais peças para experimentar.
— A vendedora pegou. Disse que as numerações eram grandes demais
depois que viu — minto.
— Entendi. Então experimentei todos. Só não sei qual levar. Qual devo
levar?
— Leve todos. — Foco apenas em seu rosto.
— São bastante.
— Não tem problema. Se troque rápido e vamos. Tenho algumas coisas
para resolver.
— Está bem.
Ela entra no provador. Aproveito para levantar a almofada, e constatar
que o traidor está se destacando muito bem. Que ódio estou de mim mesmo. Isso
deve ser algum castigo por ser um cafajeste quase sempre. Tem que ser castigo.
Estamos indo para o estacionamento. Uso algumas das sacolas como uma
proteção, para que ninguém veja o que não deve, e pense que sou um tarado,
porque eu estou pensando que sou.
Entramos no carro. E o bendito “traíra” não ajuda. Raquel se ajeita no
banco e isso faz com que a saia de seu uniforme suba mais. Quem deu a ideia
dessas merdas? Porra, não está ajudando. Antes isso não era um problema, e
agora até isso tem se tornado um grande problema.
Coloco a água no porta-garrafa. Retiro meu paletó e coloco sobre meu
colo.
— Téo, você está estranho. Foi algo que fiz? — Seu tom é de
preocupação.
— Não. Estou apenas cansado. Vamos passar no hotel, pegar sua bolsa, e
te levo para sua casa, que já deu seu horário.
— Nossa, não me lembrava da minha bolsa. Como sou distraída.
— Saímos apressados. Normal.
Ela fica um tempo em silêncio. A chuva aumenta. Vou ficando mais
relaxado. Meu pau já não está mais rígido. Isso é um alívio. Nunca pensei que
seria.
— Acho que meu tio não vai deixar eu ir à praia. Minha mãe pode
retornar a qualquer momento.
— Doçura, ele vai deixar. Ninguém nega pedidos da minha mãe. A não
ser eu.
— Não me chame assim, Téo, já te disse, por favor.
— Perdão. Força do hábito.
— Por que chama todas as mulheres assim?
— Costume.
— Não gosto. Por favor, não faça de novo.
— Foi um erro. Desculpe — sou sincero.
— Tudo bem. Aceito qualquer apelido, menos isso.
— Santinha? — provoco.
— Não! Qualquer apelido, menos esses dois.
— Foi uma brincadeira, apenas isso. Mas por que Santinha não? Afinal, é
uma.
— Porque as meninas do hotel me chamam assim, e não é legal.
— Eu não sou elas. — continuo provocando. Vamos ver se ela é capaz de
se irritar. — Elas te chamam para te provocar.
— E parece que você também. — Seu tom de voz muda. Sorrio.
Está ficando nervosa. Essa é nova.
— Está bem. Mas por que não quer o Doçura? Tem que ter um motivo
forte — insisto na provocação.
Paro no farol vermelho e olho para ela, que se vira para mim.
— Porque chama todas as mulheres assim. Principalmente as do hotel. E
pelo visto as da boate também.
Olha-me de um jeito que nunca vi. Raquel está mais do que nervosa. Ela
está com... ciúmes? Só pode ser loucura da minha cabeça.
— Nunca mais irei te chamar de Doçura, satisfeita?
Ela concorda.
Alguns carros buzinam e vejo que o farol está verde. Continuo dirigindo.
Pegamos sua bolsa no hotel e vamos para a sua casa. A chuva diminuiu
um pouco.
Assim que chegamos a ajudo com as sacolas. Paro no meio da sala, assim
que coloco a última. Ela fecha a porta e retorna parando à minha frente.
— Como consegue ficar aqui? Parece filme de terror. Fico pensando em
que momento uma pessoa toda possuída vai pular na minha frente toda
contorcida.
Ela olha ao redor e sorri.
— É meio assustador mesmo. Mas me acostumei.
— Sempre morou aqui?
— Não. Morava em outra casa, muito melhor. Mas minha mãe queria se
mudar e meu pai aceitou. Então viemos para cá, e logo depois ele faleceu, e
então ficamos apenas nós duas.
— E seu tio, vive aqui também?
— Ele fica na igreja. Mas sempre está por aqui. Só que, com as
arrecadações para ajudar na reforma da igreja e aos orfanatos, ele tem estado na
correria.
— Não tem outros familiares menos assustadores? — brinco.
— Tenho sim. Tia Cássia e tia Noemi são uns amores. Mamãe não gosta
delas, diz que são desvirtuadas, rebeldes.
Ela se senta no sofá. Seu sorriso é fraco. Então me sento no sofá que fica
a sua frente.
— Mas tenho minha avó paterna também. Porém, faz tempo que não a
vejo. Sinto saudades da dona Esmeralda. Antes de nos mudarmos, víamos ela
com frequência. Entretanto, quando mamãe e ela brigaram como nunca haviam
feito, logo em seguida nos mudamos, e nunca mais a vi.
— Deixa eu adivinhar. Sua mãe a acha desvirtuada e rebelde, também?
— Acertou. — Seu olhar é triste.
— Você é realmente bem sozinha, pelo visto.
— Tenho meu tio e, às vezes, vejo minhas tias, mas mesmo assim me
sinto só.
— Eu sinto muito por tudo — digo o que me parece certo. Ela acena
lentamente com a cabeça.
— Melhor você ir. Tenho vizinhos bastante faladores. — Ela sorri.
— Fofoqueiros, você quer dizer.
— Téo, não diga isso.
— Digo sim. Você é a certinha, e não eu. — Dou uma piscadela e ela fica
ruborizada.
Levantamos e ela me leva até a porta. Antes de abrir diz:
— Obrigada por tudo. Você tem sido bem legal comigo.
— Não precisa agradecer, Raquel.
Ela sorri de um jeito que me faz hipnotizar. Seu sorriso chega aos olhos.
Ela tinha que sorrir deste modo meigo, inocente e lindo? Ela tinha que
ser assim? Não podia ser como todas que estou acostumado? Ela não podia ser
uma pessoa “normal”?
— Téo? Por que está me olhando estranho? — Sua voz é doce.
Preciso me controlar. Preciso me controlar. Prec...
— Téo...
— Porra!
Agarro seu pequeno corpo, e sem pausa, ou qualquer espera, invado sua
boca em um beijo ardente. Ela agarra meus braços, sei que está assustada. Mas
hoje foi uma loucura. Eu queria dizer que não caí em tentação, mas maldito seja,
eu caí. Essa garota tirou minha paz, meu sossego. Raquel, a santinha, me tirou o
raciocínio.
Ela aos poucos vai cedendo, e sua forma doce de contornar minha língua,
me faz suavizar o beijo que começou feroz. Nossas línguas dançam, como um
casal que pouco sabe valsar. Ela não sabe beijar. Não tem prática, e droga, isso é
perfeito, não diminui o desejo, apenas aumenta, por saber que é diferente.
Suas mãos que apertavam com força meus braços, agora estão mais
leves. Coloco uma mão em seu rosto, e sua pele é tão delicada, que parece de um
bebê. Sinto meus dedos molharem em seu rosto. Ela está chorando. E isso é o
suficiente, para me fazer encerrar de uma forma calma, nada tempestuosa. Dou
um leve beijo, e afasto meus lábios dos seus. Abro os olhos, mantendo-a ainda
junto de meu corpo.
— Raquel, me perdoa.
Sua mão toca a minha em seu rosto. Ela abre delicadamente os olhos.
— É melhor você ir, por favor.
Concordo. Dou um beijo em sua testa, demorado o suficiente para
prolongar este momento, sem nem saber o motivo de fazer isso, e então me
afasto.
Antes de sair da casa, olho uma última vez para ela, que tem seus braços
cruzados e olha para o chão.
Eu fiz merda!
Raquel Pereira
Téo me beijou...
Téo me beijou...
Téo me beijou...
Esse mantra não sai da minha cabeça. Eu não entendo o que estou
sentindo. Eu não poderia ter permitido, poderia? Estou tão confusa. Como eu
pude deixar isso acontecer ainda dentro da minha própria casa? Se minha mãe
chegasse ou meu tio, eles jamais me perdoariam.
O que está acontecendo comigo? Quem é esta Raquel que não
reconheço?
Sento no sofá, e choro.
Deus, o que fiz?
Olho para todas as sacolas, que agora estão em meu quarto. Não sei
aonde guardarei tudo. No meu guarda-roupa não caberá. Estou exausta, mas já
preparei o jantar para o meu tio, que provavelmente virá.
Tomo um banho e coloco meu pijama. Irei esperar ele chegar para
comermos juntos.
O telefone toca. Meu coração acelera. Quase nunca ligam aqui. Até
mamãe prefere ligar diretamente na igreja para ter notícias de mim, do que aqui.
E se for ela? E se ela descobriu que não estou ficando com meu tio, ou sentiu o
que aconteceu entre mim e o Téo?
Pego o telefone com cuidado.
— A-Alô... — Estou tremendo.
— Querida, é o tio. Infelizmente não poderei ir. Tenho que visitar uma
pessoa no hospital. Não sei a hora que retorno.
Sinto um alívio por saber quem é. Sento no sofá e solto uma lufada de ar.
— Tio, está bem. Deixarei a comida na geladeira. Caso resolva vir, só
esquentar.
— Obrigado, meu anjo. Fique com Deus, e se cuide. Não se esqueça de
trancar a casa antes de dormir.
— Tudo bem. Amém.
— Te amo. Amanhã nos vemos no café da manhã.
— Certo. Também amo o senhor. Até amanhã.
— Até, querida. — Ele desliga.
Minhas mãos estão tremendo pelo susto.
Tranco toda a casa e guardo a comida na geladeira. Estou tão cansada,
que irei pular a parte de comer.
Subo para o meu quarto, ajeito as sacolas em um canto. Faço minha reza
de costume, e então deito, mas não durmo antes de ficar tendo lembranças do
meu primeiro beijo, e que foi justo com o Téo Lima. Por que isso está
acontecendo? Quero tanto uma resposta certa para isso. Oh, céus...
Chega ser maldade
Saber que a gente mora na mesma cidade
E você desconhece a realidade do meu coração
Não sabe se é sim ou não
— Thaeme e Thiago “Meu segredo”
Téo Lima
Estou sentado na sala da Samira. Tenho a chave daqui. Este lugar era
onde morávamos, porém, quando decidimos nos separar, deixei para ela viver
com nossa filha. Fico observando tudo, e decorando mentalmente cada objeto do
ambiente, e tudo isso pelo fato de estar impaciente, à espera de algum membro
desta casa chegar.
Passei em casa, tomei banho, tirei um cochilo e vim. Porém, para a
minha surpresa, não tem ninguém na casa. Já liguei para a Samira, mas só dá
caixa postal. Tentei o celular da Giovana, sua irmã, e apenas chamou. Não estou
gostando disso.
Chacoalho impaciente as pernas, enquanto brinco com o piercing dentro
da boca. Estou agoniado. São quase nove e meia da noite.
Assusto-me com o barulho da porta. Fico olhando e vejo a figura da
Giovana segurando minha filha nos braços, que pelo visto dorme. Fico
rapidamente em pé. Ela me olha assustada.
— O que faz aqui? — pergunta em um tom baixo fechando a porta.
— Eu faço as perguntas. Em que lugar estava com a minha filha a uma
hora dessas? A menina está dormindo! — Ela revira os olhos e joga a chave
junto da bolsa no sofá.
— Estava com algumas amigas. Téo, sou a tia dela, tenho direito de
passear com ela. E, além do mais, minha irmã autorizou.
— E ela sabe, que você iria chegar esta hora, com a menina dormindo de
tão cansada que deve estar, e que esta roupa que ela está, não é adequada para o
frio que está fazendo agora?
Estou sem paciência alguma, mas me controlo para não gritar.
— Eu vou cuidar da menina. Não tenho que te dar satisfações.
— Você não vai fazer merda alguma. Dê-me minha filha e cai fora daqui.
— Você não manda nesta casa, e Catarina está sob os meus cuidados.
— Eu sou o pai dela e estou falando que não vai fazer nada. Só vai
embora.
Pego minha filha de seu colo.
— Vai.
— Eu vou mesmo. E falarei com a Samira sobre isso, seu cretino! Nem
parece o cara que queria transar comigo...
— Não mesmo. E saiba que você foi a minha pior escolha. Eu deveria
estar louco. — Ela pega suas coisas e sai nervosa.
Vou com a minha filha para o seu quarto. Ela está com as mãos geladas.
Desde que deixei Raquel, onde aconteceu... melhor esquecer. O tempo
mudou completamente. Além da chuva, faz frio. Eu vou matar a Samira por ter
deixado a menina com a louca da irmã. E em que lugar ela está?
— Papai? — Catarina diz lentamente.
— Shhh...
Coloco-a na cama com cuidado. Pego outra roupa e a troco. Não irei
acordá-la para dar um banho. Ela está bem cansada, pelo visto. Puta merda, eu
vou realmente matar a Samira e a Giovana. Não sei nem se a menina comeu
algo. Foda! Ajeito as cobertas nela, e dou um beijo em seu rosto. Ela vira para o
lado e continua dormindo.
Saio do quarto deixando apenas o abajur aceso. Vou para a sala
novamente, e sento no maldito sofá. Estou pegando ódio dele.
Não demora, e a porta da sala é aberta. Samira ainda não me viu. Está
retirando os sapatos e colocando na lateral.
— Aproveitou bem o dia?
— Puta merda! — Ela olha assustada e coloca a mão no peito. — Quer
me matar?
— Olha só, eu realmente quero — ironizo e ela me olha feio, então fecha
a porta.
Caminha até o sofá, e coloca as suas coisas, e logo em seguida se senta.
— O que faz aqui? Errou o caminho de casa? E Giovana? — pergunta
mexendo o pescoço de um lado para o outro.
— A louca da sua irmã? Que bom que tocou no assunto. Que merda tem
na cabeça em deixar a nossa filha sob os cuidados dela?
— Ei, bonitão, vai com calma. Hoje tudo deu errado. Eu fui trabalhar no
escritório em outra cidade. A babá não pôde vir. Catarina saiu cedo do colégio e
eu não tinha como ir pegá-la. E olha a hora que cheguei, devido ao trânsito por
causa de chuva e acidentes. Giovana foi a única opção.
Estreito os olhos. Ela só pode estar brincando com a minha cara.
— Única opção? Porra, tem a mim. Tem a minha mãe. E se quiser tem a
Hannah. Sabe que não gosto da nossa filha sozinha com ela. Porra, por que não
me ligou?
— Téo, foi uma loucura. Eu estou sabendo que está cuidando do hotel.
Não queria te dar trabalho. E sua mãe e sua irmã têm as coisas delas.
— Porra, sabe que minha filha vem sempre em primeiro lugar. Samira,
eu não quero a Catarina com ela.
— Está bem. Sei que não gosta dela, só não entendo porque quase...
— Álcool. Muitas vezes o álcool entra e as merdas acontecem. E o meu
tesão por ela era tanto, que meu pau falhou. Satisfeita?
Ela me olha boquiaberta.
— Está legal, que bicho te mordeu?
— Sabe que horas elas chegaram?
— Não. Meu celular descarregou, e esqueci o bendito carregador.
— Quase agora. Sua filha chegou dormindo. Não sei se comeu. Estava
gelada, porque está frio lá fora. Segundo sua irmã estavam com algumas amigas.
Sua expressão muda.
— Eu não sabia. Deveria ter imaginado. Não vai mais acontecer. Prometo
que quando a babá não puder ficar, eu aviso você.
— Ótimo. Quando sua irmã quiser ficar com ela, deixe alguém junto.
— Ela jamais faria qualquer loucura.
— Samira, sua irmã é louca. Ela já é uma loucura.
— Está bem. Hoje eu falhei nisso. Confesso. Estava perdida com a bola
de neve que se formou. Nessas horas queria meus pais morando aqui na cidade, e
não em outro estado. Ao menos com a Cate, eles são uns amores.
— Quando precisar, me avisa, merda! Sou o pai dela, não apenas para
pagar pensão, ou ficar em alguns feriados e finais de semana, ou bancar colégio
e a merda que for. Não confia em mim, mas confia na louca da sua irmã, aí é
foda!
— Calma! O que está acontecendo? Você não está bem.
Suspiro.
— Desculpe. Só fiquei realmente puto.
— Claro que confio em você. Gosto de implicar apenas. Mas confio
cegamente na nossa filha com você. Eu já te disse que é um pai maravilhoso.
Porém, hoje o dia foi difícil, e eu pensei que o melhor era não te atrapalhar.
Quanto a minha irmã, darei um belo sermão nela, porque eu permiti que saíssem,
mas não para chegar tarde, e ficar passeando com um clima frio como hoje.
Agora, você se acalma, o dia foi cansativo, estou acabada e não sou obrigada a
aguentar seus surtos. Se não está tendo mulheres na sua cama, não me culpe.
Ela se levanta e sai da sala indo para o corredor. Sigo-a.
Ela entra no quarto da Catarina e dá um beijo na nossa pequena. Logo
depois vai para o dela e eu vou junto.
— Vai virar minha sombra agora? — questiona enquanto solta os cabelos
e vai para o seu banheiro.
Paro na porta, onde me encosto e fico observando enquanto ela pega um
lenço dentro de um pacote na pia, e começa a retirar a maquiagem.
— Desculpa. Está sendo foda hoje, e sua irmã não ajudou.
— Problemas no paraíso?
— Não. Na verdade, não sei. Estou bem confuso.
Ela me olha através do espelho, enquanto seu rosto vira uma meleca de
manchas pretas, que ela vai retirando aos poucos.
— Hotel ou mulheres?
— Mulher.
— Apenas uma. Raquel? — Aceno com um leve movimento de cabeça, e
ela sorri. — Deu merda, não deu?
— Sim.
Cruzo os braços e ela balança a cabeça negativamente.
— Quer falar sobre isso? Aproveita que estou incorporando a psicóloga.
Sorrio.
— Por pouco não ataquei a garota no provador de uma loja. Tive que sair
por um tempo. Mas foi difícil... Não a ataquei no provador, mas a ataquei em sua
casa. Eu beijei a Raquel.
Sinto um alívio em dizer isso. Precisava falar com alguém.
— Sabia que isso iria acontecer. Estive conversando com sua mãe e a
Hannah, e elas temiam isso. Falaram que a empolgação do seu pai quanto a você
não querer pela primeira vez uma assistente dele, era muito preocupante.
— Bom saber que sou o assunto de vocês. — Ela revira os olhos e pega
outro lenço, e continua limpando o rosto.
— E ainda não sabe por que ela começou a causar isso em você apenas
agora? De início, você não a enxergava com outros olhos?
— Não sei. Parece que, quanto mais tempo passamos juntos, mais eu fico
louco. Não posso fazer com ela o que faço com todas, entende? Eu sei que,
quando eu a tiver nua em meus braços, descartarei logo depois como acontece
sempre.
— Isso é algo que realmente pode acontecer. Mas, e se desta vez for
diferente? E se não for apenas desejo sexual?
— Samira, eu não estou apaixonado por ela!
Que absurdo. Porra, não estou.
— Téo, nunca se apaixonou de verdade, como pode saber? E não fale
sobre nós, porque confundimos nossos sentimentos.
— Um ponto para você.
Ela sorri.
Joga os lenços no lixo e sai do banheiro passando por mim, então se deita
na cama, e bate a mão levemente nela, à sua direita. Vou até lá e me deito ao seu
lado, deixando uma perna para fora da cama, apoiada no chão.
— Eu apenas quero ajudá-la, como me pediu. Mas está se tornando
difícil. Quando a vi pronta para irmos à boate, porra, quase morri. E hoje vendo
ela experimentar biquínis, foi uma das coisas mais difíceis. Não está mais sendo
fácil. Até o sorriso dela acaba comigo.
— Você escuta o que diz? — Ela se vira e fica me olhando. — Quando
Téo Lima diria que é difícil ficar perto de uma mulher e que o sorriso dela acaba
com ele?
— Samira, eu não estou me apaixonando. — Ela revira os olhos. — Na
boate, quando ela começou a dançar foi difícil também. Depois que saímos, eu
retornei e acabei transando com uma das dançarinas, pensei que iria relaxar mais
a mente, porém não deu, nem mesmo a academia funcionou.
— E quer mais provas de que está se apaixonando?
— Tenho provas de que estou com problemas.
— Téo, meu querido Téo... — ironiza e acabo sorrindo. — Abre mais os
olhos. Algo desconhecido além do desejo e beijo deve ter acontecido. Então
reflita nisso.
— A única coisa estranha foi ela ficar nervosa quando viu a dançarina me
dar um beijo.
— Não dela. Afinal, só de ver como ela te olha é nítido os sentimentos
dela. Eu falo da sua parte.
— Nada além do desejo.
Eu acho!
— Duvido. Pense!
Procuro em minha mente e me vem muitas coisas, mas nada que eu ache
que é desconhecido, mas escolho algo para dizer, ou ela vai ficar nisso até o
próximo ano.
— Falei para ela levar os biquínis que quisesse, mesmo contra a minha
vontade. Pois acredito que maiôs fazem mais o estilo santinho dela e mostram
menos.
Samira ergue uma sobrancelha.
— O que mais?
Lembro-me de uma coisa.
— Nada. E antes que minha mãe invente alguma coisa, eu apenas não
quero que ela vá à praia sendo forçada, e não porque eu não vou. E não confio
nela com minha mãe e irmã, pronto falei. Tenho medo daquelas duas junto. E
não confio nelas para cuidarem da Raquel.
Os olhos da Samira brilham, como diamantes. Estou preocupado. Acho
que dei a ela o que queria. Ela se senta na cama.
— Vê a diferença? Você não teve nenhuma reação do tipo comigo,
porque sempre me viu como amiga. Agora com ela, você não vê apenas como
amiga. Meu Deus, Téo, você está realmente se apaixonando por ela! — Olha-me
chocada.
Fico de pé e me encosto à parede.
— Claro que não. Por favor, não seja ridícula.
— Está bem. Então me diz qual será sua reação quando ver ela
completamente mudada, e com diversos homens em cima dela, e um sendo
escolhido por ela? — Cruza os braços.
Sinto uma irritação com essa pergunta.
— Não irei responder. É a coisa mais idiota que já ouvi.
— Responde!
— Não sei. Talvez eu não gostasse, por medo dela se machucar. Ela
nunca teve um homem em sua vida.
— Olha isso. Téo, quando fala dela, sua expressão suaviza, seus olhos
brilham. E o caramba que apenas não iria gostar. Ficaria louco. — Ela sorri.
— Gosto dela como uma amiga! — rebato nervoso.
— E eu sou casada com o Henry Cavill, porém ele ainda não sabe.
Acorda, homem. E ela está doidinha por você também.
— Claro que não! Raquel, não deve nem saber o que é isso.
— Pode não entender, mas está sentindo algo por você sim!
Respiro fundo. Chega desse assunto.
— Vou embora. Já deu desse assunto.
— E agora está fugindo. Típico de homem que se apaixona e tem medo.
Estou louquinha para ver você correr até aqui, desesperado quando assumir que
os sintomas que sente são de paixão. — Ela ri.
— Isso nunca vai acontecer.
— Nunca diga nunca, meu caro.
Saio do quarto e escuto sua risada. Samira adora me ver perturbado.
Não estou me apaixonando e nem apaixonado pela Raquel. A menina é
uma santinha, seria até pecado, logo eu apaixonado por ela. E é óbvio que ela
também me vê como amigo. Samira precisa de tratamentos psiquiátricos.
Raquel Pereira
Estou indo para o hotel, e meu tio está me acompanhando. A manhã está
fria, porém não chove. Minhas pernas estão congeladas, assim como minhas
mãos e a ponta do meu nariz. Porém, confesso que sempre fui apaixonada pelo
frio.
Aproveito a oportunidade, para falar da praia com ele. Esta manhã,
enquanto fazíamos nosso desjejum, falamos de tantas coisas sem citar
problemas, que preferi não entrar neste assunto.
— Tio, o senhor já foi à praia? — Ele me olha surpreso e sorri.
— Já, meu anjo. Quando mais jovem, antes de escolher ser padre. E
agora, sendo padre, viajo para o litoral, mas vejo o mar apenas de longe.
— O mar é bonito como dizem?
— Belíssimo. Deus caprichou muito. Ele sempre capricha muito. — Seu
sorriso me contagia.
— Eu recebi um convite da esposa do senhor Augusto, de irmos à praia
na sexta-feira e retornarmos no domingo. — Ele me olha com o cenho franzido.
— Ela é uma senhora muito boa. Todos os Limas são. Téo também, mas
infelizmente tem feito muita desordem.
Sinto um friozinho na barriga apenas com a menção de seu nome.
Viramos à esquerda para pegarmos a avenida, que nos levará ao hotel. Saímos
mais cedo de casa, o que nos permite ir mais devagar.
— Eu posso ir? Eu quero muito conhecer a praia.
— Querida, minha preocupação é sua mãe retornar, e você não estar aqui.
— Ela disse quando viria?
— Não. Sua tia tem feito o máximo para ela ficar mais tempo.
— Então tio. Essa pode ser minha única chance. Dona Eleonor foi tão
bondosa em me convidar. E gosto muito de sua filha, que já me ajudou bastante.
— O Téo Lima vai?
— Não. Serão apenas nós três. Só mulheres.
— Bom, isso já me deixa aliviado. Se bem que confio muito na senhora
Eleonor e em sua filha. Ambas são muito cuidadosas, bondosas, tem muita luz e
são muito responsáveis. O senhor Augusto também.
Olho animada para ele.
— Então?
— Vá, minha menina. Merece se divertir mais. E sei que com as duas
não corre perigo. Confio muito nelas. Vai precisar de dinheiro, afinal, ainda não
recebeu. Eu tenho algumas economias, e posso...
— Tio, não se preocupe com isso. Para mim o importante é apenas ver o
famoso mar, pois só vi pela televisão. E ela disse que pagaria tudo.
Ele sorri.
— Ela tem bom coração, mas não podemos abusar.
— Mas foi ela quem disse, ué! — digo sem entender.
— Eu sei. Mas é bom levar algum dinheiro para o caso de querer algo e
assim não precisar pedir.
Assinto.
Paramos na frente do hotel, e abraço ele.
— Obrigada, tio!
— Tudo por sua felicidade, meu anjo! — Beija o topo da minha cabeça.
Estamos há horas presos dentro da sala. Téo está muito irritado. O senhor
Augusto ligou e a conversa entre os dois não foi boa.
— Chega. Puta que pariu! Não aguento mais. Ainda tem a hóspede
querendo chamar a polícia por causa do maldito anel! Estou pagando meus
pecados.
— Téo, vamos por parte. Qual é o principal problema a ser resolvido?
— O do anel. Os demais são papeladas.
— Certo. Tenho uma ideia, mas não sei...
— Fale, estou aceitando qualquer coisa.
— Chame a hóspede e converse com ela. Até agora ela ouviu apenas o
Natanael, mas talvez sinta que realmente é importante seu problema, se o dono
hotel lidar pessoalmente com ela.
— Nem me lembre, este hotel praticamente me pertence. Certo, e o que
vou dizer a ela? Não achamos o anel, e não podemos simplesmente sair
investigando todos os funcionários... Olhe o tamanho do problema.
— Enquanto conversa com ela, e tenta acalmá-la, eu junto do Natanael
reviro mais uma vez o quarto. Anel é pequeno, pode ter caído e ficado em
qualquer lugar. Pede mais calma e um prazo. Caso não tenhamos uma solução,
ela chama a polícia, e fica para eles investigarem. Porém, eu acredito que está
caído no quarto.
— Aquele quarto já foi revirado por diversas vezes.
— Não custa nada tentar novamente. Minha mãe sempre diz que, quando
estamos nervosos à procura de algo, as chances de encontrar são mínimas.
— Olha, pela primeira ela falou algo certo, pelo visto. — Ele sorri. —
Mande Natanael trazer a hóspede aqui. E seja o que Deus quiser.
— Certo.
Téo Lima
Entro no hotel. Minha noite foi péssima. Cheguei em casa, ainda bebi
quase meia garrafa de uísque acompanhado do meu charuto cubano. Acordei
péssimo. Já tomei café e remédio, e agora é esperar essa dor de cabeça passar.
— Nossa, um trator te atropelou? Téo, olha sua cara! Nunca te vi assim.
— Bom dia, Natanael, é muito bom te ver também — ironizo e ele me
olha feio.
— O que aconteceu?
— Nada. A Santinha chegou?
— Sim. E pare de chamá-la assim.
Não falo mais nada e saio da recepção.
Assim que me aproximo da mesa da Raquel, ela me olha e sorri. Essa
“peste” anda destruindo minha vida.
— Bom dia, Téo — cumprimenta ainda sorridente.
— Péssimo dia. Mas fico feliz que tenha dormido bem. — Quero matá-
la.
— Credo. Não diga isso. Deus sempre tem um dia bom para todos nós.
— Não me fale Dele, neste momento. Nossa amizade está um tanto
abalada. — “Por sua causa”, quero completar, mas me calo.
— Senhor! O que aconteceu para estar assim? — pergunta preocupada.
— Não é o que aconteceu! É o que não aconteceu.
— E o que não aconteceu?
— Raquel, se eu falar você corre. Você simplesmente corre. Ou talvez
fique louca.
— E-eu?
Não seja a santinha ingênua agora. Não agora. Isso vai ferrar tudo ainda
mais.
— Com licença.
Saio rapidamente dali, entrando na minha sala, ou melhor, a sala do meu
pai. Porra, eu preciso focar em apenas ajudá-la, ou nós dois estaremos muito
ferrados.
Raquel Pereira
O que eu fiz para o Téo? Não compreendo. Está tão estranho. Não tive
tempo de devolver seu paletó, e ele se trancou na sala sem sair para nada. Já
almocei, adiantei boa parte do meu trabalho, mas ele continua trancado. Estou
bem preocupada. Não tive nada que me levasse a ir até sua sala, e assim não
parecer uma curiosa. Porém, algo me diz que tem coisa errada. Sinto isso. Desde
ontem ele está estranho.
Continuo trabalhando, para tentar esquecer. Afinal, daqui a pouco está na
hora de ir para casa.
Visto minha jaqueta com sua ajuda. Ele coloca seu capacete em cima da
enorme moto. Eu deveria ter recusado. Por que eu aceitei?
— Ficou muito linda com essa calça. Com essa roupa em geral. — Dá
um sorriso.
— Téo, não sei se é a melhor opção eu ir nesse treco!
— Moto. Não é treco.
— Eu nem sabia que tinha isso.
— Sempre tive. Mas prefiro carro. Porém, hoje ela será perfeita, para
você ter mais uma experiência que lhe foi privada.
— Isso não vai dar certo.
— Vai sim. Apenas segure firme em mim, e não se solte. Combinado?
— Aham...
Deus me ajuda!
Será que terei tempo de me despedir dos meus familiares se algo
acontecer?
Téo Lima
Eu não iria para a praia, mas não resisti. Quero estar ao lado da Raquel
em sua primeira vez naquele lugar. Ainda não compreendo porra alguma do que
está acontecendo comigo, mas não posso deixar de lado a ajuda que prometi a
ela.
Estamos em cima da moto, e suas mãos agarram completamente minha
blusa. Sorrio.
Seguro seus braços e passo ao redor da minha cintura. E ela aperta ainda
mais. Isso vai ser épico.
— Pronta? — falo alto, devido aos carros que passam ao nosso lado.
Ela faz que não. Sorrio.
— Só não soltar.
Ela assente.
Ajeito meu capacete.
Aciono o botão de partida. Giro a chave na ignição. E em poucos
segundos estamos saindo do hotel, em uma velocidade normal para mim, porém
para ela não deve ser, já que me aperta ainda mais.
Fazia tempo que não sentia esta liberdade. O vento forte, a velocidade
desta maneira. É bom. Mas tê-la me apertando, não está sendo bom neste
momento, não enquanto piloto. Porra, estou fodido. Paro no sinal vermelho. E
seu aperto fica mais frouxo. Vejo que o sinal vai abrir, e assim que o faz, saio na
frente de todos os carros, e de algumas motos. Ela volta a me agarrar
completamente.
Faço uma curva, e sua mão desliza para baixo da minha blusa. Agora
fodeu. Ela acaba fazendo isso com a outra. Seu contato agora está piorando a
situação.
Eu deveria ter ido de carro!
Sinto a pressão de suas coxas. Ela está tensa, e isso não está ajudando.
Algo poderia ajudar essa situação?
Depois de uma tortura que parecia não ter fim, estamos entrando na rua
da casa na praia. O bom de vir de moto que o tempo reduziu ainda mais. Porém,
começou a garoar um pouco no caminho, e aqui no litoral está trovejando e
relampeando muito.
Paro em frente à casa, e retiro a chave do bolso. Aperto o botão do
pequeno controle para abrir o portão, e então entramos na garagem, e logo
pressiono novamente o botão para fechar o portão.
Desligo a moto, e descemos. Retiro nossos capacetes. Ela sorri para mim.
— Foi ruim? — questiono curioso enquanto coloco os capacetes no chão
ao lado esquerdo.
— Não... Um pouco. Mas foi incrível! — diz animada.
Queria dizer o mesmo. Mas estou controlando o que vim o caminho todo
sendo torturado pelo maldito traidor que carrego em meu corpo.
Abro a porta da casa e entramos. Acendo a luz, e tudo está como da
última vez que vim, porém é óbvio que estaria limpo, mamãe manda uma vez
por semana uma moça vir limpar. Fecho a porta, e abro a janela da sala, que dá
para a frente do portão da garagem. É um sobrado enorme.
Olho no relógio de pulso e chegamos em um bom tempo, realmente.
Ela olha tudo ao redor. Porra, realmente está linda nesta calça. Para ser
mais preciso, está muito gostosa. A merda do tecido marca bem suas curvas, e
sua bunda. Por que comprei isso?
— Enquanto esperamos a Hannah e minha mãe chegarem, vou pedir algo
para comermos e te mostro a casa.
— Está bem.
Ela não me olha direito. Algo está acontecendo. Ela está mais estranha
que o normal.
Enquanto comemos pizza ficamos conversando. Ela está mais tímida que
o normal. Mal me olha. Porra, isso está me deixando agoniado. Eu deveria estar
neste desespero, porque sou eu quem ferro tudo.
Estamos sentados no tapete da sala. Ela bebe um pouco de seu
refrigerante e o deixa de lado depois, enquanto fica mexendo com o garfo em
sua pizza no prato em seu colo. Deixo meu prato de lado e peço licença ao tirar o
dela de suas mãos e colocar de lado também. Seguro seu queixo e ela acaba me
olhando.
— O que está acontecendo? Você está estranha... Foi devido ao beijo?
Sinto que está diferente desde ele.
— Só estou tentando entender tudo que vem acontecendo nos últimos
dias. Não é nada grave.
— E por que está me evitando? — Retiro a mão de seu queixo e me
aproximo mais.
— Não estou... Bom, um pouco. — Ela sorri. — Digamos que ao que
parece... Ai, Téo, não irei falar. Porque nem sei como explicar. Não sei o que é
de verdade.
Um trovão forte ecoa e ela acaba se assustando e praticamente salta em
meu colo. Abraço seu corpo.
— Meu Deus! Nunca fui muito fã de trovões. — Ela parece se dar conta
que está praticamente em meu colo e tenta se afastar, mas impeço.
— Você está me fazendo sentir coisas inexplicáveis, Santinha. Se eu ficar
louco, irei culpá-la. — Sorrio e acaricio seu rosto.
— Melhor ajeitarmos as coisas, e irmos deitar.
Aproximo meu rosto do seu, e ela aperta a mão em meu braço. Deixo um
beijo bem próximo de seus lábios. Ela fecha os olhos por um instante e então se
afasta e deixo que faça. Ela está me deixando louco e não sei se poderei me
controlar esta noite. Raquel está destrancando sentimentos estranhos que nunca
tive.
Ela me olha e sorri, e porra que sorriso perfeito. Busco assuntos
aleatórios e ela acaba se soltando mais. E a noite fica mais leve.
Raquel Pereira
Não sei o que estou fazendo. Não consigo pensar direito. Estou em uma
luta interna, muito difícil de compreender. Nunca senti nada parecido. É um
calor assustador, mas delicioso. Uma sensação inexplicável. O medo parece
trazer mais intensidade a tudo.
Quando suas mãos vão para cada lado de meu rosto, minhas pernas
falham, e ele imediatamente agarra meu corpo. As luzes amareladas das velas
acesas não impedem que eu veja seu olhar. Ele está diferente, de um modo que
nunca vi. Quando dou por mim, estamos longe da porta e encostados na parede.
Suas mãos prendem meu corpo. A luta interna não me deixa em paz, porém não
consigo raciocinar. Seus lábios roçam os meus, e fecho os olhos
automaticamente.
— Eu vou te beijar agora... — Sua voz é ainda mais rouca.
Apoio minhas mãos em seu peito nu, e então acontece novamente. Sua
língua abre passagem em minha boca, e eu permito. Não sei o porquê. Não
entendo, mas permito. Meu coração está descompassado e meu corpo
completamente arrepiado. Quando sua língua se cruza com a minha, é como se
eu já soubesse o que fazer, e sentir de novo a bolinha prateada que tanto me
trouxe curiosidade, deslizando pela minha boca, me faz perder o controle. Suas
mãos apertam-me ainda mais, e sinto a rigidez que vem dele, e isso me assusta,
porque sinto algo molhar minha calcinha. O que é isso?
Ele para o beijo, mordendo meu lábio inferior, e a sensação é boa.
— Raquel... Porra... Você está acabando comigo.
— Eu... Téo... O que é tudo isso? — Minha voz é lenta.
Ele caminha até a cama, agarrado a mim, e sinto a maciez do colchão
quando ele inclina meu corpo e deita-me. A camisola que uso sobe
completamente e tento baixá-la, mas ele me impede.
— Não faça isso, por favor.
Um clarão entra no quarto, e olho assustada, mas ele sorri. Nunca pensei
que ele poderia ficar ainda mais lindo, apenas com a luz da vela refletindo sobre
ele.
Suas mãos deslizam pelas minhas pernas, e meus olhos se fecham,
sentindo a sensação.
— Olhe para mim — pede e abro os olhos. — Você quer que eu
continue? Sim ou não?
Não consigo entender nada do que está acontecendo. Por que estou tendo
essas reações? Mas eu não quero que ele pare. Eu preciso que continue e não sei
o porquê. Então assinto.
Minha camisola é retirada, e antes que eu possa cobrir meus seios, ele me
impede.
— Não cubra, Raquel. Se entregue, não tenha medo.
— É impossível.
— Não é, e vou te provar isso.
E ele prova. Sua língua passa ao redor do bico do meu seio, e a bolinha
prateada mais uma vez me deixa louca. O que estou fazendo?
Um som diferente escapa de meus lábios, e minhas mãos agarram a
colcha, estou sem controle.
— Não controle as sensações, deixe vir. E descubra o que o piercing
pode fazer. — Seu sorriso me faz sentir um friozinho na barriga.
Não demora e estou sem calcinha. Por Deus, estou sem calcinha!
— Caralho... Raquel, você... Porra, nunca pensei que... — ele busca
palavras, e por incrível que pareça sei ao que se refere, pois ele não retira os
olhos.
— Sim, me depilo. Minha mãe não gosta, diz que é vulgar, mas minha tia
Cássia me ensinou e faço. Minha mãe deixou de surtar, e eu achei que então
poderia continuar... Ela disse que não saio com homens, então isso não seria um
grande problema, como outras coisas... — Escondo o rosto envergonhada, por
falar tanto.
Suas mãos descobrem meu rosto.
— Não fique com vergonha. Está tudo bem. — Beija rapidamente meus
lábios.
Começa a beijar meu pescoço e vai descendo por toda extensão do meu
corpo. Mas, quando se aproxima da minha intimidade, fecho as pernas.
Ele não pode fazer isso!
— Téo...
Antes que eu continue dizendo qualquer coisa, minhas pernas são
completamente abertas e são mantidas assim.
— Vou chupá-la de uma forma que nunca mais vai esquecer, minha
Santinha.
Senhor, olha o que estou fazendo. Vou para o inferno!
Então ele faz. Sua boca ataca-me como se eu fosse alguma comida
saborosa. Sua língua desliza por um ponto mais sensível, e quando penso que a
sensação que estou sentindo não pode aumentar, ele chupa-me. Não consigo
controlar, simplesmente não consigo. Solto sons altos de meus lábios e
incompreensíveis. O piercing, que tem me tirado a paz neste momento, é o que
mais sinto agora, quando sua língua entra em mim, e nem sequer consigo pensar
em como ele fez isso. Não consigo pensar em nada.
— Téo, isso... — Inclino a cabeça para trás, e meu corpo se curva um
pouco.
Um vento frio em minha intimidade faz com que eu encolha os dedos dos
meus pés e crie uma tensão em minhas pernas. Quando olho, é ele assoprando e
dando beijos suaves. Ele então sorri, e é como um sorriso de uma criança que
acaba de aprontar, e neste momento ele simplesmente chupa-me com mais força,
e agarra um de meus seios apertando forte, e não consigo entender o que
acontece com meu corpo, que começa a tremer e a liberar algo que escorre de
dentro de mim. Os sons que escapam de meus lábios se intensificam, ficando
mais alto. Tento fechar as pernas, é automático, mas sou impedida. Grito por seu
nome, e ele fica por cima de mim segurando meu rosto com ambas as mãos,
enquanto sua testa encosta na minha. Quando consigo abrir meus olhos, em meio
a essa sensação louca e deliciosa, ele diz:
— Isso é gozar, meu amor.
— E-eu... acabou... — Fico desapontada achando se é apenas isso e nem
sei o motivo de ficar assim.
— Ainda não.
Então se afasta, ficando de pé. Neste instante a luz retorna, e sem dizer
nada, apaga a vela, e acende os abajures, e logo depois apaga a luz. Consigo vê-
lo melhor, e sei que assim ele me vê ainda mais.
— Você é linda.
Minhas bochechas esquentam.
Ele retira a calça, seguido de sua cueca. Meus olhos arregalam. Isso não
pode ser... É muito grande. Não. Vai me machucar. O que eu estou fazendo?
— Relaxa. — Ele deve ter percebido meu espanto.
— Téo, é muito grande. É errado. Não posso — digo apavorada.
Ele se senta ao meu lado.
— Toque. Conheça com suas próprias mãos.
— Posso? É errado. Téo, eu vou para o inferno! — falo em desespero.
— E eu vou te acompanhar.
Com cuidado, ele pega minha mão e leva até o que tanto está me
assustando. Assim que toco, seus olhos fecham duramente e ele morde o lábio
inferior. É duro, macio e causa algo desconhecido em meu interior. Mexo com
cuidado, com medo de quebrá-lo, e Téo solta um som estranho de sua boca,
como um gemido, mas não de dor.
— Téo, não pode colocar isso em mim. Vai doer.
— Vai sim, não vou mentir, mas será bom depois, eu prometo.
— Eu estou com medo. — Afasto minha mão e fico olhando aquilo
grande, que parece que vai me engolir. — Mas não quero desistir, Téo. Quero
continuar... — falo envergonhada.
Ele toca meu rosto e beija com carinho meus lábios, diferente da outra
vez.
— Eu vou ter cuidado. Eu vou tornar isso especial, eu te prometo. Confia
em mim? — Concordo, sem saber o porquê.
Ele se levanta novamente e pega algo dentro de sua carteira que estava
no criado-mudo. Então rasga a embalagem, e desliza a mão com o que tinha
dentro da embalagem — que sei que é a camisinha —, sobre toda a base de seu
comprimento. Fico olhando curiosa com tudo aquilo. Quando vi no hotel apenas
o “volume’, não parecia que seria algo assim.
Ele fica entre as minhas pernas, e sorri.
— Quando eu colocar meu pau dentro de você, não terá volta. Então essa
é a sua chance de impedir-me. Quando eu tirar a sua virgindade, não sei o que
vai acontecer depois. Então essa é a sua chance, se não quiser conhecer o meu
outro lado.
Fico olhando para o seu rosto e, de repente, algo vem à minha memória:
“Você não pode ter relações com homens antes do casamento e não
quero que se case. Homens não prestam.”
Téo é bom e ele presta sim. Como eu queria que ela soubesse disso. Com
uma coragem que não sei de onde vem, apenas digo:
— Pode continuar, Téo.
— Porra! — ele diz inclinando um pouco de seu corpo sobre o meu. —
Não fique tensa. Relaxe. Se doer muito, precisa me falar, tudo bem?
Meneio a cabeça, afirmativamente.
— Vou colocar...
E assim acontece. Começo a sentir entrando em mim, e dói um pouco.
Fecho os olhos, e tento relaxar como ele disse. Ele para, e abro os olhos.
— Foi? — indago e ele nega.
— Só precisa me avisar. E se tiver que gritar pela dor, não tenha
vergonha. Não poderei ir devagar, ou será pior.
Sinto um medo após essas palavras. Que tipo de dor ele se refere?
Seus olhos estão fixos aos meus. E antes que eu pense em fazer qualquer
coisa, ou dizer, sinto como um beliscão forte, e uma dor na mesma intensidade.
Eu grito, e fecho os olhos com força. Téo não se mexe mais, e seus lábios ficam
em um beijo demorado na minha testa.
— Estou me controlando muito... Você é apertada demais, e está me
apertando ainda mais.
Ele cola nossas testas, e sinto seu hálito quente próximo a minha boca. A
dor e a ardência vão diminuindo, e a sensação de tê-lo dentro de mim começa a
mexer comigo. Lágrimas escorrem pelo meu rosto, e ele beija cada uma.
— Amor, te machuquei muito? — pergunta e posso notar que está
realmente preocupado.
— Não. Eu não sei por que estou chorando. Téo, doeu, não irei mentir,
mas eu deveria sentir culpa por isso, mas não estou sentindo, eu sou tão
pecadora... Não choro de tristeza, não sei explicar...
— Shhh... Não é pecadora. Deixe que eu ocupo esta categoria por nós
dois.
— Vai doer de novo? — pergunto curiosa.
— Você vai descobrir.
Então começa a se movimentar, e nunca pensei que pensaria algo assim,
mas é muito maravilhoso. Seus lábios se encontram com os meus, e beija-me
com força, brutalidade, e acompanho isso. Estou fora de mim. Quero pensar que
é tudo errado, que tenho que sair depressa daqui, mas não consigo. Não com ele
beijando agora meu pescoço. Agarro seus ombros com força. Meu corpo se
movimenta com cada investida dele.
— Porra, é apertada demais essa bocetinha — diz indecências, enquanto
continua se movimentando. Suas mãos puxam minhas pernas, que contornam
sua cintura. E agora, posso senti-lo mais fundo.
— Ah... Téo!
— Se continuar gemendo, eu vou ficar ainda mais louco, Santinha — ele
fala com a voz entrecortada.
— Eu... Ah... — não consigo dizer nada, e nem sei o que eu diria.
Os movimentos ficam mais fortes e mais rápidos. E meus gemidos mais
altos e intensos. Eu não posso controlar. Téo chama pelo meu nome várias vezes,
e então começo a sentir algo estranho, um calor que vem desde os pés,
acompanhado por um tremor muito forte, aperto ainda mais seu corpo com as
minhas pernas.
— Téo... O que é isso? — pergunto em um sussurro.
— Você está tendo um orgasmo, amor... Caralho, não dá mais!
E então, um grito intenso sai de mim, e o tremor triplica. Téo diz meu
nome acompanhado de xingos, e uma mordida leve em minha orelha, e isso faz
com que eu sinta meu corpo inteiro perder as forças, e os movimentos que o Téo
fazia cessarem. Estamos muito suados e ofegantes. Ele sai com cuidado de mim,
e em seguida de cima. Então entra em seu banheiro e fecha a porta. Sento na
cama com cuidado, puxando minhas pernas de encontro ao meu corpo.
Agora a ficha literalmente caiu.
O que eu fiz?
As lágrimas começam a cair novamente, e meus lábios tremem. Eu não
posso mentir e dizer que não gostei, e falar que estou com remorso, porque não
estou. Mas sei que isso foi errado, e que só vai piorar minha situação quando
minha mãe retornar. Minhas tias e meu tio sempre falavam que ela me prender
tanto uma hora traria consequências, e talvez não boas. E se falavam disso? Eu
me entreguei ao Téo Lima, um homem completamente o oposto da minha vida, e
não consigo sentir remorso, e isso é o que mais me dói. Em quem eu me
transformei?
Visto a camisola e calcinha rapidamente e saio às pressas do quarto, indo
para o quarto de Hannah. Deito da cama, e fico encolhida, chorando e me
culpando, por não estar arrependida do que fiz, e por saber que isso pode me
causar muitos problemas. A Raquel de antes jamais faria isso. E se conviver com
o Téo realmente estiver me mudando e não para melhor? Meu tio disse algo
sobre ele sentir atração pelo proibido, e eu... Deus, eu sou proibida. Melhor, eu
era...
Fecho meus olhos e converso com Deus, em pensamentos.
“Estou confusa. É errado não se arrepender do que fiz? Estou com medo
do que o futuro vai me reservar depois desta decisão. E se eu fui o fruto proibido
para ele, que consequências tudo isso vai ter? Me perdoa por tudo isso, e por ter
agido assim. Me perdoa por não sentir arrependimento. Mas me ajude a tentar
lidar com isso, mesmo eu sabendo que cada ação gera uma reação. Sei que tudo
nos é licito, mas será que eu realmente entendi certo, e escolhi algo certo ou
escolhi o errado? Que confusão, Deus!”
Além de tanta confusão, uma parece ter mais força dentro de mim, que é
entender por que o Téo me traz confusões internas, e deixa meu coração uma
bagunça. É tão forte o que sinto, que chega a doer.
Eu tento disfarçar, fingir que não te quero
Pra enganar meu coração
Desvio o meu olhar, pois se eu te ver
Não vou conseguir agir com a razão
— Henrique e Juliano “Medo de te amar”
Téo Lima
Vamos pela manhã. Não temos condições de viajar hoje, já é muito tarde.
Cuidado. Não faça besteiras, por favor. Beijos.
Raquel Pereira
Estamos pegando pão, é o último item da lista que ela fez no celular. O
mercado está bastante movimentado. Pessoas bronzeadas, algumas com parte do
biquíni à mostra e sorridentes, já outras com cara de poucos amigos.
— Obrigada — ela diz ao rapaz que lhe entrega o pão. — Deseja algo,
querida?
— Não, obrigada. — Sorrio.
— Vamos, antes que as filas fiquem maiores. Segura a cesta, por favor?
— ela pede.
Pego de suas mãos e ela mexe em algo no celular, e depois pega a cesta
novamente.
— Estava conferindo a senha do cartão. Esqueço direto.
Entramos em uma fila com poucas pessoas e logo chega a nossa vez. A
moça do caixa passa cada produto e diz o valor final.
— Cartão ou dinheiro?
— Cartão.
— Débito ou crédito?
— Débito.
A atendente não está com uma cara muito boa. Parece estar nervosa.
Eleonor olha para ela, seriamente.
— Insira o cartão e coloque a senha! — a moça diz em um tom meio
estúpido.
— Olha aqui, querida, poderia ser mais educada? Se está com algum
problema, não deve descontar nos clientes — Eleonor diz e a mulher revira os
olhos.
Ela digita a senha e a moça pede para retirar o cartão e assim ela faz. Um
rapaz embalou todas as compras.
— Seja mais educada. Seu mau humor pode detonar o dia de alguém,
afinal ninguém merece ser atendido logo cedo desta maneira.
— Senhora, não está satisfeita? Chame o gerente. Agora com licença!
— Olha aqui...
— Deixa, não vale a pena. Vamos — digo e Eleonor suspira. — Tenha
um bom-dia, moça. E que Deus ilumine muito sua vida. — Ela olha para nós e
logo desvia o olhar.
Pegamos as sacolas e saímos do mercado. Lembro-me de que a primeira
vez que a vi em um mercado, ela discutia no caixa. Sorrio com a lembrança.
— Nossa, não suporto pessoas assim. Se você não tivesse dito aquilo, eu
teria dito poucas e boas ali. Onde já se viu? Se temos problemas, não devemos
descontar nas pessoas.
— Tem razão. Mas sempre achei que bater boca em alguns casos, não
vale a pena.
— Verdade, querida.
Téo Lima
Estamos em casa. Minha mãe se arruma para irmos comer fora, e Raquel
faz o mesmo. Hannah já está pronta, e me faz companhia em meu quarto.
Estamos ambos apoiados na janela, observando o movimento do lado de fora.
— Estava errada. Ela não é minha submissa. Ela faz tudo porque quer.
Hannah me empurra levemente com seu ombro e sorri.
— Eu sei. Não pense que sou doida, mas falei tudo aquilo de propósito.
Eu queria ter a certeza de que iria atrás dela e conversariam e quem sabe assim
abriria os olhos.
Olho incrédulo para a minha irmã. Porra, com uma irmã assim, para que
inimigos?
— Não me olhe assim. Téo, quando voltarmos, o que aconteceu entre
vocês não vai ficar em segredo, eu tenho certeza. E não quero esta menina
sofrendo. Sabe, eu me vejo nela. Você acompanhou tudo o que aconteceu
comigo e não quero que se repita com ela.
— Eu não sou como ele.
Ela sorri mais uma vez.
— Você e o Christopher são parecidos em um detalhe: a safadeza. — Faz
uma pausa e continua: — Raquel e eu temos pouca diferença de idade, sou
apenas quatro anos mais velha, e me sinto uma idosa ao lado dela. É tão ingênua,
doce, e tem uma luz que alegra as pessoas por onde passa, não quero que ela
perca isso, por sua causa. De coração, queria que, quando retornássemos, você já
soubesse o que quer, e enxergasse o que está estampado em seu rosto e marcado
em seus olhos.
Olho para ela rapidamente, e desvio o olhar. Fico vendo as pessoas na
praia ainda.
— Não posso. No fundo, eu sempre soube que a magoaria.
— Por que não pode? — Ela se vira, fica de frente para mim, faço o
mesmo, e olho em seus olhos. — Ela não é o suficiente? Uma única mulher
jamais será suficiente para você?
— Não tem nada a ver com isso. Eu não posso tentar resolver problemas
do coração, sem ter resolvido minha vida profissional. Não dá para tentar
resolver tudo de uma única vez. Eu queria que fosse possível, mas não é. Sabe
que não é fácil chegar em nosso pai e dizer que estou largando o hotel para
seguir com aquilo que ele nunca aceitou. Porra, ele só tem eu, ali.
— Não. Ele pensa que só a você, mas não é assim. Papai é outro que não
quer enxergar o óbvio. Dentro daquele lugar tem alguém que realmente merecia
ocupar sua sala. Vocês são tão cegos. Você nunca esteve ali mesmo estando,
louco isso, não é? Mas é a realidade. Papai não quer Téo Lima, o profissional, ao
seu lado, cuidando do hotel da família. Ele quer apenas o filho ao lado dele, para
compensar a ausência que sempre existiu em relação a vocês. Entretanto, o
orgulho e a teimosia fazem com que não enxerguem isso. Vocês querem a
companhia um do outro. Abra esses olhos lindos, que não servem apenas para
ver bunda de mulher, e comece a enxergar as coisas como realmente são. Se quer
mesmo ser fotógrafo, então mostre a ele, compartilhe isso. Não tenha medo. E
vai ver que tudo o que eu disse é verdade.
Odeio quando essa pequena intrometida tem razão. Foda!
— Você pode resolver esse problema com o papai assim que ele retornar.
Não vai levar mais que uma hora. Agora com a garota no quarto ao lado, bom,
esse problema pode levar muito mais tempo, então comece adiantando. E eu já
avisei e deixarei claro novamente. Não farei propaganda boa de você, caso ela
venha falar comigo sobre o que está acontecendo. Não serei hipócrita. Quero sua
felicidade, mas também quero a dela. Desejo ver você com alguém; e se fosse
ela, seria bom, mas jamais colocaria esse desejo à frente, de uma forma egoísta.
Pode parecer bobagem, mas ela ganhou uma amiga em pouco tempo. Nosso
signo deve bater, já o meu com o seu... Só quero que entenda uma coisa: ou
assume o que sente, ou cai fora antes que tudo piore!
Não tenho o que responder. Caralho, odeio ficar sem resposta. Minha
irmã sabe tocar exatamente no ponto fraco das pessoas, e me pergunto se ela faz
isso de propósito ou sem perceber.
— Eita, o gato comeu sua língua, neném? — ela provoca. — Vou ver se
mamãe está pronta. E você, pense bem em tudo o que eu disse!
Ela sai sorrindo. Pequena diabinha!
Raquel Pereira
Desde ontem, após o jantar, o Téo mal fala comigo. Hoje é o nosso
último dia aqui na praia, e ele não quis vir. Falou que iria dar umas voltas de
moto.
Estou com o biquíni amarelo. Quero sair mais vezes da minha zona de
conforto. Hoje eu também não vim com saída de praia, optei por um short jeans
e uma regata, que estão agora na bolsa que a Hannah trouxe. Olho as pessoas na
praia. Todas se divertindo. Até mesmo as que estão sozinhas parecem se divertir.
Tudo é tão normal. Minha mãe sempre disse que o mundo era repleto de
pecados, e até pode ser, mas condenar a todos por atitudes de alguns não é justo.
Além do mais, quem somos nós para julgar qualquer coisa? Não somos Deus e
jamais seremos.
— Ah, quando eu era mais jovem, amava vir à praia e ficar dentro do
mar. Mas hoje sinto que é muito melhor observá-lo. A natureza é tão perfeita —
Eleonor comenta e ajeita a lateral da parte de baixo de seu biquíni.
Ela tem razão. A natureza é perfeita, e o Criador desta obra-prima é mais
perfeito ainda.
— Olha a água de coco! — um homem grita. — Moça bonita paga a
metade.
Ele para a nossa frente com o seu carrinho.
— As três beldades, não querem ajudar este pobre homem? Além do
mais, água de coco é uma delícia e estas estão bem geladinhas. E o principal,
canudos biodegradáveis. — O homem tem a pele bronzeada, e usa bermuda e
regata. Logo se nota que é forte, e ouso dizer bonito.
Ele me olha e sorri. Retribuo timidamente.
— Vamos querer sim! Bom, você quer, Raquel? — Hannah indaga e
sorri.
Confirmo. E o homem começa a abrir os cocos de um modo bem rápido,
deve fazer isso há muito tempo para tanta prática. Ajeito-me no chão. Hoje
preferi ficar sentada na esteira que a Hannah trouxe. Cruzo as pernas e observo o
que o homem faz.
— Prontinho — ele diz e coloca canudo em todos.
Entrega o da Hannah e da Eleonor. Então se vira para mim sorrindo
muito.
— E agora o da mais bela, com todo respeito. — Pego de suas mãos e
sorrio nervosa.
— O-obrigada.
Hannah ri e sua mãe acerta um tapa em sua perna, o que não muda em
nada a reação dela. Eleonor pergunta o valor e então paga ao homem. Bebo a
água de coco, enquanto sinto o olhar de Hannah em mim. O que foi desta vez?
— Tenham um excelente dia — ele diz sorrindo e me dá uma piscadela,
então se afasta.
— Olha só, conquistando homens na praia. Me empresta este mel —
Hannah provoca e ri.
— Pare de atormentar a menina! — Eleonor me defende e sorrio.
Bebo mais da água de coco.
— Ué, só disse a verdade. E digo mais. Se o Téo estivesse aqui, o
homem teria saído a chutes, porque morreria de ciúmes — ela gargalha.
Me engasgo. Hannah dá leves tapas em minhas costas.
— Hannah! — sua mãe a repreende.
— E eu menti? Ele já expulsou um de perto dela. Mãe, o teu filho está
doidinho pela Raquel, e pelo visto com um ciúme nada controlável. Eu pagaria
para ver a cena dele aqui, vendo este homem gostosão babando na mocinha aqui.
Só um cego não veria que o homem quase engoliu ela com o olhar.
Mordo meu lábio inferior, como se isso fosse controlar a vergonha que
estou. Téo doidinho por mim? Hannah é louca. Ele é doidinho por todas
mulheres, aquele hotel é a prova disso.
Deus me tira daqui, por favor. Hannah vai me matar de vergonha. Para
ajudar, a mãe do Téo já sabe o que aconteceu entre a gente.
— Minha filha, você realmente não sabe quando calar a boca.
— Olha quem fala. Eu trabalho com fatos, mamãe.
Deixo a água de coco de lado.
— Não ligue, Raquel. Essa aqui é louca.
— Tudo bem... — Sorrio.
— Agora pronto! Falar a verdade é ser louca. Pois saiba, mamãe, que se
tudo der certo, eu direi lá na frente: eu avisei. — Ela bebe um gole da água. —
No mato destes dois, vai sair tigre, cobra, leão, o zoológico todo, vai por mim.
— Somos apenas amigos — digo.
— E qual dos dois repete mais essa mentira para acreditar nela? —
Eleonor questiona.
— Olha só. Não era a senhora reclamando... Ai! — Hannah reclama do
tapa que recebe na perna.
— Conheço meu filho, pequena Raquel. Como eu o conheço...
O celular da Hannah começa a tocar e dou graças a Deus, por encerrar
este assunto. Ela atende e apenas diz um “Ok, vou avisar”, e logo desliga.
— Por falar na peste... Téo falou para você ir até a casa, que ele está te
esperando na entrada. Parece que é urgente.
Olho assustada.
— Urgente? — repito.
— Bom, com meu filho é difícil saber o que é realmente urgente. Às
vezes é só o gel dele que acabou.
Hannah ri.
Faço qualquer coisa para fugir deste papo sobre eu ter algo com o Téo.
Vou até a casa. Téo está sentado no altinho ao lado do portão com uma
mochila ao seu lado, e a moto está na sua frente.
— O que aconteceu? — pergunto preocupada, avaliando se está
machucado ou algo assim.
Ele me olha de baixo para cima e isso faz com que eu cruze os braços em
vergonha.
— Vou fotografar em uma praia reservada, que é aqui pertinho. Topa ir?
— Téo, era isso a urgência? — pergunto inconformada.
— Sim — responde como se fosse óbvio. Então se levanta e ajeita a
calça que usa.
— Quer ir?
— Não sei...
— Raquel, vamos apenas passear, não irei te atacar.
Olho desconfiada, e ele sorri.
— Está bem. Além do mais, quero ver como surgem aquelas imagens
lindas que você faz — digo animada.
— Ótimo. Vou pegar o outro capacete.
— De moto, de novo? — questiono preocupada.
— Sim. E vamos retornar para a casa da mesma forma. A não ser que
queira ir com minha mãe.
— Uma coisa de cada vez... Uma coisa de casa vez — repito e ele ri.
Saímos da água rindo. Téo escorregou e caiu duas vezes, e ficou bravo
por eu rir, mas o que eu poderia fazer? Foi engraçado.
Sento-me na parte vazia da pedra ainda rindo. A cena fica se repetindo
em minha memória.
— Que bom que eu posso te divertir — diz sério e isso só me faz rir
mais.
Ele pega a câmera na bolsa e só de olhar para ele, minha vontade de rir
triplica. Começa a tirar fotos minhas, eu tento ficar séria para pedir que pare,
mas não consigo. O tombo dele foi tão engraçado. Foi chutar a água na minha
direção e seu corpo foi todo para trás, e não satisfeito tentou por uma segunda
vez, e o resultado foi o corpo caindo para o lado.
— Para, Téo! — Ele joga um beijo na minha direção e volta a tirar fotos
de vários ângulos.
— Fica ainda mais linda quando ri assim.
Acalmo-me, e mordo o lábio inferior. Ele se aproxima segurando meu
queixo.
— Nunca deixe ninguém destruir seu sorriso. E se um dia eu fizer isso,
tem autorização para me ferrar todo.
Fico olhando em seus olhos. Ele baixa a câmera colocando ao meu lado.
Desço da pedra e me afasto dele.
— Apague as fotos, devem ter ficado horríveis.
Ele se senta na pedra e sorri.
— Não irei apagar. E se reclamar coloco elas enormes espalhadas pelo
hotel.
— Téo! — Ele ri.
Encosto na pedra, e fico observando as poucas pessoas ali. É tudo tão
tranquilo.
— Eu apenas escolhi ficar no hotel para não o deixar sozinho.
Viro para ele, e fico o observando. Ele tem o olhar no mar.
— Sempre quis que tivéssemos uma ligação mais forte. Mas, quando
percebi que jamais seria possível, parei de tentar agradá-lo. Liguei o “botão do
foda-se”, e comecei a ser quem sou hoje. Mas sinto que falta algo. Pareço um
idiota dizendo isso, não é? — Ele me olha sorrindo.
— Nem um pouco. Desabafar é bom e gosto de saber mais sobre você.
— Não tem muito o que saber. Fui criado de uma forma muito liberal.
Minha pior fase por incrível que pareça foi no colegial.
Fico surpresa.
— Pois é.
— Era um adolescente levado? — brinco.
— E como. Sabe que foi de lá que surgiu o “Senhor Pecado”?!
— Não acredito. Pode contar? — Fico completamente curiosa.
— Bom... — Ele se ajeita ficando de frente para mim. — Eu sempre fui
muito safado. E era bastante popular. Tinha muitas meninas que queriam ficar
comigo. Mas sempre deixava claro que nunca me tornaria namorado de
nenhuma. A maioria eram virgens.
Sinto meu rosto queimar.
— Então... E-eu... Hummm...
— Não. Não foi a primeira virgem. Bom, depois do colegial foi a única.
Todas queriam ficar comigo, como eu disse. O colegial era regado de festas, e eu
como um “chefe na empresa cretino”, escolhia sempre uma das que me queriam.
Dava a elas a noite perfeita, mas no dia seguinte todas queriam mais, e eu fugia.
Então o assunto se espalhou, e as meninas começaram a dizer que eu era
destruidor de virgens, e aí me apelidaram de Senhor Pecado. Veio à faculdade, e
muitos alunos foram para a mesma que eu, e o apelido se espalhou por lá
também. Quando tudo acabou, eu percebi que realmente era um cretino e fazia
jus ao apelido. Sempre assumi o que eu era. E o apelido ficou. Claro que depois
de ter diversas garotas me infernizando após tirar a virgindade delas, eu prometi
que jamais iria para a cama com outra. E declarei: nada de virgens, nunca mais.
— Ele sorri. — Porém, jamais devemos dizer nunca.
Pigarreio como se tivesse algo preso na minha garganta. Mas não tem.
Foi uma necessidade por não saber o que dizer. Que vergonha!
— Mas, depois de todos esses anos, você apareceu.
— Eu fui o proibido, não é? — pergunto um pouco chateada.
— Quê? Não... Sim... Quero dizer... Você é uma pessoa proibida para
mim, porém não foi por isso. É que você tem me deixado louco em todos os
sentidos.
Viro para o mar. Mordo o canto da boca. Ele não pode ficar falando essas
coisas. Não para mim. Não com essa confusão dentro de mim.
— Eu fui criada assim, Téo. Muitas crianças perdem lembranças de sua
infância, e eu queria ser uma delas. Antes eu tinha mais proximidade com minha
avó paterna e com minhas tias também e meu pai estava entre nós. Mas então,
perdemos ele e tudo piorou. Minha mãe ficou mais difícil. Minhas tias se
afastaram e fui proibida de ver minha avó. Meu tio é o único que se mantém ali
do meu lado aguentando tudo por mim.
— Por que está dizendo isso?
— Porque eu não sou as garotas com quem você sai, Téo. Eu sou
diferente, e sei disso.
— Raquel, foi isso que me atraiu em você. Seu diferencial te torna
especial.
— Você não entende. — Viro para ele. — Talvez eu fuja. Minha vida é
complicada. Cresci aprendendo as coisas de uma maneira, e nesses dias longe da
minha mãe, vi que tudo é diferente. Parece que vivi em uma bolha isolada de
tudo. Tenho medo de quando minha mãe retornar. Talvez eu reaja a tudo, ou
apenas siga da mesma forma de antes. Eu não sei... Só sei que sou diferente, e se
isso é bom ou não, tenho preocupação em descobrir. Isso tudo vai acabar, eu
sei... Então por isso é melhor ficarmos afastados. Entende?
Ele se levanta e para à minha frente.
— Raquel, você é adulta. Sei que cresceu sob regras absurdas, e
ensinamentos pelo visto assustadores. Mas precisa dar um basta. Se isso não te
faz bem, precisa se libertar. Ela é sua mãe, mas não tem o direito de te privar da
vida e do que te faz sentir feliz.
Ele acaricia meu rosto e sorrio fracamente.
— Não é tão fácil.
— Nós tornamos o simples em complicado.
— Você diz essas coisas, mas como pode ter certeza de que realmente é
simples? Olhe só, Téo, vejo como fala da fotografia, e vi hoje o quanto tem
muito amor e dedicação nisso, mas foge de dizer isso ao seu pai também, e sim,
já percebi. Aquele hotel não te faz feliz e você foge da verdade sobre isso.
Ele me observa.
— Estamos falando de você, amor.
— Viu só, está fugindo. Eu sei porque sempre faço isso quando não sei o
que responder para meu tio e minha mãe. Tem coisas que realmente não são tão
simples.
Ele me abraça. Encosto a cabeça em seu peito.
— Meus problemas são tolos perto do seu. Eu vou te ajudar, eu prometo.
— Não vejo como poderia.
— Você me pediu ajuda.
— E você disse ser o Senhor Pecado.
Escuto seu riso e isso mexe comigo.
— Até mesmo o Senhor Pecado tem seus momentos para ajudar as
pobres Santinhas em situações difíceis.
Afasto o rosto e olho sério para ele, que ri.
— Agora é melhor nos afastarmos. A situação está ficando critica.
Ele se afasta. E vai até a mochila. Pega a calça e veste.
— Por favor vista sua roupa. Está foda.
Ele me entrega e cruza as mãos como se rezasse. Reviro os olhos e visto
minha roupa.
— Não vejo nada de mais neste biquíni. Ele é apenas pequeno. Mas até
que estou me acostumando, depois de ver várias mulheres com alguns menores.
— Ele realça seus seios e sua bunda.
Olho chocada para ele, que dá de ombros.
— Você... Eu... Ai, meu Deus!
Ele ri.
Fico mais afastada, e ele rindo de mim. Raiva, é isso, estou com raiva.
Meu Deus, por que eu fui abrir minha boca?!
Que este pôr do sol surja logo, para irmos embora. Não dá. Simplesmente
está sendo difícil ficar próxima do Téo. E por quê? Queria tanto entender.
Chega ser maldade
Saber que a gente mora na mesma cidade
E você desconhece a realidade do meu coração
Não sabe se é sim ou não.
— Thaeme e Thiago “Meu segredo”
Téo Lima
Paro na saída da academia e fico olhando para o céu cinzento da cidade.
Desde que retornamos ontem do litoral, não consigo parar de pensar na Raquel.
Parece que ela fixou em minha mente, e não quer dar lugar a mais nada. E para
piorar, ela tinha razão. Sei que tudo vai mudar agora, pois a qualquer momento
meu pai ou a mãe dela retornará, e se não tomarmos uma decisão que ajude a
ambos, alguém saíra machucado. Meu coração está uma completa bagunça.
Meu celular começa a tocar. Pego em meu bolso e vejo o nome da
Samira na tela.
— Sentiu minha falta? — provoco.
— Está no trabalho?
— Não. Ainda não fui para o hotel.
— Téo, são quase meio-dia!
— Ligou para saber da minha agenda?
Ela bufa do outro lado da linha e sorrio. Saio da entrada da academia e
vou até onde deixei o carro.
— Preciso que venha até o meu apartamento. Precisamos conversar.
— O que aconteceu?
Abro a porta do carro e entro.
— Quando chegar aqui conversamos. Tem como vir agora? Consegui
dar uma saída rápida do trabalho.
— Claro. Em menos de vinte minutos estou aí.
— Certo. Até logo. — Ela desliga.
Jogo o celular no banco do carona e coloco o cinto.
O que será que aconteceu? Porra, Samira sabe tirar minha paz.
Aperto a campainha, pois estou sem a chave. Não demora e ela abre a
porta. Cumprimenta-me e entro no apartamento.
— O que aconteceu, mulher?
— Primeiro, você está nojento suado.
— Sério? Se alguém não tivesse me ligado e me preocupado, teria dado
tempo de um banho. Porra, fala logo.
Ela indica o sofá e sento agoniado. Que mania as mulheres têm de trazer
mais tensão ao momento.
Ela para no meio da sala, está nervosa. Conheço muito bem Samira, está
se controlando para não ter um surto.
— Tive que sair às pressas do trabalho para ir até a escola da Catarina.
— O que aconteceu? — pergunto alarmado.
— Sua filha levou três dias de suspensão. E sabe por quê?
— Não sou adivinho, cacete!
— Ela bateu em uma menina, porque a amiga acusou a mesma de roubo,
e ela tomou as dores. — Ela respira fundo. — Téo, eu estou prestes a explodir.
Não consegui falar com a Catarina, porque, nervosa como estou, faria besteira.
Ela ainda se acha na razão. Quantos anos pensa que tem? Nunca agiu assim, e
agora me apronta essa.
Arregalo os olhos e levanto do sofá. Que porra está acontecendo?
— Como é que é?
— Ainda estou sem acreditar que a Catarina tenha feito isso. Isso é muito
grave. Acusar alguém de roubo não é brincadeira. Ela ainda tentou desmentir a
professora e a diretora do colégio, e tem mais, quando eu falei que isso não
ficaria assim, ela me respondeu de maneira rude. Téo, tenta conversar com ela,
porque eu vou perder a cabeça e não quero isso.
— Onde ela está?
— No quarto dela.
— Certo. Vamos até lá.
— Não quero. Não estou com paciência. Melhor eu ficar longe até me
acalmar.
— Nem pensar. Vem.
— Téo...
— Estou falando para vir.
Ela respira fundo e vai na frente. Sigo ela até o quarto da Catarina. Ainda
estou incrédulo com o que ouvi. Catarina nunca foi disso.
Samira abre a porta e entramos. Assim que me vê, Catarina sorri
animada.
— Papai! — Ela corre até a mim.
Samira encosta na parede e cruza os braços.
— Senta na cama, Catarina — digo sério e ela me olha assustada.
Se senta e balança as pernas que ficam penduradas. Puxo a poltrona e
coloco de frente para ela. Sento e ela me observa.
— Quer me contar o que aconteceu hoje?
Ela olha para a mãe e depois para mim e então abaixa a cabeça.
— Olhe para mim. Não quero que desvie o olhar enquanto conversamos.
Porra, odeio ter que agir assim, nunca precisei. Mas o que ela fez foi
muito errado.
— Papai, eu não fiz nada...
— Então a professora e diretora mentiram? Porque se fizeram isso,
vamos os dois ao colégio e você dirá na frente delas que estão mentindo e vai ter
que provar isso.
Seus olhos se enchem de lágrimas e seus lábios tremem.
— E-eu só quis defender minha amiga.
— E bater era a solução?
— Não.
— Então por que fez isso?
— Porque minha amiga disse que a Dafne roubou o estojo dela.
— E procuraram o estojo, antes de acusar alguém? Porque isso é muito
grave.
— Não. Papai...
— Agora, você vai escutar, e quietinha, está me ouvindo?
Concorda e começa a chorar.
Meu coração fica partido em ver isso, mas tenho que ser firme. Se não
cortar agora, lá na frente o resultado poderá ser pior.
— Eu pago um colégio caro e bom, para que você possa ter o melhor
ensino educacional possível. Sua mãe e eu damos a você tudo o que pede. Se
quer brinquedos, mesmo sendo caros, você ganha. Quando quer comer algo,
fazemos de tudo para te dar no dia em que pede. Tem quartos maravilhosos. Suas
roupas são sempre as mais modernas. Catarina, você tem uma vida que muitas
garotinhas da sua idade sonhariam em ter, ou pelo menos ter uma pequena parte
dela. Mas o principal você também tem, que é uma família que te ama muito, e
faz de tudo para te educar bem.
Ela enxuga os olhinhos, e soluça. Olho para Samira, que se mantém séria.
— Tudo o que pedimos é que seja educada não apenas conosco, mas com
todos. E é desta forma que retribui tudo? Sua amiga estava errada em acusar
alguém, e você mais errada ainda em escutar o que ela disse e ir bater em uma
colega de classe, que era apenas uma vítima nisso tudo. Isso não se faz. Jamais
se deve acusar alguém ou julgar. Gostaria que tivessem feito isso com você ou
com sua amiga?
— Não, papai.
— Olhe para tudo isso, Catarina. — Indico ao redor. — Você é tratada
como uma princesa, mas hoje não agiu como uma. Foi mal-educada com sua
mãe também. Que coisa mais feia. Estou muito chateado com o que fez. Não me
orgulho nada disso. Quero que sua mãe me ligue para dizer que você foi bem na
escola, que tem muitos elogios, e não para dizer que aprontou. Não foi esta
educação que sua mãe e eu te demos. Pense no quanto seus avós e sua tia
Hannah, ficarão chateados ao descobrir isso. E o principal, pense no quanto a
garotinha que você bateu, está triste e o quanto os pais dela também estão.
Ela chora sem parar. É difícil agir assim, mas é necessário.
— Tudo o que fazemos existem consequências. E me dói muito dizer
isso, mas ficará sem televisão, iPad e sem brinquedos. E tem mais, quero você
treinando mais a leitura, porque, se com sete anos pode ser mal-educada e bater
nas pessoas, pode ler melhor. E vai refletir muito nesses dias em casa. E o
castigo vai até o final de semana. Quando retornar para a escola vai pedir perdão
a garota que bateu, e vou pedir que sua mãe te acompanhe a alguma loja e
compre um presente muito legal para esta garota.
— Mas, papai, final de semana mamãe disse que eu ficaria com você...
— E vai. Mas o castigo vai te acompanhar. Filha, a vida é como uma
plantação. Se você cuidar bem terá bons frutos. Mas, se não cuidar direito, só
terá frutos estragados. Tudo o que fazemos será retribuído da mesma forma.
— Vou ter frutos estragados, né, papai?
Samira sorri disfarçadamente. Sabe que a nossa filha é esperta.
— Sim. Mas, se cuidar, não terá mais frutos estragados daqui para frente.
Pense que hoje você e sua amiga trataram mal a tal Dafne, e amanhã alguém
pode fazer isso com vocês duas, e esta que maltrataram poderá ser o socorro das
duas.
Ela se levanta chorando e corre até a mãe. Samira se abaixa e a abraça.
— Desculpa, mamãe. Eu fiz coisa errada.
— Sim. Mas que não se repita. E tudo o que o papai disse vai estar
valendo a partir de agora.
Esfrego o rosto e respiro fundo.
Elas se afastam e Catarina vem até a mim e me abraça.
— Desculpa, papai. Prometo não fazer mais isso, e irei me comportar
melhor.
— Tudo bem. — Dou um beijo no topo de sua cabeça. — Agora, tenho
que ir trabalhar. Espero receber boas notícias sobre a senhorita.
Ela se afasta e concorda.
— Vá para o banho e coloque este uniforme para lavar, porque está
imundo.
A briga deve ter sido feia. A roupa está realmente suja. Ela sai em
disparada para o banheiro. Levanto da poltrona e Samira suspira.
— Obrigada. Eu realmente não sabia nem o que dizer.
— Vou depositar o dinheiro para comprar o presente da menina. E, por
favor, não se deixe levar pelos papos da Catarina, e seja firme no castigo que dei.
— Pode deixar. A babá foi ao mercado, e assim que chegar aviso sobre as
novas ordens.
— Tenho que ir. Qualquer coisa me ligue.
Ela concorda.
— Ela está crescendo. Vai errar, e termos que corrigir. Não vai ser fácil,
mas será necessário. Melhor ela chorar agora, do que chorarmos depois — digo.
Samira começa a chorar.
— Droga! Estou de TPM.
Sorrio e a abraço.
— Vou depositar dinheiro a mais e compre chocolates e sorvete para te
animar.
— Você é um herói. — Se afasta limpando o rosto. — E não irei repetir
mais isso. Some daqui. Tenho um limite para te aturar.
Reviro os olhos.
Às vezes parece que tenho duas crianças para cuidar. Porque sou o único
sensato e claro que um anjo.
— Antes de ir me diga como foi na praia. Hannah me contou por cima.
— Não irei contar agora... E por falar nisso, lembrei de algo. Até mais.
Saio às pressas, com ela me xingando. Preciso de um banho, e antes de ir
para o hotel, preciso fazer uma coisa muito séria.
Raquel Pereira
Observo Natanael, que está distraído. Vim trazer uns papéis a ele, mas o
mesmo parece não me ouvir. Resolvo cutucar seu braço e ele se assusta. Sorrio.
— Nossa, perdão. O que houve?
— Estou falando e não me escuta.
Ele olha para os lados e suspira.
— Onde Pietra e Mayara foram?
— Estão almoçando ainda. E sorte que estava vazio por aqui, pois eu não
estava escutando nadinha.
— Aqui os papéis com tudo o que o senhor Augusto exigiu.
Ele pega e coloca ao lado do computador.
— O que você tem? — pergunto curiosa e ele sorri.
— Eu estava aqui pensando. Faz tanto tempo que não me apaixono de
verdade.
— Quando foi a última vez, se lembra ainda? — questiono e ele suspira.
— Como se fosse ontem. Sinto falta de cada sensação.
Sorrio do seu modo de dizer.
— Já sentiu os sintomas da paixão? É tão gostoso, ainda mais quando
sabe que é a pessoa certa.
— Não. Nunca senti.
— Está perdendo uma sensação deliciosa. Meu último amor acabou por
bobagem, mas durou o tempo necessário. Agora quero sentir todas aquelas
sensações novamente.
— E quais eram? Parece serem muito boas mesmo.
— Ah, a paixão é o friozinho na barriga toda vez que vê seu amado. O
coração acelerado que parece que vai sair pela boca. A dilatação nos olhos. A
saudade mesmo depois de passar um dia todo em companhia dele. O medo de
perder, mas também de se entregar. Os ciúmes bobos. Às vezes, a timidez; e
outras horas, a coragem absurda que não teríamos com ninguém mais. É sorrir à
toa, e querer estar em seus braços o tempo todo. É ouvir sua voz e sentir um
tremor inexplicável... Como é maravilhoso tudo isso. — Ele sorri.
Sinto meu coração acelerar. Uma leve falta de ar. Engulo em seco. Apoio
uma mão no balcão e tento controlar meus batimentos, tentando acalmar minha
mente que está indo à loucura.
— Querida, está bem? Ficou pálida. Foi algo que eu disse?
Sim. Quero dizer que sim. Mas não consigo. Isso tudo o que Natanael
falou é tudo o que sinto em relação ao Téo. Eu não sou experiente nisso, mas
Natanael pelo visto sim, é nítido isso apenas em seu modo firme de dizer cada
palavra. Então, se sinto tudo isso, eu estou... Meu Deus!
Por isso o desespero do meu tio quando conversamos naquele dia, por eu
ter mentido sobre algumas coisas. Quando falei do Téo, ele ficou daquele jeito
estranho. Ele já sabe... A mãe do Téo falou sobre estarmos mentindo e a Hannah
ficou provocando. As raivas que sinto das mulheres falando dele ou perto dele.
Eu estou... Não!
— Raquel? Estou preocupado!
Natanael para ao meu lado, segurando meu braço.
— Preciso de água e sentar.
— Claro. Consegue me acompanhar?
Concordo.
Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser.
Téo Lima
— Quando foi a última vez que se confessou, filho?
Ajeito meus joelhos, sobre o estofado vinho.
— O senhor sabe quando foi. Não diga que não sabe que sou o Téo, até
porque eu entrei, fui até o senhor e falei que queria me confessar.
Ele pigarreia.
— Filho, pode dizer tudo o que tem lhe incomodado.
Tudo o que é dito em confissão, o padre não pode dizer a ninguém, não é
mesmo? Então ele terá que escutar e ficar mudo.
— Sabe, eu viajei. Fui para o litoral.
Ele pigarreia mais uma vez.
— Quer água? Eu posso...
— Continue!
— Bom. Padre, meu coração foi roubado.
— Seja mais claro, filho.
— Uma garota roubou ele. Está sendo duro acreditar nisso, e aceitar, mas
é a verdade. Minha ex-noiva tinha razão, estou apaixonado.
— Sua ex-noiva também foi?
— Padre, isso não importa. Estou desabafando aqui, então se concentra,
caramba.
— Tenha modos!
— Perdão, Sr. Estressado.
Porra, o homem desvia do assunto e eu tenho que ter modos.
— Estou apaixonado. Estou com medo e preocupado — falo de uma vez,
o que não ficarei tentando esconder.
— Filho e por que isso tem lhe trazido estes sentimentos? — pergunta
como se estivesse com dor.
Será que o padre está bem mesmo? E se eu disser e ele morrer? Mas não
podemos mentir para um padre. Principalmente eu. Nunca acaba bem.
— Porque é pela sua sobrinha!
Escuto um estrondo e levanto assustado. Coloco meu rosto na tela do
pequeno estande. Vejo o padre caído. Meu Deus, matei um padre!
Dou a volta e abro a porta do estande. Ele me olha e pisca. Não o matei.
— Está bem?
— Estou caído no chão. Pareço bem? Me ajude. Ande!
Ajudo ele a se levantar. O homem me olha de um jeito que padres não
deveriam olhar. É um olhar assassino.
— Lembra que contei em confissão. Não pode dizer a ninguém.
— Você está apaixonado pela minha sobrinha. Isso é uma afronta
terrível! — ele grita.
— Padre, que feio gritar na igreja! Se eu faço isso sou punido.
Ele puxa uma orelha minha e com força e estou com a impressão que ele
enterrou meu brinco em seu próprio dedo.
— Ai, porra!
— Olhe a boca. Acha bonito me dizer isso?
— Seria melhor se soltasse minha orelha!
Ele solta e começa a andar de um lado para o outro. Porra, que dor!
— Deus, eu fui o culpado. O que irei fazer? Olhe para ele! — Ele me
aponta como se eu fosse um pecador dos piores, logo eu, um santo.
— Epa! Não precisa ofender.
— Cale a boca! Por Deus, não diga nada. Ou não responderei por meus
atos.
— Que padre mais... — Ele me lança um olhar que fico preocupado e
opto por ficar mudo.
— Isso é loucura. Muita loucura. Deus!
— Agora que já confessei a alguém claramente isso, posso dizer a minha
ex. Pois não daria o gosto dela ser a primeira a saber.
— Quê?! Menino, como pode agir assim? Você acaba de confessar que
está apaixonado por minha sobrinha.
Uma senhora se aproxima.
— Padre, eu poderia ter um minuto com o senhor?
— Olha, se eu fosse a senhora voltaria em outro momento. O homem
aqui quer matar alguém, tenho certeza. E no caso esse alguém sou eu.
Ela arregala os olhos e sai às pressas.
— Olha o que fez!
— Eu livrei a pobre senhorinha de uma possível morte. Agora, pare de
surtar e volte ao papel de padre, preciso continuar a me confessar.
— Chega. Não quero mais ouvir nada. Vai ter que rezar...
Interrompo-o fazendo um sinal com a mão.
— Lembrei que estou atrasado para o trabalho. Foi bom conversar. — E
lá estou mentindo novamente. Nunca acaba bem quando minto.
Saio correndo com ele gritando por mim. Algumas pessoas na igreja
olham assustadas e eu faço sinal de que ele está louco. Entro correndo em meu
carro e sigo para o hotel.
Porra, se eu passo a ser um homem certinho que vem se confessar sobre
algo sério, ele surta; e se venho dizer que broxei, ele também surta. Como
agradar um padre desse jeito? Eu precisava desabafar e jamais daria a Samira o
privilégio de ser quem ouviria pela primeira vez, eu confessando com todas as
letras que estou apaixonado pela Raquel. Pensei que com o padre, ele seria mais
compreensível. Que erro. Pelo menos, ele não poderá surtar ou questionar a
Raquel, porque falei em confissão. Mas ao menos fui sincero. Mereço pontos
extras na divindade.
Se tudo fosse fácil
Eu me jogaria em seus braços
Me afogaria nos seus beijos
Eu me entregaria de bandeja pra você
— Michel Teló “Se tudo fosse fácil”
Raquel Pereira
Estou indo para o hotel na companhia do meu tio. Está friozinho, e pelo
jeito vem chuva. O dia está cinza. Porém, o que me preocupa agora, é o jeito que
meu tio está me olhando. Está me assustando.
— Tio, está tudo bem? — Coloco as mãos no bolso do casaco.
— Sim. E com você? Tudo bem? Aconteceu algo? Nada a desabafar? —
pergunta rapidamente.
Franzo o cenho. Por que estas perguntas? Será que ele já sabe sobre o
Téo e eu? Meu Deus!
Deve estar nítido em meu rosto que estou apaixonada. Que erro. Como
fui me apaixonar e ainda pelo Téo? Que desastre. Deus tem que me perdoar. Não
sei o que fazer. Estou a ponto de ter um surto.
— Eu? É...
— Não. Esquece. Hoje o dia será longo — desconversa.
— Muita coisa?
— Sim. Vou visitar um hospital, e depois ir atrás das coisas para a
reforma da igreja, mas antes também tenho que ir ao orfanato.
— Uau. Bastante coisa.
Estamos nos aproximando do hotel.
— Querida, enquanto estava na praia, sua tia Cássia entrou em contato.
Paro abruptamente, e por pouco não derrubo uma senhora. Peço
desculpas, mas ela ainda fica nervosa.
— O que ela disse? — pergunto sentindo o coração acelerar.
— Se acalme. Ela apenas disse o de sempre, que sua mãe está
desconfiada e impaciente. Que infelizmente já não pode mais mentir sobre estar
com o pé machucado. Mas que assim que sua mãe vir embora, ela avisa antes
para nos preparar. Ela está vinte e quatro horas de olho. — Sinto um pouco de
alívio por suas palavras.
Voltamos a caminhar.
— Tenho medo dos problemas que isso vai trazer para vocês. Comigo já
não me importo mais, sei que não posso esperar nada bom.
— Não diga isso! Tenha fé, meu anjo. Tenha fé!
Paramos na frente do hotel. Robson faz um cumprimento com aceno de
cabeça, e logo pega o carro de um hóspede.
— Filha, só se cuide. Não se deixe cair em tentação, pelo mau elemento.
Franzo o cenho e ele olha para o céu, como se pedisse algo.
— Do que está falando? Tio, o senhor está muito estranho hoje.
— Não é nada, querida. Agora tenho que ir. Fique com Deus. — Me
abençoa e deixa um beijo em minha testa. Então se retira às pressas e fico
olhando abismada. Está acontecendo algo.
Robson se aproxima, sorrindo muito.
— Raquel, parece que, quando vejo você mesmo de longe, o meu dia fica
mais abençoado. Seu semblante de menininha e seu sorriso alegra a todos.
Sorrio.
— Que bobagem. Como está seu dia? Bom, começou agora, né?
— Que nada. Fiz hora extra desde ontem. Com filhos, todo dinheirinho
que entra a mais é lucro.
Concordo e ele sorri.
— Pouco movimento hoje?
— Vixe, e como. Este hotel lota muito em temporadas. Raro lotar de
verdade em dias “normais”. Cidade turística é assim.
— Acho que tudo é questão de uma melhor divulgação. As pessoas da
cidade deveriam querer passar um final de semana aqui, para relaxar, ter um dia
diferente. — Rio. — Quem sou eu para opinar alguma coisa!
— Menina, concordo com o que disse. Acho que deveria ter uma
divulgação diferente e também atrações. Ser um hotel mais animado, assim as
pessoas daqui também iriam querer ficar alguns dias aqui.
— Exato. Assistir programas sobre essas coisas dá nisso. — Com minha
mãe do lado, não tinha muito o que assistir.
— Minha mulher diz que sou muito palpiteiro. Logo eu! Só compartilho
minhas opiniões, o que deveria ser considerado privilégio para as pessoas.
Rimos.
Salto para frente e só não caio, pois o Robson me segura. E tudo isso
pelo susto do barulho de um carro, que basicamente estacionou na calçada. Mas
pelo barulho, já sei quem é antes mesmo de olhar.
Ele desce do carro e está mais bonito do que nunca. Veste um terno preto,
e um cachecol cinza que cai nas laterais, sem nenhum nó.
Seu olhar não é nada legal para o Robson.
— Eita lasqueira. Perdi o emprego! — Robson cochicha em meu ouvido.
— Shhh... Perdeu nada. Por que perderia? — cochicho de volta.
Téo olha algo no celular e então guarda no bolso.
— Não é a primeira vez que ele me olha assim, quando estou com você
— ele diz ainda mais baixinho.
Téo me olha de um jeito intenso. Sorrio, mas ele não retribui. Joga as
chaves na mão do Robson, que segura com firmeza.
— Bom dia, senhor!
— Bom dia! — Téo responde sério.
Ele passa por nós, e nem sequer fala comigo. Olho boquiaberta para o
Robson.
— O que eu fiz?
— Não foi você. — Dá um leve tapinha no meu ombro e sorri. — Pode
acreditar que não fez nada. Agora vou guardar o carro dele.
Ele se afasta e entra no carro. Fico olhando o carro azul ser levado para o
estacionamento. Desvio o olhar e olho em direção ao céu. O que eu fiz desta vez,
Deus?
Entro no hotel, e Natanael não está na recepção. Mayara e Pietra me
olham.
— Olha só. O chefinho chega e a Santinha chega atrás. Essa aí enganou a
todos certinho. Nunca irei me conformar — Pietra diz.
Mayara dá um tapa no braço dela, que reclama.
Passo pela recepção sem dar qualquer resposta. Parece que hoje não é
meu dia.
Olho no relógio e está no meu horário de almoço. Estou sem fome, mas
preciso andar um pouco, minhas costas doem de ficar sentada. Vou até o jardim
do hotel. Está mais frio agora, porém é bom sentir um pouco de ar. Encosto na
lateral da árvore e cruzo os braços. Está vazio o local, talvez pelo frio e eu ser a
única doida a ficar aqui. Fecho os olhos e encosto a cabeça na árvore também.
Ficar muito tempo mexendo no computador faz com que minhas vistas ardam
um pouco. Aproveito para tentar refletir um pouco e quem sabe assim colocar as
coisas em ordem na minha cabeça e em meu coração.
— Estava me perguntando quem era a louca aqui fora neste frio!
Viro assustada, mas sorrio em seguida.
— Oi, Hannah.
Ela se aproxima e me cumprimenta.
— Estou à procura do Natanael. Preciso pegar as contas que minha mãe
pediu. Essa minha vida não está fácil. Pego apenas conta, se é que me entende.
— Ele deve estar vistoriando o hotel, ou almoçando.
— Só pode. E você, o que faz neste frio aqui fora?
— Precisava ficar um pouco de pé, e sentir um ar fresco.
Ela concorda e coloca as mãos no bolso da blusa que usa.
— Bom, vou atrás dele. Até qualquer dia.
Concordo e ela se vira para ir embora.
— Hannah!
Ela gira o corpo lentamente e me olha.
— Sim?
— Você já sabia, não é?
— Sobre?
— O Téo e eu... Quero dizer, sobre eu estar...
— Apaixonada por ele? Claro. Quem não sabe?
Sorrio sem graça. Prendo uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Está confusa e com medo. Eu sei. Já passei por isso.
— É difícil. Parece que tudo na minha vida é difícil.
Ela cruza os braços e sorri.
— Raquel, eu poderia te dizer para se jogar de cabeça e seguir seu
coração. Mas não direi. Eu me vejo em você. Boba apaixonada. Não pense que é
uma ofensa. É normal coração apaixonado ser assim, meio avoado. Nos faz ver
mil maravilhas, sentir palpitações, e aquele friozinho na barriga, sem contar a
saudade a todo instante. Mas temos que tomar cuidado. Às vezes, a mente e o
coração entram em conflito e fazemos péssimas escolhas. Eu fiz, vai por mim. E
eu queria ter tido uma amiga que dissesse: Cai fora, Hannah. Acorda pra vida,
mulher. Ele é um cretino. — Ela sorri. — Queria que ela tivesse me dado um
tapa bem dado para ver se eu caía na real. Porque nada como um bom amigo
para te fazer ver e acreditar naquilo que outros não conseguiriam. Porém, não
tive essa sorte.
— Eu sinto muito...
— Não sinta. Foi bom. Sofri, mas aprendi. Imagine só, você ir até o
apartamento que compraram juntos para quando se casassem e tivessem uma
vida ali, então o traste que você amava resolve estreiá-lo com aquela que se dizia
sua melhor amiga. E o pior, você só descobrir, porque estava indo planejar uma
noite quente com ele, para fazer uma inauguração surpresa do apartamento que
tinha ficado prontinho. Nada legal, eu sei! Mas foi o que aconteceu. O infeliz
estava na cama, com aquela que eu chamava de irmã e amiga. E ainda tentaram
dizer que não era o que eu pensava. Clichê demais!
Fico chocada ouvindo tudo. Seus olhos estão marejados.
— E sabe quanto tempo faltava para casarmos? — Ela ri com ironia. —
Uma semana. Exatamente uma semana. A mídia adorou esta polêmica.
— Hannah, eu nem sei o que dizer. Isso é cruel.
— Eu sofri muito. Comecei a beber que nem louca, e não queria saber
mais de nada. É tudo ainda recente, faz poucos meses, mas hoje estou aqui,
como uma fênix. Te falei tudo isso, para implorar que não seja eu. Não cometa o
erro de se entregar completamente, sem ter a certeza de que vale a pena. Meu
irmão não é santo. A cidade é pequena, e não duvido que ele tenha ido para a
cama com a maioria das mulheres. Quase todas, neste hotel, tiveram algo com
ele. Téo é cretino. Ele tem boas qualidades, como ser cuidadoso, bom pai e um
amigo maravilhoso, além de excelente irmão. Mas, quando se trata de mulheres,
é igual o traste que esteve na minha vida. Não serei uma egoísta em dizer que
vocês têm que ficar juntos, mesmo achando que formam um belo par. Se cuida.
Seja cautelosa. Se quer se entregar de vez, tenha certeza sobre isso.
Ela enxuga uma lágrima que escorre.
— Eu não queria, mas...
Quando dou por mim, estou chorando. Ela me abraça.
— Você está apaixonada. Téo é burro, e tenho medo que te machuque.
Ninguém deveria sofrer por amor, porque dói muito.
— O que eu faço?
Nos afastamos.
— Seja forte. Não é fácil, mas tente. Antes de fazer qualquer coisa, tenha
certeza de que quer aquilo e que vai te fazer bem. Não seja impulsiva como eu
fui.
Enxugo meu rosto.
— Agora vamos entrar. Está frio. E vou passar uma maquiagem em seu
rosto, que está todo vermelho. Para sua sorte ando sempre preparada.
Raquel Pereira
Téo pegou um quarto para mim. Meu tio está sentado ao meu lado.
— Me perdoe por não ter feito muito, querida. Me perdoe. — Ele me
abraça e chora.
Ninguém poderia ter feito muita coisa. Ela não queria conversar. Sempre
foi assim. Eu queria que tudo fosse diferente, mas não é. Sempre soube que o
retorno dela seria difícil, só não pensei que pudesse doer tanto.
— Está tudo bem. Me perdoe por trazer todos esses problemas.
— Você não fez isso. Eu irei rezar muito por sua mãe e por você. Como
eu queria que essa história fosse mais calma. Eu pedi tanto a Deus para que fosse
mais fácil.
Me afasto e seguro suas mãos.
— Tio, está tudo bem, eu juro. Pode ir. Não fica pensando nisso. Amanhã
será outro dia, e se eu tiver sorte será melhor.
— Oh, meu anjo. — Dá um beijo em minha testa. — Sua tia tentou o
tempo todo avisar sobre a volta dela. Mas não conseguiu contato a tempo.
Quando nos falamos, eu corri para a sua casa, mas ela já estava lá.
— Tudo bem... Vocês fizeram o que podiam. Serei sempre grata.
— Você precisa descansar. Amanhã venho até aqui.
Assinto.
— Te amo, meu anjo.
— Também te amo, tio.
Acordo com meu celular tocando. Estico o braço com cuidado, pois
Raquel dorme em meu peito. Vejo o nome de quem liga e o horário. Vou matar o
infeliz.
— O que você quer? — digo baixo.
— Que bom dia mais delicado.
Levanto com cuidado da cama. Raquel resmunga e se vira para o lado.
Abro a porta que dá para a sacada e me sento na cadeira ali.
— Quero te fazer um convite.
— Rogério, que seja um convite muito bom, ou será um cara morto.
Porra, são seis horas da manhã.
— Pare de resmungar, cazzo. Hoje tem festa aqui na Mister Sin,
comemoração do meu aniversário. Quero você aqui e não aceito desculpas.
— Você quer me foder?
— Por quê? — Ele ri.
— Porra, não tenho como ir. Estou enrolado nesses dias.
— Vai deixar de vir no aniversário do seu amigo? Cara, como ousa?
Porra!
— Qual o horário?
— Começa às nove horas da noite. O funcionamento não será normal.
Fechei apenas para a minha festa. Vantagem de ser dono.
— Vou ver. Se der, eu irei.
— Não venha com este papo. Quero você na boate!
Respiro fundo e olho para baixo. Alguns funcionários circulam pelo
hotel.
— Eu irei, mas não vou demorar.
— O que fez com o meu amigo que não perdia uma boa festa? — Ele ri.
— Ele ainda está dormindo, porque um idiota o acordou bem cedo.
— Anda muito rabugento. Bom, tenho que fazer umas coisas. Te espero.
E só para te animar, pode trazer acompanhante — gargalha.
Desligo o celular, e esfrego o rosto.
Todas as festas do Rogério têm de tudo. É sempre uma grande loucura. E
porra, eu nunca termino bem. Estou ferrado.
Entro no quarto, e a Raquel não está deitada. Jogo o celular na cama e me
deito. Ela sai do banheiro e me olha sorrindo.
— Bom Dia. Quem diria que acordava cedo.
— Engraçadinha. Fui acordado... Então, Raquel, hoje tem uma festa na
boate, gostaria de ir?
Que ela diga não. Que ela diga não!
— Dispenso. Vou focar no trabalho e quero conversar com o meu tio e
aproveitar para falar com minhas tias.
Amém, Deus. Não queria ir sem ter feito o convite e tampouco queria
que ela aceitasse, porque o Rogério não tem limites e Raquel sairia correndo. E
não posso falhar com meu melhor amigo, mesmo ele sendo um idiota.
— Entendi. Bom, vou voltar a dormir. Daqui duas horas, acordo.
— Nem pensar, Téo. Aproveita que está aqui e já vai trabalhar. Se o seu
pai sonhar tudo o que tem acontecido, nós iremos nos prejudicar, então evite o
atraso pelo menos. Por favor. — Ela cruza as mãos como se rezasse e rio.
— Isso que é desespero.
— Sim. Já tenho problemas demais. Então levante e vá se arrumar.
— Por quê? Vou trabalhar assim mesmo — provoco.
— Téo, vai logo.
— Porra, ninguém me deixa dormir!
— Agora tem que ir. Preciso me arrumar direito.
— Agora que eu não saio.
Ela joga um travesseiro em mim.
— Téo!
Levanto da cama rindo.
— Estou indo, Santinha.
Pego meu celular e vou para o meu quarto.
Raquel Pereira
Vejo Natanael ainda trabalhando. Ele fala com uma senhora. Aproximo-
me e ela sorri para mim.
— Obrigada. Agora vou me recolher. A noite foi longa — ela diz e sai
sorridente.
Olho para ele, que me olha surpreso. Apoio o braço no balcão e o rosto
na mão.
— Acordada, mocinha!
Natanael não sabe o porquê estou ficando aqui. Eu não quis falar, e ele
também não insistiu, entendeu que era algo pessoal. Ele também sabe que o Téo
está ficando aqui, mas o papo de dedetização funcionou com ele.
— Acordei e agora vai ser difícil dormir novamente — falo e ele sorri.
— Pois estou sem um pingo de sono. Então estou aproveitando para
adiantar muitas coisas. Desde que as meninas foram, estou organizando tudo.
— Nunca descansa?
— Acho que não. Amo este lugar. Aqui encontro minha paz. Eu moro
aqui.
— Não tem casa?
— Tenho sim. Mas fico apenas aqui. Sou sozinho.
— Entendi. Eu fico cansada de ver você trabalhando — brinco.
— Querida, é tão...
Não presto mais atenção ao que ele diz. Olho para a porta onde vejo
Robson com um Téo, que não parece muito bem, e que me olha e sorri. Robson
me lança um olhar de desespero e indica Natanael com a cabeça. Meu Deus!
— Bom, preciso um pouco de ar. Estou com uma dorzinha de cabeça —
invento qualquer coisa.
— Não prestou a atenção em nada que falei. Tudo bem, querida, vai lá.
— Desculpe...
Saio às pressas em direção a entrada, onde Robson puxa o Téo para o
lado.
— Raquel, amor da minha vida. Olha só, esperando por mim? — Ele ri.
— O que aconteceu? — pergunto olhando seu estado.
— Chegou assim de táxi. Se o Natanael vê-lo, chegando neste estado ao
hotel, simplesmente mata ele e a gente por estar ajudando. Sem contar que se
alguém vir o herdeiro do hotel neste estado e, aqui dentro, vai dar polêmica.
— Não me mata não. Sou muito amado. — Ele me dá uma piscadela.
— Quieto. Precisamos encontrar um jeito de levá-lo para dentro —
Robson diz esfregando a testa.
— Eu não sei mentir muito bem. Então não posso enrolar o Natanael.
— Já sei. — Ele coloca uma mão em meu ombro. — Eu enrolo o
Natanael, você entra pela lateral. Vai passar pela cozinha, e aí terá que ser rápida
para sair em direção aos elevadores depois, sem o Natanael ou qualquer
fofoqueiro ver. Este horário é mais tranquilo a movimentação.
— Gosta da sua mão? Então tira do ombro dela! — Téo diz alto.
— Quieto! — Robson e eu dizemos juntos.
— Gente, eu posso muito bem entrar normalmente... Opa. — Ele se
desequilibra.
— Estou vendo. O senhor não está muito bem. Confie em nós.
— Claro que estou. Continuo vendo uma mulher linda na minha frente e
um imbecil ao meu lado. E continuo louquinho por ela. Sabe que não reparei em
mulher alguma hoje? Bom, vi todas, mas não toquei em nenhuma. Só acho que
bebi um pouquinho além da conta. — Ele faz um sinal com a mão e reviro os
olhos.
— Não sabe o que fala, Téo. Fique quietinho — peço.
— Sei sim. Está linda.
Estou de calça legging e uma blusa de frio de moletom, e nos pés chinelo
e meia. Então, ele realmente não está bem para elogiar-me.
— Você realmente não está bem. — Olho para o Robson. — Melhor
tirarmos ele logo daqui.
— Eu posso entrar sozinho. Com licença... Opa, a senhorita vem comigo.
Com ele não fica! — Ele segura minha mão e entrelaça nossos dedos.
Olho envergonhada para o Robson, que ri.
— Vivi para ver isso. Bom, vou entrar e distrair o Natanael. Seja rápida.
Concordo. Ele entra às pressas.
— Vamos, Téo!
— Nossa, que mandona!
Saio puxando sua mão. Ele tropeça algumas vezes e ri. Entramos pela
lateral do hotel, saindo na cozinha.
Por sorte tem apenas um funcionário, que olha sem entender.
— Oi! — Téo diz e aperto sua mão.
— Ele tomou um remédio forte. Está passando mal — minto e pelo visto
bem mal, porque o funcionário me olha desconfiado.
Arrasto o Téo dali e saímos pelo corredor, com cuidado.
Uma funcionária sai do banheiro. E antes que nos veja abro a porta do
quarto de produtos de limpeza, e empurro o Téo para dentro. Ele ri e coloco a
mão na sua boca.
— Quieto! — sussurro.
Ele me agarra e beija meu pescoço.
— Téo, para!
Afasto ele e olho séria.
— Linda!
Reviro os olhos e abro a porta com cuidado. O corredor já está livre.
Puxo o Téo e saímos rapidamente dali comigo tentando fazê-lo calar a boca.
Olho em direção onde o Natanael está e ele conversa com o Robson.
— Vamos. Rápido!
Fomos em direção ao elevador e, graças a Deus, estava disponível.
Empurro o Téo para dentro e aperto o botão fazendo as portas se fecharem.
Encosto no espelho e solto uma lufada de ar. Nunca mais quero ter que fazer
isso. Téo está encostado ao lado da porta, me olhando.
— Téo, não devia ter bebido assim.
— Já disse que está linda?
— Pare com isso. Olha o problemão em que poderia ter se colocado.
— Já disse que estou bem.
— Está tropeçando andando, e não fala nada com nada.
— Você que não quer acreditar em nada do que eu digo. Eu estou muito
bem, meu amor.
— Téo, quietinho, por favor!
Ele fica mudo. As portas se abrem e levo ele para o meu quarto.
— Eu não faço ideia de como cuidar de alguém assim!
— Preciso de banho e carinho. — Ele ri.
— Pare de gracinhas. E banho precisa mesmo, está fedendo a álcool.
— Bebi bastante. Sua culpa. Me deixa excitado e foge, então descontei a
raiva na bebida.
Não respondo. Ele não está falando nada com nada. É isso.
— Consegue tomar banho? Eu preciso do cartão do seu quarto para pegar
sua roupa!
— Claro que consigo. O cartão está no meu bolso, vem pegar.
— Téo, me dê o cartão e vá para o banheiro.
— Vem pegar... — Me olha de um jeito diferente.
— Téo, é sério. Ou me dá o cartão, ou chamo o Natanael para ele abrir o
quarto.
— Está bem, nervosinha.
Ele me entrega o cartão.
Retorno para o meu quarto com a mala dele. Não sei o que ele usa. Téo
trouxe praticamente uma mudança para cá. Ele está no banheiro. Escuto o
chuveiro ligado, então bato na porta.
— Está tudo bem?
— Não... Estou bem mal.
— Está falando sério?
Ele não responde.
— Téo?
Ai, Deus!
Abro a porta que está destrancada. Cubro os olhos com as mãos.
— Está vivo?
— Já meu viu pelado, não precisa cobrir os olhos agora. E ainda estou de
cueca. Dá para me olhar?
Respiro fundo. Conto até cinco e descubro os olhos. Ele está encostado
na parede, e o chuveiro molha todo seu corpo. Engulo em seco, vendo a cena.
— Está bem? — pergunto focando em seu rosto.
— Quero você.
— Téo, pare de ficar falando essas coisas. É sério. Não sabe o que diz.
— Estou um pouco alterado, mas sei o que digo e vou me lembrar de
tudo amanhã, quando a dor de cabeça estiver presente.
— Só tome banho logo. Trouxe suas roupas.
Saio às pressas do banheiro e me sento na cama. Não demora muito e ele
sai do banheiro, com uma toalha enrolada em sua cintura.
— Se quiser se trocar aqui te espero lá fora ou no banheiro... Está bem?
— Eu quero você. Eu não estou falando isso porque estou possivelmente
bêbado.
— Téo, por favor...
— Tudo bem. Não irei repetir, por hoje.
Ele pega uma cueca na mala e retira a toalha. Cubro os olhos
rapidamente. Ele ri.
— Téo!
— É meu nome. Pode olhar, Santinha.
— Pare de me chamar assim.
Descubro os olhos desconfiada, mas ele está de cueca, já é menos mal.
— Estou prontinho para dormir.
— Então pode ir para o seu quarto. Pelo visto está ficando melhor.
— Até então, eu não estava bem. Continuo sem estar.
Ele se deita na cama.
— Téo...
— Quietinha, amor. — Ele cobre os olhos com o braço.
— Ai, que raiva! — grito nervosa.
Ele sorri e passa a língua pelo lábio, mostrando a bolinha prateada. Fecho
a porta da sacada, e as cortinas.
— Não gosto do Robson. Se ele colocar a mão em você de novo, arranco
a cabeça dele.
— Téo, só dorme. Robson é um homem legal. Pare de implicância.
— Disse tudo. Ele é homem. Não quero ele perto de você.
— Téo, dorme.
— Está linda.
— Pare de dizer isso e dorme!
Ele ri e se vira ficando de barriga para baixo. Agarra o travesseiro e fico
olhando o seu corpo. Ele tem um traseiro... Deus, que pecado!
— Venha, belo travesseiro. Já que minha Santinha me rejeita, você pode
me consolar.
Mordo o lábio para não rir.
— O travesseiro não pode falar — brinco.
— Não seja estraga-prazeres, mulher.
Reviro os olhos.
Cubro ele, e levo a toalha até o banheiro. Retorno, acendo os abajures e
apago a luz.
— Raquel?
— Hum?
— Eu quero você.
— Você disse que não diria mais isso...
— Deita comigo.
— Téo, dorme e fique no seu espaço da cama!
Pego um pijama e uma calcinha e vou para o banheiro. Tomo um banho
para relaxar, depois de toda a loucura de hoje.
Retorno ao quarto e, pelo visto, ele dorme. Seu corpo está relaxado e sua
respiração mais tranquila. Me deito e viro para ficar olhando para ele.
Acaricio seu rosto com cuidado. Meu coração fica acelerado e sorrio.
— Que problemão eu arrumei, meu Deus! — digo baixinho.
Ele muda de posição e me agarra.
— Téo, não é o seu espaço!
Coloca o rosto no meu pescoço e não responde. Fico olhando e sinto algo
bom. Como se fosse o lugar certo para estar. Téo me faz bem de alguma forma.
Mesmo com tudo desabando em minha vida, ele me faz bem.
Por que você não sai daí e vem aqui?
Pode invadir, pode chegar, pode ficar
No meu quarto, no meu abraço, apertado
Duvido que cê vai querer ir embora, não apavora
Depois do amor a gente vai fazendo hora
E eu não aguento mais, eu não aguento mais
— Matheus e Kauan part. Anitta “Ao vivo e a cores”
Téo Lima
Precisamos conversar. No dia que eu for buscar a Catarina falo com você.
Raquel Pereira
Olho no espelho grande e fico apenas mais nervosa. Estou com uma
calça jeans preta, que marca bem minhas pernas e bunda. Coloco uma blusa
branca de mangas longas. E nos pés, salto preto com o bico um pouco fino.
Aperto a bolsa preta, que cai pelo ombro parando no meu quadril.
Deus, me dê coragem, sabedoria e equilíbrio para não cair com este
salto, porque ainda estou pegando o jeito.
Respiro fundo três vezes. Saio do quarto e aperto o botão do elevador.
Seja o que Deus quiser!
Téo Lima
Entramos em casa, e ela deixa a bolsa no sofá. Desde que saí do hotel,
vim para cá e fiquei cuidando de todas as fotos que fiz nos últimos dias. Tentei
ao máximo me desligar de tudo o que venho sentindo, mas foi impossível.
Parece algum tipo de carma.
— O que quer comer?
— Qualquer coisa.
— Vou ver se encontro um lugar que venda isso — provoco.
Olha-me feio e dou um beijo rápido em seus lábios.
Téo Lima
Caminho em passos decididos até a sala dele. Sei que já chegou, fui
informado pelo Natanael. Está na hora de fazer o que eu deveria ter feito há
muito tempo. Ele precisa me ouvir, e caso não faça, não posso recuar mais uma
vez, deixando a minha vida e meus objetivos estacionados, vendo apenas tudo ao
meu redor caminhar e eu continuar ali, pelo medo de dirigir rumo ao que tanto
quero.
Aproximo-me e Raquel me olha e logo sorri. Dou uma piscada para ela e
passo direto. Sei que mantém os olhos em mim. Ela está preocupada desde
ontem, quando eu disse o que faria. Sinto a tensão em meus ombros, ao segurar a
maçaneta da porta. Não posso desistir. É hora de lutar pelo que eu quero, e não
ficar preso em um sonho que não me pertence.
Abro a porta de uma vez, e ele ergue o olhar dos papéis em sua mesa.
— Resolveu aparecer!
Fecho a porta, enquanto ele continua falando:
— Precisamos conversar. A viagem não trouxe os resultados que eu
queria. Não será desta vez que levaremos o hotel para fora do país. Porém, quero
ideias para...
— Pai, preciso falar algo sério — interrompo suas palavras.
Ele larga os papéis, e ajeita a postura na cadeira.
— O que aprontou? Vai me dizer que mais alguma funcionária pediu as
contas por sua causa.
Antes fosse. Seria mais fácil dizer isso.
— Não! Eu preciso que me escute desta vez, antes de falar qualquer
coisa.
— Téo Lima, o que fez? Já estou ficando nervoso.
Levo a mão ao bolso da calça e retiro duas chaves. Coloco sobre a sua
mesa e ele olha franzindo o cenho e logo volta a me encarar.
— O que é isso?
— A chave da minha sala e do armário que há nela.
— E por que diabos está me entregando isso? Vai me dizer que criou
outra sala este tempo que estive fora!
Respiro fundo, e coloco as mãos no bolso.
— Estou entregando o lugar que nunca me pertenceu. Isso significa que,
a partir de hoje, não terei qualquer ligação com este hotel. Não serei mais
responsável por nada aqui.
Ele se levanta abruptamente, batendo forte na mesa.
— Que merda está falando? Não me venha com suas gracinhas agora! —
grita.
— Eu nunca pertenci a este lugar, e o senhor sempre soube. Eu cansei de
permanecer aqui apenas para lhe agradar, e esquecer de agradar a mim.
Ele leva uma mão a cintura e a outra passa pelos cabelos. Está muito
nervoso. Seu rosto fica vermelho. Não tinha outra maneira de dizer isso, eu tinha
que ser direto.
— Não irei aceitar isso. Deixe de besteira, e volte para a sua sala, temos
muito trabalho!
— Pai, eu não vou voltar. Olhe só para nós dois! Passamos todos esses
anos fingindo que eu ficar aqui estava funcionando. Usamos este hotel como
uma forma de camuflar os problemas que temos um com o outro. Somos dois
cegos e burros, por achar que isso funcionaria algum dia. Eu nunca trouxe nada
produtivo para este lugar. Não nasci para ficar a minha vida inteira preso aqui,
olhando o tempo passar e pessoas indo e vindo. Eu sempre quis mais. Amo
viajar, explorar novos lugares, ser livre e permanecer aqui não me permite isso.
Ele começa a andar de um lado para o outro. Retiro as mãos do bolso. O
clima está tenso.
— Não aceito. Você é o herdeiro deste lugar, Téo! — fala exasperado.
— Hannah e mamãe também são, e não é por isso que são obrigadas a
ficar aqui. Eu nunca fiz nada de verdade por este lugar. É absurdo continuar
vivendo desta maneira. Eu não estou feliz aqui.
— Não acredito no que diz! Vai fazer o quê? Ser fotógrafo? Viver disso?
Não seja ridículo.
— O senhor vive em um lugar que o mantém sentado atrás de uma
cadeira a vida inteira, e nunca te critiquei por isso. Eu não vou continuar aqui.
Não escolhi esta vida. Quem escolheu a minha vida foi o senhor.
— Algo aconteceu. Por que isso agora? Exijo que me fale! Tem a ver
com mulher? Claro que tem. É um moleque mesmo!
Sorrio com raiva.
— Sim. Uma mulher me fez ver que, quando ficamos vivendo a vida que
alguém planeja para nós, as chances de sermos infelizes é enorme. Eu não vim
aqui para perguntar se posso sair. Eu estou saindo. E hoje eu percebi que tem
alguém que realmente merece estar no meu lugar, mas o senhor nunca percebeu
e nunca o valorizou de verdade.
— Do que está falando?! — Seu olhar é de raiva.
— Natanael. Ele sim faz o impossível por este hotel, e até hoje está
ocupando o lugar errado.
— Você é o herdeiro. É você que tem que cuidar disso!
— Não. Eu não tenho que cuidar disso. Eu sou o herdeiro, mas não pedi
para ser. Eu nunca pedi por este lugar. Agradeço por ter feito algo grandioso, que
deu tudo do bom e do melhor para a nossa família, e trouxe fama e poder. Mas
rejeito ter que continuar aqui, apenas por isso. Se a única forma que eu tenho de
retribuir tudo o que fez por mim, é continuar aqui, então me desculpe, mas pode
me considerar um ingrato.
— Eu fiz de tudo para te tornar um homem melhor. E agora me vira as
costas. — Seus olhos estão marejados.
— Não te virei as costas, pai. Eu estive aqui por todo este tempo, mesmo
fazendo coisas erradas, apenas para não te deixar sozinho. Só que o tempo está
passando, e estou com vinte e sete anos. É hora de deixar os seus sonhos e seguir
o meu. Olhe tudo o que construiu, e olhe para mim, eu não fiz nada por este
lugar e tampouco por mim. Isso sim é ridículo e absurdo.
Ele se senta e solta a gravata.
— Esta. Era. A. Única. Forma. De. Termos. Uma. Aproximação — diz
em pausa, controlando o choro, mas seu tom de voz o entrega.
— Brigar o tempo todo não é ter uma aproximação. Precisamos parar de
acreditar que estarmos aqui faria com que mudássemos nossos erros antigos. Eu
errei muito, e o senhor também. Não vai ser este hotel que vai melhorar nossa
relação.
— Não tem como consertar o passado. — Lágrimas escorrem por seu
rosto e isso acaba comigo.
— Mas podemos melhorar o futuro. Sei que não aceita que eu seja um
fotógrafo, mas é isso que amo. É disso que quero viver.
— Tenho medo de que quebre a cara com seu sonho, e que seja tarde
para consertar.
— O senhor quebrou a cara diversas vezes com este hotel, e nem por isso
desistiu dele.
— Eu não quero ficar sozinho aqui. Eu não quero olhar para os lados, e
ver que minha família não dá valor para o que construí para todos nós.
— Pai, não seja tolo! Dona Eleonor para tudo o que está fazendo, para
atender aos compromissos daqui. Hannah se empenha ao máximo a tudo que for
para este lugar. E até eu, me dedico as vezes, não muito, mas isso não vem ao
caso. Todos valorizamos o que fez. Não está sozinho. Sabe que não está. E
também sabe que o que eu disse sobre o Natanael é verdade, apenas fomos tolos
deixando passar os mínimos detalhes.
Ele enxuga o rosto.
— Não posso aceitar que vai largar o certo pelo duvidoso.
— Não espero que aceite. Mas espero que respeite. Vou limpar minha
sala hoje. E tem mais, eu quebrei uma promessa.
Preciso ser firme, e continuar esta conversa até o fim.
— Meu Deus, não aguento mais uma bomba. O que fez?
— É sobre a Raquel!
Ele arregala os olhos.
— O que você fez, Téo? Puta merda! Você prometeu. — Ele soca a mesa.
— Ela vai pedir as contas?
— Não vai pedir as contas. Estamos juntos.
— O quê? — grita.
— E tem mais. Ela está ficando aqui. Saiu de casa, porque a mãe louca
deu duas opções após nos pegar aos beijos na sala da casa dela. Era a rua ou
convento, e eu trouxe ela para cá.
— Puta que pariu. Por que fez isso? Quer me matar? O que direi ao tio
dela?!
Abre os primeiros botões da camisa e respira fundo.
— Ele já sabe que estamos apaixonados.
— Apaixonados? Está brincando comigo?
Se levanta novamente. Está ficando vermelho mais uma vez.
— Sim. Não estou brincando. Os gastos dela aqui são por minha conta.
E, por favor, respeite esta minha escolha também.
— Eu te deixei sozinho por um tempo, e quando retorno você me traz
uma cesta de novidades. Tem mais alguma coisa que eu precise saber, Téo?! —
Ele se apoia sobre a mesa. — Espera aí, o tio dela disse que ela nunca namorou,
e que... Meu Deus. Você não... Ela não era...
— Sim. E sim.
— Meu Deus! Ela é sobrinha de um padre. Um padre! — ele grita
nervoso.
— Eu sei, e agora o hotel inteiro sabe. Pai, não escolhi isso. E pode
acreditar que eu jamais escolheria. Mas aconteceu. Não é algo que se pede.
Acontece. Somente acontece!
— Eu preciso ficar sozinho. É muita informação. Saia.
— Não a mande embora por minha causa.
— Téo, só saia.
— Desculpa. Realmente desculpa por não ser o filho que tanto queria.
Mas, como eu disse, nós dois erramos.
Ele não diz mais nada.
Saio de sua sala, e Raquel me olha e logo desvia o olhar. Sei que escutou
tudo. Só preciso ficar longe daqui e respirar de verdade. Passo por ela e sigo para
a recepção. Assim que Natanael me vê, olha estranho e faz um sinal com a mão
me chamando.
— O que houve? Está estranho. Parece doente. Está pálido, Téo! — diz
preocupado.
Pietra e Mayara olham assustadas.
Retiro do bolso a cópia da chave da minha antiga sala e coloco sobre o
balcão.
— Para que isso? — Olha confuso.
— Assume o lugar que merece.
— Do que está falando? Téo, passa bem?
— Seja o que eu nunca fui aqui. Cuide de verdade deste lugar como
nunca fiz.
— Téo, você está me dando o seu lugar? — pergunta surpreso.
— Não. Eu estou te devolvendo o seu lugar. Sempre foi você que fez a
maiorias das minhas funções. Este lugar é seu e eu o peguei.
Seus olhos se enchem de lágrimas e seus lábios tremem.
— É a chave da sua sala, meu amigo. E não se preocupe, que logo o
chefão vai oficializar isso.
Ele contorna o balcão e me abraça. Pela primeira vez, ele não se
aproxima para me dar uns puxões de orelhas. Mayara e Pietra estão
boquiabertas.
— Obrigado. Obrigado... Téo, você é um bom rapaz, mesmo me dando
trabalho, é um bom rapaz.
— E você é um excelente amigo. Merece tudo de melhor. Mesmo
querendo me matar quase todos os dias.
Nos afastamos e ele enxuga o rosto.
— Faz jus a sala que pertenceu a um Senhor Pecado — brinco.
— Serei o Senhor Correto.
Sorrimos.
— Tem certeza disso?
— Nunca tive certeza de uma coisa, como estou tendo agora.
— Vai seguir o seu sonho, né? — questiona emocionado.
— Está mais do que na hora.
— Vai brilhar, Téo. Eu sei que vai.
— Perdão, por ter sido um idiota que demorou a perceber que você sim
merecia estar no meu lugar.
— Não diga isso. Eu amo ser gerente.
— Mas merece mais. Você faz parte de todo o sucesso deste hotel.
— Obrigado.
— Preciso ir.
Saio dali, sentindo o olhar de todos sobre mim.
Entro em meu carro, assim que Robson o traz e dirijo para a minha casa.
Olho para todas as fotos espalhadas pelo ambiente reservado a elas. Essas
são apenas algumas, existem muito mais não expostas. Retiro meus sapatos,
meias e em seguida o paletó, junto da gravata e da camisa. Deito no chão, no
centro de tudo e choro de alívio, de emoção, de paz. Eu choro pela liberdade. É
como se um peso saísse dos meus ombros. Eu tive tanto medo de como seria esta
conversa e ela foi até melhor do que imaginei. O medo faz com que imaginemos
coisas e muitas completamente loucas e absurdas. Só iremos saber como será
algo quando realmente vivenciarmos, e para isso temos que dar o primeiro passo.
Henri Cartier-Bresson, Annie Leibovitz, Dorothea Lange, Sebastião
Salgado, Robert Doisneau... Eu poderia continuar lembrando de cada um dos
grandes fotógrafos, mas a única coisa que vale é lembrar: todos se tornaram
muito conhecidos porque fizeram com amor, dedicação e o principal, se tiveram
medo, não deram a ele o poder de decidir sua vida. Se eu quero deixar minha
marca pelo mundo como eles, terei que me dedicar; e o principal, não deixar o
medo me dominar mais.
Raquel Pereira
Eu escutei tudo o que o Téo falou com o pai. Impossível não ter escutado
nada. Porém, estou preocupada com o que vai vir agora. O senhor Augusto pode
me mandar embora, e se isso acontecer, Téo pode se sentir pior. Não aguento
mais as pessoas se prejudicando ou se sentindo péssimas por problemas que eu
causo. Queria uma vez não ser o problema, e sim a solução. Todavia, se o melhor
para todos for eu partir, irei.
— Raquel! — A voz estridente ecoa.
Levanto da minha mesa e vou até a sua sala.
Ele esfrega o rosto e então pega os papéis em sua mesa e estende para
mim. Pego e dou um leve sorriso. Não sei por que, mas é a única coisa que
consigo fazer.
— Sei que ouviu tudo. Não precisa ficar sorrindo forçadamente, para
melhorar o momento.
— Desculpe.
— Perdão, fui rude. Está sendo um dia difícil. Não sei o que fazer.
— Senhor, eu não queria ser um dos motivos para toda a confusão.
Sou sincera. Cansei de me calar quando eu posso dizer algo. Toda vez
que me calo, sinto como se morresse por dentro, é como perder o ar. É sufocante.
— Ele fez uma promessa e a quebrou. Eu não deveria me surpreender.
— Sabe, eu fiz promessas e as quebrei. E alguém muito sábio me disse
que devemos tomar muito cuidado com aquilo que prometemos, porque, às
vezes, existirão forças maiores que nos impedirão de realizar o que proferimos a
alguém.
Ele solta uma lufada de ar, e não sei se fui longe demais.
— Quem disse isso a você é realmente muito sábio.
Sorrio e, desta vez, com sinceridade.
— Sabe, senhor Augusto, eu nunca quis que minha mãe me
compreendesse sempre, mas sempre sonhei com ela respeitando minhas escolhas
e opiniões. Eu nunca quis nada errado, ou que prejudicasse alguém. E por
experiência própria posso lhe dizer, que se quer viver em harmonia com alguém
que não faz mal a outra pessoa, ou destrói os direitos de alguém por seguir um
caminho ou ter uma opinião diferente da sua, não precisa concordar, mas tem a
obrigação de respeitar.
Ele fica me observando por um tempo, e então sorri.
— Sabe como tocar o coração de alguém, menina.
— Sei?
— Sabe sim. E não fique preocupada com a possibilidade de eu te
mandar embora, porque isso não vai acontecer.
Sinto um alívio. Eu realmente gosto de trabalhar aqui.
— Raquel, seja sincera, quem cuidou do hotel este tempo que estive
fora?
— Bom, Téo fez a parte dele, mas Natanael foi o braço direito e o que se
dedicou mais.
— Sou um burro mesmo.
— Não. Um burro jamais admitiria isso.
— Obrigado. Fiz a escolha certa em te contratar. Que sorte a minha em
ter alguém como você aqui, querida.
— Eu que agradeço por me escolher dentre tantas. E não é sorte, é
sempre Deus. Ele traça os caminhos certos, e nós que escolhemos qual seguir. Eu
segui o certo sem saber, e lá estava o senhor pronto para me ajudar.
Ele sorri emocionado.
— Traz tanta paz em meio a tempestade.
— Fico feliz em saber que faço algo assim.
E pensar que nunca achei que pudesse fazer isso.
— Bom, levo para o Natanael os papéis?
— Não. Na verdade, peça para ele vir até aqui. Eu mesmo irei entregar.
Devolvo os papéis a ele.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Apenas mais uma. É pra valer? Porque quando achei que ele iria se
manter firme com alguém, tive este sonho jogado ao vento.
Fico vermelha. É sempre assim quando se trata do Téo.
— Não sei, senhor. Mas meu coração quer que seja, e peço a Deus por
isso.
— Que confusão. Perdi meu filho, e não sei se devo te chamar de nora.
Eu preciso ir para casa e tomar um café feito pela minha esposa e acalmar os
nervos. O café dela é poderoso.
— Então, vou voltar ao trabalho.
Mudo de assunto, pela timidez que me domina.
— Não! Tire o dia de folga... Hoje é sexta, curta o restante do dia e o
final de semana. E não se preocupe com seus gastos aqui.
— Senhor, obrigada. Mas não precisa, eu gosto de trabalhar aqui e não
preciso da folga.
— Bom, se precisar não hesite em sair.
— Irei chamar o Natanael.
— Certo. E obrigado por suas palavras, foram muito úteis.
Téo Lima
Desde que saí do hotel após conversar com meu pai, não retornei. Fui ao
almoço em família e mais pareceu um velório, pois as brincadeiras e gritos que
já são de lei, não estiveram presentes. Sei que meu pai contou sobre nossa
conversa para a minha mãe, mas evitei o assunto, o clima estava estranho o
suficiente. A única pessoa que tive um contato maior foi com a Hannah, pois
pedi um favor a ela, e claro que ela não me deixaria na pior, minha irmã ama
planejar surpresas.
Agora estou na porta da Samira, e daqui irei para o hotel. Estou me
sentindo mais leve. É como se eu estivesse no escuro sem poder ver nada e
somente agora tenho a oportunidade de enxergar com clareza. Aperto a
campainha sem parar. Já sei que está em casa. Ela grita que já vem. Porém,
continuo apertando.
— Quem é? — uma princesinha questiona. — Minha mamãe disse que já
vem. Que teimosia!
Me controlo para não rir.
— É o príncipe encantado.
— MAMÃE, O PAPAI ESQUECEU A CHAVE DE NOVO!
Não me aguento e rio.
Eu não esqueci a chave. Estou fazendo de propósito para ela vir abrir.
Escuto a chave girar na porta e uma Samira nervosa aparece. Está com o cabelo
molhado e todo bagunçado.
— Nossa, que recepção mais calorosa. Preciso vir mais vezes aqui e
pedir para abrir a porta.
Ela me olha feio e me puxa para dentro.
— Seu demônio, cadê a chave?
— Papai! — Catarina me agarra e abaixo para abraçá-la.
— No meu bolso. Mas sou um príncipe, você tem que vir me
recepcionar.
Encho minha filha de beijos e me sento no sofá com ela agarrada a mim.
— Eu te odeio! — Samira diz ainda irritada.
— Sabe que me ama. Sou um amor.
Catarina sorri e Samira olha brava.
— Vocês dois são impossíveis. Vou ajeitar meu cabelo.
Ela sai rapidamente da sala.
Minha filha me olha e começamos a rir.
— Vou hoje com você?
— Amanhã cedinho te pego. Hoje o papai tem compromisso.
— Eu fiz tudo o que pediu. E ainda estou de castigo.
— Muito bem. Aprendeu a lição?
— Sim. Nunca mais vou bater em ninguém ou acusar sem saber a
verdade.
— Isso aí!
Ela salta do meu colo e para na minha frente.
— Qual o compromisso?
Parece que estou vendo uma mini Samira. Ela coloca as mãos na cintura
e me encara de uma forma que só a mãe faz.
Sorrio.
— Vou fazer uma pequena viagem. Mas amanhã cedo estou de volta para
te buscar.
— Me leva?
— Dessa vez não tem como, amor.
— Quem vai?
— Eu e mais uma pessoa. Isso se sua tia Hannah tiver feito o que pedi.
— Hmmm... Mas amanhã será somente meu?
Possessiva essa minha filha. Eu, hein!
— Sim. Todo seu.
Ela sorri animada.
Samira retorna, e está desembaraçando o cabelo que ela disse que iria
arrumar. Talvez precise raspar. Que merda ela fez? Susto da porra!
— Mocinha trate de terminar as lições de casa. Pois ainda temos que sair.
Catarina sai desanimada da sala e sorrio.
— Essa menina não nega ser sua filha. Me deixa louca.
— Pois eu penso o contrário. É sua cópia.
Ela se senta no sofá ao lado enquanto continua sua luta para ajeitar o
cabelo.
— O que quer? Pensei que o mundo estivesse acabando, quando falou
que estava vindo porque queria falar com urgência com a minha linda pessoa.
— Primeiro, não trabalho mais no hotel. Conversei com meu pai e o
resultado foi melhor do que pensei.
Ela arregala os olhos e em seguida sorri.
— Téo, que maravilha! Estou tão feliz. Vai seguir com o que tanto ama?
— Sim. Estava na hora. Porém, não é apenas essa novidade.
— Qual a outra?
— Estou apaixonado pela Raquel.
— Ai! — Ela enrosca a escova em uma parte do cabelo deixando
pendurada. — Você o quê? Eu ouvi isso mesmo, Brasil? Esse momento é meu!
— grita animada.
— Sim. E você não foi a primeira a saber. O tio dela e ela já sabem.
— COMO OUSOU NÃO ME CONTAR PRIMEIRO? SEU TRAÍRA!
— Leva as mãos à cintura.
— Exatamente isso. Não iria te dar esse gostinho.
Levanta-se com a escova ainda pendurada no nó do cabelo. Quero rir,
mas me controlo.
— Se levanta, traste!
Levanto e fico olhando. Ela pula em meus braços e começa a fungar.
— Não vai chorar!
— É que demorou tanto para este momento. Estou tão feliz. Téo, você
vai seguir seu sonho e ainda está apaixonado. É para glorificar de pé. Vou até
pagar as promessas que fiz na esperança disso acontecer.
— Samira, você fala de mim, mas sabe estragar um momento.
Ela ri e se afasta e enxugando o rosto. Então voltamos a nos sentar.
— E quando vai casar? Me chama para ser madrinha? Eu vi um vestido
lindo no centro. Estou louca para usá-lo.
Reviro os olhos.
— Vamos com muita calma. E passe um creme para desembaraçar esse
nó do cabelo.
— Ser loira platinada dá nisso. E olha que sempre hidrato e cuido.
— Sei...
Ela desenrosca a escova e volta a desembaraçar.
— Sua família já sabe?
— Meu pai sabe oficialmente. Os demais desconfiam há tempos.
— E a tal mãe dela?
— Pegou nós dois aos beijos.
— Puta merda! E aí?
— Meio que expulsou a filha de casa.
— Eu vou dar na cara dessa mulher. Como ousa expulsar aquele amor de
menina? Que ranço! Dê-me o endereço que vou dizer poucas e boas para ela.
Alguém me segura.
— Relaxa. Depois de ouvir tudo o que ela disse e ver o que fez, posso te
garantir que aquela mulher está confusa, parece lutar contra algo dentro de si.
— Deixa ela lutar contra a minha mão, que endireita rapidinho.
Sorrio.
— Segura a sua mão, nervosinha.
— Téo, eu estou muito feliz por você. Só não faça merda. Seja sempre o
cavalheiro com ela, e não o cavalo misturado com sapo.
— Jamais seria qualquer coisa ruim para ela, ou faria merda. Eu nunca
fiz uma merda com você, não seria com ela que eu faria.
— Espero, ou te mato.
— Anda muito violenta. Já pensou em procurar ajuda?
— Não preciso de psicólogo.
— Mas, e de sexo? Se precisar... — Ela atira a escova em mim.
— Idiota!
Sorrio.
Levanto e ela faz o mesmo. Vou até o quarto da Catarina e me despeço
com a promessa de que amanhã cedinho estarei aqui para pegá-la. Também me
despeço da Samira e vou embora.
Raquel Pereira
Campos do Jordão é uma cidade linda. Suas cores e seu jeitinho meio
rústico, tornam o ambiente acolhedor. Mesmo já sendo tarde, pois pegamos um
trânsito imenso, que nos deixou horas praticamente parados, isso não foi o
suficiente para que não notássemos o encantamento do lugar que agora estamos.
Téo estaciona em frente a um hotel muito bonito, com muitas árvores ao redor e
um jardim muito encantador e bastante iluminado na lateral direita. Dois rapazes
vêm nos recepcionar. Saímos do carro e o vento bastante gelado faz com que eu
dê uma leve estremecida, porém o suficiente para o Téo notar e passar um braço
pela minha cintura e me puxar para si, transmitindo o calor de seu corpo para
mim. Os rapazes nos cumprimentam e um ajuda a retirar a pequena mala que
trouxemos, enquanto o outro entra no carro e leva até o estacionamento.
Caminhamos em direção a entrada, com o homem nos seguindo. Ele abre a porta
da frente, e nos dá passagem, então indica o balcão onde uma senhora sorridente
está olhando em nossa direção. Téo me solta e pega os documentos — deixei o
meu com ele também —, entrega a ela.
— Téo Lima e Raquel Pereira, sejam bem-vindos, meus queridos. — Ela
olha o computador ao lado e ajeita os óculos, que cai sobre seu nariz. —
Reservaram o quarto 115. O Lorenzo vai acompanhá-los. Curtam muito. — Ela
olha para o Téo e sorri de um modo diferente, fico sem entender.
Agradecemos e ela pergunta se viemos de carro e qual a placa e o
modelo. Téo responde e ela digita no computador. Entrega um cartão para abrir o
quarto junto aos nossos documentos e um papel do carro e seguimos em direção
ao elevador.
Téo Lima
Quando pensei em ter algumas horas longe com a Raquel, não percebi
que precisava tanto disso até estarmos aqui. E agora além do lugar estar
extremamente bonito — preciso agradecer minha irmã e a empresa que ela
contratou —, também está especial, ainda mais após ouvir um simples “sim”. Eu
nunca pensei que esta palavra de três letras, poderia me dar tamanha felicidade.
Agora com minha oficialmente namorada em meu colo, não desejo outra coisa
no mundo a não ser beijá-la como se minha vida dependesse disso.
Puxo seu rosto e invado sua boca com um beijo ardente que parecia estar
aprisionado há anos esperando por um momento de liberdade. Minha língua
desliza pela sua em uma forma voraz. Aperto seu corpo junto ao meu, como se
ela fosse fugir de meus braços a qualquer instante. Suas mãos se apoiam em meu
rosto e deslizam para o meu cabelo. Ela empina ainda mais a bunda. Aperto e ela
geme em meus lábios. Meu pau está duro, e isso me deixa louco para estar
dentro dela, mas tenho que ir com calma hoje. Quero que ela sinta muito prazer,
ao ponto de não aguentar mais. Mordo seu lábio inferior e passo a língua
deslizando o piercing sobre a pequena vermelhidão causada por isso. Fecha os
olhos e abre lentamente. Está ofegante. Passo a mão sobre seu seio ainda coberto
e está duro de tesão. Ela geme.
— Sei o que quer, e eu também quero. Mas, hoje tem que ser diferente.
Dou um beijo rápido em seus lábios e coloco ela sobre o sofá. Suas
bochechas estão coradas. Caminho até onde está o champanhe e abro a garrafa
despejando sobre a taça. Levo uma taça até ela. Pego a minha e os morangos. Ela
bebe um pequeno gole. Não tiro meu olhar dela. Bebo um pouco. Ela leva um
morango à boca, e apenas esse inocente gesto é uma tortura prazerosa para mim.
Morde mais um pedaço do morango e, porra, é quase a minha morte. Coloco
minha taça no chão, e afasto a cesta. Ela fica me olhando ruborizada. Lambo
levemente a lateral da sua boca, onde sujou um pouco de morango. Rapidamente
fecha os olhos e engole em seco. Afasto-me e bebo de uma vez o champanhe em
minha taça.
Retiro os sapatos sob seu olhar e faço o mesmo com a blusa. Ela bebe
rapidamente o champanhe e sorrio.
— Vai com calma, Santinha. Não quero que aconteça como certa vez.
— E-eu vou pegar c-chocolate. — Ela se levanta rapidamente e vai até a
cesta onde pega um bombom. Vira-se de costas.
Sorrio de seu nervosismo.
Caminho até ela, abraçando-a por trás. Afasto seu cabelo, e beijo seu
pescoço enquanto ela leva o bombom à boca. Seu corpo estremece e ela
pigarreia e, como não tenta se afastar, isso me incentiva a continuar. Mordo sua
orelha e inicio uma trilha dela até o final do pescoço passando a língua
lentamente. Sei que meu piercing a deixa alucinada. Dou uma leve mordida e ela
solta o bombom, que cai sobre a mesa.
Viro seu corpo lentamente prendendo-a entre mim e a mesa.
— Se quiser parar, me avise...
— Não... Quero dizer, não quero parar. Eu estou... — não termina de
dizer. Fica muito corada.
— Está excitada, amor? — Seguro seu queixo e beijo seus lábios. — Se
solta. Não precisa ter vergonha. Estamos a sós aqui.
Sua resposta é um gemido baixo, quando meu corpo cola ao seu e
pressiono minha ereção nela. Aperto sua cintura, e seus braços contornam meu
pescoço. Beijo-a.
Deslizo as mãos por baixo de sua blusa, sentindo sua pele se arrepiar. Seu
calor me contagia transmitindo um sentimento maior. Saber que ela fica assim
pelo meu toque é inexplicável.
Afasto olhando seus lábios inchados. Suas bochechas estão coradas.
Levo as mãos à barra de sua blusa, e começo a retirá-la. Jogo-a na direção do
sofá. Raquel abaixa o olhar e rapidamente levo as mãos ao seu queixo erguendo
seu rosto. Beijo seu seio, enquanto retiro seu sutiã e, quando solto, deixo cair
sobre o chão. Como ela é linda!
Sob seu olhar, me abaixo à sua frente, e retiro seus sapatos. Suas mãos se
apoiam na lateral da mesa. Com seus pés já descalços, começo a desabotoar sua
calça, e deslizo sobre suas pernas. Sua calça tem o mesmo destino do sutiã. Beijo
sua virilha, e ela abre lentamente os lábios, e sua respiração fica mais intensa.
Levo as mãos as laterais de sua calcinha, e começo deslizar lentamente para
baixo. Os olhos dela fixam nos meus.
Sem calcinha, e completamente nua à minha frente, me levanto, e
acaricio seu rosto.
— Você é muito linda, minha Santinha. — Beijo levemente seus lábios.
Seguro sua mão e a levo até a cama, onde ela se deita. Observo seu
corpo, que está me deixando cada vez mais excitado. Vou até o champanhe e
levo a garrafa à boca, bebendo um pequeno gole. Retorno até ela, e abro bem
suas pernas. Deslizo meus dedos sobre suas coxas e aperto. Vou traçando beijos,
começando por seu tornozelo, e subindo bem devagar. Sua pele tem um sabor
maravilhoso. Quando chego em sua virilha, deixo um beijo molhado, seguido de
um deslizar do meu piercing. Ela geme baixinho.
Apertando suas pernas para mantê-las abertas, tenho a visão de uma
Raquel completamente exposta para mim. Levo minha boca a sua boceta, e
começo a chupá-la com intensidade. Deslizo minha língua em sua entrada e sei o
efeito que meu piercing causa. Seu gemido fica mais forte. Meu olhar busca o
seu, que está fechado. Ergo um pouco seu quadril. Levo as mãos a sua bunda,
apertando. Suas mãos agarram os espaços entre a cabeceira da cama. Sinto suas
pernas se contraírem.
— Téo... — grita meu nome.
Continuo chupando-a e logo seu corpo estremece. Chupo cada gota de
seu gozo. E porra, quero fazer isso eternamente. Solto lentamente seu corpo e me
afasto. Ela abre os olhos, ofegante.
Bebo mais um pouco de champanhe. Retorno até a beirada da cama, e
faço um sinal para ela vir até a mim. Timidamente faz o que peço, ficando
sentada sobre suas pernas.
— Pode fazer as honras.
Levo sua mão até a minha calça. Ela me olha por um tempo, enquanto
retiro a carteira do bolso e pego dentro dela uma camisinha. Jogo a carteira no
chão.
Suas mãos trêmulas começam a desabotoar minha calça.
— Não precisa ter vergonha ou qualquer receio.
Ela concorda lentamente.
Começa a deslizar minha calça e a ajudo a retirar. Sem pressa retiro-a
sobre meus pés. Aperto meu pau duro sobre a minha cueca. Ela morde o lábio
inferior, e começa a retirar minha cueca. Libertando meu pau sedento por ela.
Termino de retirar.
— Eu quero que sempre se sinta livre para tentar qualquer coisa comigo,
e não tenha vergonha.
Acaricio seu rosto e me inclino beijando seus lábios.
— Deite-se.
Ela se deita, sem retirar os olhos de mim. Rasgo a embalagem de
camisinha. Jogo o pacote no chão e deslizo o preservativo sobre meu pau.
Ajustando perfeitamente. Subo com cuidado na cama, ficando entre as pernas da
Raquel, que observa cada movimento meu. Beijo o bico do seu seio e passo a
língua em seguida.
— Téo...
— Eu sei, amor... Eu sei...
Encaixo em sua entrada, e penetro-a. Um gemido muito intenso escapa
de seus lábios. Fico parado por um tempo e analiso sua reação, está tranquila e
excitada. Começo a me movimentar lentamente. Suas mãos agarram minhas
costas, onde sinto suas unhas, mas não me incomodam. Excitam-me ainda mais.
Aumento meus movimentos, puxando suas pernas e enroscando em minha
cintura. Assim vou mais fundo, sentindo ainda mais dela. Ela geme alto, e amo
ouvir seus sons. Me aperta com sua boceta, e isso me deixa louco.
— Você já é muito... muito apertada, se continuar fazendo isso, não vou
aguentar muito tempo... — sussurro em seu ouvido.
Mordo sua orelha e ela aperta ainda mais as unhas em mim e então sobe
em direção ao meu cabelo onde agarra. Beijo-a. Estar assim com ela é meu
paraíso. Ela é perfeita em tudo. Jamais irei enjoar dela, porque ela é tudo o que
eu quero.
Saio lentamente de dentro dela, que resmunga. Sorrio.
— Vire de lado.
Deito colando meu corpo as suas costas. Estamos suados, e o quarto tem
o cheiro de sexo misturado a rosas. Ergo sua perna, penetro-a. Sua boceta me
envolve em um deslizar delicioso. Enrosco meus dedos aos dela, e torno a me
movimentar com força ouvindo o som de nossos gemidos e do chocar de nossos
corpos. Coloco meus lábios em sua orelha, deixando que ela escute com mais
intensidade minha respiração irregular e meus gemidos. Sinto o suor escorrer por
meu rosto, e fico satisfeito em saber o motivo. Solto sua mão e massageio seu
clitóris.
— Téo! — grita.
Ela me aperta novamente com sua boceta.
— Porra, Raquel! — digo entredentes.
Mordo seu ombro. Seu corpo começa a se agitar. Ela vai gozar.
Seguro seu rosto e viro na minha direção, e nossos olhares ficam fixos
um no outro. Seus lábios abrem um pouco, e seus olhos reviram. Ela os fecha.
— Olhe para mim, amor.
Abre eles pesadamente. Está tendo um orgasmo. Conheço cada reação de
seu corpo. Deslizo a mão por seu pescoço e aperto levemente. E então penetro-a
mais forte ainda. Ela trava a perna na minha, aperta minha coxa.
— Raquel...
Seu gemido é alto. Meu pau pulsa e meu gozo vem intensamente. E sem
saber de onde vem a intensidade de me declarar, eu deixo escapar por meus
lábios que vão até seu ouvido:
— Eu te amo.
Ela não diz nada. Apenas sorri. Saio lentamente de dentro dela.
— Preciso tirar a camisinha.
Ela concorda.
Beijo sua testa e me levanto indo até o banheiro. Retiro a camisinha e
dou um nó e logo em seguida jogo no lixo. Olho no espelho e meu rosto está
vermelho. Estou completamente suado. Raquel é a minha perdição. Escuto um
barulho na porta e me viro para olhar. Ela está enrolada de um jeito muito fofo
no lençol. Parece até uma criança. Sorrio.
— Eu também.
Olho sem entender.
— Também o quê?
— Eu também t-te amo...
Seu rosto cora ainda mais. Sinto meu coração acelerar. Porra, a divindade
está olhando por mim. Pela segunda vez, tenho certeza de que fiz algo certo. A
primeira foi ter a minha filha, a segunda me apaixonar pela Raquel e, pensando
agora, a terceira é ter saído do hotel.
Puxo ela em minha direção, e ela grita rindo. O lençol cai. Beijo seus
lábios.
— Que tal um banho? — pergunto assim que afasto nossos lábios.
— Sim.
Preparo a banheira.
Acaricio seu rosto, e ela deita a cabeça em meu peito, enquanto brinca
com a espuma soprando.
— Não vai mesmo me dizer para onde vai este final de semana?
Ela tira a atenção da espuma e me olha.
— Quando eu voltar, eu digo.
— E vai voltar mesmo? Estou preocupado que sua mãe tenha dito algo e
você esteja...
— Téo, eu não estou indo embora.
— Me promete isso? — digo sentindo uma angústia que nunca senti.
Ela não responde. Apenas me beija.
Me desligo da minha preocupação e me deixo levar pelo momento. É
raro ela tomar iniciativas, e quero aproveitar todas. Viro-a rapidamente,
colocando-a sobre meu colo. Meu pau já está duro e louco para estar dentro dela
mais uma vez. Suas mãos seguram meu rosto enquanto me beija. Aperto sua
cintura. A água da banheira cai um pouco para fora. Ela se mexe sobre meu colo,
me atiçando ainda mais.
— Raquel... — digo entre o beijo.
Ela afasta o rosto e sorri.
— Eu quero você sempre, Téo. Com você eu consigo ser uma pessoa da
qual eu gosto, e sou mais feliz. Eu q-quero você.
Agarro seu cabelo e beijo sua boca com voracidade. Sua boceta se
esfrega em meu pau.
— Porra... Raquel...
Solto seu cabelo e ergo sua cintura posicionando meu pau em sua
entrada. Então a penetro.
— Ah... — um gemido escapa de seus lábios.
Essa santinha vai acabar comigo. Eu definitivamente estou criando uma
monstrinha pecadora.
Num gesto desesperado
Saudade mútua, ela se entregou pra mim
E disse que não tá bem
Fez meu olho brilhar dizendo que tá tenso em casa
E que os problemas tão demais
Capaz de se jogar no mundão
Sem noção nenhuma do que pensa ou faz
— Projota “Mulher”
Raquel Pereira
Estamos na porta do hotel. O frio lá fora não é nada animador, e sou uma
pessoa que gosta de frio. Quando pude senti-lo através da sacada do quarto, eu
tive certeza de que não queria sair, mas Téo insistiu.
— Sabe, melhor irmos embora — Téo diz fazendo careta.
— Nem pensar. Me acordou, porque tínhamos que curtir a cidade. Agora
vamos!
Empurro-o, que nem sequer se move.
— Vai, Téo. Lembre-se de que Catarina te espera.
— Golpe baixo. Usar uma criancinha é um golpe muito baixo.
Sorrio.
Saímos e o vento nos recebe de uma forma nada acolhedora.
— Se arrependimento matasse, eu cairia duro. Se bem que estou sempre
duro...
— Depois eu que tenho um ótimo humor! E pare de falar bobagens —
brinco e ele me olha feio.
Entrelaça nossos dedos e começamos a caminhar.
— Melhor irmos de carro.
— Você disse dentro do elevador, enquanto descíamos, que era tudo
pertinho. Vamos andando.
— Estou começando a ficar bem irritado com você.
Rio.
— Você é um resmungão.
— Não sou. Apenas está um frio do caralho!
— Pois é, mas você insistiu para descermos.
Ele me para no meio da rua e me abraça.
— Deveria ter me impedido de outra maneira.
Beija levemente meus lábios e dou batidinhas em seu peito.
— Téo, pare! — Sinto meu rosto esquentar e ele sorri.
— Ah, então a sua timidez comigo é apenas em público? Porque
enquanto estávamos na banheira, você...
— Téo!
Empurro-o e saio andando na frente. Escuto sua risada.
— Santinha... Oh, minha Santinha! — ele grita e pela primeira vez sinto
uma vontade absurda e estranha de matá-lo.
Viro a primeira à direita, sem saber para onde estou indo.
— Não é por aí! — ele grita.
Paro na calçada e algumas pessoas que passam ficam olhando. Olho para
ele, que caminha lentamente até a mim e sorrindo. Uma moça, muito bonita por
sinal, passa ao lado dele. Ela está com um cachorrinho bem branquinho. O
animalzinho para e ela faz o mesmo, porém sem tirar os olhos do Téo.
— Bom dia! — ela o cumprimenta.
Ele olha e sorri.
— Bom dia. Belo cachorro.
Cruzo os braços e fico olhando.
— É uma cachorrinha. Safira é o nome. E o meu é...
— Vamos, amor? — interrompo.
Téo me olha surpreso, mas sorri em seguida.
— Ah, desculpe. Tenham um bom-dia. Vamos, Safira!
Ela volta a andar e fico olhando.
— Fica linda com ciúmes e fazendo bico.
— Não estou fazendo bico!
— Está sim. E se duvidar, na próxima tiro uma foto. E “amor”?
— Estou com fome! — desconverso e nem com fome estou.
— Sei...
— Gostou da cachorrinha, ou dela?
— Da cachorrinha. Nem reparei que a moça era bonita, e tinha...
— Seu... Seu... Ai, que raiva!
Vou voltar a andar, mas ele me agarra.
— Estou te provocando apenas. Só tenho olhos para a pessoa
“emburradinha” em meus braços.
— Quer saber? Não quero ver a cidade. Na verdade, vamos voltar ao
hotel e comer lá e ir embora.
— Hum... exigente.
— Falo sério.
Estou com uma raiva absurda. Não gosto, mas não consigo evitar.
— Te amo.
— Hum.
Ele sorri e beija meu rosto.
— Vamos fazer como a senhorita deseja.
— Ótimo, senhor!
— Eita! Está brava mesmo. Vamos, porém, voltaremos à cidade, para
passar alguns dias.
— Tanto faz.
— Que mulher mais brava. Não era assim. Eu realmente te levei para o
mau caminho. — Ele ri.
— Vamos logo, Téo!
Estamos comendo no quarto. Ainda estou brava com ele. Ele fica me
olhando e rindo. E isso me deixa mais brava ainda. O celular dele apita, e ele
pega e começa a digitar algo. Fica focado no celular um tempo, e aproveito para
terminar de comer, sem os risinhos dele. Ajeito minhas coisas, escovo os dentes
e coloco o presente que ele me deu. Sento na cama à espera dele terminar de
comer e de fazer seja lá o que for no celular. Ele coloca o celular no bolso e bebe
um pouco de suco.
— Quando Hannah e Samira começam a mandar mensagem, não param
mais. Qual a dificuldade das duas de falar tudo em um único texto? Porra!
— Aconteceu algo?
— Samira queria saber a hora que vou buscar a Catarina, porque ela tem
um compromisso de trabalho para hoje. E Hannah, que deveria se chamar
intrometida, queria saber se deu tudo certo aqui, e para dizer que conversou com
meu pai e já sabe os detalhes de tudo o que aconteceu entre mim e ele.
Faço um gesto de compreensão com a cabeça apenas. Ele termina de
comer e se aproxima.
— Pronta?
— Sim.
— Ainda brava?
— Um pouco.
Inclina o corpo sobre o meu, me fazendo deitar na cama.
— Nem pensar. Pode...
Seus lábios tocam os meus, e então me beija. A raiva que eu sentia se
desfaz rapidamente. E o calor toma o lugar do frio. Aperta minha coxa e segura
meu rosto. Sinto sua rigidez, então agarro seu cabelo. Ele se esfrega em mim,
fazendo com que eu abra mais as pernas, deixando-o totalmente entre elas.
— Já devíamos estar indo embora, mas preciso de você e agora...
Afasta-se e retira o casaco, e em seguida a blusa de frio. Seus sapatos
saem de forma bruta. O seu cinto é aberto, e antes de retirar a calça começa a me
despir. Meu coração está acelerado como sempre, e minha respiração ofegante.
Agora completamente nua, e sem sentir a vergonha que sempre tenho, ele
retira a calça junto da cueca, e sorri de um modo diferente para mim. Sua mão
acaricia seu membro rígido, e isso me traz um tremor gostoso de sentir. Ele
segura minha mão e me puxa em sua direção. Nossos corpos se chocam. Segura
meu queixo e morde meu lábio inferior. Sem dizer qualquer coisa, vira meu
corpo sobre a cama fazendo com que eu fique totalmente inclinada, com a bunda
empinada.
Segurando minha cintura diz:
— Mantenha o corpo firme e as mãos também. — Sua voz é ainda mais
rouca.
Sinto seus dedos me massagearem em meu ponto mais sensível. Mordo o
lábio e fecho os olhos. Então ele os coloca dentro de mim, e movimenta apenas
duas vezes. Abro os lábios e aperto o colchão.
— Molhadinha, e tão pronta... Porra! — Se afasta. — Fique assim.
Escuto o barulho de plástico sendo rasgado. Olho de lado e vejo que ele
coloca a camisinha. Dá-me uma piscadela e passa a língua pelo lábio inferior.
Então se aproxima novamente.
Volto a olhar para frente. Suas mãos retornam a minha cintura. Ele me
penetra. Minhas mãos apertam com força o colchão e meus dedos ficam brancos.
Meus olhos se fecham. Seus movimentos de vaivém iniciam e são fortes,
arrancando gemidos intensos de nós dois. Meu cabelo é enrolado em sua mão e
puxado para trás.
— Raquel... — meu nome sai de uma forma gostosa de ouvir.
Meus seios chacoalham com os movimentos. Meus lábios ficam secos.
Posso senti-lo mais fundo nesta posição. É delicioso.
— Porra, não me aperta assim...
Acerta um tapa em minha bunda e massageia em seguida. Isso parece
contribuir para o que estou sentindo. Ele beija minhas costas, deixando seu corpo
curvado sobre o meu.
— Téo... Ah...
Sua mão livre começa a me estimular, enquanto seus movimentos
continuam fortes. Gosto das sensações ao estar assim com ele. Téo não me
mostrou o pecado, ele me apresentou ao prazer, tanto sexual quanto da vida.
Estar assim diante dele é muito bom. Não consigo pensar em nada, além de nós.
Acerta mais um tapa, do outro lado da minha bunda. Solto um grito de
dor e prazer. Sim, sinto prazer. Quem diria que um dia eu sentiria isso ou
pensaria?
— Téo, isso... Eu... Ah...
— Goza, amor... Goza...
Distribui beijos em minhas costas. Um tremor, que se inicia das pernas
seguido de uma tensão, vai me contagiando. Um grito rouco escapa de meus
lábios e sinto tudo enfraquecer.
— Raquel... Cacete!
Ele solta o meu cabelo e aperta meu corpo. E não demora para sua
cabeça se inclinar sobre as minhas costas, e um som forte escapar de seus lábios
ficando assim por um tempinho.
Ele sai de mim com calma. Deito-me sobre a cama, exausta. Estou muito
fraca. Vejo-o retirar a camisinha e dar um nó. Vai ao banheiro e retorna
rapidamente.
— Tome um banho e tranque a maldita porta, ou nunca sairemos daqui.
Depois de você, eu irei.
— Só espere uns segundos.
Ele sorri.
Seu celular toca e ele atende. Exibindo seu corpo nu ao andar pelo
quarto.
— Sim... Já saímos daqui... Está no viva-voz do carro... Aham... Assim
que eu chegar vou direto pegar ela... O trânsito está ótimo... Eu sei... Não
atrapalha... Porra, tchau! — Ele desliga.
— Mentir é feio — repreendo-o, levantando.
— Só entre naquele banheiro e tranque a porta. Porque só de ficar
olhando você nua, meu tesão retorna a todo vapor.
Ele se aproxima e corro para o banheiro trancando a porta.
Téo me deixou no hotel entregando meu documento, que por pouco não
esqueço com ele, e então foi para a casa dele. Arrumei minhas coisas
rapidamente e agora estou entrando na igreja. Final de semana é sempre mais
cheio aqui. Paro e observo a cruz à minha frente e fecho os meus olhos e
agradeço de coração a Deus por mais esse dia de vida e por estar me ajudando
em tudo até aqui. Faço o sinal da cruz, e caminho em passos rápidos até onde
meu tio fica. Pelo horário, em breve começará a atender as pessoas que
normalmente vem se confessar de final de semana. Amanhã tem missa e ele deve
estar se preparando para isso também, porém realmente preciso falar
rapidamente com ele.
Bato na porta e ele diz para entrar.
— Meu anjo, que maravilha de visita!
Aproximo-me deixando a mala no chão e ele me abraça.
— Tio, serei breve... Eu vou até lá.
Ele me olha surpreso e então une as mãos e sorri.
— Que assim seja. Se decidiu ir é porque está pronta.
— Eu volto amanhã. Porém, ainda não recebi meu salário, será que o
senhor poderia...
— Te dou o dinheiro, querida. Não se preocupe.
Ele vai até a mesa e abre a gavetinha se atrapalhando um pouco. Pega
algumas notas e me entrega.
— Que Deus esteja em seu caminho e que seja feita a vontade Dele.
— Não sei quais respostas terei, mas aceito qualquer coisa.
— Quando voltar, eu estarei te esperando para responder as dúvidas caso
existam.
Fico sem entender, mas não questiono.
— Melhor eu ir. Não quero chegar muito tarde.
Ele concorda.
Sinto um nó na garganta e pressiono os lábios. Pisco rapidamente
tentando conter as lágrimas, que querem cair.
— Vai dar tudo certo. Coloque Deus na sua frente e ele cuidará de todo
caminho.
Abraço-o novamente. Ele me dá sua bênção.
— Só espero que possa me aceitar.
— Vai aceitar. Confie. Te amo, querida.
— Também amo o senhor.
E com essas palavras saio dali. Meu coração pede respostas, e minha
mente grita com medo delas, mas não é mais tempo de recuar.
Guardo o dinheiro e caminho pelo corredor da igreja, cabisbaixa. Parece
que tudo fica em câmera lenta. Esperei tanto tempo por respostas e agora eu
poderei tê-las, mas não sei se estou completamente preparada para ouvi-las.
Podem ser simples, como podem ser difíceis. Pode tudo.
Entretanto, cometo um erro. Não o pior erro, mas o suficiente para me
angustiar ainda mais. Ergo o olhar e lá está ela na porta da igreja olhando para
mim. Não paro. Não consigo ter esta reação. Apenas continuo caminhando.
Parece que todos na igreja me olham e sabem de tudo. É uma sensação ruim. Seu
olhar vai em direção a minha mala e depois retorna a mim. Sua cabeça balança
em negativa. E então a distância entre nós finaliza, e sem dizer qualquer coisa,
ela começa a caminhar para dentro da igreja, e eu saio.
Nos tornamos duas estranhas. Mãe e filha, estranhas uma para a outra. A
que ponto chegamos, Deus!
Não olho para trás. Uns chamariam de orgulho, outros de rebeldia, talvez
alguns entenderiam. Eu sigo em frente, apenas no caminhar, porque o coração
despeja os pedaços que, a cada vez que nos esbarramos, se quebra mais.
Toda estrada é uma ladeira escorregadia
Mas sempre há uma mão
Na qual você pode segurar
Olhando profundamente pelo telescópio
Você pode perceber que seu
Lar está dentro de você
— Jason Mraz “93 Million Miles”
Téo Lima
Téo, não queria falar na frente dela. Mas Catarina aprendeu a lição. Fez tudo o
que foi pedido. E a menininha que ela bateu aceitou o pedido de desculpas junto
dos pais. Acho que já pode liberar ela do castigo, até porque o que fará com ela
o final de semana? Fica ao seu critério. O que decidir irei concordar. Beijos.
Raquel Pereira
Estamos no carro. E ele não fala nada. Pelo visto não gostou de mim, e
ele nem me conhece. Meu celular vibra e pego em meu bolso. É uma mensagem
do Téo.
Sorrio.
— Não sei o seu lado da história, mas aquela mulher não merecia viver
angustiada por tudo. Se veio para sumir mais uma vez da vida dela, melhor cair
fora logo e não deixar ela se acostumar. Dona Esmeralda é como uma mãe para
mim, ela me ajudou muito e não irei permitir que aqueles que são da família dela
façam ela sofrer novamente — ele é bem duro com as palavras.
Estaciona o carro e desço rapidamente. Ele para ao meu lado depois de
alguns segundos.
— Olha não sei o que pensa, mas não conhece a minha história. Não sabe
o que passei até aqui. Então se não gosta de mim, tudo bem, mas já cansei de
todos virem com pedras e tijolos para cima de mim. Eu cansei de ser sempre
humilhada e maltratada. Eu amo a minha avó, e jamais desejei que ela sofresse,
assim como eu também não desejei isso para mim. Se ela te contou algo sobre
nossa família, deve ter entendido muito bem que existiu apenas um culpado na
história, então não me julgue. Se há algo que cresci ouvindo e hoje compreendo
mais do que nunca que é o correto, é jamais julgar as pessoas, porque não somos
Deus.
Ele suspira.
— Me desculpe. É que aquela mulher chorou muito e não merecia. Ela se
faz de forte e divertida, mas não é a verdade. Desculpe te ofender, mas ela é a
única pessoa que tenho, e não suportaria ver ela como antes. Hoje em dia, ela
está bem melhor.
Respiro fundo e olho para o céu azulado e em seguida para ele.
— Tudo bem. Começamos com o pé esquerdo. — Faço uma pausa e
continuo: — Prazer, sou Raquel Pereira. — Estendo a mão para ele, que retribui.
— Benjamin Hernandes.
Sorrimos.
Era só o que me faltava, mais um bipolar em meu caminho, já bastava
minha mãe.
— Vamos, a lista é bem grande, e confesso que raramente entendo o que
ela escreve.
— Tudo bem. Podemos tentar decifrar juntos. Te ajudarei com a compra.
Ele entrega a listinha.
— Está fácil. Com um pouco de esforço e paciência entendemos tudo.
— Esforço eu tenho, já a paciência...
— Percebi — digo baixinho.
Entramos no mercado e pegamos um carrinho, e fomos à procura de tudo
da lista.
Assim que chegamos, minha avó já foi organizando tudo para o que vai
preparar. Não quer minha ajuda. Disse para eu ir descansar, que preciso muito.
Ela diz umas coisas bem estranhas. Enquanto estávamos no mercado, ela
preparou um quarto para mim, e está muito fofo e aconchegante. Troco a roupa
por um short e camiseta. Deixo o celular no criado-mudo e calço o chinelo e
desço. Não estou cansada.
— Vó, posso dar umas voltas pelo sítio?
— Claro! Mas não quer mesmo descansar?
— Não. Estou bem.
— Aproveite, porque, quando desejar descansar e tudo incomodar, vai
querer ter descansado antes.
— Quê?
— Apenas acredite no que eu digo.
— A senhora fala umas coisas estranhas.
— Querida, sempre digo que meus sonhos e sexto sentido não falham.
Ah, e seu tio ligou aqui para saber de você. Eu disse que chegou bem.
— Ótimo. Agora vou dar umas voltas por aí.
Ela concorda e saio da casa.
Quando eu era mais nova, nós sempre estávamos por aqui, porém tudo
mudou. As implicâncias que minha mãe tinha com a minha avó aumentaram em
um grau tremendo, então nos afastamos de vez, e acabou vindo a mudança de
casa, a morte do meu pai, muitas coisas mudaram ainda mais e para pior.
Entretanto, em todas as lembranças que tenho do passado, não consigo encontrar
uma em que minha mãe tenha sido diferente. Ela apenas piorou com o passar do
tempo. Quando meu pai faleceu... Nossa, piorou muito mesmo.
Caminho até o rio, que tem uma vista maravilhosa, com entrada em uma
pequena caverna. Bom, tinha, não sei se mudou. Gostava muito deste lugar.
Sempre gostei de todos os lugares que me fizessem enxergar outras coisas, e sair
da mesmice. Aproximo-me e já posso escutar o barulho da água. Apoio uma das
mãos no tronco da árvore, e observo a paisagem, que nada mudou. A beleza que
a natureza proporciona é sem igual. É esplêndida. Sento encostada na árvore e
cruzo as pernas. Fecho os olhos por um instante e é delicioso o vento, o cheiro, o
barulho. Tudo é encantador.
Tento limitar minhas lembranças apenas as coisas boas. Então lembro dos
sorrisos do meu pai, e das doidices da minha avó Esmeralda. As brincadeiras das
minhas tias e os sermões muito engraçados de meu tio, quando elas aprontavam
muito. Faço uma linha do tempo imaginária, e então coloco outra pessoa em
diversos momentos especiais: o Téo. Seu jeito de ser, seu modo único de me
deixar tímida, nossos beijos e nossos momentos de amor. A praia também está
marcada nesta linha do tempo. Tudo é tão prazeroso e especial. Deus me
abençoou com momentos tão maravilhosos, que são capazes de camuflarem os
ruins. Depois de tantas lágrimas, hoje posso ter momentos de felicidade. E para
fechar com chave de ouro toda essa retrospectiva, vem o reencontro com minha
avó. Seu abraço e seu cheirinho, além de suas palavras, me causaram tanta
saudade. Porém, existe um tempo determinado para todas as coisas, e o tempo de
revê-la chegou, porque este caminho um pouco confuso me guiou até aqui, para
ela, que tanto tentaram me afastar. Lágrimas repletas de emoções escorrem por
meu rosto e não enxugo. Deixo serem livres para percorrerem minhas bochechas
e caírem sejam em minhas pernas, ou em meu peito, não importa, só deixo elas
serem livres.
— Sabe, dizem que quando choramos os anjos presentes recolhem cada
gota para transformá-las em bênçãos futuras.
Abro os olhos e sorrio. Benjamin se senta ao meu lado e retira o chapéu
que antes não usava.
— Belas palavras.
— Fui muito religioso um dia, hoje estou em falta, mas o que importa é
ainda ter fé, mesmo que pouca e guardar Deus sempre no coração.
— Sim.
— Está tudo bem? Sou um bom ouvinte. Escuto os xingamentos e as
fofocas de sua avó todos os dias.
— Estou sim. Apenas relembrando algumas coisas.
— Com licença. — Ele enxuga meu rosto com carinho. — Não sou um
anjo, mas não gosto de ver ninguém chorar.
— Não foi choro de tristeza.
— Isso é bom então. Sua avó falou muito sobre você. Mas, que tal você
me contar mais? Não sobre toda a história da família, que já sei devido a tudo
que Esmeralda contou. Quero saber quem realmente é a tal Raquel, que ela tanto
fala.
Olho para o rio e então torno a olhar para ele.
— Não tem muito para saber. Digamos que estou vivendo agora.
— Sempre temos o que contar. Vamos lá. Monte sua biografia, em três...
dois...
Rio.
— Tenho vinte anos, e estou morando em um hotel.
— Que chique. Essa biografia pelo visto vai humilhar a minha. Porém
continue.
— Trabalho nesse hotel.
— Começamos a falar a minha língua.
— Fui meio que expulsa de casa e então o filho do meu chefe deixou eu
ficar no hotel e agora meu próprio chefe autorizou. Acho que é só. Eu disse que
não tinha muito para dizer.
— Do que gosta? E sua vida amorosa? Vamos lá! Duvido que não tenha
tanto para dizer sobre você.
— Gosto de tudo que me faça sorrir naturalmente. Gosto de comer sem
medo, e também aprecio o frio. Descobri que gosto também de cores mais
escuras e de usar maquiagem. Quero fazer faculdade, e também descobri outra
coisa: gosto de organizar tarefas, verificar as coisas para ver se estão em ordens,
mexer com números, estar sempre em dia com tudo. Gosto da parte
administrativa. Descobri trabalhando neste hotel. E sobre minha vida amorosa,
comecei ela agora. Estou namorando.
— Uau. Viu só, como tem coisas para contar? E acredito que a faculdade
que quer fazer é administração.
— Sempre tive dúvidas, mas agora é... Acho que é isso sim — respondo
animada.
— Pela sua animação é isso mesmo.
— Agora é sua vez.
— Vixe, minha história dá um livro. Não conheci meus pais. Eu vivi em
um orfanato até os meus dezoito anos, logo após, com um custo que eles
forneceram, saí de lá e busquei abrigo e emprego em todos os lugares. Trabalhei
como garçom, dançarino de boates, e não tenho vergonha de dizer, que até me
prostituí. Porém, o tempo passou e toda essa vida não estava me levando a nada.
E eu precisava encontrar algo fixo. Então consegui um emprego em uma fazenda
próxima, e fiquei um tempo por lá e entrei para faculdade, só que o dono da
fazenda morreu e os herdeiros me mandaram embora e venderam as terras do
pai. Voltei à estaca zero, e com a preocupação de ter que trancar a faculdade.
Mas sua vó saiu espalhando que precisava de um funcionário que ajudasse nas
tarefas em geral, o salário seria bom. Não pensei duas vezes e me candidatei. Ela
me contratou na mesma hora, disse que eu era inteligente e tinha um rosto
bonito, e ela estava cansada de ver apenas rostos feios e de velhos, pois bastava
o dela, e foi assim que vim parar aqui. Antes mesmo dela vir morar aqui, eu já
trabalhava aqui.
— Nossa! Estou sem fôlego com toda essa trajetória. E a faculdade,
continuou?
— Sim. Terminei. Sou veterinário, mas aqui não tem muitos animais,
então atendo os das fazendas e sítios da cidade, e trabalho aqui ajudando sua avó
com tudo.
— Desculpa perguntar. Qual a sua idade?
— Trinta e dois anos.
— Que história! A minha se tornou nada.
— Não diga isso. A história de todos tem importância, pois cada um sabe
o caminho e as dores que enfrentaram. O que para mim pode ser pouco, para
você pode ter sido muito.
— Verdade. E a vida amorosa?
— Não tenho ninguém. Nada contra relacionamentos, mas não encontrei
a pessoa certa. Então é um sexo aqui, outro ali... Porém, algumas mulheres têm
preconceitos por saberem quem eu fui, e outras querem apenas sexo, pelo
mesmo motivo. Nesta cidade, as notícias correm.
— Uma hora vai aparecer uma pessoa especial, que não vai ligar para
quem foi, até porque é passado, e mesmo que fosse sua realidade, não cabe a
ninguém julgar. As pessoas precisam parar de pensar que são Deus!
— Concordo. Eu fiz a merda de te julgar hoje e me arrependo.
— Já passou. Agora entendo ainda mais a proteção que tem por minha
avó.
— Queria protegê-la mais, mas não deixa. Sua avó é doida! Sai
distribuindo dinheiro para todos que pedem, e muitos contam histórias dignas de
novelas mexicanas, e no final, é tudo invenção. As pessoas se aproveitam por ela
ter boas condições. Porém, tenta dizer qualquer coisa a ela...
— Minha avó sempre foi assim. Papai ficava bravo também. Mas Deus
sabe que ela faz de coração e que, se alguém pede na maldade, ela não tem
culpa.
Ficamos conversando sobre várias coisas e ele me conta todas as
loucuras que minha avó já o colocou.
Retorno para casa e minha avó está ainda preparando o jantar. Parece que
está fazendo comida para um batalhão, mas não irei questionar.
— Gostou do que viu?
— Sim. Continua lindo aqui. — Sento na cadeira.
Ela mexe na panela, que está no fogão, e abaixa o fogo. Lava as mãos e
se vira para mim, encostando-se à pia.
— Sua inquietude está me deixando louca. Após o jantar, nós sentaremos
na varanda, e então contarei tudo o que desejar. E tenho certeza de que poderá
dormir com muito mais tranquilidade esta noite.
— Vó, eu não vim apenas em busca de respostas. Senti sua falta também.
— Claro que sentiu. Sou maravilhosa.
Sorrimos.
Fico olhando para ela e não resisto, corro para seus braços e a abraço.
— Oh, que amor! Amo tanto você, pequena.
— Também amo a senhora.
Ela acaricia meu cabelo.
— Tudo dará certo.
— E se tudo der errado?
— Se tudo der errado, então recomece, porque temos muitas histórias
para contar de nossas vidas ainda. Enquanto respirarmos, existirá novos
recomeços.
Sinto como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa
É como se eu acabasse de sair
Quando estava indo tudo bem
E eu sei exatamente porque você não poderia
Vir junto comigo
Isto não era o seu sonho
Mas você sempre acreditou em mim
—Michael Bublé “Home”
Raquel Pereira
Entro na casa e vou para o meu quarto. Deito na cama e fico ali chorando
baixinho. Não sinto raiva, mas sinto tristeza por terem me escondido algo
importante sobre tudo o que vinha vivendo. Converso com Deus, o único que
nunca me escondeu nada, ou me desamparou em algum momento. Ele é o único
capaz de compreender o que sinto dentro de mim, e a vontade que tenho neste
momento é de não voltar mais, e de dar um reset em minha vida para começar
tudo do zero. Tenho a sensação de que voltar será o mesmo que encarar tudo o
que me esconderam mais uma vez. E tem tristezas que não queremos sentir duas
vezes. Talvez se eu tivesse com raiva, seria mais fácil de curar. Mas é tanta
tristeza sendo acumulada durante anos, que parece que essa foi a quantidade
exata do que faltava, para meu coração se apertar de vez. Foram vinte anos de
uma parte importante da minha vida sendo escondida. E agora me sinto culpada
também, porque de uma forma ou outra, julguei também minha mãe em
pensamentos. O “se” não sai da minha mente.
Se tivessem me dito a verdade antes, será que eu conseguia ajudá-la?
Se tivessem me dito a verdade antes, será que eu seria diferente?
Se... Se... Se...
Impossível não focar nisso. Somente quem já teve sua história toda
alterada, em questões de minutos, sabe do que falo. Sabe o que sinto. A dor para
cada pessoa é encarada de uma forma. Atitudes como a da minha avó Elenice,
para uns poderia ter sido nada. Mas para a minha mãe foi tudo. Eu poderia ter
sido como ela, mas Deus nunca permitiu. Lembro-me da frase de Roberto
Shinyashiki, que minha tia Noemi me disse um dia: “É importante entender que
o sofrimento quase sempre é uma opção individual”. É verdade. O sofrimento é
uma opção individual. Cada um o encara de um modo. Cada um oculta sua dor
de um jeito. Minha mãe escolheu o dela, bem péssimo, mas foi a sua maneira de
talvez diminuir as humilhações pelas quais passou.
Agora há pouco acabei de te deixar
Frio na barriga
Será que tá fazendo o que eu tô pensando?
Não
Me trocou por um fulano
Não acredito me trocou por um fulano
Como é possível acabar com nossos planos?
— Thaeme e Thiago “Em poucos dias”
Téo Lima
Desde que saímos da casa dos meus pais, eu estou com um misto de
ansiedade e nervosismo. Meu pai quis conhecer tudo o que fiz, e hoje. Não tive a
chance de adiar. E foi melhor assim. Pelo menos acaba logo essa tortura
sentimental que vem há tempos me consumindo. Deixo a Catarina em seu
quarto, enquanto mostro tudo a ele.
— Vai enrolar muito para abrir essa porta? Consegue fazer mais drama
do que sua mãe!
Ele retira minha mão da maçaneta e então faz todo o “serviço” sozinho.
Abre a porta sem cerimônia e tateia a parede até que encontra o interruptor e
acende a luz. Encosto no batente da porta e ali eu fico. Levo minhas mãos aos
bolsos da calça e observo atentamente seu caminhar. Meu coração não está
calmo. Porra, depois de anos brigando por isso, agora ele quer conhecer, é óbvio
que eu ficaria nervoso.
Caminha lentamente observando as imagens nas paredes. Parece que o
tempo está em câmera lenta. Estou ansioso para questioná-lo sobre sua opinião,
mas me contenho. Devo ter puxado a ansiedade de minha mãe também. Merda!
Ele começa a olhar as imagens nos quadros do chão, e para próximo as que tirei
da Raquel — ainda não coloquei na parede, pois quero um lugar especial — e
um sorriso surge de seus lábios. Retiro as mãos do bolso e cruzo os braços,
fazendo o mesmo com as pernas. Estou agoniado. Preciso de uísque e charuto.
Preciso de comida. Preciso de qualquer coisa que encerre este maldito
nervosismo.
Começa a ir em direção as imagens de uma viagem que fiz para Dubai.
Retratei as pessoas que ali vivem. Captei a naturalidade de cada uma delas.
Quando se fala deste lugar, as pessoas têm na mente riquezas, e eu queria fugir
disso. Busquei olhares puros, e gestos humildes. Todas as fotos foram
autorizadas pelos “modelos”, porque imaginei que, se um dia eu fizesse qualquer
exposição, elas estariam na lista para mostrar a todos.
Ele me olha e sua expressão é de surpresa. Sem dizer nada vai até uma
cadeira que deixei, e nela tem uma caixa preta. Está aberta e foi um convite para
ele retirar o álbum de dentro. Quando abre, parece que o meu coração vai saltar.
Nunca mostrei a ninguém, e quando digo isso é realmente ninguém. Ele abre e
começa a olhar com uma grande paciência cada imagem. Não resisto e me
aproximo. Apoio uma mão sobre o encosto da cadeira, e ele me olha
rapidamente, e torna a olhar o álbum.
— Quando tirou essa? — pergunta sorrindo.
— Foi quando o senhor retornou da viagem da Itália com a mamãe, e foi
diretamente ao hotel, pois soube que mais uma funcionária havia se demitido e
feito um escândalo por minha causa.
— Claro, me recordo agora. Lembro que fiquei bravo, pois estava com a
câmera e ficou fazendo fotos. Pensei que fosse brincadeira.
— Seu estresse o torna um bom modelo.
Sorrio.
Na foto, ele está puxando a gravata para retirá-la, enquanto a outra mão
está agarrada aos cabelos, que agora noto estar em menor quantidade. Estou
fazendo o homem perder os fios grisalhos. Porém, culparei Hannah.
Ele passa para a imagem seguinte e meu sorriso se alarga.
— Que bela imagem. Ela já viu?
— Nunca ninguém viu essas fotos... Até agora.
— Muito linda mesmo.
Samira estava grávida de cinco meses. Se achando enorme, e se irritava
por tudo. Recebi a ligação de sua mãe, que estava aqui na cidade, e me
confessou que não sabia mais o que fazer, porque a filha só chorava. Lembro que
eu iria para mais uma viagem. Cancelei na mesma hora, e fui até ela. Pedi para a
mãe dela sair, e ela o fez. Ficamos apenas nós dois. E eu sabia do que ela
precisava. Deixei que me xingasse, insultasse e até me desse uns tapas. Quando
toda sua raiva passou, pedi para entregarem todas as besteiras que ela gosta de
comer — o médico soube e quase me matou — e ela se deliciou, me negando
tudo, como sempre. Então tomou banho e colocou um vestido amarelo, justo,
que marcava bem sua barriga — ela engordou muito na gravidez —, e ela se
olhava no espelho enquanto sorria e chorava, alisando a barriga, e sem que ela
percebesse registrei o momento e guardei aquela emoção que ela sentia. Captei
aquele instante de calmaria. E desde aquele dia tripliquei minha paciência
quando se tratava dela. Sempre fomos muito amigos, antes de mais nada, e
Samira sempre foi muito sentimental, e na gravidez, o único a entender seus
choros, e suas iras, era eu. E pelo visto até hoje.
Ele olhou a outra foto, onde Hannah experimentava o vestido de noiva.
Feito sob medida. Eu a presenteei com ele, para o filho da puta fazê-la sofrer.
Mas não me desfiz da foto, porque aquele olhar, e o sorriso que ela exibia
enquanto alisava o vestido, faria qualquer um acreditar no tal felizes para
sempre. Até eu acreditei. Ela viu que eu tirei a foto, insistiu para ver como havia
ficado, mas não deixei, iria para a retrospectiva que a empresa contratada faria
no casamento, mas não houve a festa e tampouco mostrei a foto. Não queria e
não quero que ela lembre que algum dia acreditou naquele infeliz. Ela sofreu
muito, e não merece voltar a sofrer. Faz pouco tempo que o machucado em seu
coração parece ter melhorado e estar se fechando, e não quero que ele se abra
mais para doer novamente.
As seguintes fotos são da Catarina fazendo caretas, dormindo, ou fazendo
gracinhas e algumas de minha mãe sendo dramática até mesmo nas fotos.
Restando apenas um espaço vazio no álbum.
— Todas as minhas pessoas especiais estão aí.
— Falta uma, não? Tem até um lugar sobrando. — Fecha o álbum e o
coloca novamente na caixa.
Entendo a quem ele se refere e sorrio.
— Sabe, você tem me surpreendido. Cumpriu com sua palavra sobre a
Raquel, não a fez pedir demissão. Se apaixonou e pelo visto é bem sério desta
vez. Falou pessoalmente com Natanael sobre ocupar seu lugar no hotel. E
mesmo eu viajando fui informado que manteve o hotel sob controle.
Natanael foi o informante, tenho certeza.
Ele continua:
— E agora vejo isso. E só penso: Por que diabos não jogou essas fotos na
minha cara de uma vez? Meu filho, são perfeitas. Confesso que me controlei em
muitos momentos para não chorar. Pude sentir as emoções registradas nelas. Em
algumas, tive a curiosidade para saber o que a pessoa pensava, para estar com
aquela expressão. Téo, como eu pude prendê-lo deste talento por tanto tempo?
Talento, não. Isso é um dom.
O nervosismo, que vinha acompanhado da ansiedade, some, dando lugar
a alegria. Como eu desejei ouvir isso por anos. Eu poderia ter largado tudo há
muito tempo, e seguido com o que eu amava, mas não queria sem ter a
aprovação dele. Sempre busquei ter o apoio, e sua admiração. Eu queria ser um
orgulho para ele. E hoje, eu compreendo isso. Eu necessitava de sua atenção.
— Obrigado.
— Eu que tenho que agradecer. Obrigado por largar o hotel e provar que
fez o certo.
Puxa-me para um abraço. Meu pai nunca teve jeito para essas
demonstrações de carinho comigo. E é emocionante vê-lo tentando ser mais
solto quanto a isso. Com tapas leves em minhas costas, e um abraço bem
apertado, sou eu que controlo as emoções desta vez.
Nós nos afastamos.
— Vou te ajudar. O filho de um amigo lida com essas coisas de
exposições, eventos, tudo coisa grande. Trabalha para famosos, e já fez muita
gente desconhecida se tornar muito famosa. Quero que você tenha destaque. As
pessoas precisam ver toda essa maravilha.
— Pai, só quero poder seguir com isso. Não procuro fama.
— Tudo é uma consequência de nossas ações. Deixe eu ajudar, e se a
fama vir, apenas agradeça. Não pedi por fama, e olhe o que o hotel fez com
nosso sobrenome. Então apenas faça o seu melhor, e deixe as consequências
deste ato acontecerem.
Concordo com um gesto rápido da cabeça.
— Nesta viagem de negócios que fiz, falei com o pai dele. E me contou
que o filho está em Londres. Vou conseguir um encontro com vocês. O rapaz é
muito ocupado e sua agenda superlotada, mas darei um jeito. E confie em mim,
esta semana ou vai para Londres, ou este homem vem para o Brasil.
— Mais uma vez...
— Papai! — O grito da Catarina, faz com que eu saia às pressas. Meu pai
me segue.
— Pequena? — chamo por ela me aproximando de seu quarto.
Ela aparece na porta.
— O que houve, meu amor? — Abaixo à sua frente, procurando por
qualquer coisa.
— Estou com fome.
— Quer me matar do coração? Porra! — esbravejo nervoso.
— Vou contar para a mamãe que falou palavrão.
— Não vai não!
— Pensamos que era algo grave, Cate! — meu pai diz a ela.
— E é! Mamãe sempre diz que a fome é algo grave.
Levanto e respiro fundo. Sério, ela quase me matou do coração.
— Comeu bastante na sua avó, e ainda está com fome?
— Sou pequena, mas tenho uma fome enorme! — Estica os braços para
intensificar seu drama.
Meu pai sorri.
— Tome um banho primeiro, e depois pedimos pizza.
— Eba!
Entra animada no quarto e pega suas coisas para tomar banho.
— Vou indo. Curtam a pizza. Amanhã vai em casa?
— Acho que não. Vou sair com a Catarina, depois levá-la embora, e
talvez eu dê uma passada na boate.
— Almoce em casa. Assim ficamos mais tempo com ela.
— Certo.
— Juízo os dois.
— Tchau, meu anjo — ele diz a Catarina.
— Tchau, vovô. — Ela dá uma piscadinha para ele.
Quero você.
Raquel Pereira
Téo Lima
Raquel Pereira
Téo Lima
Merda!
Eu preciso ver a Raquel, mas também preciso ir nesta viagem.
Coloco o celular no bolso e tento focar em estar presente mentalmente
para a minha filha, e não apenas fisicamente. Depois irei resolver isso.
Raquel Pereira
Minha avó disse que iria dar um jeito no chalé que tem aqui, pois estava
uma zona e receber um rapaz que iria pegar umas coisas para doação. Em minha
caminhada pelas terras dela, encontrei Benjamin e resolvemos que ele iria me
ensinar a montar em um cavalo. Resultado: duas quedas apenas para tentar subir,
mas por sorte ele me segurou em uma delas, na outra acabei machucando ele, e
fomos os dois para o chão, com ele amortecendo a queda. Agora estamos na
porta do estábulo, nos protegendo da chuva, porque despencou do nada. Ele
disse que é normal aqui na cidade estar um lindo sol, e do nada vir a tempestade.
Porém, antes de fugirmos para nos protegermos aqui, acabamos nos molhando e
muito.
— Meu Deus, olha essa chuva. E o Raio, como será que está?
Seu cavalo chama Raio, porque, segundo Benjamin, o cavalo te
surpreende quando menos espera.
— Ele sabe se cuidar. É mais esperto que nós. Os animais conhecem a
natureza, e sabem cada sinal que ela envia.
Ele tira o chapéu e deixa pendurado em um gancho na parede. A égua
Linne relincha e Benjamin a acaricia.
— Essa por outro lado não é fã da chuva. Na verdade, não é fã de
ninguém além de sua avó.
Sorrio, olhando o animal de pelagem marrom se afastar do Benjamin.
— Realmente não gosta de você.
— Pois é. Dizem que sou ogro, ela deve ter ouvido.
— Não é ogro. Só é sério demais.
— Não sou sério.
Sorrio e viro olhando para fora.
— Está frio! Quero voltar para casa.
— E eu ir para a minha.
— Mora em que lugar?
Ele para do meu lado.
— Sua avó me cedeu a casa que seria do caseiro. Não é longe. Fica
depois do lago.
— Lembro dela. Precisou de uma boa reforma, né?
— Sim.
Ele sorri. É bom ver este homem sorrindo. Pois em grande parte vive
sério e, às vezes, é assustador.
— Acho que vou enfrentar a chuva, porque não está com cara de que vai
passar tão cedo. Estou ficando com muito frio.
— Não tem muito relâmpago, acho que conseguimos.
— Conseguimos?
— Não vou deixar você retornar sozinha. Se cair e se matar por aí, sua
avó me mata.
— Nossa, que conforto. Deus é mais!
— Realidade, menina. Realidade!
Faço o sinal da cruz, e beijo minha correntinha.
— Consegue correr? — pergunto.
— Está me perguntando se consigo correr? Porra, é pra me ofender?
Olho sem entender e assustada.
— Desculpa, não queria...
— Raquel, pelo amor de Deus! Não precisa me pedir desculpas por tudo
que falo. Foi um modo de dizer. Eu disse que me chamam de ogro e não é à toa.
Vamos.
Saio correndo, e começo a rir. Ele corre me passando, e fico boquiaberta.
Nem me afastei muito do estábulo e já estou sem fôlego. Deus, que péssima
ideia.
— Não acredito. Vamos, Raquel! — ele grita.
— Péssima ideia. Péssima ideia!
Consigo me aproximar dele, que está parado.
— Sedentária.
— Não minto. Sou mesmo. Vamos andando mesmo. Já estamos
molhados.
— Tudo bem.
Seguimos andando e acabo lembrando de quando tomei banho de chuva
com meu pai sem minha mãe saber. Foi aqui. Estava cheio de lama como hoje, e
começamos a jogar um no outro. Eu ria muito. Me diverti bastante naquele dia,
até que mamãe chegou do mercado com suas regras.
Fujo das lembranças, e continuamos a caminhada em passos mais rápidos
agora, e evitando passar por baixo das árvores, por questão de segurança. Mas já
era de se imaginar que o azar do meu dia estava pouco, apenas caindo do cavalo.
Acabo escorregando na lama e sou levada ao chão. Benjamin para rapidamente
para me socorrer.
— Está tudo bem? — pergunta visivelmente preocupado.
— Acho que sim. Pareço inteira ainda.
Ele me olha feio, e balança a cabeça em negativa. Então me ajuda a
levantar com cuidado, deve estar achando que me quebrei. Me apoio nele para
ter certeza de que tenho firmeza nas pernas, e que não irei para o chão mais uma
vez. Olho para ele e sorrio.
— Está tudo certo.
Téo Lima
Fico parado observando a cena e pedindo para ser coisa da minha cabeça.
Eles não notam minha presença. Raquel estava no chão, não vi como aconteceu,
agora ele está segurando sua cintura, enquanto ela se apoia nele. Ele a observa
demais. E ela dá um sorriso e então diz algo.
Só pode ser brincadeira essa merda!
Me aproximo, e estão tão entretidos que continuam sem me notar. Levo
as mãos ao bolso da calça. Estou encharcado, assim como eles. Ela usa um short
jeans e uma camiseta branca. Estão sujos e, pelo visto, bem íntimos. Ele acaba
olhando para frente e me nota. Ele a solta, mas continua me encarando.
— Pois não? — ele indaga.
Então ela me olha e arregala os olhos.
Está assustada. Porra, não faça isso. Não piore a raiva que estou
tentando a todo custo controlar.
— Podem continuar. Não quero atrapalhar o momento de vocês. Eu vim,
porque achei que fazia falta, mas pelo visto estava bem enganado. Mas é como
dizem, colhemos o que plantamos.
— Você é? — o infeliz questiona.
— Quem eu sou? Quem eu sou, Raquel?
— Deus...
— Está enganada. Não sou Deus! Quer saber, esquece, porra.
— Téo. Você não disse... Não disse que v-viria.
Está nervosa. Se atrapalha com a palavra. Começa a tremer pelo frio ou
pelo nervosismo.
— Cara, já entendi tudo. Porra, é ridículo dizer isso, mas não é o que
pensa. Estava levando ela para a casa.
— Não estou pensando nada. Na verdade, nem quero. E para você é Sr.
Lima.
Ela se afasta do homem e olha para ele.
— Benjamin, este é o Téo, meu namorado. E Téo, este é o Benjamin.
Esse é o tal Benjamin. Porra, isso só piora.
— Quer que eu te leve? — pergunta a ela.
— Eu levo ela. Não precisa da sua companhia, já teve ela por perto
durante muito tempo!
Raquel me olha e pisca rapidamente. O Infeliz me olha e sorri. Vou socar
a cara desse filho da puta.
— Não. Está tudo bem. Se encontrar minha avó, diga que fui para casa.
— Certo. Qualquer coisa, se precisar de mim...
— Porra, ela já disse que não precisa! — Dou um passo e Raquel se
coloca na minha frente.
— Está tudo bem, Benjamin. Obrigada.
Fico observando os dois e minha vontade é de ir embora daqui. Não
tenho paciência para toda essa merda.
Ele concorda e se afasta.
— Vamos sair daqui — ela pede.
Não digo nada. Apenas sigo ela.
Elisângela Pereira
Irei faxinar a casa hoje. Faz tempo que não faço isso e será uma boa
distração. Mente vazia é oficina para o diabo. Subo com o balde, vassoura, panos
e produtos. Estou acostumada a fazer isso, então é prático carregar tudo para o
segundo andar. Coloco tudo no corredor e vou em todos os cômodos, abrir as
portas e as janelas. Entro em meu quarto, em seguida no de hóspede e depois no
dela. Abro a janela e o sol do lado de fora é belo, obra Divina.
Olho para a cama, do jeito que ela deixou. Caminho até o criado-mudo
onde tem um terço de madeira com a cruz de metal e sua Bíblia. Abro seu
guarda-roupa e suas roupas estão lá, roupas estas que ela não usa mais. Fecho as
portas, e olho aquele espaço vazio, sem sua presença. Ela era minha companhia,
minha única companhia.
— Ela faz falta, não é?
Sobressalto-me e viro rapidamente observando a figura baixa, de cabelos
negros e barba, parada à porta.
— O que faz aqui? Eu disse que não o queria nesta casa.
— Sou seu irmão, e tenho a chave.
Ele entra e se senta na cama. Cruzo os braços e o observo.
— Vocês precisam uma da outra.
— Não. Se ela precisasse da mãe, não teria ido com um qualquer — sinto
um amargo na boca ao dizer isso.
Ele sorri e ajeita a postura.
— O que aconteceu para ficar assim? Essa não é você, minha irmã. Cadê
a Eli, que era supermoderna e bem-humorada?
— Sério que está me perguntando isso?
Puxo a cadeira e me sento inconformada com sua pergunta.
— Como me tornei assim? Quer mesmo que eu te lembre? Vocês me
fizeram assim.
— Não diga isso.
— É a verdade e você sabe. Quando eu era espancada sem motivos e
caluniada por nossa mãe, vocês nunca fizeram nada. Quando todos me
humilharam da pior forma e tive que sair da cidade, também não fizeram nada.
Todas as vezes que sofri, nunca fizeram nada por mim. Então não ouse vir me
perguntar por que hoje sou assim.
Sinto um nó na garganta e uma dor interna. As lembranças são terríveis.
— Está bem, confesso que eu errei. Mas estou aqui pronto para ajudá-la.
— Não quero sua ajuda. Agora é tarde demais.
— Não é. Ainda tem tempo para mudar toda essa história. Vá atrás da
sua filha e mostre arrependimento sincero.
Rio com raiva.
— Arrependimento? Não fui eu que escolhi abandonar a mãe. Depois de
tudo que eu passei, ainda voltei para cuidar da nossa mãe. Eu estive lá, quando
ninguém queria. Mas, quando eu precisei, vocês não estiveram. Raquel era a
única que sempre esteve comigo, e vocês tiraram isso.
— Minha irmã, ela ficava porque tinha medo. Ela estava ao seu lado, por
não ter escolha. Não existia felicidade ali! — diz com nervosismo.
— Eu sempre fui abandonada! — grito. — Sempre fui humilhada,
espancada e ninguém esteve ao meu lado. E quando pensei que isso tinha
mudado, fui traída por minha própria filha.
Levanto nervosa e enxugo a lágrima solitária que escorre por meu rosto.
— Por Deus, ela nunca te traiu! A sua necessidade por carinho e
companheirismo é tão grande, que criou uma ilusão de que ela estava feliz ao
seu lado. Só que ela permanecia porque morria de medo. Você fez da vida dela o
que nossa mãe fazia com você!
— NÃO! Eu nunca fiz! — grito nervosa. — Ela me queria por perto. Ela
precisava de mim. Eu perdi meu esposo, e agora minha filha. A vida sempre quer
me tirar tudo. Começou pela minha alegria, e atingiu as pessoas que estavam ao
meu lado.
Ele se levanta e para à minha frente.
— A vida não te tirou nada. Você afastou sua filha. Olhe a sua volta, e
veja que sempre tenta nos afastar.
— Porque agora é tarde para vocês mostrarem serem bons irmãos.
— Me perdoa se não fui o melhor irmão. Me perdoa se me calei quando
poderia te defender. Eu já disse que assumo esse erro. Mas você também precisa
assumir que está errada. Não pode continuar assim. Deixe a luz habitar em você.
Não permita que a escuridão com mágoas do passado domine seu coração.
Olho para ele e não consigo mudar o que penso. O mundo me fez ser
assim. Cresci levando pancadas da vida e das pessoas que deveriam me dar
carinho e apoio.
— Dê a outra face para essa amargura. Sua filha te ama, e vai te perdoar.
Não repita a história do passado.
— Eu não queria que ela fosse julgada e humilhada como fui. Eu não
queria que ela tivesse que fugir como eu fiz. Eu... Eu não queria, mas a vida e
todos vocês me deixaram assim. Ninguém esteve comigo quando precisei. Mas
ela e o pai estiveram, e agora não tenho mais eles. Tenho apenas Deus e ninguém
mais.
Lágrimas escorrem por meu rosto sem parar. Não posso continuar
guardando isso. Dói muito.
— Eu sei... Eu realmente sei tudo isso. Uma mãe jamais iria querer
coisas ruins para a filha, mas também jamais faria da vida da filha um inferno
como foi a sua, com o perdão da palavra. Raquel não era feliz com aquela vida,
mas também não pode ser agora com a mãe fingindo que ela não existe. Não
cometa o mesmo erro que eu e nossas irmãs cometemos e até sua ex-sogra. Não
seja nós. Estou aqui para te ajudar, porque você precisa de ajuda.
— Não preciso! Eu não preciso de ninguém.
— Precisa sim. Tudo pelo que passou, e todas as mágoas que vem
guardando apenas estão te destruindo mentalmente, e fisicamente. Talvez esteja
com depressão, não sei, minha irmã, mas precisa de ajuda. Deixe-me fazer isso.
Não estou aqui como padre, mas como seu irmão.
Ele tenta me abraçar, mas me afasto.
— Vá embora. Já é tarde demais para tudo isso. Vá e não volte mais.
— Elisângela, por favor...
— Vá embora!
— Está bem. Eu vou, mas irei voltar quantas vezes eu achar necessário.
Um irmão não deve abandonar o outro. Eu fiz isso e não farei mais. E saiba que
rezo todos os dias para que toda essa bagunça termine. A sua filha te ama. Eu e
suas irmãs te amamos. Você é amada, mesmo estando desse jeito. Deus também
te ama, e te quer sorrindo, e junto de sua filha vivendo em harmonia.
— Ela foi embora porque quis.
— Você deu uma escolha a ela!
— E ela escolheu ir.
— E você pode escolher trazê-la para perto e mudar toda essa situação.
Mas antes mude esse coração, porque sei que no fundo existe amor e luz. Não
use mais da religião como um escudo. Deixe esse fanatismo absurdo para trás.
Deus não quer nenhum fanático, ele quer pessoas com sinceridades, e dispostas a
amar e perdoar na mesma intensidade. Você precisa de ajuda e sabe disso. Se não
quiser falar comigo, fale com Deus, procure um psicólogo. Procure ajuda, e não
tenha vergonha disso. Só saia dessa escuridão.
— Vá embora!
Ele não diz mais nada e se retira.
Sento na cama e choro. Não tem mais o que ser feito. Não mais.
Raquel Pereira
Ô, linda!
O que é que você faz pra ser assim tão linda?
Quando se olhar no espelho, diz assim
Tô linda!
Não sei o que dizer pra te ganhar ainda
Mas o começo pode ser assim
— Projota part. Anavitória “Linda”
Raquel Pereira
Benjamin acabou nos dando uma carona até o salão, por pura pressão
mesmo. Estou com bastante medo da minha avó. Ela está animada demais para
essa transformação. Foi a primeira a descer do carro e está me esperando
animada. Olho para Benjamin, em busca de socorro.
— Sinto muito, se vira. A última vez em que estive no seu lugar, terminei
com uma tatuagem na bunda.
Olho incrédula.
— Brincadeira.
— Não teve graça!
Ela bate no vidro e sou obrigada a abrir a porta.
— Vamos, querida. Hora da diversão.
— Vó, só pega leve. Não me faça passar vergonha. Por favor.
— Jamais faria você passar vergonha. Sou um anjo.
Olho uma última vez para Benjamin, que diz:
— Boa sorte. Se precisar fugir, saiba que não tem como. Ela persegue.
Olho feio para ele.
Minha avó me puxa e por pouco não caio. Fecho a porta e Benjamin sai
dali. Meu Deus, me ajude! Ela enrosca o braço no meu e entramos no salão, que
tem a placa dizendo que funciona todos os dias da semana, exceto feriados. As
pessoas nos olham, e um homem vem nos atender.
— Dona Esmeralda, que bom que veio.
— Nunca mais feche isso para reformas, Vicent. Fui no salão da rua de
baixo e a mulher é uma rapa...
— Vó! — Ela dá de ombros e larga meu braço.
O homem me olha e sorri.
— Veja só... Neta? Isso é novidade. Que rosto mais angelical.
— Obrigada — respondo timidamente.
— Amei quando ligou hoje cedo reservando... Em cima da hora, sabe...
— Ele sorri.
— Bom, o importante é que eu liguei.
— Sim. Da última vez surgiu aqui sem avisar e exigiu um horário. — Ele
arqueia a sobrancelha para ela.
— Sou preferência. Tenho idade avançada. Cada segundo conta. E chega
de papo. Vamos ao trabalho.
— Certo. O que vai ser desta vez?
— Quero meu cabelo azul-escuro. Unha das mãos e pés bem-feitinhos.
— Certo. Vamos fazer um teste de mecha antes.
— Sem problemas. — Ela sorri animada.
— E para ela, unha das mãos e pés, sobrancelha, cabelo e depilação.
— O que deseja, minha linda?
— Não sei. Por mim, deixaria o cabelo assim, mas é difícil negar algo a
minha avó.
Ele sorri.
— Tem que renovar, meu bem. Iluminar mais esse cabelo sem vida.
— Sua avó tem razão. Precisa de um corte mais jovial, algo com
repicados e uma franja.
— Não quero mudar a cor do cabelo.
— Certo. Então podemos fazer algo sutil, mas que dê um up. Morena
iluminada? Talvez. Combinaria bem. — Ele mexe no meu cabelo. — Tirar pouca
coisa do comprimento. Está com pontas duplas, temos que cuidar disso. Nunca
mexeu em seu cabelo?
— Não.
— Coitada. Nunca mexeu em nada.
— Vovó...
— Calei.
— Certo. Vamos transformá-la em uma jovem ainda mais bonita.
Cuidarei pessoalmente de seu cabelo, e as meninas vão cuidar do restante. Terá
um dia de princesa.
— E eu?
— Deixarei outra pessoa tão boa quanto eu para cuidar da senhora.
— Acho bom.
Meu Deus, que eu não saia correndo de desespero. Aperto o crucifixo da
minha correntinha.
Téo Lima
Raquel Pereira
Ontem, dormi assim que terminei de falar com o Téo. Agora já estou
pronta para retornar à cidade. Já tomei café e Benjamin está me esperando do
lado de fora. Já levou minha mala. Não pude deixar de me admirar no espelho
enquanto me arrumava. Amei meu cabelo, a cor está mais viva e muito mais
brilhante. Minhas sobrancelhas e unhas me agradam muito. A depilação deixou
minha pele mais macia. Sinto-me um pouco mais segura depois de renovar.
Parece levantar a autoestima. Agora entendo o que minhas tias diziam...
— Querida, se precisar voltar, não pense duas vezes. Faça o que o seu
coração mandar. Não tenha medo. Lute pelo que sabe que é certo. Confie em
Deus e vai ser tudo maravilhoso.
— Obrigada, vó. Prometo voltar logo para te visitar. E vê se aparece na
cidade também.
— Pode deixar. Agora se cuida, minha princesa. Não deixe essa luz que
se acendeu dentro de você, apagar. E perdoe a todos nós, por termos ocultado
tudo isso. Fomos egoístas também.
— Tudo bem. Hoje compreendo que todos nós podemos errar. Jamais
seremos perfeitos.
Ela concorda.
Benjamin buzina.
— Vá, ou ele te deixa aqui. Esse homem não tem um mínimo de
paciência. Te amo, meu amor. Me ligue sempre.
— Ligarei. Te amo, vó. Eu deixei meu número anotado no papel que está
ao lado do telefone.
— Certo. Se alimente bem. Tome cuidado. Não exija muito de você
mesma. — Suspira. — Te amo muito.
— Pode deixar.
Abraçamo-nos. Eu jamais enjoarei disso. E então ela deixa um beijo em
minha testa. Leva-me até a porta, e sorrio para ela, antes de entrar no carro.
Agora preciso cuidar de um problema, que não posso mais fugir. Que Deus me
ajude e muito.
Eu gosto é daquele cafajeste
Aquele que não liga
E que não me merece
Que só faz coisa errada
E que me enlouquece
Chega, faz e acontece
— Thaeme e Thiago “Cafajeste”
Raquel Pereira
PLANTÃO CELEBRIDADES
“AFFAIR NOVAMENTE?”
Olho as fotos e sinto meu coração acelerar. Téo está com a cantora em
diversos momentos do evento em Londres e realmente são eles na porta do hotel,
que aparenta ser bem luxuoso. E tem as fotos de quando ela esteve no Brasil e o
tal beijo que aconteceu aqui. Entrego às pressas o celular para Hannah.
— Viemos, assim que vimos, para te contar, ou procurar um meio de
fazer isso. E também explicar que, às vezes, esses sites inve...
— Tem fotos — falo sentindo um gosto amargo na boca.
— Mas apenas as fotos antigas são comprometedoras — Natanael
comenta. — Ele poderia apenas ter levado a moça ao hotel e foi embora.
— Por isso Mel e Talita estavam rindo — afirmo.
— São duas idiotas e invejosas. Raquel, ele jamais trairia você. Fez
merda sabendo que a mídia adora uma oportunidade de dizer coisas absurdas,
mas Téo jamais faria isso — Samira diz sentando-se ao meu lado.
— Tentei falar o dia todo com ele, e não consegui.
— Não pense besteiras. Quisemos te mostrar para explicar, que os sites
de fofocas, às vezes, são cruéis — Hannah fala.
— Elas estão certas, querida. Quando chegaram aqui e contaram o
ocorrido, estávamos procurando um jeito de sermos nós a dizer isso a você.
Porque além da mídia, ou seja, os sites de fofocas, as pessoas, como as
funcionárias daqui, podem ser maldosas.
— Só foi neste site?
— Em internacionais também. Ela é famosa demais. Esteve sumida, mas
parece que voltou com tudo.
— Mas nos internacionais disseram que são amigos. Que fontes
confirmaram isso — Samira diz e Hannah sorri, porém é falso.
— Deixe eu ver.
— Pra quê? Não precisa — Samira fala e se levanta.
— Deixa eu ver. Se disseram o contrário desse site brasileiro, quero ver.
— Está bem... — ela digita no celular e então me entrega.
Olho a notícia e é de um site de Londres.
— Viu? Dizem que são amigos! — Natanael diz, puxando o celular da
minha mão, achando que provavelmente não entendo inglês.
— Eu sei falar inglês, ler, escrever, o que for! O título já diz muita coisa.
Eles alegam também que pode ser um retorno do casal, e que desta vez esperam
que não escondam que houve algo.
Natanael suspira.
— Não fique assim. Amanhã tente falar com ele. Qualquer coisa, Samira
vai atrás dele e o esbofeteia, se você quiser!
— Por que eu? Vai você, Hannah. Se eu for, não vai prestar. Terá morte,
por ele ser cabeça-dura e esquecer que quando falam dele, nunca é para coisas
boas.
— Disseram que, às vezes, a mídia mente, mas estão querendo bater
nele? Será que mentiu? — questiono.
— Não ligue para nós duas. Somos loucas — Samira diz, caindo sentada
ao meu lado novamente.
— Obrigada por se preocuparem. Só quero ficar sozinha. Boa noite.
— Raquel... — Levanto sem deixar que Natanael me impeça.
Sigo para o quarto de onde eu nunca deveria ter saído. Só queria ter um
dia inteiramente bom. Sem qualquer problema ou preocupação.
Com o seu batom
Eu escrevi uma mensagem no banheiro
Esse boato que eu te traio é verdadeiro
Está lá escrito toda minha confissão
Lê com atenção
Eu descrevi cada detalhe com quem te traí
Só lá no fim cê vai saber com quem me envolvi
— Maycon e Vinicius “Moça do espelho”
Raquel Pereira
Desde que subi para o quarto, estou bem agoniada. Samira e Hannah
bateram na porta, mas fiquei quietinha. Só quero ficar sozinha neste momento, e
deixar o nervosismo que estou passar. Porém, sei que será difícil, já que estou
buscando pelo nome da cantora na internet, e só aparece sobre as últimas
notícias, na qual ela e o Téo estiveram juntos no evento em Londres e
relembrando o passado deles. No site que olho neste momento, é um estrangeiro.
Tem fotos deles sorrindo, se abraçando, ao que parece conversando, bebendo
juntos. Porém, são as fotos deles entrando no mesmo táxi, e entrando em um
hotel que alegam que ela está hospedada, que me deixam nervosa. Não quero
criar conclusões precipitadas, mas essas imagens não estão ajudando. Não devo
julgar apenas por elas, preciso ouvir o que ele tem a dizer, entretanto não ter
conseguido falar com ele o dia todo, também não ajuda. Estou muito
preocupada, e nunca me senti desta forma, nem quando as meninas do hotel
falam sobre ele. É diferente. Sinto medo, e não queria mais sentir isso em
relação ao Téo.
Saio do site, e entro no WhatsApp — ainda é estranho lidar com tantas
coisas assim —, e a última vez que ele entrou teve um bom tempo. Não
respondeu minhas mensagens. E tampouco retornou as ligações. Deixo o celular
de lado, porque só está piorando a situação. Ligo a TV, porque o sono não existe
agora. Coloco um pijama, apago a luz e me enfio debaixo das cobertas. Fico
assistindo a um filme que está passando, e acabo me distraindo um pouco. Ainda
me sinto estranha, fazendo coisas que antes pareciam impossíveis, como ver um
simples filme.
Acordo com o celular tocando sem parar. Ainda estou desnorteada por
acordar dessa forma. Olho no aparelho de TV, e são quatro horas da manhã. Meu
Deus!
O celular continua tocando sem parar. Pego-o, esfregando os olhos. É o
Téo. Sinto um friozinho na barriga, e então tudo o que vi nos sites vem com uma
tremenda rapidez a minha memória. Ele continua insistindo na ligação. Resolvo
atender.
— Oi.
— Sei que são quatro horas da manhã aí. Porém, só vi suas chamadas e
mensagens agora. Minha internet esteve uma merda, e deu problema no chip,
tive que resolver. Só conseguiram arrumar agora.
— Entendi.
— É sono ou está realmente estranha? Sua voz não é apenas de sono.
Se ele não tocar no assunto, também não irei dizer nada. E se tocar, eu
deixarei para resolver pessoalmente. Muito melhor do que por telefone.
— Vou fingir que seu silêncio é porque está com sono. Eu não teria como
ligar mais tarde, pois tenho a reunião daqui a pouco e não sei a hora que vai
terminar, e provavelmente retorno ao Brasil em seguida.
— Tudo bem. Só queria saber se estava bem — e é totalmente verdade
isso que digo. As ligações e mensagens foram para isso.
— Amor... Vou fazer de tudo para voltar ainda hoje. Vai depender da
reunião.
— Ok.
— Saiba que eu te amo. Agora vou te deixar dormir. E obrigado por
avisar nas mensagens, que Natanael está bravo por eu não ter tirado minhas
coisas. Isso já me prepara para quando eu chegar. Beijos.
— Beijos. E boa sorte na reunião.
— Obrigado. Descanse, e qualquer mudança de planos te aviso.
— Tudo bem. Até.
— Te amo.
— Eu também, Téo... Eu também. — Desligo e fecho os olhos.
Foi bom não ter dito nada, e nem ele ter tocado no assunto, talvez ainda
não tenha visto as notícias. Por mais chateada que eu esteja, quero que ele foque
na reunião, para se sair bem, e não no que está espalhado em todos os sites.
Coloco o celular no lugar e rezo para que dê tudo certo a ele, e para que
Deus conforte meu coração, tire os pensamentos ruins que estão me
assombrando. Porque até pesadelo tive, e acordei com sua ligação, o que deixou
minha mente ainda mais confusa.
Téo Lima
Saio dali com o contrato em mãos. Irei ler e analisar tudo. Mas o
importante que o primeiro passo foi dado. Entro no táxi e dou o endereço do
hotel. Aproveito para enviar uma mensagem a Raquel e dizer que voltarei hoje,
só preciso falar com a agência de viagens. Mas tem uma mensagem do Rogério,
que me impede de enviar qualquer coisa a ela. Ele enviou um link dizendo:
“Porra, não é nada besta”.
Abro o link e, pela foto, já sei o que é. Leio a matéria e fico puto.
— Caralho! Bando de cretinos. Merda.
O motorista me olha rapidamente. E torço para que não compreenda o
português.
Desta vez, estão dizendo que passei a noite no quarto da Anny e fomos
vistos aos beijos no hotel. Essa merda não aconteceu assim!
Guardo o celular no bolso e respiro fundo. Lembro como tudo aconteceu:
Sento-me no balcão do bar. Está lotado. Existem apenas famosos no
lugar. Cumprimentei alguns que conhecia, e depois que fiz algumas fotos, fugi
para cá.
Bebo um gole da minha bebida. Estou irritado, porque meu celular não
está funcionando, e só poderão resolver amanhã.
— Isso é uma miragem?
Conheço muito bem essa voz. Viro-me para o lado direito e lá está ela
sorrindo.
— Anny Cold, quem é viva sempre aparece!
— Téo Lima! — cumprimenta-me com um beijo no rosto e um abraço.
Anny Cold é uma cantora pop inglesa, que faz muita fama, porém deu
uma sumida tem um tempo. A última vez que a vi foi no Brasil. Tivemos um
momento passageiro. Estávamos no mesmo lugar, e acabamos nos conhecendo e
rolou. Ela é uma das mulheres mais loucas que conheci.
Senta-se ao meu lado e pede uma bebida.
— Nossa, quem diria que eu o encontraria aqui.
— Fui convidado pelo Saulo Ramirez.
— Olha só. Eu agora o tenho como empresário. Cansei do meu antigo, e
chutei o traseiro dele para bem longe.
Sorrio.
— Andou sumida até da mídia.
— Sim. Foi bom para descansar um pouco e preparar meu novo álbum,
videoclipes, e claro a próxima turnê. Mas o que estava calmo virou correria.
Novo empresário significa repensar tudo.
— Então, teremos suas loucuras sendo divulgadas novamente? —
provoco.
— O mundo não vive sem mim. Sou a alegria de todos. E vamos torcer
para que alguma música se torne hit.
— Sei. Acho que não faço parte desse mundo.
— Idiota!
Rimos.
Assim que sua bebida chega, ela dá um gole.
— E você, como está a vida? O que faz aqui?
— Minha vida está bem. Vim para uma reunião com o Saulo.
— Hum... E a vida amorosa? Diga-me que está uma droga, porque a
minha é de chorar, e ouvir as pessoas dizerem que a delas é ótima fere a minha
humilde alma.
— Vou ferir sua humilde alma. Está ótima!
— Merda! Conte tudo. Estou entediada de ouvir apenas pessoas falando
sobre shows, roteiros, gravações. Quero assuntos de verdade. — Bebe mais de
sua bebida e faço o mesmo com a minha. — Voltou com a mãe da sua filha?
Lembro que falou que tinha uma menininha.
— Não! A mãe da minha filha morreria solteira, ao voltar comigo. Estou
namorando outra pessoa.
— Que viva a sortuda. Conheci e provei o conteúdo... mas existem
melhores, confesso!
— Obrigado pela parte que me toca.
— De nada — ironiza. — Eu continuo saindo com algumas pessoas, mas
nada sério. Ninguém me afeta de verdade. Sabe que gosto também de mulheres,
e porra, está complicado para os dois lados.
Rio.
Percebo quando alguns fotógrafos tentam disfarçar, mas fazem fotos de
nós dois.
— Sinto muito pela risada. Mas foi inevitável.
— Sente nada!
— É, não sinto.
— Babaca. Sabe, senti falta de você. Fez-me rir muito quando estive no
Brasil.
— Te dei meu número.
— E eu troquei de celular e número. — Dá de ombros. — Gosto de
pessoas assim, sinceras, divertidas. A vida de famosa cansa também. — Ela
levanta e ajeita o vestido preto todo brilhante e curto. Usa um casaco vermelho
também, aberto.
— Espero que sua namorada não se importe com os idiotas que estão
focados na gente.
Olho de relance e respiro fundo.
— Já havia notado.
Ela bebe o restante da bebida e faço o mesmo. Pedimos mais uma.
— Vou ao banheiro e já volto. Guarde meu lugar, e a bebida.
— Vou pensar no seu caso.
— Se eu retornar, e não tiver feito o que falei, eu te mato. Já viu a finura
do meu salto? Enterro ele em seu olho.
— Já pensou em ser atriz de filmes de terror ou máfias?
— Fui convidada para um de terror. O diretor ficou com medo, porque
fui muito realista no teste.
Ela vai até o banheiro e entregam as bebidas. Continuam fazendo fotos.
Tenho certeza de que vão mostrar o que querem e não o que devem.
Assim que retorna, voltamos a beber e a conversar. Rimos das histórias
que ela conta, e dos micos que sempre passa. Paro na segunda bebida, mas ela
continua bebendo sem parar, e já se nota o quanto está ficando alegre demais.
Vai se levantar e quase cai, então seguro-a.
— Acho que exagerei.
— Acha? Quando não exagera em algo?
— Quando é para cantar. Tem que ser corretinho, não posso exagerar. —
Reviro os olhos. — Preciso ir... Opa, minha bolsa ficou... Onde ficou?
— Não veio de bolsa.
— Verdade. Usei o local secreto para guardar o cartão, dinheiro e o
celular. O que... — soluça. — O que me faz lembrar que esqueci o documento.
— Não vou querer saber onde é este lugar.
— Vai, me ajude a pedir um táxi. Dispensei o meu motorista e segurança.
— Anda dispensando muitas pessoas.
— Shhh! — Cutuca meu peito.
Começo a sair com ela do evento, cuidando para ela não cair a cada vez
que tropeça. Peço um táxi assim que chegamos ao lado de fora.
— Ui... — Quase cai novamente, mas seguro. — Passei o dia sem comer.
Eu deveria ter imaginado... — soluça. — Mas precisava me distrair. Os últimos
dias foram estressantes demais. É bom relaxar e se entregar a um bom papo e
diversão... Claro com moderação, o que esqueci hoje. — Ela ri.
O táxi chega e ela entra.
— Quer saber, vou te acompanhar.
— Ainda estou consciente.
— Mas não está em condições de se defender ou pedir ajuda, caso algo
aconteça.
— Ótimo. Vai pagar o táxi, já que deseja ser babá.
— Meu Deus! Anny Cold, minha filha é sua fã — o taxista diz animado.
Entro no táxi e fecho a porta.
— Que belo exemplo para a filha dele.
— Babaca!
— Pode dar um autógrafo?
— Claroooo! — prolonga a fala.
Porra, meu destino é cuidar de pessoas bêbadas? Ele entrega um papel e
caneta que tira do casaco.
— Consegue fazer seu autógrafo? — provoco.
— Quer que eu faça com a unha bem na sua cara?
— Calma, nervosinha.
Ela sorri.
O motorista diz o nome da filha e ela escreve no papel. Tenho pena dessa
garota ao tentar ler.
— Sabe o endereço do hotel?
— Claro! Estou um pouco bêbada, apenas.
— Está andando e caindo.
— Eu caio sem ter ingerido álcool.
— Fato. Lembra que caiu na piscina, quando foi ao Brasil? — digo
sorrindo.
— Não me lembre disso. Apaga esse passado horrível.
Ela passa o endereço e o motorista dá partida. O homem conversa sem
parar e diz não acreditar estar com ela em seu táxi.
— Desculpe, mas são namorados?
— Eu que bebo e o homem que faz perguntas loucas! — Olho feio para
ela, que dá de ombros.
— Não somos namorados — declaro.
— Entendi.
Assim que chegamos ao hotel, pago o táxi e o homem faz uma foto com
ela. Ajudo Anny a subir até seu quarto. Mulheres correm tanto risco, que não me
perdoaria por deixá-la vir bêbada e sozinha para o hotel, e tornando o risco
ainda maior.
— Está entregue. Não faça nada de loucuras. Consegue tomar banho?
Quer que eu chame alguém?
— Relaxa. Minha irmã está no quarto ao lado. Chamarei ela se precisar.
Obrigada. E adorei te ver novamente.
— Também gostei de te ver.
— Até qualquer outro encontro, babaca! — Ela beija meu rosto e sorri.
— Até, maluca. Se cuida.
— Sempre!
Saio dali e pego outro táxi.
— Senhor?
Olho assustado para o motorista.
— Chegamos ao destino.
— Obrigado. — Pago a corrida e entro no hotel.
A primeira coisa que faço é ligar para a agência de viagens. Consigo
mudar a data do meu retorno para hoje. Porém, tenho que ser rápido, para chegar
ao aeroporto. Envio uma mensagem a Raquel e minto dizendo que não
conseguirei retornar hoje, então estarei lá apenas domingo. Quero surpreendê-la.
Ela responde dizendo que tudo bem e que torce para que a reunião tenha sido
boa.
Arrumo rapidamente minhas coisas.
Raquel Pereira
Todos os quartos estão bagunçados. Natanael não vai gostar disso. Vou
até o elevador e aperto o botão. Não demora e ele chega. As portas se abrem e
Talita e Solange, duas das camareiras, me olham, analisando-me dos pés à
cabeça.
Talita para na porta, segurando o elevador enquanto Solange sai com o
carrinho de limpeza.
— Olha só... Não foi burra. Bastou dormir com o filho do dono para
conseguir posses. Mudou o visual, e agora não precisa de uniformes. E pelo visto
veio conferir se fizemos nosso serviço. Foi bem esperta. Enganou a todos com
seu jeito de santa.
Respiro fundo. Era só o que faltava para acabar com o meu dia. Será que
ter um dia completamente maravilhoso é impossível ultimamente?
— E veja só, botas de marca. Bestas fomos nós, Talita.
Elas riem.
— Com licença! — peço incomodada.
Passo por elas e entro no elevador.
— Pode sair? — questiono Talita, que apenas gira o corpo, mas continua
impedindo o funcionamento do elevador.
— Conta para a gente, como foi aplicar esse golpe? Passa as dicas,
amiga!
Ela realmente consegue me deixar nervosa.
— Não somos amigas. Agora, com licença! — Aperto o botão, mas ela
continua impedindo.
— Olha, seja como for, saiba que se abrir a boca para o Natanael sobre
não termos arrumado os quartos, eu tornarei a sua vida aqui dentro um inferno.
— Olhe a hora! Ele tem toda razão de ficar bravo — falo inconformada.
— São 11h30, garota! Não tem ninguém para ficar nestes quartos agora
— Solange retruca enquanto mexe no cabelo.
— Dane-se. Se abrir a sua boca, vou fazer da sua vida um inferno — o
tom da Talita é firme.
Sinto uma raiva tremenda. Meu estômago chega a revirar de nervoso. E
acabo dizendo sem qualquer medo:
— Um dos privilégios de namorar o filho do dono, é poder fazer com que
sejam demitidas. Se eu contar ao Téo ou Natanael, e pior, ao senhor Augusto,
sobre essa ameaça, as coisas ficarão bem complicadas para as duas.
— Negamos tudo! Será sua palavra contra a nossa — Solange diz e ri.
— E qual palavra vai valer mais? A da namorada do filho do dono, e
amiga do Natanael, ou a de vocês?
Ambas me olham feio.
— E saibam que vou dizer ao Natanael que nenhum dos quartos, que
deveriam arrumar neste andar, estão organizados. Agora, com licença!
Talita se afasta, cruza os braços e diz nervosa:
— Isso não vai ficar assim, garota!
As portas se fecham e encosto no canto, apoiando uma das mãos na barra
de ferro. Que nervoso. Não gosto desse sentimento, mas a Talita consegue me
tirar do sério. Ela e a Pietra conseguem ser as piores nas provocações.
Não o encontrei pelo caminho. Deve ter conseguido elevador assim que
entrei na sala. Chego à porta do quarto e abro. Mas sou rapidamente puxada para
dentro e pressionada contra a porta. E então ele me rouba um beijo delicioso.
Seu corpo pressiona o meu. Seu piercing desliza pela minha boca causando
ondas intensas de prazer pelo meu corpo. Seus beijos são sempre tão intensos,
mesmo os mais calmos. Seu modo de me segurar, a força com que pressiona meu
corpo... Eu simplesmente consigo esquecer os problemas por um instante.
Afasta-se, deixando-me um pouco desnorteada.
— Pronto. Agora podemos conversar. — Sorri vitorioso.
— Isso não foi justo!
— Sou o Senhor Pecado. Jogo sujo, às vezes — provoca.
— Como entrou? Esqueceu-se de pegar o cartão comigo.
— Peguei na recepção.
— Como sabia que eu aceitaria conversar com você e aqui?
— Porque eu mereço a chance de me explicar por toda essa merda, e
você sabe disso.
Suspiro e passo por ele, indo até a cama onde me sento, deixando o
cartão no criado-mudo.
— Téo, quando vi aquilo tudo não queria acreditar e ainda não quero...
Sei que já teve muitas mulheres, mas você estava longe e...
— E eu jamais trairia você. Eu nunca traí a louca da Samira, por que
trairia a minha Santinha? Aquilo foi tudo suposição equivocada da mídia.
— Téo, você esteve no mesmo hotel que ela — digo tentando ser calma e
paciente neste momento.
— Primeiro de tudo. Vou te contar como tudo aconteceu e depois você
decidirá se me condena ou acredita na minha palavra.
— Não condeno a ninguém, Téo.
— Foi um modo de dizer.
— Eu sei.
— Enfim... Eu estive naquele evento e encontrei a Anny. Conversamos, e
ela acabou bebendo muito, não o suficiente para ficar inconsciente, mas o
bastante para eu não permitir que fosse embora sozinha. Existem pessoas ruins, à
espera de uma simples oportunidade de ferrar alguém. E então decidi
acompanhá-la até o hotel que ela estava. Fomos de táxi. Deixei-a no hotel, na
porta de seu quarto e nem sequer entrei. Nos despedimos e peguei outro táxi e
fui embora para o hotel que estava hospedado. Nada mais aconteceu, eu te juro.
Seu tom foi sério ao contar isso. Seu olhar ficou o tempo todo fixo ao
meu. E em nenhum momento existiu nervosismo em suas falas.
— É que vocês já tiveram...
— Foi passado. Foi pura coincidência nos encontrarmos. E só para você
saber, ela não tem atração apenas por homens, e disse na minha cara que já
esteve com melhores.
— Ah... — Fico sem jeito pelo que ele diz.
— Amor, eu jamais trairia você. Posso ser a porra de um cretino, mas se
estou em um relacionamento, jamais trairia.
— Então o tal do... — tenho até dificuldade em dizer. Faço uma pausa e
continuo: — O tal do beijo foi... Foi mentira?
— A única verdade do que a mídia disse, foi sobre o meu passado com
ela, três anos atrás. Nesta época, nos beijamos sim como mostraram, e rolou
coisas a mais que não é justo ficar expondo, e também negamos tudo, mesmo
com eles afirmando... Porra, como poderia pensar que eu te trairia?
— Porque, ao que parece, teve muitas mulheres. E uma vez meu tio
comentou sobre você querer o proibido. E se eu fosse apenas o proibido em sua
vida, e depois de conseguir, não quisesse mais? — pergunto chateada com tudo.
— Raquel, você é a proibida que eu jamais devolveria, mesmo sob pena
de morte.
Aproxima-se, abaixando entre as minhas pernas.
— Eu só quero você. Acredite em mim. Esses sites sempre vão procurar
coisas mentirosas para dizer. Algumas notícias não posso dizer serem mentiras,
mas outras são.
— Foi horrível ver tudo aquilo. Samira, Hannah e Natanael tentaram me
ajudar, mas não resolveu. Ontem eu estava muito chateada, e com medo. Você é
a única coisa boa que aconteceu em meio a toda essa bagunça da minha vida, e
não queria que isso mudasse. Já estou passando por muitas mudanças, mas nós
dois eu queria que continuasse do mesmo jeito... — me emociono.
— Primeiramente, lembre-me de matar esses fofoqueiros. Agora sei
quem mostrou tudo a você. E segundo, não pense nisso. Eu sempre vou estar
com você, mesmo quando estiver longe. — Enxuga as lágrimas que escorrem em
meu rosto. — Confia em mim?
— Você sempre foi sincero comigo. Só não quando quer fazer surpresas.
— Suspiro. — Confio sim.
Ele sorri lindamente.
— Que bom ouvir isso. Porque tem uma coisa que quero mudar na nossa
relação.
Olho sem entender.
— O quê? — questiono preocupada.
— Vem morar comigo. Sai desse hotel. Fica com esse belo homem?
— Téo, já sabe a minha resposta.
— Poxa, já passamos quase todos os dias colados. Qual seria a diferença?
Se quiser, pode ficar no quarto de hóspedes, e claro que seria o que fica ao lado
do meu. — Dá uma piscadela e acabo sorrindo.
— Não é certo...
— Santinha, já fizemos tudo de trás pra frente mesmo. Vem ficar na
minha casa, lá poderei cuidar melhor de você e ter seu cuidado. Sou muito
carente — brinca.
— Pare com isso. — Afasto-o e me levanto.
Ele se levanta também e sorri.
— Vai rejeitar morar com esse homem que aceitou te ajudar? Este
homem que aguenta o pai elogiar mais você do que a ele? Este homem bonito
pra caralho, que fez de tudo para voltar logo de uma viagem, apenas para te ver?
— Dramatiza e acabo rindo.
Ele se ajoelha à minha frente e começo a rir sem parar.
— Téo... Levanta daí!
— Raquel, aceita morar comigo? Ajoelhei bonitinho.
Continuo rindo. Ele segura a minha mão.
— Esse pobre homem implora por isso.
Agarra as minhas pernas e minha barriga chega a doer de tanto rir.
— Perdoou o Senhor Pecado, sendo que poderia desconfiar eternamente.
Mas rejeita morar com o Téo? Sim, sou duas faces e já experimentou ambas e
posso garantir que gemeu em todas... — Seu olhar muda.
Sinto meu rosto queimar.
— Levanta, seu maluco!
Ele faz isso e começo a controlar meu riso.
— Me perdoou mesmo, amor?
— Sim. Já disse que não sabe mentir para mim, exceto quando faz
surpresas. Fui uma tola por me preocupar — sou sincera nas palavras.
— Não foi. Eu no seu lugar ficaria também. Depois do episódio do sítio,
compreendi que a confiança entre nós dois precisa ser a base desse
relacionamento.
Concordo.
— Te amo, Téo. Como jamais pensei em amar outra pessoa além da
família e Deus.
— Eu também te amo, Doçura! — Olho feio para ele, que ri. — Para não
perder o costume.
— Vai retirar suas coisas do quarto que ocupava. Eu vou voltar ao
trabalho e você descanse, depois quero que me conte sobre a reunião e contarei
como foi com a minha mãe.
— Está bem, senhorita mandona.
Beija levemente meus lábios e me abraça por um tempo.
Pego o cartão da porta e caminho até ela, mas antes de sair digo:
— Sim.
— Que é senhorita mandona? Não precisa nem concordar.
— Sim, Téo!
Ele franze o cenho e então surge um sorriso em seus lábios.
— Sério?!
— Muito sério. Com você, eu quero tudo. Chega de ter medo!
— Porra! — diz eufórico.
— Olha a boca, Téo!
Ela caminha em minha direção, mas saio às pressas, com ele gritando
meu nome e eu rindo. Entro no elevador junto com alguns hóspedes que me
olham sem entender, e acabam sorrindo, por me verem sorrir, ou por eu estar
parecendo uma doida.
Realmente, toda história tem dois lados. Não posso jamais me esquecer
disso.
Téo Lima
Já são quase sete da noite. Dormi um pouco mais, e tomei outro banho.
Tinha algumas roupas aqui no hotel. Tirei todas as minhas coisas do quarto que
ocupava, e levei para o meu carro junto com as da Raquel, antes que ela mude de
ideia. Por sorte, a minha grande esperança desta vez ela aceitar morar comigo,
foi tão grande que vim com o carro que uso para sair com a Catarina, ou viagens,
por ser mais espaçoso, e assim caber suas coisas.
Minha antiga sala irei limpar amanhã, já falei para o Natanael, que assim
que me viu quase me matou, só não sei se pelas notícias falsas ou pela sala...
Talvez, tenha sido pelos dois. Mesmo com medo de que ela não quisesse me
ouvir, ainda tinha um pouco de esperança, e por sorte ela ouviu e acreditou. Eu
nunca a trairia. A amo muito para tal coisa, e se fosse ao contrário, preferiria
terminar a relação a trair. Estou à espera dela do lado de fora do hotel. Ela avisou
que iria se despedir do Natanael e já vinha.
Não demora e aparece sorridente.
— Téo, podemos passar rapidamente na igreja? Desde que cheguei, não
falei com meu tio, e preciso avisar sobre a minha mudança.
— Porra, e disse que me perdoou? Quer entregar minha cabeça ao seu
tio?
— Não diga isso! Ele não é um monstro.
— Com você não é!
— Téo! — fica brava.
— Ok. Vou te levar, mas se ficar viúva, não adianta chorar!
Abro a porta do carro para ela entrar.
Já estamos na igreja. Ela entrou primeiro para falar com o tio dela na sala
dele. Estou à espera tem um tempo, olhando a imagem da Virgem Maria.
— A senhora foi mãe, me ajude a não morrer, minha mãe precisa de mim
— digo, realmente preocupado. Esse padre não suportaria a sobrinha vivendo
comigo.
A porta se abre e Raquel me chama.
— Adeus, vida — digo e ela revira os olhos.
Entro na sala e seu tio me olha feio. Esse homem não sabe sorrir para
mim? Porra! Caramba, deve ser pecado pensar palavrão dentro da igreja
também. Só falta a punição de broxar retornar por isso, porque ainda acho que
foi punição por ser muito safado.
— Seu padre! — tento soar animado.
— Téo Lima, não sei se vou gostar de saber o que ela tem a dizer!
O clima é tenso.
— Primeiramente, eu e sua sobrinha...
— Estão namorando! Ela disse. Mas também disse que precisa contar
uma novidade além dessa. Não gosto de novidades. Para ser mais explícito, eu
não gosto quando envolvem você.
Ele se levanta e cruza os braços. Abre os dois primeiros botões de sua
camisa preta. Parece estar sufocando. Esse homem é de Deus, não mataria um
pobre homem bonito, né? Abraço a Raquel por trás. Se ele tentar me matar, uso
ela de escudo. Porra, esse homem me assusta. E porra... palavrão de novo!
Seu olhar é fixo em nós dois.
— Então, vão dizer? Estou passando mal já. Deus me ajude!
— Tio, se acalma. O que tenho a dizer é que...
— Está grávida e ela vai morar comigo — brinco para quebrar o clima
tenso.
Um estrondo muito forte acontece. E a queda do homem é livre.
— TÉO, OLHA O QUE FEZ! PORQUE MENTIU? MATOU ELE. —
ela grita indo até o tio desmaiado ou morto, não sei.
Ajoelhamo-nos ao lado dele. Ela checa o pulso do homem, que está
pálido.
— Eu matei um padre? Puta que pariu!
— Téo, respeite o lugar que está!
— Fala isso porque não matou um padre! — grito.
— Por que mentiu? — grita de volta.
— Apenas para descontrair. Eu não poderia imaginar que ele cairia
duro... Droga, péssima escolha de palavras.
— Meu Deus! Chame a ambulância. Agora!
Pego o celular no bolso e começo a discar.
— Tio, fala comigo! — Ela o chacoalha.
Atendem a chamada e peço uma ambulância com urgência explicando
que um padre caiu igual pedra no chão.
— Téo, ele não acorda! Nunca pensei que diria isso um dia. Mas se algo
grave aconteceu a ele, eu mato você!
— EU JÁ DISSE QUE NÃO IMAGINEI QUE ISSO ACONTECERIA,
PORRA! — Estou nervoso.
— Não grita comigo! Olha isso. Vamos ser presos. Téo, o que vamos
fazer? — Ela o abana. — Agora que estou tendo liberdade, irei ser presa. Meu
Senhor! — Está desesperada.
— Já estão mandando uma ambulância, fique calma.
— Calma? Meu tio está caído no chão!
Seguro o rosto dele no ato de desespero e chacoalho.
— Acorde, homem! Já foi punição suficiente. Não irei mais aprontar
essas coisas com o senhor. Sei que fui bem atentado quando mais jovem...
— SÓ QUANDO JOVEM? — ela grita.
— Não atrapalhe o momento aqui. Estou tentando salvar uma vida! —
Largo o rosto dele.
— Você é a mais santa aqui. Tenta o treco de chamar ele e ver se volta à
vida. Foi com Lázaro, que chamou, não foi? Estou confuso. Matei um padre! —
Eu realmente estou muito desesperado.
— Só cala a boca! — pede nervosa. — Téo, ele não acorda. A pulsação
já nem sei se é dele ou minha. Estou nervosa demais. Minhas mãos estão
tremendo. Estou passando mal.
— Não invente de passar mal. Já estou ficando louco, por um. Não
aguentarei por dois.
— Culpa sua! Meu Deus, olha isso. — Ela está ficando pálida.
— Se acalma, Raquel!
— Dizer isso está me deixando ainda mais nervosa.
Esfrego o rosto. Matei um padre! Que merda eu fiz?
E quando o sol chegar
A gente ama de novo
A gente liga pro povo
Fala que tá namorando
E casa semana que vem
Deixa o povo falar
"Que" é que tem?
Eu quero ser lembrado com você
Isso não é problema de ninguém
— Jorge e Mateus “O que é que tem?”
Raquel Pereira
No dia seguinte...
Meu tio acordou, e tivemos que explicar que foi uma brincadeira, e isso
resultou em ele tentar aplicar uma penitência no Téo, mas meu namorado foi
bem esperto e fugiu a tempo, dizendo que buscaria um café. E acabou que meu
tio teve alta e o Téo não recebeu a punição. Mas eu recebi um belo de um puxão
de orelha, nada sutil. E depois do episódio do desmaio, preferi não confirmar que
estou indo morar na casa do Téo. Vou deixar passar uns dias até eu ter certeza de
que ele está mais tranquilo com nós dois. Agora só penso no pedido do Téo. Meu
Deus, aonde eu me meti?
Vai namorar comigo, sim!
Vai por mim, igual nós dois não tem
Se reclamar, cê vai casar também
Com comunhão de bens
Seu coração é meu e o meu é seu também
— Henrique e Juliano “Vidinha de balada”
Téo Lima
Raquel Pereira
Estou no hotel junto com o Téo. Ele precisa retirar suas coisas da sala do
Natanael, ou sinto que meu namorado será gravemente machucado.
— Não vai me acompanhar? — pergunta, enquanto sento em minha mesa
e começo a preparar tudo para trabalhar.
— Não, Téo! Tenho trabalho.
— Vai deixar eu sozinho na sala com o Natanael? Sabe o quanto ele é
perigoso? Ele anda bem estressado comigo.
— Não posso.
— Não estou valendo nada. Tudo bem. — Ele sai e sorrio.
Começo a trabalhar. Respondo os e-mails e organizo algumas coisas. Vou
até o senhor Augusto para que ele assine alguns papéis, e para entregar a lista de
compras.
Preciso buscar as cópias com dados dos últimos gastos, senhor Augusto
precisa com urgência. Para meu azar está me dando umas pontadas no pé da
barriga. Cólica. Não suporto, mas quem suporta?
Vou até a sala do Natanael. Bato na porta e ele pede para entrar. Entro na
sala e tenho a visão do Téo com o charuto na boca e um copo com bebida na
mão, sentado com uma caixa sobre seus pés.
— Pensei que tivesse que recolher suas coisas.
— Ele tem. Mas está me provocando. Eu vou matar esse menino —
Natanael diz nervoso.
— Téo, isso faz mal!
— Quem disse que uísque e charuto fazem mal? — diz com ironia e
reviro os olhos.
— É errado. Peca...
— Olha que está falando com o maior pecador do país. Tome cuidado, ou
farei revelações... — provoca.
— Ele está bêbado? — questiono ao Natanael.
— Não! Ele apenas está sendo a peste que sempre foi. O que deseja,
querida?
— Preciso da cópia dos últimos gastos.
— Claro. Vou imprimir... TÉO, SOME! — ele grita e sobressalto
assustada.
Téo se levanta, deixa o charuto no cinzeiro e bebe o restante da sua
bebida.
— Estava com saudades de atormentar sua vida, meu amigo.
— Não sou seu amigo.
— Claro que é. Vou retirar minhas coisas. Mas iria amar se alguém
ajudasse.
— Não posso. Estou ocupada. — Cruzo os braços e espero a impressora
imprimir.
Ele sorri e começa a pegar suas coisas e pôr na caixa.
— Aqui, querida. — Pego os papéis.
— Obrigada.
Saio da sala e vou até a do senhor Augusto.
— Isso mesmo. Muito obrigado, Raquel. Você é um anjo nesse lugar.
— Só faço meu trabalho, senhor.
— Faz além da sua função. Pode ter certeza de que vai ganhar muito
além.
Sorrio.
— Fui informado de que não está mais no hotel. Arrumou um lugar?
Pigarreio e por pouco não caio, mesmo estando parada.
— É... Precisa de mais alguma coisa?
Ele me olha por um tempo e então diz:
— Não. Pode ir.
Saio às pressas da sala. Por sorte, ele não insistiu no assunto. Prefiro
contar estando junto com o Téo.
“Querida, suas tias vêm amanhã, para ficar o final de semana. Querem ver você
e sua mãe. Acabaram de avisar. Beijos.”
Respondo:
“Que bom! Estou com saudade delas. Amanhã nos veremos. Beijos. Se cuida!”
Raquel Pereira
— Então temos dois convites para almoço grátis, neste belo sábado de
luz? — Téo indaga, e leva a maçã à boca.
— Você é terrível. Temos que decidir o que fazer!
Levo um pedaço de queijo à boca. Assim que viemos tomar café da
manhã, meu tio e a mãe do Téo ligaram convidando para almoçarmos. Para ficar
mais explícito, a Eleonor chamou o filho e pediu para que ele também me
levasse para almoçar na casa dela. E meu tio me convidou para almoçar na casa
da minha mãe, esta que, pelo que sei, nem sabe que as irmãs e o irmão vão
almoçar em sua casa.
— Simples. Comemos na minha mãe, e vamos para a casa da sua mãe
depois, e fazemos o segundo round.
— Téo, você nem convidado foi. — Ele me olha feio e rio.
— Meu amor, eu me convido. E foi muito mal-educado da parte do seu
tio não fazer o convite. Sou um homem muito bom.
— Você quase matou ele — lembro-o e como um pedaço de melancia
agora.
— Acidentes acontecem. E o assunto não é este. Como o assunto da sua
família é sempre mais importante, vamos para lá, e digo a minha mãe que
amanhã vamos almoçar na casa dela.
— Tudo bem. Se não tiver problema. Assim contamos logo a novidade
para todos.
— De que forma vamos contar? — Ele olha para a maçã e sorri. Vai vir
besteira. — Podemos começar com a história da maçã. Dizemos que sou a maçã
do jardim da sua vida, porém com um pecado mais delicioso.
Reviro os olhos e bebo meu suco.
— Ainda não sei por que presto a atenção nas suas loucuras.
— Porque não resiste. Confesse, seu noivo é gato pra caralho, né?
— Convencido também.
Ele dá de ombros e morde a maçã e se levanta. Continuo comendo.
— Vou ligar para a minha mãe e tomar um banho. Avise seu tio que
iremos. Mas antes preciso cortar o cabelo e fazer a barba.
Concordo com um aceno e ele se retira me deixando uma piscadela
acompanhada de um sorriso.
Termino de comer e ajeito a mesa guardando tudo. Descobri que o Téo
não tem cozinheira, e a faxineira vem vez ou outra, já que ele quase não para em
casa. Vive de “besteiras”, porque tem muita coisa que alegraria o mundo de uma
criança nesses armários e geladeira. O Téo é uma criança crescida as vezes, e
gosto disso, me divirto também. Coloco a louça suja na pia e lavo. Assim que
termino caminho pela casa, e vou em direção ao local que o Téo guarda todas as
fotos.
Entro e acendo a luz. As janelas estão fechadas. Não irei abri-las, se ele
deixou assim, sabe o que faz. A primeira imagem que vejo é a minha que ele
tirou e sorrio. Já havia visto. Tem uma cadeira com uma caixa e ela me chama a
atenção. Sou curiosa. Caminho até ela e pego um álbum ali dentro. Sentindo-me
bem intrusa, acabo sorrindo. Mesmo assim abro o álbum e começo a olhá-lo. São
fotografias da família dele. Tem todo mundo, até mesmo a Hannah vestida de
noiva e a Samira grávida. Observo com calma cada imagem e me impressiono
com a delicadeza, e o quanto são tão expressivas. Ele deve ter tirado todas. É tão
bom nisso. Fecho o álbum, e resolvo sair dali, antes que seja pega no flagra.
Ele já havia me mostrado o quarto da Catarina. Mas resolvo entrar e
olhar tudo com mais calma. É tudo muito menininha mesmo. Repleto de
bonecas, princesas e muito rosa. Tem fotos espalhadas dela com a mãe, e dos três
juntos. É lindo ver esta união. Saio dali, e vou para o quarto.
O celular do Téo começa a tocar. Ele deixou na cama. Toca sem parar, e
resolvo pegar para ver. O nome “Rogério” aparece na tela. Continua insistindo
em ligar. Resolvo atender, pode ser algo importante.
— Alô.
— Porra, que voz de mulher, Téo.
— Não é ele, Rogério. — Sento na cama e sorrio.
— Espera, essa voz... Raquelzinha?
— Sim. Ele está no banho. Quer que eu dê algum recado?
— Avise aquele puto, que conto com ele na boate amanhã à noite. Que o
infeliz não visita mais o grande amigo aqui.
— Pode deixar, que avisarei. Não nessas palavras, mas falarei.
— Obrigado, minha linda. E aí, foi boa a manhã? Ele no banho, você
atendendo o celular... — começa a rir.
Sinto meu rosto esquentar.
— Você nunca teve jeito, né?!
— Não. — Ri. — Não esquece de avisar. Até qualquer dia. Beijos, linda.
— Até.
Ele desliga.
Escuto o chuveiro desligar. Deito na cama, ainda estou com sono e muita
preguiça. Que pecado, Deus, nunca fui assim. Não demora, e o Téo sai do
banheiro, com os cabelos molhados, e a toalha envolta de sua cintura.
— O Rogério te ligou. Disse que conta com você na boate amanhã à
noite.
— Garanto que não foi com essas palavras que ele disse, mas obrigado
por avisar.
— Eu confesso que estou ocultando algumas partes. — Sorrimos.
— Vou me trocar e sair para ajeitar a barba e cortar o cabelo. Vem junto?
— Se importa se eu ficar? Estou cansada. Esses dias foram complicados.
Só preciso de mais uma hora de sono.
— E eu achando que era o único feito apenas de sono e preguiça. Pelo
visto, você é igual.
— Em minha defesa estou cansada. Você tem problemas em acordar
cedo. Vou tomar um banho, dormir mais um pouco, antes de irmos. Falou com
sua mãe?
— Sim. E ela vai nos esperar amanhã então.
— Ok. Espero que esses almoços sejam tranquilos.
— Você nunca almoçou, ou teve qualquer refeição com toda a família
junta. E quando digo isso, inclui a Samira e a Catarina que também vão. Não
sabe aonde está se metendo. — Ele ri e vai para o closet.
Vou tomar um banho.
Vejo o carro da minha tia Noemi na porta. Meu coração está bem
saltitante. Da última vez que vi ela e a tia Cássia, eu ainda vivia com a minha
mãe, meu estilo de vestimentas eram outros, meu cabelo também. Tudo era
diferente. Téo para ao meu lado e sorri. Seu cabelo está mais curto, e sua barba
muito bem-feita. Fica lindo de qualquer modo.
— É a sua oportunidade de correr. Só correr. Fugir. Sumir. Podemos ir
para Las Vegas e casarmos lá, com Elvis Presley cantando.
— Quê? Não invente moda.
— Apenas dei ideias. Sou incompreendido demais.
Fico de frente para ele e respiro fundo.
— Por favor, não diga besteira. Não conte mentiras. Deixe a minha
família viver. Não é a melhor do mundo, mas é a minha família. Então, por
Deus, não faça nada que possa levar alguém para o hospital.
Ele passa a língua pelos lábios, exibindo a bolinha prateada. Puxa a
corrente em seu pescoço e me mostra o crucifixo.
— Vim até com crucifixo. Hoje sou um homem puro. Bastante santo.
Anjinho.
Faço careta e olho para o céu.
Pai, sei que tenho falhado contigo. Não tenho ido à igreja, e tampouco
tenho rezado com tanta frequência. Me entreguei a um homem antes do
casamento, e escondi a verdade do meu tio e da minha mãe. Mas hoje, não deixe
que eu pague por tudo com as loucuras do Téo. Por favor, te suplico. Tenho
medo de coisas graves acontecerem.
Olho para o Téo.
— Sua ligação com Deus é boa? Porque estou com uma dúvida tem um
tempo, e seu tio...
— Minha sobrinha mais linda! — conheço muito bem a voz que grita.
Viro em direção a porta e vejo tia Cássia toda sorridente e de braços
abertos.
— Cadê meu abraço? — Vou rapidamente até ela, e nos abraçamos
alegremente.
— Que saudade, tia Cássia.
— Mentirosa. Não foi me visitar, mas a sua avó sim. — Nos afastamos e
sorrio.
Téo para ao meu lado.
— Uau, sua avó comentou que ele era bonitão, mas essa palavra é pouca
para ele... Prazer, tia Cássia, a engraçada, a bonita e com carinha de jovem. —
Ela puxa o Téo para um abraço. — E é cheiroso. Menina, ganhou na loteria. E eu
achando que era bobinha.
Eu poderia sumir agora. A ideia do Téo neste momento parece muito
maravilhosa. Eles se afastam.
— Tia, esse é o Téo, mas já deve saber.
— É um prazer conhecer a senhora.
— Me chame de senhora de novo e arranco esses seus dentes perfeitos.
Vamos entrar. Eu vi vocês pela janela e fiquei pensando o motivo de não terem
entrado ainda.
— E... mamãe?
— Está tranquila... Bom, não muito, mas tranquila. Isso sim é para ficar
assustada.
Sorrimos.
Passamos pela porta e minha tia Noemi e vovó Esmeralda sorriem.
— Minha princesa. Que delícia te ver. — Tia Noemi se levanta e vou até
ela, abraçando-a apertado.
— Como está linda. — Me admira emocionada. — Este é o famoso Téo?
Sua avó estava falando sobre ele.
Olho para a minha avó, que sorri.
— Pois falei mesmo e falo de novo. Bonitão, com uma voz de
enlouquecer, eu tenho que falar.
— Vovó!
Todos riem e Téo cumprimenta a tia Noemi e depois vovó, que o agarra e
quase não solta.
— E o tio e mamãe?
— Estão na cozinha. Seu tio se intrometendo no frango que está no forno
e sua mãe dizendo que ele não sabe de nada. Eu tentei ajudar, mas terminou com
“a casa é minha, e quem ditas as ordens sou eu” — tia Cássia diz e dá de
ombros.
— Vem, Téo, vamos até lá.
— Tem certeza? Não ouviu sua tia?
— Deixe de ser medroso, menino! Ela não morde, só vai dizer que você é
o pecado, coisa e tal — Tia Noemi fala.
— Vocês têm que parar com isso. Não queremos confusões, não é? —
pergunto, como se estivesse falando com crianças.
— Paramos — dizem e uníssono e sorrio.
Deixo minha bolsa no sofá, ajeito meu vestido um pouco curto, e vou até
a cozinha com o Téo me acompanhando. Paro na porta e fico observando por um
instante.
— Tenha a santa paciência, Elisângela. O frango está cru!
— Não está! Ele está dourado, e bem assado. Desde quando você entende
dessas coisas? Vai rezar, que é o melhor que faz. Deixe a minha mente em paz e
sem tribulações. Preciso disso, já que fui informada de última hora sobre esse
almoço com minhas irmãs e a minha ex-sogra, que apareceu do nada, e sobre o
tal meliante que vai vir.
Com toda certeza, vovó combinou com as minhas tias. Nada dela é por
acaso.
— Elisângela! — ele a repreende.
— Estou tentando me acostumar. Não é fácil começar a ser simpática
depois de anos vivendo assim.
Téo cochicha em meu ouvido:
— Acho que ela está falando de mim. Vamos fugir?
Meu tio acaba olhando em minha direção e sorri. Mas assim que olha
para o Téo, parece o resultado de um dia ensolarado que, de repente, fica repleto
de nuvens, ventos, raios e trovões.
— Raquel. — Minha mãe agora me olha, deixando um copo tombar
sobre a mesa.
Meu tio ergue o corpo, e entro de vez na cozinha. Engulo todo o receio,
orgulho e abraço-a. Ela demora a retribuir, mas o faz.
— Boa tarde! — Téo cumprimenta, fazendo um aceno rápido.
— Hum...Você...
— Mamãe, conversamos...
— Vou tentar, mas não posso prometer que vou conseguir. É difícil ainda.
Não estou acostumada com você saindo com este meli... com este rapaz.
— Fico feliz por isso — digo e meu tio sorri.
— Vamos logo almoçar e relaxar. Deus abençoe este almoço — meu tio
diz.
Estamos diante da mesa, e depois da reza feita pelo meu tio, estamos
comendo e conversando. Mamãe diz poucas coisas, mas pelo menos está sendo
mais tranquila, não muito, mas está.
— Então está morando no hotel? — Tia Cássia pergunta.
Mastigo lentamente a comida. Muito lentamente. Téo olha para o meu tio
e para mim.
— Não está mais não. Passei lá, na vinda. O famoso hotel Lima, para
conhecer o lugar que tem como um dos herdeiros o namorado da minha menina.
Mas um tal de Natanael disse que ela foi morar com o Téo, e fiquei surpresa,
mas feliz. Pensei que encontraria minha netinha por lá antes de vir para cá, mas
não aconteceu.
É rápido. O suco que meu tio bebe é cuspido para fora. Mamãe se
engasga com a comida. Tia Noemi olha assustada para a situação. Tia Cássia
bate nas costas da minha mãe, e minha avó continua comendo como se nada
estivesse acontecendo. E eu estou tossindo, porque, assim como minha mãe, me
engasguei. Téo bate de leve nas minhas costas.
— Como é que é? Vocês dois estão... Por Deus, o que ele disse na
igreja... — meu tio começa apavorado.
— NÃO! — Téo e eu gritamos e todos nos olham assustados.
Mamãe e eu estamos melhor e meu tio se limpa, pois foi esperto e cuspiu
para o lado, sem atingir ninguém ou a mesa.
— Vocês estão morando juntos? É isso mesmo?! — mamãe se altera. —
Raquel, isso é demais para mim!
— Eu e minha boca grande... Mas, gente, ela é adulta. Ambos são.
Deixem eles — vovó diz.
— Estou com ela! — Tia Noemi comenta.
— Isso é além do que eu posso aturar. Está vivendo com um homem, sem
estarem...
— Perdão por interrompê-la, mas, na verdade, já estamos noivos — Téo
diz.
Todos ficam boquiabertos, exceto vovó. Olho assustada. Agora tudo
desanda.
— ESTÃO NOIVOS? POR DEUS, EU NÃO POSSO SUPORTAR
ISSO! — minha mãe grita e bate na mesa.
— Como noivos? Raquel, você está grávida? — meu tio indaga.
— NÃO! — digo nervosa. — Não estou grávida. E estamos noivos.
Se for para ter confusão, que seja completa. Cansei de sempre aturar
tudo. Minha avó para, me olha e sorri balançando a cabeça.
— Estou surpresa, mas feliz — tia Cássia fala sorridente. — Parabéns
aos pombinhos.
— Noivos? Como assim? Faz pouco tempo que tanta coisa vem
acontecendo, e eu recebo essa notícia, assim? — mamãe diz e é perceptível a
mágoa em sua voz.
Téo acaricia minha perna por baixo da mesa, e sei que é para
tranquilizar-me.
— Ele me pediu em casamento recentemente e respondi há pouco.
— Agora irei te perder de vez. Deus deu a minha sentença. Ele vai fazer
eu pagar por tudo — ela diz, e sinto uma tristeza.
Minha avó a olha firme. Téo aperta minha coxa e me olha com carinho.
— Não é assim. Isso não é nenhuma condenação. Ela vai se casar, e não
se trancar em uma torre. Não se martirize desta forma, Eli — Tia Cássia diz.
— Todos vão embora. Todos se afastam. E eu sei que este vai ser o modo
dela se afastar. Eu sei disso.
Me controlo para não chorar.
— É muito recente isso, querida — meu tio diz com calma.
— Ela vai casar, e não morrer em um mês. Que isso?! — tia Noemi diz
nervosa. — Que família é essa, que em tudo vê problemas? Tenham a santa
paciência.
Levanto da cadeira, e vou até a minha mãe, parando ao seu lado e assim
me abaixando. Ela se vira e me olha. Apoio as mãos em sua perna. Com ela, a
melhor forma de lidar é com paciência. Mamãe não está bem quanto aos seus
sentimentos. E gritar, surtar, não vai ajudar, mas tenho que ser firme no que falar,
sem deixar me abalar quando ela atacar.
— Eu vou casar com o homem que eu amo. Eu vou continuar sendo sua
filha. E vou continuar sendo sobrinha e neta de todos aqui. — Olho para todos
rapidamente e torno a olhar para ela. — Mas sei o quanto papai te fazia bem, e o
quanto te amava, pois lidou com tudo enquanto pôde. E eu quero viver um amor
que ature todas as minhas manias, alegrias, tristezas, problemas... Eu quero
alguém que esteja comigo até o final, até o último suspiro, meu ou dele, assim
como foi com o papai e a senhora. Eu preciso seguir com a minha vida. Vou
errar, e vou aprender. Sou nova nisso tudo, mas estou empolgada para lidar com
todas as novidades. — Levanto e olho para todos. Téo sorri. — Quero poder ser
feliz, e que vocês fiquem felizes por mim. Porque eu torço pela felicidade de
todos, inclusive a sua, mamãe. — Olho para ela, que enxuga o rosto.
— Isso aí, querida. Vamos comemorar. Ela está noiva, então vamos
brindar! — tia Cássia grita animada me fazendo sorrir.
— Mas tem que ser feliz com ele? — meu tio questiona, e Téo ri.
— Tem. Ele é um bom homem, e no fundo o senhor sabe disso.
— Sei... — diz emburrado e deixo um beijo em sua cabeça.
Mamãe se levanta e respira fundo. Fica um tempo em silêncio e todos
nós a observamos. Ela aperta o crucifixo em sua corrente e fecha os olhos por
um instante. Assim que os abre, começa a dizer:
— Vou procurar ajuda. Já decidi. Eu preciso começar a cuidar da minha
mente e do meu coração. Eu não estou mais aguentando ser assim. Esses anos
todos, isso tem me feito muito mal. Chorei muitas vezes escondido e implorei
por ajuda Divina. Mas se eu não der o primeiro passo, nada vai acontecer.
Minhas tias ficam alegres, assim como meu tio.
— Que bênção! Deus é tão maravilhoso — titio diz.
— E para comemorar isso também, pedimos perdão a você. Comecemos
em admitir que erramos com você. Mas estamos aqui prontos para o que der e
vier. Um dia fomos uma família que via a dor do outro e tinha medo de intervir.
Que isso acabe hoje. Que, a partir de hoje, tenhamos mais união e sejamos
companheiros um do outro. Que sejamos uma família — vovó fala e todos
sorriem emocionados, assim como eu.
— Eu posso ser um louco as vezes. Em alguns momentos ser estressado,
e em muitos ser safado. Mas eu amo a Raquel, e jamais vou machucá-la. Isso é
uma promessa.
Minhas tias e avó ficam com olhares bobos para o Téo e sorrisos ainda
mais bobos. Mas ele olha para a minha mãe.
— Cuide dela. Proteja-a, e jamais deixe ela se esquecer de quem a
manteve firme até aqui. De quem a fez suportar tudo — mamãe diz e o Téo
concorda. — Ainda é difícil, e está sendo difícil dizer, mas eu... E-eu abençoo a
união. Se ela sorri desse modo com você, e tem esse semblante que nunca a vi
ter, é porque está fazendo bem a ela. Não deixe que ela se torne eu. Tenha
paciência com ela. Às vezes é curiosa demais, e tem vezes que come muito,
parece que a sua fome não tem fim. Ela se emociona fácil. Raquel é a minha
menina, e passei a vida dizendo que sabia mais do que ela, e que eu sabia o que
era melhor para ela, tornei a vida dela um inferno, achando que seria o correto,
fiz ela sentir a dor que eu sentia, fui louca, descontrolada... Eu fui a pior mãe. —
Respira fundo mais uma vez. — Então mostre que ela tem capacidade de fazer
escolhas e decidir o melhor para a sua vida. Seja um príncipe para a Raquel, e
isso será o suficiente para me fazer lutar pela minha melhora.
Sorrio emocionada. E sussurro um obrigada para ela.
— Farei isso — ele diz com firmeza.
Tenho vontade de gritar aos céus por isso estar acontecendo. Deus está
trabalhando. Ele não falha. Ele é tudo de melhor. Ele é Deus!
— Vamos brindar. Com suco, mas vamos brindar! — tia Noemi arranca
risos de todos.
— Abençoo a união. Que Deus abençoe os dois, e que sejam felizes. E
que Ele coloque juízo na cabeça desse menino que vi crescer, e ainda vai me
matar — titio fala e o Téo ri.
— Sou um quase anjo — ele provoca e olho feio para ele.
Téo Lima
Estamos no hotel. Depois do choque que levei pelo espanto na loja, estou
andando até com medo, devido ao anel em meu dedo.
— Venho te buscar depois. Se me ligar e eu não atender é porque fui me
encontrar com o Saulo.
Ontem, enquanto comíamos a pizza na casa dos pais dele, o Saulo ligou
pedindo um encontro hoje. Ele estava cheio de compromissos no domingo e de
qualquer forma seria impossível encontrar com o Téo para resolverem sobre o
contrato. Então vão se encontrar hoje, e o Téo vai assinar. Estou ansiosa e
torcendo muito por ele. Antes de sairmos de casa, rezei muito para que Deus
guiasse ele nessa nova etapa.
— Tudo bem. Boa sorte.
Ele me beija rapidamente e se afasta.
— Cuidado com o anel — provoca, enquanto sai do hotel.
— Muito engraçado! — grito de volta.
Vou para a minha mesa de trabalho e começo toda a minha rotina.
Vamos até a recepção, para ter certeza de que na hora que o homem ligar
ou vir, será Natanael a atender.
Natanael deixa o papel no balcão junto da caneta.
— Nossa, Raquel está pálida. O que houve? — Mayara questiona,
enquanto grampeia alguns papéis.
Olho para o Natanael, e começamos a rir muito. Ela olha sem entender, e
é melhor que assim seja. Mais uma mentira para a minha lista. Eu não gosto
disso. Viro o rosto para a porta de entrada, e alguns hóspedes chegam, e noto que
já escureceu. Nem vi o tempo passar, enquanto avaliávamos o hotel. Logo atrás
dos hóspedes, e futuros hóspedes também, Téo entra vestindo uma calça social
bem justa azul-marinho, e uma camisa branca, com as mangas dobradas até o
cotovelo exibindo suas tatuagens no braço. Os três primeiros botões da camisa
estão abertos, revelando um pouco do seu peitoral. Calça um par de sapatos
claros. Meu coração saltita com essa visão. Ele é sempre tão lindo, bem-vestido.
Pergunto-me se um dia terei uma reação diferente ao vê-lo. Algumas pessoas
olham para ele. Outras cumprimentam. Ele me vê e caminha na minha direção.
Assim que se aproxima, dá um “oi” para Pietra e Mayara. Então leva as mãos à
minha cintura e me puxa de encontro ao seu corpo, e beija meus lábios com
carinho. É um beijo rápido, mas que me faz sentir mil sensações.
— Oi, pequena.
— Oi.
Afasta-se, mantendo um braço contornando minha cintura.
— Oi para você também. Que bom que sou bem visível. Gostei de ver
você também — Natanael diz cruzando os braços e encostando no balcão.
— Quer beijo também? — Téo provoca, e Mayara e eu damos um
sorrisinho.
— Sabe o que realmente me estressa, querida Raquel? Seu noivo!
— Sei que me ama! — Téo rebate e Natanael revira os olhos.
Os hóspedes estão sendo atendidos pelas meninas. Natanael observa eles.
— Pronta para ir? — questiona.
Natanael me olha e fico olhando para ele. Não posso deixá-lo na mão,
quando eu armei a confusão.
— É... Bom. Ir agora? — Téo concorda. — Eu tenho que resolver umas
coisas com o Natanael. Talvez demore. Se quiser ir, depois pego um táxi.
— Por que está com cara de quem aprontou? Na verdade, ambos estão.
Que merda fizeram?
— Nada! — Natanael responde.
— Essa sua cara é a mesma de quando tinha que resolver os meus
problemas. O que aconteceu? Digam, que talvez eu possa ajudar. Sou o mestre
em fazer merdas.
Faço que não com a cabeça para Natanael, mas ele fecha os olhos e
respira fundo. Quando abre, me dá um olhar de pedido de desculpa.
— Acidentalmente entramos em um quarto que tinha um hóspede. Ele
não gostou e vai reclamar. Ficou muito bravo. Estávamos fazendo vistoria, e eu
confundi o número do quarto e acabou gerando essa confusão — Natanael diz.
— Nem pensar. Não vou deixar você mentir por minha causa! — Me
afasto do Téo e ele me olha cruzando os braços. — Eu que confundi o número
do quarto, e entramos. O hóspede estava no banheiro, e quando saiu, deu de cara
com a gente. Ficou muito bravo e nos expulsou do quarto, sem termos a chance
de explicar o erro. Porém, a vistoria no hotel foi ordem do seu pai e começamos
hoje, mas aconteceu essa confusão.
— Não vejo problema. O que tinha de mais? Erros assim acontecem. Ele
está em um hotel, não em...
— Ele estava nu, Téo! Como veio ao mundo — falo de uma vez e sinto
um alívio por isso.
Ele ergue uma sobrancelha.
— Agora eu vejo um problema. Mas dá para resolver — ele diz.
— Isso foi agora. Ele ainda não ligou. Acho que irei ligar e pedir para
que venha até aqui.
— Faça isso, Natanael. Mande ele ir até a sua sala e conversamos com
ele. Me passe o nome dele e os dados da hospedagem.
Natanael liga para o quarto e avisa ao hóspede para que venha até a
recepção, e que vão levá-lo para conversar sobre o ocorrido há pouco.
Téo Lima
Téo Lima
O dia foi corrido. Tentar negociar com o dono do espaço que eu quero
comprar ou alugar, não foi fácil. O homem tem mais dois na frente, e estou me
sentindo em um leilão. Mas não desisto fácil. Tomei um banho rápido quando
cheguei em casa, me troquei, e estava indo ao hotel para levar a Raquel à
faculdade, mas a Samira me ligou desesperada, porque está no hospital com a
Catarina, que parece que se machucou na escola. Não entendi direito, ela estava
apavorada. Não pensei duas vezes, e mudei a rota. Se eu já dirijo como um
louco, tenho certeza de que vai chegar multa em casa desta vez.
Estaciono o carro no hospital que elas estão, e saio às pressas dele. Entro
na recepção e vou até o balcão informando o nome das duas e apresentando a
identidade para comprovar que sou o pai. Informam o andar.
Chego ao sexto andar, na ala da pediatria. Não está cheio, então significa
que não foi um acidente envolvendo fogo, crianças feridas, explosões... Porra,
preciso manter a calma. Eu sei que hoje ela teria um acampamento na escola. As
crianças dormiriam lá, com tudo o que tem de direito para uma noite como na
floresta. Só falta terem levado os animais para essa merda. Que porra eu tinha na
cabeça que concordei e comprei tudo o que ela precisava? Cacete!
Peço informações sobre elas. A recepcionista deste andar faz uma busca
no sistema, e logo informa que estão na sala de radiografia. Isso não está
ajudando. A menina está quebrada?
Sento em uma das cadeiras. Passa desenho na TV. Uma criança começa a
chorar no colo da mãe, que tenta acamá-la. Pego o celular para me distrair e vejo
uma mensagem da Raquel dizendo que foi para a faculdade. Respondo que,
quando estiver saindo, me avise, que buscarei, e aviso onde estou. Começo a
roer a unha do dedo. Porra, ato ridículo e porco para alguns? Pode até ser. Mas
estou agoniado e prestes a surtar. Minha filha vem parar no hospital e não faço
ideia do motivo.
Chamam os pacientes ali, e nada da Catarina aparecer com a Samira.
Levanto e vou até a moça mais uma vez.
— Tem certeza de que estão na radiografia? Estão demorando.
— Senhor, tenho certeza. Deixamos tudo registrado no sistema.
— O sistema erra, porra! — Ela me olha feio.
— Estamos em um hospital. Há crianças aqui, e pais também
preocupados. Então peço que o senhor se acalme.
— Desculpe! Mas pode me dizer como ela estava quando chegou?
— Se acalme. Não posso ficar dando informações assim, por mais que
seja o pai. São normas deste hospital. Somente os médicos e enfermeiros podem
falar algo. Logo ela sai do exame. O que posso dizer é que mantenha a calma, e
em breve vai ter notícias.
Quero estrangular essa loirinha de nariz empinado. Ela sabe que sou um
pai prestes a ter um infarto? Claro que não sabe! Afasto-me e encosto na parede
do corredor. Estou pirando.
Passam-se mais alguns minutos, e parece uma eternidade que estou aqui.
Crianças chegam e saem, e nada da minha filha. Eu vou ser obrigado a dar uma
de louco nesse lugar.
— Papaiiiiiiiiiii!
Enfartei e estou morto. E daqui do céu estou ouvindo minha filha. Tenho
certeza. Braços agarram minha cintura e pezinhos pisam nos meus.
— Catarina!
Abaixo ficando à sua altura. Confiro-a inteirinha, como se fosse um
produto. Levanto seus braços, cabelos... Encontro machucados pequenos nos
joelhos e nas mãos, e um inchaço pequeno na testa. Samira respira fundo e se
senta na cadeira da frente.
— O que houve? — pergunto.
— Mamãe exagerou! — ela diz e sorri. — Eu caí.
— Caiu? Você só caiu?
— Sim. Uma quedinha. Fui correr atrás do meu amigo, estávamos
brincando de pega-pega, mas acabei tropeçando e “ploft”, caí e rolei. Foi
engraçado, papai.
Olho sério para a Samira, que sorri sem jeito.
— Você deu a entender que eu encontraria a minha filha em pedaços. Eu
quase tive um infarto!
Conto de um a dez. Não posso surtar.
— A escola me ligou. Fui buscá-la. Ela estava suja de sangue, chorando...
— Mamãe, não mente. Eu não estava chorando, não. Você começou a
chorar.
Levanto, segurando a mão da Catarina.
— Ela está liberada? — questiono, ainda com muita raiva.
— Sim. Podemos ir.
Ela se levanta segurando o que parece ser o envelope da radiografia.
Passa na recepção, fala algo com a loirinha, que não gostou de mim.
Raquel Pereira
São dez e meia da noite. Acabou a aula alguns minutos mais cedo. Meu
horário é das oito horas às onze da noite. O primeiro dia foi maravilhoso. Estar
aqui é uma conquista muito grande. Minha turma tem bastante senhoras, e achei
lindo de ver. Fizemos apresentações, recebemos as normas do curso. Tiramos
dúvidas, e recebemos nossos horários.
Só consegui verificar a mensagem do Téo quase agora. E estou
preocupada. Saio junto com a grande quantidade de alunos. A temperatura caiu
um pouco. A rua está abarrotada de pessoas. Encosto na parte livre do portão e
ligo para o Téo, que atende rapidamente.
— Oi, amor — ele diz.
— Oi. Acabei de sair. Está tudo bem com a Catarina?
— Está sim... Olhe para frente.
Olho e sorrio. Desligo a ligação e coloco o celular na bolsa.
Atravesso a rua com cuidado devido aos carros, e alunos que, pelo visto,
alguns não têm amor à vida. Paro a sua frente, e ele segura minha cintura.
— Não era nada grave. Samira estava muito apavorada e acabou me
apavorando. — Ele beija rapidamente meus lábios.
— Graças a Deus. Fiquei preocupada.
Algumas alunas passam e ficam olhando para o Téo e não disfarçam.
— Esse lugar não muda. Nem mesmo o horário de saída dos alunos em
seu primeiro dia.
— Espero que as alunas tenham mudado.
Ele olha na direção que estou encarando. As duas morenas sorriem em
nossa direção e falam algo, que é impossível de ouvir.
— Desta vez, sou inocente! — Ele pisca.
— Sei!
Entramos no carro. Ele explica o que realmente aconteceu com a filha e
fico mais tranquila. Só queria estar melhor quanto ao enjoo que estou desde que
comi um lanche que comprei na faculdade, meu estômago está estranho. Bebo a
água que também comprei e guardei na bolsa, e vai amenizando. Noto o olhar do
Téo em minha direção, mas ele não diz nada.
Téo questiona como foi o primeiro dia, e conto a ele. Conversamos até
chegar em casa.
Assim que chegamos em casa, Téo resolveu pedir pizzas para comemorar
meu primeiro dia de aula, mas não consegui comer direito o enjoo pareceu piorar
com o cheiro delas, tentei disfarçar ao máximo, para ele não se preocupar. Tomei
um banho em seguida para ver se me sentia melhor e me deitei, enquanto assistia
TV.
— Amor, preciso resolver algumas coisas no escritório. Depois serei todo
seu.
— Tudo bem — digo rapidamente e engulo em seco, devido ao refluxo
que vem.
Ele me olha estranho e sorri como se disfarçasse algo, e então se retira.
Então aproveito, e me sento na cama, respirando fundo, um soluço escapa dos
meus lábios, devido aos enjoos, mas não dá mais para controlar, salto da cama e
corro em direção ao banheiro. E ajoelho-me rapidamente diante da privada, ergo
a tampa e começo a vomitar. Com as mãos apoiadas na lateral da privada, fecho
os olhos. Coloco tudo o que eu tinha no estômago para fora.
Fecho a tampa e aperto a descarga. Estou tremendo e fraca. Apoio-me na
pia, e lavo a boca, rosto e molho a nuca. Escovo os dentes, porque o gosto não
está ajudando. Enxugo as partes que molhei e saio do banheiro em passos lentos.
Sento na cama respirando fundo. Poucas vezes na vida fiquei passando mal ao
ponto de chegar a esse estado. Aquele lanche da faculdade realmente não me fez
bem. Foi só comer e fiquei assim. Tenho pavor de vomitar, e isso desde criança.
Deito na cama e fico quietinha.
Deus, seja o que for isso, faça passar, porque eu realmente estou
péssima. Por favor. Não quero ter que ir parar no hospital, trazendo mais um
susto para o Téo.
Fecho os olhos e tento descansar um pouco, mesmo com receio. Fico
deitada de lado, por segurança. O mal-estar vai sendo controlado depois de um
tempo e vou relaxando.
Téo Lima
Sei que a Raquel notou meu sorriso forçado antes de vir para o escritório.
E o motivo é que há dois dias, Raquel se trocava e percebi o tom diferente do
rosado de seus seios. Seu humor anda variando muito. Seu apetite anda
diferente. E hoje, quando fui buscá-la, eu notei que ficou pálida no carro, e
começou a beber água. Não quis comer a pizza após levar um pequeno pedaço à
boca e notei a dificuldade dela em disfarçar que estava difícil de engolir e depois
se afastou da mesa, dizendo estar satisfeita e ficou no sofá. Já estive muito
próximo de uma pessoa grávida e sei que estes sintomas da minha noiva são
muito parecidos. É óbvio que sabia que isso poderia acontecer, pois pensei com
o pau e não com a mente quando não usei camisinha, tenho que ser sincero.
Porém, minha preocupação não é que ela esteja grávida, mas é saber como será a
sua reação. E se ela surtar e rejeitar?
Olho no relógio em meu pulso, e em poucas horas vai clarear. Merda,
falei que ficaria com ela e nem vi a hora passar, enquanto fiquei perdido em
pensamentos e conferindo algumas fotos.
Saio do escritório e sigo para o quarto onde um barulho de...
— Merda!
Entro rapidamente no quarto e a cama está vazia, então olho na direção
do banheiro e corro até lá. Encontro Raquel ajoelhada diante da privada,
colocando tudo para fora.
— Raquel...
Aproximo-me dela. Ela para de vomitar. Fecha a tampa e dá descarga.
Está pálida. Senta-se na tampa da privada. Umedeço a toalha de rosto e me
abaixo a sua frente apertando com cuidado em seu rosto suado.
— Amor, quer água? — pergunto e ela nega.
Deixo a toalha de lado e ela abre os olhos.
— Acho que o que comi não me fez bem. Foi a segunda vez essa
madrugada.
— Deveria ter me gritado na primeira. Perdão, eu estava concentrado
demais no escritório e não ouvi.
— Está tudo bem... — ela soluça.
Seguro sua mão.
— Vamos sair daqui.
Vamos para o quarto e ela se senta na cama. Ela está fraca. Abro a janela
para entrar ar. A culpa por ter ficado no escritório bate com força em mim.
Caralho. E vendo ela nessa situação, só confirma o que fiquei pensando
enquanto trabalhava. Agora um pavor realmente começa a me dominar.
— Raquel, precisamos conversar, mas você precisa descansar, e tentar
melhorar.
— S-sim... — Ela curva o corpo para frente.
— Não se importe. Coloque tudo para fora! — digo apressado.
Ela força, mas não sai mais nada. Acaricio suas costas. Lágrimas
começam a escorrer de seu rosto.
— Téo, desde que os enjoos começaram tento afirmar a mim mesma que
é o lanche que comi. Mas... Meu Deus. Eu acho que posso estar grávida. Tive
aulas na escola, sei como uma mulher fica na gravidez. Téo, não nos
protegemos. E agora me recordo perfeitamente; minha menstruação está
atrasada.
Eu não sou de ficar apavorado. Até porque eu já imaginava que isso
aconteceria. Então por que eu ficaria apavorado? Claro que não. Sou muito
forte... Falta de ar. Estou sentindo falta de ar.
— Téo? Você está bem? Parece sem ar.
Retiro a blusa rapidamente. Levo a mão ao peito e tento controlar para a
respiração vir.
— Eu... Só... Porra... Ar...
— Eu que teria que estar apavorada. Estou vomitando, me sentindo mal
e... minha avó...
— O que tem sua avó? — pergunto preocupado em dose tripla. Abano-
me com a blusa.
— E-ela... Deus! — Raquel fecha os olhos por um tempo. — Ela sabia.
As coisas que ela falava... Os sonhos dela acontecem. Ela sonhou, Téo!
— Estou começando a ficar preocupado. Santinha, está bem? Vou te
levar para o hospital. Talvez eu precise de hospital. Por que está quente? Eu
sabia que isso poderia acontecer. Mas agora é oficial, não é? Só eu estou sem ar?
— Não! — grita e sobressalto com o susto. — Ela ficou falando sobre eu
ter caído. Alertou para não tomar remédio para cólica. Disse para eu comer
direito... Sonhos não enganam, ela disse. Ela sonhou. Ela já sabia.
Está assustada e me assustando, e eu tinha que estar calmo, porque
preciso ajudá-la e eu já sabia dessa possibilidade. PORRA, EU JÁ SABIA!
— Sua avó sabia da gravidez? Como? Raquel, pelas minhas contas bem
rápidas neste momento, a primeira vez sem proteção foi um dia ou dois antes de
você ir para o sítio dela. Caralho, sempre fui bom com contas, e estou me
perdendo. Preciso sentar. — Sento na cama e jogo a blusa de lado.
— Sim. Ela já tinha sonhado. Ela sempre disse que os sonhos não
enganam, não erram!
Continuo preocupado com tudo o que ela está dizendo. Alguém podia me
ajudar? Minha mãe, preciso dela. O que estou pensando?
— Meu tio... Minha mãe... Eu vou ser morta. Vou ser apedrejada. As
pessoas vão me julgar. O que Deus deve estar pensando? Como fui burra! — Ela
começa a se desesperar.
— Se acalma. Nada de pânico, cacete! — grito e ela me olha sem
entender. — Raquel, eu tentei falar com você sobre essa possibilidade.
Vacilamos... Eu fui o principal a vacilar. Mas você ficou fugindo. E agora...
Caralho, que calor. Preciso de mais ar. — Me aproximo da janela aberta e respiro
fundo algumas vezes até começar a respirar normalmente.
— Porque eu sabia que isso poderia acontecer. — Está muito nervosa. —
E você tem asma? Meu Deus! Está pálido. Téo, eu preciso que me acalme e
agora eu tenho que te acalmar. Por Deus!
— Faz tempo que não tenho uma crise de asma, mas pode ser de pânico...
— Vão pensar o pior. Todos falando que estávamos ficando noivos por
eu estar grávida. Negamos o que era verdade! — Começa a andar de um lado
para o outro, tropeçando as vezes, por estar fraca ainda.
— Fodam-se as pessoas! Pensei até que poderia ser paranoia o que estava
pensando hoje, mas agora vejo que não!
— Não foi o lanche... Merda! POR QUE NÃO FOI O LANCHE? — ela
grita agitada.
Surpreendo-me com ela falando “merda”.
— Por favor, fique calma.
— Como pode pedir isso quando você mesmo não está?
— E quem disse que não estou? Estou calmíssimo. Talvez eu precise me
sentar. — Volto a me sentar na cama. — Não fique nervosa, tudo na calma dá
certo. Claro que dá. Não dá? — indago.
— Acha que estou nervosa por que tem uma criança crescendo dentro de
mim?
Olho como se fosse óbvio e ela revira os olhos.
— Eu estou nervosa, porque não sei o que falar para a minha família.
Porque penso que Deus pode estar triste comigo, por ter falhado tanto
ultimamente.
— Amor, posso ser a pessoa errada para aconselhar isso. Mas Ele sabe
que vamos errar, antes mesmo do erro acontecer. E vacilamos, sabendo das
consequências, então acredito que Deus ficará triste se ocultarmos que falhamos
e sairmos gritando, brigando como loucos. Agora não é hora para isso.
— O casamento! — ela diz me assustando novamente. Levo a mão ao
peito.
— O que tem o casamento? Pode começar a falar na minha língua? —
digo nervoso.
— Eu vou ter que contar logo a todos ou casar antes da barriga aparecer.
Téo, dependendo da data que escolhermos, precisa ver o vestido, e isso significa
medidas, ajustes... Ou seja, aumento de medidas que são surpreendentes.
— A preocupação é o vestido?
— Não! É que eu tenho que realmente falar logo com todos e decidir
agora quando vai ser o casamento. A gravidez adiantou as coisas. Não dá para
esperar para contar. Não com a Hannah organizando o casamento, conhece sua
irmã.
— Agora entendi e não gostei. Estou começando a ficar com falta de ar
novamente.
— Eu tenho essa semana... Prometi a Hannah que daria resposta essa
semana. Vou conversar com a minha avó. Claro, não vou surtar. — Ela faz
careta. — Aguentei vinte anos tudo o que minha mãe fazia, não é isso que vai
me fazer surtar. Claro que não. Calma. É só ter calma. — fala com ela mesma.
Minha noiva está ficando pirada, e eu estou ficando muito preocupado.
Sei que deveria apoiá-la neste momento, mas o nervosismo do que eu acreditava
ter acontecido me pegou de jeito.
— Certo. Vamos ter calma — peço respirando fundo.
— Como pode querer calma, Téo?! — Ela começa a chorar desesperada.
— O fruto proibido — diz baixinho, mas entendo perfeitamente.
— Por que diz isso?
— Meu tio disse que eu era o seu fruto proibido. Ele errou, Téo.
— Agora eu que estou sem entender nada.
— Eu não sou o fruto proibido. Nosso relacionamento era o fruto
proibido. — Ela sorri com ironia. — A história está se repetindo. Como vai
terminar agora?
Compreendo o que ela quer dizer e isso me revolta, puxo-a para se sentar
ao meu lado.
— Você não é a sua mãe! E não vou deixar que ninguém saia por aí
fazendo o que fizeram a ela, quando descobriram que estava grávida de você. Eu
não vou deixar, está me entendendo? — Seguro sua mão.
— A minha curiosidade pelo mundo me levou a você, o maior pecador
que conheci. E olhe o resultado.
— Olha, eu sei que deveria estar te ajudando neste momento, mas talvez
eu esteja um pouco assustado. Coisa pouca. Mas vai dar tudo certo. Confie em
mim. Claro que vai dar certo. Somos Téo e Raquel e sempre fazemos tudo dar
certo. Caralho, e se forem gêmeos? — Levo a mão à testa. Estou tremendo,
inferno.
— Téo? — chama baixinho.
— Oi, Santinha.
— Acho que vou vomitar de novo! — Ela leva a mão à boca e sai às
pressas até o banheiro.
Vou ser pai novamente, tenho certeza agora. Estou fodido. Preciso
trabalhar muito. Por que estou tão assustado? Ar... O ar está faltando novamente.
Preciso de ar... Não, preciso ajudar a Raquel. Vou até o banheiro para ficar ao
seu lado.
Qual será meu castigo? Porque ter engravidado a Santinha da cidade,
sobrinha de padre, deve ser castigo pesado. Estou com medo. Porra.
Amanhã mesmo vamos ao médico confirmar de vez.
Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser te dou meu sobrenome
— Luan Santana “Tudo o que você quiser”
Raquel Pereira
Nunca pensei que alguns papéis poderiam me deixar atônita. Ainda não
consigo acreditar. Parece mentira. Claro que eu já imaginava, mas é diferente
quando aquilo que você imagina se torna realidade. Estou há bons minutos
olhando para os papéis em minhas mãos. Téo não entrou comigo, eu preferi
assim. Precisava desse momento. A cadeira parece balançar, e o mundo girar
rápido demais, só que eu sei que não tem nada a ver com o que estou dizendo. É
apenas o destino jogando em cima de mim mais uma situação para lidar.
O médico tirou várias dúvidas, enquanto esperávamos apenas os exames
finais. Uma das primeiras coisas que questionei foi sobre a faculdade, e ele
garantiu que posso continuar indo, até quando ele achar que devo me afastar.
Disse que está tudo bem comigo... Quero dizer, com nós. Porém, cada gravidez
se desenvolve de uma forma, não se pode pensar que a sua será como a de outra
pessoa. Então, ele me disse para não entrar em pânico quando algo não for igual
à gravidez de fulana, e assim por diante. Que todas as dúvidas que eu tiver, para
vir ao hospital. Passou-me um remédio para enjoos, mas disse que não vai
resolver quase nada, e que com o tempo vamos descobrindo juntos o que
realmente diminui os enjoos e o que os causa ainda mais. Também tive dúvidas
sobre quando a criança nascer, como vai funcionar, o tempo de espera, e mais
uma vez questionei sobre a faculdade e desta vez sobre o retorno após o
nascimento, parece loucura, mas não posso largar tudo agora. Ele disse para não
se preocupar, que quando chegar o momento vamos conversar. Tem mães que
após a quarentena ficam dispostas e muito bem para fazerem suas coisas, e tem
outras que não. Que vai de cada gravidez. Mas garantiu que estou bem, saudável
e que preciso mudar minha alimentação em relação a alguns alimentos. Evitar
muito esforço, estresse, principalmente nos três primeiros meses, e aconselhou
que não compartilhemos com muitas pessoas, até completar esse período, o que
me preocupou, mas ele teve de ser sincero, e dizer que nem todas conseguem
passar desse tempo de gravidez, e normalmente quanto mais pessoas próximas
souberem, parece que pior se torna a situação e mais triste fica, então concordei
com ele. Ao que parece meus hormônios vão ficar mais agitados, e que tem
mamães que antes da gravidez são calmas, e quando ficam grávidas, tudo muda,
ficam o oposto do que eram, mas que vai de cada pessoa. Falou sobre outras
coisas também. Receitou algumas vitaminas, e já agendou a próxima consulta.
Tudo isso enquanto esperávamos os papéis dos exames que agora seguro e torna
tudo ainda mais real.
POSITIVO, palavra de apenas oito letras, mas com um poder imenso.
Quase quatro semanas. Meu Deus!
Ele pigarreia e acabo olhando em sua direção. Questiona se estou bem, e
afirmo. Ele concorda, e assina mais alguns papéis, carimba outros, me entrega os
necessários, e se despede dizendo um “até a próxima consulta”. Coloco todos na
pasta que ele deu, e assim eu saio, ao que parece em câmera lenta da sala dele.
Ajeito a bolsa e respiro fundo. Téo, que mexia no celular, sentado em uma das
cadeiras à frente, ergue o olhar do celular e me olha. Um sorriso fraco surge em
seu rosto.
— Vamos — falo apenas isso e ele compreende que preciso ficar
quietinha alguns segundos, pois não fala nada.
Entramos no carro. O estacionamento é aberto e está sol. Um dia muito
bonito. Viro de lado no banco e deixo a bolsa no chão do carro. Seu olhar é fixo
no meu. Entrego a pasta a ele, que contém todos os exames, inclusive o
ultrassom onde se vê como uma sementinha, o serzinho que agora habita em
mim. Suas mãos estão trêmulas, conforme ele olha cada papel.
— Ainda é difícil acreditar. Loucura, mas... vou ser mãe.
Ele coloca tudo na pasta e coloca sobre o meu colo. Sai do carro e fico
olhando sem entender. Passa na frente, e sua expressão é séria. Para ao lado da
minha porta e abre. Tiro a pasta e coloco em cima da minha bolsa. Coloco as
pernas para fora, ainda preocupada. Então ele se abaixa.
— Vamos ser pais. Você não está sozinha nessa. E não sabe o quanto
estou pisando em cacos de vidro para saber como lidar com essa situação,
porque estou preocupado com a sua reação. Mas estou feliz. Não deveria ter
acontecido agora, mas tudo bem. Vamos estar juntos nessa nova jornada. Sem
crises de asma, eu espero. — Ele sorri. — Estarei ligado a você de todas as
formas possíveis, porque eu te amo.
— Sabia que o médico disse que vou ficar bem bipolar por causa dos
hormônios? E que tem mães que ficam o oposto do que eram na gravidez? Então
evite tudo o que me faça chorar, porque não gosto de chorar! — falo piscando
rápido e ele sorri. — E não precisa pisar em cacos de vidro comigo. Só entenda
que, de tudo o que passei, essa é a maior mudança, e estou ainda tentando me
acostumar.
— Então, vamos evitar que chore.
Levanta-se e me levanta junto, segurando a minha mão. Encosta meu
corpo no carro e acaricia meu rosto.
— Eu te amo, pequena.
— Eu também te amo, Téo.
Ele me beija com carinho.
O médico disse muitas coisas, além de tudo o que questionei, mas avisou
sobre os desejos de comida, e que gravidez mexeria também com os desejos
sexuais, mas não irei falar isso para o Téo. Nem pensar que direi. Deus, que
loucura!
Ele afasta o rosto e mordo o lábio.
— Estive pensando. Como presente adiantado de casamento, eu queria
fazer fotos suas.
— O quê? Nunca!
— Lembra-se de que, como aluna do Senhor Pecado, não poderia dizer
não?
— Isso não vale!
— Vale sim. Quero fotos suas em todas as fases. Mas quero algumas bem
sensuais. Contrato cabeleireiro e maquiadores para você. Mas quero as fotos.
Pense que é um presente antecipado para o seu noivo gostoso.
Tenho quase certeza de que estou roxa de vergonha.
— Q-quando?
— Vou ver um dia. E também contarei uma novidade quando eu decidir.
— Isso é chantagem.
— Deveria estar acostumada. — Ele beija meu pescoço e fecho os olhos.
— Vamos, antes que prendam a gente por atentado ao pudor.
Entramos no carro e ele começa a sair do estacionamento.
— Téo, quase me esqueci. O médico aconselhou a não contar para muita
gente agora.
— Tudo bem. Vamos fazer da melhor forma. Porém, a Hannah vai ter
que saber, ela vai passar a maior parte do tempo com você devido ao casamento.
E por falar nisso, temos que escolher a data.
— Um mês — digo de uma vez. — Será que ela consegue? Vamos logo
resolver tudo isso, ou ela vai nos matar.
— Santinha, o que aquela louca não consegue?
— Preciso falar com o meu tio sobre casarmos na igreja e... MEU DEUS!
— grito.
— Porra, quer me matar, mulher? O que houve? — Ele leva uma mão ao
peito.
— Téo, vamos ter que nos confessar. Para casarmos, vamos ter que nos
confessar. Meu tio não vai deixar isso passar. Ele vai querer que nos livremos de
tudo, antes de uma nova vida juntos começar. E agora?
— Tipo, contar tudo? Falar tudo?
— Sim — respondo nervosa.
— Ok, então, eu estou fodido!
— Olha a boca, Téo! E... Senhor, ele vai morrer!
— Escolhemos outro padre.
— Ele não vai permitir. Téo, meu tio vai matar a gente.
— Não se preocupe. Quando eu começar a me confessar, ele morre antes.
Isso te livra da morte e consequentemente o nosso filho. — Coloca os óculos de
sol, que pega preso no carro e fico admirando-o.
— Não fale isso, nem de brincadeira. E como garante que é filho? Pode
ser menina.
— É a mais pura verdade. E não mereço um castigo assim de novo.
Porra, eu realmente quero me armar. Viu como a Catarina está ficando ainda
mais bonita? Imagine então se vier outra menina, e puxar você. Não. Castigo
demais.
Reviro os olhos por suas palavras e olho através da janela. Meu tio é
muito rígido quanto a casamentos. E ele sempre sonhou em realizar o meu.
Porém, que fosse tudo bem certinho. Coitado, eu só estou trazendo problemas.
Como poderei ocultar de um padre — na hora, ele não vai ser apenas meu tio —
que eu estou casando grávida, e foi por praticar muito sexo sem proteção com o
meu noivo que quase causou um infarto nele?
— Mudando de assunto. Hoje irei à boate. Depois busco você na
faculdade.
— Ok... E o que vai fazer lá? — Olho séria para ele.
Ele sorri.
— Ciúme? — provoca e passa a língua pelo lábio, e ver a bolinha
prateada que me causa tantas sensações, sinto um arrepio, mas disfarço.
— Tenho motivos suficientes.
— Obrigado pela parte que me toca. Porra, está ficando com a língua
bem afiada.
Acabo sorrindo.
— Culpe a gravidez.
— Sei!
— Só tenha juízo — declaro.
— Juízo é o meu sobrenome.
— Téo...
— Santinha, eu não te traio. Jamais trairia. — Ele aperta minha coxa e
sorri.
Téo Lima
Observo o local e sorrio. Agora sim vai começar o que sempre quis. É
grande, arejado, e precisa de pouca reforma. O que precisa mesmo é de uma boa
equipe para deixar isso a minha cara. E tem que ser rápido, porque estou com
uma ideia e não pode demorar. Assim que deixei a Raquel no hotel, vim para cá.
Meu advogado e o ex-dono do local me ligaram. Consegui o espaço que eu
queria, o dono resolveu me vender. Depois de horas resolvendo papeladas, e
indo ao banco para conversar sobre a liberação de uma parte do valor, consegui.
Achei que não daria tempo de levar a Raquel à faculdade, mas irei conseguir.
Liguei para a Samira, e a nossa filha está bem e isso me deixa muito mais
aliviado, depois do susto.
Meu celular começa a tocar. Pego no bolso e é a minha mãe.
— Oi, mãe.
— Oi? Não avisa que a minha neta se machucou, e diz “oi, mãe”? Você
não tem um pingo de consideração por mim. Se não fosse a Hannah ir até a
Samira, eu não estaria sabendo.
— Mãe, a senhora está viajando. Não tem por que preocupá-la, se não foi
grave.
— Grave serão meus cinco dedos na sua fuça! Tudo o que acontece nesta
família, eu tenho que saber. Eu sofro demais. Te coloquei no mundo, parto
normal, você era enorme. Quando cresceu deu trabalho e eu ali, dando carinho.
Para que fiz tudo isso? Claro, que tenho a resposta. Fiz, para ser tratada como
uma ninguém. Vocês não me valorizam. Nem meus perfumes trouxe de Londres.
Encosto na parede e controlo para não rir.
— Menos drama. E eu te valorizo sim.
— Onde me valoriza? Sempre sou a última em tudo!
— Não é assim. Não tenho culpa que Samira e Hannah descobrem tudo e
são fofoqueiras. Vou mandar as duas para o deserto, sem qualquer comunicação.
— Claro que vai. Assim não me contam mais nada. Eu sofro tanto.
Acredita que fui desacatada no mercado hoje? Saio da minha cidade para sofrer
em outro lugar!
Acabo rindo.
— Isso, pode rir. Eu digo que sofro.
— Mãe, a senhora também exagera. O que foi dessa vez?
— Estavam fazendo propaganda de um produto que não tinha mais. Fiz
a doida.
— Mãe, promete que nunca irei te buscar em uma delegacia?
— Se eu for presa, é porque bati muito em você, que não me valoriza.
Reviro os olhos.
— Vou desligar. Seu pai e eu vamos comer fora. Beijos. Eu te amo,
mesmo não se importando comigo. Coração de mãe é bobo.
— Eu também amo a senhora. E pare de drama.
— Só irei parar quando estiver casado e a Raquel obrigar você a me
valorizar — diz chorosa.
— Meu Deus! Tchau, mãe.
— Beijos, ingrato!
Ela desliga e começo a rir. Minha mãe é muito dramática. Graças à
bondade Divina, eu não puxei isso dela.
Raquel Pereira
Raquel Pereira
Assim como a minha avó, não viemos de carro. É perto e tranquilo andar.
Está tudo movimentado. A festa está realmente lotada. Acontecem alguns shows
no palco bem decorado, onde já teve discursos de todos os membros que estão
contribuindo, como a minha avó, e do prefeito da cidade. Tem barracas de todos
os tipos de comidas, e bebidas, além de muitas com brincadeiras para a
criançada e também adultos. Minha avó está conversando com diversas pessoas,
parece ter mais conhecidos do que o prefeito. E o Téo está ao meu lado. Estou
comendo uma maçã do amor, que por pouco não fiquei sem dente, por querer
fazer como quando era criança, morder de uma vez.
— Vou pegar uma bebida — Téo avisa e se afasta.
Continuo comendo e observando tudo.
— Gostando? — Sobressalto com a voz.
— Deus do céu! Quer me matar, Benjamin? — Levo uma mão ao peito.
— Quem manda estar concentrada apenas em comer.
— Estou concentrada em não quebrar o dente. E sim, estou gostando.
Mas a comida é muito melhor.
— Tem razão. Comida e bebida são boas. Mas hoje voto nas bebidas.
— Voto apenas na comida. — Sorrio.
— Sua avó comentou que vai casar. Meus parabéns — diz bem sério.
— Obrigada... Eu nunca sei quando está bravo ou não. Poderia ser mais
tranquilo ao falar.
— Não vai querer me conhecer bravo.
— Não mesmo.
Ele ajeita o chapéu. Minha avó se aproxima sorridente.
— Amo festas assim. Tudo tão alegre. Crianças e familiares se
divertindo.
— É bom — Benjamin comenta.
— BENJAMIN! — uma senhorinha grita do outro lado.
— Inferno. Que Deus me ajude. Devo ter enlaçado bem forte a cruz para
ter essa louca na minha bota. — Ele se afasta indo em direção a ela.
— Quem é? — pergunto a minha avó.
— Esposa do dono do mercadinho. Acho que tem uma queda pelo
Benjamin, não pode vê-lo que quer puxar conversa. Às vezes, ele até se esconde.
— Rimos.
Téo retorna ao meu lado segurando uma bebida. Bebe um gole e minha
avó olha para ele.
— Mas esse menino é bonito demais. Deus abençoe o mundo com mais
assim! — ela diz e o Téo começa a rir.
— Viu, amor. É assim que você tem que me elogiar.
Reviro os olhos.
— Raquel, vai convidar o Benjamin para o casamento? — minha avó
questiona e rouba o copo da mão do Téo, dando um gole e devolve a ele.
— Claro. Ele é da família basicamente. Quase que um neto da senhora.
— Ótimo. — Ela sorri de um jeito estranho.
— Que foi? Sonhou que ela me larga no altar por ele? Já avisa para eu
beber todas e sofrer antes — Téo fala assustado.
Termino minha maçã do amor.
— Não! Vou contar um segredinho... — Ela se aproxima mais. — Vai
sair mais um casamento.
Afasta-se e ficamos olhando para ela sem entender.
— Como assim? O que tem a ver com o Benjamin? — pergunto.
— Não posso falar. Ainda estou trabalhando em compreender o que
sonhei. Foi meio confuso. Tinham várias mulheres, mas só uma casava, e tinha
algo de pôr nome na barra do seu vestido, e uma mulher disse que trouxe sorte a
ela. Mas não consegui ver o rosto...
Uma moça chama por ela, fazendo-a se afastar.
— Vamos fazer votação. Qual o casamento que vai sair depois do nosso?
— Téo brinca e bebe mais um gole da bebida.
— Fiquei curiosa também. Mas a fome não me deixa pensar.
Ele ri.
— O que quer comer?
— Vamos dar uma volta e escolho.
Ele segura minha mão e começamos a andar à procura de algo que eu
queira comer. Agora estou com muita fome. Talvez por não ter conseguido
almoçar porque me enjoava muito e fiquei na base de frutas e água, que
conseguia comer. Agora estou bem melhor para me alimentar. Escolho pipoca
doce. Sentamos em um altinho, e ficamos observando as pessoas enquanto
conversamos. Ele tira algumas fotos nossas com seu celular e tenta pegar minha
pipoca, mas não deixo, mesmo sabendo que não se nega comida. Porém, um
lado ruim está me dominando. Deus será que irei ficar a gravidez toda assim?
Minha avó chama por nós, para apresentar a algumas pessoas, e é então
que o Téo de pirraça rouba uma pipoca, porque me surpreende com um beijo
enquanto levantamos para ir até ela, e aproveita a oportunidade, e ainda fica
rindo. Esse homem é pior do que criança. Não tenho escolha a não ser rir,
torcendo para que as pessoas junto da minha avó não pensarem que eu rio delas.
Pois, eu sou o mago do amor
E eu tenho a varinha mágica
Todas essas outras garotas são tentadoras
Mas eu sinto um vazio quando você vai embora
— Omi “Cheerleader”
Hannah Lima
Cruzo as pernas enquanto anoto tudo o que meu irmão e cunhada falam.
Eles estão no meu buffet, e chamei Samira para ajudar nas ideias também, pois
minha mãe tinha compromisso hoje. Eu estou a ponto de matá-los, por falarem
que o casamento será dentro de um mês. E não será uma cerimônia pequena, o
Téo não quer. E ainda, o infeliz quer a imprensa. O bom que nesta semana fiz
uma pasta recheada de tudo o que poderiam escolher, e isso facilitou algumas
coisas.
Analiso o que já foi anotado:
Lista de convidados: ok.
Cardápio: ok.
Cores da decoração: ok.
Tipo de flores: ok.
Tipo de convite: ok.
Cores dos vestidos das madrinhas e ternos dos padrinhos: ok.
Lembrancinhas: ok.
Padrinhos: ok (quero matar o Téo).
Vestido da noiva (festa e igreja).
Terno do noivo.
Lua de mel.
Despedida dos pombinhos.
Matar o casal por querer tudo em um mês.
Téo Lima
Raquel Pereira
Téo Lima
Raquel Pereira
Raquel Pereira
— Eu vou cair!
— Não vai. Estou segurando você.
— Sei.
— Confie!
Caminhamos, e fico de olhos fechados. Ele não confia que eu abra, pois
diz que irei olhar os detalhes, e iria mesmo.
— Estamos chegando... mais alguns passos...
— Ai. Meu. Deus! — Escuto a Hannah gritar.
— Me diz que isso é algo bom — falo nervosa.
— Filha... — minha mãe diz.
— Suba com cuidado aqui... — Ele me ajuda a subir. — Abra os olhos,
mas olhe somente para elas. Nada de trapacear.
— Ok. — Respiro fundo e ele continua segurando a minha mão. Abro os
olhos e Hannah está com as mãos na boca, e minha mãe com os olhos repletos
de lágrimas.
— Gente, essa reação é um bom sinal? — questiono angustiada.
— Descubra por si só... — Ele me faz girar lentamente e ficar de frente
para o espelho. Solta a minha mão com cuidado e sorri.
Olho para a imagem refletida no espelho e entendo a reação delas. Meu
coração dispara e minhas mãos tremem. Minhas tias disseram que, quando eu
encontrasse o vestido ideal, eu teria todos os sinais para saber. Acho que eu estar
quase tendo um treco é um sinal. Deus, que lindo! Meus olhos se enchem de
lágrimas e sorrio.
— Os detalhes... A delicadeza... — Levo as mãos à boca.
— E não acabou. — ele diz e uma das meninas se aproxima com uma
caixa. Ele abre. — Faltou o véu.
A menina se aproxima e encaixa em meu cabelo solto.
— É assim mesmo. Para combinar, seu cabelo terá de estar solto. Esse
vestido e esse véu pedem isso.
Hannah e minha mãe se aproximam, e cada uma estende uma mão, na
qual seguro.
— Está perfeita, mas é você que precisa decidir — Hannah fala.
— Parece uma princesinha... E pensar que eu poderia ter perdido tudo
isso... Mas não irei focar nisso. Só quero que seja feliz, como não foi antes e que
Deus abençoe muito essa união — minha mãe diz e sorrio emocionada.
— Ai... Será que ele vai me achar linda? — questiono.
— Seria um idiota se não achasse... Eu nem deveria estar sendo legal
com palavras de apoio, porque vocês foram dois traíras! — Hannah fala e sorrio.
— Mon amour, está uma princesa, não tem como te acharem feia. E
vamos ser sinceros, casamento é mais da noiva do que do noivo, ou seja, ele tem
apenas que dizer “sim” e tudo certo.
— Victorine! — digo e ele ri.
Olho mais uma vez para a minha imagem no espelho e sinto uma imensa
alegria.
— É esse!
Hannah grita e me assusto.
— Desculpa. Mas estava sendo difícil agradá-la — ela diz e sorrio.
— Agora finalizamos — digo.
— No seu sonho. Pois a realidade é dura, e tem muita coisa ainda.
— E a destruidora de alegrias voltou — reclamo.
— Preferia você antes da gravidez. — Hannah revira os olhos e sorrimos.
— Estou brincando, Quel. Falta pouco, mas prometo que agora só precisa se
preocupar em ficar plena.
— Isso sim é um milagre! — rebato.
— Ótimo. Precisa começar a ir com mais calma. Anda muito agitada! —
minha mãe me repreende.
— Eu vou... Podemos ir agora? Quero comer alguma coisa e tomar um
banho, porque ainda tenho aula.
— Só vou marcar umas coisas que precisam de ajustes no vestido, e
então já podemos tirá-lo... Estou tão contente! — Victorine bate palmas
animado.
Fico olhando para o espelho e sorrindo como uma boba. Meu celular toca
e peço para Hannah pegar na bolsa. Ela me entrega e é uma mensagem do Téo.
Estou prestes a embarcar. O voo atrasou... Mas não é disso que eu quero
falar. Saiba que mesmo sem estar aí fisicamente, eu estou em pensamentos. Seja
em qualquer vestido, eu vou te achar perfeita, porque você é perfeita para mim
do jeitinho que é. Então se quiser ir com um saco de batatas pode ir, porque irei
dizer que está PERFEITA. Só não vale ir nua, que não irei responder pelos meus
atos. Porra, agora vou ficar imaginando e excitado... Foda!
Te amo.
Téo Lima
Chego em casa e são quase três da manhã. Nem percebi que fiquei
bastante tempo na boate. A luz da sala está apagada, mas a do corredor ilumina o
suficiente para eu andar sem tropeçar em nada. Tranco a porta e jogo a chave do
carro no sofá e retiro minha carteira do bolso, dando o mesmo destino. Vou até o
quarto e abro a porta, preocupado dela ter feito o que disse. Acendo a luz e
respiro aliviado.
— Téo! — Salta da cama e corre na minha direção. Seguro seu corpo. —
Desculpa... Eu fui horrível. Falei tudo sem pensar. Não sei o que está
acontecendo comigo... — Sua voz é trêmula. — Meu Deus, eu estou sendo
insuportável. Não estou me aguentando. Me perdoa.
Caminho com ela até a cama e nos sentamos. Acaricio sua mão e respiro
fundo.
— Tudo bem... Eu errei também. Nós dois erramos. Eu preciso me
lembrar que isso faz parte de um relacionamento, e temos que lidar tendo muita
paciência.
— Eu odeio brigar com você. Me perdoa. Eu juro que tento controlar,
mas não consigo.
— Está tudo bem. Só precisamos respirar fundo sempre que o estresse
vir. Eu odeio ser grosso com você.
— Vamos esquecer. Foi horrível demais. — Seus olhos enchem de
lágrimas.
— Não chore, por favor. — Ela pisca rapidamente. — Vou tomar um
banho e vamos deitar e esquecer toda essa merda.
Ela concorda.
Me inclino e beijo sua barriga.
— Por nosso filho, temos que nos manter calmos, isso é mais prejudicial
a ele.
— Tem razão. E ainda acredita que é menino?
— Deixe eu sonhar.
Ela sorri e isso é um grande presente depois do que aconteceu. Levanto e
começo a tirar a roupa para tomar banho. Assim que termino vou para o
banheiro. Deixo a água quente tirar toda a tensão dos meus músculos.
Relacionamento é literalmente um desafio todo dia. Eu só preciso
lembrar que é uma fase ruim agora, e depois vai melhorar. Ela só está assim pela
gravidez, porque a minha Santinha é a pessoa mais tranquila que conheço e
procura sempre o melhor em tudo. Talvez pensar nela nua, toda vez que uma
discussão se aproxima é realmente uma boa forma de relaxar e evitar a briga...
Rogério é péssimo conselheiro mesmo. Não posso mais perder o controle. Não
com ela. Fecho os olhos e coloco a cabeça debaixo da água. Fico mais relaxado.
Mãos espalmam meu peito. E olho assustado.
— Precisava de mais um banho.
Observo seu corpo nu e sorrio.
— Sabe qual a melhor parte de toda essa loucura que você está nesta
fase?
— Qual?
— Estar sempre querendo sexo.
— Eu vim apenas para tomar outro banho.
— Eu duvido disso, minha Senhorita Pecado. Nessas horas, eu adoro ver
que a santinha se aposentou.
Agarro seu corpo e beijo-a com força.
— Eu te amo. Me perdoa também por hoje — digo com a mais pura
sinceridade. Ela assente e sorri.
— Eu amo você, mesmo quando digo que te odeio.
— Eu sei. — Torno a beijá-la pressionando seu corpo ao meu.
Palmas pro amor
Adivinha quem ele juntou
A santinha e o pegador
Agora ele acertou
— Henrique e Juliano “Palmas pro amor”
Raquel Pereira
Estou no trabalho.
Depois da briga de ontem, a forma como nos desculpamos foi tão
maravilhosa, que me sinto mal neste momento por querer outra “reconciliação”
como aquela no chuveiro. Que Deus me perdoe, mas ando com atitudes e
pensamentos rodeados de luxúria. Eu não era assim, e não sei se é bom estar
desta forma. Parece que quanto mais errado, mais tem me agradado... Perdão,
Deus. Enfim, ontem foi difícil em relação a briga. Pode parecer bobagem, mas
naquele momento não consegui controlar a raiva que me rodeou e acabou por me
dominar. Eu queria ter conseguido manter a calma. Por dentro, eu pedia forças a
Deus e contava de um a dez, mas não adiantava. Quando vi, falei tudo sem
pensar, e sei que isso afetou a ele da mesma forma, fazendo com que dissesse
coisas que não queria. É uma bipolaridade que você não consegue controlar,
porque em alguns momentos está sorrindo, em outros chorando e do nada
surtando, como se pudesse explodir a qualquer instante. Não é fácil. O médico
disse que eu poderia ficar assim, mas não estava preparada para agir como uma
doida que eu não sou.
— Raquel, o senhor Augusto está? — Olho para a Pietra, que me encara
como se pudesse enforcar-me.
— Não. Saiu para um compromisso junto do Natanael.
— Hum. — Ela se vira para sair, mas retorna e cruza os braços me
olhando.
Continuo com meu trabalho, voltando a olhar para a tela do computador.
— Vão casar mesmo. Eu vi que a Mayara recebeu o convite. Conseguiu
o que todas aqui queriam. Meus parabéns. — A ironia em sua voz é evidente.
Ergo o olhar e ela sorri.
— Pietra, por favor, se veio para me provocar, melhor parar. Eu não
quero confusões e meu dia está sendo tranquilo, não...
— Não se preocupe. Aqui ninguém vai te fazer nada. Afinal, sabemos
que tem um cão de guarda com um exército a seu favor. Só tome cuidado, ele
nunca vai ser fiel. Téo Lima não carrega a fama de Senhor Pecado à toa. Você é
novidade para o mundo dele. Uma hora ele vai se cansar, e você será uma de
nós. Fará parte da lista infinita dele de transas. Esse anel no seu dedo — ela
aponta —, não quer dizer nada. Uma hora o conto de fadas acaba, e vai se
arrepender de ter ficado contra a gente, porque aí sim iremos tornar sua vida um
inferno, como fez com a nossa.
Olho incrédula para ela. Como pode dizer coisas assim? Como pode
dizer tantas maldades para alguém? Que horror.
— Pietra, para você eu desejo muita luz. Um amor que te tire o ar, e
possa sentir que está voando. Também desejo chuvas de bênçãos. Que não lhe
falte sorrisos, saúde e motivos para se orgulhar. Que seja muito feliz. Eu desejo
tudo de melhor para a sua vida, e de todas deste hotel. E tudo isso que você me
falou? Eu já esqueci. Porque aprendi que guardar coisas ruins não faz bem. E
saiba que estou muito feliz com o Téo, e que não penso em um futuro sem ele,
porque curto o agora, mas se esse futuro existir, amém, que seja feita a vontade
de Deus. Agora, por favor, eu preciso trabalhar. — Sorrio com sinceridade para
ela, que não consigo identificar qual a sua expressão.
Sem dizer mais nada, ela se retira. Melhor assim. Respiro fundo e volto
ao que estava fazendo.
Hoje não terei aula na faculdade. Será on-line para responder um
questionário. Então chegarei mais cedo em casa, e poderei me deliciar com o
pote de sorvete e leite condensado, e é tão bom... Eu já gostava de comer, mas
tenho amado agora. Esse serzinho dentro de mim vai ser gordinho, pelo visto. —
Acaricio minha barriga ao pensar nisso e sorrio.
Minhas tias e avó foram embora hoje, e retornarão no dia das despedidas
de solteiros. Precisam cuidar das coisas delas. Avisaram-me hoje, na hora que
estava a caminho do hotel. Elas têm feito muito para ajudar no casamento.
Hannah está endoidando a todos e isso é medonho, mas no fundo eu sei que ela
só quer que tudo seja perfeito.
Finalizo os ajustes da planilha que o Augusto me passou, e envio ao e-
mail do Natanael, como foi solicitado. Desligo a tela do computador e pego meu
celular. É horário do almoço. Vou para a cozinha e vejo as meninas.
Cumprimento a Mayara, e vou me servir. Termino de colocar tudo o que quero e
me sento em uma mesa afastada. Fico mexendo no celular enquanto eu como. O
Téo iria fazer os ajustes finais no terno que ele escolheu, e iria para o estúdio
entrevistar uma turma que o Saulo enviou a ele. Ele está na correria hoje, no
entanto que não pôde me trazer e vim de táxi, o que não foi nenhum problema.
Quando não estou sendo louca, eu entendo perfeitamente que ele tem seus
compromissos e seu trabalho e não pode estar comigo vinte e quatro horas por
dia, assim como eu tenho minhas coisas e não posso estar sempre ao lado dele...
Mas como fazer meu lado maluco e bipolar do mal compreender isso quando
resolve aparecer? Simplesmente não dá. É uma coisa de outro mundo.
— Olá, Raquel. Não te vi chegando hoje — Robson diz com o prato na
mão. — Posso te fazer companhia?
— Claro! — Deixo o celular de lado. — Vim de táxi e acabei chegando
um pouco atrasada, acho que devia estar estacionando algum carro, porque
também não te vi.
— Provavelmente. Está lotado por aqui... Mas o assunto é outro. Recebi
o convite para seu casamento, e fico muito grato, mas não sei se devo ir, será
coisa chique e eu...
— Por favor, nem termine. Não diga bobagens. Quero você lá. Não
aceito que não vá. Vai ser um dia especial e quero que você esteja lá. Leve a sua
esposa e filhos, quero conhecê-los.
— Está bem. Irei, porque quero ver o seu dia especial. É uma boa moça e
sinto falta quando não te vejo, pois sempre me arranca sorrisos, principalmente
nos dias ruins. Estou feliz por estar a caminho do seu final feliz, mocinha.
Aproveite cada momento, viu. E já adianto, que casamento não é um mar de
rosas o tempo inteiro, mas se existir amor e respeito conseguem contornar cada
obstáculo.
— Não me faça chorar, Robson.
Sorrimos.
— Perdão. Mas disse a verdade.
— Obrigada, meu amigo de sorrisos e belas palavras.
Comemos e continuamos conversando sobre várias coisas. Ele me conta
sobre os filhos que aprontam bastante e sobre a esposa, e é nítido o amor em
suas palavras e no olhar ao falar deles. Gosto das histórias e me divirto muito.
Quero um dia poder contar a minha história com o Téo, o nosso dia a dia, e as
travessuras da nossa criança, e conseguir ter no olhar e nas palavras esse amor
puro e enorme. É tão lindo.
Dias depois...
Estamos na Mister Sin – Vegas. Rogério resolveu não fechar a boate para
exclusividade. Mas foi informado que teria despedida de solteiro; então o clima
muda um pouco. Bem maior que a do Brasil, e localizada também na Las Vegas
Strip, a boate aqui é puro luxo, e claro com tudo o que tem na brasileira quanto
atrações e “proibidos”. Luzes brancas piscam no ambiente escuro. Está lotada e a
música é bem alta. Pessoas dançam e bebem, além de algumas estarem quase
transando em público. As garçonetes usam roupas de couro e tiara de diabinha,
que piscam. Tem um imenso bolo em um canto com luzes florescentes em cima
dele, o que me dá uma ideia do que pode acontecer.
— Faz séculos que não entro em um ambiente assim! — meu pai grita
por cima da música.
— Eu vou sempre que posso. Uma vez na vida e outra na morte! —
Natanael fala e sorrimos.
— Tudo por conta da casa e teremos uma surpresa mais tarde — Rogério
declara.
Vamos até o balcão e pedimos bebidas. Sexy Bitch, do David Guetta,
começa a tocar. Rogério faz um sinal para o DJ, que olha na nossa direção do
alto da boate. A música faz uma pausa e todos reclamam.
— Calma, galera. Hoje é um dia especial. Despedida de solteiro do Téo
Lima! — Uma luz acende em cima da gente, e faço um sinal com a mão, depois
de quase ficar cego. Todos gritam animados. — Vamos tornar essa noite especial
e muito animada! — Tornam a gritar. — Vamos sair do chão!
A música volta e a luz sai de cima de mim. E na batida da música bolhas
de sabão com confetes disparam pela boate.
— Porra, esperando o carro alegórico entrar também — ironizo e
Rogério ri.
— Isso ainda não é tudo. Espere para conferir.
— Natanael, você vai ter que confirmar que fui um anjo neste lugar! —
peço e ele ergue uma sobrancelha.
— Sonha! Seu pai e eu seremos os olhos e ouvidos da Hannah.
— Que belos parceiros. Com licença. — Bebo de uma vez minha bebida,
e vou para o meio da multidão, que dança.
Não demora, e sou seguido pelos “seguranças” que minha irmã arrumou.
— E lá vem mais uma surpresa! — Rogério grita.
Olho na mesma direção que ele e mulheres vestidas de anjinhas
começam a aparecer.
— Anjinhas, sério?
— Assim lembra o tempo todo da Santinha, e não faz merda. Santinha
que chama ela, né? — ele provoca.
— Sou velho demais para isso! — meu pai grita e uma delas se aproxima
dele e começa a dançar em sua frente. — Sua mãe vai pedir o divórcio. — Eu
rio.
— Relaxa... Só relaxar! — Rogério diz.
Outras de aproximam, e começamos a dançar com elas, menos Natanael,
que encontra um bom parceiro para isso. Outra música inicia:
No dia seguinte...
Meu corpo está dolorido. Sento com cuidado. Minha cabeça parece que
vai explodir. Olho ao redor, e franzo o cenho. Levanto do chão da boate. Porra.
Por que estou só de cueca? Merda! Vejo minha roupa jogada em uma mesa,
junto com ao que parece ser do Rogério. Olho para o balcão e Natanael dorme
em cima dele. Rogério está caído em outro canto, e meu pai dorme em uma
cadeira. Pego minha calça e visto. Minha cabeça dói demais. Vou até o Rogério e
chacoalho o infeliz. Ele acorda resmungando. Se levanta e apoia o corpo na
parede.
— Porra, levei uma surra? — ele indaga.
— Não sei. Minha cabeça está doendo demais. Por que estávamos só de
cueca? Que merda fizemos?
— Não lembro de muita coisa. Só lembro até a parte que subi na mesa, e
acho que eu estava beijando uma mulher... Porra, que dor de cabeça. — Faz uma
careta de dor.
Meu pai e Natanael acordam, e assim como nós, estão péssimos. Não tem
mais ninguém na boate. Olho no meu relógio e são onze horas da manhã.
— Cacete, minha aliança! Perdi.
— Não brinca. Téo, o que fizemos? — Natanael diz desesperado.
— Celular! Preciso do meu celular.
Vou até a mesa que estavam as roupas e encontro. Tem vinte e duas
chamadas perdidas da Hannah, quinze da Raquel, e quarenta mensagens. Não
quero ver nada agora. Até lembrar de tudo o que aconteceu. Os celulares deles
não são diferentes. Tem ligações e chamadas demais.
— Alguém lembra de alguma coisa? — meu pai indaga.
— Lembro de pouca coisa. Mas nada comprometedor — respondo.
— Já sei. Câmeras. As minhas boates têm sistema de câmeras com som
em todos os cantos, sou muito rígido para a segurança do local. Vamos descobrir
tudo o que aconteceu! — Rogério fala.
Entramos na sala de segurança, e tem um homem monitorando tudo. Ele
olha assustado. Nosso estado deve ser dos piores.
— Quero tudo o que aconteceu noite passada. Cada detalhe... — Rogério
pede.
— Claro, senhor — o homem responde.
Caio sentado em uma cadeira. Meu pai se apoia na parede. As últimas
filmagens são mostradas, e quero meter muitos murros na minha cara antes que
alguém descubra isso. Eu tirei a roupa em uma mesa enquanto dançava, e
Rogério também. Dancei com várias mulheres, mas não beijei ou fiz algo
desrespeitoso a elas. Rogério foi ao microfone e falou várias merdas. Meu pai
dançou em cima da mesa do DJ e Natanael sensualizou para um cara. Eu sempre
estava com uma garrafa de bebida na mão. Fui ao banheiro sozinho algumas
vezes. Mas o pior foi quando Rogério mandou todos embora porque estava
cansado, isso após beijar uma mulher, e simplesmente caiu no chão, onde eu o
encontrei. Quando todos saíram, eu deitei por conta própria no chão rindo sem
parar. Natanael e meu pai encontram sozinhos seus lugares de descanso. E minha
aliança? Deve ter se perdido no meio dessa palhaçada toda. Que merda!
Agradecemos ao rapaz e saímos dali.
— Nunca ninguém deve saber que fizemos esse vexame. Espero que
ninguém tenha filmado nada — Rogério resmunga.
— Duvido que alguém lembrou de celular. Estava todo mundo louco —
falo.
— Senhor, achamos isso aqui no banheiro. — Uma moça, que está
limpando com o pessoal que chegou, entrega a minha aliança ao Rogério e se
afasta.
— Pelo menos vai voltar com a aliança, porque a dignidade ficou em
Vegas! — Rogério diz me entregando a aliança.
— Não fui eu que mandei todos embora porque queria dormir. — rebato.
— Eu vou ter que assinar o divórcio. Sua mãe vai me obrigar a isso —
meu pai fala desesperado.
— Ninguém vai saber de nada. Vamos para o hotel, tomar um banho e
comer. E vamos nos preparar para retornar ao Brasil. O que aconteceu aqui, não
vai sair daqui — Natanael diz. — Eu vou ter que mentir para minha menina
Hannah. Sou um péssimo homem de confiança.
— Como será que foi a despedida da Raquel? — questiono.
— Garanto que bem melhor que a nossa. Porra, preciso de remédio.
Minha cabeça vai explodir — Rogério reclama.
Raquel Pereira
Ela estaciona o carro e é a boate que eu vim uma vez com o Téo.
— O que estamos fazendo aqui? — Samira pergunta colocando a cabeça
entre os dois bancos da frente.
— Vão descobrir.
Ela pega o celular e disca para uma pessoa chamada “Cretino”. Está no
viva-voz.
— O que você quer? — A voz é inconfundível. Rogério.
— Quero que passe as ordens da sua boate a mim. E libere as dançarinas
para irem embora.
— Como é? Bebeu demais? — Ele ri.
Samira e eu permanecemos mudas.
— Não. Mas o seu amiguinho cancelou a reserva na casa noturna que
iríamos. Ele não vai destruir essa despedida. Então a segunda opção é o buraco
que chama de boate.
— Nem pensar. Não tenho nada a ver com isso! — Ele está nervoso.
— Não? Como ele descobriu a casa noturna que iríamos?
— Como não descobriria? Ele conhece todas as casas noturnas da
cidade. E não é idiota, saberia que você fez a reserva no seu nome. A cidade é
pequena. Não demoraria mais que meia hora para ele descobrir.
— Um ponto para você. Mas não é justo o que ele fez. Então, como
padrinho, deve ajudar. Faça o que falei.
— Só pode ser brincadeira. O Téo é imbecil.
— Cuidado. A noiva dele está ouvindo tudo — ela diz em tom de
provocação.
— O Téo é um figlio di puttana! — diz bem nervoso.
— Acho que xingou minha mãe. Que feio. Se ela descobrir te mata.
— Ué, Rogério fala italiano? — Samira cochicha no meu ouvido.
— A mãe dele era italiana. Ele morou no país um tempo. Conheço ele
tem um tempo, antes que questione isso — respondo e sorrio.
— Quantas novidades! — ela diz pasma.
— Está bem. Vou dispensar as dançarinas, e está tudo por conta da casa.
Farei o que pediu. Espere minha ligação e vai poder entrar na boate.
— Muito obrigada. Se o seu amigo achou que não teríamos uma noite
animada, está enganado.
— Sei. Vou ligar para você daqui a pouco.
Eles desligam.
— Hannah, você é maluca?
— Um pouco, Raquel. Agora preciso mudar o local dos dançarinos. Na
casa noturna, eu tinha reservado um espaço exclusivo e levaria eles. Agora tenho
que mudar os planos.
— D-dançarinos? Por que eu acho que isso não vai acabar bem? —
comento.
— Relaxa, eu cuido de você — Samira diz.
— Seu noivo tentou acabar com a sua despedida. Mas eu jamais iria
deixar. Vamos nos divertir e muito! — Hannah grita.
Deixamos os copos no balcão e ela arrasta a gente para a pista vazia.
Começamos a dançar. Não danço como elas, mas me divirto muito. Ficamos
rindo sem parar. Tiramos fotos juntas, e sozinhas, e voltamos a dançar. Hannah
começa a fazer gracinhas com as algemas, arrancando gargalhadas da gente.
— São as nossas regras, já diz a letra da música! — Hannah grita.
— É isso aí... — não vou discordar. Não com ela com algemas.
Homens vestidos de ternos preto começam a entrar. Contei dez. Um mais
bonito que o outro, não posso dizer o contrário, porque estaria mentindo.
— AI. MEU. DEUS! — Samira grita. — Fomos para o céu, e ninguém
avisou. Que recepção!
Eles nada dizem. Seguem para o palco. Alguns funcionários da boate
trazem bebidas para a gente e três cadeiras, onde nos sentamos.
— Fomos informados que a festa foi invadida por homens muito sérios, e
talvez precisem revistar as mocinhas — O DJ diz ao microfone.
Meu Deus. O que a doida da Hannah aprontou?
— Hora da despedida, Raquel! — Hannah diz animada.
Luzes se apagam, a do palco se acende, piscando sem parar. A música
para. Meu coração está acelerado pela ansiedade do que vão aprontar. Os
homens estão sérios. Viro para o os gritinhos que vem atrás de nós. Arregalo os
olhos, quando uma luz branca e intensa fixa em quem grita. MINHAS TIAS!
Elas entram sendo carregadas por dois homens. Que mundo vim parar?
— Uhuuuuul! — Samira grita animada batendo palmas.
Elas são colocadas de pé ao nosso lado.
— Surpresa! — gritam animadas.
— Eu não acredito... São loucas. São todas loucas! — exclamo assustada.
Elas todas riem. Trazem mais duas cadeiras para elas, que se sentam.
— Achou mesmo que iríamos perder isso? — tia Noemi diz animada.
— Não sei como pude pensar que sim — falo muito abismada.
— Sempre quis participar de uma despedida de solteira. Que diversão! —
Tia Cássia bate palmas animada.
— Só curte o momento, cunhadinha! — Hannah fala e sorri para mim.
— Quero dizer que podem gritar muito. E essa noite é de vocês, garotas!
— o DJ diz, e elas gritam.
Servem bebidas as minhas tias. E colocam uma pequena mesa a nossa
lateral. Bebo um bom gole de suco e coloco o copo sobre ela. Eu consigo
relaxar. Claro que consigo! Tudo fica bem escuro, até o palco. Não se vê nada.
Apoio as mãos sobre as pernas. De repente, as batidas da música começam.
Ainda está tudo escuro. Escutamos apenas a letra:
When I walk on by
Girls be looking like damn he fly
I pay to the beat
Walking on the street
With in my new lafreak, yeah
This is how I roll
Animal print
Pants out control,
It's RedFOO with the big afro
7
And like Bruce Leroy I got the glow
Uma luz se acende em cima da gente, e outras piscam sobre o palco. Eles
já não estão mais com paletó. Todos olham para frente, bem sérios. De repente,
eles tiram as camisas de forma brusca. Elas gritam. E eu também grito, mas pelo
choque. Jogam as camisas na nossa direção, e começam a dançar enquanto tiram
a calça. Minha boca se abre e meus olhos arregalam. Olho para elas, que riem da
minha cara, pelo visto.
— SÓ RELAXA, RAQUEL! — Samira grita.
Enquanto alguns ficam no palco, outros descem e vem cada um na nossa
direção apenas de cueca branca, e começam a dançar de um jeito que jamais
imaginei que veria um homem fazer. O moreno à minha frente desliza a mão
pelo meu rosto e segura meu queixo. Sussurro um “Ai, meu Deus”, mas pelo
visto ele lê meus lábios.
— Sou quem desejar essa noite — ele diz em meu ouvido e engulo em
seco.
Apoia a mão na minha cadeira e começa a fazer movimentos de vaivém
na minha direção. Os outros fazem o mesmo com elas, que gritam animadas. Eu
vou perder meu noivo, se ele sonhar com isso! Ele segura minha mão e faz
deslizar por seu corpo, solto um gritinho, quando se aproxima de sua cueca, ele
dá uma piscada e se afasta com os outros. Estão todos sincronizados em seus
movimentos. Outro dançarino vem até mim e segura minha mão me levantando.
— VAI LÁ, RAQUEL! — elas gritam.
— Não sou a Raquel! — rebato desesperada.
— Claro que é. Recebemos sua foto, Doçura — ele diz a minha mentira
e fico brava quando me chama assim, porque só uma pessoa me chama assim.
Outra música inicia e sou levada ao palco. Sou centralizada ali. Enquanto
alguns dançam, três me cercam e dançam ao meu redor. Acabo rindo, não
consigo acreditar aonde vim parar. Acho que é o famoso: rindo de nervoso. Vejo
elas bebendo mais, enquanto se levantam e dançam animadas. Até minhas tias.
Deus, no que minha família se transformou? Um deles tira a minha tiara de
diabinha e coloca uma que trouxeram, com um véu curtinho de noiva. Segura
minha mão, e faz eu dar uma voltinha. Acabo rindo ainda mais e entrando na
maluquice.
— SE SOLTA, AMIGA. DANÇA! — Samira grita animada.
Tia Cássia faz uma dança, que acho que não é usada há muito tempo e a
tia Noemi vai no embalo. Quer saber? O Téo com toda certeza está se divertindo.
Está na hora de eu começar a quebrar algumas coisas que são tabus na minha
vida. Deixo me levar pela música e danço com eles. Começo a me divertir muito
ao som da música. Essa já ouvi algumas vezes no carro da Hannah, nessa
loucura do casamento. Ela disse que é uma das prediletas dela: We found love, da
Rihanna. Danço no meio de dois. Outros vão até elas, que se divertem também.
Depois de um tempo descemos do palco e nos misturamos com elas.
Téo Lima
Ontem estive com meu tio e conversamos muito. Ele disse que hoje
alguns jovens viriam com a monitoria da diretora da ONG que eles estão
prestando serviços. Ele daria conselhos, palavras de apoio, faria de tudo para
ajudar. Era para eles que meu tio falava quando chegamos. Um pouco depois
terminou e um por um foi pedir a bênção e foram embora sorridentes, com um
semblante iluminado, e a senhora que estava no banco conosco foi junto, pois
era a diretora da ONG.
As palavras ditas hoje mexeram comigo, porque é o que resumi minha
vida inteira: medo. Quantas vezes deixei e ainda deixo este sentimento ser maior,
e me controlar? E hoje ouvir tudo isso parecia que havia sido anestesiada. Uma
sensação de calmaria. Ajeito minha postura e aperto minha correntinha de
crucifixo no pescoço. Meu tio se ajeita no estande amadeirado.
— Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém — ele diz e
fazemos o sinal da cruz.
— Amém. — Respiro fundo. — Faz tempo que não faço isso — digo
baixinho.
— Se sente forçada a fazer isso?
— Não. Isso é necessário, entendo perfeitamente.
Ficamos um tempo em silêncio, até que ele diz:
— Digas, o que tem para pedir perdão ao Senhor?
— Irei me casar e quero que tudo se inicie corretamente. Sei que não
podemos mentir, principalmente na confissão, então direi. Eu pequei.
— Qual o seu pecado, filha?
— São tantos ultimamente. Eu menti para a minha mãe. Também teve a
vez que fui a uma boate cheia de coisas erradas e menti sobre o local que iria.
Me entreguei a um homem antes do casamento e resultou em gravidez. Dancei
para outro homem na despedida de solteiro. Já fiquei bêbada. E tem o fato de
estarmos escondendo a gravidez de pessoas próximas, que eu sinto que não
deveria, mesmo o médico dizendo que falta pouco para poder revelar.
Ele pigarreia e respiro fundo, alisando lentamente minha barriga.
— E veio atrás do perdão com sinceridade?
— Sim... Não... Eu não sei. Não me arrependo de nada. Mas sei que errei
em muita coisa. O que eu faço?
— O arrependimento deve ser sincero. Tudo o que fez não lhe causa
nenhum tipo de arrependimento?
— Algumas coisas sim, como ter mentido a minha mãe e ter ido à boate,
foi horrível ver outra mulher beijar o meu agora noivo.
— Céus... Somente disso se arrepende?
— Sim. Tenho que ser sincera.
— Muito bem...
Ele insiste se não tenho mais nada do que me arrependo e não posso
mentir. Digo a mais pura verdade, que já declarei. Não me arrependo além de ter
mentido a minha mãe e ter ido à primeira vez com o Téo naquela boate. Mesmo
eu sabendo que outras coisas foram contra ao que a igreja me ensinou, eu não
consigo me arrepender. É me dado a penitência pelo que me arrependo, e não é
nada exorbitante como imaginei que seria, mas me aconselhou desabafar mais
com Deus e tentar não desviar das coisas boas que aprendi dentro da casa do Pai.
Encontro o Téo ainda sentado e ele me avalia.
— Ele não te enforcou?
— Téo! Ele é padre. Jamais faria isso.
— Duvido!
— Estamos na igreja. Não comece. Vá, é sua vez.
— Sua penitência foi muito grande?
— Vá, Téo.
Ele revira os olhos e se levanta indo até o meu tio. Deixo minha bolsa no
banco e me ajoelho para começar as rezas.
Téo Lima
Téo Lima
Chego na casa do Rogério que me xinga por ser muito cedo. Sento na
poltrona e ele deita no sofá cobrindo os olhos.
— Porra, que belo padrinho. Nem para preparar um café da manhã
prestou.
— Que eu saiba, a noiva merece um dia para ela, você merece um murro.
— Que humor maravilhoso. Levanta o astral de todos — provoco.
— Prepare café na máquina. Se vira, cara. Estou cansado.
— Ficou até tarde na boate?
— Sim. E cheguei em casa e fui trabalhar. Dormi duas horas apenas.
Muita papeladas e coisas para resolver.
Olho na mesa de centro e realmente tem notebook, envelopes, papéis.
Trabalhou na sala.
— Farei um café! Se anima, porra.
Levanto e passo por ele dando um tapa em sua cabeça.
— Vai casar sem mão, idiota!
Vou até a cozinha e preparo dois cafés, para animar a fera na sala.
Retorno e entrego uma caneca a ele, que senta no sofá e passa a mão pelo cabelo.
Bebo um gole do meu café, e olho na direção da bagunça dele, e algo me chama
a atenção. Me inclino diante da mesa de centro e pego um envelope.
— Porra, me dá isso aqui, Téo! — ele pede nervoso e me afasto.
— “Despedida de solteira”, belo título para um envelope.
— Téo, não faz isso. Me dá essa merda. Isso é confidencial!
Percebo que tem outros envelopes com outros nomes e datas. O que está
na minha mão está vazio.
— Cadê a filmagem daqui?
— Não existe filmagem. Para com essa merda.
— Suas boates têm câmeras e por segurança maior, se teve evento no dia,
nomeiam e guardam tudo, você comentou uma vez. Você viu a despedida da
Raquel?
— Não vi nada. Esquece isso, cara.
Deixo a caneca na mesa e reparo no pen drive no notebook, porque ele
tem o número que está no topo do envelope. Deixo o envelope de lado também e
pego o notebook. Agora vou saber o que aconteceu.
— Porra, Téo! — Ele se levanta rapidamente, e tenta tirar o notebook das
minhas mãos, mas não permito. — Foda-se. Desisto. Só deixe claro depois que
não concordei com isso.
Abro o notebook e apoio no espaço livre do aparador bar. A pasta já está
aberta e tem a filmagem. Clico e seja o que tiver que ser.
Meu amor essa é a última oração
Pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na despensa
— A banda mais bonita da cidade “Oração”
Raquel Pereira
Sorrio emocionada. Ele não sabe ser romântico por muito tempo. Não
posso chorar e ele faz isso. Ergo o paninho vermelho e então a surpresa vem.
— Que lindo!
Deixo a caixinha e o papel sobre a cama e pego o presente com cuidado.
É um terço para noivas. Eu vi na internet ontem à noite e mostrei a ele. Ele disse
que a loja era na cidade, mas não imaginei que ele compraria. É ainda mais lindo
em mãos. É em Cristal Preciosa Aurora Boreal. Muito delicado e realmente
muito especial. Aperto em minhas mãos e fecho os olhos.
— Deus, obrigada. Eu só quero agradecer hoje. Eu cheguei até aqui com
a sua ajuda, porque sem Ti, não sou nada. Falhei muitas vezes, mas mesmo
assim não desistiu de mim. Obrigada. Muito obrigada. — Uma lágrima escorre e
sorrio com a sensação de ser abraçada neste momento.
Minha mãe fica a minha direita, e minha avó a minha esquerda. Aperto o
buquê e o terço e respiro fundo. A moça na porta leva a mão ao ouvido e começa
a contar indicando os dedos.
Um... Dois...Três...
— É agora — ela diz baixinho.
Respiro fundo, porque agora não tenho mais volta, e nem queria. É o meu
momento. Todos já entraram, falta apenas eu, e a Cate, que vai entrar depois. A
marcha nupcial se inicia e as portas se destravam, então se abrem lentamente. As
duas mulheres importantes estão ao meu lado, sorrindo emocionadas. Fecho os
olhos por um instante, e quando abro vejo o olhar mais lindo do outro lado de
igreja. Lá está ele à minha espera. Começamos a caminhar, e parece que não
existe mais ninguém a minha volta.
Eleonor falou sobre essa sensação, mas imaginei que fosse alguma
metáfora. Engano meu. É como se existisse apenas ele e eu. Seu olhar brilha, e
seu sorriso é contagiante. Em um terno escuro e bem alinhado, cabelos e barba
bem arrumados, e uma gravata clara, ele me espera com as mãos na frente do
corpo em movimentos nervosos com os dedos.
Escuto as pessoas cochicharem, mas não consigo olhar para elas. Meu
foco é ele. Sei que no altar estão os padrinhos, meu tio, os pais dele, mas meu
foco é no meu amor. A cada passo, flashes disparam, e os fotógrafos caminham
acompanhando meus passos. Esse percurso nunca pareceu tão longo como agora.
A orquestra continua a tocar, com suavidade e calmaria. Falta pouco. Estou
chegando até ele.
Em passos lentos, caminha um pouco na minha direção parando um
pouco longe do altar. Enfim, nos aproximamos, e ele cumprimenta minha mãe e
minha avó, então toma a minha mão trêmula e gelada. Deposita um beijo nela e
caminhamos juntos até o altar.
Finalmente olho para o meu tio, que enxuga as lágrimas que escorrem em
seu rosto. Aumento meu sorriso e começo a chorar. Não consigo mais controlar.
Téo sussurra: “você está linda, meu amor”, bastante emocionado. Sem delongas,
meu tio pega o microfone e começa a cerimônia. A cada passagem bíblica e
palavras ditas, as lágrimas caem sem parar. Téo fica segurando minha mão e
acariciando. Meu buquê está com a Samira, que não para de chorar, e o
Benjamin fica olhando para ela e revirando os olhos. Já Hannah mantém certa
distância do Rogério, que fica provocando-a e se aproximando sempre. O
momento de dizer o “sim” se aproxima. Os votos serão feitos antes das alianças.
E meu tio pediu para dizer algumas coisas por parte dele também. A pergunta
mais esperada é feita:
— Téo Lima, você aceita casar-se com Raquel Pereira?
Ele segura minhas mãos e me olha fixamente nos olhos.
— Sei não. Preciso pensar. — Arregalo os olhos e ele sorri. — Claro que
eu aceito. Sim! — Todos riem.
Meu tio pigarreia.
— Raquel Pereira, você aceita casar-se com Téo Lima?
— Sim. Eu aceito — respondo com a voz embargada pelo choro.
— Antes de declará-los casados, os noivos farão seus votos. Por favor,
silêncio. — Ele afasta o microfone entregando ao Téo.
Segurando ainda uma de minhas mãos, ele sorri.
— É complicado falar neste momento, porque normalmente nunca sou
romântico até o final. Mas tudo o que penso em falar, eu já disse a você, com
atitudes e palavras. Eu não poderia imaginar que um dia estaria aqui, casando
com uma pessoa maravilhosa como você. Não foi fácil chegarmos até aqui, mas
em meio a intrigas, dúvidas, medos, chegamos ao hoje. O que mais admiro na
nossa relação é que mesmo quando tudo parece desandar, mantemos o foco e
confiamos um no outro. Sempre soube que relacionamentos não eram fáceis,
mas juntos conseguimos superar nossos problemas. Quero que saiba que está
ainda mais gata hoje, minha Santinha, e estou ansioso para o que vai vir depois
da igreja e festa, e claro para a nossa vida de casados, se bem que já adiantamos
algumas coisas, que não vem ao caso no momento. Saiba, que eu te amo hoje e
sempre.
Acabo sorrindo em meio às lágrimas. Téo é o meu melhor presente.
Ele me passa o microfone e pego com a mão trêmula.
— Sou péssima em conseguir me expressar ainda mais em público.
Pouco demonstro meus reais sentimentos por você, mas de alguma forma
consegue vê-los. Isso é tudo novo para mim. Nunca imaginei que poderia viver
essa vida. Mas estou aqui, vestida de noiva e com um homem lindo, maravilhoso
à minha frente. Quando te vi pela primeira vez dentro daquele mercado, com sua
mãe, de alguma forma me atraiu. E foi então que acabei indo trabalhar no
mesmo hotel que você, sem imaginar que o encontraria, mas Deus já havia
planejado tudo, e o resultado é este. Hoje é um dos dias mais felizes da minha
vida, porque irei ser oficialmente a sua mulher, companheira, e iremos construir
a nossa família. Muitos podem pensar que aconteceu tudo rápido, mas, para
mim, é como se o mundo estivesse parado, não girasse mais, estivesse tudo em
calmaria e fossem anos. Cada instante ao seu lado é especial e inesquecível. Sei
que para alguns é um choque estarmos juntos, só que não imaginam quem é você
de verdade, o homem maravilhoso que é. Hoje, eu tenho a mais pura certeza de
que você é o meu pecado mais perfeito. É o meu drama mais intenso. É o meu
grande amor. Eu te amo, Téo — termino de dizer e olho para todos que choram.
Téo enxuga o rosto, e acaricia minha mão. Meu tio pega o microfone.
A hora das alianças chega e Catarina adentra a igreja completamente
linda, com um vestido parecendo de princesinha. Ela para a nossa frente toda
encantadora e estende o porta-alianças. Meu tio pede para que o Téo pegue e
repita o que ele falar, enquanto coloca em meu dedo. E assim Téo o faz, mas
antes deixa um beijo na testa da filha. O brilho dourado é chamativo e muito
bonito. Ele coloca em meu anelar da mão esquerda, e deposita um beijo em
seguida. Faço o mesmo com ele, logo em seguida. Catarina se afasta ficando
com a avó. O nervosismo passa, e as lágrimas viram sorrisos que não saem do
meu rosto.
— Antes de declarar o que todos esperam, gostaria de dizer que é uma
honra imensa poder celebrar este casamento. Como padre, é apenas mais uma
grande bênção que desejo que dure eternamente, mas como tio é uma alegria que
não cabe dentro do peito. Passei os últimos tempos subestimando ao menino
Téo. Sempre achei que ele não serviria para a minha sobrinha, afinal eu o olhava
com os olhos carnais, e fazia julgamentos, coisa que sempre condenei, mas sou
humano, cometo falhas. Briguei algumas vezes com ele, e rezei muitas outras
achando que por minha culpa Deus condenaria minha sobrinha. — Ele sorri. —
Foi um tremendo engano. Este rapaz, tem suas travessuras, mas lembro que
desde muito jovem já era assim, porém tem um bom coração. E hoje, vendo o
brilho no olhar de ambos, noto que realmente o amor surge de onde menos
esperamos. Que Deus me perdoe por ter julgado a este menino, porque assumo
tal falha. E também que fique claro que minha sobrinha merece o melhor da
vida, porque foi a mais guerreira desta família quando tudo estava em ruinas.
Hoje algo que vivia pedindo a ela aconteceu.
Volto a tentar controlar o choro que havia ido embora.
— Eu sempre disse para que voasse, meu pequeno passarinho, e você
fez. Bateu suas asas, e está voando. Nenhuma gaiola te prende mais. Continue
espalhando o amor, a paz, o carinho e a luz que tem. Seja muito feliz.
Assinto bastante emocionada. Escuto o soluço da Eleonor; e quando
olho, ela está sendo amparada pelo Augusto. Minha mãe também chora e ver
minha avó abraçada a ela é tão lindo, tão gratificante. É tão obra divina.
— Então, se alguém tem algo a dizer que fale agora ou cale-se para
sempre.
Alguns segundos se passam diante do silêncio, e quando meu tio vai
falar, meus olhos arregalam e fico preocupada. Todos cochicham, e o Téo fica
olhando para a minha mãe, que para na frente dele e sem dizer qualquer palavra
o abraça. Assustado, ele retribui meio desajeitado. Meu tio estende a mão para
mim, e aperto enquanto choro com a cena. Não dizem nada, mas sei o quanto
esse passo é significativo para ambos. Ela se afasta e volta ao seu lugar. Téo
pisca rapidamente para tentar conter as lágrimas, mas é inútil, porque caem. Sei
que, de alguma forma, isso foi uma aprovação dela, e teve bastante importância a
ele.
— Eu então os declaro marido e mulher. Podem selar a união com um
beijo.
— Nossa, até que enfim! — Téo diz levando todos ao riso.
Ele me puxa para si, e então segura meu rosto e beija-me.
Estou em choque. Eu sabia que a Hannah planejava algo grande, mas não
imaginei que faria em um castelo que tem na cidade. Estamos na parte da frente,
logo após a primeira entrada. Sofás estão em um canto bem posicionados. Com
plantas e flores bem espalhadas. Esta parte é aberta, dando uma bela visão da
noite. Velas compõem a decoração e algumas estão penduradas nos galhos das
árvores, deixando tudo mais romântico. Fizemos o caminho mais longo até o
local, pois daria tempo de todos que estavam na igreja chegarem e também
porque paramos em alguns lugares bonitos, para fazermos fotos com a equipe de
fotógrafos e imprensa que nos seguia. Um rapaz nos leva até a outra porta que
está fechada, e não demora para a mesma ser aberta e uma onda de aplausos,
assovios e flashes serem disparados para nossa chegada. Sorrio timidamente e
meus lábios se abrem com mais uma surpresa. Mesas quadras e ovais estão
espalhadas pelo enorme espaço, fazendo uma linda combinação. Cortinas de
luzes contornam todo o espaço. Em cada mesa há vasos com girassóis. No centro
do espaço há uma ilha gastronômica toda feita de luzinhas. Como também um
imenso telão onde passa nossas fotos em preto e branco. A decoração é
contemporânea, trabalhada em tons terrosos. Está tudo lindo demais!
Começamos a cumprimentar os convidados e fazer mais fotos. Robson
foi com a família e Mayara também apareceu. Fico feliz, pois são alguns dos que
realmente gosto do hotel. Natanael foi à igreja e nos cumprimentou na saída,
mas faz novamente. Adoro esse homem. Hannah informa que a pista de dança
está na ala ao lado, e que teremos uma surpresa. Para irmos todos para lá, e
depois abriremos o jantar.
Téo Lima
Raquel Lima
Téo Lima
Raquel Lima
Téo Lima
Raquel Lima
Tempos depois...
Téo Lima
Raquel Lima
Nicolas acaba pegando no sono depois da farra. Téo vai para o escritório,
e eu estou no quarto lendo um livro, pelo qual estou apaixonada, a mocinha é
doida, quer vingança e o homem outro doido, querendo que ela desista disso. É
muito bom, e tenho que confessar, bem picante. Meu celular faz barulho de
mensagem. Pego para ler e estranho por ser do Téo.
Acesse ao Spotify para escutar todas as músicas que estão dentro do livro.
Link da Playlist:
https://open.spotify.com/playlist/0tWjVJAp3DEzaEwNqJHVwb
Agradeço primeiramente a Deus por todas as conquistas que me proporciona.
Nunca fui a melhor pessoa em agradecimentos, por achar que seria injusta com algumas pessoas.
Mas, vamos lá. Beatriz Ferreira e Liziara Araújo, obrigada por serem essas amigas, betas e grandes
inspirações para mim. Tudo começou na Série Escobar, e desde então me inspiram diariamente. Cada
elogio, dicas, incentivo de vocês ao lerem cada capítulo antes de todos, tornam tudo especial.
Também quero agradecer de coração a Mariana Coelho, que me apoiou quando eu mais precisei, e
sempre foi nos momentos de pânico, estresse, e quando eu achava que não conseguiria concluir a história,
dizia para eu ter calma, e fazer as coisas no meu tempo, e claro, me arrancou boas risadas e muitas piadas
internas surgiram.
E como sempre digo: obrigada a você que pegou este livro nas mãos e tornou esse sonho
realidade.
Com amor,
Deby Incour.
Deby Incour é brasileira e começou a escrever em 2014 e desde então nunca mais parou. Seus
livros foram publicados no Wattpad e renderam milhares de leituras. Em 2016 se destacou ainda mais com a
Série Escobar, se tornando autora bestseller com o primeiro livro da série na Amazon brasileira. Sempre
amou o mundo do “era uma vez”, e poder criar o seu próprio foi como ter uma varinha mágica ou um gênio
da lâmpada realizando seus desejos. Também é completamente apaixonada por romances de época, onde
sonha com bailes e vestidos bufantes. Adora tirar fotos, e assistir filmes clichês como as famosas comédias
românticas. Porém, é quando escreve ou lê que tudo fica perfeito, além de escutar músicas e cantar na ilusão
de que faz isso muito bem.
Instagram.com/deby.incour
EDITORA ANGEL
VISITE NOSSO SITE
WWW.EDITORAANGEL.COM.BR
Notas
[←1]
Mister Sin significa “Senhor Pecado”
[←2]
Cazzo é um xingamento em italiano podendo ser “caralho” em tradução livre.
[←3]
“Metrossexual” é dado para todo homem que gosta de cuidar da pele, unhas, cabelos, estar sempre na
moda e etc. Para alguns, é dado como homossexual, porém o que marca o comportamento de um
metrossexual é o seu estilo vaidoso e os cuidados excessivos com a imagem, sendo hoje um marco
dentre os heterossexuais.
[←4]
“têt-á-tête” é uma conversa privada entre dois indivíduos.
[←5]
Música One Day - LMFAO
[←6]
Música We Can’t stop – Miley Cyrus
[←7]
Música Sexy And I Know - LMFAO
Table of Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Epílogo
Playlist do livro
Agradecimentos
Sobre a autora
EDITORA ANGEL