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© 2019 Deby Incour


Copyright © 2019 Editora Angel

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte dessa obra poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer
forma, meios eletrônico ou mecânico sem a permissão por escrito do Autor e/ou Editor.
(Lei 9.610 de 19/02/1998.)
1ª Edição
Produção Editorial: Editora Angel
Capa e projeto Gráfico: Débora Santos
Diagramação digital: Débora Santos
Revisão: Carla Santos
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da
imaginação da autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
TEXTO REVISADO SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA.

Editora Angel
Campinas/ SP


Sumário:
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Epílogo
Playlist do livro
Agradecimentos
Sobre a autora
EDITORA ANGEL

“A força maior, que tanto precisamos encontrar, não deve estar em


ninguém além de nós mesmos. Temos que ser a nossa maior base de apoio. Não
devemos apenas esperar coisas grandiosas e divinas. Temos que ir à luta. Não
precisamos ser fortes o tempo todo, mas precisamos o tempo inteiro acreditar
que algo bom acontecerá. Nós atraímos a força. E também as coisas boas.
Palavras e pensamentos têm poderes, então precisamos usar isso para as coisas
boas, para ser a nossa força maior.”

Ela é uma mulher menina
Que precisa urgentemente ser mais forte
Ela quer alguém que leia seu sorriso
Antes de olhar o seu decote
— Luan Santana “Garotas não merecem chorar”

Raquel Pereira

Deus fez o céu e a terra, criou o dia e a noite, separou as trevas da luz,
entre muitas outras maravilhas. Religião? Acredito que Ele não seja uma
religião, e sim amor. É nisso que eu acredito. Mas por que é difícil para as
pessoas respeitarem opiniões que não sejam iguais às delas? Por que é tão difícil,
minha mãe respeitar a minha opinião e entender que eu acredito em Deus, porém
não tenho que seguir ou concordar com o que a igreja diz?
Pertencer ao lar cristão da minha mãe pode não ser tão fácil quanto as
pessoas pensam. O livre-arbítrio não existe, pelo menos, não na minha casa.
Aqui são as regras da minha mãe, e ninguém em sã consciência deve ousar
quebrá-las.
Dona Elisângela Pereira é uma viúva completamente religiosa. Suas
regras são quase leis, e não dessas que existem brechas ou podem ser quebradas.
É do ventre dela que eu surgi, e fui criada como diz ser correto. Mas sempre me
senti diferente, só não sei como.
Quero conhecer o mundo, ter amigos e ir para lugares diferentes. Isso não
é pecado, ou é? Já nem sei mais. São vinte anos da minha vida seguindo as
mesmas regras e fazendo as mesmas coisas. Estudei em um colégio religioso.
Meus passeios sempre foram em ONG’s, igreja, obras de caridade, e reuniões
familiares. Fui ao shopping uma vez com colegas do colégio, mas que minha
mãe não sonhe com isso, ou nem sei do que ela seria capaz. Eu a amo, mas
confesso: ela passa dos limites muitas vezes.
Quando meu pai faleceu, minha mãe ficou pior, talvez a tristeza tenha
feito isso a ela. Meu tio, o padre João, diz que não há nada que se possa fazer.
Ele compreende que Deus ama a todos, e só cabe a Ele julgar alguém. Mas é
uma pena que mamãe não pense como meu tio.

Estando no hall da fama
E o mundo conhecerá o seu nome
Porque você brilha com a chama mais viva
E o mundo conhecerá o seu nome
E você estará nas paredes do hall da fama
— The Scrip “Hall Of Fame”

Téo Lima

Aproximo-me do estande pequeno e fechado. Observo o crucifixo


pendurado. Ajoelho-me ao banco vinho estofado. Vejo o padre, através da tela.
Pigarreio, e então respiro fundo.
— Padre, eu pequei. Preciso me confessar.
— Quando foi a última vez que se confessou, meu filho?
Penso por alguns segundos antes de responder:
— Esta é a primeira vez.
— Conte-me o que lhe aflige.
— Sabe, estive pensando, acho que Deus está me condenando por algo, e
queria que o senhor me dissesse o que seria.
— Ora, por que Ele estaria te condenando?
Faço uma lista mentalmente e é enorme, mas prefiro focar apenas no
principal.
— É o que estou tentando descobrir.
— O que aconteceu, para pensar tal coisa?
— Eu sempre saio com muitas mulheres, mas da última vez não senti
tanto... Como posso dizer? Ah, padre, o negócio não subiu.
Ele tosse.
— O senhor está bem?
— Sair com muitas mulheres não parece ser uma boa decisão...
— Padre, não é para condenar. Eu vim aqui buscando ajuda. Algo
aconteceu, e como é parte da natureza humana, então o senhor, que tem uma
ligação mais forte com a divindade, poderia fazer essa pergunta a Ele.
— Eu não sou diferente de ninguém. Ele atende a todos os pedidos,
desde que sejam feitos com sinceridade e amor.
— Padre, eu pequei com a moça. Minha reputação está em jogo agora, e
preciso de uma solução. Penso que pode ser Ele me condenando por ela ser irmã
da minha ex-noiva. Será?
— Filho, não sente vergonha disso? — A surpresa em sua voz quase me
faz rir.
— Não. Vergonha eu sinto pelo negócio não ter funcionado. Pelo amor
de Deus, eu preciso de ajuda Divina, isso deve ser alguma condenação.
— Não diga o Seu santo nome em vão, e em uma frase que Ele não
deveria estar. Não se arrepende pelo que anda fazendo?
Isso é algum tipo de interrogatório e não fui informado?
— Deveria? — indago confuso.
— Santo Deus!
— Eu não posso falar o nome Dele em vão, e o senhor pode? Depois diz
não ser diferente sua ligação com Ele. — Reviro os olhos.
— Eu não quis...
— Padre, faz assim, quando descobrir o motivo desta atrocidade ter
acontecido, me procure. Sou Téo Lima, herdeiro do hotel Lima. Não tem como
não me encontrar. Sei que Ele vai te responder quando perguntar. Até mais.
— Você é o Téo Lima? Faz tanto tempo...
— Sim. Eu sei. Mas o assunto não é este. Até mais, padre.
Levanto-me e saio rapidamente, antes que alguém me veja.
Sinto-me aliviado. Sei que o padre vai me trazer uma boa resposta. Téo
Lima nunca broxa. Isso só pode ser algo referente a alguma condenação. Será
que é por eu estar fazendo poucas caridades? Preciso aumentar a lista de ajudas.
Caminho até a meu carro, minha Ferrari azul, mas para eu que sou intimo
é “minha bebê”, que tem uma potência de 670 cv. Destravo a porta e entro.
— Vamos lá, bebê. Hora de roncar esse motor.
Dirijo para o meu próximo destino, no qual estou bem atrasado e já posso
escutar os xingamentos daqui.
Estaciono e Robson, o manobrista, vem rapidamente ao meu encontro.
Saio do carro e jogo as chaves em suas mãos.
— Cuide bem dela!
— Sempre cuido, senhor.
Passo pelas portas duplas de vidro que se abrem automaticamente. Os
funcionários me olham e apenas cumprimentam com um aceno de cabeça. O
saguão está tranquilo, pois não estamos na temporada de visitas à cidade, que é
quando este lugar vira uma loucura. Aproximo-me do balcão e Natanael o
gerente do hotel, me olha por cima dos papéis que segura, com seus óculos na
ponta do nariz.
— Ele está uma fera!
Dou o meu melhor sorriso.
— Claro que está. Mas tenho uma desculpa excelente hoje.
Ele entrega os papéis para Pietra, que me olha sem parar.
— Terá sorte se a desculpa funcionar. Está uma pilha de nervos, pois
mais uma assistente pediu as contas. — Ele me olha como se eu fosse o culpado.
— Não tenho nada a ver com isso!
— Sempre diz isso! — Revira os olhos. — Agora saia, e deixe-me
trabalhar.
— Está bem. Porra, você anda muito estressado! — Pietra suspira, e
assim que sua colega Mayara se aproxima, ela cochicha algo e ambas me olham
vermelhas e sorriem. Finjo não notar.
Natanael me viu crescer, e sempre tenta amenizar os problemas que
causo. E eu com toda certeza adoro tirar o homem do sério. Uma das minhas
principais diversões.
Caminho até o escritório, e bato na enorme porta de madeira escura.
— Entre! — Pelo tom, está realmente irritado.
Abro a porta, e seu olhar é feroz.
— Feche a porta!
— Posso voltar outra hora...
— Feche a porta, Téo Lima! — fala a porra do meu nome completo. O
sermão será pesado hoje.
Faço o que ele pede, e me sento na cadeira à frente de sua mesa. Ele
analisa cada movimento meu. Cruza as mãos sobre a mesa, e então respira
fundo.
— Estou cansado dos seus atrasos e falta de interesse pelo hotel! —
esbraveja. — Téo, quando vai ser mais responsável? Está com 27 anos, e a única
coisa que faz é me dar trabalho. Eu estou velho, não aguento mais ter que
implorar para que se torne um homem de verdade, e pare de agir como um
moleque.
— Pai, em minha defesa, hoje fui...
— Não quero desculpas! — interrompe-me. — Eu cansei delas. Você não
se preocupa com o negócio da família. Só sabe ficar esbanjando dinheiro e
saindo com mulheres para cima e para baixo. Pelo amor de Deus, tenha juízo
meu filho!
Levanto-me e coloco as mãos no bolso da calça.
— Se eu não me importasse com este lugar, não estaria aqui todos os
dias.
— Mas é a mesma coisa de não estar. Por que vem apenas para azarar as
funcionárias. Hoje, minha assistente pediu as contas por sua causa! — Fica mais
alterado.
— Pai, não mandei ela fazer isso. Não tenho culpa, que não soube
entender que seria sexo e mais nada.
— Merda! — Ele soca a mesa. — Ela foi a nonagésima nona assistente
que pediu as contas porque o meu filho pensa apenas com a cabeça de baixo, e
as usa como quer e então descarta, e as moças sofrem por isso!
— Nossa!
— Para você ver!
— Pensei que era a centésima. Preciso melhorar. Muito pouco —
provoco-o.
— Chega. Eu desisto. De verdade desisto. — Abre os braços e depois os
fecha. — Meu filho, de verdade torço para que nunca seja necessário eu dizer
“eu te disse”, porque pode não parecer, mas é doloroso aos pais dizerem isso aos
seus filhos, porque foram teimosos. Uma hora, a vida pode cobrar de você toda
essa irresponsabilidade, e vai doer. Não estarei sempre aqui, e me dói saber que
este hotel que construí com muita dificuldade com sua mãe, não será bem
cuidado pelo meu próprio filho. — Coloca os óculos de grau. — Pode sair.
Saio sem dizer qualquer palavra. Como eu queria dizer a ele tudo o que
penso. Mas sei que jamais iria entender. Então resolvo ir embora.

Chego em casa, e para melhorar o meu dia, ela está sentada na minha
sala, folheando uma revista. Assim que me vê, sorri animada.
— O que faz aqui? — pergunto ao me jogar no sofá.
— Vim ver como estava a situação desta casa e fiz uma pausa para ver a
revista de fofocas. O que você faz aqui a esta hora? — Olha no relógio de pulso
e volta a olhar para mim.
— Esta é a minha casa — desconverso.
— Não mude de assunto. Não me diga que teve outra discussão com seu
pai? — Fecha bruscamente a revista e coloca sobre a mesa de centro.
Sorrio.
— Vocês dois ainda vão me enlouquecer! — Faz puro drama. — Vocês
precisam começar a entrar em algum acordo de paz.
— Dona Eleonor, não existe acordo de paz.
— Sou sua mãe, então trate de me chamar de mãe. Eu tenho uma vontade
imensa de arrancar a orelha dos dois. Mas no momento quero arrancar apenas a
sua. Meu filho, já até imagino o motivo da briga da vez. E não discordo de seu
pai.
— Mãe, não quero falar sobre isso.
— E o que eu tenho a ver com isso? Sou sua mãe, e vai falar sobre isso.
Sente a bunda direito neste sofá, e vamos conversar decentemente! — ordena, e
quando faz isso é melhor não discutir.
Ajeita-se na poltrona, arrumando o vestido branco.
— O que quer falar, mãe? — pergunto paciente.
— Por que está evitando aquele hotel? É alguma mulher? Meu filho, se
for, basta dizer. Mamãe conversa com a moça, posso ser uma boca cupido.
— Não, mãe. Na verdade, sou eu que fujo delas. — Sorrio.
— Então me diga. Já sei! É gay, e encontrou seu amor lá. Não irei julgá-
lo. Com a Hannah fora, sempre quis alguém que entendesse melhor o lado
feminino.
— Está louca?! Mãe, não é isso. Se tem algo que não sou é gay.
— Que pena... Mas, então por que foge daquele lugar?
— Não fujo. Apenas estou com a cabeça cheia.
— Sei... Se não disser o que está acontecendo, jamais poderemos ajudá-
lo a resolver — analisa-me desconfiada. — Está tão magrinho. Eu disse que
seria uma péssima ideia vir morar sozinho. Olhe só!
Se tem uma pessoa que consegue falar de vários assuntos em uma única
fala é minha mãe.
— Mãe, estou bem! Não tem nada para hoje?
— Na verdade tenho. Vou passar no hotel, para pegar as contas que
devem ser pagas, e depois preciso fazer compras no mercado.
— Dia cheio, hein! — Me esparramo no sofá.
— Pode levantar. Já que está sem fazer nada vai me acompanhar!
— Nem pensar. A última vez que fomos ao mercado juntos, a senhora fez
um barraco na fila, porque o presunto estava com preço diferente da prateleira.
— Fiz mesmo! Absurdo aquilo. Faço novamente se for necessário. Agora
vamos, ou te arrasto pelos cabelos.
— Mãe, quando Hannah retornará? A senhora precisa de alguém além de
mim.
— Nem me lembre. Aquela ingrata! Disse que ficaria um mês fora, e já
são um mês e um dia — diz chorosa. Reviro os olhos.
— Mãe, ela apenas foi aprimorar o curso de inglês e se livrar de tudo o
que aconteceu. Não foi embora para sempre.
— Não diga como se eu não soubesse. Quando aquela menina voltar, eu
irei trancá-la em uma jaula.
— Sabe que ela é maior de idade, não é?
— Téo, me diga algo que não sei? Vamos logo. E iremos no meu carro.
Aquele troço seu é perigoso demais.
— Não fale assim da bebê! — Ela faz um gesto com a mão e pega a
bolsa.
— Vamos, porque não tenho o dia todo!

No percurso até o hotel e depois até o mercado, ela disse o tempo todo
que eu estava dirigindo rápido demais, ou que iria matar os pedestres. E com
toda certeza não seria diferente na volta para casa.
Porra, isso tem que valer alguns pontos no céu, porque aguentar dona
Eleonor não é fácil.

Segura teu filho no colo
Sorria e abraça os teus pais enquanto estão aqui
Que a vida é trem-bala parceiro
E a gente é só passageiro prestes a partir
— Ana Vilela “Trem-bala”

Raquel Pereira

Termino de guardar o último copo, quando escuto barulho na porta de


entrada. Caminho até a sala, já sabendo quem é que acaba de chegar.
— Tio João! Que bom vê-lo. — Ele sorri para mim e se aproxima,
dando-me um beijo na testa.
— Minha querida, estava com saudades.
— Nos vemos todos os domingos na missa e, às vezes, no jantar.
— Verdade!
— Vamos para a cozinha. Tem café e bolo de milho da mamãe, que o
senhor adora.
Entramos na cozinha, e ele logo se senta. Arrumo a mesa, e sirvo-o com
bolo e café.
— Sua mãe, onde está?
— Está no quarto rezando. Como sempre...
— Brigaram novamente? — Relaxo os ombros e apoio as mãos sobre a
mesa, mexendo em meus dedos sem parar. Meu tio bebe um pouco do café, à
espera da resposta.
— Sim. São as brigas de sempre. Eu já deveria estar acostumada.
— Meu anjo, ninguém deve se acostumar com brigas. O que aconteceu
desta vez?
— Nada de novo. Implorei para que me deixasse sair, e ela respondeu o
de sempre, e então começou a se alterar.
Seu olhar se entristece.
— Tão complicado esta situação. A única solução é passar um tempo na
casa de uma de suas tias, eu já lhe disse isso.
Sorrio.
— Ela não permitiria. Disse que tia Cássia está desvirtuada e que tia
Noemi está indo pelo mesmo caminho. O senhor conhece bem minha mãe.
— Tem vinte anos, meu anjo, pode cuidar de si mesma.
— E quem cuidará dela? Além do mais, não tenho dinheiro, e não
conheço nada. Ficaria perdida lá fora. — coloca um pedaço de bolo na boca.
Ele afasta o bolo e o café.
— Eu sempre disse a sua mãe que mantê-la trancada do mundo, não seria
bom.
— Por que, tio? — Fico sem compreender.
— Veja só... Meu anjo ser tão inocente não é bom. Precisa saber lidar
tanto com o bem quanto com o mal.
Concordo, porque sei que seus conselhos são sempre sábios e repletos de
amor.
— Elisângela precisa entender que você tem o direito de conhecer o
mundo lá fora.
— Tudo é pecado para ela. O senhor viu a luta que foi para conseguir
uma televisão nesta casa. E quando estou assistindo fica próxima para saber do
que se trata.
Ele assente.
— Meu anjo, precisamos resolver isso. O tempo está passando, e estou
preocupado com o seu futuro.
Minha mãe entra na cozinha e nos olha seriamente.
— Boa tarde, minha irmã.
— Boa tarde. Algum problema com a Raquel? — questiona olhando-me,
mas desvio o olhar para as minhas mãos.
— Não! Raquel, nunca tem problemas. Até porque, que problemas uma
moça de vinte anos trancada em casa poderia ter?
Olho para a minha mãe, que franze o cenho e se senta na outra ponta da
mesa.
— Vejo que veio para afrontar-me. João, eu já lhe disse que a mãe dela
sou eu e sei o que é melhor!
— Sabe mesmo? Veja só, minha irmã! Mantém a menina trancada dentro
de casa. Não apresenta o mundo a ela, e tampouco permite que ela faça isso por
si só. O que quer para ela? Não iremos durar para sempre, e o que será dela?
Observo em silêncio, como sempre.
— O mundo lá fora é repleto de pecados! Raquel tem que seguir os
passos de Cristo e jamais cair em tentação. Olhe só Cássia, como está rebelde. O
pecado é terrível, e você, como padre, deveria saber disso. Admiro-me em ver
um sacerdote ser tão moderno quanto você. É o fim dos tempos! — Ela segura o
pingente de crucifixo em sua corrente.
— Seguir os passos de Cristo? Como você faz?
Ela concorda e ergue a cabeça, mantendo uma postura ereta.
— Não me lembro de Cristo julgar alguém. Na verdade, Ele esteve no
meio de todos, e por todos. Para ser mais preciso, até mesmo perdoar uma
mulher conhecida por imoral, pecadora fez. Então, não me parece, querida irmã,
que está ensinando à Raquel os passos de Cristo!
Mamãe o olha furiosa. Quando os dois começam a discutir sobre mim,
nunca acaba bem. Dói-me saber, que sempre causo briga entre os irmãos.
— Já disse que eu sei o que é melhor para ela! Se não está satisfeito, não
posso fazer nada. Mas, pare de uma vez por todas de interferir na educação que
dou a ela. Raquel é pura e merece continuar sendo. O mundo não tem nada de
bom para oferecer a ela. E por causa dessas suas interferências, ela tem ficado
confusa.
— Minhas? Elisângela, acorde! Ela é uma mulher agora, e as
curiosidades a cercam. Colocá-la em uma bolha para que fique longe das
tentações, pode resultar em algo grave. Já diz o ditado que a curiosidade matou o
gato. — Ele se levanta.
Aproxima-se de mim, e me dá um beijo na testa.
— Fique com Deus, meu anjo!
— Amém, tio!
Então para próximo a minha mãe e diz:
— Espero que, quando se arrepender de tudo o que faz a esta menina,
não seja tarde. Isso já passou dos limites. Não está mais sendo apenas uma cristã.
Está sendo uma fanática, e Ele não quer fanáticos. Ele quer pessoas que deem a
Ele amor de verdade, e que sejam a Sua semelhança aqui na Terra, o que você
não está sendo. Passar bem, minha irmã. — Então se retira da cozinha.
O silêncio fica até escutarmos o abrir e fechar da porta de entrada.
— Está vendo o que causa? Por culpa de suas teimosias, seu tio e eu
brigamos com frequência. Suba para o seu quarto e reze muito para estes seus
pecados.
Não discuto, apenas retiro-me da cozinha, acatando suas ordens como
sempre.
Ajoelho-me, próxima de minha cama, e deixo as lágrimas falarem por
mim. Queria tanto que tudo fosse diferente, e ela não fosse tão fria comigo. Não
é pecado querer conhecer o mundo. Quero ter amigos, conhecer pessoas. Ter
uma vida normal. Jamais abandonaria minhas crenças, por causa mundo. Não sei
até que ponto estou errada, em querer ser livre. Na verdade, não conheço e não
sei de nada. Estou tão confusa.
Mas não posso abandoná-la. Ela tem apenas a mim. Nem mesmo os
nossos vizinhos gostam dela. Se eu partir, o que será dela? Pode ser difícil, mas é
minha mãe. E além do mais, foi como eu disse ao meu tio, não conheço nada,
não tenho dinheiro. Como irei sobreviver em um mundo sendo como uma
criança recém-nascida que nada conhece ou compreende? Foram vinte anos
sendo criada desta forma.
— Deus, me dê forças e me ajude a passar por tudo isso!

Acordo com minha mãe chamando-me. Olho no relógio ao lado de minha


cama, e são oito horas da manhã. Ontem, depois que rezei, ajudei a preparar o
jantar, e arrumar a cozinha, então tomei um banho e dormi. A rotina de todas as
noites.
— Estou indo! — respondo.
Arrumo-me rapidamente, colocando a saia bege e longa que tanto gosto,
e uma blusa verde. Amarro meu cabelo em rabo de cavalo, e vou até o banheiro.
Desço as escadas, e vou para a cozinha. Ela está preparando o café.
— Bom dia, mãe.
— Bom dia, Raquel! Demorou.
— Desculpe, estava me arrumando. Dormi muito.
— Espero que não tenha ficado em seu quarto acordada até tarde.
— Não, senhora.
Ela me olha e balança a cabeça concordando.
— Iremos à casa de sua tia Cássia. Recebi a notícia de que ela quebrou o
pé.
— Nossa! — Fico surpresa.
— Será uma visita rápida. Não quero fazer hora por lá. Então tome logo
seu café e faça sua reza para partirmos, pois a viagem é um pouco longa, como
já sabe.
Concordo.
— O tio João também vai?
— Não sei, e isso não é problema nosso.
Tomo o café e arrumo meu quarto, logo após rezar. Calço as sapatilhas
pretas e pego o casaco conjunto da saia.
— Esta saia está ficando apertada. Precisamos ver outra. Uma mulher
decente jamais mostra as curvas de seu corpo.
Olho para a saia completamente larga, e então para ela. Mas não
respondo, não quero discutir hoje.

Depois de duas horas, fomos recebidas por tia Noemi, que sorri muito
quando me vê. Tia Cássia está de repouso no quarto, e vamos até ela.
— Que bela visita! — ela diz animada enquanto Tia Noemi vai preparar
algo para nós comermos.
— Tia! — cumprimento-a. — Sinto muito pelo acontecido. Espero que
fique bem logo.
— Que Deus lhe ouça. Ficar nesta cama está me deixando louca — ela
sempre fala alto e contagia com sua alegria.
— Que melhore logo, minha irmã! — minha mãe deseja a ela.
— Obrigada. Estou surpresa em vê-las aqui. Só aparecem em
festividades, e olhe lá. — Pisca para mim e tento não rir.
— Temos obrigações. Se você não estivesse rebelde com Deus, também
teria — mamãe rebate e minha tia revira os olhos.
Tia Noemi retorna com lanches e suco. Sentamos nos lugares vagos, e
comemos; enquanto conversamos, sempre mantenho certo receio nas palavras
devido minha mãe.
— Vai entrar para a faculdade este ano, menina? — tia Noemi pergunta.
— Fiquei sabendo que abriram vagas para bolsas.
Olho para a minha mãe, que responde por mim:
— Não! Raquel não frequentará estes lugares repletos de jovens
pecadores. Ela está feliz ajudando-me com a caridade.
Minhas tias frequentam a igreja também, mas não são como minha mãe.
Segundo ela, ambas ficaram assim desde que vovó morreu, e que ela foi a única
que se manteve firme. Eu gosto delas, e não acho que são rebeldes. Como
também gosto muito da minha avó paterna, que minha mãe me proibiu de ver,
por não frequentar mais a igreja com tanta frequência e dizer-lhe o que pensa
sobre o modo como me educa e os tais sonhos que mamãe diz ser coisas de
bruxaria.
— Tenha a santa paciência. Não deixou a menina responder. Diga, minha
menina, o que pretende fazer da vida? — Tia Cássia indaga.
Bebo o suco.
— E-Eu... — gaguejo enquanto minha mãe me lança um olhar rígido. —
Estou feliz ajudando minha mãe na caridade. — Não é mentira, mas tampouco
toda a verdade.
— “O perigo de uma meia-verdade é você dizer exatamente a metade que
é mentira”. Sabe quem disse isso? — Tia Noemi pergunta e nego. — Millôr
Fernandes, um homem muito inteligente. Compreende o que eu quis dizer?
— Está na hora de irmos. Temos coisas para fazer — minha mãe diz se
levantando e colocando o copo sobre a bandeja.
— Sinto que isso não vai terminar bem! — tia Cássia fala com tristeza
em sua voz.
Despedimo-nos e partimos para a rodoviária.

Porque só os que eu realmente amo irão
realmente me conhecer
— Lukas Graham “7 Years”

Téo Lima

Algumas semanas depois...

Observo meu pai através da enorme zona que está seu escritório.
— Eu preciso de uma nova assistente. Estou ficando perdido. E você não
presta pra nada! — Aponta a caneta em minha direção.
— E ainda é de manhã para o primeiro elogio.
Ele me olha feio e sorrio.
— Contrate outra.
— Para você fazê-la pedir as contas? Me poupe.
— Relaxe. Eu prometo que não tocarei nesta.
Ele me olha desconfiado.
— Eu juro! Mas não prometo nada sobre a nova moça na limpeza,
gostosa pra caralho — digo, provocando-o.
— Não! Chega. Não quero mais demissões.
Entrego os papéis que vim trazer.
— O que é isto?
— A lista sobre o que está faltando no hotel. — Ele me lança um olhar,
como se o meu pau tivesse saído.
— Quem fez isso?
— Eu!
Fica surpreso.
— Não acredito! — Cruza os braços.
— Está bem. Natanael fez. Satisfeito?
— Agora sim.
— Tenho que ir.
— Preciso que me faça um favor. Busque Hannah no aeroporto.
Sim, um mês fora do país se tornou quase dois. Minha mãe está louca
com ela.
Bufo irritado.
— Porra, não sou motorista. Ela que pegue um táxi.
— Téo, por favor, estou todo enrolado aqui, graças a você!
— Está bem, senhor estressado.
Saio de sua sala bem irritado. Mas meu humor muda quando vejo a nova
funcionária caminhando até mim. Ela rebola e me olha mordendo os lábios, e
abre os primeiros botões de seu uniforme, exibindo parte de seus seios.
— A bela moça tem nome?
— Claro. Me chamo Mel. — Morde o lábio.
— Quarto 712, em meia hora — sou direto.
— Não sou assim. — Sua voz é manhosa.
— Sabemos que é.
— Me disseram que era direto, só não imaginei que fosse tanto.
— O tempo é precioso, Doçura. — Seguro seu queixo e me aproximo de
seu ouvido. — Quarto 712.
— E se estiver ocupado?
— Não vai estar. Sei o que eu digo. Agora vá.
Ela sorri e me joga um beijo.
Passo por ela e dou de cara com Natanael. Seu olhar é de poucos amigos.
— Não acredito! Não tem uma semana que ela chegou. Seu pai vai
enlouquecer.
— Relaxe. Com ele me entendo depois. Quero o quarto 712 em meia
hora.
— Não irei te ajudar desta vez. Está na hora de crescer, Téo!
— Realmente algo vai crescer. Até mais!
Passo por ele e vou até meu escritório, que por mim não teria.
Meu celular começa a tocar e, quando vejo o nome da pessoa na tela,
respiro fundo, pois sinto que fiz alguma merda.
— Fala.
— Olha como fala comigo, seu traste. Onde está?
— No hotel. O que quer?
— Não vai vir buscá-la?
Merda! Esqueci-me de que tinha marcado com ela hoje.
— Estou indo.
— Você não tem jeito. Eu juro que só não te proíbo de vê-la, porque ela o
ama muito.
— Sabe que a amo. Apenas me esqueci. Já falhei alguma vez com ela?
— Não. E nem pense em fazer isso, ou eu corto seu pau e faço você
comer.
— Estou indo. Não precisa das ameaças. — Ela desliga.
Terei que falhar com a tal Mel, mas depois eu a recompenso.

Após ter passado em casa e trocado de veículo, já estou estacionado na


frente do prédio dela. Saio do carro, e lhe envio uma mensagem avisando que
cheguei.
Alguns minutos se passam, e vejo-as vindo. A pequena loirinha corre até
mim de braços abertos.
— Papai!
Pego-a no colo.
— Oi, minha gatinha. Estava com saudades? — Dou um beijo em sua
bochecha gordinha.
— Sim!
Sorrio.
Coloco a garotinha de sete anos no chão. Samira me entrega a mala cor-
de-rosa.
— Quero meu beijo, meu amor!
Ela se despede da mãe.
Abro a porta traseira do carro e assim que minha filha entra, eu prendo o
cinto nela e confiro se está firme. Coloco a mala ao seu lado, e então fecho a
porta do carro.
— Não deixe ela dormir tarde. Cuide bem dela. Já sabe o que farei se
algo acontecer.
— Samira, eu sei cuidar da minha filha.
— Eu sei que sabe. Mas sou mãe e tenho que reforçar as ameaças.
Qualquer coisa me ligue. Eu não consegui cancelar a viagem de trabalho. Sei
que não é sua vez de ficar com ela, porém precisava desse socorro. Não deixe ela
faltar no colégio.
— Eu não me importo de ficar com ela.
— Ótimo. Mande um beijo para seus pais e Hannah. Agora preciso
entrar, as malas me esperam. — Aponta o dedo na minha direção. — Um
arranhão, e você morre!
Dou a volta no carro e antes de entrar provoco:
— Agora eu sei por que não ficamos juntos. Porra, eu tenho medo de
você!
— Babaca! Vá logo, e dirija com cuidado. Parece um louco dirigindo.
— Eu sou um bom motorista. Tchau, mamãe! — Rio quando ela me
mostra o dedo do meio.
Entro no carro.
— Papai, vamos para o hotel?
— Vamos sim!
Talvez ainda dê tempo de curtir com a bela Mel.
Logo que entramos no escritório do meu pai, Catarina corre até ele.
— Oh, minha princesinha. Que saudades! — Ele a coloca em seu colo.
— Vou ficar esses dias com o papai. A mamãe tem que viajar a trabalho.
Meu pai me olha.
— E você vai olhar ela esses dias? Téo, você é pior que criança. Se
apronta com ela em um final de semana, imagine em alguns dias a mais!
Sorrio.
— Sou um homem tão julgado. Sofro tanto.
— Papai é legal. Sempre nos divertimos — diz minha filha e dou uma
piscadela para ela, que sorri.
— Imagino, princesinha! Quer ajudar o vovô?
— Eba! — grita animada.
— Então vamos separar as pastas coloridas, pode ser?
Ela concorda.
— Ótimo! Preciso resolver uma coisa. Volto logo.
— Téo...
— Não é o que está pensando. Já volto!
Pego o cartão reserva do quarto 712 e subo para o sétimo andar. Entro no
quarto e lá está ela, olhando pela janela.
— Pensei que não viria! Fiquei um bom tempo te esperando.
— Tive um compromisso importante.
Ela se aproxima e não demora para eu estar com meu pau mergulhado
dentro dela e seus gemidos ecoarem pelo quarto.
Raquel Pereira

Estou na cozinha. Mamãe está rezando, e pediu para eu ficar de olho no


arroz. Enquanto espero a água secar, observo o pequeno quintal dos fundos,
através da janela.
Queria tanto conhecer o mundo. Conhecer novas pessoas. Ser uma
pessoa “normal”. Mas como eu poderia? Ela me proíbe, e vivo à sua custa. Na
verdade, vivemos à custa da pensão de meu falecido pai. Queria poder trabalhar,
sair com amigos. Nossa, seria tão bom respirar um pouco fora daqui. Tenho tanto
medo. Por mais que mamãe seja assim, não posso ir contra suas vontades, eu
aprendi desde pequena ser assim. Quando fui às escondidas ao shopping, fiquei
tempos sofrendo por aquela mentira. Somente após me confessar com um padre
que não fosse meu tio, me senti bem melhor. Ela me ensinou assim. Papai era
religioso, mas quando era vivo ainda existia um pouco de alegria neste lugar.
Agora tudo está diferente e pior.
— No que está pensando? — Assusto-me com sua voz.
— Em nada, mãe.
Ela mexe na panela de arroz, então apaga o fogo.
— O tio virá jantar conosco hoje?
— Não sei. Talvez.
Começo a organizar a mesa para o jantar, mas sinto seu olhar em mim.
— Andou cortando os cabelos?
— Não. — Coloco os talheres na mesa.
— Raquel, estive pensando. É melhor afastar-se um pouco de seu tio. Ele
anda com algumas ideias absurdas. Não quero que coloque caraminholas em sua
mente. — Olho rapidamente para ela.
— Ele não faz isso. Por favor, tudo menos isso.
Ela me olha como se tivesse ficado comovida com o meu desespero, mas
logo volta a sua postura de durona.
— Não sei... Preciso refletir mais, e se eu julgar correto farei.
Sinto um aperto no peito e uma vontade de chorar.
— Mamãe...
O telefone toca e ela sai da cozinha para atender.
Lágrimas involuntárias escorrem por meu rosto e tento contê-las o mais
rápido possível. Já não tenho ninguém, não posso ficar longe de meu tio
também. Isso é demais para mim.
Depois de alguns minutos, ela retorna à cozinha com um olhar sério. Já
estou mais calma, porém meu coração segue apertado com a possibilidade de
ficar sem meu tio.
— Aconteceu algo? — pergunto ao ver a ruga de preocupação em sua
testa.
— Noemi terá de voltar ao trabalho antes, e não pode dar suporte a
Cássia. Teremos que ficar alguns dias lá até que se recupere. Não gosto da ideia
de ter você por lá.
— Tia Cássia não é ruim. Ela é uma boa pessoa.
— Eu sei o que digo, menina. E não, ela não é uma boa pessoa. Anda
rebelde demais. Só pela misericórdia!
Escutamos a porta de entrada se abrir. É o tio João, ele tem a chave.
Assim que nos sentamos, ele entra na cozinha, sorridente como sempre.
— Já deixei prontinho seu lugar, tio. — Sorrio.
Ele passa por mim e deposita um beijo em minha testa.
— Um anjo, como sempre!
— Cássia ligou! — minha mãe informa.
— Noemi falou comigo, e disse que precisaria de sua ajuda para dar uma
força a Cássia.
Mamãe concorda.
— Vai ajudar, não é? — questiona preocupado.
— Claro. O que pensa que sou? Porém, estou preocupada. Não quero
Raquel próxima a ela.
— Deixe Raquel e vá você. Ela sabe se virar em casa.
— Está louco? Raquel é uma menina, não pode ficar sozinha.
— Eu cuido dela.
— Não!
Respiro fundo. Um jantar em paz com eles é tudo o que eu queria.
— Elisângela, ela pode ficar sozinha em casa, se não quer que ela vá
junto.
— Isso está fora de cogitação. Vamos rezar antes que a comida esfrie.
Após rezarmos, comemos em completo silêncio.

Téo Lima

Porra, minha família fala duas línguas: “berrando” e português.


— Tia, você vai brincar comigo depois? — Catarina pergunta a minha
irmã, que sorri.
— Claro, mas só um pouco. Amanhã você tem aula e seu pai tem que te
levar embora cedo. Mas a tia trouxe vários presentinhos para você!
— Eba! Amo presentes. — Bate palmas animada.
— Deveria ter trazido vergonha na cara. Onde já se viu me abandonar
por tanto tempo. Isso é culpa sua, Augusto, por não dar umas boas broncas nela.
— Agora a culpa é minha?! — meu pai diz, rindo.
— Hannah, que sorte você teve em ficar longe esse tempo — digo a ela,
bebendo meu suco.
— Olha como fala. Eu te bato, menino! — Minha mãe bate em meu
braço.
— Mamãe, não seja dramática. Eu precisava disso. Foi bom para
espairecer e esquecer todos os problemas. Quero recomeçar.
— Oh, minha menina, eu sei. Só que sem você não tive ninguém para
conversar. Seu irmão é um péssimo filho e seu pai só pensa em trabalho. Só
Deus na causa.
— Vovó, pode conversar comigo.
Minha mãe sorri para a minha filha.
— Viu só, Téo? É assim que se faz.
Levo outro tapa no braço.
— Papai, podemos assistir filmes hoje?
— Não. Da última vez fomos dormir bem tarde. E amanhã não pode
faltar à aula, ou sua mãe me mata.
— Olha o que fala para ela. Desse jeito, a menina vai pensar que a mãe é
doida! — Hannah me repreende.
— E não é? Vocês precisam ver as ameaças que eu sofro.
— Acho pouco! — meu pai se manifesta.
— Que ótimo ter apoio familiar! — ironizo e minha irmã ri.
— Mamãe disse que, se você aprontasse, era pra eu ligar pra ela —
Catarina revela, rindo.
— Estão vendo? Isso é loucura! Tenho pesadelos com ela.
— Não seja dramático, meu filho! — mamãe diz e se prepara para outro
tapa em meu braço, mas sou mais rápido e ela bate na mesa.
Jantamos no estilo família Lima: comer, gritar, comer, gritar, comer,
silêncio, gritar de novo. E assim vai.
Agora estamos reunidos na sala, conversando, enquanto Hannah e
Catarina brincam no quarto.
— Já arrumou outra assistente? Não aguento mais você chegando tarde
em casa. Eu preciso do meu marido mais cedo, para escutar minhas lamentações.
— Ainda não. Mas, quando eu arrumar, não fique alegre, pois em até
uma semana seu filho faz a moça pedir as contas. Serei obrigado a contratar um
homem.
— Pai, eu já disse para confiar que não irei fazer nada.
— Sempre diz isso!
Ele me olha sério.
— Meu filho, só colocando freira ou homem ali! Você é terrível. Não sei
como ainda não caiu esse seu negócio aí de tanto que usa.
— Mãe!
— Estou mentindo, marido?
Meu pai faz que não com a cabeça.
— Viu só!
— Não é para tanto. Faz algumas horas que não tenho relações sexuais. E
além do mais, não são com todas que saio e tenho sexo.
— Não me diga que foi a moça nova, Téo! — meu pai exclama nervoso.
— Então não digo!
— Eu não aguento mais. Você precisa de responsabilidade! Aquilo ali
precisará de você. Sua irmã não quer saber e está seguindo seu caminho, depois
de tudo o que aconteceu. Está na hora de parar essa sua vida desregrada: bebidas,
luxo e mulheres.
— Pai, eu nunca disse que queria estar ali...
— Não venha com esse assunto novamente.
— O senhor nunca me deixa falar!
— Estou com dor de cabeça. Boa noite! — Ele se levanta, saindo da sala.
— É foda!
— Filho, entenda-o um pouco. Passamos problemas com a Hannah, ele
não quer o mesmo com você. Sempre esteve por perto quando precisou. Seja
mais compreensivo.
— Estou sendo, mas ficando cansado dele não querer me ouvir.
Ela não diz nada. Apenas me observa.

Eu segurei minhas lágrimas
Pois não queria demonstrar a emoção
Já que estava ali só pra observar
E aprender um pouco mais sobre a percepção
— Charlie Brown Jr. “Só os loucos sabem”

Raquel Pereira

Não gosto de vir ao mercado com minha mãe, pois ela sempre julga as
pessoas que encontra, e não disfarça. Eu não gosto disso.
— As coisas estão muito caras — comenta olhando os produtos na
prateleira do corredor.
Concordo apoiada no carrinho, como se minha vida dependesse dele.
Quero ir embora logo.
Ela coloca alguns leites no carrinho e então me afasto para conduzi-lo.
Tia Cássia ligou hoje cedo para saber se minha mãe vai ficar com ela,
mas a resposta foi: “Conversaremos mais tarde”.
Depois do jantar silencioso de ontem, antes do meu tio ir embora, pediu
para conversar a sós com minha mãe e conversaram durante um bom tempo.
Mesmo não tendo ouvido nada, pela cara que ela ficou após ele ter ido, a
conversa não foi boa. Não quero ficar longe do meu tio e tampouco das minhas
tias, já basta não poder visitar minha avó paterna que tanto gosto.
Aperto a bolsa da minha mãe em meu corpo e continuo seguindo-a por
todos os corredores. Seus olhares para as pessoas são de recriminação. Algumas
notam e olham feio; outras não percebem, ou fingem não notar.
— Acho que é só. Falta algo?
Olho o carrinho.
— Acho que não.
— Se faltar volto depois. Vamos. O tempo está fechando para chuva, e se
demorarmos pegaremos ela.
Vamos para o caixa mais vazio. Há duas pessoas na nossa frente. Porém,
ao que parece, a que está passando no caixa, não está muito feliz com algo. É
uma mulher bonita, elegante, mas bem brava. Discute algo sobre valor errado.
— Que baixaria. Onde já se viu uma mulher se expondo de tal forma, que
ridículo! Deus tem que ter muita misericórdia. Por isso te proíbo de sair mundo
afora. Isso é o que vai encontrar, e coisas piores também! — minha mãe diz alto,
e sinto minhas bochechas corarem, pois a moça à nossa frente escuta e franze o
cenho.
— Mãe, não diga isso, por favor.
— Estou dizendo a verdade. Olhe isso!
— Eu quero o gerente! Não me interessa que o preço no sistema é este.
Da prateleira não era. Então quero o gerente imediatamente. Tentei ser amigável,
mas a senhorita me tratou com grosseria. Quero o gerente ou teremos a polícia!
A mulher está muito irritada. Gesticula muito enquanto fala. A moça que
está na nossa frente desiste da compra dizendo bem alto que está atrasada para
um compromisso, para ficar esperando resolverem brigas por preço de produto.
A mulher elegante não gostou muito do que ouviu, e mandou ela ir plantar
bananeira. Espero que minha mãe não diga mais nada, ou tenho medo do que ela
retruque para nós.
— Quanta vergonha. Pior que os outros estão lotados! — minha mãe
comenta nervosa.
Todos olham bem curiosos com o escândalo, até mesmo os funcionários.
Um rapaz uniformizado se aproxima e se apresenta como gerente. Então uma
nova discussão de inicia. Encosto na prateleira de revistas e respiro fundo. Não é
a primeira vez que presenciamos brigas no mercado, e isso vai longe pelo visto.
— Tenha a santa paciência. Isso é um absurdo. Que demora! — mamãe
reclama e finjo não ouvir.
Olho para a mulher elegante que mantém sua opinião de que está certa e
vai chamar a polícia. Neste momento um rapaz muito alto se aproxima, e está
vestido de um jeito... chamativo? Não sei dizer, não entendo de moda. Mas sua
calça é preta, tênis branco e usa uma camiseta branca bem justa. Tem uma
corrente com um crucifixo. Mamãe diz que esses tipos de correntes viraram
moda entre os jovens, que deveria existir punição para isso. Eu logicamente não
concordo, mas não digo nada. Seus braços são repletos de tatuagens. Ele é forte
e muito belo. Tem brinco nas orelhas. Não é só mulher que usa? Estranho, mas
legal. Contudo, o que chama a atenção é sua aparência, uma barba muito bem-
feita assim como o penteado em seus cabelos castanhos da mesma cor dos olhos,
que ganham contraste com seus lábios bem rosados. Ele encosta no caixa, com
as mãos no bolso da calça, seu olhar é fixo na mulher elegante. Já vi homens, é
claro, mas este tem um jeito diferente, bem original. Bom, quem sou eu para
dizer algo? Não posso opinar quanto à moda. Então para mim, ele tem um estilo
diferente, mas provavelmente para as outras pessoas é “normal”. Escondo-me
mais entre a prateleira para não ser notada assim que mamãe diz:
— Olhe isso! O mundo está perdido. Rabiscos por todo o corpo, brincos,
roupas coladas. Que absurdo um homem se vestir de tal forma.
Quero dizer que achei o moço belo, mas prefiro ficar quieta. Ele revira os
olhos para algo que a mulher diz a ele, e então troca o peso das pernas para outro
pé. Olha no relógio em seu pulso e cruza os braços. Parece estar irritado.
— O que tanto olha, menina?
— Apenas olhando a confusão, mamãe, e o estilo do rapaz.
— Pois deixe de olhar. Homens pensam que, quando nós o olhamos, é
porque queremos coisas indecentes!
— Sério? — Essa é nova.
— Sim.

Téo Lima

Brinco com o piercing em minha língua passando entre os dentes com a


boca fechada, enquanto observo minha mãe discutindo mais uma vez no
mercado. Não sei por que ainda venho com ela. Se há uma pessoa capaz de te
envergonhar rapidamente é a mulher que você chama de mãe. Porra!
Olho meu relógio, e está quase na hora de buscar a Catarina no colégio.
Como ela ficará comigo, a perua que a leva e busca foi dispensada nestes dias.
Se eu me atrasar para buscá-la, a linguaruda da diretora vai abrir a boca para a
Samira, e serei um homem morto. Passo a língua pelos lábios e respiro fundo.
— Pare de brincar com esse piercing, e diga a eles que estou certa!
— Ela está certinha... Mãe, eu tenho que buscar a Catarina.
— Eu sei. Mas quero os meus direitos!
— Olha, senhora, está bem. Faremos o preço que viu. — O gerente
desiste da discussão. Ninguém aguenta discutir com minha mãe por muito
tempo.
As pessoas olham para ela e tenho vontade de levá-la arrastada daqui.
Porra, como consegue fazer um escândalo em poucos minutos? Fui atender ao
celular e não levei nem dez minutos, e ela já tinha criado uma confusão. Eu irei
matar a Hannah por ter fugido de vir e jogado a bomba para mim. Ainda tenho
que ajudar a Catarina com os deveres de casa, que com toda certeza terá, e ir
para o hotel, mas a dona Eleonor não coopera. Foda em dose tripla.
Olho para a senhora que está atrás da minha mãe. Sua expressão é de
fazer qualquer um correr. Não deve estar gostando da confusão, tampouco eu
estou.
— Faça logo. Demorou — minha mãe responde ao homem.
Pelo visto, agora seguiremos em paz.
Sinto um olhar em mim, e é o da senhora estranha. A mulher me olha
como se eu fosse um bicho. Dou um sorriso provocador e ela se vira para a
pessoa praticamente escondida atrás dela, e diz algo, então torna a me olhar.
É cada uma que me aparece.
— Pronto? — pergunto a minha mãe, que briga pelo preço de um suco de
caixa.
Isso tem que me garantir mais pontos no céu. Passagem livre, sem
paradas. Que minha paciência com minha mãe, seja o suficiente de bondades
para não broxar mais. E por falar nisso, o padre não me procurou, acho que devo
voltar lá, quem sabe fazer alguma caridade, não sei. Foi algum tipo de
condenação rápida que Deus me deu, tenho certeza, porque com a irmã de
Samira aconteceu a tragédia, mas com a... Qual o nome da funcionária mesmo?
Merda, esqueci, enfim, não aconteceu. Devo ter feito alguma bondade neste
meio-tempo, e fui perdoado. É isso.
Saímos do mercado e ajudo-a com as compras, para pôr no carro.
— Mãe, é a última vez que te acompanho. Nunca mais retorno.
— Nunca diga nunca, meu filho!
— Não precisava daquele show.
— Precisava de um espetáculo estilo Broadway. Até parece que eu
pagaria um valor diferente da prateleira, porque no sistema não estava
atualizado.
— A senhora precisa se controlar.
— Preciso que as pessoas me ouçam. Coisa que você também nunca faz.
— Se eu a escutasse sempre, não teria isso aqui que enlouquece as
mulheres na hora do sexo. — Mostro o piercing na língua e ela abana as mãos.
— Como podem ficar enlouquecidas com isso? Deve machucar. Tem no
pênis também? Melhor não responder. Tenho medo da resposta.
Gargalho. Entramos no carro e dou partida.
— Não tenho e nem quero ter. Chega.
— Que ótimo. Meu coração se alegra. Vamos buscar minha neta. Fico
com ela, enquanto você vai para o hotel.
— Valeu.
— E, por favor, sem brigas com seu pai hoje.
— Pode deixar. Porém, uma hora ele terá que me ouvir.
— Eu sei. Mas, por enquanto, vamos manter a paz.
Concordo.

Estaciono no colégio e entro para buscar minha menina. Chego a tempo,


e isso é muito bom, significa que Samira não me matará.
Pego minha filha, que assim que me vê sorri animada e corre para os
meus braços. Abraço-a com força, e ela ri.
— Vamos fazer o que hoje? — pergunta enquanto saímos de mãos dadas.
— Vou trabalhar e você fica com a vovó, mas depois passo para te pegar.
— Tia Hannah vai estar lá também?
— Não sei, gatinha.
Ela entra no carro e beija o rosto de sua avó. Logo depois se senta e
ajusto o cinto nela. Entro no carro, coloco o meu cinto e dou partida.
— Dirige devagar, menino, quer nos matar?
— Mãe, estou a quarenta por hora, em um lugar que era para ir a
cinquenta.
— Sei!
— Gosto de como o papai dirige.
— Viu só! — Rio.
— O que prometeu a menina, para que te defenda tanto?
— Eu? Nada!
— Não prometeu nada. Mas amo ele.
— Que linda! Realmente a personalidade desta menina não lhe pertence.
— Nem à mãe dela!
— Samira é um amor, meu filho.
— Quando quer é mesmo. Do contrário, tenho medo.
— Mamãe é boa também. Amo os dois. — Olho para a pequena através
do retrovisor e sorrio.
— Filho, você precisa aprender com sua filha. E muito.
Definitivamente não mereço aguentar mais um segundo os comentários
da minha mãe. Eu vou matar minha irmã, que volta de viagem e não assume seu
lugar de aguentar minha mãe. Eu a amo demais, mas para aguentá-la todos os
dias é algo que tem que ser estudado, muito bem analisado, e só então enfrentar
ao máximo duas horas com ela, e se sobreviver é um herói. Por isso já assumi
meu papel “herói Téo”. Não é qualquer um que sobrevive ao lado de dona
Eleonor sem surtar.
Deixo as duas na casa da minha mãe, ajudo a descarregar as compras, e
vou para o hotel. Quero minha bebê azul de volta, mas, com a Catarina, não
tenho como dirigi-la.
— Atrasado de novo, Téo! — Natanael reclama assim que me vê
entrando.
— Culpe dona Eleonor.
— Seu pai te espera no escritório.
— Estou indo. Mas, me diga, como está o humor dele?
— Normal.
— Ótimo.
Sigo em direção ao escritório dele. Bato na porta e ele pede para eu
entrar.
— Que bom que chegou. Preciso de um favor.
— Qual?
— Que vá até a igreja.
— O que fiz desta vez?
— Nada. Por incrível que pareça nada. O padre João... acho que deve se
lembrar dele.
Melhor eu não dizer que foi com este padre, que me conhece desde
pequeno, que confessei ter broxado.
— Acho que lembro — minto.
— Está arrecadando verba para ajudar na reforma da igreja e de alguns
orfanatos. Fiquei de ir hoje levar nossa contribuição, mas houve imprevistos, e a
empresa de segurança vai fazer vistoria no hotel. Você é minha única solução.
Leve o dinheiro até lá, e transmita minhas palavras. Vá representando nossa
família.
— Eu? Tem certeza disso? Por que não Hannah ou minha mãe?
— Porque você está aqui agora. E antes que eu me esqueça, foi
divulgado que estamos precisando de uma funcionária para a vaga de assistente.
Espero que não interfira nas entrevistas ou apronte qualquer coisa com a
contratada. Hoje iniciaremos as entrevistas com a primeira turma. Já temos uma
lista bem grande, e não faz nem vinte e quatro horas que a notícia está no ar.
Então, não estrague isso.
— Pode deixar. Tem a minha palavra. Mas, por garantia, não poderia ser
freira? Acho que mamãe estava certa.
— Téo, pegue o dinheiro e vá fazer o que mandei!
Pego o dinheiro e coloco em um envelope. Passo no meu escritório, e
vejo se não tem nada em minha mesa que o Natanael tenha deixado, e encontro o
livro caixa. Meu pai precisa deixar que coloquemos tudo no computador. Isso é
horrível, pode acontecer algo e perder tudo. Sempre fui bom com números, e por
isso sempre o ajudo quando precisa analisar a parte administrativa. Porém, não
suporto quando tem que ver esse bendito livro. É estressante, e exige muita
atenção, um zero a mais e tudo se complica. Confesso que, na maioria das vezes,
Natanael me livra de muitas coisas. Porém, não é por eu não querer trabalhar, é
que é foda trabalhar com o que não sente prazer, ou não tem qualquer intimidade
com aquilo. Não me sinto bem fazendo este serviço.
Sou formado em administração. Mas tenho formação em fotografia
também, e isto sim é minha grande paixão. Entretanto, meu pai não entende, ou
finge não entender. Procuro entender seu lado na maioria das vezes. Minha mãe
ajuda no que pode no hotel, mas tem suas coisas e a casa para governar. Hannah
passou por uma fase complicada e agora está seguindo seu sonho, que é ser dona
de um grande buffet de festas. Então ele se vê sozinho para cuidar do que nos fez
chegar onde estamos. Não quero que se sinta abandonado, mas uma hora terei
que enfrentá-lo e ele querendo ou não, eu não poderei continuar neste lugar, não
quando eu sei exatamente o que quero.
Guardo o livro em meu armário e tranco colocando a senha da fechadura
para travá-lo. Depois mexo com ele.
Saio da minha sala, fecho a porta e vou pegar meu carro.
Hora de retornar à igreja. Estou me sentindo um santo, frequentando
bastante o lugar. Faz muito tempo que não vou, e quando retorno vou duas
vezes, é para aplaudir este grande momento de pé.

Cuidado com o destino
Ele brinca com as pessoas
— Charlie Brown Jr. “Meu novo mundo”

Téo Lima

Entro na igreja. Tem apenas uma senhora rezando. Não é comum aqui na
cidade ficar lotada na semana, porém aos finais de semana é totalmente o oposto.
Vejo o padre vindo dos fundos, e assim que me olha fica surpreso, e faz
um sinal para eu ir até ele. Vamos até a saleta disponibilizada para conversas
particulares.
— O que o traz, meu filho? Tenho que dizer que estou bastante surpreso.
Duas vezes que vem até aqui, depois de tanto tempo.
Tenho vontade de cobrar a resposta sobre o que vim pedir da primeira
vez, mas me controlo.
— Sente-se, por favor.
Sento na poltrona ao lado da que ele se senta. Me sinto desconfortável,
faz tempo que não falo com um padre cara a cara.
— Vim em nome da minha família.
— Família Lima. Vejo todos com frequência, menos você.
Se o senhor frequentasse boates, festas, eventos, clubes, dos quais sempre
estou, poderíamos nos esbarrar sempre. Tudo é uma questão de lugar. Se
concentra!
— Tempo corrido. — Mentir para um padre é pecado? Perdi pontuações
no céu, tenho certeza.
— Sei. Então?
— Meu pai pediu para que eu lhe entregasse isto. É para ajudar na
reforma da igreja e nos orfanatos. — Pego o envelope no bolso da calça e
entrego a ele.
— Deus abençoe a todos vocês. Isso ajudará, pode ter certeza. Deus
multiplica tudo.
— Meu pai ficou muito sentido por não ter vindo, mas está todo enrolado
no hotel, e como hoje começam as entrevistas para uma nova funcionária, vira
uma loucura. Mas pode ter certeza de que ele viria se estivesse mais livre.
— Sei disso. Não se preocupe. — Ele coloca o envelope na mesinha à
nossa frente. — Sabe, garoto, eu gostaria de entender por que não veio mais.
Vejo que ainda usa o crucifixo.
Automaticamente coloco a mão em minha corrente.
— Sim, padre. Diversos motivos, mas o principal é não me encaixar mais
aqui e não concordar com muitas coisas vindas daqueles que aqui frequentam.
— Entendo. Não julgo, mas fico triste. Saiba que Deus nunca esquece de
seus filhos. E sobre o seu pedido naquele dia, não tem vergonha ainda?
Ah, ele lembra. Ótimo!
— Não. Fui sincero apenas.
Ele sorri.
— Vocês jovens são... Espera, disse que vai ter entrevistas para uma nova
funcionária? — Assinto. Ele fica pensativo por um tempo.
— Por que a pergunta?
— Tenho uma sobrinha, mas acho que não daria. Na verdade, seria uma
missão impossível.
— Freira? — Olha só, parece que mamãe pode ter profetizado algo.
— Oh, não! — Ele ri.
— E por que não daria certo? Converse com ela e envie o currículo, e
pode dizer que foi minha indicação.
Isso, mais uma boa ação. Nada de broxar mais. Estou fazendo muita
bondade.
— Isso seria maravilhoso. Vou ver o que faço. Na verdade, irei rezar
muito, porque só Deus para ajudar no que tentarei.
Depois eu sou o louco. O homem não diz nada com nada.
— Era isso, padre João. Agora tenho que ir, muitas coisas para fazer.
— Vá com Deus, meu filho!
Saio da igreja às pressas. Muitos diriam que pareço o diabo fugindo da
cruz. Eu diria que é a vergonha de ter sumido há séculos deste lugar e vir apenas
quando preciso.
Abro a porta do carro, mas uma voz me impede de entrar.
— Téo Lima. Eu não acredito. Vivi para ver o Senhor Pecado na igreja.
E não adianta mentir, eu vi você saindo de lá.
— Giovana, que surpresa!
Eu sabia que mentir para o padre dava merda. Não sei por que questionei.
Olho para o céu, e imploro por socorro. Viro para olhá-la.
— Surpresa? Eu estou surpresa. Veio entender por que broxou comigo?
— Na verdade, eu vim por outros motivos, e um deles para saber como
me livrar de um encosto. — Cruzo os braços e encosto no carro.
— Você anda me surpreendendo muito. Primeiro falhando comigo, e
agora vindo à igreja. Vai me dizer que quer ser padre? — Ri.
— Seria um desperdício para as mulheres. O que faz por aqui?
— Vim à clínica de estética. — Ela aponta para a clínica do outro lado da
rua. — Já que te encontrei, como está a Catarina? Samira me disse que ela ficou
com você.
Samira é uma linguaruda. Se ela soubesse o quanto fica linda muda, não
abriria a boca.
— Sim. Está neste momento na minha mãe. Agora tenho que ir.
— Fugindo? Não sinta vergonha por ter broxado. É normal... Bom, nunca
nenhum homem teve este problema comigo...
— Não estava tão atraído por você, e também estava muito estressado.
— Ou é porque sente algo pela minha irmã ainda.
— Não sinto nada além de um carinho por ela. Somos amigos e sempre
fomos, nada mudou.
Ela se aproxima, prestes a colocar as mãos ao redor do meu pescoço, mas
a impeço, segurando seus braços.
— Não repito mulheres, sabe disso.
— Mas não terminou seu serviço aquele dia. Samira não se importa, sabe
disso.
— Não aconteceu aquele dia, porque não senti tesão por você, e não irei
insistir nisso. Agora me dê licença que preciso ir.
— Seu grosso! Contarei a todas sobre o que aconteceu.
— Publique no jornal e nas revistas. Só me dê licença. — Entro no carro.
Porra, aonde eu estava com a cabeça para querer ter transado com ela?
No pau, é isso, no maldito pau!
Como pode Giovana ser tão diferente da irmã? Maldição!

Raquel Pereira

Minha mãe está arrumando as coisas para ficar na casa de tia Cássia.
Porém, não disse se eu deveria arrumar as minhas.
— Vamos ficar quantos dias? — pergunto.
— Eu ficarei o tempo necessário. Já você ficará aqui. — Arregalo os
olhos.
Ela se senta na cama e pede para eu sentar ao seu lado. Segura minhas
mãos e começa a falar:
— Eu jamais faria isso, mas não tive saída. Seu tio cuidará de você. Não
interessa como decidi isso. Mas, saiba que se você sair desta casa, fizer qualquer
coisa de errado, ou simplesmente se entregar ao pecado, Deus me mostrará, e
não te perdoarei nunca. Eu nunca te deixei sozinha neste lugar, e tampouco
queria deixar. Mas prefiro você sendo cuidada por seu tio, do que ao lado das
ideias terríveis de sua tia. Nesta vida temos que sacrificar algumas coisas.
— Não irei fazer nada de errado, mãe. Não conheço e não sei nada, como
poderia sair?
— Ótimo, pense sempre assim.
Desde que ela chegou da igreja está estranha. Não falou nada e agora
isso. Nunca ficamos separadas por mais de uma hora, e agora ficaremos dias.
Não sei se grito de felicidade por esta nova experiência, ou se me encolho em
um canto e entro em desespero. Tio João não dormirá aqui, ele fica na igreja.
Passarei a noite sozinha. Meu Deus!
— Espero que esta viagem seja rápida. Cuide da casa, não atenda
ninguém na porta e não saia. Tranque tudo, e nunca deixe saberem que está
sozinha. O mundo lá fora é maléfico, e espera apenas uma oportunidade para
atacar. — Fico assustada com suas palavras.
Cresci ouvindo histórias terríveis dela. Quando pequena não contava
histórias boas para eu dormir, eram sempre sobre as maldades do mundo e logo
após recitava um versículo da Bíblia.
— Não deixe de rezar. Se descumprir qualquer ordem minha será
castigada por mim e por Ele lá em cima.
— Prometo que seguirei suas ordens como sempre fiz.
— Isso!
Ela se levanta rapidamente e fecha a mala.
— Vamos rezar juntas — diz e concordo.

Minha mãe já foi para a casa da tia Cássia. Estou sozinha. Ela disse que o
meu tio viria antes do jantar. Tranco a casa como ela pediu para fazer. Subo e
fico em meu quarto, até dar o horário de preparar o jantar.
Deito na cama e fico olhando para o teto. Nunca fiquei sozinha como
ficarei. Estou com medo.
As horas passam, e começo a preparar o jantar. Meu tio já chegou, veio
antes, para me fazer companhia.
— Agora me diga, como se sente sendo livre? — brinca.
— Tio!
Ele ri.
— Queria saber como ela aceitou me deixar sozinha.
— Não irei mentir. Eu falei que se ela deixasse de cuidar da irmã, por
medo de deixar você sozinha, eu ligaria para a sua avó paterna e faria de tudo
para ter uma ajuda por parte dela, porque as coisas já estão saindo de controle.
— Nossa! Tio, isso é errado. Ameaçou sua irmã.
— Não ameacei, querida. Apenas fui sincero. Não é porque sou um
padre, que tenho que manter a calma. Sou humano, tenho falhas, e se precisei
falhar neste ponto para lhe trazer alegria, que eu seja condenado, mas serei com
tremenda alegria. Sua tia Cássia vai segurar sua mãe por lá, você vai viver sua
vida. Você precisa. E Deus sabe que eu faria de tudo para que isso acontecesse.
Está na hora de voar, meu passarinho engaiolado.
Sinto as lágrimas escorrerem por meu rosto, e corro abraçá-lo.
— Obrigada, tio. Eu estava com medo dela nos afastar.
— Isso nunca vai acontecer. Precisa confiar em mim, e em tudo o que
tenho em mente.
— Sim, senhor. Mas ela prometeu que eu não sairia e obedeceria.
— Se o seu coração falar que deve fazer, faça. Deus conhece seu coração.
Não adianta dizer não, quando sua alma grita sim. A boca pode mentir, mas o
nosso interior e nossos olhos jamais. O que ela faz não é certo, precisa entender
isso. Você tem que ter liberdade. Eu vou lutar por isso, nem que eu seja odiado
por ela. Eu a amo, mas o amor não significa aceitar os erros, mas sim ajudar a
pessoa a enxergar onde errou e dizer que ela precisa corrigi-los.
— Estou com medo — confesso ainda em seus braços.
— Eu sei. É normal. Só não é viver esta vida. Eu vou te ajudar, eu
prometo. — Beija o topo da minha cabeça.
— Não quero magoá-la, e tampouco a Deus.
— Siga seu coração e Deus poderá guiá-la. Só siga ele, e não a mente.
Afastamo-nos. Termino de preparar o jantar e rezamos antes de comer,
como de costume. Pela primeira vez tenho um jantar tranquilo e me sinto
culpada por pensar que só está assim por ela não estar.
— Antes de mais nada, grave bem o que direi. Tudo nos é licito, mas
nem tudo nos convém. Compreende?
— Sim. A Bíblia explica isso, tio.
— Ótimo. Lá fora não é repleto de monstros, tem pessoas boas, mas
temos que aprender a enxergar quais são as boas e ruins através dos pequenos
detalhes, e não da aparência, ou coisas assim.
— Então pode existir uma pessoa boa, mesmo que tenha tatuagens? —
pergunto lembrando do moço do mercado. Ele era diferente.
— Claro! Deus é o único que pode julgar, porque não somos juízes nesta
Terra.
— Entendo. Sempre acreditei nisso.
— Eu sei, meu anjo. O mundo é repleto de descobertas, e se soubermos
analisar todas com atenção, podemos aproveitar a vida sem precisar seguir o que
é errado.
— Mas como posso analisar, se nada conheço?
— Isso vai mudar. Confie em mim. Amanhã iremos em um lugar.
— Que lugar?
— Vai descobrir.
Estou curiosa por tudo o que vai acontecer. Mas também preocupada.
Como ela vai reagir ao descobrir? Estou realmente com muito medo.

Dá pra viver
Mesmo depois de descobrir que o mundo ficou mau
É só não permitir que a maldade do mundo
Te pareça normal
— Kell Smith “Era uma vez”

Raquel Pereira

— Tio, eu não quero. Estou com medo! — digo olhando o tanto de


mulheres sentadas à espera como nós. Algumas passam e cumprimentam meu
tio. O lugar é muito grande e tem pessoas de todos os tipos.
— Deixe disso. Estou aqui com você.
— Mas eu não sei nada. E mamãe vai descobrir...
— Me promete que neste tempo vai pensar em você e não nela?
— Tio...
— Hora de voar, lembra?
— Está bem. O coração diz que está bem, mas a mente...
— Esqueça a mente. Olhe essas mulheres, todas aqui algum dia já
tiveram medo, ou podem estar sentindo neste momento, mas vão entrar naquela
sala, e vão fazer esta entrevista. Você também consegue.
— Elas estão preparadas. Eu não!
— Você é muito inteligente. Era a melhor aluna no colégio. Consegue!
Ninguém sabe tudo.
— Tio, não vou conseguir! — falo alto demais. Minhas mãos tremem.
— Olha só, já está conseguindo. Falando alto, coisa que nunca fez.
— Desculpa — peço com sinceridade.
— Não se preocupe. Isso é conhecido como nervosismo.
— Estou com medo, é diferente.
— E saber disso, prova que é inteligente.
Eu havia me esquecido do quanto meu tio pode ser persistente no que
acredita.
Nomes são chamados e as mulheres entram e ficam um tempo na sala e
logo saem.
— Vão me chamar também?
— Não. Vamos entrar assim que a última sair. Já marquei para conversar
com o Sr. Lima, liguei mais cedo.
— Prometi não pensar. Mas, do que adianta arrumar o tal emprego, sendo
que ela vai me obrigar a sair assim que descobrir?
— Eu cuido disso. Não fique pensando. — Como não pensar?
Depois de um bom tempo, a última que foi chamada sai da sala, e vai
embora como as outras.
— Vamos, querida.
Levantamos. Parece que vou desmaiar a qualquer momento. Meu tio
deve estar ficando doidinho. Meu Deus, me ajuda, por favor!
A porta se abre antes do meu tio bater. E um senhor forte e bonito,
vestindo um terno preto, sai e sorri assim que nos vê.
— Padre! Que honra recebê-lo — cumprimenta meu tio. — E esta é?
— Minha sobrinha, Raquel.
— Nossa. Eu não sabia que tinha uma sobrinha. Prazer, senhorita.
— P-prazer.
Ele sorri. Eu vou desmaiar.
— Em que posso ajudá-lo? Fiquei curioso desde que ligou. Vamos entrar
e conversamos.
Passamos pela porta e o senhor fecha. Nos sentamos e estou sentindo o ar
faltar, tremendo muito e com medo. Não posso decepcionar meu tio, como
também minha mãe.
“Siga seu coração!”, algo em meu interior grita isso.
— Augusto, eu soube da entrevista, e gostaria de que minha sobrinha
pudesse participar. Ela nunca trabalhou, tem vinte anos, mas é muito inteligente.
Um pouco tímida, mas muito educada e esperta.
O senhor me olha, e franze o cenho.
— Nossa. Estou surpreso. Infelizmente só estou contratando pessoas com
experiência.
— Eu entendo perfeitamente. Mas ontem, quando falei com o Téo, ele
disse para enviar o currículo e disse que era para avisar ser indicação da parte
dele.
O senhor ergue uma sobrancelha.
— Ele já conhece a sua sobrinha?
— Não. É uma longa história. Minha sobrinha viveu todo esse tempo sob
regras rígidas, vindas de alguém que infelizmente não percebe o quanto isso é
prejudicial. Nossa família é muito religiosa.
— Hum... Ela então é quase uma freira... — ele comenta.
— Bom, quase isso — meu tio afirma.
— Meu filho indicou, certeza? Perdão, não estou dizendo que está
mentindo, mas estou surpreso.
— Também fiquei. Mas preciso ajudá-la, e Deus sabe que por minha
menina faria de tudo. E estou aqui lhe pedindo um favor. Apenas uma entrevista
e o resto Deus cuidará.
— Bom, vamos deixá-la falar. Você sabe falar inglês? Trabalhamos com
estrangeiros, e saber falar esta língua é essencial para nós.
— Sim — respondo. No colégio religioso, tínhamos aulas rígidas da
língua.
— Isso é bom, nenhuma que veio sabia. Sabe mexer em computadores?
— E-eu não tenho, m-mas já mexi. — Quero completar que no colégio
tinha aula de computação, mas não consigo. Estou tremendo cada vez mais. Meu
tio segura minha mão e sinto um carinho paterno, coisa que sinto tanta falta.
— Isso é fácil, até porque teria que receber ajuda para compreender
nosso sistema, que é diferenciado. Tem filhos? Desculpa, mas preciso saber, para
estar a par do seu tipo de disponibilidade, e caso tenha não será um problema,
apenas preciso ver os horários.
— Não! Minha sobrinha nunca namorou.
— Certo. O seu maior contato seria apenas com os funcionários e
comigo. Então ser tímida não será um problema... — Ele me analisa, e sinto que
são minhas roupas que chamam sua atenção. — Isso pode ser bom.
— O quê? — meu tio questiona.
— Preciso de uma funcionária que meu filho não a faça pedir demissão, e
sua sobrinha parece ser perfeita.
— Não compreendo. Os dois teriam algum contato?
— Não. E isso é perfeito — o homem responde com alegria.
— Ela só precisa começar a aprender viver por si própria. Mais nada.
— Entendo. Desculpe a pergunta, mas quem cuidou dela? Freiras?
— Antes tivesse sido. — Olho para meu tio, que sorri.
Aprecio meu tio não dizer que é minha mãe quem me fez ser assim.
Ninguém precisa saber. Afinal, é minha mãe.
— Um minuto. — Ele aperta um botão no telefone em sua mesa.
Estou com medo. O que será que ele vai fazer? Será que vou trabalhar?
Mamãe não vai gostar disso. Vou ser expulsa de casa.
— A que devo a honra de sua ligação? — Uma voz grossa sai do alto-
falante do telefone.
— Deixe de gracinhas, Téo. Venha a minha sala agora.
— Bom dia para você também! Estou indo.
O senhor aperta o botão novamente e volta a nos olhar.
— Antes de dizer qualquer coisa, preciso ver algo.
Meu tio concorda.
O silêncio torna o momento mais difícil. Meu estômago parece dar
cambalhotas. Aperto a mão de meu tio, que retribui. Eu queria ser mais livre, e
quando a oportunidade cai do céu, eu fico assim. O que eu faço?
A porta se abre, e não olho. Não quero. Estou apavorada. Quem deve ser?
— Nossa, um padre e uma mulher. Eu não vou casar com ninguém. E se
disser que está grávida, quero DNA. — A voz grossa diz, e sinto um calafrio.
Quem falaria assim diante de um padre?
— Aproxime-se, meu filho. — Então esse deve ser o Téo que tanto
falam.
A pessoa passa pelo meu lado, e um cheiro muito gostoso de perfume
fica no ar. Mantenho a cabeça baixa. Estou morrendo de vergonha.
— Padre João! Veio com aquela resposta?
Que resposta?
— Por Deus, meu filho. Esqueça aquilo — meu tio diz e não sei, tenho
vontade de rir, mas me controlo.
— Téo, fiquei sabendo que indicou a sobrinha dele.
— Sim. Sou um homem bom. É por isso que veio?
— Não seja mal-educado e cumprimente a sobrinha do padre João.
— Onde ela está?
— Téo, na sua frente. Pare de gracinhas.
— Perdão, mas pensei que fosse alguma doid... Esquece.
— Minha querida, este é o filho do Sr. Lima.
Não tenho escapatória. Ergo a cabeça lentamente, e respiro fundo. Seja o
que Deus quiser.
— Olá, se... — não consigo terminar de dizer. Não pode ser. É ele. É sim!
Meu coração está muito acelerado. Minhas mãos suam rapidamente. É o
moço do mercado. Só que agora usa um terno azul-escuro. Ele sorri para mim, e
sinto que realmente irei desmaiar. Ele inclina um pouco a cabeça, e sinto tudo
girar. Fecho os olhos, e abro lentamente para controlar a sensação. Não pode ser.
Ele é tão belo, e de terno fica ainda mais.
— Raquel? — A voz do meu tio me assusta.
— É... Eu... Oi — consigo dizer algo.
— Prazer, Téo Lima, mas pode me chamar de Senhor Pecado!
Arregalo os olhos assustada.
— Téo, pelo amor de Deus!
— Não consegui evitar. Então esta é sua sobrinha? Disse que não era
freira.
— Não sou. — Minha voz é baixa.
— Sei...
— Então, filho, o que acha de contratá-la.
— Você quem sabe. Era apenas isso?
— Sim. Oh, meu Deus, sim! — O senhor de terno fica muito animado.
— Está bem, estou preocupado. Mas tenho coisas importantes para fazer.
Com licença... Ah, padre, sobre aquele assunto, algo de errado aconteceu de
novo, saí da igreja e dei de cara com o diabo.
— Santo Deus! — Meu tio faz o sinal da cruz e beija o crucifixo em
seguida.
— Saia daqui e pare de me envergonhar.
O moço belo sai da sala rindo.
— Bom, temos uma contratada! Amanhã mesmo vai começar, traga seus
documentos.
Estou sem ar. Eu realmente estou sem ar. Socorro. Meu Deus!
— Oh, Glória! Isso é uma bênção, minha menina. Sua vida vai começar a
mudar. — Meu tio me abraça e não tenho reação. Estou muito assustada.
Eu vou trabalhar? Isso não vai acabar bem, eu sinto que não.

Téo Lima

Vou até a recepção e Natanael já me olha feio. Porra, o que fiz agora?
— Qual é a da vez?
— Você e a camareira no quarto 310. Téo, ainda não é meio-dia, e já
começou a usar esse negócio?
— Ele trabalha cedo. — Dou de ombros.
Ele me entrega alguns papéis.
— A segunda turma para serem entrevistadas. Leve ao seu pai.
— Acho que não será necessário. Pelo visto vai contratar uma freira. —
Natanael arregala os olhos e rio.
— Verdade. Tem que ver a garota na sala dele. Nem senhoras se vestem
como ela. Se não for freira, está estudando para ser.
— Téo Lima, não ficou interessado por uma futura funcionária, é isso
mesmo?
— Exatamente. Tenho uma regra, meu caro amigo.
— Vou me arrepender, mas tenho que perguntar. Qual?
— Nada de virgens.
— Como sabe que ela é virgem? — pergunta com ironia.
— Primeiro, ela não erguia o rosto, só fez quando o tio chamou.
Segundo, ficou vermelha assim que me viu. Terceiro, se atrapalhou toda falando.
É virgem.
— Pode ser tímida.
— Ela nunca falou com um homem, além de um padre. Vai por mim.
Nunca erro. Tenho um radar do caralho.
— E eu tenho muito serviço. Some!
— Quanto mau humor.
— Oi, Téo — Pietra diz assim que se aproxima, trazendo alguns papéis.
— Oi, Doçura. E Mayara?
— Você é um safado! — diz com raiva e fixa a atenção no computador.
— O que eu fiz agora?
— Some daqui! — Natanael diz e saio rindo.
Vou para o meu escritório, e termino de conferir o livro caixa.

Estou em casa com minha gatinha. Peguei ela na minha mãe, e vim para
cá, antes de ser impedido pela mulher que consegue me enlouquecer, mas que eu
amo.
— Papai, podemos ver filme hoje?
— Está bem, mas apenas um.
— Eba! — grita e se joga em cima de mim, e na hora protejo meu pênis
que por pouco não é atingido.
— Cuidado, gatinha. Qual filme?
— A bela e a fera.
— Já vimos tantas vezes.
— E vamos ver de novo! — diz fazendo carinha de gatinho perdido.
— OK. Mas primeiro vamos tomar banho e depois fazemos pipoca para
assistir.
Ela vai correndo para o seu quarto, e sigo. Toma banho, e coloca um
pijama rosa, cheio de coroas brilhantes, sorrio vendo. Penteio seu cabelo,
enquanto ela me conta como a avó ajudou ela com a lição de casa.
— Faz trança, papai.
— Exigente, não?
— Mamãe falou que você tem que me tratar como princesa.
— Sua mãe anda falando muitas coisas, espertinha.
Puxo ela para o meu colo, e começo a fazer cócegas. Sua risada preenche
o quarto e o meu coração. Amo demais essa baixinha. É a mulher da minha vida.
O meu primeiro acerto.
Tomo um banho e depois preparo a pipoca. Ficamos assistindo o filme,
em meu quarto, debaixo das cobertas. Na verdade, eu fiquei assistindo, porque
ela dormiu na metade. Retiro a pipoca e os sucos do quarto. Escovo meus dentes,
e desligo a televisão. Fico com dó de levá-la para o seu quarto, e deixo que
durma comigo. Assim que deito, ela se aconchega em mim, e sorrio como um
bobo. Ela é a única que me deixa bobo. Dou um beijo em seu rosto e ajeito as
cobertas.
— É, gatinha, só você para fazer o papai ficar em casa uma hora dessas e
já pronto para dormir — sussurro.
Ela abre os olhinhos bem lentamente.
— Te amo, papai.
— Eu também te amo, gatinha. — Ela sorri e me derreto. Porra, essa
menina me mata.
Meu celular vibra, e estico o braço livre com cuidado para pegá-lo no
criado-mudo, pois Catarina dorme praticamente em cima de mim.
É uma mensagem:

Espero que esteja cuidando bem dela. Já sabe, um arranhão e fica sem suas
bolas.

Sorrio. Essa mulher é louca.


Tiro uma foto nossa e envio para ela.

Que inveja, quero minha menina. Você não deu sonífero para ela, não é?

Depois dizem que ela não é louca.


Claro que não, louca! Tchau, Samira!



Ela responde em seguida:

Tchau, imbecil. Rsrs.


Coloco o celular no criado-mudo e fico abraçado em minha gatinha,


enquanto olho para o teto.
Samira e eu já éramos grandes amigos antes de tudo, e confundimos o
amor da amizade com outro tipo de amor. Ela tem a mesma idade que eu, e nos
conhecemos na faculdade. Chegamos a ficar noivos, mas vimos que não daria
certo. Quando nos separamos, ela descobriu estar grávida, e prometemos que
nossa amizade continuaria, e faríamos de tudo por nossa filha. Ela engravidou
aos vinte anos, e foi a mais louca experiência, eu ainda fazia faculdade de
administração e também cursava fotografia, e pensei que minha vida estava
acabada. Mas hoje, com 27 anos, vejo que esta garotinha veio para melhorar
muito a minha vida, e não acabar com ela. Samira também permaneceu grande
amiga da minha família, principalmente a melhor amiga da minha irmã, afinal,
está há anos conosco, e muitos não entendem essa relação, mas é que ela se
tornou como uma filha para os meus pais e uma irmã para a Hannah. Seria
impossível apagar toda essa conexão que foi gerada, e antes de ser mãe da minha
filha, era e ainda é a minha melhor amiga também. Eu ou minha família
seríamos muito ruins se, por causa de uma loucura de relação, “chutássemos” ela
e fizéssemos de tudo para apagar a importância dela em nossas vidas, que
começou anos atrás.

Nunca derramei uma gota de suor por outros caras
Quando você surge, eu fico paralisada
E toda vez que eu tento ser eu mesma
Dá tudo errado como um grito por socorro
Isso não é justo
— Demi Lovato “Heart Attack”

Raquel Pereira

Estou na minha mesa de trabalho. Quem diria que um dia eu teria uma.
Antes de irmos embora da entrevista, o Sr. Lima informou o horário que eu
deveria vir e que era para trazer meus documentos. Por enquanto ficarei em
experiência e depois ele decidirá se irei continuar. Como se este emprego já não
estivesse com as horas contadas. Minha mãe vai me matar, eu tenho certeza
disso.
O próprio senhor Augusto me ensinou a mexer no sistema utilizado para
o hotel no computador, e achei fácil, mesmo eu me atrapalhando um pouco com
tudo. Parece que também terei de usar uniforme, e que hoje devo deixar minhas
medidas com o senhor Natanael, mas como vou saber? Minha mãe quem compra
minhas roupas. Resolverei isto depois.
Meu tio me acompanhou até aqui, e disse que me buscará assim que o
expediente terminar.
O senhor Augusto me deixou encarregada de colocar os dados dos
últimos ajustes feitos no hotel e seus gastos, disse que esta função era de seu
filho, mas ele está fazendo outras coisas. Só de pensar neste moço, eu fico
doidinha. Se minha mãe sonhar que estou trabalhando no mesmo lugar que o
moço na qual criticou no mercado, eu não sei o que ela fará, mas não será nada
alegre. Estou perdida. Tento não pensar, mas é impossível. Meu tio vai arranjar
problemas por tentar me ajudar, e isso só piora meu sentimento de culpa.
O telefone toca, e é de uma empresa de limpeza, transfiro para o telefone
do meu chefe, como ele também ensinou. Adorei ele, muito educado e paciente.
Desligo os pensamentos sobre o que pode acontecer quando mamãe
descobrir que estou trabalhando, e foco minha atenção no trabalho.
— Oi, Doçura. — Ergo lentamente o olhar da tela do computador.
Minhas mãos já começam a suar e meu coração acelera. Ele sorri de um modo
diferente, mas não sei dizer qual.
— Meu nome é R-Raquel. — Meu tom é baixo e parece que o diverte.
— Meu pai informou que está registrando os dados dos últimos ajustes.
Quando terminar me mande tudo, preciso colocar no livro caixa, ou o Sr.
Zangado me mata. Poderia deixar essas porcarias todas no computador, não
tenho paciência para ficar mexendo naquele negócio.
Não respondo. Não sei o que dizer. Acho que vou vomitar. Ele coloca as
mãos no bolso da calça.
— Você é bem tímida. Eu não mordo... bom, depende.
— De quê? — consigo dizer. Ele está me assustando um pouco.
— Melhor deixar quieto. Não se esqueça de me mandar tudo. Antes que
eu me esqueça, meu e-mail fica registrado no sistema. Sabe como encontrar? —
Faço que não com a cabeça. — Vou ser um bom homem e te ajudar.
Ele se aproxima, ficando ao meu lado. Muito próximo. Meu coração está
batendo rápido demais. Seu perfume fica muito mais forte, e fico um pouco
tonta, não pelo cheiro, porque é bom, mas não sei explicar o motivo.
— Abre o e-mail da empresa diretamente da área de trabalho. — Ele
mostra e presto atenção, mas meu olhar se desvia para sua mão no mouse, ele
usa um anel, será que é casado? Deve ser. — Depois vá ao lado esquerdo, e clica
nesta caixa onde tem uma estrela, e aqui vai mostrar diversos e-mails, o meu é
este. — Ele mostra e volto a olhar rapidamente. — É diferente dos e-mails
tradicionais, mas logo você pega o jeito.
Ele se afasta e não sei o motivo, mas agradeço mentalmente por essa
pequena distância.
— O-obrigada. — Sorrio timidamente.
— Precisa parar de gaguejar toda vez que falar. Eu já disse que não
mordo. — Ele sorri.
— Desculpa. Só não...
— Não está acostumada a falar com homens — ele completa. — Me
diga, já falou com algum além de seu tio?
— Eu...
— Pelo amor de Deus, deixe a menina em paz, Téo! — Sobressalto com
a voz do senhor Augusto.
— Só estou conferindo se ela precisa de ajuda.
— Não! De você, ela só precisa de distância.
— Não tenho culpa de ser o oitavo pecado e elas ficarem loucas. — Ele
me dá uma piscadela e sinto meu rosto esquentar muito. Então ele sorri.
— S-são só sete pecados — digo baixinho, mas pelo visto não tanto
quanto eu desejava.
— Posso te mostrar o oitavo, e vai ver como esteve enganada este tempo
todo.
Arregalo os olhos.
— Tenha a santa paciência. Some daqui e vá trabalhar! — seu pai grita
com ele.
— Estou brincando. De virgem quero distância. — Como ele pode dizer
isso para o próprio pai? E na minha frente? Que vergonha.
— Some logo daqui! — o senhor Augusto insiste e o filho sai rindo.
Volto a olhar para o computador ainda assustada com a conversa. Este
Téo é muito...
— Não ligue para o que meu filho diz. Ele esquece de usar o cérebro às
vezes. Qualquer problema pode me procurar. Irei sair agora, e não retorno hoje.
Assim que der seu horário pode ir embora. Amanhã nos vemos. Até mais. — Ele
sorri e se retira.
Fico trabalhando até a hora do almoço. Os funcionários podem almoçar
no próprio, na cozinha especial. As mulheres daqui falam muitas coisas
assustadoras, e a maioria apenas fala sobre o Téo Lima, e coisas que não entendo
muito, mas tenho certeza de que é melhor continuar sem entender. Depois do
almoço retorno ao trabalho, pois são muitas coisas para registrar. É legal. Depois
de vinte anos estar fazendo algo diferente é muito bom.

Téo Lima

Estou na recepção atormentando a vida de Natanael. Está na hora de ir


embora, mas estou despreocupado, já que Hannah pegou a Catarina no colégio e
foram ao cinema.
— Você tinha que ver como ela ficou. Hoje eu tive certeza. É virgem.
— Pelo amor de Deus, esqueça esse assunto. Eu conheci a menina, é um
doce. Não estrague a vida dela. Ela é muito inocente, logo se vê nas atitudes e no
modo de falar. Fique longe. — Ele atende um hóspede e logo volta a mexer no
computador.
— Eu preciso saber da vida de todos que trabalham aqui. E estou
preocupado. Eu meio que me confessei com o tio dela, que é padre. E se for para
me investigar?
— Eu não ganho o suficiente para ouvir essas baboseiras!
Sorrio.
— Está bem. Eu mudo de assunto. Cadê Pietra e Mayara?
Ele ajeita os óculos e fica vermelho de nervoso.
— Você me irrita! Eu ainda vou pedir demissão por sua causa.
— Não vai. Este hotel é sua vida. Por falar nisso, você transa? Porra, vive
aqui.
— Téo Lima! — me repreende e rio.
— Já vou embora. Fique calmo. Hoje estou feliz, posso dirigir minha
bebê azul!
— É só um carro, garoto!
— É uma Ferrari. Sabe quantos caval... Olhe só, a santinha vem aí. —
Natanael olha para onde ela vem vindo, então volta sua atenção para mim.
— Fique longe. Seu pai me fez prometer que nesta você não tocaria.
— E não vou. Mas isso não significa que não irei me divertir.
— Téo...
— Olhe as roupas dela? De que século é isso?
— Ela vai usar uniforme. E pare de implicar. É o jeito dela.
— Quantos defensores ela conseguiu em um dia.
A garota praticamente se esconde dentro das enormes roupas. Porra, que
roupas são essas? Saia longa e bem larga marrom, e um suéter da mesma cor. A
bolsa é preta e transversal. Seus cabelos estão presos em um rabo de cavalo
baixo. Parece uma doida que fugiu do hospício. Mas ela tem duas coisas que me
chamam a atenção: seus olhos castanhos são de um tom que reflete mistério,
pureza; e seu sorriso ingênuo é perfeito. Não posso fingir não notar o lado bom
da doida.
Ela se aproxima do balcão e fico observando.
— Veio trazer as medidas, certo? — Natanael pergunta sorridente. Esse
homem sorri? Isso é novidade.
— Sim — ela praticamente sussurra. — Na verdade, não. Eu não sei as
medidas corretas.
Eu não estou ouvindo isso. Ela não sabe que tamanho veste de roupa? Se
bem que para usar roupas tão grandes não deve saber mesmo. Cruzo os braços e
fico de lado, parado diante do balcão.
— Alguma das meninas pode ajudar com isso — Natanael informa e ela
sorri timidamente. Não me olha. Coitada, deve ter medo de mim. Minha fama
deve ter chegado aos seus ouvidos.
— Obrigada. Vamos ver agora, senhor?
— Claro. Vou apenas esperar as meninas retornarem, pois foram fazer
uma pausa para um lanche, porque o movimento foi corrido demais na hora do
almoço e as coitadas não conseguiram comer, e hoje vão fazer extra. — Ela
concorda.
— É que meu tio vai vir me buscar.
— Meu Deus... — começo a dizer, mas sou interrompido.
— Nem pense em falar nada, Téo. Você não tinha que ir? — Natanael
está me expulsando? Porra, não valho nada.
— Vou aproveitar que a Catarina foi passear com a Hannah, e vou curtir.
Meu pau precisa ser liberado da prisão.
Ele arregala os olhos e começa a tossir.
— Por que prenderem seu pau, senhor Téo? Nunca vi prenderem coisas
assim. — Começo a gargalhar e Natanael tosse ainda mais. Ela fica
envergonhada. — Desculpa, n-não quis ser indiscret...
— Que tipo de pau acha que estou falando? — pergunto após me
recuperar da gargalhada.
— Madeira. — Eu não acredito nisso.
— Raquel, não foi a isso que me referi.
— Ah... perdão.
— Tudo bem. — Sorrio. — Bebe água, Natanael. Vai morrer, homem!
Saio do hotel e Robson traz meu carro. Entro nele, coloco o cinto e dou
partida. Mas, então uma crise de riso toma conta de mim. Não acredito. Ela não
pode ser tão ingênua assim. Não pode!
Passo em casa, tomo um banho, troco de roupa e vou para a boate Mister
1
Sin , que abre todos os dias, e funciona vinte e quatro horas. Estaciono o carro e
entro. Vou direto para o bar, e Lily vem sorrindo. A música é alta e o lugar está
lotado como sempre.
— Olha só. Pensei que tinha esquecido o caminho.
— Jamais.
Ela desliza as unhas por meu peitoral.
— Merece uma dança especial hoje. Depois de dias sem vir.
— Só uma dança?
— Safado. Vou reservar uma suíte especial.
— Ótimo. A mesma de sempre. E pode levar mais amigas.
— Levarei. Mas vou querer um pouco de você sozinha.
— Tem que dividir, Doçura. — Seguro seu queixo e mordo seu lábio
inferior.
— Está bem. Tenho que me preparar para dançar com as meninas. Todas
ficaram empolgadas assim que viram você entrar.
— Sou todo de vocês. Agora preciso falar com o Rogério, depois cuido
de todas.
— Ele está no escritório. Sobe lá. — Ela se afasta, rebolando.
Sempre venho aqui. Peguei amizade com o dono do lugar. É uma boate
muito famosa, por ter suítes e conseguir todo o tipo de sexo, dos mais leves aos
mais pesados, e com quantas pessoas quiser, seja com as dançarinas, ou com as
pessoas que frequentam aqui. O nome do lugar já diz tudo. Acontece de tudo
aqui.
Subo para o escritório, com a liberação dos seguranças que me
conhecem. Abro a porta e Rogério sorri assim que me vê.
— Olha quem retornou! Sumiu, seu idiota. — Fecho a porta e me
aproximo.
— Estou com minha filha esses dias, está corrido.
— É tão engraçado vê-lo agindo como pai. Mas está certo, filhos são
prioridade.
— E como andam as coisas?
— Correria. Viajando sempre para cuidar da boate em Las Vegas, e
cuidando de tudo aqui. Não é fácil cuidar destes lugares. Muito trabalho.
— Foda. Mas não tenho pena de você. — Ele me mostra o dedo do meio.
— Mas me fala, veio me visitar ou curtir minhas dançarinas? — Sorrio.
2
— Cazzo , você é um cretino, cara. Por isso gosto de você. É quem tem que ser e
que se dane o que digam.
— Que se foda o que digam. Sou solteiro, não estou traindo ninguém.
— Nem me fale em traição. — Ele ri.
— Traiu a mulher de novo? Porra, eu já teria lhe dado um chute.
— Fazer o quê? Nunca dei esperanças de nada sério. Aquela louca que se
nomeou minha namorada. Mas já coloquei um ponto final; e depois de surtar, ela
falou que nunca mais quer me ver, e agradeci.
— Depois eu sou o cretino.
— Somos cretinos, porra. Viva os cretinos! — Ele bate na mesa. Rimos.
— Vou descer, não vim aqui para ficar olhando sua cara.
— Vê se não cansa as meninas. Elas vão ter duas apresentações hoje,
porra. Toda vez que vem ferra tudo.
— Relaxa, cara. Já te prejudiquei com elas?
— Téo...
— Relaxa, Rogério. Você precisa de sexo, está muito tenso. — Ele se
levanta.
— Preciso mesmo. Mas hoje tenho trabalho. Vá curtir minha boate por
mim.
— Com o maior prazer.
Saio de seu escritório, e desço. Pego uma bebida. Logo depois vou para a
pista de dança. Começo a dançar com uma desconhecida. Pelo visto não terei
apenas as dançarinas hoje. Mas começo a rir, lembrando do que a Raquel falou.
Aquela garota é muito estranha.

Raquel Pereira

Mayara, uma das funcionárias do hotel, me ajudou com as medidas e


logo depois meu tio veio me buscar. Estamos em casa, e já jantamos, agora
conversamos na sala, e conto tudo sobre meu dia, completamente empolgada e
ele presta atenção em tudo.
— Fico feliz em te ver tão animada. Quero que sempre continue assim.
Oculto a parte do Téo na recepção e do que ele falou para o pai. Não
conseguiria nem dizer ao meu tio. E até agora estou tentando entender por que
ele riu de mim. Tenho certeza de que o entendi dizer sobre pau, ou seja, madeira.
Que vergonha.
— O que foi, meu anjo?
— Nada importante. Mamãe deu notícias?
— Sim. Disse que sua tia é teimosa, e que se continuar na teimosia nunca
vai se recuperar.
— Tio, me diga que tia Cássia não está fazendo isso de propósito? —
pergunto realmente preocupada.
— Querida, não se preocupe com nada. Apenas trate de ser feliz.
— Tio...
— Raquel é uma ordem. Está na hora de ser feliz. Eu cuidarei de sua
mãe. Não se preocupe.
— Impossível.
— Não é não. Vai ficar tudo bem.
— Eu espero. Eu realmente espero. Rezo por isso.
— Eu também, meu anjo. — Ele sorri.
Ficamos conversando por um tempo e depois acompanho ele até a saída,
e antes de trancar a porta a vizinha, que está chegando, grita:
— Boa noite, menina da família careta!
— Boa noite, dona Alzira — cumprimento educadamente e tranco a
porta.
Tomo um banho, escovo os dentes e vou para o meu quarto. Rezo e logo
depois me deito. Diferente dos outros dias, não consigo pegar rapidamente no
sono, pois o Téo Lima não sai da minha mente. Ele é diferente, de um jeito bom,
pelo menos eu acho. Mas meu tio me alertou quando me levou para trabalhar,
para ficar longe dele, e o senhor Augusto também não o quer perto de mim. Se
querem isso, deve ser o correto.

Ela é mistério
Cheia de segredos
Ele é bagunçado
Cheio de defeitos
Toda noite cai na farra
Ele toca o terror
— Munhoz e Mariano “A bela e o fera”

Raquel Pereira

Estou no serviço. Desta vez, eu vim sozinha. Meu tio não pôde me
acompanhar, tinha uma família para visitar. Confesso que gostei. Tive um pouco
de medo, mas é normal, pelo menos é o que eu acho.
— Cadê ele? — uma moça muito bonita, de cabelos escuros e um olhar
muito furioso, indaga.
— Ele quem? — pergunto sem entender.
— O cretino do meu irmão! Eu vou matar o Téo! — Olho assustada por
suas palavras. — Perdão. Sou Hannah, irmã do Téo. Eu já o procurei em todo
lugar e ele está fugindo de mim. Meu pai está aí?
— E-ele foi para um compromisso, mas disse que não demoraria muito.
Ela bufa. Está nervosa e me assustando. Será que é de família falarem
tudo o que pensam, assim do nada?
— O Téo, onde ele está?
— Não o vi hoje — respondo a verdade.
— Que ótimo. Ele me deixa com a filha, vai curtir com as milhares de
mulheres que sai, me faz levá-la para o colégio e manda apenas uma mensagem
de texto dizendo que buscaria ela depois. Eu vou matá-lo. Ele sempre faz isso.
Se o meu irmão não aparecer, eu vou recorrer ao reforço.
— Reforço?
— Sim! Desculpe o desabafo. Mas o Téo dá muito trabalho. Tem irmãos?
Nego.
— Sorte a sua. Se o vir, diga que a irmã assassina veio e que vai matá-lo.
Concordo com um aceno lento de cabeça.
— Até mais... Qual o seu nome?
— Raquel.
— Até mais, Raquel. — Ela sorri e se retira. Bem assustadora, mas
bonita. Tem traços semelhantes aos do irmão.
Volto ao que estava fazendo. O senhor Augusto me pediu para organizar
a lista de convidados, pois terá um evento em comemoração ao aniversário do
hotel esta semana. A lista é enorme, e deve ser organizada por ordem alfabética,
porque o local que fará os convites exige isso.
— Ela já foi?!
Grito assustada.
— Foi mal. — Ele sorri.
— Se está se referindo à moça muito brava. Sim.
— Minha irmã sabe ser assustadora quando quer. Eu deixei minha filha
com ela, e prometi que voltaria logo, e meio que menti.
— Mentir é pecado.
— Se for pecado, eu serei condenado ao inferno. — Ele ri.
— Como pode dizer isso, senhor?
— Senhor morreu, Doçura. Chame apenas de Téo.
— É Raquel.
— E eu sei. Se ela aparecer novamente, você não me viu.
— Ela disse que iria recorrer ao reforço.
— Ela não faria... Merda, faria sim. Samira vai arrancar minhas bolas!
Inferno. — Ele sai nervoso e apressado.
Meu Deus, como ele pode dizer tantas coisas assim?

Téo Lima

Ligo para a pequena demônia, conhecida por Hannah!
— Ah, cretino! Resolveu ligar?
— Maninha. Minha doce e amada maninha.
— Corta essa. Eu não sou babá. Eu amo minha sobrinha, mas tenho
minhas coisas. Perdi uma reunião importante hoje cedo, para levar a Catarina
ao colégio.
— Desculpe. Cheguei tarde, e não queria acordá-la — minto.
— Você é um idiota. E só por isso vai ficar me devendo.
— Devendo o quê? — pergunto preocupado.
— Terá que me ajudar a organizar o evento do hotel. Tem que ser o
melhor de todos. As pessoas precisam querer saber quem foi a responsável.
Papai me deu a chance de mostrar que o “Buffet Hannah” é pra valer. E irei dar
o meu melhor. E o senhor, vai me ajudar.
— Minha querida, deveria ter pedido algo mais difícil. Irei adorar te
ajudar nisso. Este local precisa de uma boa festa. — Sento em cima da mesa.
— Téo, nada de strippers, garçonetes nuas, ou qualquer coisa indecente
que tenha imaginado.
— Agora ficou chato.
— Problema seu. Me ajuda, ou conto a Samira que você vive saindo e
deixando a Catarina sob os meus cuidados ou da mamãe, e volta apenas no dia
seguinte. Ela vai amar saber que foge de suas responsabilidades.
— Me poupe. Uma vez ou outra faço isso.
— Você conhece a Samira. Quando se trata da filha, ela fica doida.
— Irei te ajudar. Só fique calada.
Ela ri.
— Pode deixar. Me ajude, e fico muda.
— Certo. Agora preciso desligar.
— Bye, bye. — Desliga.
Coloco o celular no bolso. Minha irmã definitivamente é a minha cruz.
Encho meu copo com uísque e acendo um dos meus charutos cubanos, os
melhores. Sento em minha cadeira, e relaxo. Minha noite foi agitada, e minha
manhã está sendo um tédio. Precisarei de muita bebida, e calma para lidar com
minha irmã, já que ela pode ser bem louca quando se trata de organizar algo.
Que graça tem fazer uma festa sem poder extrapolar um pouco? Algo tem que
ser tentador neste hotel. Tive todas que eu queria neste lugar, e não tem
novidades.
Coloco meu copo na mesa, e pego meu celular. Vou nas fotos, e vejo as
que tirei com a câmera e passei para o celular. Todas paisagens e pessoas
desconhecidas, de lugares distintos. Preciso fotografar, isso sim me anima
quando não tenho mulheres, óbvio. Mas, infelizmente, estou sem inspiração para
fotos. Sou como um pintor, eu preciso me inspirar para registrar algo. Não é
apenas tirar uma foto, é mais que isso. Eu tenho que sentir o momento, ver algo
além da cena, enxergar o que é alheio as outras pessoas.
Batidas na porta me fazem deixar o celular de lado.
— Entre.
A porta se abre e Raquel surge.
— Senhor Téo, seu... Meu Deus, você fuma? Isso mata e é errado! —
Olho para o charuto, levo-o até a boca, sob seu olhar reprovador. A fumaça se
espalha e ela fecha a porta nervosa. Sorrio.
— O que quer, Raquel?
— Isso é muito errado. Álcool e fumar? Vai te matar! — A menina está
realmente brava. Rio.
Deixo o charuto no cinzeiro, e assim apagará sozinho. Bebo um gole do
meu uísque e ela fica me olhando.
— Por Deus. Não tem amor a sua vida?
Ergo a sobrancelha e ela continua me olhando brava.
— Acho que sou bem grandinho para fazer o que bem entender. E quem
é você para dizer qualquer coisa?
— P-perdão. Só fiquei assustada. Perdão — implora.
— Raquel, o que queria? — mudo de assunto. A menina vai acabar
caindo dura no chão.
— Seu pai pediu para lhe entregar esses documentos, para que os
arquive. — Ela me entrega uma pasta.
— Do que se tratam?
— É a revisão dos procedimentos de segurança do hotel.
— Mais alguma coisa?
— Não. Com licença. — Ela se vira para sair.
— Raquel, quantos anos tem?
Volta a me olhar.
— Vinte anos, senhor.
— Téo. Apenas Téo.
— Tenho que ir. — Concordo e ela se retira.
Vinte anos e é toda certinha. Foi criada por freiras? Seu tio é padre, já era
de se esperar que a menina poderia ser assim.
Olho meu charuto e sorrio. Bebo o restante do uísque e abro a pasta para
avaliar os documentos antes de arquivá-los.

Raquel Pereira

O que eu tinha na cabeça em falar daquele modo com o Sr. Téo Lima?
Nunca agi desta forma. Meu Deus, eu preciso rezar e pedir perdão pelo meu ato.
O que eu fiz?
Sento em minha cadeira e respiro fundo. Estou completamente
envergonhada.
— Menina Raquel. Olhe só o que chegou! — Natanael me entrega uma
sacola.
— O uniforme?
— Sim. Experimente para vermos se está tudo certo.
— Agora?
— Claro. — Ele sorri.
— Está bem. Se o senhor Augusto perguntar...
— Não se preocupe. Vá.
Vou até o banheiro das funcionárias e dou sorte por estar vazio. Retiro o
uniforme da sacola. É uma saia preta e uma camisa azul-clara com o nome do
hotel.
Retiro minha roupa e visto o uniforme. Tudo é muito justo e estranho.
Fico na frente do enorme espelho e quase não me reconheço.
Eu tinha seios assim? Meu Deus!
Tento puxar a saia, que é bem curta. É exatamente um palmo acima dos
meus joelhos, acabo de conferir. Eu nunca usei roupa assim. Agora sim mamãe
ficará doida. Como vou usar isso? Todos vão ver minhas pernas, e curvas. Desde
quando eu tenho essas curvas?
Ouço batidas na porta seguidas pela voz do Natanael.
— Está tudo bem?
Vou até a porta, abro apenas uma frestinha e fico escondida atrás dela.
— Eu acho que é um número pequeno. Está tudo justo e curto. — Ele
sorri.
— Deixe-me ver.
Nego.
— Não seja boba. Preciso ver se realmente é necessário trocar o
uniforme.
— É que nunca usei algo assim. E o senhor é homem.
— Minha querida, está tudo bem. Só quero ajudá-la. — Ele sorri.
Vamos lá. Seja o que Deus quiser. Abro totalmente a porta e fico de olhos
fechados.
— Nossa! Senhorita está ótimo. É assim mesmo. Não tem nada muito
justo. É o modelo do uniforme. Ficou muito bem. Abra os olhos, bobinha. —
Faço o que ele pede.
— Tem certeza? Eu não sei. Está tudo muito...
— Natanael, você viu a Raque... Meu Deus! — O senhor Augusto para
na porta. — Minha querida, você é bem bonita sem aquelas roupas estranhas.
Desculpe a sinceridade.
Minhas bochechas esquentam. Quero me esconder. Nunca fui motivo de
elogios. Meu tio me elogiava, mas apenas ele.
— Eu não sei...
— Precisa apenas de sapatos adequados. Porque estas sapatilhas não
combinam. Tem que estar sempre bem-vestida, nada muito chique. Nosso hotel
recebe muitas pessoas importantes e, às vezes, vão vê-la, então temos que passar
uma boa impressão desde nossas vestes. — o senhor Augusto diz.
— Mas que sapatos? — pergunto curiosa.
— Saltos. Não precisam ser altos demais — Natanael responde.
— Nunca andei de saltos. Não sei...
— Não se preocupe, vai dar tudo certo, querida — Natanael diz animado.
— Ótimo. Assim que voltar para a sua mesa, preciso que entre em
contato com o último hóspede do quarto 418. Esqueceram um relógio e um
perfume. — Concordo e ele se retira.
— Já tenho que ficar com isso?
— Sim, senhorita! — Natanael afirma sorridente.
Meu Deus! Acho que nem mesmo meu tio vai gostar disso.

Téo Lima

Saio de minha sala e procuro por Natanael, porém não o encontro. Onde
o homem se enfiou? Hannah me ligou e quer saber a quantidade de tudo que tem
na limpeza, cozinha e banheiros. Ele registra tudo, então só ele para responder. A
menina está levando a sério o trabalho. Disse que não pode faltar nada. Só faltou
perguntar a quantidade de tudo o que necessita nos quartos.
— Doçura, e Natanael? — pergunto a Mayara.
— Foi levar o uniforme da Raquel. Agora chispa, seu tarado. Tenho
hóspedes para atender.
— Ok, estressadinha.
Vou até a mesa da Raquel, mas ela não está. Pergunto ao meu pai por
Natanael e ele diz que está na ala dos funcionários. Vou até o local, e está vazio.
Neste horário todos estão trabalhando. Entro no corredor dos banheiros, e vejo o
bendito homem na porta do feminino.
— Olhe só. Depois eu sou o safado. Olhando as funcionárias? Coisa feia
— brinco e ele se assusta.
— O que faz aqui?
— Te procurando. — Me aproximo e a porta do banheiro se fecha. — O
que você faz aqui?
— Ala dos funcionários.
— Porta do banheiro feminino. — Ergo a sobrancelha e ele revira os
olhos. — Quem está escondendo? Safado! — Ele fica vermelho.
— Não estou escondendo nada. É apenas...
— Meu caro amigo, já vi todas as mulheres deste hotel nuas... Bom
algumas não, mas seja lá quem for pode me dizer.
— Deixe de gracinhas. Não é o que está pensando. Eu estou ajudando...
— não permito que ele termine. Abro a porta e a pessoa grita assustada.
— Pelo amor de Deus, é apenas uma mulher vestida... PUTA QUE
PARIU! — Só pode ser o uísque com o charuto que não me fez bem. Não é
possível.
— Vamos, senhorita. Precisamos retornar.
Ela me olha e está completamente encabulada. Tenta puxar mais a saia, o
que não resolve nada. Nossa, que belas curvas!
— Nada mal, Raquel. E olha que não a vi nua.
— TÉO LIMA! — Natanael me repreende e sorrio.
— Só estou surpreso. A menina tem um belo corpo. Rosto de menina e
um corpo de mulher. A santinha escondia um bom conteúdo.
Ela entra correndo em uma das cabines e se tranca.
— O que eu fiz? — Natanael me acerta um tapa no braço.
— Some daqui! — Ele me empurra para fora.
— Nem pensar. Eu a assustei. Eu cuido disso.
— Téo...
— Confie em mim, homem. Vá cuidar do seu serviço. Tem bastante
hóspedes e as meninas estão sozinhas. — Ele me olha sério. — Vai.
— Não faça mais nada errado!
— Prometo! — Ele se retira.
Vou até a cabine que ela está e bato.
— Raquel, desculpa se eu te ofendi. Só fiquei surpreso. — Se esta
menina pedir as contas por minha causa, meu pai me mata.
Escuto-a fungar. Ótimo, está chorando. Estou fodido.
— Raquel, abre, por favor.
Ela abre a porta. Está sentada na tampa da privada, chorando.
— Eu não quis te ofender, é sério. Foi um elogio.
— É que os homens n-nunca me elogiaram. E-eu, estou a-assusta...
assustada — gagueja.
— Sério? Está brincando, não é?
Ela nega, e enxuga o rosto sem jeito.
— Você é bem estranha. Quero dizer... Esquece. — Pelo visto, não estou
ajudando, já que ela chora mais.
— Desculpa eu estar chorando, só...
— Está tudo bem. Eu fui infeliz nos comentários. Não deveria ter falado
daquela forma...
— Está tudo bem. Vou ficar bem. Pode ir, senhor.
— Se me chamar de senhor novamente, eu vou ficar bem estressado. —
Ela me olha e sorrio. — Lave o rosto e vamos sair daqui. Se meu pai sonhar que
estou com você aqui dentro, eu serei morto.
Ela concorda. Passa por mim e não deixo de reparar em seu traseiro, nada
mal. Caralho, sou um cretino. Ela lava o rosto e enxuga com o papel toalha,
depois joga fora.
— Agora me fale a verdade. Realmente nunca foi elogiada por homem?
— Não menti. É verdade.
— Não sai para a rua? — Só assim para não ter sido elogiada por
qualquer um.
— Saio com minha mãe. Ela é muito “religiosa”. — Faz aspas com os
dedos. — Fui criada com muitas regras. Este é meu primeiro emprego, e é a
primeira vez que uso uma roupa assim. Também é a primeira vez que falo com
homens que não sejam da família. — Eu devia ter apostado com Natanael. —
Não devia estar falando nada disso.
— Olha, essa sua mãe deve ser um porre. — Ela fica me olhando sem
entender. — Esquece. Vamos sair daqui.
Ela pega a sacola e coloca as roupas antigas dentro.
— Fiquei curioso pela sua história. Nunca vi nada assim — sou sincero.
— Minha vida não tem muito o que ser contado.
— Duvido.
Saímos dali. Deixo-a em sua mesa, e vou atrás de Natanael. Espero ele
atender o hóspede e me aproximo.
— Preciso da lista com quantidade de tudo o tem na cozinha, produtos de
limpeza e tudo para banheiros, a Hannah pediu. E quero saber tudo o que sabe
sobre a Raquel.
— Darei a lista, e não falarei nada da menina.
— Não seja ruim. Ajude este pobre homem curioso.
— Não posso. Eu não sei quase nada. Apenas o que todos sabem. É
tímida, e vem de uma família religiosa. Téo, fique longe. Você prometeu.
— Eu não irei levá-la para a cama, mas estou curioso para saber da vida
dela. Você viu aquilo no banheiro? Ela chora por receber elogios. Que tipo de
família ela veio? Religiosa ou de loucos?
— Não sei e não é da nossa conta.
— Pois irei descobrir. Estou bastante curioso.
— Isso não vai acabar bem! Não se meta no que não lhe diz respeito. —
Sorrio.
O que posso fazer? Sou um homem curioso. Quem realmente é Raquel?
Eu vou descobrir.

Agora, não sou muito um poeta
Mas sei que alguém me disse uma vez
Para aproveitar o momento e não desperdiçá-lo
Porque você nunca sabe que tudo pode acabar amanhã
— Rihanna e Eminem “The monster”

Téo Lima

Estou na minha mãe. Samira passará aqui para pegar a Catarina. Ligou
avisando que conseguiu terminar tudo antes do tempo. Já jantamos, e Catarina
brinca no quarto com a Hannah. Quando as duas se juntam, não há quem consiga
aguentar, é loucura na certa.
— Marido, como é a nova funcionária? Téo já fez merda? — dona
Eleonor pergunta.
— Estou aqui, mãe, sabia?
Ela faz um gesto qualquer com a mão direita.
— Ela é ótima. Muito educada. Delicada. Faz tudo certinho. E o melhor,
é quase uma freira.
— Está é nova. Quase freira?
— Ela não é freira. Só parece uma — digo.
— Exatamente. O que significa que seu filho ficará longe dela.
— Agora ele é meu filho? Téo faz merda, e é meu filho. Téo faz o certo e
é seu filho? — ela pergunta a ele e sorrio.
— Você entendeu, meu amor.
— Não entendi não, bonitinho. Vai dormir no sofá.
Sorrio.
— Não sorria, moleque. Não esqueça de convidar a Samira para o evento
— ele muda de assunto.
— Já fiz isso. Ela não sabe se vai — minha mãe diz melancólica.
— Quero que seja muito bom. Foram anos de luta por este lugar. Merece
um dia especial para ele — meu pai diz orgulhoso. — Seria melhor se alguém se
importasse mais.
Estava demorando para começar.
— Pai, eu me importo. Mas não nasci para ficar ali.
— Não comecem. Toda vez que entram neste assunto sai faíscas.
Catarina está aqui, vamos evitar confusões pela menina — minha mãe diz
determinada, e meu pai suspira.
Catarina vem correndo até mim, rindo sem parar.
— O que aconteceu, gatinha? — Ela ri.
Hannah aparece na sala e olhamos para ela sem entender.
— Eu acabei caindo da cama brincando com ela, e parece que isso a
diverte — diz e rimos.
— É pior que ela, minha menina — meu pai fala e Hannah sorri.
— Apenas gosto de me divertir — ela rebate e se senta no braço do sofá
ao meu lado. — E você, maninho, pronto para me ajudar com o evento?
Meus pais nos olham.
— Sim.
— O que o Téo fez para você, que está torturando-o? — minha mãe
questiona. Nos conhece bem.
— Nada. Não é, Hannah? — Ela concorda, rindo.
Catarina se senta no colo da avó, que ajeita seu cabelo. Minha mãe nem
sonha que a neta ficou aqui porque eu fui para a boate e não porque a Hannah
queria.
— Minha mãe vai demorar, papai?
— Acredito que não. Já quer me abandonar? — Finjo tristeza e ela sorri.
— Não. Mas estou com saudade dela.
— Logo ela chega, princesinha — meu a tranquiliza. — O vovô vai ficar
com saudade. — Ele estica o braço e ela vai até ele abraçando-o. — Que abraço
mais gostoso.
— Estou sem ar, vovô — ela resmunga e ele sorri. — É, meu filho, fez
algo certo, pelo menos uma vez. — Entendo o que quer dizer e não posso
discordar. Minha filha é tudo para mim.
A campainha toca e minha mãe vai abrir. Samira entra e ambas se
abraçam.
— Mamãe! — Catarina corre para os braços da mãe, que a pega no colo
e a enche de beijos.
— Que saudade, minha linda!
— Eu também estava, mamãe. — Beija a mãe no rosto.
Catarina vai para o chão e Samira cumprimenta a todos nós.
— Está cada vez mais bonita, querida! — meu pai a elogia.
Todos sempre gostaram de Samira como parte da família. Ela sabe
conquistar as pessoas.
— Olha quem fala! O senhor não envelhece, não? E a Eleonor? Linda,
como sempre — ela diz e minha mãe mexe nos cabelos e todos rimos.
— Pode parar, Samira, sabemos que a mais bela aqui sou eu! — Hannah
fala e Samira dá uma piscadela para ela.
— Mamãe, ganhei presentes da tia Hannah.
— Que maravilha, meu amor. Quero ver tudo depois. — Catarina
concorda animada. — Agora pegue suas coisas, para não irmos muito tarde. —
Ela sai em disparada da sala e Hannah vai atrás.
Trouxe a mala dela para cá. Minha mãe queria que jantássemos juntos, e
como Samira viria, facilitei.
— Téo, vou fazer a vistoria. Um arranhão nela e já sabe! — provoca-me.
— Se quiser vistoriar outra coisa.
— Babaca! — responde me olhando feio.
Minha mãe ri e então diz:
— Isso aí não tem jeito não, minha querida. Só nascendo de novo.
— Tem sim, Eleonor. Deixa só alguma mulher entrar no caminho dele e
ele ficar de joelhos por ela. Ah, eu vou querer ver isso.
— Vamos querer ver isso! — meu pai rebate.
— Eu irei até filmar. Quando isso acontecer, não quero perder. — Minha
mãe bate palmas animada.
— Quando isso acontecer, é porque o apocalipse chegou em seu
momento final — reclamo e eles riem.
— Cuidado, Téo. Nunca se sabe. Se bem, que só uma louca para te
aguentar — Samira fala rindo.
— Engraçadinha! Não está na hora de ir?
Ela sorri, e não resisto e acabo sorrindo.
O sonho da minha família é me ver louco por alguma mulher. Porra, isso
lá é sonho? Já enlouqueço com loucas que transo, imagine uma na minha cola.
Seria carma demais. Por falar nisso, o padre não me trouxe nenhuma resposta.
— Ah, Téo, quase me esqueci! Giovana me contou sobre a quase noite
de vocês. Que baixaria. — Ela ri. — Vivi para descobrir isso. — Eu vou matá-la.
— Eu não acredito! Você foi para a cama com a irmã da Samira?! — meu
pai grita.
— Meu filho, esse treco tem que cair, ou vamos enlouquecer com suas
safadezas!
— Relaxem, não aconteceu nada pelo que ela disse. — Samira continua
rindo.
— Sim, eu broxei e aí? — falo nervoso.
— Ai, meu Deus! Meu filho, você tem certeza de que não é gay?
— Téo é gay?! — meu pai pergunta assustado. — Impossível. E todas
aquelas mulheres?
Samira ri sem parar. Vou matar ela e a irmã. Duas pragas. Atiro uma
almofada nela, que desvia e continua rindo.
— Eu não estou bem — meu pai fala apreensivo.
— Eu sempre quis um filho gay. Deve ser tão bom! — Minha mãe
suspira.
— Porra, eu não sou gay! Samira, você me paga — ameaço nervoso e ela
me mostra a língua, quanta maturidade.
Raquel Pereira

Meu tio me acompanha até o trabalho, como sempre. Estou com o


uniforme e alguns rapazes me olham, e me sinto desconfortável. Nunca tive
olhares assim em mim.
— Tio, tem certeza de que está tudo bem com este uniforme?
— Não vejo problemas. É apenas um uniforme, meu anjo. — Sorri.
— Mas não estou acostumada. E por falar nisso, notícias de mamãe e da
tia Cássia?
Atravessamos a avenida sob o seu silêncio. Quando chegamos na
calçada, ele responde:
— Sim. Falei ontem com ambas. Sua mãe não vê a hora de vir embora.
Disse que está sentindo que estamos escondendo algo dela. E sua tia Cássia está
fazendo o possível para segurar sua mãe mais um pouco, até que tenhamos como
contar a ela sobre o seu trabalho. Tudo no tempo de Deus. Não se preocupe.
— Difícil isso. — Suspiro. — Mamãe não vai gostar, não importa o que
digamos. Ela não vai aceitar. Me sinto mal em muitos momentos, quando me
pego lembrando que prometi que não faria nada de errado.
— Querida, trabalhar não é errado. Viver sua vida sem atrapalhar a de
ninguém, não é errado. — Desviamos de algumas pessoas na calçada.
— Não sei, tio. Eu tenho medo, não posso evitar.
— Eu rezo todos os dias para que Deus ilumine a mente e o coração de
sua mãe. Sei que uma hora ela terá de ceder.
— Será que isso acontecerá? Confesso que estou gostando de ter um
trabalho. Ver pessoas diferentes. Mas...
— Esqueça os problemas. Devemos viver o hoje. O futuro ao Pai
Celestial pertence. Não está fazendo nada de errado. Viva o hoje, Raquel, apenas
viva o hoje.
Paramos na porta do hotel.
— Bom, daqui eu sigo para as minhas obrigações. Fique com Deus. —
Ele me abençoa.
— Amém, tio. Que Deus lhe acompanhe sempre.
— Amém, meu anjo. — Planta um beijo em minha testa e se afasta.
Entro no hotel e está tranquilo a movimentação. Aperto minha bolsa ao
lado do corpo e assim que Natanael me vê, sorri e me chama. Vou até o balcão
onde as meninas também estão.
— Bom dia, Raquel! — Mayara diz sorridente, diferente da Pietra, que
me olha feio.
— Bom dia. — Sorrio.
— Minha querida, tenho um aviso para você — Natanael fala animado,
mas fico preocupada.
— Fiz algo de errado?
Ele se afasta do balcão e indica para nos afastarmos um pouco.
— Todos os funcionários deverão comparecer ao evento que acontecerá
aqui nesta semana.
— O quê? Não. Eu não posso. Eu vi a hora que vai acontecer e é muito
tarde.
— Será nove horas da noite.
— Não saio nesses horários. E também não tenho roupas adequadas para
o evento.
— PERA AÍ! EU OUVI ISSO MESMO? — Assusto-me com a voz.
— Senhorita Hannah! — Natanael diz sorrindo.
— Todos devem estar aqui. É o momento de mostrar que meu buffet
arrasa. Sem contar que os funcionários fazem este lugar funcionar! — Ela gira o
dedo indicador. — Sem vocês não teria hotel! Não aceito desculpas. É uma
ordem.
— Senhorita, eu não posso. E como eu disse ao Natanael, não tenho
roupas adequadas.
— Eu ouvi e isso foi o que me deixou chocada. Se o problema é roupa,
eu te empresto. Compro. Até aprendo a desenhar roupas se quiser. Mas terá de
vir sim. Todos terão. — Coloca as mãos na cintura. — Natanael, diga a ela que
tem que vir! Todos têm que vir.
— Senhorita Hannah tem razão. O senhor Augusto exigiu isso. Ele
valoriza muito seus funcionários para deixá-los de lado em um momento
especial. É aniversário do hotel.
— Eu não...
— Não aceito desculpas. Voltarei antes do evento com algumas roupas,
sapatos. Que número você calça?
— Trinta e sete — respondo sem jeito.
— Ótimo. É um sinal Divino. Calço o mesmo número também.
Retornarei com muitas opções para você e não terá desculpas. Era só o que me
faltava. Uma pessoa deixar de ver o que estou preparando por causa de roupa. —
Ela sorri.
— Raquel aceite. Será bom, querida — Natanael fala e Hannah une as
mãos como se fizesse uma reza.
Lembro das palavras de meu tio. Viver o hoje. É isso.
— Está bem.
Ela bate palmas animada com a minha resposta.
Eles olham atrás de mim, e viro para conferir. É ele. Está de óculos
escuros, terno preto e uma coisa é estranha, não tem o sorriso no rosto que
carrega para cima e para baixo. Meu coração palpita. Meu Deus, o que é isso?
— Olhe só quem apareceu. Bom dia, maninho!
Ele para próximo a nós.
— Preciso conferir algumas coisas, e depois vamos resolver suas coisas
— diz sério a irmã.
— O que foi? Que bicho te mordeu? — ela indaga cruzando os braços.
— Isso porque ele ainda não lidou com o mau humor do senhor Augusto.
— Natanael sorri.
— Tenho mais o que fazer do que aguentar as piadinhas de vocês hoje.
— Ei, trocou a ferradura? — Hannah pergunta.
— Estou com dor de cabeça e sem qualquer paciência para brincadeiras
hoje. E já aviso que não irei ficar o dia todo na rua com você. Seja rápida.
— Não se apressa a arte, meu caro — ela rebate.
— Se vira. — Ele fica de frente para mim, ainda de óculos, então aponta
um dedo. — E você, avise ao seu tio que quero respostas, porque aquela merda
aconteceu novamente! — Então se retira. Fico olhando assustada.
— O que ele quis dizer? — Natanael questiona.
— Não sei...
— O que deu neste menino? Eu, hein! Deve ter chupado limão assim que
acordou — Hannah diz sorrindo.
— Preciso ir. Com licença.
— Ah, Raquel. Chegou mais dois uniformes. Antes de ir embora, não se
esqueça de pegar. E não esqueça de trocar os sapatos. — Assinto olhando para as
minhas sapatilhas.
Saio dali apressadamente indo para a minha mesa. Ligo o computador, e
coloco minha bolsa pendurada na cadeira. O senhor Augusto me chama, e vou
até a sua sala, sendo surpreendida mais uma vez pela presença do Téo Lima, que
agora está sem óculos.
— Raquel preciso que ligue para a empresa de limpeza e diga que o hotel
precisa de seus serviços para este final de semana com urgência. Diga que é
trabalho pesado.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Por enquanto não. — Eu me retiro de sua sala, sob o olhar de seu
filho.
Sento em minha mesa, e respiro fundo. Por que toda vez que fico perto
do Téo, eu me sinto estranha?
Téo Lima

Depois que saí da casa da minha mãe, minha noite foi péssima. Fui para a
boate e não aconteceu nada. Literalmente nada. A maldição voltou para a minha
vida. Não consegui ter uma porra de uma ereção. Estou com dor de cabeça de
tanto beber. Que merda está acontecendo? Estou sem paciência, de péssimo
humor e preocupado. Porra, nunca aconteceu e agora acontece duas vezes!
Hannah decidiu ontem, que iríamos começar a partir de hoje resolver
tudo do evento que já está atrasado. Antes eu tinha que deixar alguns
documentos com meu pai, mas para a minha sorte seu humor está horrível
também.
Assim que Raquel sai de sua sala, ele confere os papéis que deixei, e
depois junta tudo e coloca em sua mesa.
— Téo, preciso que faça uma coisa.
— Hoje, sua filha me obrigou a ajudá-la.
— Não é para hoje. Depois do evento preciso viajar por alguns dias para
o exterior. Se tudo der certo fecharei negócio para abrimos um hotel em Los
Angeles também. Mas para isso preciso que assuma meu lugar e cuide disso
corretamente nesses dias.
— Quantos dias?
— Não sei. Mas não é rápido. Acredito que por quinze dias.
— Nem pensar, pai. Sabe que isso aqui não é para mim!
— Téo, sinto muito, mas não tem escolha. — Ele retira os óculos de grau
e esfrega os olhos. — Eu não posso perder esta oportunidade. E você tem que
me ajudar. Pelo menos uma vez, faça algo por este lugar. Finja ao menos se
importar com o lugar que lhe gera sustento.
— Pai, eu nunca disse que não me importo. Eu só não nasci para viver
aqui como o senhor. Eu nunca gostei de ficar trancado em uma sala. Isso não é
para mim.
— E O QUE É PARA VOCÊ?! — grita. Estava demorando. —
Mulheres, bebidas, e esbanjar dinheiro? Porque me nego a aceitar que queira
viver daquelas porcarias de fotos! Isso não vai lhe dar sustento algum. Mal
poderá pagar a pensão de sua filha. Quer sair tirando fotos? Então vá, mas crie
responsabilidades aqui também. Pare de pensar apenas em você.
— Porcarias? Nunca as viu. Nunca se importou. — Rio estressado. — Se
tem alguém aqui que se importa apenas consigo mesmo é o senhor! Quando
abriu este lugar, começou do pequeno, do humilde, e não sabia se daria certo.
Mas veja só aonde chegou. Sabe por que chegou aqui? Porque mamãe, Hannah e
eu acreditamos no seu sonho. Eu sempre te apoiei. Quando Hannah passou por
tudo aquilo e se afastou, eu fiquei aqui. Eu escolhi ficar. Quando todos
resolveram cuidar de seus próprios desejos, eu fiquei aqui. O filho ingrato ficou
exatamente aqui. Eu me importo com este lugar, eu me importo com o senhor.
Mas será que o senhor se importa comigo? Desculpa, papai, mas se hoje sou
assim é de sua responsabilidade também. Porque quando eu queria um abraço,
ganhei brinquedos; quando eu queria conversar, ganhei dinheiro; quando concluí
a faculdade não ganhei felicitações, ganhei um carro. Você sempre supriu a sua
ausência em minha vida e falta de fé em mim com tudo o que o dinheiro pode
comprar. E agora quer exigir que eu seja melhor? Eu sou o resultado da sua
criação.
Saio de sua sala, com ele me chamando, mas não dou ouvidos. Passo por
Raquel, que me olha assustada, deve ter escutado tudo. Coloco meus óculos e
vou para a recepção. Hannah me olha assustada.
— Téo, o que houve? Veio como um furacão.
— Nada. Vamos logo!
Entramos em meu carro, e Hannah se mantém calada, mas sei que não
por muito tempo, conheço bem minha irmã.
— Para onde?
— Vamos para a loja “Festas e Doces”. Sabe onde fica?
Assinto, colocando o cinto e dando partida.
— Brigaram novamente, não é?
Não respondo.
— Papai é teimoso as vezes, eu sei bem disso. Mas, Téo, tenta entender
um pouco...
— Eu venho tentando entendê-lo minha vida toda.
— Eu sei... Brigaram por qual motivo agora?
— O mesmo de sempre.
— Sabe, mamãe tenta evitar que vocês conversem por ter medo do que
possa vir a acontecer, mas, na boa, ele terá que entender que você ama
fotografar, que essa é sua paixão. Se ele ao menos visse suas fotos. São lindas.
Você é bom no que faz.
— Ele não aceita, sabe disso.
— Vocês são dois cabeças-duras. Em parte, a culpa é minha. Depois que
tudo aconteceu, eu joguei toda a responsabilidade de filho apenas para você.
— Você não tem culpa de nada. O culpado sou eu. Me acomodei, o
tempo passou, e agora já está sendo tarde para consertar todas as merdas.
— Não é tarde. Ainda tem tempo. Prove a ele que você é bom nas fotos.
Prove que Téo Lima com uma câmera nas mãos, é como um grande escritor com
um computador ou papel e caneta. Você é um artista, meu irmão. Suas fotos são
obras de artes. — Ela sorri.
— Estou sem inspiração para fotografar. Sabe que não funciona apenas
sair fotografando.
— Mostre as antigas. As que você me mostrou.
— Não. Esquece isso, Hannah. Além do mais, ele vai viajar a trabalho.
— Ouvi ele comentar com a mamãe. Tempo perfeito para você aprontar
uma grande exposição de suas fotos.
— Esquece isso, e nem pense em fazer nada. Não quero que arrume
problemas por minha causa. Eu darei um jeito em toda essa bagunça.
— Está bem. Agora me diga, por que já chegou estressado?
— Você vai rir.
— Não irei.
— Vai sim. — Paro no sinal vermelho.
— Não vou. Diga logo!
— Broxei ontem à noite quando fui para uma boate. E é a segunda vez
que acontece.
Ela se mantém séria.
— Pode rir.
— Não. Por que iria rir? É normal acontecer.
— Não comigo! — exclamo revoltado.
— Téo, o corpo e a mente cansam. Talvez seja o cansaço ou... Deixa pra
lá. — O sinal abre e volto a dirigir.
— Ou? Diga de uma vez, sabe que não consegue ficar muda.
— Ou você está cansando desta rotina de libertinagem, e está rejeitando
por puro cansaço de continuar vivendo assim. — Rio.
— Piada. Eu, cansado de viver assim?
— Às vezes, não quer admitir para si mesmo. Mas uma hora cansamos
de viver a mesmice. Seu corpo está cansando de viver sempre as mesmas coisas.
E, no fundo, você sabe disso. Acho que sua mente e corpo dizem para encontrar
alguém e sossegar, mas sua teimosia exige que seu pau levante para todas as
mulheres que aparecem na sua frente, apenas para se mostrar o garanhão. Pronto,
falei.
— Só pode ser piada. Não tem outra explicação.
— Eu duvido que, desde que se separou da Samira, nunca pensou em ter
um relacionamento de verdade. Pertencer a alguém bom.
Não respondo. Já pensei, é claro. Mas descartei na velocidade da luz.
— Chega desse assunto.
— Está bem. Mas uma hora vai querer deixar de ser o Senhor Pecado
como sai dizendo por aí, e tomara que não seja tarde. E pare de dirigir como um
louco.
Qual o problema com o meu modo de dirigir, é sério?!
Entramos na casa da minha mãe. São seis horas da tarde. Hannah me fez
ir em todas as lojas de festas abertas. Eu quero matá-la, mas pelo menos disse
que encomendou e comprou quase tudo, falta apenas os comes e bebes, e espero
que não precise de mim.
— Olhe só, meus dois filhos em casa. Resolveram se importar com esta
pobre velha? — dona Eleonor diz se sentando no sofá à nossa frente.
— Mamãe, tive uma ideia. Téo disse que é péssimo.
Claro que eu disse. Eu não seria o irmão mais velho se não dissesse.
Além do mais falaria qualquer coisa para ela calar a boca por alguns segundos. A
garota não parava de falar.
Brinco com a bolinha do piercing dentro da boca, passando no céu da
boca.
— O que pensou? — minha mãe pergunta.
— Pensei em circo. Muitas luzes, mágicos, tochas e garçons fantasiados.
Fitas vermelhas e douradas. Um circo com elegância. Cartolas, varinhas, tudo
que faça os convidados sentirem a magia do momento.
— Resumindo, um Cirque du Soleil cheio de trecos — provoco.
— Idiota. Vá tomar o remédio para sua dor de cabeça e nos dê paz.
— Gostei da ideia. Fugirá da mesmice das festas ali. A festa pode ser no
jardim dos fundos, e o jantar no salão de festas. Dois ambientes. — Minha mãe
se anima. — Adorei. Já quero este evento.
Reviro os olhos.
Saio da sala e vou atrás de remédio para dor de cabeça. Assim que
encontro tomo. Retorno para a sala e elas ainda continuam animadas. Não sei
para que a Hannah pediu opinião, já que comprou tudo para o tema que quer. Ou
seja, ela faria com minha mãe aceitando ou não.
— Estou indo.
— Já vai, meu filho? Comeu? Estou te achando tão magro. Não está
usando drogas, não é?
— Mãe pare de paranoias. — Beijo seu rosto e depois o de Hannah.
— Não está magro? Olhe isso — pergunta a minha irmã.
— Mãe, está a mesma coisa. Tendo mais bunda que eu, isso sim é para se
preocupar.
— Hannah, tem coisas que deveriam ficar em sua mente apenas, sem
compartilhar — falo e ela ri.
— Tatuagens que não acabam, é piercing na língua... Seu irmão está
usando drogas, tenho certeza.
— Mãe, não é porque a pessoa tem tatuagens ou piercing que usa drogas
— Hannah rebate e concordo.
— Sou a mãe, eu falo e vocês têm que concordar, mesmo que eu esteja
errada. Agora pronto. Me desacatam dentro do meu próprio lar. Preciso de um
suco de maracujá. Meus nervos vão me matar. — Ela sai da sala e ficamos rindo.
Vou embora e direto para casa.

A vida continua, fica tão pesada
A roda corrompe a borboleta
Cada lágrima, uma cachoeira
Na noite, na noite de tempestade
Ela fecha os olhos
Na noite, na noite de tempestade
Ela voaria para longe
— Coldplay “Paradise”

Raquel Pereira

Acordo sobressaltada e suada. Tive um pesadelo. Sento na cama


assustada e me encolho. Minha respiração está ofegante. Em meu pesadelo,
minha mãe voltava e não me perdoava por não cumprir com o que prometi.
Lágrimas escorrem por meu rosto. Estou com medo. Muito medo. Eu não
quero mentir para ela. Ela poderia ser um pouco diferente. Só um pouco.
Choro sem parar.
Fecho os olhos e converso com Deus. Imploro por perdão de estar
escondendo dela a verdade. E peço que quando ela voltar, possa me perdoar e
que não culpe meus tios, pois queriam apenas ajudar. Eu imploro por calmaria e
leveza. Eu quero ser diferente, mais “normal”, porém parece impossível. Por que
minha vida tinha que ser assim?
Parece que todos riem de mim. Me sinto deslocada neste mundo. Vivo
com o medo me cercando. Olho as mulheres daquele hotel, e todas são tão
diferentes de mim. Eu sou uma esquisita para todos.

Chego ao trabalho novamente sozinha. Não dormi quase nada. Estou bem
desanimada hoje. Cumprimento as meninas e Natanael, além de outros
funcionários. Vou para a minha mesa, e ligo o computador. Já tem um papel
deixado pelo senhor Augusto do que tenho para fazer hoje. Começo a trabalhar,
e isso ajuda a me distrair.
— Bom dia — senhor Augusto diz, e me assusto, pois nem sequer
percebi quando se aproximou.
— Bom dia, senhor.
— Hoje irei me ausentar novamente, tenho reuniões antes de viajar. Se
tiver algo importante me ligue no celular. O número está na agenda que tem no
sistema.
— Senhor, a empresa de limpeza estará aqui no final de semana, porém
disseram que os valores serão maiores por dedicarem dois dias seguidos e com
longos horários ao hotel.
— Sem problemas. Preciso ir agora. Até mais tarde ou até amanhã para a
festa. — Ele sorri e se retira.
A festa que eu não deveria ir e esqueci de informar ao meu tio. Meu
Deus!

Concentro-me no trabalho. É bastante coisa para fazer hoje. Quando faço


uma pausa, já é o horário do almoço. Eu vou para a cozinha comer, e sento-me
próxima das mulheres de sempre. Nunca falo nada, apenas escuto tudo.
— Não sei, mas corre boatos de que o Téo e o pai não estão se falando
desde ontem. Parece que a briga foi feia — Pietra diz e as outras olham
assustadas.
Para que ficar falando da vida das pessoas que não nos diz respeito? Não
é legal. Eu ouvi a briga e me senti péssima por eles. São pai e filho.
— O Téo não cria responsabilidades por aqui, pelo que ouvi no tempo
que cheguei então tem razão do pai surtar. Mas o que não tem de
responsabilidade, tem de bom de cama. O homem arrasa! — Mel diz e bebo meu
suco. — O sexo com ele é quente demais.
Cuspo o suco e todas me olham assustadas.
— Perdão — digo envergonhada.
— Bom. Só sei que desejaria uma reprise com ele, mas como sabemos,
Téo Lima não repete mulheres — Talita, uma das camareiras, afirma
desanimada.
— Garanto que comigo ele repetiria — Pietra diz.
— Está se sentindo. Ele repetiria tanto que não te dá bola — Mayara fala
para a colega, que mostra a língua para ela.
Toda vez o assunto é sobre ele.
— Raquel, o que acha do Téo? — Talita questiona.
— E-eu?
Elas assentem.
— Nada. Eu não acho nada — digo apressada.
— Duvido. Se bem que, com esse seu jeito, jamais atrairia ele. Isso é
bom, pois acabaria sofrendo de amor por ele, e o Téo não é de romance — Pietra
diz em um tom que não gosto.
— Téo querer algo com ela? Me poupe! — Mel ri. Fico envergonhada.
— Meninas, menos! Cada uma tem seu jeito de ser. E para o Téo basta
ter uma vagina e está ótimo. — Mayara sorri para mim.
— Mayara, mesmo assim. Ele não olharia para ela! Está salva das garras
dele. Téo tem um gosto bem diferente — Talita comenta e ri.
Perco completamente a fome e me retiro.
— Tenho que ir. Até qualquer momento.
Coloco meu prato e copo no balcão e saio dali. Esses assuntos estranhos
não são para mim. E além do mais, Pietra, Talita e Mel falaram em um tom que
me chateou.
Volto para a minha mesa e retorno ao trabalho. Não sei por que me
importo com o que dizem. Não entendo quase nada. Entretanto, hoje eu me senti
horrível. Eu compreendi o que diziam. Pelo visto, Téo é um grande pecador, tem
relações sexuais com todas e sempre aprendi que isso deve existir apenas no
casamento. O que me leva a pensar que então não deve ser casado, ou não trairia
sua esposa. Se bem que tudo é tão diferente do que cresci acreditando.
— Raquel! — Olho assustada pelo grito. — Eu voltei para ser sua fada
madrinha. Levante a bunda daí que vai experimentar as roupas e sapatos que eu
trouxe — Hannah diz animada arrastando duas sacolas que parecem bem
pesadas.
— Eu...
— Não quero desculpas. Meu pai já está a par que eu te ajudaria e te
roubaria por alguns minutos. Então reservei um quarto para ficar mais tranquila.
Vamos, porque isso aqui está pesado.
— Está bem. Eu te ajudo.
Fomos com as sacolas para o elevador.

— Vamos lá, Raquel, pare de timidez e saia deste banheiro! — Hannah


esmurra a porta.
Olho no espelho, o vestido vermelho é completamente decotado. É o
primeiro que estou experimentando. Eu não vou usar isso!
— Hannah...
— Abre logo!
Abro a porta e ela entra apressada. Quase caindo.
— Nossa! Que corpão. Agora estou com raiva de você, porque em mim
fica uma bosta.
— Não vou usar isso. Sinto muito.
— Está bem. — Ela revira os olhos. — Vamos ver outro.
Ela pega um preto dentro da sacola.
— Não vou ficar nua na sua frente — digo envergonhada.
— Me poupe. Está de calcinha e sutiã, isso não é estar nua.
— Não?
— Tecnicamente não. Só troque logo.
Pelo visto, ela é bem persistente. Parece meu tio. Retiro o vestido e ela
me olha surpresa.
— Me diga que tem outras lingeries! Isso nem minha avó usaria.
— São tudo assim.
— Senhor! — Ela suspira.
Experimento o preto. Este vai até os joelhos, e é bem justo, mas as costas
ficam nuas. Olho para ela, que revira os olhos novamente.
— Já sei... Próximo.
— Você usa roupas assim?
— Claro. Adoro.
— Minha mãe diz que mulher não deve usar nada assim, que é errado.
— Querida, desculpe, mas sua mãe está errada. Nós mulheres temos que
usar o que quisermos e o que nos deixar confortáveis. — Pisca e sorri.
Entrega-me outro vestido, e assim vai. Um é muito justo, outro muito
aberto, dois ficaram bem apertados.
— Olha, este é o último que eu trouxe. Pelo amor de Deus, que seja este.
Porque eu trouxe as roupas mais discretas que tenho.
Arregalo os olhos.
— O quê?
Acabo sorrindo do seu jeito.
Visto o vestido, e é bem mais fechado que os outros. É bonito. Eu gostei.
É azul-escuro, repleto de paetê. É curto, e fica justo, mas não me incomoda
tanto. Tem um decote, mas perto dos outros é mais discreto.
— Caramba. Este vestido foi feito para você. Uau! — Olho para ela
através do espelho.
— Tem certeza?
— Claro. E não pense que estou dizendo isso apenas para não ter que
procurar por outros.
— Está bem, irei confiar em sua opinião.
Não entendo nada disso, então, não tenho escolhas.
— Ótimo! Agora os sapatos. E acho que o preto que eu trouxe é perfeito.
Sabe andar de salto?
— Então...
— Ai, meu Deus! Você vai aprender, nem que fique a noite toda
treinando.
Fomos para o quarto e ela procura pelo sapato. Gosto da Hannah; sem
nem me conhecer direito, é tão simpática e quer me ajudar. Ela é do jeitinho que
mamãe julgaria da pior forma, mas que estaria errada em seus julgamentos.
Ela encontra o sapato.
— Hannah, não vai dar certo.
— Claro que vai. É simples. Nada muito complicado. Bom, um
pouquinho. Só tente ficar em pé.
Coloco os sapatos, e levanto da cama com cuidado. Não apertam meus
pés, pelo menos.
— Bom, de pé conseguiu ficar. Agora ande pelo quarto.
Respiro fundo e faço o que ela pede. Tropeço algumas vezes, e quase
caio em outras. Estou sendo horrível.
— Mantenha postura. Não pense que tem saltos nos pés. Aja
naturalmente. Nada mais deselegante do que usar saltos, e andar encurvada e
dura. — Ela se ajeita. — Veja só. — Caminha com leveza. Seus saltos são mais
altos do que os meus. — Agora é a sua vez.
— Está bem.
Tento imitá-la. Mas quase caio, ela me segura a tempo.
— Só treine bastante e vai conseguir, confio em você. E no seu cabelo o
que pensa em fazer? — pergunta animada.
— Fazer? Não sei. Não está bom?
— Não! Sinceridade sempre. Precisa de uma boa escova, fazer algumas
ondas, dar um brilho. Ah, uma boa maquiagem também.
— Maquiagem? Não posso.
— Alergia?
— Não sei...
— Nunca usou, não é?
Afirmo.
— Esta festa exige muita elegância. Eu vou te ajudar. Gostei de você.
Tem algo em você que me agrada. Amanhã venha bem mais cedo, vou me
produzir aqui, e meu maquiador e cabeleireiro vão vir. Então te darei um dia de
princesa.
— Senhorita, não...
— Opa, pode voltar a usar o Hannah. E não adianta dizer que não quer.
Meu Deus, estou indo longe demais. Ainda preciso falar com o meu tio
sobre esta festa.
— O mais difícil conseguimos. Vestido e sapatos.
— Não sei andar com isso ainda.
— Treine muito. Se ainda assim não conseguir, tentarei encontrar saltos
menores e trarei amanhã.
— Agora eu preciso ir.
— Certo. Deixe as coisas aqui. Este quarto ficará reservado desde hoje
para nos arrumarmos. Quando vir pegar o sapato para treinar, basta avisar
Natanael, ele está a par de tudo e vai te entregar o cartão deste quarto.
Troco de roupa e volto para o quarto.
— Obrigada de verdade. Muito obrigada.
— Não tem por que agradecer. Estou adorando te ajudar. Faz tempo que
não fico tão animada. — Ela sorri.

Téo Lima

Estou fugindo da Hannah, porque sei que vai exigir que eu a ajude em
mais coisas. Ela está doidinha, e se eu deixar, ficarei como ela.
São sete horas da noite. Ainda não fui para casa. Estou em minha sala.
Natanael está aqui falando sobre o que tem que mandar arrumar no hotel.
— Apenas isso? — pergunto, quando ele me entrega a pequena lista.
— Sim.
— Ótimo. Mas é para arrumar somente após a festa. Segunda-feira.
Ele concorda.
— Eu quero ir embora. Sabe se Hannah está andando pelo hotel?
Eu me tranquei na sala e abri apenas para Natanael.
— Não. Ela já foi. Na verdade, do turno da manhã restou apenas você e a
Raquel. Todos os funcionários da noite chegaram. E eu fico, afinal moro aqui e
vivo por este lugar.
— Ela está fazendo extra? — pergunto.
— Não. Está treinando.
— Treinando o quê? — Essa é nova.
— Não é da sua conta.
— Não faça isso. Sabe que descubro sozinho.
— Está bem. Ela está no quarto 410.
— Que diabos ela faz lá?
— Eu já disse, treinando. E você fique longe, não estou brincando.
— E o tio da Santinha não apareceu para levá-la?
— Veio, mas ela disse que teria que ficar um pouco mais, e eu me
comprometi em chamar um táxi para ela, e arcaria com o custo.
— Nossa! Quanta bondade. Qual o problema que todos estão idolatrando
a garota?
— Ela é boa. Gosto dela.
— Hum... Interessado? — provoco.
— Pelo amor de Deus! — Ele fica nervoso e isso me faz rir. — Ela não
faz o meu tipo — pigarreia.
— Não vai me dizer que é...
— Sou. Nunca percebeu? Me poupe.
— Porra, isso sim é novidade. Você é gay?
— Com orgulho. Agora com licença.
— Por isso, fica tarando minha bunda — provoco ainda mais.
— Eu não ganho o suficiente para isso. Não ganho! — Sai nervoso da
sala e gargalho.
Porra, é cada novidade que aparece. Por falar em novidade, a santinha
está no quarto 410. Eu disse que iria descobrir mais sobre ela, que tem me
intrigado, e esta é uma boa oportunidade. Além do mais, o que ela está
treinando?
Subo para o andar do quarto. Solange, uma das camareiras, está no
corredor.
— Oi, Téo. — Sua voz é baixa.
— Oi, Doçura.
Ela olha para os lados e se aproxima, ficando com o corpo colado ao
meu.
— Podíamos repetir tudo novamente. — Acaricia meu rosto.
— Podíamos, não é? — Me aproximo de seu ouvido e mordo o lóbulo de
sua orelha, ela geme baixinho. — Mas não repetirei.
Me afasto com ela me xingando e rio. Ela vai embora com seu carrinho.
As únicas mulheres que repito são as da boate Mister Sin, porque não criam
esperanças.
Bato na porta do quarto em que Raquel está. Ninguém responde. Bato
novamente, e novamente. E quando penso em desistir, a porta se abre. Ela me
olha e logo fica vermelha.
— Deseja algo, senhor?
— Já disse que é Téo. Soube que estava treinando — sou direto.
— E-eu... Sim.
Entro no quarto sem esperar por um convite. Ela fica me olhando e tenho
vontade de rir, porém controlo. Ela fecha a porta e se encosta nela. O quarto está
normal. Apenas um par de sapato no chão. Que porra de treino ela fazia?
— Não devemos ficar sozinhos aqui. É errado.
— É mesmo? Quem liga, não é? — Sento-me na cama. — Então, o que
fazia aqui?
— Sua irmã me emprestou estes saltos, e estou tentando andar.
Sorrio.
Pego eles e avalio. Raquel não tem cara de quem já usou algo assim.
Prevejo o hotel tendo que pagar os custos das pernas quebradas dela, por culpa
de Hannah.
— E vai usá-los quando?
— Amanhã.
— Isso que eu chamo de querer milagre. Não deve ser tão ruim assim.
Ande para eu ver. — Se eu quero descobrir coisas sobre ela, preciso passar mais
tempo com ela.
— Melhor não.
— Pare com isso. Venha aqui, Doçura, não vou te engolir.
Caminha em minha direção em passos lentos.
— É Raquel. Não me chame de Doçura. — Acabo sorrindo.
Ela para ainda afastada. Levanto, e me abaixo na sua frente. Ela fica me
olhando assustada.
— Permita-me.
Coloco o sapato em seus pés, então me levanto.
— Ande para eu ver.
— Você vai rir.
— Prometo que não irei.
Ela olha desconfiada.
— Não irei rir — afirmo.
— Está b-bem.
Ela caminha sem me olhar. Tropeça algumas vezes. É dura no andar. Não
entendo de saltos, mas acredito que isso é péssimo.
— Então, continue andando enquanto conversamos. Pode ser que se
distraindo consiga.
Ela concorda.
Ela caminha lentamente. Encosto em uma das paredes, colocando as
mãos no bolso da calça. Fico atento ao seu andar, para o caso de qualquer
acidente. Parece que ela tem medo do chão do jeito que está andando.
— Mora com seus pais?
— Apenas com a minha mãe. Meu pai já faleceu.
— Eu sinto muito.
Por pouco, ela não cai.
— Cuidado!
— É difícil. Não vai dar certo.
— Se continuar pensando assim, não vai mesmo. Você consegue, só
continue andando, e olhando para mim, assim manterá o equilíbrio. — Ela ergue
o olhar. É tímida demais.
Faço perguntas tolas sobre ela, apenas para entrar no assunto que tanto
quero. Ela responde enquanto continua andando, e desta vez me olhando.
Algumas vezes sorri, quando quase cai, e devo confessar que tem um belo
sorriso.
— Você disse que sua mãe é a mais religiosa da família, certo?
— Todos são — afirma. — Mas mamãe é um pouco complicado de dizer.
— Você já pensou em ser freira, ou algo assim?
— Não. Mamãe também não queria.
Percebo que, quando fala da mãe, é um pouco travada, parece ter medo.
— Sua mãe parece ser bem séria.
— Ela é sim. Suas palavras são quase leis... — parece dizer mais para si
do que para mim.
— Tem namorado?
— Não! Nunca namorei. Minha mãe jamais deixaria. — Ela fica
vermelha.
Caminho até a cama onde me sento novamente. Acho que estou
começando a entender por que ela é assim meio estranha.
— Raquel, já fez algo porque queria? — vou direto ao ponto.
Ela para no meio do quarto e me olha.
— M-melhor mudarmos de assunto.
Concordo.
Essa mãe dela tem algo haver com ela ser assim. Lembro das palavras do
padre no dia da igreja:
“Tenho uma sobrinha, mas acho que não daria. Na verdade, seria uma
missão impossível.”
“Isso seria maravilhoso. Vou ver o que faço. Na verdade, irei rezar
muito, porque só Deus para ajudar no que tentarei.”
Ela disse que mora apenas com a mãe. Tem algo de muito louco nesta
história, e agora fiquei mais curi...
— Ai! — Seguro-a rapidamente assim que despenca em meu colo com
um gritinho, interrompendo meus pensamentos.
— Está tudo bem? — pergunto a ela, que tem a respiração ofegante pelo
susto. Está tremendo.
— S-sim. P-perdão. Eu iria sentar para descansar os pés, mas tro-tropecei
— gagueja.
— Está tudo bem. Relaxa. — Ela se levanta do meu colo e se senta ao
meu lado, retirando rapidamente os saltos. — Raquel, se acalma, foi um
acidente.
— É que isso tudo está errado.
Ela se levanta descalça. Está nervosa.
— Eu não podia estar trabalhando aqui. Eu não poderia estar tentando
usar saltos. E nem cogitar a ideia de vir à festa. Agora estou sozinha com o
senhor, caí em seu colo. Está tudo errado. Quando minha mãe descobrir, não vai
me perdoar nunca. Eu prometi a ela que... — chora desesperadamente. —
Prometi que não faria nada de errado. E agora... Agora... Ela está longe, e eu
aqui es-escondendo tudo d-dela... — soluça em desespero. Certo, não estou mais
entendendo nada.
Levanto e caminho até ela, que se afasta.
— Deus deve estar completamente triste comigo. Eu estou mentindo para
a minha mãe. Ele não se agrada de mentiras. São vinte anos assim, e não deveria
mudar. Ela é minha mãe... — ela começa a desabafar. A garota está tremendo
muito.
— Raquel, eu não consigo entender. Você precisa tentar se acalmar.
— Não posso. Eu tenho que ir embora. Não posso voltar. Não posso. É
pecado tudo isso. Ela deve ter seus motivos para me afastar de tudo. Ela é mãe,
sabe disso tudo. — Continua chorando. Estou preocupado.
— Senta na cama, que vou pegar água. — Ela caminha e faz o que digo.
Não para de tremer e chorar.
Pego água no frigobar. Abro a garrafinha e entrego a ela, que bebe uma
boa quantidade.
— Eu quero ir embora.
— Vou falar para o Natanael pedir um táxi.
— Não. Não quero ir sozinha. Eu estou com medo. — Esta menina está
tendo uma crise de pânico, não é possível.
— Eu te levo para onde quiser ir, pode ser? — Ela concorda rapidamente.
— Então pegue o que for seu e vamos. Só tente se acalmar, por favor, estou
preocupado.
Ela pega as coisas dela, que estão no banheiro, mas os saltos ficam.
Passamos pelo saguão do hotel. Natanael me olha sem entender e faço
sinal para que fique quieto. Sei que vai querer explicações. Pego meu carro, e
ajudo ela a entrar, e logo em seguida entro. Coloco o cinto de segurança nela,
que não se move para nada. Olha apenas para frente.
— Consegue dizer o caminho?
Ela assente com a cabeça.
Coloco o meu cinto, e dou partida.

Sigo o caminho que ela vai indicando, não é longe. Então estaciono na
frente de uma casa humilde. A mais humilde da rua. Desço e ajudo ela a fazer o
mesmo.
A porta da casa é aberta e, para o meu azar, é seu tio. Ele sai em passos
largos, e com uma expressão nada boa.
— O que é isso?!
— Dessa vez, eu não fiz nada. Eu juro.
Ele olha para a sobrinha.
— Não foi ele.
— Meu Deus, o que houve, querida?
— Quero ir para o meu quarto. Só isso, tio.
Ela passa por ele correndo. Ficamos olhando sem entender.
— Entre, agora.
Eu ajudo e me ferro. Não ajudo e me ferro. Porra, difícil essa vida. Ativo
o alarme do carro.
Entramos na casa e ele fecha a porta. Indica o sofá e sento. Olho
rapidamente ao redor, e é tudo muito marrom e velho. Tem um enorme crucifixo
em uma das paredes. Parece casa de filmes de terror, onde o padre fará algum
tipo de exorcismo.
— O que aconteceu?
— Não sei. Estou tentando entender.
— Não compreendo.
— Do nada, ela começou a chorar, e dizer que era pecado, que não podia
isso, que não podia aquilo. Não queria vir sozinha. Ela se referia à mãe.
Ele encolhe os ombros e solta o ar.
— Só Deus para ajudar, meu filho.
— Preciso saber o que está acontecendo. Afinal ela trabalha no hotel,
tenho que saber com que tipo de funcionária estamos lidando.
— Ah, meu filho, é uma longa história. Raquel foi criada por uma mãe
complicada. Cresceu trancada dentro de casa, sem amigos, sem vida. A mãe
coloca coisas absurdas na cabecinha dela. Para minha irmã, tudo é pecado. Ela se
diz muito religiosa, mas na verdade tudo está passando dos limites. Raquel está
trabalhando escondida, enquanto a mãe viaja, mas a pobrezinha tem medo de
quando a mãe retornar, que não a perdoe. Minha menina é como um recém-
nascido, não conhece o mundo, e não compreende nada. A mãe dita e ela segue.
Não seria errado, se o que minha irmã dissesse fosse o correto.
— Está querendo dizer que a mãe dela é puro fanatismo?
— Infelizmente sim. Rezo tanto por minha menina. Deus sabe o quanto
tento mudar todo esse sofrimento. Tentei ajudá-la com este emprego, mas pelo
visto piorou tudo.
— A Raquel então nunca teve uma vida “normal”? Ela viveu sob as
regras da mãe louca?
— Não diga isso.
— Desculpe, mas pelo que falou, a mãe é louca. — Fico nervoso. —
Como uma menina de vinte anos não sabe nada da vida? Minha filha deve ter
mais conhecimentos que a sua sobrinha.
— Ouso dizer que sim.
Levanto e passo a mão pelo cabelo.
— A minha irmã é muito preconceituosa. Ela diz que faz a filha seguir os
passos de Cristo, mas está tão cega... A menina nunca saiu ou ficou sozinha até
agora. Os vizinhos chamam-nas de “família careta”. Ela não conhece nada
mesmo, e quando digo nada, é nada. Sempre acreditei que devemos aproveitar
deste mundo, sem nos esquecermos de saber o que é certo e errado e jamais
deixarmos Deus de lado. Eu tento ajudar sem colocar uma contra a outra. Eu sou
humano, e nesta causa, só Deus.
— Porra, é inacreditável tudo o que estou ouvindo. Século XXI e ainda
existem pessoas assim.
— Filho, olhe o palavreado.
— Desculpe, mas só um palavrão para aliviar um pouco da raiva aqui. —
Sento novamente. — Sabe por que sumi da igreja? Por causa disso. Eu cansei
das pessoas ali dentro julgarem, condenarem, e se acharem Deus na terra. Ele
não é religião. Ele é amor. Eu prefiro viver sem uma religião, do que viver em
uma e ter que ver pessoas como a mãe desta garota. Algumas pessoas criam
guerras, se atacam, fazem loucuras por religião. Sua sobrinha teve uma crise de
pânico praticamente, por causa de uma doida que se diz mãe. Padre, eu não
conheço esta mulher, mas já tenho raiva dela.
— Humanos erram. Alguns aprendem rapidamente, e outros precisam
aprender, infelizmente com a dor.
— E tem aqueles que mesmo na dor não aprendem. Duvido que o senhor
já não quis mandar muitos que se dizem cristãos irem à merda.
Ele arregala os olhos.
— Téo, por Deus! — repreende-me.
— Sou sincero. Se eu fosse padre, diriam que eu estaria com o demônio
no corpo, porque iria dizer umas boas verdades na cara de muitos. Por falar
nisso, outra coisa que não suporto em muitos que se dizem religiosos, tudo a
pessoa está possuída, mas a língua de quem diz esta besteira não é possuída.
Estou revoltado. Porra. Porra. E porra. — Levanto novamente nervoso.
— Filho, infelizmente alguns se acham juízes. O mundo é assim. Por
isso, temos que tomar cuidado. Hoje julgamos, e amanhã seremos julgados.
Enquanto você aponta um dedo há outros mil apontando você. É assim. Um
julgando o outro. Este é um grande mal. — Ele faz uma pausa e então conclui:
— Não julgueis, para que não sejais julgados.
— Mateus 7. — Ele me olha surpreso. — Frequentei muito a igreja
quando criança e adolescente, sabe disso. Conheço muitas partes da Bíblia. Já fui
um bom menino, não me olhe assim.
Ele sorri.
— Eu preciso vê-la — ele diz e concordo. — Téo, sei que no fundo é um
bom rapaz. Mas Raquel é diferente. — Entendo o que quer dizer.
— Não farei nada de errado. Talvez eu possa ser um amigo para ela.
— Téo...
— Cuide dela.
Saio da casa e entro rapidamente em meu carro e vou para a minha casa.

Raquel Pereira

Estou deitada na cama depois de ficar rezando. Estou mais calma agora e
envergonhada por ter tido aquela atitude na frente de um desconhecido.
A porta do meu quarto se abre.
— Posso entrar? — meu tio pergunta e concordo.
Ele entra e se senta na beirada da cama.
— Querida, é normal ter medo. É normal se assustar com muitas
novidades.
Sento-me na cama e puxo as pernas ao meu encontro, ajeitando as
cobertas.
— Não posso magoá-la. Não é assim que desejei que tudo fosse
diferente.
— Meu anjo, nem mesmo Jesus pôde agradar a todos. Da mesma forma
que somos ensinados a honrar pai e mãe, eles também são ensinados pela palavra
a não provocar a ira dos filhos.
— Tio, eu não quero voltar.
Ele me olha entristecido.
— Siga seu coração. Não está mentindo para ela. Quando ela voltar
saberá de tudo.
— Eu prometi a ela...
— Querida, o mal das promessas é que nem sempre vamos cumprir, por
isso temos que tomar muito cuidado com aquilo que prometemos, porque, às
vezes, existirão forças maiores que nos impedirão de realizar o que proferimos a
alguém. O único que pode prometer sem qualquer problema é Deus. Nós
humanos falhamos em algumas coisas, acertamos em outra, mas jamais
poderemos ser perfeitos. Eu, como padre, tenho erros, talvez bem mais do que
acertos. Mas procuro sempre tentar acertar, mesmo que falhe algumas vezes. Isso
não é pecado. Pecado é não admitirmos nossos erros, e dizer que somos sempre
certos quando não somos.
— Minha mãe sempre diz estar certa em tudo. Às vezes, eu acho que não
está.
— E não está. Eu não estarei certo o tempo todo, você não estará,
ninguém além de Deus estará. E admitirmos isso é um passo muito importante
para aprendermos a não repetir nossos erros.
— Estou com medo de retornar ao hotel.
— Já lhe disse que sentir medo é normal. Você não está sozinha. Deus,
suas tias e eu estamos contigo. Se aquele lugar estiver te fazendo bem, retorne,
encare esse medo. Coloque Deus na frente e vá.
Mexo em uma linha solta da coberta.
— Terá uma festa de aniversário do hotel. Todos os funcionários têm que
ir. Será amanhã, às nove da noite.
— Você quer ir?
— Não sei.
— Se quiser ir, vá. Apenas não se esqueça do que já lhe disse. Tudo nos é
licito, mas nem tudo nos convém. O único que pode te julgar é Deus, e ninguém
mais. Mas temos que sempre tomar cuidado com nossas atitudes, porque toda
ação terá uma reação.
— Eu vou pensar. Vou tomar um banho, e dormir.
— Faça isso. Descanse. E siga o seu coração. Eu irei dormir no quarto de
sua mãe hoje, se precisar pode me chamar. Hora de voar, não se esqueça, minha
querida. — Ele beija minha testa e se levanta. — Durma com Deus e sonhe com
os Anjos.
— Amém, tio.

Tá escancarado
Vai negar pro coração
Que você tá com sintomas de paixão
Que é quando os olhos se caçam
Em meio à multidão
É quando a gente se esbarra
Andando em qualquer direção
— Jorge e Mateus “Aí já era”

Raquel Pereira

Termino de tomar meu café da manhã, na companhia de meu tio. É


sábado. Estou ainda pensativa sobre tudo o que aconteceu ontem. Não sei por
que eu fiquei daquele jeito, mas não quero que aconteça novamente. Nunca perdi
o controle sobre minhas ações e reações. Estou bem confusa sobre tudo. O medo
nunca esteve tão presente em meus pensamentos e em minhas palavras como
está agora.
Coloco tudo na pia e começo a lavar louça. Meu tio termina de comer e
coloca as coisas na pia também. Ele não entrou mais no assunto de ontem, está
respeitando meu espaço, sei disso.
— Bom, eu tenho que ir à igreja, tenho muitas coisas para fazer. Falta
pouco para atingirmos a quantia necessária para a reforma dela e para ajudar os
orfanatos.
— Fico feliz em saber que está conseguindo. É uma bênção.
— Sim. Ainda existem pessoas boas neste mundo e ainda se pode colocar
esperança na humanidade. — Olho para ele rapidamente e sorrio, mas logo volto
o olhar para a louça que estou terminando de lavar.
Ele começa a limpar a mesa.
— Não queria entrar no assunto, mas é necessário. Se for a tal festa me
avise antes. Estarei na igreja. E pense bem. Siga seu coração. Deus lhe guiará.
— Está bem.
Ele termina de guardar tudo e eu de lavar a louça. Vamos para a sala.
— Tenho que ir agora. Fique bem, minha querida — ele se despede e vai
embora às pressas.
Ligo a TV e é engraçado fazer isso sem minha mãe por perto para vigiar
tudo o que assisto. Passo pelos poucos canais disponíveis, e nada me atrai, então
desligo.
Fico deitada no sofá, tentando entender o que meu coração diz.
Parece que em um curto espaço de tempo, eu estou magoando muitas
pessoas. Quando descobrir, minha mãe ficará magoada. Meu tio tem se
esforçado por mim e eu desistir agora vai magoá-lo. Hannah, somos ainda
estranhas uma para a outra e ela quis me ajudar, trouxe roupas e sapatos e conta
comigo, até cabelo e maquiagem ofereceu; e se eu deixar de ir, ela poderá ficar
magoada. Tem Natanael também e o senhor Augusto, eles estão sendo tão legais
em me ajudar e terem paciência comigo. São muitas pessoas para ficarem
magoadas. Eu estou em cima do muro. Se eu for para a direita, os da esquerda se
chateiam, e assim acontecerá se eu escolher o outro caminho. Realmente é como
meu tio disse, não se pode agradar a todos. Mas o que mais me dói é saber que
não se pode tentar ser feliz sem magoar pelo menos alguém.
— Meu Deus, o que eu faço?
Estou gostando de trabalhar. Ver pessoas diferentes. Mesmo que, às
vezes, falem de coisas que eu não entenda. Até o Téo é um moço legal, mesmo
quando diz coisas assustadoras. Ontem até me ajudou.
Talvez mamãe não fique tão magoada assim. Ela pode entender.
Deus, como é difícil entender toda essa confusão de pensamentos. Quer
saber, se eu tiver que ir, terei um sinal Divino. É isso. Até de tarde, terei. Do
contrário não irei. Pronto.

São quase quatro horas da tarde. Estou entediada, mais que o normal.
Talvez seja melhor ir à igreja, ficar com o meu tio. Pelo menos terei com quem
conversar.
Pego minha bolsa de sempre e me olho no espelho do quarto. Nada muito
animador ou diferente. Não tem como melhorar.
Saio de casa, e dou de cara com Ivone, uma senhora que mamãe não
suporta. Acho que deve ser a vizinha que ela menos gosta.
— Olha só. Caretinha! — diz sorrindo, enquanto varre a calçada.
— Oi, dona Ivone.
— Menina, faz tempo que não te vejo. Viajou? — pergunta apoiando os
braços no cabo da vassoura.
Fecho o portãozinho.
— Não.
— Oxe. Está saindo sozinha? Mentira! — exclama escandalosa como
sempre. Fico um pouco envergonhada quando a encontro, devido suas atitudes.
— Sim.
— Desculpe a curiosidade. Mas está indo para que lugar? Menina, não
diga que está fugindo de sua mãe! Ela é uma doida, porém não faça isso. —
Aponta a vassoura na minha direção.
— Não! Estou indo à igreja.
— Claro. Aonde mais iria, não é? Conheço vocês há muitos anos e o
passeio nunca muda. Vá lá, menina, e reze por minha filha. Aquela desgraça não
muda. Agora todo final de semana fica bêbada, e o pior, toda semana é um
homem diferente. Não sei mais o que fazer. Reza por ela.
— Bom, eu tenho que ir.
Saio às pressas, enquanto ela se despede gritando.
Dona Ivone e a filha sempre viveram em pé de guerra. Às vezes, eu
escutava todas as brigas do meu quarto. Era tenso. Acho que quebravam coisas,
porque era cada barulho. Outra vez, acordei de madrugada escutando alguém
gritando, e dizendo “mais forte”, eu falei para a minha mãe chamar a polícia,
mas ela ficou brava, e no dia seguinte brigou muito com dona Ivone, que bateu
na filha na rua. Foi bem assustador.
Aproximo-me da igreja. É rápido o caminho de casa até ela. Espero os
carros pararem para poder atravessar. Um carro azul passa em alta velocidade e
vira na esquina que estou. Estaciona na entrada de um clube. Toda vez que eu
passava aqui com minha mãe e era de noite, ficava repleto de homens e mamãe
dizia para nunca olhar.
Algumas mulheres, que estão esperando para atravessar, ficam olhando
na direção do carro. O homem sai do veículo, e meu coração acelera: Téo Lima.
Ele retira os óculos escuros e prende na camiseta. Está de calça jeans,
uma camiseta azul, tênis e boné virado para trás. Fazia tempo que não via seus
braços repletos de rabiscos. Na verdade, eu vi apenas no mercado. Ele olha na
direção que estou, e desvio o olhar rapidamente. Vejo que já é possível
atravessar e faço isso rapidamente. As mulheres que olham para ele começam a
fazer o mesmo que eu.
Chego ao outro lado da rua, com o coração ainda mais acelerado. Espero
que não tenha me visto. Estou bem envergonhada pelo ocorrido de ontem. Baixo
a cabeça, e paro na porta da igreja.
— Fugindo de mim? — Sobressalto, e viro rapidamente para o dono da
voz, que me causou um tremor no estômago.
— E- eu...
— Bom, vamos sair daqui da porta.
Ele sai andando na frente. Olho para a igreja e para ele. Então começo a
segui-lo. Paramos na frente de uma árvore, que fica um pouco distante da igreja.
— O que o senhor quer?
— Pare de me chamar de senhor. Eu quero saber se está bem. — Ele
retira o boné e passa as mãos pelo cabelo. Prende-o na lateral da calça, cruza os
braços e me analisa.
— Sim. Obrigada por ter me ajudado.
Ele sorri. O sorriso dele é tão bonito.
— Tenho que ir.
— Raquel, eu sinto muito. Seu tio me contou sua situação.
Sinto minhas bochechas esquentarem.
— Tudo bem. — Meu tom é baixo.
— Vai à festa hoje?
— Não sei.
— Pois deveria. É bom curtir um pouco. Eu já vou curtir desde agora. —
Ele passa a língua pelo lábio inferior, e vejo uma bolinha prateada. Isso é um
brinco na língua?
— O que foi?
— Você usa... O que é isso na sua língua? — Não resisto à curiosidade.
— Piercing. Nunca tinha visto?
Lembro-me da vez do mercado, mas não conseguia ver muito, mamãe
impedia, e no trabalho nunca reparei.
— Não. Dói?
Ele ri e apoia as costas na árvore.
— Agora não.
— E para que colocou isso aí, se ninguém vê a não ser se mostrar? —
Minha curiosidade está difícil de controlar.
— Primeiro, se reparar na boca quando falo, dá para ver. E segundo, o
importante mesmo não é vê-lo. É sentir o que eu posso fazer com ele. As
mulheres nunca reclamam. Elas adoram. — Fico sem entender, e deve ser
melhor.
— Se você diz. Bom, tenho que ir.
— Vá até a festa. Vai se divertir, eu prometo.
— Eu não sei... Nunca fui a uma festa que não fosse da família.
— Existe primeira vez para tudo. Agora eu também preciso ir.
— Até qualquer dia.
— Até hoje à noite. Vou te esperar.
Ele se afasta, e as mulheres que passam ficam olhando. Até alguns
homens.
Volto para a igreja e desta vez eu entro.
Vou até a saleta que meu tio fica. Bato na porta e ele pede para entrar.
Assim que me vê, sorri, mas logo sua expressão muda. Está ao telefone. Sento na
cadeira e espero ele terminar a ligação.
— Sim. Na verdade, ela está aqui. Vou passar o telefone para ela, se
acalme! — Ele me entrega o telefone e sussurra: — É sua mãe. — Sinto meu
peito apertar.
Pego o telefone com as mãos trêmulas. Respiro fundo.
— Oi, mamãe.
Meu tio me avalia.
— O que está acontecendo? Sei que estão escondendo algo de mim aí.
Raquel, se eu sonhar que está aprontando, as coisas vão ficar muito sérias! —
ela grita.
Não pergunta nem se eu estou bem. Sinto as lágrimas querendo cair, mas
controlo.
— Mamãe, está tudo bem aqui.
— Seu tio está muito estranho. Sua tia foi ao médico e ele disse que ela
deve ficar mais tempo de repouso. Eu não estou gostando disso. Isso está me
cheirando a armação. Menina, se estiver aprontando, não será apenas eu a lhe
castigar, Deus também fará. — Ela está muito nervosa. Olho para o meu tio, que
está sério. — Então é melhor começar a me dizer toda a verdade, antes que eu
descubra sozinha.
É sempre assim. Nunca pergunta como estou. Se estou me sentindo bem.
Se estou feliz. Se eu quero algo. Qual a minha opinião sobre alguma coisa.
Sempre tem que ser do jeitinho dela. Eu não aguento mais.
— Ande, menina, fale de uma vez! Não minta para mim.
— A verdade? — Meu tio fecha os olhos. Posso sentir a preocupação que
ele sente. — Estou fazendo tudo o que a senhora mandou, mamãe. Não se
preocupe.
— Raquel, se estiver mentindo...
— Não estou! — As lágrimas que evitei começam a escorrer por meu
rosto.
— Acho bom. Tchau, tenho coisas para fazer! — Ela desliga. Entrego o
telefone ao meu tio.
Desabo em lágrimas. Nem ao menos um “te amo” é capaz de me dizer.
— Meu anjo...
— Tio, ela é tão dura. Não sei por que menti quando me perguntou sobre
o que estava acontecendo. Mas eu fiquei com tanta... Com tanta...
— Raiva? — ele indaga e meneio a cabeça, concordando. — Sentir raiva
é normal, só não podemos dar a este sentimento forças maiores. Quando ela
voltar pode contar tudo a ela. Não irei lhe impedir. Se quer contar, pode dizer,
não tenha medo por mim e suas tias. — Enxugo as lágrimas.
— Eu não quero mais isso. Eu não quero ter que esconder as coisas. Eu
quero ser “normal”. Não quero mais os vizinhos me chamando de caretinha.
— Não devemos nos importar com o que as pessoas dizem sobre nós.
— Mas é difícil não se importar. Não quero mais isso. Preciso ficar um
pouco sozinha. — Ele concorda.
Saio de sua sala.
Ajoelho-me em um dos bancos da igreja. Não está muito vazia.
— Eu cansei. Não quero mais viver assim. Hoje ela mostrou que não se
importa comigo. Ela apenas quer que eu faça tudo como ela deseja. Nem parece
que somos mãe e filha. Eu quero ser diferente. Não aguento mais as pessoas
rindo de mim. Quero poder fazer as coisas sem medo. Eu quero viver mais. Não
posso mais continuar assim. Eu não aguento mais sentir medo. Eu não aguento
mais. Então se nesses vinte anos, eu fiz algo que lhe desagradou para eu ter uma
vida assim, me perdoe, porque eu não sei mais o que fazer. Não quero nada
grande. Só quero ter mais liberdade. Quero poder sorrir de verdade. Me ajuda...
Choro desesperadamente. Não me importo se estou rezando alto, ou se
choro alto. Simplesmente não me importo. Eu só não aguento mais.
Sinto braços passarem ao meu redor.
— Shhh... Se acalma... — Sento no banco com sua ajuda, e ele me
ampara. — Tudo tem seu tempo, meu anjo — diz baixinho. Escondo o rosto em
seus braços.
Ficamos assim por um tempo até eu me acalmar por completo. Afasto o
rosto, e algumas pessoas estão me olhando.
— Está melhor? — ele questiona e afirmo.
— Tio, eu vou à festa.
— Tem certeza? — Seu tom é de preocupação.
— Sim. Eu não aguento mais viver com medo. Eu vou. Cansei, tio.
Cansei.
— Eu temia muito que isso acontecesse. Eu disse para a sua mãe que lhe
prender demais poderia ser prejudicial.
— O que quer dizer?
— Só siga seu coração. E não se deixe ir pela cabeça das pessoas.
— Está bem. — Levanto ele me olha ainda preocupado. — Hora de voar,
não foi o que me disse, tio?
Ele concorda.
— Eu preciso então começar a aprender a voar.
Saio da igreja e sigo para o hotel.

Chego ao hotel, e Natanael diz para eu ir direto ao quarto reservado.


Entro no quarto, com o cartão que ele me deu. Está uma zona de roupas
espalhadas. Hannah está falando bem nervosa ao telefone com alguém. Assim
que me vê sorri, e não demora em finalizar a ligação.
— Oi!
— Estou doidinha. Ainda faltam alguns ajustes na decoração e preciso
conferir a cozinha. O cabeleireiro e maquiador logo chegam. Fique aqui. Já falei
de você para eles. Vão começar arrumando você. Ficarei por último. Que Deus
me ajude ou irei pirar. — Ela sai correndo do quarto e fico olhando.
Pelo visto será bem agitado.
Vejo o vestido que irei usar esticado na cama. A porta se abre
rapidamente.
— Quase me esqueci. Trouxe uma calcinha decente para você usar com o
vestido. Comprei especialmente para você. Está nesta sacola preta. Espero que
sirva. Não use sutiã com este vestido. Tem toalhas limpas no banheiro. Se vira
aí. Fui. — Ela sai rapidamente fechando a porta com um baque.
Coloco minha bolsa na cama, e pego a sacola. Retiro uma caixa branca
pequena. Assim que vejo o que tem dentro dela, meus olhos arregalam.
— Eu não vou usar isso. Pelo amor de Deus! É muito pequena.
A calcinha é azul-escura bem fina, toda de renda. Se é que isso pode ser
chamado de calcinha.
A porta se abre mais uma vez.
— Hannah, eu não posso usar iss... — Jogo a calcinha para trás quando
vejo que não é ela.
Que vergonha!
— Nossa. Isso que é ser bem recepcionado.
— O que faz aqui? Quero dizer, o que deseja?
Ele sorri.
— Soube que chegou. Pensei que não iria vir. O clube não estava tão
bom e resolvi vir logo e atormentar a Hannah.
— Ah.
Ele entra no quarto e caminha até aonde eu joguei a calcinha. Que
vergonha, Deus! Pega e fica olhando.
— Nada mal. Só é bem diferente do seu estilo. — Ele me olha de cima a
baixo. Puxo a calcinha de sua mão e coloco dentro da sacola. Ele sorri.
— Não deveria dizer coisas assim.
— Relaxa. Estou brincando. Todas as mulheres hoje estão estressadas.
Eu, hein.
Fico olhando para ele, e algo me vem à mente. Eu preciso aprender a
voar. Se vou arriscar, então precisarei de alguém para me ajudar. Quem melhor
que um estranho? O que eu estou dizendo? Não entendo nada disso. Mas o Téo...
ele fala o que pensa, parece não ter medo do que vão dizer, e diz coisas absurdas,
mas parece ser bem livre.
Mas se eu pedir... Não. Ele pode...
— Por que está me olhando assim? — pergunta me tirando dos meus
pensamentos confusos.
O sinal. É isso. Eu vi ele antes de entrar na igreja. A festa é no hotel de
sua família. Ele disse para eu vir. Isso pode ter sido um sinal, não é? Agora ele
veio até aqui, então pode ser outro sinal, de que ele é o indicado para me ajudar.
— Senhor Téo, eu queria lhe pedir um favor.
— Lá vem. Mulher quando quer me pedir um favor, normalmente
envolve eu tendo que carregar sacolas.
— Não. Eu sei que não nos conhecemos direito. Mas já conhece um
pouco da minha situação.
Ele concorda.
— Eu quero mudar um pouco. Quero conhecer mais da vida. Pode me
ajudar?
Meu Deus, eu acabei mesmo de dizer isso? Senhor!
— Desculpa, eu...
— Quer que eu te ajude a mudar? Te faça a conhecer a vida? É isso
mesmo? Logo eu?
Concordo e abaixo a cabeça envergonhada.
— Só quero que as pessoas parem de rir de mim e de me acharem
estranha. Quero me sentir bem. Desejo ser normal. Não quero mais viver sob as
regras e julgamentos de minha mãe.
— Nem me lembre desta mulher. Não a conheço e já tenho raiva. Então
quer a minha ajuda? Seu tio sabe disso?
— Ele não sabe.
— Entendi... Está bem. Serei seu professor. Mas agora me olha nos
olhos.
Ergo o olhar.
— Se quer mudar, eu posso te ajudar, mas vai ter que parar de me chamar
de senhor. Pode ser?
— Sim.
— Ótimo. Então seja bem-vinda às aulas com o Senhor Pecado. — Ele
estende a mão para um cumprimento.
O que eu acabei de fazer? Ele segura minha mão e coloca na dele.
— Sua primeira tarefa é usar aquela calcinha.
— Mas ela...
— Uma regra importante, é que não poderá discordar de nada que eu
disser. — Solta a mão e sorri. — E não deixe meu pai sonhar com isso. O
homem vai virar uma fera se souber que a Santinha está andando com o Pecado.
— Obrigada por me ajudar.
— Disponha. Agora preciso ir, minha cara aluna. — Dá uma piscada e
sai do quarto, mas não antes de dizer alto: — Use a calcinha!
Meu Deus, eu acho que fui longe demais. Estou com um péssimo
pressentimento.
O que eu fiz?

Você poderia completar o desafio
Você poderia dar tudo de si
Você poderia andar pelo inferno com um sorriso
— The Scrip “Hall Of Fame”

Raquel Pereira

— Raquel, saia logo deste banheiro. Estou curiosa! — Hannah grita do


lado de fora.
Estou com receio. Nunca me vesti assim, ou usei maquiagens. E meu
cabelo?
— Eu vou arrombar esta porta! — Ela bate na porta. — Ai, minha unha,
cacete!
Desde que me troquei por completo, não saí do banheiro. Ela também já
está pronta. Porém, está acostumada com tudo isso.
— Até que enfim um homem. Téo arromba essa porta e tira a Raquel
dali! — ela grita.
— O que aconteceu? — Escuto ele questionar, enquanto me olho no
espelho.
Estou muito diferente. Nunca imaginei que meu cabelo pudesse ter tanto
brilho e fosse tão bonito.
— Ela se trancou desde que falou que iria se vestir. A espertinha esperou
eu me arrumar, e assim fugiu para o banheiro. Raquel, abre logo! Téo, quebra
essa porta.
— Desce e eu resolvo isso.
— Você?
— Some logo, louca! — ele diz a irmã.
— Se não descerem em dez minutos, eu subo com o exército!
Escuto passos. Ela deve ter saído. Continuo me olhando no espelho.
— Raquel, abre a porta.
Me aproximo da porta, mas não abro.
— Não vou. Eu estou muito diferente.
— Lembre-se, sou seu professor. Abre logo, ou vai ser reprovada. —
Sorrio. — É sério, abre, por favor.
Não sei, mas ele me transmite confiança.
— Está bem. Só não ria.
— Prometo.
Abro a porta lentamente. Ainda não estou de saltos. Não tive coragem de
colocá-los.
Ele fica me olhando por completo. Não emite um som. Devo estar
ridícula. Começo a fechar a porta, mas ele impede.
— PUTA QUE PARIU! Raquel, você está...
— Ridícula, não é? — pergunto preocupada. — Muito vulgar?
— Você está linda.
— Sério? Não está vulgar? — Dou uma volta e quando volto a olhar para
ele, está sorrindo.
— Não está vulgar. Posso te garantir.
— Então por que está me olhando assim?
— Surpreso. Não esperava que você tivesse tanta beleza escondida.
Sinto meu rosto esquentar.
— Não fique com vergonha, a cada elogio que te faço. Agora vamos, ou
Hannah vem mesmo.
Saio do banheiro e vou até os saltos.
— Eu estou com medo de cair com isso.
— Não tem outro?
— Acho que Hannah esqueceu de trazer.
— Sem problemas. Fique por perto e cuidarei para que não se quebre
toda.
Coloco o sapato preto. E respiro fundo.
— Estou bem mesmo?
— Vamos logo — responde rindo.

Descemos para o jardim, e vamos andando com cuidado. Ainda não


estou acostumada com os saltos.
— MEU DEUS! — Natanael exclama aparecendo ao nosso lado. —
Raquel, quase não te reconheci. Está muito bela. — Sorrio timidamente. Ele olha
feio para o Téo, que ri.
— Téo, cadê a Ra... Nossa! Quero dar na sua cara. Está mais bonita que
eu. Menina! — Hannah diz parando à nossa frente. — Puta merda. Você é
esperta, esconde a beleza para mostrar na hora certa. — Ela ri. — Bom, nossos
pais estão te procurando, Téo. Tenho que cuidar de tudo. Fui. — Ele se afasta às
pressas.
O lugar está bem cheio. Tem fogo, luzes, mágicos, para todos os lados.
Está lindo demais.
Nos aproximamos de uma mesa, onde seus pais estão. O senhor Augusto
cospe a bebida e eu me assusto. Uma mulher muito bonita ao seu lado, que agora
vejo que é a mesma do mercado, olha espantada para ele.
— Raquel? — ele indaga, limpando a boca com um guardanapo.
— Sim. A própria — Téo afirma.
— Então esta é a nova funcionária? Não estou vendo nada de freira aí! —
a mulher diz e olha para o filho.
— Mãe, esta é Raquel. E Raquel, esta é Eleonor, minha mãe.
— Prazer em conhecê-la, senhora. — Ela se levanta e me cumprimenta.
— O prazer é todo meu. — Sorri e volta a se sentar. — Marido, eu não
acho que nosso filho vai manter o treco dele dentro das calças por muito tempo
em relação a esta moça. Já viu a beleza dela?
— O que você fez, moleque? — o pai pergunta furioso a ele.
— Não fiz nada. Obra da Hannah. Estou apenas ajudando ela. Nada de
mais — Téo diz sorrindo.
— Eu vou infartar. Eu vou! Preciso sair para ficar com os convidados.
Vamos, querida. — Ele aponta um dedo para o Téo. — E você, não faça nada de
errado!
Eles saem e Eleonor acena para mim, toda sorridente.
— Não ligue. Meu pai é assim mesmo — Téo comenta. — Bom, eu
preciso cumprimentar algumas pessoas. Pode ficar nesta mesa se quiser. Sinta-se
à vontade. Não irei demorar. — Aceno de cabeça.
Sento-me à mesa. Assim não tenho chances de cair com esses sapatos. A
música é alta e algumas pessoas dançam.
Um homem todo maquiado para ao meu lado e retira uma flor de sua
cartola e me entrega.
— Uma flor, para outra flor. — Sorrio e pego.
— Obrigada. — Então ele se afasta e vai até outras pessoas.
Há homens andando em pernas de pau. Tem até gente cuspindo fogo. É
incrível. Tem pessoas em um canto penduradas em tecidos e se curvando todas.
Nunca vi isso. É maravilhoso.

Téo Lima

Cumprimento algumas pessoas. E então vou até a mesa de bebidas, onde


Natanael está.
— Vai me dizer o que aconteceu ontem?
— Ela se sentiu mal e eu ajudei. Nada de mais. Eu juro.
— Não estrague a moça. Por favor.
— Jamais faria isso. Agora preciso retornar, afinal estou de babá.

Vou até ela, que ainda está à mesa, e parece estar maravilhada com o que
está mastigando.
— Esse negócio com nome impronunciável é muito bom — diz após
mastigar.
— Deve ser mesmo, pela sua cara. — Sorrio.
Um garçom passa e pego uma taça de champanhe.
— Quer?
Ela nega.
— É bom. A bebida nos faz esquecer dos problemas por um tempo —
brinco.
— Sério? — pergunta bastante curiosa.
— Estou brincando. Bebida não muda os problemas. — Bebo um gole.
— Entendi.
— Vai ficar apenas sentada?
— Assim não caio.
— Levante o traseiro daí. Vamos dar uma volta, e quem sabe dançar.
— Não vou dançar.
— Eu disse que não poderia discordar de nada. Venha.
Bebo de uma vez o champanhe e coloco a taça na mesa. Puxo ela da
cadeira, que se assusta e solta um gritinho.
— Vamos, precisa curtir antes do discurso que meu pai faz todo ano, e é
bem longo. Muito longo. O sono marca presença.
Ela sorri.
— Minha flor. — Ela vai pegar a flor que está na mesa.
— Esquece. Vamos logo.
Ela revira os olhos e isso me faz rir.
Andamos pelo lugar, com ela quase arrancando meu braço pelo medo de
cair. Ela fica encantada com tudo. Hannah ganhou uma fã. Dançar, ela não quis e
não obriguei. Nem iria.
Meu pai faz sinal para eu ir até ele, que conversa com um pessoal.
— Já venho — digo a Raquel, que concorda.

Raquel Pereira

Fico encostada em um canto, observando ele se afastar. Por onde passa,


Téo atrai olhares. É incrível como isso acontece.
— Senhorita, champanhe? — o garçom pergunta sorridente.
— Nã... Quero.
— Aqui. — Ele me entrega a taça e se afasta.
Disfarço e cheiro a bebida. Não tem um cheiro ruim. Bebo um pequeno
gole, e para a minha surpresa é muito gostosa. Acho que o Téo só disse que era
brincadeira, por medo de que eu bebesse. Minha mãe sempre dizia que álcool é
perigoso e pecado. Nunca deixou eu chegar perto. Sei que é perigoso, mas
pecado? Tudo será pecado?
Bebo mais um gole, e gosto. Termino de beber. Um outro garçom passa e
recolhe minha taça. Não quero ficar aqui. Talvez eu encontre Natanael. Só
preciso ter cuidado com esses saltos. Começo a andar com cuidado. Alguns
homens me olham. Não encontro Natanael. Também está lotado. Paro próximo à
mesa onde tem bebidas e fumaça saindo delas.
— O que deseja, senhorita? Faça seu pedido, e surgira uma bebida
especial para ele. — Um homem finge fazer mágica sobre as bebidas.
— Obrigada. Mas não quero não.
Ele finge chorar, retirando um lenço que surgiu de seu ouvido. Que
incrível.
— Não magoe este pobre mágico. Faça um pedido. — Sua carinha me
convence.
— Quero... Quero esquecer os problemas.
Ele prepara em um copo colorido.
— Uma bebida para esquecer os problemas. — Ele entrega a bebida.
— Obrigada.
Sai fumaça do meu copo. Mesmo assim arrisco e bebo. É doce, mas tem
algo forte no sabor.
Afasto-me. E continuo à procura do Natanael, e agora estou bem perdida,
parece que encheu mais. Vou bebendo aos poucos.
— Nossa, que delícia! — um homem diz quando eu passo.
— Esta bebida está mesmo uma delícia. Mas é bem forte. — Ele franze o
cenho. Continuo andando.
Em minha procura, acabo bebendo todo o líquido do copo. Mas estou me
cansando da busca impossível e resolvo retornar para a mesa das bebidas. Assim
uma hora alguém conhecido terá de passar por lá.
— Voltou, bela senhorita! — o homem diz, e entrega bebida a outras
pessoas.
Entrego o copo a ele e sorrio.
— Estou procurando alguém conhecido, mas não encontro. — Ele sorri.
É tão mais fácil conversar com um homem quando ele esconde o rosto por
maquiagens.
Fico próxima da mesa. Ele continua entregando bebidas a todos, e
falando coisas engraçadas.
— Uma bebida? — ele pergunta sorridente.
— Pode ser. — Rio. — Quero algo para me fazer encontrar alguém
conhecido. — Ele sorri.
A bebida da vez é verde. Bebo e é mais doce.
— Agora diga por que está sozinha? Uma moça bela assim deveria estar
acompanhada. — Gargalho e ele me olha sem entender. Então atende outras
pessoas.
— Você não tem ideia de como é bom ficar sozinha. É um sonho sendo
realizado. Só falta cair brilhinhos do céu. — Tomo um bom gole da bebida.
— Deveria ir com calma. Essas bebidas são fortes, linda — ele diz e dou
de ombros.
— É tão docinha. Poderia beber isso para o resto da minha vida, sabia?
— Bebo o último gole e rio.
Entrego a ele o copo, que passa a atender mais pessoas.
O jardim está repleto de pessoas. Parece um formigueiro. Estou com
fome. Será que vai ter jantar? Começo a rir pensando nisso.
Estou me sentindo mais leve. É tão divertido festas. Por que nunca fui em
uma? Ah, lembrei. Minha querida mãe não deixava. Se ela soubesse em que
lugar estou neste momento, tenho certeza de que morreria do coração. Cairia
durinha no chão.
— Mais uma. Desejo me livrar dos pensamentos que envolve minha mãe
— gargalho e algumas pessoas me olham.
— Tem certeza? — ele questiona.
— Claro. Quero diversão. — Ele dá de ombros.
Recebo desta vez uma bebida amarela. Seu gosto e cheiro são bem fortes.
No primeiro gole, sinto queimar tudo. Esta não é muito boa, mas serve.
Cadê o Natanael? E o Téo? Todos sumiram. Rio.

Téo Lima

Eu estou literalmente em pânico. É como se eu acabasse de perder minha


filha no supermercado. Em que maldito lugar está a Raquel? Esse lugar está
abarrotado de pessoas. Será difícil encontrá-la com facilidade. Vejo Natanael,
então vou até ele o mais rápido que posso. Desvio das pessoas, cumprimento
rapidamente outras, e chego até o meu destino.
— Viu a Raquel?
— Não. Ela não estava com você?
— Sim. Mas eu fui ver o que o meu pai queria. Deixei ela em um lugar, e
quando voltei, ela não estava.
— Sério isso? A garota não conhece ninguém aqui. É toda quieta. E você
sabe que alguns homens acham que porque tem dinheiro, podem tudo, e quando
bebem ficam pior.
— Nossa, me confortou bastante! — ironizo. — Caralho, serei morto
pelo meu pai, e o tio dela vai fazer o meu velório.
— Eu procuro deste lado, e você daquele. — Ele aponta as direções. —
Quem a encontrar liga no celular do outro avisando.
— Não deixe ninguém saber que perdi a santinha.
Ele revira os olhos e se afasta.
Fico com o meu celular na mão.
Procuro ao que parece uma eternidade e não encontro. O lugar está
impossível. Os hóspedes do hotel podem participar também, todo ano é assim.
Então isso vira uma loucura. Cadê a peste da Hannah, que não anuncia o jantar?
Assim todos vão para o salão e será muito mais fácil encontrar a Raquel.
Meu celular começa a tocar e é Natanael. Atendo e ele diz que a
encontrou, e que devo ir urgente até o saguão, que ele a levou para lá às pressas.
Algo me diz que isso não é boa coisa. Coloco o celular no bolso.
Vou até o local. Eu sinto que algo deu merda, e que vai sobrar para mim.
Chego no lugar e vejo Natanael próximo ao sofá, que fica de costas, e
logo vejo apenas uma parte do corpo de Raquel, que está sentada. Vou até eles, e
a expressão dele não me traz nenhum tipo alegria.
— O que houve? — pergunto e ele me olha muito sério.
— Tente falar com ela. — Fico sem entender.
Olho para ela, que sorri muito. Muito mesmo.
— Raquel, você está bem?
— Suuuuupeeeeeerbem. — Ela prolonga a palavra e começa a rir.
— Estou fodido. Ela está completamente bêbada. Porra, eu fiquei longe
por uma hora mais ou menos, e ela ficou bêbada?
— Ela não deve estar acostumada. Encontrei ela na mesa de bebidas
especiais.
Puta que pariu. Agora está decidido. Minha passagem para o céu foi
transferida em primeira classe ao inferno.
— Raquel, por que ficou bebendo? Isso vai nos trazer problemas. — Ela
tenta ficar de pé sozinha, mas falha. Ajudo, mantendo-a presa em meus braços.
— Beber... Você disse que... Ops... — soluça.
— Natanael, e agora? Porra.
— Se vira. Você foi o responsável. Se tivesse ficado realmente como
companhia dela, nada disso teria... POR DEUS! — Ele coloca uma mão no peito
e outra na testa.
— O que foi? — pergunto ainda mais preocupado, então Raquel ri
agarrando meus braços, que a mantém de pé.
— Meu tio — ela responde animada, como uma criança que acaba de
ganhar um doce.
Não quero olhar. Estou com medo de olhar. Natanael apenas acena
confirmando o que ela disse. Era só o que me faltava. Agora o padre vai me
matar. Eu serei o culpado de ter tornado um padre em assassino. É agora que
começa a fazer a reza do livrai-me de todo o mal?
— Natanael, e agora?
— Ele está no balcão. Não sei. Estamos perdidos. Não nos viu ainda. Por
sorte essas plantas grandes estão ajudando. Ele só não pode ir em direção ao
jardim, ou vai nos localizar.
Pensa, Téo. Pensa!
— Já sei. Enrola ele. Diz que os funcionários ganharam quartos para
descansarem. Inventa algo. Porém, precisa deixar claro que a Raquel ficou
cansada e dormiu, e que está tudo bem com ela e que ela vai embora amanhã. Se
vira. Você vive resolvendo problemas com hóspedes. Tem que conseguir
resolver agora. Eu vou levá-la para o quarto. Não deixe meu pai sonhar com
isso. E faça este padre acreditar em tudo.
— Você quer que eu minta para um padre? Ficou louco!
— Prefere mentir, ou dizer que a sobrinha dele mal consegue ficar em pé,
e que não está falando nada com nada, pois está completamente bêbada? — digo
sério.
— Vai logo, antes que eu me arrependa! — Ele respira fundo. — Deus
me perdoa, mas se por esta mentira eu tiver que sofrer no futuro, condene ao
Téo. — Ele sai rapidamente.
— Vão mentir para o meu tio? Que legaaaaaaal. — Ela ri.
— Shhh! Vamos. — Pego ela no colo e saio rapidamente dali, e sem
olhar para trás.
— Que divertido. — Ela sorri.
— Não. Isso não é divertido.
— Puff. — Faz um som estranho com a boca.
Espero o elevador, que parece uma eternidade para chegar. Entro com ela
ainda em meu colo. Aperto o botão para o andar que iremos e as portas se
fecham.
Ela coloca a mão em meu rosto.
— Você é um... Ui. — Ela soluça. — Um moço tão belo. Eu já te vi
anteees. — Franzo o cenho. — Verdade. Eu já... — Ela soluça novamente.
— Raquel, quietinha. Não está falando nada com nada.
— Estou sim. — Sorri.
Antes de sair do elevador olho para ambos os lados, e o caminho está
livre. Porém, só agora me lembro de que esqueci o cartão do maldito quarto.
Coloco a Raquel sentada no chão próxima a porta. Pego meu celular e ligo para
Natanael e digo que preciso do cartão. Ele me xinga e diz que vai trazer, e que
conseguiu despistar o padre. Um problema a menos.
Ele traz o cartão, e avisa que não vai me ajudar mais. Que terei de me
virar sozinho com este problema. Como se isso fosse novidade.
Entro no quarto com ela e tranco a porta. Coloco-a na cama, e retiro seu
sapato.
— Virei be... Be... Opa... Bebê. — Ela ri.
— Raquel, eu não tenho ideia de como cuidar de você. Estamos bem... Já
sei.
Ligo para o celular da minha mãe e torço para que ela esteja com ele e
que escute. Não demora e ela atende.
— O que quer, filho? Onde está? — ela grita.
— Mãe, como cuida de uma pessoa bêbada?
— Quê? Você perdeu uma teta?
Reviro os olhos.
— Não! Como cuida de uma mulher bêbada?
— Ah, sim. Está horrível para escutar. O que fez, menino?
— Mãe, só responda!
— Espera...
Escuto ela pedindo licença. O barulho de fundo vai diminuindo.
— O que houve? Me afastei um pouco do jardim.
— Eu preciso de ajuda. Raquel, a funcionária, está bem bêbada. Ela
nunca bebeu, pelo visto. Não sei o que fazer.
— Meu Deus! E ainda diziam que ela era freira.
— Mãe, é sério. A garota é sobrinha de padre e filha de uma doida
religiosa. Se virem ela assim, não sei o que farão com ela, e o que o padre fará
comigo, porque com certeza vai me culpar.
Raquel vira de lado e fica me olhando e rindo.
— Que problemão. Querido, só posso te dizer para ficar o tempo todo de
olho nela. Vê se ela consegue tomar um banho frio. Se ela estiver muito mal terá
de levar ao hospital. Dê água aos pouquinhos, carboidratos ou café com um
pouco de açúcar, mas bem devagarinho, dizem que melhora... Ela vomitou?
— Não. Mas tem soluço.
— Se ela vomitasse seria bom. Querido, essa bomba terá que se virar
sozinho. Eu não posso ficar longe por muito tempo ou seu pai notará e tenho
certeza de que não quer que ele saiba disso.
— Não. Se encontrar a Hannah manda ela vir ao 410 com urgência.
— Está bem. Cuidado.
— Ok. — Ela desliga.
Coloco o celular na mesinha e Raquel está se sentando na cama.
— Opa, tudo girou. — Ela abre os braços e fecha.
— Porra. Eu deveria ter imaginado que te deixar sozinha daria merda.
Vamos torcer para Hannah vir.
— Hannah é legal. Voxe... Voooocê também. — Reviro os olhos. — Téo,
n-não extooou... — Ela fica muito pálida, e leva uma mão à boca.
Levo-a rapidamente ao banheiro, e ela vomita. Seguro seu cabelo e
mantenho seu corpo firme. Assim que ela termina, se senta na tampa da privada
e encosta a cabeça na parede. Está bem fraca e de olhos fechados. Seus lábios
estão pálidos.
— O QUE ACONTECEU?! — Hannah grita e olha assustada para
Raquel.
— Só preciso que dê um banho nela. Eu cuido do resto.
— Por sua sorte, eu estava aqui por perto quando mamãe me ligou e
disse que você precisava de mim. Estava vindo pegar meu carregador portátil e
encontro uma morrendo e o outro parecendo um tonto olhando. — Ela retira os
saltos. — Que diabos aconteceu para ela ficar assim?
— Bebeu demais. Agora vomitou e está fraca.
— Téo, o que você fez?
— Deixei ela sozinha apenas. Deu merda. — Ela balança a cabeça
negativamente.
— Irei dar o banho nela, apenas porque entendo a situação complicada
em que se colocaria. Enquanto isso providencie remédio para dor de cabeça,
porque ela vai precisar amanhã, e deixe bastante líquido a disposição dela. Nada
de coisas pesadas para ela comer. Sei bem como é ficar assim, e o dia seguinte é
sempre o pior.
— Desculpa te colocar nisso.
— Relaxa. Vai logo fazer tudo o que pedi. Ajeite a cama e já aviso para
que deixe ela dormir de lado para o caso de vomitar. Não deixe ela sozinha.
Vou me afastar, porém Raquel segura de leve minha mão.
— Não vá... — Sua voz é fraca e quase inaudível.
— Hannah vai ficar. Eu prometo que já venho. — Ela faz um fraco aceno
com a cabeça. Olho para a minha irmã, que dá um leve sorriso e fico sem
entender o motivo.
Vou fazer o que ela pede.

Raquel está deitada de lado na cama vestindo minha camisa e coberta.


Estou apenas de calça sentado na poltrona. A luz está apagada, o quarto
iluminado apenas pelos abajures e a TV que liguei e deixei o volume bem
baixinho.
Hannah teve que ir às pressas assim que vestiu a Raquel, pois o jantar
estava bem atrasado. Não sei o que direi ao meu pai depois, mas não será a
verdade, isso eu posso garantir.
— Eu já tinha visto você no mercado e gostei... — olho em sua direção,
que diz baixinho, e fecha os olhos lentamente.
Me visto no mercado? Gostou de quê? Sério que vai apagar agora? Porra,
que noite mais animada!
Meu celular apita e pego para ver. É uma mensagem da Samira.

“Infelizmente não deu para ir ao evento. Peça desculpa a todos por mim. Preferi
curtir com nossa filha, já que fiquei fora, então fizemos a noite das meninas.
Aproveite por mim, e depois conte todos os babados que sempre tem nesses
eventos. Bjs.”

Olho para a Raquel e sorrio. Este evento teve “babado”, como diz a
Samira, e dos grandes. Coloco o celular de lado, depois falo com ela.

Garoto, te escuto em meus sonhos
Sinto o seu sussurro do outro lado do mar
Te guardo comigo em meu coração
Você torna as coisas fáceis quando a vida fica difícil
— Jason Mraz feat. Colbie Caillat “Lucky”

Raquel Pereira

Acordo desnorteada, sem saber em que lugar estou. Sento lentamente na


cama, e minha cabeça dói. Olho para a minha roupa, e não é a que eu usava
ontem. Tem o cheiro do perfume... Ai, meu Deus!
Cubro todo meu corpo, ficando apenas com os olhos de fora. Olho
lentamente para o lado, e Téo está dormindo todo torto na poltrona. Está sem
camisa.
Céus, o que aconteceu? O que eu fiz?
Abro novamente os olhos, e ele se mexe, destacando ainda mais seu
peitoral forte. Os rabiscos em seu corpo são chamativos. Porém, o que me chama
a atenção é algo volumoso na parte da frente de sua calça. Eu tive aulas sobre o
corpo humano, e já ouvi falar disso, mas nunca tinha visto. Será que é o...
Grito desesperada e levanto correndo da cama.
— PORRA! — Téo acorda assustado, e me olha preocupado.
Vejo que a camisa que estou mostra demais, então começo a tentar puxá-
la para baixo, mas não resolve.
— Raquel, o que houve? — ele pergunta com a voz rouca.
Corro para o banheiro sem responder, e tranco a porta, encostando nela.
Minha respiração está ofegante, e meu coração acelerado. Ele bate na porta e
cubro meu rosto com as mãos. Para completar a minha vergonha, minha cabeça
não para de doer.
— Raquel, o que houve? Precisa falar, para que eu ajude. Ou tente pelo
menos, não sou muito produtivo pela manhã, mas... o que houve?
Eu não consigo lembrar muita coisa de ontem. Sei que ingeri bebidas
alcoólicas, e procurei pelo Natanael e acho que pelo Téo. Eu vi meu tio, mas não
consigo me lembrar de mais nada. Céus, meu tio vai ficar bravo quando souber.
Eu estou perdida. Eu vou para o inferno, tenho certeza. Minha mãe vai
enlouquecer. Eu estou enlouquecendo.
— Raquel!
Novas batidas surgem na porta.
— Se você não abrir, pegarei a chave reserva. A escolha é sua.
— Eu não posso. Eu pequei demais.
— Ah, tenha a santa paciência. Não me torture com um papo desse logo
cedo. Abre logo a porta.
Respiro fundo, e destranco a porta.
— Pronto.
Fecho os olhos, assim que escuto ele entrar.
— Bom, pelo menos não estava tentando se suicidar, isso já é um começo
excelente. Agora fale o que houve para ficar gritando como uma louca. E por
favor, abra os olhos.
Faço o que pede. Ele está encostado na parede à minha frente. Seu olhar
é fixo em mim. Sinto como se eu estivesse nua. Sei que devo estar vermelha
neste instante.
— Téo, por favor diga o que aconteceu. Eu não consigo lembrar direito e
minha cabeça dói.
— A lista é grande. Mas, para resumir, você ficou bêbada, eu cuidei de
você, com a ajuda da Hannah. Apenas isso. Não aconteceu nada mais, se é o que
te preocupa.
Olho desconfiada.
— Eu juro.
Sinto um peso sair de meus ombros. Mas, assim que olho para “aquilo” e
vejo que ainda está volumoso, fecho novamente os olhos.
— E agora, o que foi?
— Isso aí. — Faço um gesto qualquer em sua direção, sem olhar.
— Isso o quê?
— Isso aí. Téo, não vou dizer.
— Raquel, do que voc... Ah, entendi. É de manhã. Não posso fazer nada.
E saiba que ultimamente meu pau tem sido bastante traíra, então sinta-se
privilegiada em vê-lo assim.
Engasgo com a minha própria saliva. Abro os olhos, que lacrimejam pela
tosse. Ele se aproxima assustado.
— Raquel? Quer água?
Nego. Já estou me acalmando.
— Como pode dizer essas coisas? E quer dizer que aquele dia na
recepção se referia a isso?
— Sim. Por isso eu ri quando falou que era madeira.
— Você é horrível. Você é um pecado em forma de pessoa.
— Eu disse que eu era o oitavo pecado. E não se esqueça de que é para
este pecado em forma de pessoa, que pediu ajuda.
— Eu tenho que sair daqui. Meu Deus! — Ele sorri.
— Seja mais relaxada, Doçura. Se quer mudar, terá que começar se
acostumando com o que eu digo.
— Não dá — digo com sinceridade.
— Vai ter que aprender. Vou pegar remédio para você. Já venho.
Ele sai do banheiro e fecho rapidamente a porta. Eu estou perdida.

Estou no saguão do hotel. Já tomei o remédio que o Téo trouxe. Senti um


conforto ao saber que Hannah me ajudou no banho, e não o Téo. Encontrei com
ela quando eu estava saindo do quarto, e ela pediu desculpas, mas colocou em
mim a mesma calcinha que usei na festa, porque não sabia o que fazer. A esta
altura do campeonato, já não estou preocupada com esse problema, mas em
como contar isso ao meu tio.
Téo vai me levar para casa. Estou esperando ele descer. Natanael não
está. Somente Pietra e Mayara cuidam do atendimento no balcão.
— Olha só, aproveitou bem. Quem diria! Se fez de santinha e caiu direto
na cama com Téo. Todo mundo já sabe que ficaram no mesmo quarto — Pietra
diz de um jeito estranho.
Não gosto da maneira que fala comigo.
— Não dê ouvidos. Isso é inveja, porque ela duvidava que ele iria querer
você. Só tome cuidado. Você parece ser boa e o Téo não presta. Confesso que
fico doidinha quando vejo ele, mas sei que dali só sai sexo e nada mais —
Mayara fala e sorri.
Pietra fica me olhando, e volta a atenção para o computador. Quero ir
embora logo.
— Só acho que ele estava bêbado. Por mais que tenha se produzido toda,
você não é do tipo que ele gosta.
Sinto um sentimento estranho me invadir. O mesmo que tomou conta de
mim, quando minha mãe ligou, e meu tio disse ser raiva.
— Do tipo vulgar? Acho que é este tipo que ele gosta. — digo sem
pensar.
Mayara sorri e Pietra me olha feio. Desvio o olhar. Ela tenta dizer algo,
mas alguns hóspedes se aproximam.
Vejo Téo se aproximando e agradeço mentalmente por isso. Para na
minha frente, e me olha sério.
— Disfarce. Não precisam babar quando me olham — ele diz e Mayara,
que presta atenção, revira os olhos.
— Se enxerga, Téo. Quero um homem lindo, e que eu possa trabalhar
apenas se eu quiser, não iria reclamar ficar um bom tempo apenas no luxo —
Mayara diz e ri.
— Sou lindo e rico. — Ele parece irritado.
— Mas não é fiel. O principal você não é — Mayara rebate e ele revira
os olhos.
— Foda. Mil vezes foda. Vamos, Raquel.
— Nossa, conseguiu até carona? Esquece, garota, ele não repete a dose
de sexo — Pietra diz, e Mayara bate em seu braço.
Fico envergonhada. Por que ela insiste em falar nisso?
Téo olha para mim, e depois para ela.
— Doçura, eu só repito o que é bom. Por isso que apenas repito as
mulheres da boate em que vou.
— Prostitutas? São pagas para fazerem um bom serviço — Pietra rebate
irritada.
— A Raquel não foi paga. E porra, eu repetiria mil vezes. Já você, eu não
repetiria, mesmo que meu pau precisasse disso para não cair. — Ela olha
boquiaberta, e Mayara gargalha.
— Téo... — ela vai falar novamente, mas ele interrompe.
— Vamos, Raquel.

Choveu pelo visto. Assim que entramos no carro, uma outra preocupação
surge.
— Téo, elas vão pensar que nós...
— Problema delas. — Começa a dirigir. — A partir de amanhã ficará
completamente sob minhas ordens. — Ele ri.
— Por quê?
— Meu pai foi viajar. Vai ficar alguns dias fora, e irei assumir seu lugar.
Vai ficar mais próxima de mim.
Sinto um arrepio ao ouvir isso.
— E-eu vou? Téo...
— Amanhã iremos em um lugar. Vamos começar com a pior parte. Irei te
levar para conhecer uma boate.
— UMA O QUÊ?
— Boate.
— Nem pensar — nego apavorada.
— Vai sim. Eu disse que não poderia discordar. Vai ter que ir.
— Téo...
— Doçura, é pegar ou largar. Se quer que eu te ajude, será do meu jeito.
Sinto um friozinho na barriga.
— Ok. Mas, por favor, não me chame mais de Doçura.
Essa forma dele até então não me incomodava, mesmo eu corrigindo ele
com meu nome, mas hoje, não sei, me incomodou.
— Combinado.

Téo me deixa em casa, e vai embora rapidamente. Vou direto para o


banheiro. Preciso de um banho, e o principal: encontrar uma forma de dizer a
verdade ao meu tio.

Téo Lima

Meu celular toca, enquanto dirijo para casa. O nome da Samira aparece
no painel do carro. Atendo e sua voz ecoa.
— Fale rápido, estou dirigindo.
— Estou sentindo que quer passar o dia com a Catarina.
— Sempre quero estar com ela. Mas algo me diz que essa sua ligação
significa que tem homem na história.
— Exato. Tenho um encontro hoje. Mas pego ela na sua casa assim que
eu retornar. Me dá uma forcinha.
— Não. Se vira — provoco.
— Téo, estou sem sexo há três meses. Essa pode ser uma grande
oportunidade. Então não retire isso, ou juro que irei ser uma empata-foda na
sua vida.
— Está bem, me convenceu.
Ela ri.
— Eu deixo ela na sua casa.
— Pego ela, só preciso tomar um banho antes... Ah, e vê se depila,
ninguém merece uma mata.
— Seu cretino! Eu te odeio.
Gargalho.
— Não odeia não.
— Pior que não mesmo. Estou te esperando.
— Senti algo a mais nessa frase.
— Vai à merda! Vem logo. Tchau. — Ela desliga e rio.

Assim que chego, Catarina está no banho.


— Téo, o que acha? — pergunta referindo-se à terceira troca de roupa.
Eu vou me matar.
— Linda.
— Disse isso das outras. Quero algo a mais.
— Vai nua.
— Cretino!
— Você queria algo a mais, gata.
Ela revira os olhos, e volta a procurar algo no guarda-roupa.
Estou deitado em sua cama. Eu dormiria até o Natal. Minha noite foi
péssima.
— Fale como foi o evento.
— Fui babá de uma funcionária. Ficou bêbada, e tive que cuidar. Pronto
resumi.
Ela se vira e me olha sem entender.
— Meu pai contratou uma funcionária, que é quase uma freira. Ela
acabou bebendo muito e para não sobrar para mim, tive que cuidar dela.
Sobrinha de padre e filha de uma religiosa fanática. A menina é realmente quase
uma freira.
— Nossa. Essa é nova. Você falando de uma funcionária, sem qualquer
interesse? O mundo vai acabar, e eu não fiz meu último sexo.
Jogo um travesseiro nela, que desvia rindo.
— A situação é séria. Eu gosto dela. É uma boa menina, e acaba me
divertindo com sua inocência. Mas não tem como vê-la diferente. É estranho.
— Porque está acostumado com mulheres mais liberais, e algumas até
vulgares. Falo mesmo, não adianta olhar feio.
— Deve ser. Ela é bonita, porém nada que me faça sentir desejo ou algo
do tipo. Dali pode sair uma boa amizade, e nada mais.
— Da nossa boa amizade saiu uma criança. Dessa daí vai sair duas?
— Não sei por que ainda falo com você!
Ela sorri.
— Só estou chocada por você não estar querendo uma funcionária.
— Estar com ela... não dá.
— Nossa, quero conhecer essa garota. Vou pedir autógrafo. Virei fã dela,
apenas por você rejeitá-la. Porque é um milagre. — Ela ri.
— É sério, Samira. A vida dela assusta. O tio dela me contou algumas
coisas e é revoltante.
— Eu, hein. Bom, só tome cuidado.
— Por quê? — Fico sem compreender.
— Porque se ela é realmente tudo o que disse, então você ser próximo a
ela pode ser perigoso. Téo, você é um homem bom, um pai maravilhoso e um
excelente amigo, mas infelizmente é cafajeste e dos piores. Não deixe essa
garota ver o cavalheiro, porque você não consegue evitar ser o cavalo pronto
para o coice. Entende o que eu quero dizer?
Fico olhando e ela respira fundo.
— Não deixe ela gostar de você mais do que um amigo. Se a vida dela é
difícil, não complique mais. — Ela se aproxima da porta do quarto. — Agora
vou ver a Catarina, porque ela fica enrolando, e banho que é bom, nada.

Estamos na porta para sair, quando Catarina segura minha mão.


— Obrigada — Samira diz animada.
— Filha, aperta o botão do elevador — falo e ela sai em disparada para
fazer o que pedi.
— Prometo que não vou enrolar.
— Curta seu encontro, você merece. E vá com o vestido branco, te
deixou gostosa e muito linda.
— Viu só, aí está o cavalheiro conquistador.
Sorrio.
— Se depile. Faça bastante sexo por mim. Porra, preciso disso.
— E agora está o cavalo, acabando com o encanto. Téo, você não tem
jeito. — Ela ri.
— Papai! — Catarina grita. — Chegou.
— Tchau. — Dou um beijo no rosto de Samira e me afasto.

Estou no carro com a minha pequena.


— Papai, o que vamos fazer? — pergunta animada.
— Que tal sairmos? O que quer?
— Shopping.
Traduzindo: prejuízo.
Olho para trás, e ela ajeita a bolsa de gatinho sobre o colo, me fazendo
sorrir.
— Então vamos.
Dou partida no carro.

Chegamos do shopping. Catarina retornou com muitas sacolas. Eu sabia


que isso seria prejuízo. Samira deve dizer para essa menina esfolar minha
carteira, só pode. A carinha de cachorrinho perdido que ela faz é pra foder. E
para piorar, sou um pai babão que cai nessa armadilha. Com a mãe, ela não faz
isso.
Estamos na casa da minha mãe, que está no hotel fiscalizando a limpeza,
enquanto Hannah ficou aqui deitada no sofá, reclamando de dor nas pernas.
— Tia, vamos brincar? Papai me deu uma nova Barbie — ela diz
animada.
— Claro, meu amor. Só que a tia vai brincar na cama, estou muito
dolorida.
— “Ta” bom. — Catarina sai em disparada com a boneca para o quarto
da minha irmã.
— Quantas sacolas. Comprou o shopping todo? — ela pergunta se
sentando.
— Quase. Tudo brinquedo. E ela só fala da Barbie.
Minha irmã ri.
— E a Raquel? Vi apenas quando estava saindo do quarto.
— Deixei ela na casa dela.
Hannah se levanta com dificuldade e fica toda torta em pé. Quero rir, mas
não farei isso, ou ela me mata mesmo estando assim.
— Essa garota gosta de você.
— Todas gostam.
— Não me refiro a isso, idiota. Ontem, ela não queria que saísse de perto
dela.
— Ela estava bêbada, Hannah.
Minha irmã revira os olhos.
— Maninho, o álcool entra e a verdade na maioria das vezes sai. Fica a
dica. — Mexe o pescoço de um lado para o outro. — Mamãe gostou dela, ficou
falando depois. Mas estava preocupada, porque o papai estava atrás de vocês.
Inventamos mil desculpas, sinta-se em dívida conosco. — Ela sai mancando da
sala. — Cuidado, muito cuidado com essa menina! — grita.
Porra, que isso? Estão fazendo o clube “Raquel é vítima e você vilão”?

E se fosse ao contrário, do avesso ou de trás pra frente
Esse amor começaria errado e terminaria bem
E se fosse ao contrário, do avesso ou de trás pra frente
Esse amor começaria errado e terminaria bem com a gente
— Henrique e Juliano “De trás pra frente”

Téo Lima

Estou na sala do meu pai. Ficarei aqui até o seu retorno. Já adiantei boa
parte de tudo o que tinha para ser feito, com a ajuda de Natanael. Nem parece
que este lugar teve uma imensa comemoração, pois tudo já segue normalmente.
Ontem Samira foi buscar a nossa filha bem tarde. Não é problema para
mim dormir tarde, mas desde a festa que estou querendo dormir tranquilamente e
cedo, porém também não será hoje. Tenho um compromisso com a Raquel, e por
falar nisso, essa garota está fugindo de mim. Cheguei e ela saiu às pressas
dizendo que precisava conferir algo com Natanael. Depois veio rapidamente até
minha sala, trouxe alguns documentos e saiu às pressas, sem dizer qualquer
coisa. Quando saí para resolver alguns assuntos, ela disse que precisava ir ao
banheiro e saiu em disparada. Ela está me evitando, e sei o motivo, mas ela não
vai me enrolar.
Não adiantei tudo à toa. Não mesmo.
Olho no relógio e ela já deve ter saído para almoçar. Sei que almoça no
hotel.

Entro na cozinha onde os funcionários almoçam, e me olham surpresos.


Algumas mulheres sorriem. Vejo Raquel na mesma mesa que as meninas da
recepção e a Talita, uma das camareiras do hotel. Raquel me olha surpresa.
Sorrio.
Aproximo-me da mesa e as meninas ficam olhando. Já Raquel desvia o
olhar.
Não vai fugir de mim tão cedo, Santinha. Fizemos um acordo e vou
honrá-lo.
— Veio escolher a próxima a ir para a sua cama, Téo? — Mayara
provoca.
Não entendo essa doida. Uma hora só falta se jogar em cima de mim.
Outra hora só falta me bater. Estou começando a achar que só arrumo loucas
para a minha vida.
— Não, Doçura — respondo e Pietra me olha animada.
— Então o que veio fazer aqui? — Talita questiona.
— Curiosas — provoco.
Dou a volta na mesa e paro ao lado da Raquel, que não me olha de forma
alguma.
Pietra e Talita olham com estranheza. Coloco as mãos no ombro da
Raquel, e ela fica tensa no mesmo instante.
— Vamos. Está na hora — digo a ela, sob o olhar de todas.
— E-estou comendo — gagueja.
Curvo meu corpo, colocando a cabeça em seu ombro, e então sussurro
em seu ouvido:
— Não está não. Vamos, fujona.
Afasto-me e ela se levanta. Agora me olhando.
— Nossa, está se superando. A santinha agora vai para o segundo round?
— Talita ironiza.
Não gosto da maneira como Pietra olha, debochando da Raquel, e nem
do tom da Talita. Porra, a menina já tem que aturar a louca da mãe, não precisa
aguentar as babaquices dessas doidas.
— Meninas, chega desse assunto — Mayara rebate.
Raquel sai da cozinha sem dizer nada. Ficou chateada.
Apoio as mãos sobre a mesa, e elas me olham atentamente.
— A próxima vez que eu vir qualquer uma fazendo comentários idiotas,
ou maltratando a Raquel, vão ser demitidas no mesmo instante.
Pietra me olha assustada.
— Virou advogado dela? Estamos apenas brincando — Talita fala
nervosa.
— Ela pareceu estar gostando? — Espero uma resposta e não obtenho.
— Não. Ela não estava gostando. Então foda-se, se era brincadeira. Ela não
curtiu. Mais uma palhaçada dessas, e vão entrar para a lista de mulheres
desempregadas.
Ficam boquiabertas.
Sorrio.
Saio da cozinha e vou à procura da Raquel, que acabou fugindo
novamente. Estou começando a me sentir como o Frajola do desenho animado,
atrás do Piu-Piu. Caralho, o que estou pensando? Eu lá fico atrás de porra de
passarinho!

Raquel Pereira

Estou sentada à minha mesa, e chateada. Não aguento mais essas


meninas me provocando. E por que o Téo tinha que ir até lá? Estou tentando
ficar longe, para ele esquecer a ideia da tal boate. Já estou com um problemão,
pois ontem meu tio não conseguiu conversar muito, mas disse que hoje passaria
em casa com mais calma para eu contar como foi minha primeira festa.
Como irei dizer ao meu tio, que é padre, tudo o que aconteceu? Estou
perdida. Meu Deus!
— Fujona, vamos até a minha sala. Quero dizer, a do meu pai — Téo fala
e entra na sala.
Não tenho escolhas agora.
Levanto e respiro fundo. Então entro na sala e fecho a porta. Ele está
sentado na cadeira e me olhando.
— Precisa começar a ter voz. Nem sempre temos que nos calar. Quando
algo não lhe agradar, precisa dizer.
Sei ao que ele se refere, mas prefiro não dizer nada.
— O que deseja? — pergunto.
— Vamos sair. Precisamos ver uma roupa para você usar hoje à noite.
Sento-me na cadeira de frente para ele.
— Téo, não posso. Meu tio vai em casa.
— Diga que vai fazer extra para ajudar o Natanael, pois uma das meninas
ficou doente — ele diz com tranquilidade.
— Não! Não posso mentir. Já tenho um problemão para resolver. Terei
que contar a verdade sobre a festa.
— Doç... — ele faz uma pausa. — Amor, presta atenção no que direi.
Infelizmente não poderá contar tudo ao seu tio. Ele não confia muito em mim. Se
quer que eu te ajude, precisa manter segredo de muitas coisas, e a festa do hotel
é uma delas. Conte as partes boas, e oculte as ruins. Omitir as vezes não é de
todo ruim.
Fico olhando para ele. Téo vai me colocar em muitos problemas, estou
sentindo. Mas não sei o que é a sensação que sinto toda vez que estou próxima a
ele, ou quando ele fala comigo, é algo que me puxa para ele.
Meu Deus, o que eu faço? Não estou compreendendo o que meu coração
diz.
— Raquel? — ele me chama em um tom alto, me tirando dos meus
pensamentos.
— Sim... Oi?
— Então, vamos?
O que eu faço? O que eu faço?
Ele fica me olhando, enquanto passa a língua pelo lábio inferior, exibindo
a bolinha prateada. Sinto um tremor estranho no estômago.
— Vamos. Meu Deus, eu vou para o inferno — digo desanimada.
— Te acompanho.
— Credo! Não diga coisas assim.
Ele ri.

Téo Lima

— Raquel, entre naquele provador e experimente logo essas roupas.


Estamos em uma loja do shopping, por indicação da Hannah. E eu
deveria imaginar que as coisas seriam caras. As mulheres adoram detonar minha
conta bancária.
Estou sentado no sofá. Os provadores ficam cada um em uma saleta
diferente. A loja esbanja riqueza e minha carteira esbanja choro de tristeza.
Oferecem champanhe, mas recuso.
— Não com você aí — ela diz e reviro os olhos.
— Porra, tem uma cortina nesse negócio. Não tenho como te ver. Agora
experimente as roupas. A vendedora te ajudou, não faça com que ela tenha se
esforçado à toa.
— Téo...
— Raquel, entre ali, ou eu te coloco lá.
Ela sai em disparada para dentro do provador.
Pego meu celular no bolso da calça e fico mexendo para me distrair. Se
passam alguns minutos até que ela fala:
— Experimentei a primeira roupa. Téo, não sei se...
— Sai logo.
— Está bem.
A cortina se abre... PUTA QUE PARIU!
Ela está com um vestido preto, de mangas longas. Ele tem alguns
detalhes, mas, porra, não consigo prestar a atenção neles. Meu foco é nas curvas
que o pequeno pano destacou.
— Raquel, você está linda. Porra, a cada hora consegue ficar mais gata.
Ela fica vermelha.
— Não sei não. Está estranho. Muito justo.
Abro a câmera do celular e tiro uma foto dela, que está olhando para
baixo, segurando uma mecha do cabelo. Está analisando o vestido.
— Téo... O que está fazendo? — questiona.
Sorrio olhando a foto. Viro o celular para ela.
— Está vendo esta garota aqui? E aquela ali no enorme espelho? —
Aponto o espelho e ela olha. — Ela é linda, e precisa mostrar sua beleza. Então
pare de se privar de tudo. Se solte.
— É que tudo isso é novo para mim. Eu nunca usei coisas assim.
— Só se solte mais. Agora experimente a outra roupa.
— Está bem.
Ela entra no provador. E eu fico olhando a foto. As espontâneas são as
melhores.
Passam-se novamente alguns minutos, e então ela abre a cortina
sorridente.
— Deste eu gostei mais.
— Olha só, está até opinando. Está linda. Não tenho outro comentário. —
Sorrio.
Desta vez é um short preto e uma blusa transparente, com um top preto
ficando à mostra. Segundo a vendedora, este seria perfeito para ela, mas ainda
prefiro o vestido. Destaca mais suas curvas.
Cacete, o que deu em mim para ficar opinando em roupas femininas?
— O que achou? Melhor que o vestido? — pergunta fazendo uma pose, e
isso me faz rir.
— Está linda, mas o vestido é melhor. Te deixou mais gostosa. — Fica
me olhando sem entender. — Gata. Deliciosa. Sexy.
— Eu já entendi. E pare de falar essas coisas. — Fica encabulada.
Tiro outra foto, e desta vez ela vê e acaba fazendo pose. Está começando
a se divertir, e isso é bom. Porra, eu sou um bom professor.
— Vou experimentar a outra.
Ela sai, e a roupa agora é uma saia de couro de cintura alta, preta. Usa
um cropped, segundo o que lembro que a vendedora disse, deixando um pouco
de sua barriga à mostra.
Porra! É pra ferrar comigo.
— Não gostei muito dessa não. Não deixa eu andar direito.
Ela olha no espelho e aproveito para tirar outra foto dela. Sinto falta de
tirar fotos, principalmente as espontâneas. E, por incrível que possa parecer,
Raquel está me trazendo um pouco de inspiração...
— Téo, e então? Pego mais roupas para experimentar? Estou confusa.
Levanto e guardo o celular no bolso. Isso tem que acabar logo, antes que
eu saia daqui com uma ereção. Merda!
— Qual gostou mais?
Ela me olha e cruza os braços.
— Do short com a blusa transparente.
— Então já sabe o que vai usar. Agora precisa ver sapato e lingerie.
— Certo.
Ela se troca, e vamos ver o que falta. A vendedora traz as coisas para ela
experimentar.
— Esse me deixou mais confortável, e é mais baixo. Assim que não irei
cair. — Ela sorri.
— Você quem sabe.
Ela escolhe um sapato preto, é bonito. Logo depois escolhe a lingerie.
— Agora, vamos? — ela pergunta.
— Vamos. Vou pedir ajuda da Hannah para o seu cabelo e maquiagem.
— Ela concorda.
Vamos até o caixa, junto com a vendedora.
— Téo, eu não gosto de ficar dando trabalho. — Olho para ela, mas não
respondo.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Sim. Pede a vendedora, que nos atendeu, para trazer o vestido preto.
— Sim, senhor.
Raquel fica me olhando sem entender. Sorrio.

Estamos na minha casa. Sairemos daqui para a boate.


— Téo, preciso falar com meu tio. O que faço?
Entrego meu celular a ela.
— Ligue para ele. E diga o que falei.
— Isso vai me meter em muitos problemas.
— Tem que se soltar. Lembre-se disso.
— Ok.
Ela se afasta e liga para o tio dela. Sento no sofá, enquanto ela vai para
um canto afastado. Em minutos retorna e me entrega o celular.
— Ele acreditou. Téo, eu não sei se isso é certo. Estou com medo.
— Relaxa. Vou ligar para a Hannah, e pedir ajuda a ela.
Saio da sala.

Raquel Pereira

Assim que o Téo sai da sala, fico andando de um lado para o outro.
Estou fazendo muita coisa errada. Mais motivos para meu tio ficar
chateado, e minha mãe surtar. Senhor, dá-me uma luz, por favor!
Olho ao redor e é tudo lindo. Vejo uma parte da cozinha e é muito
chique. Nunca estive em uma casa assim. Vou caminhando e quando vejo já
estou no corredor. É tudo muito claro, e repleto de quadros. Tem uma porta
entreaberta, e a curiosidade que habita em mim, é imensa. Olho para os lados, e
não tem sinal do Téo. Meu Deus, será que se eu entrar é errado? Quero ver mais
cômodos. É tudo tão bonito.
Abro mais da porta, e sinto uma adrenalina por estar fazendo isso. Meu
tio disse para voar, e o Téo para se soltar. Então vamos lá. Se fosse um lugar
secreto, não estaria entreaberto. Abro por completo a porta e entro no cômodo
escuro. A pouca luz que vem do corredor me permite encontrar o interruptor de
luz, no qual acendo. Fico completamente chocada com tudo o que vejo, assim
que o cômodo se torna claro.
— Nossa!
É tudo o que consigo dizer. Olho ao redor e é impressionante. Eu não
deveria estar aqui, mas agora que estou não tenho escolhas, a não ser olhar
atentamente. Aproximo-me de uma das paredes, e fico olhando a paisagem no
retrato. É lindo!
Vou caminhando e olhando tudo com cuidado. Porém, é a parede da
direita, que chama mais a minha atenção. Tem vários tipos de pessoas nos
retratos. São imagens lindas.
— A curiosidade é perigosa, Raquel! — Viro-me assustada para o dono
da voz.
— Desculpa. E-eu... Eu não re-resisti...
Ele sorri.
— Tudo bem.
— Téo, o que é tudo isso?
Ele olha tudo rapidamente e então suspira.
— Sou formado em fotografia. Minha paixão é tirar fotos.
Ela acena.
— Eu tirei todas essas.
— São lindas demais!
— Tenho outras, mas destaquei aqui as favoritas — diz orgulhoso.
— Você é muito talentoso.
— Quem dera todos pensassem assim. — Ele cruza os braços.
— Por que diz isso? Com certeza as pessoas devem pensar da mesma
forma. São imagens lindas.
Lembro-me de uma coisa e começo a rir.
— O que foi?
— É que... Melhor deixar quieto.
— Fale, por favor.
Olho para ele e depois para as fotos e então falo:
— Eu te vi pela primeira vez no mercado. Você estava com a sua mãe.
Assim que o vi, eu te achei diferente, belo. E minha mãe te julgou, como faz
com todos. Fico pensando o que ela diria se visse esse seu talento.
Ele me olha surpreso e fico envergonhada. Acho que falei demais.
— Então era isso que iria dizer no hotel... Você já tinha me visto antes. E
me achou belo?
Concordo novamente.
— Téo, vamos sair daqui?
Estou muito envergonhada por ter revelado isso.
— Vamos. E não fique com vergonha por ter dito isso. E obrigado por ter
elogiado meu trabalho.
Sorrio e saio dali, com ele em meu encalço.
Chegamos à sala e me sento. Melhor eu ficar quieta, assim não digo
bobagens.
— Não consegui falar com a Hannah, mas outra pessoa vai ajudar.
— Quem?
— Vai gostar dela. Prometo.
Não sendo nenhuma do hotel, tudo bem.
Téo Lima

Abro a porta, assim que a campainha toca. Ela me cumprimenta e entra


na sala.
— Eu dei um perdido no trabalho. Mas Catarina precisa de mim em casa
para ajudar com a lição. Então tem que ser muito breve. O que aconteceu?
— A babá pode ajudar ela, só hoje.
— Nem pensar. É meu momento com ela. Me fale logo o que aconteceu.
Disse que era urgente.
— É quase urgente.
Aponto para Raquel, que nos olha do sofá. Samira me olha nervosa.
— Eu não vou fazer sexo a três!
— Samira, não é isso. Preciso que ajude ela com maquiagem e cabelo
para irmos a uma boate.
— Ah, sim. E quem é?
— Raquel. A funcionária.
Samira me olha assustada e coloca a bolsa no sofá.
— Nossa. Menina, sou sua fã! — ela cumprimenta Raquel. — Sou
Samira, amiga do Téo e mãe da filha dele. Longa história.
— Oi — Raquel fala timidamente.
— Por sorte sempre tenho um kit de maquiagem na bolsa.
— Ajude ela com cabelo e maquiagem. Vou tomar um banho. — Depois
se dirige a mim. — E, Raquel, não ligue para o que ela falar, é doida.
— Não sou doida, seu cretino! Não me irrite que arranco suas bolas, e
colo na sua orelha no lugar do seu brinco.
— Viu? É doida! — falo e Raquel olha espantada.
Chamo a Samira de canto.
— Por favor, cuidado com o que fala. Ela é tímida.
— Pode deixar. Vou usar um quarto de hóspede. Téo, o que vai aprontar
com ela?
— Vou levar ela para uma boate.
— Téo, não é no lugar que estou pensando, é?
— Relaxa. Cuida dela.
— Cuida você dela. Téo, olhe lá o que vai aprontar. E antes que eu
esqueça, a menina é linda. Como não te atrai?
— Isso era no passado... Porra, hoje foi foda.
— Por quê?
— Segredo — provoco.
Saio da sala com ela resmungando.

Raquel Pereira

Já tomei banho, e estou com a roupa. Confesso que a calcinha é um


pouco desconfortável, mas é tudo novo, então é normal que tudo fique assim de
início, não é?
— Vou te maquiar, e tentar fazer algo bom com o pouco de maquiagem
que eu tenho na bolsa. Se o Téo tivesse dito antes, que era para maquiar alguém,
eu traria muitas coisas.
— Tudo bem.
Ela começa a me maquiar, enquanto conversa. É muito legal, o seu jeito
de ser me lembra da Hannah.
— Você tem quantos anos? Desculpe perguntar. Mas sou curiosa.
— Tenho vinte anos.
— Bem jovem. E muito bonita. Com o pouco de maquiagem que tenho
aqui, estou conseguindo te deixar ainda mais bela.
Sorrio.
— Sabe, é estranho eu estar fazendo isso. Nunca o Téo me chamou para
algo assim.
— Desculpa incomodar. Mas não sei nada disso.
— Menina, eu te ensino. Fiz curso. Na verdade, tenho vários cursos.
Sempre gostei de estudar.
— Eu queria fazer algum.
— Nunca estudou?
— Completei o ensino médio. Mas nunca fiz faculdade ou cursos.
— E tem desejo por qual?
— Nunca parei para pensar de verdade.
— Normal. Eu tinha dúvidas até o último momento. Mas me formei em
administração junto com o Téo.
Fico sem compreender.
— Pensei que ele tivesse feito apenas de fotografia. Eu vi as fotos...
— VOCÊ VIU AS FOTOS? — ela grita e me assusto.
— S-sim... — gaguejo assustada, enquanto ela para com o pincel no ar.
— Menina, ele não mostra aquilo para ninguém, além da irmã, filha e eu.
Nem mesmo a mãe dele tem acesso.
— Por quê?
— Téo ama fotografar, mas o pai não compreende. Longa história.
Lembro a discussão deles e isso me parte o coração.
— Ele ficou tirando fotos de mim — comento sem qualquer maldade.
— Nossa! Vou morrer e não vi tudo. Téo não tira fotos à toa Tudo tem
um motivo. Talvez você o tenha inspirado.
— Isso é tudo muito estranho e confuso para mim.
— Meu amor, saiba que está tudo muito claro isso sim. Agora feche os
olhos novamente. — Ela sorri e faço o que pede.

Fico olhando no espelho do banheiro e chocada. Nunca vou me


acostumar em me ver assim, tenho certeza.
— Olha só, consegui fazer cachos em você com a chapin...
— Puta merda, as duas bonitinhas podem me dizer aonde está a minha
chapi... Nossa! Raquel, você está...
— Gostosa. Se eu fosse homem ou gostasse de mulheres, pegaria! —
Samira completa. — E sua chapinha está aqui, junto com o secador, seu
3
metrossexual . Depois vocês homens dizem que nós mulheres que somos
vaidosas.
— Não é este o assunto. — Ele se aproxima. Seus cabelos estão
molhados, e ele está sem camisa.
Sinto meu coração acelerar. Samira me olha e dá uma piscada, então sai
do banheiro.
— Raquel...
— Ficou bom? Agora que estou toda arrumada, estou me sentindo
estranha.
— Raquel...
— Eu não sei se está bom. Talvez eu não...
— Raquel, chega! — ele diz alto e isso me assusta. — Você está perfeita.
Eu vou pegar o que vim buscar, e vou sair daqui.
Balanço a cabeça concordando. Ele está estranho.
O que eu fiz de errado?
Téo Lima

Puta merda! Com ela não, Téo. Com ela não!


— O que foi aquilo? Ficou babando — Samira provoca. — Pensei que
tivesse dito que não sentia nada por ela.
— Não sentia. Mas hoje vendo ela com as roupas que experimentou na
loja, e agora no banheiro arrumada daquele jeito. Samira estou fodido. Não
posso levar a Raquel para a cama.
— Não pode mesmo. A menina é um doce e merece mais que isso. E por
que só agora está assim por ela?
— E eu vou saber? Ela estava linda na festa do hotel. Mas agora.
Caralho, e essa roupa não é a que mais gostei. Samira, por favor, corta meu pau.
É sua chance. Faça isso agora.
Ela gargalha.
— Não irei fazer isso. Se controla. Isso é apenas desejo. Você sente isso
por diversas mulheres. Pense na minha irmã, broxou com ela, isso deve te ajudar
a se controlar agora.
— Você não está ajudando. Vou terminar de me arrumar.
Ela continua rindo.
— Aproveite para controlar essa ereção. Está bem visível.
— Vai à merda!
Raquel aparece na sala, toda tímida.
Ela é santinha, Téo. Raquel é santinha. Quase freira. Isso, Téo. Pense
nisso.
— Está tudo bem? Está bem estranho — pergunta.
— Minha querida, melhor nem saber — Samira diz rindo. — Vá logo
terminar de se arrumar. Fico com ela.
Saio rapidamente da sala.
Puta que pariu, eu não posso ficar excitado por ela! Raquel não é como
as mulheres com quem saio. Não posso fazer isso com ela. Não posso. Eu me
conheço, é apenas desejo por uma rodada de sexo e logo depois vou descartar.
Não posso fazer isso. Maldito seja meu pênis. Com toda certeza é uma punição
Divina, por todas as merdas que fiz.

Se ela quer dançar, então deixa ela dançar
Se ela quer beijar, então deixa ela beijar
Se ela quer até fanfan ranranran
Eu não tô nem aí
É cada um com seus esquemas
— Matheus e Kauan e Mc Kevinho “Deixa ela beijar”

Raquel Pereira

— Téo, que lugar é esse? — pergunto olhando tudo. É um pouco


assustador. A música é alta. Tem mulheres dançando, e nuas!
— Bem-vinda a Mister Sin.
— A boate se chama Mister Sin? A boate tem como significado “Senhor
Pecado”? Téo, não estou gostando disso.
Ele sorri.
— Relaxa. Vamos até o bar, e desta vez, vou controlar o que bebe.
Caminhamos com sua mão nas minhas costas. Gosto deste contato, só
não sei o porquê.
Paramos no bar, e ele pede duas bebidas. Não presto atenção em qual
pede. Estou olhando tudo.
Homens e mulheres dançam agarrados. Tem gente fumando. Mulher nua
no colo de homens, e algumas em colo de mulheres. Tem casais se agarrando.
Que lugar eu vim parar? Meu Deus!
Téo me entrega a bebida, e dou um pequeno gole.
— O que é isso? Téo, olha isso. Que horror! Quanto pecado em um lugar
só. Deus amado!
Ele ri.
— Precisamos começar do pior. Este lugar tem tudo o que pode imaginar.
Sexo de todas as formas. Pessoas de todos os tipos. Música e álcool. Além de
dançarinas, como pode ver, algumas nuas e outras não.
— Isso tudo é errado! Olha aquela mulher, o homem está passando a mão
nela!
Coloco a bebida no balcão. Estou inconformada. Ele dá um gole em sua
bebida, e sorri.
— Isto é uma parte do mundo. Pode parecer assustador para você, mas é
comum.
— Minha mãe vai me matar.
— Não pense nisso agora. Hoje você vai dan... — Ele é interrompido.
— Oi, Téo!
Uma mulher nua se aproxima dele. E beija seu rosto.
— Lily — ele fala para ela e sorri.
— Vai querer o mesmo de sempre hoje?
— Doçura, hoje não. Estou com uma amiga.
Ela me olha e sorri. Não estou gostando disso.
— Podemos incluir ela.
— Tentador, mas hoje não. Rogério está?
— Viajou. Bom, é uma pena. Vou voltar a trabalhar.
Ela dá um beijo em seus lábios. ELA BEIJOU ELE!
Meu Deus! Este lugar não é para mim. Preciso ir embora. Uma mulher
nua o beijou.
Ela se afasta e vai até um grupo de rapazes.
— Bom, não tenho como explicar isso. Lily é, bem, como eu posso
dizer...
— Vulgar? Errada? Assustadora? Téo, eu quero ir embora.
Quando dou por mim, já coloquei para fora tudo o que penso. Por que
estou assim? Eu nunca fui assim.
— Raquel, esqueça isso que viu. Vamos dançar, hoje você não tem
escolha. Você precisa conhecer de tudo um pouco.
— Uma dança, e vamos embora, promete?
— Prometo.

Se for pra balada, ela vai
Mas quando é pra conhecer meus pais
Tá ocupada demais, tá sempre ocupada demais!
Quando chamo ela pra namorar
Toda vez é uma decepção
Ela não fala sim, mas também nunca fala não!

A música toca bem alto. Téo e eu estamos no meio das pessoas.


— Só se solta. — Ele dá uma piscadela.
— A última vez que falou isso, vim parar aqui.
— Relaxa, amor.
Ele me puxa de encontro ao seu corpo. Começa a se movimentar, me
levando junto.
Eu preciso voar e me soltar. Isso. Tudo prático. Pelo menos, eu acho.
“Raquel, eu sei o que é certo para você. Se eu te tranco em casa e fico
em cima de você o tempo todo, é porque isso é o certo. Sou sua mãe, e deve me
obedecer. Te criei para ser correta, e não como as pessoas pecadoras que
existem lá fora. Temos que seguir os passos de Cristo. Seu pai deve ficar
orgulhoso de nós, principalmente de você.”
Lembro-me das palavras ditas por minha mãe, logo após a morte do meu
pai. Não disse nem ao menos palavras que me consolassem naquele momento.
Eu estava sofrendo. Queria sair. Queria um pouco de ar. E ela disse isso.
— Ela disse apenas isso. — Sinto uma mágoa estranha.
— Quê? — Téo indaga.
Sorrio apenas.
Me solto como Téo sugeriu. Danço sem me importar com nada. E me
divirto com isso. É bom. É maravilhoso.
Rio.
Téo aproxima a boca do meu ouvido e diz:
— Se continuar dançando assim, não responderei por mim.
Sinto um arrepio e uma palpitação mais forte no peito. Por que está
sempre acontecendo isso? Por que o Téo me afeta assim? É tudo tão
desconhecido. Estou conhecendo as coisas, mas ainda não compreendo muitas
delas. Eu queria que tudo tivesse sido diferente antes. Que hoje, eu não agisse
assim. Que não saísse correndo a cada medo. Que não ficasse sem resposta
quando me atingem. Que soubesse entender o que está acontecendo dentro de
mim.
Meu tio me pediu para voar, e Téo para me soltar. Voar é um dom, é
como os pássaros, isso é normal para eles, faz parte de quem são. Se soltar é ter
atitude, e não deixar o medo te abalar. São as mesmas coisas, e agora
compreendo isso. Voar ou se soltar é tornar-se livre, desfazer os laços que te
prendem. Eu preciso disso. Eu realmente era um pássaro engaiolado, que
precisava usar minhas asas, me sentir livre. Agora eu posso fazer isso, na
verdade, estou fazendo, e tenho que curtir, porque o tempo da prisão acabou,
talvez por pouco tempo, não sei. Mas tenho que aproveitar enquanto posso.
Começa outra música e estou extasiada.
Vamos para o bar, e estou sorrindo como uma boba.
— Viu só. Está começando a ser mais soltinha.
— Sim. E estou gostando.
— Ainda quer ir embora?
— Talvez eu queira ficar para mais algumas danças.
Ele ri.
— Seu pedido é uma ordem, amor.
— Por que fica me chamando de “amor”?
— Não queria que eu te chamasse de Doçura. E te chamar de Raquel é
sério demais.
Sorrio.
Téo está muito bem como sempre. Está com uma calça jeans com alguns
rasgos, tênis, e uma blusa de mangas branca. Está lindo. Se eu quero me soltar
mais, tenho que usar as palavras como normalmente as pessoas usam. Téo Lima
está muito lindo.
Fico vermelha só de pensar nisso.

Ele estaciona na frente de casa. Já pegamos minhas coisas na casa dele.


— Obrigada. Você é um professor maluquinho, mas é bom.
Ele sorri, então desliga o carro.
— Eu vou te ajudar, mas quando achar que está tudo muito rápido, me
avise. Precisa ser mais comunicativa.
Concordo.
— O que será amanhã? Espero que seja algo que eu não tenha que mentir
ao meu tio.
Ele ri.
— Amanhã precisamos renovar seu guarda-roupa. E pedirei a Samira ou
a Hannah para te ensinar a se maquiar e arrumar o cabelo sozinha. Precisa
começar a valorizar sua aparência também.
Baixo o olhar para o meu colo.
— Sou tão péssima assim?
— Quê? Não! Não foi a isso que eu me referi. Você precisa ser mais
moderna em suas vestimentas. Ser um pouco mais vaidosa. E não diga que é
pecado, por favor!
Olho para ele, que solta o cinto e se vira para mim.
— Téo, eu vou ser complicada de compreender às vezes. Só peço que
tenha um pouquinho de paciência, eu... — não sei mais o que dizer.
— Todos somos complicados. E saiba que sou um homem muito
paciente.
Sorrimos.
— Melhor eu entrar. Não sei nem que horas são neste momento. Meu tio
sabia que eu viria muito tarde, mas acredito que abusei um pouco. Só espero que
ele não esteja em casa.
Solto o meu cinto de segurança.
— Obrigada. Téo, você é bom. Mesmo que as mulheres te julguem
bastante naquele hotel, eu não acredito nelas. Uma pessoa como elas dizem ser,
sem sentimentos, jamais tiraria fotografias como aquelas, que mostram tanto,
sem emitir som.
Ele fica me olhando e sorri.
— Obrigado. Você é muito doce e com um coração muito bom. Não
deixe que ninguém mude isso. Não deixe ninguém destruir isso, nem mesmo sua
mãe.
— É difícil. Mas estou tentando. Foram vinte anos vivendo sob as regras
dela. Não é fácil.
— Nada é fácil. Mas você não é mais uma menininha. É uma jovem
mulher. Cresça e se liberte sozinha, não permita que o mundo faça isso por você.
Ele passa a língua pelo lábio inferior. E a bolinha prateada acompanha.
— Você tem essa mania — falo sem pensar.
— Que mania?
— Quando fica pensativo, ou conversando sobre algo sério, passa a
língua pelo lábio inferior. Então mostra o piercing.
— Reparando bastante.
— D-desculpa, é só que...
— Relaxa. Estou brincando. E nunca ninguém me falou isso, e eu não
reparei.
— Todos temos manias e não reparamos. Até minha mãe que diz ser
perfeita tem manias e algumas bem feias. — Respiro fundo. — Mas, agora chega
de papo. Preciso realmente entrar. Obrigada de novo.
Ele se aproxima e beija meu rosto. Minhas bochechas queimam.
— T-tchau.
Pego minhas coisas e saio rapidamente do carro. Corro para dentro de
casa.
O que está acontecendo, Raquel?

Téo Lima

Eu preciso relaxar. Porra, Raquel quase me faz fazer uma loucura hoje.
Preciso de sexo. De qualquer mulher, para relaxar totalmente.
Retorno à boate. Chamo Lily. Apenas ela basta.
Fomos para a suíte.
— Sabia que não iria resistir — ela diz, deitada completamente nua na
cama.
— Preciso relaxar, e você é capaz de fazer isso. — Ela sorri animada.
Retiro minha blusa, e tênis. Abro o botão da minha calça.
— Hmmm... Assim que eu gosto. Homem sedento.
Ela abre completamente as pernas. Meu pau já está duro. Pego um
preservativo na carteira.
— Fique de quatro. Agora.
Ela faz o que digo. Baixo a calça junto com a cueca. Coloco o
preservativo, e me aproximo dela.
— Sabe, Téo, se quer relaxar, nada de delicadeza. Também preciso me
desligar dos problemas. Então quero com força, bruto. Sabe como é. — Ela
morde o lábio.
— Como quiser, Doçura.
Penetro-a com força, e ela grita de prazer.
Preciso esquecer toda loucura de hoje, e essa é uma boa forma para
colocar a cabeça no lugar. Não posso fazer besteira com a Raquel. É clichê,
porém real, eu não sirvo para ela. Não posso destruir ainda mais sua vida.

Vamos virar estranhos se nós dois continuarmos desse jeito
Você pode ficar entre essas paredes e sangrar
Ou só ficar comigo
— Ed Sheeran “One”

Raquel Pereira

— Então, querida, como foi a festa? Está trabalhando muito? Perdão,


mas estou bem curioso — Meu tio pergunta, enquanto tomamos café da manhã.
O que eu irei dizer? Meu Deus!
Pensa, Raquel. Pensa!
— Foi bom — digo na esperança de satisfazê-lo.
Ele me olha confuso. Não o convenceu. Seu rosto muda completamente.
Seus olhos exibem preocupação.
— Sua mãe ligou hoje. Queria saber de você. Que Deus me perdoe, mas
eu disse que estava rezando e por isso não a incomodaria.
Sinto um calafrio. Remexo-me na cadeira, sentindo-me completamente
desconfortável.
— Tio, perdão. Eu não queria que estivesse tendo que mentir.
Eu não queria que ele ou minhas tias estivessem se prejudicando por
minha causa.
— Está tudo bem. Porém, eu preciso que me prometa algo.
— Qualquer coisa!
Ele segura uma de minhas mãos e suspira.
— Tome cuidado. Não se deixe levar pelas tentações. Curta a vida, mas
com moderação. Não quero que faça escolhas que futuramente possa se
arrepender. Só quero que se cuide. Seja cautelosa. Promete isso para mim?
Meu Deus, como posso prometer em não fazer algo, que eu já fiz?
Fico sem saber o que responder. Eu não posso mentir para ele. Já basta o
fardo de estar escondendo as coisas de minha mãe. Agora ter que esconder
daquele que está fazendo tanto por mim, me dói ainda mais.
Respiro fundo.
— Tio, eu vou tentar. Mas precisa saber que eu menti para o senhor.
Ele solta minha mão, surpreso.
— Por que diz isso, meu anjo?
Sinto meus olhos queimarem, devido às lágrimas que querem cair.
Engulo em seco.
— Na festa do hotel, eu bebi muito e fiquei péssima. Os filhos do senhor
Augusto me ajudaram.
Ele arregala os olhos.
— Fiquei lá, porque estavam cuidando de mim. E ontem eu fui para uma
boate com o Téo Lima.
— Por Deus!
Ele se levanta assustado. Eu fico imóvel. Não posso mais esconder
coisas. Pelo menos, não dele.
— Por que fez isso, querida?
— Porque... — penso, buscando respostas dentro de mim. — Eu fiz,
porque eu quero conhecer as coisas. Quero entender de verdade o que é certo e
errado. Eu pedi ajuda ao Téo para mudar meu jeito. Tio, eu não fiz por rebeldia,
eu juro. Apenas quero ser diferente.
Ele se senta novamente e enxuga minhas lágrimas, que caem sem
controle.
— Por que quer ser diferente? É maravilhosa como é. Só precisa ser
menos ingênua.
— Porque eu sinto vergonha de ser assim. As pessoas me olham
estranho. Fazem piadas. Isso dói.
Meus lábios tremem. Sinto vontade de gritar. É como se algo estivesse
me sufocando.
— Meu anjo, eu entendo o que está sentindo. Porém, estou preocupado.
Téo Lima não é o melhor exemplo a ser seguido. Ele é um bom rapaz. Mas, você
e ele juntos, não sinto que é uma boa solução. Que Deus me perdoe se eu estiver
errado. Veja só, até esconder as coisas de mim tem feito.
— Tio, eu gosto dele. É um moço legal. Ele não faz piadas de mim. E
também não me obriga a nada. Tem me ajudado muito. É a única pessoa que
parece não se importar com o meu jeito. Eu gosto disso. É bom não ser chamada
de careta, ou receber olhares julgadores. Não pense mal dele, por favor. Só tenho
ele como amigo, nesses vinte anos.
Enxugo minhas lágrimas que não param de cair.
— Isso não me agrada. Não posso lhe enganar. Irei rezar muito por você,
e pedir aos céus que faça as escolhas certas. Téo Lima é um homem que sente
atração pelo proibido... — ele fala e faz uma expressão como se estivesse
lembrando-se de algo. — Só tenho medo de que você seja um proibido aos olhos
dele.
Franzo o cenho.
— Tio, ele é bom. É legal, engraçado, as vezes me assusta, mas é bonito
e tem sido muito bom comigo. Eu me sinto bem perto dele. Às vezes, sinto meu
coração acelerar e um friozinho na barriga, mas deve ser normal. — Sorrio.
Meu tio me olha estranhamente, e fecha os olhos por um tempo. Segura
minhas mãos e abre os olhos, agora marejados. Não estou entendendo mais nada.
— Oh, minha pequena Raquel, eu sempre soube. Deus, eu sempre soube
que uma hora o pior aconteceria. Eu disse a sua mãe. Eu disse. — Ele chora e
isso me assusta.
— Tio, por Deus o que está acontecendo? — imploro por uma resposta.
— É tão ingênua que não percebeu.
— Percebi o quê? Tio, você está me assustando.
— Não fique assustada. — Ele enxuga o rosto com as mãos. — Só se
cuida. Lembre-se sempre de tudo o que conversamos. Nunca esqueça nada.
Ele se levanta. Está muito estranho.
— Tenho que ir. Não se esqueça do que conversamos. Se cuide. Fique
com Deus. — Ele beija o topo da minha cabeça e sai às pressas.
O que está acontecendo? Por que ele está agindo tão estranho?

Téo Lima

— Robson! — cumprimento o manobrista ao jogar as chaves para ele.
— Senhor. — Faz um pequeno aceno e sorri.
Ele leva o carro para o estacionamento ao mesmo tempo que um trovão
ecoa. Olho para o céu e está cinzento.
Fui para a academia hoje cedo. Pensei que estar com a Lily resolveria,
mas foi momentâneo. Então, tive de ir malhar, para relaxar de verdade.
Entretanto, isso me fez atrasar para o trabalho. Espero que meu pai não tenha
ligado para saber se eu já cheguei, ou seus gritos poderão ser ouvidos daqui.
— Téo. — Viro-me assustado.
Era só o que me faltava. Fiz merda.
— Padre João. Que prazer em vê-lo. Veio ver a sua sobrinha? Ótima
menina. Uma funcionária maravilhosa — digo a primeira coisa que me vem à
mente.
4
— Não vim vê-la. Eu preciso ter um tête-à-tête com você.
Lá vem bomba. Ou seria a resposta que tanto quero?
— Vamos até a minha sala.
— Não! Raquel não pode nos ver. Serei breve.
Certo. Estou bem preocupado agora.
— Ok. Vamos então ficar naquele canto. — Indico com a mão e ele
concorda.
Vamos até o canto esquerdo na lateral do hotel.
— Diga. — Coloco as mãos no bolso da calça de moletom que uso.
— Raquel me contou tudo. — Fico muito espantado.
— Padre, eu...
— Não, por favor, meu filho, deixe-me terminar.
— Está bem. Prossiga.
— Ela é ingênua demais. Pediu ajuda a você. Não sei quais são suas
intenções, e tampouco em que modo pensa em ajudá-la, já que ela terminou
bêbada, e foi a uma boate, além de mentir para mim. Porém, ela deixou
transparecer não apenas nas palavras, mas também no olhar, algo que me afetou
muito. Meu filho, por minha sobrinha, eu faço de tudo, até mesmo sou capaz de
esquecer que sou um padre. Então, para o bem dos dois, se afastem. Raquel não
merece isso. A mãe dela já a faz sofrer demais, não seja mais um a causar isso a
ela.
Fico completamente perdido. Porra, que raios ele está falando?!
— Padre, com todo respeito. Mas eu não entendo o que quer dizer.
Raquel está conhecendo tudo o que lhe foi privado. Ela vai errar, e vai acertar,
isso é do ser humano. Se quer que ela deixe de sofrer, ela precisa aprender a
deixar de ser ingênua e a lidar com tudo o que o mundo tem a oferecer. Eu estou
mostrando a ela, tudo o que a mãe teve medo de fazer, e repito, eu tenho raiva
desta mulher antes mesmo de conhecê-la.
— Você não entende. Vocês dois não podem ficar próximos. Você não é
bom para ela.
Cruzo os braços, e olho sério para ele.
— O senhor está me ofendendo. Posso ser um cretino quando quero, mas
com a sua sobrinha eu jamais seria. Eu não tocaria em um fio de cabelo dela, se
é isso que está pensando.
— Por Deus! Filho, não estou te julgando. Não leve por este lado. Mas,
neste momento, você não é a melhor escolha para estar ao lado dela.
— Porra, me dê um bom motivo para isso? Porque até agora, vi ela rir, se
divertir, bem diferente da garota que chegou aqui. Ela está mudando.
— Oh, céus, como não percebeu ainda?
— Padre, está usando algo ilícito? Se tiver, procure ajuda, não sei...
— Santo Deus! Não diga algo assim. Ela não está mudando porque você
está ajudando apenas.
— Não?
— Não! Isso é... É amor.
— Certo. Chega desse papo. Estou confuso, e preocupado com o senhor.
— Ela está ap...
— Padre, com licença.
Passo por ele rapidamente. Não estou com tempo para ficar escutando
histórias malucas. Esse homem não está bem. Ele nunca vem até a mim com a
resposta que tanto quero. É sempre com assuntos estranhos. Vou esganar a
Raquel, por ter aberto a boca. Garota teimosa.
Entro no hotel, e Natanael já me olha feio. Passo rapidamente pelo
saguão. De papo louco, já basta o que tive com o padre.
Chego à mesa da Raquel, e ela me olha.
— Primeiro, se meu pai ligar, diga que estou ocupado, mas não fale que
eu cheguei agora. Segundo, vou tomar um banho, trocar de roupa. Terceiro, pare
de contar tudo ao seu tio!
Ela me olha espantada e logo fica vermelha.
— Sobre seu banho, tudo bem. Agora, sobre eu contar tudo ao meu tio, e
seu pai ligar, temos um probleminha.
— Ele já ligou, e você disse que eu não estava e ele surtou, acertei?
Ela acena em afirmação.
— Porra! E sobre seu tio?
— Não posso esconder as coisas dele. Pensei que podia, mas não dá. Já
tenho que esconder da minha mãe.
Fica me olhando inocentemente após suas palavras. Essa garota vai me
foder ainda.
— Vou tomar banho.
Afasto-me seguindo para o meu escritório, onde tenho algumas roupas.
Pego tudo o que preciso, e vou até o Natanael para pegar o cartão de acesso a
qualquer quarto. Ele me entrega, xingando-me como sempre.
Vou para o quarto, e tomo um banho rápido.

Estou na sala do meu pai. Não aguento mais ver papéis de gastos, e do
que precisa repor. Estou ficando louco. Eu não nasci para isso.
A porta se abre e é a pessoa que eu tenho certeza de que vai terminar de
me deixar louco.
— Mãe.
— Olhe só. O meu filho trabalhando, isso merece um brinde! Por isso
está chovendo. — Reviro os olhos.
— O que deseja?
Deixo os papéis de lado, e olho atentamente para ela, que se senta na
cadeira colocando sua bolsa em seu colo.
— Sabe, eu estive pensando. Seu pai foi viajar, e vai ficar dias fora.
Hannah, você e eu podíamos fazer algo juntos.
— Mãe, eu não vou ao mercado com você.
— Não é isso. Querido, pensei em irmos para a praia na sexta-feira e
retornamos no domingo à noite. Faz tanto tempo que não vamos juntos.
Podemos levar a Catarina. — Sorri.
— Mãe, não dá. Primeiro que, quando é dia da Samira ficar com a Cate,
ela se dedica a isso, só falta morrer quando ocorrem imprevistos. Segundo, que
eu não quero ir. Porra, ficar um final de semana com você e com a Hannah é
loucura.
— Não diga isso! — Ela bate em minha mão.
Começou as “agressões”!
— Pois eu repito até. Não irei!
— Deixe de ser ranzinza. Vamos nos divertir. — Ela bate palmas
animada.
Eu pago pecados, e na maioria das vezes nem sei por qual estou sendo
condenado. Mas tenho certeza de que foi algo muito grave para ter que aturar as
loucuras da minha mãe.
— Hannah não vai aceitar. Ela tem o trabalho dela. — Passo a bomba
para a minha irmã.
— Pois já aceitou. Disse que seria divertido. Eu quero curtir com meus
filhos. Então não aceito um não da sua parte. Sexta-feira à noite vamos para a
praia, e isso não tem discussão.
— Então não é um convite? — provoco.
— Exa...
A porta se abre. A figura da Raquel surge, timidamente como sempre.
— Desculpe a intromissão. É que Natanael pediu que assinasse esses
papéis.
Ela me entrega. Confiro, para saber se não é a minha sentença de morte
que Natanael quer que eu assine.
— Querida, diga-me. É tão ruim assim passar um final de semana na
praia com a mãe e a irmã?
Ergo o olhar dos papéis. Minha mãe realmente não sabe a hora de calar a
boca.
— Perdão, senhora, mas não tenho irmãos, e nunca fui à praia. Para ser
sincera, nunca fiz viagem do tipo. Acho que não sou a melhor pessoa para
responder isso — Raquel responde. Sua expressão muda.
— Como assim nunca foi à praia? Que mundo vive? Menina, está
perdendo o paraíso.
— Imagino que seja, senhora.
— Apenas Eleonor. Está vendo, Téo, você fugindo de ir se aventurar
conosco, enquanto a menina aqui nunca foi a uma praia. Deus anda dando asas a
cobra!
— Mãe! — repreendo-a enquanto volto a atenção ao que eu estava
fazendo.
— Pois eu tive uma ideia excelente. Raquel, venha conosco. Vai adorar.
Pago tudo. Já que este ingrato está fazendo pouco caso, e se for vai ficar
emburradinho, então venha você.
— E-eu? — Raquel indaga espantada.
— Ela? — pergunto rindo e assino os papéis.
— Por que o espanto? Sim, você menina. Sem discussão. Vamos sexta-
feira à noite e voltaremos no domingo. Te pegamos aqui no hotel.
— Senhora, eu sinto muito, mas...
— Eleonor, menina!
— Demorou um século para ela me chamar apenas de Téo, se acostume!
Entrego os papéis a Raquel.
— E você está perdida. Quando ela coloca algo na cabeça, é um inferno
retirar — falo e minha mãe bate em minha mão.
— Eu agradeço, mas não posso.
— Claro que pode. Não tenho meu filho, então levarei você.
— Agora sou substituível? — finjo aborrecimento.
— Téo, perdão. Não quero causar problemas. — Raquel se desespera.
— Menina, isso aí é fingimento. Téo só me dá trabalho. Ingrato demais.
Só servi para lhe dar abrigo dentro de mim, e depois para lhe dar uma saída pela
minha vagina. Ele me olha e deve me ver apenas como um portal para este
mundo. Não me dá valor. Sofro tanto.
Raquel arregala os olhos.
Encosto o corpo todo na cadeira, e respiro fundo. Começou a sessão
drama.
— Mãe, eu não irei. E se a Raquel não quer ir, não insista. Vá você e a
Hannah.
— Nem pensar. A Raquel vai. A menina precisa conhecer a praia. Eu sou
a solução para este problema dela. Querido, é uma missão que me foi concebida.
— Mãe, menos.
— Senhora, eu não posso. Desculpe.
— Pode e vai. Gente, o que é isso? Um complô contra mim? Sou tão
legal, e ninguém quer ficar comigo por um final de semana? Hannah, essa sim
merece tudo de bom, pois aceitou de primeira ir.
Fico imaginando qual foi a ameaça que ela fez a minha irmã, para ela
querer ir de primeira.
Raquel fica sem saída. Seu olhar é de um bichinho assustado. Minha mãe
causa isso em todas as pessoas, imagine na pobre garota.
— Mãe, ela não vai. Eu não irei. Chega.
— Hum... E agora você decide os passos dela?
Jogo a cabeça para trás e esfrego o rosto. Paciência, eu preciso disso.
Ajeito minha postura e cruzo as mãos sobre a mesa.
— Mãe, ela não quer ir, é apenas isso.
Minha mãe se levanta e sorri.
— Bobagem! Vejo você na sexta-feira à noite. Te pego aqui no hotel.
Vamos nos divertir. Com licença, preciso pegar as contas com o Natanael para ir
ao banco. Beijinhos, ingrato. — Joga beijos no ar.
Ela sai da sala, e Raquel fica olhando boquiaberta para a porta.
— Ela vai vir mesmo? — pergunta em um quase sussurro.
— Para o seu azar, sim.
Me olha espantada.
— Téo, o que eu faço?
— Até lá eu dou um jeito. Agora, vamos adiantar logo o serviço, porque
prometi te ajudar com suas vestimentas.
Ela sai da sala, mas não deixo de notar que usa o sapato que dei a ela. E
me pego rindo. Minha mãe deixou a menina doidinha e assustada.

Eu não sei
De onde vem
Essa força que me leva pra você
Eu só sei, que faz bem
Mas confesso que no fundo eu duvidei
Tive medo, e em segredo
Guardei o sentimento e me sufoquei
— Luan Santana “Amar não é pecado”

Raquel Pereira

Téo e eu estamos em uma loja no centro, e a vendedora está selecionando


várias peças para eu experimentar. Não sei para que tanto, se tenho apenas um
corpo, e se tudo isso pode ir para o lixo, quando meu maior medo retornar.
— Essa aqui ficará um espetáculo, tenho certeza. Sua namorada tem um
corpo invejável — a vendedora diz animada.
— Não sou namorada dele.
— Ela não é minha namorada.
A vendedora olha de um para o outro.
— Perdão pelo equívoco. Irei ver outras peças, para você provar.
Ela sai animada demais. Eu estou zonza com tantas opções e com tudo o
que ela diz. Porém, o que tem me deixado mais perdida e zonza é a minha
conversa com meu tio, que não sai da minha mente. Ele ficou tão estranho. Não
entendo. Entendo poucas coisas, para ser mais precisa. Espero que isso um dia
mude. Que eu consiga ajudar as pessoas, e não apenas elas fazerem isso por
mim.
— Raquel, o que você tem? Está mais calada do que o normal, desde que
saímos.
Olho para ele, que me observa atentamente.
— Estou pensando em algumas coisas. Apenas isso.
— Se for o que a minha mãe disse, não se preocupe. Se não quiser ir,
darei um jeito e te livro dela. Mas se quiser ir precisa dizer, pois precisará de
biquínis. Ou maiô, acho que é o mais correto para você.
— Por que o maiô é o mais correto? E sim, eu sei o que são biquínis e
maiô.
— Não sei, apenas parece fazer mais o seu estilo.
— Entendi. Mas não sei se vou. Acho que meu tio não deixaria.
— Vai por mim, com a minha mãe ele deixaria. Ele conhece a minha
família há anos. Adora meus pais e Hannah.
Sorrio.
— Ele não te adora muito...
— Digamos que busquei por isso. — Ele sorri de um jeito estranho, que
mexe comigo de uma forma inexplicável.
— Parece ser legal a praia.
— Eu gosto. Mas tudo o que envolve minha mãe significa problemas. —
Ele ri.
— Ela parece uma boa pessoa e muito simpática.
— Ela é uma boa pessoa. Mas enlouquece a todos.
— Pelo menos é de uma boa forma. Sinta-se privilegiado por isso, Téo.
Ele não diz nada. Fica me olhando apenas. Será que falei algo errado?
— Vá com a minha mãe e a Hannah. Vai se divertir. Você tem razão, sou
privilegiado, e quero compartilhar isso com você. Elas gostam de você. Não
perca essa chance de ir viajar, já que nunca fez isso.
Fico um tempo refletindo sobre suas palavras. Talvez essa seja a minha
única chance mesmo.
— Eu vou. Só preciso falar com meu tio.
— Ótimo. Minha mãe vai adorar. Daqui vamos em outra loja ver roupas
de praia para você.
Uma dúvida paira sobre mim.
— Você não vai? — Ele sorri.
— Não. Três mulheres? Quer me ver louco? — Sorrimos.
A vendedora retorna com mais roupas, e vamos para o provador. Desta
vez, o Téo não pôde entrar, mas a vendedora me ajudou muito. Retorno com as
peças que vou levar.
— Pode levar para o caixa? — ela pergunta.
— Sim. Eu vou procurar pelo meu amigo. Com licença.
Ela concorda e sorri.
Procuro pelo Téo e o encontro, na porta da loja encostado. Seu olhar é
estranho.
— Téo? — Ele se vira para mim e sorri.
— Pronto?
Concordo.
— Então vamos, porque ainda temos que ver sapatos, e roupas de praia,
além de lingerie. Porra, mereço um prêmio por aguentar toda essa tortura de ir
em lojas e mais lojas. — Rimos.
Ele paga as coisas, e saímos da loja.

Estamos no carro para guardar as sacolas.


— Acho melhor vermos o resto das coisas no shopping. Parece que vai
chover novamente.
Abre a porta do carro para mim, mas antes de entrar somos surpreendidos
por uma mulher e uma garotinha.
— Papai! — A garotinha pula em seu colo.
— Meu amor! — Ele beija seu rostinho.
— Olhe só, o Senhor Pecado passeando — uma moça muito bonita diz e
me olha. — Não sabia que levava mulheres para passear. Está evoluindo no seu
puteiro — ela diz e não gosto nadinha.
— Giovana, o que faz por aqui? Catarina deveria estar no colégio. — Seu
tom é sério.
— Papai, saí mais cedo e a tia me pegou para passear.
— Samira sabe disso? — ele indaga. Parece nervoso.
— Claro. E não te devo satisfações. Não se esqueça de que a Catarina é
minha sobrinha.
— E quem é você? — A garotinha me olha e faz uma carinha engraçada.
— Esta é Raquel, amiga do papai.
— Hum... Eu sou Catarina. — Ela sorri.
— Prazer, Catarina — digo.
Téo nos olha e sorri.
— Bom, vamos lindinha — a mulher diz e o Téo coloca a filha no chão.
— Papai, vem com a gente.
— Seu pai não pode. Está ocupado. Isso se o precioso funcionar. — Ela
ri.
— Giovana, leve minha filha cedo para casa. Cuide muito bem dela, ou
terá problemas comigo.
— Sei cuidar da minha sobrinha! — diz nervosa.
— Não briguem. Tem Catarina para todos! — a pequena diz e sorrio.
Téo se abaixa ficando da altura da filha.
— Gatinha, se comporte. Mais tarde, o papai vai te ver novamente.
— Eba! — ela diz animada. — Essa semana vamos ficar juntinhos?
— Só na outra semana. Mas passa rapidinho. — Ela concorda, agarrando
seu pescoço.
— Tá bom...
Eles ficam conversando por um tempo.
A mulher não tira os olhos de mim. Estou ficando incomodada com isso.
Qual o meu problema, que todas as mulheres ficam me olhando com estranheza?
— Vamos antes que chova. — Ela segura a mão da sobrinha.
— Tchau, Raquel, e cuidado com meu papai — ela diz ficando séria.
Quero rir.
— Se tiver sorte, querida, ele não vai broxar. — Elas se afastam com a
mulher rindo.
Fico olhando para o Téo, que não tira os olhos delas, até que entram em
uma sorveteria.
— Téo?
— Hum?
— O que é broxar? — Ele escorrega a mão e acaba batendo a porta do
carro. — O que foi?
— Broxar? Bom. É... um elogio. É isso. — Ele desvia o olhar. Não
parece estar dizendo a verdade.
— Acho que está mentindo.
— Não estou. Vamos.
Abre novamente a porta e eu entro. Coloco o cinto e fico esperando por
ele. Logo em seguida, ele entra no carro e em segundos está dirigindo.
— Está mentindo sim. Fale a verdade. Nada de esconder as coisas.
Preciso entender mais.
— Está bem. Significa que o homem não conseguiu com que seu pênis
ficasse ereto. Meio que perde o entusiasmo. Não anima. É meio complicado de
explicar. Torça para que o cara que ficar com você, não passe por isso. É foda
para os dois. Normal, mas é foda. Na verdade, não considero normal acontecer
comigo. O que me lembra de que seu tio precisa me dar respostas.
Sinto minhas bochechas esquentarem muito. Olho para a janela, onde
pingos de chuva começam a preencher o vidro.
— Viu só, ficou envergonhada. Era melhor eu ter ficado quieto.
— Nunca vou ter um homem.
— Não pensa em se casar? Namorar? — pergunta surpreso.
— Penso. Mas é impossível. Na verdade, não entendo nem a minha vida,
quem dirá relacionamentos. Como, por exemplo, não entendo por que a tia da
sua filha falou aquilo para mim.
— Porque ela é uma louca. Raquel, eu só arrumo loucas na minha vida.
— Ela fez parte da sua vida?
— Não! Quero dizer. Quase. É complicado.
— Gostei mais da Samira — resolvo ser sincera.
— Não te julgo.

Estamos em uma loja com tudo de praia. Já compramos sapatos, e


lingerie. Téo foi deixar tudo no carro, e estou na loja, perdida no meio de tantos
biquínis. A vendedora desta loja trouxe todas as opções para o provador, e esta é
como a loja que comprei a roupa da boate, pode ter acompanhante, porque são
separados. Mas não sei se irei me sentir confortável com o Téo aqui, neste
momento.
Escuto sua voz, perguntando em qual lado estou, e a vendedora responde.
Em instantes ele passa pela porta, e olha para o sofá repleto de biquínis, e para
mim.
— Bastante opções. Porra, vamos sair daqui meia-noite. Melhor começar
a experimentar logo.
— Não com você aqui. E não diga que tem uma cortina ali que vai
proibir que me veja.
— Raquel, não surte. Vá experimentar.
— Ai, Téo. Estou morrendo de vergonha.
— Amor, não se preocupe, ficarei de olhos fechados.
— Não vai, que eu sei.
— Realmente não vou. — Ele sorri. — Vai logo, garota!
Reviro os olhos e me levanto. Não tenho saída. Com ele nunca tenho.
Meu Deus, por que fui pedir ajuda para ele? Estou perdidinha.
Pego um biquíni amarelo. Entro no provador e garanto que a cortina
esteja bem fechada.
Que vergonha!
Muita vergonha!
Retiro toda a minha roupa. Coloco a parte de baixo primeiro, e ajusto a
lateral. Isso é pequeno. Deus do céu. Porém, notei que a parte de baixo tem
proteção com um plástico ao lado de dentro, e estava escrito que são trocados a
cada prova. Que interessante.
A parte de cima me choca ainda mais. Fico me olhando no espelho e
assustada. Mostra muito do meu corpo. Prendo o cabelo em um coque para
apertar mais o nó da parte de cima no pescoço.
Viro de costas, para olhar a parte de trás.
De onde saiu esse bumbum? Cubro o rosto com ambas as mãos e encosto
no espelho. Estou morrendo de vergonha. É bonito, não posso dizer o contrário,
mas não tenho como usar isso.
— Raquel, está tudo bem? — Sua voz me causa ainda mais vergonha.
— Estou bem.
— Experimentou?
— Sim.
— Deixa eu ver.
— Nunca!
Escuto sua risada e isso me deixa ainda mais nervosa. Não consigo nem
mostrar meu rosto.
— Eu vou abrir a cortina, então, por favor, não corra. Só quero ver. —
Sua voz me causa um tremor.
— Téo, não.
— Está nua?
— Quase.
— Explique-se melhor. Preciso fazer um dicionário exclusivo com tudo o
que me diz, assim poderei entender cada coisa.
— Está mostrando muito. Não dá.
Ele gargalha.

Téo Lima

Coloco a mão na cortina, e arrasto lentamente para o lado. Meus olhos


focam em Raquel, que está com o rosto coberto pelas mãos. Está encostada no
espelho. Desço o olhar por seu corpo, e foi a pior escolha da minha vida. Engulo
em seco por duas vezes seguidas. Fecho meus olhos e conto até dez antes de
abri-los, mas não resolve. Levo meu olhar até minha calça, e vejo a ereção que
começa a se destacar cada segundo mais.
Caralho.
— Está ruim? — ela pergunta, sem descobrir o rosto.
Passo a língua pelos lábios, e respiro fundo. Minha respiração está se
agitando.
Se controla, Téo!
Minha mente grita para eu sair logo daqui. Mas, assim que olho
novamente para ela, e vejo seu corpo coberto apenas por um pequeno tecido,
sinto meu pau endurecer ainda mais. Se eu continuar assim, vou gozar apenas de
ficar olhando. Será que lembro como conta até o dez novamente? Cacete. Que
merda.
— Téo? — Ela descobre o rosto lentamente. Está muito vermelha. Seu
olhar se encontra com o meu.
Puta merda, se controla!
— Por que está me olhando assim? Que vergonha!
Apoio uma mão na lateral do pequeno espaço, e respiro fundo
novamente.
— Téo, você está bem? Está vermelho, e suando.
Ela parece esquecer por um tempo sua timidez. Se aproxima e coloca a
mão sobre minha testa.
Se afasta, garota. Se afasta.
— Téo, fala comigo. Estou preocupada.
Fecho os olhos de novo, por alguns segundos. Quando abro, ela está mais
afastada, e me olhando assustada.
— Preciso sair daqui. Não estou muito bem. Experimente o restante.
Leve o que gostar.
Saio rapidamente da loja. Vou até o banheiro. Entro em uma cabine livre
e respiro fundo. Preciso me controlar.
Puta que pariu, por que aconteceu aquilo?
Não me lembro da última vez que eu tenha perdido o controle dessa
forma, ao ponto de ter que correr. Pior que preciso retornar, ou ela vai pensar que
está ridícula e vai se sentir mal. Eu preciso controlar essa ereção primeiro.
Maldito pau traidor.

Retorno para a loja. Desta vez com uma garrafinha de água, que tive que
comprar. Preciso de qualquer coisa que me acalme.
Raquel está dentro do provador, escuto sua voz brigando com algo.
Sento no sofá, e pego a almofada brilhante, e coloco sobre meu colo.
Bebo um pouco de água e respiro fundo.
Só pense em coisas diferentes, e vai dar certo.
— Raquel, estou aqui. Já escolheu?
Espero que sim. Nunca desejei fugir de um lugar tão rápido como agora.
— Não. Téo, não consigo usar essas coisas. Mostram muito.
Mostram pouco para mim... Se controle!
— Raquel, o amarelo ficou ótimo — falo tentando não lembrar da sua
imagem nele.
— Não acho. E você ficou estranho.
Não imagina o motivo!
— Estou colocando toda a minha coragem para sair daqui e mostrar o
próximo. Então, por favor, não faça comentários que vão me assustar. Estou
implorando.
E eu implorando para que saia com uma burca.
— Pode deixar.
A cortina se abre lentamente e ela aparece com um maiô vermelho.
Desvio o olhar rapidamente.
— Ficou ótimo.
— Você nem olhou direito.
— Olhei e ficou ótimo. — Mantenho o olhar para qualquer coisa.
— Está bem. Se está dizendo. Tem certeza de que está bem? —
Concordo com um leve aceno de cabeça.
Bebo mais da água e respiro fundo.
Ela se aproxima e pega outras peças ao meu lado. Olho de relance e
maldita decisão. Porra.
Entra correndo para experimentar outros. Vejo que tem muitos biquínis
ainda para ela experimentar e mais alguns maiôs. Retiro vários e jogo atrás do
sofá. Deixando pouquíssimos. Não aguentarei essa tortura por muito tempo.
A cada vez que ela sai, eu olho rapidamente e desvio o olhar, dizendo um
apenas “ficou ótimo”. E essa tortura se faz por um tempo, que para mim parece
bem longo.
— Estranho, tinha mais peças para experimentar.
— A vendedora pegou. Disse que as numerações eram grandes demais
depois que viu — minto.
— Entendi. Então experimentei todos. Só não sei qual levar. Qual devo
levar?
— Leve todos. — Foco apenas em seu rosto.
— São bastante.
— Não tem problema. Se troque rápido e vamos. Tenho algumas coisas
para resolver.
— Está bem.
Ela entra no provador. Aproveito para levantar a almofada, e constatar
que o traidor está se destacando muito bem. Que ódio estou de mim mesmo. Isso
deve ser algum castigo por ser um cafajeste quase sempre. Tem que ser castigo.

Estamos indo para o estacionamento. Uso algumas das sacolas como uma
proteção, para que ninguém veja o que não deve, e pense que sou um tarado,
porque eu estou pensando que sou.
Entramos no carro. E o bendito “traíra” não ajuda. Raquel se ajeita no
banco e isso faz com que a saia de seu uniforme suba mais. Quem deu a ideia
dessas merdas? Porra, não está ajudando. Antes isso não era um problema, e
agora até isso tem se tornado um grande problema.
Coloco a água no porta-garrafa. Retiro meu paletó e coloco sobre meu
colo.
— Téo, você está estranho. Foi algo que fiz? — Seu tom é de
preocupação.
— Não. Estou apenas cansado. Vamos passar no hotel, pegar sua bolsa, e
te levo para sua casa, que já deu seu horário.
— Nossa, não me lembrava da minha bolsa. Como sou distraída.
— Saímos apressados. Normal.
Ela fica um tempo em silêncio. A chuva aumenta. Vou ficando mais
relaxado. Meu pau já não está mais rígido. Isso é um alívio. Nunca pensei que
seria.
— Acho que meu tio não vai deixar eu ir à praia. Minha mãe pode
retornar a qualquer momento.
— Doçura, ele vai deixar. Ninguém nega pedidos da minha mãe. A não
ser eu.
— Não me chame assim, Téo, já te disse, por favor.
— Perdão. Força do hábito.
— Por que chama todas as mulheres assim?
— Costume.
— Não gosto. Por favor, não faça de novo.
— Foi um erro. Desculpe — sou sincero.
— Tudo bem. Aceito qualquer apelido, menos isso.
— Santinha? — provoco.
— Não! Qualquer apelido, menos esses dois.
— Foi uma brincadeira, apenas isso. Mas por que Santinha não? Afinal, é
uma.
— Porque as meninas do hotel me chamam assim, e não é legal.
— Eu não sou elas. — continuo provocando. Vamos ver se ela é capaz de
se irritar. — Elas te chamam para te provocar.
— E parece que você também. — Seu tom de voz muda. Sorrio.
Está ficando nervosa. Essa é nova.
— Está bem. Mas por que não quer o Doçura? Tem que ter um motivo
forte — insisto na provocação.
Paro no farol vermelho e olho para ela, que se vira para mim.
— Porque chama todas as mulheres assim. Principalmente as do hotel. E
pelo visto as da boate também.
Olha-me de um jeito que nunca vi. Raquel está mais do que nervosa. Ela
está com... ciúmes? Só pode ser loucura da minha cabeça.
— Nunca mais irei te chamar de Doçura, satisfeita?
Ela concorda.
Alguns carros buzinam e vejo que o farol está verde. Continuo dirigindo.

Pegamos sua bolsa no hotel e vamos para a sua casa. A chuva diminuiu
um pouco.
Assim que chegamos a ajudo com as sacolas. Paro no meio da sala, assim
que coloco a última. Ela fecha a porta e retorna parando à minha frente.
— Como consegue ficar aqui? Parece filme de terror. Fico pensando em
que momento uma pessoa toda possuída vai pular na minha frente toda
contorcida.
Ela olha ao redor e sorri.
— É meio assustador mesmo. Mas me acostumei.
— Sempre morou aqui?
— Não. Morava em outra casa, muito melhor. Mas minha mãe queria se
mudar e meu pai aceitou. Então viemos para cá, e logo depois ele faleceu, e
então ficamos apenas nós duas.
— E seu tio, vive aqui também?
— Ele fica na igreja. Mas sempre está por aqui. Só que, com as
arrecadações para ajudar na reforma da igreja e aos orfanatos, ele tem estado na
correria.
— Não tem outros familiares menos assustadores? — brinco.
— Tenho sim. Tia Cássia e tia Noemi são uns amores. Mamãe não gosta
delas, diz que são desvirtuadas, rebeldes.
Ela se senta no sofá. Seu sorriso é fraco. Então me sento no sofá que fica
a sua frente.
— Mas tenho minha avó paterna também. Porém, faz tempo que não a
vejo. Sinto saudades da dona Esmeralda. Antes de nos mudarmos, víamos ela
com frequência. Entretanto, quando mamãe e ela brigaram como nunca haviam
feito, logo em seguida nos mudamos, e nunca mais a vi.
— Deixa eu adivinhar. Sua mãe a acha desvirtuada e rebelde, também?
— Acertou. — Seu olhar é triste.
— Você é realmente bem sozinha, pelo visto.
— Tenho meu tio e, às vezes, vejo minhas tias, mas mesmo assim me
sinto só.
— Eu sinto muito por tudo — digo o que me parece certo. Ela acena
lentamente com a cabeça.
— Melhor você ir. Tenho vizinhos bastante faladores. — Ela sorri.
— Fofoqueiros, você quer dizer.
— Téo, não diga isso.
— Digo sim. Você é a certinha, e não eu. — Dou uma piscadela e ela fica
ruborizada.
Levantamos e ela me leva até a porta. Antes de abrir diz:
— Obrigada por tudo. Você tem sido bem legal comigo.
— Não precisa agradecer, Raquel.
Ela sorri de um jeito que me faz hipnotizar. Seu sorriso chega aos olhos.
Ela tinha que sorrir deste modo meigo, inocente e lindo? Ela tinha que
ser assim? Não podia ser como todas que estou acostumado? Ela não podia ser
uma pessoa “normal”?
— Téo? Por que está me olhando estranho? — Sua voz é doce.
Preciso me controlar. Preciso me controlar. Prec...
— Téo...
— Porra!
Agarro seu pequeno corpo, e sem pausa, ou qualquer espera, invado sua
boca em um beijo ardente. Ela agarra meus braços, sei que está assustada. Mas
hoje foi uma loucura. Eu queria dizer que não caí em tentação, mas maldito seja,
eu caí. Essa garota tirou minha paz, meu sossego. Raquel, a santinha, me tirou o
raciocínio.
Ela aos poucos vai cedendo, e sua forma doce de contornar minha língua,
me faz suavizar o beijo que começou feroz. Nossas línguas dançam, como um
casal que pouco sabe valsar. Ela não sabe beijar. Não tem prática, e droga, isso é
perfeito, não diminui o desejo, apenas aumenta, por saber que é diferente.
Suas mãos que apertavam com força meus braços, agora estão mais
leves. Coloco uma mão em seu rosto, e sua pele é tão delicada, que parece de um
bebê. Sinto meus dedos molharem em seu rosto. Ela está chorando. E isso é o
suficiente, para me fazer encerrar de uma forma calma, nada tempestuosa. Dou
um leve beijo, e afasto meus lábios dos seus. Abro os olhos, mantendo-a ainda
junto de meu corpo.
— Raquel, me perdoa.
Sua mão toca a minha em seu rosto. Ela abre delicadamente os olhos.
— É melhor você ir, por favor.
Concordo. Dou um beijo em sua testa, demorado o suficiente para
prolongar este momento, sem nem saber o motivo de fazer isso, e então me
afasto.
Antes de sair da casa, olho uma última vez para ela, que tem seus braços
cruzados e olha para o chão.
Eu fiz merda!

Raquel Pereira

Téo me beijou...
Téo me beijou...
Téo me beijou...
Esse mantra não sai da minha cabeça. Eu não entendo o que estou
sentindo. Eu não poderia ter permitido, poderia? Estou tão confusa. Como eu
pude deixar isso acontecer ainda dentro da minha própria casa? Se minha mãe
chegasse ou meu tio, eles jamais me perdoariam.
O que está acontecendo comigo? Quem é esta Raquel que não
reconheço?
Sento no sofá, e choro.
Deus, o que fiz?

Olho para todas as sacolas, que agora estão em meu quarto. Não sei
aonde guardarei tudo. No meu guarda-roupa não caberá. Estou exausta, mas já
preparei o jantar para o meu tio, que provavelmente virá.
Tomo um banho e coloco meu pijama. Irei esperar ele chegar para
comermos juntos.
O telefone toca. Meu coração acelera. Quase nunca ligam aqui. Até
mamãe prefere ligar diretamente na igreja para ter notícias de mim, do que aqui.
E se for ela? E se ela descobriu que não estou ficando com meu tio, ou sentiu o
que aconteceu entre mim e o Téo?
Pego o telefone com cuidado.
— A-Alô... — Estou tremendo.
— Querida, é o tio. Infelizmente não poderei ir. Tenho que visitar uma
pessoa no hospital. Não sei a hora que retorno.
Sinto um alívio por saber quem é. Sento no sofá e solto uma lufada de ar.
— Tio, está bem. Deixarei a comida na geladeira. Caso resolva vir, só
esquentar.
— Obrigado, meu anjo. Fique com Deus, e se cuide. Não se esqueça de
trancar a casa antes de dormir.
— Tudo bem. Amém.
— Te amo. Amanhã nos vemos no café da manhã.
— Certo. Também amo o senhor. Até amanhã.
— Até, querida. — Ele desliga.
Minhas mãos estão tremendo pelo susto.
Tranco toda a casa e guardo a comida na geladeira. Estou tão cansada,
que irei pular a parte de comer.
Subo para o meu quarto, ajeito as sacolas em um canto. Faço minha reza
de costume, e então deito, mas não durmo antes de ficar tendo lembranças do
meu primeiro beijo, e que foi justo com o Téo Lima. Por que isso está
acontecendo? Quero tanto uma resposta certa para isso. Oh, céus...

Chega ser maldade
Saber que a gente mora na mesma cidade
E você desconhece a realidade do meu coração
Não sabe se é sim ou não
— Thaeme e Thiago “Meu segredo”

Téo Lima

Estou sentado na sala da Samira. Tenho a chave daqui. Este lugar era
onde morávamos, porém, quando decidimos nos separar, deixei para ela viver
com nossa filha. Fico observando tudo, e decorando mentalmente cada objeto do
ambiente, e tudo isso pelo fato de estar impaciente, à espera de algum membro
desta casa chegar.
Passei em casa, tomei banho, tirei um cochilo e vim. Porém, para a
minha surpresa, não tem ninguém na casa. Já liguei para a Samira, mas só dá
caixa postal. Tentei o celular da Giovana, sua irmã, e apenas chamou. Não estou
gostando disso.
Chacoalho impaciente as pernas, enquanto brinco com o piercing dentro
da boca. Estou agoniado. São quase nove e meia da noite.
Assusto-me com o barulho da porta. Fico olhando e vejo a figura da
Giovana segurando minha filha nos braços, que pelo visto dorme. Fico
rapidamente em pé. Ela me olha assustada.
— O que faz aqui? — pergunta em um tom baixo fechando a porta.
— Eu faço as perguntas. Em que lugar estava com a minha filha a uma
hora dessas? A menina está dormindo! — Ela revira os olhos e joga a chave
junto da bolsa no sofá.
— Estava com algumas amigas. Téo, sou a tia dela, tenho direito de
passear com ela. E, além do mais, minha irmã autorizou.
— E ela sabe, que você iria chegar esta hora, com a menina dormindo de
tão cansada que deve estar, e que esta roupa que ela está, não é adequada para o
frio que está fazendo agora?
Estou sem paciência alguma, mas me controlo para não gritar.
— Eu vou cuidar da menina. Não tenho que te dar satisfações.
— Você não vai fazer merda alguma. Dê-me minha filha e cai fora daqui.
— Você não manda nesta casa, e Catarina está sob os meus cuidados.
— Eu sou o pai dela e estou falando que não vai fazer nada. Só vai
embora.
Pego minha filha de seu colo.
— Vai.
— Eu vou mesmo. E falarei com a Samira sobre isso, seu cretino! Nem
parece o cara que queria transar comigo...
— Não mesmo. E saiba que você foi a minha pior escolha. Eu deveria
estar louco. — Ela pega suas coisas e sai nervosa.
Vou com a minha filha para o seu quarto. Ela está com as mãos geladas.
Desde que deixei Raquel, onde aconteceu... melhor esquecer. O tempo
mudou completamente. Além da chuva, faz frio. Eu vou matar a Samira por ter
deixado a menina com a louca da irmã. E em que lugar ela está?
— Papai? — Catarina diz lentamente.
— Shhh...
Coloco-a na cama com cuidado. Pego outra roupa e a troco. Não irei
acordá-la para dar um banho. Ela está bem cansada, pelo visto. Puta merda, eu
vou realmente matar a Samira e a Giovana. Não sei nem se a menina comeu
algo. Foda! Ajeito as cobertas nela, e dou um beijo em seu rosto. Ela vira para o
lado e continua dormindo.
Saio do quarto deixando apenas o abajur aceso. Vou para a sala
novamente, e sento no maldito sofá. Estou pegando ódio dele.
Não demora, e a porta da sala é aberta. Samira ainda não me viu. Está
retirando os sapatos e colocando na lateral.
— Aproveitou bem o dia?
— Puta merda! — Ela olha assustada e coloca a mão no peito. — Quer
me matar?
— Olha só, eu realmente quero — ironizo e ela me olha feio, então fecha
a porta.
Caminha até o sofá, e coloca as suas coisas, e logo em seguida se senta.
— O que faz aqui? Errou o caminho de casa? E Giovana? — pergunta
mexendo o pescoço de um lado para o outro.
— A louca da sua irmã? Que bom que tocou no assunto. Que merda tem
na cabeça em deixar a nossa filha sob os cuidados dela?
— Ei, bonitão, vai com calma. Hoje tudo deu errado. Eu fui trabalhar no
escritório em outra cidade. A babá não pôde vir. Catarina saiu cedo do colégio e
eu não tinha como ir pegá-la. E olha a hora que cheguei, devido ao trânsito por
causa de chuva e acidentes. Giovana foi a única opção.
Estreito os olhos. Ela só pode estar brincando com a minha cara.
— Única opção? Porra, tem a mim. Tem a minha mãe. E se quiser tem a
Hannah. Sabe que não gosto da nossa filha sozinha com ela. Porra, por que não
me ligou?
— Téo, foi uma loucura. Eu estou sabendo que está cuidando do hotel.
Não queria te dar trabalho. E sua mãe e sua irmã têm as coisas delas.
— Porra, sabe que minha filha vem sempre em primeiro lugar. Samira,
eu não quero a Catarina com ela.
— Está bem. Sei que não gosta dela, só não entendo porque quase...
— Álcool. Muitas vezes o álcool entra e as merdas acontecem. E o meu
tesão por ela era tanto, que meu pau falhou. Satisfeita?
Ela me olha boquiaberta.
— Está legal, que bicho te mordeu?
— Sabe que horas elas chegaram?
— Não. Meu celular descarregou, e esqueci o bendito carregador.
— Quase agora. Sua filha chegou dormindo. Não sei se comeu. Estava
gelada, porque está frio lá fora. Segundo sua irmã estavam com algumas amigas.
Sua expressão muda.
— Eu não sabia. Deveria ter imaginado. Não vai mais acontecer. Prometo
que quando a babá não puder ficar, eu aviso você.
— Ótimo. Quando sua irmã quiser ficar com ela, deixe alguém junto.
— Ela jamais faria qualquer loucura.
— Samira, sua irmã é louca. Ela já é uma loucura.
— Está bem. Hoje eu falhei nisso. Confesso. Estava perdida com a bola
de neve que se formou. Nessas horas queria meus pais morando aqui na cidade, e
não em outro estado. Ao menos com a Cate, eles são uns amores.
— Quando precisar, me avisa, merda! Sou o pai dela, não apenas para
pagar pensão, ou ficar em alguns feriados e finais de semana, ou bancar colégio
e a merda que for. Não confia em mim, mas confia na louca da sua irmã, aí é
foda!
— Calma! O que está acontecendo? Você não está bem.
Suspiro.
— Desculpe. Só fiquei realmente puto.
— Claro que confio em você. Gosto de implicar apenas. Mas confio
cegamente na nossa filha com você. Eu já te disse que é um pai maravilhoso.
Porém, hoje o dia foi difícil, e eu pensei que o melhor era não te atrapalhar.
Quanto a minha irmã, darei um belo sermão nela, porque eu permiti que saíssem,
mas não para chegar tarde, e ficar passeando com um clima frio como hoje.
Agora, você se acalma, o dia foi cansativo, estou acabada e não sou obrigada a
aguentar seus surtos. Se não está tendo mulheres na sua cama, não me culpe.
Ela se levanta e sai da sala indo para o corredor. Sigo-a.
Ela entra no quarto da Catarina e dá um beijo na nossa pequena. Logo
depois vai para o dela e eu vou junto.
— Vai virar minha sombra agora? — questiona enquanto solta os cabelos
e vai para o seu banheiro.
Paro na porta, onde me encosto e fico observando enquanto ela pega um
lenço dentro de um pacote na pia, e começa a retirar a maquiagem.
— Desculpa. Está sendo foda hoje, e sua irmã não ajudou.
— Problemas no paraíso?
— Não. Na verdade, não sei. Estou bem confuso.
Ela me olha através do espelho, enquanto seu rosto vira uma meleca de
manchas pretas, que ela vai retirando aos poucos.
— Hotel ou mulheres?
— Mulher.
— Apenas uma. Raquel? — Aceno com um leve movimento de cabeça, e
ela sorri. — Deu merda, não deu?
— Sim.
Cruzo os braços e ela balança a cabeça negativamente.
— Quer falar sobre isso? Aproveita que estou incorporando a psicóloga.
Sorrio.
— Por pouco não ataquei a garota no provador de uma loja. Tive que sair
por um tempo. Mas foi difícil... Não a ataquei no provador, mas a ataquei em sua
casa. Eu beijei a Raquel.
Sinto um alívio em dizer isso. Precisava falar com alguém.
— Sabia que isso iria acontecer. Estive conversando com sua mãe e a
Hannah, e elas temiam isso. Falaram que a empolgação do seu pai quanto a você
não querer pela primeira vez uma assistente dele, era muito preocupante.
— Bom saber que sou o assunto de vocês. — Ela revira os olhos e pega
outro lenço, e continua limpando o rosto.
— E ainda não sabe por que ela começou a causar isso em você apenas
agora? De início, você não a enxergava com outros olhos?
— Não sei. Parece que, quanto mais tempo passamos juntos, mais eu fico
louco. Não posso fazer com ela o que faço com todas, entende? Eu sei que,
quando eu a tiver nua em meus braços, descartarei logo depois como acontece
sempre.
— Isso é algo que realmente pode acontecer. Mas, e se desta vez for
diferente? E se não for apenas desejo sexual?
— Samira, eu não estou apaixonado por ela!
Que absurdo. Porra, não estou.
— Téo, nunca se apaixonou de verdade, como pode saber? E não fale
sobre nós, porque confundimos nossos sentimentos.
— Um ponto para você.
Ela sorri.
Joga os lenços no lixo e sai do banheiro passando por mim, então se deita
na cama, e bate a mão levemente nela, à sua direita. Vou até lá e me deito ao seu
lado, deixando uma perna para fora da cama, apoiada no chão.
— Eu apenas quero ajudá-la, como me pediu. Mas está se tornando
difícil. Quando a vi pronta para irmos à boate, porra, quase morri. E hoje vendo
ela experimentar biquínis, foi uma das coisas mais difíceis. Não está mais sendo
fácil. Até o sorriso dela acaba comigo.
— Você escuta o que diz? — Ela se vira e fica me olhando. — Quando
Téo Lima diria que é difícil ficar perto de uma mulher e que o sorriso dela acaba
com ele?
— Samira, eu não estou me apaixonando. — Ela revira os olhos. — Na
boate, quando ela começou a dançar foi difícil também. Depois que saímos, eu
retornei e acabei transando com uma das dançarinas, pensei que iria relaxar mais
a mente, porém não deu, nem mesmo a academia funcionou.
— E quer mais provas de que está se apaixonando?
— Tenho provas de que estou com problemas.
— Téo, meu querido Téo... — ironiza e acabo sorrindo. — Abre mais os
olhos. Algo desconhecido além do desejo e beijo deve ter acontecido. Então
reflita nisso.
— A única coisa estranha foi ela ficar nervosa quando viu a dançarina me
dar um beijo.
— Não dela. Afinal, só de ver como ela te olha é nítido os sentimentos
dela. Eu falo da sua parte.
— Nada além do desejo.
Eu acho!
— Duvido. Pense!
Procuro em minha mente e me vem muitas coisas, mas nada que eu ache
que é desconhecido, mas escolho algo para dizer, ou ela vai ficar nisso até o
próximo ano.
— Falei para ela levar os biquínis que quisesse, mesmo contra a minha
vontade. Pois acredito que maiôs fazem mais o estilo santinho dela e mostram
menos.
Samira ergue uma sobrancelha.
— O que mais?
Lembro-me de uma coisa.
— Nada. E antes que minha mãe invente alguma coisa, eu apenas não
quero que ela vá à praia sendo forçada, e não porque eu não vou. E não confio
nela com minha mãe e irmã, pronto falei. Tenho medo daquelas duas junto. E
não confio nelas para cuidarem da Raquel.
Os olhos da Samira brilham, como diamantes. Estou preocupado. Acho
que dei a ela o que queria. Ela se senta na cama.
— Vê a diferença? Você não teve nenhuma reação do tipo comigo,
porque sempre me viu como amiga. Agora com ela, você não vê apenas como
amiga. Meu Deus, Téo, você está realmente se apaixonando por ela! — Olha-me
chocada.
Fico de pé e me encosto à parede.
— Claro que não. Por favor, não seja ridícula.
— Está bem. Então me diz qual será sua reação quando ver ela
completamente mudada, e com diversos homens em cima dela, e um sendo
escolhido por ela? — Cruza os braços.
Sinto uma irritação com essa pergunta.
— Não irei responder. É a coisa mais idiota que já ouvi.
— Responde!
— Não sei. Talvez eu não gostasse, por medo dela se machucar. Ela
nunca teve um homem em sua vida.
— Olha isso. Téo, quando fala dela, sua expressão suaviza, seus olhos
brilham. E o caramba que apenas não iria gostar. Ficaria louco. — Ela sorri.
— Gosto dela como uma amiga! — rebato nervoso.
— E eu sou casada com o Henry Cavill, porém ele ainda não sabe.
Acorda, homem. E ela está doidinha por você também.
— Claro que não! Raquel, não deve nem saber o que é isso.
— Pode não entender, mas está sentindo algo por você sim!
Respiro fundo. Chega desse assunto.
— Vou embora. Já deu desse assunto.
— E agora está fugindo. Típico de homem que se apaixona e tem medo.
Estou louquinha para ver você correr até aqui, desesperado quando assumir que
os sintomas que sente são de paixão. — Ela ri.
— Isso nunca vai acontecer.
— Nunca diga nunca, meu caro.
Saio do quarto e escuto sua risada. Samira adora me ver perturbado.
Não estou me apaixonando e nem apaixonado pela Raquel. A menina é
uma santinha, seria até pecado, logo eu apaixonado por ela. E é óbvio que ela
também me vê como amigo. Samira precisa de tratamentos psiquiátricos.

Raquel Pereira

Estou indo para o hotel, e meu tio está me acompanhando. A manhã está
fria, porém não chove. Minhas pernas estão congeladas, assim como minhas
mãos e a ponta do meu nariz. Porém, confesso que sempre fui apaixonada pelo
frio.
Aproveito a oportunidade, para falar da praia com ele. Esta manhã,
enquanto fazíamos nosso desjejum, falamos de tantas coisas sem citar
problemas, que preferi não entrar neste assunto.
— Tio, o senhor já foi à praia? — Ele me olha surpreso e sorri.
— Já, meu anjo. Quando mais jovem, antes de escolher ser padre. E
agora, sendo padre, viajo para o litoral, mas vejo o mar apenas de longe.
— O mar é bonito como dizem?
— Belíssimo. Deus caprichou muito. Ele sempre capricha muito. — Seu
sorriso me contagia.
— Eu recebi um convite da esposa do senhor Augusto, de irmos à praia
na sexta-feira e retornarmos no domingo. — Ele me olha com o cenho franzido.
— Ela é uma senhora muito boa. Todos os Limas são. Téo também, mas
infelizmente tem feito muita desordem.
Sinto um friozinho na barriga apenas com a menção de seu nome.
Viramos à esquerda para pegarmos a avenida, que nos levará ao hotel. Saímos
mais cedo de casa, o que nos permite ir mais devagar.
— Eu posso ir? Eu quero muito conhecer a praia.
— Querida, minha preocupação é sua mãe retornar, e você não estar aqui.
— Ela disse quando viria?
— Não. Sua tia tem feito o máximo para ela ficar mais tempo.
— Então tio. Essa pode ser minha única chance. Dona Eleonor foi tão
bondosa em me convidar. E gosto muito de sua filha, que já me ajudou bastante.
— O Téo Lima vai?
— Não. Serão apenas nós três. Só mulheres.
— Bom, isso já me deixa aliviado. Se bem que confio muito na senhora
Eleonor e em sua filha. Ambas são muito cuidadosas, bondosas, tem muita luz e
são muito responsáveis. O senhor Augusto também.
Olho animada para ele.
— Então?
— Vá, minha menina. Merece se divertir mais. E sei que com as duas
não corre perigo. Confio muito nelas. Vai precisar de dinheiro, afinal, ainda não
recebeu. Eu tenho algumas economias, e posso...
— Tio, não se preocupe com isso. Para mim o importante é apenas ver o
famoso mar, pois só vi pela televisão. E ela disse que pagaria tudo.
Ele sorri.
— Ela tem bom coração, mas não podemos abusar.
— Mas foi ela quem disse, ué! — digo sem entender.
— Eu sei. Mas é bom levar algum dinheiro para o caso de querer algo e
assim não precisar pedir.
Assinto.
Paramos na frente do hotel, e abraço ele.
— Obrigada, tio!
— Tudo por sua felicidade, meu anjo! — Beija o topo da minha cabeça.

Entro no saguão e vou até o balcão cumprimentar Natanael.


— Querida, bom dia! — diz dando-me um beijo no rosto.
Sorrio.
— Bom dia! Tenho que ir, apenas vim lhe cumprimentar.
— Salvou meu dia. Seu sorriso mudou minha manhã tempestuosa. Tem
três banheiros entupidos. Mayara está doente e não pôde vir. Pietra ainda não
chegou. Sumiu um anel de uma hóspede. Está difícil, mas depois de receber esse
lindo sorriso, enfrento tudo.
Sorrio.
— Depois da tempestade existe o arco-íris. — Ele sorri. — Agora vou
indo.
Saio dali, e começa a chegar alguns hóspedes. Vou até o banheiro.
Faço minha necessidade, lavo as mãos, e aproveito para pegar meu
tercinho, onde dou um beijo e o aperto com força. Saio do banheiro e vou para a
minha mesa. Está frio aqui dentro também. Este uniforme não esquenta muito
não.
Ajeito minha mesa. Alguns papéis exigem assinaturas do Téo. Levanto e
vou até a sala, para deixá-los em sua mesa. Mas, para a minha surpresa, ele já
está trabalhando.
— Perdão, pensei que não estava ainda, por isso não bati.
— Relaxa. O que deseja?
Ele está estranho. Mal me olha. Será que foi o beijo? Senhor, não consigo
nem pensar nisso direito.
— Esses papéis exigem assinatura. São da empresa de limpeza. Estavam
em minha mesa, Natanael não deve ter visto que você chegou.
Entrego a ele, que só agora me olha.
— Não mesmo. Obrigado. — Ele continua digitando algo no computador
e apenas estica a mão para pegar os papéis.
Entrego a ele. E então ele me olha.
— Com licença. — Ele concorda e saio da sala.
Sento em minha mesa a tempo da Talita, uma das funcionárias, aparecer.
— Téo está? Preciso falar com ele. Natanael disse que apenas ele pode
resolver.
— Está sim. Vou avisar que está aqui.
Aviso e ele pede para liberar a entrada dela. Não sei o motivo, mas me
sinto incomodada por saber que ela está com ele na sala. Não entendo, de
verdade, por que me sinto assim.
Foco no trabalho. O dia será cheio.
Passo algumas coisas para o sistema, e envio alguns dados para o senhor
Augusto que pediu por e-mail.
Talita sai da sala depois de um tempo, e quando me olha dá um sorriso
estranho. Não gosto disso.
— Raquel! — Téo me chama.
Levanto e vou atender ao seu chamado.
— Por favor, leve todas estas pastas para a minha sala. E também avise
ao Natanael que já estão a caminho para resolver o problema com os banheiros.
Depois venha até aqui novamente, porque preciso de sua ajuda com algumas
coisas. — Assinto. — A chave da minha sala. — Ele deixa em cima das pastas.
Ele ajeita a gravata desalinhada e isso me incomoda. Quando entrei, pela
primeira vez, percebi que estava alinhada, e agora não mais, e a Talita esteve
aqui. Posso ser boba, mas sei o que pode acontecer entre homens e mulheres, e
Talita é uma das que fica falando dele, e de tudo o que já fizeram.
— Mais alguma coisa?
— Sim. Por que está me fuzilando com o olhar? Porra, o dia está sendo
foda hoje. Estou pirando com os problemas deste hotel. Então, se fiz alguma
merda, já aviso que estou com a cabeça cheia e não foi proposital.
— Nada aconteceu, senhor. Com licença. — Ele me olha de um jeito
estranho, deixando a caneta de lado.
— Senhor? Está certo. O que houve?
Raquel, o que está havendo? Por que está assim? Por que está com
raiva?
— Nada. — Pego as pastas junto da chave e saio apressadamente.
Vou até a sua sala. Deixo tudo sobre sua mesa, e respiro fundo. Não
posso ter raiva por algo desconhecido. O que está havendo? Eu não estou bem.
Eu jamais agiria assim.
— O que está havendo?
Assusto-me.
— Santo Deus!
— Obrigado pelo elogio, mas sou apenas o Téo. O que houve?
— Nada. Vim fazer o que pediu.
Ele se aproxima, e então sorri. Sinto como se fossem borboletas voando
em meu estômago.
— Estava irritada com algo. E, pelo visto, algo que eu fiz.
— Não é nada.
Realmente não sei ao certo por que fiquei daquele jeito. Mas resolvo
mudar de assunto.
— Falei com meu tio sobre a praia. Ele autorizou.
— Ótimo. Espero que se divirta bastante.
— Obrigada. Quero muito ir. Acho que vai ser bem legal.
Ele segura meu queixo e este contato praticamente me deixa sem ar, pois
o beijo vem a minha memória.
— Agora, não me enrole. O que eu te fiz? Tem que ser mais
comunicativa, lembra?
— Aham...
— Então?
— Não sei. Apenas vi a Talita e quando ela saiu me deu um sorriso, e
achei estranho. E depois vi você ajeitando sua gravata...
Ele sorri, soltando meu queixo, e isso me deixa um pouco triste.
— Não fiz nada de errado. Ela foi falar sobre ter que ficar dois dias em
casa. Eu estava ajeitando minha gravata quando você entrou, porque assim que
você saiu eu soltei um pouco. São tantos problemas para serem resolvidos hoje,
que estou sentindo até falta de ar. Meu pai precisa voltar logo, não nasci para
isso.
Sinto um alívio por suas palavras.
— Se precisar de ajuda, avise.
— E vou. Então vamos.
Saímos de sua sala. Ele fecha a porta com a chave.
— Vou avisar Natanael.
— Não precisa. Encontrei-o, quando vinha para cá, e já falei.

Estamos há horas presos dentro da sala. Téo está muito irritado. O senhor
Augusto ligou e a conversa entre os dois não foi boa.
— Chega. Puta que pariu! Não aguento mais. Ainda tem a hóspede
querendo chamar a polícia por causa do maldito anel! Estou pagando meus
pecados.
— Téo, vamos por parte. Qual é o principal problema a ser resolvido?
— O do anel. Os demais são papeladas.
— Certo. Tenho uma ideia, mas não sei...
— Fale, estou aceitando qualquer coisa.
— Chame a hóspede e converse com ela. Até agora ela ouviu apenas o
Natanael, mas talvez sinta que realmente é importante seu problema, se o dono
hotel lidar pessoalmente com ela.
— Nem me lembre, este hotel praticamente me pertence. Certo, e o que
vou dizer a ela? Não achamos o anel, e não podemos simplesmente sair
investigando todos os funcionários... Olhe o tamanho do problema.
— Enquanto conversa com ela, e tenta acalmá-la, eu junto do Natanael
reviro mais uma vez o quarto. Anel é pequeno, pode ter caído e ficado em
qualquer lugar. Pede mais calma e um prazo. Caso não tenhamos uma solução,
ela chama a polícia, e fica para eles investigarem. Porém, eu acredito que está
caído no quarto.
— Aquele quarto já foi revirado por diversas vezes.
— Não custa nada tentar novamente. Minha mãe sempre diz que, quando
estamos nervosos à procura de algo, as chances de encontrar são mínimas.
— Olha, pela primeira ela falou algo certo, pelo visto. — Ele sorri. —
Mande Natanael trazer a hóspede aqui. E seja o que Deus quiser.
— Certo.

Estou com Natanael no quarto da hóspede. Ela disse que deixou no


criado-mudo antes de dormir. Acordou, não o colocou, apenas bebeu água e
colocou a garrafa ao lado dele e saiu às pressas para um compromisso na qual
estava muito atrasada. Quando retornou viu que teve limpeza no quarto, e que o
anel também havia desaparecido. Ela também disse que ele é repleto de
pedrinhas brilhantes.
— Certo, já procuramos em tudo. Assim como todos que vieram aqui —
Natanael diz se sentando na poltrona. — O senhor Augusto vai endoidar de vez.
Céus...
— Pense positivo. Ela disse que estava no criado-mudo. Quem limpou o
quarto alega que apenas pegou a garrafa de água que estava caída próxima...
Claro!
Natanael fica me olhando sem entender e sorrio.
Vou até o criado e arrasto ele para frente.
— O que está fazendo?
Chacoalho levemente a cortina e um objeto brilhante surge.
— Meu Deus! Você achou. Estamos salvos! — Natanael grita animado.
Pego o anel e entrego a ele.
— Como sabia que estaria caído aí?
— Porque a garrafa estava caída próxima do criado-mudo. Eu imaginei
que a hóspede deve ter esbarrado na garrafa em meio à pressa para sair, e quando
ela caiu levou o anel junto, porém ele é menor e poderia cair atrás do criado-
mudo, e se enroscaria na cortina devido às pedrinhas. Ninguém deve ter pensado
em chacoalhá-la.
— Você é muito esperta! Salvou o hotel de um escândalo. Vamos,
vamos!
Saímos às pressas do quarto. Natanael vai até o Téo e a hóspede. Eu fico
em minha mesa.
Depois de um tempo, ela sai junto do Natanael, que sorri para mim e
retribuo. A senhora me agradece e fico feliz por ela estar mais tranquila.
Respondo um e-mail. Preciso comer. Perdi até a hora do almoço e estou
com fome. Além de frio. A agitação pela procura do anel me esquentou apenas
um pouco.
Téo me chama e vou até a sua sala. Ele pede para eu fechar a porta.
— Sim?
— Obrigado. Se não fosse por você, estaríamos talvez no jornal local.
Resolvemos o problema do anel graças a você, Natanael falou para ela o quanto
você foi esperta.
Sorrio sem jeito.
— Me ajudou muito hoje. Agora restam apenas algumas coisas, mas dou
conta...
— Posso ajudar se precisar...
— Não. Vá comer, acabei roubando sua hora de almoço.
— Você também não saiu para comer.
Ele fica me olhando.
— Minha fome tem sido outra. Pode ir e, mais uma vez, obrigado.
Aceno sem entender.
— Não tem pelo que agradecer.
— Tenho e... está com os lábios roxos. Me diga que isso não é por eu ter
te deixando sem comer!
Rio.
— Não! É frio. Não estou com fome a este nível.
— Porra, e por que não trouxe uma blusa?
— Só percebi o frio quando saí de casa. E não quis retornar. Mas está
tudo bem — digo com sinceridade.
Ele se levanta e retira o paletó. Então se aproxima.
— Vista.
— Não! Além do mais tenho que ficar de uniforme.
— Quem é seu chefe neste momento?
— Você.
— Ótimo. Então use e não discuta.
Ele me ajuda a colocar. E só agora percebi que precisava mesmo me
sentir quentinha.
— Se ficar doente, lembre-me de enviar os gastos de tudo o que for
necessário para melhorar ao meu pai, já que estes uniformes foram ideias dele!
— Não diga isso. Gosto dele.
— Você gosta de todo mundo, Raquel. — Ele se senta na beirada da
mesa e cruza os braços.
— Não é verdade. Não gosto muito da Talita, Pietra e a moça da boate.
— Ele franze o cenho e inclina um pouco a cabeça para o lado.
— Não te culpo. Elas te provocam.
— Vou indo. — Desta vez ele quem concorda. — Obrigada, antes de ir
embora devolvo.
— Leve, amanhã você traz.
— Está bem.
Saio de sua sala e vou comer.
Encontro o manobrista Robson. É um moço muito legal. Ele está
almoçando agora também, se atrasou como eu. Puxou assunto, e estamos
conversando enquanto comemos.
— Menina, este frio está acabando comigo. Não vejo a hora de ir
embora, e ficar em casa com a minha família. Espero que minha esposa tenha
feito a sopa que tanto amo. Bom, isso se ela chegar cedo do trabalho. Trabalha
tanto por nossa família, assim como eu.
— Tem filhos? — pergunto.
— Sim. Dois meninos, bagunceiros demais. Minha esposa fica doida.
Sorrio.
— Eles são tudo para mim. Por eles que neste frio trabalho sorrindo,
trazendo e levando carros.
Seus olhos brilham ao falar da família.
— Que lindo. Eles devem sentir muito orgulho.
— Sim. Acham que sou um grande piloto de carros. Crianças e suas
imaginações férteis. — Sorrimos. — Tem irmãos ou filhos?
— Não. Mas adoro crianças. São anjos na Terra.
— Nem sempre. Às vezes são uns pequenos diabinhos. — Arregalo os
olhos, mas ele sorri. — Perdão, tenho mania de falar antes de pensar. Minha
esposa diz que ainda vai cortar minha língua.
Rimos. Bebo um pouco do meu suco.
— Sabe, não sou de fofocas, mas a senhorita é bem famosa por aqui.
Todos comentam por ser filha de padre.
— Sou sobrinha.
— Olha só! Fazem falatório alheio e ainda com informação errada.
Alguns dizem que a senhorita e o senhor Téo são namorados, porque vivem
juntos. Eu duvido, com o perdão da ousadia. Mas ele é muito mulherengo. Esse
rapaz não tem jeito não.
Sorrimos.
— Téo e eu não somos namorados. Infelizmente, as pessoas falam e
julgam demais.
Robson se remexe na cadeira e baixa o olhar. Fico sem entender, até que
a cadeira ao meu lado é ocupada.
— Então andam falando de nós dois por aí? Que bom saber que os
funcionários andam fazendo fofocas ao invés de trabalhar. E depois meu pai me
julga.
— Perdão, senhor, eu só comentei o que estão dizendo, mas não foi por
mal.
Téo olha de um jeito estranho para ele. Parece bravo.
— Bom, terminei minha refeição. Com licença.
— Até mais, Robson — digo e sorrio.
Robson sai às pressas da cozinha.
— Robson? Íntimos rápido.
— Do que está falando? — pergunto realmente sem entender.
— Comigo custou a me chamar apenas de Téo. Apenas isso. — Seu tom
é estranho.
— Porque você é também meu chefe. Seu pai também chamo de senhor
— explico sem ainda compreender seu modo estranho.
— Hum... Eu pensei em sairmos um pouco, para relaxar depois do dia
corrido, aceita?
— Acho melhor não. Estou cansada.
— Já está liberada para ir embora. Vou ficar para finalizar tudo e não
deixar nada para amanhã. Seu tio vai vir te buscar?
— Acredito que não.
— Posso te levar, ou se quiser peço ao Robson e ele te leva.
De verdade, não estou entendendo seu modo de agir. Ele está bem
estranho.
— Téo, por que está agindo assim?
Ele solta um pouco da gravata.
— Não é nada. Estou cansado. Então, posso te levar?
— Obrigada. Mas desta vez prefiro ir sozinha.
Se está cansado é melhor não me levar. E também gosto de andar.
— Está bem. Até mais.
Ele sai da cozinha às pressas. Fico olhando completamente confusa.
Senhor, o que foi isso?

Olha ele, tomando cerveja na balada
E uma mesa cheia de gatas,
e o coração vazio tadinho.
Olha ele, dando uma de durão
Mas todo mundo sabe
Que o seu coração é mole
Pertence a mim
— Simone e Simaria part. Alok “Paga de solteiro feliz”

Téo Lima

Bebo o restante do meu Martini, e levo a azeitona à boca, mastigando,


enquanto olho para o fundo da taça vazia, a terceira da noite, além de um copo
de mojito e uma dose de vodka com energético. Porra, eu realmente não estou
bem. Pelo menos vim de táxi e irei embora da mesma forma.
O que aconteceu comigo hoje? O que está acontecendo comigo em geral?
Por que fiquei nervoso ao vê-la com o Robson, e saber que ela deixou claro que
não temos nada? Eu estou cheio de perguntas, e nenhuma resposta. E o beijo...
Droga, o beijo!
— Ei cara, fui informado que veio afogar as mágoas. O que está
acontecendo? — Rogério, o dono da boate, questiona-me.
Saí do hotel, fui para casa, mas fiquei nervoso, não conseguia dormir, e
resolvi vir para a Mister Sin. E aqui estou, bebendo desde que cheguei, e ligando
o foda-se para qualquer mulher. Não quero nenhuma, só quero pensar com
clareza. Mas talvez eu tenha bebido demais, porque não consigo entender nada.
— Estou bem. — Ele me olha e sorri.
— Sei. Te conheço bem. Recusou as dançarinas, está apenas bebendo.
Qual é o problema?
Ele debruça sobre o balcão do bar e fica me encarando. Afasto a taça
vazia e um barman pega perguntando se quero outro, mas recuso.
— Mulheres. Por que fodem com nossa mente? — falo mais para mim do
que para ele.
Estou confuso, e porra, talvez um pouco alterado devido às bebidas.
— Quem é a mulher que conquistou seu coração e vai destruí-lo? Afinal,
mulheres são perigosas. — Ele ri, porém eu permaneço sério. — Estou
brincando. Relaxa, cara! — Bate seu ombro ao meu.
— Ninguém conquistou meu coração. Estou confuso... Cara, estou muito
confuso. — Esfrego o rosto e respiro fundo. — Aquela Santinha está me
deixando louco, muito excitado e agora bêbado. E por que, caralho, com o
Robson ela não fica tímida? Inferno. — Olho para o alto. — É algum tipo de
castigo?
Olho para o meu amigo, que está tão confuso quanto eu.
— Primeiro, quem é Santinha?
— Santinha, define bem ela.
— Segundo, quem é Robson?
— Um funcionário, muito abusado. Porra, talvez eu passe com o carro
em cima do pé dele. — Rio sabendo que jamais faria isso.
— Terceiro, você está realmente bêbado. Então, pelo visto, terei que
aguentar você falando coisas que não será capaz de explicar hoje. Entretanto,
para a sua sorte, estou de bom humor.
Reviro os olhos.
Estou ficando bêbado, não um idiota. Sei tudo o que estou falando.
— Preciso de mais bebida.
— Cara, amo dinheiro, e quanto mais gastar, melhor para mim. Mas,
como sou um bom amigo, não irei deixar. Acredite, não está bem.
— Vai à merda. Estou perfeitamente consciente ainda.
— Cale a boca, idiota!
Poker Face, da Lady Gaga, começa a tocar, e as dançarinas começam a
descer do palco e irem em diversas pessoas, sensualizarem nuas.
Lola se aproxima, ficando entre as minhas pernas. Suas mãos deslizam
sobre meu corpo. Enquanto sua língua desce pela extensão do meu pescoço. Ela
se esfrega no meu pau. Porém, nada acontece.
— O que foi? Sempre fica louco quando fazemos isso, Téo... — ela diz
em meu ouvido.
Sua mão desliza por dentro da minha calça, e nada. Não consigo sentir
um pingo de tesão. Olho para o Rogério, que se controla para não rir. Filho da
mãe.
— Lola, hoje não. Estou cansado.
Seus lábios roçam nos meus, enquanto sua mão massageia meu pau. Não
adianta. Sim, eu ficaria excitado, mas não está rolando agora. Porra, de novo
essa merda!
Ela retira a mão e me olha espantada. Olho para seus seios nus e nada me
atrai neste momento.
— Lola, pode ir. O Téo não está bem.
Ela revira os olhos e vai em busca de outra pessoa.
— Certo. Que porra está acontecendo? — ele indaga e começa a rir.
— Não sei. Estou fodido.
— Estou vendo. Meu amigo, quem foi a mulher que te fez isso? Porque
ela merece um prêmio por conseguir!
Dou um murro em seu braço e me levanto.
— Chega, essa noite já era.
Jogo o dinheiro no balcão, e saio da boate com ele rindo. Imbecil.

Entro no hotel. Minha noite foi péssima. Cheguei em casa, ainda bebi
quase meia garrafa de uísque acompanhado do meu charuto cubano. Acordei
péssimo. Já tomei café e remédio, e agora é esperar essa dor de cabeça passar.
— Nossa, um trator te atropelou? Téo, olha sua cara! Nunca te vi assim.
— Bom dia, Natanael, é muito bom te ver também — ironizo e ele me
olha feio.
— O que aconteceu?
— Nada. A Santinha chegou?
— Sim. E pare de chamá-la assim.
Não falo mais nada e saio da recepção.
Assim que me aproximo da mesa da Raquel, ela me olha e sorri. Essa
“peste” anda destruindo minha vida.
— Bom dia, Téo — cumprimenta ainda sorridente.
— Péssimo dia. Mas fico feliz que tenha dormido bem. — Quero matá-
la.
— Credo. Não diga isso. Deus sempre tem um dia bom para todos nós.
— Não me fale Dele, neste momento. Nossa amizade está um tanto
abalada. — “Por sua causa”, quero completar, mas me calo.
— Senhor! O que aconteceu para estar assim? — pergunta preocupada.
— Não é o que aconteceu! É o que não aconteceu.
— E o que não aconteceu?
— Raquel, se eu falar você corre. Você simplesmente corre. Ou talvez
fique louca.
— E-eu?
Não seja a santinha ingênua agora. Não agora. Isso vai ferrar tudo ainda
mais.
— Com licença.
Saio rapidamente dali, entrando na minha sala, ou melhor, a sala do meu
pai. Porra, eu preciso focar em apenas ajudá-la, ou nós dois estaremos muito
ferrados.

Raquel Pereira

O que eu fiz para o Téo? Não compreendo. Está tão estranho. Não tive
tempo de devolver seu paletó, e ele se trancou na sala sem sair para nada. Já
almocei, adiantei boa parte do meu trabalho, mas ele continua trancado. Estou
bem preocupada. Não tive nada que me levasse a ir até sua sala, e assim não
parecer uma curiosa. Porém, algo me diz que tem coisa errada. Sinto isso. Desde
ontem ele está estranho.
Continuo trabalhando, para tentar esquecer. Afinal, daqui a pouco está na
hora de ir para casa.

Olho no relógio e está quase na hora de eu ir embora. Não posso ir e


levar mais uma vez seu paletó. Arrumo minha mesa, e desligo a tela do
computador. Pego minha bolsa e seu paletó.
Bato em sua porta três vezes, mas não obtenho resposta. Será que
aconteceu algo? Meu Deus!
Abro a porta realmente preocupada, e então, para a minha surpresa, ele
está no sofá, deitado, com um dos braços cobrindo seu rosto. Fecho a porta atrás
de mim. A mesa está uma zona, ele trabalhou pelo visto. Então não aconteceu
nada, não é? Será que está respirando? Não saiu da sala para nada. E se
desmaiou? Ai, Deus!
Deixo o paletó e a bolsa na mesa, e me aproximo dele. Seu peito sobe e
desce lentamente. Vivo está.
— Téo? — chamo, mas não obtenho resposta.
Cutuco-o levemente, porém nada acontece. Meu coração está acelerado.
Ele pode apenas estar dormindo. Deveria sair, mas não consigo.
— Téo? — chamo um pouco mais alto, e nada.
Aproximo meu rosto do seu, para ter certeza de que respira, e não estou
alucinando vendo seu peito subir e descer. Porém, quando faço isso, ele retira o
braço dos olhos, me assustando completamente.
— Ai! — grito e ele abre os olhos assustado, e isso me assusta mais.
Uma de suas pernas desce para o chão, e acaba batendo nas minhas e me
fazendo perder o equilíbrio, e quando menos espero, estou caída sobre seu colo,
com suas mãos apertando a minha cintura. Minha respiração está ofegante e meu
coração em um descompasso assustador. Olho para a minha saia, que subiu ainda
mais.
— Você está bem? — ele pergunta.
Apenas aceno lentamente a cabeça. Não consigo dizer nada. Não consigo
me mover. Estou tremendo.
— Raquel, o que veio fazer aqui? Porra, quase me mata do coração! —
ele diz, ainda me mantendo sobre seu colo.
Não consigo dizer nada ainda.
— Raquel? — Franze o cenho.
— E-eu... Pre-preciso ir... — consigo dizer completamente atrapalhada.
Mexo-me em seu colo para levantar, mas ele me mantém firme.
— Raquel, o que veio fazer aqui?
Consigo levantar ainda toda desconcertada, e completamente perturbada.
Tropeço em meus próprios pés e ele sorri, sentando-se.
— Vim... O seu paletó. Na mesa. Ele na mesa. Eu vou indo. — Me
atrapalho toda e ele fica sorrindo.
— Fala sério, veio admirar minha beleza?
— NÃO! — grito e pego as coisas às pressas.
Ele se levanta e se aproxima.
— Eu estou brincando, Santinha. — Cruza os braços e me analisa. — Por
que está tão nervosa?
— Não estou. Eu só preciso ir... Téo, com licença. — Me viro, mas ele
segura minha mão.
— Não está esquecendo-se de nada?
— Do quê?
Ele indica o paletó em minha mão, e só agora notei que acabei pegando
novamente junto da bolsa. Entrego rapidamente. Ele pega e coloca sobre a
cadeira vazia.
— Desculpa. Estou com pressa.
— Percebi. Quer carona?
— Não. Obrigada. Téo, eu vou... — Ele se aproxima ainda mais e agora
levando uma mão a cada lado da minha cintura.
— Você vai...? Continue.
— Me... Eu...
Ele aproxima o rosto do meu pescoço e automaticamente fecho os olhos,
então sussurra em meu ouvido:
— Não fique nervosa porque caiu no meu colo. O único que deveria estar
fugindo sou eu, afinal eu sou o pecado, Raquel.
Mordo o lábio inferior com suas palavras. Ele se afasta e meus olhos se
abrem lentamente.
— Téo, não faz isso...
— Não fazer o quê? — Leva as mãos aos bolsos da calça e sorri.
— Com licença.
Saio às pressas e desejando chegar o mais depressa possível em casa.
Que calor foi esse que senti? E essa sensação gostosa, e diferente? Deus, que
problemão eu me coloquei. Téo Lima é um perigo. E agora estou mais do que
certa. Mas, por que essa sensação de querer conhecer esse perigo está surgindo
em mim?

Pensando bem, não foi um bom negócio
Andar de boca em boca por aí
Mas eu não tô aqui pra te julgar
Pois, nesse tempo, eu também me diverti
— Matheus e Kauan “Exclusividade”

Raquel Pereira

Hoje é o dia da viagem. Estou empolgada, e preocupada. Medo de fazer


algo errado, e isso as envergonhe. Já terminei meu expediente, e estou com a
mala aqui. Meu tio veio se despedir e me dar sua bênção, e foi embora
rapidamente. Estou esperando dona Eleonor. Téo já foi embora faz um tempo, e
não se despediu, isso me chateou, ele é estranho às vezes.
Também já me troquei. Vesti uma calça jeans, tênis, e uma blusa de
mangas longas de um tecido bem fininho, pois faz um pouco de frio, e no cabelo
fiz um coque. Foi o melhor que consegui. Ainda estou me adaptando a usar
calça, e todas essas roupas e lingerie que o Téo me deu.
— Menina, cheguei! — Eleonor diz animada. — Pronta?
— Sim, senhora!
— Ótimo. Só precisamos esperar a Hannah vir. Ela viria de táxi para cá.
Disse que não iria demorar. Está em um evento, que não pode deixar de
comparecer. Quero só ver quantas horas ela vai levar. Esses meus filhos ainda
vão me enlouquecer.
Sorrio.
— Téo, já foi?
— Sim. Faz um tempo já.
— Danado. Fugiu de mim. — Ela suspira. — Vamos ficar na sala do
Augusto enquanto esperamos.
Entramos na sala. Sento-me no sofá, e coloco minha mala de rodinhas na
lateral. Peguei emprestada do meu tio e ele também me deu dinheiro, mesmo eu
não querendo.
Ela se senta na cadeira de seu marido e sorri.
— Hannah está feliz, primeiro evento grande para o seu buffet depois do
hotel, porém isso me preocupa, já que vai acabar atrasando nossa partida.
Não tenho o que dizer. Apenas fico olhando.
— Estou animada. E você?
— Muito. E agradeço muito a senhora pela oportunidade.
— Não precisa, querida. Você tem algo especial, que me fez gostar desde
o início. — Sorrimos.
Ficamos conversando sobre diversas coisas por um tempo. Enquanto
esperamos pela Hannah, que está demorando bastante. Eleonor liga toda hora, e
ela sempre diz que logo vem, mas nada até agora.
Ela coloca o celular sobre a mesa e respira fundo.
— Eu sabia que iríamos ter problema com isso.
— Vai dar tudo certo.
— Espero. Quero muito ir para a praia. E estou preocupada de chover. O
tempo não estava muito bom quando vinha para cá.
— Tomara que não chova. — Ela concorda.
A porta se abre, e olhamos animadas.
— Achou que eu não estaria mais aqui, ingrato? — Eleonor diz a ele, que
sorri.
Ele está vestindo uma calça jeans, blusa de moletom e tênis. Consegue
ficar belo de todos os modos. Minha animação desaparece rapidamente, e o meu
fiel amigo friozinho na barriga, chega bem intenso.
— Na verdade, eu tinha certeza de que estaria. Hannah falou que se
atrasaria.
— O que quer? — sua mãe indaga.
Desvio o olhar dele, assim que seus olhos buscam os meus.
— Vou para a praia.
— Ah, não vai mesmo! Você desprezou meu convite.
Ai, meu Deus!
— Eu vou e ponto final. Além do mais, já trouxe minha mala. Leve em
seu carro.
— Por que não leva no seu, folgado? Olha o que passo, Raquel! — ela
diz e olho para ela.
Ele não pode ir. Não pode!
— Porque não poderei levar. Eu vou na frente, não vou perder tempo
esperando a Hannah, e se a senhora quer saber, ela está toda enrolada. Deu um
problema no evento.
— Eu sabia! Ah, sabia que algo aconteceria. Mas ela vai, nem que seja
cinco horas da manhã. E você, se vai na frente, some. Deixe Raquel e eu à espera
da dona Hannah!
Deus, ele não pode ir.
— Na verdade, a senhora vai ficar esperando. Raquel vai comigo.
— Não! — grito. Não consigo controlar.
Eles me olham, e apenas o Téo sorri.
— Vai sim. Então deixe sua mala, coloque uma blusa a mais de frio e
vamos.
— Téo, nem pensar. Ela vai comigo!
— Não. Se quiser que ela vá, então ela vai comigo, e a senhora leva
nossas malas.
— O que é isso? Virou dono dela? — Eleonor pergunta espantada e eu
olho assustada para tudo isso.
— Não sou dono dela. Apenas estou dizendo que ela vai comigo.
— Téo, irei com sua mãe...
— Vai gostar de ir comigo. Isso será mais uma aula de coisas que nunca
fez.
Fico sem entender e sua mãe também pelo visto.
— Quê? — Eleonor diz.
— Assunto meu e dela. Vamos? — ele pergunta sorridente.
— Você é impossível. Está bem, se ela quiser ir com você, pode ir, e eu
aguardo pela Hannah. Apenas se ela quiser! — Ela me olha. — Quer ir com ele?
Deus, o que eu faço? E agora fiquei curiosa com o que ele disse. Sinto
um impulso forte sair de dentro de mim e digo:
— Vou com ele.
— Traíras. Como eu sofro. Vá então, querida.
Téo pede para eu pegar meu documento, e entrego a ele, que guarda em
sua carteira e coloca no bolso. Pego uma jaqueta que por sorte segui o conselho
do meu tio e trouxe.
Saímos da sala, e paramos em minha mesa, onde tem dois capacetes.
— Este é para você — diz e olho assustada.
— Téo, não vamos de...
— Sim, iremos de moto. Vamos.
Não tenho tempo de recusar, pois ele sai me puxando pela mão para fora
do hotel.

Visto minha jaqueta com sua ajuda. Ele coloca seu capacete em cima da
enorme moto. Eu deveria ter recusado. Por que eu aceitei?
— Ficou muito linda com essa calça. Com essa roupa em geral. — Dá
um sorriso.
— Téo, não sei se é a melhor opção eu ir nesse treco!
— Moto. Não é treco.
— Eu nem sabia que tinha isso.
— Sempre tive. Mas prefiro carro. Porém, hoje ela será perfeita, para
você ter mais uma experiência que lhe foi privada.
— Isso não vai dar certo.
— Vai sim. Apenas segure firme em mim, e não se solte. Combinado?
— Aham...
Deus me ajuda!
Será que terei tempo de me despedir dos meus familiares se algo
acontecer?

Téo Lima

Eu não iria para a praia, mas não resisti. Quero estar ao lado da Raquel
em sua primeira vez naquele lugar. Ainda não compreendo porra alguma do que
está acontecendo comigo, mas não posso deixar de lado a ajuda que prometi a
ela.
Estamos em cima da moto, e suas mãos agarram completamente minha
blusa. Sorrio.
Seguro seus braços e passo ao redor da minha cintura. E ela aperta ainda
mais. Isso vai ser épico.
— Pronta? — falo alto, devido aos carros que passam ao nosso lado.
Ela faz que não. Sorrio.
— Só não soltar.
Ela assente.
Ajeito meu capacete.
Aciono o botão de partida. Giro a chave na ignição. E em poucos
segundos estamos saindo do hotel, em uma velocidade normal para mim, porém
para ela não deve ser, já que me aperta ainda mais.

Fazia tempo que não sentia esta liberdade. O vento forte, a velocidade
desta maneira. É bom. Mas tê-la me apertando, não está sendo bom neste
momento, não enquanto piloto. Porra, estou fodido. Paro no sinal vermelho. E
seu aperto fica mais frouxo. Vejo que o sinal vai abrir, e assim que o faz, saio na
frente de todos os carros, e de algumas motos. Ela volta a me agarrar
completamente.
Faço uma curva, e sua mão desliza para baixo da minha blusa. Agora
fodeu. Ela acaba fazendo isso com a outra. Seu contato agora está piorando a
situação.
Eu deveria ter ido de carro!
Sinto a pressão de suas coxas. Ela está tensa, e isso não está ajudando.
Algo poderia ajudar essa situação?

Depois de uma tortura que parecia não ter fim, estamos entrando na rua
da casa na praia. O bom de vir de moto que o tempo reduziu ainda mais. Porém,
começou a garoar um pouco no caminho, e aqui no litoral está trovejando e
relampeando muito.
Paro em frente à casa, e retiro a chave do bolso. Aperto o botão do
pequeno controle para abrir o portão, e então entramos na garagem, e logo
pressiono novamente o botão para fechar o portão.
Desligo a moto, e descemos. Retiro nossos capacetes. Ela sorri para mim.
— Foi ruim? — questiono curioso enquanto coloco os capacetes no chão
ao lado esquerdo.
— Não... Um pouco. Mas foi incrível! — diz animada.
Queria dizer o mesmo. Mas estou controlando o que vim o caminho todo
sendo torturado pelo maldito traidor que carrego em meu corpo.
Abro a porta da casa e entramos. Acendo a luz, e tudo está como da
última vez que vim, porém é óbvio que estaria limpo, mamãe manda uma vez
por semana uma moça vir limpar. Fecho a porta, e abro a janela da sala, que dá
para a frente do portão da garagem. É um sobrado enorme.
Olho no relógio de pulso e chegamos em um bom tempo, realmente.
Ela olha tudo ao redor. Porra, realmente está linda nesta calça. Para ser
mais preciso, está muito gostosa. A merda do tecido marca bem suas curvas, e
sua bunda. Por que comprei isso?
— Enquanto esperamos a Hannah e minha mãe chegarem, vou pedir algo
para comermos e te mostro a casa.
— Está bem.
Ela não me olha direito. Algo está acontecendo. Ela está mais estranha
que o normal.

Levo Raquel para conhecer todos os cômodos da casa, e ela se encanta


com a vista da janela do meu quarto e da minha mãe. Isso porque ela está vendo
de noite, e não de dia que é ainda mais bonito.
— Você pode escolher dormir em um quarto de hóspede, ou no da
Hannah, que está mais arrumado. Ela dorme na garagem, sem problema algum
— brinco e ela sorri, mas desvia o olhar.
Estamos em meu quarto.
— Raquel, o que está acontecendo? Por que está estranha?
Ela ergue o olhar.
— É que... Só que... Téo, eu...
Meu celular começa a tocar interrompendo-a.
Pego em meu bolso e é minha mãe.
— Filho chegaram?
— Sim. Já estão vindo?
— Temos um problema. Hannah só vai conseguir sair na hora que
acabar o evento, que é de madrugada, aconteceram alguns imprevistos. E aqui
está uma chuva tremenda, estou preocupada de irmos com o tempo assim.
Sério? Deus está me testando, tenho certeza.
Olho pela janela, e um clarão surge no céu seguido de um trovão.
— Pelo visto aqui vai chover forte também. Só me avise e tomem
cuidado. O foda que minha mala e a da Raquel estão aí.
— Caso não conseguirmos ir hoje, iremos amanhã cedinho. No armário
do meu banheiro sempre tem escovas de dente reservas, então dá uma olhada, e
no guarda-roupa da Hannah, roupas que ela sempre deixa, então Raquel pode
usar alguma para dormir.
— Está bem...
Saio do quarto e vou para o corredor.
— Mãe, não é a melhor opção nos deixar sozinhos. Estou falando sério!
— Estou bem preocupada com isso também. Conheço o tarado que
coloquei no mundo. Téo, se tranque no quarto e não saia. Não toque nesta
menina, ou seu pai nos mata, e vamos para o inferno, porque Deus nunca vai
nos perdoar. Conheço o tio dela, não terei coragem de olhá-lo. Então não toque
nela!
Imagens dela de biquíni vem à minha mente e lembranças do beijo
também. Meu pau começa a endurecer.
Estou fodido!
— Darei um jeito. Cuidado, vocês duas. Beijos.
— Segure esse treco! Beijos.
Guardo o celular no bolso e retorno para o meu quarto.
— Algum problema? — ela questiona.
— Minha mãe e Hannah talvez não consigam vir hoje, mas amanhã
cedinho elas saem de lá.
Raquel salta da cama. Está assustada.
— Não! Téo, não podemos ficar sozinhos aqui. Eu garanti ao meu tio que
você não iria vir. — Ela entra em desespero.
Franzo o cenho sem entender.
— Relaxa. Vai ficar tudo bem.
Ela respira fundo e concorda.

Enquanto comemos pizza ficamos conversando. Ela está mais tímida que
o normal. Mal me olha. Porra, isso está me deixando agoniado. Eu deveria estar
neste desespero, porque sou eu quem ferro tudo.
Estamos sentados no tapete da sala. Ela bebe um pouco de seu
refrigerante e o deixa de lado depois, enquanto fica mexendo com o garfo em
sua pizza no prato em seu colo. Deixo meu prato de lado e peço licença ao tirar o
dela de suas mãos e colocar de lado também. Seguro seu queixo e ela acaba me
olhando.
— O que está acontecendo? Você está estranha... Foi devido ao beijo?
Sinto que está diferente desde ele.
— Só estou tentando entender tudo que vem acontecendo nos últimos
dias. Não é nada grave.
— E por que está me evitando? — Retiro a mão de seu queixo e me
aproximo mais.
— Não estou... Bom, um pouco. — Ela sorri. — Digamos que ao que
parece... Ai, Téo, não irei falar. Porque nem sei como explicar. Não sei o que é
de verdade.
Um trovão forte ecoa e ela acaba se assustando e praticamente salta em
meu colo. Abraço seu corpo.
— Meu Deus! Nunca fui muito fã de trovões. — Ela parece se dar conta
que está praticamente em meu colo e tenta se afastar, mas impeço.
— Você está me fazendo sentir coisas inexplicáveis, Santinha. Se eu ficar
louco, irei culpá-la. — Sorrio e acaricio seu rosto.
— Melhor ajeitarmos as coisas, e irmos deitar.
Aproximo meu rosto do seu, e ela aperta a mão em meu braço. Deixo um
beijo bem próximo de seus lábios. Ela fecha os olhos por um instante e então se
afasta e deixo que faça. Ela está me deixando louco e não sei se poderei me
controlar esta noite. Raquel está destrancando sentimentos estranhos que nunca
tive.
Ela me olha e sorri, e porra que sorriso perfeito. Busco assuntos
aleatórios e ela acaba se soltando mais. E a noite fica mais leve.

Terminamos a pizza, e a chuva chegou com força. Separo algumas velas


e um isqueiro, porque aqui é danado para acabar a força quando chove desta
maneira.
Raquel retira a jaqueta.
— No quarto da Hannah tem roupa, procure por algo caso queira trocar
esta. Vou pegar escovas de dente no quarto da minha mãe.
— Certo.
Ela sobe na frente, dando-me uma bela visão de sua bunda. Se controle,
Téo!
Subimos e ela vai para o quarto da Hannah. Pego a escova de dente e
entrego a ela.
— Vou para o meu quarto. Se precisar, só chamar.
Preciso ficar longe dela, enquanto as duas loucas não chegam.
— Está bem. Boa noite. — Ela sorri e fecha a porta.
Vou para o meu quarto. Retiro minha roupa e visto uma calça de
moletom preta, que encontro no meu armário. Fico apoiado na janela. A chuva
não molha o quarto devido a proteção que tem na parte de cima. Observo
algumas pessoas correndo da chuva, e alguns raios atingindo ao mar. Os carros
passam lentamente na avenida que separa a praia das construções.
Resolvo pegar as velas e o isqueiro que deixei no andar de baixo. Pego
tudo e então subo para o meu quarto novamente, deixando no criado-mudo.
Retorno à janela e respiro fundo. Não consigo tirar a imagem dela com
aquele biquíni e o pior, não consigo me esquecer do beijo, do sabor de seus
lábios, e do seu toque hoje enquanto estávamos vindo e quando ela praticamente
se jogou no meu colo. Meu pau ganha vida na mesma hora, o volume é nítido
através da minha calça de moletom. Estou muito ferrado.
Um relâmpago acompanhado de um trovão me assusta um pouco, devido
a minha distração, e logo as luzes lá fora se apagam e do meu quarto também. Eu
sabia que isso aconteceria. Acendo duas velas, e logo ouço uma batida em minha
porta.
— Téo?
Abro a porta e ela entra. Não consigo nem a olhar direito. E esse cacete
de ereção não abaixa!
— Preciso de uma vela. Trovões e relâmpagos não me trazem tanto
conforto e agora sem luz piorou. — Sorri nervosa.
Olho para ela, não resisto. O ambiente iluminado pelas velas é capaz de
mostrar o que eu não devia ver. Porra. Ela está com uma camisola da minha
irmã. E que merda! Hannah não tem algo mais comportado?
— Téo?
Sua voz. Até sua voz está me torturando. Porra, controle-se, Téo.
Controle-se!
— No criado-mudo tem velas apagadas e isqueiro. Pegue um suporte
também — informo, e ela se vira para pegar. E só pode ser brincadeira, porque o
caralho da vela que ela pega cai e ela se inclina para pegar. Meu pau chega a
doer de tanto tesão. Não posso perder o controle, não posso.
— Téo, obrigada.
Assinto rapidamente.
Ela caminha até a porta, mas a impeço de sair. Ela se vira, ficando presa
entre mim e a porta. As coisas em sua mão caem no chão.
— Raquel, estou tentando entender tudo isso... Inferno. Está sendo foda.
Seus lábios se abrem um pouco, posso notar pelas chamas das duas velas
acesas. Eu tentei controlar, mas nunca me senti assim. Não sei o que é tudo isso
que está acontecendo, mas não consigo me manter longe. Não consigo deixá-la
ir.
— Raquel irei te fazer algumas perguntas, e vai me responder apenas
com sim ou não, certo?!
Ela concorda em um gesto rápido.
Respiro mais uma vez fundo.
— Está com medo?
Ela pensa por um tempo, e tenta dizer algumas vezes, mas na última
tentativa sai:
— Não.
— Resposta errada.
Pressiono seu corpo na porta, e ela fecha os olhos lentamente, e os abre
da mesma forma.
— Está nervosa?
— S-sim.
— Se eu te tocar, vai correr? — sussurro em seu ouvido.
— N-não sei...
— Sim ou não? — exijo.
— N-não.
— Resposta errada.
Toco seus lábios entreabertos com os meus e sua respiração muda.
— Posso te beijar novamente?
— Téo...
— Sim ou não? — exijo mais uma vez.
Ela fecha os olhos novamente. Seu peito sobe e desce rapidamente. Meu
desejo está triplicado. Maldita foi a hora que ela veio até aqui. Ela nunca deveria
ter aparecido naquele hotel, e o principal, nunca deveria ter pedido minha ajuda,
e desta forma nos colocado mais próximos. Eu prometi que não a tocaria... Que
não tocaria em uma virgem, e olha meu estado. Que merda aconteceu?
— Sim. Pode.
— Resposta errada. Sabe por quê?
Ela nega.
Então sussurro, mais uma vez, em seu ouvido:
— Lembra quando eu disse que era o oitavo pecado?
Ela assente.
— Você acaba de tirar o controle que eu tinha sobre isso. Você vai
conhecer o oitavo pecado. Vai conhecer realmente o Senhor Pecado!
É mais do que desejo é muito mais do que amor
Eu te vejo nos meus sonhos
E isso aumenta mais a minha dor
Eu me apaixonei pela pessoa errada
Ninguém sabe o quanto que estou sofrendo...
— Exaltasamba “Eu me apaixonei pela pessoa errada”

Raquel Pereira

Não sei o que estou fazendo. Não consigo pensar direito. Estou em uma
luta interna, muito difícil de compreender. Nunca senti nada parecido. É um
calor assustador, mas delicioso. Uma sensação inexplicável. O medo parece
trazer mais intensidade a tudo.
Quando suas mãos vão para cada lado de meu rosto, minhas pernas
falham, e ele imediatamente agarra meu corpo. As luzes amareladas das velas
acesas não impedem que eu veja seu olhar. Ele está diferente, de um modo que
nunca vi. Quando dou por mim, estamos longe da porta e encostados na parede.
Suas mãos prendem meu corpo. A luta interna não me deixa em paz, porém não
consigo raciocinar. Seus lábios roçam os meus, e fecho os olhos
automaticamente.
— Eu vou te beijar agora... — Sua voz é ainda mais rouca.
Apoio minhas mãos em seu peito nu, e então acontece novamente. Sua
língua abre passagem em minha boca, e eu permito. Não sei o porquê. Não
entendo, mas permito. Meu coração está descompassado e meu corpo
completamente arrepiado. Quando sua língua se cruza com a minha, é como se
eu já soubesse o que fazer, e sentir de novo a bolinha prateada que tanto me
trouxe curiosidade, deslizando pela minha boca, me faz perder o controle. Suas
mãos apertam-me ainda mais, e sinto a rigidez que vem dele, e isso me assusta,
porque sinto algo molhar minha calcinha. O que é isso?
Ele para o beijo, mordendo meu lábio inferior, e a sensação é boa.
— Raquel... Porra... Você está acabando comigo.
— Eu... Téo... O que é tudo isso? — Minha voz é lenta.
Ele caminha até a cama, agarrado a mim, e sinto a maciez do colchão
quando ele inclina meu corpo e deita-me. A camisola que uso sobe
completamente e tento baixá-la, mas ele me impede.
— Não faça isso, por favor.
Um clarão entra no quarto, e olho assustada, mas ele sorri. Nunca pensei
que ele poderia ficar ainda mais lindo, apenas com a luz da vela refletindo sobre
ele.
Suas mãos deslizam pelas minhas pernas, e meus olhos se fecham,
sentindo a sensação.
— Olhe para mim — pede e abro os olhos. — Você quer que eu
continue? Sim ou não?
Não consigo entender nada do que está acontecendo. Por que estou tendo
essas reações? Mas eu não quero que ele pare. Eu preciso que continue e não sei
o porquê. Então assinto.
Minha camisola é retirada, e antes que eu possa cobrir meus seios, ele me
impede.
— Não cubra, Raquel. Se entregue, não tenha medo.
— É impossível.
— Não é, e vou te provar isso.
E ele prova. Sua língua passa ao redor do bico do meu seio, e a bolinha
prateada mais uma vez me deixa louca. O que estou fazendo?
Um som diferente escapa de meus lábios, e minhas mãos agarram a
colcha, estou sem controle.
— Não controle as sensações, deixe vir. E descubra o que o piercing
pode fazer. — Seu sorriso me faz sentir um friozinho na barriga.
Não demora e estou sem calcinha. Por Deus, estou sem calcinha!
— Caralho... Raquel, você... Porra, nunca pensei que... — ele busca
palavras, e por incrível que pareça sei ao que se refere, pois ele não retira os
olhos.
— Sim, me depilo. Minha mãe não gosta, diz que é vulgar, mas minha tia
Cássia me ensinou e faço. Minha mãe deixou de surtar, e eu achei que então
poderia continuar... Ela disse que não saio com homens, então isso não seria um
grande problema, como outras coisas... — Escondo o rosto envergonhada, por
falar tanto.
Suas mãos descobrem meu rosto.
— Não fique com vergonha. Está tudo bem. — Beija rapidamente meus
lábios.
Começa a beijar meu pescoço e vai descendo por toda extensão do meu
corpo. Mas, quando se aproxima da minha intimidade, fecho as pernas.
Ele não pode fazer isso!
— Téo...
Antes que eu continue dizendo qualquer coisa, minhas pernas são
completamente abertas e são mantidas assim.
— Vou chupá-la de uma forma que nunca mais vai esquecer, minha
Santinha.
Senhor, olha o que estou fazendo. Vou para o inferno!
Então ele faz. Sua boca ataca-me como se eu fosse alguma comida
saborosa. Sua língua desliza por um ponto mais sensível, e quando penso que a
sensação que estou sentindo não pode aumentar, ele chupa-me. Não consigo
controlar, simplesmente não consigo. Solto sons altos de meus lábios e
incompreensíveis. O piercing, que tem me tirado a paz neste momento, é o que
mais sinto agora, quando sua língua entra em mim, e nem sequer consigo pensar
em como ele fez isso. Não consigo pensar em nada.
— Téo, isso... — Inclino a cabeça para trás, e meu corpo se curva um
pouco.
Um vento frio em minha intimidade faz com que eu encolha os dedos dos
meus pés e crie uma tensão em minhas pernas. Quando olho, é ele assoprando e
dando beijos suaves. Ele então sorri, e é como um sorriso de uma criança que
acaba de aprontar, e neste momento ele simplesmente chupa-me com mais força,
e agarra um de meus seios apertando forte, e não consigo entender o que
acontece com meu corpo, que começa a tremer e a liberar algo que escorre de
dentro de mim. Os sons que escapam de meus lábios se intensificam, ficando
mais alto. Tento fechar as pernas, é automático, mas sou impedida. Grito por seu
nome, e ele fica por cima de mim segurando meu rosto com ambas as mãos,
enquanto sua testa encosta na minha. Quando consigo abrir meus olhos, em meio
a essa sensação louca e deliciosa, ele diz:
— Isso é gozar, meu amor.
— E-eu... acabou... — Fico desapontada achando se é apenas isso e nem
sei o motivo de ficar assim.
— Ainda não.
Então se afasta, ficando de pé. Neste instante a luz retorna, e sem dizer
nada, apaga a vela, e acende os abajures, e logo depois apaga a luz. Consigo vê-
lo melhor, e sei que assim ele me vê ainda mais.
— Você é linda.
Minhas bochechas esquentam.
Ele retira a calça, seguido de sua cueca. Meus olhos arregalam. Isso não
pode ser... É muito grande. Não. Vai me machucar. O que eu estou fazendo?
— Relaxa. — Ele deve ter percebido meu espanto.
— Téo, é muito grande. É errado. Não posso — digo apavorada.
Ele se senta ao meu lado.
— Toque. Conheça com suas próprias mãos.
— Posso? É errado. Téo, eu vou para o inferno! — falo em desespero.
— E eu vou te acompanhar.
Com cuidado, ele pega minha mão e leva até o que tanto está me
assustando. Assim que toco, seus olhos fecham duramente e ele morde o lábio
inferior. É duro, macio e causa algo desconhecido em meu interior. Mexo com
cuidado, com medo de quebrá-lo, e Téo solta um som estranho de sua boca,
como um gemido, mas não de dor.
— Téo, não pode colocar isso em mim. Vai doer.
— Vai sim, não vou mentir, mas será bom depois, eu prometo.
— Eu estou com medo. — Afasto minha mão e fico olhando aquilo
grande, que parece que vai me engolir. — Mas não quero desistir, Téo. Quero
continuar... — falo envergonhada.
Ele toca meu rosto e beija com carinho meus lábios, diferente da outra
vez.
— Eu vou ter cuidado. Eu vou tornar isso especial, eu te prometo. Confia
em mim? — Concordo, sem saber o porquê.
Ele se levanta novamente e pega algo dentro de sua carteira que estava
no criado-mudo. Então rasga a embalagem, e desliza a mão com o que tinha
dentro da embalagem — que sei que é a camisinha —, sobre toda a base de seu
comprimento. Fico olhando curiosa com tudo aquilo. Quando vi no hotel apenas
o “volume’, não parecia que seria algo assim.
Ele fica entre as minhas pernas, e sorri.
— Quando eu colocar meu pau dentro de você, não terá volta. Então essa
é a sua chance de impedir-me. Quando eu tirar a sua virgindade, não sei o que
vai acontecer depois. Então essa é a sua chance, se não quiser conhecer o meu
outro lado.
Fico olhando para o seu rosto e, de repente, algo vem à minha memória:
“Você não pode ter relações com homens antes do casamento e não
quero que se case. Homens não prestam.”
Téo é bom e ele presta sim. Como eu queria que ela soubesse disso. Com
uma coragem que não sei de onde vem, apenas digo:
— Pode continuar, Téo.
— Porra! — ele diz inclinando um pouco de seu corpo sobre o meu. —
Não fique tensa. Relaxe. Se doer muito, precisa me falar, tudo bem?
Meneio a cabeça, afirmativamente.
— Vou colocar...
E assim acontece. Começo a sentir entrando em mim, e dói um pouco.
Fecho os olhos, e tento relaxar como ele disse. Ele para, e abro os olhos.
— Foi? — indago e ele nega.
— Só precisa me avisar. E se tiver que gritar pela dor, não tenha
vergonha. Não poderei ir devagar, ou será pior.
Sinto um medo após essas palavras. Que tipo de dor ele se refere?
Seus olhos estão fixos aos meus. E antes que eu pense em fazer qualquer
coisa, ou dizer, sinto como um beliscão forte, e uma dor na mesma intensidade.
Eu grito, e fecho os olhos com força. Téo não se mexe mais, e seus lábios ficam
em um beijo demorado na minha testa.
— Estou me controlando muito... Você é apertada demais, e está me
apertando ainda mais.
Ele cola nossas testas, e sinto seu hálito quente próximo a minha boca. A
dor e a ardência vão diminuindo, e a sensação de tê-lo dentro de mim começa a
mexer comigo. Lágrimas escorrem pelo meu rosto, e ele beija cada uma.
— Amor, te machuquei muito? — pergunta e posso notar que está
realmente preocupado.
— Não. Eu não sei por que estou chorando. Téo, doeu, não irei mentir,
mas eu deveria sentir culpa por isso, mas não estou sentindo, eu sou tão
pecadora... Não choro de tristeza, não sei explicar...
— Shhh... Não é pecadora. Deixe que eu ocupo esta categoria por nós
dois.
— Vai doer de novo? — pergunto curiosa.
— Você vai descobrir.
Então começa a se movimentar, e nunca pensei que pensaria algo assim,
mas é muito maravilhoso. Seus lábios se encontram com os meus, e beija-me
com força, brutalidade, e acompanho isso. Estou fora de mim. Quero pensar que
é tudo errado, que tenho que sair depressa daqui, mas não consigo. Não com ele
beijando agora meu pescoço. Agarro seus ombros com força. Meu corpo se
movimenta com cada investida dele.
— Porra, é apertada demais essa bocetinha — diz indecências, enquanto
continua se movimentando. Suas mãos puxam minhas pernas, que contornam
sua cintura. E agora, posso senti-lo mais fundo.
— Ah... Téo!
— Se continuar gemendo, eu vou ficar ainda mais louco, Santinha — ele
fala com a voz entrecortada.
— Eu... Ah... — não consigo dizer nada, e nem sei o que eu diria.
Os movimentos ficam mais fortes e mais rápidos. E meus gemidos mais
altos e intensos. Eu não posso controlar. Téo chama pelo meu nome várias vezes,
e então começo a sentir algo estranho, um calor que vem desde os pés,
acompanhado por um tremor muito forte, aperto ainda mais seu corpo com as
minhas pernas.
— Téo... O que é isso? — pergunto em um sussurro.
— Você está tendo um orgasmo, amor... Caralho, não dá mais!
E então, um grito intenso sai de mim, e o tremor triplica. Téo diz meu
nome acompanhado de xingos, e uma mordida leve em minha orelha, e isso faz
com que eu sinta meu corpo inteiro perder as forças, e os movimentos que o Téo
fazia cessarem. Estamos muito suados e ofegantes. Ele sai com cuidado de mim,
e em seguida de cima. Então entra em seu banheiro e fecha a porta. Sento na
cama com cuidado, puxando minhas pernas de encontro ao meu corpo.
Agora a ficha literalmente caiu.
O que eu fiz?
As lágrimas começam a cair novamente, e meus lábios tremem. Eu não
posso mentir e dizer que não gostei, e falar que estou com remorso, porque não
estou. Mas sei que isso foi errado, e que só vai piorar minha situação quando
minha mãe retornar. Minhas tias e meu tio sempre falavam que ela me prender
tanto uma hora traria consequências, e talvez não boas. E se falavam disso? Eu
me entreguei ao Téo Lima, um homem completamente o oposto da minha vida, e
não consigo sentir remorso, e isso é o que mais me dói. Em quem eu me
transformei?
Visto a camisola e calcinha rapidamente e saio às pressas do quarto, indo
para o quarto de Hannah. Deito da cama, e fico encolhida, chorando e me
culpando, por não estar arrependida do que fiz, e por saber que isso pode me
causar muitos problemas. A Raquel de antes jamais faria isso. E se conviver com
o Téo realmente estiver me mudando e não para melhor? Meu tio disse algo
sobre ele sentir atração pelo proibido, e eu... Deus, eu sou proibida. Melhor, eu
era...
Fecho meus olhos e converso com Deus, em pensamentos.
“Estou confusa. É errado não se arrepender do que fiz? Estou com medo
do que o futuro vai me reservar depois desta decisão. E se eu fui o fruto proibido
para ele, que consequências tudo isso vai ter? Me perdoa por tudo isso, e por ter
agido assim. Me perdoa por não sentir arrependimento. Mas me ajude a tentar
lidar com isso, mesmo eu sabendo que cada ação gera uma reação. Sei que tudo
nos é licito, mas será que eu realmente entendi certo, e escolhi algo certo ou
escolhi o errado? Que confusão, Deus!”
Além de tanta confusão, uma parece ter mais força dentro de mim, que é
entender por que o Téo me traz confusões internas, e deixa meu coração uma
bagunça. É tão forte o que sinto, que chega a doer.

Eu tento disfarçar, fingir que não te quero
Pra enganar meu coração
Desvio o meu olhar, pois se eu te ver
Não vou conseguir agir com a razão
— Henrique e Juliano “Medo de te amar”

Téo Lima

Olho-me diante do espelho, enquanto mantenho as mãos apoiadas no


mármore da pia. O que está acontecendo, Téo? Não consigo me arrepender do
que fiz. Na verdade, sinto ainda mais desejo quando sua imagem nua por
debaixo do meu corpo vem à minha memória. Estou com medo do que está
acontecendo. Eu nunca fiquei desta forma com outras mulheres, nem mesmo
com Samira. E se a Samira estiver certa? Eu não posso estar me apaixonando.
Não quando a pessoa em questão é uma garota que acabo de tirar a virgindade,
sobrinha do padre e filha de uma doida.
Retiro a camisinha e jogo fora. Esfrego meu rosto, e respiro fundo. Saio
do banheiro para ir ao seu encontro. Não sei o que irei encontrar, e preciso estar
preparado. Entro no quarto e me surpreendo ao ver a cama vazia. Merda!
Visto minha cueca e a calça e saio do quarto. Vou diretamente para o
quarto de Hannah, onde ela deve estar. E não erro nesta decisão. Olho para ela
encolhida na cama, e isso acaba completamente comigo. Fiz merda, mais uma
vez!
Aproximo-me com cuidado e abaixo ao lado da cama. Seu olhar se
encontra com o meu. Ela está estranha. Parece triste e preocupada. Eu não
deveria ter ido tão longe.
— Raquel, está tudo bem? Te machuquei? Por favor, seja sincera — meu
tom é baixo, quase um sussurro.
Enxugo uma lágrima solitária que escorre por seu rosto.
— N-não. Não machucou.
— Quer conversar? — tomo cuidado com cada palavra.
Ela balança a cabeça lentamente em negativa.
Olho para ela avaliando-a, para ter certeza de que não está machucada,
mas não consigo notar nada diferente, além de seu olhar confuso.
— Vou te deixar sozinha. Qualquer coisa me chame. — Não sei como
agir.
Ela não diz nada, e tampouco se mexe. Levanto-me com cuidado, e olho
uma última vez para ela, antes de sair do quarto.

Retorno ao meu quarto e fico debruçado na janela. A chuva agora é fraca.


Meu coração está apertado. Pela primeira vez, eu quero estar realmente
ao lado de alguém após o sexo. Quero saber se ela está bem. Se a machuquei.
Droga! Eu estou de parabéns, porque na categoria “fazer merda”, eu tirei
diploma. Por que não mantive o maldito controle? Ela não é qualquer uma. Não
é!
Meu celular apita. É uma mensagem da minha irmã:

Vamos pela manhã. Não temos condições de viajar hoje, já é muito tarde.
Cuidado. Não faça besteiras, por favor. Beijos.

Tarde demais. É realmente muito tarde, porque eu já fiz.


Coloco o celular na cômoda, e volto para a janela. Estou sem um pingo
de sono. E em minha mente só vêm imagens da Raquel nua, dos nossos beijos,
da primeira vez que a vi... Droga, eu me lembro de cada momento.
Ouço a porta se abrir, e me viro para olhar.
Ela encosta-se ao batente da porta e acende a luz. Seu cabelo está
completamente solto e desalinhado.
— Posso ficar aqui? Não quero ficar sozinha. Só não quero conversar —
diz com sua voz doce.
— C-claro — atrapalho-me com a resposta.
Ela olha em direção à cama e sigo seu olhar. Há pequenas manchas de
sangue.
— Ai, meu Deus! — Ela cobre a mão com a boca.
Eu deveria ter imaginado isso!
— Antes que se apavore, é normal. Você era virgem.
Ela não tira os olhos da cama.
Rapidamente retiro o lençol e embolo jogando-o em um canto do quarto.
Pego outro no guarda-roupa, e ajeito a cama e coloco um cobertor, além de
reorganizar os travesseiros que haviam caído.
— Pronto. Não precisa ficar assustada. — Tento sorrir para amenizar o
espanto dela.
— Eu... Senhor, eu sangrei na sua cama. Ai, que vergonha! — Tenho
vontade de rir, mas controlo.
— Está tudo bem. Deite-se. Precisa descansar.
Ela acena com a cabeça lentamente, e se aproxima da cama. Deita e se
cobre.
Não resisto e pergunto:
— Raquel, tem certeza de que não te machuquei?
Ela fica em silêncio por um tempo e isso é uma tortura.
— Não... Téo, não machucou. Está dolorido, mas suportável. Só estou
confusa. Mas não quero ficar sozinha. Passei muito tempo da minha vida me
sentindo sozinha, e agora não quero me sentir assim mais uma vez.
Sinto uma raiva por saber disso. Raquel não teve uma vida decente. Que
mãe permite a filha a chegar neste estado? Meu Deus!
— Tem certeza de que não quer conversar?
— Não tenho o que dizer. Estou muito confusa. Estou com medo.
— Está arrependida? — Temo por sua resposta.
— Esse é o problema. Não me arrependo, mas sinto tristeza por não estar
arrependida daquilo que eu sei que foi errado. Não sei como será quando minha
mãe retornar, e como meu tio vai reagir a tudo. Pela primeira vez, eu realmente
estou com medo do futuro. Nunca tive uma vida comum. O pouco de
normalidade que estou podendo ter está me assustando e trazendo muito medo. E
algo dentro de mim grita que essa liberdade é momentânea, que vai acabar e que
não será da melhor forma. E após hoje... Ah, Téo, tudo será pior.
É como se uma faca atingisse meu peito, devido suas palavras.
— Raquel, quero poder te dizer qualquer coisa que conforte, mas não
posso. Eu nem sei o que dizer.
Ela concorda.
— Dorme um pouco.
Apago a luz, e ela se ajeita na cama. Não me deito, fico olhando para ela,
talvez por horas, minutos, não sei. Sua respiração fica mais leve e seu corpo
relaxa. Ela dormiu.
Aproximo-me, e deito ao seu lado, após ficar um bom tempo apenas
observando de longe. Não a toco, apenas continuo a olhando.

Olho através da janela e o sol já está nascendo. Não preguei os olhos em


nenhum momento. Simplesmente não consegui. Suas palavras não saíram da
minha mente. Eu posso ter destruído completamente a vida dela.
Sou um cretino. Um grande cretino!
Olho mais uma vez para ela. Não posso deixá-la aqui. Não quero
comprometê-la com minha mãe e minha irmã. Pego-a no colo com cuidado e
levo até o quarto de Hannah. Ela resmunga, mas não acorda. Coloco-a sobre a
cama e a cubro. Antes de sair, dou um beijo em sua testa e acaricio levemente
seu rosto. Ela se mexe um pouco, e afasto minha mão.
— Eu não me arrependi. Na verdade, ainda a desejo. Você ferrou comigo,
minha Santinha — falo baixo.
Saio do quarto e retorno para o meu, onde deito na cama, e me permito
relaxar um pouco, e tentar dormir.

Acordo com alguém xingando. Olho para a direção da cômoda e vejo


minha mãe.
— Olha só, acordou! — Ela sorri. — Cômoda assassina, quase fiquei
sem o pé.
Esfrego os olhos e sento-me na cama.
— Que horas são?
— Quase dez. Cheguei uma hora atrás, e como ninguém acordava, vim
ver se estavam vivos. — Ela continua sorrindo.
Volto a deitar e cubro minha cabeça com o travesseiro. Estou com muito
sono ainda.
— Trate de acordar. Hannah foi acordar a Raquel. Vamos tomar café
juntos. Na verdade, preciso ir ao mercado. Levante, menino! — Ela puxa a
coberta.
— Mãe, daqui cinco horas levanto.
— Arranco sua cabeça. Levante... O que é isso? Não acredito que a
Brenda não está trocando a roupa de cama! O lençol estava sujo?
Viro-me rapidamente e salto da cama, mas ela pega antes, me olhando
estranhamente. Merda, esqueci disso!
Ela abre o lençol, e sento-me na cama. Esperando o surto.
— Filho, você se machucou? Nariz sangrou? Por que está com pequenas
manchas de sangue?
— Me cortei — minto, e ela me olha desconfiada.
Avalia meu corpo.
— E cadê o corte?
— Foi um corte pequeno.
Ela embola o lençol e começa a andar de um lado para o outro.
— Me fale a verdade. Eu estou lutando para não pensar em uma coisa,
mas não consigo. O que aconteceu?
— Me cortei!
Hannah entra no quarto e sorri para mim.
— Cheguei para animar seu final de semana... Que caras são essas?
— Cadê a Raquel? — minha mãe indaga.
— Foi tomar banho. Pegou a mala e saiu em disparada para o banheiro.
Por quê?
Minha mãe entrega o lençol a ela, que abre sem entender, mas logo sua
expressão muda.
— Menstruando por aí, maninho? — ela provoca.
— Não, idiota!
— Quero falar com você e a Raquel! — minha mãe diz em tom
autoritário.
— Ai, meu Deus! Raquel era virgem, e vocês... Téo! — Hannah diz alto.
— Cala a boca! — digo a ela.
— Téo, vai continuar mentindo? — minha mãe exige.
— Está bem... Aconteceu, satisfeita?
Ela se senta na cama e respira fundo.
— Estou enfartando. Estou morrendo! — minha mãe diz.
Hannah me olha feio.
— Téo, eu não acredito. Papai vai nos matar. Ele prometeu ao tio da
menina que cuidaria dela. O tio dela é o padre João! Senhor, estamos
condenados ao inferno!
— Eu não acredito. Eu te disse para ficar longe! — minha mãe grita.
Levanto e olho sério para as duas.
— Aconteceu e já era. Vocês duas não vão abrir a boca com eles, e nem
falar disso com ela. Esse problema é meu, e quem tem que resolver sou eu. Vão
fingir que não sabem de nada.
— Você realmente acha que isso não vai chegar ao ouvido do nosso pai e
do tio dela? Você parece ter um feitiço que todas depois ficam coladas em você,
e qualquer idiota percebe que algo aconteceu! Téo, olha a merda que fez!
— Sua irmã tem razão. Era para ser uma viagem tranquila, e não com
meu filho espetando a vagina de uma garota que parece uma freira. Por Deus,
como irei olhar para o padre João nas missas? Eu não sei como vou olhar para o
seu pai. Téo, se esta garota pedir as contas daquele hotel, ou isso trazer qualquer
problema grave, você vai aguentar a fúria do seu pai, e eu não irei interferir, não
mesmo. Cansei de falar e você fingir ouvir. Vai assumir as consequências, e
sozinho.
— Não quero que ninguém interfira. Só fiquem caladas.
— O circo vai pegar fogo. Meu Deus! — Hannah diz se aproximando da
porta, e antes de ir conclui: — Se ela tocar no assunto, não vou evitar e não vou
enganá-la fazendo propaganda perfeitinha de você. Desta vez, você se superou.
Que merda, meu irmão. Que merda!
Minha mãe me olha e se levanta.
— Você não deveria ter deixado isso ir tão longe. Se não souber lidar
com isso, estará cavando seu próprio poço, e desta vez vai doer, mas não poderei
impedir. Está na hora de crescer, meu filho. — Ela acaricia meu braço e me
deixa sozinho.
Não preciso que ninguém diga que fiz merda. E não estarei cavando,
porque já fiz e estou na beira do meu próprio poço e uma hora irei despencar
nele, porque já sei que não irei conseguir me afastar.

Raquel Pereira

Estamos na sala e a mãe do Téo está nervosa, porque os filhos não


querem acompanhá-la ao mercado.
— Vocês são dois ingratos! Precisamos comprar comida para o café da
manhã e irmos à praia aproveitar o sol. Não quero ir sozinha.
— Mãe, é aqui do lado, não precisa nem de carro — Hannah diz deitando
a cabeça no colo do Téo, que começa a puxar os fios de seu cabelo e ela bate em
sua mão.
Depois da chuva de ontem, é bom ter sol. Quando acordei no quarto da
Hannah, senti um vazio, como se tudo tivesse sido um sonho, mas desta vez não
foi, porque, quando fui ao banheiro fazer xixi, pude sentir uma pequena ardência
comprovando tudo o que aconteceu.
— Eu irei sozinha, mas se algo me acontecer, não quero ninguém
chorando no meu caixão, porque eu retorno dos mortos, apenas para assustá-los.
Téo e Hannah reviram os olhos.
Por que ninguém quer ir com ela?
— Eu vou com a senhora, se quiser. — Seus olhos brilham, e tenho
vontade de rir.
Téo e Hannah me olham estranho, como se eu tivesse feito algo errado.
— Viu? É uma filha assim que pedi a Deus, mas devo ter pecado muito,
porque recebi dois ingratos. Vamos, Quel — diz animada.
Levanto-me e ajeito o vestido que estou usando. Todas as roupas que eu
trouxe, foram as novas, assim como lingerie e sapatos. E confesso que ainda é
tudo estranho, mas estou acostumando aos poucos. Meus cabelos estão soltos e
penteados, e uso nos pés uma sandália bem bonitinha, com algumas pedrinhas.
Parece um chinelo, mas a moça da loja disse que isso não era um, então não
discuti.
— Vou pegar minha carteira, que ficou na bolsa em meu quarto. Já
retorno. — Ela sai muito alegre da sala.
Téo e Hannah continuam me olhando estranho.
— O que foi? — questiono curiosa.
— Coitadinha... Não sabe no que se meteu — Hannah diz balançando a
cabeça.
— Pobre, Raquel. Vai ficar traumatizada com mercados. — Téo começa
a rir junto com Hannah.
— Que maldade. Ela quer companhia e vocês dois não querem
acompanhá-la. Eu sempre acompanhava minha mãe, e olha que ela não é a
melhor pessoa para sair.
— Gata, terá sorte se sair do mercado sem algemas. Boa sorte, de
verdade. Estarei aqui torcendo por você — Hannah diz ainda rindo.
Acabo olhando feio.
— Relaxa, o muito que pode acontecer, é você a partir de hoje ter
passagem na polícia — Téo provoca.
Eleonor retorna. Olha para os filhos e faz cara feia, mas ambos
gargalham.
— Vamos, minha querida. Deixe esses ingratos.
Ela puxa minha mão e por pouco não caio. Téo e Hannah não param de
rir. Hannah faz um coração com as mãos.
— Não ligue, são dois bestas! — Eleonor fala e saímos da casa.

Estamos pegando pão, é o último item da lista que ela fez no celular. O
mercado está bastante movimentado. Pessoas bronzeadas, algumas com parte do
biquíni à mostra e sorridentes, já outras com cara de poucos amigos.
— Obrigada — ela diz ao rapaz que lhe entrega o pão. — Deseja algo,
querida?
— Não, obrigada. — Sorrio.
— Vamos, antes que as filas fiquem maiores. Segura a cesta, por favor?
— ela pede.
Pego de suas mãos e ela mexe em algo no celular, e depois pega a cesta
novamente.
— Estava conferindo a senha do cartão. Esqueço direto.
Entramos em uma fila com poucas pessoas e logo chega a nossa vez. A
moça do caixa passa cada produto e diz o valor final.
— Cartão ou dinheiro?
— Cartão.
— Débito ou crédito?
— Débito.
A atendente não está com uma cara muito boa. Parece estar nervosa.
Eleonor olha para ela, seriamente.
— Insira o cartão e coloque a senha! — a moça diz em um tom meio
estúpido.
— Olha aqui, querida, poderia ser mais educada? Se está com algum
problema, não deve descontar nos clientes — Eleonor diz e a mulher revira os
olhos.
Ela digita a senha e a moça pede para retirar o cartão e assim ela faz. Um
rapaz embalou todas as compras.
— Seja mais educada. Seu mau humor pode detonar o dia de alguém,
afinal ninguém merece ser atendido logo cedo desta maneira.
— Senhora, não está satisfeita? Chame o gerente. Agora com licença!
— Olha aqui...
— Deixa, não vale a pena. Vamos — digo e Eleonor suspira. — Tenha
um bom-dia, moça. E que Deus ilumine muito sua vida. — Ela olha para nós e
logo desvia o olhar.
Pegamos as sacolas e saímos do mercado. Lembro-me de que a primeira
vez que a vi em um mercado, ela discutia no caixa. Sorrio com a lembrança.
— Nossa, não suporto pessoas assim. Se você não tivesse dito aquilo, eu
teria dito poucas e boas ali. Onde já se viu? Se temos problemas, não devemos
descontar nas pessoas.
— Tem razão. Mas sempre achei que bater boca em alguns casos, não
vale a pena.
— Verdade, querida.

Entramos na casa e Téo e Hannah olham para nós e riem.


— Não teve algemas e não ligaram, então foi tudo bem — Hannah diz.
— Engraçadinha! — Eleonor resmunga.
Vamos para a cozinha deixar as coisas. Téo e Hannah entram, e ficam
olhando.
— Sério que não a fez passar vergonha? — Téo indaga.
— Não. E olha que quase aconteceu uma confusão, com a moça muito
mal-educada do caixa. Mas Raquel disse que não valia a pena e fomos embora.
— ESTÁ BRINCANDO! ESTE TEMPO TODO ERA SÓ DIZER ISSO
PARA A SENHORA NÃO ARRUMAR CONFUSÃO? — Téo grita, e eu rio.
— Piada! Sério isso? Raquel, eu te odeio — Hannah diz rindo.
— Sou uma mulher educada. Não arrumo confusões, apenas discordo de
algumas coisas e questiono outras. — Eles riem. — Téo, arrume a mesa, e
Hannah, me ajude na cozinha. Raquel, pode se sentar na sala e esperar, porque já
que os dois ingratos não quiseram me acompanhar e ainda debocham, vão
ajudar.
— Isso é totalmente injusto — Hannah replica.
— É a vida, querida. É a vida.
— Eu ajudo, sem problemas — falo.
— Não! Vá, eles merecem isso. — Ela acerta o pano de prato no Téo.
— Mas...
— Não discuta, querida! — ela rebate.
— Está bem.
Passo por ela e Hannah, que agora mexem nas coisas na pia. Téo me
analisa.
— Traíra — ele diz e sorri.
— Eu quis ajudar, ela não deixou. — Dou de ombros.
— Pare de importunar minha princesinha — Eleonor diz e Téo revira os
olhos.
Vou para a sala sorrindo.

Depois de tomarmos café, e eles arrumarem tudo, Hannah e Eleonor


foram trocar as roupas que estavam por biquínis. Estou em um quarto de
hóspedes. Já coloquei meu biquíni azul-escuro. Por cima vesti uma saída de
praia, e estou com chinelos. Não estou nada confortável. Estou me sentindo nua.
Fuço na mala à procura de outro mais fechado. A esperança de encontrar é
grande.
Braços me agarram por trás e solto um grito devido ao susto.
— A mala deve estar interessante, pois não me viu chegar — Téo diz,
ainda agarrado a mim.
— Me solta. Estou desesperada à procura de algo mais discreto.
Ele beija meu pescoço e sinto um arrepio.
— Téo...
Ele vira-me de frente para ele, e mantém nossos corpos colados.
— Não vai encontrar nada discreto. Os biquínis que compramos são um
inferno — ele diz e sorri.
Afasto-me de seus braços e ajeito a saída de praia.
— Não fique com vergonha.
Ele olha para a mala, que está com biquínis em cima.
— Mas não use aquele amarelo.
— Por quê? — Fico curiosa.
— Se não quiser me ver ficar louco, melhor não usar. Saiba que não
fiquei naquele estado na loja à toa.
Minhas bochechas esquentam. Ele sorri e me agarra novamente.
— Téo, para com isso.
— Não irei. E agora, pare de frescura. Esse está perfeito.
— Está mostrando demais!
— Está escondendo muito na minha opinião. — Bato em seu braço e ele
ri.
— Estou basicamente nua!
Ele aproxima o rosto do meu e me beija. É automático, meu coração
acelera. Meu corpo se arrepia e sinto um friozinho na barriga. Sua língua se
encontra com a minha, e acabo por colocar meus braços ao redor de pescoço.
Seu piercing desliza por minha boca, causando uma sensação gostosa. Sua mão
desliza por minhas costas, e se aproxima da minha bunda. Sinto um calor forte,
como ontem. Toda vez que ele se aproxima, algo dentro de mim muda, parece
que me transformo em outra Raquel, até antes desconhecida. Ele pressiona ainda
mais o corpo do meu, e sinto a rigidez entre suas pernas, assim como ontem. Isso
mexe ainda mais comigo.
Alguém pigarreia nos assustando. Tento me afastar, mas ele me vira, me
abraçando por trás. Tento me soltar e é inútil.
— É... Vim ver se estava tudo certo... Bom, péssima hora — Hannah diz
e sei que estou completamente vermelha. Quero correr daqui.
— Já vamos descer. — Hannah continua olhando. — Vai! — Téo
reforça.
Ela sai rapidamente. Viro-me para o Téo.
— Eu estou morrendo de vergonha. — Ele acaricia meu rosto.
— Não precisa ter vergonha. Só preciso acalmar meu pau, que por sua
causa está duro. — Ele aponta e olho. Não devia ter feito isso. Sinto as
bochechas doerem de tanta vergonha. — Não adianta ficar ruborizada, quem terá
que lidar com isso sou eu. Raquel, você ativou o Senhor Pecado. Tirou o
controle sobre o oitavo pecado e eu te avisei ontem.
— Téo... Eu... Estou indo.
Saio rapidamente do quarto. Usar este biquíni já não é mais tão
vergonhoso, não depois do que aconteceu.
Paro no meio do corredor e respiro fundo. Como vou olhar para a
Hannah? Que vergonha.

Sei que pra nós dois um romance é coisa delicada demais
Não dá pra esquecer o que vivemos antes um do outro
Bem melhor a gente deixar rolar, se entregar
Ver o fogo que apagou queimar de novo
— Jorge e Mateus “A gente nem ficou”

Raquel Pereira

Se me dissessem que esta era a sensação de estar diante de tamanha


beleza, eu teria enfrentado minha mãe antes, para vir conhecer este lugar. A
imensidão azul é encantadora. A brisa, o cheiro, o céu, parece ser mais bonito e
diferente. Na verdade, são diferentes. Deus caprichou muito na natureza. Pela
televisão sempre achei bonito, mas pessoalmente é mil vezes melhor.
— O que achou? — sobressalto com a voz da Eleonor.
— Nunca tinha vindo? — Hannah questiona surpresa.
— Não. Primeira vez. E é perfeito. — Elas sorriem.
— Vamos ficar nestas cadeiras aqui atrás. Vou avisar a moça responsável
por elas. Hannah, me acompanhe.
Elas se afastam e continuo observando tudo. Mexo meus dedos na areia e
sorrio com a sensação. Uma criança passa correndo e a mãe corre atrás, fazendo-
o rir muito, parece uma bolinha correndo. É bonito ver a cena. Um homem passa
com uma mulher em seus braços, e ela gargalha, e então entram no mar, e ele se
joga na onda junto com ela, que ri muito. Tem um grupo de senhores à direita e é
divertido os maiôs das senhorinhas, pois são bem intensas as cores. Nunca vi
tantas pessoas com bastante parte do corpo à mostra como hoje. É tão natural
tudo isso para eles, que é ridículo pensar que para mim até então não era.
— É lindo mesmo. Eu amava viajar para o litoral. A maioria das minhas
inspirações fotográficas surgiam vendo esta obra-prima — Téo, que se mantinha
calado ao meu lado, resolve falar.
Olho para ele e sorrio. É fácil ter inspirações por aqui. Os detalhes são
fascinantes. Traz uma paz interior.
— Ei, vem vocês dois.
Olho para trás onde Hannah e Eleonor estão sentadas.
Vamos até elas, e me sento em uma cadeira ao lado de Hannah, que está
passando protetor solar, assim como sua mãe.
— Achei que iria precisar. Aqui. — Hannah me entrega os óculos de sol,
que retira de sua bolsa.
— Obrigada. — Coloco-o.
Téo retira a bermuda e, Senhor, não irei aguentar vê-lo assim. Já é difícil
lidar com ele sem camisa. Deus do céu! Estes óculos vieram para me salvar.
Ele coloca a bermuda na cadeira livre e pede ajuda a mãe dele com o
protetor. Hannah pergunta se quero ajuda, e aceito, morrendo de vergonha por ter
tirado a saída de praia. Assim que a Hannah termina, me ajeito na cadeira,
deixando a saída de praia sobre meu colo cobrindo uma parte dele. O guarda-sol
é bem grande, e protege boa parte de meu corpo do sol, o que está sendo bom, já
que está bem quente. E nem parece que choveu tanto ontem.
Téo se afasta de perto da mãe, e se senta na cadeira ao meu lado. Não
poderia arrastá-la e colocar mais para trás? Deus, eu não consigo olhar para ele
assim, sem lembrar-me de ontem. Que vergonha.
Eleonor retira um livro da bolsa de Hannah, e começa a ler. Olho para o
Téo, que brinca com os óculos de sol em sua mão e fica observando à frente.
Olho na mesma direção que ele, e vejo duas mulheres muito bonitas indo para o
mar. Seus biquínis são muito pequenos. E eu reclamando do meu! Viro
disfarçadamente a cabeça para olhar o Téo, e ele continua olhando para a frente,
e parece estar olhando para elas. Sinto uma raiva estranha. Ajeito os óculos em
meu rosto, porém não consigo deixar de olhar para ele, e tentar saber se
realmente olha as mulheres que agora estão entrando no mar. Por que estou com
raiva? Ajeito-me na cadeira, porém desta vez meu olhar desvia para o seu colo, e
sinto minhas bochechas corarem. Não posso ficar fazendo isso.
— Sabe, estes óculos não são tão escuros assim — ele sussurra em meu
ouvido, e levo um susto, por estar tão distraída.
Estava prestando atenção em outra coisa. Que errado, Deus!
— Hmm... — quero responder de outra forma, mas aquela raiva ainda
está em mim.
— O que houve?
— Nada.
Olho para frente e as mulheres estão mais no fundo.
— Sei.
Ele se levanta parando à minha frente e diz:
— Vamos para o mar. Vem.
— Não quero.
— Por quê? Tem que entrar. Não adianta só admirar sem senti-lo.
— E por que você quer ir? Já deve ter ido antes — tento controlar minhas
respostas secas, mas não consigo.
— Porque a ideia é ir sempre. Vamos?
— Não quero. Pode ir.
— Raquel...
— Pode ir.
Ele deixa os óculos na cadeira e se afasta. Parece nervoso. Caminha em
direção ao mar.
— Vamos querer saber o que foi isso? — Eleonor diz.
Fico envergonhada por minha atitude estranha.
— Não foi nada. — Sorrio para disfarçar.
— Como pode meu irmão ter mais bunda que eu? Nunca vou me
conformar!
Olho para ele, que se aproxima do mar, e mordo o lábio inferior. Não
posso ficar agindo desta forma. Não posso ficar com raiva de tudo. O que está
acontecendo?
As duas mulheres agora estão sentadas próximas da areia e do mar. Não
vi elas saindo. Elas ficam olhando na direção do Téo, não sou cega, é nítido.
Dizem algo uma para a outra e tornam a olhar. Ele mergulha em uma onda, e
retorna logo em seguida. Uma delas, a de biquíni preto, se deita de barriga para
baixo, exibindo ainda mais a bunda, enquanto a outra diz algo a ela e se levanta,
indo para o mar, e bem na direção do Téo. Sinto meu coração acelerar, e não é de
alegria.
— Acho que vou para o mar. Quer ir agora, Raquel? — Hannah
pergunta.
— Quero!
Levanto rapidamente e coloco a saída de praia no braço da cadeira.
— Eu ficarei. Gosto apenas de observar o mar, e estou na parte que o
casal vai para o jardim, bem na hora do baile. Vai rolar safadeza! — Eleonor diz
animada, e retorna a olhar o livro.
— Minha mãe é fascinada por romances de época. Vamos.
Deixo os óculos na cadeira também.
— Mãe, cuide de tudo então.
Saímos em direção ao mar. A mulher faz questão de ficar muito próxima
do Téo. Uma onda a atinge, que se desequilibra e cai, agarrando o braço dele,
que a ajuda se levantar.
— Raquel, está tudo bem?
— Sim. Por quê? — Olho para ela.
— Porque está olhando para frente, como se fosse matar alguém. Está me
assustando. — Ela ri.
— N-não... E-eu...
— Relaxa, já percebi por que está assim. Se acostuma. É daí para pior.
Desvio o olhar, envergonhada como sempre. Olho para as pessoas, pensei
que me sentiria muito envergonhada, por estar com este biquíni, mas vendo
todos usando não me sinto mal.
Sinto a água diante dos meus pés. É fria. Porém, é bom. Hannah me olha
e sorri.
— Confesso que não sei nadar, então nunca vou mais para o fundo.
— Eu também não sei.
— Ótimo, assim não vai para o fundo e eu não entro em pânico caso
tenha que te salvar — ela brinca e rimos.
Téo nos vê e sorri. A mulher, que não se afasta, ajeita a lateral do biquíni.
A raiva retorna.
— Já vou te avisando que meu irmão adora aprontar, então se prepara.
— Pelo visto, adora mesmo — deixo escapar e ela me olha e sorri.
Aproximamo-nos dele, e a mulher nos olha de um jeito estranho.
— Resolveu vir? — pergunta me olhando e logo ri.
— Estou aqui, não é? — falo com uma ironia que nunca tive.
Meu Deus, preciso parar. Como eu faço? Senhor!
— Estressadinha, Santinha?
— Não me chame assim!
— Não se importou ontem.
— Téo! — Hannah o repreende.
Minhas bochechas esquentam.
A mulher olha para mim como se fosse me bater.
— Ai, algo bateu na minha perna. Algo bateu na minha perna! —
Hannah dá gritinhos e olho assustada.
— Foi o meu pé, louca! — Téo diz e puxa a irmã jogando-a na onda que
vem.
Ela grita, assim que cai, e começa a rir, e então joga água nele.
— Meu cabelo molhou todinho.
— Veio para não molhar o cabelo?
— Claro. Só não trouxe touquinha porque me achariam mais louca que o
normal.
Rio.
— Ria mesmo. Quero ver quando molhar o seu. Mar é bom, mas os
cabelos sofrem. — Ela se levanta.
— Pare de ser fresca, Hannah. — Téo chuta água na direção dela, que
desvia o rosto.
Rio do seu desespero. Ela está no mar e com medo de se molhar. Hannah
é realmente doidinha.
A mulher cai novamente, na verdade ela fez de propósito! Desta vez cai
bem na frente do Téo, e se levanta rindo. Ele não dá atenção. Ela se joga mais
uma vez — sim, eu vi —, e agora puxando novamente o braço dele, que ajuda
ela mais uma vez.
— Estou bem mole hoje! — a mulher diz a ele.
Hannah me olha e começa a rir. Téo desvia o olhar da moça e olha para a
irmã e em seguida para mim, e sorri.
— Deveria ir ao médico, pode ser problema nos joelhos. Cair tanto assim
não é normal — pressiono os lábios após dizer isso.
Ela me olha feio. Hannah gargalha, e o Téo apenas sorri.
Senhor, preciso sair daqui. Não posso continuar aqui, não falando essas
coisas sem motivo. Viro-me para sair, mas sou agarrada por trás.
— Me solta, Téo!
— Minha esposa tem razão, deveria ir ao médico.
— Sua e-esposa?
Viro o pescoço e olho para o Téo sem entender. Ele apenas sorri, e não
me solta.
— Sim. Somos recém-casados. O amor é lindo, não é?
— Somos? — indago sem entender.
Ele me olha feio.
— Somos — confirmo perdida nessa cena toda.
— Nossa, que bom. Felicidades.
— São muito felizes. Minha cunhada é maravilhosa. Mas esses dois são
terríveis, acredita que tiveram gêmeos antes de casarem? São fogo puro.
— Gêmeos? — A mulher me olha assustada. Eu quero sair correndo
daqui. — Nossa, belo corpo.
— E como é belo. Tudo nela é belo. Mas ela sabe disso, todas as noites,
manhãs, eu sempre digo isso a ela, não é, meu amor? — Ele beija meu pescoço.
Fecho os olhos, mas abro rapidamente. Hannah morde o lábio, querendo
rir.
— E-Eu... Com licença. Foi um prazer conhecê-los. Felicidades. — Ela
sai em disparada.
Téo e Hannah gargalham. Consigo me afastar dele.
— Vocês dois são muito maldosos. Para que mentir?
— Nós somos maldosos? Você estava quase matando a mulher com um
olhar, Quel! — Hannah diz, se recuperando da risada.
— Foi por isso que veio, não foi? Ciúmes? — Téo provoca.
— N-não... Vou voltar e ficar com sua mãe!
Ele me puxa novamente, porém desta vez mantendo meu corpo de frente
para o seu. Seus braços ficam na minha cintura. Tento me soltar, mas é inútil.
— Que fofos... Vou vomitar rapidinho e já venho — Hannah diz e fico
bem vermelha, tenho certeza.
— Eu não olhei para ela com outros olhos. Pode confiar. Somente uma
mulher nesta praia está chamando a minha atenção.
— Téo, me solta, por favor.
— Não, antes disso...
Ele aproxima o rosto do meu, e meu coração acelera. Então, quando está
prestes a me beijar, me empurra e somos atingidos por uma onda. Ele ri, e acabo
rindo também.
— Eu disse que ele aprontava — Hannah fala sorrindo. — Bem feito,
ficou rindo de mim.
Ele se levanta e me ajuda a levantar. Meu cabelo está pingando e Hannah
ainda ri. Vejo uma onda vindo. Olho para Hannah, e então empurro ela, que cai,
mas me leva junto. Téo ri da cena.
— Raquel, que maldade! — ele diz rindo.
— Sua traíra! — Hannah reclama, enxugando o rosto.
Rimos.
— Você me levou junto — resmungo.
— Claro! — ela fala e rimos mais.
Téo nos ajuda a levantar.
Ficamos nos divertindo muito no mar. Então retornamos para as cadeiras.
Eleonor não está mais lendo. Ela me observa e fico preocupada. Depois entrega
um papel a Hannah.
— Que legal! Sempre quis vir, mas nunca consegui. Hoje e amanhã vai
ter a festa do pôr do sol, que acontece um final de semana por ano. Nós temos
que ir.
— Eu já vim. É boa. Lembra um luau — Téo diz passando as mãos pelo
cabelo molhado.
— Vamos! — Hannah diz animada.
— Passaram entregando esse panfleto. Pelo visto vai lotar — Eleonor
comenta.
— Lota bastante. Acontece passando a quadra. — Téo mostra apontando
na direção e olhamos.
— Bom, se iremos, é bom não irmos embora daqui tarde. Assim
comemos algo, descansamos um pouco antes de ir, porque amanhã ficará muito
corrido.
— Sim. Amanhã irei sair para fazer fotos, aproveitar antes de irmos
embora.
— Vai fotografar, filho? — Eleonor pergunta surpresa.
— Vou. Eu trouxe a câmera.
— Hum... Interessante. Voltando a fotografar... — Ela olha para mim e
depois para ele.
— Mãe, não tem nada a ver com isso.
— Vamos fingir que acreditamos — Hannah fala.
Fico sem entender, olhando de um para o outro.
Retornamos para a casa. Hannah e Eleonor foram tomar banho.
Estou separando a roupa para pôr. Assim que saio do banho, coloco um
vestido e penteio meu cabelo, que está bem embaraçado. Saio do quarto e vou
para a sala, onde todos estão. Pedem comida. Ficamos conversando enquanto
esperamos. Eleonor é muito engraçada, ela faz bastante drama e Téo provoca
muito.
Depois de um tempo a comida chega, e nos reunimos na mesa para
comermos.

Téo Lima

Estamos na sala, depois de comermos. Hannah está deitada no chão com


o travesseiro que pegou no quarto. Minha mãe está deitada no sofá da lateral.
Raquel está no mesmo sofá que eu, porém encolhida em um canto. Está
querendo manter distância, pelo visto. Minha irmã escolheu o filme, que escolhe
toda vez: Um amor para recordar. E toda vez que escolhe, ela chora, assim
como a minha mãe.
Olho de uma para a outra que estão chorando. Raquel enxuga o rosto
também. Porra, o filme é bonito, mas chorar toda vez? Devo ser sem coração.
Até a Raquel caiu na emoção como elas.
Depois de um tempo do filme, minha mãe se levanta e diz que está
dolorida de ficar no sofá e que está com muito sono, então vai deitar em seu
quarto. Olho para a Raquel e para a Hannah, que estão emocionadas com o
filme. Prefiro não fazer comentários, ou é capaz de me matarem.

— É injusto isso acontecer. Nunca vou aceitar este final! — Hannah


reclama, e abro os olhos.
O filme terminou, e pelo visto dormi em algum momento. Olho para a
minha irmã, que se levanta do chão com seu travesseiro.
— Vou dormir, para descansar a beleza. Juízo, crianças — ela fala e sai
da sala.
Raquel se levanta e sai da sala sem dizer nada. Espreguiço-me e levanto,
então desligo a TV. Saio da sala.
Paro na porta do seu quarto, e ela está deitada de costas para mim. Entro
com cuidado e fecho a porta delicadamente, e agradeço aos céus por minha mãe
ter ódio de porta que faz barulho e cuidar para que nenhuma faça. Deito na cama
ao seu lado, e agora não tem como ela não me notar. Porém, agarro rapidamente
seu corpo, ficando de conchinha.
— Téo, você é louco!
— Agora que percebeu? — pergunto beijando seu rosto.
— Sai daqui. Sua mãe e sua irmã...
— Não importa. Por que está me evitando?
— Não estou. Apenas vim deitar.
— Vou fingir que acredito.
Ela se vira, ficando de frente para mim. Ainda mantenho meu braço ao
seu redor.
— Téo, acho que não podemos ficar próximos quando retornarmos. Isso
pode complicar ainda mais. É tudo difícil na minha vida e...
Não permito que ela termine.
Beijo seus lábios com carinho. Sou cuidadoso. Ela retribui com o jeitinho
meigo de sempre, porém sei que, quando está bem excitada, essa meiguice não
existe, mas o doce de seus lábios sempre está presente. Ela coloca uma mão em
meu rosto. Deslizo a mão por sua cintura até sua perna e coloco em cima da
minha e assim colo mais nossos corpos. Separo nossos lábios com calma, e dou
um selinho em seguida.
— Esquece o que vai vir depois. Isso é futuro e resolvemos na hora que
tiver que resolver. Só vamos aproveitar o presente. — Dou outro selinho em seus
lábios.
Ela acaricia meu rosto e sorri.
— Melhor descansarmos. Temos a tal festa.
— Tem razão.
Beijo novamente seus lábios. Não consigo me manter longe. Inclino meu
corpo sobre o dela, ainda com a mão em sua perna, mas agora deslizando por
baixo do vestido, até chegar em sua bunda, onde aperto e ela geme baixinho.
— Téo... Para... — pede entre o beijo.
Separo nossos lábios mais uma vez e sorrio.
— Só irei parar, porque a senhorita é bem escandalosa. Mas não estou
reclamando, gosto de cada som que sai destes lábios.
Ela fica vermelha. Sabe ao que me refiro.
— Vai para o seu quarto.
— Isso eu não irei fazer. E não adianta tentar insistir.
— Téo, posso dizer uma coisa?
— Sim.
Ela olha para baixo.
— Gostei de dormir com você, mesmo acordando em outro quarto.
Sinto uma sensação diferente em meu coração. Porra, o que está
acontecendo?
— Téo?
— Hum? — Ela me olha agora.
— Por que me sinto diferente perto de você? É tudo tão confuso.
Acaricio seu rosto e dou um beijo em sua testa.
— Vamos descansar.
Ela ajeita o corpo, retirando a perna de cima de mim, e deita a cabeça em
meu peito. Fico fazendo carinho em seu braço e olhando o teto.
“Samira tem razão. Você, pelo visto, está apaixonada por mim, e estou
achando que está sendo recíproco, o que é realmente um grande pecado, já que
sou a sua pior escolha”, reflito.
Merda!

Tá doido que eu vou
Fazer propaganda de você
Isso não é medo de te perder, amor
É pavor, é pavor
— Jorge e Mateus “Propaganda”

Téo Lima

Estou na praia, aonde acontece a festa. Hannah e Raquel vieram antes.


Eu apaguei e as duas fujonas não me acordaram. Mandei mensagem no celular
da Hannah, que disse onde estavam. Minha mãe não quis vir, e na pressa de vir
logo não insisti.
Paro próximo a lata de refrigerante gigante que é um dos atrativos. O
lugar está lotado. Tem quiosques espalhados, e muitas pessoas; algumas de
biquínis e outras não. Há uma banda cantando em cima do palco, e várias
pessoas dançam. Olho na direção do lugar que Hannah disse que estaria e só
vejo Raquel, e não gosto, porque ela está com um idiota, e sorriem muito para o
meu gosto. Eu vou matar minha irmã, por deixar minha menina sozinha. Raquel
olha para o lado, e volta a atenção ao idiota, então diz algo e se afasta. Sigo ela
com olhar, e vejo ela indo até um quiosque, onde vejo a peste da minha irmã.
Não tem como não ver as duas nessa multidão. Reconheço facilmente,
principalmente a Santinha, que está usando um short jeans e uma regata preta.
Seus cabelos estão soltos. O idiota fica olhando em sua direção.
Caminho em passos firmes até ele, desviando de algumas pessoas. Paro
ao seu lado e ele sorri neste momento enquanto baba pela Raquel. Tenho vontade
de quebrar esses dentes, mas me controlo. O infeliz não tira os olhos dela.
— Linda, não é? — digo e ele me olha surpreso. — A garota que estava
aqui, e você está olhando agora.
Não se faça de imbecil!
— Sim. Estou encantado. Preciso saber se namora, caso contrário não irei
sair da sua cola. É um doce de mulher.
Eu vou enfiar meu punho bem doce no meio da cara desse imbecil.
— Conheço ela.
Ele franze o cenho.
— E sim, ela namora.
— Que namorado idiota, largou ela sozinha. Apenas um louco faria isso.
Até agora só a vi com a amiga.
— São cunhadas. O namorado dela mexe com coisas erradas. Ele é chefe,
se é que me entende. — Sorrio.
O infeliz me olha assustado.
— Sério? Cara, duvido que realmente a conheça. Deve estar
confundindo. Ela não tem cara de que teria um namorado assim.
— Raquel é o nome dela.
Ele arregala os olhos.
— As aparências enganam. O namorado dela é barra pesada. O último
cara que apenas ficou olhando, nunca mais o encontraram. Foi uma polêmica
tremenda. Saiu em jornais, mas ele tem posses e abafou o caso. Tome cuidado.
— Nossa. Realmente as aparências enganam. Vocês são...
Raquel se aproxima e me olha surpresa.
— Téo, que bom que veio.
Me aproximo dela, e a puxo para os meus braços, beijando sua boca.
Assim que nos afastamos, o idiota fica com os olhos arregalados.
— Demorei, mas cheguei, meu amor. — Abraço-a por trás.
— Você é o... — o homem não termina de dizer. Fica boquiaberto.
— Como eu disse: nunca mais encontraram o cara.
— E-eu... vou... Tchau!
Ele sai em disparada e sorrio. Foge mesmo, imbecil.
Raquel se afasta e fica me olhando confusa.
— O que foi isso, Téo?
— Isso o quê? — Me faço de desentendido.
— Téo... Ué, cadê o carinha? — Hannah se aproxima com sua bebida.
— Saiu correndo. Parecia assustado — Raquel diz e Hannah me olha
feio.
— É mesmo? Estranho... — Ela fica me olhando. — Raquel, por favor,
pegue outra bebida. Já vou garantir mais uma, porque os quiosques demoram.
— Sério? Está lotado! — Raquel reclama.
— Seríssimo. Tome! — Ela entrega dinheiro para a Raquel. — Pede
qualquer uma. Escolhe lá.
Raquel se afasta e fico olhando.
— O que você fez? — Hannah pergunta nervosa.
— Não fiz nada — minto.
— Não sou idiota. Téo, pare com isso. Ela não é sua propriedade. Não
afaste as pessoas dela, por ciúme idiota.
— Não estou com ciúme — minto novamente.
— Não seja mentiroso. Não tem o direito de espantar todos os homens
que se aproximarem dela. Quando descartá-la, como faz com todas, ela não terá
ninguém, porque com certeza vai querer ficar longe de tudo que leve a você.
Então deixe ela aprender a lidar com outras pessoas também.
— Não seja ridícula. Eu não estou afastando ninguém.
— Não?! Téo, você trata ela como se fosse seu dono. Ela não é seu
cachorrinho. Estive conversando com a Samira, e ela me contou tudo. Então só
confirmei o que vinha notando. E isso que fez hoje me leva a outra coisa séria.
Claro que contou. Duas fofoqueiras.
— Eu não consigo imaginar essa garota vivendo uma vida repleta de
restrições, e sendo ingênua desta forma. Parece surreal. Mas infelizmente é a
realidade dela, e você agindo assim, pode piorar tudo.
— Do que está falando? Não seja louca, porra!
— Téo, eu estou observando. Você trata ela como se fosse seu dono. Ela
só faz as coisas que você quer. Parece uma submissa. E agora, você afasta o cara,
sendo que não tem direito algum em fazer isso. O que você quer? Pelo que
sabemos ela viveu a vida seguindo o que a mãe queria, por isso é assim. E agora
que está tendo oportunidade de mudar isso, ela apenas mudou o cenário e os
personagens desta trama, porque você está fazendo o que a mãe pelo visto fazia.
Sinto uma raiva. Não estou fazendo porra alguma.
— Não faço isso. Eu não sou a mãe dela. E sim, tirei o cara, porque não
gostei.
— Téo, no dia da festa do hotel, ela saiu do banheiro por quê?
— Porque eu pedi. E daí?
— Ela veio com você para a praia, por quê? E sim, mamãe me contou.
— Porque eu insisti. Não tem nada de mais!
— Também soube que ela foi para a boate que você vai. Ela foi por quê?
— Porque eu insisti... Merda.
Hannah tem razão. Raquel não está fazendo as coisas porque ela quer,
mas porque eu insisto. Ela só faz as coisas que eu quero.
— Entende o que eu digo? Se você não quer nada com ela, então cai fora
de uma vez. Não afaste as pessoas dela, se você não pretende ficar. E se ficar,
ensine a ela que não é sua submissa, e que não tem que fazer tudo o que você
quer.
Sinto um aperto no peito. E uma dúvida muito forte. Não foram apenas
essas coisas que ela fez porque eu quis. Ela também mudou seu jeito de se vestir
porque eu disse para ela fazer. Raquel tem feito as coisas, porque eu... Não!
— Hannah e se ela só...
— Meu irmão, só perguntando. E torça para não ter sido, ou ela vai sofrer
muito. Agora vê a que ponto tudo isso chegou? Começou com ela fazendo tudo
o que você queria, como um cachorrinho treinado, e agora você afastando
pessoas de perto dela. Téo acorda, ou cai fora.
Raquel para ao nosso lado, e fica olhando.
— Aconteceu algo?
— Não! Obrigada. — Hannah pega a bebida.
— Raquel, podemos conversar um pouco? — Ela me olha por um tempo.
— Sim.
— Vou ficar por aqui curtindo — Hannah diz e sorri.
Vou com a Raquel até a mureta que separa a areia dos quiosques fixos. O
sol está se pondo, e as pessoas estão aplaudindo. Nos sentamos. Fico olhando
para as pessoas se divertindo.
— Lindo ver o pôr do sol daqui.
— Sim. Amanhã quero registrar esse momento. — Olho para ela.
— O que queria conversar? Parece preocupado.
— Raquel, preciso fazer algumas perguntas, mas você precisa ser muito
sincera.
— Claro. Téo, está me assustando. O que está acontecendo?
Preciso preguntar. Não posso deixar as coisas assim. Se Hannah estiver
certa, isso não pode continuar. Não quero que continue.
— Raquel, você veio para a praia, e comigo, porque quis?
Ela franze o cenho.
— Téo, não estou entendendo. Por que pergunta isso?
— Responda, por favor.
— Eu vim porque eu quis.
— Mas você não queria vir comigo.
— Não. Porém, fiquei curiosa com o que você disse, que resolvi vir com
você. Téo, por que está perguntando isso?
Ignoro sua pergunta.
— Você foi à boate e à festa do hotel porque quis?
— Da boate confesso que fui porque você insistiu. Mas do hotel, fui
porque eu quis.
— As roupas está usando porque quer, ou porque eu fiz você usar?
— Mesmo eu ainda não estando acostumada com algumas, é porque eu
quero usar. Téo, aonde quer chegar?
— Raquel, serei direto. Você deu continuidade no sexo, porque você
realmente quis?
Ela franze o cenho e abre e fecha a boca algumas vezes. Meu coração
está acelerado. Tenho medo da resposta. E ela hesitando em responder não ajuda.
Porém, preciso disso. Então espero pacientemente, até que ela diz:
— Téo, foi porque eu quis.
— Está sendo sincera?
Ela concorda ficando vermelha.
— Foi ao mar porque quis, ou porque eu saí chateado?
— Téo, não faz sentido essas perguntas...
— Responde, por favor...
— Porque eu quis. Téo, você está achando que estou fazendo tudo por
sua causa e não porque eu quero?
Não respondo. Olho para as pessoas. Estou refletindo sobre suas
respostas. E se ela estiver com medo de dizer a verdade? E se eu estou forçando
a barra, e fui um idiota em afastar o cara e agir daquele jeito com ela, por causa
do Robson, e se eu estiver tratando ela como propriedade sem perceber?
Ela se levanta e para na minha frente. Olho para ela, e desvio o olhar. Se
ajoelha, ficando entre as minhas pernas.
— Téo, olhe para mim, por favor.
Olho para seu rosto, que tem me encantado.
— Raquel, você precisa fazer as coisas porque quer. E desculpa, eu fui
um idiota e afastei o cara.
— Téo, eu juro que estou fazendo porque eu quero. Pela primeira vez
estou fazendo o que eu desejo. Não menti, quando falei que apenas fui à boate
porque você insistiu.
— Então por que só quer fazer as coisas, quando eu digo?
Ela morde o lábio inferior. E coloca as mãos sobre suas coxas.
— Responda. Eu preciso saber.
— Porque... Téo, eu posso te provar que tudo o que eu faço é porque eu
quero e não porque você quer.
— Como? — indago curioso.
Ela retira a blusa, e fico sem ação. Engulo em seco. Coloca a blusa sobre
seu colo, e ajeita o cabelo colocando de lado.
— Viu. Você não queria que eu usasse esse biquíni amarelo, e estou com
ele. Não faço as coisas porque você quer. Hoje não fui ao mar com você quando
chamou, porque fiquei brava em ver você olhando na direção daquelas mulheres.
E quando você foi e vi aquela mulher próxima, eu fiquei ainda mais brava e
resolvi ir. Por isso falei aquilo para ela. Apenas por uma raiva boba. Está vendo,
eu faço porque eu quero. Com você, eu consigo isso.
Meu coração está acelerado. Porra, estou morrendo.
— Téo, eu não sei o que está acontecendo comigo. Eu faço o que você
fala, não porque insiste ou algo assim.
— Então, por quê? — indago olhando em seus olhos. Não consigo me
concentrar com ela usando esse maldito biquíni.
— Porque eu sempre quero estar perto de você. Sei que é errado, mas
sempre quero estar. Não entendo as raivas que venho sentindo de outras
mulheres próximas ou falando de você, porque posso ser boba as vezes, mas
sempre soube quem era você, porque nunca me escondeu isso. Você sempre
disse e mostrou ser quem era, e por este motivo eu não deveria sentir raiva à toa.
É errado. Deus me perdoe por agir assim, mas é verdade.
Ela coloca as mãos de cada lado do meu rosto.
— Eu faço apenas o que eu quero. Então, por favor, não se preocupe.
Não tire seu sorriso que tanto gosto, por preocupação. Convivo com alguém que
vive sem sorrir e diz ser minha culpa. Não faça isso também.
— Raquel, você está sentindo ciúmes de mim?
Não sei, mas sinto uma alegria.
— Nunca senti ciúmes. Mas se os sintomas forem ter raiva de outras
mulheres próximas de você, e acabar dizendo coisas que não devia. Então deve
ser. É errado? — pergunta preocupada e sorrio.
Agarro seu corpo, grudando-a entre as minhas pernas.
— Não é errado. Só me mostra que não estou sozinho nessa.
— Quê?
— Preciso te beijar.
— Téo, você precisa parar de me beijar em público. Isso é errado. As
pessoas vão...
Não deixo ela terminar de dizer. Beijo sua boca. Ela fica rígida por um
tempo, mas logo se solta, contornando meu pescoço com seus braços. Meu pau
fica duro rapidamente, e aperto ainda mais ela entre as minhas pernas. Seu beijo
é sempre delicioso. Quero tirar esse maldito biquíni, e penetrar sua boceta que
me viciou de primeira. Sua bunda está empinada, pela posição que ela está.
Saber que estamos em público torna tudo mais excitante.
Ela afasta o rosto um pouco, parando o beijo. Está ofegante.
— Téo, aqui não. Eu estou...
Interrompo-a, pois sei o que vai tentar dizer.
— Eu sei, minha Santinha. Se continuarmos, não poderei parar.
Passo meu piercing no lóbulo de sua orelha e desço pela extensão de
pescoço, parando no final, onde deposito um beijo.
— Téo... — diz baixinho.
— Você com esse biquíni me deixa ainda mais louco de tesão.
— Téo, não diga essas coisas!
Sorrio e dou um selinho rápido em seus lábios.
— Se quer que eu mantenha controle, melhor vestir a blusa.
— Para provar mais uma vez que não faço o que quer, não irei.
Ela se levanta rapidamente e sai correndo. Filha da mãe! Está ficando
muito soltinha, essa minha Santinha.
Corro até ela, levando sua regata. Sou mais rápido, e a pego por trás. Ela
começa a gargalhar e amo este som.
Solto-a, que se vira e me olha sorrindo.
Porra, Samira estava certa!

Estamos em casa. Minha mãe se arruma para irmos comer fora, e Raquel
faz o mesmo. Hannah já está pronta, e me faz companhia em meu quarto.
Estamos ambos apoiados na janela, observando o movimento do lado de fora.
— Estava errada. Ela não é minha submissa. Ela faz tudo porque quer.
Hannah me empurra levemente com seu ombro e sorri.
— Eu sei. Não pense que sou doida, mas falei tudo aquilo de propósito.
Eu queria ter a certeza de que iria atrás dela e conversariam e quem sabe assim
abriria os olhos.
Olho incrédulo para a minha irmã. Porra, com uma irmã assim, para que
inimigos?
— Não me olhe assim. Téo, quando voltarmos, o que aconteceu entre
vocês não vai ficar em segredo, eu tenho certeza. E não quero esta menina
sofrendo. Sabe, eu me vejo nela. Você acompanhou tudo o que aconteceu
comigo e não quero que se repita com ela.
— Eu não sou como ele.
Ela sorri mais uma vez.
— Você e o Christopher são parecidos em um detalhe: a safadeza. — Faz
uma pausa e continua: — Raquel e eu temos pouca diferença de idade, sou
apenas quatro anos mais velha, e me sinto uma idosa ao lado dela. É tão ingênua,
doce, e tem uma luz que alegra as pessoas por onde passa, não quero que ela
perca isso, por sua causa. De coração, queria que, quando retornássemos, você já
soubesse o que quer, e enxergasse o que está estampado em seu rosto e marcado
em seus olhos.
Olho para ela rapidamente, e desvio o olhar. Fico vendo as pessoas na
praia ainda.
— Não posso. No fundo, eu sempre soube que a magoaria.
— Por que não pode? — Ela se vira, fica de frente para mim, faço o
mesmo, e olho em seus olhos. — Ela não é o suficiente? Uma única mulher
jamais será suficiente para você?
— Não tem nada a ver com isso. Eu não posso tentar resolver problemas
do coração, sem ter resolvido minha vida profissional. Não dá para tentar
resolver tudo de uma única vez. Eu queria que fosse possível, mas não é. Sabe
que não é fácil chegar em nosso pai e dizer que estou largando o hotel para
seguir com aquilo que ele nunca aceitou. Porra, ele só tem eu, ali.
— Não. Ele pensa que só a você, mas não é assim. Papai é outro que não
quer enxergar o óbvio. Dentro daquele lugar tem alguém que realmente merecia
ocupar sua sala. Vocês são tão cegos. Você nunca esteve ali mesmo estando,
louco isso, não é? Mas é a realidade. Papai não quer Téo Lima, o profissional, ao
seu lado, cuidando do hotel da família. Ele quer apenas o filho ao lado dele, para
compensar a ausência que sempre existiu em relação a vocês. Entretanto, o
orgulho e a teimosia fazem com que não enxerguem isso. Vocês querem a
companhia um do outro. Abra esses olhos lindos, que não servem apenas para
ver bunda de mulher, e comece a enxergar as coisas como realmente são. Se quer
mesmo ser fotógrafo, então mostre a ele, compartilhe isso. Não tenha medo. E
vai ver que tudo o que eu disse é verdade.
Odeio quando essa pequena intrometida tem razão. Foda!
— Você pode resolver esse problema com o papai assim que ele retornar.
Não vai levar mais que uma hora. Agora com a garota no quarto ao lado, bom,
esse problema pode levar muito mais tempo, então comece adiantando. E eu já
avisei e deixarei claro novamente. Não farei propaganda boa de você, caso ela
venha falar comigo sobre o que está acontecendo. Não serei hipócrita. Quero sua
felicidade, mas também quero a dela. Desejo ver você com alguém; e se fosse
ela, seria bom, mas jamais colocaria esse desejo à frente, de uma forma egoísta.
Pode parecer bobagem, mas ela ganhou uma amiga em pouco tempo. Nosso
signo deve bater, já o meu com o seu... Só quero que entenda uma coisa: ou
assume o que sente, ou cai fora antes que tudo piore!
Não tenho o que responder. Caralho, odeio ficar sem resposta. Minha
irmã sabe tocar exatamente no ponto fraco das pessoas, e me pergunto se ela faz
isso de propósito ou sem perceber.
— Eita, o gato comeu sua língua, neném? — ela provoca. — Vou ver se
mamãe está pronta. E você, pense bem em tudo o que eu disse!
Ela sai sorrindo. Pequena diabinha!
Raquel Pereira

Olho para a minha imagem no espelho. Tenho gostado de me olhar


ultimamente. Dona Eleonor me ajudou a escolher a roupa. Disse que o
restaurante é mais elegante, e este vestido seria o melhor. Por sorte eu trouxe um
salto, na verdade, eu trouxe muita coisa, não sabia para o que usaria. Aos
poucos, estou me acostumando com tudo isso, roupas diferentes, saltos e
maquiagem na qual ela me ajudou também. Meus cabelos estão soltos e mais
brilhosos ultimamente, e até com isso tenho me preocupado mais.
Caminho até a janela e apoio os braços.
Tudo está tão diferente, para não dizer corrido. Tanta coisa tem
acontecido em um curto prazo de tempo. Mudei meu modo de me vestir,
experimentei bebidas alcoólicas, estive em uma boate, e fui às compras. Mas
duas coisas mais importantes aconteceram: eu beijei pela primeira vez; e me
entreguei a um homem, que até então me espantava. Não me arrependo de nada
que tenha acontecido, mas sinto culpa por isso. Parece que toda vez que minha
mãe vem à minha mente, cometo atos impulsivos. E se isso não terminar bem?
Sinto que estou mudando, mas não sei se é para melhor. Foram vinte
anos sob as mesmas regras, ensinamentos e frequentando os mesmos lugares.
Hoje, olhando tudo ao meu redor, parece que vivi em um século passado. Tudo é
tão novo, e muitas vezes assustador. Dói saber que fui privada de tantas coisas, e
só percebi que realmente precisava delas agora. Para muitos pode parecer que foi
pouco tempo, mas para mim foi uma eternidade. Penso em como contarei tudo
isso a ela quando enfim retornar para casa. Tento por diversas vezes imaginar
qual será sua reação, e nenhuma das que me vêm à imaginação são boas. Quando
ela souber que perdi minha virgindade, será tudo pior. Estou confusa, e o medo
de antes está se tornando presente mais uma vez.
— PUTA QUE PARIU!
Viro-me assustada. Desligo completamente a parte que refletia em minha
cabeça. Levo uma mão ao peito. Meus batimentos estão acelerados pelo susto.
— Primeiro o biquíni amarelo, e agora esse vestido? Porra, por que eu
realmente quis comprar esse vestido preto?
Encosto na parede ao lado da janela. Téo não sabe ser mais calmo? Ainda
me mata.
— Não faça mais isso — peço a ele.
— E você pode foder comigo? Terei que ficar em um restaurante o tempo
todo excitado, e aguentando outros olhares em cima de você. Por que eu
realmente quis vir para a praia? Estou pagando pelos meus pecados, eu tenho
certeza. Quando retornarmos preciso me confessar com seu tio, se bem que desta
vez não lembro de ter feito algo... Ah, já sei. Melhor eu me confessar mesmo.
Fico perdida em tudo o que diz. Eleonor aparece na porta e olha na
direção do filho, avaliando-o de baixo para cima.
— Meu filho, nunca vai deixar de ser tarado? Sou uma idosa, não mereço
ver esse treco marcando em sua calça.
Sinto meu rosto queimar. Téo ri.
— É muita safadeza para um homem só. Seu nome deveria ser: Téo
Tarado Lima! Chamaria você de TTL, e quando questionassem o porquê, diria
que é por ser um tarado!
— Mãe!
— Filho, é verdade. E além do mais cansei. Sim, querida, sei o que
aconteceu aqui. Não estou contente, mas saiba que é pelo fato dele ser um TTL.
Espero que ele não faça burrada. E, claro que também estou pensando no quanto
serei condenada por ter que esconder isso de um padre... Oh céus, vou ter que
ficar torradinha, pois irei parar no inferno. Lembrem-se de que se eu morrer
antes, devem colocar bastante protetor solar em mim. Irei para o inferno, mas
evitarei queimaduras. — Ela suspira. — Como eu sofro! — Sai do quarto se
lamentando.
Olho chocada para o Téo.
— Em minha defesa...
— VOCÊ CONTOU? — quando percebo já é tarde, pois gritei.
Ele olha assustado.
— Se acalma. Eu não contei. Ela descobriu. Esqueci a porra do lençol e
ela viu as manchas. Até parece os povos que, para comprovar... Esquece. Por que
está tão nervosa? Relaxa.
— Téo, você percebe como isso muda tudo? Meu tio e minha mãe vão
acabar descobrindo antes mesmo de eu contar. Deus, como tudo isso vai acabar
mal!
Ando de um lado para o outro em desespero e tropeço, mas me mantenho
de pé.
— Ei... — Ele me para e segura minhas mãos. — Vai dar tudo certo. Não
pense nisso agora. Minha mãe não vai abrir a boca, eu te prometo.
Puxo minhas mãos.
— Téo, vamos manter uma certa distância até tudo se resolver. E eu
estou falando bem sério, como nunca ousei falar.
Ele franze o cenho.
— Está brincando, não é?
— Não estou. É o melhor — digo com sinceridade.
— Porra! Assim não dá. Depois de tudo, quer manter distância. Achei
que queria minha ajuda para tentar mudar seu jeito.
— Eu quero mudar. Mas não posso entender a mim mesma, com toda
essa confusão. Então melhor mantermos certa distância.
Ele me agarra. Uma de suas mãos vai para a lateral do meu rosto.
— Diz que isso é brincadeira. Não pode fazer isso. Não depois de me
torturar com aquele maldito biquíni e agora com esse vestido.
— Não é brincadeira. Vamos continuar com nossa amizade, mas sem
beijos... — Me afasto. — Toques...
— E qual a graça nisso? Porra, vou ser castigado pela minha mãe ser
intrometida! — Está nervoso.
— Nenhuma, ué. Eu disse que não era brincadeira.
Por que as pessoas têm dificuldade em me compreender?
— Agora vamos, elas estão esperando.
— Nem um último beijo? — provoca e sinto meu rosto esquentar
novamente.
— Téo, por favor.
— PORRA, QUAL FOI A MERDA QUE EU FIZ AGORA? —
esbraveja olhando para o teto e abrindo os braços.
Sigo seu olhar e procuro com quem ele fala. Téo não está bem.
— Os Pereiras têm prazer em me torturar. Primeiro seu tio, que não me
traz respostas; e agora você, que não me quer por perto.
— Téo, não foi a isso que eu me...
— Não interessa. Não pense que vai fugir de mim tão fácil. Não vai
mesmo! Você ativou o Senhor Pecado, e eu avisei sobre isso.
Ele sai do quarto nervoso. Fico olhando para a porta assustada.
Meu Deus, aonde eu me enfiei?

Gosta de me seduzir
Depois nem olha pra mim
Se eu voltasse no dia que eu te conheci
Eu faria tudo de novo
— Munhoz e Mariano part. Jerry Smith “Mulherão da porra”

Raquel Pereira

Desde ontem, após o jantar, o Téo mal fala comigo. Hoje é o nosso
último dia aqui na praia, e ele não quis vir. Falou que iria dar umas voltas de
moto.
Estou com o biquíni amarelo. Quero sair mais vezes da minha zona de
conforto. Hoje eu também não vim com saída de praia, optei por um short jeans
e uma regata, que estão agora na bolsa que a Hannah trouxe. Olho as pessoas na
praia. Todas se divertindo. Até mesmo as que estão sozinhas parecem se divertir.
Tudo é tão normal. Minha mãe sempre disse que o mundo era repleto de
pecados, e até pode ser, mas condenar a todos por atitudes de alguns não é justo.
Além do mais, quem somos nós para julgar qualquer coisa? Não somos Deus e
jamais seremos.
— Ah, quando eu era mais jovem, amava vir à praia e ficar dentro do
mar. Mas hoje sinto que é muito melhor observá-lo. A natureza é tão perfeita —
Eleonor comenta e ajeita a lateral da parte de baixo de seu biquíni.
Ela tem razão. A natureza é perfeita, e o Criador desta obra-prima é mais
perfeito ainda.
— Olha a água de coco! — um homem grita. — Moça bonita paga a
metade.
Ele para a nossa frente com o seu carrinho.
— As três beldades, não querem ajudar este pobre homem? Além do
mais, água de coco é uma delícia e estas estão bem geladinhas. E o principal,
canudos biodegradáveis. — O homem tem a pele bronzeada, e usa bermuda e
regata. Logo se nota que é forte, e ouso dizer bonito.
Ele me olha e sorri. Retribuo timidamente.
— Vamos querer sim! Bom, você quer, Raquel? — Hannah indaga e
sorri.
Confirmo. E o homem começa a abrir os cocos de um modo bem rápido,
deve fazer isso há muito tempo para tanta prática. Ajeito-me no chão. Hoje
preferi ficar sentada na esteira que a Hannah trouxe. Cruzo as pernas e observo o
que o homem faz.
— Prontinho — ele diz e coloca canudo em todos.
Entrega o da Hannah e da Eleonor. Então se vira para mim sorrindo
muito.
— E agora o da mais bela, com todo respeito. — Pego de suas mãos e
sorrio nervosa.
— O-obrigada.
Hannah ri e sua mãe acerta um tapa em sua perna, o que não muda em
nada a reação dela. Eleonor pergunta o valor e então paga ao homem. Bebo a
água de coco, enquanto sinto o olhar de Hannah em mim. O que foi desta vez?
— Tenham um excelente dia — ele diz sorrindo e me dá uma piscadela,
então se afasta.
— Olha só, conquistando homens na praia. Me empresta este mel —
Hannah provoca e ri.
— Pare de atormentar a menina! — Eleonor me defende e sorrio.
Bebo mais da água de coco.
— Ué, só disse a verdade. E digo mais. Se o Téo estivesse aqui, o
homem teria saído a chutes, porque morreria de ciúmes — ela gargalha.
Me engasgo. Hannah dá leves tapas em minhas costas.
— Hannah! — sua mãe a repreende.
— E eu menti? Ele já expulsou um de perto dela. Mãe, o teu filho está
doidinho pela Raquel, e pelo visto com um ciúme nada controlável. Eu pagaria
para ver a cena dele aqui, vendo este homem gostosão babando na mocinha aqui.
Só um cego não veria que o homem quase engoliu ela com o olhar.
Mordo meu lábio inferior, como se isso fosse controlar a vergonha que
estou. Téo doidinho por mim? Hannah é louca. Ele é doidinho por todas
mulheres, aquele hotel é a prova disso.
Deus me tira daqui, por favor. Hannah vai me matar de vergonha. Para
ajudar, a mãe do Téo já sabe o que aconteceu entre a gente.
— Minha filha, você realmente não sabe quando calar a boca.
— Olha quem fala. Eu trabalho com fatos, mamãe.
Deixo a água de coco de lado.
— Não ligue, Raquel. Essa aqui é louca.
— Tudo bem... — Sorrio.
— Agora pronto! Falar a verdade é ser louca. Pois saiba, mamãe, que se
tudo der certo, eu direi lá na frente: eu avisei. — Ela bebe um gole da água. —
No mato destes dois, vai sair tigre, cobra, leão, o zoológico todo, vai por mim.
— Somos apenas amigos — digo.
— E qual dos dois repete mais essa mentira para acreditar nela? —
Eleonor questiona.
— Olha só. Não era a senhora reclamando... Ai! — Hannah reclama do
tapa que recebe na perna.
— Conheço meu filho, pequena Raquel. Como eu o conheço...
O celular da Hannah começa a tocar e dou graças a Deus, por encerrar
este assunto. Ela atende e apenas diz um “Ok, vou avisar”, e logo desliga.
— Por falar na peste... Téo falou para você ir até a casa, que ele está te
esperando na entrada. Parece que é urgente.
Olho assustada.
— Urgente? — repito.
— Bom, com meu filho é difícil saber o que é realmente urgente. Às
vezes é só o gel dele que acabou.
Hannah ri.
Faço qualquer coisa para fugir deste papo sobre eu ter algo com o Téo.

Vou até a casa. Téo está sentado no altinho ao lado do portão com uma
mochila ao seu lado, e a moto está na sua frente.
— O que aconteceu? — pergunto preocupada, avaliando se está
machucado ou algo assim.
Ele me olha de baixo para cima e isso faz com que eu cruze os braços em
vergonha.
— Vou fotografar em uma praia reservada, que é aqui pertinho. Topa ir?
— Téo, era isso a urgência? — pergunto inconformada.
— Sim — responde como se fosse óbvio. Então se levanta e ajeita a
calça que usa.
— Quer ir?
— Não sei...
— Raquel, vamos apenas passear, não irei te atacar.
Olho desconfiada, e ele sorri.
— Está bem. Além do mais, quero ver como surgem aquelas imagens
lindas que você faz — digo animada.
— Ótimo. Vou pegar o outro capacete.
— De moto, de novo? — questiono preocupada.
— Sim. E vamos retornar para a casa da mesma forma. A não ser que
queira ir com minha mãe.
— Uma coisa de cada vez... Uma coisa de casa vez — repito e ele ri.

A praia é linda. Simplesmente linda. O que já é belo conseguiu ficar


melhor. Como pode? Meu Deus!
Tem pouquíssimas pessoas. E a água do mar é clarinha. A paisagem ao
redor é composta por pedras e árvores, e mais ao longe do mar se vê uma ilha. É
tão maravilhoso.
Téo retira a câmera da mochila e começa a mexer na lente. Está
concentrado. Mas é uma concentração diferente de quando ele está no hotel. Fico
observando. Ele tira algumas fotos de pontos aleatórios, e logo volta a mexer na
lente, e faz este processo por um tempo, até que me olha e sorri.
— Vai acabar babando se ficar me olhando assim — ele brinca e sorrio.
— Estava bem concentrado.
— Mas pude sentir seu olhar. — Me dá uma piscadela, fazendo meu
coração acelerar e um friozinho na barriga surgir.
Ele pega a mochila e pendura em um ombro.
— Vem. Vou ficar daquele lado, o ângulo é melhor.
Caminhamos até onde ele queria. Sento-me na pedra, e seguro sua
mochila.
— Por que fotografa as paisagens com mais frequência?
Ele se abaixa apoiando-se sobre um joelho. A câmera fica na direção das
árvores com mais pedras. Algumas partes do céu nesta região estão rosadas. É
lindo ver.
— Não sei... Apenas gosto. Normalmente as inspirações vem a partir das
paisagens. — Ele olha a imagem, tento ver disfarçadamente, porém não consigo.
— Nunca pensei que, para tirar fotos, precisasse de inspirações.
— Não gosto de fotografar à toa. Quero que as pessoas vejam nas
imagens o que os olhos não viram antes. Gosto de trabalhar ângulos perfeitos, e
evitar tratamento de imagens. — Ele me olha. — Não é o mesmo que fotografar
modelos. A paisagem não faz poses, você precisa encontrar a que mais atrai.
Precisa saber o que mais encanta e o que quer lembrar ao olhar para elas.
Sorrio.
Ele se levanta. Sua calça preta está suja de areia.
— Um exemplo. O que vê naquela direção? — Aponta e olho. É a
direção da ilha.
— Mar, ilha, árvores... É lindo.
— Certo.
Ele começa a fotografar e fico observando. A sua paixão é nítida. O
modo como se posiciona e se concentra é de um Téo diferente daquele que vejo
trabalhando em um escritório.
Se vira para mim e sorri.
— Você disse ver apenas ilha, árvores e mar. E agora, o que vê, ou sente?
Ele para ao meu lado, se inclina me mostrando a câmera. Olho a imagem,
e fico sem acreditar. Desvio o olhar para a ilha e depois olho novamente e
imagem.
— Téo... É... Nossa!
— Então?
— Posso? — pergunto apontando a câmera.
Ele concorda.
Deixo a mochila no chão e seguro a câmera com ambas as mãos. Analiso
a imagem com cuidado, e não parece o mesmo lugar. Agora não é apenas ilha,
mar e árvores.
— Você é maravilhoso! A ilha se tornou um lugar que eu desejaria passar
vários dias apreciando cada detalhe, e explorando muitos outros. O mar parece
mais acolhedor e pronto para um mergulho, mesmo eu não sabendo nadar. E as
árvores estão mais verdes, trazendo vida e imagino que uma brisa deliciosa.
Ele sorri.
— É disso que eu falo. Quero que as pessoas vejam desta forma. Aquelas
que já conhecem o lugar, se apaixonem novamente por ele; e aquelas que não
conhecem queiram conhecer. Quero que sintam o que a imagem tem a mostrar.
— Estou encantada!
Entrego a câmera a ele.
— Bom, irei fotografar de mais alguns ângulos até ter o pôr do sol.
— Tudo bem, Sr. Fotógrafo — brinco e sorrimos.
Ele me mostra todas as fotos que vai tirando. Fico admirando seu talento,
e sua dedicação para que cada uma saia encantadora. Ele deveria se dedicar
apenas a isso, mas quem sou eu para dar qualquer conselho?
— Raquel?
Olho assustada.
— Tudo bem? Fiz uma pergunta e não respondeu.
— Perdão, estava distraída. O que perguntou?
— Posso fazer imagens suas aqui? — Olho assustada.
— M-minhas? Téo, sou péssima nisso. Não vai querer...
— Você não é péssima. Tenho fotos no celular que comprovam isso. E
além do mais, mereço depois de ser desprezado por você, antes de irmos ao
restaurante.
— Isso está parecendo chantagem.
— Amor, não direi o contrário. — Ele sorri de um jeito diferente.
— Téo, eu tenho vergonha.
— E isso é o que te torna especial.
— Tem pessoas aqui...
— Que não estão nem aí para nós.
— Téo, desculpa, mas não.
— Está bem, não irei insistir. Mas aceita entrar na água? Ou vai resistir a
esta beleza toda?
— Isso eu aceito — respondo animada.
Ele coloca a câmera na mochila, e retira a camiseta. Fico observando.
Suas tatuagens são chamativas. Tudo nele é chamativo. Retira o tênis, meias e a
calça. Está de sunga preta.
— Vamos?
— É... Ah, claro.
Levanto e engulo em seco observando ele, enquanto guarda as roupas na
mochila. Retiro minha blusa e o short. Téo ainda está de costas ajeitando algo na
mochila.
Pigarreio.
— Pode guardar para mim?
— Claro. Eu só... — Me olha e fica meio boquiaberto. — Porra, aí é para
me foder. Por que eu não me livrei deste biquíni no dia da compra? Cacete!
— Téo!
Ele pega minha roupa e coloca na mochila também. Deixa em cima da
pedra, junto do tênis e meu chinelo que entreguei a ele. Se vira para mim agora,
e fica olhando meu corpo.
— Certo, preciso focar em seu rosto. Apenas isso! E também não ficar
olhando para os seus lábios... Porra, Raquel!
— Não fique falando essas coisas, Téo!
— Não mandei vir com este biquíni.
— Téo, precisa parar com isso. Eu disse que devemos...
Ele se aproxima e segura minha mão.
— Estou tentando... Juro que estou tentando ficar longe. — Sorri.

Saímos da água rindo. Téo escorregou e caiu duas vezes, e ficou bravo
por eu rir, mas o que eu poderia fazer? Foi engraçado.
Sento-me na parte vazia da pedra ainda rindo. A cena fica se repetindo
em minha memória.
— Que bom que eu posso te divertir — diz sério e isso só me faz rir
mais.
Ele pega a câmera na bolsa e só de olhar para ele, minha vontade de rir
triplica. Começa a tirar fotos minhas, eu tento ficar séria para pedir que pare,
mas não consigo. O tombo dele foi tão engraçado. Foi chutar a água na minha
direção e seu corpo foi todo para trás, e não satisfeito tentou por uma segunda
vez, e o resultado foi o corpo caindo para o lado.
— Para, Téo! — Ele joga um beijo na minha direção e volta a tirar fotos
de vários ângulos.
— Fica ainda mais linda quando ri assim.
Acalmo-me, e mordo o lábio inferior. Ele se aproxima segurando meu
queixo.
— Nunca deixe ninguém destruir seu sorriso. E se um dia eu fizer isso,
tem autorização para me ferrar todo.
Fico olhando em seus olhos. Ele baixa a câmera colocando ao meu lado.
Desço da pedra e me afasto dele.
— Apague as fotos, devem ter ficado horríveis.
Ele se senta na pedra e sorri.
— Não irei apagar. E se reclamar coloco elas enormes espalhadas pelo
hotel.
— Téo! — Ele ri.
Encosto na pedra, e fico observando as poucas pessoas ali. É tudo tão
tranquilo.
— Eu apenas escolhi ficar no hotel para não o deixar sozinho.
Viro para ele, e fico o observando. Ele tem o olhar no mar.
— Sempre quis que tivéssemos uma ligação mais forte. Mas, quando
percebi que jamais seria possível, parei de tentar agradá-lo. Liguei o “botão do
foda-se”, e comecei a ser quem sou hoje. Mas sinto que falta algo. Pareço um
idiota dizendo isso, não é? — Ele me olha sorrindo.
— Nem um pouco. Desabafar é bom e gosto de saber mais sobre você.
— Não tem muito o que saber. Fui criado de uma forma muito liberal.
Minha pior fase por incrível que pareça foi no colegial.
Fico surpresa.
— Pois é.
— Era um adolescente levado? — brinco.
— E como. Sabe que foi de lá que surgiu o “Senhor Pecado”?!
— Não acredito. Pode contar? — Fico completamente curiosa.
— Bom... — Ele se ajeita ficando de frente para mim. — Eu sempre fui
muito safado. E era bastante popular. Tinha muitas meninas que queriam ficar
comigo. Mas sempre deixava claro que nunca me tornaria namorado de
nenhuma. A maioria eram virgens.
Sinto meu rosto queimar.
— Então... E-eu... Hummm...
— Não. Não foi a primeira virgem. Bom, depois do colegial foi a única.
Todas queriam ficar comigo, como eu disse. O colegial era regado de festas, e eu
como um “chefe na empresa cretino”, escolhia sempre uma das que me queriam.
Dava a elas a noite perfeita, mas no dia seguinte todas queriam mais, e eu fugia.
Então o assunto se espalhou, e as meninas começaram a dizer que eu era
destruidor de virgens, e aí me apelidaram de Senhor Pecado. Veio à faculdade, e
muitos alunos foram para a mesma que eu, e o apelido se espalhou por lá
também. Quando tudo acabou, eu percebi que realmente era um cretino e fazia
jus ao apelido. Sempre assumi o que eu era. E o apelido ficou. Claro que depois
de ter diversas garotas me infernizando após tirar a virgindade delas, eu prometi
que jamais iria para a cama com outra. E declarei: nada de virgens, nunca mais.
— Ele sorri. — Porém, jamais devemos dizer nunca.
Pigarreio como se tivesse algo preso na minha garganta. Mas não tem.
Foi uma necessidade por não saber o que dizer. Que vergonha!
— Mas, depois de todos esses anos, você apareceu.
— Eu fui o proibido, não é? — pergunto um pouco chateada.
— Quê? Não... Sim... Quero dizer... Você é uma pessoa proibida para
mim, porém não foi por isso. É que você tem me deixado louco em todos os
sentidos.
Viro para o mar. Mordo o canto da boca. Ele não pode ficar falando essas
coisas. Não para mim. Não com essa confusão dentro de mim.
— Eu fui criada assim, Téo. Muitas crianças perdem lembranças de sua
infância, e eu queria ser uma delas. Antes eu tinha mais proximidade com minha
avó paterna e com minhas tias também e meu pai estava entre nós. Mas então,
perdemos ele e tudo piorou. Minha mãe ficou mais difícil. Minhas tias se
afastaram e fui proibida de ver minha avó. Meu tio é o único que se mantém ali
do meu lado aguentando tudo por mim.
— Por que está dizendo isso?
— Porque eu não sou as garotas com quem você sai, Téo. Eu sou
diferente, e sei disso.
— Raquel, foi isso que me atraiu em você. Seu diferencial te torna
especial.
— Você não entende. — Viro para ele. — Talvez eu fuja. Minha vida é
complicada. Cresci aprendendo as coisas de uma maneira, e nesses dias longe da
minha mãe, vi que tudo é diferente. Parece que vivi em uma bolha isolada de
tudo. Tenho medo de quando minha mãe retornar. Talvez eu reaja a tudo, ou
apenas siga da mesma forma de antes. Eu não sei... Só sei que sou diferente, e se
isso é bom ou não, tenho preocupação em descobrir. Isso tudo vai acabar, eu
sei... Então por isso é melhor ficarmos afastados. Entende?
Ele se levanta e para à minha frente.
— Raquel, você é adulta. Sei que cresceu sob regras absurdas, e
ensinamentos pelo visto assustadores. Mas precisa dar um basta. Se isso não te
faz bem, precisa se libertar. Ela é sua mãe, mas não tem o direito de te privar da
vida e do que te faz sentir feliz.
Ele acaricia meu rosto e sorrio fracamente.
— Não é tão fácil.
— Nós tornamos o simples em complicado.
— Você diz essas coisas, mas como pode ter certeza de que realmente é
simples? Olhe só, Téo, vejo como fala da fotografia, e vi hoje o quanto tem
muito amor e dedicação nisso, mas foge de dizer isso ao seu pai também, e sim,
já percebi. Aquele hotel não te faz feliz e você foge da verdade sobre isso.
Ele me observa.
— Estamos falando de você, amor.
— Viu só, está fugindo. Eu sei porque sempre faço isso quando não sei o
que responder para meu tio e minha mãe. Tem coisas que realmente não são tão
simples.
Ele me abraça. Encosto a cabeça em seu peito.
— Meus problemas são tolos perto do seu. Eu vou te ajudar, eu prometo.
— Não vejo como poderia.
— Você me pediu ajuda.
— E você disse ser o Senhor Pecado.
Escuto seu riso e isso mexe comigo.
— Até mesmo o Senhor Pecado tem seus momentos para ajudar as
pobres Santinhas em situações difíceis.
Afasto o rosto e olho sério para ele, que ri.
— Agora é melhor nos afastarmos. A situação está ficando critica.
Ele se afasta. E vai até a mochila. Pega a calça e veste.
— Por favor vista sua roupa. Está foda.
Ele me entrega e cruza as mãos como se rezasse. Reviro os olhos e visto
minha roupa.
— Não vejo nada de mais neste biquíni. Ele é apenas pequeno. Mas até
que estou me acostumando, depois de ver várias mulheres com alguns menores.
— Ele realça seus seios e sua bunda.
Olho chocada para ele, que dá de ombros.
— Você... Eu... Ai, meu Deus!
Ele ri.
Fico mais afastada, e ele rindo de mim. Raiva, é isso, estou com raiva.
Meu Deus, por que eu fui abrir minha boca?!
Que este pôr do sol surja logo, para irmos embora. Não dá. Simplesmente
está sendo difícil ficar próxima do Téo. E por quê? Queria tanto entender.

Chega ser maldade
Saber que a gente mora na mesma cidade
E você desconhece a realidade do meu coração
Não sabe se é sim ou não.
— Thaeme e Thiago “Meu segredo”

Téo Lima
Paro na saída da academia e fico olhando para o céu cinzento da cidade.
Desde que retornamos ontem do litoral, não consigo parar de pensar na Raquel.
Parece que ela fixou em minha mente, e não quer dar lugar a mais nada. E para
piorar, ela tinha razão. Sei que tudo vai mudar agora, pois a qualquer momento
meu pai ou a mãe dela retornará, e se não tomarmos uma decisão que ajude a
ambos, alguém saíra machucado. Meu coração está uma completa bagunça.
Meu celular começa a tocar. Pego em meu bolso e vejo o nome da
Samira na tela.
— Sentiu minha falta? — provoco.
— Está no trabalho?
— Não. Ainda não fui para o hotel.
— Téo, são quase meio-dia!
— Ligou para saber da minha agenda?
Ela bufa do outro lado da linha e sorrio. Saio da entrada da academia e
vou até onde deixei o carro.
— Preciso que venha até o meu apartamento. Precisamos conversar.
— O que aconteceu?
Abro a porta do carro e entro.
— Quando chegar aqui conversamos. Tem como vir agora? Consegui
dar uma saída rápida do trabalho.
— Claro. Em menos de vinte minutos estou aí.
— Certo. Até logo. — Ela desliga.
Jogo o celular no banco do carona e coloco o cinto.
O que será que aconteceu? Porra, Samira sabe tirar minha paz.

Aperto a campainha, pois estou sem a chave. Não demora e ela abre a
porta. Cumprimenta-me e entro no apartamento.
— O que aconteceu, mulher?
— Primeiro, você está nojento suado.
— Sério? Se alguém não tivesse me ligado e me preocupado, teria dado
tempo de um banho. Porra, fala logo.
Ela indica o sofá e sento agoniado. Que mania as mulheres têm de trazer
mais tensão ao momento.
Ela para no meio da sala, está nervosa. Conheço muito bem Samira, está
se controlando para não ter um surto.
— Tive que sair às pressas do trabalho para ir até a escola da Catarina.
— O que aconteceu? — pergunto alarmado.
— Sua filha levou três dias de suspensão. E sabe por quê?
— Não sou adivinho, cacete!
— Ela bateu em uma menina, porque a amiga acusou a mesma de roubo,
e ela tomou as dores. — Ela respira fundo. — Téo, eu estou prestes a explodir.
Não consegui falar com a Catarina, porque, nervosa como estou, faria besteira.
Ela ainda se acha na razão. Quantos anos pensa que tem? Nunca agiu assim, e
agora me apronta essa.
Arregalo os olhos e levanto do sofá. Que porra está acontecendo?
— Como é que é?
— Ainda estou sem acreditar que a Catarina tenha feito isso. Isso é muito
grave. Acusar alguém de roubo não é brincadeira. Ela ainda tentou desmentir a
professora e a diretora do colégio, e tem mais, quando eu falei que isso não
ficaria assim, ela me respondeu de maneira rude. Téo, tenta conversar com ela,
porque eu vou perder a cabeça e não quero isso.
— Onde ela está?
— No quarto dela.
— Certo. Vamos até lá.
— Não quero. Não estou com paciência. Melhor eu ficar longe até me
acalmar.
— Nem pensar. Vem.
— Téo...
— Estou falando para vir.
Ela respira fundo e vai na frente. Sigo ela até o quarto da Catarina. Ainda
estou incrédulo com o que ouvi. Catarina nunca foi disso.
Samira abre a porta e entramos. Assim que me vê, Catarina sorri
animada.
— Papai! — Ela corre até a mim.
Samira encosta na parede e cruza os braços.
— Senta na cama, Catarina — digo sério e ela me olha assustada.
Se senta e balança as pernas que ficam penduradas. Puxo a poltrona e
coloco de frente para ela. Sento e ela me observa.
— Quer me contar o que aconteceu hoje?
Ela olha para a mãe e depois para mim e então abaixa a cabeça.
— Olhe para mim. Não quero que desvie o olhar enquanto conversamos.
Porra, odeio ter que agir assim, nunca precisei. Mas o que ela fez foi
muito errado.
— Papai, eu não fiz nada...
— Então a professora e diretora mentiram? Porque se fizeram isso,
vamos os dois ao colégio e você dirá na frente delas que estão mentindo e vai ter
que provar isso.
Seus olhos se enchem de lágrimas e seus lábios tremem.
— E-eu só quis defender minha amiga.
— E bater era a solução?
— Não.
— Então por que fez isso?
— Porque minha amiga disse que a Dafne roubou o estojo dela.
— E procuraram o estojo, antes de acusar alguém? Porque isso é muito
grave.
— Não. Papai...
— Agora, você vai escutar, e quietinha, está me ouvindo?
Concorda e começa a chorar.
Meu coração fica partido em ver isso, mas tenho que ser firme. Se não
cortar agora, lá na frente o resultado poderá ser pior.
— Eu pago um colégio caro e bom, para que você possa ter o melhor
ensino educacional possível. Sua mãe e eu damos a você tudo o que pede. Se
quer brinquedos, mesmo sendo caros, você ganha. Quando quer comer algo,
fazemos de tudo para te dar no dia em que pede. Tem quartos maravilhosos. Suas
roupas são sempre as mais modernas. Catarina, você tem uma vida que muitas
garotinhas da sua idade sonhariam em ter, ou pelo menos ter uma pequena parte
dela. Mas o principal você também tem, que é uma família que te ama muito, e
faz de tudo para te educar bem.
Ela enxuga os olhinhos, e soluça. Olho para Samira, que se mantém séria.
— Tudo o que pedimos é que seja educada não apenas conosco, mas com
todos. E é desta forma que retribui tudo? Sua amiga estava errada em acusar
alguém, e você mais errada ainda em escutar o que ela disse e ir bater em uma
colega de classe, que era apenas uma vítima nisso tudo. Isso não se faz. Jamais
se deve acusar alguém ou julgar. Gostaria que tivessem feito isso com você ou
com sua amiga?
— Não, papai.
— Olhe para tudo isso, Catarina. — Indico ao redor. — Você é tratada
como uma princesa, mas hoje não agiu como uma. Foi mal-educada com sua
mãe também. Que coisa mais feia. Estou muito chateado com o que fez. Não me
orgulho nada disso. Quero que sua mãe me ligue para dizer que você foi bem na
escola, que tem muitos elogios, e não para dizer que aprontou. Não foi esta
educação que sua mãe e eu te demos. Pense no quanto seus avós e sua tia
Hannah, ficarão chateados ao descobrir isso. E o principal, pense no quanto a
garotinha que você bateu, está triste e o quanto os pais dela também estão.
Ela chora sem parar. É difícil agir assim, mas é necessário.
— Tudo o que fazemos existem consequências. E me dói muito dizer
isso, mas ficará sem televisão, iPad e sem brinquedos. E tem mais, quero você
treinando mais a leitura, porque, se com sete anos pode ser mal-educada e bater
nas pessoas, pode ler melhor. E vai refletir muito nesses dias em casa. E o
castigo vai até o final de semana. Quando retornar para a escola vai pedir perdão
a garota que bateu, e vou pedir que sua mãe te acompanhe a alguma loja e
compre um presente muito legal para esta garota.
— Mas, papai, final de semana mamãe disse que eu ficaria com você...
— E vai. Mas o castigo vai te acompanhar. Filha, a vida é como uma
plantação. Se você cuidar bem terá bons frutos. Mas, se não cuidar direito, só
terá frutos estragados. Tudo o que fazemos será retribuído da mesma forma.
— Vou ter frutos estragados, né, papai?
Samira sorri disfarçadamente. Sabe que a nossa filha é esperta.
— Sim. Mas, se cuidar, não terá mais frutos estragados daqui para frente.
Pense que hoje você e sua amiga trataram mal a tal Dafne, e amanhã alguém
pode fazer isso com vocês duas, e esta que maltrataram poderá ser o socorro das
duas.
Ela se levanta chorando e corre até a mãe. Samira se abaixa e a abraça.
— Desculpa, mamãe. Eu fiz coisa errada.
— Sim. Mas que não se repita. E tudo o que o papai disse vai estar
valendo a partir de agora.
Esfrego o rosto e respiro fundo.
Elas se afastam e Catarina vem até a mim e me abraça.
— Desculpa, papai. Prometo não fazer mais isso, e irei me comportar
melhor.
— Tudo bem. — Dou um beijo no topo de sua cabeça. — Agora, tenho
que ir trabalhar. Espero receber boas notícias sobre a senhorita.
Ela se afasta e concorda.
— Vá para o banho e coloque este uniforme para lavar, porque está
imundo.
A briga deve ter sido feia. A roupa está realmente suja. Ela sai em
disparada para o banheiro. Levanto da poltrona e Samira suspira.
— Obrigada. Eu realmente não sabia nem o que dizer.
— Vou depositar o dinheiro para comprar o presente da menina. E, por
favor, não se deixe levar pelos papos da Catarina, e seja firme no castigo que dei.
— Pode deixar. A babá foi ao mercado, e assim que chegar aviso sobre as
novas ordens.
— Tenho que ir. Qualquer coisa me ligue.
Ela concorda.
— Ela está crescendo. Vai errar, e termos que corrigir. Não vai ser fácil,
mas será necessário. Melhor ela chorar agora, do que chorarmos depois — digo.
Samira começa a chorar.
— Droga! Estou de TPM.
Sorrio e a abraço.
— Vou depositar dinheiro a mais e compre chocolates e sorvete para te
animar.
— Você é um herói. — Se afasta limpando o rosto. — E não irei repetir
mais isso. Some daqui. Tenho um limite para te aturar.
Reviro os olhos.
Às vezes parece que tenho duas crianças para cuidar. Porque sou o único
sensato e claro que um anjo.
— Antes de ir me diga como foi na praia. Hannah me contou por cima.
— Não irei contar agora... E por falar nisso, lembrei de algo. Até mais.
Saio às pressas, com ela me xingando. Preciso de um banho, e antes de ir
para o hotel, preciso fazer uma coisa muito séria.

Raquel Pereira
Observo Natanael, que está distraído. Vim trazer uns papéis a ele, mas o
mesmo parece não me ouvir. Resolvo cutucar seu braço e ele se assusta. Sorrio.
— Nossa, perdão. O que houve?
— Estou falando e não me escuta.
Ele olha para os lados e suspira.
— Onde Pietra e Mayara foram?
— Estão almoçando ainda. E sorte que estava vazio por aqui, pois eu não
estava escutando nadinha.
— Aqui os papéis com tudo o que o senhor Augusto exigiu.
Ele pega e coloca ao lado do computador.
— O que você tem? — pergunto curiosa e ele sorri.
— Eu estava aqui pensando. Faz tanto tempo que não me apaixono de
verdade.
— Quando foi a última vez, se lembra ainda? — questiono e ele suspira.
— Como se fosse ontem. Sinto falta de cada sensação.
Sorrio do seu modo de dizer.
— Já sentiu os sintomas da paixão? É tão gostoso, ainda mais quando
sabe que é a pessoa certa.
— Não. Nunca senti.
— Está perdendo uma sensação deliciosa. Meu último amor acabou por
bobagem, mas durou o tempo necessário. Agora quero sentir todas aquelas
sensações novamente.
— E quais eram? Parece serem muito boas mesmo.
— Ah, a paixão é o friozinho na barriga toda vez que vê seu amado. O
coração acelerado que parece que vai sair pela boca. A dilatação nos olhos. A
saudade mesmo depois de passar um dia todo em companhia dele. O medo de
perder, mas também de se entregar. Os ciúmes bobos. Às vezes, a timidez; e
outras horas, a coragem absurda que não teríamos com ninguém mais. É sorrir à
toa, e querer estar em seus braços o tempo todo. É ouvir sua voz e sentir um
tremor inexplicável... Como é maravilhoso tudo isso. — Ele sorri.
Sinto meu coração acelerar. Uma leve falta de ar. Engulo em seco. Apoio
uma mão no balcão e tento controlar meus batimentos, tentando acalmar minha
mente que está indo à loucura.
— Querida, está bem? Ficou pálida. Foi algo que eu disse?
Sim. Quero dizer que sim. Mas não consigo. Isso tudo o que Natanael
falou é tudo o que sinto em relação ao Téo. Eu não sou experiente nisso, mas
Natanael pelo visto sim, é nítido isso apenas em seu modo firme de dizer cada
palavra. Então, se sinto tudo isso, eu estou... Meu Deus!
Por isso o desespero do meu tio quando conversamos naquele dia, por eu
ter mentido sobre algumas coisas. Quando falei do Téo, ele ficou daquele jeito
estranho. Ele já sabe... A mãe do Téo falou sobre estarmos mentindo e a Hannah
ficou provocando. As raivas que sinto das mulheres falando dele ou perto dele.
Eu estou... Não!
— Raquel? Estou preocupado!
Natanael para ao meu lado, segurando meu braço.
— Preciso de água e sentar.
— Claro. Consegue me acompanhar?
Concordo.
Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser.

Téo Lima

— Quando foi a última vez que se confessou, filho?
Ajeito meus joelhos, sobre o estofado vinho.
— O senhor sabe quando foi. Não diga que não sabe que sou o Téo, até
porque eu entrei, fui até o senhor e falei que queria me confessar.
Ele pigarreia.
— Filho, pode dizer tudo o que tem lhe incomodado.
Tudo o que é dito em confissão, o padre não pode dizer a ninguém, não é
mesmo? Então ele terá que escutar e ficar mudo.
— Sabe, eu viajei. Fui para o litoral.
Ele pigarreia mais uma vez.
— Quer água? Eu posso...
— Continue!
— Bom. Padre, meu coração foi roubado.
— Seja mais claro, filho.
— Uma garota roubou ele. Está sendo duro acreditar nisso, e aceitar, mas
é a verdade. Minha ex-noiva tinha razão, estou apaixonado.
— Sua ex-noiva também foi?
— Padre, isso não importa. Estou desabafando aqui, então se concentra,
caramba.
— Tenha modos!
— Perdão, Sr. Estressado.
Porra, o homem desvia do assunto e eu tenho que ter modos.
— Estou apaixonado. Estou com medo e preocupado — falo de uma vez,
o que não ficarei tentando esconder.
— Filho e por que isso tem lhe trazido estes sentimentos? — pergunta
como se estivesse com dor.
Será que o padre está bem mesmo? E se eu disser e ele morrer? Mas não
podemos mentir para um padre. Principalmente eu. Nunca acaba bem.
— Porque é pela sua sobrinha!
Escuto um estrondo e levanto assustado. Coloco meu rosto na tela do
pequeno estande. Vejo o padre caído. Meu Deus, matei um padre!
Dou a volta e abro a porta do estande. Ele me olha e pisca. Não o matei.
— Está bem?
— Estou caído no chão. Pareço bem? Me ajude. Ande!
Ajudo ele a se levantar. O homem me olha de um jeito que padres não
deveriam olhar. É um olhar assassino.
— Lembra que contei em confissão. Não pode dizer a ninguém.
— Você está apaixonado pela minha sobrinha. Isso é uma afronta
terrível! — ele grita.
— Padre, que feio gritar na igreja! Se eu faço isso sou punido.
Ele puxa uma orelha minha e com força e estou com a impressão que ele
enterrou meu brinco em seu próprio dedo.
— Ai, porra!
— Olhe a boca. Acha bonito me dizer isso?
— Seria melhor se soltasse minha orelha!
Ele solta e começa a andar de um lado para o outro. Porra, que dor!
— Deus, eu fui o culpado. O que irei fazer? Olhe para ele! — Ele me
aponta como se eu fosse um pecador dos piores, logo eu, um santo.
— Epa! Não precisa ofender.
— Cale a boca! Por Deus, não diga nada. Ou não responderei por meus
atos.
— Que padre mais... — Ele me lança um olhar que fico preocupado e
opto por ficar mudo.
— Isso é loucura. Muita loucura. Deus!
— Agora que já confessei a alguém claramente isso, posso dizer a minha
ex. Pois não daria o gosto dela ser a primeira a saber.
— Quê?! Menino, como pode agir assim? Você acaba de confessar que
está apaixonado por minha sobrinha.
Uma senhora se aproxima.
— Padre, eu poderia ter um minuto com o senhor?
— Olha, se eu fosse a senhora voltaria em outro momento. O homem
aqui quer matar alguém, tenho certeza. E no caso esse alguém sou eu.
Ela arregala os olhos e sai às pressas.
— Olha o que fez!
— Eu livrei a pobre senhorinha de uma possível morte. Agora, pare de
surtar e volte ao papel de padre, preciso continuar a me confessar.
— Chega. Não quero mais ouvir nada. Vai ter que rezar...
Interrompo-o fazendo um sinal com a mão.
— Lembrei que estou atrasado para o trabalho. Foi bom conversar. — E
lá estou mentindo novamente. Nunca acaba bem quando minto.
Saio correndo com ele gritando por mim. Algumas pessoas na igreja
olham assustadas e eu faço sinal de que ele está louco. Entro correndo em meu
carro e sigo para o hotel.
Porra, se eu passo a ser um homem certinho que vem se confessar sobre
algo sério, ele surta; e se venho dizer que broxei, ele também surta. Como
agradar um padre desse jeito? Eu precisava desabafar e jamais daria a Samira o
privilégio de ser quem ouviria pela primeira vez, eu confessando com todas as
letras que estou apaixonado pela Raquel. Pensei que com o padre, ele seria mais
compreensível. Que erro. Pelo menos, ele não poderá surtar ou questionar a
Raquel, porque falei em confissão. Mas ao menos fui sincero. Mereço pontos
extras na divindade.
Se tudo fosse fácil
Eu me jogaria em seus braços
Me afogaria nos seus beijos
Eu me entregaria de bandeja pra você
— Michel Teló “Se tudo fosse fácil”

Raquel Pereira

Estou indo para o hotel na companhia do meu tio. Está friozinho, e pelo
jeito vem chuva. O dia está cinza. Porém, o que me preocupa agora, é o jeito que
meu tio está me olhando. Está me assustando.
— Tio, está tudo bem? — Coloco as mãos no bolso do casaco.
— Sim. E com você? Tudo bem? Aconteceu algo? Nada a desabafar? —
pergunta rapidamente.
Franzo o cenho. Por que estas perguntas? Será que ele já sabe sobre o
Téo e eu? Meu Deus!
Deve estar nítido em meu rosto que estou apaixonada. Que erro. Como
fui me apaixonar e ainda pelo Téo? Que desastre. Deus tem que me perdoar. Não
sei o que fazer. Estou a ponto de ter um surto.
— Eu? É...
— Não. Esquece. Hoje o dia será longo — desconversa.
— Muita coisa?
— Sim. Vou visitar um hospital, e depois ir atrás das coisas para a
reforma da igreja, mas antes também tenho que ir ao orfanato.
— Uau. Bastante coisa.
Estamos nos aproximando do hotel.
— Querida, enquanto estava na praia, sua tia Cássia entrou em contato.
Paro abruptamente, e por pouco não derrubo uma senhora. Peço
desculpas, mas ela ainda fica nervosa.
— O que ela disse? — pergunto sentindo o coração acelerar.
— Se acalme. Ela apenas disse o de sempre, que sua mãe está
desconfiada e impaciente. Que infelizmente já não pode mais mentir sobre estar
com o pé machucado. Mas que assim que sua mãe vir embora, ela avisa antes
para nos preparar. Ela está vinte e quatro horas de olho. — Sinto um pouco de
alívio por suas palavras.
Voltamos a caminhar.
— Tenho medo dos problemas que isso vai trazer para vocês. Comigo já
não me importo mais, sei que não posso esperar nada bom.
— Não diga isso! Tenha fé, meu anjo. Tenha fé!
Paramos na frente do hotel. Robson faz um cumprimento com aceno de
cabeça, e logo pega o carro de um hóspede.
— Filha, só se cuide. Não se deixe cair em tentação, pelo mau elemento.
Franzo o cenho e ele olha para o céu, como se pedisse algo.
— Do que está falando? Tio, o senhor está muito estranho hoje.
— Não é nada, querida. Agora tenho que ir. Fique com Deus. — Me
abençoa e deixa um beijo em minha testa. Então se retira às pressas e fico
olhando abismada. Está acontecendo algo.
Robson se aproxima, sorrindo muito.
— Raquel, parece que, quando vejo você mesmo de longe, o meu dia fica
mais abençoado. Seu semblante de menininha e seu sorriso alegra a todos.
Sorrio.
— Que bobagem. Como está seu dia? Bom, começou agora, né?
— Que nada. Fiz hora extra desde ontem. Com filhos, todo dinheirinho
que entra a mais é lucro.
Concordo e ele sorri.
— Pouco movimento hoje?
— Vixe, e como. Este hotel lota muito em temporadas. Raro lotar de
verdade em dias “normais”. Cidade turística é assim.
— Acho que tudo é questão de uma melhor divulgação. As pessoas da
cidade deveriam querer passar um final de semana aqui, para relaxar, ter um dia
diferente. — Rio. — Quem sou eu para opinar alguma coisa!
— Menina, concordo com o que disse. Acho que deveria ter uma
divulgação diferente e também atrações. Ser um hotel mais animado, assim as
pessoas daqui também iriam querer ficar alguns dias aqui.
— Exato. Assistir programas sobre essas coisas dá nisso. — Com minha
mãe do lado, não tinha muito o que assistir.
— Minha mulher diz que sou muito palpiteiro. Logo eu! Só compartilho
minhas opiniões, o que deveria ser considerado privilégio para as pessoas.
Rimos.
Salto para frente e só não caio, pois o Robson me segura. E tudo isso
pelo susto do barulho de um carro, que basicamente estacionou na calçada. Mas
pelo barulho, já sei quem é antes mesmo de olhar.
Ele desce do carro e está mais bonito do que nunca. Veste um terno preto,
e um cachecol cinza que cai nas laterais, sem nenhum nó.
Seu olhar não é nada legal para o Robson.
— Eita lasqueira. Perdi o emprego! — Robson cochicha em meu ouvido.
— Shhh... Perdeu nada. Por que perderia? — cochicho de volta.
Téo olha algo no celular e então guarda no bolso.
— Não é a primeira vez que ele me olha assim, quando estou com você
— ele diz ainda mais baixinho.
Téo me olha de um jeito intenso. Sorrio, mas ele não retribui. Joga as
chaves na mão do Robson, que segura com firmeza.
— Bom dia, senhor!
— Bom dia! — Téo responde sério.
Ele passa por nós, e nem sequer fala comigo. Olho boquiaberta para o
Robson.
— O que eu fiz?
— Não foi você. — Dá um leve tapinha no meu ombro e sorri. — Pode
acreditar que não fez nada. Agora vou guardar o carro dele.
Ele se afasta e entra no carro. Fico olhando o carro azul ser levado para o
estacionamento. Desvio o olhar e olho em direção ao céu. O que eu fiz desta vez,
Deus?
Entro no hotel, e Natanael não está na recepção. Mayara e Pietra me
olham.
— Olha só. O chefinho chega e a Santinha chega atrás. Essa aí enganou a
todos certinho. Nunca irei me conformar — Pietra diz.
Mayara dá um tapa no braço dela, que reclama.
Passo pela recepção sem dar qualquer resposta. Parece que hoje não é
meu dia.

Deixo minha bolsa pendurada na cadeira, e vejo os papéis na mesa, com


um aviso de urgente. Natanael deve ter deixado aqui. São os gastos da cozinha.
Arrumo as papeladas, para entregar ao Téo.
Bato na porta e ele diz para entrar. Natanael está na sala e assim que me
vê sorri.
— Olha só, trouxe faz tempo os papéis e esqueci de te entregar, Téo —
Natanael diz esfregando a testa. — Que cabeça a minha. É tanta coisa para fazer
hoje, que estou endoidando.
Entrego para o Téo, que me olha sério.
— Que clima! O que você fez, Téo? — Natanael questiona nervoso.
— Com licença — digo. Quero sair o mais depressa daqui.
— Raquel, ainda não — Téo diz em um tom que me faz sentir uma
contração no estômago. — Nos deixe a sós, Natanael.
— Téo...
— Vai logo, homem!
— Eu não ganho o suficiente para isso. Vou morrer por sua culpa! — Ele
sai da sala às pressas resmungando.
Téo se levanta e contorna a mesa, ficando na frente dela, onde se senta na
beirada.
— O que deseja, senhor? — digo nervosa. Não sei por que, mas estou.
— Senhor? — Ergue uma sobrancelha.
— Tenho que ir, desculpe.
Viro para sair, mas ele segura minha mão e me puxa na sua direção, me
deixando entre as suas pernas. Suas mãos prendem meu corpo.
— Téo, eu... Nada de toques... Eu...
— Eu estou querendo matar um funcionário. Que cacete conversa tanto
com o Robson?
Sorrio. Só pode ser piada isso tudo.
— Por que está sorrindo?
— Robson e eu apenas conversamos normalmente, e o tom que falou,
parece que fazíamos uma coisa muito grave. Não crie coisas em sua cabeça, Téo.
Vai por mim, conheço uma pessoa que faz e é loucura.
— Para o meu coração é grave. Porra, sou dramático e sensível.
— Olha a boca! Agora me solte, preciso trabalhar.
Ele acaricia meu rosto.
— Preciso do seu beijo. Estou pirando.
Fecho os olhos e abro lentamente.
— Não, Téo. Entenda, por favor.
Tiro suas mãos de mim e me afasto.
— Você está acabando comigo. Porra, mulher!
Saio rapidamente da sala. Sento na minha cadeira e respiro fundo. Não
posso mais cair em tentação. Não posso.
O telefone toca e atendo. É o senhor Augusto.
— Raquel, liguei para saber se está tudo bem por aí.
— Está sim. Tudo certinho.
Tirando a parte que o seu filho está me enlouquecendo.
— Téo tem se comportado?
— Sim... Muito... Sim.
— Sei... Bom, logo estarei de volta. Então, até breve!
— Até, senhor.
Eu preciso me concentrar nas tarefas de hoje, ou irei endoidar.

Olho no relógio e está no meu horário de almoço. Estou sem fome, mas
preciso andar um pouco, minhas costas doem de ficar sentada. Vou até o jardim
do hotel. Está mais frio agora, porém é bom sentir um pouco de ar. Encosto na
lateral da árvore e cruzo os braços. Está vazio o local, talvez pelo frio e eu ser a
única doida a ficar aqui. Fecho os olhos e encosto a cabeça na árvore também.
Ficar muito tempo mexendo no computador faz com que minhas vistas ardam
um pouco. Aproveito para tentar refletir um pouco e quem sabe assim colocar as
coisas em ordem na minha cabeça e em meu coração.
— Estava me perguntando quem era a louca aqui fora neste frio!
Viro assustada, mas sorrio em seguida.
— Oi, Hannah.
Ela se aproxima e me cumprimenta.
— Estou à procura do Natanael. Preciso pegar as contas que minha mãe
pediu. Essa minha vida não está fácil. Pego apenas conta, se é que me entende.
— Ele deve estar vistoriando o hotel, ou almoçando.
— Só pode. E você, o que faz neste frio aqui fora?
— Precisava ficar um pouco de pé, e sentir um ar fresco.
Ela concorda e coloca as mãos no bolso da blusa que usa.
— Bom, vou atrás dele. Até qualquer dia.
Concordo e ela se vira para ir embora.
— Hannah!
Ela gira o corpo lentamente e me olha.
— Sim?
— Você já sabia, não é?
— Sobre?
— O Téo e eu... Quero dizer, sobre eu estar...
— Apaixonada por ele? Claro. Quem não sabe?
Sorrio sem graça. Prendo uma mecha de cabelo atrás da orelha.
— Está confusa e com medo. Eu sei. Já passei por isso.
— É difícil. Parece que tudo na minha vida é difícil.
Ela cruza os braços e sorri.
— Raquel, eu poderia te dizer para se jogar de cabeça e seguir seu
coração. Mas não direi. Eu me vejo em você. Boba apaixonada. Não pense que é
uma ofensa. É normal coração apaixonado ser assim, meio avoado. Nos faz ver
mil maravilhas, sentir palpitações, e aquele friozinho na barriga, sem contar a
saudade a todo instante. Mas temos que tomar cuidado. Às vezes, a mente e o
coração entram em conflito e fazemos péssimas escolhas. Eu fiz, vai por mim. E
eu queria ter tido uma amiga que dissesse: Cai fora, Hannah. Acorda pra vida,
mulher. Ele é um cretino. — Ela sorri. — Queria que ela tivesse me dado um
tapa bem dado para ver se eu caía na real. Porque nada como um bom amigo
para te fazer ver e acreditar naquilo que outros não conseguiriam. Porém, não
tive essa sorte.
— Eu sinto muito...
— Não sinta. Foi bom. Sofri, mas aprendi. Imagine só, você ir até o
apartamento que compraram juntos para quando se casassem e tivessem uma
vida ali, então o traste que você amava resolve estreiá-lo com aquela que se dizia
sua melhor amiga. E o pior, você só descobrir, porque estava indo planejar uma
noite quente com ele, para fazer uma inauguração surpresa do apartamento que
tinha ficado prontinho. Nada legal, eu sei! Mas foi o que aconteceu. O infeliz
estava na cama, com aquela que eu chamava de irmã e amiga. E ainda tentaram
dizer que não era o que eu pensava. Clichê demais!
Fico chocada ouvindo tudo. Seus olhos estão marejados.
— E sabe quanto tempo faltava para casarmos? — Ela ri com ironia. —
Uma semana. Exatamente uma semana. A mídia adorou esta polêmica.
— Hannah, eu nem sei o que dizer. Isso é cruel.
— Eu sofri muito. Comecei a beber que nem louca, e não queria saber
mais de nada. É tudo ainda recente, faz poucos meses, mas hoje estou aqui,
como uma fênix. Te falei tudo isso, para implorar que não seja eu. Não cometa o
erro de se entregar completamente, sem ter a certeza de que vale a pena. Meu
irmão não é santo. A cidade é pequena, e não duvido que ele tenha ido para a
cama com a maioria das mulheres. Quase todas, neste hotel, tiveram algo com
ele. Téo é cretino. Ele tem boas qualidades, como ser cuidadoso, bom pai e um
amigo maravilhoso, além de excelente irmão. Mas, quando se trata de mulheres,
é igual o traste que esteve na minha vida. Não serei uma egoísta em dizer que
vocês têm que ficar juntos, mesmo achando que formam um belo par. Se cuida.
Seja cautelosa. Se quer se entregar de vez, tenha certeza sobre isso.
Ela enxuga uma lágrima que escorre.
— Eu não queria, mas...
Quando dou por mim, estou chorando. Ela me abraça.
— Você está apaixonada. Téo é burro, e tenho medo que te machuque.
Ninguém deveria sofrer por amor, porque dói muito.
— O que eu faço?
Nos afastamos.
— Seja forte. Não é fácil, mas tente. Antes de fazer qualquer coisa, tenha
certeza de que quer aquilo e que vai te fazer bem. Não seja impulsiva como eu
fui.
Enxugo meu rosto.
— Agora vamos entrar. Está frio. E vou passar uma maquiagem em seu
rosto, que está todo vermelho. Para sua sorte ando sempre preparada.

Pego minha bolsa, ajeito o casaco e saio do hotel. Despeço-me do


Natanael. Saí uma hora mais tarde. Fiquei revisando uns documentos a pedido
do senhor Augusto.
Paro na calçada e respiro fundo. Faz mais frio ainda.
— Raquel!
Viro para trás. Ele vem rapidamente até a mim.
— Te levo.
— Téo, não...
— Sem discussões.
É melhor. Está frio demais.
Robson traz o carro e entramos rapidamente, antes de nos molharmos na
chuva que acaba de despencar. Colocamos o cinto.

O caminho até em casa falamos sobre assuntos do hotel e agradeço por


isso. Demoramos um pouco mais que o normal para chegar, devido à chuva.
— Obrigada. Desta vez, eu estaria perdida se tivesse vindo a pé.
— Viu só? Sou um homem muito esperto.
Rio.
— Bom, vou entrar. Tchau.
— Eu te levo. Não vai sair na chuva. Você é louca, se imagina que eu
deixaria!
Ele abre uma repartição do carro e retira um guarda-chuva. Sai, e vem até
a minha porta, ele abre e saio me protegendo da chuva embaixo do guarda-chuva
preto. Sua mão está nas minhas costas. Paramos na porta de casa, e pego a chave
na bolsa para abrir. Assim que abro, respiro aliviada, apenas o toque dele me
enlouquece. Entro e acendo a luz. Ele fica na porta me olhando.
— Obrigada. De ve...
É rápido demais. Meu corpo é puxado de encontro ao seu. O guarda-
chuva cai. Ele caminha para dentro, fechando a porta e me encostando nela. Sua
boca vem de encontro a minha com força. Suas mãos seguram meu rosto e seu
corpo aperta o meu. Não resisto. Enrosco meus braços ao redor do seu pescoço.
Uma de suas mãos deslizam pela lateral do meu corpo, por debaixo do casaco.
Sinto sua rigidez e um desejo louco domina meu corpo, mente e coração.
— Santo Deus! Meu anjo...
Empurro o Téo rapidamente, e levo uma mão à boca. Meu coração bate
forte.
— Tio!
Estou sem fôlego e muito assustada. Ele me olha boquiaberto. Cai
sentado no sofá. Mas o que me faz tremer é o som do bater de palmas. Viro
lentamente o rosto e levo uma mão ao peito.
— Que espetáculo. Só não sei se continuo batendo palmas ou choro de
desgosto por esta pouca vergonha! — Seu tom é frio.
— Mamãe!
Olho para o Téo que encosta na parede, fecha os olhos e diz:
— Droga!

Ela já se machucou demais
Promete que vai ser um bom rapaz?
E se ela disser: Vem! Cê pega e vai
E não solta nunca mais
E não solta nunca mais
— Fernando e Sorocaba part. Jorge e Mateus “Bom rapaz”

Raquel Pereira

Nunca pensei que veria meu mundo despencar em uma velocidade


inexplicável como agora. A velocidade desta queda é completamente insana. Faz
o coração acelerar, a mente ficar lenta e a voz sumir. Um nó se instala no
estômago, e a respiração fica irregular. Estou assustada. O momento que eu mais
temia chegou, e da pior forma. O olhar dela é irreconhecível. É o tipo de situação
que, por mais que tente explicar da melhor forma, nunca parecerá tão
convincente. Mas tenho que tentar.
— Mãe, eu quero te explicar tudo. Só preciso que me...
— Cala a sua boca! — ela grita.
— Elisângela, por favor. Escute o que ela vai dizer.
— Escutar, João? — Ela ri com ironia. — Eu chego em casa, não
encontro minha filha. Seu quarto está repleto de roupas e sapatos que não tinha.
Então você chega de repente aqui, e tenta me enrolar. Quando escuta barulho na
porta, desce às pressas, e tenta me impedir de vir. E quando chego aqui na sala
vejo uma cena absurda dessas. Minha filha com trajes vulgares, e aos beijos com
um qualquer. Não tenho que escutar nada. Eu vi tudo. Não precisam tentar mais
mentir. E que vergonha, um padre ajudando nesta baixaria. — Seu olhar para o
meu tio é de raiva.
Caminho em direção ao sofá e me apoio no encosto.
— Mãe, eu posso explicar. Por favor!
— Explicar que virou uma qualquer? Não precisa, porque eu vi. Que
vergonha e nojo de tudo. Você me trouxe um desgosto grande. Deus deve estar
chorando de decepção. Não te criei para ser uma vulgar — diz com raiva.
Engulo em seco.
— Por Deus, não diga coisas assim. Ela é sua filha! — tio João diz.
— Minha filha? Não. A filha que criei não era assim. Olhe essa roupa.
Minha filha não usava saias assim e saltos. Essa daí não é a minha Raquel. É
uma qualquer.
Fecho os olhos e respiro fundo. Não posso chorar. Não agora.
— Eu a ajudei. Ela precisava viver. Você prendeu esta menina por muito
tempo. Ela tem vinte anos. Chega de escondê-la do mundo.
— Esconder? Ela foi criada para seguir os passos de Cristo. Mas o que vi
hoje, não passou de uma garota abusada!
— Mamãe, por favor...
— Cala a sua boca, garota! — Ela se aproxima de mim.
Meu tio se levanta.
Olho rapidamente para o Téo. Ele está de cabeça baixa, com as mãos no
bolso. Não emite qualquer som.
Ela segura meu braço com força. Olho em seus olhos, e vejo apenas
frieza.
— Bastou alguns dias para se jogar nos braços de um homem. Se tornou
uma pecadora. Eu sinto vergonha de você.
— Solte-a! — meu tio diz e ela faz. — Escute o que vamos dizer. Vamos
manter uma conversa civilizada.
— Estou na minha casa, e falo com a minha filha da forma que eu achar
certo. Você não tem direitos aqui. E saiba que irei denunciar suas ações. Não
presta para ser um padre. Quero que você e este qualquer sumam imediatamente,
porque minha conversa será a sós com ela.
— Não fale assim com ele! O tio não merece — falo nervosa.
— Como é que é? Agora vai alterar o tom de voz, garota? — Se
aproxima novamente apertando meu rosto com força. — Nunca mais fale assim
comigo!
Desvio o olhar.
Téo agora olha para ela. Mas continua sem dizer qualquer coisa. Meu tio
aperta o crucifixo pendurado em seu pescoço. Ela solta meu rosto e caminha até
a porta. Abre e coloca uma mão na cintura.
— Saiam os dois daqui. Não quero vê-los nunca mais!
— Não irei. Posso ser apenas o tio dela. Mas sinto como se fosse um
segundo pai. Não irei deixá-la sob os seus julgamentos. Você precisa escutar
tudo, antes de sair tomando qualquer atitude.
Minha mãe soca a porta, causando um estrondo.
— Eu não irei escutar nada! — grita. — Raquel virou uma qualquer, e
por culpa das suas irmãs e principalmente por sua culpa. Não duvido nada se já
não...
— CHEGA! — meu tio grita. Ela olha assustada. — Olha o que fala
dela. Santo Deus! Como pode dizer coisas assim? Você diz que ensina a ela
seguir os passos de Cristo, mas se Ele tivesse tido atitudes como as suas, eu iria
preferir servir ao mundo.
— Você já está servindo. Nunca vi padre mentir, e esconder todas as
barbaridades que a sobrinha fez! Isso não vai ficar assim.
Ela se vira para o Téo, que não tira os olhos dela.
— E você, não passa de um aproveitador. Estou lembrada do seu rosto. O
meliante do mercado. Conseguiu o que queria, não é mesmo? Agora já pode ir
atrás de garotas de programas como deve fazer. Só me responda antes: Foi fácil
ter ela, e pretendiam fazer alguma coisa na minha casa?
Olha chocada para as coisas que ela diz. Sinto uma raiva absurda por
tudo o que tenho escutado. São anos aguentando todos os tipos de coisas que ela
diz, mas hoje está sendo pior.
Téo ergue uma sobrancelha.
— Não passa de um pecador. Conseguiu destruir minha filha! Suma
agora da minha casa, antes que eu chame a polícia. Não deve passar de um
vagabundo.
— CHEGA, MÃE! — grito.
Ela se vira para mim boquiaberta.
— Você gritou comigo, sua...
— Sim, eu gritei! Eu cansei. Pare de tratar as pessoas assim. Pare de
julgar sem antes conhecer. Isso passou dos limites. Servir a Deus não é ser
assim. Chega, eu não aguento mais, por favor... Chega! — Sinto meu peito doer.
Não quero chorar.
Ela se aproxima e só sinto meu rosto virar com o estalo. O lado direito
arde pelo tapa. Olho para ela, não consigo sentir nada além de raiva.
— Elisângela!
Meu tio se aproxima de mim, mas eu me afasto.
— Você só tem duas escolhas: vai para um convento, onde sou amiga da
madre superiora, ou vai para a rua viver como uma qualquer. Na minha casa,
você não fica mais. Eu prefiro te ver morta, do que agindo assim! — diz como se
estivesse sentindo dor. Seus olhos estão marejados.
— Olha o que está dizendo! Você se escuta? — falo sentindo a voz
mudar pelo choro que controlo.
— Faça agora sua escolha!
— Deus tem que ter misericórdia de você! Olha o que fala para a sua
própria filha. Isso sim é um pecado e terrível — meu tio diz bem abalado.
— Faça a escolha. Agora! — ela grita.
Téo se aproxima, acaricia meu rosto, onde arde um pouco, e então sorri
para a minha mãe.
— Primeiro, meu nome é Téo Lima, para o caso de querer saber o nome
do pecador e meliante. Segundo, nem para a rua e nem para o convento, a
Raquel vem comigo. E terceiro, eu prefiro ser tudo o que disse do que ser um
cristão hipócrita como a senhora. E antes que diga qualquer coisa, eu tenho todo
o direito de falar aqui, porque o seu direito de mandar alguém calar a boca
terminou, quando passou a ofender um padre e humilhou sua filha de todas as
formas. E quando for denunciar seu irmão, aproveite para dizer o motivo que
levou ele a ajudar a sobrinha.
Ela começa a tremer. Aponta um dedo na direção dele.
— Não faça isso. Lembre-se de que Cristo jamais apontou um dedo ou
julgou alguém. Se bem me lembro, julgar é pecado. Foi por julgamentos e
acusações absurdas que levaram Ele à cruz.
Ela franze o cenho para ele.
— Chocada que sei tudo isso? Pois bem. As aparências enganam. E não,
sua filha não foi fácil. E antes, o que ela tinha por você não era respeito, era
medo, algo bem diferente.
Minha mãe tenta falar, mas Téo não permite.
— Agora ela vai subir, e eu vou junto. Vamos pegar tudo o que eu dei a
ela e sair por esta porta, e torça para não se arrepender de nada, porque posso ser
um bom homem, mas quando quero, dou aulas para o Diabo. Não se assuste se
isso acontecer!
— É com este tipo que vai escolher ficar? Foi para isso que te criei? Que
vergonha! — Ela me olha e vejo a luta interna em seus olhos. É como se cada
palavra estivesse rasgando-a, ouso dizer, bem mais do que em mim.
Olho para o Téo, e em seguida para o meu tio.
— Te fiz uma pergunta, menina! — grita.
— Vou pegar minhas coisas!
E pela primeira na minha vida, dou as costas para a minha mãe e não me
arrependo. Caminho em direção as escadas, e escuto os passos dele atrás de
mim. Subo cada degrau olhando para frente. Dentro de mim, uma voz que
transmite calmaria diz: Vai ficar tudo bem, minha menina.
Entro em meu quarto, e ele entra atrás. Fecho a porta, e me jogo em seus
braços. Ele me abraça forte e beija o topo da minha cabeça.
— Não chore. Não aqui — pede baixinho.
Me afasto sem dizer nada e começos a pegar tudo o que vou levar.
Assim que terminamos, dou uma última olhada para o quarto e respiro
fundo. Descemos as escadas, e ela está de costas, olhando para a cozinha.
— Elisângela, você realmente vai deixá-la ir? — meu tio questiona. —
Você está agindo pior do que nossa mãe.
Ela não diz nada.
— Está tudo bem, tio.
— Vou pedir um táxi, porque não vim com o outro carro — Téo diz e
meu tio concorda.
Eles saem primeiro da casa, e fico olhando para ela.
— Eu ainda continuo te amando, mamãe, mas existem limites.
Desculpa... — Ela não me olha. — Adeus.
Saio da casa, e fecho a porta.
— Vamos para a igreja — meu tio diz.
— Eu preferiria ir para o hotel — falo.
— Tudo bem — eles dizem juntos.

Téo pegou um quarto para mim. Meu tio está sentado ao meu lado.
— Me perdoe por não ter feito muito, querida. Me perdoe. — Ele me
abraça e chora.
Ninguém poderia ter feito muita coisa. Ela não queria conversar. Sempre
foi assim. Eu queria que tudo fosse diferente, mas não é. Sempre soube que o
retorno dela seria difícil, só não pensei que pudesse doer tanto.
— Está tudo bem. Me perdoe por trazer todos esses problemas.
— Você não fez isso. Eu irei rezar muito por sua mãe e por você. Como
eu queria que essa história fosse mais calma. Eu pedi tanto a Deus para que fosse
mais fácil.
Me afasto e seguro suas mãos.
— Tio, está tudo bem, eu juro. Pode ir. Não fica pensando nisso. Amanhã
será outro dia, e se eu tiver sorte será melhor.
— Oh, meu anjo. — Dá um beijo em minha testa. — Sua tia tentou o
tempo todo avisar sobre a volta dela. Mas não conseguiu contato a tempo.
Quando nos falamos, eu corri para a sua casa, mas ela já estava lá.
— Tudo bem... Vocês fizeram o que podiam. Serei sempre grata.
— Você precisa descansar. Amanhã venho até aqui.
Assinto.
— Te amo, meu anjo.
— Também te amo, tio.

Já tomei banho. Estou deitada, toda encolhida na cama. Dá para escutar o


barulho da chuva lá fora. Estou ao máximo tentando ser forte, mas está sendo
difícil.
Desde que chegamos ao hotel, o Téo saiu e não voltou. Ele não tem
obrigação também. Esse problema é meu. Amanhã tentarei dar um jeito de
encontrar um lugar. Posso tentar ficar com minhas tias por um tempo, não sei.
Dói tanto toda essa situação.
A imagem do seu olhar e a voz com suas duras palavras, não saem da
minha memória. Fico revivendo todo aquele momento ruim. Ela não olhou para
trás. Talvez tenha existido amor, apenas da minha parte. Sempre a amei, mesmo
ela sendo da forma que era. Mesmo depois de hoje, não consigo parar de amá-la.
É a minha mãe, e infelizmente, não podemos escolher de quem seremos filhos.
Batidas na porta me fazem sobressaltar. Levanto e vou ver quem é.
— A alegria para a sua noite chegou — Téo diz sorridente. — Trouxe
tudo o que imaginei que poderia te alegrar, e claro que assaltei algumas coisas da
cozinha daqui. Posso entrar? — questiona e dou passagem.
Fecho a porta e ele coloca a sacola em cima da mesa e começa a tirar
tudo de dentro.
— Para quantas pessoas é isso? — pergunto preocupada.
— Exagerei?
Concordo.
Tem sorvete, chocolate, doces, pudim, e tudo o que pode ser chamado de
bomba calórica.
— Não importa.
Ele abre a caixa de chocolate e retira um de dentro e caminha até mim.
— Dizem que anima.
— Não quero, obrigada, Téo...
— Só um, por favor. — Ele coloca na minha boca e sorri animado.
Caminho até a cama e me sento. Ele se senta na poltrona de frente para
mim.
— Lembra quando falei para não deixar ninguém tirar seu sorriso?
Meneio a cabeça, afirmativamente.
— Está deixando. Não deixe.
— Meio impossível, agora.
Ele acaricia meu rosto.
— Eu sei, mas tente.
— Eu não sei o que fazer em relação ao que aconteceu hoje, mas amanhã
irei embora, sinto por não poder me despedir de seu pai e agradecer...
— Você o quê? Nem pensar. Ficou louca. Não vai fugir.
— Téo, já arrumei confusão demais para o meu tio e já te dei muito
trabalho.
— Você fica. Eu juro que se for embora, vou te caçar até o fim do mundo
e te trazer de volta.
— Não posso ficar. Na verdade, não tenho onde ficar.
— Tem sim. Fique na minha casa.
— Não!
— Como eu sabia que diria isso, pode ficar neste quarto, por minha
conta, e como minha casa está dedetizando, ficarei no quarto aqui de frente
durante um tempo.
— Sério? Sua casa está mesmo dedetizando? Téo, já sei quando mente
para mim.
— Está bem. Apenas quero ficar por perto.
— Já fez muito por mim, não posso mais continuar aceitando.
— Não pense nisso agora. Depois tento te convencer de mil e uma
formas que eu encontrar. Agora sente bonitinha aí, e vou abrir o pote de sorvete,
e irei ficar do seu lado, apenas relaxando ou tentando.
Me ajeito na cama, encostando a cabeça na cabeceira. Ele abre o pote de
sorvete e pega duas colheres. Retira os sapatos e se senta ao meu lado. Leva a
colher com sorvete à boca, e me olha.
— Vai resistir a sorvete? Isso é um crime, Santinha.
— Pode ter o pote todinho para você.
— Nem pensar.
Téo pega sorvete na colher traz até a minha boca, mas não abro. Ele
sorri.
Coloca o pote de sorvete no criado-mudo e retorna com a colher até a
mim, mas continuo resistindo. Então, ele suja o canto da minha boca.
— Téo!
Ele sorri.
Agora ele suja minha bochecha.
— Assim não vale!
— Claro que vale. — Dá uma piscadela.
— Pare com isso.
Ele se aproxima ainda mais, ficando praticamente em cima de mim. E
suja meu queixo.
— Vai continuar resistindo ao sorvete?
— Está deixando meu rosto melado.
Ele lambe meu queixo e o canto da minha boca. Seu piercing faz
cócegas, mas não consigo sorrir.
— Posso derrubar o sorvete todo em você.
— Nem pensar!
Ele coloca a colher no pote e volta a ficar bem próximo.
— Não vai mesmo sorrir? Apenas um sorrisinho.
— Téo, não estou...
Começa a fazer cócegas em mim, e me contorço tentando me livrar dele.
Não consigo mais segurar, e rio alto.
— Chega... Está bem... Comerei qualquer coisa e ficarei sorrindo.
Ele para e ri da minha situação. Me ajeito na cama e também o meu
cabelo.
— Viu só, pode sorrir. — Segura meu queixo. — Ninguém tem o direito
de tirar o seu sorriso.
Viro na sua direção e escondo o rosto em seu pescoço. E então me
permito chorar. Liberto tudo o que estou tentando segurar. Seus braços me
envolvem, de uma forma protetora e carinhosa. Ele fica em silêncio, me
permitindo sentir este momento e deixar minhas emoções terem liberdade. Seus
braços me acalmam e trazem uma paz inexplicável. Ele segura meu rosto com
uma mão e olho em seus olhos. Aproxima lentamente o rosto do meu e beija
meus lábios. O beijo é calmo e salgado pelas lágrimas que escorrem. Sinto uma
sensação de leveza. É como se estivesse encerrando uma imensa tempestade. O
som da chuva se torna ainda mais acolhedor. Seus dedos acariciam meu rosto. É
como se o beijo sugasse toda a dor que sinto. Levo uma mão ao seu rosto e sua
barba faz cócegas em meus dedos. Seu perfume me hipnotiza. Morde levemente
meu lábio inferior e passa a língua por ele, então me olha e sorri.
— Vai ficar tudo bem. Conte comigo sempre — diz com rouquidão na
voz.
— Obrigada.
Ele deixa um selinho em meus lábios e um beijo em minha testa.
— Não quero ficar sozinha esta noite. Fique comigo, por favor.
— Não precisa pedir duas vezes. Só preciso de um banho e trocar de
roupa. Serei rápido, prometo. Vou levar o cartão da porta.
— Está na cômoda.
Ele se levanta da cama e pega o pote de sorvete. Coloca as coisas no
frigobar e sai do quarto.
Fico deitada embaixo das cobertas, com os olhos fechados, mas sem
qualquer sono.
Escuto-o destravar da porta. Não preciso olhar, sei que é ele. A porta se
fecha e a luz é apagada, ficando apenas os abajures acesos. Coloca algo no
criado-mudo e então sinto seu peso na cama. Assim que ele se deita, se agarra ao
meu corpo, mantendo minhas costas em seu peito. Beija meu pescoço.
— No final, vai dar tudo certo, né?
— Vai sim. Tem que que dar certo. Mas, seja da forma que for, estarei
sempre com você.
— Téo, você não precisa ficar. Pode ir quando quiser. Não posso te
prender a toda essa bagunça.
— Eu quero ficar.
— Por quê? Não precisa passar por tudo isso.
— Porque pelo menos uma vez quero fazer a escolha certa.
Não falo mais nada. Respiro fundo, e sinto sua mão acariciar meu braço.
“O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã”. Assim
diz nos Salmos 30, então que assim seja, meu Deus. Que assim seja.

Na vida podem existir milhares
Mas nenhuma vai ser como você
Que, comigo, o amor foi de verdade
Que fez a minha vida acontece
— MC Rita part. MC Kekel “Amor de verdade”

Téo Lima

Acordo com meu celular tocando. Estico o braço com cuidado, pois
Raquel dorme em meu peito. Vejo o nome de quem liga e o horário. Vou matar o
infeliz.
— O que você quer? — digo baixo.
— Que bom dia mais delicado.
Levanto com cuidado da cama. Raquel resmunga e se vira para o lado.
Abro a porta que dá para a sacada e me sento na cadeira ali.
— Quero te fazer um convite.
— Rogério, que seja um convite muito bom, ou será um cara morto.
Porra, são seis horas da manhã.
— Pare de resmungar, cazzo. Hoje tem festa aqui na Mister Sin,
comemoração do meu aniversário. Quero você aqui e não aceito desculpas.
— Você quer me foder?
— Por quê? — Ele ri.
— Porra, não tenho como ir. Estou enrolado nesses dias.
— Vai deixar de vir no aniversário do seu amigo? Cara, como ousa?
Porra!
— Qual o horário?
— Começa às nove horas da noite. O funcionamento não será normal.
Fechei apenas para a minha festa. Vantagem de ser dono.
— Vou ver. Se der, eu irei.
— Não venha com este papo. Quero você na boate!
Respiro fundo e olho para baixo. Alguns funcionários circulam pelo
hotel.
— Eu irei, mas não vou demorar.
— O que fez com o meu amigo que não perdia uma boa festa? — Ele ri.
— Ele ainda está dormindo, porque um idiota o acordou bem cedo.
— Anda muito rabugento. Bom, tenho que fazer umas coisas. Te espero.
E só para te animar, pode trazer acompanhante — gargalha.
Desligo o celular, e esfrego o rosto.
Todas as festas do Rogério têm de tudo. É sempre uma grande loucura. E
porra, eu nunca termino bem. Estou ferrado.
Entro no quarto, e a Raquel não está deitada. Jogo o celular na cama e me
deito. Ela sai do banheiro e me olha sorrindo.
— Bom Dia. Quem diria que acordava cedo.
— Engraçadinha. Fui acordado... Então, Raquel, hoje tem uma festa na
boate, gostaria de ir?
Que ela diga não. Que ela diga não!
— Dispenso. Vou focar no trabalho e quero conversar com o meu tio e
aproveitar para falar com minhas tias.
Amém, Deus. Não queria ir sem ter feito o convite e tampouco queria
que ela aceitasse, porque o Rogério não tem limites e Raquel sairia correndo. E
não posso falhar com meu melhor amigo, mesmo ele sendo um idiota.
— Entendi. Bom, vou voltar a dormir. Daqui duas horas, acordo.
— Nem pensar, Téo. Aproveita que está aqui e já vai trabalhar. Se o seu
pai sonhar tudo o que tem acontecido, nós iremos nos prejudicar, então evite o
atraso pelo menos. Por favor. — Ela cruza as mãos como se rezasse e rio.
— Isso que é desespero.
— Sim. Já tenho problemas demais. Então levante e vá se arrumar.
— Por quê? Vou trabalhar assim mesmo — provoco.
— Téo, vai logo.
— Porra, ninguém me deixa dormir!
— Agora tem que ir. Preciso me arrumar direito.
— Agora que eu não saio.
Ela joga um travesseiro em mim.
— Téo!
Levanto da cama rindo.
— Estou indo, Santinha.
Pego meu celular e vou para o meu quarto.

Depois de tomar um banho e quase dormir embaixo do chuveiro, estou


arrumado. Retorno ao quarto dela, e bato na porta. Ela abre rapidamente.
— Estava descendo — diz me olhando de cima a baixo.
— Cuidado para não babar. E não vai descer antes do café. Vou pedir
para nós.
— Estou sem fome.
— Não comece.
Entro e fecho a porta.

Terminamos de comer, depois de eu insistir que ela precisava se


alimentar. Estamos na sacada, tem uma mesa aqui. Ela se levanta, mas puxo-a
para meu colo. Ela solta um gritinho e sorrio.
— Téo, não faz isso!
— Está melhor? — Ignoro sua repreensão.
Acaricio seu rosto e ela fecha os olhos por um instante.
— Sim... Um pouco. No fundo sei que eu ter saído de lá, foi o melhor. Só
não gostei de ter saído daquela forma.
— Amor, ela procurou por isso. Mas tudo se ajeita depois.
— Téo, não quero ficar aqui, dando trabalho...
— Shhh... — Coloco um dedo em seus lábios. — Não pense nisso. Quero
te ajudar. Você pediu minha ajuda, e isso faz parte do pacote.
Ela segura minha mão e se aproxima dando um beijo em meu rosto.
— Obrigada. Você é um amor, às vezes.
— Só às vezes? Poxa, me magoou agora — brinco e ela sorri.
Raquel fica me olhando, e admiro seu olhar puro. Seu sorriso sempre me
encanta. Ela toda me fascina.
— Por que está me olhando assim? — questiono.
— Por... É que você... — Ela se cala.
— Eu? — incentivo para que continue falando.
— Você é muito bonito. — Seu rosto cora.
— Sou, é? — provoco mordendo levemente seu queixo.
— Téo, para com isso... — Sua voz é baixa.
Seguro seu rosto e beijo seus lábios. Ela resiste por um curto tempo, mas
acaba se entregando. Enrosco minha língua na dela, sentindo seu gosto delicioso
e quente. Meu piercing desliza por toda a extensão de sua boca. Sua mão vai
para a lateral do meu rosto e a outra para a meu cabelo. Aperto sua cintura e ela
geme baixinho. Seu corpo se mexe e isso incentiva meu pau a endurecer mais.
Ela afasta o rosto. Está sem fôlego. Seus lábios estão avermelhados.
— Téo... Nada de contato!
Ela se levanta rapidamente e sai tropeçando na cadeira e entrando no
quarto.
Olho para a minha calça e o volume é nítido. Filha da mãe!
Levanto e entro no quarto. Ela está ajeitando os cabelos. Quando termina,
pega o cartão do quarto.
— Vamos trabalhar!
— Como quiser. Quando perguntarem o porquê de eu estar com o pau
duro assim, espero que você tenha uma ótima explicação. Porra, está me
deixando louco!
Saio do quarto antes dela. Ela me segue, e ficamos esperando o elevador.
Esmurro o botão diversas vezes, e essa merda demora.
— Quebrar o botão, não vai mudar... — Olho feio para ela. — Está bem.
Me calei.
Ela cruza os braços e encosta-se à parede.
— Por que está tão estressado?
— Porque isso de ficar afastado, e sem contato físico, está acabando
comigo. Satisfeita?
Ela sorri.
Era só o que me faltava. Agora ela ainda fica sorrindo dessa merda.
— É engraçado ver você estressado. Você fica divertido.
— Pois não vejo graça alguma. — Soco o botão novamente. — Porra de
elevador.
— Vai de escada. O pobre elevador não tem culpa...
O elevador faz um barulho abrindo as portas.
Entro e ela me segue e sei que está se controlando para não rir. Coloco as
mãos no bolso da calça e respiro fundo. Ela aperta o botão para o térreo e antes
das portas se fecharem Talita entra rapidamente.
Era só o que me faltava!
— Olha só... Bom dia — ela diz e se encosta ao meu lado.
Não me movo. Raquel olha para ela e ergue uma sobrancelha.
— Estava ajeitando um dos quartos, mas esqueci uma coisa.
E quem perguntou alguma coisa? Que inferno.
— Então, Téo, estive pensando... — Ela se vira para mim.
— Que poderia se afastar? Ótima ideia — falo sem paciência.
— Não! — Ela sorri. — Pensei em nós dois... Sabe...
Ela mexe na minha gravata. Olho para a Raquel, e acabo de ficar com
medo do seu olhar. Afasto a mão da Talita e olho sério para ela.
— Não tem nós.
— Pense bem. Pode ser delicioso, Téo...
Raquel soca o botão do térreo. Quem está estressado agora, Santinha?
— Sabe, Raquelzinha, o Téo é uma loucura!
Estou sentindo minha morte tão perto.
— Que bom, mas de verdade não me interessa saber. E é Raquel.
Talita abre a boca algumas vezes, mas não sai nada. A porta se abre e
Raquel sai às pressas. Talita tenta falar comigo, mas não dou atenção e vou atrás
da emburradinha.
Puxo ela e seu corpo vem de encontro ao meu. Me apoio na porta da
minha sala.
— Me solta! — pede nervosa e sorrio.
Pego o molho de chaves em meu bolso, e abro a porta da minha sala.
Entro com ela presa em meus braços. Retiro a chave e fecho a porta com o pé.
Ela se solta e cruza os braços.
— O que deseja, senhor?
— Hum... Então toda vez que estiver emburradinha, vai me chamar
assim?
— Não, Senhor Loucura — ironiza e isso me faz sorrir.
— Sério? Eu não tive culpa de nada desta vez.
— Eu sei... É só que ela e as outras me provocam demais...
Me aproximo segurando seu corpo.
— Não tem que ficar nervosa por causa delas. Manda tudo ir à merda. E
ela só ficou falando aquilo para te deixar assim.
— Hum...
— Vai ficar com ciúmes? Depois eu sou o estressado.
Ela fica corada.
— Vou trabalhar.
— Sem me dar ao menos um beijo?
— Pede para a Talita.
Sorrio.
— Não me interessa ela. A única que me interessa está em meus braços
neste momento.
— Hum...
— Dois.
— Pare de gracinhas.
Ela me empurra e sai nervosa. Fico olhando igual a um idiota e sorrindo.

Raquel Pereira

Passei o dia todo evitando o Téo, e quando meu horário de trabalho


terminou, corri para a igreja ver o meu tio, assim ele não precisaria se deslocar
até aqui, e falei com minhas tias ao telefone. Foi bom. Me senti um pouco
melhor, por saber que eles realmente não me culpam por minha mãe ter surtado.
Meu tio disse que tentou falar novamente com ela, mas foi impossível. Ela não
quer conversar e isso me dói, porque querendo ou não é minha mãe.
Agora estou no hotel e o Téo foi para a boate, ele avisou mesmo sem eu
perguntar. Estou no quarto assistindo TV. Não quis nada para comer, Natanael
insistiu, mas eu neguei. Estou agoniada, e com tédio. Já mudei de posição
diversas vezes e nenhuma me deixou confortável.
Não gosto de ficar entediada.
Acordo sobressaltada. Olho para os lados e estou sozinha. Peguei no
sono, pelo tédio.
O relógio no aparelho da TV mostra ser quase duas horas da madrugada.
Levanto e desligo a TV. Visto uma blusa de frio, pois o vento que entra pela
sacada é gelado. Saio do quarto. Vou andar um pouco, porque dormir não irei
conseguir mais.

Vejo Natanael ainda trabalhando. Ele fala com uma senhora. Aproximo-
me e ela sorri para mim.
— Obrigada. Agora vou me recolher. A noite foi longa — ela diz e sai
sorridente.
Olho para ele, que me olha surpreso. Apoio o braço no balcão e o rosto
na mão.
— Acordada, mocinha!
Natanael não sabe o porquê estou ficando aqui. Eu não quis falar, e ele
também não insistiu, entendeu que era algo pessoal. Ele também sabe que o Téo
está ficando aqui, mas o papo de dedetização funcionou com ele.
— Acordei e agora vai ser difícil dormir novamente — falo e ele sorri.
— Pois estou sem um pingo de sono. Então estou aproveitando para
adiantar muitas coisas. Desde que as meninas foram, estou organizando tudo.
— Nunca descansa?
— Acho que não. Amo este lugar. Aqui encontro minha paz. Eu moro
aqui.
— Não tem casa?
— Tenho sim. Mas fico apenas aqui. Sou sozinho.
— Entendi. Eu fico cansada de ver você trabalhando — brinco.
— Querida, é tão...
Não presto mais atenção ao que ele diz. Olho para a porta onde vejo
Robson com um Téo, que não parece muito bem, e que me olha e sorri. Robson
me lança um olhar de desespero e indica Natanael com a cabeça. Meu Deus!
— Bom, preciso um pouco de ar. Estou com uma dorzinha de cabeça —
invento qualquer coisa.
— Não prestou a atenção em nada que falei. Tudo bem, querida, vai lá.
— Desculpe...
Saio às pressas em direção a entrada, onde Robson puxa o Téo para o
lado.
— Raquel, amor da minha vida. Olha só, esperando por mim? — Ele ri.
— O que aconteceu? — pergunto olhando seu estado.
— Chegou assim de táxi. Se o Natanael vê-lo, chegando neste estado ao
hotel, simplesmente mata ele e a gente por estar ajudando. Sem contar que se
alguém vir o herdeiro do hotel neste estado e, aqui dentro, vai dar polêmica.
— Não me mata não. Sou muito amado. — Ele me dá uma piscadela.
— Quieto. Precisamos encontrar um jeito de levá-lo para dentro —
Robson diz esfregando a testa.
— Eu não sei mentir muito bem. Então não posso enrolar o Natanael.
— Já sei. — Ele coloca uma mão em meu ombro. — Eu enrolo o
Natanael, você entra pela lateral. Vai passar pela cozinha, e aí terá que ser rápida
para sair em direção aos elevadores depois, sem o Natanael ou qualquer
fofoqueiro ver. Este horário é mais tranquilo a movimentação.
— Gosta da sua mão? Então tira do ombro dela! — Téo diz alto.
— Quieto! — Robson e eu dizemos juntos.
— Gente, eu posso muito bem entrar normalmente... Opa. — Ele se
desequilibra.
— Estou vendo. O senhor não está muito bem. Confie em nós.
— Claro que estou. Continuo vendo uma mulher linda na minha frente e
um imbecil ao meu lado. E continuo louquinho por ela. Sabe que não reparei em
mulher alguma hoje? Bom, vi todas, mas não toquei em nenhuma. Só acho que
bebi um pouquinho além da conta. — Ele faz um sinal com a mão e reviro os
olhos.
— Não sabe o que fala, Téo. Fique quietinho — peço.
— Sei sim. Está linda.
Estou de calça legging e uma blusa de frio de moletom, e nos pés chinelo
e meia. Então, ele realmente não está bem para elogiar-me.
— Você realmente não está bem. — Olho para o Robson. — Melhor
tirarmos ele logo daqui.
— Eu posso entrar sozinho. Com licença... Opa, a senhorita vem comigo.
Com ele não fica! — Ele segura minha mão e entrelaça nossos dedos.
Olho envergonhada para o Robson, que ri.
— Vivi para ver isso. Bom, vou entrar e distrair o Natanael. Seja rápida.
Concordo. Ele entra às pressas.
— Vamos, Téo!
— Nossa, que mandona!
Saio puxando sua mão. Ele tropeça algumas vezes e ri. Entramos pela
lateral do hotel, saindo na cozinha.
Por sorte tem apenas um funcionário, que olha sem entender.
— Oi! — Téo diz e aperto sua mão.
— Ele tomou um remédio forte. Está passando mal — minto e pelo visto
bem mal, porque o funcionário me olha desconfiado.
Arrasto o Téo dali e saímos pelo corredor, com cuidado.
Uma funcionária sai do banheiro. E antes que nos veja abro a porta do
quarto de produtos de limpeza, e empurro o Téo para dentro. Ele ri e coloco a
mão na sua boca.
— Quieto! — sussurro.
Ele me agarra e beija meu pescoço.
— Téo, para!
Afasto ele e olho séria.
— Linda!
Reviro os olhos e abro a porta com cuidado. O corredor já está livre.
Puxo o Téo e saímos rapidamente dali comigo tentando fazê-lo calar a boca.
Olho em direção onde o Natanael está e ele conversa com o Robson.
— Vamos. Rápido!
Fomos em direção ao elevador e, graças a Deus, estava disponível.
Empurro o Téo para dentro e aperto o botão fazendo as portas se fecharem.
Encosto no espelho e solto uma lufada de ar. Nunca mais quero ter que fazer
isso. Téo está encostado ao lado da porta, me olhando.
— Téo, não devia ter bebido assim.
— Já disse que está linda?
— Pare com isso. Olha o problemão em que poderia ter se colocado.
— Já disse que estou bem.
— Está tropeçando andando, e não fala nada com nada.
— Você que não quer acreditar em nada do que eu digo. Eu estou muito
bem, meu amor.
— Téo, quietinho, por favor!
Ele fica mudo. As portas se abrem e levo ele para o meu quarto.
— Eu não faço ideia de como cuidar de alguém assim!
— Preciso de banho e carinho. — Ele ri.
— Pare de gracinhas. E banho precisa mesmo, está fedendo a álcool.
— Bebi bastante. Sua culpa. Me deixa excitado e foge, então descontei a
raiva na bebida.
Não respondo. Ele não está falando nada com nada. É isso.
— Consegue tomar banho? Eu preciso do cartão do seu quarto para pegar
sua roupa!
— Claro que consigo. O cartão está no meu bolso, vem pegar.
— Téo, me dê o cartão e vá para o banheiro.
— Vem pegar... — Me olha de um jeito diferente.
— Téo, é sério. Ou me dá o cartão, ou chamo o Natanael para ele abrir o
quarto.
— Está bem, nervosinha.
Ele me entrega o cartão.

Retorno para o meu quarto com a mala dele. Não sei o que ele usa. Téo
trouxe praticamente uma mudança para cá. Ele está no banheiro. Escuto o
chuveiro ligado, então bato na porta.
— Está tudo bem?
— Não... Estou bem mal.
— Está falando sério?
Ele não responde.
— Téo?
Ai, Deus!
Abro a porta que está destrancada. Cubro os olhos com as mãos.
— Está vivo?
— Já meu viu pelado, não precisa cobrir os olhos agora. E ainda estou de
cueca. Dá para me olhar?
Respiro fundo. Conto até cinco e descubro os olhos. Ele está encostado
na parede, e o chuveiro molha todo seu corpo. Engulo em seco, vendo a cena.
— Está bem? — pergunto focando em seu rosto.
— Quero você.
— Téo, pare de ficar falando essas coisas. É sério. Não sabe o que diz.
— Estou um pouco alterado, mas sei o que digo e vou me lembrar de
tudo amanhã, quando a dor de cabeça estiver presente.
— Só tome banho logo. Trouxe suas roupas.
Saio às pressas do banheiro e me sento na cama. Não demora muito e ele
sai do banheiro, com uma toalha enrolada em sua cintura.
— Se quiser se trocar aqui te espero lá fora ou no banheiro... Está bem?
— Eu quero você. Eu não estou falando isso porque estou possivelmente
bêbado.
— Téo, por favor...
— Tudo bem. Não irei repetir, por hoje.
Ele pega uma cueca na mala e retira a toalha. Cubro os olhos
rapidamente. Ele ri.
— Téo!
— É meu nome. Pode olhar, Santinha.
— Pare de me chamar assim.
Descubro os olhos desconfiada, mas ele está de cueca, já é menos mal.
— Estou prontinho para dormir.
— Então pode ir para o seu quarto. Pelo visto está ficando melhor.
— Até então, eu não estava bem. Continuo sem estar.
Ele se deita na cama.
— Téo...
— Quietinha, amor. — Ele cobre os olhos com o braço.
— Ai, que raiva! — grito nervosa.
Ele sorri e passa a língua pelo lábio, mostrando a bolinha prateada. Fecho
a porta da sacada, e as cortinas.
— Não gosto do Robson. Se ele colocar a mão em você de novo, arranco
a cabeça dele.
— Téo, só dorme. Robson é um homem legal. Pare de implicância.
— Disse tudo. Ele é homem. Não quero ele perto de você.
— Téo, dorme.
— Está linda.
— Pare de dizer isso e dorme!
Ele ri e se vira ficando de barriga para baixo. Agarra o travesseiro e fico
olhando o seu corpo. Ele tem um traseiro... Deus, que pecado!
— Venha, belo travesseiro. Já que minha Santinha me rejeita, você pode
me consolar.
Mordo o lábio para não rir.
— O travesseiro não pode falar — brinco.
— Não seja estraga-prazeres, mulher.
Reviro os olhos.
Cubro ele, e levo a toalha até o banheiro. Retorno, acendo os abajures e
apago a luz.
— Raquel?
— Hum?
— Eu quero você.
— Você disse que não diria mais isso...
— Deita comigo.
— Téo, dorme e fique no seu espaço da cama!
Pego um pijama e uma calcinha e vou para o banheiro. Tomo um banho
para relaxar, depois de toda a loucura de hoje.

Retorno ao quarto e, pelo visto, ele dorme. Seu corpo está relaxado e sua
respiração mais tranquila. Me deito e viro para ficar olhando para ele.
Acaricio seu rosto com cuidado. Meu coração fica acelerado e sorrio.
— Que problemão eu arrumei, meu Deus! — digo baixinho.
Ele muda de posição e me agarra.
— Téo, não é o seu espaço!
Coloca o rosto no meu pescoço e não responde. Fico olhando e sinto algo
bom. Como se fosse o lugar certo para estar. Téo me faz bem de alguma forma.
Mesmo com tudo desabando em minha vida, ele me faz bem.

Por que você não sai daí e vem aqui?
Pode invadir, pode chegar, pode ficar
No meu quarto, no meu abraço, apertado
Duvido que cê vai querer ir embora, não apavora
Depois do amor a gente vai fazendo hora
E eu não aguento mais, eu não aguento mais
— Matheus e Kauan part. Anitta “Ao vivo e a cores”

Téo Lima

Senhor Pecado, está na hora de fazer jus a este papel!


Por um milagre da divindade não acordei com dor de cabeça, mas me
lembro de tudo. Bebi demais na boate, apenas pensando na Raquel, e nenhuma
ali me interessou. Não adianta, essa diabinha ferrou comigo. Virei chacota do
Rogério e vim embora.
Ajeito minha gravata. A fujona saiu antes de mim. Bebo o suco que
peguei no frigobar, e vejo as coisas que trouxe na noite da briga com a mãe dela.
Essa garota está mexendo demais comigo. Onde eu tentaria agradar tanto
alguém, além da minha filha?
Saio do quarto.

Ela está de pé ao telefone. Me vê e desvia o olhar rapidamente.


— Sim, senhor Augusto — ela diz e escreve algo em um papel.
Aproximo-me, ficando por trás e beijando seu pescoço. Ela começa a
tossir.
— Não, está tudo bem! — fala ao telefone.
Mordo sua orelha e ela me empurra.
— Aham... Claro... Amanhã? Oh... Não tudo bem...
Agarro seu corpo por trás, e ela tenta se soltar.
— Uhum... Não, o senhor pode se despreocupar...
Beijo novamente seu pescoço e ela fecha os olhos.
— Está tudo bem. Ok... Até.
Ela coloca o telefone no lugar e se vira.
Sorrio.
— Ficou louco? Pelo visto está melhor!
— Quero você.
Ela arregala os olhos.
— Eu me lembro muito bem sobre o que falei e fiz ontem.
— Téo, agora não é hora para esses papos doidos. Preciso que assine
estes papéis. — Ela me mostra.
— Sim, senhora. Mas antes quero um beijo.
— Téo Lima!
— Ok! — Faço sinal de rendição.
Entramos na sala do meu pai. Ela coloca os papéis sobre a mesa. Sento
na cadeira e olho cada um.
— Porra, se eu cobrasse um valor por cada coisa que assino, nunca teria
que me preocupar com falência.
— Seu pai chega amanhã.
— E você diz nesta tranquilidade?! — Assino os papéis.
— Ele perguntou se você estava se saindo bem.
— E estou?
— Não destruiu o hotel ainda, isso é bom, Téo — provoca.
— Anda muito saidinha. Provoca e depois foge.
Ela sorri timidamente.
— Obrigado por cuidar de mim.
— Você faz muito por mim, não poderia te negar ajuda.
Ela pega os papéis e sai da sala.
Acendo um charuto e encho um copo comuísque.
Você será minha por completo. E por falar nisso, preciso visitar a dona
Samira. Mas, pensando melhor, irei falar com ela quando for buscar a Catarina.
Vou deixá-la mais dias sem saber, porém, irei provocá-la antes. Nossa amizade
sempre foi assim, um querendo matar o outro, e no final, eu sempre levando as
porradas, porque tudo o que ela apostava, ganhava.
Levo a bebida à boca e em seguida o charuto. Pego meu celular e envio
uma mensagem para ela:

Precisamos conversar. No dia que eu for buscar a Catarina falo com você.

Envio e a resposta vem rapidamente:


Vou te matar. Pode começar a falar. Odeio ficar curiosa.


Sorrio e não respondo. Pois vai ficar curiosa.


A porta se abre e é a Raquel.
— Téo, você e esse treco!
Solto a fumaça e ela revira os olhos.
— O que deseja, meu amor?
Ela me olha séria.
— Natanael precisa de você, para ver umas coisas. Vai fazer vistoria no
hotel.
— Está bem. E hoje vamos sair.
— Não vamos não.
— Vamos sim e relaxa, que será um lugar tranquilo.
— Pode dizer o lugar?
— Surpresa.
— Téo...
— Relaxa, Santinha.
— Isso me preocupa. — Ela sai e fecha a porta.
Não tem pelo que se preocupar. Minha Santinha...

Se há uma pessoa capaz de me fazer realmente trabalhar neste hotel é


Natanael.
— A próxima vez, eu não vou fingir que não vi ela escondendo suas
merdas — diz enquanto caminhamos pelo hotel.
— Ok. — Ele me olha feio.
— O que está acontecendo entre vocês?
— No momento? Nada. Ela está me evitando, mas não será por muito
tempo.
— Por que ela está aqui? O que você fez?
— Não fui bem eu. Problemas na casa dela. Só precisa saber disso.
— É algo sério com ela, ou vai fazer como faz com as outras?
— Quero-a. Não será como sempre faço com todas as mulheres.
Entramos no salão.
— Assim espero. Ou teremos grandes problemas.
— Eu te juro.
— E eu não confio em você.
— Jura? Não creio! — provoco e ele bate no meu braço.
— Agora vamos focar no trabalho.
— Precisa de alguém. Você faz sexo? — atormento ainda mais.
— Cale a boca, ou eu arranco sua língua.
— Está violento.
Ele não responde. Anda em passos rápidos na frente, e eu o sigo rindo.

Após andarmos por todo o hotel, conferindo tudo e Natanael fazendo


anotação de cada detalhe, estou de volta à sala do meu pai. Já é quase horário do
almoço. Quem diria que este lugar poderia ser tão grande.
Olho para a tela de bloqueio do meu celular, onde tem uma foto da
Raquel, de quando ela provava roupas. Coloquei de papel de parede no celular,
ontem, enquanto eu estava na boate, e isso é a prova de como eu estava
“animado”. O que sinto por esta garota está se tornando cada vez mais forte.
Estou com medo, não serei hipócrita em dizer que é tudo tranquilo. Nunca me
senti assim antes. Ela fugir está me matando, e eu não posso mais suportar. Eu
sabia que depois que voltássemos da praia, nada seria como antes.
Largo o celular e fico relembrando nossa primeira noite juntos. Poderia
ter sido mais perfeita, mas com ela, até mesmo os mais simples detalhes se
tornam grandiosos. Porra, eu quero poder tocá-la de todas as formas. Desejo
estar por perto, e poder ter total liberdade para mandar todos os que a machucam
irem à merda. Eu quero... Eu quero a Raquel. Levantei com a promessa de que
estava na hora de fazer jus ao Senhor Pecado...
A porta se abre, me tirando dos pensamentos. É a pessoa que tem me
deixado louco. Ela me olha e sorri.
— Vou almoçar. Precisa de algo?
E como preciso.
— Entre, por favor.
Ela entra e fecha a porta. Faço sinal para que se aproxime. Ela caminha
calmamente, parando na frente da mesa. Levanto-me e ela fica me olhando.
Caminho, parando a sua frente. Ela ergue o olhar, me analisando, com seu jeito
meigo e desconfiado.
— Eu quero você — digo firme e coloco as mãos no bolso da calça.
— T-Téo, de novo com isso... Nós não...
— Nós sim. Eu não estou brincando. Você já sabia que, quando
voltássemos da praia, tudo mudaria. Nós dois já sabíamos, para ser mais claro.
Ela aperta os dedos, mas mantém os olhos em mim.
— Você não entende? Olha toda a confusão que aconteceu. Está tudo de
cabeça para baixo. Seu pai logo retorna, e ele vai descobrir tudo, porque não
posso mentir para ele, ainda mais quando ele ver que estou ficando aqui. A cada
instante tudo piora. Deus sabe o quanto eu queria que tudo isso fosse diferente,
mas não é. Entendo que deve estar sendo difícil para você, porém tem total
liberdade de ir. Não vou te prender, porque precisa viver sua vida, e tem seus
problemas com seu pai, e eu...
— Raquel, não acha que depois de tudo é um pouco tarde para fugir ou
desistir? — Ela permanece muda e isso me incentiva a continuar: — O Téo de
antes jamais estaria insistindo nisso. Porra, você ouviu tudo o que eu sou e da
boca de diversas pessoas. Eu te mostrei um dos lugares que frequento. E agora
olha só para mim... — Rio com ironia. — Estou aqui implorando para ter você.
Hoje eu acordei com a decisão de que estava na hora de ser o Senhor Pecado, ou
seja, de ser direto, não pensar, apenas agir, mas quando te vejo, sabendo que está
tentando me rejeitar de todas as formas, eu não consigo. Quem não está
entendendo as coisas é você. Não está nítido?
Lágrimas escorrem por seu rosto e ela limpa rapidamente.
— Eu... Minha vida é complicada. Você sempre soube como eu era. Não
é fácil muitas coisas para mim. Não estou acostumada com tudo o que venho
sentindo e as reações que ando tendo.
— E você pensa que está sendo fácil para eu estar aqui, falando tudo isso,
de uma forma que você compreenda e não saia correndo, porque eu não aguento
mais vê-la fugir? Não é fácil para nenhum de nós. Raquel, você está em meus
pensamentos em todos os segundos. Eu só quero estar com você, e mais
ninguém. Olha que irônico. Eu querendo a pessoa que jurei jamais desejar ou
tocar.
Não aguento mais ficar guardando tudo o que venho sentindo e
pensando. Estou exausto disso. Sempre fui direto. Jamais precisei recuar, claro,
além dos problemas com meu pai.
— Eu... Eu preciso ir, Téo.
Sorrio nervoso.
— E, mais uma vez, você vai fugir.
— Téo, não diga isso. Não estou fugindo, eu só...
— Eu estou apaixonado por você. É isso o que queria ouvir, para não
fugir mais? — revelo sentindo meu coração acelerar.
Estou em completa tensão. Todos meus sentimentos estão agitados e me
perturbando. Ela abre a boca algumas vezes, mas não sai qualquer som. Seus
lábios estão trêmulos. Cruza os braços e vejo a cor de seus dedos sumirem pela
força que faz. Seu olhar entrega seus sentimentos.
— Não vai dizer nada? Tudo bem. Hoje, eu estarei te esperando na
maldita porta deste hotel, às oito horas da noite para sairmos. Se não aparecer,
entenderei como um pedido para que eu fique longe e juro que ficarei, e não se
preocupe, que ao menos isso irei cumprir. Eu cansei de sentir que sempre estou
forçando a situação. Isso é ruim demais. Eu entendo seu jeito de ser, mas
confesso que sou fraco para aguentar toda essa situação até você decidir se fica
comigo ou foge para qualquer lugar. Hoje irei te esperar, e esta será a decisão
final.
Ela chora e isso me parte por dentro, mas não posso mais continuar
assim. Não dá para viver sempre com medo, e pisando em ovos com medo dela
fugir. Me aproximo e deixo um beijo demorado em sua testa.
— Não é a sua mãe que controla seus sentimentos. Não é ela que está
fazendo você fugir de mim. É você... Eu preciso de uma resposta. Você me pediu
ajuda para mudar. Mas quem me mudou foi você. E se tem uma coisa que
aprendi desde que te encontrei, é que toda vez que fugimos ou ocultamos algo,
tudo piora. Não quero mais viver ocultando o que sinto por você, ou ter você
fugindo de mim.
Olho uma última vez para ela, e então saio da sala.
Preciso de ar.

Raquel Pereira

Caminho pela rua o mais rápido possível. Desvio de algumas pessoas, e


acabo esbarrando em outras, deixando um pedido de desculpas, talvez baixo
demais, porque a maioria fica nervosa. Tudo o que ele me disse parece loucura.
Téo apaixonado por mim? Com todas que ele conhece, logo por mim?
Olho para a frente da igreja. Respiro fundo e entro.
Tem algumas pessoas, mas não vejo meu tio entre elas. Observo
rapidamente a imagem de Cristo e sorrio fazendo o sinal da cruz. Vou para os
fundos, para o local que ele costuma ficar, quando não está aqui na frente. Olho
para ele através da porta aberta, e ele sorri, mas ao mesmo tempo parece
surpreso.
— Minha querida, o que faz aqui a esta hora? Devia estar no hotel.
Aconteceu algo? — questiona preocupado.
Entro fechando a porta. Puxo uma cadeira deixando à sua frente e sento.
Coloco a bolsa sobre a mesa. Respiro fundo e tento forçar um sorriso.
— Querida, por que esta carinha de angústia?
— Tio, estou com um problemão.
— Sua mãe?
— Não. Desta vez, não.
Ele segura minha mão.
— Diga, e tentarei ajudá-la.
— É o Téo.
Ele arregala os olhos.
— O que tem ele?
Larga minha mão e coça a cabeça.
— Eu preciso te contar uma coisa. Mas tem que entender que eu não
escolhi. Eu juro.
Chega, preciso me abrir com ele. O único que realmente sempre me
ajuda.
— Contar exatamente o quê? — pigarreia.
Ele parece nervoso, mas não tenho escolha.
— Eu descobri há pouco que tudo o que venho sentindo... Tio, como
posso dizer... É que tudo isso, sabe... — Fico muda tentando buscar uma forma
de dizer.
— Está apaixonada por ele — ele é direto.
Suspiro e aceno lentamente com a cabeça.
— Estou desesperada. Preciso de ajuda, tio! — Me jogo em seus braços
chorando e ele me abraça.
— Oh, meu pequeno passarinho, sempre soube que este dia chegaria, só
não imaginava que se apaixonaria justo por ele. Não tinha outro? Perdão,
querida. Perdão.
Afasto-me um pouco e ele enxuga meu rosto com carinho.
— Não sei o que fazer. Eu até pouco tempo, não sabia o que era paixão
de verdade. É tanta coisa acontecendo. E hoje, ele disse que também está
apaixonado por mim, e que precisa de uma resposta, e caso eu não vá até ele, vai
sumir. Tio, o que eu faço? Eu poderia pedir a Deus uma resposta, mas preciso de
algo imediato, é muito desespero acumulado.
Ele sorri e relaxa os ombros.
— O que você tem que fazer, eu não posso dizer. Isso tem que partir
daqui. — Ele leva uma mão ao peito. — Tem coisas nesta vida, que ninguém
pode resolver por nós.
— Queria que Deus me desse essa resposta e bem rapidinho.
— Ele cuida do impossível. O possível cabe a nós sermos sábios e
realizar. Peça sabedoria, e Ele lhe dará. No amor, temos que ser sábios.
Levanto e ando de um lado para o outro.
— Jamais imaginei que ficaria neste estado. Sempre pensei que veria
você feliz, por tal coisa. Se bem que com ele eu não ficaria feliz... Perdão. Este
garoto mesmo longe me faz pecar com as palavras e atitudes. Santo Deus!
— É que eu não sei o que fazer. E se...
— Pare com isso, meu anjo. Olhe ao seu redor. Observe tudo o que
deixou de viver, e agora tem esta chance. Agarre a oportunidade de ser feliz.
Usufrua da chance de voar sem amarras. Eu não acho que o menino Téo é ruim,
mas tampouco confio cem por cento nele, mas não posso impedir você. Já teve
muitos impedimentos, e cabe a você escolher o que fazer agora.
Paro a sua frente e cruzo os braços. Meu coração está acelerado e minha
mente uma bagunça.
— O que te faz ficar assim, tão confusa?
— Medo... O medo, tio.
— Sentir medo é normal, mas não pode viver em função dele
eternamente. Agora que tem liberdade, não queira voltar para a vida de antes.
Porque eu não irei suportar em ver seu sorriso e o brilho de seus olhos morrerem
novamente.
— É tão difícil. Queria poder entender toda a bagunça em meu coração.
E para complicar, tem minha mãe que pelo visto não quer saber de mim.
— Ela esteve aqui hoje. Mas não falou comigo.
Sinto meu peito doer.
— Preciso falar com ela, tio.
Ele concorda.
— Tudo tem seu tempo. Existe um tempo determinado para todas as
coisas, lembre-se disso.
Ele começa a escrever em um papel, que pega de sua agenda. Fico
observando.
— Leve isso. E tenho certeza de que saberá quando usar. — Ele estende
o papel e eu pego. — Está neste lugar a ajuda que eu ou suas tias não podemos
lhe oferecer. Lá poderá ter muitas respostas.
— É a... Tio! — Sorrio emocionada.
— Faz tanto tempo que achei que poderia querer saber como faz para
chegar lá. Está na hora de mudar tudo. E Deus sabe o quanto eu queria poder
dizer tudo, mas não posso. Eu devia ter lhe mandado ir até lá há muito tempo,
mas...
Corro até ele e o abraço.
— Obrigada. Mil vezes obrigada. Faz tanto tempo, e a saudade aperta as
vezes.
— Perdão por não ter evitado a tempo tanto sofrimento em sua vida e por
não poder te ajudar com sua mãe agora.
— Não diga isso. O senhor fez muito por mim e continua fazendo. —
Beijo seu rosto e me afasto, enxugando meu rosto molhado pelas lágrimas.
Olho o papel e sorrio, e então guardo na minha bolsa.
— E quanto ao Téo, siga o seu coração e estarei sempre contigo. Mesmo
não confiando muito nele. Só Deus... Só Deus!
— Obrigada, tio.
Sorrimos.

Estou trabalhando nas coisas que o senhor Augusto me pediu.


Quando retornei da igreja, peguei uma fruta na cozinha e comi, e
confesso que isso não foi o suficiente. Eu deveria ter comido mais. Não ando
comendo direito, desde a briga com a minha mãe.
— Mentira! Raquel?
Ergo o olhar assustada.
— É você mesmo!
— Perdão, nos conhecemos?
O homem alto, moreno e bonito, me olha rindo.
— Não está lembrada? Sou eu, o Rogério Montanari. Seu pai era amigo
do meu. Vocês sempre ajudavam na ONG que minha mãe abriu. Sua mãe nunca
deixava você perto de mim e sempre te olhava como um gavião.
Franzo o cenho e tento me lembrar. Quando meu pai era vivo, ele tinha
alguns amigos, mas eu não lembro muito bem deste homem.
— Está linda!
Busco mais a fundo da memória e então me lembro. Não pode ser!
— Seu pai era o senhor Camilo e sua mãe a dona Chiara, uma italiana
maravilhosa que fazia doces?
— Isso aí.
— Lembrei. Você era o jovem que seus pais viviam reclamando, o
terrível Rogério Montanari Alencar.
— Exatamente. Nunca mais vi vocês depois que, infelizmente, a ONG
fechou e paramos de ir à igreja — ele diz de um jeito um pouco triste, e fico sem
entender.
Sorrio.
— Você cresceu bastante — falo observando-o. Está forte, e muito bonito
mesmo.
— Não tem ideia de todos os lugares que cresci. E então trabalha aqui...
— ele faz uma pausa e então diz: — Puta que pariu. Você é a Raquel! — grita.
— É, mas já sabe disso. — Olho sem entender.
— Não é isso. Téo é um cretino esperto. Olha só!
— Não estou entendendo. Se conhecem?
— Sim. Sou dono da boate que ele frequenta e melhor amigo. Desde que
perdi meus pais, abri o lugar.
— Sinto muito por seus pais. Sua mãe sempre me dava doces. — Tenho
esta lembrança e sorrio, era uma mulher maravilhosa.
— Você era bem gordinha. — Ele ri.
— Não era não!
— Era sim. Bem gordinha.
Devo ter olhado muito feio, porque ele gargalha.
— O seu namorado está? Mandaram eu vir conferir aqui.
— Não somos namorados!
— Não foi isso o que ele ficou dizendo ontem. Disse para todas as
mulheres que não as queria porque tinha uma namorada chamada Raquel. O cara
ficou bêbado e por sua causa, pelo visto.
Sinto meu rosto esquentar.
— Ele disse isso?
— Sim. Porra, você endoidou o homem. Quem diria que a menina
quietinha daria um trabalho desse. E seus pais, como estão?
— Meu pai faleceu e minha mãe está bem.
Ele não precisa saber o real estado da minha mãe, que deve me odiar
agora.
— Sinto muito por seu pai.
Concordo com um aceno de cabeça.
— Téo está?
— Infelizmente não. E não faço ideia de onde pode estar.
— Que pena. Ele diz que nunca faço visita e quando venho o infeliz
some. — Ele cruza os braços. — Ainda estou surpreso. Era bonitinha, mas está
muito bella.
— Você disse que eu era gordinha em provocação. Agora quer ficar
elogiando? — Lembro que, quando estávamos perto, ele vivia me provocando, e
com isso saía brigas, e foi mais um motivo para minha mãe não querer a gente
por perto.
— Uma criança gordinha e bonitinha.
— Eu tinha 14 anos, só pensava em comer. E você tinha uns 18 anos?
Não lembro, mas vivia para me provocar. Imaturo.
— Minha mãe contribuiu, pois te dava muitos doces. E eu tinha 23 anos
naquela época. Lembro muito bem que sua mãe odiava ainda mais o fato de eu
ser nove anos mais velho que você.
— Sim. — Sorrio.
— Então, se estou com vinte e nove anos, a mocinha está com vinte anos.
Uma bebê — ele provoca.
— Uau! Como o tempo passou — reflito.
— Pois é... Bom. Avise ao Téo que estive aqui.
Ele se aproxima e beija meu rosto.
— Foi bom revê-lo.
— Eu que tenho que dizer isso. O tempo te fez um milagre — ele
provoca.
Eu realmente era bem esquisita na adolescência.
— Brincadeira. Bom, vou indo. Até, Raquel.
— É... Ele realmente não ficou com ninguém ontem? — não resisto e
questiono.
— Pode acreditar, é surpresa até para mim. Rejeitou todas e disse que
tinha namorada e que se chamava Raquel. É o apocalipse chegando.
Sorrio e sinto algo bom dentro de mim.
— Até mais.
— Até.
Ele sai e fico olhando para o espaço vazio, de onde ele estava.

Eu quase desisti
Mas o amor gritou, gritou até ela me ouvir
Quando o primeiro beijo dela resetou meu coração
Eu já tinha beijado ela mil vezes na imaginação
— Matheus e Kauan “Tô com moral no céu”

Raquel Pereira

Termino meu horário de trabalho e consigo fazer tudo o que o senhor


Augusto pediu. Porém, mesmo com tanto serviço, não consegui me esquecer do
que o Téo disse e da forma que ele saiu. Ainda não apareceu por aqui. As
palavras do Rogério não saem da minha cabeça também. Ajeito a minha mesa, e
desligo o computador.
Meu tio sempre diz para seguir meu coração. Acho que está na hora de
tentar isso de verdade.
— Me diga que ele está aqui!
Sobressalto com a voz da pessoa que, de repente, surgiu na minha frente.
— Desculpe. Não queria te assustar. Só preciso saber se o energúmeno
do Téo Lima está, porque aquele cretino me deixou curiosa e agora não atende
minhas ligações.
Sorrio.
— Não está não. Faz bastante tempo que ele saiu.
— Que ódio. Como ele ousa me deixar curiosa? Acredita que saí às
pressas do trabalho apenas para vir até aqui? Isso não se faz. Vou tentar ir até a
casa dele e ver se encontro o infeliz. Mas preciso recuperar o fôlego, porque
cansei correndo até aqui! Hotel enorme do caramba.
Ela se senta em uma das cadeiras de espera.
— Samira, quer água? — questiono terminando de arrumar a mesa.
— Aceito algo com álcool.
Fico olhando para ela, que ri.
— Está certo. Quero água.
Pego água para ela no frigobar da sala do senhor Augusto. Ela bebe,
como se nunca tivesse visto água na vida.
Olho no relógio e são 18h30.
— Estou te atrasando para ir embora, né? Minha curiosidade atrapalha a
vida de todos. — Ela ri.
— Não... Não é isso.
— Então? — Bebe mais água. — Certo. Sou curiosa, já sabe!
E se eu pedir ajuda a ela para me arrumar? Apenas na maquiagem e
cabelo. Não preciso dizer para que estou me arrumando. Até por que, nem sei se
terei coragem de sair do quarto. Deus, me ajude!
— Samira, está com pressa?
Ela nega, bebendo a água na garrafinha.
— Preciso que me ajude com uma coisa. Maquiagem e cabelo. Algo
simples, nada muito demorado! — digo rápido.
Ela fecha a garrafinha, e sorri como se tivesse ganhado algo muito bom.
— Hum... A mocinha vai sair... Me leva? Brincadeira. Claro que te ajudo.
Para a sua sorte, nunca saio sem um kit de maquiagem.
— Sim. Não quero nada forte. Quero mais natural.
— Sem problemas. Aproveito e te dou ótimas dicas para fazer uma
maquiagem fácil, bonita e rápida.
— Obrigada. Vamos para o quarto que estou ficando.
— Ué, está ficando aqui?
— Sim. Provisório. — Ela me olha desconfiada.
— Hum... Está bem. Vamos! Só irei avisar a babá da minha filha que
chegarei um pouquinho mais tarde.

Estamos no quarto. Tomo um banho e lavo a cabeça. Samira fica


contando muitas coisas sobre sua vida e sobre a Catarina. Confesso que me
divirto muito com o jeito dela falar. Agora estamos na frente do espelho, e ela
está me ensinando muitas coisas sobre maquiagem. Se vou gravar tudo o que
diz, aí já não sei.
Finalizamos a maquiagem, e ela bate palmas animada.
— Ficou muito linda. O menos, muitas vezes é o melhor.
A maquiagem ficou leve, e bem iluminada. Ela disse que brilho é vida.
Nos lábios uso um gloss clarinho. Gosto do que vejo.
— Como não temos chapinha, ou babyliss aqui, vamos aproveitar o
secador do próprio hotel e fazer uma escova básica. Me lembre de dizer ao
Augusto para melhorar esses negócios, viu.
Sorrimos.
Ela seca meu cabelo, deixando-o liso. Vejo no espelho o resultado final e
é lindo.
— O que achou? — questiona.
— Amei! Obrigada, de verdade. E adorei suas dicas, mesmo não sabendo
se irei lembrar de alguma depois ou fazer como ensinou.
— Vai sim. Só praticar.
Senta na cama sorridente. Estou com um roupão. Não me troquei ainda.
Olho no relógio e agora são quase oito. Meu Deus!
— Bom, como já notei que tem pressa. Vou indo. Adorei te ajudar. Curta
muito a noite.
Ela se levanta e me dá um beijo no rosto. Caminha até a porta e então
agradeço:
— Mais uma vez, muito obrigada!
— Me agradeça curtindo muito com o Téo!
Fico boquiaberta.
— Eu não sou tonta. Enquanto vocês dois estão indo, eu já voltei, tomei
banho, preparei pipoca e fiz maratona de Grey’s Anatomy. — Ela dá uma piscada
e sai rindo do quarto.
Deus, me dê coragem!

Olho no espelho grande e fico apenas mais nervosa. Estou com uma
calça jeans preta, que marca bem minhas pernas e bunda. Coloco uma blusa
branca de mangas longas. E nos pés, salto preto com o bico um pouco fino.
Aperto a bolsa preta, que cai pelo ombro parando no meu quadril.
Deus, me dê coragem, sabedoria e equilíbrio para não cair com este
salto, porque ainda estou pegando o jeito.
Respiro fundo três vezes. Saio do quarto e aperto o botão do elevador.
Seja o que Deus quiser!

Apoio-me na parede próxima da recepção.


— Se controla, Raquel. Precisa voar, seguir o coração e tudo o que seu
tio disse. Nada difícil. Só respirar um pouco! — falo comigo mesma.
— Falando sozinha, querida?
Levo a mão ao peito e olho para ele.
— Natanael!
— Eu mesmo. O que houve? Parece assustada.
— Você me assustou.
— Estava distraída. O que está acontecendo? Fugindo da torre, princesa?
— Ele ri.
— Estou tentando criar coragem de sair por aquela porta. Que horas são?
Ele olha no relógio de pulso.
— Cinco para as oito da noite.
Meu coração acelera. Respiro fundo.
— Menina, parece que vai ter um treco. O que está acontecendo?
— Preciso de coragem. Me fale qualquer coisa que me dê coragem. Por
favor! — imploro.
Ele me olha assustado.
— Está bem. Deixa eu pensar...
— Rápido. Muito rápido.
— Certo. Siga seu coração? — pergunta como se testasse o que diz.
Encosto na parede e fecho os olhos.
— Qualquer coisa, menos isso. Ultimamente é o que mais tenho
escutado.
— Seja lá para onde for, não deixe o medo estragar toda esta produção.
Menina, está linda!
Olho para ele, que sorri.
— Me deseje sorte.
— Toda sorte do mundo!
Sorrio.
É agora ou nunca.
— Até mais tarde.

Paro na porta do hotel, e o ar gelado me recebe. Está bem movimentada a


rua. Olho para todos os lados, e não vejo ele. Cruzo os braços pelo frio. Eu devia
ter colocado um casaco. Cadê o Téo? Será que demorei?
— Você veio.
Viro lentamente o corpo para a voz que faz meu coração acelerar. Ele
está ainda mais lindo. Téo fica belo de qualquer jeito. Está todo de preto, e o
casaco deixa-o mais bonito ainda. Usa uma corrente, mas cai por dentro de sua
blusa e vejo apenas a parte que se prende ao pescoço. Seu cheiro é maravilhoso.
Seu olhar percorre meu corpo e sinto meu rosto esquentar.
— Está linda. E você veio.
— Sim. Eu vim. E obrigada. — Sorrio.
Ele puxa meu corpo de encontro ao seu e segurando meu queixo se
inclina, e me beija. Levo minhas mãos aos seus ombros, como se eu fosse me
desequilibrar a qualquer instante. Ele é calmo. Retira a mão do meu queixo e
leva à lateral do meu rosto acariciando. Encerra o beijo, mas não me solta.
— Se você veio é porque...
— Porque eu quero seguir meu coração de verdade. Não quero ter medo
ao menos uma vez na vida.
Sorri e me dá um leve beijo nos lábios. Sinto o meu fiel e bom amigo
friozinho na barriga.
— Já disse que está linda?
— Sim. E se continuar dizendo, vou ficar ainda mais sem jeito.
Ele sorri. Amo o sorriso dele.
— Vamos. Vou te levar em um lugar.
— Não vai me dizer em qual?
— Não.
— Téo, não é na boate, é?
— Não!
— Ótimo. E onde esteve? Vieram atrás de você.
— Na minha casa.
— Entendi.

Estamos sentados nas poltronas. Téo come a pipoca e estica os pés na


cadeira da frente.
— Téo!
— Que foi?
— Tire os pés daí!
— Te deixei escolher o filme. Tenho direito de ficar confortável. — Joga
uma pipoca na boca e me dá uma piscadela.
Ele me trouxe ao cinema. Vim uma vez com meu pai, quando
pequenininha, e minha mãe não gostou, e desde aquela época nunca mais voltei.
Téo disse que daqui vamos jantar fora. Que hoje queria um programa diferente e
não apenas sair para um restaurante chique.
Um casal chega e Téo tem que retirar os pés da poltrona, e isso não o
agrada em nada.
— Eu disse para tirar os pés dali.
— Ficou jogando praga, não foi?
— Não fiquei não. — Sorrio.
Levo a pipoca à boca e ele olha para frente. O filme começa a as luzes se
apagam. Bebo um gole do refrigerante, e encosto a cabeça na parede à minha
lateral.
— Sério, que vai preferir a parede do que a mim? — Téo cochicha em
meu ouvido.
— Quieto.
Ele ergue a divisória do meio da poltrona, e me puxa para ele. Me
controlo para não rir. Fico com a cabeça encostada em seu peito, enquanto
assistimos. O casal da frente mais mexe no celular do que assiste, e discutem
baixinho algumas vezes, além de sempre a moça sair e voltar.
Téo pega uma pipoca e joga neles.
— Téo! — Aperto sua perna e ele ri.
— Estão me irritando.
O casal olha para trás e rapidamente desvio o olhar para o filme, fingindo
não saber o que aconteceu.

O filme acaba e as pessoas começam a sair da sala. Foi bom. Era um


filme com comédia, ação e romance. Olho para o Téo, que dormiu boa parte e
agora me olha como se nada tivesse acontecido.
— Foi bom o filme?
— Uhum. Ótimo — responde sorrindo.
— Mentiroso. Dormiu a metade dele.
— Em minha defesa, eu apenas estava descansando os olhos.
— Téo, não precisa mentir. E fica fofinho dormindo — brinco.
Sorrio e ele me olha feio.
— Engraçadinha. Vamos.

Estamos dentro do carro. Acabamos de sair do shopping.


— Gostou? — ele pergunta, enquanto fica atento ao que faz.
— Sim. Fazia muito tempo que não vinha.
— Agora, vou te levar para jantar. Pipoca não mata a fome.
— A sua não. — Ele ri.
— Exatamente.
— Téo, posso pedir uma coisa?
— Claro. — Ele para no farol vermelho e me olha.
— Podemos ir para o hotel e pedir qualquer coisa para comer lá?
Precisamos conversar.
— Tem certeza? Está linda demais, para não exibir ainda mais para as
pessoas.
Sorrio.
— Tenho sim. E estávamos em um shopping repleto de gente, me exibi
muito. Além do mais, não caí ou tropecei com estes saltos. Uma evolução boa,
não?
— Sem dúvidas. — Ele ri. — Mas pensei em irmos para outro lugar, ao
invés do hotel. Quero te mostrar uma coisa.
— E já sei que não vai querer me dizer qual.
Ele sorri.
— Minha casa. Pedimos algo para comer, e assim vê o que eu quero
mostrar.
— Está bem.
— Sério? Sem recusa? Isso sim é evolução.
— Eu disse que queria uma vez na vida não ter medo. Quero ser mais
livre, ou soltinha, como dizem.
— Gostei disso — diz em um tom diferente que só existe quando ele
fica...
— Nada disso!
Ele me olha rapidamente e ri.

Téo Lima

Entramos em casa, e ela deixa a bolsa no sofá. Desde que saí do hotel,
vim para cá e fiquei cuidando de todas as fotos que fiz nos últimos dias. Tentei
ao máximo me desligar de tudo o que venho sentindo, mas foi impossível.
Parece algum tipo de carma.
— O que quer comer?
— Qualquer coisa.
— Vou ver se encontro um lugar que venda isso — provoco.
Olha-me feio e dou um beijo rápido em seus lábios.

Depois de comermos, estamos deitados no sofá.


— Você me fez comer muito. Parece que vou explodir, Téo.
— Comeu tão pouquinho — provoco e ela sorri. — Estava comendo
muito mal, precisava se manter firme.
— Com comida japonesa?
— Isso aí. Agora, vou te mostrar um negócio.
— Não tenho forças para sair deste sofá.
— Tem sim. Levante essa bunda daí e vamos.
Levanto e puxo ela comigo, que solta um gritinho.
— Téo, quer me derrubar?!
— Não. Vamos.

Ela entra na frente e acendo a luz.


— Eu já vi todas essas fotos. Podemos voltar? Só quero deitar.
— Não viu não!
Pego os três quadros grandes no canto, virados de costas.
— O que é isso?
— Minha nudez.
Ela fica boquiaberta e vermelha.
— Brincadeira. Olhe.
Viro os quadros, e ela vê o primeiro. Seus olhos arregalam.
— Téo, isso é...
— Não acabou.
Mostro os outros dois e ela toca neles surpresa.
— Essa aí sou eu?
— Se não tiver irmã gêmea, é sim — brinco.
— Quando você colocou molduras? Téo, isso é chocante. Tem certeza de
que sou eu?
— Fiz hoje. É você sim, Santinha. Na praia e as minhas prediletas,
quando estava experimentando roupas.
— Por que fez isso?
Coloco eles no chão, apoiados na parede.
— Porque de alguma forma me inspirou a voltar a fotografar. E por que
não ter fotos suas aqui, junto de todas estas? Você está sendo o motivo para eu
voltar com tudo isso. Ah, e tem as que fiz da praia reservada.
Indico uma parte da parede e ela olha.
— Ficaram lindas. Téo! Estou bem surpresa com as minhas fotos. Você
faz milagres na fotografia.
Sorrio.
— Não. Você que é bem fotogênica e linda.
Ela olha tudo e cruza os braços.
— Precisamos conversar.
Concordo.
Ela se senta no chão, e fico olhando.
— Senta aqui. Vamos conversar aqui, onde você se torna mais você,
entende?
— Não vou sentar no chão. Estou idoso.
— Vai, Téo!
Sento ao seu lado, encostando em uma parte livre da parede. Fico
olhando todas as fotos, e sorrindo. Consigo me lembrar de como registrei cada
uma.
— Sabe, eu fiquei pensando em tudo o que disse, e também procurei
ajuda do meu tio. Ele é bom com as palavras.
Com ela ele é. O homem ainda vai enfartar por minha causa. Sempre foi
assim. Frequentava a igreja desde muito jovem, e sempre adorei atormentá-lo.
Ele é um bom homem e me conhece bem, sabe que sempre irei fazer de tudo
para deixá-lo louco, mas que gosto muito dele.
— Então?
— Conversei recentemente com sua irmã também.
— Conversou bastante.
— E como! Téo, tudo é muito confuso para mim. — Ela cruza as pernas.
— Às vezes me sinto bem deslocada. Porém, com você as coisas são diferentes.
Você é meio louco, confesso, mas me diverte e me faz bem. Depois de hoje, eu...
Téo, eu... — ela hesita.
— Fale, por favor.
Fica me olhando e respira fundo, ajeitando a postura. Fecha os olhos e
diz:
— Eu percebi que, quando existiu a possibilidade de você se afastar, eu
fiquei com muito mais medo do que quando descobri que estou apaixonada por
você.
Ela cobre o rosto com as mãos. Está envergonhada. Estou realmente
pensando em perguntar o que ela disse, com receio de ter ouvido errado.
— Eu descobri este sentimento com a ajuda do Natanael, por incrível que
pareça.
— Por favor, me olhe.
Retiro as mãos de seu rosto e ela abre os olhos. Está bem vermelha.
— Como assim? — indago curioso.
— E-ele falou sobre c-como é estar apaixonado, e... e t-tudo o que ele
disse é o que sinto e-em relação a... a você — gagueja nervosa.
— Raquel, o que sente quando estou por perto?
— Téo, não me faça f-falar!
— Faço sim. Por favor.
Ela olha para baixo.
— Frio na barriga, coração acelerado, ansiedade, saudade, calor... Ai,
Téo!
Sorrio como um idiota.
Puta que pariu, alguém lá em cima está testando o meu coração. Depois
de tanto pagar pelos meus pecados, estou sendo muito abençoado, porque tem
uma mulher linda, com jeito de menina, gostosa pra caralho, dizendo que está
apaixonada por mim, e é recíproco. Puta que pariu, mais uma vez!
— Calor, é?
— Sério que prestou atenção apenas nisso?
— Eu vou te beijar. Vou te agarrar para não soltar nunca mais. Está me
entendendo? Vou contar até três, e se continuar aqui, não te deixo ir mais.
Ela muda de posição, sentando sobre as pernas.
— Um...
Ela sorri e ajeita o cabelo colocando atrás da orelha.
— Dois... — Não se move. — Três... Perdeu a chance de fugir, Santinha.
— Não quero mais fugir de você, Téo.
— Caralho!
— Olha a boca!
Deito ela rapidamente no chão, ficando por cima. Ela ri alto e é um som
maravilhoso.
— Posso mudar meu status de solteiro?
— Não.
— Não?
Ela sorri.
— Não ouvi o pedido. E olha que tenho tias doidinhas, mas românticas, e
as histórias de amor delas sempre envolvem pedidos. E que minha mãe não
sonhe com tudo o que elas já me disseram nas visitas que fazíamos na casa delas.
— Que tipo de pedido? — provoco.
— Não sei. Mas gosto muito de tudo o que contaram.
— Tem uma romântica aqui?
— Será? — provoca e ergue uma sobrancelha.
— Raquel, descontraída? Estou amando essas mudanças.
— Eu sempre fui, apenas me controlava e você sabe o porquê.
— Não vamos falar disso agora. — Beijo seus lábios.
— Seu pai volta amanhã, e não sei se ele vai gostar de saber que estou
ficando lá. E todos do hotel estão dizendo coisas sobre nós.
— Eu me entendo com ele. E sobre ficar no hotel, pode ficar aqui.
— Não. Aqui não.
— Por que não?
— Porque não somos casados. E antes que diga qualquer coisa, não tem
nada a ver com a minha mãe. É apenas algo meu.
— Caso agora, se for para ter você todinha para mim, durante vinte e
quatro horas.
— Você só pensa naquilo? — Ela ri.
— Sou o Téo Lima, amor. E além do mais não me referia a isso, a
senhorita que anda pervertida. Porra, acho que te desvirtuei.
— Téo!
— Só quero seu beijo agora, Santinha.
— Não vai parar de me chamar assim?
— Não.
— Se eu sou a santinha, você é um pecador.
— Só descobriu agora?
— Não. Pode acreditar que não.
— Agora chega de falar, quero te beijar e, porra, seu corpo embaixo do
meu está me enlouquecendo.
Ela fica vermelha.
— Por que sempre fica ruborizada?
— Por sua causa.
Sorrio.
Beijo-a com força. Com luxúria. Raquel é a única que tem conseguido
este lado meu. Ela se tornou a chave que abre o meu lado pecador, e triplamente
safado. Ela leva as mãos ao meu cabelo e puxa, e cacete, isso nunca foi motivo
para me excitar, mas tudo o que ela faz gera esta reação em mim. Desejo ela de
todas as formas, e sim, com ela eu penso com a cabeça de cima e a debaixo, mas
também sinto com o coração. Estou duro e sedento por seu corpo. Aperto sua
perna, deixando seu joelho dobrado na lateral do meu corpo. Quero ela neste
momento, mas preciso ter calma e controle, porque ela merece uma segunda vez
perfeita, como deveria ter sido a primeira, que foi maravilhosa, mas precisa de
mais, muito mais. Mordo seu lábio e ela geme baixinho.
— Amor, estou louco para ter você nua para mim, mas hoje não, e porra,
não sabe o quanto estou querendo me socar por isso, porque estou bem excitado,
mas logo terei você todinha, pode acreditar nisso.
— Téo, eu nunca pensei que diria isso na minha vida, mas eu tenho que
dizer.
— O quê?
— Continua!
Não aguento e rio.
— Estou criando uma pecadora — provoco.
Passo meu piercing por seu pescoço e mordo próximo ao ombro.
— Téo...
Ela fecha os olhos.
— Hmmm? — Mordo seu queixo levemente.
— Pela primeira vez... — Abre os olhos e sorri. — Não estou com medo.
E é bom sentir-se assim. Não tenho receio do que vem depois.
— Isso é bom. Muito bom mesmo.
— Podemos sair daqui? Porque eu...
— Sentindo calor, minha Santinha? — brinco e ela me empurra.
Rolo para o lado, rindo, e ela se levanta cambaleando.
— Não adianta ficar bravinha. Agora sabe o que tenho passado. E quem
vai ter que dirigir com o pau duro sou eu.
— Quer que eu dirija?
— E você sabe?
— Não. Mas descubro como. — Cruza os braços rindo.
— Na minha bebê azul, você não encosta.
— É um carro apenas.
— Nunca mais diga isso. Não a ofenda!
Levanto e ela continua rindo.

Estamos no hotel, em seu quarto.


— Eu não nasci para usar saltos.
Sorrio dela, que massageia os pés. Meu celular começa a tocar. Olho para
ver quem é e já me preparo psicologicamente.
Atendo.
— Oi. Isso é hora de ligar?
— Sou sua mãe. Não preciso de hora. Amanhã almoço em família, para
comemorarmos o retorno do seu pai. Esteja aqui.
— Isso vai depender, se ele for me matar antes. — Olho para a Raquel.
— Ninguém vai matar ninguém. Esteja aqui.
— Mãe, vai por mim, depois que eu conversar com ele, não será a
melhor escolha.
— Deixe disso. Venha.
— Está bem.
— Está na sua casa?
— Não. Estou no hotel.
— A esta hora? Pegou fogo aí? Só assim para estar a esta hora neste
lugar.
— Estou com a Raquel.
— Téo Tarado Lima, não apronte com esta garota. Oh, céus, estou
morrendo... HANNAH, PEGA O MEDIDOR DE PRESSÃO! — ela grita.
— Mãe, boa noite.
— Téo, você...
Desligo.
— Está tudo bem? — Raquel pergunta.
— Sim. Almoço em família amanhã. Resumindo: grito, berros, e só isso.
— Sorrio.
— Téo, eu escutei. Sua mãe fala bem alto. Eu não quero trazer problemas
para você e sua família. Eu não...
— Ei, pare com isso. Você não é problema algum. Aprenda uma coisa:
minha mãe é bem dramática.
— Só não quero te trazer problemas.
— O problema não é você. Pode acreditar, que com o que irei fazer
amanhã, nem terão tempo de pensar em você.
— Téo, o que vai fazer?
— O que eu deveria ter feito há muito tempo.
Dou uma piscadela para ela e me levanto. Preciso de um banho para
relaxar.

Olhando para o fundo do seu copo
Esperando que um dia você faça um sonho durar
Porque sonhos chegam devagar e se vão muito rápido
Você a vê quando fecha seus olhos
Talvez um dia você entenda o porquê
De que tudo o que você toca certamente morre
— Passenger “Let Her Go”

Téo Lima

Caminho em passos decididos até a sala dele. Sei que já chegou, fui
informado pelo Natanael. Está na hora de fazer o que eu deveria ter feito há
muito tempo. Ele precisa me ouvir, e caso não faça, não posso recuar mais uma
vez, deixando a minha vida e meus objetivos estacionados, vendo apenas tudo ao
meu redor caminhar e eu continuar ali, pelo medo de dirigir rumo ao que tanto
quero.
Aproximo-me e Raquel me olha e logo sorri. Dou uma piscada para ela e
passo direto. Sei que mantém os olhos em mim. Ela está preocupada desde
ontem, quando eu disse o que faria. Sinto a tensão em meus ombros, ao segurar a
maçaneta da porta. Não posso desistir. É hora de lutar pelo que eu quero, e não
ficar preso em um sonho que não me pertence.
Abro a porta de uma vez, e ele ergue o olhar dos papéis em sua mesa.
— Resolveu aparecer!
Fecho a porta, enquanto ele continua falando:
— Precisamos conversar. A viagem não trouxe os resultados que eu
queria. Não será desta vez que levaremos o hotel para fora do país. Porém, quero
ideias para...
— Pai, preciso falar algo sério — interrompo suas palavras.
Ele larga os papéis, e ajeita a postura na cadeira.
— O que aprontou? Vai me dizer que mais alguma funcionária pediu as
contas por sua causa.
Antes fosse. Seria mais fácil dizer isso.
— Não! Eu preciso que me escute desta vez, antes de falar qualquer
coisa.
— Téo Lima, o que fez? Já estou ficando nervoso.
Levo a mão ao bolso da calça e retiro duas chaves. Coloco sobre a sua
mesa e ele olha franzindo o cenho e logo volta a me encarar.
— O que é isso?
— A chave da minha sala e do armário que há nela.
— E por que diabos está me entregando isso? Vai me dizer que criou
outra sala este tempo que estive fora!
Respiro fundo, e coloco as mãos no bolso.
— Estou entregando o lugar que nunca me pertenceu. Isso significa que,
a partir de hoje, não terei qualquer ligação com este hotel. Não serei mais
responsável por nada aqui.
Ele se levanta abruptamente, batendo forte na mesa.
— Que merda está falando? Não me venha com suas gracinhas agora! —
grita.
— Eu nunca pertenci a este lugar, e o senhor sempre soube. Eu cansei de
permanecer aqui apenas para lhe agradar, e esquecer de agradar a mim.
Ele leva uma mão a cintura e a outra passa pelos cabelos. Está muito
nervoso. Seu rosto fica vermelho. Não tinha outra maneira de dizer isso, eu tinha
que ser direto.
— Não irei aceitar isso. Deixe de besteira, e volte para a sua sala, temos
muito trabalho!
— Pai, eu não vou voltar. Olhe só para nós dois! Passamos todos esses
anos fingindo que eu ficar aqui estava funcionando. Usamos este hotel como
uma forma de camuflar os problemas que temos um com o outro. Somos dois
cegos e burros, por achar que isso funcionaria algum dia. Eu nunca trouxe nada
produtivo para este lugar. Não nasci para ficar a minha vida inteira preso aqui,
olhando o tempo passar e pessoas indo e vindo. Eu sempre quis mais. Amo
viajar, explorar novos lugares, ser livre e permanecer aqui não me permite isso.
Ele começa a andar de um lado para o outro. Retiro as mãos do bolso. O
clima está tenso.
— Não aceito. Você é o herdeiro deste lugar, Téo! — fala exasperado.
— Hannah e mamãe também são, e não é por isso que são obrigadas a
ficar aqui. Eu nunca fiz nada de verdade por este lugar. É absurdo continuar
vivendo desta maneira. Eu não estou feliz aqui.
— Não acredito no que diz! Vai fazer o quê? Ser fotógrafo? Viver disso?
Não seja ridículo.
— O senhor vive em um lugar que o mantém sentado atrás de uma
cadeira a vida inteira, e nunca te critiquei por isso. Eu não vou continuar aqui.
Não escolhi esta vida. Quem escolheu a minha vida foi o senhor.
— Algo aconteceu. Por que isso agora? Exijo que me fale! Tem a ver
com mulher? Claro que tem. É um moleque mesmo!
Sorrio com raiva.
— Sim. Uma mulher me fez ver que, quando ficamos vivendo a vida que
alguém planeja para nós, as chances de sermos infelizes é enorme. Eu não vim
aqui para perguntar se posso sair. Eu estou saindo. E hoje eu percebi que tem
alguém que realmente merece estar no meu lugar, mas o senhor nunca percebeu
e nunca o valorizou de verdade.
— Do que está falando?! — Seu olhar é de raiva.
— Natanael. Ele sim faz o impossível por este hotel, e até hoje está
ocupando o lugar errado.
— Você é o herdeiro. É você que tem que cuidar disso!
— Não. Eu não tenho que cuidar disso. Eu sou o herdeiro, mas não pedi
para ser. Eu nunca pedi por este lugar. Agradeço por ter feito algo grandioso, que
deu tudo do bom e do melhor para a nossa família, e trouxe fama e poder. Mas
rejeito ter que continuar aqui, apenas por isso. Se a única forma que eu tenho de
retribuir tudo o que fez por mim, é continuar aqui, então me desculpe, mas pode
me considerar um ingrato.
— Eu fiz de tudo para te tornar um homem melhor. E agora me vira as
costas. — Seus olhos estão marejados.
— Não te virei as costas, pai. Eu estive aqui por todo este tempo, mesmo
fazendo coisas erradas, apenas para não te deixar sozinho. Só que o tempo está
passando, e estou com vinte e sete anos. É hora de deixar os seus sonhos e seguir
o meu. Olhe tudo o que construiu, e olhe para mim, eu não fiz nada por este
lugar e tampouco por mim. Isso sim é ridículo e absurdo.
Ele se senta e solta a gravata.
— Esta. Era. A. Única. Forma. De. Termos. Uma. Aproximação — diz
em pausa, controlando o choro, mas seu tom de voz o entrega.
— Brigar o tempo todo não é ter uma aproximação. Precisamos parar de
acreditar que estarmos aqui faria com que mudássemos nossos erros antigos. Eu
errei muito, e o senhor também. Não vai ser este hotel que vai melhorar nossa
relação.
— Não tem como consertar o passado. — Lágrimas escorrem por seu
rosto e isso acaba comigo.
— Mas podemos melhorar o futuro. Sei que não aceita que eu seja um
fotógrafo, mas é isso que amo. É disso que quero viver.
— Tenho medo de que quebre a cara com seu sonho, e que seja tarde
para consertar.
— O senhor quebrou a cara diversas vezes com este hotel, e nem por isso
desistiu dele.
— Eu não quero ficar sozinho aqui. Eu não quero olhar para os lados, e
ver que minha família não dá valor para o que construí para todos nós.
— Pai, não seja tolo! Dona Eleonor para tudo o que está fazendo, para
atender aos compromissos daqui. Hannah se empenha ao máximo a tudo que for
para este lugar. E até eu, me dedico as vezes, não muito, mas isso não vem ao
caso. Todos valorizamos o que fez. Não está sozinho. Sabe que não está. E
também sabe que o que eu disse sobre o Natanael é verdade, apenas fomos tolos
deixando passar os mínimos detalhes.
Ele enxuga o rosto.
— Não posso aceitar que vai largar o certo pelo duvidoso.
— Não espero que aceite. Mas espero que respeite. Vou limpar minha
sala hoje. E tem mais, eu quebrei uma promessa.
Preciso ser firme, e continuar esta conversa até o fim.
— Meu Deus, não aguento mais uma bomba. O que fez?
— É sobre a Raquel!
Ele arregala os olhos.
— O que você fez, Téo? Puta merda! Você prometeu. — Ele soca a mesa.
— Ela vai pedir as contas?
— Não vai pedir as contas. Estamos juntos.
— O quê? — grita.
— E tem mais. Ela está ficando aqui. Saiu de casa, porque a mãe louca
deu duas opções após nos pegar aos beijos na sala da casa dela. Era a rua ou
convento, e eu trouxe ela para cá.
— Puta que pariu. Por que fez isso? Quer me matar? O que direi ao tio
dela?!
Abre os primeiros botões da camisa e respira fundo.
— Ele já sabe que estamos apaixonados.
— Apaixonados? Está brincando comigo?
Se levanta novamente. Está ficando vermelho mais uma vez.
— Sim. Não estou brincando. Os gastos dela aqui são por minha conta.
E, por favor, respeite esta minha escolha também.
— Eu te deixei sozinho por um tempo, e quando retorno você me traz
uma cesta de novidades. Tem mais alguma coisa que eu precise saber, Téo?! —
Ele se apoia sobre a mesa. — Espera aí, o tio dela disse que ela nunca namorou,
e que... Meu Deus. Você não... Ela não era...
— Sim. E sim.
— Meu Deus! Ela é sobrinha de um padre. Um padre! — ele grita
nervoso.
— Eu sei, e agora o hotel inteiro sabe. Pai, não escolhi isso. E pode
acreditar que eu jamais escolheria. Mas aconteceu. Não é algo que se pede.
Acontece. Somente acontece!
— Eu preciso ficar sozinho. É muita informação. Saia.
— Não a mande embora por minha causa.
— Téo, só saia.
— Desculpa. Realmente desculpa por não ser o filho que tanto queria.
Mas, como eu disse, nós dois erramos.
Ele não diz mais nada.
Saio de sua sala, e Raquel me olha e logo desvia o olhar. Sei que escutou
tudo. Só preciso ficar longe daqui e respirar de verdade. Passo por ela e sigo para
a recepção. Assim que Natanael me vê, olha estranho e faz um sinal com a mão
me chamando.
— O que houve? Está estranho. Parece doente. Está pálido, Téo! — diz
preocupado.
Pietra e Mayara olham assustadas.
Retiro do bolso a cópia da chave da minha antiga sala e coloco sobre o
balcão.
— Para que isso? — Olha confuso.
— Assume o lugar que merece.
— Do que está falando? Téo, passa bem?
— Seja o que eu nunca fui aqui. Cuide de verdade deste lugar como
nunca fiz.
— Téo, você está me dando o seu lugar? — pergunta surpreso.
— Não. Eu estou te devolvendo o seu lugar. Sempre foi você que fez a
maiorias das minhas funções. Este lugar é seu e eu o peguei.
Seus olhos se enchem de lágrimas e seus lábios tremem.
— É a chave da sua sala, meu amigo. E não se preocupe, que logo o
chefão vai oficializar isso.
Ele contorna o balcão e me abraça. Pela primeira vez, ele não se
aproxima para me dar uns puxões de orelhas. Mayara e Pietra estão
boquiabertas.
— Obrigado. Obrigado... Téo, você é um bom rapaz, mesmo me dando
trabalho, é um bom rapaz.
— E você é um excelente amigo. Merece tudo de melhor. Mesmo
querendo me matar quase todos os dias.
Nos afastamos e ele enxuga o rosto.
— Faz jus a sala que pertenceu a um Senhor Pecado — brinco.
— Serei o Senhor Correto.
Sorrimos.
— Tem certeza disso?
— Nunca tive certeza de uma coisa, como estou tendo agora.
— Vai seguir o seu sonho, né? — questiona emocionado.
— Está mais do que na hora.
— Vai brilhar, Téo. Eu sei que vai.
— Perdão, por ter sido um idiota que demorou a perceber que você sim
merecia estar no meu lugar.
— Não diga isso. Eu amo ser gerente.
— Mas merece mais. Você faz parte de todo o sucesso deste hotel.
— Obrigado.
— Preciso ir.
Saio dali, sentindo o olhar de todos sobre mim.
Entro em meu carro, assim que Robson o traz e dirijo para a minha casa.

Olho para todas as fotos espalhadas pelo ambiente reservado a elas. Essas
são apenas algumas, existem muito mais não expostas. Retiro meus sapatos,
meias e em seguida o paletó, junto da gravata e da camisa. Deito no chão, no
centro de tudo e choro de alívio, de emoção, de paz. Eu choro pela liberdade. É
como se um peso saísse dos meus ombros. Eu tive tanto medo de como seria esta
conversa e ela foi até melhor do que imaginei. O medo faz com que imaginemos
coisas e muitas completamente loucas e absurdas. Só iremos saber como será
algo quando realmente vivenciarmos, e para isso temos que dar o primeiro passo.
Henri Cartier-Bresson, Annie Leibovitz, Dorothea Lange, Sebastião
Salgado, Robert Doisneau... Eu poderia continuar lembrando de cada um dos
grandes fotógrafos, mas a única coisa que vale é lembrar: todos se tornaram
muito conhecidos porque fizeram com amor, dedicação e o principal, se tiveram
medo, não deram a ele o poder de decidir sua vida. Se eu quero deixar minha
marca pelo mundo como eles, terei que me dedicar; e o principal, não deixar o
medo me dominar mais.

Raquel Pereira

Eu escutei tudo o que o Téo falou com o pai. Impossível não ter escutado
nada. Porém, estou preocupada com o que vai vir agora. O senhor Augusto pode
me mandar embora, e se isso acontecer, Téo pode se sentir pior. Não aguento
mais as pessoas se prejudicando ou se sentindo péssimas por problemas que eu
causo. Queria uma vez não ser o problema, e sim a solução. Todavia, se o melhor
para todos for eu partir, irei.
— Raquel! — A voz estridente ecoa.
Levanto da minha mesa e vou até a sua sala.
Ele esfrega o rosto e então pega os papéis em sua mesa e estende para
mim. Pego e dou um leve sorriso. Não sei por que, mas é a única coisa que
consigo fazer.
— Sei que ouviu tudo. Não precisa ficar sorrindo forçadamente, para
melhorar o momento.
— Desculpe.
— Perdão, fui rude. Está sendo um dia difícil. Não sei o que fazer.
— Senhor, eu não queria ser um dos motivos para toda a confusão.
Sou sincera. Cansei de me calar quando eu posso dizer algo. Toda vez
que me calo, sinto como se morresse por dentro, é como perder o ar. É sufocante.
— Ele fez uma promessa e a quebrou. Eu não deveria me surpreender.
— Sabe, eu fiz promessas e as quebrei. E alguém muito sábio me disse
que devemos tomar muito cuidado com aquilo que prometemos, porque, às
vezes, existirão forças maiores que nos impedirão de realizar o que proferimos a
alguém.
Ele solta uma lufada de ar, e não sei se fui longe demais.
— Quem disse isso a você é realmente muito sábio.
Sorrio e, desta vez, com sinceridade.
— Sabe, senhor Augusto, eu nunca quis que minha mãe me
compreendesse sempre, mas sempre sonhei com ela respeitando minhas escolhas
e opiniões. Eu nunca quis nada errado, ou que prejudicasse alguém. E por
experiência própria posso lhe dizer, que se quer viver em harmonia com alguém
que não faz mal a outra pessoa, ou destrói os direitos de alguém por seguir um
caminho ou ter uma opinião diferente da sua, não precisa concordar, mas tem a
obrigação de respeitar.
Ele fica me observando por um tempo, e então sorri.
— Sabe como tocar o coração de alguém, menina.
— Sei?
— Sabe sim. E não fique preocupada com a possibilidade de eu te
mandar embora, porque isso não vai acontecer.
Sinto um alívio. Eu realmente gosto de trabalhar aqui.
— Raquel, seja sincera, quem cuidou do hotel este tempo que estive
fora?
— Bom, Téo fez a parte dele, mas Natanael foi o braço direito e o que se
dedicou mais.
— Sou um burro mesmo.
— Não. Um burro jamais admitiria isso.
— Obrigado. Fiz a escolha certa em te contratar. Que sorte a minha em
ter alguém como você aqui, querida.
— Eu que agradeço por me escolher dentre tantas. E não é sorte, é
sempre Deus. Ele traça os caminhos certos, e nós que escolhemos qual seguir. Eu
segui o certo sem saber, e lá estava o senhor pronto para me ajudar.
Ele sorri emocionado.
— Traz tanta paz em meio a tempestade.
— Fico feliz em saber que faço algo assim.
E pensar que nunca achei que pudesse fazer isso.
— Bom, levo para o Natanael os papéis?
— Não. Na verdade, peça para ele vir até aqui. Eu mesmo irei entregar.
Devolvo os papéis a ele.
— Mais alguma coisa, senhor?
— Apenas mais uma. É pra valer? Porque quando achei que ele iria se
manter firme com alguém, tive este sonho jogado ao vento.
Fico vermelha. É sempre assim quando se trata do Téo.
— Não sei, senhor. Mas meu coração quer que seja, e peço a Deus por
isso.
— Que confusão. Perdi meu filho, e não sei se devo te chamar de nora.
Eu preciso ir para casa e tomar um café feito pela minha esposa e acalmar os
nervos. O café dela é poderoso.
— Então, vou voltar ao trabalho.
Mudo de assunto, pela timidez que me domina.
— Não! Tire o dia de folga... Hoje é sexta, curta o restante do dia e o
final de semana. E não se preocupe com seus gastos aqui.
— Senhor, obrigada. Mas não precisa, eu gosto de trabalhar aqui e não
preciso da folga.
— Bom, se precisar não hesite em sair.
— Irei chamar o Natanael.
— Certo. E obrigado por suas palavras, foram muito úteis.

Vou até a recepção à procura de Natanael, mas não o vejo.


— Mayara, onde Natanael está?
— Não sei. Ele desapareceu desde que o seu namorado falou com ele. —
Ela sorri.
— Não somos namorados. Por que todos pensam que somos alguma
coisa? Meu Deus! — Fico nervosa.
Pietra termina de atender um hóspede e me olha.
— Claro que não são. Téo não é dessas coisas. E pelo visto ele não
trabalhará mais aqui, ou seja, vai arrumar outras mulheres para se divertir... Ah,
quase me esqueci, parece que vão contratar mais duas funcionárias, pode ser que
antes dele partir daqui por completo, use elas como fez com todas, não é mesmo,
Raquel?
— Pietra, pare com isso. Eu já aprendi minha lição com ele. Claro que
me afeta sempre que o vejo, mas não fico pisando mais nesta mesma tecla.
Chega disso, amiga! — Mayara diz.
— Estou sendo sincera. Sabemos quem ele é de verdade, e seremos bem
hipócritas em pensar que ele mudaria da água para o vinho em questões de
segundos. Ontem fomos nós, hoje é a Raquel, e amanhã quem será a nova vítima
dos encantos dele? Que pena, parece realmente ser uma boa menina,
Raquelzinha, mas foi usada apenas, como todas aqui. Esse negócio dele ficar
aqui no hotel, e no mesmo quarto que você, já fez com todas, acredite em mim.
Engulo em seco. Sinto uma raiva tremenda.
— Pietra! — Mayara a repreende.
— Estou mentindo?
Olho para Mayara, que tem um olhar chateado em minha direção.
— Ele realmente já ficou com muitas mulheres aqui, e levou todas para
um quarto, e conseguiu isso jogando o charme dele, mas não significa que com
você ele não possa ser diferente. Não dê ouvidos ao que ela diz — Mayara fala e
olha feio para a Pietra, que revira os olhos.
— Pare de iludir a garota. Téo apenas a usou e pronto! — Pietra rebate.
Não aguento mais ficar escutando tudo isso e então falo:
— Inveja é um pecado. Um dos sete pecados capitais. Suas palavras
transmitem isso, porque eu tenho um Téo que jamais viu. Quando entrei aqui, ele
era como é com todas, mas aos poucos pude conhecer alguns lados dele que sei
que jamais mostrou para alguém, porque é nítido a espontaneidade que sai em
cada atitude diferenciada, e a surpresa por elas. Se ele me encantou, não foi
porque dorme no mesmo quarto que eu estou, Pietra. É porque suas pequenas
atitudes me trouxeram o que nunca tive com ninguém: paz, alegria e confiança.
Se hoje ele desaparecer da minha vida, terei apenas boas lembranças, que nem
sei se eu fiz por merecer. E você, o que terá? — Faço uma pequena pausa. — Se
quer me odiar, então, por favor, odeie por um motivo realmente plausível,
porque estou farta de me tratarem mal por coisas tolas.
Sinto um alívio ao dizer tudo isso, que está entalado há um bom tempo.
Parece que arranquei um dente que me causava dor. Mayara bate palmas e
algumas pessoas olham sem entender.
— Obrigada. Realmente muito obrigada — diz sorrindo.
— Com licença! — Pietra diz raivosa e sai pisando duro.
— Com estas meninas, não existe o papo de se calar porque é o melhor.
Com elas, você precisa bater de frente e mostrar que tem voz de poder.
— Acho que acabei de descobrir isso. Meu Deus, eu realmente disse tudo
isso? — pergunto assustada e ela sorri.
Respiro fundo e olho para a porta. Está ensolarado hoje. Algumas
pessoas entram e vem até o balcão e Mayara atende cada uma. Porém, é quando
olho novamente para a porta que sinto meu mundo congelar. Aqui não, Deus!
Ela se aproxima em passos decididos. Engulo em seco, quando se
aproxima de vez.
— Sabia que te encontraria aqui.
— Mãe, como a senhora...
— Vamos sair daqui, agora.
— Vamos conversar. Por favor, sem confusões aqui — imploro. —
Vamos para outro lugar.

Ela se senta na poltrona e observa atentamente o lugar. Encosto na


cômoda e a observo. Agora estou sozinha nessa, preciso ser forte. Me ajude,
Deus!
— Você tem que voltar para casa. Olhe só onde está vivendo.
— Como descobriu que eu estava aqui?
— Liguei os pontos. Sabia que conhecia aquele homem. Ele e a família
frequentavam a igreja. São famosos e, como saiu com ele de casa, imaginei que
aqui poderia te achar ou obter informações sobre seu paradeiro.
— Mãe, não posso voltar. Não estava me fazendo bem.
— Bobagem, garota. Não sabe o que diz. Depois de tudo que fiz para te
criar, agora faz isso? Pode ir para o convento, mudar tudo isso. Deus apagará
seus pecados.
Caminho até a cama onde me sento e ela me observa.
— Mãe, pare com isso. Não consegue ver que estou bem vivendo assim?
Que a única coisa que me machuca são suas palavras? É a senhora que me
machuca.
— Ouve o que está dizendo, menina! Eu te criei, e fiz de tudo por você,
para agora me virar as costas. Deus vai...
— Para. Por favor, para! Deus não tem nada a ver com isso. Não coloque
mais o nome Dele nos nossos problemas.
Ela se levanta e cruza os braços.
— Vamos embora, Raquel! — ela grita.
— Não. Eu não irei.
— Não posso acreditar. No que se transformou? — Sua voz fica trêmula,
mas tenta manter-se durona.
— Por que é assim? Tem que ter um motivo. Não posso acreditar que
tenha sido sempre assim.
Ela engole em seco, é nítido. Seus lábios ficam ainda mais trêmulos.
— Por que me trata como se me odiasse? O que eu te fiz, mamãe? —
pergunto exausta de tudo isso.
— Vai se arrepender de ter escolhido vir com este homem. Ele vai te
fazer sofrer. Ele apenas está te usando, e quando descobrir isso, não espere que
eu esteja de braços abertos para recebê-la novamente. Será tarde. As pessoas
enganam, mentem, fingem querer nosso bem. Ninguém é bom, além de Deus.
Todos só querem nos humilhar. E quando você descobrir isso, vai entender! —
Lágrimas escorrem por seu rosto.
— Mãe...
— Não quero mais ouvir. Irei sumir da sua vida. Não espere me
encontrar tão cedo. Você me destruiu, menina.
— Não diga isso. Tente entender, eu estou implorando. Por mais que tudo
isso esteja sendo difícil, eu ainda a amo muito e só quero ficar bem com a
senhora.
— Não implore. Não me comove em nada suas palavras. Você traiu
minha confiança por um par de calças. Não conte comigo para nada e esqueça
que tem uma mãe! — Ela enxuga o rosto. — Porque no fim, todos me dão as
costas.
E com essas últimas palavras sai do quarto batendo a porta com força.
Pode ter dito que minhas palavras não a comoveram, mas seus olhos disseram
outra coisa. Ela sofre com tudo isso, assim como eu. Até quando isso, Deus?!
Deito na cama e fico apenas olhando para um ponto fixo na parede. Não
consigo chorar, ou ter qualquer tipo de reação. Estou cansada. Muito cansada de
tudo. Só quero entender por que ela é assim? E por que disse que todos dão as
costas a ela.

Paz e amor
É o que eu quero pra nós
E que nada nesse mundo cale a nossa voz
Céu e mar e alguém para amar
E o arrepio toda vez que a gente se encontrar
E nunca vai passar
Mesmo quando o sol chegar
— Jorge e Mateus “A hora é agora”

Téo Lima

Desde que saí do hotel após conversar com meu pai, não retornei. Fui ao
almoço em família e mais pareceu um velório, pois as brincadeiras e gritos que
já são de lei, não estiveram presentes. Sei que meu pai contou sobre nossa
conversa para a minha mãe, mas evitei o assunto, o clima estava estranho o
suficiente. A única pessoa que tive um contato maior foi com a Hannah, pois
pedi um favor a ela, e claro que ela não me deixaria na pior, minha irmã ama
planejar surpresas.
Agora estou na porta da Samira, e daqui irei para o hotel. Estou me
sentindo mais leve. É como se eu estivesse no escuro sem poder ver nada e
somente agora tenho a oportunidade de enxergar com clareza. Aperto a
campainha sem parar. Já sei que está em casa. Ela grita que já vem. Porém,
continuo apertando.
— Quem é? — uma princesinha questiona. — Minha mamãe disse que já
vem. Que teimosia!
Me controlo para não rir.
— É o príncipe encantado.
— MAMÃE, O PAPAI ESQUECEU A CHAVE DE NOVO!
Não me aguento e rio.
Eu não esqueci a chave. Estou fazendo de propósito para ela vir abrir.
Escuto a chave girar na porta e uma Samira nervosa aparece. Está com o cabelo
molhado e todo bagunçado.
— Nossa, que recepção mais calorosa. Preciso vir mais vezes aqui e
pedir para abrir a porta.
Ela me olha feio e me puxa para dentro.
— Seu demônio, cadê a chave?
— Papai! — Catarina me agarra e abaixo para abraçá-la.
— No meu bolso. Mas sou um príncipe, você tem que vir me
recepcionar.
Encho minha filha de beijos e me sento no sofá com ela agarrada a mim.
— Eu te odeio! — Samira diz ainda irritada.
— Sabe que me ama. Sou um amor.
Catarina sorri e Samira olha brava.
— Vocês dois são impossíveis. Vou ajeitar meu cabelo.
Ela sai rapidamente da sala.
Minha filha me olha e começamos a rir.
— Vou hoje com você?
— Amanhã cedinho te pego. Hoje o papai tem compromisso.
— Eu fiz tudo o que pediu. E ainda estou de castigo.
— Muito bem. Aprendeu a lição?
— Sim. Nunca mais vou bater em ninguém ou acusar sem saber a
verdade.
— Isso aí!
Ela salta do meu colo e para na minha frente.
— Qual o compromisso?
Parece que estou vendo uma mini Samira. Ela coloca as mãos na cintura
e me encara de uma forma que só a mãe faz.
Sorrio.
— Vou fazer uma pequena viagem. Mas amanhã cedo estou de volta para
te buscar.
— Me leva?
— Dessa vez não tem como, amor.
— Quem vai?
— Eu e mais uma pessoa. Isso se sua tia Hannah tiver feito o que pedi.
— Hmmm... Mas amanhã será somente meu?
Possessiva essa minha filha. Eu, hein!
— Sim. Todo seu.
Ela sorri animada.
Samira retorna, e está desembaraçando o cabelo que ela disse que iria
arrumar. Talvez precise raspar. Que merda ela fez? Susto da porra!
— Mocinha trate de terminar as lições de casa. Pois ainda temos que sair.
Catarina sai desanimada da sala e sorrio.
— Essa menina não nega ser sua filha. Me deixa louca.
— Pois eu penso o contrário. É sua cópia.
Ela se senta no sofá ao lado enquanto continua sua luta para ajeitar o
cabelo.
— O que quer? Pensei que o mundo estivesse acabando, quando falou
que estava vindo porque queria falar com urgência com a minha linda pessoa.
— Primeiro, não trabalho mais no hotel. Conversei com meu pai e o
resultado foi melhor do que pensei.
Ela arregala os olhos e em seguida sorri.
— Téo, que maravilha! Estou tão feliz. Vai seguir com o que tanto ama?
— Sim. Estava na hora. Porém, não é apenas essa novidade.
— Qual a outra?
— Estou apaixonado pela Raquel.
— Ai! — Ela enrosca a escova em uma parte do cabelo deixando
pendurada. — Você o quê? Eu ouvi isso mesmo, Brasil? Esse momento é meu!
— grita animada.
— Sim. E você não foi a primeira a saber. O tio dela e ela já sabem.
— COMO OUSOU NÃO ME CONTAR PRIMEIRO? SEU TRAÍRA!
— Leva as mãos à cintura.
— Exatamente isso. Não iria te dar esse gostinho.
Levanta-se com a escova ainda pendurada no nó do cabelo. Quero rir,
mas me controlo.
— Se levanta, traste!
Levanto e fico olhando. Ela pula em meus braços e começa a fungar.
— Não vai chorar!
— É que demorou tanto para este momento. Estou tão feliz. Téo, você
vai seguir seu sonho e ainda está apaixonado. É para glorificar de pé. Vou até
pagar as promessas que fiz na esperança disso acontecer.
— Samira, você fala de mim, mas sabe estragar um momento.
Ela ri e se afasta e enxugando o rosto. Então voltamos a nos sentar.
— E quando vai casar? Me chama para ser madrinha? Eu vi um vestido
lindo no centro. Estou louca para usá-lo.
Reviro os olhos.
— Vamos com muita calma. E passe um creme para desembaraçar esse
nó do cabelo.
— Ser loira platinada dá nisso. E olha que sempre hidrato e cuido.
— Sei...
Ela desenrosca a escova e volta a desembaraçar.
— Sua família já sabe?
— Meu pai sabe oficialmente. Os demais desconfiam há tempos.
— E a tal mãe dela?
— Pegou nós dois aos beijos.
— Puta merda! E aí?
— Meio que expulsou a filha de casa.
— Eu vou dar na cara dessa mulher. Como ousa expulsar aquele amor de
menina? Que ranço! Dê-me o endereço que vou dizer poucas e boas para ela.
Alguém me segura.
— Relaxa. Depois de ouvir tudo o que ela disse e ver o que fez, posso te
garantir que aquela mulher está confusa, parece lutar contra algo dentro de si.
— Deixa ela lutar contra a minha mão, que endireita rapidinho.
Sorrio.
— Segura a sua mão, nervosinha.
— Téo, eu estou muito feliz por você. Só não faça merda. Seja sempre o
cavalheiro com ela, e não o cavalo misturado com sapo.
— Jamais seria qualquer coisa ruim para ela, ou faria merda. Eu nunca
fiz uma merda com você, não seria com ela que eu faria.
— Espero, ou te mato.
— Anda muito violenta. Já pensou em procurar ajuda?
— Não preciso de psicólogo.
— Mas, e de sexo? Se precisar... — Ela atira a escova em mim.
— Idiota!
Sorrio.
Levanto e ela faz o mesmo. Vou até o quarto da Catarina e me despeço
com a promessa de que amanhã cedinho estarei aqui para pegá-la. Também me
despeço da Samira e vou embora.

No caminho para o hotel, Hannah me liga e diz que conseguiu o que


pedi. Quero saber o que esta louca não consegue!
Chego ao hotel e Robson vem pegar meu carro. Entrego as chaves a ele,
que sorri. Nunca tive tanta raiva de um sorriso como tenho agora. Eu gostava
desse infeliz, antes dele ficar de papo furado e cheio de “mãos” para cima da
Raquel.
— Senhor — ele diz.
Faço apenas um aceno com a cabeça e entro no hotel. Está movimentado.
Vejo Natanael, que me olha sério. Porra, o que fiz agora?
Me aproximo do balcão e Pietra me olha sorrindo e volta a atenção em
Talita, que diz algo a ela.
— O que eu fiz?
— Nada. Está devendo?
— Não! Por que me olhou feio?
— Para não perder o costume, já que não trabalha mais aqui. — Ele sorri.
— Idiota! Raquel está trabalhando ainda?
— Bom, não gosto de fofocas, sabe disso.
— Uhum... sei. — Encaro ele, que revira os olhos.
— Pois então. Fui informado que ela poderia tirar o restante do dia de
folga e voltar apenas na segunda ao trabalho e que pode ficar aqui no hotel sem
problema algum. Porém, outra pessoa disse que ela veio me procurar, e meio que
discutiu com a... — Ele disfarça e balança a cabeça na direção da Pietra. — E
surgiu uma senhora aqui, e ambas foram para outro lugar conversar,
provavelmente o quarto que Raquel está. E a senhora foi embora, mas a sua
namorada não foi vista mais. Devemos chamar a polícia? E digo namorada,
porque é o que todos estão dizendo.
— E não gosta de fofoca? Sim, chame, mas é certo que se a senhora que
esteve aqui for quem eu estou pensando, e tiver feito qualquer coisa para a
Raquel, eu serei preso por fazer da vida dela um inferno.
— Que medo! Se controle, doido. Quem você pensa ser a senhora?
— Você não gosta de fofocas.
— Téo Lima! — repreende-me.
Saio dali e vou até o andar que o quarto da Raquel se localiza.
Bato na porta e demora um pouco a ser aberta. Ela me olha e sorri.
Avalio seu rosto e corpo. Parece inteira.
— Está tudo bem? — pergunto com calma, quando na verdade tenho
vontade de virá-la de ponta cabeça para conferir se está tudo bem.
Entro devagar, e fecho a porta me encostando nela.
— Está sim.
— Certeza?
— Téo, vá direto ao ponto. Já devem ter dito que alguém veio até aqui.
Ela caminha até a cama onde se senta.
— O que ela queria?
— Queria que eu voltasse. — Suspira.
— Meu pai falou com você?
— Ainda tenho um emprego e ele me tratou muito bem.
Respiro aliviado.
Aproximo-me, abaixando a sua frente, ficando entre suas pernas. Apoio
meus braços em suas coxas.
— Está tudo bem mesmo?
— Sim, Téo. Já não consigo mais ter qualquer sentimento com as coisas
que ela faz. Talvez eu esteja me acostumando.
Resolvo mudar de assunto para ela não ficar amuada.
— Gosta de aventuras?
— Inclui andar muito? Confesso que sou bem sedentária.
Rio.
— Não, preguiçosa. Tenho um pacote de viagem bem especial, e VIP.
— Tenho medo, mas vou perguntar. Seja o que Deus quiser! Que pacote?
— Uma noite, em um lugar diferente e um pouco distante. Lá está mais
friozinho, então inclui também abraços para aquecer, beijos, e óbvio que comida.
E tudo isso, ao lado de um homem bem gostoso e lindo.
Ela ri.
— Você não acha que é muito convencido.
— Só um pouco. Então, aceita este pacote de viagem?
— E que lugar seria?
— Uma cidade bem turística, parece de filme. O frio lá deixa tudo
encantador, e é repleto de pousadas, hotéis e chalés.
— Não sei, Téo... Talvez seja melhor ficar aqui, agarrada ao travesseiro,
e dormindo.
Olho sério e ela sorri.
— Prefere o travesseiro do que a mim? Como ousa? Porra!
— Brincadeira. Você tem sérios problemas de ser o centro das atenções.
— Quero ser apenas o centro das suas atenções. O resto não importa.
— Nem ser o centro das atenções da sua filha?
— Eu já sou. Sempre serei. Já é um fato consumado.
Rimos.
— Eu aceito.
Seguro seu queixo e deixo um beijo rápido em seus lábios.
— Arrume suas coisas e vamos para Campos do Jordão, interior de São
Paulo. Mas amanhã cedinho temos que retornar, porque tenho que ficar com a
minha pequena.
— Sem problemas. Vai ficar este final de semana com ela?
— Sim. Prometi ser dela. Sou um homem muito requisitado.
— Bobo. Téo, preciso te dizer, que talvez não é certeza ainda, estou
pensado. Mas talvez eu saia amanhã e retorne no domingo. Preciso ir até um
lugar, e sinto que lá terei minhas respostas.
Sinto meus ombros criarem uma tensão imediata.
— Que lugar?
— Não posso falar agora. Mas será bom, tenho fé nisso. Acho que este
final de semana será bom para nós dois ficarmos afastados e focados em outras
coisas ao nosso redor.
— Não gosto disso!
— Então, vamos que horas? — muda de assunto.
— Pode arrumar tudo, e assim que me ligarem avisando que está tudo
certo, saímos daqui.
— Ok.
Ela começa a arrumar suas coisas e eu fico observando tudo enquanto
penso no que ela disse. Que lugar ela vai? E por que decidiu depois que sua mãe
veio? Será que ela está pensando em desistir de algo que ainda está iniciando?
Porra!

Estou esperando a Raquel, que está no banho. Meu celular toca e é a


Hannah,
— Oi.
— Está tudo certo. Foram bem rápido no que pedi. Pode ir.
— Obrigado.
— Volte de casamento marcado, ou soco sua cara!
— Quer muito, não?
— NÃO! E se divirtam muito. Beijos.
— Beijos. — Desligo e coloco o celular no bolso.
Que seja especial o suficiente para fazer ela acreditar em um futuro para
nós e para não fugir mais.

Se quer cinema eu sou o par perfeito
Quer curtir balada já tem seu parceiro
Ou ficar em casa amando o dia inteiro
E dividir comigo o seu brigadeiro
E nessa vida agora somos dois, três, quatro
Quantos você quiser
A partir de hoje, eu sou um homem de uma só mulher
— Jorge e Mateus “Sosseguei”

Raquel Pereira

Campos do Jordão é uma cidade linda. Suas cores e seu jeitinho meio
rústico, tornam o ambiente acolhedor. Mesmo já sendo tarde, pois pegamos um
trânsito imenso, que nos deixou horas praticamente parados, isso não foi o
suficiente para que não notássemos o encantamento do lugar que agora estamos.
Téo estaciona em frente a um hotel muito bonito, com muitas árvores ao redor e
um jardim muito encantador e bastante iluminado na lateral direita. Dois rapazes
vêm nos recepcionar. Saímos do carro e o vento bastante gelado faz com que eu
dê uma leve estremecida, porém o suficiente para o Téo notar e passar um braço
pela minha cintura e me puxar para si, transmitindo o calor de seu corpo para
mim. Os rapazes nos cumprimentam e um ajuda a retirar a pequena mala que
trouxemos, enquanto o outro entra no carro e leva até o estacionamento.
Caminhamos em direção a entrada, com o homem nos seguindo. Ele abre a porta
da frente, e nos dá passagem, então indica o balcão onde uma senhora sorridente
está olhando em nossa direção. Téo me solta e pega os documentos — deixei o
meu com ele também —, entrega a ela.
— Téo Lima e Raquel Pereira, sejam bem-vindos, meus queridos. — Ela
olha o computador ao lado e ajeita os óculos, que cai sobre seu nariz. —
Reservaram o quarto 115. O Lorenzo vai acompanhá-los. Curtam muito. — Ela
olha para o Téo e sorri de um modo diferente, fico sem entender.
Agradecemos e ela pergunta se viemos de carro e qual a placa e o
modelo. Téo responde e ela digita no computador. Entrega um cartão para abrir o
quarto junto aos nossos documentos e um papel do carro e seguimos em direção
ao elevador.

Estamos parados na porta do quarto.


— Aqui. — Téo entrega uma gorjeta ao rapaz.
— Não quer que eu coloque a mala lá dentro, senhor?
— Não. Obrigado. — Téo sorri e ele assente e caminha na direção do
elevador.
Olho para o Téo, que parece nervoso. Ele está muito quieto. Téo não é
nada quieto.
— O que houve? Com medo que eu não goste do quarto? — pergunto e
ele dá um fraco sorriso.
— Mais ou menos isso.
— Abre. Vou amar.
Ele coloca o cartão na porta e então abre. Entramos e está escuro. Vou
acender a luz, mas ele impede.
— Téo, o que está havendo? Está muito estranho e começando a me
preocupar.
Ele fecha a porta.
— Só promete que vai ser apenas o que quiser e que não vai fazer nada,
apenas com medo de me chatear.
— Eu prometo — respondo sem entender o porquê dele falar isso.
— Mais uma coisa. A Hannah ajudou, se tiver tudo errado, estranho, ou
exagerado, culpe a ela.
— Do que está falando? — Franzo o cenho.
— Seja o que Deus quiser!
Ele acende a luz e fico olhando para ele. Porém, seus olhos analisam algo
atrás de mim. Sua expressão é de surpresa. Juro que estou com medo de olhar.
— Téo, acho que não devo me virar. Sua expressão está de muita
surpresa.
— Ela se superou... Não deixe ela saber que eu disse isso. Essa garota
sabe escolher o melhor. Mesmo de longe conseguiu isso!
— Medo de virar.
Ele agora me olha e noto preocupação em seus olhos.
— Só queria que fosse muito mais especial dessa vez.
— Para o quê?
— Olhe primeiro.
— Está bem. Que medo!
Viro o corpo lentamente e, quando termino, fico paralisada.
Não posso acreditar no que eu vejo. Parece que faz parte de um sonho e
que em instantes acordarei e o pesadelo em que eu vivia retornará. Levo as mãos
à boca, e assim eu fico ao que parece séculos. Meu olhar segue por cada canto,
olhando cada detalhe. Sinto meu coração doer de tão acelerado que está. As
mãos do Téo pousam em meus ombros, e sinto um tremor que vem de dentro, e
faz um friozinho na barriga com um arrepio diferenciado. Cenas da minha
primeira vez rodeiam minha mente, trazendo lembranças maravilhosas.
— Então? — ele sussurra em meu ouvido e sobressalto.
Começo a olhar tudo novamente. A cama de casal é coberta por um
lençol azul-marinho, e pétalas de rosas vermelhas estão espalhadas por ela. A
mesa na lateral tem uma enorme cesta repleta de chocolates. Pétalas estão
espalhadas pelo chão também. No criado-mudo há um balde de gelo com uma
garrafa de champanhe, ao lado duas taças e uma cestinha com morangos
preenchem o espaço que resta. Há um enorme buquê de rosas vermelhas sobre a
poltrona branca, e uma caixinha vermelha junto. O caminho de pétalas segue até
a porta que está um pouco aberta, e revela ser o banheiro. Caminho até lá e abro
de uma vez. Há outro buquê, mas desta vez de girassol, sobre a bancada da pia.
O chão tem pétalas, e o cheirinho adocicado é perfeito. Há outro balde de gelo
com champanhe e taças, ao lado da banheira oval.
Viro e me assusto com o Téo parado à porta.
— Gostou? Diz algo.
— Girassol é a minha flor predileta, por sempre se virar para a luz.
Ele sorri.
— Você fez tudo isso para mim?
— Sim. Queria o mais especial possível em pouco tempo.
Sorrio.
Nunca ninguém fez algo tão grandioso para mim além do meu tio e
minhas tias, que se colocaram em uma mentira por minha causa. Porém, nunca
tive ninguém além deles, até agora. Deus, é tudo tão lindo que eu não tenho
muito o que dizer.
— Está perfeito. Maravilhoso. Téo, eu estou encantada.
Noto o relaxar de seus ombros. Um sorriso lindo surge em seu rosto. Ele
segura minha mão e saímos do banheiro em direção ao quarto, onde nos
sentamos em um sofá livre.
— Estou sem palavras.
— Raquel, a nossa noite juntos na praia, eu queria que tivesse sido em
um ambiente perfeito assim. Foi especial, mas você merecia muito mais. Não
vou mentir, eu te trouxe aqui para ficarmos um tempinho juntos sem problemas,
e por segundas intenções, além de te pedir algo.
Sinto meu rosto esquentar e ele sorri.
— Pedi a Hannah que encontrasse uma empresa que fizesse algo especial
aqui na cidade e um hotel que aceitasse algo assim. Ela encontrou, e a empresa
que deixou tudo perfeito para eu trazer você, também comprou algo que pedi.
Talvez eles não façam mais nada para o sobrenome Lima por medo de tanto
trabalho em pouco tempo, mas por você vale a pena.
Sorrio.
Ele se levanta e pega a caixinha na poltrona. Se senta novamente ao meu
lado.
— Eu quero você do jeito que é. Santinha e, às vezes, emburrada e
ciumenta. Meiga e sempre carinhosa, além de sempre ver o lado bom de tudo.
Uma menina-mulher, repleta de luz, e uma paciência que eu não teria. Eu me
encantei por você, porque é diferente. Eu aceito que seja tímida muitas vezes, e
que coloque Deus acima de muitas coisas. Também compreendo que foi criada
assim e que não é fácil mudar completamente. Entendo que, por mais que sua
mãe seja assim, você a ama e vai tentar respeitá-la mesmo quando ela lhe atirar
pedras. Eu aceito você sendo santinha e, às vezes, uma monstrinha pecadora. E
como prova disso, quero te dar algo.
Estou emocionada e sorrindo como uma boba. Ele me entrega a caixinha.
Abro e me encanto.
— Téo, é linda!
Pego a correntinha prateada com uma pequena cruz da mesma cor, porém
com brilhinhos.
— Estou apaixonada — falo admirando. — Obrigada!
— Aceito você da forma que é. Só preciso saber de uma coisa.
— O quê? — Coloco meu presente na caixinha e fecho deixando sobre o
sofá.
Ele segura minha mão, e observo seu anel, enquanto ele acaricia meus
dedos.
— Me aceita sendo seu namorado, mesmo eu sendo um homem que se
considera um Senhor Pecado? Leve em conta que sou bonito e muito carinhoso
além de divertido.
— M-meu namorado? — gaguejo e ele concorda.
— Sim. Aceita? Você disse que queria um pedido.
— Eu brinquei. Falei porque nas histórias doidinhas das minhas tias
sempre tinham pedidos.
— Eu não estou brincando. Falo sério. Aceita? — ele insiste e bastante
sério.
Deus, eu não posso acreditar. Sinto meu coração acelerar novamente.
Uma ansiedade me consome e nem sei o motivo.
— Eu nunca namorei. Não sei se...
Faço uma pausa e me lembro de tudo o que meu tio sempre disse e a
frase que mais tenho ouvido: “Siga o seu coração”.
— Sim! — digo rapidamente antes que o medo me impeça.
— Porra!
— Olha a boca, Téo!
Ele me abraça e por pouco não me derruba. Fui parar em seu colo, e não
sei como, porque ele foi rápido. Seus braços me apertam como se eu fosse fugir.
Acaricio seu rosto, e ele me olha e meu mundo parece ficar colorido ao extremo.
Quero fazer coisas que me tragam mais felicidade. Foram vinte anos vivendo na
infelicidade. Ele me faz feliz, e faz com que eu me sinta amada.
Ainda olhando para ele, dou um beijo em seu rosto e bem demorado.
Pela primeira vez, posso sentir de verdade que Deus está me proporcionando
alegria depois de uma imensa tempestade de lágrimas de tristeza.

Téo Lima

Quando pensei em ter algumas horas longe com a Raquel, não percebi
que precisava tanto disso até estarmos aqui. E agora além do lugar estar
extremamente bonito — preciso agradecer minha irmã e a empresa que ela
contratou —, também está especial, ainda mais após ouvir um simples “sim”. Eu
nunca pensei que esta palavra de três letras, poderia me dar tamanha felicidade.
Agora com minha oficialmente namorada em meu colo, não desejo outra coisa
no mundo a não ser beijá-la como se minha vida dependesse disso.
Puxo seu rosto e invado sua boca com um beijo ardente que parecia estar
aprisionado há anos esperando por um momento de liberdade. Minha língua
desliza pela sua em uma forma voraz. Aperto seu corpo junto ao meu, como se
ela fosse fugir de meus braços a qualquer instante. Suas mãos se apoiam em meu
rosto e deslizam para o meu cabelo. Ela empina ainda mais a bunda. Aperto e ela
geme em meus lábios. Meu pau está duro, e isso me deixa louco para estar
dentro dela, mas tenho que ir com calma hoje. Quero que ela sinta muito prazer,
ao ponto de não aguentar mais. Mordo seu lábio inferior e passo a língua
deslizando o piercing sobre a pequena vermelhidão causada por isso. Fecha os
olhos e abre lentamente. Está ofegante. Passo a mão sobre seu seio ainda coberto
e está duro de tesão. Ela geme.
— Sei o que quer, e eu também quero. Mas, hoje tem que ser diferente.
Dou um beijo rápido em seus lábios e coloco ela sobre o sofá. Suas
bochechas estão coradas. Caminho até onde está o champanhe e abro a garrafa
despejando sobre a taça. Levo uma taça até ela. Pego a minha e os morangos. Ela
bebe um pequeno gole. Não tiro meu olhar dela. Bebo um pouco. Ela leva um
morango à boca, e apenas esse inocente gesto é uma tortura prazerosa para mim.
Morde mais um pedaço do morango e, porra, é quase a minha morte. Coloco
minha taça no chão, e afasto a cesta. Ela fica me olhando ruborizada. Lambo
levemente a lateral da sua boca, onde sujou um pouco de morango. Rapidamente
fecha os olhos e engole em seco. Afasto-me e bebo de uma vez o champanhe em
minha taça.
Retiro os sapatos sob seu olhar e faço o mesmo com a blusa. Ela bebe
rapidamente o champanhe e sorrio.
— Vai com calma, Santinha. Não quero que aconteça como certa vez.
— E-eu vou pegar c-chocolate. — Ela se levanta rapidamente e vai até a
cesta onde pega um bombom. Vira-se de costas.
Sorrio de seu nervosismo.
Caminho até ela, abraçando-a por trás. Afasto seu cabelo, e beijo seu
pescoço enquanto ela leva o bombom à boca. Seu corpo estremece e ela
pigarreia e, como não tenta se afastar, isso me incentiva a continuar. Mordo sua
orelha e inicio uma trilha dela até o final do pescoço passando a língua
lentamente. Sei que meu piercing a deixa alucinada. Dou uma leve mordida e ela
solta o bombom, que cai sobre a mesa.
Viro seu corpo lentamente prendendo-a entre mim e a mesa.
— Se quiser parar, me avise...
— Não... Quero dizer, não quero parar. Eu estou... — não termina de
dizer. Fica muito corada.
— Está excitada, amor? — Seguro seu queixo e beijo seus lábios. — Se
solta. Não precisa ter vergonha. Estamos a sós aqui.
Sua resposta é um gemido baixo, quando meu corpo cola ao seu e
pressiono minha ereção nela. Aperto sua cintura, e seus braços contornam meu
pescoço. Beijo-a.
Deslizo as mãos por baixo de sua blusa, sentindo sua pele se arrepiar. Seu
calor me contagia transmitindo um sentimento maior. Saber que ela fica assim
pelo meu toque é inexplicável.
Afasto olhando seus lábios inchados. Suas bochechas estão coradas.
Levo as mãos à barra de sua blusa, e começo a retirá-la. Jogo-a na direção do
sofá. Raquel abaixa o olhar e rapidamente levo as mãos ao seu queixo erguendo
seu rosto. Beijo seu seio, enquanto retiro seu sutiã e, quando solto, deixo cair
sobre o chão. Como ela é linda!
Sob seu olhar, me abaixo à sua frente, e retiro seus sapatos. Suas mãos se
apoiam na lateral da mesa. Com seus pés já descalços, começo a desabotoar sua
calça, e deslizo sobre suas pernas. Sua calça tem o mesmo destino do sutiã. Beijo
sua virilha, e ela abre lentamente os lábios, e sua respiração fica mais intensa.
Levo as mãos as laterais de sua calcinha, e começo deslizar lentamente para
baixo. Os olhos dela fixam nos meus.
Sem calcinha, e completamente nua à minha frente, me levanto, e
acaricio seu rosto.
— Você é muito linda, minha Santinha. — Beijo levemente seus lábios.
Seguro sua mão e a levo até a cama, onde ela se deita. Observo seu
corpo, que está me deixando cada vez mais excitado. Vou até o champanhe e
levo a garrafa à boca, bebendo um pequeno gole. Retorno até ela, e abro bem
suas pernas. Deslizo meus dedos sobre suas coxas e aperto. Vou traçando beijos,
começando por seu tornozelo, e subindo bem devagar. Sua pele tem um sabor
maravilhoso. Quando chego em sua virilha, deixo um beijo molhado, seguido de
um deslizar do meu piercing. Ela geme baixinho.
Apertando suas pernas para mantê-las abertas, tenho a visão de uma
Raquel completamente exposta para mim. Levo minha boca a sua boceta, e
começo a chupá-la com intensidade. Deslizo minha língua em sua entrada e sei o
efeito que meu piercing causa. Seu gemido fica mais forte. Meu olhar busca o
seu, que está fechado. Ergo um pouco seu quadril. Levo as mãos a sua bunda,
apertando. Suas mãos agarram os espaços entre a cabeceira da cama. Sinto suas
pernas se contraírem.
— Téo... — grita meu nome.
Continuo chupando-a e logo seu corpo estremece. Chupo cada gota de
seu gozo. E porra, quero fazer isso eternamente. Solto lentamente seu corpo e me
afasto. Ela abre os olhos, ofegante.
Bebo mais um pouco de champanhe. Retorno até a beirada da cama, e
faço um sinal para ela vir até a mim. Timidamente faz o que peço, ficando
sentada sobre suas pernas.
— Pode fazer as honras.
Levo sua mão até a minha calça. Ela me olha por um tempo, enquanto
retiro a carteira do bolso e pego dentro dela uma camisinha. Jogo a carteira no
chão.
Suas mãos trêmulas começam a desabotoar minha calça.
— Não precisa ter vergonha ou qualquer receio.
Ela concorda lentamente.
Começa a deslizar minha calça e a ajudo a retirar. Sem pressa retiro-a
sobre meus pés. Aperto meu pau duro sobre a minha cueca. Ela morde o lábio
inferior, e começa a retirar minha cueca. Libertando meu pau sedento por ela.
Termino de retirar.
— Eu quero que sempre se sinta livre para tentar qualquer coisa comigo,
e não tenha vergonha.
Acaricio seu rosto e me inclino beijando seus lábios.
— Deite-se.
Ela se deita, sem retirar os olhos de mim. Rasgo a embalagem de
camisinha. Jogo o pacote no chão e deslizo o preservativo sobre meu pau.
Ajustando perfeitamente. Subo com cuidado na cama, ficando entre as pernas da
Raquel, que observa cada movimento meu. Beijo o bico do seu seio e passo a
língua em seguida.
— Téo...
— Eu sei, amor... Eu sei...
Encaixo em sua entrada, e penetro-a. Um gemido muito intenso escapa
de seus lábios. Fico parado por um tempo e analiso sua reação, está tranquila e
excitada. Começo a me movimentar lentamente. Suas mãos agarram minhas
costas, onde sinto suas unhas, mas não me incomodam. Excitam-me ainda mais.
Aumento meus movimentos, puxando suas pernas e enroscando em minha
cintura. Assim vou mais fundo, sentindo ainda mais dela. Ela geme alto, e amo
ouvir seus sons. Me aperta com sua boceta, e isso me deixa louco.
— Você já é muito... muito apertada, se continuar fazendo isso, não vou
aguentar muito tempo... — sussurro em seu ouvido.
Mordo sua orelha e ela aperta ainda mais as unhas em mim e então sobe
em direção ao meu cabelo onde agarra. Beijo-a. Estar assim com ela é meu
paraíso. Ela é perfeita em tudo. Jamais irei enjoar dela, porque ela é tudo o que
eu quero.
Saio lentamente de dentro dela, que resmunga. Sorrio.
— Vire de lado.
Deito colando meu corpo as suas costas. Estamos suados, e o quarto tem
o cheiro de sexo misturado a rosas. Ergo sua perna, penetro-a. Sua boceta me
envolve em um deslizar delicioso. Enrosco meus dedos aos dela, e torno a me
movimentar com força ouvindo o som de nossos gemidos e do chocar de nossos
corpos. Coloco meus lábios em sua orelha, deixando que ela escute com mais
intensidade minha respiração irregular e meus gemidos. Sinto o suor escorrer por
meu rosto, e fico satisfeito em saber o motivo. Solto sua mão e massageio seu
clitóris.
— Téo! — grita.
Ela me aperta novamente com sua boceta.
— Porra, Raquel! — digo entredentes.
Mordo seu ombro. Seu corpo começa a se agitar. Ela vai gozar.
Seguro seu rosto e viro na minha direção, e nossos olhares ficam fixos
um no outro. Seus lábios abrem um pouco, e seus olhos reviram. Ela os fecha.
— Olhe para mim, amor.
Abre eles pesadamente. Está tendo um orgasmo. Conheço cada reação de
seu corpo. Deslizo a mão por seu pescoço e aperto levemente. E então penetro-a
mais forte ainda. Ela trava a perna na minha, aperta minha coxa.
— Raquel...
Seu gemido é alto. Meu pau pulsa e meu gozo vem intensamente. E sem
saber de onde vem a intensidade de me declarar, eu deixo escapar por meus
lábios que vão até seu ouvido:
— Eu te amo.
Ela não diz nada. Apenas sorri. Saio lentamente de dentro dela.
— Preciso tirar a camisinha.
Ela concorda.
Beijo sua testa e me levanto indo até o banheiro. Retiro a camisinha e
dou um nó e logo em seguida jogo no lixo. Olho no espelho e meu rosto está
vermelho. Estou completamente suado. Raquel é a minha perdição. Escuto um
barulho na porta e me viro para olhar. Ela está enrolada de um jeito muito fofo
no lençol. Parece até uma criança. Sorrio.
— Eu também.
Olho sem entender.
— Também o quê?
— Eu também t-te amo...
Seu rosto cora ainda mais. Sinto meu coração acelerar. Porra, a divindade
está olhando por mim. Pela segunda vez, tenho certeza de que fiz algo certo. A
primeira foi ter a minha filha, a segunda me apaixonar pela Raquel e, pensando
agora, a terceira é ter saído do hotel.
Puxo ela em minha direção, e ela grita rindo. O lençol cai. Beijo seus
lábios.
— Que tal um banho? — pergunto assim que afasto nossos lábios.
— Sim.
Preparo a banheira.

Acaricio seu rosto, e ela deita a cabeça em meu peito, enquanto brinca
com a espuma soprando.
— Não vai mesmo me dizer para onde vai este final de semana?
Ela tira a atenção da espuma e me olha.
— Quando eu voltar, eu digo.
— E vai voltar mesmo? Estou preocupado que sua mãe tenha dito algo e
você esteja...
— Téo, eu não estou indo embora.
— Me promete isso? — digo sentindo uma angústia que nunca senti.
Ela não responde. Apenas me beija.
Me desligo da minha preocupação e me deixo levar pelo momento. É
raro ela tomar iniciativas, e quero aproveitar todas. Viro-a rapidamente,
colocando-a sobre meu colo. Meu pau já está duro e louco para estar dentro dela
mais uma vez. Suas mãos seguram meu rosto enquanto me beija. Aperto sua
cintura. A água da banheira cai um pouco para fora. Ela se mexe sobre meu colo,
me atiçando ainda mais.
— Raquel... — digo entre o beijo.
Ela afasta o rosto e sorri.
— Eu quero você sempre, Téo. Com você eu consigo ser uma pessoa da
qual eu gosto, e sou mais feliz. Eu q-quero você.
Agarro seu cabelo e beijo sua boca com voracidade. Sua boceta se
esfrega em meu pau.
— Porra... Raquel...
Solto seu cabelo e ergo sua cintura posicionando meu pau em sua
entrada. Então a penetro.
— Ah... — um gemido escapa de seus lábios.
Essa santinha vai acabar comigo. Eu definitivamente estou criando uma
monstrinha pecadora.

Num gesto desesperado
Saudade mútua, ela se entregou pra mim
E disse que não tá bem
Fez meu olho brilhar dizendo que tá tenso em casa
E que os problemas tão demais
Capaz de se jogar no mundão
Sem noção nenhuma do que pensa ou faz
— Projota “Mulher”

Raquel Pereira

Acordo com beijos em meu pescoço.


— Téo... — resmungo.
— Precisamos levantar.
Fica em cima de mim. E beija meus lábios.
— Que horas são? — pergunto ainda sonolenta.
— Sete horas.
Cubro o rosto com o travesseiro, que pego ao lado e ouço sua risada.
— Também não sou fã de acordar cedo, porém quero curtir um pouco da
cidade com você, antes de irmos embora.
Ele puxa o travesseiro.
— Está bem. Vou me levantar.
Afasta-se rindo.
— Acorda sempre nesse ótimo humor? — me provoca.
Olho para ele, que tenta controlar o riso.
Levanto, pego a escova de dente e vou para o banheiro.

Estamos na porta do hotel. O frio lá fora não é nada animador, e sou uma
pessoa que gosta de frio. Quando pude senti-lo através da sacada do quarto, eu
tive certeza de que não queria sair, mas Téo insistiu.
— Sabe, melhor irmos embora — Téo diz fazendo careta.
— Nem pensar. Me acordou, porque tínhamos que curtir a cidade. Agora
vamos!
Empurro-o, que nem sequer se move.
— Vai, Téo. Lembre-se de que Catarina te espera.
— Golpe baixo. Usar uma criancinha é um golpe muito baixo.
Sorrio.
Saímos e o vento nos recebe de uma forma nada acolhedora.
— Se arrependimento matasse, eu cairia duro. Se bem que estou sempre
duro...
— Depois eu que tenho um ótimo humor! E pare de falar bobagens —
brinco e ele me olha feio.
Entrelaça nossos dedos e começamos a caminhar.
— Melhor irmos de carro.
— Você disse dentro do elevador, enquanto descíamos, que era tudo
pertinho. Vamos andando.
— Estou começando a ficar bem irritado com você.
Rio.
— Você é um resmungão.
— Não sou. Apenas está um frio do caralho!
— Pois é, mas você insistiu para descermos.
Ele me para no meio da rua e me abraça.
— Deveria ter me impedido de outra maneira.
Beija levemente meus lábios e dou batidinhas em seu peito.
— Téo, pare! — Sinto meu rosto esquentar e ele sorri.
— Ah, então a sua timidez comigo é apenas em público? Porque
enquanto estávamos na banheira, você...
— Téo!
Empurro-o e saio andando na frente. Escuto sua risada.
— Santinha... Oh, minha Santinha! — ele grita e pela primeira vez sinto
uma vontade absurda e estranha de matá-lo.
Viro a primeira à direita, sem saber para onde estou indo.
— Não é por aí! — ele grita.
Paro na calçada e algumas pessoas que passam ficam olhando. Olho para
ele, que caminha lentamente até a mim e sorrindo. Uma moça, muito bonita por
sinal, passa ao lado dele. Ela está com um cachorrinho bem branquinho. O
animalzinho para e ela faz o mesmo, porém sem tirar os olhos do Téo.
— Bom dia! — ela o cumprimenta.
Ele olha e sorri.
— Bom dia. Belo cachorro.
Cruzo os braços e fico olhando.
— É uma cachorrinha. Safira é o nome. E o meu é...
— Vamos, amor? — interrompo.
Téo me olha surpreso, mas sorri em seguida.
— Ah, desculpe. Tenham um bom-dia. Vamos, Safira!
Ela volta a andar e fico olhando.
— Fica linda com ciúmes e fazendo bico.
— Não estou fazendo bico!
— Está sim. E se duvidar, na próxima tiro uma foto. E “amor”?
— Estou com fome! — desconverso e nem com fome estou.
— Sei...
— Gostou da cachorrinha, ou dela?
— Da cachorrinha. Nem reparei que a moça era bonita, e tinha...
— Seu... Seu... Ai, que raiva!
Vou voltar a andar, mas ele me agarra.
— Estou te provocando apenas. Só tenho olhos para a pessoa
“emburradinha” em meus braços.
— Quer saber? Não quero ver a cidade. Na verdade, vamos voltar ao
hotel e comer lá e ir embora.
— Hum... exigente.
— Falo sério.
Estou com uma raiva absurda. Não gosto, mas não consigo evitar.
— Te amo.
— Hum.
Ele sorri e beija meu rosto.
— Vamos fazer como a senhorita deseja.
— Ótimo, senhor!
— Eita! Está brava mesmo. Vamos, porém, voltaremos à cidade, para
passar alguns dias.
— Tanto faz.
— Que mulher mais brava. Não era assim. Eu realmente te levei para o
mau caminho. — Ele ri.
— Vamos logo, Téo!

Estamos comendo no quarto. Ainda estou brava com ele. Ele fica me
olhando e rindo. E isso me deixa mais brava ainda. O celular dele apita, e ele
pega e começa a digitar algo. Fica focado no celular um tempo, e aproveito para
terminar de comer, sem os risinhos dele. Ajeito minhas coisas, escovo os dentes
e coloco o presente que ele me deu. Sento na cama à espera dele terminar de
comer e de fazer seja lá o que for no celular. Ele coloca o celular no bolso e bebe
um pouco de suco.
— Quando Hannah e Samira começam a mandar mensagem, não param
mais. Qual a dificuldade das duas de falar tudo em um único texto? Porra!
— Aconteceu algo?
— Samira queria saber a hora que vou buscar a Catarina, porque ela tem
um compromisso de trabalho para hoje. E Hannah, que deveria se chamar
intrometida, queria saber se deu tudo certo aqui, e para dizer que conversou com
meu pai e já sabe os detalhes de tudo o que aconteceu entre mim e ele.
Faço um gesto de compreensão com a cabeça apenas. Ele termina de
comer e se aproxima.
— Pronta?
— Sim.
— Ainda brava?
— Um pouco.
Inclina o corpo sobre o meu, me fazendo deitar na cama.
— Nem pensar. Pode...
Seus lábios tocam os meus, e então me beija. A raiva que eu sentia se
desfaz rapidamente. E o calor toma o lugar do frio. Aperta minha coxa e segura
meu rosto. Sinto sua rigidez, então agarro seu cabelo. Ele se esfrega em mim,
fazendo com que eu abra mais as pernas, deixando-o totalmente entre elas.
— Já devíamos estar indo embora, mas preciso de você e agora...
Afasta-se e retira o casaco, e em seguida a blusa de frio. Seus sapatos
saem de forma bruta. O seu cinto é aberto, e antes de retirar a calça começa a me
despir. Meu coração está acelerado como sempre, e minha respiração ofegante.
Agora completamente nua, e sem sentir a vergonha que sempre tenho, ele
retira a calça junto da cueca, e sorri de um modo diferente para mim. Sua mão
acaricia seu membro rígido, e isso me traz um tremor gostoso de sentir. Ele
segura minha mão e me puxa em sua direção. Nossos corpos se chocam. Segura
meu queixo e morde meu lábio inferior. Sem dizer qualquer coisa, vira meu
corpo sobre a cama fazendo com que eu fique totalmente inclinada, com a bunda
empinada.
Segurando minha cintura diz:
— Mantenha o corpo firme e as mãos também. — Sua voz é ainda mais
rouca.
Sinto seus dedos me massagearem em meu ponto mais sensível. Mordo o
lábio e fecho os olhos. Então ele os coloca dentro de mim, e movimenta apenas
duas vezes. Abro os lábios e aperto o colchão.
— Molhadinha, e tão pronta... Porra! — Se afasta. — Fique assim.
Escuto o barulho de plástico sendo rasgado. Olho de lado e vejo que ele
coloca a camisinha. Dá-me uma piscadela e passa a língua pelo lábio inferior.
Então se aproxima novamente.
Volto a olhar para frente. Suas mãos retornam a minha cintura. Ele me
penetra. Minhas mãos apertam com força o colchão e meus dedos ficam brancos.
Meus olhos se fecham. Seus movimentos de vaivém iniciam e são fortes,
arrancando gemidos intensos de nós dois. Meu cabelo é enrolado em sua mão e
puxado para trás.
— Raquel... — meu nome sai de uma forma gostosa de ouvir.
Meus seios chacoalham com os movimentos. Meus lábios ficam secos.
Posso senti-lo mais fundo nesta posição. É delicioso.
— Porra, não me aperta assim...
Acerta um tapa em minha bunda e massageia em seguida. Isso parece
contribuir para o que estou sentindo. Ele beija minhas costas, deixando seu corpo
curvado sobre o meu.
— Téo... Ah...
Sua mão livre começa a me estimular, enquanto seus movimentos
continuam fortes. Gosto das sensações ao estar assim com ele. Téo não me
mostrou o pecado, ele me apresentou ao prazer, tanto sexual quanto da vida.
Estar assim diante dele é muito bom. Não consigo pensar em nada, além de nós.
Acerta mais um tapa, do outro lado da minha bunda. Solto um grito de
dor e prazer. Sim, sinto prazer. Quem diria que um dia eu sentiria isso ou
pensaria?
— Téo, isso... Eu... Ah...
— Goza, amor... Goza...
Distribui beijos em minhas costas. Um tremor, que se inicia das pernas
seguido de uma tensão, vai me contagiando. Um grito rouco escapa de meus
lábios e sinto tudo enfraquecer.
— Raquel... Cacete!
Ele solta o meu cabelo e aperta meu corpo. E não demora para sua
cabeça se inclinar sobre as minhas costas, e um som forte escapar de seus lábios
ficando assim por um tempinho.
Ele sai de mim com calma. Deito-me sobre a cama, exausta. Estou muito
fraca. Vejo-o retirar a camisinha e dar um nó. Vai ao banheiro e retorna
rapidamente.
— Tome um banho e tranque a maldita porta, ou nunca sairemos daqui.
Depois de você, eu irei.
— Só espere uns segundos.
Ele sorri.
Seu celular toca e ele atende. Exibindo seu corpo nu ao andar pelo
quarto.
— Sim... Já saímos daqui... Está no viva-voz do carro... Aham... Assim
que eu chegar vou direto pegar ela... O trânsito está ótimo... Eu sei... Não
atrapalha... Porra, tchau! — Ele desliga.
— Mentir é feio — repreendo-o, levantando.
— Só entre naquele banheiro e tranque a porta. Porque só de ficar
olhando você nua, meu tesão retorna a todo vapor.
Ele se aproxima e corro para o banheiro trancando a porta.

Estamos chegando ao centro da nossa cidade. Téo vai buscar a filha. O


retorno foi muito mais rápido.
Deixei os buquês lá, pois seria judiação trazê-los para ficarem em um
quarto de hotel. Mas avisei a senhora e ela disse que cuidaria com muito carinho.
— Antes de ir até a Catarina vamos passar em um lugar e comprar uma
coisa.
— Que coisa?
— Um celular para você.
— Nem pensar.
— Raquel, eu não estou mais no hotel, e você vai para não sei aonde.
Quero manter contato.
— Não posso aceitar, Téo. Isso é caro. Além do mais, em breve poderei
comprar, um não tão caro, acredito.
— É algo muito útil, e uma forma de tanto eu quanto o seu tio termos
contato com você.
— Téo...
— Não aceitarei discussões quanto a isso. Eu não faço ideia para onde
vai, então pelo menos me deixe ter contato com você para saber que chegou
bem.
Sinto a preocupação em sua voz. Ele me olha rapidamente.
— Ok.
— Obrigado.
Ele pensa que estou fugindo, e entendo suas razões e medos. Não
escolheu uma pessoa com a vida fácil, e sei que deve ter medo de surgir qualquer
coisa do nada. Eu também tenho esse medo. Parece tudo tão calmo e bom, que
não parece certo estar assim. Minha vida sempre foi muito confusa, que qualquer
tranquilidade é motivo para desconfiança.

Ele comprou o celular e nem sequer deixou eu escolher. Só porque eu


queria um bem simplesinho. Mas se é para ligações, para que tantas coisas? O
tanto de coisas que ele perguntou sobre qualidade da câmera, eu pensei que seria
para ele fazer as fotos. Eu não sei tirar foto nem de estátua que fica quietinha,
imagine se vou ficar fotografando eu ou qualquer coisa? E para que tanta
memória? Fiquei com medo do celular sair andando e falando de tantas coisas
que tinha. Já colocamos o chip e ele já colocou seu número em meu celular com
o nome “Téo Gatão”. Reviro os olhos e sorrio me lembrando da cara que a moça
fez quando ele falou isso alto na loja. Mas, o que fiquei surpresa foi a hora que
ele foi anotar meu número em seu celular e vi minha foto de papel de parede. Eu
gostei disso. Entretanto, o que foi divertido foi ele me ensinando a mexer e eu
deixei, apenas para no final dizer que já sabia, porque minhas tias tinham e
mexia no delas, quando minha mãe não estava por perto. Fiquei com dó da
carinha de decepção dele achando que era o primeiro a me ensinar, mas passou
assim que ele ficou sorrindo para a moça, que explicava sobre os planos que a
operadora oferecia.
Enfim, depois de passarmos em sua casa e trocarmos o carro, estamos
agora esperando a Samira descer com a Catarina na frente do prédio.
— Almoça com a gente?
— Não dá. Preciso que me deixe no hotel e vou arrumar minhas coisas e
ir até a igreja, preciso falar com meu tio antes de ir.
— Está bem.
Samira se aproxima com Catarina. Téo abre a porta do carro e a pequena
pula em seus braços.
— Que delícia de abraço, gatinha!
— Oi, Raquel! — Samira diz acenando sem parar e me olhando bem
estranha. — Ai, como a língua coça para perguntar sobre tudo... Hannah me
contou... Droga, que boca grande!
Sinto meu rosto esquentar. Por que as pessoas gostam de me deixar
tímida?
— Oi — consigo dizer.
— Samira, fique quieta, mulher... Vamos, pequena!
Samira abre a porta de trás do carro e coloca a filha prendendo o cinto
corretamente nela e colocando sua mochila ao seu lado. Deixa um beijo no rosto
dela.
— Obedeça seu pai. Se for para a casa dos seus avós, obedeça a todos
por lá. Nada de ir dormir tarde. Mamãe te ama.
— Também te amo, mamãe!
Fico olhando e sorrio emocionada. Que pecado, Deus, mas sinto inveja
de uma criança por ter uma mãe tão amorosa assim. Perdoa-me, Senhor.
Catarina me olha e sorri.
— Oi, Raquel. Você está bonita.
Sorrio.
— Obrigada, linda.
— Mas o papai será só meu hoje e amanhã. Não divido não.
— Pode deixar! — Dou uma piscada e estico a mão para ela bater. Ela o
faz e rimos.
— Não ligue, Raquel. E se acostume. Isso é um grude com a peste aí.
— Obrigado pela parte que me toca!
— Shhh. Vão com cuidado. Não dirija como louco.
— Eu dirijo normal. Não comece.
— Mente e eu finjo que acredito. Vão com Deus!
Ela fecha a porta do carro. Téo fecha a sua e se ajeita colocando o cinto.
Samira acena se despedindo.

Téo me deixou no hotel entregando meu documento, que por pouco não
esqueço com ele, e então foi para a casa dele. Arrumei minhas coisas
rapidamente e agora estou entrando na igreja. Final de semana é sempre mais
cheio aqui. Paro e observo a cruz à minha frente e fecho os meus olhos e
agradeço de coração a Deus por mais esse dia de vida e por estar me ajudando
em tudo até aqui. Faço o sinal da cruz, e caminho em passos rápidos até onde
meu tio fica. Pelo horário, em breve começará a atender as pessoas que
normalmente vem se confessar de final de semana. Amanhã tem missa e ele deve
estar se preparando para isso também, porém realmente preciso falar
rapidamente com ele.
Bato na porta e ele diz para entrar.
— Meu anjo, que maravilha de visita!
Aproximo-me deixando a mala no chão e ele me abraça.
— Tio, serei breve... Eu vou até lá.
Ele me olha surpreso e então une as mãos e sorri.
— Que assim seja. Se decidiu ir é porque está pronta.
— Eu volto amanhã. Porém, ainda não recebi meu salário, será que o
senhor poderia...
— Te dou o dinheiro, querida. Não se preocupe.
Ele vai até a mesa e abre a gavetinha se atrapalhando um pouco. Pega
algumas notas e me entrega.
— Que Deus esteja em seu caminho e que seja feita a vontade Dele.
— Não sei quais respostas terei, mas aceito qualquer coisa.
— Quando voltar, eu estarei te esperando para responder as dúvidas caso
existam.
Fico sem entender, mas não questiono.
— Melhor eu ir. Não quero chegar muito tarde.
Ele concorda.
Sinto um nó na garganta e pressiono os lábios. Pisco rapidamente
tentando conter as lágrimas, que querem cair.
— Vai dar tudo certo. Coloque Deus na sua frente e ele cuidará de todo
caminho.
Abraço-o novamente. Ele me dá sua bênção.
— Só espero que possa me aceitar.
— Vai aceitar. Confie. Te amo, querida.
— Também amo o senhor.
E com essas palavras saio dali. Meu coração pede respostas, e minha
mente grita com medo delas, mas não é mais tempo de recuar.
Guardo o dinheiro e caminho pelo corredor da igreja, cabisbaixa. Parece
que tudo fica em câmera lenta. Esperei tanto tempo por respostas e agora eu
poderei tê-las, mas não sei se estou completamente preparada para ouvi-las.
Podem ser simples, como podem ser difíceis. Pode tudo.
Entretanto, cometo um erro. Não o pior erro, mas o suficiente para me
angustiar ainda mais. Ergo o olhar e lá está ela na porta da igreja olhando para
mim. Não paro. Não consigo ter esta reação. Apenas continuo caminhando.
Parece que todos na igreja me olham e sabem de tudo. É uma sensação ruim. Seu
olhar vai em direção a minha mala e depois retorna a mim. Sua cabeça balança
em negativa. E então a distância entre nós finaliza, e sem dizer qualquer coisa,
ela começa a caminhar para dentro da igreja, e eu saio.
Nos tornamos duas estranhas. Mãe e filha, estranhas uma para a outra. A
que ponto chegamos, Deus!
Não olho para trás. Uns chamariam de orgulho, outros de rebeldia, talvez
alguns entenderiam. Eu sigo em frente, apenas no caminhar, porque o coração
despeja os pedaços que, a cada vez que nos esbarramos, se quebra mais.

Toda estrada é uma ladeira escorregadia
Mas sempre há uma mão
Na qual você pode segurar
Olhando profundamente pelo telescópio
Você pode perceber que seu
Lar está dentro de você
— Jason Mraz “93 Million Miles”

Téo Lima

— Papai, o que vamos fazer?


Olho para a loirinha sentada no sofá, balançando as pernas.
— Bom, vamos até sua avó e de lá decidimos o que faremos. Lembrando
que seu...
Chega mensagem no meu celular me interrompendo.

Téo, não queria falar na frente dela. Mas Catarina aprendeu a lição. Fez tudo o
que foi pedido. E a menininha que ela bateu aceitou o pedido de desculpas junto
dos pais. Acho que já pode liberar ela do castigo, até porque o que fará com ela
o final de semana? Fica ao seu critério. O que decidir irei concordar. Beijos.

Se há uma pessoa que confio cegamente é na Samira. E quando ela diz


algo sobre nossa filha, é porque realmente tem certeza do que fala.
Respondo:

Ok. Irei tirá-la do castigo.


Coloco o celular no bolso.


— Iremos visitar seus avós. E depois podemos ir ao cinema assistir
algum filme bem legal, e comermos por lá.
Seus olhos brilham e ela sorri animada.
— Porém, tem uma condição.
— Qual?
— Terá que me fazer cafuné, para eu dormir. Papai está carente.
Jogo-me no sofá e deito a cabeça em seu colo. Ela faz carinho em meu
rosto.
— Combinado. Papai, desculpa por ter feito coisa errada.
— Tudo bem, princesa. O importante é ter aprendido a lição.
— Aprendi sim. Foi uma semaninha chata. Nada para fazer. — Suspira
me fazendo sorrir. Mexe em meu cabelo com seu jeitinho delicado.
Catarina sempre foi muito carinhosa, não apenas comigo, mas com todos.
Samira, que passa a maior parte do tempo com ela, é a responsável por isso.
Tenho orgulho da grande amiga e boa mãe que ela é.
— Você e a Raquel...
Sento-me no sofá e fico olhando para ela, que fica sem jeito para
continuar dizendo. Puxo-a para meu colo e brinco com sua mão gordinha.
— Raquel e eu estamos namorando. Entende o que significa, não é?
— Sim. Eu sei o que é namoro. Sou inteligente, papai.
— Gosta dela?
— Não fiquei muito tempo com ela, mas parece ser legal. Ela sorri mais
que a tia Giovana.
Sorrio.
— Vai ficar mais tempo com ela do que comigo?
Fica me olhando, e me derreto com seu rostinho. Porra, fiz muito bem.
Essa menina é linda.
— Gatinha, sempre terei todo tempo do mundo para você. O papai
apenas terá mais contato com ela, por estarmos mais perto um do outro. E outra,
você tem sua mãe, a escola, suas amigas. Tenho que te dividir com muitas
pessoas. — Cutuco sua barriga de leve e ela ri.
— Mamãe disse que um dia terei irmãos ou irmãs. Não sei se quero não.
Gosto de ser a única criança.
Rio.
— É cedo para isso. A não ser que ela fique... Ou... Esqueça. Não pense
nisso agora. Você sempre será a nossa princesa.
— Tomara, papai. — Aperta minha bochecha.

Entramos na casa da minha mãe e Laila, a cozinheira, nos vê.


— Oi, Laila.
— Oi, pequena. Saudades de você. E sabe o que tem hoje? — Ela me
olha e acena um pequeno cumprimento com um sorriso.
— Bolo de chocolate!
— Isso aí. Vou fazer a cobertura de brigadeiro, e preciso de uma boa
ajudante para degustar.
— Eu. Eu sou a ajudante. Vamos! — Ela dá a mão para a Laila e saem
rindo.
Sento no sofá, e minha mãe entra na sala.
— Ah, olha só. Meu primogênito visitando frequentemente o lar de seus
pais. Isso é uma miragem ou o apocalipse? É uma honra receber o príncipe TTL,
logo ele que não se importa com a mãe. E não conta as novidades.
Reviro os olhos e rio.
— Mãe, que...
— Como está se relacionando de verdade com a Raquel e não me
contou? Hannah me disse que teve até viagem, e que você faria pedido. Isso foi
uma traição, meu filho. Logo eu que te gerei, de parto normal, e só para saber,
você era enorme.
— Mãe, não seja dramática. Nessa família não temos tempo de contar
nada, a Hannah ou a Samira contam tudo.
— Porque elas valorizam a mim. Eu tenho uma nova nora, e o ingrato do
meu filho não quis me contar. Tem vergonha de mim? Olha, Téo, quando eu
morrer, não adianta vir chorar no meu caixão, que eu retorno dos mortos para te
dar uns petelecos e puxar seu pé.
Levanto rindo e abraço a primeira mulher da minha vida.
— Não adianta me abraçar. Como eu sofro! Tinha que ter um abraço
gostoso? Está tentando me comprar — choraminga.
— Mãe, não seja dramática. Eu ia contar, mas a bocuda da Hannah
contou primeiro, e sem saber da resposta da Raquel.
— Ela aceitou? Eu não aceitaria. Você não presta. Só me faz sofrer.
Sorrio.
— Mãe, ela aceitou sim.
— Meu Deus! Precisamos ver vestido, igreja, buffet...
— Ela aceitou o pedido de namoro, mãe!
— Posso sonhar, não posso?
Afasta-se enxugando o rosto.
— Claro que pode.
Catarina aparece na sala com a boca e as mãos sujas de chocolate.
— Vovó!
— Meu amor! A única que me entende e me valoriza.
— Ué, não era apenas a Samira e a Hannah?
— Calado, menino!
— Estou ajudando a Laila.
— Estou vendo. Que tal dar um abraço bem melado na sua avó?
— Não! — minha mãe diz se sentando no sofá, e Catarina pula em seus
braços fazendo-a rir.
— Olha só, que visita maravilhosa! — meu pai diz surgindo na sala.
Catarina corre para seus braços, sujando ele.
— Vovô, estava com saudades. Saudades de todos vocês!
— Nós também. Então hoje passará o dia todo conosco?
— Não, porque papai e eu vamos sair.
— Poxa! Então tudo bem, pequena...
— Papai, podemos sair amanhã? Hoje quero ficar aqui.
— Claro, gatinha. Mas não abro mão do meu cafuné. — Ela sorri e dou
uma piscadela.
Meu pai me olha e acena com a cabeça.
— Ele e a Raquel estão namorando! Marido, isso não é maravilhoso?
Nosso menino tendo um relacionamento novamente.
— Pois é. Que crie juízo.
— Augusto, mais animação. Já deu dessa briguinha de vocês. Ele saiu do
hotel, logo vira um fotógrafo famoso e um homem casado, com mais filhos...
— Planejou minha vida? — Cruzo os braços e ela dá de ombros.
— Sonhar ainda é gratuito. Então deixe a minha pessoa ser feliz. — Ela
se levanta e ajeita a roupa. — Vamos, pequena, se limpar e ver o que a Laila está
aprontando para nós, além de chocolate.
Elas saem da sala e meu pai se senta na poltrona apoiando a mão no
queixo.
— Não faça aquela garota sofrer. É tudo que te peço.
— Não se preocupe com isso, pai.
Seu olhar é fixo no meu. Sua postura fica ereta. Solta uma lufada de ar, e
cruza as mãos.
— Me mostre. Se eu gostar, te ajudo a alavancar com o que quer. Vou te
dar uma chance, filho.
Sento no sofá acreditando ter escutado demais.
— Pai, quer que eu...
— Quero que me mostre o que tanto ama. Quero ver o que tanto nos
causou discussões. Se eu gostar, te ajudo. Mas tenho uma condição.
— Qual?
— Que me perdoe. Me perdoe por te visto apenas o meu lado da história,
e ter esquecido que tinha um menino com sentimentos do outro lado. Não fui um
bom pai para você. Meu orgulho e medo de lutar sozinho pelo meu sonho me
deixaram cego. Hoje estive refletindo, e percebi o quão rude e egoísta fui. Então,
me perdoe, só isso que te peço.
Sinto meus olhos arderem pelas lágrimas que querem cair. Com um
aceno rápido de cabeça, e ambos emocionados, nos abraçamos sem dizer mais
nada, porque apenas isso é o suficiente para este momento. É um abraço de paz.
Ambos erramos. E está na hora de virar a página, e fico muito feliz por ter vindo
dele o primeiro passo, logo do lado mais difícil da história toda. Saber que ele
quer ver minhas fotos é uma grande conquista. Afastamo-nos e um sorriso torto
surge em seu rosto, e retribuo piscando rapidamente, para conter as lágrimas.

Raquel Pereira

Fui informada de que ela estava em casa. O rapaz que me recepcionou


pareceu desconfiar de algo do que eu disse, mas não me impediu de entrar.
Caminho pela grama aparada, e bem verdinha. A horta mais à frente chama a
atenção pelas belas verduras. A macieira ao lado da casa é perfumada e muito
bonita. Paro em frente a pequena escadaria de madeira, que dá para a sacada da
casa. Olho para a construção rústica. Tão acolhedora por fora. Sinto o cheiro de
café, e é uma delícia. Ouço ao longe o relinchar de cavalos e procuro com o
olhar, mas não encontro eles. Olho para o céu e está lindo.
Subo os degraus com minha mala. Paro diante da porta alta de madeira
escura. Ergo a mão para bater, mas a porta é aberta antes disso.
— Sangue de Cristo tem poder! Jesus, eu morri e descobri agora. É uma
visão. Céus!
Aperto os lábios e largo a mala, então eu faço o que senti muita falta de
fazer. Abraço-a. A dor da saudade vai embora. A alegria por este momento se
torna presente.
— Vovó!
Ela me aperta com força como sempre fazia. Seu cheirinho ainda é o
mesmo, de rosas. O calor de seu abraço é maravilhoso. Esfrego suas costas com
carinho. Não tenho vontade de soltá-la. É tão bom estar assim com ela.
— Minha menina. Magrinha, mas minha menina ainda. Não tem
comido? Que saudades! O que faz aqui? Fugiu de casa? Conte-me tudo. Eu
apenas ia chamar o menino para tomar um cafezinho e tenho essa bela surpresa.
Normalmente eu abro a porta e é cobrança.
Sorrio.
Nos afastamos, e enxugo meu rosto que está molhado pelas lágrimas. Ela
faz o mesmo com o dela.
— Vamos, entre e me conta tudo. Ainda acho que é sonho.
— Não é sonho.
Pego minha mala e entramos na casa. Como senti falta de vir aqui. Tudo
tão acolhedor e alegre.
— Ficando aqui? — pergunto com a voz ainda embargada pela emoção.
— Vendi a casa da cidade. Aqui sempre foi meu lar. Gosto desse sítio,
dessas terras. Dê-me mais um abraço!
Ficamos abraçadas por um tempo, em silêncio. Apenas curtindo este
grande momento. Como senti falta disso.

Estamos na cozinha. Ela me serve café e bolo.


— Como veio? Estou curiosa. A bruxa jamais deixaria.
— Não diga isso. Eu saí de casa. Aconteceram tantas coisas.
— E eu não sei? Querida, meus sonhos e sexto sentido não falham. E por
falar nisso, coma bastante precisa se alimentar direito.
— Vó, sempre achou que eu era magrinha demais?
— Não é por isso. Mas não é assunto para agora. Então me conte tudo.
— Aconteceram muitas coisas. Mas, para resumir, mamãe e eu brigamos
e eu saí de casa. Estou ficando em um hotel onde trabalho.
— Está trabalhando? Que alegria. Falei esses dias com suas tias e
falaram que temiam que algo ruim acontecesse, porque ajudaram a aprontar.
— Sim. Elas seguraram a minha mãe, junto com meu tio, para eu ter
mais liberdade. Quando mamãe descobriu, não gostou. E aí saí de casa.
— Que horror. Como ela pôde deixar você sair da casa? Minha vontade é
de dar uns tapas na fuça dela!
Sorrio. Vovó Esmeralda sempre foi assim, falava tudo o que vinha na
ponta da língua e sem medo. E sempre disse que tudo o que sonha ou sente
acontece, mas lembro de que papai duvidava muito disso e ela ficava bem brava.
Já mamãe nunca gostou desses papos dela. Dizia que ela queria se aparecer.
— Conte como está vivendo.
— Minha vida é uma delícia. Vivo no paraíso. Tenho meu sítio em terras
maravilhosas, cuido da minha horta, e dos meus animaizinhos, e claro que tenho
a ajuda de um rapaz que contratei há um bom tempo e outros funcionários.
Tenho uma vida excelente. Essa é a vida que pedi a Deus.
— Meu tio deu o endereço daqui. Depois de tanto tempo, imaginei que
teria mudado tudo, mas continua do mesmo jeitinho.
— Ah, minha menina, gosto daqui desse jeitinho. Sabe, outro dia a
vizinha do sítio ao lado, disse que não entendia por que eu não fazia uma bela
casa, porque ela não gostava dessa. A doida sabe da vida de todos, e sabe até que
possuo boas condições financeiras. Nunca vi pessoa tão fofoqueira que nem
aquela. Mas eu disse que quem tem de gostar sou eu. Se tem lugar com um
bando de gente intrometida é aqui onde moro.
Rio.
— A senhora não muda mesmo.
— Mudar pra quê? Sou feliz assim, menina. E tem mais, gosto de dizer
tudo assim na lata. Gostou? Amém. Não gostou, dorme que melhora. Outro dia
também fui no salão, e disse que queria meu cabelo roxo. A cabeleireira disse
que era loucura, que eu não tinha mais idade para isso... Que ranço peguei
daquela ali. Mandei ir pastar e bem longe. E ela não gostou não. Cada louca que
me aparece.
— A senhora é uma figura!
Olho para sua blusa escrito “Ranço”, e sorrio ainda mais.
— Olha eu falando apenas de mim. Diga tudo de bom que tem feito. Ou
sabe que não calo mais a boca. Já pensou em pintar seu cabelo de roxo?
Podíamos fazer. Seríamos gêmeas de cabelo.
Ela sorri.
— Não penso nisso não. Mas estou trabalhando em um hotel bem legal.
Conheci a praia, e tenho vivido tantas coisas legais!
— Não sabe o quanto fico feliz e grata a Deus por isso. Me sentia tão
inútil, por não poder agir. Sua mãe não me queria por perto. Eu descobri onde
moravam, suas tias e seu tio me falaram, mas sabia que se aparecesse poderia
piorar tudo... Minha netinha, eu senti tanto sua falta. Rezo todos os dias por
você. Meu coração estava tão apertado. Mas nos últimos dias sentia alegria ao
meu lembrar do seu rostinho. Está tão linda... Coma! Eu já disse que está
magrinha?
Levo o café aos lábios, e em seguida um pedaço de bolo.
— Não era inútil. Eu entendia e entendo a situação complicada, que a
senhora, minhas tias e meu tio estavam.
— Pois é... Ela não era assim... Mas não é assunto para agora. Quero
curtir muito sua presença. Fica até quando? Não estou expulsando, mas assim
posso saber quanto tempo tenho para te engordar.
Sorrio.
— Só até amanhã. Preciso retornar. Tenho trabalho.
— Tudo bem. Agora que sei que poderei te ver sempre, isso me deixa
mais tranquila.
— Senti muita saudade! — falo e ela me aperta, e por pouco não caio da
cadeira.
Escutamos barulho na porta e olhamos.
— Oi, meu menino. Viu minha netinha?
É o rapaz que me recebeu. Ele é muito alto, se bem que sou baixinha,
qualquer pessoa perto de mim é alta. É bonito também, com uma pele bronzeada,
cabelos loiros e um pouco compridos e olhos claros. Mas o que chama a atenção
é seu olhar e as roupas que marcam seus músculos.
— Vim conferir. Ela disse que é neta da senhora, mas como nunca...
— Ah, já falei dela para você. Não se faça de doido. Depois que eu digo
que nunca me escuta, fica bravo!
Ele sorri para ela.
— Raquel, este é Benjamin. Ele trabalha aqui tem um tempo, e se tornou
um bom ouvinte e cuidador de idosos.
— Não diga isso. A senhora tem mais disposição que eu.
— Te garanto que não penso isso depois dos sons vindos do lago e a loira
saindo toda sem jeito. Menino, toma jeito!
Tenho certeza de que estou parecendo um pimentão de tão vermelha.
Minha avó me solta e esfrega as mãos.
— Vou preparar um jantar maravilhoso para hoje. Benjamin preciso que
compre umas coisas no mercado.
— Claro.
Ele parece ser bem sério. E evita muito me olhar.
— Vou preparar uma listinha, e se reclamar da minha letra corto sua
língua.
Ela pega papel e caneta e começa a escrever. Assim que termina a
listinha, que parece uma Bíblia, entrega a ele, junto do dinheiro que pegou
dentro de um recipiente em cima da geladeira. Ela protege o dinheiro de uma
forma muito estranha.
— Vá até o mercado e leve Raquel. Assim ela vê mais da cidade que
mudou muito, agora tem mais idosos. — Ela ri e acabo rindo.
— Levar ela?
Ele me olha e paro de rir.
— Sim. Tem outra Raquel aqui? Ande. Vão logo!
— Vó, é melhor não...
— Deixe disso. Vão logo!
Ela me puxa da cadeira.
— Quanta delicadeza.
Ajeito minha roupa e sorrio. Ele começa a sair e sigo ele. Eu estou
pensando seriamente em pular do carro em qualquer esquina. Que Deus me
ajude!

Estamos no carro. E ele não fala nada. Pelo visto não gostou de mim, e
ele nem me conhece. Meu celular vibra e pego em meu bolso. É uma mensagem
do Téo.

Oi, minha Santinha. Já chegou no lugar secreto? Estou preocupado. Me liga.


Sorrio.
— Não sei o seu lado da história, mas aquela mulher não merecia viver
angustiada por tudo. Se veio para sumir mais uma vez da vida dela, melhor cair
fora logo e não deixar ela se acostumar. Dona Esmeralda é como uma mãe para
mim, ela me ajudou muito e não irei permitir que aqueles que são da família dela
façam ela sofrer novamente — ele é bem duro com as palavras.
Estaciona o carro e desço rapidamente. Ele para ao meu lado depois de
alguns segundos.
— Olha não sei o que pensa, mas não conhece a minha história. Não sabe
o que passei até aqui. Então se não gosta de mim, tudo bem, mas já cansei de
todos virem com pedras e tijolos para cima de mim. Eu cansei de ser sempre
humilhada e maltratada. Eu amo a minha avó, e jamais desejei que ela sofresse,
assim como eu também não desejei isso para mim. Se ela te contou algo sobre
nossa família, deve ter entendido muito bem que existiu apenas um culpado na
história, então não me julgue. Se há algo que cresci ouvindo e hoje compreendo
mais do que nunca que é o correto, é jamais julgar as pessoas, porque não somos
Deus.
Ele suspira.
— Me desculpe. É que aquela mulher chorou muito e não merecia. Ela se
faz de forte e divertida, mas não é a verdade. Desculpe te ofender, mas ela é a
única pessoa que tenho, e não suportaria ver ela como antes. Hoje em dia, ela
está bem melhor.
Respiro fundo e olho para o céu azulado e em seguida para ele.
— Tudo bem. Começamos com o pé esquerdo. — Faço uma pausa e
continuo: — Prazer, sou Raquel Pereira. — Estendo a mão para ele, que retribui.
— Benjamin Hernandes.
Sorrimos.
Era só o que me faltava, mais um bipolar em meu caminho, já bastava
minha mãe.
— Vamos, a lista é bem grande, e confesso que raramente entendo o que
ela escreve.
— Tudo bem. Podemos tentar decifrar juntos. Te ajudarei com a compra.
Ele entrega a listinha.
— Está fácil. Com um pouco de esforço e paciência entendemos tudo.
— Esforço eu tenho, já a paciência...
— Percebi — digo baixinho.
Entramos no mercado e pegamos um carrinho, e fomos à procura de tudo
da lista.

Estamos no corredor de doces, porque ela pediu umas coisas para a


sobremesa também. Benjamin é legal. É divertido as vezes, porém realmente tem
zero paciência.
Apoio-me no carrinho e meu celular toca. Que estranho ter esse treco
agora. É o Téo.
— Oi.
— Até que enfim consegui falar com você. Chegou aonde quer que seja?
Sorrio.
— Sim. Cheguei. E estou bem.
— Porra, não me deixe preocupado mais. Vai voltar amanhã?
— Sim. Amanhã irei retornar. Não se preocupe.
— Difícil. Você some, e não me diz para onde, então sim, eu fico
preocupado.
— Não precisa. Estou em um lugar tranquilo e seguro.
— Estou ouvindo a tranquilidade — diz com ironia. — Que barulheira é
essa?
— Estou no mercado.
— Não vai me dizer onde está?
— Depois, eu prometo te contar.
— Por que tanto mistério?
— Não é isso. Só que tenho medo de dizer em voz alta, e a realidade ser
mais intensa, por declarar o porquê vim aqui.
Benjamin se abaixa e procura por algo na última prateleira.
— Olha, Raquel, ouvi dizer que ajudaria! — Benjamin resmunga.
Téo logo volta a falar:
— Quem está com você?
— Benjamin. Um quem sabe amigo, ou não. — Sou sincera.
— E você diz assim, nesta calmaria? Quem caralho é Benjamin?
— Olha a boca, Téo! Está tudo bem. Mais tarde nos falamos. Estou
ocupada.
— Ótimo. Está com um idiota e ocupada. Ajudou muito!
— Não pense besteira. Preciso desligar agora.
— Não estou gostando disso, Raquel. Porra, se eu morrer do coração a
culpa é sua!
Rio.
— Não vai morrer.
— Sei... Mais tarde nos falamos então. Beijos, e se cuida, ficando longe
desse homem que já não gosto sem conhecer.
— Tudo bem. Beijos.
— Te amo, Santinha, nunca se esqueça disso.
— Téo, eu vou voltar, não diga coisas assim com este tom de medo. E eu
também amo você.
— Tudo bem. Beijos.
— Beijos. — Desligo.
Coloco o celular no bolso e Benjamin vem até o carrinho com uma lata
de leite condensado.
— Espero que seja isso. Ou culparei você, que não ajudou.
— É sim. Eu acho.
— Bom, falta muita coisa ainda, vamos.

Assim que chegamos, minha avó já foi organizando tudo para o que vai
preparar. Não quer minha ajuda. Disse para eu ir descansar, que preciso muito.
Ela diz umas coisas bem estranhas. Enquanto estávamos no mercado, ela
preparou um quarto para mim, e está muito fofo e aconchegante. Troco a roupa
por um short e camiseta. Deixo o celular no criado-mudo e calço o chinelo e
desço. Não estou cansada.
— Vó, posso dar umas voltas pelo sítio?
— Claro! Mas não quer mesmo descansar?
— Não. Estou bem.
— Aproveite, porque, quando desejar descansar e tudo incomodar, vai
querer ter descansado antes.
— Quê?
— Apenas acredite no que eu digo.
— A senhora fala umas coisas estranhas.
— Querida, sempre digo que meus sonhos e sexto sentido não falham.
Ah, e seu tio ligou aqui para saber de você. Eu disse que chegou bem.
— Ótimo. Agora vou dar umas voltas por aí.
Ela concorda e saio da casa.

Quando eu era mais nova, nós sempre estávamos por aqui, porém tudo
mudou. As implicâncias que minha mãe tinha com a minha avó aumentaram em
um grau tremendo, então nos afastamos de vez, e acabou vindo a mudança de
casa, a morte do meu pai, muitas coisas mudaram ainda mais e para pior.
Entretanto, em todas as lembranças que tenho do passado, não consigo encontrar
uma em que minha mãe tenha sido diferente. Ela apenas piorou com o passar do
tempo. Quando meu pai faleceu... Nossa, piorou muito mesmo.
Caminho até o rio, que tem uma vista maravilhosa, com entrada em uma
pequena caverna. Bom, tinha, não sei se mudou. Gostava muito deste lugar.
Sempre gostei de todos os lugares que me fizessem enxergar outras coisas, e sair
da mesmice. Aproximo-me e já posso escutar o barulho da água. Apoio uma das
mãos no tronco da árvore, e observo a paisagem, que nada mudou. A beleza que
a natureza proporciona é sem igual. É esplêndida. Sento encostada na árvore e
cruzo as pernas. Fecho os olhos por um instante e é delicioso o vento, o cheiro, o
barulho. Tudo é encantador.
Tento limitar minhas lembranças apenas as coisas boas. Então lembro dos
sorrisos do meu pai, e das doidices da minha avó Esmeralda. As brincadeiras das
minhas tias e os sermões muito engraçados de meu tio, quando elas aprontavam
muito. Faço uma linha do tempo imaginária, e então coloco outra pessoa em
diversos momentos especiais: o Téo. Seu jeito de ser, seu modo único de me
deixar tímida, nossos beijos e nossos momentos de amor. A praia também está
marcada nesta linha do tempo. Tudo é tão prazeroso e especial. Deus me
abençoou com momentos tão maravilhosos, que são capazes de camuflarem os
ruins. Depois de tantas lágrimas, hoje posso ter momentos de felicidade. E para
fechar com chave de ouro toda essa retrospectiva, vem o reencontro com minha
avó. Seu abraço e seu cheirinho, além de suas palavras, me causaram tanta
saudade. Porém, existe um tempo determinado para todas as coisas, e o tempo de
revê-la chegou, porque este caminho um pouco confuso me guiou até aqui, para
ela, que tanto tentaram me afastar. Lágrimas repletas de emoções escorrem por
meu rosto e não enxugo. Deixo serem livres para percorrerem minhas bochechas
e caírem sejam em minhas pernas, ou em meu peito, não importa, só deixo elas
serem livres.
— Sabe, dizem que quando choramos os anjos presentes recolhem cada
gota para transformá-las em bênçãos futuras.
Abro os olhos e sorrio. Benjamin se senta ao meu lado e retira o chapéu
que antes não usava.
— Belas palavras.
— Fui muito religioso um dia, hoje estou em falta, mas o que importa é
ainda ter fé, mesmo que pouca e guardar Deus sempre no coração.
— Sim.
— Está tudo bem? Sou um bom ouvinte. Escuto os xingamentos e as
fofocas de sua avó todos os dias.
— Estou sim. Apenas relembrando algumas coisas.
— Com licença. — Ele enxuga meu rosto com carinho. — Não sou um
anjo, mas não gosto de ver ninguém chorar.
— Não foi choro de tristeza.
— Isso é bom então. Sua avó falou muito sobre você. Mas, que tal você
me contar mais? Não sobre toda a história da família, que já sei devido a tudo
que Esmeralda contou. Quero saber quem realmente é a tal Raquel, que ela tanto
fala.
Olho para o rio e então torno a olhar para ele.
— Não tem muito para saber. Digamos que estou vivendo agora.
— Sempre temos o que contar. Vamos lá. Monte sua biografia, em três...
dois...
Rio.
— Tenho vinte anos, e estou morando em um hotel.
— Que chique. Essa biografia pelo visto vai humilhar a minha. Porém
continue.
— Trabalho nesse hotel.
— Começamos a falar a minha língua.
— Fui meio que expulsa de casa e então o filho do meu chefe deixou eu
ficar no hotel e agora meu próprio chefe autorizou. Acho que é só. Eu disse que
não tinha muito para dizer.
— Do que gosta? E sua vida amorosa? Vamos lá! Duvido que não tenha
tanto para dizer sobre você.
— Gosto de tudo que me faça sorrir naturalmente. Gosto de comer sem
medo, e também aprecio o frio. Descobri que gosto também de cores mais
escuras e de usar maquiagem. Quero fazer faculdade, e também descobri outra
coisa: gosto de organizar tarefas, verificar as coisas para ver se estão em ordens,
mexer com números, estar sempre em dia com tudo. Gosto da parte
administrativa. Descobri trabalhando neste hotel. E sobre minha vida amorosa,
comecei ela agora. Estou namorando.
— Uau. Viu só, como tem coisas para contar? E acredito que a faculdade
que quer fazer é administração.
— Sempre tive dúvidas, mas agora é... Acho que é isso sim — respondo
animada.
— Pela sua animação é isso mesmo.
— Agora é sua vez.
— Vixe, minha história dá um livro. Não conheci meus pais. Eu vivi em
um orfanato até os meus dezoito anos, logo após, com um custo que eles
forneceram, saí de lá e busquei abrigo e emprego em todos os lugares. Trabalhei
como garçom, dançarino de boates, e não tenho vergonha de dizer, que até me
prostituí. Porém, o tempo passou e toda essa vida não estava me levando a nada.
E eu precisava encontrar algo fixo. Então consegui um emprego em uma fazenda
próxima, e fiquei um tempo por lá e entrei para faculdade, só que o dono da
fazenda morreu e os herdeiros me mandaram embora e venderam as terras do
pai. Voltei à estaca zero, e com a preocupação de ter que trancar a faculdade.
Mas sua vó saiu espalhando que precisava de um funcionário que ajudasse nas
tarefas em geral, o salário seria bom. Não pensei duas vezes e me candidatei. Ela
me contratou na mesma hora, disse que eu era inteligente e tinha um rosto
bonito, e ela estava cansada de ver apenas rostos feios e de velhos, pois bastava
o dela, e foi assim que vim parar aqui. Antes mesmo dela vir morar aqui, eu já
trabalhava aqui.
— Nossa! Estou sem fôlego com toda essa trajetória. E a faculdade,
continuou?
— Sim. Terminei. Sou veterinário, mas aqui não tem muitos animais,
então atendo os das fazendas e sítios da cidade, e trabalho aqui ajudando sua avó
com tudo.
— Desculpa perguntar. Qual a sua idade?
— Trinta e dois anos.
— Que história! A minha se tornou nada.
— Não diga isso. A história de todos tem importância, pois cada um sabe
o caminho e as dores que enfrentaram. O que para mim pode ser pouco, para
você pode ter sido muito.
— Verdade. E a vida amorosa?
— Não tenho ninguém. Nada contra relacionamentos, mas não encontrei
a pessoa certa. Então é um sexo aqui, outro ali... Porém, algumas mulheres têm
preconceitos por saberem quem eu fui, e outras querem apenas sexo, pelo
mesmo motivo. Nesta cidade, as notícias correm.
— Uma hora vai aparecer uma pessoa especial, que não vai ligar para
quem foi, até porque é passado, e mesmo que fosse sua realidade, não cabe a
ninguém julgar. As pessoas precisam parar de pensar que são Deus!
— Concordo. Eu fiz a merda de te julgar hoje e me arrependo.
— Já passou. Agora entendo ainda mais a proteção que tem por minha
avó.
— Queria protegê-la mais, mas não deixa. Sua avó é doida! Sai
distribuindo dinheiro para todos que pedem, e muitos contam histórias dignas de
novelas mexicanas, e no final, é tudo invenção. As pessoas se aproveitam por ela
ter boas condições. Porém, tenta dizer qualquer coisa a ela...
— Minha avó sempre foi assim. Papai ficava bravo também. Mas Deus
sabe que ela faz de coração e que, se alguém pede na maldade, ela não tem
culpa.
Ficamos conversando sobre várias coisas e ele me conta todas as
loucuras que minha avó já o colocou.

Retorno para casa e minha avó está ainda preparando o jantar. Parece que
está fazendo comida para um batalhão, mas não irei questionar.
— Gostou do que viu?
— Sim. Continua lindo aqui. — Sento na cadeira.
Ela mexe na panela, que está no fogão, e abaixa o fogo. Lava as mãos e
se vira para mim, encostando-se à pia.
— Sua inquietude está me deixando louca. Após o jantar, nós sentaremos
na varanda, e então contarei tudo o que desejar. E tenho certeza de que poderá
dormir com muito mais tranquilidade esta noite.
— Vó, eu não vim apenas em busca de respostas. Senti sua falta também.
— Claro que sentiu. Sou maravilhosa.
Sorrimos.
Fico olhando para ela e não resisto, corro para seus braços e a abraço.
— Oh, que amor! Amo tanto você, pequena.
— Também amo a senhora.
Ela acaricia meu cabelo.
— Tudo dará certo.
— E se tudo der errado?
— Se tudo der errado, então recomece, porque temos muitas histórias
para contar de nossas vidas ainda. Enquanto respirarmos, existirá novos
recomeços.

Sinto como se estivesse vivendo a vida de outra pessoa
É como se eu acabasse de sair
Quando estava indo tudo bem
E eu sei exatamente porque você não poderia
Vir junto comigo
Isto não era o seu sonho
Mas você sempre acreditou em mim
—Michael Bublé “Home”

Raquel Pereira

Após o jantar, ajudei minha avó a limpar a cozinha e ela continuou


contando sobre as loucuras que são seus vizinhos, o que me fez rir em muitos
momentos. Sempre gostei da forma como ela conta as histórias, ficam
engraçadas e te fazem ficar atenta querendo saber o final. Agora estamos na
varanda, e se antes eu estava completamente tranquila, agora estou ansiosa, e se
eu pudesse andava de um lado para o outro, mas ela poderia achar que estou
ficando doida, o que não duvido diante de tantas coisas que vem acontecendo.
Beberico um pouco do suco, e ela faz o mesmo com seu café. A noite é
fresquinha, e os barulhos de grilos ao fundo é gostoso de ouvir. Um cavalo
relincha vez ou outra, e ela diz que ele é assim mesmo, mal-humorado como o
dono dele, Benjamin. Coloco meu copo no espaço que tem no altinho da
varanda.
— Algumas pessoas preferem o dia. Mas talvez nunca tenham estado
aqui de noite com o céu tão estrelado. É linda a noite.
Olho para o céu e não posso discordar dela. Realmente é lindo.
Ela coloca a xícara no mesmo lugar que eu coloquei meu copo. Estende
os braços nas laterais da cadeira e me olha.
— Para entender as histórias, temos que começar a ouvi-las do início,
mas a sua é diferente. Precisamos iniciar do presente, e depois ir para o passado.
Franzo o cenho e talvez uma interrogação imaginária tenha surgido em
meu rosto, porque ela sorri.
— Elisângela é uma pessoa egoísta, que olha apenas seu lado da história.
Essa mania dela de proibir você de fazer tantas coisas, e te criar dentro de uma
redoma de vidro, em partes foi culpa de todos nós. Cada um teve sua parcela de
culpa, porém foi mais fácil para todos jogarmos a culpa apenas nela. Até Benício
teve culpa.
Só por citar o nome de meu pai, sinto um aperto grande de saudade.
— Por que diz isso? Sempre tentaram me ajudar.
— Nunca o suficiente. Fomos medrosos e deixamos a situação chegar
aonde chegou. Quando sua mãe se casou com seu pai, ela mudou
completamente, e todos percebemos, mas nunca fomos ajudá-la. Então tudo foi
piorando. Ela te afastava de todos, e logo depois foi embora com você e seu pai,
e não demorou para eu receber a notícia do falecimento dele. Se hoje você é
livre, não foi porque seus tios te ajudaram. Foi porque você teve forças para
fazer isso sozinha, eles apenas deram um empurrãozinho.
Ela cruza as mãos e brinca com os polegares.
— Você precisa entender que a sua liberdade hoje, não foi por nossa
causa. Mas a sua prisão sim. Agora vamos ao passado.
Sinto um arrepio pelo corpo.
— Seus pais se conheceram muito jovens. Foram anos de namoro. Sua
avó Elenice era exatamente como sua mãe, ou até pior. Não aceitava de jeito
nenhum o namoro dos dois. Ela queria que a filha fosse freira, e tornava a vida
dela um grande e horrendo inferno. Humilhava sua mãe de todas as maneiras.
Pedia a padres para rezarem por ela, porque alegava que tinha demônios. Tudo
pelo fato dela nunca querer ser a louca religiosa que sua avó materna era. Suas
tias e seu tio seguiam o que ela pedia, mas pelas costas eram terríveis, porém ela
não sonhava com isso. Já sua mãe batia de frente. Não aceitava o modo como era
tratada. Para ter ideia, apanhava na rua, era envergonhada na porta do colégio, e
a cada dia piorava.
Fico boquiaberta. Nunca me contaram isso da minha avó materna. Só
que, após a morte dela, minha mãe pirou e quando meu pai faleceu ficou ainda
pior.
— Se ela visse seus pais juntos, só faltava sair morte. Ela era uma louca
que se dizia religiosa. Julgava a todos, e condenava milhares. Não me suportava.
Eu frequentava a igreja com Benício, mas nunca fui doida como ela. Deus me
livre de ser assim. Mas o tempo foi passando, e a cada dia sua avó perdia o
controle sobre sua mãe. Elisângela queria saber de festas, bares, sair com amigos
e ficar colada ao seu pai. As roupas que ela julga, usava piores na época. Sua
mãe nunca foi santa.
Ela se ajeita na cadeira.
Estou completamente chocada com tudo o que estou ouvindo. É como se
ela estivesse falando de uma mulher que nunca conheci, e que na verdade é a
minha mãe. Como se fossem duas caras.
— Agora vem a melhor parte. Sua mamãe santinha casou-se grávida de
você! E este casamento só aconteceu, porque sua avó descobriu, e obrigou que
casassem, sem ninguém saber da gravidez. Só que eu nunca fui tonta, e jamais
errei quando disse que alguém estava grávida, pois meus sonhos jamais estão
errados.
Levanto da cadeira. Estou agoniada. Encosto na parede e cruzo os braços,
ouvindo tudo.
— Quando eu descobri, fui até a casa da doida da sua avó e disse que
meu filho jamais se casaria sendo forçado, mas o tonto do seu pai disse que faria
isso por sua mãe. Ambos se amavam muito. E o casamento mais ridículo da
história aconteceu. Porém, desgraça nunca vem pouca, e não seria diferente
conosco. Sua mãe passou muito mal na hora do casamento e veio a desmaiar.
Um médico conhecido foi chamado ao lugar, e não pudemos mais ficar caladas.
Tivemos que dizer na frente de todos que ela estava grávida. O padre que
celebraria a união quase morreu do coração, pobre homem. Foi um falatório para
todos os lados, porque toda a cidade provocava sua família, e aquilo era um
tremendo escândalo para uma família que se dizia a mais religiosa. Como se
tudo já não fosse o bastante, sua mãe acordou enquanto estava sendo carregada
pelos paramédicos, da ambulância que o médico chamou, e foi humilhada por
todos, e por culpa da sua avó, que resolveu chamar o mundo para aquele
espetáculo.
Não pode ser verdade. Minha mãe não foi essa pessoa que minha avó
está dizendo.
— O casamento aconteceu de forma simples dias depois. Mas sua mãe
ficou com o nome mais manchando do que já era na cidade, e teve que ir morar
em outro estado, que é o que está hoje. Porém, ela colocou na cabeça que teria
sua reputação intacta novamente, e mudaria totalmente seu jeito, e foi o que
aconteceu. Sua avó ficou muito doente, e sua mãe teve de retornar à cidade para
ajudar a cuidar dela. E voltou de um modo que ninguém jamais imaginou. Você
já tinha nascido, era ainda bebê. E ela uma louca como a mãe. As roupas curtas,
maquiagens escuras e acessórios, não existiam mais. Seu pai virou um grande
submisso dela, e o inferno que achávamos que teria encerrado quando sua avó
veio a falecer, na verdade estava tendo um novo recomeço. Sua mãe começou a
ficar louca, para ser sincera. E tudo para limpar as humilhações que sofreu.
— Então, tudo o que hoje despreza, ela fez pior? E ela ficou assim por
minha culpa? Por que ficou grávida de mim?
— Não diga isso! Ela ficou louca porque sua avó a desprezou, e a
humilhou muito. Ela ficou assim, porque nós que podíamos ter dado apoio
quando a cidade resolveu chamar ela de “vadia religiosa”, não fizemos nada.
Quando todos vimos que ela estava criando você de forma absurda, não
impedimos, mas batemos de frente, e pessoas assim não se resolve agindo da
mesma forma que elas. Nunca se culpe, porque criança alguma tem culpa de
qualquer coisa, pois não pede para nascer.
Volto a me sentar, e fico inconformada.
— Ela julga tanto as pessoas. Condena até mesmo nós familiares, mas
era pior, e ao invés de ajudar quando erramos, apenas condenava. Ela sofreu com
tudo isso, e me faz o que a minha avó fez com ela? Que mãe que sofre, e quer
que o filho também sofra? — Meus olhos ardem pelas lágrimas que começam a
cair.
— Que mãe faz isso? Muitas. Cada pessoa lida com as dores e as
humilhações de um jeito. Ela escolheu lidar com tudo o que passou, fazendo
outras pessoas passarem, no caso você.
— Fale mais de como ela era.
— Bom, ela bebia como se não houvesse amanhã. Fumava. Roupas para
ela, quanto mais justas e curtas eram as melhores. Saía com muitos homens, e
isso tudo sendo nova, viu! Até que conheceu seu pai. Ela diminuiu o ritmo das
coisas, e só saía com ele, mas era uma pessoa alegre. Sua avó a espancava na
rua, para todos verem. Chamava-a de possuída. Uma vez a deixou trancada em
casa, enquanto viajou com seus tios, e eu tive que ir lá chamar um chaveiro e
tirar sua mãe de casa. Quantas vezes acertou o rosto de sua mãe para todos
verem! Eram absurdas as coisas que Elenice fazia.
Mais lágrimas escorrem de meus olhos, porque me lembro do tapa que
minha mãe me deu no rosto. Ela reproduziu muitas coisas do passado.
— Sua mãe começou a pegar raiva de mim, porque eu não aceitava o que
ela fazia com você, e dizia que imitava a mãe. Entretanto, nunca sentei e
conversei com calma. O único que tentou foi seu tio, mas já era tarde para
fazermos qualquer coisa. Deixamos tudo ir longe demais. Às vezes, refletindo,
penso que talvez ela faça tudo isso com você, com medo de se tornar o que ela
era, e que todos te humilhem como fizeram com ela, e que tenha que sair
correndo de sua cidade.
— Eu realmente não sei quem é minha mãe. Tudo é tão confuso. Não
consigo aceitar que ela tenha feito comigo tudo o que a mãe fez com ela. Por que
me fazer pagar com a mesma moeda? Poderia ter sido diferente. Eu hoje poderia
ser uma pessoa diferente. Mas não, sou o reflexo dela no passado. E nunca
ninguém quis me contar a verdade. Talvez fosse mais fácil se desde o início eu
tivesse compreendido o que aconteceu a ela. Mas... Meu Deus!
— Agora entende por que todos nós fomos culpados? Escondemos este
fato. Não ajudamos de forma correta vocês duas. Fomos também parte desse
erro. Eu sempre tive boas condições, poderia ter levado ela em psicólogos, não
sei, mas nunca fiz. Sempre achei que gritar, e jogar tudo na cara dela, era a
melhor solução. Todavia, o que importa, é que ela nem sempre foi assim, e hoje
ela faz com você o que um dia foi feito a ela.
— Só que antes dela ser assim, viveu. Eu não. Ela não me deu essa
chance.
— O maior medo de seu pai era esse. Que, quando soubesse de tudo,
deixasse a raiva dominar seu coração.
— Não é raiva. É tristeza, vó...
Ela balança a cabeça, concordando.
— É lembrar-se de tudo, e perceber que nunca conheci minha mãe de
verdade. Que tudo é uma farsa, ou não, já não consigo entender mais nada.
Ninguém me deu chances de entender. Isso foi parte da história da minha
família, e ocultaram isso. Além de tristeza, estou chateada com vocês. Se
tentaram me proteger, não perceberam que se tivessem dito a verdade sobre tudo,
hoje eu não estaria aqui em busca de respostas, porque estaríamos todos
próximos, e lutando pela melhora da minha mãe. Sinto-me uma inútil neste
momento, porque depois de ouvir tudo isso, é como se eu não fosse capaz de
fazer nada pela minha própria mãe, já que viveram a vida me protegendo da
verdade. Deus... Meu tio, que prega a verdade vinte e quatro horas, fez parte
disso tudo também.
— Sempre soube que éramos errados, pequena! Fizemos de você uma
mocinha frágil, quando na verdade era mais forte do que todos nós juntos, que
sempre fugíamos de sua mãe, e você se manteve firme ali.
Levanto novamente, e limpo meu rosto com as mãos. Ela me olha
entristecida.
— Preciso ficar sozinha por um tempo. Preciso refletir sobre tudo isso,
porque pode não parecer para vocês, mas isso muda toda a história.

Entro na casa e vou para o meu quarto. Deito na cama e fico ali chorando
baixinho. Não sinto raiva, mas sinto tristeza por terem me escondido algo
importante sobre tudo o que vinha vivendo. Converso com Deus, o único que
nunca me escondeu nada, ou me desamparou em algum momento. Ele é o único
capaz de compreender o que sinto dentro de mim, e a vontade que tenho neste
momento é de não voltar mais, e de dar um reset em minha vida para começar
tudo do zero. Tenho a sensação de que voltar será o mesmo que encarar tudo o
que me esconderam mais uma vez. E tem tristezas que não queremos sentir duas
vezes. Talvez se eu tivesse com raiva, seria mais fácil de curar. Mas é tanta
tristeza sendo acumulada durante anos, que parece que essa foi a quantidade
exata do que faltava, para meu coração se apertar de vez. Foram vinte anos de
uma parte importante da minha vida sendo escondida. E agora me sinto culpada
também, porque de uma forma ou outra, julguei também minha mãe em
pensamentos. O “se” não sai da minha mente.
Se tivessem me dito a verdade antes, será que eu conseguia ajudá-la?
Se tivessem me dito a verdade antes, será que eu seria diferente?
Se... Se... Se...
Impossível não focar nisso. Somente quem já teve sua história toda
alterada, em questões de minutos, sabe do que falo. Sabe o que sinto. A dor para
cada pessoa é encarada de uma forma. Atitudes como a da minha avó Elenice,
para uns poderia ter sido nada. Mas para a minha mãe foi tudo. Eu poderia ter
sido como ela, mas Deus nunca permitiu. Lembro-me da frase de Roberto
Shinyashiki, que minha tia Noemi me disse um dia: “É importante entender que
o sofrimento quase sempre é uma opção individual”. É verdade. O sofrimento é
uma opção individual. Cada um o encara de um modo. Cada um oculta sua dor
de um jeito. Minha mãe escolheu o dela, bem péssimo, mas foi a sua maneira de
talvez diminuir as humilhações pelas quais passou.

Agora há pouco acabei de te deixar
Frio na barriga
Será que tá fazendo o que eu tô pensando?
Não
Me trocou por um fulano
Não acredito me trocou por um fulano
Como é possível acabar com nossos planos?
— Thaeme e Thiago “Em poucos dias”

Téo Lima

Desde que saímos da casa dos meus pais, eu estou com um misto de
ansiedade e nervosismo. Meu pai quis conhecer tudo o que fiz, e hoje. Não tive a
chance de adiar. E foi melhor assim. Pelo menos acaba logo essa tortura
sentimental que vem há tempos me consumindo. Deixo a Catarina em seu
quarto, enquanto mostro tudo a ele.
— Vai enrolar muito para abrir essa porta? Consegue fazer mais drama
do que sua mãe!
Ele retira minha mão da maçaneta e então faz todo o “serviço” sozinho.
Abre a porta sem cerimônia e tateia a parede até que encontra o interruptor e
acende a luz. Encosto no batente da porta e ali eu fico. Levo minhas mãos aos
bolsos da calça e observo atentamente seu caminhar. Meu coração não está
calmo. Porra, depois de anos brigando por isso, agora ele quer conhecer, é óbvio
que eu ficaria nervoso.
Caminha lentamente observando as imagens nas paredes. Parece que o
tempo está em câmera lenta. Estou ansioso para questioná-lo sobre sua opinião,
mas me contenho. Devo ter puxado a ansiedade de minha mãe também. Merda!
Ele começa a olhar as imagens nos quadros do chão, e para próximo as que tirei
da Raquel — ainda não coloquei na parede, pois quero um lugar especial — e
um sorriso surge de seus lábios. Retiro as mãos do bolso e cruzo os braços,
fazendo o mesmo com as pernas. Estou agoniado. Preciso de uísque e charuto.
Preciso de comida. Preciso de qualquer coisa que encerre este maldito
nervosismo.
Começa a ir em direção as imagens de uma viagem que fiz para Dubai.
Retratei as pessoas que ali vivem. Captei a naturalidade de cada uma delas.
Quando se fala deste lugar, as pessoas têm na mente riquezas, e eu queria fugir
disso. Busquei olhares puros, e gestos humildes. Todas as fotos foram
autorizadas pelos “modelos”, porque imaginei que, se um dia eu fizesse qualquer
exposição, elas estariam na lista para mostrar a todos.
Ele me olha e sua expressão é de surpresa. Sem dizer nada vai até uma
cadeira que deixei, e nela tem uma caixa preta. Está aberta e foi um convite para
ele retirar o álbum de dentro. Quando abre, parece que o meu coração vai saltar.
Nunca mostrei a ninguém, e quando digo isso é realmente ninguém. Ele abre e
começa a olhar com uma grande paciência cada imagem. Não resisto e me
aproximo. Apoio uma mão sobre o encosto da cadeira, e ele me olha
rapidamente, e torna a olhar o álbum.
— Quando tirou essa? — pergunta sorrindo.
— Foi quando o senhor retornou da viagem da Itália com a mamãe, e foi
diretamente ao hotel, pois soube que mais uma funcionária havia se demitido e
feito um escândalo por minha causa.
— Claro, me recordo agora. Lembro que fiquei bravo, pois estava com a
câmera e ficou fazendo fotos. Pensei que fosse brincadeira.
— Seu estresse o torna um bom modelo.
Sorrio.
Na foto, ele está puxando a gravata para retirá-la, enquanto a outra mão
está agarrada aos cabelos, que agora noto estar em menor quantidade. Estou
fazendo o homem perder os fios grisalhos. Porém, culparei Hannah.
Ele passa para a imagem seguinte e meu sorriso se alarga.
— Que bela imagem. Ela já viu?
— Nunca ninguém viu essas fotos... Até agora.
— Muito linda mesmo.
Samira estava grávida de cinco meses. Se achando enorme, e se irritava
por tudo. Recebi a ligação de sua mãe, que estava aqui na cidade, e me
confessou que não sabia mais o que fazer, porque a filha só chorava. Lembro que
eu iria para mais uma viagem. Cancelei na mesma hora, e fui até ela. Pedi para a
mãe dela sair, e ela o fez. Ficamos apenas nós dois. E eu sabia do que ela
precisava. Deixei que me xingasse, insultasse e até me desse uns tapas. Quando
toda sua raiva passou, pedi para entregarem todas as besteiras que ela gosta de
comer — o médico soube e quase me matou — e ela se deliciou, me negando
tudo, como sempre. Então tomou banho e colocou um vestido amarelo, justo,
que marcava bem sua barriga — ela engordou muito na gravidez —, e ela se
olhava no espelho enquanto sorria e chorava, alisando a barriga, e sem que ela
percebesse registrei o momento e guardei aquela emoção que ela sentia. Captei
aquele instante de calmaria. E desde aquele dia tripliquei minha paciência
quando se tratava dela. Sempre fomos muito amigos, antes de mais nada, e
Samira sempre foi muito sentimental, e na gravidez, o único a entender seus
choros, e suas iras, era eu. E pelo visto até hoje.
Ele olhou a outra foto, onde Hannah experimentava o vestido de noiva.
Feito sob medida. Eu a presenteei com ele, para o filho da puta fazê-la sofrer.
Mas não me desfiz da foto, porque aquele olhar, e o sorriso que ela exibia
enquanto alisava o vestido, faria qualquer um acreditar no tal felizes para
sempre. Até eu acreditei. Ela viu que eu tirei a foto, insistiu para ver como havia
ficado, mas não deixei, iria para a retrospectiva que a empresa contratada faria
no casamento, mas não houve a festa e tampouco mostrei a foto. Não queria e
não quero que ela lembre que algum dia acreditou naquele infeliz. Ela sofreu
muito, e não merece voltar a sofrer. Faz pouco tempo que o machucado em seu
coração parece ter melhorado e estar se fechando, e não quero que ele se abra
mais para doer novamente.
As seguintes fotos são da Catarina fazendo caretas, dormindo, ou fazendo
gracinhas e algumas de minha mãe sendo dramática até mesmo nas fotos.
Restando apenas um espaço vazio no álbum.
— Todas as minhas pessoas especiais estão aí.
— Falta uma, não? Tem até um lugar sobrando. — Fecha o álbum e o
coloca novamente na caixa.
Entendo a quem ele se refere e sorrio.
— Sabe, você tem me surpreendido. Cumpriu com sua palavra sobre a
Raquel, não a fez pedir demissão. Se apaixonou e pelo visto é bem sério desta
vez. Falou pessoalmente com Natanael sobre ocupar seu lugar no hotel. E
mesmo eu viajando fui informado que manteve o hotel sob controle.
Natanael foi o informante, tenho certeza.
Ele continua:
— E agora vejo isso. E só penso: Por que diabos não jogou essas fotos na
minha cara de uma vez? Meu filho, são perfeitas. Confesso que me controlei em
muitos momentos para não chorar. Pude sentir as emoções registradas nelas. Em
algumas, tive a curiosidade para saber o que a pessoa pensava, para estar com
aquela expressão. Téo, como eu pude prendê-lo deste talento por tanto tempo?
Talento, não. Isso é um dom.
O nervosismo, que vinha acompanhado da ansiedade, some, dando lugar
a alegria. Como eu desejei ouvir isso por anos. Eu poderia ter largado tudo há
muito tempo, e seguido com o que eu amava, mas não queria sem ter a
aprovação dele. Sempre busquei ter o apoio, e sua admiração. Eu queria ser um
orgulho para ele. E hoje, eu compreendo isso. Eu necessitava de sua atenção.
— Obrigado.
— Eu que tenho que agradecer. Obrigado por largar o hotel e provar que
fez o certo.
Puxa-me para um abraço. Meu pai nunca teve jeito para essas
demonstrações de carinho comigo. E é emocionante vê-lo tentando ser mais
solto quanto a isso. Com tapas leves em minhas costas, e um abraço bem
apertado, sou eu que controlo as emoções desta vez.
Nós nos afastamos.
— Vou te ajudar. O filho de um amigo lida com essas coisas de
exposições, eventos, tudo coisa grande. Trabalha para famosos, e já fez muita
gente desconhecida se tornar muito famosa. Quero que você tenha destaque. As
pessoas precisam ver toda essa maravilha.
— Pai, só quero poder seguir com isso. Não procuro fama.
— Tudo é uma consequência de nossas ações. Deixe eu ajudar, e se a
fama vir, apenas agradeça. Não pedi por fama, e olhe o que o hotel fez com
nosso sobrenome. Então apenas faça o seu melhor, e deixe as consequências
deste ato acontecerem.
Concordo com um gesto rápido da cabeça.
— Nesta viagem de negócios que fiz, falei com o pai dele. E me contou
que o filho está em Londres. Vou conseguir um encontro com vocês. O rapaz é
muito ocupado e sua agenda superlotada, mas darei um jeito. E confie em mim,
esta semana ou vai para Londres, ou este homem vem para o Brasil.
— Mais uma vez...
— Papai! — O grito da Catarina, faz com que eu saia às pressas. Meu pai
me segue.
— Pequena? — chamo por ela me aproximando de seu quarto.
Ela aparece na porta.
— O que houve, meu amor? — Abaixo à sua frente, procurando por
qualquer coisa.
— Estou com fome.
— Quer me matar do coração? Porra! — esbravejo nervoso.
— Vou contar para a mamãe que falou palavrão.
— Não vai não!
— Pensamos que era algo grave, Cate! — meu pai diz a ela.
— E é! Mamãe sempre diz que a fome é algo grave.
Levanto e respiro fundo. Sério, ela quase me matou do coração.
— Comeu bastante na sua avó, e ainda está com fome?
— Sou pequena, mas tenho uma fome enorme! — Estica os braços para
intensificar seu drama.
Meu pai sorri.
— Tome um banho primeiro, e depois pedimos pizza.
— Eba!
Entra animada no quarto e pega suas coisas para tomar banho.
— Vou indo. Curtam a pizza. Amanhã vai em casa?
— Acho que não. Vou sair com a Catarina, depois levá-la embora, e
talvez eu dê uma passada na boate.
— Almoce em casa. Assim ficamos mais tempo com ela.
— Certo.
— Juízo os dois.
— Tchau, meu anjo — ele diz a Catarina.
— Tchau, vovô. — Ela dá uma piscadinha para ele.

Depois de comermos, ela escovou os dentes e disse que estava muito


cansada e que queria dormir, então foi para seu quarto. Estou entrando no banho.
Eu iria ligar mais uma vez para a Raquel, mas já é tarde, e ela deve estar
dormindo. Só queria saber onde ela se meteu, e quem é o tal de Benjamin.
Tomo meu banho e assim que termino, paro em frente ao espelho e passo
a mão para tirar o embaçado causado pelo vapor do chuveiro. Observo minha
aparência e preciso ir cortar o cabelo, e arrumar a barba. Saio do banheiro e me
assusto com a pequena deitada na minha cama, com seu pijama das princesas.
— Acho que errou o quarto, mocinha — brinco.
— Errei não. Prometi seu cafuné, papai.
Sorrio como um bobo.
— Pensei que tinha esquecido.
— E esqueci. Mas lembrei.
Entro no closet para me trocar, já que invadiram meu quarto.

Deito na cama, e ela se vira para mim levando a mãozinha ao meu


cabelo, onde começa a massagear bem de leve e de um jeito muito fofo.
Deposito um beijo em sua bochecha rosadinha.
— Papai?
— Hmmm...
— Você parece um príncipe.
Porra, ganhei minha noite!
— E você é uma princesa muito linda, e que está me enrolando para
dormir.
— É que o sono foi embora. — Ela sorri.
Pego o meu iPad no criado-mudo e coloco em um filme para ela. Quando
ela está assim, sempre coloco filmes, e ela acaba pegando no sono. Ela continua
me fazendo cafuné, enquanto assiste. Confesso que me interesso pelo filme. É
engraçadinho, não irei mentir. Essas coisas para criança prendem a atenção as
vezes.
Na metade do filme, ela dorme. Ajeito-a na cama, e assisto até o final.
Quando termina, coloco o eletrônico no criado-mudo.
Pego meu celular e não resisto, deixo uma mensagem para a Raquel.

Quero você.

Coloco-o no lugar e acabo dormindo muito rápido.

Raquel Pereira

É tarde da noite, mas não consigo dormir. E a mensagem que o Téo me


deixou só me faz sentir mais falta ainda dele. Não quero responder. Estou com
medo do que deixarei escapar por meus dedos. Estou ainda abalada com tudo o
que minha avó disse. É muita coisa para assimilar.
— Faz um bom tempo que está olhando para este celular. Quem é ele?
Olho para ela, deixando o celular sobre o braço do sofá. Ela lê um livro, e
pela capa, parece ser bem inapropriado para menores de dezoito anos.
— Meu namorado. Filho do meu chefe. Ele não sabe onde estou.
— Fiquei me perguntando, quanto tempo levaria para me dizer, até
mesmo porque meus sonhos não me enganam. — Ela fecha o livro, e me olha.
— Por que essa carinha?
— Não quero o colocar em mais problemas. O Téo tem me ajudado
muito e não merece que eu continue trazendo confusões a sua vida. Não sei se
quero voltar para a cidade agora, e eu disse que voltaria. Não posso mentir para
ele também. Parece que minha vida sempre tem algo que caminha para mentiras.
— Meu amor, você não poderia imaginar o que ouviria. Foi afetada de
uma forma que não poderia ter ideia de que seria. Cada pessoa lida com seus
problemas de uma forma. Você não querer voltar agora, não significa que mentiu
para ele. Apenas não contava com um contratempo sentimental.
Respiro fundo, ouvindo suas palavras.
— Conte-me sobre ele.
Sorrio ao me lembrar. Levo a mão à corrente que ele me deu e aperto o
crucifixo.
— Ele é muito especial. Tudo começou com ele sendo meio que um
professor, para me ensinar a viver mais, e a conhecer mais das coisas, e terminou
com um pedido de namoro. Me ajuda em tudo. É carinhoso e bem maluco
quando quer. Faz fotos incríveis. É muito bonito. Téo Lima é o pecado em
pessoa, mas ele...
— Ele é o pecado mais correto que já cometeu. Irônico e engraçado esta
confusão.
— Sim.
Ela sorri.
— Se ele é tudo isso, então diga a verdade. Ele vai compreender. Dizer
que precisa ficar mais uns dias, não significa que está abandonando-o.
— Mas se eu realmente precisar ficar, terei que falar com meu chefe, e
talvez ele me demita, o que seria o correto, não pode ficar esperando eu retornar,
tendo serviços para fazer. Vó, é tanta coisa envolvida...
— Está sendo adulta apenas agora. Vai compreender com o tempo, que
tudo nesta vida exige sacrifícios de algum lado, e que nem sempre vamos
agradar a todos.
Não digo nada. Apenas fico olhando para o chão.
— Estava criando coragem de ligar para ele?
— Não. Ele me mandou uma mensagem e estava pensando em como
responder dizendo toda a verdade, sem que ele pense que menti sobre meu
retorno.
— Responda com a verdade.
Levanto e respiro fundo.
— Amanhã farei isso. Vou tomar um banho, e tentar dormir.
— Tudo bem. Durma com os anjos, querida.
Sorrio e saio da sala.

Téo Lima

Acordo com o barulho do meu celular. Pego rapidamente para não


acordar a Catarina. Esfrego os olhos, devido à claridade da tela. É uma
mensagem da Raquel, e bem estranha, contendo um endereço e dizendo para não
responder, apenas ir até ela e que está bem, mas só pode falar pessoalmente. O
endereço é do interior do estado, já passei pela cidade, e é repleta de fazendas e
sítios. Os rodeios de lá são os melhores. Porém o que importa, é que irei saber
onde ela se meteu e o porquê de me esconder até agora.

Hoje toca a campainha, mas não tem ninguém
Amanhã bate na porta, mas não se deu bem
Coração batendo forte pensando em você
Esperando um pouquinho pra se arrepender
Virou, me viu e me falou chorando
Paguei pra ver e vi que eu te amo
— Thaeme e Thiago “Em poucos dias”

Raquel Pereira

Batidas leve na porta do quarto me despertam dos meus pensamentos.


Desde que resolvi deitar, não consigo pegar no sono.
— Pode entrar.
A porta se abre e minha avó balança o meu celular próximo ao rosto. Seu
sorriso parece de uma criança quando apronta.
— Eu não iria contar, mas minha língua é maior que a boca. Mandei
mensagem para o seu namorado com o endereço daqui. Enviei como se fosse
você.
Abro a boca, mas nada sai. Fico olhando perplexa.
— Não me olha com essa carinha. Evitei por muito tempo abrir minha
boca sobre a história da sua mãe, e hoje me arrependo muito. Então a partir de
hoje, se posso me intrometer em algo para o bem, farei. Acho que ficar
escondendo as coisas já nos provou o bastante o quanto é péssimo, e por conta
disso, tenho certeza de que você contar tudo o que vem sentindo e acontecendo,
cara a cara pra ele, é a melhor solução. Mas também respeitei você não querer
retornar agora, e por isso falei onde estava — diz calmamente, entrega-me o
celular e pego ainda boquiaberta por sua atitude bem travessa. — Pode fechar a
boca, querida, ou entra mosca.
Olho a tela do celular e me arrependo de não ter colocado senha.
— Bom. Vou dormir. Tenha bons sonhos. — Sai sorridente do quarto e
fico olhando para a porta que foi fechada.
Abro as mensagens e vejo a que ela enviou. Minha avó é terrível demais.
Já é muito tarde, mas não tenho outra escolha. Preciso falar com ele agora. Ligo
para ele e chama até cair na caixa postal.
— O que a senhora fez, vó?
Tento mais uma vez, e se ele não atender, tentarei pela manhã. No
terceiro toque, ouço sua voz ainda mais rouca e grossa:
— Oi, amor.
Sinto uma vibração percorrer meu corpo. Meu coração acelera
imensamente. Minhas mãos tremem, como se fosse a primeira vez que falo com
ele.
— Desculpa ligar a esta hora. Mas é...
— Espera um pouquinho. Vou sair do quarto... — diz baixinho.
Espero alguns segundos.
— Catarina estava dormindo comigo. Não queria acordá-la.
— Mais uma vez desculpa ligar agora. Mas preciso explicar sobre a
mensagem.
— Sim. Foi bem estranha. O que está acontecendo? — Escuto um
barulho. — Cacete!
— Está tudo bem?
— Sim. Me fale sobre a mensagem. Por que não queria que eu
respondesse?
— Não fui que enviei. Foi minha avó, e sem eu saber.
— Sua avó? — A estranheza é nítida em sua voz.
— Sim. Minha avó paterna. Estou na casa dela, no interior.
— Uau... E por que foi até aí e não queria me contar?
— Porque vim buscar respostas sobre a minha vida. Não sabia se
conseguiria realmente encontrar. E dizer para você tornava o que eu estava vindo
fazer ainda mais real e assustador para mim.
— Entendo. E conseguiu?
— Sim. E estou refletindo sobre tudo para saber como agir. Não quero
voltar agora, Téo.
Ele fica em silêncio por um tempo, e quando penso que aconteceu algum
problema com a ligação, ele resolve falar:
— Independentemente de sua avó ter enviado a mensagem, você me quer
aí?
— Falando agora com você, eu pude entender que preciso de você aqui.
Não queria te colocar em mais problemas pessoais...
— Estarei aí. Mas não posso ir amanhã. Tenho que ficar com a
Catarina...
— Téo, pretendo ficar esta semana. Venha quando puder. E então
conversaremos melhor. Ligarei para o hotel até segunda-feira. Preciso dizer ao
seu pai que eu...
— Se for pedir as contas, ou algo assim, não faça isso. Eu converso com
ele. Mas não desista do seu trabalho agora. Eu vejo que gosta do que faz. Não
jogue tudo para o alto.
— Certo. Agora volte a dormir. Eu tentarei fazer isso.
— Tudo bem. Logo estarei aí para ser todo seu.
Sorrio.
— Ok. Beijos e boa noite.
— Beijos, minha Santinha.

Téo Lima

Almoçamos na casa dos meus pais, e agora estamos indo ao cinema.


Subimos a escada rolante e Catarina segura minha mão. Quando chegamos no
segundo andar, vamos em direção ao cinema.
— Papai, quando vamos viajar de novo?
— Quando a senhorita não tiver aulas. — Dou uma piscada para ela.
— Posso escolher o lugar?
— Você sempre escolhe. O papai não consegue nem opinar.
— Consegue sim. Fica falando: Cate, você já tem. Cate, não pode. Cate...
— engrossa a voz para me imitar.
— Já entendi, mocinha.
Rimos.
Chegamos ao cinema. Ela escolhe o filme, e compramos as entradas
junto dos comes e bebes. A sessão já estava para começar, então liberaram nossa
entrada, e fomos diretamente para os nossos assentos. A pequena folgadinha
levanta a divisória e estica as pernas sobre as minhas. Não sei a quem puxou!
O filme começa. E meu celular apita.
— Papai, shhh.
— Desculpe, bravinha!
Pego e coloco no silêncio. Então vejo ser uma mensagem da Hannah:

Papai mandou te avisar que amanhã mesmo você precisa ir para


Londres. Ele conseguiu o que queria, e espera você aqui. Maninho, estou feliz
por você. Na verdade, por vocês estarem se entendendo. Ah, eu não deixei ele
ligar porque, como disse que iria com a Catarina no cinema, imaginei que já
estivessem vendo o filme, pois sairão a um bom tempo daqui. Enfim, Londres te
espera com seus sonhos. Mamãe está surtando de alegria por tudo. Agora, tenho
um evento para ir e botar ordem em tudo.
Beijoooooos, coisa feia!

Merda!
Eu preciso ver a Raquel, mas também preciso ir nesta viagem.
Coloco o celular no bolso e tento focar em estar presente mentalmente
para a minha filha, e não apenas fisicamente. Depois irei resolver isso.

Saímos do cinema e tenho uma calça molhada, que a Catarina derrubou


refrigerante, e uma filha rindo.
— Des... Desculpa... — ela continua rindo.
— Que bom que o papai diverte você. Sabia que estava bem gelado o
refrigerante?
— Sim. — Leva as mãos até a boca, e seus olhinhos lacrimejam pela
risada.
Acabo sorrindo.
Lembro que deixei meu celular no silencioso. Pego no bolso e tem duas
chamadas da Samira.
— Eita, a fera está atrás.
— Mamãe?
— Isso.
Rimos.
Paro com a Catarina em um canto e ligo para Samira. Não demora a
atender.
— Até que enfim!
— Estava no cinema. O que houve?
— A mãe de uma amiguinha da Cate ligou, e vai fazer uma festa
surpresa para a filha. Foi uma decisão de última hora, e está desesperada, com
medo de nenhuma amiga da filha ir. Então vê se a Catarina quer ir, e se quiser,
traz ela cedo.
— Vou ver. Saiba que vou falar com o juiz sobre tirar meu tempo com
minha filha.
— Téo, nem houve juiz. Decidimos entre nós.
Rio.
— Gosto de te irritar. Vou ver com ela. Pera aí.
— Fala que a festa é da Natalie.
Olho para a Catarina, que me olha atenta.
— Tem uma festinha para você ir. Topa?
— De quem?
— Natalie.
— Quero! — responde animada.
Samira ri e diz:
— Não está valendo nada. Te trocou por uma amiga.
— Palhaça. Irei levá-la, depois que eu passar em casa, tomar um banho e
fazer as malas.
— Malas? Vai viajar?
— Não interessa, curiosa.
— Téo, não faça isso...
Desligo rindo.
Se há uma coisa que Samira odeia com todas as suas forças é ficar na
curiosidade e eu amo deixá-la nesta situação.

Depois de tomar um banho, trocar de roupa e fazer minha mala, deixei


Catarina na casa dela, e agora estou na casa dos meus pais.
— Filho, já comprei as passagens para a madrugada, não tinha mais para
antes e agendei sua hospedagem. Quarta-feira é a reunião, mas tem um evento
antes que ele quer que você vá. Quanto antes chegar, melhor.
— Como conseguiu tão rápido?
— O pai dele me ligou e então falei. O filho dele ama o desconhecido. Já
ficou bem curioso e quer ver você, e suas fotos. Colocou alguma na mala?
— Estou levando o cartão de memória que tem várias. Qual o nome do
homem?
— Saulo Ramirez. Ele é de tudo um pouco. O rapaz é ouro. Brasileiro,
mas vive pelo mundo. Ele esteve no Brasil recentemente, mas retornou a
Londres.
— Certo. Estou ansioso.
— Vai dar tudo certo... Mas parece preocupado.
— Pai, não tire o emprego da Raquel. Ela vai voltar, eu te prometo. Só
precisa saber disso.
— O que você fez?! — questiona nervoso.
— Nada! Ela precisou viajar para resolver umas coisas. Se ela pedir as
contas, não dê! Ela está confusa apenas.
— Téo...
— Me promete?
— Sim, filho. Mas vou querer saber dessa história direitinho.
Concordo.
Hannah e minha mãe aparecem.
— Olha, meu fotógrafo gato apareceu novamente — minha mãe diz
sorridente.
Hannah senta em meu colo e beija meu rosto.
— Vai arrasar. Papai nos contou tudo. Já quero você registrando meus
eventos, ou corto sua cabeça. E tudo gratuito, porque sou sua irmã.
— Sonha! — Dou um tapa em sua perna.
— Filho, traga perfumes e cremes. Amo a fragrância europeia.
— Mãe, estou indo a trabalho, não às compras. E tenho que voltar logo.
— Amor, tem perfumarias em todos os lugares. Vai passar em frente a
alguma, que eu sei. Então pode trazer e se aparecer com coisa de aeroporto corta
seus dedos!
— Vou pensar no seu caso.
— Olha isso, marido! Eu coloquei no mundo, e me trata como um
ninguém.
Meu pai revira os olhos.
— Eu vi. Vai dormir na sala.
— Meu amor, não seja dramática.
Ela se senta em seu colo e beija seu rosto.
— Eita. Isso é um sinal para a nossa saída, Téo.
Hannah se levanta e faço o mesmo.
— Já vai? Seu voo é de madrugada — minha mãe questiona.
— Tenho que viajar para outro lugar antes.
— Téo, não faça isso! Eu consegui um horário na agenda bem concorrida
do rapaz!
— Pai, eu estarei em Londres para esta reunião e o evento. Mas preciso
estar em outro lugar primeiro.
— Marido, ele vai resolver problemas do coração. Olha só a carinha.
Deixe-o. Sei que não vai perder a chance dos sonhos dele.
— Espero. Téo, isso é o meu voto de confiança. Não me decepcione.
— Não irei!
Nos despedimos. Hannah vai comigo até a rua onde deixei meu carro.

— Estou muito feliz por você, de verdade. Demorou, mas finalmente as


coisas estão dando certo. Não faça burradas, hein! — Hannah diz sorridente.
— Não irei. Estava na hora de seguir com o que eu amo. E fico feliz e
muito grato por nosso pai estar ajudando.
— Irmãos Lima amadurecendo. Acho tendência — brinca.
— As coisas com o buffet estão indo bem?
— Muito. Aos poucos chego aonde quero.
— Tenho te visto pouco ultimamente. É só por trabalho, ou...
— Não tive recaídas. Não voltei a beber como louca, e tampouco ando
sofrendo pelos cantos. É só trabalho mesmo. Mas não irei mentir, as vezes as
lembranças do traste vêm à minha memória.
— Christopher foi um lixo. Não merece ficar na sua cabecinha.
— Difícil. Mas vou superar por completo. Afinal, sou uma Lima.
— Isso aí.
Sorrimos.
— E por falar no demônio, o auxiliar dele está aqui. — Ela olha feio para
algo atrás de mim.
— Quem?
— TÉO, SEU FILHO DA MÃE! — grita.
Viro rindo.
— Perdido aqui? — Ele estaciona o carro, e desce.
Cumprimenta-me com um aperto de mãos e, quando se aproxima da
Hannah, ela se afasta.
— Estava resolvendo umas coisas aqui. Em resumo: mulher!
— Novidade. Porra, sumiu!
— Não sumi. Você que não está indo mais à boate. Aquele lugar sente
sua falta.
— Estou na correria. Eu iria hoje, mas preciso viajar.
— Ficar longe das más influências é bom — Hannah diz cruzando os
braços.
— Isso foi uma indireta, marrenta? — ele questiona.
— Não trabalho com indiretas. Trabalho com “Falo na cara mesmo”. —
Ela ergue a sobrancelha. — Você é má influência.
Rogério e Hannah não se dão bem desde sempre. Quando ela descobriu
que era traída pelo traste do noivo e a melhor amiga, também descobriu em
seguida que ele não saía da Mister Sin, e tinha contato com Rogério, pois eram
colegas. Meu amigo sabia que ele tinha caso com a amiga da Hannah e estava
noivo da minha irmã, e não falou, porém entendo, nunca gostou de se meter na
história de ninguém. Sempre odiou isso. E não tínhamos uma amizade quando as
traições começaram, e quando ficamos próximos, ele permaneceu calado. E seria
a palavra dele contra a do Christopher, já que Hannah não escutava ninguém,
precisou ver cara a cara para acreditar. E é claro que minha baixinha raivosa,
jamais o perdoaria fácil, por ter virado meu amigo e não ter dito. Na época,
fiquei puto. Quase matei o Rogério, mas entendi, aquele era um assunto delicado
demais para ser dito com simplicidade.
— Eu má influência? Principessa, quando vai entender que eu era colega
do cara, e não melhor amigo? E que seu irmão e eu não tínhamos uma amizade
tão forte, para eu chegar dizendo: “Olha, cara, sua irmã é chifruda?”. Supera,
porra.
Ela descruza os braços e se aproxima dele.
— Nunca mais diga isso, seu imbecil. Sempre odiei sua amizade com
meu irmão. Você não presta. E só por ser colega do infeliz, presta ainda menos.
— Tem que descontar essa raiva nele, não em mim. Nunca mostrei para
ninguém que era certinho. Pelo contrário, até a mídia sabe quem eu sou. E
também nunca mandei ele ficar com sua amiguinha e tampouco se deliciar com
as minhas dançarinas.
— Você é nojento. E vai morder sua língua, por todas as merdas que me
fala. Só meu irmão para te aguentar. Seu nojento. É igual a ele. Na verdade, é
igual a todos que frequentam aquele buraco que chama de boate. Meu irmão,
quanto mais longe ficar dali melhor. Aquele chiqueiro merece o porco que tem
como dono.
— Opa, chega! Porra, parecem crianças.
Puxo a Hannah para trás.
— Vou entrar. O ar ficou poluído aqui. Boa viagem, Téo.
Entra nervosa e Rogério ri.
— Cara, quando vai aprender que toda vez que se encontrar com ela, a
melhor coisa é calar a boca? Ela não perdoa ninguém que foi próximo do infeliz.
Porra, facilita para mim. Não me faça querer socar sua cara.
— Está bem. Família agressiva. Tenho que ir. Sua irmã acabou com meu
ânimo. Preciso de mulher e bebida.
— Você sempre precisa. Ela não teve culpa.
— Não! — O imbecil ri.
— Vai viajar, então?
— Sim. Vou para Londres. Saí do hotel, e estou indo atrás de focar em
ser fotógrafo.
— Porra. Criou coragem?
— Sim. Mas, antes tenho que ir para o interior, e você está me atrasando!
— Cazzo, família estressada. Isso é falta de sexo, meu amigo?
— Isso é falta de socar sua cara. — Sorrio.
Ele se afasta rindo e entra em seu carro.
— Quando voltar, te espero na boate. Quero meu amigo menos
estressado de volta. Tenho medo de sua raiva fazer com que chute minhas bolas.
— Não é uma péssima ideia.
Entro no meu carro, e coloco o cinto. Rogério buzina e vai embora.

Dirijo recheado de ansiedade. Parece que o mundo está conspirando ao


meu favor. Não tem trânsito, e também nem sinal de chuva. Olho para o céu
rapidamente e agradeço, porque isso sim é um milagre dos bons em minha vida,
pois quando as coisas têm que dar errado, sou o primeiro da fila. Estou me
aproximando do endereço. O GPS segue falando, sendo minha companhia neste
momento. Mesmo eu conhecendo um pouco da cidade, não queria arriscar.
Não liguei para Raquel, para informar sobre minha visita hoje. Quero
fazer uma surpresa. Ou ser surpreendido, porque está tudo sendo maravilhoso até
aqui. Porra, sou traumatizado, afinal, até hoje não tive respostas sobre eu ter
broxado... Melhor nem pensar, ou vai que acontece novamente.
O GPS, meu companheiro de viagem, pede para eu entrar à direita, em
uma estrada de terra com algumas árvores nas laterais. O sinal dele começa a
ficar fraco. Normal acontecer isso em lugares assim. Olho o endereço e acho que
é no final da estrada à direita. Viro à direita, e sigo devagar, e reto, observando
tudo atentamente. Enxergo um portão enorme branco. Vejo o número da
residência que foi me passado, e é este mesmo. Olho na lateral, e tem uma placa
de tamanho médio escrito “Lar dos Pereira”. Desligo o carro e desço. Caminho
até o portão, e está um pouco aberto. Bato palmas e procuro por alguém, mas
não tem. Se essa porra tiver cachorro e ele me engolir, eu esgano a Raquel.
Nunca fui fã de lugares assim. Eu e a natureza — quando digo isso me refiro a
sítio, chácaras e fazendas — temos química apenas para fotos; do contrário,
prefiro ficar afastado.
Entro com cuidado, e sou surpreendido por um trovão. Sabia que estava
tudo perfeito demais para ser verdade. Uma caminhonete repleta de caixas vem
com cuidado na direção da saída. Faço sinal e o motorista para. É um senhor.
— Olá, rapaz.
— Pode me dizer onde encontro os donos?
— Claro! Siga em frente, e vire à direita.
— Obrigado.
Ele levanta o chapéu em agradecimento e volta a dirigir se afastando.
Pego meu celular no bolso, porque qualquer coisa terei que ligar para a Raquel.
Faço o caminho que o homem disse, e começo a sentir pingos caírem. Sorrio.
Por que fui elogiar? Estraguei tudo.
Vejo uma casa rústica, bem bonita. Lembra muito as das fazendas do
Texas. Vou até a porta, e bato. Faço isso por um tempo, mas não obtenho
resposta alguma. Ligo para a Raquel, porém só chama. Tento mais duas vezes e
nada. Saio da entrada da casa, e começo a caminhar. Terei que encontrar com
alguém que possa me informar alguma coisa. Pois parece que o senhor estava
errado.

O que era previsto aconteceu. Uma chuva despencou e em grande estilo.


Estou encharcado, e aquele papo de rindo de nervoso, não existe agora. Estou
bem nervoso mesmo, por não encontrar ninguém, não conseguir falar com ela
pelo celular, e por estar todo molhado, e a chuva bem forte.

Raquel Pereira

Minha avó disse que iria dar um jeito no chalé que tem aqui, pois estava
uma zona e receber um rapaz que iria pegar umas coisas para doação. Em minha
caminhada pelas terras dela, encontrei Benjamin e resolvemos que ele iria me
ensinar a montar em um cavalo. Resultado: duas quedas apenas para tentar subir,
mas por sorte ele me segurou em uma delas, na outra acabei machucando ele, e
fomos os dois para o chão, com ele amortecendo a queda. Agora estamos na
porta do estábulo, nos protegendo da chuva, porque despencou do nada. Ele
disse que é normal aqui na cidade estar um lindo sol, e do nada vir a tempestade.
Porém, antes de fugirmos para nos protegermos aqui, acabamos nos molhando e
muito.
— Meu Deus, olha essa chuva. E o Raio, como será que está?
Seu cavalo chama Raio, porque, segundo Benjamin, o cavalo te
surpreende quando menos espera.
— Ele sabe se cuidar. É mais esperto que nós. Os animais conhecem a
natureza, e sabem cada sinal que ela envia.
Ele tira o chapéu e deixa pendurado em um gancho na parede. A égua
Linne relincha e Benjamin a acaricia.
— Essa por outro lado não é fã da chuva. Na verdade, não é fã de
ninguém além de sua avó.
Sorrio, olhando o animal de pelagem marrom se afastar do Benjamin.
— Realmente não gosta de você.
— Pois é. Dizem que sou ogro, ela deve ter ouvido.
— Não é ogro. Só é sério demais.
— Não sou sério.
Sorrio e viro olhando para fora.
— Está frio! Quero voltar para casa.
— E eu ir para a minha.
— Mora em que lugar?
Ele para do meu lado.
— Sua avó me cedeu a casa que seria do caseiro. Não é longe. Fica
depois do lago.
— Lembro dela. Precisou de uma boa reforma, né?
— Sim.
Ele sorri. É bom ver este homem sorrindo. Pois em grande parte vive
sério e, às vezes, é assustador.
— Acho que vou enfrentar a chuva, porque não está com cara de que vai
passar tão cedo. Estou ficando com muito frio.
— Não tem muito relâmpago, acho que conseguimos.
— Conseguimos?
— Não vou deixar você retornar sozinha. Se cair e se matar por aí, sua
avó me mata.
— Nossa, que conforto. Deus é mais!
— Realidade, menina. Realidade!
Faço o sinal da cruz, e beijo minha correntinha.
— Consegue correr? — pergunto.
— Está me perguntando se consigo correr? Porra, é pra me ofender?
Olho sem entender e assustada.
— Desculpa, não queria...
— Raquel, pelo amor de Deus! Não precisa me pedir desculpas por tudo
que falo. Foi um modo de dizer. Eu disse que me chamam de ogro e não é à toa.
Vamos.
Saio correndo, e começo a rir. Ele corre me passando, e fico boquiaberta.
Nem me afastei muito do estábulo e já estou sem fôlego. Deus, que péssima
ideia.
— Não acredito. Vamos, Raquel! — ele grita.
— Péssima ideia. Péssima ideia!
Consigo me aproximar dele, que está parado.
— Sedentária.
— Não minto. Sou mesmo. Vamos andando mesmo. Já estamos
molhados.
— Tudo bem.
Seguimos andando e acabo lembrando de quando tomei banho de chuva
com meu pai sem minha mãe saber. Foi aqui. Estava cheio de lama como hoje, e
começamos a jogar um no outro. Eu ria muito. Me diverti bastante naquele dia,
até que mamãe chegou do mercado com suas regras.
Fujo das lembranças, e continuamos a caminhada em passos mais rápidos
agora, e evitando passar por baixo das árvores, por questão de segurança. Mas já
era de se imaginar que o azar do meu dia estava pouco, apenas caindo do cavalo.
Acabo escorregando na lama e sou levada ao chão. Benjamin para rapidamente
para me socorrer.
— Está tudo bem? — pergunta visivelmente preocupado.
— Acho que sim. Pareço inteira ainda.
Ele me olha feio, e balança a cabeça em negativa. Então me ajuda a
levantar com cuidado, deve estar achando que me quebrei. Me apoio nele para
ter certeza de que tenho firmeza nas pernas, e que não irei para o chão mais uma
vez. Olho para ele e sorrio.
— Está tudo certo.

Téo Lima

Fico parado observando a cena e pedindo para ser coisa da minha cabeça.
Eles não notam minha presença. Raquel estava no chão, não vi como aconteceu,
agora ele está segurando sua cintura, enquanto ela se apoia nele. Ele a observa
demais. E ela dá um sorriso e então diz algo.
Só pode ser brincadeira essa merda!
Me aproximo, e estão tão entretidos que continuam sem me notar. Levo
as mãos ao bolso da calça. Estou encharcado, assim como eles. Ela usa um short
jeans e uma camiseta branca. Estão sujos e, pelo visto, bem íntimos. Ele acaba
olhando para frente e me nota. Ele a solta, mas continua me encarando.
— Pois não? — ele indaga.
Então ela me olha e arregala os olhos.
Está assustada. Porra, não faça isso. Não piore a raiva que estou
tentando a todo custo controlar.
— Podem continuar. Não quero atrapalhar o momento de vocês. Eu vim,
porque achei que fazia falta, mas pelo visto estava bem enganado. Mas é como
dizem, colhemos o que plantamos.
— Você é? — o infeliz questiona.
— Quem eu sou? Quem eu sou, Raquel?
— Deus...
— Está enganada. Não sou Deus! Quer saber, esquece, porra.
— Téo. Você não disse... Não disse que v-viria.
Está nervosa. Se atrapalha com a palavra. Começa a tremer pelo frio ou
pelo nervosismo.
— Cara, já entendi tudo. Porra, é ridículo dizer isso, mas não é o que
pensa. Estava levando ela para a casa.
— Não estou pensando nada. Na verdade, nem quero. E para você é Sr.
Lima.
Ela se afasta do homem e olha para ele.
— Benjamin, este é o Téo, meu namorado. E Téo, este é o Benjamin.
Esse é o tal Benjamin. Porra, isso só piora.
— Quer que eu te leve? — pergunta a ela.
— Eu levo ela. Não precisa da sua companhia, já teve ela por perto
durante muito tempo!
Raquel me olha e pisca rapidamente. O Infeliz me olha e sorri. Vou socar
a cara desse filho da puta.
— Não. Está tudo bem. Se encontrar minha avó, diga que fui para casa.
— Certo. Qualquer coisa, se precisar de mim...
— Porra, ela já disse que não precisa! — Dou um passo e Raquel se
coloca na minha frente.
— Está tudo bem, Benjamin. Obrigada.
Fico observando os dois e minha vontade é de ir embora daqui. Não
tenho paciência para toda essa merda.
Ele concorda e se afasta.
— Vamos sair daqui — ela pede.
Não digo nada. Apenas sigo ela.

Chegamos na entrada da casa que é coberta.


— Vamos entrar e nos limpar. Na verdade, preciso de um banho.
— Você viaja sem querer dizer para onde. Diz do nada que foi sua avó
que enviou a mensagem, e que quer a mim. Chego nesse fim de mundo e
encontro você nos braços de outro cara, e você age naturalmente? Porra, está
brincando com a minha cara? Em nenhum momento teve uma reação de
felicidade por me ver. Pelo contrário, está bem assustada. Pra quem não queria
ficar perto de nenhum homem, está bem mudada. — Estou puto de raiva, e não
meço as palavras que digo.
— Téo, não diga isso. Não sabe o que aconteceu, então não julgue. Estou
muito surpresa por você estar aqui. Não avisou que viria hoje. Fui surpreendida,
apenas isso. Não seja assim comigo, porque esse não é você.
Esfrego o rosto, e encosto na parede. Estou muito estressado mesmo.
Tem muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. E agora tenho que lidar com
ciúme, não é fácil.
Ela leva as mãos aos meus braços.
— Não teve nada de mais. Não fique assim. Estou com muito frio, vamos
entrar.
— Preciso pegar meu carro. Tenho roupas lá.
— Porém, está chovendo muito. Você está sujo. Depois vê isso. Vem.
Com toda sua calma me leva para dentro da casa. Tiramos os sapatos na
porta. Observo os detalhes da casa e é muito acolhedora.
— Vem.
Continuo mudo apenas seguindo ela. Se eu falar, vou deixar ainda mais
minha raiva transparecer.

Entramos em um quarto, e pelo visto é o que ela está ficando.


— Usa esse banheiro, e usarei outro. Vou caçar alguma coisa que possa
vestir, até poder pegar suas roupas no carro. Deve ter alguma roupa do meu pai
que tenha ficado perdida por aqui, ou um roupão, não sei...
Retiro minha camiseta e limpo seu rosto, logo depois eu a embolo e jogo
no canto do quarto.
— Raquel, aquele cara... Que porra foi aquilo?
— Téo, confie em mim. Não aconteceu nada. Eu caí, e ele me ajudou.
Apenas isso.
— Caralho, é difícil. Vocês pareciam bem íntimos. — Passo a mão pelo
cabelo.
Ela se joga em meus braços, e seguro, por pouco não desequilibrando,
pois não esperava isso. Suas mãos contornam meu pescoço. Mesmo estando toda
suja, continua a mais linda.
— Eu senti sua falta, mesmo estando longe por pouquíssimo tempo.
Estou apenas surpresa por te ver aqui. Téo, eu jamais me entregaria a outro de
corpo e coração, como fiz com você. Não desconfie de mim. Eu amo você.
Benjamin e eu estávamos retornando para cá e eu escorreguei e ele me ajudou.
Passamos um tempo junto, porque ele tentou me ensinar a andar a cavalo, porém
veio a chuva e o resto eu já disse. Não teve nada de mais. Não crie coisas a partir
de pequenos detalhes que viu.
— Tem muita coisa acontecendo, e fica difícil. Chegar e ver aquela cena
não é fácil. Você some, te vejo com um cara... Não é fácil, Raquel. Pensei mil
coisas, e em todas você se arrepende de nós dois. Não tem como eu ser calmo,
ou qualquer coisa do tipo.
— Eu te entendo. Eu errei em não te contar desde o início que viria para
cá. Tome banho e farei o mesmo, então podemos conversar direitinho.
— Eu não posso.
— Por quê? — pergunta preocupada.
— Porque ainda estou irritado e me conheço, irei falar merda e vou
acabar nos machucando.
— Téo...
— Shhh... Pode ir tomar seu banho. Vou ficar bem.
Ela concorda entristecida e se afasta.
— Pode tomar banho aqui. Só preciso ficar alguns minutos sozinho.
— Tudo bem.
Entra no banheiro, e percebo que não trava a porta. Em outros tempos
iria fazer, mas agora nossa história é diferente. Sento na cadeira de madeira e
apoio os cotovelos sobre as pernas, cruzando as mãos.
Só não estava preparado para ver que a minha Santinha está vivendo com
mais normalidade. Até então era apenas eu em seu mundo, e agora está
começando a conhecer outras pessoas e aprendendo a conviver com elas sem ter
medo. No final acabei sendo um bom professor. Mas hoje sou aluno, tentando
aprender como lidar com tudo isso. Eu a tinha apenas para mim, e não estou
preparado para dividi-la com outras pessoas. Eu fui seu primeiro amigo, seu
“professor” para a vida, primeiro a tomar sua virgindade — não me gabo disso,
jamais —, primeiro a vê-la com uma maquiagem, primeiro em levá-la à praia,
primeiro em vê-la usando outras roupas... Fui o primeiro dela em muitas coisas,
e é foda começar a entender que, a partir de agora, não serei mais em muitas
outras coisas. Vê-la com o tal Benjamin me mostrou a realidade: Raquel está se
tornando independente, e eu deveria ficar feliz, mas agora sou eu quem tem
medo. Medo dela dizer que errou e me deixar. Medo de não a ter eternamente em
minha vida. Porra!
Levanto e vou até o banheiro. Abro a porta sem qualquer cerimônia. Ela
não ligou o chuveiro ainda. Está encostada na parede chorando. Me aproximo
enxugando seu rosto.
— Não chore por minha causa. Sou um imbecil e sabe disso.
— Não estou chorando por sua causa. É que tudo isso me deixa com
diversos sentimentos.
— Certo. Mas eu sei porque vim até este lugar. E não foi apenas para te
ver.
— Foi por qual motivo a mais?
— Para isso.
Puxo seu corpo para o meu. Levo a mão a sua nuca e beijo-a. Não é
delicado. É forte. É intenso. Deslizo minha língua pela sua. Enfio meus dedos
em seu cabelo. Encosto na pia, mantendo seu corpo ao meu. Aperto sua bunda e
deslizo minha mão por baixo de sua blusa molhada, encostando em suas costas
nuas. Com seus seios pressionados em mim, eu chupo sua língua e puxo seu
cabelo. Um gemido escapa entre nosso beijo ardente. Sou bruto, e ela não se
importa. Apenas se entrega. Desliza as mãos por minhas costas e suas unhas me
arrepiam e me excitam ainda mais. Meu pau está duro e louco para entrar nela.
— Raquel, o Benj... Santo Deus!
A Raquel salta se afastando. Olho para a senhora na porta, que me olha
espantada.
— Deveriam fechar a porta. Belas tatuagens, menino. E tem piercing.
Teve sorte, querida.
Percebo que passei a língua pelos lábios.
— Vó, nós... Ele... Eu...
— Não quero aulas de português, querida. Já entendi, estavam em um
clima quente. Esse deve ser o tal Téo. Prazer, sou Esmeralda, avó paterna da
Raquel. Até estenderia a mão ou daria um abraço, mas sei lá onde estas mãos
estiveram e os dois estão imundos. Vou preparar um café com algumas coisas
para comermos.
Ela fecha a porta, e olho para a minha ereção. Merda!
A porta se abre novamente.
— Antes que eu me esqueça de dizer. É um moço muito bonito. Como
vocês jovens dizem: é bem gato e gostoso.
— Vó! — Raquel grita e esconde o rosto com as mãos.
— Sou sincera, minha querida. Agora fui. Tranquem a porta. Nunca vi
isso. Mania de deixarem porta aberta. Aí não querem ser interrompidos. Sempre
questionei nos livros que leio, por que deixam as portas abertas bem nos climas
quentes...
— Vó, por favor.
— Estou indo. Com esse fogo que estavam vão fazer um milagre, e
duplicarem o que está por vir.
— Perdão, do que a senhora está falando? — questiono curioso.
— Que voz! Senhor, que voz é essa? Deus nem para me abençoar com
um homem com essa voz. Me deu seu avô, que mais parecia a voz de uma cabra.
Querida, se as cabras falassem a voz seria como a dele.
— Pelo amor da Virgem Maria, vó, saia.
— Não coloque a Virgem nessa coisa aqui não. Fui.
Ela sai e Raquel fecha a porta rapidamente com o trinco. Começo a rir.
A raiva e o ciúme deram lugar a diversão. Que avó é essa?
— Tenho a voz bonita, amor?
— Téo, não comece também. Estou com muita vergonha, o suficiente
para deixar o mundo em vermelho.
— Gostei dela.
— Só porque te elogiou.
— Ela sabe avaliar um bom homem.
— Téo!
Abro meu cinto e o botão da calça. Retiro ficando apenas de cueca.
— Téo, aqui não.
— Ué, vou tomar banho, e ache algo para eu vestir, até eu pegar meu
carro. Nada ridículo, sabe que sou chato pra caralho quando se trata do meu
estilo.
— C-claro. Estou a-apenas...
Aliso meu pau por cima da cueca, ainda duro. Ela olha e fica mais
vermelha ainda.
— Dizia?
— Não sei. Esqueci. Céus!
Retiro minha cueca.
— T-Téo... Vou tomar banho na cozinha... Não! Vou tomar banho em
outro banheiro, e pegar roupa p-para você. Ou... o q-que eu... Vou...
Sorrio de toda sua confusão.
— Toalha. Precisa de toalha. Chaves. Se a chuva amenizou irei pedir para
a minha avó buscar seu carro. Ela sabe dirigir.
— No bolso da minha calça.
Ela olha para a calça bem diante dos meus pés. Se abaixa para pegar, e se
levanta rapidamente.
— Verde destrava.
— Q-quê?
— Botão verde destrava. Vermelho trava. Azul abre o porta-malas. E só
estou deixando porque não vim com minha bebê azul.
— Aham... Vou lá. — Tenta abrir a porta sem destravar. — Não quer
abrir... — Está muito nervosa e vermelha.
Me aproximo, encostando meu corpo ao seu. Sua respiração acelera.
Sussurro em seu ouvido:
— Você fechou com o trinco, Santinha.
Destravo a porta e ela abre com as mãos trêmulas e sai do banheiro.
Fecho a porta e começo a rir. Porra, e no fim das contas fiquei excitado.
Raquel Pereira

Depois do banho, e toda minha confusão, tomamos café da tarde junto da


minha avó, que não economizou elogios a beleza do Téo.
Agora estamos na sala, e ele está sentado ao lado da minha avó, que o
puxa.
— Gosto de gente bonita ao meu lado.
— Obrigada, vó — brinco, por estar em outro sofá.
— Querida, não é sempre que tem homens bonitos por aqui. Benjamin é
bonito, mas me tira do sério. Já este é um amor. Parece um anjo.
Téo dá uma piscadela para mim e reviro os olhos.
— Não fique com ciúmes, Doçura — me provoca.
— Não me chame de Doçura!
— Faz o que da vida, meu menino?
— Sou formado em duas áreas: administração e fotografia. Trabalhava
no hotel do meu pai, porém agora vou trabalhar com o que realmente gosto, que
é fotografar.
— Que legal. Interessante. Tem filha, irmã ou sobrinha?
— Tenho uma filha.
— Sabia. Só estava na dúvida do que era.
— Raquel comentou algo?
— Não. Meus sonhos.
— Sonhos? — pergunta confuso e me olha.
— Vovó tem sonhos e diz que nunca falham. Tudo que ela sonha parece
acontecer ou ser real, algo assim.
— Vidente? — pergunta curioso.
— Não. — Ela ri. — Apenas tenho um dom. Mas não me considero
vidente.
— O que mais a senhora viu sobre mim? — indaga animado.
Que bom que estou “participando” do papo dos dois.
— Melhor não saber agora. Nenhum dos dois. Ambos já têm muita coisa
para lidarem. Deixarei o tempo cuidar.
— Fiquei curioso.
— Eu também, vó. É algo ruim? Estou querendo fugir do que for ruim.
— Depende da forma que vão encarar. Mas o assunto é outro. Estou
abismada com a beleza e a voz deste menino. E esse sorriso? Menina, você fez a
melhor escolha da sua vida. Não seja tonta. Não deixe escapar. Porque ele
também não vale nada, essa carinha aqui não engana que é safado. Se bem que
ele não te trairia. Olha esse olhar dele para você.
Téo Lima fica vermelho. Isso sim é para ficar abismada. Coisas raras de
acontecerem.
— Ei, cadê os elogios? — ele pergunta.
Sorrio.
— Sou sincera. Bom, vou tomar um banho e deixá-los sozinhos. E dona
Raquel, evite tomar chuvas novamente, e não arrisque mais montar no cavalo.
Benjamin comentou que caiu duas vezes dele e por pouco não foi uma queda
feia e depois caiu enquanto vinha para cá. Não apronte mais essas coisas!
— Ouviu, dona Raquel? — Téo provoca.
— Vó, não foi nada de mais. — Não dou trela para a provocação dele.
— Graças a Deus. Não arrisque uma próxima. No futuro vai me
agradecer por este conselho. Hoje Deus te protegeu, não teste, porque agora foi
avisada. — Se levanta com seriedade. — Depois retorno. — Ela sai da sala.
— Vamos para o quarto. Teremos mais privacidade — ele diz e
concordo.
Téo Lima

Voltamos ao quarto. Ela fecha a porta com a chave. Está traumatizada


pelo visto. Deito na cama e ela se deita ao meu lado, virada de frente para mim.
— Tem certeza de que não se machucou nessas quedas? — pergunto.
— Sim. Minha avó é exagerada.
— Sei... Tome cuidado.
— Está bravo ainda?
Acaricio seu rosto.
— Não. Desculpa. Só estou tentando lidar com tudo isso.
— Tudo bem. Pelo visto vamos sempre errar, até entendermos melhor o
que vem acontecendo.
Concordo.
— Vai me contar o que veio fazer aqui?
— Vim saber porque minha mãe é assim. Não era normal tudo aquilo.
— E como foi?
— Descobri que tudo o que ela julga hoje, fez igual ou pior. E que minha
avó materna era bem maldosa.
Ela me conta tudo o que descobriu e fico abismado. Porque é difícil de
acreditar que a mulher que conheci foi uma pessoa “normal” no passado. Porém,
posso entender um pouco mais, o porquê age desta forma com a filha. Mas não
aceito.
— Sinto muito. Deve ter sido ruim descobrir tudo isso apenas agora.
— Foi sim.
— O que pretende fazer?
— Não sei. Quero ficar mais uns dias aqui e pensar com calma.
— O que decidir fale, e tentarei te ajudar.
— Obrigada. Tem feito muito por mim.
Ajeito-me na cama e volto a acariciar seu rosto.
— Meu pai e eu nos entendemos. Não sei se devia contar depois do que
me falou...
— Téo, não é porque minha história com minha mãe é uma bagunça, que
não vou querer ouvir suas conquistas com seu pai! Estou feliz em ouvir que se
entenderam. Como foi?
— Ele me pediu perdão. E quis ver minhas fotos.
— Isso é maravilhoso! Mostrou a ele? — Ela sorri emocionada.
— Sim. E vai me ajudar com tudo. Já começou. E preciso falar sobre isso
com você.
— O que houve? Por que essa preocupação? Deveria estar feliz. Deus foi
maravilhoso com você. Tem que agradecer, Téo!
— Meu amor, nesta madrugada viajo para Londres. Tenho uma reunião
que meu pai conseguiu. Vai ser quarta-feira, eu tentarei voltar o quanto antes,
mas...
— Ei, tudo bem! Vai, Téo. É sua chance.
— Não quero te deixar aqui, ainda mais estando assim, sem saber o que
fazer em relação a sua mãe.
— Vai. Você já fez muito por mim. Quer me ver feliz?
— Sempre.
— Então vai para esta viagem. Corra atrás do seu sonho. Não pode viver
em função de resolver minha vida. Eu preciso aprender a fazer isso sozinha.
Quando tudo isso acabar, irei correr atrás do meu sonho, e vou querer você como
eu, feliz por isso. Vá para Londres, e vou rezar o tempo todo para que dê tudo
certo.
Beijo seus lábios com carinho.
— Qual o seu sonho?
— Muitos. — Ela ri. — Mas um deles é fazer minha faculdade. Porém,
enquanto minha vida estiver essa bagunça, não dá. Preciso resolver minha
história com a minha mãe.
— Vai dar tudo certo.
— Tomara.
— Quando tudo se ajeitar, pretende voltar a morar com ela?
— Não. Téo, eu preciso continuar nesta liberdade. Não posso regredir.
Mas irei arrumar um lugar, não posso viver no hotel eternamente.
— Preciso tirar minhas coisas de lá, por falar nisso, ou o Natanael jogará
tudo na minha cabeça.
— Saudades dele.
— Eu também. Amo irritá-lo... mas não quero ficar falando dele agora.
— Já foi para Londres, ou será sua primeira vez lá?
— Já fui algumas vezes.
— Dizem que a terra da Rainha é linda.
— É sim. Um dia te levarei e poderá conferir pessoalmente, prometo.
Mexe no anel em meu dedo.
— Não me disse que tinha uma avó com boas condições. Tem uma bela
casa e um belo sítio.
— Nunca me importei com isso. E ela também não. Sempre foi muito
simples e humilde. Mas eu sempre soube que era a única herdeira dela, desde
que papai morreu. Na verdade, agora com o Benjamin, duvido ser a única. —
Ela sorri.
— Me fale um pouco mais sobre sua família.
— Bom, minha avó tem o sítio que fica dentro de diversas terras, e outras
propriedades, e dinheiro que não acaba, porque ela quase não gasta. Minha tia
Noemi é professora de História. E minha tia Cássia é professora de artes, e hoje
dá aulas em ONG’s, e faz projetos sociais. Ambas moram perto uma da outra.
Frequentam a igreja, mas são bem tranquilas e doidinhas. Minha avó paterna,
que agora conhece, hoje em dia já não frequenta tanto a igreja, mas tem muita fé,
e não sabe o que fazer com o dinheiro que tem, e sai distribuindo, porém com as
propriedades que tem acaba tendo retornos cada vez maiores. E ela é bem
moderna. Ama as novidades e fala tudo o que pensa, além de ter sonhos que me
assustam, pois diz que tudo que sonha acontece.
— Já conheci sua avó e sua mãe e já conhecia seu tio. Preciso conhecer
suas tias.
— Vai adorá-las. E você tem mais parentes?
— Não. Minha família é bem pequena. Porém, pela minha mãe, Hannah
e eu povoávamos o mundo com herdeiros.
Ela ri.
— Meu melhor amigo se chama Rogério, dono da boate que te levei,
mesmo que na maioria das vezes nos vemos para insultar um ao outro. E minha
melhor amiga é Samira desde sempre. Considero-os da família também.
— Sobre o Rogério...
— Chega. Falamos muito. Quero ter a minha namorada para mim,
porque irei para outro país em algumas horas.
Beijo seu pescoço, e seu cheiro me deixa louco.
— Téo, estamos na casa da minha avó, eu...
— TEM O CHALÉ, QUERIDA!
Levamos um susto com o grito do lado de fora.
— Eu não acredito que ela estava escutando atrás da porta!
Escutamos a risada da senhora Esmeralda.
— Então tem um chalé? — Beijo o canto da sua boca.
— Sim. Ela estava arrumando lá.
— Vamos. Quero ficar bem a sós com você.

A chuva amenizou. Agora só é apenas uma leve garoa. A avó da Raquel


preparou uma cesta com algumas comidas e bebidas. Ela também disse que
fingiria não saber o que vai acontecer no local e que por sorte organizou tudo por
lá. Paramos em frente ao chalé, que lembra uma cabana de madeira, ou aquelas
casinhas próximas a florestas ou montanhas em países como os Estados Unidos.
Raquel se aproxima da porta escura com detalhes em branco e abre com a chave
que foi dada por sua avó. Olha para mim, que seguro a cesta e sorrio. Seu rosto
cora, e amo quando isso acontece. É como reviver cada momento com ela a todo
instante. Entramos no chalé, e retiramos os sapatos na porta, devido à lama
causada pela chuva. Fecha a porta atrás de mim, enquanto observo cada detalhe.
É muito acolhedor, quente e bem decorado. A avó dela tem muito bom gosto.
Deixo a cesta sobre a mesa de centro e giro sobre os calcanhares, ficando
de frente para ela que analisa tudo.
— Ela realmente limpou aqui.
Um trovão ecoa ao lado de fora.
— Pelo visto vem chuva forte novamente. — Estremece.
— Vou conhecer o restante.
— Vamos ver o que nos espera. Minha avó é doida, tenho medo do que
encontrar.
Sorrimos.
Entramos na porta à direita, e descubro ser o quarto. Não é muito
espaçoso, a cama ocupa boa parte. Tem uma cômoda na parede ao lado esquerdo
da porta, e criados-mudos de cada lado da enorme cama. A cortina é branca,
combinando com o jogo de cama. Saímos dali e fomos para a outra porta que é o
banheiro. Assim como o cômodo anterior, não é muito espaçoso, mas bem
arrumado.
Voltamos à sala. Raquel vai até o frigobar e confere dentro.
— Ainda bem que ela enviou coisas para comermos. Não tem nadinha
aqui, além de água e suco de garrafinha.
— A intenção não é comer comida.
Ela fecha a porta do frigobar e me olha.
— Viemos conversar também.
— Sim, porém não é apenas isso, e você sabe...
Aproximo-me e ela recua um pouco, mas não o suficiente para que eu
não consiga segurar sua cintura.
— Então... Você tem que viajar... Não pode ir tarde... — as pausas em
cada frase me fazem sorrir.
— Sim. Mas tenho tempo de curtir um momento com você. — Beijo seu
pescoço.
— Só tenho uma coisa a ser dita agora.
— O quê? — indaga.
— Quero você no quarto. Naquela cama, e nua. Senhor Pecado em ação,
minha Santinha. — Beijo o outro lado de seu pescoço e ela aperta meus braços.
— Vamos. — Seguro sua mão.

Deito-a sobre a cama. Ela está completamente nua. Deleitei-me tirando


cada peça de roupa de seu corpo, e tendo o prazer de tirar sua calcinha com a
boca. Meu corpo inteiro necessita dela. A Raquel se tornou meu vício.
Já estou sem camisa, e agora começo a tirar minha calça, mas faço uma
pausa, para tirar a carteira do bolso e pegar um preservativo. Então dou
continuidade sobre seu olhar tímido, mas repleto de desejo. Livro-me da calça e
coloco o pacotinho prateado sobre a cama. Seguro suas pernas, e puxo seu corpo
para ficar mais próximo da beirada da cama. Inclino-me sobre ela, e beijo seus
lábios levemente. Vou descendo meu rosto, deixando meus lábios roçarem em
sua pele, passando entre seus seios deliciosos. Seus olhos se fecham e seus
lábios se abrem. Continuo o caminho, até chegar onde eu queria: no ponto mais
saboroso, após seus lábios. Abro suas pernas, deixando-a completamente exposta
para mim. E sem delonga começo a repetição de deslizar minha língua em seu
clitóris bem molhado. Forço meu piercing em seu ponto mais sensível, toda vez
que passo por ele gemidos escapam de seus lábios, e isso é música para os meus
ouvidos. Fico mais duro a cada instante, apenas por ouvi-la e senti-la com a
boca. Beijo, como se fosse sua boca, brincando com a língua, que escorrega para
a sua entrada úmida.
— Téo... — meu nome sai de sua boca em uma súplica. O desejo não
pertence apenas a ela.
Enfio dois dedos dentro dela, e torno a chupá-la, mas desta vez com
força. Os movimentos de meus dedos são firmes, porém lentos a cada saída.
Olho para seu rosto, e está vermelho. Seus olhos se mantêm fechados, e seus
lábios abertos deixando gemidos escaparem a cada hora mais intensos.
Retiro os dedos e paro de chupá-la. Ela resmunga. Porém, não digo nada.
Inclino-me sobre seu corpo, e começo a chupar seu seio, mordicando vez ou
outra e passando o piercing ao redor do bico duro. Ela leva uma mão ao meu
cabelo e inclina o corpo. Inicio a tortura em seu outro seio.
— Ah... Téo... Eu... Ah... — Não diz nada com nada, e isso é
maravilhoso.
Desliza uma mão pelas minhas costas, arranhando-me com suas unhas.
Seu corpo se eleva roçando em meu pau completamente duro, e fecho os olhos
no mesmo instante. Largo seu seio e beijo sua boca, com força, sem delicadeza,
e minha Santinha retribui, se mexendo sem parar embaixo de mim, deixando-me
ainda mais excitado.
Afasto-me ficando de pé. Retiro minha cueca, e chuto com os pés. Ela
olha meu pau, e sorrio. Deslizo a mão sobre ele, fazendo movimentos de vaivém.
E pela primeira vez, minha menina fica sem qualquer timidez e se levanta de
joelhos sobre a cama e se atira em meus braços, colando seu corpo ao meu.
Aperto sua bunda e em um impulso ela contorna minha cintura com suas pernas,
surpreendendo-me ainda mais. Mantenho-a presa em meu corpo segurando
abaixo de sua bunda. Beijo sua boca fazendo uma dança sensual com sua língua.
Ela contorna o meu pescoço com os braços, apertando seus seios em mim. Não
resisto, estou muito excitado. Ergo apenas o suficiente seu corpo, afastando o
necessário para encaixar meu pau em sua entrada. Nosso beijo fica ainda
excitante e caloroso. Sento na cama, sem nos afastar. Ela dobra as pernas para
cada lado das minhas. Segurando sua cintura, começo a movimentar seu corpo
em um sobe e desce enlouquecedor. Nossos lábios se afastam, e nosso olhar fica
preso um no outro. Ela apoia as mãos em meus ombros. Seus cabelos se mexem
com nossos movimentos.
— Porra... — Fecho os olhos por um instante.
— Quero... Quero tentar sozinha, fazer...
Não deixo que termine. Entendo qual é o pedido. Paro de movimentá-la,
e deixo que faça sozinha, e sou surpreendido mais uma vez, porque ela faz, e
começa a me apertar a cada descida. Apenas mantenho as mãos em sua cintura.
— Raquel, não faz isso, não me aperte assim... Caralho!
Ela faz, e dessa vez mais forte.
— Não estou fazendo certo...
— Merda! Está, e como está.
Rapidamente ergo seu corpo e coloco sobre a cama, e sem demora torno
a penetrá-la. Prendo seus braços enroscando nossos dedos, e me movimento com
força. Estou muito excitado. Nós dois estamos. Levo meu rosto ao seu pescoço e
beijo-o com carinho, bem diferente dos meus movimentos. Ela geme alto.
Deito de lado e viro seu corpo, deixando sua perna mais erguida e
segurando. E de lado, continuo penetrando sua boceta deliciosamente, e desta
vez sentindo ir mais fundo, e desejando que este momento não acabe, então
acalmo o movimento, torturando não apenas a ela, mas a mim também.
— Minha linda — sussurro em seu ouvido.
— Téo... — choraminga. — Mais...
— Mais o quê, amor? — provoco.
— Ah... Mais forte... — Estamos ofegantes.
— Seu pedido é uma ordem!
Torno a ir com mais força, e acelero.
— Amor... Não posso ficar assim, ou... — Ela me aperta. — Caralho!
Levo uma mão ao seu ponto mais sensível e massageio enquanto
penetro-a sem parar. Ela grita pelo prazer e para provocá-la mais acerto um tapa
em seu clitóris, e ela grita ainda mais e desta vez meu nome, mas a tortura
retorna a mim, porque ela me aperta muito mais, tornando mais difícil controlar
a vontade de gozar... Merda!
— Santinha, se você fizer mais uma vez isso, não vou resistir e estou sem
o preserva...
Ela me interrompe:
— Téo... Eu não consigo controlar...
Começa a se mexer mais, deixando-me ainda mais louco. Acelero a
massagem em seu ponto e acerto outro tapa, e ela grita. Seu corpo fica tenso, e o
meu também, sinto meu pau pulsar, não dá mais tempo, não com ela tremendo
todinha nele. Gozamos com força dizendo coisas sem sentido. Aperto seu corpo,
largando sua perna.
— Puta merda, Raquel... — sussurro em seu ouvido.
Puta merda... Ela vai acabar comigo, logo eu, o Senhor Pecado.

Ohhh, o motivo pelo qual eu insisto
Ohhh, porque preciso que este buraco desapareça
É engraçado, você é quem está destruído
mas eu sou a única que precisava ser salva
Porque quando você nunca vê a luz,
é difícil saber qual de nós está desabando
— Rihanna feat. Mikky Ekko “Stay”

Elisângela Pereira

Irei faxinar a casa hoje. Faz tempo que não faço isso e será uma boa
distração. Mente vazia é oficina para o diabo. Subo com o balde, vassoura, panos
e produtos. Estou acostumada a fazer isso, então é prático carregar tudo para o
segundo andar. Coloco tudo no corredor e vou em todos os cômodos, abrir as
portas e as janelas. Entro em meu quarto, em seguida no de hóspede e depois no
dela. Abro a janela e o sol do lado de fora é belo, obra Divina.
Olho para a cama, do jeito que ela deixou. Caminho até o criado-mudo
onde tem um terço de madeira com a cruz de metal e sua Bíblia. Abro seu
guarda-roupa e suas roupas estão lá, roupas estas que ela não usa mais. Fecho as
portas, e olho aquele espaço vazio, sem sua presença. Ela era minha companhia,
minha única companhia.
— Ela faz falta, não é?
Sobressalto-me e viro rapidamente observando a figura baixa, de cabelos
negros e barba, parada à porta.
— O que faz aqui? Eu disse que não o queria nesta casa.
— Sou seu irmão, e tenho a chave.
Ele entra e se senta na cama. Cruzo os braços e o observo.
— Vocês precisam uma da outra.
— Não. Se ela precisasse da mãe, não teria ido com um qualquer — sinto
um amargo na boca ao dizer isso.
Ele sorri e ajeita a postura.
— O que aconteceu para ficar assim? Essa não é você, minha irmã. Cadê
a Eli, que era supermoderna e bem-humorada?
— Sério que está me perguntando isso?
Puxo a cadeira e me sento inconformada com sua pergunta.
— Como me tornei assim? Quer mesmo que eu te lembre? Vocês me
fizeram assim.
— Não diga isso.
— É a verdade e você sabe. Quando eu era espancada sem motivos e
caluniada por nossa mãe, vocês nunca fizeram nada. Quando todos me
humilharam da pior forma e tive que sair da cidade, também não fizeram nada.
Todas as vezes que sofri, nunca fizeram nada por mim. Então não ouse vir me
perguntar por que hoje sou assim.
Sinto um nó na garganta e uma dor interna. As lembranças são terríveis.
— Está bem, confesso que eu errei. Mas estou aqui pronto para ajudá-la.
— Não quero sua ajuda. Agora é tarde demais.
— Não é. Ainda tem tempo para mudar toda essa história. Vá atrás da
sua filha e mostre arrependimento sincero.
Rio com raiva.
— Arrependimento? Não fui eu que escolhi abandonar a mãe. Depois de
tudo que eu passei, ainda voltei para cuidar da nossa mãe. Eu estive lá, quando
ninguém queria. Mas, quando eu precisei, vocês não estiveram. Raquel era a
única que sempre esteve comigo, e vocês tiraram isso.
— Minha irmã, ela ficava porque tinha medo. Ela estava ao seu lado, por
não ter escolha. Não existia felicidade ali! — diz com nervosismo.
— Eu sempre fui abandonada! — grito. — Sempre fui humilhada,
espancada e ninguém esteve ao meu lado. E quando pensei que isso tinha
mudado, fui traída por minha própria filha.
Levanto nervosa e enxugo a lágrima solitária que escorre por meu rosto.
— Por Deus, ela nunca te traiu! A sua necessidade por carinho e
companheirismo é tão grande, que criou uma ilusão de que ela estava feliz ao
seu lado. Só que ela permanecia porque morria de medo. Você fez da vida dela o
que nossa mãe fazia com você!
— NÃO! Eu nunca fiz! — grito nervosa. — Ela me queria por perto. Ela
precisava de mim. Eu perdi meu esposo, e agora minha filha. A vida sempre quer
me tirar tudo. Começou pela minha alegria, e atingiu as pessoas que estavam ao
meu lado.
Ele se levanta e para à minha frente.
— A vida não te tirou nada. Você afastou sua filha. Olhe a sua volta, e
veja que sempre tenta nos afastar.
— Porque agora é tarde para vocês mostrarem serem bons irmãos.
— Me perdoa se não fui o melhor irmão. Me perdoa se me calei quando
poderia te defender. Eu já disse que assumo esse erro. Mas você também precisa
assumir que está errada. Não pode continuar assim. Deixe a luz habitar em você.
Não permita que a escuridão com mágoas do passado domine seu coração.
Olho para ele e não consigo mudar o que penso. O mundo me fez ser
assim. Cresci levando pancadas da vida e das pessoas que deveriam me dar
carinho e apoio.
— Dê a outra face para essa amargura. Sua filha te ama, e vai te perdoar.
Não repita a história do passado.
— Eu não queria que ela fosse julgada e humilhada como fui. Eu não
queria que ela tivesse que fugir como eu fiz. Eu... Eu não queria, mas a vida e
todos vocês me deixaram assim. Ninguém esteve comigo quando precisei. Mas
ela e o pai estiveram, e agora não tenho mais eles. Tenho apenas Deus e ninguém
mais.
Lágrimas escorrem por meu rosto sem parar. Não posso continuar
guardando isso. Dói muito.
— Eu sei... Eu realmente sei tudo isso. Uma mãe jamais iria querer
coisas ruins para a filha, mas também jamais faria da vida da filha um inferno
como foi a sua, com o perdão da palavra. Raquel não era feliz com aquela vida,
mas também não pode ser agora com a mãe fingindo que ela não existe. Não
cometa o mesmo erro que eu e nossas irmãs cometemos e até sua ex-sogra. Não
seja nós. Estou aqui para te ajudar, porque você precisa de ajuda.
— Não preciso! Eu não preciso de ninguém.
— Precisa sim. Tudo pelo que passou, e todas as mágoas que vem
guardando apenas estão te destruindo mentalmente, e fisicamente. Talvez esteja
com depressão, não sei, minha irmã, mas precisa de ajuda. Deixe-me fazer isso.
Não estou aqui como padre, mas como seu irmão.
Ele tenta me abraçar, mas me afasto.
— Vá embora. Já é tarde demais para tudo isso. Vá e não volte mais.
— Elisângela, por favor...
— Vá embora!
— Está bem. Eu vou, mas irei voltar quantas vezes eu achar necessário.
Um irmão não deve abandonar o outro. Eu fiz isso e não farei mais. E saiba que
rezo todos os dias para que toda essa bagunça termine. A sua filha te ama. Eu e
suas irmãs te amamos. Você é amada, mesmo estando desse jeito. Deus também
te ama, e te quer sorrindo, e junto de sua filha vivendo em harmonia.
— Ela foi embora porque quis.
— Você deu uma escolha a ela!
— E ela escolheu ir.
— E você pode escolher trazê-la para perto e mudar toda essa situação.
Mas antes mude esse coração, porque sei que no fundo existe amor e luz. Não
use mais da religião como um escudo. Deixe esse fanatismo absurdo para trás.
Deus não quer nenhum fanático, ele quer pessoas com sinceridades, e dispostas a
amar e perdoar na mesma intensidade. Você precisa de ajuda e sabe disso. Se não
quiser falar comigo, fale com Deus, procure um psicólogo. Procure ajuda, e não
tenha vergonha disso. Só saia dessa escuridão.
— Vá embora!
Ele não diz mais nada e se retira.
Sento na cama e choro. Não tem mais o que ser feito. Não mais.

Raquel Pereira

Tomo um achocolatado enquanto fico observando a paisagem através da


varanda. O Téo foi embora de madrugada, e disse que avisaria quando chegasse
ao seu destino. É cedo, e já rezei pedindo a Deus que o protegesse nesta viagem
e que tudo desse certo, porque ele merece.
— Bom dia, meu amor! — Minha avó aparece.
— Bom dia!
— Não dormiu aqui. O menino Téo, onde está?
— Foi embora de madrugada. Precisava viajar.
— Que pena. Mas não se preocupe, ele volta. Não precisa ficar com essa
carinha.
Sorrio.
— Estou normal.
— Sim. Estou apenas atormentando-a. Bom, vou tomar um cafezinho, e
depois cuidar da minha horta. Aquela chuva rendeu alguns estragos. Acredita
que caiu uma árvore próxima ao lago? Benjamin e alguns rapazes vão remover.
— Nossa! Que pena isso ter acontecido.
— Sim. Mas são coisas da natureza. Me acompanha ao centro mais
tarde?
— Claro.
— Vou fazer as unhas e o cabelo. Que tal fazer também? Dar uma
repaginada?
— Não sei, vó... Gosto do meu cabelo assim...
— Bobagem. Mudar faz bem. E como pode gostar desse cabelo
“mortinho”? Precisa pôr mais alegria nessa aparência. Fazer um corte, dar uma
iluminada nesses fios. Ou pode deixar tudo azul.
Olho assustada.
— Aceito tudo, menos azul.
— Ótimo. Irei fazer o meu azul, e se alguém falar alguma coisa, eu
arranco a cabeça. Povo bobo. Só porque sou uma senhora, não posso
modernizar? Credo!
— Pode e deve. Faça o que te faz bem, vovó.
— Está certa. Então mais tarde iremos mudar o visual. Precisamos de
tudo. Depilação, cabelo, sobrancelha, unhas... E eu preciso de um homem.
Quanto tempo não tenho um...
— Vovó!
— Sou sincera, meu bem. Vou tomar meu café. Fico falando, e falando, e
esqueço o que tenho que fazer.
Ela entra cantarolando uma tal de “galopeira”, com bastante fôlego. Que
Deus proteja meus ouvidos.
Termino meu achocolatado. Entro na casa, e desejaria um bom protetor
de ouvidos. Sento na cadeira próxima a porta da cozinha, para o caso de ter que
correr, quando os vidros estourarem devido à cantoria. Deixo o copo que estava
em mãos, sobre a mesa.
— Porra, tem algum animal ferido?!
Sorrio com o comentário do Benjamin, que acaba de entrar.
— Me respeite, menino, que eu te castro.
Ele revira os olhos.
— Só poderemos remover a árvore mais tarde. Não queremos jogar em
outro canto porque é grande demais, e o rapaz que tem a caminhonete que
suporta o tamanho e peso da árvore, viajou e chega à tarde.
— Tudo bem.
Ela serve café para ele e depois para ela.
— Precisava que fosse para a cidade grande, tenho uns comerciantes
querendo negócios com umas terras, estou pensando em fazer plantações e
fornecer. Preciso que veja as propostas.
— Hoje? Porque se for, será impossível. Tenho que visitar duas fazendas
para fazer avaliação nos animais.
— Pode ser amanhã? — ela questiona.
— Sim.
— Que horas você vai, Benjamin? — pergunto.
Desde que acordei estou agoniada. Quero resolver essa situação logo.
Não aguento mais viver assim. Quero paz. Estou cansada fisicamente, e
mentalmente de tudo isso.
Deus, me ajude a mudar isso, porque preciso de paz interior. Não dá
para continuar desse jeito. Isso não é vida. Dê-me forças e sabedoria, porque eu
não tenho mais.
Minha avó sorri para mim e dá uma piscada, e então bebe seu café.
— Depois das oito horas. Por quê?
— Caso eu precise de uma carona, poderia me dar?
— Se for caminho, sim.
— Certo. Obrigada.
— Hoje vamos mudar o visual — minha avó diz a ele.
— Olhe lá como vai aparecer. Agora estou preocupado, porra! —
Benjamin a repreende.
— Vou aparecer bem lindona. Segure seus colegas, porque vão ficar
doidinhos.
Acabo rindo.
— Graças a Deus estão cuidando da festa de aniversário da cidade.
— Nossa, verdade. Preciso visitá-los, eles me amam.
— Deixe de graça, ou amarro a senhora na cadeira. Já disse que se for
pra casar, será comigo. — Ele pisca para ela e sorri.
— E quem quer casamento? Quero algo novo. Como falam mesmo? Tal
de curtição.
— Sua avó precisa de um asilo. Vi alguns bons!
Ele bebe um gole do café e me entrega a xícara.
— Ela vai me levar para dar uma repaginada, não posso deixar que faça
isso — brinco.
— Boa escolha. Mas depois, estou à disposição de carregá-la até o asilo
mais próximo.
Minha avó atira o pano de prato nele e começamos a rir. Benjamin sai
provocando-a ainda.
— Hoje vamos renovar o visual, que legal! — comenta animada.
Ela coloca a xícara na pia e pega a da minha mão, junto do copo que eu
trouxe e deixei sobre a mesa.
— Tenho medo disso.
— Não tenha. Vamos arrasar.
O telefone começa a tocar e ela sai para atender. Levanto e a sigo. Ela
está sentada no sofá e seu semblante é sério. Suas palavras são curtas. Depois de
alguns minutos diz:
— Querida, seu tio quer falar com você.
Franzo o cenho, pelo seu tom. Pego o telefone de suas mãos e bem
preocupada.
— Oi, tio.
— Olá, meu anjo.
— Aconteceu alguma coisa?
— Precisa voltar. Precisa ajudar sua mãe.
Sento no braço do sofá, e sinto como se tivesse levado um soco no
estômago.
— Voltar? Tio, não irei voltar a morar com ela. Não posso.
— Não é para isso. Volte à cidade, e ajude ela. Sinto que é a única
pessoa que ela vai ouvir, e mesmo que negue, vi que sente sua falta. Sua mãe
precisa de ajuda. Tenho medo de que vire algo grave. Não cometa o mesmo erro
que todos nós cometemos. Pense com carinho nisso, e faça se Deus lhe fizer
sentir que é para ser feito. Estou lhe pedindo como seu tio, e não como o padre
João.
Aperto o telefone nas mãos.
— Vou pensar. Prometo que vou pensar. Preciso desligar.
— Tudo bem. Fique com Deus, meu amor.
— Amém. Beijos.
Desligo sem esperar por mais nenhuma fala dele. Entrego o telefone a
minha avó.
— Ele me disse do que se tratava. Pense com calma, e sei que fará a
melhor escolha. Mas hoje quero que esqueça isso, e passe um tempo comigo,
pode ser?
Concordo e sorrio fracamente.
Ela segura minha mão e acaricia.
— Vai dar tudo certo. Pode acreditar no que digo.
— Tomara, vó. Tomara.

Ô, linda!
O que é que você faz pra ser assim tão linda?
Quando se olhar no espelho, diz assim
Tô linda!
Não sei o que dizer pra te ganhar ainda
Mas o começo pode ser assim
— Projota part. Anavitória “Linda”

Raquel Pereira

Benjamin acabou nos dando uma carona até o salão, por pura pressão
mesmo. Estou com bastante medo da minha avó. Ela está animada demais para
essa transformação. Foi a primeira a descer do carro e está me esperando
animada. Olho para Benjamin, em busca de socorro.
— Sinto muito, se vira. A última vez em que estive no seu lugar, terminei
com uma tatuagem na bunda.
Olho incrédula.
— Brincadeira.
— Não teve graça!
Ela bate no vidro e sou obrigada a abrir a porta.
— Vamos, querida. Hora da diversão.
— Vó, só pega leve. Não me faça passar vergonha. Por favor.
— Jamais faria você passar vergonha. Sou um anjo.
Olho uma última vez para Benjamin, que diz:
— Boa sorte. Se precisar fugir, saiba que não tem como. Ela persegue.
Olho feio para ele.
Minha avó me puxa e por pouco não caio. Fecho a porta e Benjamin sai
dali. Meu Deus, me ajude! Ela enrosca o braço no meu e entramos no salão, que
tem a placa dizendo que funciona todos os dias da semana, exceto feriados. As
pessoas nos olham, e um homem vem nos atender.
— Dona Esmeralda, que bom que veio.
— Nunca mais feche isso para reformas, Vicent. Fui no salão da rua de
baixo e a mulher é uma rapa...
— Vó! — Ela dá de ombros e larga meu braço.
O homem me olha e sorri.
— Veja só... Neta? Isso é novidade. Que rosto mais angelical.
— Obrigada — respondo timidamente.
— Amei quando ligou hoje cedo reservando... Em cima da hora, sabe...
— Ele sorri.
— Bom, o importante é que eu liguei.
— Sim. Da última vez surgiu aqui sem avisar e exigiu um horário. — Ele
arqueia a sobrancelha para ela.
— Sou preferência. Tenho idade avançada. Cada segundo conta. E chega
de papo. Vamos ao trabalho.
— Certo. O que vai ser desta vez?
— Quero meu cabelo azul-escuro. Unha das mãos e pés bem-feitinhos.
— Certo. Vamos fazer um teste de mecha antes.
— Sem problemas. — Ela sorri animada.
— E para ela, unha das mãos e pés, sobrancelha, cabelo e depilação.
— O que deseja, minha linda?
— Não sei. Por mim, deixaria o cabelo assim, mas é difícil negar algo a
minha avó.
Ele sorri.
— Tem que renovar, meu bem. Iluminar mais esse cabelo sem vida.
— Sua avó tem razão. Precisa de um corte mais jovial, algo com
repicados e uma franja.
— Não quero mudar a cor do cabelo.
— Certo. Então podemos fazer algo sutil, mas que dê um up. Morena
iluminada? Talvez. Combinaria bem. — Ele mexe no meu cabelo. — Tirar pouca
coisa do comprimento. Está com pontas duplas, temos que cuidar disso. Nunca
mexeu em seu cabelo?
— Não.
— Coitada. Nunca mexeu em nada.
— Vovó...
— Calei.
— Certo. Vamos transformá-la em uma jovem ainda mais bonita.
Cuidarei pessoalmente de seu cabelo, e as meninas vão cuidar do restante. Terá
um dia de princesa.
— E eu?
— Deixarei outra pessoa tão boa quanto eu para cuidar da senhora.
— Acho bom.
Meu Deus, que eu não saia correndo de desespero. Aperto o crucifixo da
minha correntinha.

Eles trabalham tudo ao mesmo tempo em mim e na minha avó. Não


questiono nada, apenas opinei na cor do esmalte da mão e dos pés, resolvi tentar
algo escuro. Escolhi vermelho para as unhas. Vamos ver de que forma irei me
sentir ao ver tudo pronto.
Olho às vezes para o lado, e fico bem preocupada com o resultado do
cabelo da minha avó. Já vi que de esmalte escolheu rosinha claro, o que foi
surpreendente, já que escolheu azul-escuro para os cabelos. Servem bebidas,
bolos, doces, tortas salgadas. Estamos sendo bem paparicadas.
Minha avó engatou em uma conversa bem animada com o cabeleireiro
dela. Eu estou tão ansiosa para ver tudo e com medo, que fico mais calada. Uma
moça se aproxima e começa a perguntar de que forma gosto da minha
sobrancelha, e respondo para ela fazer o melhor. Seja o que Deus quiser agora.
Não demora e ela começa a trabalhar nas minhas sobrancelhas. A que cuidava
das minhas mãos termina e se afasta. Olho para elas e fico mexendo os dedos
como uma boba. Ficou bonito. A moça que cuidava dos meus pés termina em
seguida e assim como fiz com as mãos faço com eles. Fico mexendo os dedos
empolgada. Não vejo a hora de poder ver tudo pronto.
Sou informada que vamos deixar a depilação para o final, pois será mais
rápido.

Téo Lima

Estou completamente cansado, mesmo tendo chegado à tarde em


Londres. Foram onze horas de voo, além da viagem do sítio até o aeroporto. O
voo foi direto, e não preguei os olhos em nenhum momento. Quando cheguei,
dormi, e acordei quase agora. Tomei um banho e pedi comida, pois por sorte a
cozinha do hotel em que estou funciona vinte e quatro horas.
Sento na cama, encostando o corpo na cabeceira. Pego meu celular e ligo
por chamada de vídeo para a Raquel. São poucas horas de diferença. No Brasil
não é tarde da noite ainda. Não demora a atender, porém para a minha surpresa
não é ela. E me assusto com o grito que a pessoa dá.
— Por Deus, quem inventou a câmera frontal não tinha noção do
problema psicológico que causaria nas pessoas. Deus nos livre. Que horror
abrir esse treco assim do nada.
— Dona Esmeralda? — Franzo o cenho.
Ela está mesmo de cabelo azul?
— Sim. Menino, sua voz é linda pessoalmente, mas por telefone fica
ainda mais intensa! — diz impressionada.
— Seu cabelo...
— Azul! Gostou? Renovei. Sua namorada também renovou.
— DE AZUL? — pergunto espantado.
— Não. Bem que eu queria.
— Cadê ela? E por sinal, ficou bem de azul.
— Ah, obrigada! Ela deixou o celular na cozinha e foi para o banho.
Mas já deve ter saído. Não sei como confia deixar esse aparelhinho perto de
mim. Faço estragos. Senhor, que ângulo péssimo esse meu.
Rio.
— Está ótima.
— E você péssimo. Cara de acabado. Levanta esse astral. Como foi a tal
viagem?
— Cansativa. E obrigado pelo elogio — ironizo.
— Não precisa agradecer. Olha, vou levar esse treco para a Raquel. Mas
irei virar a câmera. Deus me livre ficar vendo meu rosto nesse ângulo péssimo.
— Só erguer um pouco o celular.
— Cansa o braço. Dispenso. Agora vai ver a casa. — Ela inverte a
câmera e sorrio.
Essa senhora é comédia. Gosto dela. Começa a andar e falar como foi seu
dia. E apenas escuto rindo. Ela para e bate na porta.
— Vó? Viu minha correntinha? Tirei antes de tomar banho. Será que
caiu no chão? Ah, Deus, acho que preciso de óculos. — Escuto a voz da Raquel
gritando do outro lado.
— Menina, nem entrei aqui. Estou abrindo a porta.
— Pode abrir.
Ela abre e sou muito bem agraciado, com a visão da Raquel de quatro no
chão, apenas de camiseta e calcinha, procurando, pelo visto, a correntinha.
— Não acho... ACHEI! — grita animada, pegando algo embaixo da cama
e se levanta.
Fico observando em silêncio e sorrindo.
— Menina, que show você deu!
Ela se vira espantada.
— Por que... Vó, não está gravando, não é? Olha como estou! — Coloca
a correntinha.
— Acho que o Téo viu.
— O QUÊ? — grita se jogando na cama e se cobrindo embaixo das
cobertas. — Vó!
— Toma o celular. Ele está por vídeo. Vou tomar banho.
A câmera do celular é virada para a minha menina.
— Téo... Que vergonha — diz esfregando o rosto.
Sorrio com sua imagem. Porra, está tão linda! Mudou o cabelo, e tem
esmalte nas mãos.
— Está linda, Santinha. Adorei o cabelo e a cor do esmalte.
Mesmo através do celular, posso ver seu rosto criar um tom de vermelho.
— Me deixe ver direito?
Ela se ajeita, e tenho uma visão melhor. Tem franja, e mexeu no
comprimento também. E a cor está mais bonita.
— Está linda. Queria estar aí.
— Obrigada, Téo. Também queria você aqui, assim evitaria essa
vergonha de me ver naquela situação.
— Amei ver — provoco.
— Parece cansado — muda de assunto.
— E estou. Foram onze horas e talvez um pouco mais de voo. Dormi
desde a hora que cheguei, mas estou cansado ainda.
— Como foi a viagem? Como é aí? — Sua pergunta é repleta de
ansiedade e animação.
Deita na cama e, pelo visto, apoia o celular em algo. Está deitada no
travesseiro e de lado. Como queria estar com ela, agarrado ao seu corpo.
— A viagem foi cansativa. Não dormi no voo como eu disse. E aqui é
lindo como sempre. E hoje está frio, mas nada exagerado. Londres é
encantadora.
— É muito tarde aí?
— Acho que umas três ou quatro horas a mais daí.
— Então está tarde. Melhor descansar mais, Téo.
— Pedi comida. Estou faminto. E depois irei voltar a dormir.
— Retorna quando?
— Meu pai comprou a passagem de volta para domingo, mas assim que
terminar a reunião eu volto. Já conversei com a companhia aérea, e posso fazer
isso. Apenas pagarei uma taxa a mais. Só não agendei ainda, porque não sei a
que horas terminará a reunião e como será. Porém, antes de domingo, estou de
volta.
— Talvez, eu retorne para a cidade amanhã. Preciso voltar ao trabalho,
se é que ainda tenho. E tenho que tentar falar com minha mãe.
— Emprego ainda tem. Confie em mim. E que dê tudo certo se for falar
com ela. Só não deixe ela te controlar novamente. Você está evoluindo cada vez
mais.
— Sim. Eu sei... Vamos ver o que Deus vai preparar para amanhã. Seja o
que Ele quiser.
— Se precisar, vá para a minha casa. Peça a minha mãe as chaves, ela
tem cópias.
— Obrigada, Téo. Você tem sido muito especial. Sua ajuda e tudo o que
tem feito, jamais serei capaz de agradecer o suficiente.
— Sei um modo de me agradecer...
— Qual? — pergunta com ingenuidade.
— Beijos, carinho...
— Téo!
Sorrio.
— A visão de você empinada e apenas de calcinha e camiseta não sai da
minha mente. Como farei para dormir?
Ela esconde mais um pouco o rosto com a coberta.
— Não diga essas coisas, T-Téo.
— Digo e repito se for necessário. Já disse que está linda e estou ainda
mais apaixonado por você? Porra, Santinha, assim ferra para mim.
Noto que sorri, pois seus olhos entregam, mesmo que sua boca esteja
coberta.
— Ficar esses dias longe será difícil. Criarei calos nas mãos.
— De quê? — Franze o cenho.
— Melhor não saber. A única coisa que precisa saber é que quero seu
beijo.
Ela descobre a boca e sorri.
— Já estou com saudades. Isso é normal, Téo?
— Se não for, estamos bem ferrados.
— Talvez... Téo, preciso descansar um pouco também, ficar em salão
também cansa.
Sorrio.
— Descanse, Santinha. Logo estarei de volta para atormentar sua vida.
Ela sorri e amo esse sorriso tímido.
— Te amo — falo.
— Eu também amo você. Se cuida...
— Sempre.
— Téo?
— Hum?
— Vai apenas à reunião? Sabe... Vai e-em... Deixa quieto.
Torno a sorrir. Sei o que quer dizer.
— Não se preocupe. Sou todo seu. Eu que deveria estar assim, com você
aí, com esse meliante, como diria sua mãe.
Ela ri.
— Fica com Deus. Beijos.
— Beijos.
Desligo a chamada de vídeo. E logo batem na porta. É minha comida.
Pego e dou uma gorjeta ao rapaz. Sento à mesa, que tem no meu quarto, para
poder comer. Meu celular toca e é uma chamada da minha mãe.
Largo o garfo no prato e atendo.
— Oi, mãe.
— Seu filho ingrato. Já chegou? Não avisa. Estamos preocupados. Eu
estou morrendo. Téo, se eu morrer, não venha chorar, que ressuscito para te
bater.
— Faz tempo. Dormi, acordei e liguei para a Raquel. Estava jantando e já
iria mandar uma mensagem para vocês.
Ela ri com sarcasmo. Pronto, ativei a fera.
— Você ligou primeiramente para a sua namorada, que nem sequer a
apresentou como tal para nós. E para sua mãe, mandaria uma mera mensagem?
Olha só a ingratidão. Troquei suas fraldas. Não teve babá. Te dei o mundo.
Fazia todos seus gostos.
Escuto a risada da Hannah aos fundos e meu pai dizendo:
— Se acalme, querida.
— Mãe, menos. Estou cansado e com um pouco de dor de cabeça.
— Bem feito. Praga minha! Eu saí hoje, fui comprar presentes para você,
e descubro que mandaria somente uma mensagem. Que ingratidão. Culpa de seu
pai.
Meu pai grita aos fundos:
— Sempre sobra para mim!
Sorrio.
— O que comprou, dona Eleonor?
— Cuecas.
— Oi?
— Sim. Vi aquelas, da marca que gosta. Só não sei se comprei o tamanho
certo. A Hannah disse que são grandes. Que você usa PP e que a G ou GG
ficariam imensas.
— Manda a Hannah ir à merda.
— Ela ouviu. Está no viva-voz.
— Mãe, para que diabos comprou cuecas para mim?
— Porque sou uma boa mãe. E vocês, filhos, compram o mundo, mas não
se lembram de comprar cuecas e calcinhas. Hannah também ganhou calcinhas.
— Eu não precisava saber disso. — Levo a comida à boca.
— Sabe, eu compro as coisas para vocês. E não ganho nem um agrado.
Sofro demais.
— Mãe, eu irei comprar seu perfume. Está satisfeita?
— Que bom, filho. Porque não comprei a cueca e nem calcinha. Foi só
para chegar neste assunto. Quero os perfumes. Fiz uma listinha que vou te
mandar depois.
— Mãe, que feio ficar mentindo — provoco.
— Não menti. Apenas criei um meio de entrar no assunto que queria.
Hannah gargalha aos fundos.
— Mas ela disse mesmo que você usa cuecas minúsculas, para te
provocar.
— Vou querer saber por que estavam falando das minhas cuecas?
— Estávamos tentando descobrir porque seu treco não caiu. Téo, se no
hotel foram noventa e nove que teve e foram embora, fora as que não pediram
as contas, e as demais que não sabemos... Como consegue?
— Nem todas que eu saí, tive sexo... E porra, isso não é assunto, mãe!
Vou comer, e boa noite.
— Boa noite, filho. E não se esqueça dos meus perfumes. Vou mandar a
listinha.
— Não vou. E vocês esqueçam-se do meu pau.
— Téo Lima, tenha modos!
— Sério? Estavam falando dele.
— Não vem ao caso. Beijos. Amamos você.
Sorrio.
— Beijos. Também amo vocês.
Desligo antes que ela dê continuidade neste assunto.
Termino de comer e me jogo na cama. Ligo a TV e deixo em um canal de
notícias. A imagem da Raquel, de quatro e de calcinha, não sai da minha mente.
Porra. Lembro-me da gente no chalé, e não ajuda. Começo a ficar duro. Estou
muito ferrado!

Raquel Pereira

Ontem, dormi assim que terminei de falar com o Téo. Agora já estou
pronta para retornar à cidade. Já tomei café e Benjamin está me esperando do
lado de fora. Já levou minha mala. Não pude deixar de me admirar no espelho
enquanto me arrumava. Amei meu cabelo, a cor está mais viva e muito mais
brilhante. Minhas sobrancelhas e unhas me agradam muito. A depilação deixou
minha pele mais macia. Sinto-me um pouco mais segura depois de renovar.
Parece levantar a autoestima. Agora entendo o que minhas tias diziam...
— Querida, se precisar voltar, não pense duas vezes. Faça o que o seu
coração mandar. Não tenha medo. Lute pelo que sabe que é certo. Confie em
Deus e vai ser tudo maravilhoso.
— Obrigada, vó. Prometo voltar logo para te visitar. E vê se aparece na
cidade também.
— Pode deixar. Agora se cuida, minha princesa. Não deixe essa luz que
se acendeu dentro de você, apagar. E perdoe a todos nós, por termos ocultado
tudo isso. Fomos egoístas também.
— Tudo bem. Hoje compreendo que todos nós podemos errar. Jamais
seremos perfeitos.
Ela concorda.
Benjamin buzina.
— Vá, ou ele te deixa aqui. Esse homem não tem um mínimo de
paciência. Te amo, meu amor. Me ligue sempre.
— Ligarei. Te amo, vó. Eu deixei meu número anotado no papel que está
ao lado do telefone.
— Certo. Se alimente bem. Tome cuidado. Não exija muito de você
mesma. — Suspira. — Te amo muito.
— Pode deixar.
Abraçamo-nos. Eu jamais enjoarei disso. E então ela deixa um beijo em
minha testa. Leva-me até a porta, e sorrio para ela, antes de entrar no carro.
Agora preciso cuidar de um problema, que não posso mais fugir. Que Deus me
ajude e muito.

Eu gosto é daquele cafajeste
Aquele que não liga
E que não me merece
Que só faz coisa errada
E que me enlouquece
Chega, faz e acontece
— Thaeme e Thiago “Cafajeste”

Raquel Pereira

Estou a alguns minutos parada em frente à casa. Benjamin me deixou e


foi embora. Vim o caminho todo pensando nisso.
— Menina da família careta! Faz tempo que não te vejo.
Viro lentamente o rosto para a voz da dona Alzira, uma das vizinhas.
— Bom dia. Estive fora por uns dias.
— Percebi. Sua mãe sabe?
Fecho os olhos por um momento.
— Olha, tenho que entrar. Foi bom ver a senhora.
— Sei... Tenha um excelente dia, caretinha.
Esse foi um ótimo empurrão para eu entrar e não ficar ouvindo as coisas
que ela teria a dizer. Não tenho mais a chave desde a última vez. Espero que ela
abra ou esteja em casa. Aperto a campainha e respiro fundo. Encosto o ouvido na
porta e escuto passos. Ela está vindo abrir a porta!
Passei a vida com medo. Agora não é hora para isso. Ajeito a postura e
mantenho um olhar firme para a porta. Está na hora de aprender a lidar com tudo
isso. Não posso mais recuar. Fui longe demais para parar agora. Até agora, tive a
ajuda de muita gente, mesmo que alguns tenham mentido para mim. Mas sou eu
que tenho que me ajudar neste momento. Não posso temer minha própria mãe.
Se há uma coisa que aprendi nesses anos com todas essas regras absurdas, é que
Deus, nunca me abandonou, e não será agora que o fará. É normal sentir medo
— meu tio sempre disso isso —, entretanto, às vezes, não pode estar presente, e
esse é o momento que a minha coragem tem que ser maior que ele. Consegui
tantas coisas em pouco tempo. Mudei o visual, arrumei um emprego, fiz amigos,
fui para um evento, bebi bastante e não recomendo, conheci a praia, e até perdi
minha virgindade, e olha só, tenho um namorado bonito, que está em Londres, e
estou com saudades já. Consegui e conheci coisas demais, para agora eu parar no
meio do caminho. Algo dentro de mim grita: “A força maior, que tanto
precisamos encontrar, não deve estar em ninguém além de nós mesmos. Temos
que ser a nossa maior base de apoio. Não devemos apenas esperar coisas
grandiosas e divinas. Temos que ir à luta. Não precisamos ser fortes o tempo
todo, mas precisamos o tempo inteiro acreditar que algo bom acontecerá. Nós
atraímos a força. E nós atraímos as coisas boas. Palavras e pensamentos têm
poderes, então precisamos usar isso para coisas boas, para ser a nossa força
maior”.
A porta se abre e seu olhar se arregala. Poderia talvez enxergar sua alma,
com tanto espanto diante de seus olhos. Seus lábios se abrem um pouco, e
percebo sua respiração acelerar pelos movimentos rápidos de sobe e desce de seu
peito. Aperta o batente da porta, como se precisasse de forças para se equilibrar,
ou evitar fazer algo. Entretanto, consegue dizer:
— O que faz aqui? — Suas palavras são duras. Sem emoções. Talvez
esteja controlando todas.
Não retribuo da mesma forma. Uma força maior toma conta do meu ser e
me faz sorrir. Não qualquer sorriso. Mas o meu melhor sorriso, aquele que atinge
os olhos, ao ponto de quase fechá-los. Então, com calmaria, eu repondo:
— Vim ver a senhora, mamãe. Posso entrar?
Ela fica hesitante por um tempo, mas acaba cedendo, dando-me
passagem. Entro com minha mala e não observo o local que deixei. Apenas
sento no sofá de forma relaxada. Quem me conhece, diria que esta não sou eu.
Que fui abduzida. Eu diria a mesma coisa, se tivesse o poder de me duplicar e
me analisar agora. Eu cansei de fugir. Cansei de sentir medo dessa situação. Ela
se senta completamente ereta no sofá à minha frente. Tornozelos cruzados e pés
inclinados para a lateral. Suas mãos estão cruzadas em seu colo. Sua aparência
está péssima. Mamãe é uma mulher bonita, tenho que admitir, mas a beleza está
escondida atrás de olheiras, olhos inchados, e o semblante de cansaço.
— Vamos, diga o que veio fazer aqui? Mudou o cabelo, e mexeu nas
sobrancelhas. Cores nas unhas e roupas apertadas... Perdi minha filha para o
mundo.
Sorrio. Minha melhor arma agora.
— Mamãe, não vim aqui para brigar. Nem para ser julgada. Eu vim para
conversarmos.
— Não existe nada para dizer. Se foi seu tio que mandou vir...
— Ei, se acalma. Primeiro, quero agradecer por me receber.
Ela nada diz, então continuo:
— Estes dias longe daqui fizeram-me refletir muito. Estive com a vovó.
— Hum... Garanto que escutou muitas barbaridades sobre mim.
— Está enganada. Eu descobri toda a verdade, e em nenhum momento
ela disse maldades sobre a senhora. Na verdade, se culpa por tudo estar desta
forma.
— Sei.
— Pode acreditar. Mãe, eu também errei.
Muda a postura e me observa atentamente.
— Por mais que eu não soubesse da sua verdade, eu não deveria ter me
irritado, questionado, e até pensado coisas bobas. Isso foi o mesmo que julgá-la.
Então, perdoe-me por isso. Por favor, perdoe-me.
— Quer perdão apenas por isso? Mentiu para mim. Foi embora. Está com
um meliante que conheceu no mercado. Sim, no mercado. Lembrei-me disso
também!
— Mãe, o nome dele é Téo. E somos namorados.
Ela ri nervosa.
— Namorados? Poupe-me, garota!
— Sim. Estamos namorando. Mas não é disso que vim falar. Quero falar
sobre nós duas.
— Não existe mais nós duas. Isso acabou quando saiu por aquela porta.
Desde aquele dia, cortamos o vínculo de mãe e filha.
Dói ouvir isso. Mas sou firme.
— Não foi cortado. E a senhora sabe disso. Eu vim aqui, porque quero
que sejamos unidas, e que possamos ser como mãe e filha “normais” —
emociono-me ao dizer.
— Não é possível. Esqueça isso. Pode ir. Passei a vida perdendo tudo e
sendo deixada de lado. Não preciso do seu compadecimento agora.
— Oh, céus! Olhe a sua volta. Por mais que meus tios e minhas avós
tenham falhado com a senhora, eu estive ao seu lado. Quando me maltratava, me
proibia de viver, eu fiquei ao seu lado, mamãe. Quando todos os nossos vizinhos
nos chamavam de família careta, eu estive aqui sorrindo. Eu sempre estive com a
senhora, mesmo quando não existiam palavras de carinhos ou gestos, e nem
sequer um “eu te amo”. Eu estive aqui. Como pode dizer que passou a vida
sendo deixada de lado? E Deus, Ele também te deixou de lado?
— Não diga bobagens! Ele jamais me deixou.
— Então! Nunca esteve sozinha. — Sorrio. — Minhas tias e meu tio,
mesmo tendo falhado com a senhora, estiveram ao seu lado depois. Titio vive
aqui. As tias sempre te ligam e convidam para ir até lá. E sabe por quê? Porque
compreendem o erro que cometeram.
Seus olhos estão repletos de lágrimas, assim como os meus.
— Agora é tarde!
— NÃO! — grito. — Pare de recuar e se fechar.
Levanto, agoniada. Querendo gritar. Ela precisa enxergar que errou, mas
tudo pode mudar.
— Olhe para mim. Eu não era feliz e continuei aqui! — grito mais uma
vez. — Só saí por aquela porta quando a senhora não me deu motivos para ficar.
Eu estive nesta casa como uma moça indefesa por vinte anos, aguentando de
tudo. Se isso não é amar a senhora, não sei o que é então. Não foi apenas por
medo que não parti antes, foi por amor. Mas até o mais forte amor não resiste a
tantas pancadas. Eu mudei fisicamente, mas aqui dentro — bato no peito —, a
garotinha que precisa da mãe, ainda vive. Posso ter um emprego, amigos e um
namorado maravilhoso, mas nada substitui o seu lugar. — As lágrimas escorrem
por meu rosto e não enxugo. Deixo-as. — Olhe tudo isso! — Indico a casa. —
Um lar escuro, sem vida. A senhora diz ser uma grande religiosa, mas vive em
um lugar assim. E o pior, vive como este lugar. Sem vida. Sem luz. Mãe, reaja!
O tempo está passando, a sua mãe não vai voltar e meu pai também não. Mas eu
voltei e nossa família também, e estamos prontos para fazer o que for preciso,
mas a senhora precisa aceitar que também errou, por favor, permita isso!
Caio de joelhos à sua frente e seguro suas mãos. Ela começa a chorar
como uma criança indefesa.
— Por favor, deixe eu te ajudar. Deixe eu ter uma mãe de verdade.
Podemos continuar indo à igreja juntas, rezar, ler a Bíblia, mas tudo sem
exageros. Posso ainda fazer tudo isso, porque meu amor a Deus nunca mudou.
Porém, tudo tem limites. Não posso mais viver como uma fanática, e a senhora
também não. Querer mais da vida, não é pecado.
— E-eu não posso mais mudar. Dói. Pensa que não chorava todas as
noites que briguei com você? Pensa que não doeu em mim o tapa que lhe dei?
Eu senti cada dor que você sentia, mas eu não conseguia ser boa para você. Eu...
— Então vamos mudar para não ter mais dor. Não estou pedindo para
que largue tudo. Apenas para que viva mais e entenda que errou, mas pode
mudar para não repetir seu erro.
— Vai voltar para cá?
Sorrio e me levanto.
— Não. Seria dar um imenso passo para trás. Mas estou bem. Estou
conseguindo cuidar de mim. A vida também é uma grande professora. Ensina
muito.
— Posso pedir apenas uma coisa, se é que tenho direito?
— Claro.
— Me abrace?
— Oh, mãe...
Ajoelho-me, mais uma vez diante dela, e abraço-a com força. Como eu
sempre quis fazer. Entrego meus sentimentos de uma forma intensa. Choramos
ainda mais.
— Não posso mudar do dia para a noite. Não posso dizer que serei a
melhor pessoa daqui em diante. Tampouco que aceitarei tudo, mas vou tentar
melhorar. Antes de chegar, eu estive rezando e, pela primeira vez, senti de
verdade a Deus, e pedi um sinal, um socorro, e então você bateu na porta.
— Sinal para quê?
— Eu irei buscar ajuda de um profissional. E se for necessário, até me
interno. Ficar longe de você esses tempos me fez sentir uma dor forte demais.
Não posso mais continuar assim. Não sei até quando irei viver, e não quero
morrer sozinha. Não quero... — diz desesperada.
— Não vai. E conte comigo. Apenas entenda que eu preciso seguir minha
vida, e não posso mais viver sendo uma santa, porque ninguém é.
Afastamo-nos.
— Preciso ficar sozinha — pede.
— Tudo bem. Tenho que ir mesmo. Sabe onde me encontrar. — Levanto-
me e pego minha mala.
Ela se levanta também e caminhamos até a porta. Abro e saio, sentindo
um vento bom.
— Fique com isso. — Entrega-me a chave. Está sem jeito de fazer isso.
— Fique bem. E pense em tudo o que foi dito.
Lembro-me da frase que minha tia Noemi disse: “O perigo de uma meia
verdade é você dizer exatamente a metade que é mentira”. O autor desta frase —
Millôr Fernandes — estava certo. Nessa meia verdade, ouve apenas a metade
que foi uma grande mentira. Toda história tem dois lados, e temos que escutar
ambos, antes de qualquer coisa.

Chego ao hotel. Vim caminhando devagar. Senti falta de fazer esse


caminho. O bom que pude vir refletindo sobre a conversa com a minha mãe.
Sinto-me mais leve por isso. Acho que consegui deixar uma luz dentro de seu
coração, pequena, mas consegui. Isso é bom, não é?
Robson me vê e sorri animado, mas vai atender uma pessoa que chegou
de carro. Ele me olha mais uma vez, e aceno animada para ele. Entro no hotel, e
como eu gosto desse lugar! Está movimentado hoje. Olho em direção à recepção
e Pietra e Mayara atendem aos hóspedes. Caminho em direção à sala do senhor
Augusto. Preciso falar com ele sobre não ter vindo ontem.
— EU VOU INFARTAR! — Olho assustada para a figura à minha frente.
— Como cuidar das partes burocráticas, se essas meninas não sabem gerenciar
uma simples recepção? Ninguém é capaz de me substi... RAQUEL! — Natanael
grita e sorrio.
Largo a mala e abraço-o. Foram apenas alguns dias sem vê-lo, mas esse
homem fez falta. Acostumei a vê-lo todos os dias.
— Pensei que não voltaria, já que não veio ontem. Ah, menina, estou
perdido!
Afastamo-nos.
— Meu Deus! Está linda demais. Amei o novo cabelo.
— Obrigada — respondo sem jeito. — Mas por que está assim?
— Preciso encontrar um novo gerente para o hotel, mas ninguém aqui é
competente. Essas meninas não prestam para nada. Viu a bagunça da recepção?
E cadê o Téo? Aquele menino não tirou as coisas do escritório, e ainda tem
coisas no quarto que ele ocupava... Viu como sou eu para tudo?
— Se acalme. Vou conversar com o senhor Augusto, e te ajudo. Isso se
ele não me mandar embora por não ter vindo ontem.
— Não vai. Corra falar com ele e salve este homem, que não ganha
milhões para aguentar toda essa loucura.
— Vou levar minha mala para o meu quarto e já falo com ele.
— Seja rápida, ou vai até o meu enterro.
— Credo! Não diga isso.
Saio dali às pressas.

Depois de ter deixado a mala no quarto, agora estou na porta do senhor


Augusto. Já bati e ele pediu para entrar. E eu fiz, mas não consegui sair da porta.
Ele sorri, mas sua sala está uma bagunça. Pastas jogadas para todos os lados e
caixas. Quase impossível andar aqui.
— Querida, Raquel! Que bom que voltou. Um dia que deixou de vir e
olhe a zona que fiz para encontrar apenas um negócio!
— Perdão por não ter vindo ontem. E é por isso que estou aqui. Quero
saber se pode...
— Tem seu emprego ainda. Apenas me ajude a encontrar onde foi
registrado todos os gastos do mês passado.
Sorrio animada.
— Foi o Téo que fez?
— Sim. Pelo menos, isso ele fazia certo.
— Então não está em nenhuma dessas caixas. Ele registrava tudo no livro
caixa.
— Sim. E não encontro o livro.
— Porque está no armário da ex-sala dele.
Ele larga uma pasta sobre a mesa e cai sentado na cadeira.
— Claro! Por que não me lembrei disso? Olha a zona que fiz!
— Posso dar uma dica?
Ele indica com a mão que sim.
— Registre tudo no sistema. E faça sempre um backup em outro lugar
seguro. Evita papéis, e ajuda o meio ambiente também.
Olhamos para a sala.
— Téo era louco para eu fazer isso. Quer saber, farei. Vou mandar o
Natanael por tudo no sistema e fazer o tal do negócio aí que falou.
— Vou organizar isso aqui, e depois ajudar o Natanael.
— Ajude aquele homem primeiro. Pode arrumar aqui depois. Natanael
está a ponto de pirar.
— Certo. Vou pôr meu uniforme e...
— Não. Pode ficar assim. Está bonita, com todo o respeito. Sei que disse
que teria de usar uniforme, mas esquece. Use o que achar melhor. Quer saber?
Preciso da minha casa, e descansar. Estou desde ontem procurando o bendito
livro.
— Pode ir, e amanhã terá uma sala organizada. Precisa de algo para hoje?
— Não. Só ajude o Natanael, ou ele vai deixar todos loucos.
Concordo sorrindo e saio da sala.

Passei o dia todo ajudando o Natanael e depois arrumei a sala do senhor


Augusto. Agora estou no quarto. Tomei banho, e coloquei uma roupa mais
confortável. Também jantei, e enviei mensagens ao Téo o dia todo, porém ele
não respondeu nenhuma. Tentei ligar, mas não consegui. Estou preocupada e
entediada. Já é bem tarde.
Levanto da cama e resolvo descer. Natanael será uma excelente
companhia, já que ele disse que não dormiria tão cedo, pois começaria a fazer o
que o senhor Augusto lhe pediu.
Desço e vou até sua sala, mas ele não está. Caminho pelo hotel, indo em
direção ao saguão e fico surpresa por vê-lo junto da Samira e da Hannah. Eles
olham algo no computador. Não notam minha presença. Está tudo tranquilo
agora, bem diferente da hora que cheguei. Aproximo-me do balcão, e eles, que
cochichavam, param e me olham espantados. Estão bem pálidos.
— Oi, gente. Surpresa as duas aqui.
Hannah abraça a tela do computador e fico olhando sem entender. Samira
começa a sorrir, porém parece bem tensa. E Natanael pigarreia.
— Gente, tudo bem?
— Claro! — dizem em uníssono.
— Por que não estaria? Estamos ótimos. O que faz aqui? Não quer
dormir? A propósito, seu cabelo está lindo. Diga-me quem fez, já quero o meu
assim... — Samira começa a falar sem parar.
Hannah simplesmente deita a tela do computador e por pouco não
derruba.
— Lindo cabelo. Linda como sempre — Hannah diz, se inclinando sobre
o balcão.
— Por que não vai descansar, querida? — Natanael indaga, ajeitando a
gravata.
Estão todos agindo muito estranho.
— Isso! Durma, e amanhã tudo será maravilhoso. A vida é assim... Às
vezes coisas ruins acontecem, mas no final, tudo dá certo... — Samira diz e
Natanael simplesmente dá uma tapa em seu braço.
— Pessoal, por que estão agindo assim? — pergunto rindo da confusão
deles.
— Nada! — dizem em uníssono.
Noto um celular em cima do balcão, e Natanael puxa rapidamente.
— Gente, estão começando a me assustar, o que foi?
Eles saem de trás do balcão e param na minha frente.
— Está tudo bem. Somos doidos! — Hannah diz e ri.
— Sei... — Será que fiz algo e não querem dizer?
Mel e Talita se aproximam, estão prontas para irem embora. Fizeram
hora extra. Porém, ao passarem ao meu lado, elas riem olhando para mim.
— Está certo, o que houve? — questiono, tendo certeza de que algo
aconteceu.
— Vem. Vamos nos sentar ali no sofá — Natanael cede.
Fomos até o sofá e apenas eu me sento.
— Estão estranhos. Foi algo que fiz? Estou com algo engraçado no
rosto?
— Não! — Hannah nega.
— Você não fez nada errado. Quem fez foi ele. Na verdade, não sabemos
ainda, mas...
— SAMIRA! — Hannah e Natanael gritam.
— Foi mal. Ah, ela tem que saber de qualquer forma, até porque esse foi
o motivo da nossa vinda a esta hora, Hannah!
Olho assustada.
— Saber o quê? Me expliquem, por favor!
Começo a ficar nervosa. Minhas mãos começam a tremer, pela
preocupação que começa a me dominar.
— O que a Samira quis dizer é que sites de fofocas fazem de tudo por
fama. Acredita? — Ela faz um sinal e Samira entrega o celular a ela. — Mas não
devemos acreditar, sabe...
— Do que está falando?
Natanael se senta ao meu lado e acaricia minhas costas. Hannah me
entrega o celular e Samira cruza os braços. Olho para o celular e começo a ler o
texto da página aberta.

PLANTÃO CELEBRIDADES
“AFFAIR NOVAMENTE?”

Aqui trabalhamos vinte e quatro horas todos os dias. Não perdemos


nenhuma novidade!
Nossa equipe foi convidada para o grande evento que ocorreu em
Londres, e foi totalmente exclusivo, com uma lista de convidados bastante
seletiva. Mas fomos surpreendidos por duas pessoas que não se desgrudaram.
Téo Lima, herdeiro brasileiro de um dos hotéis mais requisitados, esteve o tempo
todo ao lado de sua ex-affair, a cantora Anny Cold.
Para você, que está perdido nos babados, vamos recapitular um pouco
dessa história: Quando a cantora esteve no Brasil, três anos atrás, eles
estiveram frequentando os mesmos lugares, e foram vistos em um hotel por duas
vezes, e até houve troca de beijos. Vale lembrar que nunca foi confirmado por
eles qualquer tipo de relacionamento. Mas os fãs da cantora sempre foram a
favor do relacionamento, e temos diversas fotos que comprovam o quanto
estavam íntimos no Brasil (três anos atrás), inclusive uma que mostra ambos
aos beijos o que levou todos a acreditarem que existia algo entre eles na época.
E hoje (três anos depois dos íntimos encontros no Brasil), após o evento
que não se desgrudaram, foram clicados na entrada de um hotel, e fontes
afirmam que é o mesmo que a cantora está hospedada na cidade londrina. Será
que está rolando algo entre eles mais uma vez? Seria um possível
relacionamento e, desta vez, com tudo assumido? Ou seria jogo de marketing, já
que ambos não aparecem na mídia por um bom tempo?
Fiquem com este questionamento e com algumas das fotos registradas do
evento de hoje, e as antigas de quando a cantora esteve no Brasil e ambos foram
clicados várias vezes juntos.

Olho as fotos e sinto meu coração acelerar. Téo está com a cantora em
diversos momentos do evento em Londres e realmente são eles na porta do hotel,
que aparenta ser bem luxuoso. E tem as fotos de quando ela esteve no Brasil e o
tal beijo que aconteceu aqui. Entrego às pressas o celular para Hannah.
— Viemos, assim que vimos, para te contar, ou procurar um meio de
fazer isso. E também explicar que, às vezes, esses sites inve...
— Tem fotos — falo sentindo um gosto amargo na boca.
— Mas apenas as fotos antigas são comprometedoras — Natanael
comenta. — Ele poderia apenas ter levado a moça ao hotel e foi embora.
— Por isso Mel e Talita estavam rindo — afirmo.
— São duas idiotas e invejosas. Raquel, ele jamais trairia você. Fez
merda sabendo que a mídia adora uma oportunidade de dizer coisas absurdas,
mas Téo jamais faria isso — Samira diz sentando-se ao meu lado.
— Tentei falar o dia todo com ele, e não consegui.
— Não pense besteiras. Quisemos te mostrar para explicar, que os sites
de fofocas, às vezes, são cruéis — Hannah fala.
— Elas estão certas, querida. Quando chegaram aqui e contaram o
ocorrido, estávamos procurando um jeito de sermos nós a dizer isso a você.
Porque além da mídia, ou seja, os sites de fofocas, as pessoas, como as
funcionárias daqui, podem ser maldosas.
— Só foi neste site?
— Em internacionais também. Ela é famosa demais. Esteve sumida, mas
parece que voltou com tudo.
— Mas nos internacionais disseram que são amigos. Que fontes
confirmaram isso — Samira diz e Hannah sorri, porém é falso.
— Deixe eu ver.
— Pra quê? Não precisa — Samira fala e se levanta.
— Deixa eu ver. Se disseram o contrário desse site brasileiro, quero ver.
— Está bem... — ela digita no celular e então me entrega.
Olho a notícia e é de um site de Londres.
— Viu? Dizem que são amigos! — Natanael diz, puxando o celular da
minha mão, achando que provavelmente não entendo inglês.
— Eu sei falar inglês, ler, escrever, o que for! O título já diz muita coisa.
Eles alegam também que pode ser um retorno do casal, e que desta vez esperam
que não escondam que houve algo.
Natanael suspira.
— Não fique assim. Amanhã tente falar com ele. Qualquer coisa, Samira
vai atrás dele e o esbofeteia, se você quiser!
— Por que eu? Vai você, Hannah. Se eu for, não vai prestar. Terá morte,
por ele ser cabeça-dura e esquecer que quando falam dele, nunca é para coisas
boas.
— Disseram que, às vezes, a mídia mente, mas estão querendo bater
nele? Será que mentiu? — questiono.
— Não ligue para nós duas. Somos loucas — Samira diz, caindo sentada
ao meu lado novamente.
— Obrigada por se preocuparem. Só quero ficar sozinha. Boa noite.
— Raquel... — Levanto sem deixar que Natanael me impeça.
Sigo para o quarto de onde eu nunca deveria ter saído. Só queria ter um
dia inteiramente bom. Sem qualquer problema ou preocupação.

Com o seu batom
Eu escrevi uma mensagem no banheiro
Esse boato que eu te traio é verdadeiro
Está lá escrito toda minha confissão
Lê com atenção
Eu descrevi cada detalhe com quem te traí
Só lá no fim cê vai saber com quem me envolvi
— Maycon e Vinicius “Moça do espelho”

Raquel Pereira

Desde que subi para o quarto, estou bem agoniada. Samira e Hannah
bateram na porta, mas fiquei quietinha. Só quero ficar sozinha neste momento, e
deixar o nervosismo que estou passar. Porém, sei que será difícil, já que estou
buscando pelo nome da cantora na internet, e só aparece sobre as últimas
notícias, na qual ela e o Téo estiveram juntos no evento em Londres e
relembrando o passado deles. No site que olho neste momento, é um estrangeiro.
Tem fotos deles sorrindo, se abraçando, ao que parece conversando, bebendo
juntos. Porém, são as fotos deles entrando no mesmo táxi, e entrando em um
hotel que alegam que ela está hospedada, que me deixam nervosa. Não quero
criar conclusões precipitadas, mas essas imagens não estão ajudando. Não devo
julgar apenas por elas, preciso ouvir o que ele tem a dizer, entretanto não ter
conseguido falar com ele o dia todo, também não ajuda. Estou muito
preocupada, e nunca me senti desta forma, nem quando as meninas do hotel
falam sobre ele. É diferente. Sinto medo, e não queria mais sentir isso em
relação ao Téo.
Saio do site, e entro no WhatsApp — ainda é estranho lidar com tantas
coisas assim —, e a última vez que ele entrou teve um bom tempo. Não
respondeu minhas mensagens. E tampouco retornou as ligações. Deixo o celular
de lado, porque só está piorando a situação. Ligo a TV, porque o sono não existe
agora. Coloco um pijama, apago a luz e me enfio debaixo das cobertas. Fico
assistindo a um filme que está passando, e acabo me distraindo um pouco. Ainda
me sinto estranha, fazendo coisas que antes pareciam impossíveis, como ver um
simples filme.

Acordo com o celular tocando sem parar. Ainda estou desnorteada por
acordar dessa forma. Olho no aparelho de TV, e são quatro horas da manhã. Meu
Deus!
O celular continua tocando sem parar. Pego-o, esfregando os olhos. É o
Téo. Sinto um friozinho na barriga, e então tudo o que vi nos sites vem com uma
tremenda rapidez a minha memória. Ele continua insistindo na ligação. Resolvo
atender.
— Oi.
— Sei que são quatro horas da manhã aí. Porém, só vi suas chamadas e
mensagens agora. Minha internet esteve uma merda, e deu problema no chip,
tive que resolver. Só conseguiram arrumar agora.
— Entendi.
— É sono ou está realmente estranha? Sua voz não é apenas de sono.
Se ele não tocar no assunto, também não irei dizer nada. E se tocar, eu
deixarei para resolver pessoalmente. Muito melhor do que por telefone.
— Vou fingir que seu silêncio é porque está com sono. Eu não teria como
ligar mais tarde, pois tenho a reunião daqui a pouco e não sei a hora que vai
terminar, e provavelmente retorno ao Brasil em seguida.
— Tudo bem. Só queria saber se estava bem — e é totalmente verdade
isso que digo. As ligações e mensagens foram para isso.
— Amor... Vou fazer de tudo para voltar ainda hoje. Vai depender da
reunião.
— Ok.
— Saiba que eu te amo. Agora vou te deixar dormir. E obrigado por
avisar nas mensagens, que Natanael está bravo por eu não ter tirado minhas
coisas. Isso já me prepara para quando eu chegar. Beijos.
— Beijos. E boa sorte na reunião.
— Obrigado. Descanse, e qualquer mudança de planos te aviso.
— Tudo bem. Até.
— Te amo.
— Eu também, Téo... Eu também. — Desligo e fecho os olhos.
Foi bom não ter dito nada, e nem ele ter tocado no assunto, talvez ainda
não tenha visto as notícias. Por mais chateada que eu esteja, quero que ele foque
na reunião, para se sair bem, e não no que está espalhado em todos os sites.
Coloco o celular no lugar e rezo para que dê tudo certo a ele, e para que
Deus conforte meu coração, tire os pensamentos ruins que estão me
assombrando. Porque até pesadelo tive, e acordei com sua ligação, o que deixou
minha mente ainda mais confusa.

Téo Lima

Estou na sala de espera do escritório do tal Saulo Ramirez. Porém, minha


mente está longe neste momento. Já vi o que a mídia causou com o meu nome e
sei que é por este motivo que a Raquel estava estranha, mas preferi ficar quieto,
e conversar com ela pessoalmente, porque seria ruim demais se ela ficasse muito
nervosa ao telefone e eu aqui de longe, sem poder fazer nada. Só preciso explicar
a minha versão, e torcer para que ela confie. Já sabia que isso aconteceria, pois
fazia tempo que não falavam nada sobre mim, porém não posso controlar toda a
minha vida, por medo do que vão dizer. Eu já estou acostumado com todas essas
coisas que fazem, mas ela não.
— Sr. Lima! — A secretária chama e indica a sala do Saulo. Ela abre a
porta, agradeço antes de entrar na sala.
O homem sorri e me estende a mão. Está de pé próximo a pequena
janela, girando uma caneta com a outra mão. Aceito seu cumprimento.
— Seja bem-vindo. Sente-se.
Faço o que ele pede. Porém, ele continua de pé.
— Fiquei curioso para conhecê-lo pessoalmente. Este ano não tive um
momento livre na agenda.
— Até agora.
— Touché. — Contorna a mesa e se senta, colocando os pés sobre ela.
— Agradeço por ter me dado um pouco de seu tempo. Meu pai falou
muito bem de você.
— Não querendo me gabar, mas é óbvio que falou. Porém, não é de mim
que vamos falar. É de você.
Gostei dele. Muito direto.
— É fotógrafo. Informação que foi me dada.
— Sim. Eu trouxe algumas fotos para ver. — Retiro o cartão de memória
do bolso e coloco sobre a mesa.
Ele pega e fica analisando, então me olha e sorri.
— Pequeno demais, para guardar um grande talento. Aqui na agência
Ramirez, eu trabalho com tudo ao vivo e a cores. Se você tem algo de bom, que
pode me agradar ou agradar ao mundo, irei descobrir assim que minha secretária
trouxer a câmera que solicitei.
Sério que ele quer que eu faça fotos agora? Porra. É o mesmo que dar
doce a criança.
— Por mim, tudo bem. Faço o que pedir, ou além.
— Gostei. Firme na resposta. Sabe, por ano passam muitas pessoas nesta
sala e poucas me agradam. Muitos pensam que procuro apenas o talento, mas
estão enganados. Se você tem algo de bom para oferecer ao mundo, seja firme
quanto a isso. Aqui não existe “se”, e tampouco “será?”. Quero pessoas que se
entreguem de verdade ao que querem e não pessoas apenas com talento. Gosto
daqueles que tem a certeza, antes de qualquer coisa.
— Bom, eu amo fotografar, e atravessar o país para uma reunião seria
uma prova boa, não?
— Pois é!
Ele se levanta e coloca as mãos no bolso.
— Não sou apenas o cara que consegue os melhores eventos, que
encontra os melhores artistas seja no que for. Eu mudo vidas, e faço o impossível
para colocar a pessoa no topo. Porém, se ela vai permanecer dependerá dela. Não
sou Deus para fazer milagres. A fama não depende do seu empresário,
agenciador, ou o que for, ela depende de você e da humildade, assim como a
permanência dela. Eu sempre digo que estou pronto para ver um grande talento,
mas será que o artista está pronto para lidar com tal?
— Não busco fama. Mas sei que ela é consequência de bons resultados e,
às vezes, de boas influências.
— Exato. Mas estar no topo não significa apenas bons resultados, afinal,
neste meio existem coisas erradas. Chegar à ponta da pirâmide da fama de forma
honesta e justa é o melhor prêmio que se poderia ganhar.
— Concordo.
— Téo Lima, o que é ser um fotógrafo para você?
Joga a pergunta de repente. Já entendi o jogo. Seu modo de observar,
suas falas longas. Isso é um teste.
— É eternizar momentos que não voltaram. É ser como o olhar de um
pintor, visualizar, e então colocar em prática. É a partir de um simples ato, ter
uma grande obra de arte. Ser fotógrafo é ver o que outros não veem. É transmitir
para cada foto, sentimentos. É de um simples lugar, fazer um grande paraíso... —
Faço uma pausa. — Ser fotógrafo é contar história através das imagens... Posso
continuar falando se desejar.
Ele cruza os braços e sorri.
— É nítida sua paixão por fotografar. Seu tom e sua expressão mudam ao
falar sobre isso. Torna-se um pouco poético.
Sua secretária pede licença e entra com a câmera em mãos. É
profissional. Conheço de longe o modelo e sei como é a qualidade da mesma.
Deixa sobre a mesa e se retira.
— Uma vez perguntei a um rapaz que era fotógrafo, o que ele via nesta
sala, e ele me respondeu sobre armário, mesa, livros... Téo, o que vê nesta sala?
Sorrio.
Levanto-me, pego a câmera e não respondo. Ligo-a e configuro para o
modo que desejo. A lente é a que vem. Esperto, nada de lentes ainda melhores.
Esse homem sabe o que faz. Olho para ele, e então respondo:
— Vou mostrar o que eu vejo.
Ele apenas assente e se afasta, sentando no sofá próximo a porta. Respiro
fundo, e olho para a sala. É simples, em um estilo rústico. Porém, um canto
chama a minha atenção, e torna todo esse lugar mais relaxante; se a pessoa focar
apenas nesse canto, deixaria o nervosismo de lado e teria uma boa reunião ou
conversa, seja qual for. Posiciono-me na distância que desejo e levo a câmera ao
olho, olhando através do viewfinder, e encontrando o perfeito ângulo para
compor, faço a foto. Abaixo a câmera e vejo a foto que tirei. Não preciso fazer
outra. Entrego a ele e volto a sentar-me na cadeira. Saulo analisa sem demonstrar
qualquer reação. Não fico nervoso. Era para eu estar, mas simplesmente estou
tranquilo.
Escolhi tirar uma foto do canto em que pega uma parte da vista da janela
exibindo as construções londrinas ao lado de fora, e a estante alta de livros
também com alguns objetos decorando-a, e o pequeno vaso com uma planta bem
verde. Se existisse apenas este canto da sala, e não conhecesse o dono dela e isso
fosse um mistério, criaria certa curiosidade para saber se é jovem, idoso, homem
ou mulher.
— Por que escolheu este lugar? O que viu nele?
— Curiosidade. Se eu não soubesse quem era o dono da sala, geraria
dúvidas.
— Quais?
— Os objetos de carros poderiam dizer ser um homem apaixonado por
automóveis. Porém, a forma de como foi todo planejado este canto, poderia ser
uma mulher, que adora decoração rústica, mas sabe também como deixar o
moderno em combinação, já que são poucos homens que se importam com isso,
e ela poderia ter uma grande admiração por carros desde os antigos aos mais
atuais. Já os tipos de livros, entregam ser uma pessoa que aprecia clássicos. Mas
quando olha para essa vista nesta pequena janela, só se pensa: “eu poderia passar
horas observando ao lado de fora, através desta janela. Eu poderia ser o dono, ou
a dona desta sala. Que se dane o verdadeiro dono. Quero essa vista para mim”.
— Uau! — Se levanta deixando a câmera sobre o sofá. — Você
realmente ama o que faz.
Senta-se em sua cadeira, e abre uma gaveta de onde retira uma pasta
preta.
— Leia atentamente. E espero que aceite, porque eu desejo trabalhar com
você. Téo Lima, o mundo precisa conhecer essa paixão que existe dentro de
você pela fotografia.
Olho surpreso e ele me estende a pasta.
— Domingo estarei no Brasil novamente, e espero ter sua assinatura
neste contrato. E antes que pergunte, seu pai deixou todos seus dados conosco.
Sorrio.
— Claro que deixou.
— Eu ficarei com isso aqui. E já tenho certeza de que é um objeto
pequeno para o seu talento — diz mostrando o cartão de memória.
— Confesso que no caminho para cá, pesquisei muito sobre você, e
fiquei muito surpreso com tudo que vi.
— O evento na qual esteve ontem foi apenas um rascunho do que eu
faço. Trabalho com eventos grandes, exposições imensas, shows nos melhores
lugares... Eu faço tudo por aqueles que entrego um contrato. Mas, nem tudo
depende apenas de mim.
— Sei disso... Não te vi no evento.
— Estava em um compromisso. Fiz o evento apenas para dizer que posso
não estar presente, mas estou de olho em todos que estou cuidando da carreira.
Como já sei que seu nome e o da Anny rendeu muito assunto na mídia.
— Não me lembre disso. Talvez eu tenha um grande problema para
resolver quando voltar. Em apenas uma ligação pude sentir a tensão na voz da
minha namorada.
— Pesquisei sobre você e vi um pouco de sua “fama”. Saiba que esta
moça, seja quem for, deve estar preparada, porque as notícias com seu nome vão
triplicar e sabemos que nem sempre serão verdadeiras.
— Também sei disso. Só espero que ela saiba lidar.
— Minha esposa não sabia lidar com isso, e hoje sabe. Levo um xingo
aqui e outro ali. Durmo às vezes no sofá, mas seguimos firmes, com ela grávida
de gêmeos.
— Que assim seja. Tirando a parte dos gêmeos — brinco.
Rimos.
— Mais uma vez, obrigado por seu tempo.
— Não tem pelo que agradecer. Leia o contrato, e no domingo entrarei
em contato para saber sua resposta.
— Certo.

Saio dali com o contrato em mãos. Irei ler e analisar tudo. Mas o
importante que o primeiro passo foi dado. Entro no táxi e dou o endereço do
hotel. Aproveito para enviar uma mensagem a Raquel e dizer que voltarei hoje,
só preciso falar com a agência de viagens. Mas tem uma mensagem do Rogério,
que me impede de enviar qualquer coisa a ela. Ele enviou um link dizendo:
“Porra, não é nada besta”.
Abro o link e, pela foto, já sei o que é. Leio a matéria e fico puto.
— Caralho! Bando de cretinos. Merda.
O motorista me olha rapidamente. E torço para que não compreenda o
português.
Desta vez, estão dizendo que passei a noite no quarto da Anny e fomos
vistos aos beijos no hotel. Essa merda não aconteceu assim!
Guardo o celular no bolso e respiro fundo. Lembro como tudo aconteceu:
Sento-me no balcão do bar. Está lotado. Existem apenas famosos no
lugar. Cumprimentei alguns que conhecia, e depois que fiz algumas fotos, fugi
para cá.
Bebo um gole da minha bebida. Estou irritado, porque meu celular não
está funcionando, e só poderão resolver amanhã.
— Isso é uma miragem?
Conheço muito bem essa voz. Viro-me para o lado direito e lá está ela
sorrindo.
— Anny Cold, quem é viva sempre aparece!
— Téo Lima! — cumprimenta-me com um beijo no rosto e um abraço.
Anny Cold é uma cantora pop inglesa, que faz muita fama, porém deu
uma sumida tem um tempo. A última vez que a vi foi no Brasil. Tivemos um
momento passageiro. Estávamos no mesmo lugar, e acabamos nos conhecendo e
rolou. Ela é uma das mulheres mais loucas que conheci.
Senta-se ao meu lado e pede uma bebida.
— Nossa, quem diria que eu o encontraria aqui.
— Fui convidado pelo Saulo Ramirez.
— Olha só. Eu agora o tenho como empresário. Cansei do meu antigo, e
chutei o traseiro dele para bem longe.
Sorrio.
— Andou sumida até da mídia.
— Sim. Foi bom para descansar um pouco e preparar meu novo álbum,
videoclipes, e claro a próxima turnê. Mas o que estava calmo virou correria.
Novo empresário significa repensar tudo.
— Então, teremos suas loucuras sendo divulgadas novamente? —
provoco.
— O mundo não vive sem mim. Sou a alegria de todos. E vamos torcer
para que alguma música se torne hit.
— Sei. Acho que não faço parte desse mundo.
— Idiota!
Rimos.
Assim que sua bebida chega, ela dá um gole.
— E você, como está a vida? O que faz aqui?
— Minha vida está bem. Vim para uma reunião com o Saulo.
— Hum... E a vida amorosa? Diga-me que está uma droga, porque a
minha é de chorar, e ouvir as pessoas dizerem que a delas é ótima fere a minha
humilde alma.
— Vou ferir sua humilde alma. Está ótima!
— Merda! Conte tudo. Estou entediada de ouvir apenas pessoas falando
sobre shows, roteiros, gravações. Quero assuntos de verdade. — Bebe mais de
sua bebida e faço o mesmo com a minha. — Voltou com a mãe da sua filha?
Lembro que falou que tinha uma menininha.
— Não! A mãe da minha filha morreria solteira, ao voltar comigo. Estou
namorando outra pessoa.
— Que viva a sortuda. Conheci e provei o conteúdo... mas existem
melhores, confesso!
— Obrigado pela parte que me toca.
— De nada — ironiza. — Eu continuo saindo com algumas pessoas, mas
nada sério. Ninguém me afeta de verdade. Sabe que gosto também de mulheres,
e porra, está complicado para os dois lados.
Rio.
Percebo quando alguns fotógrafos tentam disfarçar, mas fazem fotos de
nós dois.
— Sinto muito pela risada. Mas foi inevitável.
— Sente nada!
— É, não sinto.
— Babaca. Sabe, senti falta de você. Fez-me rir muito quando estive no
Brasil.
— Te dei meu número.
— E eu troquei de celular e número. — Dá de ombros. — Gosto de
pessoas assim, sinceras, divertidas. A vida de famosa cansa também. — Ela
levanta e ajeita o vestido preto todo brilhante e curto. Usa um casaco vermelho
também, aberto.
— Espero que sua namorada não se importe com os idiotas que estão
focados na gente.
Olho de relance e respiro fundo.
— Já havia notado.
Ela bebe o restante da bebida e faço o mesmo. Pedimos mais uma.
— Vou ao banheiro e já volto. Guarde meu lugar, e a bebida.
— Vou pensar no seu caso.
— Se eu retornar, e não tiver feito o que falei, eu te mato. Já viu a finura
do meu salto? Enterro ele em seu olho.
— Já pensou em ser atriz de filmes de terror ou máfias?
— Fui convidada para um de terror. O diretor ficou com medo, porque
fui muito realista no teste.
Ela vai até o banheiro e entregam as bebidas. Continuam fazendo fotos.
Tenho certeza de que vão mostrar o que querem e não o que devem.
Assim que retorna, voltamos a beber e a conversar. Rimos das histórias
que ela conta, e dos micos que sempre passa. Paro na segunda bebida, mas ela
continua bebendo sem parar, e já se nota o quanto está ficando alegre demais.
Vai se levantar e quase cai, então seguro-a.
— Acho que exagerei.
— Acha? Quando não exagera em algo?
— Quando é para cantar. Tem que ser corretinho, não posso exagerar. —
Reviro os olhos. — Preciso ir... Opa, minha bolsa ficou... Onde ficou?
— Não veio de bolsa.
— Verdade. Usei o local secreto para guardar o cartão, dinheiro e o
celular. O que... — soluça. — O que me faz lembrar que esqueci o documento.
— Não vou querer saber onde é este lugar.
— Vai, me ajude a pedir um táxi. Dispensei o meu motorista e segurança.
— Anda dispensando muitas pessoas.
— Shhh! — Cutuca meu peito.
Começo a sair com ela do evento, cuidando para ela não cair a cada vez
que tropeça. Peço um táxi assim que chegamos ao lado de fora.
— Ui... — Quase cai novamente, mas seguro. — Passei o dia sem comer.
Eu deveria ter imaginado... — soluça. — Mas precisava me distrair. Os últimos
dias foram estressantes demais. É bom relaxar e se entregar a um bom papo e
diversão... Claro com moderação, o que esqueci hoje. — Ela ri.
O táxi chega e ela entra.
— Quer saber, vou te acompanhar.
— Ainda estou consciente.
— Mas não está em condições de se defender ou pedir ajuda, caso algo
aconteça.
— Ótimo. Vai pagar o táxi, já que deseja ser babá.
— Meu Deus! Anny Cold, minha filha é sua fã — o taxista diz animado.
Entro no táxi e fecho a porta.
— Que belo exemplo para a filha dele.
— Babaca!
— Pode dar um autógrafo?
— Claroooo! — prolonga a fala.
Porra, meu destino é cuidar de pessoas bêbadas? Ele entrega um papel e
caneta que tira do casaco.
— Consegue fazer seu autógrafo? — provoco.
— Quer que eu faça com a unha bem na sua cara?
— Calma, nervosinha.
Ela sorri.
O motorista diz o nome da filha e ela escreve no papel. Tenho pena dessa
garota ao tentar ler.
— Sabe o endereço do hotel?
— Claro! Estou um pouco bêbada, apenas.
— Está andando e caindo.
— Eu caio sem ter ingerido álcool.
— Fato. Lembra que caiu na piscina, quando foi ao Brasil? — digo
sorrindo.
— Não me lembre disso. Apaga esse passado horrível.
Ela passa o endereço e o motorista dá partida. O homem conversa sem
parar e diz não acreditar estar com ela em seu táxi.
— Desculpe, mas são namorados?
— Eu que bebo e o homem que faz perguntas loucas! — Olho feio para
ela, que dá de ombros.
— Não somos namorados — declaro.
— Entendi.

Assim que chegamos ao hotel, pago o táxi e o homem faz uma foto com
ela. Ajudo Anny a subir até seu quarto. Mulheres correm tanto risco, que não me
perdoaria por deixá-la vir bêbada e sozinha para o hotel, e tornando o risco
ainda maior.
— Está entregue. Não faça nada de loucuras. Consegue tomar banho?
Quer que eu chame alguém?
— Relaxa. Minha irmã está no quarto ao lado. Chamarei ela se precisar.
Obrigada. E adorei te ver novamente.
— Também gostei de te ver.
— Até qualquer outro encontro, babaca! — Ela beija meu rosto e sorri.
— Até, maluca. Se cuida.
— Sempre!
Saio dali e pego outro táxi.

— Senhor?
Olho assustado para o motorista.
— Chegamos ao destino.
— Obrigado. — Pago a corrida e entro no hotel.
A primeira coisa que faço é ligar para a agência de viagens. Consigo
mudar a data do meu retorno para hoje. Porém, tenho que ser rápido, para chegar
ao aeroporto. Envio uma mensagem a Raquel e minto dizendo que não
conseguirei retornar hoje, então estarei lá apenas domingo. Quero surpreendê-la.
Ela responde dizendo que tudo bem e que torce para que a reunião tenha sido
boa.
Arrumo rapidamente minhas coisas.

Raquel Pereira

Ajudo Natanael a terminar de registrar tudo do livro caixa no sistema e


fazer backup em outro lugar também a pedido do senhor Augusto. Estamos
revezando, para não ficar tão cansativo e fazer com que cometemos erros.
— Sabe, fazer isso é bem chato, mas com essa sua carinha triste, está
tornando mais chato ainda.
Olho para ele, que está no computador.
— Desculpe. Só estou cansada. Não dormi muito bem.
— Sei... Não fique assim pelo que mostramos. Vai dar tudo certo.
— Posso dar uma saidinha rápida? Preciso de um pouco de ar —
desconverso.
— Claro!
Saio dali e vou ao lado de fora do hotel. Encosto-me à lateral e fico
observando o movimento. Sinto-me sufocada. E ele só vai retornar domingo, o
que não ajuda. Minha cabeça dói, e meu coração está apertado. Não procurei
mais nada na internet, porque depois da última notícia que vi, antes de começar o
trabalho hoje, sobre ter tido até beijo e ele ter passado a noite com ela, fiquei
com medo de qual seria a próxima.
Deus, me ajuda!

Amor, onde eu tô se sabe como é
Tá lotado de pinga e mulher
Falo mole quando eu bebo eu caio
Dou trabalho, mas nunca te traio
— Fernando e Sorocaba “Dou trabalho, mas não traio”

Raquel Pereira

Ontem, trabalhei até tarde com o Natanael, e conseguimos registrar boa


parte do livro caixa no sistema, e por segurança fomos fazendo backup também.
Agora falta pouco. O senhor Augusto não vai vir trabalhar hoje, pois tem um
compromisso com a esposa. Aproveito para cuidar dos meus afazeres, antes de
dar continuidade com o Natanael. Está frio, e aproveitei que o senhor Augusto
disse que não preciso mais ficar apenas de uniforme, e escolhi uma roupa mais
quente. Coloquei uma calça jeans justa, botas cano curto de saltos, mas não são
finos e nem muito altos, o que é bem mais fácil para mim, também uso uma
blusa branca de mangas. E uso a correntinha que o Téo me deu. Levantei
querendo me sentir um pouco melhor, porque foi difícil dormir mais uma vez, e
o frio me animou para me arrumar.
Confiro os e-mails, e separo a lista das coisas que precisam para o hotel,
feita pelas meninas, para eu entregar ao Natanael. Termino o que tenho para
fazer no computador e pego os papéis que preciso entregar ao Natanael. Saio dali
e vou até a sala dele. A porta está aberta.
— As meninas anotaram o que precisa.
— Garanto que falta coisa ainda. Elas só sabem prestar atenção em
fofocas. Vou ficar louco com elas.
Sorrio.
— Dê um voto de confiança, quem sabe não fizeram tudo certinho.
— Sua esperança nelas é tão fofo. Mas irei conferir tudo depois.
—Tudo bem. Quer que eu dê continuidade nos registros?
— Na verdade, agora preciso que confira os quartos livres do último
andar, e veja se foram arrumados. Porque vi as duas responsáveis por lá no dia
de hoje, transitando pelo hotel, como se não tivessem nada para ser feito. Aqui
estão os cartões dos quartos. Confira tudo e, por favor, não acoberte ninguém.
— Pode deixar.
— Gostei de ver que está mais animada hoje. Está até bem-vestida.
Sorrio.
— Obrigada, mas pare de me elogiar sempre. Vou começar a ficar mal-
acostumada.
— É inevitável, minha querida. Agora vá.
— Certo.
Pego os cartões para entrar nos quartos e saio dali.

Todos os quartos estão bagunçados. Natanael não vai gostar disso. Vou
até o elevador e aperto o botão. Não demora e ele chega. As portas se abrem e
Talita e Solange, duas das camareiras, me olham, analisando-me dos pés à
cabeça.
Talita para na porta, segurando o elevador enquanto Solange sai com o
carrinho de limpeza.
— Olha só... Não foi burra. Bastou dormir com o filho do dono para
conseguir posses. Mudou o visual, e agora não precisa de uniformes. E pelo visto
veio conferir se fizemos nosso serviço. Foi bem esperta. Enganou a todos com
seu jeito de santa.
Respiro fundo. Era só o que faltava para acabar com o meu dia. Será que
ter um dia completamente maravilhoso é impossível ultimamente?
— E veja só, botas de marca. Bestas fomos nós, Talita.
Elas riem.
— Com licença! — peço incomodada.
Passo por elas e entro no elevador.
— Pode sair? — questiono Talita, que apenas gira o corpo, mas continua
impedindo o funcionamento do elevador.
— Conta para a gente, como foi aplicar esse golpe? Passa as dicas,
amiga!
Ela realmente consegue me deixar nervosa.
— Não somos amigas. Agora, com licença! — Aperto o botão, mas ela
continua impedindo.
— Olha, seja como for, saiba que se abrir a boca para o Natanael sobre
não termos arrumado os quartos, eu tornarei a sua vida aqui dentro um inferno.
— Olhe a hora! Ele tem toda razão de ficar bravo — falo inconformada.
— São 11h30, garota! Não tem ninguém para ficar nestes quartos agora
— Solange retruca enquanto mexe no cabelo.
— Dane-se. Se abrir a sua boca, vou fazer da sua vida um inferno — o
tom da Talita é firme.
Sinto uma raiva tremenda. Meu estômago chega a revirar de nervoso. E
acabo dizendo sem qualquer medo:
— Um dos privilégios de namorar o filho do dono, é poder fazer com que
sejam demitidas. Se eu contar ao Téo ou Natanael, e pior, ao senhor Augusto,
sobre essa ameaça, as coisas ficarão bem complicadas para as duas.
— Negamos tudo! Será sua palavra contra a nossa — Solange diz e ri.
— E qual palavra vai valer mais? A da namorada do filho do dono, e
amiga do Natanael, ou a de vocês?
Ambas me olham feio.
— E saibam que vou dizer ao Natanael que nenhum dos quartos, que
deveriam arrumar neste andar, estão organizados. Agora, com licença!
Talita se afasta, cruza os braços e diz nervosa:
— Isso não vai ficar assim, garota!
As portas se fecham e encosto no canto, apoiando uma das mãos na barra
de ferro. Que nervoso. Não gosto desse sentimento, mas a Talita consegue me
tirar do sério. Ela e a Pietra conseguem ser as piores nas provocações.

Saio do elevador ainda nervosa. Pelo fato dela conseguir me deixar


assim, fico brava comigo mesma. Ela desperta um sentimento que não gosto.
Entro no corredor da sala do Natanael.
— Eu só quero ter um dia inteiramente bom! — falo sozinha.
— Falando sozinha, Santinha?
Grito assustada e deixo os cartões caírem no chão. Viro-me com o
coração acelerado e vejo-o parado no início do corredor. De aparência cansada,
mas continua bonito como sempre. De calça jeans, camiseta branca, com uma
jaqueta marrom por cima, ele sorri do jeito que consegue me desestruturar.
Começa a caminhar na minha direção, que abaixo para pegar os cartões, e então
volto a ficar em pé, e olhando atentamente para ele. Parece que estou sem ar. E
talvez, um pouco tonta.
— Está um pouco sem cor — diz preocupado.
— F-foi o susto.
Ele me puxa para si e me abraça. E como amo estar nesses braços. Seu
cheiro me deixa instável, assim como o seu calor. Mas as lembranças das
notícias voltam com tudo à minha memória, estragando toda a intensidade de vê-
lo.
— Precisamos conversar — declaro me afastando dele.
— Eu sei. Podemos fazer isso agora? — pede. Seu tom é brando.
— Agora estou trabalhando, ajudando o Natanael. E você parece
cansado.
— E estou. A viagem de volta foi mais longa, com atrasos, e turbulência.
Cheguei em casa, dormi um pouco e corri para cá. Estou exausto, mas precisava
te ver.
Acaricia meu rosto. E este simples contato me deixa aquecida.
— Porém, antes de qualquer coisa, preciso dizer que está ainda mais
linda pessoalmente. Agora eu realmente preciso andar armado. Já cogitava a
ideia, mas agora tenho certeza de que é a solução para os estresses que vou ter.
Está gostosa... Está maravilhosa, minha Santinha.
Acabo sorrindo.
— Não diga bobagens, Téo. Nada de armas.
— Estou com sono. Estando perfeitamente descansado já digo bobagens,
imagine cansado.
— Vá descansar. Preciso trabalhar. Depois conversamos.
— Vou ficar no seu quarto. Mas antes, quero um beijo.
— Não antes de conversarmos.
— Isso é tortura. Foi uma viagem longa, não seja tão dura comigo. Deixe
outra coisa ficar dura... — provoca e meu rosto esquenta.
Fico na ponta dos pés, porque mesmo com estes saltos ainda fico mais
baixa que ele, que deve ter 1,90m ou mais de altura. Então deixo um beijo em
seu rosto.
— Assim não vale.
— Primeiro vamos conversar.
— Só um beijo, e um pouco de outras coisas, por favor? — Passa a
língua pelo lábio.
Sinto um friozinho na barriga.
— Não. E pare de dizer isso, antes que eu fique roxa de vergonha. Já
estão dizendo... Esquece. Vou falar com o Natanael. E se eu fosse você, antes de
vê-lo, tiraria suas coisas do quarto que ocupou, porque ele ficará bravo apenas
pela sala que ainda tem suas coisas.
— Ótimo, se ainda se preocupa com o Natanael ficar bravo comigo, é
sinal que tenho chances de ser desculpado, por algo que na verdade nem
aconteceu.
— Depois falaremos disso. Tenho que ir até ele.
— Ok. Mas não me deixe esperando muito.
Concordo e entro na sala do Natanael. Ele me olha e volta a atenção ao
computador. Deixo os cartões sobre a mesa.
— Nenhum quarto foi limpo. Quando eu estava vindo, Solange e Talita
estavam chegando para limpar! — digo a verdade.
— Eu sabia! Eu digo que vou morrer do coração. Preciso avisar a
recepção que não reservem aqueles quartos até segunda ordem.
— Se quiser posso fazer isso.
— Na verdade, quero que vá falar com o Téo. Porque conheço aquele
garoto, e ele vai ficar infernizando até conseguir o que quer. E sim, eu ouvi tudo.
Sinto uma vergonha tremenda.
— Não. Eu preciso trabalhar.
— Vá. E já estou quase terminando os registros.
— Natanael...
— Vá, querida!
— Está bem. Obrigada.
Saio dali e vou para o meu quarto onde o Téo deve ter ido.

Não o encontrei pelo caminho. Deve ter conseguido elevador assim que
entrei na sala. Chego à porta do quarto e abro. Mas sou rapidamente puxada para
dentro e pressionada contra a porta. E então ele me rouba um beijo delicioso.
Seu corpo pressiona o meu. Seu piercing desliza pela minha boca causando
ondas intensas de prazer pelo meu corpo. Seus beijos são sempre tão intensos,
mesmo os mais calmos. Seu modo de me segurar, a força com que pressiona meu
corpo... Eu simplesmente consigo esquecer os problemas por um instante.
Afasta-se, deixando-me um pouco desnorteada.
— Pronto. Agora podemos conversar. — Sorri vitorioso.
— Isso não foi justo!
— Sou o Senhor Pecado. Jogo sujo, às vezes — provoca.
— Como entrou? Esqueceu-se de pegar o cartão comigo.
— Peguei na recepção.
— Como sabia que eu aceitaria conversar com você e aqui?
— Porque eu mereço a chance de me explicar por toda essa merda, e
você sabe disso.
Suspiro e passo por ele, indo até a cama onde me sento, deixando o
cartão no criado-mudo.
— Téo, quando vi aquilo tudo não queria acreditar e ainda não quero...
Sei que já teve muitas mulheres, mas você estava longe e...
— E eu jamais trairia você. Eu nunca traí a louca da Samira, por que
trairia a minha Santinha? Aquilo foi tudo suposição equivocada da mídia.
— Téo, você esteve no mesmo hotel que ela — digo tentando ser calma e
paciente neste momento.
— Primeiro de tudo. Vou te contar como tudo aconteceu e depois você
decidirá se me condena ou acredita na minha palavra.
— Não condeno a ninguém, Téo.
— Foi um modo de dizer.
— Eu sei.
— Enfim... Eu estive naquele evento e encontrei a Anny. Conversamos, e
ela acabou bebendo muito, não o suficiente para ficar inconsciente, mas o
bastante para eu não permitir que fosse embora sozinha. Existem pessoas ruins, à
espera de uma simples oportunidade de ferrar alguém. E então decidi
acompanhá-la até o hotel que ela estava. Fomos de táxi. Deixei-a no hotel, na
porta de seu quarto e nem sequer entrei. Nos despedimos e peguei outro táxi e
fui embora para o hotel que estava hospedado. Nada mais aconteceu, eu te juro.
Seu tom foi sério ao contar isso. Seu olhar ficou o tempo todo fixo ao
meu. E em nenhum momento existiu nervosismo em suas falas.
— É que vocês já tiveram...
— Foi passado. Foi pura coincidência nos encontrarmos. E só para você
saber, ela não tem atração apenas por homens, e disse na minha cara que já
esteve com melhores.
— Ah... — Fico sem jeito pelo que ele diz.
— Amor, eu jamais trairia você. Posso ser a porra de um cretino, mas se
estou em um relacionamento, jamais trairia.
— Então o tal do... — tenho até dificuldade em dizer. Faço uma pausa e
continuo: — O tal do beijo foi... Foi mentira?
— A única verdade do que a mídia disse, foi sobre o meu passado com
ela, três anos atrás. Nesta época, nos beijamos sim como mostraram, e rolou
coisas a mais que não é justo ficar expondo, e também negamos tudo, mesmo
com eles afirmando... Porra, como poderia pensar que eu te trairia?
— Porque, ao que parece, teve muitas mulheres. E uma vez meu tio
comentou sobre você querer o proibido. E se eu fosse apenas o proibido em sua
vida, e depois de conseguir, não quisesse mais? — pergunto chateada com tudo.
— Raquel, você é a proibida que eu jamais devolveria, mesmo sob pena
de morte.
Aproxima-se, abaixando entre as minhas pernas.
— Eu só quero você. Acredite em mim. Esses sites sempre vão procurar
coisas mentirosas para dizer. Algumas notícias não posso dizer serem mentiras,
mas outras são.
— Foi horrível ver tudo aquilo. Samira, Hannah e Natanael tentaram me
ajudar, mas não resolveu. Ontem eu estava muito chateada, e com medo. Você é
a única coisa boa que aconteceu em meio a toda essa bagunça da minha vida, e
não queria que isso mudasse. Já estou passando por muitas mudanças, mas nós
dois eu queria que continuasse do mesmo jeito... — me emociono.
— Primeiramente, lembre-me de matar esses fofoqueiros. Agora sei
quem mostrou tudo a você. E segundo, não pense nisso. Eu sempre vou estar
com você, mesmo quando estiver longe. — Enxuga as lágrimas que escorrem em
meu rosto. — Confia em mim?
— Você sempre foi sincero comigo. Só não quando quer fazer surpresas.
— Suspiro. — Confio sim.
Ele sorri lindamente.
— Que bom ouvir isso. Porque tem uma coisa que quero mudar na nossa
relação.
Olho sem entender.
— O quê? — questiono preocupada.
— Vem morar comigo. Sai desse hotel. Fica com esse belo homem?
— Téo, já sabe a minha resposta.
— Poxa, já passamos quase todos os dias colados. Qual seria a diferença?
Se quiser, pode ficar no quarto de hóspedes, e claro que seria o que fica ao lado
do meu. — Dá uma piscadela e acabo sorrindo.
— Não é certo...
— Santinha, já fizemos tudo de trás pra frente mesmo. Vem ficar na
minha casa, lá poderei cuidar melhor de você e ter seu cuidado. Sou muito
carente — brinca.
— Pare com isso. — Afasto-o e me levanto.
Ele se levanta também e sorri.
— Vai rejeitar morar com esse homem que aceitou te ajudar? Este
homem que aguenta o pai elogiar mais você do que a ele? Este homem bonito
pra caralho, que fez de tudo para voltar logo de uma viagem, apenas para te ver?
— Dramatiza e acabo rindo.
Ele se ajoelha à minha frente e começo a rir sem parar.
— Téo... Levanta daí!
— Raquel, aceita morar comigo? Ajoelhei bonitinho.
Continuo rindo. Ele segura a minha mão.
— Esse pobre homem implora por isso.
Agarra as minhas pernas e minha barriga chega a doer de tanto rir.
— Perdoou o Senhor Pecado, sendo que poderia desconfiar eternamente.
Mas rejeita morar com o Téo? Sim, sou duas faces e já experimentou ambas e
posso garantir que gemeu em todas... — Seu olhar muda.
Sinto meu rosto queimar.
— Levanta, seu maluco!
Ele faz isso e começo a controlar meu riso.
— Me perdoou mesmo, amor?
— Sim. Já disse que não sabe mentir para mim, exceto quando faz
surpresas. Fui uma tola por me preocupar — sou sincera nas palavras.
— Não foi. Eu no seu lugar ficaria também. Depois do episódio do sítio,
compreendi que a confiança entre nós dois precisa ser a base desse
relacionamento.
Concordo.
— Te amo, Téo. Como jamais pensei em amar outra pessoa além da
família e Deus.
— Eu também te amo, Doçura! — Olho feio para ele, que ri. — Para não
perder o costume.
— Vai retirar suas coisas do quarto que ocupava. Eu vou voltar ao
trabalho e você descanse, depois quero que me conte sobre a reunião e contarei
como foi com a minha mãe.
— Está bem, senhorita mandona.
Beija levemente meus lábios e me abraça por um tempo.
Pego o cartão da porta e caminho até ela, mas antes de sair digo:
— Sim.
— Que é senhorita mandona? Não precisa nem concordar.
— Sim, Téo!
Ele franze o cenho e então surge um sorriso em seus lábios.
— Sério?!
— Muito sério. Com você, eu quero tudo. Chega de ter medo!
— Porra! — diz eufórico.
— Olha a boca, Téo!
Ela caminha em minha direção, mas saio às pressas, com ele gritando
meu nome e eu rindo. Entro no elevador junto com alguns hóspedes que me
olham sem entender, e acabam sorrindo, por me verem sorrir, ou por eu estar
parecendo uma doida.
Realmente, toda história tem dois lados. Não posso jamais me esquecer
disso.
Téo Lima

Já são quase sete da noite. Dormi um pouco mais, e tomei outro banho.
Tinha algumas roupas aqui no hotel. Tirei todas as minhas coisas do quarto que
ocupava, e levei para o meu carro junto com as da Raquel, antes que ela mude de
ideia. Por sorte, a minha grande esperança desta vez ela aceitar morar comigo,
foi tão grande que vim com o carro que uso para sair com a Catarina, ou viagens,
por ser mais espaçoso, e assim caber suas coisas.
Minha antiga sala irei limpar amanhã, já falei para o Natanael, que assim
que me viu quase me matou, só não sei se pelas notícias falsas ou pela sala...
Talvez, tenha sido pelos dois. Mesmo com medo de que ela não quisesse me
ouvir, ainda tinha um pouco de esperança, e por sorte ela ouviu e acreditou. Eu
nunca a trairia. A amo muito para tal coisa, e se fosse ao contrário, preferiria
terminar a relação a trair. Estou à espera dela do lado de fora do hotel. Ela avisou
que iria se despedir do Natanael e já vinha.
Não demora e aparece sorridente.
— Téo, podemos passar rapidamente na igreja? Desde que cheguei, não
falei com meu tio, e preciso avisar sobre a minha mudança.
— Porra, e disse que me perdoou? Quer entregar minha cabeça ao seu
tio?
— Não diga isso! Ele não é um monstro.
— Com você não é!
— Téo! — fica brava.
— Ok. Vou te levar, mas se ficar viúva, não adianta chorar!
Abro a porta do carro para ela entrar.

Já estamos na igreja. Ela entrou primeiro para falar com o tio dela na sala
dele. Estou à espera tem um tempo, olhando a imagem da Virgem Maria.
— A senhora foi mãe, me ajude a não morrer, minha mãe precisa de mim
— digo, realmente preocupado. Esse padre não suportaria a sobrinha vivendo
comigo.
A porta se abre e Raquel me chama.
— Adeus, vida — digo e ela revira os olhos.
Entro na sala e seu tio me olha feio. Esse homem não sabe sorrir para
mim? Porra! Caramba, deve ser pecado pensar palavrão dentro da igreja
também. Só falta a punição de broxar retornar por isso, porque ainda acho que
foi punição por ser muito safado.
— Seu padre! — tento soar animado.
— Téo Lima, não sei se vou gostar de saber o que ela tem a dizer!
O clima é tenso.
— Primeiramente, eu e sua sobrinha...
— Estão namorando! Ela disse. Mas também disse que precisa contar
uma novidade além dessa. Não gosto de novidades. Para ser mais explícito, eu
não gosto quando envolvem você.
Ele se levanta e cruza os braços. Abre os dois primeiros botões de sua
camisa preta. Parece estar sufocando. Esse homem é de Deus, não mataria um
pobre homem bonito, né? Abraço a Raquel por trás. Se ele tentar me matar, uso
ela de escudo. Porra, esse homem me assusta. E porra... palavrão de novo!
Seu olhar é fixo em nós dois.
— Então, vão dizer? Estou passando mal já. Deus me ajude!
— Tio, se acalma. O que tenho a dizer é que...
— Está grávida e ela vai morar comigo — brinco para quebrar o clima
tenso.
Um estrondo muito forte acontece. E a queda do homem é livre.
— TÉO, OLHA O QUE FEZ! PORQUE MENTIU? MATOU ELE. —
ela grita indo até o tio desmaiado ou morto, não sei.
Ajoelhamo-nos ao lado dele. Ela checa o pulso do homem, que está
pálido.
— Eu matei um padre? Puta que pariu!
— Téo, respeite o lugar que está!
— Fala isso porque não matou um padre! — grito.
— Por que mentiu? — grita de volta.
— Apenas para descontrair. Eu não poderia imaginar que ele cairia
duro... Droga, péssima escolha de palavras.
— Meu Deus! Chame a ambulância. Agora!
Pego o celular no bolso e começo a discar.
— Tio, fala comigo! — Ela o chacoalha.
Atendem a chamada e peço uma ambulância com urgência explicando
que um padre caiu igual pedra no chão.
— Téo, ele não acorda! Nunca pensei que diria isso um dia. Mas se algo
grave aconteceu a ele, eu mato você!
— EU JÁ DISSE QUE NÃO IMAGINEI QUE ISSO ACONTECERIA,
PORRA! — Estou nervoso.
— Não grita comigo! Olha isso. Vamos ser presos. Téo, o que vamos
fazer? — Ela o abana. — Agora que estou tendo liberdade, irei ser presa. Meu
Senhor! — Está desesperada.
— Já estão mandando uma ambulância, fique calma.
— Calma? Meu tio está caído no chão!
Seguro o rosto dele no ato de desespero e chacoalho.
— Acorde, homem! Já foi punição suficiente. Não irei mais aprontar
essas coisas com o senhor. Sei que fui bem atentado quando mais jovem...
— SÓ QUANDO JOVEM? — ela grita.
— Não atrapalhe o momento aqui. Estou tentando salvar uma vida! —
Largo o rosto dele.
— Você é a mais santa aqui. Tenta o treco de chamar ele e ver se volta à
vida. Foi com Lázaro, que chamou, não foi? Estou confuso. Matei um padre! —
Eu realmente estou muito desesperado.
— Só cala a boca! — pede nervosa. — Téo, ele não acorda. A pulsação
já nem sei se é dele ou minha. Estou nervosa demais. Minhas mãos estão
tremendo. Estou passando mal.
— Não invente de passar mal. Já estou ficando louco, por um. Não
aguentarei por dois.
— Culpa sua! Meu Deus, olha isso. — Ela está ficando pálida.
— Se acalma, Raquel!
— Dizer isso está me deixando ainda mais nervosa.
Esfrego o rosto. Matei um padre! Que merda eu fiz?

E quando o sol chegar
A gente ama de novo
A gente liga pro povo
Fala que tá namorando
E casa semana que vem
Deixa o povo falar
"Que" é que tem?
Eu quero ser lembrado com você
Isso não é problema de ninguém
— Jorge e Mateus “O que é que tem?”

Raquel Pereira

Estamos no hospital. Meu tio está em uma maca. Acompanhamos os


enfermeiros e a médica que o examinam na sala de emergências. Nunca vou
perdoar o Téo, se algo acontecer ao meu tio.
— Como pôde fazer isso?! — digo ao Téo que está observando tudo
atentamente.
— Foi uma brincadeira, amor.
— Meu Deus! — Fico brava por ele achar que aquilo foi brincadeira.
Assim que chegamos tivemos que explicar o que aconteceu, claro que
não contamos tudo. Mas foi o suficiente para os enfermeiros e a médica olharem
feio para nós. Que vergonha, Deus!
As pessoas estão preocupadas para saber o porquê do padre da cidade
estar aqui, e eu não posso falar que foi meu namorado que causou toda essa
confusão.
— Ra... Raquel...
Sobressalto ao ouvir a voz do meu tio. Rapidamente me aproximo o
máximo permitido pelos enfermeiros e pela médica.
— Tio! — digo ainda muito nervosa.
— O senhor precisa ficar calmo. Lembra-se do que aconteceu? — a
médica pergunta e ele franze o cenho e esfrega a testa.
— Eu estava conversando... Então...
Fica mudo e olho preocupada. Continuam examinando-o.
— Tudo bem. Vamos com calma. Primeiramente, o senhor está em um
hospital, porque desmaiou. Estamos examinando. Chegou há pouco tempo e veio
a acordar apenas agora. Certo?
— Desmaiei? — Ele me olha confuso.
— Sim, tio. Estávamos na igreja conversando, e então desmaiou. — Que
Deus me perdoe por ocultar o motivo do desmaio.
— O senhor realmente não consegue se lembrar de algo? — a médica
questiona mais uma vez, enquanto anota algo em uma prancheta.
— Pelo amor de Deus, homem! Diga que se lembra... — Téo
praticamente grita e se aproxima. Todos olham feio para ele, inclusive eu.
— Você! Céus, agora me lembro... Eu vou te matar! — meu tio diz
ficando alterado.
É muito rápido. Meu tio salta rapidamente da maca, e parece tonto. Dois
enfermeiros o seguram, tirando ele de perto do Téo. Ele está muito agitado. Meu
namorado tem os olhos arregalados.
— Foi ele... Seu... Seu... Olha... Eu vou pecar e serei banido da igreja,
mas irei matá-lo e declarar isso com orgulho! — meu tio diz com a voz mole.
— Pelo visto está bem... — Téo diz ajeitando a roupa.
— O senhor saia imediatamente daqui! — a médica grita com o Téo, que
me olha e faço sinal para que ele saia.
Meu tio está muito agitado. Não para de dizer que quer matar o Téo e
acabo sendo retirada da sala. MEU DEUS, O QUE FIZEMOS?
Encontro o Téo no corredor, que me olha preocupado.
— Parabéns. Que brincadeira maravilhosa a sua! — Pego meu celular no
bolso. Vou ter que avisar minha mãe.
— O que está fazendo? — pergunta.
— Vou avisar minha mãe. Ela tem que saber onde o irmão está.
— NÃO! — Ele puxa rapidamente o celular.
— Ficou louco? Me dê isso, Téo.
— Não. Já basta seu tio que por pouco não me mata, e quer trazer a que
vai conseguir terminar o crime? Nem pensar. Vamos esperar para ver, e então
avisamos. Era só o que me faltava, querer ficar viúva antes do tempo! — Ele
coloca o celular no bolso.
Reviro os olhos e encosto na parede. Estou preocupada e cansada de toda
essa loucura.
— Vai dar tudo certo. Não foi nada grave...
— Só fica quieto! Não estou bem.
Respiro fundo e fecho os olhos por um instante, até o nervosismo passar.

— Estão demorando! — Téo reclama, andando de um lado para o outro.


— Se você não tivesse mentido, não estaríamos aqui.
— Em partes, eu poderia estar revelando sobre o futuro, já que transamos
duas vezes sem preservativo. Culparemos a excitação. — Cruza os braços e
encosta de lado na parede, me olhando.
— NÃO! — grito nervosa. Um enfermeiro que passa pelo corredor me
olha feio, assim como outras pessoas ali.
Empurro o Téo e me sento na cadeira de frente.
— Calma, não vai ter um treco também.
— Pare com esse papo. Já causou danos demais! — digo nervosa.
— E como!
Ele senta ao meu lado.
— Mas por apenas uma pequena dúvida. Você não toma remédios, né?
— Não... Téo, chega desse assunto. Não estou, e não vou ficar. Chega!
— Raquel, precisamos falar disso. Vacilamos duas vezes. Não estou a
fim de ver seu tio ter um treco de novo se a brincadeira se tornar realidade.
— Téo, pelo amor de Deus, chega disso. Eu não estou e pronto.
— Vamos torcer para não ter sido em seu período fértil. Seria muito foda
se de primeira... — Olho feio e totalmente vermelha por ele ficar falando sobre
isso. — Parei. Porra, estou nervoso, e tentando arrumar qualquer assunto que não
seja eu ter possivelmente causado um ataque cardíaco em um padre!
Esfrego o rosto e encosto a cabeça na parede.
A médica, que está cuidando do meu tio, sai da sala e vem em nossa
direção. Nos levantamos.
— Naquela confusão toda, não pude me apresentar. Sou a doutora
Raiana. — Estende a mão para nos cumprimentar. — Raquel, né?
Concordo com um leve aceno.
— Bom, seu tio está bem. Fizemos exames e medicamos ele, que estava
bem agitado. Tudo não passou de um grande susto. Vocês explicaram que ele
recebeu uma notícia e desmaiou. Pois bem, seja qual for o sentimento que ele
tenha tido na hora levou ao desmaio, devido a uma queda de pressão, o que não
deve acontecer. Ele agora está dormindo, por causa da medicação, e assim que
acordar, iremos fazer uma nova avaliação por garantia. Amanhã cedo poderá ter
alta. Hoje estarei de plantão e vou ficar de olho.
— Então está tudo bem? Podemos vê-lo? — questiono preocupada.
— Está tudo bem. Foi apenas um susto. Como eu disse, ele está
dormindo, mas irei permitir que entrem, mas sem qualquer bagunça. O remédio
vai deixá-lo dormir a noite toda. Assim que ele acordar, caso não tenha algum
enfermeiro próximo, só chamar imediatamente. E, por favor, evitem dar notícias
que vão causar outro efeito como esse.
Téo abraça ela, que se assusta.
— Doutora, acaba de livrar esse pobre homem da ira do Grande
Poderoso.
Puxo o Téo, envergonhada.
— Não ligue. Está emocionado — digo.
— Não tem necessidade de passarem a noite.
— Mas quero ficar. Na verdade, vamos ficar! — Agarro o braço do Téo.
— Tudo bem. Ele está em um quarto sozinho, então podem os dois
acompanhá-lo. Só evitem fortes emoções novamente. Até mais — ela diz
seriamente e se retira. Pelo visto, não gostou muito da gente.
— Vamos, Téo!
— Melhor eu...
— Vamos! — Arrasto-o até o quarto.
Estou aliviada por saber que tudo não passou de um grande susto.
Entramos no quarto, e fecho a porta. Respiro fundo ao vê-lo e sorrio. Que
loucura foi isso. Caminho até ele e assim que me aproximo, acaricio seu rosto.
— Téo, você quase matou meu tio. Meu Deus! — Viro para ele, que dá
de ombros.
— Ele já devia estar acostumado com as minhas loucuras.
Téo se senta na poltrona e me puxa para sentar em seu colo, contornando
minha cintura com um braço.
— Obrigada por ter escolhido trazê-lo para o melhor hospital e ter se
responsabilizado pelos gastos.
— Foi minha obrigação. Depois da brincadeira infeliz, eu devia isso a
ele.
Mexo em sua mão, brincando com seu anel.
— Que dia louco. Primeiro as provocações. Depois sua surpresa e agora
isso.
— Como assim, provocações?
— Esquece. Na verdade, esses dias têm sido loucos.
— Nada de esquece. Que provocações?
— Talita e Solange, mas não foi nada de mais. Estou me acostumando
com as loucuras delas. — Eu acho.
— O que fizeram dessa vez? — pergunta nervoso.
— Nada importante. Não quero me lembrar delas agora.
— Hum...
Eu devia ter calado minha boca. Pela cara de arteiro que ele está fazendo,
isso não vai ficar como assunto encerrado.
— Você é maluco. — Acaricio seu rosto e sorrio.
Ele sorri. Amo tanto esse sorriso perfeito de menino rebelde.
— Vá para casa, é melhor. Precisa descansar, e amanhã quero saber como
foi a reunião.
— Vou ficar aqui.
— Sentimento de culpa? — brinco.
— E como.
— Então vem!
Levanto e me sento no sofá do outro lado. Bato a mão em meu colo e ele
vem até a mim.
— Deita aqui. Mesmo você me deixando doidinha, e fazendo com que eu
tenha sentimentos que nunca tive, como o da raiva ao ponto de querer matá-lo,
eu quero que descanse.
— Que honra! — ironiza.
Deita no sofá, colocando a cabeça em meu colo. Começo a mexer em seu
cabelo, que está um pouco maior, assim como sua barba.
— Estou curiosa. Já que essa noite será longa, antes de dormir, não quer
me contar como foi?
— Bom... — fica sério e isso me preocupa. — Foi um sucesso!
— Meu Deus! — digo animada, mas lembro-me de que é um hospital, e
abaixo o tom — Que maravilha, Téo!
— Preciso ler o contrato e domingo dar a resposta.
— Tomara que esteja tudo como quer.
— Sim. Quero procurar um local para tornar meu estúdio. E preciso
contratar alguém para me ajudar a organizar tudo.
— Estou feliz por você. Será um grande fotógrafo.
Sorrimos.
— E sua conversa com sua mãe? Ela não deu a louca e te agrediu, né?
— Não. Foi tranquilo, acredita?
— Não!
Rio baixinho.
— Acho que ela está começando a reconhecer seus erros. Pensa em
procurar ajuda, mas quer ir com calma e eu darei esse espaço para ela. Estou
pedindo a Deus para que dê tudo certo. Chega de só ter problemas e lágrimas de
tristeza.
— Vai dar tudo certo. E estou contente por saber que foi tudo bem.
Ficamos conversando baixinho, até que ele fecha os olhos e fico quieta,
apenas observando-o. Começo acariciar seu rosto e sorrio. No final, tudo
melhora. Depois da tempestade vem o arco-íris. E estou aprendendo com cada
problema que surge. E é como minhas tias dizem: “No final iremos rir de tudo”.
Esses dias foram terríveis. Problemas atrás de problemas. Na verdade,
desde que mamãe descobriu tudo minha vida virou de cabeça para baixo, e ficou
mais confusa do que quando conheci o Téo e pedi sua ajuda. Mas hoje, talvez
pelo cansaço, tenho vontade de rir com gosto e me lembrar de cada coisa que
ficarão marcadas eternamente, mas não de uma forma dolorosa, e sim em forma
de aprendizado. E pensar que toda essa bagunça só existiu por causa do medo.
Palavrinha pequena e com grande poder, mas Deus sempre esteve me ajudando,
mesmo quando não merecia. Preciso ir à igreja, ter um momento apenas eu e
Ele, agradecer por tudo.
— Eu me casaria com você hoje. Pularia todas as fases do namoro para
isso.
Acho que meu coração perdeu umas cinco batidas. Olho assustada para o
Téo, que ainda mantém os olhos fechados.
— Téo? — acredito que esteja sonhando.
— Eu simplesmente iria amar usar uma aliança dourada em minha mão
esquerda, com seu nome gravado dentro dela. Já estou pensando que ficaria
charmoso pra porra.
— Téo, está bem?
Eu estou ficando assustada. Ele só pode estar sonhando.
— Se podem existir relacionamentos que com um mês geram um filho,
por que não um pedido de casamento com menos de um mês de namoro? Nunca
gostei de enrolações. Sabe o que me atraí nos contos de fadas que a Cate assiste?
Que os casais não têm medo e se entregam ao tal do felizes para sempre de cara.
Tudo muito rápido e prático. Na vida, as coisas poderiam ser assim, e
infelizmente quando são pode ser um grande erro. Mas, veja só, não sou um
psicopata que vai te matar ou algo do tipo, por que esperar?
— T-Téo... Você está sonhando?
— Em casar com você? Sim. — Ele finalmente abre os olhos e sorri.
— Você é louco! Está passando bem?
— Por que louco? Apenas não suporto esse negócio de ficar passando
por etapas. Nosso amor já começou louco e praticamente de trás pra frente. Por
que não colocar um pouco mais de loucura nisso?
— Téo, você está... — engulo em seco — me p-pedindo em ca-
casamento? — gaguejo.
— Não.
Olho sem entender.
— Aceitaria se casar comigo dentro de um mês?
Fico boquiaberta e sem qualquer ação.
— Agora eu pedi. E pela sua cara, um mês foi pouco tempo. Dois, que
tal? Aceita embarcar nessa loucura? O feliz para sempre não prometo. Mas sexo,
muito amor, carinho, agrados e elogios, conselhos loucos, eu prometo sempre. Já
o “eu te amo” prometo dizer quando acordar, quando for dormir, antes do
almoço, depois da janta, na hora do sexo, quando você falar que me odeia,
quando se sentir triste, quando se sentir feliz... Eu prometo dizer a todo instante
para que nunca esqueça. — Ele fecha os olhos e sorri.
Estou com os olhos arregalados e boquiaberta.
— Isso, pense com carinho. Agora vou dormir.
— V-você diz isso e v-vai d-dormir?
— Santinha, não precisa ficar nervosa. Pense e me responda depois.
— Você acaba de me pedir em casamento dentro de um quarto de
hospital, com meu tio dormindo! — falo rápido e de uma vez. Estou tremendo.
— Quer um pedido menos clichê do que esse? Sem aliança, sem eu de
joelhos, flores, ou qualquer coisa assim. Agora posso dormir?
— Téo, como p-pode pensar em dormir, depois de dizer isso?
— Não disse nada grave. E por sinal, você falou que eu precisava
descansar. E tenho que estar bem descansado, porque quero você todinha para
mim amanhã, depois do seu trabalho.
— Téo!
Levanto às pressas e ele bate a cabeça no sofá e xinga.
— VOCÊ ME PEDIU EM CASAMENTO E QUER DORMIR? — grito.
Ele começa a rir.
Um enfermeiro entra no quarto e pergunta:
— Está tudo bem aqui?
— Sim. Perdão — digo.
— Não gritem. Estão em um hospital, e tem uma pessoa neste quarto que
precisa de descanso! — pede nervoso.
— Ok. Perdão — digo sem jeito e ele sai do quarto.
Téo se vira, ficando de costas para mim.
— Téo, não vai dormir. Você diz tudo isso e manda eu pensar?!
— Amor, não fique paranoica.
— Como não ficar?
Estou pirando. Não sei o que fazer. Ele me olha e sorri.
— Vem cá. Seu colo é mais confortável.
Só retorno até onde estava, porque minhas pernas estão bambas. Ele
volta a deitar a cabeça em meu colo. Meu Deus, como ele pode agir
naturalmente após soltar essa bomba? Téo não regula bem! Fui pedida em
casamento e o meu talvez futuro noivo, quer dormir depois de jogar uma bomba
dessas!
— Como pode querer me pedir em casamento?
— Raquel, o que tem de mal nisso? Fui sincero.
— E tinha que ser hoje? Depois de toda a loucura.
— A vida é uma loucura constante. E por falar nisso, precisamos voltar
as suas aulas.
— Não quero mais. Foque no pedido, Téo!
— Precisa conhecer mais coisas. Vou te levar em um clube, junto com a
Catarina. Assim ela já passa mais tempo com a futura madrasta.
— Téo!
Ele ri baixinho.
— Amor, só relaxa e pensa no pedido. Eu fiz de coração e fui muito
sincero. Pense apenas isso. Pare de ter medo. E não precisa ser em dois meses,
pode ser em mais.
Levanto novamente. E ele xinga outra vez.
— Vou dar umas voltas. Preciso de ar fora deste quarto. — Caminho até
a porta com ele rindo e me chamando.
TÉO LIMA É DEFINITIVAMENTE UM LOUCO!

No dia seguinte...

Meu tio acordou, e tivemos que explicar que foi uma brincadeira, e isso
resultou em ele tentar aplicar uma penitência no Téo, mas meu namorado foi
bem esperto e fugiu a tempo, dizendo que buscaria um café. E acabou que meu
tio teve alta e o Téo não recebeu a punição. Mas eu recebi um belo de um puxão
de orelha, nada sutil. E depois do episódio do desmaio, preferi não confirmar que
estou indo morar na casa do Téo. Vou deixar passar uns dias até eu ter certeza de
que ele está mais tranquilo com nós dois. Agora só penso no pedido do Téo. Meu
Deus, aonde eu me meti?

Vai namorar comigo, sim!
Vai por mim, igual nós dois não tem
Se reclamar, cê vai casar também
Com comunhão de bens
Seu coração é meu e o meu é seu também
— Henrique e Juliano “Vidinha de balada”

Téo Lima

Deixei o padre na igreja, e nunca pensei que teria medo de estar no


mesmo carro que uma pessoa, como eu estava. O homem é assustador quando
bravo. A que ponto eu cheguei! Consegui fazer um padre dizer que queria matar,
e tentar me agredir, se não fossem os enfermeiros talvez tivesse acontecido.
Raquel deixou seu número de celular com ele, e insistiu que ligasse sob qualquer
sinal de que não estava bem.
Estaciono o carro em casa e retiro as coisas com a ajuda da Raquel. Ela
ainda está brava comigo pelo que fiz ao seu tio, e por pedi-la em casamento e ir
dormir. Porra, estava cansado, queria o quê?
Entramos em casa e deixamos as coisas sobre o chão da sala. Fecho a
porta e me jogo no sofá. Eu poderia dormir por uma semana.
Ela se senta no outro sofá e fica me olhando.
— O que eu fiz agora? Estou pensando em ir anotando todas as minhas
merdas diárias, e no final do mês você decide como irei pagar. — Sorrio, mas ela
permanece séria.
— Téo, eu nunca morei com ninguém além dos meus pais. Eu não sei se
tenho manias irritantes ou coisas do tipo.
Rio.
— A sua preocupação é apenas isso? — Ergo uma sobrancelha.
— E pelo fato da sua filha. Sei que ela fica com você. E se ela...
— Catarina vai adorar ter você aqui — sou sincero.
— E sua família, o que vão pensar? Não quero que pensem que sou
qualquer uma, ou interesseira.
— Primeiro, que eu jamais convidaria qualquer uma para morar comigo.
Segundo, minha família me trocaria por você. — Dou uma piscadela e ela sorri.
— E... — Ela ajeita a postura. — Onde fica... É, roupas... Ficarei... Você
entendeu!
— Suas roupas no closet. E você na minha cama.
— Téo! — diz ficando vermelha.
— Certo. Suas roupas no closet do quarto que quiser, mas eu vou dar
uma dica. Tem um quarto que é o melhor, e deveria ficar nele. Tem um brinde se
o escolher.
— Que brinde?
— Eu! — Dou de ombros.
Ela atira uma almofada em mim e ri.
— Pare com isso. Então vamos logo organizar isso. Assim vou me
acostumando com essa mudança e adiantamos um pouco das coisas.
— Agora? Não posso comer e dormir?
— Não. Preciso que me ajude, antes de eu ir trabalhar.
— Está bem. Como um bom cavalheiro que sou, eu irei fazer algo.
— Obrigada. — Sorri animada.
Pego o celular no bolso e entro na lista de contatos. Clico na pessoa que
desejo falar e levo o celular à orelha.
Chama e quando penso que não vai atender ela diz:
— O que você fez? Só me liga quando faz merda.
— Que ingratidão. Hannah, preciso de você na minha casa.
— Estou ocupada. O que quer?
— Raquel precisa de ajuda para organizar tudo.
Raquel deita no sofá e esconde o rosto com as mãos. Acho que ela ainda
vai me matar essa semana.
— Organizar o quê?
— As coisas dela na casa. Aproveita e ajeita minha gaveta de cuecas,
está um caos aquela merda. E já explica para ela o que acontece se encostar nos
meus filhos.
— Tenha a santa paciência. Sua chapinha e secador não são filhos. Você
é um belo de um metrossexual. Nem eu tenho tanta vaidade como você.
— Acha que conquisto as mulheres apenas pelo meu papo e o bom sexo?
— brinco.
— Seu nojento. Não sou obrigada a saber disso. E por que diabos ela
precisa organizar qualquer coisa?
— Ela vai morar comigo.
— MEU DEUS! — grita. — Eu não estava preparada para esse chute na
minha costela. Eu ouvi bem?
— Sim. Só não sei se eu estou ouvindo bem, após seu grito.
— Idiota. Eu vou ajudá-la, mas só à noite. Tenho coisas para fazer.
Mamãe já sabe?
— Não. E segure a língua. E quando falo isso, é para não contar nada a
Samira também. Nesse final de semana vou planejar um almoço ou algo do tipo
e conto a novidade e apresento a Raquel oficialmente como minha namorada,
isso se ela não tiver aceito... esquece. Só venha para cá.
— Que legal. Téo Lima namorando e morando junto com a namorada.
Que momento! Tenho que desligar. Me espere à noite. Beijos.
— Beijos.
Ela desliga e deixo o celular de lado.
— Você é impossível, Téo! — Raquel tira a mão do rosto e me olha
emburrada.
— O que eu fiz?
— Você disse que iria me ajudar.
— Eu disse que, como um bom cavalheiro que sou, faria algo. Pedi ajuda
dos voluntários de plantão. Ela vem à noite para ajudar.
Ela revira os olhos e ajeita a correntinha que eu lhe dei em seu pescoço.
Vou até ela subindo em cima.
— Téo, tem mais uma coisa. Sobre o que falou no hospital...
— O que eu falei? — digo sério.
Ela olha assustada.
— Não se lembra?
— Só lembro de ter pedido você em casamento e dito que iria dormir.
— Téo! — repreende-me. — Não brinca assim.
Sorrio.
— O que tem?
— Sobre isso, eu ainda...
— Responda quando tiver total certeza de sua decisão. Vou esperar.
Passo o nariz em seu pescoço e deixo um beijo.
— Eu preciso tomar um banho, trocar de roupa e ir trabalhar. Avisei seu
pai no caminho para cá que chegaria um pouco tarde, mas não posso abusar.
— Hum...
Deslizo a língua lentamente por seu pescoço, e mordo. Ela se mexe
embaixo de mim.
— Téo, eu preciso...
Beijo-a. Levo minha mão abaixo de sua blusa, sentindo sua pele.
Pressiono ainda mais meu corpo contra o seu. Suas mãos agarram meu cabelo.
Saber que a terei ainda mais perto me deixa louco. Levanto puxando seu corpo
junto ao meu. E quando fica de pé, pego-a no colo. Nossos lábios se separam.
— Téo, eu preciso ir trabalhar...
— E vai. Por isso vou aproveitar seu tempo de banho.
Sorrio e ela morde o lábio inferior.
Entro em meu quarto e levo-a diretamente para o banheiro. Coloco-a no
chão e ela retira sua bota seguida da meia. Aproveito para me livrar do meu
sapato, meias e a parte de cima de roupa. Prendo seu corpo diante da pia. E retiro
sua blusa sem tirar o olhar do seu. Torno a beijá-la. Estou muito excitado e louco
para penetrá-la e sentir seu aperto e sua umidade que me enlouquecem. Retiro
seu sutiã e deixo-o cair sobre o chão. Aperto seus seios e brinco com os bicos
duros pela excitação. Ela geme em meus lábios, e esse som é maravilhoso. Largo
seus lábios, e levo as mãos a sua calça, onde abro os botões e me abaixo
deslizando-a, juntamente a sua calcinha, pelas pernas. Seu olhar acompanha
tudo. Ela termina de retirar quando chega aos pés.
— Afaste as pernas — ordeno, e ela o faz.
Estou louco para chupá-la. E ali, de joelhos, abrindo-a mais com as mãos,
eu chupo com força e desejo, sem retirar os olhos do seu rosto, que está
vermelho pela adrenalina e excitação. Suas mãos agarram a beirada da pia, e sua
cabeça se inclina para trás. É uma visão maravilhosa. Seus gemidos intensificam.
Estou duro demais.
— Ah... Téo...
Suas mãos ficam ainda mais firmes ao segurarem. Passo a deslizar minha
língua, pressionando meu piercing em seu ponto mais sensível. Oferece ainda
mais sua boceta bastante convidativa, elevando o quadril. Isso me deixa fora de
controle. Levanto rapidamente e ela choraminga pelo abandono. Retiro minha
calça e em seguida a cueca. Segurando-a pela cintura, eu a coloco sobre a parte
livre da bancada da pia.
— Você vai acabar comigo, Santinha!
Encaixo-me em sua entrada, e em um único movimento penetro-a com
força. Ela solta um gemido alto, e agarra meu ombro. Sempre tão apertadinha...
Fico parado por um instante.
— Posso continuar? — Já não consigo reconhecer minha própria voz.
— S-sim... Pode!
Essas eram as palavras que eu queria ouvir.
Aperto sua cintura e começo a movimentar-me. Ela enrola as pernas ao
redor do meu corpo, tornando ainda mais profundo as penetrações. Nossos
gemidos ficam intensos demais. O som dos nossos corpos se chocando um com
o outro é prazeroso de ouvir. Mordo seu seio direito e ela grita meu nome,
arranhando minhas costas. Seguro suas pernas, tirando-as da posição que estão, e
inclino ambas para trás, deixando-a completamente exposta e bem aberta,
fazendo com que meu pau deslize com mais facilidade ainda. Seus gemidos
passam a se tornarem gritos e o tesão aumenta cada vez mais. Vou mais forte e
mais rápido.
— Se toque, Raquel... Aprenda a se dar prazer...
— Eu... Téo...
Largo uma de suas pernas e seguro sua mão levando ao seu clitóris, e
mostro como ela tem que fazer, apoiando a mão sobre a sua e movimentando.
Largo sua mão e ela continua. Volto a prender sua perna que ficou livre. A cena é
deliciosa de se ver. Nossos corpos suados e excitados. Raquel se tocando é muito
bom...
— Ah... — Seus olhos fecham e sua boca se abre.
— Goza, Santinha... Goza...
Gritando e tremendo, ela goza encharcando meu pau. Saio de dentro dela,
e abaixo suas pernas. Seu olhar vai de encontro ao meu. Ainda existe desejo
nele. Deslizo a mão pelo meu pau melado e começo a movimentar. Dando a ela a
visão total disso. Não queria me libertar dentro dela desta vez. Ela observa
atentamente, e noto que está ficando excitada novamente.
— Gostando da visão, amor? — provoco, sorrindo.
Acelero o movimento e minha respiração fica acelerada.
— Téo... — Sua voz é baixa e intensa. — Eu... Eu quero sentir...
— Porra!
Ajudo-a descer da pia e ela se abaixa lentamente à minha frente.
— Você sentiu a mim. E eu quero a mesma coisa com você...
— Criei uma monstrinha... — Sorrio. — Só vai até onde aguentar, e não
precisa engolir o que for vir... E cuidado com os dentes. Ok?
— Eu não sei se vou errar, mas...
— Vai ser ridículo o que vou dizer, mas já chupou sorvete e pirulito,
certo? — Sorrio maliciosamente.
Concorda timidamente.
Leva a boca até ele, segurando com delicadeza. Seu hálito quente me faz
gemer na hora. Não seguro seu cabelo, ou controlo de qualquer maneira. Deixo
ela fazer. E puta que pariu, a sua inexperiência é deliciosa. A lentidão é
torturante e prazerosa. Fecho os olhos por um instante para controlar a
respiração, mas é inútil. Olho para ela que tem o olhar erguido para mim.
Acaricio seu rosto, e ela vai por si só um pouco mais fundo, e é a minha morte.
Essa tortura só está me deixando a ponto de gozar mais depressa, está fazendo o
efeito contrário. Quando ela tira a boca e passa a língua ao redor, meus lábios
abrem um pouco, pela dificuldade da respiração irregular. Então volta a chupar-
me e dessa vez mais forte.
— Porra, Raquel!
Não dá para segurar mais.
— Eu vou gozar. Precisa saber disso...
Meu pau pulsa e olho atentamente para ela, que não para.
— Raquel... — dou um último aviso, apenas com seu nome.
Ela não larga, e eu não controlo mais. Gozo em sua boca e é forte. Ela
suga literalmente como se fosse um sorvete delicioso. Levou a sério o que eu
disse. Estou um pouco fraco. Ela se levanta e agarro seu corpo, limpando com os
dedos a lateral da sua boca.
— Você vai acabar comigo.
Ela sorri.
— O que achou? — pergunto.
— É bom te ver assim... — responde timidamente.
— Não deveria ter engolido. Foi sua primeira vez fazendo isso...
— Não é ruim. É amargo. Mas é e-excitante. — Esconde o rosto em meu
pescoço e sorrio.
— Quer dizer que na hora do sexo não fica tímida, mas depois fica?
Gosto de saber disso. Sua timidez então tem momento certo...
— Téo...
— Você foi maravilhosa. Muito maravilhosa. — Me olha, sorrindo. —
Vamos tomar um banho.
Entramos no boxe e ligo o chuveiro. Preciso focar em qualquer merda, ou
não deixarei ela ir trabalhar, e talvez ela fique assada. Caralho.

Raquel Pereira

Estou no hotel junto com o Téo. Ele precisa retirar suas coisas da sala do
Natanael, ou sinto que meu namorado será gravemente machucado.
— Não vai me acompanhar? — pergunta, enquanto sento em minha mesa
e começo a preparar tudo para trabalhar.
— Não, Téo! Tenho trabalho.
— Vai deixar eu sozinho na sala com o Natanael? Sabe o quanto ele é
perigoso? Ele anda bem estressado comigo.
— Não posso.
— Não estou valendo nada. Tudo bem. — Ele sai e sorrio.
Começo a trabalhar. Respondo os e-mails e organizo algumas coisas. Vou
até o senhor Augusto para que ele assine alguns papéis, e para entregar a lista de
compras.

Preciso buscar as cópias com dados dos últimos gastos, senhor Augusto
precisa com urgência. Para meu azar está me dando umas pontadas no pé da
barriga. Cólica. Não suporto, mas quem suporta?
Vou até a sala do Natanael. Bato na porta e ele pede para entrar. Entro na
sala e tenho a visão do Téo com o charuto na boca e um copo com bebida na
mão, sentado com uma caixa sobre seus pés.
— Pensei que tivesse que recolher suas coisas.
— Ele tem. Mas está me provocando. Eu vou matar esse menino —
Natanael diz nervoso.
— Téo, isso faz mal!
— Quem disse que uísque e charuto fazem mal? — diz com ironia e
reviro os olhos.
— É errado. Peca...
— Olha que está falando com o maior pecador do país. Tome cuidado, ou
farei revelações... — provoca.
— Ele está bêbado? — questiono ao Natanael.
— Não! Ele apenas está sendo a peste que sempre foi. O que deseja,
querida?
— Preciso da cópia dos últimos gastos.
— Claro. Vou imprimir... TÉO, SOME! — ele grita e sobressalto
assustada.
Téo se levanta, deixa o charuto no cinzeiro e bebe o restante da sua
bebida.
— Estava com saudades de atormentar sua vida, meu amigo.
— Não sou seu amigo.
— Claro que é. Vou retirar minhas coisas. Mas iria amar se alguém
ajudasse.
— Não posso. Estou ocupada. — Cruzo os braços e espero a impressora
imprimir.
Ele sorri e começa a pegar suas coisas e pôr na caixa.
— Aqui, querida. — Pego os papéis.
— Obrigada.
Saio da sala e vou até a do senhor Augusto.
— Isso mesmo. Muito obrigado, Raquel. Você é um anjo nesse lugar.
— Só faço meu trabalho, senhor.
— Faz além da sua função. Pode ter certeza de que vai ganhar muito
além.
Sorrio.
— Fui informado de que não está mais no hotel. Arrumou um lugar?
Pigarreio e por pouco não caio, mesmo estando parada.
— É... Precisa de mais alguma coisa?
Ele me olha por um tempo e então diz:
— Não. Pode ir.
Saio às pressas da sala. Por sorte, ele não insistiu no assunto. Prefiro
contar estando junto com o Téo.

Vou em direção a cozinha para almoçar. Passo pela porta da sala do


Natanael, quando Téo sai e deixa a caixa no chão fechando a porta.
— Terminou só agora?
— Natanael precisava de um amigo.
— Ficou atormentando ele, não foi?
— Não seria eu se não fizesse.
Ele sorri.
— Vai almoçar?
— Sim. Você vem?
— Não. Preciso ir para casa levar essas coisas e sentar para ler o
contrato.
— Então tudo bem.
— Não invente de fazer extra. Hannah vai para casa te ajudar. Se ela
chegar e você não estiver, ela vai surtar.
— Não se preocupe. — Sorrio.
De repente, ele me puxa para seus braços e me beija, apertando meu
corpo ao seu. Levo um susto e fico sem ação. Sua mão direita para no meio das
minhas costas e a outra vai para meu rosto. Ele inclina mais o corpo de encontro
ao meu, aprofundando o beijo. Coloco as mãos em seu rosto, pois antes estavam
sem qualquer ação. Meu coração está bem acelerado. Sinto calor e é uma
sensação gostosa. Morde meu lábio inferior e passa a língua nele. Acariciando
meu rosto, ele sorri para mim. Estou ainda em adrenalina por sua reação
inesperada, e por seu jeito de me puxar para seus braços e me apertar. Foi... Foi
bom, muito bom.
— Te busco. Me liga assim que estiver terminando as coisas. Quando
chegarmos em casa, peço algo para comermos, enquanto espera minha irmã para
arrumar suas coisas, meu amor.
Olho sem entender. Eu já sei que ele me buscaria e também que a
Hannah vai até lá. Ele está agindo estranho. Repetindo o que já sei.
Ele olha algo atrás de mim, e viro o rosto curiosa. Agora entendo o
motivo disso.
— Téo, você fez isso apenas para provocá-las?! — digo baixinho e ele
me dá uma piscadela.
Segura minha cintura, colando-me ao seu lado. Solange, Talita, Pietra e
Mel olham boquiabertas. Estavam saindo do banheiro, provavelmente indo para
a cozinha.
— Que plateia. Gostaram do que viram? — Téo diz e olho para ele.
Sabia que ele iria aprontar, assim que contei que me provocaram.
— Que show, Raquelzinha... — Pietra diz e as outras sorriem.
Téo tem a expressão bem séria.
— Eu soube que andaram aprontando novamente. Eu já havia dado um
aviso na cozinha outro dia, não? Mas vou reforçar. Estou sendo bonzinho até
demais. Porém, vou dizer de uma forma que compreendam. — Elas olham séria
para ele.
— Téo, chega... — peço, mas é o mesmo que não falar.
— Se provocarem a minha mulher mais uma vez, eu juro que não vão
conseguir emprego em lugar algum mais. Posso não estar trabalhando mais aqui,
porém tenho direitos neste lugar, que irei amar usá-los pela primeira vez. Raquel
é minha namorada, e está na hora de aceitarem isso com dignidade. Se eu souber
que falaram qualquer merda, ou fizeram qualquer coisa a ela, não teremos mais
essa conversa. Será daqui para a rua. E antes que digam, não serei hipócrita.
Como uma futura Lima, ela tem muitos privilégios aqui dentro. Então tomem
muito cuidado, porque se continuarem, ela terá muitos para defendê-la. Não
encarem como uma ameaça. Encarem como mais um aviso de um cara que quer
mantenham o emprego de vocês sem problemas futuros, afinal, todos temos
contas para pagar no final do mês. Fui claro?
Elas estão muito irritadas. É possível ver em seus olhares, expressões, em
tudo.
— Fiz uma pergunta!
— Foi. Claro como a água. Já entendemos. A mocinha aí foi mais esperta
do que todas nós. Admirável. — Mel diz e Talita concorda.
— A mocinha tem nome. E ela não foi esperta. Saibam que quem correu
atrás dela fui eu. Tenha um pouco de dignidade. Agora circulem.
Elas saem dali, e estou bem preocupada de ir almoçar na cozinha daqui.
— Téo, não devia ter feito isso. Sinto que agora serei bem odiada.
— Eu não menti. Te dou todos os privilégios que quiser aqui. Tenho
direitos nesse lugar, que nunca gostei de usar, mas usarei se for necessário. É
sujo da minha parte fazer isso, mas se elas sabem aprontar, vão ter que aprender
a lidar com as consequências.
— Não pode sair por aí querendo me defender de tudo, Téo. E não sou
uma futura Lima. Não respondi.
— No que eu puder defender farei. Não apenas você, mas qualquer
pessoa que esteja sendo injustiçada. E sobre não ser a futura Lima, apenas um
detalhe.
Não digo mais nada. Prefiro respirar fundo. Ele está nervoso. Elas foram
erradas, mas não quero que ele perca a razão, por causa dos meus problemas.
— Deixe elas, só isso. Agora vou comer. Obrigada por sempre me
defender, mesmo não precisando.
— Não vou discutir com você por causa disso. — Ele beija com carinho
meus lábios. — Venho te buscar depois.
— Esta... — sinto mais uma pontada que vem acompanhada de uma
dorzinha. Por que existe a cólica? Tão chato isso.
— Está tudo bem? Por que fez essa cara? — Fica preocupado.
— Tudo bem. Apenas uma dorzinha. Cólica.
— Tem certeza? Onde foi? Amor... — Está realmente preocupado.
— Téo, é cólica. Depois tomo remédio. É normal — tento tranquilizá-lo.
— Tem certeza?
— Meu amor, eu tenho certeza — respondo calmamente.
— Não está bem. Me chamando de “meu amor”, sinal de que é coisa
grave.
Sorrio timidamente.
— Pode ir. Estou bem — afirmo.
Ele fica me olhando por alguns segundos.
— Tudo bem. Qualquer coisa me ligue.
Concordo. Ele deixa um beijo na minha testa. Então pega a caixa e sai.
Meu celular faz barulho e pego em meu bolso. É uma mensagem do meu
tio.

“Querida, suas tias vêm amanhã, para ficar o final de semana. Querem ver você
e sua mãe. Acabaram de avisar. Beijos.”

Respondo:

“Que bom! Estou com saudade delas. Amanhã nos veremos. Beijos. Se cuida!”

Guardo o celular no bolso e vou almoçar.

— Hannah, é só guardar tudo. Para que organizar por cor? — digo


cansada. Só quero tomar banho e dormir.
Comemos comida italiana que o Téo pediu, umas duas horas atrás, e
agora estou com a Hannah, que é muito perfeccionista para organizar as coisas.
— Claro que não! Fica mais bonito e muito mais fácil. Não sei por que
está reclamando, eu que estou fazendo. Você está apenas sentada. — Ela sorri.
— Eu dobrei todas as roupas que colocou na gaveta. Ajeitei todas a
lingeries, e coloquei as roupas no cabide como pediu. Fiz bastante coisa até —
sou sincera.
Prendo meu cabelo em um coque e cruzo as pernas sobre a poltrona que
tem no closet.
— As roupas do seu irmão não estão por cor. — Aponto para o lado do
Téo.
— Porque é um desorganizado. Olha a diferença.
Ela aponta para o meu lado que está arrumando e para o do Téo.
Realmente fica mais bonito e até melhor de saber que cores você tem de roupa.
— Ok. Tem razão.
Queria ver ela ter esse ânimo para organizar minhas antigas roupas,
sapatos e bolsas. Sorrio ao pensar nisso.
— Então estão morando juntos? Que amor. Nunca pensei que o Téo daria
esse passo depois da Samira. Estou surpresa.
— Também estou. Não por ele, mas por mim. Decidi ficar até no mesmo
quarto. E ele me deu opção de escolhas.
Ela ri.
— Olha só. Está até mais saidinha.
Sinto meu rosto esquentar.
— É o cansaço. Estou com cólicas, para piorar. Tudo isso me deixa
falando além do limite.
— Tenho remédio na bolsa. Quer?
— Não. Elas vêm e vão. Só tomar um banho e deitar, que melhora. E já
tomei remédio.
— Entendi... Estamos acabando. Bom, eu estou acabando.
Ficamos conversando sobre uma festa que ela está organizando. Rio dela
falando da cliente que inventa cada coisa maluca, mas que aceita e embarca na
loucura. Ela termina de organizar as coisas e saímos do closet. Fomos para a
cozinha. Ela nos serve um suco.
— O que o Téo está fazendo, que está tão quieto?
— Resolvendo o contrato que ele conseguiu em Londres. Está
conversando com o advogado, que só teve tempo agora.
— Entendi. Torço muito por ele. Meu irmão merece seguir muito bem
com seu sonho.
— Eu torço pela felicidade dele. — Deixo o copo de suco de lado e
resolvo perguntar uma coisa a ela. — Hannah, posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
— Você me contou um pouco do que aconteceu. Mas hoje, se alguém te
pedisse em casamento, o que a faria aceitar?
Ela me olha surpresa e ri.
— Não me casaria nem se o príncipe da Inglaterra pedisse. Mas... se eu
pudesse dar um conselho para a idiota de anos atrás, eu diria para ser mais pé
firme. Analisar os prós e contras. Também diria que ela não se encantasse apenas
pela forma do pedido, mas sim pelas palavras ditas, o quanto eram sinceras. E
que tomasse cuidado se ele desse indício de apenas ser príncipe, porque a chance
de virar sapo é grande.
— Entendi.
— Por que a pergunta?
— Por nada. Curiosidade.
— Não me faça de boba. Se abra comigo.
Respiro fundo.
— Não pode contar a ninguém. Nem mesmo a Samira.
— Está bem. Agora estou até assustada. — Bebe seu suco.
— Seu irmão me pediu em casamento. Ainda não dei a resposta.
A ilha da cozinha é lavada pelo suco, que voa da boca da Hannah. Fico
assustada.
— ELE O QUÊ? — ela grita.
— Meu Deus! Está bem?
Pego guardanapo e entrego a ela, que limpa a boca e a roupa que
respingou um pouco.
— Ele pediu ontem. De um jeito bem doido. E não sei o que responder, e
se terei resposta um dia.
— Estou passada. Meu irmão querendo casar. Qual a simpatia que fez?
— Quê?
— Meu Deus! Isso é assustador.
— Por quê? Sou tão péssima? — pergunto chateada.
— NÃO! — Ela lava as mãos na pia e enxuga. — Apenas estou surpresa
por isso. Estão namorando há poucos dias. É certo que estão saindo juntos tem
dias, semanas, estou perdida. Nossa... Nossa!
— Por isso, não sei o que responder.
— Infelizmente eu não posso te ajudar. Mas, se quer conselhos para
ajudar clarear a mente, procure quem lidou muito com o Téo.
— Samira?
— Exato. Família falando vai parecer que fomos comprados ou, no caso
do Téo, apenas querendo se livrar por completo do maluco que dizem ser meu
irmão e eu digo ser adotado. Samira é doida, e sincera até demais. Ninguém
melhor que ela para ter os melhores conselhos. Meus conselhos são malucos,
melhor não seguir. Mas saiba que já te tenho como cunhada, e amaria organizar
esse casamento.
Sorrio.
— Vou pensar no que disse. Só não conte a ninguém.
— Não irei. Quando prometo isso ao Téo, não cumpro, mas com você
irei cumprir. Agora preciso de um pano para limpar essa nojeira que fiz.
Digo aonde fica os panos e ela vai em direção a lavanderia. Já conheço
toda a casa. Téo me mostrou cada detalhe, até mesmo as gavetas que são muitas.
Hannah vai embora, logo após limpar a sujeira. Deixa um beijo para o
Téo.

Depois de tomar um banho e me deitar, Téo entra no quarto e sorri para


mim. Se deita ao meu lado. Está descalço apenas de calça, sem blusa.
— Hannah te deixou um beijo. — Ele me dá um casto beijo nos lábios.
— Não acho que seria esse tipo de beijo, mas tudo bem.
Sorrimos.
— Sua cólica?
— Passou. Tomei remédio e o banho, isso sempre me ajuda.
— Que bom, meu amor...
— Conseguiu resolver sobre o contrato? — indago curiosa.
— Sim. Depois de muita conversa com o advogado, e eu ter anexado o
contrato e enviado a ele. Está tudo certo. Mas tem uma coisa que preciso
conversar com você antes de assinar.
— O quê? Parece preocupado.
— Uma das cláusulas deixa claro que eu tenho que estar em todos os
eventos e viagens que aparecerem durante os dois primeiros anos.
— E por que isso parece um problema?
— Porque podem existir viagens para fora do país que eu fique dias,
semanas ou meses fora. O que significa que posso me ausentar por algum tempo
que ainda não sei. E sei que não posso querer que me acompanhe em tudo.
Sento na cama. Ele ajeita a postura.
— Téo, se tem uma coisa que aprendi muito nesses vinte anos é que a
liberdade é uma sensação boa. Não direi que somos cem por cento
independentes, mas o pouco de privilégios que temos são graciosos. Quando te
conheci, eu sabia dos riscos que estava correndo, mas tentava camuflar. Quando
soube do seu sonho, eu também sabia que jamais poderia te impedir de ir quando
fosse necessário. Meu tio sempre disse que queria que eu voasse. E eu te digo
isso agora. Voe, meu amor. Siga seu sonho. Eu te amo o bastante para te deixar ir
quando for necessário — me emociono ao dizer essas palavras.
— Só preciso saber de uma coisa. Quando eu tiver que ir, eu terei você
quando voltar?
Fico muda por um tempo e diversos momentos entre nós passam em
minha memória. As vezes que fiquei brava, todas as que chorei de medo,
angústia e felicidade. Sorrio ao lembrar de quando pedi a ele para me ajudar a
viver mais. Sinto a palpitação de quando falei com ele pela primeira vez. Mas rio
ao me lembrar de quando o vi no mercado, e o quanto Deus trabalha para que
tudo aconteça da forma que ele quer. Não foi o destino ou a sorte. Foi Deus. Ele
escreve certo por linhas tortas. Precisei passar pela dor, para encontrar minha
felicidade.
— Seu silêncio e sua expressão estão me assustando, Santinha.
Está na hora de voar, meu passarinho engaiolado.
Está na hora de voar, meu passarinho engaiolado.
Está na hora de voar, meu passarinho...
As palavras do meu tio se fazem repetidas dentro de mim. E sinto uma
alegria descomunal. Eu sinto vontade de viver mais intensamente, mas só vai
ficar perfeito se eu estiver com ele. Não que eu apenas seja feliz se ele estiver ao
meu lado... Não é isso. Mas é que a minha felicidade vai ficar completa tendo o
Téo como companheiro. Passamos por tantas coisas juntos em pouco tempo, e
ele nunca recuou. Eu fiz isso, mas ele sempre esteve ao meu lado. Até quando
não demonstrei sentimentos suficientes. Ele acreditou em mim quando nem eu
mesma acreditava. Por que eu não seria capaz de ser o empurrãozinho na vida
dele quando é ele que precisa? Nunca mentiu sobre quem era. E nunca foi duas
caras comigo. Ele sempre foi sincero e leal. Ele sempre foi o meu pecado mais
perfeito.
Ele sempre... Ele é isso, o sempre.
— Eu vou estar. Eu sempre vou estar aqui esperando você voltar. Pode
passar anos, e existirem mil viagens, compromissos que eu não possa te
acompanhar, e eu ainda assim esperarei, ansiosa por você. Siga seu sonho.
Assine o contrato se estiver tudo certinho, e seja o melhor fotógrafo que existe,
não seja apenas mais um. Seja o diferencial. A sua futura esposa não vai te
deixar desistir nunca, porque você nunca deixou ela fazer isso. E mesmo com
suas loucuras, ajudou ela. — Não paro de chorar de emoção.
O tom da cor de seus olhos muda. Clareia para um mel, assim que
lágrimas começam a escorrer. E, pela primeira vez, vejo meu Senhor Pecado
chorar. Não resisto. Pulo em seu colo e o abraço.
— Então é um sim? — pergunta e afasto um pouco, segurando seu rosto,
sou eu quem enxuga suas lágrimas dessa vez.
— É um sim. Mas tenho uma condição?
— Qual?
— Vai ter que enfrentar minha família amanhã. E vamos contar a eles.
— Depois da sua resposta, eu enfrento até o mercado com a minha mãe.
Sorrio.
— Se contar para alguém que o Senhor Pecado chorou como criança, vai
sofrer as consequências, mocinha — ele diz e acabo rindo.
— Seu segredo está a salvo comigo. — Ele enxuga meu rosto.
— Essa é a parte que nos beijamos?
— É sempre depois do “sim”, não é?
— E a lua de mel?
— Téo!
— Só quero praticar para nada dar errado.
— Você realmente não sabe ser romântico por muito tempo, não é?
— Não.
Ele me deita na cama rapidamente e começa a me fazer cócegas.
Gargalho.
— Para! — grito sem fôlego e ele encerra rindo. — Quero começar
minha faculdade, Téo. Farei administração. E pretendo começar logo. Então
também seguirei meu sonho — falo animada.
— Com um bando de alunos tarados? Sou formado em administração. Se
quiser posso ser seu professor.
— Não fui eu que saí em jornais, e fui para a cama com metade das
funcionárias do hotel e da cidade. Não é você que tem que se preocupar.
— Está bem. Você venceu. Está ficando bem malvada.
— Aprendendo com o melhor. — Sorrio e ele me beija.
Eu não precisava dos conselhos da Samira para dar a minha reposta. Eu
só precisava parar e analisar tudo, porque somente eu poderia escolher. Sou eu
quem escolho meu destino, tenho livre-arbítrio e hoje compreendo isso.

Dona Maria
Deixa eu namorar a sua filha
Vai me desculpando a ousadia
Essa menina é um desenho no céu
Que Deus pintou e jogou fora o pincel
— Thiago Brava part. Jorge “Dona Maria”

Raquel Pereira

— Então temos dois convites para almoço grátis, neste belo sábado de
luz? — Téo indaga, e leva a maçã à boca.
— Você é terrível. Temos que decidir o que fazer!
Levo um pedaço de queijo à boca. Assim que viemos tomar café da
manhã, meu tio e a mãe do Téo ligaram convidando para almoçarmos. Para ficar
mais explícito, a Eleonor chamou o filho e pediu para que ele também me
levasse para almoçar na casa dela. E meu tio me convidou para almoçar na casa
da minha mãe, esta que, pelo que sei, nem sabe que as irmãs e o irmão vão
almoçar em sua casa.
— Simples. Comemos na minha mãe, e vamos para a casa da sua mãe
depois, e fazemos o segundo round.
— Téo, você nem convidado foi. — Ele me olha feio e rio.
— Meu amor, eu me convido. E foi muito mal-educado da parte do seu
tio não fazer o convite. Sou um homem muito bom.
— Você quase matou ele — lembro-o e como um pedaço de melancia
agora.
— Acidentes acontecem. E o assunto não é este. Como o assunto da sua
família é sempre mais importante, vamos para lá, e digo a minha mãe que
amanhã vamos almoçar na casa dela.
— Tudo bem. Se não tiver problema. Assim contamos logo a novidade
para todos.
— De que forma vamos contar? — Ele olha para a maçã e sorri. Vai vir
besteira. — Podemos começar com a história da maçã. Dizemos que sou a maçã
do jardim da sua vida, porém com um pecado mais delicioso.
Reviro os olhos e bebo meu suco.
— Ainda não sei por que presto a atenção nas suas loucuras.
— Porque não resiste. Confesse, seu noivo é gato pra caralho, né?
— Convencido também.
Ele dá de ombros e morde a maçã e se levanta. Continuo comendo.
— Vou ligar para a minha mãe e tomar um banho. Avise seu tio que
iremos. Mas antes preciso cortar o cabelo e fazer a barba.
Concordo com um aceno e ele se retira me deixando uma piscadela
acompanhada de um sorriso.
Termino de comer e ajeito a mesa guardando tudo. Descobri que o Téo
não tem cozinheira, e a faxineira vem vez ou outra, já que ele quase não para em
casa. Vive de “besteiras”, porque tem muita coisa que alegraria o mundo de uma
criança nesses armários e geladeira. O Téo é uma criança crescida as vezes, e
gosto disso, me divirto também. Coloco a louça suja na pia e lavo. Assim que
termino caminho pela casa, e vou em direção ao local que o Téo guarda todas as
fotos.
Entro e acendo a luz. As janelas estão fechadas. Não irei abri-las, se ele
deixou assim, sabe o que faz. A primeira imagem que vejo é a minha que ele
tirou e sorrio. Já havia visto. Tem uma cadeira com uma caixa e ela me chama a
atenção. Sou curiosa. Caminho até ela e pego um álbum ali dentro. Sentindo-me
bem intrusa, acabo sorrindo. Mesmo assim abro o álbum e começo a olhá-lo. São
fotografias da família dele. Tem todo mundo, até mesmo a Hannah vestida de
noiva e a Samira grávida. Observo com calma cada imagem e me impressiono
com a delicadeza, e o quanto são tão expressivas. Ele deve ter tirado todas. É tão
bom nisso. Fecho o álbum, e resolvo sair dali, antes que seja pega no flagra.
Ele já havia me mostrado o quarto da Catarina. Mas resolvo entrar e
olhar tudo com mais calma. É tudo muito menininha mesmo. Repleto de
bonecas, princesas e muito rosa. Tem fotos espalhadas dela com a mãe, e dos três
juntos. É lindo ver esta união. Saio dali, e vou para o quarto.
O celular do Téo começa a tocar. Ele deixou na cama. Toca sem parar, e
resolvo pegar para ver. O nome “Rogério” aparece na tela. Continua insistindo
em ligar. Resolvo atender, pode ser algo importante.
— Alô.
— Porra, que voz de mulher, Téo.
— Não é ele, Rogério. — Sento na cama e sorrio.
— Espera, essa voz... Raquelzinha?
— Sim. Ele está no banho. Quer que eu dê algum recado?
— Avise aquele puto, que conto com ele na boate amanhã à noite. Que o
infeliz não visita mais o grande amigo aqui.
— Pode deixar, que avisarei. Não nessas palavras, mas falarei.
— Obrigado, minha linda. E aí, foi boa a manhã? Ele no banho, você
atendendo o celular... — começa a rir.
Sinto meu rosto esquentar.
— Você nunca teve jeito, né?!
— Não. — Ri. — Não esquece de avisar. Até qualquer dia. Beijos, linda.
— Até.
Ele desliga.
Escuto o chuveiro desligar. Deito na cama, ainda estou com sono e muita
preguiça. Que pecado, Deus, nunca fui assim. Não demora, e o Téo sai do
banheiro, com os cabelos molhados, e a toalha envolta de sua cintura.
— O Rogério te ligou. Disse que conta com você na boate amanhã à
noite.
— Garanto que não foi com essas palavras que ele disse, mas obrigado
por avisar.
— Eu confesso que estou ocultando algumas partes. — Sorrimos.
— Vou me trocar e sair para ajeitar a barba e cortar o cabelo. Vem junto?
— Se importa se eu ficar? Estou cansada. Esses dias foram complicados.
Só preciso de mais uma hora de sono.
— E eu achando que era o único feito apenas de sono e preguiça. Pelo
visto, você é igual.
— Em minha defesa estou cansada. Você tem problemas em acordar
cedo. Vou tomar um banho, dormir mais um pouco, antes de irmos. Falou com
sua mãe?
— Sim. E ela vai nos esperar amanhã então.
— Ok. Espero que esses almoços sejam tranquilos.
— Você nunca almoçou, ou teve qualquer refeição com toda a família
junta. E quando digo isso, inclui a Samira e a Catarina que também vão. Não
sabe aonde está se metendo. — Ele ri e vai para o closet.
Vou tomar um banho.

Vejo o carro da minha tia Noemi na porta. Meu coração está bem
saltitante. Da última vez que vi ela e a tia Cássia, eu ainda vivia com a minha
mãe, meu estilo de vestimentas eram outros, meu cabelo também. Tudo era
diferente. Téo para ao meu lado e sorri. Seu cabelo está mais curto, e sua barba
muito bem-feita. Fica lindo de qualquer modo.
— É a sua oportunidade de correr. Só correr. Fugir. Sumir. Podemos ir
para Las Vegas e casarmos lá, com Elvis Presley cantando.
— Quê? Não invente moda.
— Apenas dei ideias. Sou incompreendido demais.
Fico de frente para ele e respiro fundo.
— Por favor, não diga besteira. Não conte mentiras. Deixe a minha
família viver. Não é a melhor do mundo, mas é a minha família. Então, por
Deus, não faça nada que possa levar alguém para o hospital.
Ele passa a língua pelos lábios, exibindo a bolinha prateada. Puxa a
corrente em seu pescoço e me mostra o crucifixo.
— Vim até com crucifixo. Hoje sou um homem puro. Bastante santo.
Anjinho.
Faço careta e olho para o céu.
Pai, sei que tenho falhado contigo. Não tenho ido à igreja, e tampouco
tenho rezado com tanta frequência. Me entreguei a um homem antes do
casamento, e escondi a verdade do meu tio e da minha mãe. Mas hoje, não deixe
que eu pague por tudo com as loucuras do Téo. Por favor, te suplico. Tenho
medo de coisas graves acontecerem.
Olho para o Téo.
— Sua ligação com Deus é boa? Porque estou com uma dúvida tem um
tempo, e seu tio...
— Minha sobrinha mais linda! — conheço muito bem a voz que grita.
Viro em direção a porta e vejo tia Cássia toda sorridente e de braços
abertos.
— Cadê meu abraço? — Vou rapidamente até ela, e nos abraçamos
alegremente.
— Que saudade, tia Cássia.
— Mentirosa. Não foi me visitar, mas a sua avó sim. — Nos afastamos e
sorrio.
Téo para ao meu lado.
— Uau, sua avó comentou que ele era bonitão, mas essa palavra é pouca
para ele... Prazer, tia Cássia, a engraçada, a bonita e com carinha de jovem. —
Ela puxa o Téo para um abraço. — E é cheiroso. Menina, ganhou na loteria. E eu
achando que era bobinha.
Eu poderia sumir agora. A ideia do Téo neste momento parece muito
maravilhosa. Eles se afastam.
— Tia, esse é o Téo, mas já deve saber.
— É um prazer conhecer a senhora.
— Me chame de senhora de novo e arranco esses seus dentes perfeitos.
Vamos entrar. Eu vi vocês pela janela e fiquei pensando o motivo de não terem
entrado ainda.
— E... mamãe?
— Está tranquila... Bom, não muito, mas tranquila. Isso sim é para ficar
assustada.
Sorrimos.
Passamos pela porta e minha tia Noemi e vovó Esmeralda sorriem.
— Minha princesa. Que delícia te ver. — Tia Noemi se levanta e vou até
ela, abraçando-a apertado.
— Como está linda. — Me admira emocionada. — Este é o famoso Téo?
Sua avó estava falando sobre ele.
Olho para a minha avó, que sorri.
— Pois falei mesmo e falo de novo. Bonitão, com uma voz de
enlouquecer, eu tenho que falar.
— Vovó!
Todos riem e Téo cumprimenta a tia Noemi e depois vovó, que o agarra e
quase não solta.
— E o tio e mamãe?
— Estão na cozinha. Seu tio se intrometendo no frango que está no forno
e sua mãe dizendo que ele não sabe de nada. Eu tentei ajudar, mas terminou com
“a casa é minha, e quem ditas as ordens sou eu” — tia Cássia diz e dá de
ombros.
— Vem, Téo, vamos até lá.
— Tem certeza? Não ouviu sua tia?
— Deixe de ser medroso, menino! Ela não morde, só vai dizer que você é
o pecado, coisa e tal — Tia Noemi fala.
— Vocês têm que parar com isso. Não queremos confusões, não é? —
pergunto, como se estivesse falando com crianças.
— Paramos — dizem e uníssono e sorrio.
Deixo minha bolsa no sofá, ajeito meu vestido um pouco curto, e vou até
a cozinha com o Téo me acompanhando. Paro na porta e fico observando por um
instante.
— Tenha a santa paciência, Elisângela. O frango está cru!
— Não está! Ele está dourado, e bem assado. Desde quando você entende
dessas coisas? Vai rezar, que é o melhor que faz. Deixe a minha mente em paz e
sem tribulações. Preciso disso, já que fui informada de última hora sobre esse
almoço com minhas irmãs e a minha ex-sogra, que apareceu do nada, e sobre o
tal meliante que vai vir.
Com toda certeza, vovó combinou com as minhas tias. Nada dela é por
acaso.
— Elisângela! — ele a repreende.
— Estou tentando me acostumar. Não é fácil começar a ser simpática
depois de anos vivendo assim.
Téo cochicha em meu ouvido:
— Acho que ela está falando de mim. Vamos fugir?
Meu tio acaba olhando em minha direção e sorri. Mas assim que olha
para o Téo, parece o resultado de um dia ensolarado que, de repente, fica repleto
de nuvens, ventos, raios e trovões.
— Raquel. — Minha mãe agora me olha, deixando um copo tombar
sobre a mesa.
Meu tio ergue o corpo, e entro de vez na cozinha. Engulo todo o receio,
orgulho e abraço-a. Ela demora a retribuir, mas o faz.
— Boa tarde! — Téo cumprimenta, fazendo um aceno rápido.
— Hum...Você...
— Mamãe, conversamos...
— Vou tentar, mas não posso prometer que vou conseguir. É difícil ainda.
Não estou acostumada com você saindo com este meli... com este rapaz.
— Fico feliz por isso — digo e meu tio sorri.
— Vamos logo almoçar e relaxar. Deus abençoe este almoço — meu tio
diz.

Estamos diante da mesa, e depois da reza feita pelo meu tio, estamos
comendo e conversando. Mamãe diz poucas coisas, mas pelo menos está sendo
mais tranquila, não muito, mas está.
— Então está morando no hotel? — Tia Cássia pergunta.
Mastigo lentamente a comida. Muito lentamente. Téo olha para o meu tio
e para mim.
— Não está mais não. Passei lá, na vinda. O famoso hotel Lima, para
conhecer o lugar que tem como um dos herdeiros o namorado da minha menina.
Mas um tal de Natanael disse que ela foi morar com o Téo, e fiquei surpresa,
mas feliz. Pensei que encontraria minha netinha por lá antes de vir para cá, mas
não aconteceu.
É rápido. O suco que meu tio bebe é cuspido para fora. Mamãe se
engasga com a comida. Tia Noemi olha assustada para a situação. Tia Cássia
bate nas costas da minha mãe, e minha avó continua comendo como se nada
estivesse acontecendo. E eu estou tossindo, porque, assim como minha mãe, me
engasguei. Téo bate de leve nas minhas costas.
— Como é que é? Vocês dois estão... Por Deus, o que ele disse na
igreja... — meu tio começa apavorado.
— NÃO! — Téo e eu gritamos e todos nos olham assustados.
Mamãe e eu estamos melhor e meu tio se limpa, pois foi esperto e cuspiu
para o lado, sem atingir ninguém ou a mesa.
— Vocês estão morando juntos? É isso mesmo?! — mamãe se altera. —
Raquel, isso é demais para mim!
— Eu e minha boca grande... Mas, gente, ela é adulta. Ambos são.
Deixem eles — vovó diz.
— Estou com ela! — Tia Noemi comenta.
— Isso é além do que eu posso aturar. Está vivendo com um homem, sem
estarem...
— Perdão por interrompê-la, mas, na verdade, já estamos noivos — Téo
diz.
Todos ficam boquiabertos, exceto vovó. Olho assustada. Agora tudo
desanda.
— ESTÃO NOIVOS? POR DEUS, EU NÃO POSSO SUPORTAR
ISSO! — minha mãe grita e bate na mesa.
— Como noivos? Raquel, você está grávida? — meu tio indaga.
— NÃO! — digo nervosa. — Não estou grávida. E estamos noivos.
Se for para ter confusão, que seja completa. Cansei de sempre aturar
tudo. Minha avó para, me olha e sorri balançando a cabeça.
— Estou surpresa, mas feliz — tia Cássia fala sorridente. — Parabéns
aos pombinhos.
— Noivos? Como assim? Faz pouco tempo que tanta coisa vem
acontecendo, e eu recebo essa notícia, assim? — mamãe diz e é perceptível a
mágoa em sua voz.
Téo acaricia minha perna por baixo da mesa, e sei que é para
tranquilizar-me.
— Ele me pediu em casamento recentemente e respondi há pouco.
— Agora irei te perder de vez. Deus deu a minha sentença. Ele vai fazer
eu pagar por tudo — ela diz, e sinto uma tristeza.
Minha avó a olha firme. Téo aperta minha coxa e me olha com carinho.
— Não é assim. Isso não é nenhuma condenação. Ela vai se casar, e não
se trancar em uma torre. Não se martirize desta forma, Eli — Tia Cássia diz.
— Todos vão embora. Todos se afastam. E eu sei que este vai ser o modo
dela se afastar. Eu sei disso.
Me controlo para não chorar.
— É muito recente isso, querida — meu tio diz com calma.
— Ela vai casar, e não morrer em um mês. Que isso?! — tia Noemi diz
nervosa. — Que família é essa, que em tudo vê problemas? Tenham a santa
paciência.
Levanto da cadeira, e vou até a minha mãe, parando ao seu lado e assim
me abaixando. Ela se vira e me olha. Apoio as mãos em sua perna. Com ela, a
melhor forma de lidar é com paciência. Mamãe não está bem quanto aos seus
sentimentos. E gritar, surtar, não vai ajudar, mas tenho que ser firme no que falar,
sem deixar me abalar quando ela atacar.
— Eu vou casar com o homem que eu amo. Eu vou continuar sendo sua
filha. E vou continuar sendo sobrinha e neta de todos aqui. — Olho para todos
rapidamente e torno a olhar para ela. — Mas sei o quanto papai te fazia bem, e o
quanto te amava, pois lidou com tudo enquanto pôde. E eu quero viver um amor
que ature todas as minhas manias, alegrias, tristezas, problemas... Eu quero
alguém que esteja comigo até o final, até o último suspiro, meu ou dele, assim
como foi com o papai e a senhora. Eu preciso seguir com a minha vida. Vou
errar, e vou aprender. Sou nova nisso tudo, mas estou empolgada para lidar com
todas as novidades. — Levanto e olho para todos. Téo sorri. — Quero poder ser
feliz, e que vocês fiquem felizes por mim. Porque eu torço pela felicidade de
todos, inclusive a sua, mamãe. — Olho para ela, que enxuga o rosto.
— Isso aí, querida. Vamos comemorar. Ela está noiva, então vamos
brindar! — tia Cássia grita animada me fazendo sorrir.
— Mas tem que ser feliz com ele? — meu tio questiona, e Téo ri.
— Tem. Ele é um bom homem, e no fundo o senhor sabe disso.
— Sei... — diz emburrado e deixo um beijo em sua cabeça.
Mamãe se levanta e respira fundo. Fica um tempo em silêncio e todos
nós a observamos. Ela aperta o crucifixo em sua corrente e fecha os olhos por
um instante. Assim que os abre, começa a dizer:
— Vou procurar ajuda. Já decidi. Eu preciso começar a cuidar da minha
mente e do meu coração. Eu não estou mais aguentando ser assim. Esses anos
todos, isso tem me feito muito mal. Chorei muitas vezes escondido e implorei
por ajuda Divina. Mas se eu não der o primeiro passo, nada vai acontecer.
Minhas tias ficam alegres, assim como meu tio.
— Que bênção! Deus é tão maravilhoso — titio diz.
— E para comemorar isso também, pedimos perdão a você. Comecemos
em admitir que erramos com você. Mas estamos aqui prontos para o que der e
vier. Um dia fomos uma família que via a dor do outro e tinha medo de intervir.
Que isso acabe hoje. Que, a partir de hoje, tenhamos mais união e sejamos
companheiros um do outro. Que sejamos uma família — vovó fala e todos
sorriem emocionados, assim como eu.
— Eu posso ser um louco as vezes. Em alguns momentos ser estressado,
e em muitos ser safado. Mas eu amo a Raquel, e jamais vou machucá-la. Isso é
uma promessa.
Minhas tias e avó ficam com olhares bobos para o Téo e sorrisos ainda
mais bobos. Mas ele olha para a minha mãe.
— Cuide dela. Proteja-a, e jamais deixe ela se esquecer de quem a
manteve firme até aqui. De quem a fez suportar tudo — mamãe diz e o Téo
concorda. — Ainda é difícil, e está sendo difícil dizer, mas eu... E-eu abençoo a
união. Se ela sorri desse modo com você, e tem esse semblante que nunca a vi
ter, é porque está fazendo bem a ela. Não deixe que ela se torne eu. Tenha
paciência com ela. Às vezes é curiosa demais, e tem vezes que come muito,
parece que a sua fome não tem fim. Ela se emociona fácil. Raquel é a minha
menina, e passei a vida dizendo que sabia mais do que ela, e que eu sabia o que
era melhor para ela, tornei a vida dela um inferno, achando que seria o correto,
fiz ela sentir a dor que eu sentia, fui louca, descontrolada... Eu fui a pior mãe. —
Respira fundo mais uma vez. — Então mostre que ela tem capacidade de fazer
escolhas e decidir o melhor para a sua vida. Seja um príncipe para a Raquel, e
isso será o suficiente para me fazer lutar pela minha melhora.
Sorrio emocionada. E sussurro um obrigada para ela.
— Farei isso — ele diz com firmeza.
Tenho vontade de gritar aos céus por isso estar acontecendo. Deus está
trabalhando. Ele não falha. Ele é tudo de melhor. Ele é Deus!
— Vamos brindar. Com suco, mas vamos brindar! — tia Noemi arranca
risos de todos.
— Abençoo a união. Que Deus abençoe os dois, e que sejam felizes. E
que Ele coloque juízo na cabeça desse menino que vi crescer, e ainda vai me
matar — titio fala e o Téo ri.
— Sou um quase anjo — ele provoca e olho feio para ele.

Ficamos conversando e rindo das doidices das minhas tias e da minha


avó. Mamãe ficava mais na dela, e o meu tio dizia que elas eram doidas. Não
ficamos para a sobremesa. Comecei novamente a sentir um pouco de cólica e
inchaço abdominal, e preferi ir embora, dizendo ser dor de cabeça, já que o Téo
ficou bem preocupado quando eu disse que era cólica outra vez. Não gosto de
mentir, mesmo por coisas bobas, mas não o queria nervoso novamente. Disfarcei
algumas vezes a dor, mas a única a perceber foi vovó, e disse para eu ir para casa
e apenas deitar, nada de remédios. Conselhos dos mais velhos em sua grande
maioria sempre funcionam, e resolvi seguir. Eu me despedi deles, e prometi que
manteria mais contato e falaria quando os preparativos do casamento
começassem.
Estamos no carro indo embora.
— Foi tudo bem.
— No final deu tudo certo — corrijo-o.
— Você entendeu... Está estranha, é apenas a dor de cabeça?
— Está tudo bem, Téo. Não se preocupe. — Sorrio para ele, que me olha
rapidamente e encosto a cabeça no banco.

Já estamos em casa tem um tempo. Estou deitada, e o Téo foi resolver


alguns assuntos por telefone com a Samira em relação a Catarina, coisas de
escola, que ela esqueceu de avisar.
A campainha começa a tocar sem parar. Levanto e vou conferir quem
emperrou o dedo nela. Destranco a porta e abro.
Olho surpresa para a pessoa, que sorri.
— Raquelzinha... A gordinha que ganhava doces da minha mãe. Cá
estamos nós, frente a frente, mais uma vez. Destino é uma coisa de louco! — Ele
sorri e me puxa para um abraço, surpreendendo-me.
— QUE PORRA É ESSA?! — Téo grita nervoso.
Ele me solta e ri, enquanto tem um Téo nada contente com o celular na
orelha, onde diz:
— Depois te ligo. Tchau. — Coloca o celular no bolso e cruza os braços.
Que dia mais repleto de emoções.

Ô presentinho de Deus, que tá aqui comigo
O nosso amor tá tão lindo
Vai ganhar o formato de filho
Se tivesse combinado, não daria tão certo
Não importa da onde 'cê vem
O que importa é que a gente tá perto
— Cleber e Cauan “Presentinho de Deus”

Téo Lima

Observo os dois, e o infeliz ri.


— Como entrou aqui, Rogério?! — indago. Estou prestes a matá-lo.
O infeliz fecha a porta e cruza os braços.
— Você autorizou minha entrada sempre que eu quiser. E este
condomínio me agrada. Tem cada mulher... Estou pensando em comprar uma
casa por aqui.
Que arrependimento.
— Raquelzinha? — pergunto olhando para os dois agora.
Ele olha para ela e ergue uma sobrancelha.
— Não acredito que não falou que já nos conhecíamos, desde quando era
uma adolescente e que sua mãe me detestava.
— Se conheciam? A mãe dela não gosta de ninguém. E por que caralho
os dois nunca me contaram?
— Eu tentei. Duas vezes, e nas duas você me interrompeu — ela se
defende e se senta no sofá.
— Eu não sou seu namorado. Ela que deveria ter dito. E além do mais,
você sumiu.
— Isso é sobre o passado dos dois!
— Qual é, meu amigo. Relaxa aí. Nossos pais eram próximos, e minha
mãe gostava mais dela do que de mim.
— Por que todo mundo gosta mais de você? — pergunto e ela dá de
ombros. — Esse não é o ponto. Que merda faz aqui?
— Vim te visitar.
— Você não gosta de me visitar. Só viria se eu dissesse que tem mulheres
e bebida.
— Eu mudei. Estou virando uma nova pessoa.
— Conta outra, Rogério.
— Você mudou. Minhas dançarinas sentem sua falta.
Olho irritado para ele, e Raquel revira os olhos.
— Téo, ele sempre foi irritante. E já vi que precisam conversar. Vou para
o quarto. E antes que fique bravo, Rogério era um rapaz bem feio. Não tinha
esses músculos aí, e esse rosto bonitinho.
Observo seu modo bem sincero de falar. Raquel não falaria assim. Ela
anda estranha. Será que está se drogando? Para que mau caminho levei ela? E
que porra é essa de analisar a aparência dele?
Ela faz um aceno para o Rogério e passa por mim. Está com uma
aparência cansada. Fico olhando e o Rogério se senta, abrindo seu paletó,
cruzando as pernas, levando o tornozelo à perna esquerda.
— Uau. Esquentadinha, né? — ele diz.
— Mais uma palavra sobre minha mulher, e esmurro a sua cara.
— Pelo visto, você também está esquentadinho... Interrompi algo?
Dou as costas a ele, e vou até o bar no canto da sala. Preparo um uísque
com gelo.
— Aceito uma dose.
— Não aceita porra nenhuma. Fala logo o que quer.
Retorno, sentando na poltrona, e bebendo um gole da bebida.
— Cara, você só bebe isso e fuma charuto quando está estressado,
ansioso ou querendo relaxar. Estou torcendo para ser a última opção.
— Peça a Deus para eu não te matar. Estou muito irritado.
— Sou ateu.
— Você ia para a igreja. Me falou isso. Seus pais eram religiosos.
— Parei de acreditar, e tive meus motivos para isso.
— Você está com a fé abalada, não virou ateu.
— Chega. Não é disso que vim falar. Dane-se minha fé, e a merda que
for.
— Não sou o único estressado.
Bebo mais um gole de uísque.
— O que veio fazer aqui?
— Vim visitar meu velho amigo.
— Não nos conhecemos há tanto tempo. Sou péssimo com datas, mas
deve ser uns dois anos. Não tem nada de velho.
— Caramba! Você está difícil hoje.
— Você me deixou estressado quando abraçou a minha mulher, e não
disse que a conhecia.
— Com ela não está irritado?! Foda.
— Não.
— E eu sempre me lasco.
— Fala logo o que veio fazer.
— Porra, não é nada, seu louco. Estava passando e vim aqui.
— Hum...
— Sumiu da boate. Não me ligou mais. Está me traindo? — provoca.
— Idiota! — Ele ri. — Eu iria amanhã à noite.
— E aí, você e a garota estão firmes mesmo?
— Estamos noivos.
— PUTA QUE PARIU! — grita.
— Por que todo mundo tem reação de espanto?
— Porque não imagino você noivo.
— Eu já estive noivo.
— E não casou.
— Ponto para você.
Termino meu uísque e deixo o copo na mesinha de centro.
— Mas agora é sério, né? Está diferente. Furioso. Quem diria.
— Estou furioso porque esteve com os braços nela. Não sei nem da onde
acabou de vir para tocar nela.
— De um almoço.
— Evoluiu. Saindo para almoçar.
— Almocei morangos pelo corpo de uma linda mulher. Cheia de curvas...
— Você consegue ser pior do que eu.
— Sou bom no que faço. Ninguém resiste.
— Idiota. — Ele ri.
— Já me chamaram de coisa pior. Eu iria te chamar para irmos agora à
boate. Curtir um pouco. Mas, pelo visto, não vai.
— Amanhã à noite irei.
— Leve ela. — Sorri maliciosamente.
— Nem pensar. Da última vez não foi bom.
— Bom, vim apenas te atormentar. Tenho que ir. Vou avisar as meninas
que acabou a diversão com você. Porra, era meu melhor cliente. Se eu falir, te
culpo.
— Existem iguais, ou piores do que eu.
— Então acabou o Senhor Pecado? — pergunta rindo.
— Ainda sou. Mas somente a Raquel tem esse lado meu. Na verdade,
somente ela tem todos os meus lados, agora.
— Vou vomitar. Porra. — Ele se levanta, ajeita o paletó. Acabo
levantando também.
— Felicidades. Me chame para padrinho. Banco a lua de mel dos
pombinhos.
— Você é um tarado. Vai bancar logo a lua de mel.
— Quero poder dizer aos pirralhos de vocês, que talvez eu tenha ajudado
eles a virem ao mundo.
— Some daqui.
— Vou mesmo. Ando sendo muito maltratado.
Acabo rindo.
Nos despedimos, e ele vai embora. Preciso ligar na portaria e tirar o
acesso livre dele. Rogério é uma praga quando quer.

Entro no quarto e a Raquel está dormindo de bruços. Seu vestido subiu,


revelando um pouco da sua bunda. Sorrio com a visão. Coloco uma coberta
sobre ela, e saio do quarto. Preciso terminar de falar com a Samira.
Ligo para ela, que atende rapidamente.
— Então, pode falar agora? — pergunta.
— Desculpe. Recebi uma visita. Mas a minha resposta é não. Se ela
quiser ir para esse parque aquático, eu levo, ou você leva depois. Mas com a
escola não.
— Também achei que era melhor não deixar. Não confio muito. E se
perderem ela? São muitas crianças. E se ela morre afogada?
— Não comece a surtar. Apenas diga que não, e pronto.
— Amanhã no almoço na casa da sua mãe, falamos com ela.
— Tudo bem. Nos vemos amanhã.
— Certo. Até amanhã.
Desligamos e retorno para o quarto. Deixo o celular no criado-mudo.
Retiro a calça, ficando apenas de cueca, e deito ao lado dela. Assim que deito,
ela se vira e se aconchega em mim. Fico mexendo em seu cabelo e a observando.
Preciso levá-la na segunda-feira a uma loja para escolher o anel de noivado.
Raquel Pereira

É domingo, e estamos na casa dos pais do Téo. Já almoçamos e nos


deliciamos com a sobremesa. Samira e o Téo também conversaram com a
Catarina sobre um passeio e a pequena é bem tranquila, pois entendeu
perfeitamente. Agora estamos na área dos fundos, de frente para a piscina,
conversando e aproveitando o clima gostoso. Téo está sentado na
espreguiçadeira ao lado, com a Catarina. Já Samira e Hannah estão na beirada da
piscina, e eu estou junto com o senhor Augusto e a Eleonor, nas cadeiras ao
redor da mesinha branca.
— Eu sempre sou a última a saber de tudo. Estão morando juntos. Poxa
vida. Vocês nunca me contam nada — Eleonor diz e os filhos reviram os olhos.
— Bem-vinda ao clube! — Samira comenta e olha feio para mim e o
Téo.
— Eu já sabia. Fui ajudá-la a organizar as coisas — Hannah comenta
gloriosa.
— Traíra como o irmão! — Eleonor fala e sorrio.
— É assim para a pior, querida — senhor Augusto comenta baixinho em
meu ouvido e sorrio ainda mais.
— Olha lá. Viraram cúmplices. Sou esquecida!
— Vovó, eu não te esqueço.
— É a única, meu amor. A única. Vem aqui.
Catarina corre para a avó e Téo ri.
— Vê como tratam a sua avó?
— Eu não escondo nada. Conto tudo, vó.
— Você é sábia. A melhor pessoa deste lugar.
— Mentira. Raquel é maravilhosa também. E se não falou, deve ter sido
a Hannah e o Téo que a calaram — o pai do Téo fala e pisca para mim.
— Meu Deus, pai! Até parece que somos monstros. Raquel, vou te
expulsar da família — Hannah diz rindo.
— Não discute, Hannah. Somos sempre culpados — Téo fala dramático.
Esse puxou a mãe.
Meu noivo faz um gesto para eu me sentar com ele. Levanto e, quando
me aproximo, me puxa para o seu colo. Que vergonha! Hannah e Samira
sorriem. Catarina me analisa muito. Essa baixinha me assusta às vezes.
— Temos uma novidade para contar.
— Santo Deus! Vou ser avô de novo?
— NÃO! — Téo e eu dissemos em uníssono.
— Por que sempre pensam isso? Porra! — Téo fala irritado.
— Não sei. Primeira coisa que pensei — ele responde.
— Diga logo. Estou curiosa! — Eleonor diz animada.
— Fala, papai! — Catarina entra no clima.
— Estamos noivos! — Téo finalmente revela e me olha sorrindo.
Um barulho muito forte de água chama nossa atenção, acompanhado de
um grito. Olhamos, e a Samira e a Hannah foram parar dentro da piscina.
— Meu Deus!
— Que merda foi essa? — Téo questiona.
— A louca da Samira caiu e me puxou.
Eleonor e o esposo estão nos olhando boquiabertos.
— Foi engraçado! — Catarina diz rindo da tia e da mãe.
Elas saem da piscina.
— Téo, aprenda a dar notícia desse tipo. Prepare as pessoas antes. O
impacto foi tão grande que caí. — Samira gesticula e molha a todos.
— Eu vou te matar, Samira! — Hannah diz a ela. — Sua louca.
— Louca? Seu irmão está noivo, e eu sou louca? — rebate.
— E isso é um problema? — Téo questiona.
— Não. É apenas o apocalipse. Eu não quero morrer. Não quero... QUE
ALEGRIA! — Ela nos abraça, molhando um pouco nossas roupas.
— Samira! — Téo reclama.
Ela se afasta pulando e se joga em cima da Hannah.
— Sai, louca! — Hannah reclama.
— V-vai c-casar? — Eleonor gagueja e começa a ficar pálida.
— PORRA, NÃO DESMAIA! — Téo reclama. Ficou traumatizado.
Salto do seu colo e me aproximo dela.
— Catarina, sai um pouquinho do colo da sua avó — peço a ela, que se
afasta e fica olhando para a avó.
— Está bem? — pergunto a ela.
— S-sim... Meu Deus! Vão casar. — Ela está muito impressionada.
— Sim, mãe. Vamos casar.
— Vai ter bolo? — Catarina pergunta e rio.
— Eu pago tudo. Banco tudo. Só tem que sair esse casamento. Vai sair?
— o pai do meu noivo fala muito animado. — Chega de não chegar ao final. Ou
casa, ou casa!
— Desta vez vai ter casamento — Téo responde sorrindo.
— Ai, que legal! — Samira bate palmas. — Quero ser madrinha.
Arranjem um padrinho gato para ser meu par.
— Vai se trocar — Téo diz a ela, que mostra o dedo do meio para ele.
— Eu vou ajudar a preparar tudo. Vai ser a melhor festa — Hannah se
manifesta bem animada.
— Gastem o que for necessário. Vou até pagar tudo para o Téo não ter
saída.
— Obrigado pelo voto de confiança, pai!
Eleonor se levanta e me agarra.
— Socorro! Meu filho vai casar, e com esse anjinho. Meu Deus! Não
existiria melhor pessoa para ele se casar.
— Ninguém me respondeu se vai ter bolo! — Catarina fala.
— Vai ter sim, princesa — Hannah responde. — E uma linda festa.
O senhor Augusto se levanta e abraça nós dois.
— Coloque juízo nele. Não sei o que fazer. Faça ele me visitar mais
vezes. Sempre esquece de mim. E diga a ele para me acompanhar nos lugares —
Eleonor diz para mim toda emocionada.
— Pode deixar. E ele prometeu que iria no mercado de agora em diante,
sempre que a senhora precisar dele — digo e o Téo me olha feio.
— Vou te matar! — ele esbraveja nervoso.
— Querendo ficar viúvo antes do tempo? — provoco.
— Se prepara! — ele diz e sorrio.
— Raquel? — Olho para a Catarina. — Papai é meu. Mas divido com
você.
Me abaixo ficando a sua altura e seguro suas mãos.
— Prometo que ele sempre vai ser mais seu que meu. Certo?
— Sim — concorda toda sorridente. Ela me abraça e beija meu rosto.
Seu cheirinho é de morango. Parece uma bonequinha. Levantamos.
— Agora pare de me chamar de “senhor”, Raquel — Augusto pede
sorrindo.
— Vou tentar — respondo timidamente.
Eles decidem que precisamos comemorar, e pedem para ficarmos até a
noite que vão pedir pizzas e bebidas. Hannah e Samira foram tomar banho e
trocar de roupa, porque começaram a tremer de frio. A Catarina ficou comigo e
com o Téo, brincando. É bem divertido essa família. Eleonor é muito engraçada,
e o pai do Téo sempre acaba levando a culpa de tudo. Catarina é bem apegada ao
pai, e sempre quer sua atenção, e não me importo, acho fofo, porque eu era
assim com o meu pai. O Téo tem muito jeito com criança, e acho bonito isso. Ele
começa a fazer cócegas nela, e a mesma pula para o meu colo rapidamente, e me
agarra, tentando se proteger. Acabo rindo do seu desespero.
— Ela vai passar mal, Téo! — digo e ele para.
— Preciso de água! — Ela respira ofegante e se controla do riso.
Sai do meu colo e corre para a cozinha. Eleonor e o marido estão lá
também, escolhendo onde vão pedir as pizzas mais tarde. Ajeito o vestido que
vim. É curto, e justo. Mais um, das compras que fiz da última vez. Téo se
aproxima e beija meus lábios.
— Anda muito provocadora, mocinha. Me entregando para a minha mãe,
que feio! — ele diz segurando meu queixo.
— Só disse o que falou sobre o mercado. — Ele sorri.
Volta a me beijar, segurando minha cintura e se inclinando sobre mim.
— Téo... — digo entre o beijo e o empurro. Ele ri. — Estamos na casa
dos seus pais!
— Eu sei, mas isso não tira meu desejo neste momento. Ainda mais
tendo uma bela visão das suas pernas e das suas curvas, neste vestido. O de
ontem já me chamou a atenção.
— Você ajudou a escolher.
— E não estou reclamando. Me sentiria atraído por você, até se estivesse
de burca. — Beija meu pescoço. — Sinto um frio na barriga, e pressiono as
pernas, uma na outra.
Levanto rapidamente, e meio desajeitada.
— Aqui não — nego baixo.
— Então precisaremos dar um jeito nisso. — Aponta entre as suas pernas
e sinto meu rosto esquentar.
Escutamos as vozes da Catarina, e dos avós vindo para a sala.
Téo me puxa rapidamente para sentar em seu colo e cochicha em meu
ouvido:
— Fique quietinha. Ou vai piorar a situação.
Arrepio-me inteira. Sinto o quão duro está. Engulo em seco, assim que
seus pais e sua filha entram. Ele agarra a minha cintura. Fez de propósito isso,
conheço muito bem o Téo. O mesmo está sorrindo.
— Vou tomar um banho, e seu pai vai descansar um pouco. Fiquem à
vontade. E Raquel, sinta-se em casa. Mais tarde vamos nos esbaldar em comer.
Amo comer coisas bem gordurosas as vezes.
— Só as vezes, amor?
— Quieto, marido!
— S-sim... — pigarreio. — Vou me sentir em ca-casa. — Téo se mexe
um pouco. Meu Deus!
Engulo em seco e sorrio. Ele se mexe mais uma vez. Está me
provocando.
— Vou atrás da mãe e da tia — Catarina diz e sai em disparada.
— Essa menina ainda vai se machucar. Só corre! — Eleonor reclama.
— Não falo mais nada — Augusto também comenta.
Eles saem da sala e o Téo me olha e sorri como um menino que vai
aprontar.
— Destino.
— Que destino?
— Levanta.
Levanto e ele faz o mesmo.
— Vem.
Segura minha mão e saímos andando para o lado de fora. Passamos pela
piscina, e viramos à direita. Ele abre a porta branca, que tem na lavanderia, onde
estamos. Acende a luz e é um quartinho com produtos. Fecha a porta e tranca
com a chave que estava atrás dela.
— Téo, você...
Ele pisca e se aproxima, agarrando meu corpo.
— Você não queria na casa. Aqui não é tecnicamente a casa.
— Faz parte dela!
— Shhh...
Começa a me beijar, prendendo meu corpo na parede livre. Pressionando
seu corpo ao meu, sinto desejo. Passo as mãos por seu cabelo, ele aperta minha
cintura. Téo não é calmo, e tampouco quero isso. — Céus, o que estou
pensando? — Quando estamos assim, quero tudo. Eu me transformo, e sei disso.
Ele é bruto, e quente. Chupa meu lábio inferior. Estou sem controle. Só quero
ele.
— Não podemos demorar aqui, ou vão nos caçar. — Sua voz é rouca e
baixa. Beija meu pescoço e fecho os olhos excitada.
— Se apoie no armarinho e fique de quatro!
— Téo...
— Agora. — Sobressalto com o tom. É mandão, e sinto meu estômago
contrair.
Fico de costas para ele, sentindo a intensidade do clima. Sinto minha
calcinha molhar e muito calor. Apoio as mãos no armarinho branco, e inclino.
— Mais — ele diz com firmeza. Sua voz está me deixando desnorteada.
Fico ainda mais empinada, ficando realmente de quatro. Sua mão desliza
pelas minhas costas e desce até a parte nua das minhas pernas. Então começa a
subir, erguendo o vestido. Aperta minha bunda, e desliza a calcinha até meus
pés. Levanto um pé de cada vez e ele recolhe a calcinha do chão, colocando em
seu bolso. Sei que estou exposta para ele e não me envergonho. Quando estou
assim com ele, sinto tudo, menos vergonha. Era o tempo em que sentia. No que
me transformei?
Com o rosto inclinado, olhando para ele, vejo-o abrir o cinto e o botão da
calça. Assim que abre o zíper, desliza a calça acompanhada da cueca, até uma
parte de suas coxas, revelando sua ereção grossa, e dura. Seu olhar é escuro, e a
seriedade em seu rosto deixa tudo mais intenso. Olho para a frente, e aperto com
firmeza o armarinho. Passa um dedo na minha entrada e fecho os olhos,
apreciando o toque. Lentamente desliza o dedo dentro de mim, fazendo com que
eu morda o lábio inferior, devido a sensação. Acerta um tapa na minha bunda e
acabo soltando um gritinho. Ele beija em seguida o lugar atingido. Retira o dedo,
e aperta apenas um lado da minha cintura.
— Você tem que ficar bem quietinha quando eu colocar meu pau dentro
de você. Controle os sons. Vai ser forte, e tem que ser rápido. Mas prometo que
em casa será calmo, e poderá gritar da forma que quiser.
Suas palavras apenas me deixam ofegante e ele continua com outras que
trazem um tremor maior:
— Vai ser agora. Vou foder você.
Então ele me penetra. Solto um gemido, sem controle.
— Shhh... — Acerta um tapa em minha bunda novamente. — Afaste
mais as pernas!
Eu faço, e ele começa a se movimentar. Ele não mentiu. São fortes os
movimentos, e tento controlar ao máximo os sons, deixando tudo mais
enlouquecedor. Com a outra mão, aperta meu ombro, ficando ainda mais
profundo.
— Porra... Estava louco por isso desde que te vi nesse vestido— diz a
cada penetração.
— Téo... Vão nos... descobrir — minha voz é baixa e ofegante.
— Não pense nisso...
— Não penso em nada mais... — É a verdade.
Inclino a cabeça, olhando um pouco para trás. Seu olhar se encontra com
o meu. É difícil controlar os sons, porque está tudo muito intenso. Ele mexe o
quadril, e sinto-o girar dentro de mim. Fecho os olhos rapidamente e aperto os
lábios. Volta aos movimentos de vaivém. E desse jeito, forte e rápido, eu começo
a ficar aérea. Só sentindo o prazer.
— Oh... — deixo escapar, baixinho.
— Gostosa. — Puxa meu cabelo e a brutalidade nesse movimento me faz
ficar mais sensível. A sensação já está ficando familiar e viciante. Ele não para, e
não quero que pare.
— Vai gozar... Está apertando meu pau... Porra.
— S-sim...
Meus dedos ficam vermelhos apenas por apertar mais firme o armário.
Trinco os dentes, controlando os gemidos que querem escapar. Ele solta meu
cabelo e acerta outra tapa em minha bunda, e isso é ainda mais excitante. Vem
uma sequência deles e choramingo. Ele xinga baixinho. Não controlo mais e
começo a gozar, sentindo ele fazer o mesmo com força dentro de mim. Meu
corpo fica mais fraco que o normal, por tentar controlar as sensações. Ele sai de
dentro de mim e veste rapidamente a calça junto da cueca. Então me ajuda a
ficar de pé, amparando meu corpo, colado ao seu. Nossa respiração é forte. Meu
coração está muito acelerado.
— Não vou... conseguir olhar para e-eles... — Ele sorri e beija minha
testa.
Ajuda-me a colocar a calcinha e beija com carinho meus lábios. Ficamos
abraçados por um tempinho, nos recuperando.
— Te amo, minha pequena.
— Não é mais Santinha?
— Sempre vai ser.
— Também te amo, mesmo me deixando em situações assim.
— Gostou? — fico vermelha com sua pergunta.
Assinto e encosto a cabeça em seu peito.
— Amo esse seu jeito. Quando se entrega a mim, não é tímida. Mas
depois fica. Minha Santinha, você é única. — Sorrio e ele beija rapidamente
meus lábios.
Ajeito meu cabelo, com sua ajuda, e ajudo ele com o dele. Nos
organizamos completamente.
— Podemos sair? — ele pergunta.
— Sim. Está tudo ok? — Ele me avalia.
— Está sim. Vamos.
— Não apronte mais isso!
— É só o começo. Você que escolheu o Senhor Pecado.
— Escolhi o Téo Lima — brinco.
— O pecado faz parte do pacote. — Me dá uma piscadela e saímos dali.
Resolvemos entrar em um banheiro ao lado, e nos limpamos
rapidamente, para ficarmos mais apresentáveis. Retornamos para a casa a tempo
da Samira, Hannah e Catarina entrarem na sala. Se desconfiaram de algo, não
falaram. Elas escolheram um filme, e sentamos para assistir. Ficamos deitados
no sofá, com a Samira usando minhas pernas de travesseiro e a Hannah as dela.
Enquanto a Catarina ficou deitada agarrada ao pai.
Téo ainda vai nos colocar em problemas, com essas suas loucuras.
Sorrio, olhando para ele, que retribui.

Às vezes, acho que Deus tava bem de boa
Tava à toa quando decidiu criar você
Caprichou tanto no teu sorriso
Que Da Vinci fez a Monalisa só pra concorrer
— Gustavo Mioto part. Anitta “Coladinha em mim”

Raquel Pereira

Estamos em uma loja do shopping, para escolher o anel de noivado.


Bom, ele disse que eu deveria escolher, mas rejeita todas as minhas escolhas. A
vendedora deve estar achando que somos doidos.
— Por que não quer este? Me dê um excelente motivo. — Ele me olha e
a vendedora também.
Mostro o anel em meu dedo, e por sinal, bem pesado.
— Porque ele esconde uma parte do meu outro dedo, e é pesado. Téo,
por Deus, aonde irei com esse tijolo? Este outro é bem mais bonito e simples. —
Aponto para o anel que gostei.
— Mas não tem destaque.
A vendedora olha de um para o outro.
— Por que queria que eu escolhesse? Já fez sua escolha, pelo visto.
— Não é isso. Você quer um anel simples. Com uma pequena pedrinha.
Isso não deve nem brilhar no escuro. Tenha a santa paciência, Raquel! — Está
estressado.
— Por que você quer um anel que brilhe tanto e tenha essa pedra enorme,
que deve pesar mais do que eu? — Retiro o anel que parece mais um tijolo, e
coloco sobre a bancada de vidro.
— Porque quero que todos saibam que está noiva.
— Não seria mais prático anunciar no jornal? — indago com sinceridade.
Ele me olha feio.
— Olha, temos outros modelos...
— Não, moça. Eu quero esse da pedrinha — digo e ela assente
respirando fundo.
— Levamos os dois. Usa os dois — ele rebate.
— Téo, se eu usar este anel, não terei dedo no final do dia. E é muito
chamativo. Vou ser assaltada. Deus me livre e guarde!
— Você é difícil!
— Não sou não. Você que quer um tijolo no meu dedo. Mais fácil eu
tatuar no rosto que estou noiva, já que quer destaque. — Minha paciência está
zero, e sempre fui muito paciente.
— Boa ideia. Eu curto. — Agora sou eu que olho feio para ele.
— Téo, vamos voltar outro dia, e aí decidimos com calma.
— Não. Vamos levar o que quer.
Sorrio vitoriosa.
— Manipuladora.
— Não sou! — respondo brava.
— Tudo bem. Ele vem acompanhado da aliança do noivo. Os pares são
semelhantes, porém o do noivo com apenas um fio de diamante na parte de cima.
Vou pegar para que confiram melhor. — Concordamos e ela se retira, levando a
caixa que mantém os anéis.
— Tem certeza de que não quer o outro?
— Tenho. Nunca tive tanta certeza na minha vida inteira.
Ele sorri.
— Precisamos escolher quando vamos nos casar.
— Sim. Essa semana irei pesquisar faculdades, e aproveitamos para
escolher a data. Tenho que falar com meu tio sobre a igreja. Quero casar na
igreja também.
— Posso te ajudar com o valor da faculdade.
— Nem pensar. E não vou mudar de ideia. Tenho que aprender a arcar
com muita coisa também.
— Tudo bem. Sabe que o hotel banca uma parte da faculdade, não é?
— Não. Mas isso é ótimo. Vou falar com seu pai. E algum conselho de
qual faculdade?
— Tem muitas boas. Mas a que estudei era uma das melhores.
— Me ajuda? Preciso dar uma pesquisada. E é seu papel como meu
“professor” me ajudar em muitas coisas.
Sorrimos.
— Claro. Quer começar no segundo semestre?
— Se tudo der certo, quero sim.
— Ele começa em breve. Então temos que olhar tudo isso rapidamente.
— Concordo.
A moça retorna mostrando o anel do noivo.
— Gostei. Já que ela quer este, farei o gosto dela. Vamos levar o par.
— Certo! — ela responde muito animada. — O valor do par é nove mil e
oitocentos reais, mas parcelamos em até doze vezes.
Arregalo os olhos. Por Deus, são anéis ou uma barra de ouro?
— Téo, é muito...
— Vou levar. Será à vista.
Fico sem ação. Boquiaberta. É muito dinheiro. Nunca vi tanto dinheiro
assim.
— Vou levá-los para limpar. Antes preciso que experimente o seu. — Ela
entrega a ele, separando mais dois tamanhos. Ele experimenta e o primeiro já
serve. — Vamos prepará-los para vocês.
— Obrigado.
— Podem sentar no sofá, logo ali. Com licença.
Caminhamos até o sofá e sento ainda pasma.
— Téo, você é louco? Depois teremos a aliança de casamento.
— E o que tem? Se quiser pode usar esse junto.
— Não quero. E se me assaltarem? Nunca vou superar se levarem isso.
Senhor, é muito dinheiro. Meu Deus!
Ele ri.
— Relaxa, Santinha. Você não reclamava das roupas, sapatos e tudo que
comprei. Se até o meu gerente do banco se acostumou com meus gastos
exorbitantes... Se acostume.
— Porque era tudo novidade. E agora estou entendendo muita coisa.
Principalmente que é loucura pagar esse valor.
— Melhor nunca descobrir o valor dessa correntinha que te dei.
Levo rapidamente a mão até ela.
— Meu Deus! Acho que você tem algum problema. Estou começando a
entender o meu tio. Téo, procure a Deus de verdade. Não estou brincando. Estou
preocupada.
Ele gargalha e algumas pessoas olham.
— Amor, você anda comigo em uma Ferrari na maioria das vezes, e
quando não, em outro carro importado e já andou comigo em uma moto bem
cara, e está com medo de usar este anel? — Concordo abismada. — Você que
tem problemas.
— É caro demais. Meu Deus do céu!
Ele passa a língua no lábio inferior e sorri em seguida.

Estamos no hotel. Depois do choque que levei pelo espanto na loja, estou
andando até com medo, devido ao anel em meu dedo.
— Venho te buscar depois. Se me ligar e eu não atender é porque fui me
encontrar com o Saulo.
Ontem, enquanto comíamos a pizza na casa dos pais dele, o Saulo ligou
pedindo um encontro hoje. Ele estava cheio de compromissos no domingo e de
qualquer forma seria impossível encontrar com o Téo para resolverem sobre o
contrato. Então vão se encontrar hoje, e o Téo vai assinar. Estou ansiosa e
torcendo muito por ele. Antes de sairmos de casa, rezei muito para que Deus
guiasse ele nessa nova etapa.
— Tudo bem. Boa sorte.
Ele me beija rapidamente e se afasta.
— Cuidado com o anel — provoca, enquanto sai do hotel.
— Muito engraçado! — grito de volta.
Vou para a minha mesa de trabalho e começo toda a minha rotina.

Retorno do almoço e vou falar com o senhor Augusto. Bato na porta da


sua sala e ele pede para entrar.
— Não foi almoçar, não é?
— Não, querida. Estou querendo terminar tudo logo. Viajo novamente
essa semana. Tenho alguns eventos, mas desta vez retorno rápido, e a Eleonor
vai me acompanhar.
— Que bom! — Sorrio.
— Sente-se. Quer falar algo?
— Sim. — Me aproximo e sento-me na cadeira à frente de sua mesa. Ele
retira os óculos e sorri.
— Eu quero começar a fazer faculdade. E fiquei sabendo que o hotel
ajuda.
— Sim. Ajudamos nossos funcionários nos estudos. Arcamos com uma
parte do valor.
— E isso vale para mim, que sou novata aqui?
— Claro. Pode ter certeza de que depois dos três meses, eu não irei te
mandar embora. A não ser que queira. Tenho planos para a senhorita.
— Para mim?
— Sim. Porém, falarei depois. Pode ver a faculdade, e quando tiver tudo
certo, venha falar comigo. O hotel vai se responsabilizar por uma parte do valor.
E preciso que deixe sua conta bancária, não o fez ainda.
— Claro. — Preciso abrir uma com urgência.
— Vai ter que abrir uma, né?
Sorrio sem jeito.
— Imaginei. Vou te entregar o que vai precisar, e pode ir hoje mesmo
abrir, não irei precisar de você hoje, está tudo tranquilo e adiantado. Não quero
ter que entregar dinheiro em mãos, não acho seguro, então resolva isso.
— Certo. Obrigada.
— Não precisa agradecer, querida. Nesses dias que irei ficar fora, conto
com você e com o Natanael para cuidar desse lugar. E preciso que avaliem cada
canto deste hotel a partir de hoje, duas vezes por semana. E fiquem mais de olho
nos funcionários em minha ausência.
— Aconteceu algo? — questiono preocupada.
— Peguei dois discutindo na cozinha, e a gritaria ouvia-se de longe. Não
quero isso. Hotel Lima é um lugar para a família, e quero respeito aqui. Já basta
as traquinagens do Téo.
— Tudo bem. Mais alguma coisa?
— Não. Pode ir.
Concordo e me levanto. Mas antes de sair da sala, ele me chama. Viro
para olhá-lo.
— Obrigado por ser um anjo em nossas vidas. A melhor decisão que
tomei foi em contratá-la. Você fez meu filho abrir os olhos, e consequentemente
até eu mesmo. Depois de tudo que passamos com a Hannah, nossa família
parece que está começando a voltar de verdade às alegrias de antes, e graças a
você. Você mudou meu filho. Quero que sejam muito felizes, de verdade. Deus
usou você, para nos trazer a paz mais uma vez.
— Não fiz nada. Existe um tempo determinado para todas as coisas.
Basta ter fé, e nunca desistir. Eu não mudei o Téo, foi ele que me ajudou a
mudar. Ele é o causador de tudo isso que vem acontecendo. Se Deus usou
alguém, foi a ele. Porque Deus usa de quem menos esperamos.
Ele sorri e retribuo.

Natanael quis me acompanhar até o banco. Está cheio e o sistema lento,


segundo eles, causando demora.
— Menina, que calor. E o ar-condicionado está ligado — diz se abanando
com a pasta de documentos que eu trouxe.
Rio baixinho.
— Olhe esses sapatos. Que horríveis.
Olho para a mulher à nossa frente, e olho incrédula para o Natanael.
— Natanael, que feio. Não se fala isso.
— Do que está falando?
— Você falando do sapato da mulher — cochicho em seu ouvido.
— Querida, estou falando dos meus sapatos. Sem brilho. Estão
desgastados, como eu. — Ele ri.
— Ah, sim. Desculpe.
O pequeno televisor anuncia mais uma senha, porém ainda não é a
minha. Vai demorar um pouco.
Brinco com o papel da senha em minhas mãos, e cruzo as pernas.
— Meu Deus! Esse anel... Está noiva?
Ele começa a se abanar mais rápido ainda.
— Sim. Esqueci de falar para você. Téo e eu estamos noivos.
— Isso sim é novidade. Aquele menino resolveu ser gente. Isso porque
falou tanto de você antes.
— Quê? — Franzo o cenho.
— Nada. Bobagem. Téo, só falava bobagens.
Sorrio.
— Estou feliz pelos dois. Assim que coloquei os olhos em você, me
encantei. É uma garota iluminada e muito boa. Ingênua algumas vezes, mas isso
é o que te torna especial.
— Obrigada. Você é um amor de pessoa. Foi um dos primeiros a me
deixar bem confortável quanto ao trabalho.
Ele para de se abanar e coloca a pasta sobre o colo.
— Sei que fala isso por causa das meninas. Escuto e sei tudo o que se
passa naquele hotel. Elas estão com inveja, porque você conseguiu o que todas
queriam, e sem ter que fazer nenhum tipo de esforço, aconteceu naturalmente.
Mas saiba que tem muitas pessoas que também gostam de você. O senhor
Augusto te elogia muito. Mayara é amiga das meninas, mas gosta de você.
Quando não vê você, Robson pergunta se eu tenho notícias, porque fica
preocupado. A família do Téo te adora. Você nunca vai agradar a todo mundo,
ainda mais em um mundo repleto de pessoas invejosas. E isso não é grave,
apenas mostra que você tem algo de muito bom para oferecer. Algumas pessoas
não estão preparadas para lidar com o diferente. E você é uma menina diferente,
minha querida Raquel.
Me emociono. Pisco rapidamente.
— Natanael, não me faça chorar aqui. Vão pensar que sou doida.
Ele sorri e acaricia meu rosto.
— Você é a primeira pessoa que, quando surge o assunto do noivado, não
fala sobre gravidez — mudo de assunto para não chorar como uma boba.
— E se você estivesse, qual seria o problema? Não sou que eu vou
cuidar, parir ou bancar. E as pessoas têm que parar de pensar que outras casam
só porque estão grávidas, e mesmo que esse seja o motivo, não é da conta de
ninguém. Temos mais que desejar felicidade e torcer para sermos convidados
para o casamento e caso tenha criança, sermos convidados para as festinhas que
vão surgir. Eu vou ser, não é?
— Você é bem sincero, não? — Rio baixinho.
— Sou sim.
— Vai ser convidado sim, para o casamento.
— Ótimo. Hora de os humilhados serem exaltados. — Ele ri.
— Concordo.
Chamam mais duas senhas. Fico olhando para as pessoas. Nunca gostei
de ir ao banco. Quando eu tinha que acompanhar minha mãe, sempre ficava
emburrada, e ela brigando comigo.
— Ele jamais se casaria por causa de gravidez. Não se incomode quando
pensarem que o motivo é esse. O Téo ama você. Conheço muito bem aquele
menino.
Olho para ele, que volta a se abanar com a pasta.
— Sei disso. Sinto o amor que ele tem por mim.
— Então, quando disserem isso, sorria. Eu daria uma resposta bem
grossa, mas sei que isso não combina com você.
— Você é maluquinho.
— Preciso ser, às vezes, ou tenho um infarto. — Sorrio do seu
comentário.
Depois de mais algumas senhas, e rindo muito das maluquices do
Natanael, chega a minha vez. O procedimento para abrir minha conta não é tão
demorado, mesmo com o sistema estando lento como disseram. O gerente me
ensinou sobre o aplicativo on-line e avisou que em até uma semana o cartão vai
chegar na agência e poderei retirar. Tive a opção de entregarem, mas preferi vir
buscar, já que terei que desbloquear.

Avisei ao Natanael sobre o que o senhor Augusto disse de termos que


avaliar cada canto do hotel e ficar de olho nos funcionários. Como estávamos
livres, resolvemos começar por hoje. Estamos no primeiro andar dos quartos. Ele
está com o cartão “mestre” do hotel, que abre todos os quartos, e apenas ele e o
senhor Augusto têm acesso a este cartão. Pegamos a lista dos quartos ocupados,
para não acontecer nenhum inconveniente. Entramos no primeiro quarto, e está
limpo como deveria. Partimos para o segundo quarto e assim por diante e para
nossa alegria estava tudo em ordem no andar inteiro.
Fomos para o próximo andar.
Começamos pela ordem da direita para a esquerda, até chegar no último
quarto do corredor. Natanael abre a porta, e entramos e, para nossa tristeza, está
bagunçado.
— Vou anotar — falo escrevendo na parte de trás da lista dos quartos
vazios. Uso a cômoda de apoio.
— Anote mesmo. Depois irei conferir na sala dos funcionários, quem
estava na responsabilidade deste andar hoje.
Aceno com a cabeça terminando de escrever.
— Pera aí... Está escutando? — ele questiona baixinho, e viro lentamente
a cabeça para ele.
— O quê? — retorno com outra pergunta e no mesmo tom dele.
Leva o dedo à boca pedindo silêncio. Caminha lentamente até a porta que
dá acesso ao banheiro e encosta o ouvido nela. Porém, um único “clique” foi o
bastante, para gritos de susto surgirem no quarto. Um homem nu sai do banheiro.
— Que porra é essa? — o moço grita.
Fecho os olhos rapidamente, mesmo já tendo visto demais. Senhor, que
vergonha!
— Perdão, pensamos que estava vazio. Era para estar vazio! — Natanael
diz perturbado.
— Que vergonha, Deus! Perdão moço — digo com os olhos ainda
fechados.
— Saiam daqui! Irei reclamar com o gerente do hotel. Vou processar esse
lugar. Saiam!
— Perdão — continuo falando.
Sinto mãos me empurrando, mas não abro os olhos. Uma porta bate com
força.
— Abre os olhos, Raquel! — Natanael pede e faço que “não” com a
cabeça. — Abre logo. Já estamos do lado de fora.
Abro um de cada vez, e levo a mão ao peito.
— O que foi isso? Vamos ser processados. O homem estava nu. Senhor...
— Belo homem...
— Natanael!
— Eu vou matar a pessoa que montou a lista! Estava escrito que este
quarto estava vazio — diz nervoso.
Ele puxa a lista das minhas mãos trêmulas. Olhamos ela, e descobrimos
que nós fomos os errados. Na verdade, eu fui. Vi errado o número do quarto,
enquanto caminhávamos para cá.
— Raquel, você disse que era o quarto 107.
— Eu vi errado. Meu Deus! Vou ser demitida e meu noivado já era
quando o Téo souber disso.
— NÃO! Ninguém pode saber disso. Vou resolver toda essa confusão.
Essa história morre aqui. Estamos entendidos?
— Mas ele disse que vai reclamar com o gerente do hotel. Nem gerente
tem mais. Então vai ser com o senhor Augusto! Deus, que confusão eu armei.
— Exato. Não temos gerente, mas ele não sabe. Livrei a bunda do Téo
muitas vezes. Irei livrar a nossa. Direi que sou o gerente, e cometi esse erro, irei
pedir mil desculpas. Menti para um padre também, então eu consigo. Vou dar um
jeito.
Olho para o teto e falo alto:
— Por que tudo quanto é confusão me envolve? Meu Deus, que carma!
— Pare de doidices. Vou resolver. Ninguém precisa saber de nada.
— Ele estava realmente nu, Natanael. Eu vi um homem nu.
— Vai dizer que nunca viu nenhum homem pelado!
— Vi... Mas...
— Foi apenas o Téo, não é? Coitadinha, traumatizada.
Olho envergonhada.
— Vamos descer. Chega de vistoria por hoje.
— Concordo!

Vamos até a recepção, para ter certeza de que na hora que o homem ligar
ou vir, será Natanael a atender.
Natanael deixa o papel no balcão junto da caneta.
— Nossa, Raquel está pálida. O que houve? — Mayara questiona,
enquanto grampeia alguns papéis.
Olho para o Natanael, e começamos a rir muito. Ela olha sem entender, e
é melhor que assim seja. Mais uma mentira para a minha lista. Eu não gosto
disso. Viro o rosto para a porta de entrada, e alguns hóspedes chegam, e noto que
já escureceu. Nem vi o tempo passar, enquanto avaliávamos o hotel. Logo atrás
dos hóspedes, e futuros hóspedes também, Téo entra vestindo uma calça social
bem justa azul-marinho, e uma camisa branca, com as mangas dobradas até o
cotovelo exibindo suas tatuagens no braço. Os três primeiros botões da camisa
estão abertos, revelando um pouco do seu peitoral. Calça um par de sapatos
claros. Meu coração saltita com essa visão. Ele é sempre tão lindo, bem-vestido.
Pergunto-me se um dia terei uma reação diferente ao vê-lo. Algumas pessoas
olham para ele. Outras cumprimentam. Ele me vê e caminha na minha direção.
Assim que se aproxima, dá um “oi” para Pietra e Mayara. Então leva as mãos à
minha cintura e me puxa de encontro ao seu corpo, e beija meus lábios com
carinho. É um beijo rápido, mas que me faz sentir mil sensações.
— Oi, pequena.
— Oi.
Afasta-se, mantendo um braço contornando minha cintura.
— Oi para você também. Que bom que sou bem visível. Gostei de ver
você também — Natanael diz cruzando os braços e encostando no balcão.
— Quer beijo também? — Téo provoca, e Mayara e eu damos um
sorrisinho.
— Sabe o que realmente me estressa, querida Raquel? Seu noivo!
— Sei que me ama! — Téo rebate e Natanael revira os olhos.
Os hóspedes estão sendo atendidos pelas meninas. Natanael observa eles.
— Pronta para ir? — questiona.
Natanael me olha e fico olhando para ele. Não posso deixá-lo na mão,
quando eu armei a confusão.
— É... Bom. Ir agora? — Téo concorda. — Eu tenho que resolver umas
coisas com o Natanael. Talvez demore. Se quiser ir, depois pego um táxi.
— Por que está com cara de quem aprontou? Na verdade, ambos estão.
Que merda fizeram?
— Nada! — Natanael responde.
— Essa sua cara é a mesma de quando tinha que resolver os meus
problemas. O que aconteceu? Digam, que talvez eu possa ajudar. Sou o mestre
em fazer merdas.
Faço que não com a cabeça para Natanael, mas ele fecha os olhos e
respira fundo. Quando abre, me dá um olhar de pedido de desculpa.
— Acidentalmente entramos em um quarto que tinha um hóspede. Ele
não gostou e vai reclamar. Ficou muito bravo. Estávamos fazendo vistoria, e eu
confundi o número do quarto e acabou gerando essa confusão — Natanael diz.
— Nem pensar. Não vou deixar você mentir por minha causa! — Me
afasto do Téo e ele me olha cruzando os braços. — Eu que confundi o número
do quarto, e entramos. O hóspede estava no banheiro, e quando saiu, deu de cara
com a gente. Ficou muito bravo e nos expulsou do quarto, sem termos a chance
de explicar o erro. Porém, a vistoria no hotel foi ordem do seu pai e começamos
hoje, mas aconteceu essa confusão.
— Não vejo problema. O que tinha de mais? Erros assim acontecem. Ele
está em um hotel, não em...
— Ele estava nu, Téo! Como veio ao mundo — falo de uma vez e sinto
um alívio por isso.
Ele ergue uma sobrancelha.
— Agora eu vejo um problema. Mas dá para resolver — ele diz.
— Isso foi agora. Ele ainda não ligou. Acho que irei ligar e pedir para
que venha até aqui.
— Faça isso, Natanael. Mande ele ir até a sua sala e conversamos com
ele. Me passe o nome dele e os dados da hospedagem.
Natanael liga para o quarto e avisa ao hóspede para que venha até a
recepção, e que vão levá-lo para conversar sobre o ocorrido há pouco.

Estamos na sala do Natanael. Estou sentada na poltrona, e Natanael na


cadeira dele, com o Téo de pé ao seu lado. O homem chega, sendo anunciado
por Mayara. Ela sai fechando a porta.
— Estava vindo, assim que ligaram. Que merda de hotel é esse que
invadem o quarto, sem qualquer aviso? Ainda tendo uma mulher junto...
Desrespeito.
— Sente-se, por favor — Natanael diz a ele. Mas o homem finge não
ouvir.
— Quero ser ressarcido por isso. Não se tem privacidade!
— Sr. Anderson, sabemos que o momento foi de bastante
constrangimento, não apenas para o senhor, mas para ambos os funcionários. O
que aconteceu foi um grande equívoco na lista de quartos a serem verificados.
Eles não tinham ideia de que o senhor estaria lá — Téo diz calmamente.
— Entende que eu estava pelado? Sou um homem de respeito. Se minha
esposa entra e vê uma mulher e um homem ali, o que pensaria?
A história só piora. Meu sobrenome deveria ser confusão.
— Não me apresentei. Sou Téo Lima, um dos responsáveis pelo hotel.
Eu vim pessoalmente pedir desculpas ao senhor. Vimos que ficará duas semanas
hospedado junto de sua esposa, então deixaremos ambos na lista VIP, e o valor
que foi cobrado pelo dia de hoje, vamos devolver ao senhor, pois confirmamos
que todas as diárias foram pagas à vista — Téo muda o destino da conversa. O
homem não quer ficar de conversa.
— É dono do lugar? Seu sobrenome...
— Sou filho do dono.
— Se pudermos fazer mais alguma coisa pelo senhor, diga — Natanael
fala.
— Isso que ofereceram já está ótimo. Espero que não aconteça mais!
— Não vai. Eu prometo que Natanael, que cuida da parte administrativa,
e minha noiva, não vão mais ver o senhor nas circunstâncias que viram! — Téo
olha sério para mim e dou um sorrisinho sem jeito.
— Perdão, senhor — digo e o homem me olha sério.
— Que assim seja. Com licença! — Ele sai da sala batendo a porta com
força.
— Você teria se dado muito bem aqui, Téo. Sabe resolver os problemas.
Não é o primeiro que resolve. Resolveu o do anel da hóspede também.
— Não teria. Eu só resolvi isso, porque envolvia você e a Raquel, e meu
pai ficaria muito chateado sabendo que ambos se envolveram em problemas.
Natanael e eu agradecemos a ele.
— Não gostei nada de saber que viu um hóspede nu, Santinha.
— Saiba que eu não gostei de ver.
— Eu gostei. Tem um belo corpo — Natanael diz.
Téo olha para ele e revira os olhos.
— Agora podemos ir. Tive emoções demais. Esses dias têm sido de
grandes emoções. Meu Deus, não aguento mais nenhuma! — falo e respiro
fundo.

Téo Lima

Ela está deitada com a cabeça no meu colo, e estamos na sala. Já


jantamos e revolvemos ficar um pouco aqui.
— Assinou o contrato? — pergunta animada.
— Sim. Assinei junto do advogado e já registramos tudo. Está tudo certo.
Saulo disse que a próxima vez que entrar em contato será com data, hora e local
para a exposição. Vamos começar comigo mostrando algumas fotos. Selecionei
todas já.
— Que maravilha! Ansiosa por você.
— Estou ansioso também. Aproveitei e vi um lugar bacana, talvez eu
alugue ou compre o espaço, para transformar no meu estúdio. Peguei o contato e
depois ligarei.
— Quantas novidades! Vai dar tudo certo. Feliz por você.
Inclino e beijo seus lábios. É tão bom ter alguém te apoiando assim.
Ainda mais quando esse alguém é muito especial.
— Falei com seu pai sobre a faculdade. Só preciso ver onde irei fazer.
Quero resolver isso amanhã. Chega de enrolar.
— Posso te levar onde eu fiz. Assim conhece o local, e se quiser pode
assistir uma aula.
— Aceito. Conhecendo seu pai, tenho certeza de que ele jamais te
colocaria em qualquer faculdade.
— Acertou.
— Então amanhã resolvo isso. Quero começar logo.
— Agora, vamos falar de outra coisa.
— O quê?
— Topa ver outro homem nu? — provoco.
— Téo! — Rio.
— Eu sei que eu quero ver sua nudez...
— Pare com isso. Estou constrangida pela vergonha que passei hoje.
— Então está na hora de tirar da sua mente o que não deve.
— Pare de falar, e eu paro de pensar... A cena se repete na minha mente o
tempo todo. Foi a vergonha da minh...
Calo suas palavras com outro beijo. Quando afasto, ela me olha. Retiro
com cuidado sua cabeça do meu colo e ela fica me olhando. Levanto.
— O que foi? — pergunta.
— Vem.
Ela se levanta.
— Téo, nem pense. Eu vou...
Pego a no colo e jogo por cima do ombro. Ela solta um gritinho e começa
a rir.
— Isso não vale. Me coloca no chão.
— Nem pensar. Vou te colocar na cama.
Começo a andar com ela, que bate nas minhas costas rindo.
— Me solta, Téo! — gargalha.
— Não vou. E bate mais do lado esquerdo, preciso de massagem.
— Você é impossível!
Dou um tapa em sua bunda e ela grita.
— Pare com isso. Vou passar mal... Minha barriga dói... — diz entre a
gargalhada.
Abro a porta do quarto e entro levando ela até a cama. Está vermelha de
tanto rir.
— Então andou vendo outro homem pelado, Raquel? — questiono
abrindo a camisa e retirando.
— Téo... — diz rindo. — Foi sem querer...
— É mesmo? — Abro o cinto da calça. — Mas é melhor tirar a imagem
dele da sua mente, e sei um jeito de fazer isso.
— Não, não! Vou tomar banho.
Ela se levanta rapidamente da cama e corre em direção ao banheiro, mas
sou mais rápido e a seguro, prendendo seu corpo entre mim e a parede.
— Você vai me deixar louca ainda! — diz sorrindo.
— Não me importo. Quero te deixar alucinando.
— Téo Lima!
— É meu nome, Santinha... Meu nome...
Pego-a no colo e ela enrola as pernas ao meu redor. Nunca vou me cansar
dela.
— É mesmo um Senhor Pecado!
— Sempre disse que era. Agora, o único som que quero são dos nossos
gemidos.
Levo-a em direção à cama mais uma vez. E ali eu a tenho por bastante
tempo.

Sabe aquele amor que se multiplica?
Quem nunca sonhou ter isso na vida?
Ser herói de alguém e, melhor ainda
Ter do lado a Mulher Maravilha
— Zé Neto e Cristiano “Mulher maravilha”

Raquel Pereira

Alguns dias depois...


Estou radiante de tanta alegria. Hoje começo minhas aulas na faculdade.


Farei à noite, assim que eu sair do hotel. Comecei com a turma do segundo
semestre, e fui bem na prova para a inscrição, conseguindo um bom desconto, e
junto com o desconto da parte que o hotel vai bancar, pagarei um valor ótimo.
Também já recebi meu primeiro salário, e estou orgulhosa por isso. Recebi bem
mais que o esperado. Fui a igreja ontem e agradeci muito a Deus por tudo que
vem me concedendo. Tudo isso é graças a Ele. Soube também, através do meu
tio, que a minha mãe está passando com uma psicóloga. Eu vou visitá-la
amanhã, para saber tudo e o que ela está achando. Quero o melhor para ela,
mesmo depois de tudo. Todos erramos, e merecemos a chance de consertar
nossos erros, desde que não passemos a repeti-los.
Téo foi negociar o local que deseja para ser o seu espaço de trabalho. E
quero muito que ele consiga, mas parece que tem mais duas pessoas na frente.
Que seja vendido ou alugado a quem merecer. Deus sabe de todas as coisas, mas
torço pelo Téo, não irei mentir.
A viagem do senhor Augusto se estendeu. Aproveitou para curtir mais
dias com a esposa. Estou ajudando Natanael em tudo, e gosto disso.
— Raquel agora não me escapa. Quero uma data e hoje! — Viro o rosto
para a voz que grita e respiro fundo.
Hannah. Este é o nome que vem me assombrando até em sonhos, para
dar uma data do casamento, e assim ela começar a preparar tudo. Ela parece que
não dorme, não come. Está me assustando de verdade.
Paro o que estou fazendo e ela me entrega um caderninho com uma
caneta.
— Para que isso?
— Eu quero a sua lista de convidados, e quando pretende se casar.
Depois quero uma reunião com você e o Téo, para escolherem os padrinhos.
Neste final de semana podemos fazer isso.
Lembro do convite da minha avó.
— Neste final de semana não dá. Tenho compromisso.
— Sério, Raquel? — pergunta nervosa.
— Sim! Festa da cidade da minha avó, e ela é um dos principais nomes, e
quer minha presença e do Téo. É por uma boa causa. Vão arrecadar fundos para
o hospital do câncer de lá.
— Vão que dia?
— Sábado de manhã, mas voltamos no domingo à tarde.
— Ótimo. Domingo espero vocês em casa, e se não aparecerem, mato os
dois quando os encontrar. Não estou brincando. Casamento o quanto antes
estiver sendo organizado, melhor. Pois dá tempo de resolver qualquer problema
que surgir. Temos que ver muita coisa, decoração, convidados, padrinhos,
cardápio, local, música, despedida de solteira, vestido, cabelo... É muita coisa.
Então comece dando uma ideia da data e a sua lista de convidados. Agora!
— Nossa... Sim, senhora — digo assustada com seu nervosismo. Até
parece que ela que é a noiva. — A data podemos ver no domingo? Assim decido
essa semana com o Téo. — Faço cara de criança pidona. Aprendendo com o
Téo.
Ela revira os olhos.
— De domingo não passa. Vocês dois estão enrolando há dias. Isso não é
brincadeira. E temos que soltar a nota de imprensa, para evitar o máximo de
fofoca. A nossa geração Lima parece ter uma maldição quanto a casamentos,
então não enrole.
Entendo ao que ela se refere. Téo e Hannah já foram noivos, e não houve
casamento. Será que tem maldição mesmo? Deus é mais!
— Vou fazer a lista. Não entendo dessas coisas de imprensa. Então
melhor resolver com o Téo.
— Ok.
Começo a fazer a lista sob o seu olhar. Coloco todos da minha família, e
incluo o Benjamin, a Mayara, o Robson com a família, que não sei o nome de
todos, mas depois confirmo, e Natanael.
Entrego a ela, que analisa.
— Certo. Pelo menos já temos alguns nomes. Evolução!
Rio, mas paro assim que ela me olha feio.
— Vão me enlouquecer. O buffet está uma correria, e vocês brincando.
Saibam que em alguns meses começam as festividades, e complica para tudo.
Então sejam mais rápidos. Parece que estou lidando com duas crianças. Não
mereço isso! — Dá as costas e sai. Fico olhando e acabo sorrindo. Hannah é
doidinha.

Olho no relógio e as horas passam rápido. Pego minha bolsa, e saio em


direção à saída do hotel. Já comprei o necessário para o início das aulas. Meu tio,
minhas tias e a vovó já sabem que eu começo hoje na faculdade. Não tive tempo
de ir até a casa da minha mãe, mas implorei para ninguém falar, porque eu quero
fazer isso. Quero dizer pessoalmente. Eles sabem antes, porque me ligaram e
acabei contando devido à alegria. Mas com minha mãe é diferente. Sinto que
com ela, eu tenho que sempre ser mais calma, falar pessoalmente, olhando em
seus olhos.
Paro na entrada do hotel, e a noite é quente. Mandei mensagem para o
Téo, um pouco antes de sair, e disse que não se preocupasse, pois eu iria de táxi.
Ele não respondeu, deve estar muito ocupado.
Robson está cuidando dos carros. Faço um aceno rápido e ele retribui
alegremente. Atravesso a rua, e vou em direção ao ponto de táxi.

Téo Lima

O dia foi corrido. Tentar negociar com o dono do espaço que eu quero
comprar ou alugar, não foi fácil. O homem tem mais dois na frente, e estou me
sentindo em um leilão. Mas não desisto fácil. Tomei um banho rápido quando
cheguei em casa, me troquei, e estava indo ao hotel para levar a Raquel à
faculdade, mas a Samira me ligou desesperada, porque está no hospital com a
Catarina, que parece que se machucou na escola. Não entendi direito, ela estava
apavorada. Não pensei duas vezes, e mudei a rota. Se eu já dirijo como um
louco, tenho certeza de que vai chegar multa em casa desta vez.
Estaciono o carro no hospital que elas estão, e saio às pressas dele. Entro
na recepção e vou até o balcão informando o nome das duas e apresentando a
identidade para comprovar que sou o pai. Informam o andar.

Chego ao sexto andar, na ala da pediatria. Não está cheio, então significa
que não foi um acidente envolvendo fogo, crianças feridas, explosões... Porra,
preciso manter a calma. Eu sei que hoje ela teria um acampamento na escola. As
crianças dormiriam lá, com tudo o que tem de direito para uma noite como na
floresta. Só falta terem levado os animais para essa merda. Que porra eu tinha na
cabeça que concordei e comprei tudo o que ela precisava? Cacete!
Peço informações sobre elas. A recepcionista deste andar faz uma busca
no sistema, e logo informa que estão na sala de radiografia. Isso não está
ajudando. A menina está quebrada?
Sento em uma das cadeiras. Passa desenho na TV. Uma criança começa a
chorar no colo da mãe, que tenta acamá-la. Pego o celular para me distrair e vejo
uma mensagem da Raquel dizendo que foi para a faculdade. Respondo que,
quando estiver saindo, me avise, que buscarei, e aviso onde estou. Começo a
roer a unha do dedo. Porra, ato ridículo e porco para alguns? Pode até ser. Mas
estou agoniado e prestes a surtar. Minha filha vem parar no hospital e não faço
ideia do motivo.
Chamam os pacientes ali, e nada da Catarina aparecer com a Samira.
Levanto e vou até a moça mais uma vez.
— Tem certeza de que estão na radiografia? Estão demorando.
— Senhor, tenho certeza. Deixamos tudo registrado no sistema.
— O sistema erra, porra! — Ela me olha feio.
— Estamos em um hospital. Há crianças aqui, e pais também
preocupados. Então peço que o senhor se acalme.
— Desculpe! Mas pode me dizer como ela estava quando chegou?
— Se acalme. Não posso ficar dando informações assim, por mais que
seja o pai. São normas deste hospital. Somente os médicos e enfermeiros podem
falar algo. Logo ela sai do exame. O que posso dizer é que mantenha a calma, e
em breve vai ter notícias.
Quero estrangular essa loirinha de nariz empinado. Ela sabe que sou um
pai prestes a ter um infarto? Claro que não sabe! Afasto-me e encosto na parede
do corredor. Estou pirando.
Passam-se mais alguns minutos, e parece uma eternidade que estou aqui.
Crianças chegam e saem, e nada da minha filha. Eu vou ser obrigado a dar uma
de louco nesse lugar.
— Papaiiiiiiiiiii!
Enfartei e estou morto. E daqui do céu estou ouvindo minha filha. Tenho
certeza. Braços agarram minha cintura e pezinhos pisam nos meus.
— Catarina!
Abaixo ficando à sua altura. Confiro-a inteirinha, como se fosse um
produto. Levanto seus braços, cabelos... Encontro machucados pequenos nos
joelhos e nas mãos, e um inchaço pequeno na testa. Samira respira fundo e se
senta na cadeira da frente.
— O que houve? — pergunto.
— Mamãe exagerou! — ela diz e sorri. — Eu caí.
— Caiu? Você só caiu?
— Sim. Uma quedinha. Fui correr atrás do meu amigo, estávamos
brincando de pega-pega, mas acabei tropeçando e “ploft”, caí e rolei. Foi
engraçado, papai.
Olho sério para a Samira, que sorri sem jeito.
— Você deu a entender que eu encontraria a minha filha em pedaços. Eu
quase tive um infarto!
Conto de um a dez. Não posso surtar.
— A escola me ligou. Fui buscá-la. Ela estava suja de sangue, chorando...
— Mamãe, não mente. Eu não estava chorando, não. Você começou a
chorar.
Levanto, segurando a mão da Catarina.
— Ela está liberada? — questiono, ainda com muita raiva.
— Sim. Podemos ir.
Ela se levanta segurando o que parece ser o envelope da radiografia.
Passa na recepção, fala algo com a loirinha, que não gostou de mim.

Estamos no estacionamento ao lado do carro da Samira. Catarina conta


como foi o início do acampamento, antes dela se machucar.
— Filha, fica no carro um pouco, enquanto converso com sua mãe, por
favor.
— Eita, vai receber bronca, mamãe. A voz do papai muda quando está
bravo. Vai ficar de castigo também.
— Catarina! — Samira repreende-a, destravando o carro.
A pequena loirinha — uma loirinha que gosta de mim —, entra no carro
e fecha a porta. Puxo a Samira para ficarmos um pouco mais distante do carro.
— Que merda tem na cabeça? Uma vez na sua vida, pode ser menos
dramática? Olha o desespero que fez, por joelhos ralados. Eu dirigi como um
louco e fiquei paranoico, pensando besteiras. Porra, Samira!
— Desculpe, caramba! Queria o quê? Fiquei desesperada quando ligaram
dizendo que ela havia se machucado. Fui até a escola, vi ela sujinha e
machucada, entrei em desespero. Téo, minha filha é tudo para mim. E vou surtar
sim, seja por um joelho ralado, ou um resfriado. E caso queira saber, o exame
radiográfico não deu nada. Ela diz que a queda foi boba, mas a diretora informou
que ela caiu, e rolou a pequena rampa. Poderia ter sido pior! — Começa a
chorar.
Respiro fundo.
— Vem cá! — Puxo-a para meus braços, como uma criança.
— Eu sei que exagero às vezes. Mas estava desesperada.
— Desculpa. Fui escroto!
— Foi mesmo!
— Não era para concordar. — Afago seu cabelo — Eu fiquei nervoso. E
muito preocupado. Você libera sua preocupação nas lágrimas. Eu faço isso
xingando, e sendo estúpido. E não questionei sobre o exame, porque a pequena
arteira veio correndo até mim, e saltitando até aqui. Está melhor que nós dois.
Ela funga.
— Se sujar minha camiseta, vai lavar — brinco.
— E o cavalheiro virou o cavalo. — Ela se afasta e enxuga o rosto. —
Vou tentar ser mais calma.
— Também vou. Consegue ir dirigindo para casa?
— Sim. Já estou tranquila.
— Ela precisa tomar alguma coisa?
— Não. Apenas observar. Se tiver febre, ou vomitar, é para trazê-la
imediatamente até o hospital. O médico disse para não deixá-la dormir nas
próximas três horas. Por sorte, amanhã estou de folga. Tenho certeza de que não
vou pregar os olhos, apenas observando-a a noite toda.
— Me ligue se precisar de algo. E seja calma desta vez, ou vai acabar
tendo um amigo no hospital também.
— Pode deixar. Desculpa!
Assinto e me aproximo da Catarina.
— Gatinha, não apronte nada. Faça o que sua mãe pedir. Seja mais
cuidadosa, ou o papai vai ter um treco se sua mãe ligar igual fez hoje.
Combinado?
— Combinado, papai! — Ergo a mão e ela bate em sinal de
cumplicidade.
Deixo um beijo em suas bochechas gordinhas.
— Se cuida, princesa. — E cochicho em seu ouvido: — Cuide da sua
mãe também. Precisa de mais cuidado que você.
Ela ri.
— Parem de falar da minha pessoa!
Sorrio e me despeço da Samira. Ela entra no carro e começa a dirigir.
Observo o carro se afastar e em seguida entro no meu.

Raquel Pereira

São dez e meia da noite. Acabou a aula alguns minutos mais cedo. Meu
horário é das oito horas às onze da noite. O primeiro dia foi maravilhoso. Estar
aqui é uma conquista muito grande. Minha turma tem bastante senhoras, e achei
lindo de ver. Fizemos apresentações, recebemos as normas do curso. Tiramos
dúvidas, e recebemos nossos horários.
Só consegui verificar a mensagem do Téo quase agora. E estou
preocupada. Saio junto com a grande quantidade de alunos. A temperatura caiu
um pouco. A rua está abarrotada de pessoas. Encosto na parte livre do portão e
ligo para o Téo, que atende rapidamente.
— Oi, amor — ele diz.
— Oi. Acabei de sair. Está tudo bem com a Catarina?
— Está sim... Olhe para frente.
Olho e sorrio. Desligo a ligação e coloco o celular na bolsa.
Atravesso a rua com cuidado devido aos carros, e alunos que, pelo visto,
alguns não têm amor à vida. Paro a sua frente, e ele segura minha cintura.
— Não era nada grave. Samira estava muito apavorada e acabou me
apavorando. — Ele beija rapidamente meus lábios.
— Graças a Deus. Fiquei preocupada.
Algumas alunas passam e ficam olhando para o Téo e não disfarçam.
— Esse lugar não muda. Nem mesmo o horário de saída dos alunos em
seu primeiro dia.
— Espero que as alunas tenham mudado.
Ele olha na direção que estou encarando. As duas morenas sorriem em
nossa direção e falam algo, que é impossível de ouvir.
— Desta vez, sou inocente! — Ele pisca.
— Sei!
Entramos no carro. Ele explica o que realmente aconteceu com a filha e
fico mais tranquila. Só queria estar melhor quanto ao enjoo que estou desde que
comi um lanche que comprei na faculdade, meu estômago está estranho. Bebo a
água que também comprei e guardei na bolsa, e vai amenizando. Noto o olhar do
Téo em minha direção, mas ele não diz nada.
Téo questiona como foi o primeiro dia, e conto a ele. Conversamos até
chegar em casa.

Assim que chegamos em casa, Téo resolveu pedir pizzas para comemorar
meu primeiro dia de aula, mas não consegui comer direito o enjoo pareceu piorar
com o cheiro delas, tentei disfarçar ao máximo, para ele não se preocupar. Tomei
um banho em seguida para ver se me sentia melhor e me deitei, enquanto assistia
TV.
— Amor, preciso resolver algumas coisas no escritório. Depois serei todo
seu.
— Tudo bem — digo rapidamente e engulo em seco, devido ao refluxo
que vem.
Ele me olha estranho e sorri como se disfarçasse algo, e então se retira.
Então aproveito, e me sento na cama, respirando fundo, um soluço escapa dos
meus lábios, devido aos enjoos, mas não dá mais para controlar, salto da cama e
corro em direção ao banheiro. E ajoelho-me rapidamente diante da privada, ergo
a tampa e começo a vomitar. Com as mãos apoiadas na lateral da privada, fecho
os olhos. Coloco tudo o que eu tinha no estômago para fora.
Fecho a tampa e aperto a descarga. Estou tremendo e fraca. Apoio-me na
pia, e lavo a boca, rosto e molho a nuca. Escovo os dentes, porque o gosto não
está ajudando. Enxugo as partes que molhei e saio do banheiro em passos lentos.
Sento na cama respirando fundo. Poucas vezes na vida fiquei passando mal ao
ponto de chegar a esse estado. Aquele lanche da faculdade realmente não me fez
bem. Foi só comer e fiquei assim. Tenho pavor de vomitar, e isso desde criança.
Deito na cama e fico quietinha.
Deus, seja o que for isso, faça passar, porque eu realmente estou
péssima. Por favor. Não quero ter que ir parar no hospital, trazendo mais um
susto para o Téo.
Fecho os olhos e tento descansar um pouco, mesmo com receio. Fico
deitada de lado, por segurança. O mal-estar vai sendo controlado depois de um
tempo e vou relaxando.

Téo Lima

Sei que a Raquel notou meu sorriso forçado antes de vir para o escritório.
E o motivo é que há dois dias, Raquel se trocava e percebi o tom diferente do
rosado de seus seios. Seu humor anda variando muito. Seu apetite anda
diferente. E hoje, quando fui buscá-la, eu notei que ficou pálida no carro, e
começou a beber água. Não quis comer a pizza após levar um pequeno pedaço à
boca e notei a dificuldade dela em disfarçar que estava difícil de engolir e depois
se afastou da mesa, dizendo estar satisfeita e ficou no sofá. Já estive muito
próximo de uma pessoa grávida e sei que estes sintomas da minha noiva são
muito parecidos. É óbvio que sabia que isso poderia acontecer, pois pensei com
o pau e não com a mente quando não usei camisinha, tenho que ser sincero.
Porém, minha preocupação não é que ela esteja grávida, mas é saber como será a
sua reação. E se ela surtar e rejeitar?
Olho no relógio em meu pulso, e em poucas horas vai clarear. Merda,
falei que ficaria com ela e nem vi a hora passar, enquanto fiquei perdido em
pensamentos e conferindo algumas fotos.
Saio do escritório e sigo para o quarto onde um barulho de...
— Merda!
Entro rapidamente no quarto e a cama está vazia, então olho na direção
do banheiro e corro até lá. Encontro Raquel ajoelhada diante da privada,
colocando tudo para fora.
— Raquel...
Aproximo-me dela. Ela para de vomitar. Fecha a tampa e dá descarga.
Está pálida. Senta-se na tampa da privada. Umedeço a toalha de rosto e me
abaixo a sua frente apertando com cuidado em seu rosto suado.
— Amor, quer água? — pergunto e ela nega.
Deixo a toalha de lado e ela abre os olhos.
— Acho que o que comi não me fez bem. Foi a segunda vez essa
madrugada.
— Deveria ter me gritado na primeira. Perdão, eu estava concentrado
demais no escritório e não ouvi.
— Está tudo bem... — ela soluça.
Seguro sua mão.
— Vamos sair daqui.
Vamos para o quarto e ela se senta na cama. Ela está fraca. Abro a janela
para entrar ar. A culpa por ter ficado no escritório bate com força em mim.
Caralho. E vendo ela nessa situação, só confirma o que fiquei pensando
enquanto trabalhava. Agora um pavor realmente começa a me dominar.
— Raquel, precisamos conversar, mas você precisa descansar, e tentar
melhorar.
— S-sim... — Ela curva o corpo para frente.
— Não se importe. Coloque tudo para fora! — digo apressado.
Ela força, mas não sai mais nada. Acaricio suas costas. Lágrimas
começam a escorrer de seu rosto.
— Téo, desde que os enjoos começaram tento afirmar a mim mesma que
é o lanche que comi. Mas... Meu Deus. Eu acho que posso estar grávida. Tive
aulas na escola, sei como uma mulher fica na gravidez. Téo, não nos
protegemos. E agora me recordo perfeitamente; minha menstruação está
atrasada.
Eu não sou de ficar apavorado. Até porque eu já imaginava que isso
aconteceria. Então por que eu ficaria apavorado? Claro que não. Sou muito
forte... Falta de ar. Estou sentindo falta de ar.
— Téo? Você está bem? Parece sem ar.
Retiro a blusa rapidamente. Levo a mão ao peito e tento controlar para a
respiração vir.
— Eu... Só... Porra... Ar...
— Eu que teria que estar apavorada. Estou vomitando, me sentindo mal
e... minha avó...
— O que tem sua avó? — pergunto preocupado em dose tripla. Abano-
me com a blusa.
— E-ela... Deus! — Raquel fecha os olhos por um tempo. — Ela sabia.
As coisas que ela falava... Os sonhos dela acontecem. Ela sonhou, Téo!
— Estou começando a ficar preocupado. Santinha, está bem? Vou te
levar para o hospital. Talvez eu precise de hospital. Por que está quente? Eu
sabia que isso poderia acontecer. Mas agora é oficial, não é? Só eu estou sem ar?
— Não! — grita e sobressalto com o susto. — Ela ficou falando sobre eu
ter caído. Alertou para não tomar remédio para cólica. Disse para eu comer
direito... Sonhos não enganam, ela disse. Ela sonhou. Ela já sabia.
Está assustada e me assustando, e eu tinha que estar calmo, porque
preciso ajudá-la e eu já sabia dessa possibilidade. PORRA, EU JÁ SABIA!
— Sua avó sabia da gravidez? Como? Raquel, pelas minhas contas bem
rápidas neste momento, a primeira vez sem proteção foi um dia ou dois antes de
você ir para o sítio dela. Caralho, sempre fui bom com contas, e estou me
perdendo. Preciso sentar. — Sento na cama e jogo a blusa de lado.
— Sim. Ela já tinha sonhado. Ela sempre disse que os sonhos não
enganam, não erram!
Continuo preocupado com tudo o que ela está dizendo. Alguém podia me
ajudar? Minha mãe, preciso dela. O que estou pensando?
— Meu tio... Minha mãe... Eu vou ser morta. Vou ser apedrejada. As
pessoas vão me julgar. O que Deus deve estar pensando? Como fui burra! — Ela
começa a se desesperar.
— Se acalma. Nada de pânico, cacete! — grito e ela me olha sem
entender. — Raquel, eu tentei falar com você sobre essa possibilidade.
Vacilamos... Eu fui o principal a vacilar. Mas você ficou fugindo. E agora...
Caralho, que calor. Preciso de mais ar. — Me aproximo da janela aberta e respiro
fundo algumas vezes até começar a respirar normalmente.
— Porque eu sabia que isso poderia acontecer. — Está muito nervosa. —
E você tem asma? Meu Deus! Está pálido. Téo, eu preciso que me acalme e
agora eu tenho que te acalmar. Por Deus!
— Faz tempo que não tenho uma crise de asma, mas pode ser de pânico...
— Vão pensar o pior. Todos falando que estávamos ficando noivos por
eu estar grávida. Negamos o que era verdade! — Começa a andar de um lado
para o outro, tropeçando as vezes, por estar fraca ainda.
— Fodam-se as pessoas! Pensei até que poderia ser paranoia o que estava
pensando hoje, mas agora vejo que não!
— Não foi o lanche... Merda! POR QUE NÃO FOI O LANCHE? — ela
grita agitada.
Surpreendo-me com ela falando “merda”.
— Por favor, fique calma.
— Como pode pedir isso quando você mesmo não está?
— E quem disse que não estou? Estou calmíssimo. Talvez eu precise me
sentar. — Volto a me sentar na cama. — Não fique nervosa, tudo na calma dá
certo. Claro que dá. Não dá? — indago.
— Acha que estou nervosa por que tem uma criança crescendo dentro de
mim?
Olho como se fosse óbvio e ela revira os olhos.
— Eu estou nervosa, porque não sei o que falar para a minha família.
Porque penso que Deus pode estar triste comigo, por ter falhado tanto
ultimamente.
— Amor, posso ser a pessoa errada para aconselhar isso. Mas Ele sabe
que vamos errar, antes mesmo do erro acontecer. E vacilamos, sabendo das
consequências, então acredito que Deus ficará triste se ocultarmos que falhamos
e sairmos gritando, brigando como loucos. Agora não é hora para isso.
— O casamento! — ela diz me assustando novamente. Levo a mão ao
peito.
— O que tem o casamento? Pode começar a falar na minha língua? —
digo nervoso.
— Eu vou ter que contar logo a todos ou casar antes da barriga aparecer.
Téo, dependendo da data que escolhermos, precisa ver o vestido, e isso significa
medidas, ajustes... Ou seja, aumento de medidas que são surpreendentes.
— A preocupação é o vestido?
— Não! É que eu tenho que realmente falar logo com todos e decidir
agora quando vai ser o casamento. A gravidez adiantou as coisas. Não dá para
esperar para contar. Não com a Hannah organizando o casamento, conhece sua
irmã.
— Agora entendi e não gostei. Estou começando a ficar com falta de ar
novamente.
— Eu tenho essa semana... Prometi a Hannah que daria resposta essa
semana. Vou conversar com a minha avó. Claro, não vou surtar. — Ela faz
careta. — Aguentei vinte anos tudo o que minha mãe fazia, não é isso que vai
me fazer surtar. Claro que não. Calma. É só ter calma. — fala com ela mesma.
Minha noiva está ficando pirada, e eu estou ficando muito preocupado.
Sei que deveria apoiá-la neste momento, mas o nervosismo do que eu acreditava
ter acontecido me pegou de jeito.
— Certo. Vamos ter calma — peço respirando fundo.
— Como pode querer calma, Téo?! — Ela começa a chorar desesperada.
— O fruto proibido — diz baixinho, mas entendo perfeitamente.
— Por que diz isso?
— Meu tio disse que eu era o seu fruto proibido. Ele errou, Téo.
— Agora eu que estou sem entender nada.
— Eu não sou o fruto proibido. Nosso relacionamento era o fruto
proibido. — Ela sorri com ironia. — A história está se repetindo. Como vai
terminar agora?
Compreendo o que ela quer dizer e isso me revolta, puxo-a para se sentar
ao meu lado.
— Você não é a sua mãe! E não vou deixar que ninguém saia por aí
fazendo o que fizeram a ela, quando descobriram que estava grávida de você. Eu
não vou deixar, está me entendendo? — Seguro sua mão.
— A minha curiosidade pelo mundo me levou a você, o maior pecador
que conheci. E olhe o resultado.
— Olha, eu sei que deveria estar te ajudando neste momento, mas talvez
eu esteja um pouco assustado. Coisa pouca. Mas vai dar tudo certo. Confie em
mim. Claro que vai dar certo. Somos Téo e Raquel e sempre fazemos tudo dar
certo. Caralho, e se forem gêmeos? — Levo a mão à testa. Estou tremendo,
inferno.
— Téo? — chama baixinho.
— Oi, Santinha.
— Acho que vou vomitar de novo! — Ela leva a mão à boca e sai às
pressas até o banheiro.
Vou ser pai novamente, tenho certeza agora. Estou fodido. Preciso
trabalhar muito. Por que estou tão assustado? Ar... O ar está faltando novamente.
Preciso de ar... Não, preciso ajudar a Raquel. Vou até o banheiro para ficar ao
seu lado.
Qual será meu castigo? Porque ter engravidado a Santinha da cidade,
sobrinha de padre, deve ser castigo pesado. Estou com medo. Porra.
Amanhã mesmo vamos ao médico confirmar de vez.

Eu troco minha paz por um beijo seu
Eu troco meu destino pra viver o seu
Eu troco minha cama pra dormir na sua
Eu troco mil estrelas pra te dar a lua
E tudo que você quiser
E se você quiser te dou meu sobrenome
— Luan Santana “Tudo o que você quiser”

Raquel Pereira

Nunca pensei que alguns papéis poderiam me deixar atônita. Ainda não
consigo acreditar. Parece mentira. Claro que eu já imaginava, mas é diferente
quando aquilo que você imagina se torna realidade. Estou há bons minutos
olhando para os papéis em minhas mãos. Téo não entrou comigo, eu preferi
assim. Precisava desse momento. A cadeira parece balançar, e o mundo girar
rápido demais, só que eu sei que não tem nada a ver com o que estou dizendo. É
apenas o destino jogando em cima de mim mais uma situação para lidar.
O médico tirou várias dúvidas, enquanto esperávamos apenas os exames
finais. Uma das primeiras coisas que questionei foi sobre a faculdade, e ele
garantiu que posso continuar indo, até quando ele achar que devo me afastar.
Disse que está tudo bem comigo... Quero dizer, com nós. Porém, cada gravidez
se desenvolve de uma forma, não se pode pensar que a sua será como a de outra
pessoa. Então, ele me disse para não entrar em pânico quando algo não for igual
à gravidez de fulana, e assim por diante. Que todas as dúvidas que eu tiver, para
vir ao hospital. Passou-me um remédio para enjoos, mas disse que não vai
resolver quase nada, e que com o tempo vamos descobrindo juntos o que
realmente diminui os enjoos e o que os causa ainda mais. Também tive dúvidas
sobre quando a criança nascer, como vai funcionar, o tempo de espera, e mais
uma vez questionei sobre a faculdade e desta vez sobre o retorno após o
nascimento, parece loucura, mas não posso largar tudo agora. Ele disse para não
se preocupar, que quando chegar o momento vamos conversar. Tem mães que
após a quarentena ficam dispostas e muito bem para fazerem suas coisas, e tem
outras que não. Que vai de cada gravidez. Mas garantiu que estou bem, saudável
e que preciso mudar minha alimentação em relação a alguns alimentos. Evitar
muito esforço, estresse, principalmente nos três primeiros meses, e aconselhou
que não compartilhemos com muitas pessoas, até completar esse período, o que
me preocupou, mas ele teve de ser sincero, e dizer que nem todas conseguem
passar desse tempo de gravidez, e normalmente quanto mais pessoas próximas
souberem, parece que pior se torna a situação e mais triste fica, então concordei
com ele. Ao que parece meus hormônios vão ficar mais agitados, e que tem
mamães que antes da gravidez são calmas, e quando ficam grávidas, tudo muda,
ficam o oposto do que eram, mas que vai de cada pessoa. Falou sobre outras
coisas também. Receitou algumas vitaminas, e já agendou a próxima consulta.
Tudo isso enquanto esperávamos os papéis dos exames que agora seguro e torna
tudo ainda mais real.
POSITIVO, palavra de apenas oito letras, mas com um poder imenso.
Quase quatro semanas. Meu Deus!
Ele pigarreia e acabo olhando em sua direção. Questiona se estou bem, e
afirmo. Ele concorda, e assina mais alguns papéis, carimba outros, me entrega os
necessários, e se despede dizendo um “até a próxima consulta”. Coloco todos na
pasta que ele deu, e assim eu saio, ao que parece em câmera lenta da sala dele.
Ajeito a bolsa e respiro fundo. Téo, que mexia no celular, sentado em uma das
cadeiras à frente, ergue o olhar do celular e me olha. Um sorriso fraco surge em
seu rosto.
— Vamos — falo apenas isso e ele compreende que preciso ficar
quietinha alguns segundos, pois não fala nada.
Entramos no carro. O estacionamento é aberto e está sol. Um dia muito
bonito. Viro de lado no banco e deixo a bolsa no chão do carro. Seu olhar é fixo
no meu. Entrego a pasta a ele, que contém todos os exames, inclusive o
ultrassom onde se vê como uma sementinha, o serzinho que agora habita em
mim. Suas mãos estão trêmulas, conforme ele olha cada papel.
— Ainda é difícil acreditar. Loucura, mas... vou ser mãe.
Ele coloca tudo na pasta e coloca sobre o meu colo. Sai do carro e fico
olhando sem entender. Passa na frente, e sua expressão é séria. Para ao lado da
minha porta e abre. Tiro a pasta e coloco em cima da minha bolsa. Coloco as
pernas para fora, ainda preocupada. Então ele se abaixa.
— Vamos ser pais. Você não está sozinha nessa. E não sabe o quanto
estou pisando em cacos de vidro para saber como lidar com essa situação,
porque estou preocupado com a sua reação. Mas estou feliz. Não deveria ter
acontecido agora, mas tudo bem. Vamos estar juntos nessa nova jornada. Sem
crises de asma, eu espero. — Ele sorri. — Estarei ligado a você de todas as
formas possíveis, porque eu te amo.
— Sabia que o médico disse que vou ficar bem bipolar por causa dos
hormônios? E que tem mães que ficam o oposto do que eram na gravidez? Então
evite tudo o que me faça chorar, porque não gosto de chorar! — falo piscando
rápido e ele sorri. — E não precisa pisar em cacos de vidro comigo. Só entenda
que, de tudo o que passei, essa é a maior mudança, e estou ainda tentando me
acostumar.
— Então, vamos evitar que chore.
Levanta-se e me levanta junto, segurando a minha mão. Encosta meu
corpo no carro e acaricia meu rosto.
— Eu te amo, pequena.
— Eu também te amo, Téo.
Ele me beija com carinho.
O médico disse muitas coisas, além de tudo o que questionei, mas avisou
sobre os desejos de comida, e que gravidez mexeria também com os desejos
sexuais, mas não irei falar isso para o Téo. Nem pensar que direi. Deus, que
loucura!
Ele afasta o rosto e mordo o lábio.
— Estive pensando. Como presente adiantado de casamento, eu queria
fazer fotos suas.
— O quê? Nunca!
— Lembra-se de que, como aluna do Senhor Pecado, não poderia dizer
não?
— Isso não vale!
— Vale sim. Quero fotos suas em todas as fases. Mas quero algumas bem
sensuais. Contrato cabeleireiro e maquiadores para você. Mas quero as fotos.
Pense que é um presente antecipado para o seu noivo gostoso.
Tenho quase certeza de que estou roxa de vergonha.
— Q-quando?
— Vou ver um dia. E também contarei uma novidade quando eu decidir.
— Isso é chantagem.
— Deveria estar acostumada. — Ele beija meu pescoço e fecho os olhos.
— Vamos, antes que prendam a gente por atentado ao pudor.
Entramos no carro e ele começa a sair do estacionamento.
— Téo, quase me esqueci. O médico aconselhou a não contar para muita
gente agora.
— Tudo bem. Vamos fazer da melhor forma. Porém, a Hannah vai ter
que saber, ela vai passar a maior parte do tempo com você devido ao casamento.
E por falar nisso, temos que escolher a data.
— Um mês — digo de uma vez. — Será que ela consegue? Vamos logo
resolver tudo isso, ou ela vai nos matar.
— Santinha, o que aquela louca não consegue?
— Preciso falar com o meu tio sobre casarmos na igreja e... MEU DEUS!
— grito.
— Porra, quer me matar, mulher? O que houve? — Ele leva uma mão ao
peito.
— Téo, vamos ter que nos confessar. Para casarmos, vamos ter que nos
confessar. Meu tio não vai deixar isso passar. Ele vai querer que nos livremos de
tudo, antes de uma nova vida juntos começar. E agora?
— Tipo, contar tudo? Falar tudo?
— Sim — respondo nervosa.
— Ok, então, eu estou fodido!
— Olha a boca, Téo! E... Senhor, ele vai morrer!
— Escolhemos outro padre.
— Ele não vai permitir. Téo, meu tio vai matar a gente.
— Não se preocupe. Quando eu começar a me confessar, ele morre antes.
Isso te livra da morte e consequentemente o nosso filho. — Coloca os óculos de
sol, que pega preso no carro e fico admirando-o.
— Não fale isso, nem de brincadeira. E como garante que é filho? Pode
ser menina.
— É a mais pura verdade. E não mereço um castigo assim de novo.
Porra, eu realmente quero me armar. Viu como a Catarina está ficando ainda
mais bonita? Imagine então se vier outra menina, e puxar você. Não. Castigo
demais.
Reviro os olhos por suas palavras e olho através da janela. Meu tio é
muito rígido quanto a casamentos. E ele sempre sonhou em realizar o meu.
Porém, que fosse tudo bem certinho. Coitado, eu só estou trazendo problemas.
Como poderei ocultar de um padre — na hora, ele não vai ser apenas meu tio —
que eu estou casando grávida, e foi por praticar muito sexo sem proteção com o
meu noivo que quase causou um infarto nele?
— Mudando de assunto. Hoje irei à boate. Depois busco você na
faculdade.
— Ok... E o que vai fazer lá? — Olho séria para ele.
Ele sorri.
— Ciúme? — provoca e passa a língua pelo lábio, e ver a bolinha
prateada que me causa tantas sensações, sinto um arrepio, mas disfarço.
— Tenho motivos suficientes.
— Obrigado pela parte que me toca. Porra, está ficando com a língua
bem afiada.
Acabo sorrindo.
— Culpe a gravidez.
— Sei!
— Só tenha juízo — declaro.
— Juízo é o meu sobrenome.
— Téo...
— Santinha, eu não te traio. Jamais trairia. — Ele aperta minha coxa e
sorri.

Téo Lima

Observo o local e sorrio. Agora sim vai começar o que sempre quis. É
grande, arejado, e precisa de pouca reforma. O que precisa mesmo é de uma boa
equipe para deixar isso a minha cara. E tem que ser rápido, porque estou com
uma ideia e não pode demorar. Assim que deixei a Raquel no hotel, vim para cá.
Meu advogado e o ex-dono do local me ligaram. Consegui o espaço que eu
queria, o dono resolveu me vender. Depois de horas resolvendo papeladas, e
indo ao banco para conversar sobre a liberação de uma parte do valor, consegui.
Achei que não daria tempo de levar a Raquel à faculdade, mas irei conseguir.
Liguei para a Samira, e a nossa filha está bem e isso me deixa muito mais
aliviado, depois do susto.
Meu celular começa a tocar. Pego no bolso e é a minha mãe.
— Oi, mãe.
— Oi? Não avisa que a minha neta se machucou, e diz “oi, mãe”? Você
não tem um pingo de consideração por mim. Se não fosse a Hannah ir até a
Samira, eu não estaria sabendo.
— Mãe, a senhora está viajando. Não tem por que preocupá-la, se não foi
grave.
— Grave serão meus cinco dedos na sua fuça! Tudo o que acontece nesta
família, eu tenho que saber. Eu sofro demais. Te coloquei no mundo, parto
normal, você era enorme. Quando cresceu deu trabalho e eu ali, dando carinho.
Para que fiz tudo isso? Claro, que tenho a resposta. Fiz, para ser tratada como
uma ninguém. Vocês não me valorizam. Nem meus perfumes trouxe de Londres.
Encosto na parede e controlo para não rir.
— Menos drama. E eu te valorizo sim.
— Onde me valoriza? Sempre sou a última em tudo!
— Não é assim. Não tenho culpa que Samira e Hannah descobrem tudo e
são fofoqueiras. Vou mandar as duas para o deserto, sem qualquer comunicação.
— Claro que vai. Assim não me contam mais nada. Eu sofro tanto.
Acredita que fui desacatada no mercado hoje? Saio da minha cidade para sofrer
em outro lugar!
Acabo rindo.
— Isso, pode rir. Eu digo que sofro.
— Mãe, a senhora também exagera. O que foi dessa vez?
— Estavam fazendo propaganda de um produto que não tinha mais. Fiz
a doida.
— Mãe, promete que nunca irei te buscar em uma delegacia?
— Se eu for presa, é porque bati muito em você, que não me valoriza.
Reviro os olhos.
— Vou desligar. Seu pai e eu vamos comer fora. Beijos. Eu te amo,
mesmo não se importando comigo. Coração de mãe é bobo.
— Eu também amo a senhora. E pare de drama.
— Só irei parar quando estiver casado e a Raquel obrigar você a me
valorizar — diz chorosa.
— Meu Deus! Tchau, mãe.
— Beijos, ingrato!
Ela desliga e começo a rir. Minha mãe é muito dramática. Graças à
bondade Divina, eu não puxei isso dela.

Deixei a Raquel na faculdade, e ela estava um pouco enjoada, mas disse


que não era tão forte como foi na madrugada, e que estava tudo bem.
Fui para casa depois, tomei um banho, me arrumei e estou agora na
Mister Sin. Encosto no balcão, mas não peço nada para beber. Lily me vê e se
aproxima sorridente.
— Quem é vivo sempre aparece! — Se aproxima para me beijar, mas
viro o rosto, sem parecer mal-educado. — O que foi? Sumiu e voltou santo? —
Acaricia meu rosto e seguro sua mão.
— Algum problema? Fiz algo?
— Você não fez nada, Doçura. — Mostro a aliança em meu dedo e ela
fica boquiaberta.
— Namorando?
— Noivo.
— Nossa! Isso é novidade das grandes.
— Rogério não saiu espalhando?
— E ele abre a boca de algo? Mas, me diga, quem foi a sortuda?
— A que eu trouxe aqui outra vez.
— Sei. Eu te beijei com ela aqui.
Concordo e ela ri.
— Guerreira a mocinha. Ela é bonita. Perdemos nosso melhor cliente.
Quais são as chances de uma despedida digna? — Cola o corpo no meu. Ela está
com uma saia de couro bem curta e um sutiã da mesma cor, repleto de brilho.
Raro estar vestida com algo.
Afasto seu corpo segurando seus braços.
— Nenhuma.
— Que chato. Mas nem iria adiantar, estou de folga como dançarina hoje.
Vou ajudar no balcão. Mas a Lola está louquinha de saudades.
Ainda não está lotado o lugar. Como funciona vinte e quatro horas, as
pessoas costumam vir mais tarde.
— Sem querer ser rude, Doçura. Mas ela vai continuar com saudades.
— A mocinha te virou a cabeça mesmo. Está certo. Valorize sua noiva.
Eu tentei, mas vi que é fiel mesmo. Cuidado, se Lola te vir vai atacar — brinca e
sorrimos.
— Quem diria, eu tendo que fugir de mulher.
— Pois é... Bom, se quiser ver o Rogério, já sabe onde ele está.
— Vou até o escritório.
— Não quer uma bebida?
— Não. Vim de carro e depois tenho que ir para outro lugar.
— Certo. Se não nos vermos mais, apareça. Você é legal, e esse lugar
nem sempre tem caras legais.
Dou uma piscadela e me afasto indo em direção ao escritório.

Abro a porta com tudo e Rogério se assusta.


— Figlio di puttana! Não sabe bater?
— Assustadinho? Fazendo coisas erradas, que feio! — provoco.
Fecho a porta e me sento na cadeira à frente de sua mesa.
— Imbecil. Resolveu aparecer?
— Sim. Sou um amigo fiel, meu caro.
— Sei. Qual a merda que se colocou? Não vai me dizer que a Raquel te
chutou...
— Não chutou. Vim me distrair um pouco. Achei que queria minha
visita. Ficou chorando para eu vir.
— Vai se ferrar, Téo. — Ele cruza as pernas em cima da mesa.
— Bom, vim com algumas novidades. Primeiro, me caso dentro de um
mês, e você vai ser o padrinho.
— Claro que serei. Sou seu melhor amigo. Se não fosse, eu mataria você.
— Sei... Segundo, vou ser pai novamente.
— CARALHO! — Ele arregala os olhos. — Pretende povoar o mundo?
Cara, acho maneiro quem tem o sonho de ser pai, e coisa e tal, mas eu não me
vejo sendo. Não nasci para essa coisa. Já você, a cada mulher um filho.
— Só foi a Samira, e agora a Raquel. Nenhuma outra eu deixei de me
prevenir.
— Que bom. Fico contente de saber que não irei esbarrar em crianças
espalhadas pelo mundo me chamando de “tio Rogério”, e tudo com a sua cara.
— Vai se foder!
Começamos a rir.
— Bom, como padrinho, tenho que te dar uma despedida de solteiro, e
digna do nosso estilo.
— Não sei se aprovo isso. Tenho uma noiva aparentemente ficando
muito ciumenta.
— Não tem discussão. Vou pensar em algo e te avisar.
— Sabe, seja qual for a ideia vai ter que avisar a Hannah, né? Se não
sabe, agora está sabendo. Ela está cuidando de tudo do casamento. E é uma
controladora.
— Problema dela. Acha mesmo que ela não vai dar uma despedida de
solteira para a Raquel? E conhece a louca psicopata da sua irmã, não espere
pouco.
— Obrigado por ferrar com a minha mente neste momento.
— Então, tudo o que elas decidirem faremos melhor. Sou foda nisso.
— Está parecendo que virou uma competição de repente — brinco.
— Só faço algo, se for para fazer direito. E faz tempo que eu não me
divirto de verdade na boate da cidade do pecado.
Sei muito bem do que ele está falando e já entendi o que está
programando. Resumindo: loucura.
— Rogério, eu pretendo ter uma noiva me esperando no altar.
— E vai. Não é porque vai estar na cidade do pecado, que tem que cair
em tentação. É só se divertir com moderação. — O imbecil sorri.
— Você é um filho da puta.
— Meu amigo, já me chamaram de coisa pior.
Vou provocá-lo, mas a porta abre e olho. Assim que me vê, um imenso
sorriso surge, e ela caminha rapidamente até onde estou, sentando em meu colo.
— Isso vai ser bom... — Rogério diz, levando os braços atrás da cabeça.
— Senhor Pecado, de volta ao lar. Senti sua falta... — Lola se esfrega em
meu colo.
— Levanta, Lola — digo sério e ela o faz.
— Cheio de ordens. Eu gosto disso. Vamos, tenho um tempinho... —
Vestindo apenas lingerie se insinua.
— Téo, está acorrentado ao tal do amor. Vai casar.
— Como é? — ela diz tendo a mesma surpresa da Lily.
— Exatamente. Estou noivo. Esse corpo pertence à outra mulher.
— Brincadeira, né? — pergunta rindo e se senta novamente em meu
colo.
— Eu disse para você levantar. Não estou brincando — falo ainda mais
sério.
Ela se levanta emburrada.
— Muitos homens casados ou namorando vêm aqui. Você não vai ser o
único a procurar outras para satisfazê-lo.
— Eu não sou eles. E a minha noiva já me satisfaz... Na verdade, Doçura,
ela me deixa insaciável, de tão gostosa e linda que é. Luxúria é o que não me
falta, quando se trata dela.
— Epa, pode parar. Não roube meu posto. Pode ser o Senhor Pecado,
mas eu sou o Senhor Luxúria. Sexo é comigo mesmo. Se não quiser o Téo...
Ela revira os olhos e sai nervosa, batendo a porta.
— Você é foda. Isso sim que é amar. Olha, que tenho provas suficientes
para não acreditar nisso.
— Porra, primeiro é em Deus que diz não acreditar mais, e sai dizendo
que virou ateu. Agora não acredita mais no amor? — Franzo o cenho. — O que
aconteceu?
— Nada. Mas cada um escolhe no que acreditar, e os seus motivos para
isso. É o livre-arbítrio.
— Sei. Você é louco.
— Posso garantir que não mais que você. Porém, voltando ao assunto.
Cuidarei da sua despedida de solteiro.
— Não sei por que, mas agora tenho certeza de que acabo de pousar do
avião com passagem em primeira classe ao inferno. E estou sendo recepcionado
pelo diabo.
— Prometo que como um bom padrinho não deixarei você pecar.
— Você realmente quer me ferrar, né?
— Jamais.
O idiota fica rindo.

Raquel Pereira

Graças a Deus não acordei de madrugada para vomitar. Mas, ao acordar


pela manhã, foi a primeira coisa que fiz. Consegui fazer um suco de limão e uma
maçã pararem no estômago. E isso já me deixa feliz. É um começo. Avisei ao
Natanael que me atrasaria um pouquinho, pois precisava visitar minha mãe com
urgência, e ele disse que tudo bem. Como final de semana vai ser corrido, seria
melhor visitá-la hoje. Trouxe o Téo comigo. Acho que vai ser importante. Vou
contar sobre a faculdade, e acho que ela sendo minha mãe deve saber da
gravidez também. Chega de esconder tudo sempre. Isso não faz bem para
nenhuma de nós.
Abro a porta e entramos. Escuto um barulho na cozinha. Deve estar
preparando café.
— Mãe? — chamo por ela.
— Melhor corrermos. Ela sozinha pode nos matar — Téo diz em meu
ouvido.
Olho feio para ele, que sorri.
— Na cozinha! — ela diz.
Caminhamos em direção à cozinha e como imaginei está preparando o
café. Ela me olha e sorri. Não fica muito feliz ao ver o Téo, mas acredito que um
dia vai se acostumar. Abraço-a, e ela retribui. Como um bom cara de pau que é,
Téo se aproxima e beija seu rosto. Ela olha surpresa e ele sorri.
— Sente-se. Estou preparando café.
Sentamos lado a lado. Ela continua passando o café e o Téo rouba um
bolinho de chuva da mesa. Bato em sua mão, e ele não se importa, pois pega
outro e ainda passa no açúcar com canela. Acabo sorrindo. Minha mãe sempre
reza antes de comermos, mas pelo visto hoje não vai dar tempo, não com meu
noivo detonando o café que ele nem foi convidado a comer.
— Fiquei surpresa. Tão cedo aqui — diz terminando o que estava
fazendo e colocando a garrafa de café sobre a mesa.
— Consegui um tempinho antes do trabalho. Fiquei sabendo que a
senhora está passando com uma psicóloga — sou direta.
Ela pega o leite e coloca sobre a mesa.
— Sim — diz enquanto pega a cesta com pães e a manteiga, colocando
tudo diante de nós. — Ela se senta e se serve de café.
Téo pega uma caneca e enche de café. Fico olhando indignada. Como
pode ser tão intruso assim?
— Coma. Seu noivo já está fazendo isso — diz olhando seriamente para
ele.
— A senhora faz ótimos bolinhos — ele elogia e chuto seu pé, por baixo
da mesa e ele sorri.
— Então. Está gostando? — pergunto e ela volta a me olhar.
— Sim. É bom. Está sendo mais fácil para mim desabafar com uma
estranha.
— Isso é bom, mamãe. Fico feliz.
— São todos os dias?
— Eu queria todos os dias da semana. Quero melhorar rápido. Porém, ela
declarou que nos veremos três vezes na semana, e se eu sentir necessidade de ir
mais vezes, posso ir sem medo.
— Vá com calma. Não se cobre tanto.
Ela sorri.
— Não se preocupe... Bom, seu tio disse que anda sentindo sua falta na
igreja. Que foi recentemente, mas já não vai tanto.
— Muita coisa acontecendo, mas quero voltar a ir, ao menos uma vez na
semana.
Ela assente e bebe seu café.
Olho para o Téo, que continua comendo. Parece que está uns três dias
sem comer. Volto a atenção à minha mãe.
— Comecei a faculdade. — Ela me olha surpresa. — Estou fazendo
administração.
— Nossa... Faculdade? Realmente está crescendo. Está se cuidando lá?
Sabe, tem...
— Mãe...
— Perdão. Aos poucos vou me acostumar. Segundo a psicóloga, um
passo de cada vez e poderei dar longos passos sem tropeçar tanto.
— Estou tão feliz pela senhora — digo com sinceridade.
Téo pega um pão. Desde que tomou café em casa, está comendo como
um doido. Abre e passa manteiga. Resolvo não focar apenas nele, porque meu
estômago está embrulhando de vê-lo comer tanto assim.
— Mãe, preciso te falar mais uma coisa...
— Elisângela?! — a voz do meu tio ecoa pela casa.
— Na cozinha — ela responde. — Ele tinha dito que viria tomar café.
Como pude me esquecer da rotina dele?
Téo morde o pão e fica olhando para a porta da cozinha. Meu tio entra
com uma sacola. Olha para o Téo e fecha a cara. Aproxima-se da mesa e coloca
a sacola, retirando um refratário redondo de dentro.
— Bom dia a todos — ele nos cumprimenta e sorri para mim.
— Bom dia — respondemos.
— Uma senhorinha me presenteou hoje, quando saía da igreja. É cuscuz
paulista. Disse que fez com muito carinho. Ela sempre me leva bolos, salgados.
Vou virar uma bola. — Ele sorri.
— Que delícia. Faz tempo que não como — minha mãe diz. —
Agradeceu à senhora?
— Claro! — ele diz como se fosse óbvio.
Assim que abre e o cheiro se espalha, o meu estômago embrulha demais
e sinto um forte enjoo. Prendo a respiração por alguns segundos, mas não
resolve. Desvio o olhar do cuscuz, e sinto o amargo subir na garganta.
— Raquel? Está pálida. O que houve? — minha mãe indaga.
— Banheiro, agora! — o Téo diz se levantando rapidamente.
— O que está acontecendo? — meu tio questiona assustado.
Levanto às pressas e o Téo me segue. Saio em disparada para o banheiro
e por pouco não faço sujeira antes. Inclino o corpo diante da privada e coloco
tudo para fora. O Téo segura meu cabelo e acaricia minhas costas. Afasto-me da
privada e ele me ajuda. Olho em direção à porta e minha mãe está com uma mão
na boca, e meu tio de olhos arregalados.
— Está doente, meu anjo? Por Deus, o que tem? — ele pergunta
preocupado.
Aproximo-me da pia e lavo a boca, cuspindo a agua até tirar o gosto
ruim. Assim que termino olho para o Téo, que mantém os olhos em mim como
um gavião.
— Vamos deixá-la sair. Sentar um pouco — Téo pede e eles concordam.
Vamos para a sala e me sento no sofá, com o Téo ao meu lado, segurando
a minha mão.
— O que está acontecendo? É grave? — meu tio insiste.
Minha mãe se senta no sofá, com ambas as mãos sobre as pernas. Seu
olhar arregalado é fixo em mim.
— Não estou doente, tio.
— Como não? Ficou pálida. Começou a vomitar, e está aparentemente
fraca.
— Não é isso — Téo diz e ambos se olham.
— Alguém diz algo?! — Ele fica nervoso.
— Grávida — minha mãe responde e meu tio olha para ela.
Olho assustada.
— Quê? Minha irmã, você passa bem? Não entendi o que disse.
— A Raquel está grávida. Elisângela vai ser vovó. Pronto — Téo diz.
Meu tio cai sentado no sofá. Retira com as mãos trêmulas o colarinho
clerical. Ele raramente vem com ele em casa, mas justo hoje veio, e parece estar
sufocado.
— Vocês disseram que era brincadeira! — ele diz exasperado. — E agora
é verdade. Quase me mataram. E agora é verdade! Grávida. Raquel está grávida.
— Ele se levanta e começa a andar de um lado para o outro. — Minha
menininha está grávida. Saiu para conhecer o mundo e retornou com uma
gravidez. O que significa que tiveram relações antes do casamento. Minha
pequena garotinha, pura, caiu em um grande pecado. E eu? Claro, serei
condenado ao inferno, por ter sido o motivo dela ficar no mesmo caminho que
este homem — começa a falar sozinho. Estou assustada.
— O senhor não parece bem, pre...
O Téo não tem tempo de finalizar. Meu tio leva uma mão ao peito e cai
sentado no sofá. Minha mãe se levanta rapidamente assustada.
— Seu padre, de novo não. Desse jeito terei que fazer parceria com uma
ambulância. Puta merda. Homem de Deus, fale com a gente. Joãozinho? — Téo
diz e tenho vontade de bater nele.
— CHEGA! — minha mãe declara. — E por que diz isso, garoto? Ele já
passou mal antes? Não importa agora. — Ela me olha. — E a senhorita, grávida?
Assinto. Não tenho o que dizer.
Ela faz uma pausa, fecha os olhos por um tempo e leva a mão ao seu
crucifixo apertando com força. Abaixo o olhar. Não quero mais confusões com
ela. Lágrimas de desespero escorrem pelo meu rosto.
— Gente, o padre Joãozinho está mudo. Chamem a ambulância. Meu
Deus! Primeiro quase tirei a vida do homem e agora o deixo sem fala.
— Saia — minha mãe pede ao Téo, e o mesmo se afasta do meu tio, que
começa a respirar fundo. — Olhe para mim, Raquel! — seu tom é sério.
Ergo o olhar e me viro para olhá-la.
— Você foi inconsequente. Isso foi errado. Por mais que eu pegasse
muito no seu pé, sabia que deveria seguir as coisas conforme o correto. Foi
criada na igreja, sabe os mandamentos. Sabe tudo sobre eles. Não adianta dizer
que eu fui a única culpada, porque a escolha de se entregar ao pecado foi
somente sua...
— Mãe...
— Não terminei! Posso ter contribuído em partes, para uma revolta
dentro de você ou curiosidade por tudo, mas jamais pensei que chegaria a tanto.
E olha o resultado. Uma gravidez inesperada. Não estou feliz e tampouco
orgulhosa de sua atitude. — Sua voz está trêmula e seus olhos repletos de
lágrimas — Mas eu não vou te dar as costas como minha mãe fez comigo. Eu
não irei permitir que te condenem como fizeram a mim. Eu não irei deixar que
você se torne o que eu me tornei. Eu estive no seu lugar, e não tive uma mãe para
me apoiar e as consequências são muito dolorosas até hoje. E eu não vou aceitar
que façam com você o que fizeram comigo. Porque eu já te fiz sofrer demais, e
sei que não aguentaria mais alguma dor assim. Então, saiba que não estou
contente com a sua atitude, mas estou aqui. Mesmo com vontade de surtar e te
condenar, eu estou controlando todo esse lado que não deve me pertencer, para
dizer que eu estou aqui.
Não digo nada. Apenas inclino meu corpo abraço a figura materna à
minha frente. Sim, materna. Estou começando a sentir que eu realmente tenho
uma mãe. E fui surpreendida por suas palavras. Afasto, e seguro sua mão.
— Obrigada. Muito obrigada. — Ela enxuga meu rosto com a mão livre.
— O médico disse para não contar a muita gente até os três meses. Por enquanto
apenas vocês dois sabem. Não contem as tias.
— Tudo bem.
Meu tio se aproxima e se abaixa ao meu lado. Pelo visto, já está melhor.
— Cancela a parceria com a ambulância então? — Téo fala e olho feio
para ele.
— Não tenho sido um bom padre ultimamente, e tampouco um tio
compreensível. Mas é que estou me assustando com cada notícia que diz, sempre
que te vejo. Porém, como sua mãe disse, não é certo o que aconteceu, mas ela
vai estar aqui, e eu também. Não irei ser o que eu fui quando a sua mãe esteve no
seu lugar. A história pode estar se repetindo em partes, mas não irei permitir que
se repita completamente. Eu amo vocês, e vou cuidar das duas sempre.
— Também te amo, tio. — Seguro sua mão. Ficamos os três de mãos
dadas.
— Quanto tempo? — minha mãe questiona.
— Vai completar quatro semanas. Gêmeos — Téo responde rindo.
Como se fosse um flashback, tudo se repete. Um baque e é o meu tio.
Desmaiado... De novo.
— TÉO, DE NOVO! — grito.
— Porra, o homem não sabe brincar.
— Olhe o palavreado na minha casa. E olhe o que fez!
— O hospital vai nos prender — digo apavorada.
— Não se apavora. Está grávida.
— Como não? A medica disse para evitarmos notícias que o levassem ao
desmaio. E se agora matamos ele?!
— O que aconteceu? — minha mãe questiona abanando ele.
— Parece que seu irmão curte novelas mexicanas. Faz cada drama. —
Téo mexe no celular.
— O que está fazendo? Ajuda!
— Relaxa, amor. Estou chamando a ambulância. Será que eles fazem
parceria com a gente?
— Téo, não brinca!
— E lá vamos nós outra vez.
Minha mãe começa a chacoalhá-lo.
— Não adianta, sogrinha. Nada do que fizer vai acordar o homem.
— Olha que tipo arrumou, Raquel!
— Mãe, será que ele morreu?
— Amor, da outra vez também pensou. Não morreu... Padre, se você ver
a luz, volte! — Téo grita.
Vou falar, mas ele faz sinal para mim, e começa a falar no telefone.
— Mãe, eu vou morrer do coração por culpa do Téo! — Começo a
chorar desesperadamente.
— Lide com as consequências. Eu nunca gostei dele!
— Estou aqui ainda — ele diz. — Estão vindo. A moça disse que meu
número ficou gravado. Talvez aconteça uma parceria.
— Eu vou te matar! — grito e vou para cima dele.
— Se acalma, Raquel! — Ele me segura. Me mantém presa em seus
braços. — Não adiantar pirar. Sabe que não resolveu nada da última vez. Vai
ficar tudo bem, sempre fica. Agora pare de chorar, respira fundo.
— Como ela pode gostar de você? — minha mãe pergunta inconformada.
— Além da minha beleza e sorriso? O piercing, ninguém resiste.
— Eu te odeio — digo aos prantos. — Não gosto de agressão e me fez
tentar te agredir. Eu te odeio!
— Não odeia, não. Se acalma. — Ele mexe em meu cabelo com carinho.
— Ai, minhas costas...
— João! — minha mãe grita.
— Tio... — Me afasto do Téo. — O senhor está bem?
Minha mãe o ajuda a se sentar com cuidado no chão.
— Meio tonto... Gêmeos? Lembro disso... Ai, minha cabeça...
— Tio, foi uma brincadeira louca do Téo. Não se preocupe. Vamos te
levar para o hospital.
— Não! Eu só preciso ficar longe dele. Esse menino vai me matar. Ele
vai. Preciso ficar longe.
Olho feio para o Téo, que sorri como uma criança que apronta.
— Cancela a ambulância então, padre Joãozinho?
— Longe dele. Quero ficar longe dele por alguns dias. Chega! Deus, por
que estou pagando tantos pecados assim? Não aguento mais.
— É, vou cancelar. Está melhor. Não me suporta novamente.
— Me espera no carro, Téo! — grito e ele ergue as mãos.
— Fico feliz que esteja bem. Gosto muito do senhor, padre. Vou deixar a
ambulância vir, por precaução.
— Saia! — minha mãe grita.

A ambulância veio, e os paramédicos cuidaram dele, após explicarmos o


ocorrido. Não precisou ir ao hospital. Mas pediram para ele repousar. Foi apenas
um susto, de novo! Assim que garantiram que ele estava bem, resolvi que era
melhor ir embora, antes que mais estragos acontecessem.
Assim que coloco os pés na calçada, dona Ivone, uma das vizinhas, se
aproxima com a vassoura. Ela é a mãe da que gritava “mais forte”, e hoje
entendo o que estava acontecendo e fico envergonhada por ter ouvido. Ela olha
para o Téo encostado no carro de braços cruzados.
— Aconteceu algo, caretinha? Vi a ambulância.
— Nada com que se preocupar.
— Anda sumida. Se mudou? — Olha para mim e depois para o Téo.
— Sim. Sua filha, como está? — mudo o rumo da conversa.
— Um demônio como sempre. Perdão pela palavra. Mas aquela menina
não vale o que come. Esses dias ficou tão bêbada, que foi parar no hospital. Essa
peste ainda vai ser minha morte. Não presta para nada.
Olho horrorizada.
— Não olhe assim, caretinha. Lola, ainda vai me matar. Acredita que
descobri que ela trabalha em uma boate como dançarina? Por isso não parava em
emprego nenhum. Cada merda que essa menina me apronta. Reza por ela,
porque essa menina ou me mata, ou eu mato ela.
Téo a olha surpreso e depois olha para mim.
— Bom... Tenho que ir. Foi bom rever a senhora. Até mais.
— Até... Vai lá... Bonito carro.
— Obrigado — Téo agadece e ela fica vermelha.
— Que bela voz.
Qual o problema da voz dele? Meu Deus!
Ele abre a porta do carro e entro rapidamente antes que o assunto se
estenda. Ele entra no carro e saímos rapidamente dali.
— Caretinha... Senhora bem estranha, não?
— Dona Ivone ama saber da vida de todos, mas é uma boa pessoa. Ela só
se intromete muito onde não deve. A coitada vive em pé de guerra com a filha. E
essa é nova, Lola dançarina em boate. Sabia que a menina era doida, mas não
tanto. Ela gosta do proibido. Sempre foi assim. As brigas das duas eram bem
feias. E escutei muito do que não devia. — Sorrio ao lembrar.
— Amor, preciso comentar uma coisa.
— O quê?
— Talvez... Não estou afirmando. Mas achei coincidência. Eu acho que
eu conheço essa Lola.
— Como assim? — Olho surpresa.
— Na boate do Rogério tem uma Lola. Ela ama o proibido. Nunca falou
a respeito da família. Mas ela é dançarina.
Começo a ficar brava.
— Como ela é? — ele questiona.
— Ela vive mudando o cabelo. Mas acho que da última vez que a vi
estava loira, com um corte bem curto. Cheia de brincos e tem uma tatuagem de
laço na coxa.
Ele me olha rapidamente e sorri. Volta a atenção na direção.
— É ela, não é?
— Talvez...
— Téo!
— Pelo que disse, é sim.
— Sério? Não tem uma que você não tem ido para a cama?
— Claro que tem. Mas, em minha defesa, eu não te conhecia e nem sabia
que ela era sua vizinha.
— E ontem você esteve na boate!
— Sim. Mas nada aconteceu. Confie em mim.
— Viu ela? — pergunto mais brava ainda.
— Sim. Mas não aconteceu nada. Pode confiar um pouco em mim?
— Parece que todas as mulheres que teve algo, são doidas. Fico
imaginando quando irei conhecer uma mulher que não tenha ido para a sua
cama!
— Não tenho culpa que agora frequenta os lugares que eu e esbarra com
alguma. E também não teria como adivinhar que a Lola era sua vizinha.
— Hum...
— Sério, vai ficar brava? Eu fui sincero com você sobre talvez a
conhecer.
— Você a conhece!
— Não vou discutir com você por coisa boba. Sei que está assim por
causa dos hormônios da gravidez.
Não digo nada. Fico muda. Eu quero controlar minhas reações, mas está
sendo difícil.
— Acho que comi muito. Estou enjoado — ele comenta quebrando o
silêncio.
— Pede para as dançarinas, ou as meninas do hotel cuidarem de você.
Melhor, pede para as mulheres da cidade inteira fazerem isso.
Vejo-o revirar os olhos. Não diz nada e é melhor.

Estaciona na porta do hotel. Robson se aproxima. Abro a porta.


— Oi, Robson.
— Oi, Raquel. Tudo bem, menina?
— Sim. Tudo ótimo. — Bato a porta do carro com força. Robson me olha
assustado.
O Téo sai do carro e fica do outro lado me olhando.
— Poxa, minha bebê azul não fez nada para você.
— É apenas um carro, Sr. Lima! — digo. — Não é, Robson?
— Bem... É uma...
— É uma Ferrari bonita pra caralho, e azul. Não diga que é apenas um
carro — Téo rebate.
— Ótimo, leve a Ferrari bonita para a sua cama, também. Não perca
tempo. — Olho para o Robson. — Tenha um lindo dia, meu amigo. E está
convidado para o casamento. Passe-me o nome de sua esposa e filhos depois —
falo para ele.
Começo a caminhar em direção à porta do hotel.
— Raquel! — o Téo me chama, mas não olho. Estou brava demais.
Escuto ele entrar no carro. Olho rapidamente e ele sai em velocidade. O
Robson esfrega a testa e olha sem entender. Pobre homem, queria entender
também por que estou ficando doida assim, mas não posso, então entendo a
confusão dele também. O médico explicou que eu ficaria bipolar, com os
hormônios malucos, resumindo, mas não explicou que nem eu me aguentaria.

Por você conseguiria até ficar alegre
Pintaria todo o céu de vermelho
Eu teria mais herdeiros que um coelho
Eu aceitaria a vida como ela é
Viajaria à prazo pro inferno
Eu tomaria banho gelado no inverno
— Frejat “Por você”

Raquel Pereira

É sábado e estamos no sítio da minha avó. A semana foi resumida em:


faculdade, enjoos, bipolaridade, trabalho, retorno do Augusto e da Eleonor, mais
enjoos, e um Téo aparentemente doente e maluco, e cheio de mistérios quanto a
uma surpresa. Chegamos cedo e a cidade está muito movimentada pela festa que
vai ter. Todos muito animados. Assim como minha avó, que está preparando
torta de morango para levar, e já garantiu que iremos ao salão de beleza, o que
me lembra de que da última vez ela saiu com o cabelo azul.
Como os morangos que ela deixou sobre a mesa.
— Não vai comer, menino? Se bem que, com a cara que a Raquel está
comendo, é melhor nem tocar nesses morangos, ou ela te mata.
O Téo sorri.
— Credo, vovó — falo e ela ri, enquanto prepara uma calda de morango.
— O que foi, garoto? Está quietinho, e amuado.
Estou tão concentrada em comer, que nem reparei que ele estava assim.
Meu Deus, virei uma louca comedora. Olho para ele, levando mais um morango
à boca.
— Amanheci meio enjoado essa manhã.
— Eu já disse para ir ao médico. Está assim a semana toda. Também
come mais do que pode — comento.
Minha avó franze o cenho e começa a sorrir.
— Não estou doente, Raquel. Ontem mesmo fui à academia e estava
bem.
— E ontem você comentou que só vai à academia para relaxar, tirar o
estresse ou pensar, então não estava bem. — Como outro morango e desta vez
passando ele na calda de chocolate que minha avó separou para mim.
— Touché — ele diz e se ajeita na cadeira. — Talvez eu vá ao médico.
Minha avó começa a rir e olhamos sem entender. Lágrimas escorrem por
seu rosto de tanto que ela ri. Eu também quero rir, então seria ótimo ela
compartilhar a graça. Ela recupera o fôlego e enxuga o rosto.
— Meu querido, você só se sente mal pela manhã?
O Téo confirma.
— Seu apetite mudou em algo?
— Sim. Come que nem louco as vezes. Me assusta — falo e ele me olha
feio. — Essa semana, ele está muito estranho.
— Ficou muito apegado a Raquel? E me refiro de todos os jeitos.
— VOVÓ! — repreendo-a e ela sorri.
Ele me olha para respondê-la e sorri.
— Se você abrir a boca, eu te enforco, Téo!
Minha avó não precisa saber o tanto de vezes que ele “ficou apegado a
mim”, esta semana. E que eu não achei ruim em nenhuma delas.
— Digamos que sim. — Ele sorri.
— Indo muito ao banheiro do nada?
Ele confirma.
— Então não precisa de médico. — Ela volta a rir.
Téo me olha sem entender, e eu dou de ombros, porque nem eu entendo.
— Nunca pensei que veria isso tão cedo novamente. Mas é tão
engraçado, desculpe, porque é até bonito o motivo, mas é engraçado. Querido,
não precisar ir ao médico. Isso que você tem é síndrome de couvade.
— Síndrome do quê? — perguntamos juntos.
— Popularmente chamamos de gravidez por simpatia ou psicológica.
— Como é? — Téo questiona e estou me controlando muito neste
momento para não rir. Que Deus me ajude.
— É normal acontecer. Geralmente afeta os homens e, às vezes, pessoas
próximas da pessoa grávida. Você está tão envolvido emocionalmente na
gravidez da Raquel, que desenvolveu a sua própria, óbvio que psicológica.
Não consigo mais controlar e começo a rir muito. Acho que nunca ri
tanto na minha vida como agora. A expressão de choque do Téo é muito
engraçada. Minha avó começa a rir também, e talvez pela minha gargalhada.
— Pera aí, eu não tenho isso não!
— Tem sim. E pode ter todos os sintomas, até os desejos sexuais. E
detalhe até dar uma engordadinha.
Começo a controlar a minha crise de riso assim que uma coisa me vem à
mente.
— Como a senhora já sabe... Quero dizer. Eu não contei ainda sobre a
gravidez. Mesmo já entendendo suas dicas, não confirmei para a senhora.
— Sonhos, querida. Os sonhos nunca me enganam. Eu já sabia que
descobriu e que iria vir aqui me questionar. E já saiba, não é porque eu tenho
sonhos que costumo interferir no destino das pessoas. Tem vezes que tenho que
deixar tudo acontecer naturalmente, e em outras posso colocar um dedinho ou a
mão toda na história.
— Estou começando a ficar com medo da senhora.
— Alguém pode voltar ao assunto mais ridículo da minha existência? Eu
não tenho essa síndrome.
— Não é ridículo, querido. Isso é sinal de que está muito envolvido
emocionalmente e é um gesto bonito e fofo. A única coisa, é que tem mamães
que acabam se sentindo sufocadas, porque o parceiro quando tem isso, pode ficar
muito preocupado com a saúde do bebê e da mãe.
— Estou agindo normal! — ele rebate nervoso.
— Téo, você me enviou diversas mensagens essa semana perguntando se
eu comi, e quando não respondia, aparecia no hotel e saía perguntando ao
Natanael se eu realmente me alimentei. Tive uma pequena tontura, e isso porque
abaixei e levantei muito rápido e você ficou tão desesperado, que alarmou seu
pai, e por pouco não abre a boca do que era. E quando estou “dormindo” — faço
aspas com os dedos — fica me olhando, acreditando que peguei no sono, e
dorme só quando não aguenta mais ficar acordado. E ontem, enquanto eu tomava
banho, eu vi seu pé encostado na porta vigiando se eu estava bem. Eu posso
continuar falando tudo o que fez só essa semana.
— Está bem. Eu me rendo. Talvez, eu esteja um pouco preocupado.
— Pouco? — minha avó brinca. — Agora vem aqui, minha menina,
deixa eu te dar um abraço.
Ela me puxa da cadeira, e me abraça apertado. Amo tanto esses braços
quentinhos. Minha avó é a melhor pessoa da vida. Sempre foi muito carinhosa
comigo e quando nos afastamos, foi uma das coisas que mais me doía.
— Era só o que me faltava. É algum tipo de castigo Divino? — Téo
reclama emburrado. — Se você contar a alguém, eu te esgano, Raquel! — Eu
sorrio.
Separo-me dos braços da minha avó e volto a me sentar na cadeira.
— Será o nosso segredo, senhor gravidinho — não resisto e provoco.
— Você está adorando isso, não é mesmo? — ele indaga sério.
— Desculpa, Téo, mas nunca pude te deixar sem jeito, agora que posso
tenho que aproveitar. O jogo virou. Humilhados sendo exaltados, amém! —
Como mais um morango.
Ele olha para a minha avó e diz:
— Quero a minha Santinha de volta.
— Deixe a gravidez passar e ela volta a ser sua santinha... ou não. A mãe
dela quando ficou grávida, ficou o oposto do que era. Imaginei que a Raquel
seria da mesma forma, e minha intuição não falhou. Eu também, quando fiquei
grávida, mudei, virei uma pervertida chorona.
Engasgo-me e o Téo ri.
— Curtam muito esse momento. É maravilhoso, mesmo tendo suas fases
complicadas.
— A senhora faz consultas sobre o futuro? Quero saber se é menino ou
menina. Preciso preparar meu pobre coração — Téo questiona.
Ela retira a calda do fogo e experimenta um pouco.
— Vovó, como funciona isso dos seus sonhos?
— Não sou do tipo que vejo o que quero. Acontece. Desde pequena
sempre tive sonhos reveladores. Nunca errei um. O que eu sonhava acontecia. E
sei diferenciar um sonho “comum” de uma, como posso dizer... Previsão ou
revelação? Pode ser. — Ela lava a colher e ajeita a bagunça na pia. — A vida é
repleta de sinais, e vivemos sempre em constante correria, que perdemos muitos
deles e depois culpamos a Deus, ou o universo e jogamos a culpa no “destino
azarento”, mas quem controla o nosso destino somos nós mesmos, porque temos
o livre-arbítrio. — Ela encosta na pia e enxuga a mão no pano de prato. —
Então, sempre acreditei que existe uma força maior que nós. Que nada é por
acaso, e que sinais existem, e muitas das vezes estão nos pequenos detalhes. E
por isso, eu passei a tentar decifrar meus sonhos, quando comecei a perceber que
tinha coisas que aconteciam. Com o passar do tempo, as pessoas começaram a
me chamar de bruxa, louca, ou me mandar fazer previsões do resultado da loteria
e coisas assim. Mas não é assim. Isso pode até ser um dom, e algo tão intenso
assim, não é para ser oferecido de qualquer forma, claro que isso é o que eu
penso. Por isso jamais fui mais a fundo com isso.
— Deve ser bom, já saber o que está por vir — Téo comenta e pega um
morango.
— Nem sempre, meu menino. Às vezes, você vê coisas ruins e não pode
falar. Mas o pior é você avisar e não te darem ouvidos, e o pior acontecer. Se
bem que as duas formas, você pode se sentir culpado.
— Já aconteceu de ver algo sem ser em sonho?
— De ver uma cena não. Mas de sentir coisas ruins ou boas sim. De falar
e acontecer também. Mas, em questão do falar e acontecer, acredito que todos
nós temos esse poder. As palavras que saem de nossas bocas têm um poder
muito grande, que pode destruir, reconstruir, criar, matar, reviver, viver, realizar,
e infinitas coisas. O que falamos tem poder demais, tanto para nós, quanto para
as pessoas que as ouvem, por isso existe a lei do retorno.
— Nossa, fiquei arrepiada agora — comento esfregando os braços.
— Eu estou com medo mesmo — Téo comenta e minha avó sorri.
— Realmente um sonho nunca falhou, ou algo que disse? — Téo indaga
ainda curioso.
— Não considero falha, quando vejo que a pessoa mudou o destino por
conta própria.
— Podemos mudar de assunto? Esse papo está me deixando um pouco
assustada — brinco.
— Podemos. Ajuda-me a cobrir essas tortas, para irmos ao salão — pede
e concordo.

Depois de passarmos algumas horas no salão, o resultado foi deixar meu


cabelo bem liso. Uma maquiagem leve, mas o maquiador disse que teria muito
iluminador, para ressaltar alguns traços meus e gostei. A cor do esmalte nas
unhas, decidi por um nude muito lindo. Agora estou totalmente pronta. Um
vestido justo, curto e preto, um pouco rendado e com certa transparência, nada
que revele o que não deve. Nos pés bota de cano curto, da mesma cor do vestido.
Gostei do resultado, que em outros tempos jamais usaria. Saio da casa da minha
avó acompanhada dela, que me enche de elogios.
— Olha, não irei deixar de contar a ninguém que é minha neta — ela
brinca e sorrio.
O Téo está falando no celular, um pouco afastado do carro.
— Vou indo, não posso chegar atrasada, e o Téo parece ocupado. Não
tem como errar o caminho da festa.
— Certo.
Ela se afasta e vai em direção aonde Benjamin a espera. Encosto no carro
e espero o Téo. Alguns minutos depois, ele se vira e guarda o celular no bolso.
Meu noivo não está nada mau. Calça jeans, camisa cinza e sapato claro. Está
muito bonito. Começa a se aproximar, e junto vem seu perfume que me encanta
sempre.
— Puta que pariu! — ele diz me olhando por completo.
— Isso é um elogio? — pergunto desconfiada.
Não responde. Ele agarra a minha cintura e me beija. Não de qualquer
jeito, mas de me tirar o fôlego, e talvez o chão onde me mantenho firme em pé.
Quando se afasta fico meio desnorteada.
— Sim. Foi um elogio. — Ele limpa o canto da minha boca que deve ter
borrado por causa do batom. — Melhor nem retocar o batom, não irei me manter
longe da sua boca por muito tempo. — Limpo a boca dele também, e sorrio.
— Sabe que vai ser uma festa repleta de olhares, não é?
— Não me importo, Santinha.
— Téo...
— Saulo me ligou. Já tem data, hora e local da minha primeira exposição
— muda de assunto. — Vamos fazer uma turnê, por alguns estados. Ele disse
que a divulgação será pesada. E que muitas marcas, querem patrocinar, não
apenas pelo meu sobrenome, mas por gostarem do que foi mostrado a eles.
— Que maravilha! — Agarro seu pescoço e sorrio. — Mas, você falou
do casamento?
— Sim. Ele me mandou enviar a data do casamento junto dos dias da lua
de mel, por e-mail, que ele organiza certinho. Apenas a primeira exposição já
tem data e hora confirmada, as demais ele quer que eu analise os dias, e vejo se
está tudo bem.
— Posso saber quais fotos escolheu?
— Em casa te mostro.
— Estou animada por você. Mas temos que ir para a festa... Antes
preciso ir ao banheiro. E nem bebi muito líquido, mas o médico disse que
aconteceria, antes que surte de preocupação.
Ele sorri.
— Vai lá.

Assim como a minha avó, não viemos de carro. É perto e tranquilo andar.
Está tudo movimentado. A festa está realmente lotada. Acontecem alguns shows
no palco bem decorado, onde já teve discursos de todos os membros que estão
contribuindo, como a minha avó, e do prefeito da cidade. Tem barracas de todos
os tipos de comidas, e bebidas, além de muitas com brincadeiras para a
criançada e também adultos. Minha avó está conversando com diversas pessoas,
parece ter mais conhecidos do que o prefeito. E o Téo está ao meu lado. Estou
comendo uma maçã do amor, que por pouco não fiquei sem dente, por querer
fazer como quando era criança, morder de uma vez.
— Vou pegar uma bebida — Téo avisa e se afasta.
Continuo comendo e observando tudo.
— Gostando? — Sobressalto com a voz.
— Deus do céu! Quer me matar, Benjamin? — Levo uma mão ao peito.
— Quem manda estar concentrada apenas em comer.
— Estou concentrada em não quebrar o dente. E sim, estou gostando.
Mas a comida é muito melhor.
— Tem razão. Comida e bebida são boas. Mas hoje voto nas bebidas.
— Voto apenas na comida. — Sorrio.
— Sua avó comentou que vai casar. Meus parabéns — diz bem sério.
— Obrigada... Eu nunca sei quando está bravo ou não. Poderia ser mais
tranquilo ao falar.
— Não vai querer me conhecer bravo.
— Não mesmo.
Ele ajeita o chapéu. Minha avó se aproxima sorridente.
— Amo festas assim. Tudo tão alegre. Crianças e familiares se
divertindo.
— É bom — Benjamin comenta.
— BENJAMIN! — uma senhorinha grita do outro lado.
— Inferno. Que Deus me ajude. Devo ter enlaçado bem forte a cruz para
ter essa louca na minha bota. — Ele se afasta indo em direção a ela.
— Quem é? — pergunto a minha avó.
— Esposa do dono do mercadinho. Acho que tem uma queda pelo
Benjamin, não pode vê-lo que quer puxar conversa. Às vezes, ele até se esconde.
— Rimos.
Téo retorna ao meu lado segurando uma bebida. Bebe um gole e minha
avó olha para ele.
— Mas esse menino é bonito demais. Deus abençoe o mundo com mais
assim! — ela diz e o Téo começa a rir.
— Viu, amor. É assim que você tem que me elogiar.
Reviro os olhos.
— Raquel, vai convidar o Benjamin para o casamento? — minha avó
questiona e rouba o copo da mão do Téo, dando um gole e devolve a ele.
— Claro. Ele é da família basicamente. Quase que um neto da senhora.
— Ótimo. — Ela sorri de um jeito estranho.
— Que foi? Sonhou que ela me larga no altar por ele? Já avisa para eu
beber todas e sofrer antes — Téo fala assustado.
Termino minha maçã do amor.
— Não! Vou contar um segredinho... — Ela se aproxima mais. — Vai
sair mais um casamento.
Afasta-se e ficamos olhando para ela sem entender.
— Como assim? O que tem a ver com o Benjamin? — pergunto.
— Não posso falar. Ainda estou trabalhando em compreender o que
sonhei. Foi meio confuso. Tinham várias mulheres, mas só uma casava, e tinha
algo de pôr nome na barra do seu vestido, e uma mulher disse que trouxe sorte a
ela. Mas não consegui ver o rosto...
Uma moça chama por ela, fazendo-a se afastar.
— Vamos fazer votação. Qual o casamento que vai sair depois do nosso?
— Téo brinca e bebe mais um gole da bebida.
— Fiquei curiosa também. Mas a fome não me deixa pensar.
Ele ri.
— O que quer comer?
— Vamos dar uma volta e escolho.
Ele segura minha mão e começamos a andar à procura de algo que eu
queira comer. Agora estou com muita fome. Talvez por não ter conseguido
almoçar porque me enjoava muito e fiquei na base de frutas e água, que
conseguia comer. Agora estou bem melhor para me alimentar. Escolho pipoca
doce. Sentamos em um altinho, e ficamos observando as pessoas enquanto
conversamos. Ele tira algumas fotos nossas com seu celular e tenta pegar minha
pipoca, mas não deixo, mesmo sabendo que não se nega comida. Porém, um
lado ruim está me dominando. Deus será que irei ficar a gravidez toda assim?
Minha avó chama por nós, para apresentar a algumas pessoas, e é então
que o Téo de pirraça rouba uma pipoca, porque me surpreende com um beijo
enquanto levantamos para ir até ela, e aproveita a oportunidade, e ainda fica
rindo. Esse homem é pior do que criança. Não tenho escolha a não ser rir,
torcendo para que as pessoas junto da minha avó não pensarem que eu rio delas.

Pois, eu sou o mago do amor
E eu tenho a varinha mágica
Todas essas outras garotas são tentadoras
Mas eu sinto um vazio quando você vai embora
— Omi “Cheerleader”

Hannah Lima

Cruzo as pernas enquanto anoto tudo o que meu irmão e cunhada falam.
Eles estão no meu buffet, e chamei Samira para ajudar nas ideias também, pois
minha mãe tinha compromisso hoje. Eu estou a ponto de matá-los, por falarem
que o casamento será dentro de um mês. E não será uma cerimônia pequena, o
Téo não quer. E ainda, o infeliz quer a imprensa. O bom que nesta semana fiz
uma pasta recheada de tudo o que poderiam escolher, e isso facilitou algumas
coisas.
Analiso o que já foi anotado:

Lista de convidados: ok.
Cardápio: ok.
Cores da decoração: ok.
Tipo de flores: ok.
Tipo de convite: ok.
Cores dos vestidos das madrinhas e ternos dos padrinhos: ok.
Lembrancinhas: ok.
Padrinhos: ok (quero matar o Téo).
Vestido da noiva (festa e igreja).
Terno do noivo.
Lua de mel.
Despedida dos pombinhos.
Matar o casal por querer tudo em um mês.

— Lua de mel? — pergunto.


— Ainda vamos decidir. Mas não se preocupe, eu cuido disso — Téo
fala.
— Ótimo, uma coisa a menos para eu surtar. E... — Olho a lista. —
Despedida de solteiro?
— Bom, o Rogério vai cuidar da minha.
Levanto com tudo da cadeira. A Samira disfarça um riso e a Raquel me
olha preocupada, porque já surtei com os padrinhos escolhidos.
— Como é? Aquele projeto de diabo vai organizar? Só pode ser piada.
Quer ter uma noiva ainda? — pergunto nervosa.
— Eu vou ter uma noiva. Mas ele como padrinho vai ajudar.
— Que merda estão planejando?
— Hannah, quando os dois se unem boa coisa não é — Samira comenta e
dá um risinho.
— Não sei ainda. Mas tenho ideia — ele comenta.
Raquel olha séria para ele.
— Não me olhe assim, Santinha. Culpe meu padrinho.
— Isso não vai ficar assim. Saiba que tudo o que fizerem, a Raquel terá
direitos também — falo.
— Eu apoio! Direitos iguais. — Samira bate palmas.
— Vocês duas são umas pragas. Não irei deixar a Raquel na mão de
vocês.
— E você pode ficar na mão do Rogério? Se ele continua o mesmo que
era anos atrás, sei muito bem que não tem nada de certinho — Raquel rebate
emburrada.
— Já disse que te amo, cunhadinha? — Sorrio.
— O que é isso? Um complô contra mim?
— Isso são mulheres unidas, meu irmão. E saiba que você e o Rogério
não vão sozinhos para essa despedida.
— Hannah, o que vai aprontar? — ele pergunta preocupado.
Mudo o assunto:
— Raquel, nesta semana esquece trabalho, já vou avisar meu pai. Você
vai ficar comigo para escolhermos seu vestido. Afinal, está grávida e não
podemos enrolar. Levarei você em um estilista especializado em noivas grávidas,
evitando qualquer imprevisto grave.
Eu não quero nem imaginar o que a minha mãe dirá quando descobrir
que foi a última a saber sobre essa gravidez. Descobri hoje, juntamente da
Samira, que quase morreu do coração e fez um show de alegria. Segundo eles,
contariam para mim, mas o bebê resolveu falar primeiro, já que Raquel começou
a ficar muito enjoada e passando mal e demorou um pouco para melhorar, e foi
aí que a louca da Samira literalmente gritou o que poderia ser e confirmaram,
implorando para que não contássemos a mais ninguém, pois já tinha gente
demais sabendo antes da hora.
— Hannah, tenho faculdade. Não esquece disso.
— Não vou, meu amor... Estou me esquecendo de algo... Lembrei. Vão
fazer algum ensaio fotográfico antes do casamento?
— Acho tão fofo. Quando eu casar, vou querer. Por falar nisso, Raquel
não esqueça-se dos nomes da barra do vestido. Dê-me essa sorte em nome de
Jesus! — Samira diz.
— Não coloque o meu. Que não pretendo me casar nunca mais na minha
vida — rebato.
— Samira, não vou esquecer. Você está falando a cada cinco minutos —
Raquel diz sorrindo.
— Vai ter ensaio, mas é melhor ninguém saber como — Téo comenta.
— Você é um tarado! Bem que a mamãe fala que é um TTL.
— Você é uma mente poluída. Eu não falei como era o ensaio. — Ele
sorri.
— Nem precisa, Téo — Samira retruca, rindo.
Raquel está vermelhinha. Sorrio e continuo anotando as coisas na lista.
— Téo, o seu terno?
— Não se preocupe. Não erro nunca.
— Sei disso. Mas é mais perfeccionista que uma noiva. Então resolva
logo, e nada de terno claro, ou arranco seus olhos.
Raquel tenta disfarçar, mas começa a rir.
— Que ótimo. Quem deveria me defender, ri. Não estou valendo porra
nenhuma... Essa reunião terminou? Estou com fome, sono, e preciso resolver
várias coisas.
Minha cunhada olha para ele, e começa a rir mais.
— O que houve? Sou um pouco lerda. Ajudem-me a entender — Samira
diz.
— Nada! — Téo rebate. Mas duvido que seja nada.
— Espera, homem, que logo libero vocês... A igreja?
— Irei falar com meu tio ainda hoje.
— Ótimo, Quel. — Confiro mais algumas coisas na lista.
— Raquel, esse homem que vai fazer par comigo é bonito? Não que
precise ser. Mas já que serei sua madrinha, poderia dar uma ajudinha, né?
— Ele ainda nem sabe que vai ser o padrinho. Se ele aceitar, eu prometo
te contar como ele é. Não quero te empolgar antes do tempo.
— Pega o traste que o Téo arrumou para entrar comigo. Estou doando
ele! — falo, enquanto escrevo umas coisas.
— Hannah, precisa superar isso. — Téo ri.
— Vou superar dando na cara dele e na sua.
— Como me maltratam. Preciso de carinho — meu irmão dramatiza.
— Coitadinho... Quem vê pensa que ele não dá as patadas dele as vezes.
Cavalo e cavalheiro lembre-se disso, Téo — Samira diz.
— Prontooo! — encerro animada. — Hora de colocar a mão na massa.
Podem ir, que tenho umas coisas para fazer.
— Está nos expulsando? — Samira questiona. — Que horror. Não
ofereceu nem uma água. Que mulher maldosa — provoca e mostro o dedo do
meio a ela.
— Ótimo. Vou à igreja falar com o meu tio. Mas, quero comer antes —
Raquel pronuncia.
— Somos dois. Vamos, minha Santinha. Qualquer coisa, Hannah liga. E,
por favor, que não seja para falar que matou o Rogério.
— Não irei matar ninguém. Sou uma santa — digo.
— E eu virgem! Coitada, quem te iludiu assim, amiga?
— Samira, some. Vai pegar sua filha na minha mãe e se divertir. Bye. —
Ela começa a rir e pega a bolsa.
Raquel se levanta. Deixo a agenda com a caneta sobre a mesa e me
aproximo abraçando-a.
— Estou muito feliz por ser a minha mais nova irmãzinha. Cuida muito
bem do meu irmão e dessa criança que a titia aqui já está apaixonada. E se
precisar bater no Téo, me chame que eu seguro e você bate.
Téo me olha feio e sorrio.
— Obrigada, Hannah! — ela diz e nos afastamos.
— Hannah, precisa fazer o bebê dela e assim parar de “roubar” as
crianças das pessoas. Toda criança ama ela — Samira diz cruzando os braços.
— Não quero ter filhos. Ser tia, tudo bem. Agora ser mãe?
Responsabilidade que eu não quero e nunca quis.
Eles sorriem.
— Pelo amor de Deus, não se esqueça do que pedi, Raquel! Tem que
surgir um homem lindo na minha vida... Se bem que espanto todos. Não confio
em nenhum. Sou uma louca! — Samira dramatiza como sempre.
— Não irei esquecer, Sami... — Ela olha para o Téo e eles ficam se
olhando, como se estivessem pensando em algo.
— O que houve? — pergunto.
— Nada! — respondem em uníssono.
— Sei... Bom, agora rua para todos. Amo vocês, mas tenho que trabalhar.
Mantenham os celulares por perto. — Coloco todos para fora.
— Delicada como uma porta — meu irmão fala e as meninas riem.
— Some, Téo! — grito e ele me dá um beijo na bochecha. — Espera! —
Lembro-me de uma coisa.
Eles param e me olham.
— Para facilitar meu trabalho, jogue uma foto dos dois no Instagram,
faça qualquer declaração fofa e bem explicita do noivado e casamento. A
imprensa vai amar divulgar, e não terei que ficar ligando para eles. E os levarei
para o casamento, porém apenas quem tem coisas boas a nos oferecer.
— Certo.
— Eu não tenho Instagram — Raquel comenta.
— Crie um, meu amor. E lembre-se, nem tudo ali é real. Já estou te
poupando de passar raiva — digo.
— Instagram é pecado, Raquel. Tudo de mal tem ali. Não vai querer...
— Pare de manipular a menina, seu idiota! — Samira reclama e olha para
a Raquel e completa: — Ele só não quer que você veja o tanto de mulheres que o
seguem, e comentam cada foto dele, ou enviam diversas mensagens privadas.
Seu noivo tem bastante fama ali.
Raquel olha feio para ele, que sorri, do mesmo jeitinho de quando mais
jovem e aprontava.
— Em minha defesa tem muito tempo que não mexo ali.
— Téo Lima, você entrou ontem e postou uma foto — falo, cruzando os
braços.
— O que é isso? Estão querendo acabar com um casamento? Cadê a
bondade no coração das duas? Que mundo é esse? Não se tem mais empatia pelo
próximo? — Leva a mão ao peito fazendo cena.
— Ai, Téo. Vamos. — Raquel sai arrastando ele com a Samira rindo
atrás.
Esse meu irmão não tem jeito não.
Organizo de uma forma mais fácil cada item da lista, e chamo meu
assistente Kevin, para passar tudo a ele e assim ele distribuir as atividades para
os outros membros da equipe.

Passei um bom tempo me organizando com o Kevin e agora vim resolver


um assunto em um lugar, que jamais imaginei pisar, mas para salvar um
casamento de pessoas que eu amo, faço esse sacrifício. Paro na porta, diante de
um gigante de calça jeans e camiseta preta. O homem parece uma muralha.
— Quero falar com o idiota... Quero dizer, com o dono do lugar.
Ele me olha de cima a baixo, e me avalia dando um sorrisinho. Odeio
quando fazem isso.
— Jogo dos sete erros? — pergunto e ele franze o cenho. — A forma que
está me analisando, achei que era procurando algo diferente, como no jogo dos
sete erros.
Ele fecha a cara e pouco me importo.
— Então, posso entrar?
— Seu nome?
— Hannah Lima.
Ele se vira e faz sinal para outro homem, que aparece do além. A muralha
número dois se aproxima e cochicham, então entra na boate. Eu garanto que meu
irmão não precisa dessa patifaria toda para entrar. Eu deveria ter comprado a
entrada, já estaria há muito tempo lá dentro... Se bem que não dou dinheiro para
o dono desse buraco. Encosto no meu carro. Algumas pessoas entram
sorridentes. Olho no relógio de pulso e são oito horas da noite ainda. Isso que é
querer se divertir. O segurança não para de me olhar. Deve estar achando que irei
dar um jeito de entrar, ou que sou uma das conquistas do cretino que ele deve
chamar de chefe. A muralha número dois retorna e fala algo ao outro, e então
ambos liberam a minha entrada.
— Uau. Pensei que comemoraria o Natal aqui e faltam alguns meses...
Passo por eles e entro no ambiente com música alta, pessoas dançando e
luzes que piscam. Não está muito cheio, mas sei que este lugar lota, porque o
infeliz é muito bem-sucedido graças às duas boates que tem. Mulheres usando
apenas calcinhas passam pelas mesas seduzindo aos homens. Embrulha-me o
estômago pensar que o desgraçado vinha aqui e se divertia com elas, e depois
me levava para a cama. Espanto esse pensamento e vou em direção ao bar e
chamo pelo barman.
— Por favor, o Rogério está aonde?
— No escritório. Tem autorização para subir?
— Acho que sim. Deixaram-me entrar sem pagar. — Sorrio.
Ele vai mostrando com gestos e explicando. Agradeço ao rapaz. Começo
a fazer o percurso que ele indicou. Passo por algumas pessoas, tomando cuidado
para não esbarrar brutalmente nelas. Chego à porta indicada e bato com força,
sem qualquer cerimônia. Vim aqui com um único objetivo e não vou fazer
charme. Não demora e a fechadura se mexe, destrancando a porta. O moreno
alto, de cabelos castanhos e alinhados em um corte moderno, e carregando um
olhar que tenho que admitir ser intrigante e sensual, olha para mim e sorri. Não
diz nada, apenas me dá passagem. Entro em sua sala e ele fecha a porta.
Caminha até sua cadeira onde se senta.
— Quando me informaram que Hannah Lima estava aqui, achei que
tinha escutado errado. Como é que chamou aqui mesmo? — Ele faz uma careta
como se estivesse pensando. — Buraco? Chiqueiro?
Ergo a sobrancelha e deixo minha bolsa em uma das cadeiras livres.
Aproximo-me da mesa, e coloco ambas as mãos sobre ela, inclinando meu
corpo.
— Eu vim aqui por três motivos: primeiro, você vai dizer ao meu irmão
que não vai entrar comigo naquela igreja. Segundo, vai me contar em detalhes o
que vai ter nesta despedida de solteiro. E terceiro, vocês só vão ter essa
despedida se mais duas pessoas forem, porque não confio nos dois sozinhos se
divertindo em uma noite de despedida da vida libertina. — Sento-me na cadeira
e cruzo as pernas.
— Uau... Muitas exigências. Deixa eu te dizer uma coisa, principessa.
Ninguém entra na minha boate e me diz o que tenho que fazer. — Seu tom é
sério. — Eu nem sabia que você seria meu par na igreja, mas saiba que o último
lugar que eu queria estar era na igreja e com você ao lado, mas, pelo meu amigo,
farei esse esforço. E sobre a despedida de solteiro, saiba de uma coisa: O que
acontece em Vegas, fica em Vegas.
Rio com ironia.
— Não me chame de princesa, seu italiano meia boca.
Ele sorri.
— Você vai fazer o que estou falando, e sabe por quê? Porque me deve
isso.
— Errada. Não te devo nada. Já disse, que se o seu ex-noivo te traía e
você era louca de acreditar na bondade falsificada dele, o problema é todo seu.
Sinto meu sangue ferver, mas faço de tudo para não demonstrar. Depois
do que passei, aprendi a controlar as emoções na frente das pessoas e deixar que
vejam apenas o básico.
— Como vai ser a despedida de solteiro? Não oculte nada — mudo de
assunto.
— Na minha boate em Las Vegas. Muita diversão, posso garantir. Mas
não se preocupe, não deixarei seu irmão cair em tentação.
— E não vai mesmo. Se quer ir para uma despedida de solteiro,
acontecendo de tudo, vai ter que levar essas duas pessoas... — Pego na bolsa um
pequeno papel e entrego a ele.
— Sério? Isso tudo é medo?
— Isso sou eu livrando a bunda do meu irmão de problemas graves, e
assim não ter aquele papo de jogar a culpa na bebida e na cidade do pecado.
— Sabe que seu irmão jamais trairia alguém, né?
— Pode até ser. Mas não coloco minha mão no fogo por homem nenhum.
E o que eu tiver que fazer para esse casamento acontecer da melhor forma
possível farei.
— Por que parece que isso é pessoal?
— Porque é. Não vou deixar que o brilho do amor se apague dos olhos e
dos corações deles. Eu sei como é isso, e vai por mim, não é legal.
Ele se ajeita na cadeira e fica me olhando. Se está tentando me intimidar,
está falhando grandemente.
— Acho que sei um pouco do que está falando.
— O que quer dizer?
— Não tem importância. Mas se para não ter meu pau cortado, eu tenho
que seguir os conselhos da casamenteira, tudo bem. Porém, se der merda não me
culpe.
— Não vai dar. Porque você vai garantir isso. Como padrinho, faça algo
útil. Não deixe o Téo ser como o seu amiguinho Christopher... Agora me conte
tudo o que pretende.
Ele começa a falar, mas sei que está ocultando coisas. Guardo tudo na
memória. Comigo as coisas agora funcionam assim: direitos iguais. Se eles
podem? Elas também podem.
Levanto e pego minha bolsa assim que termina de falar. Ele me
acompanha até a porta.
— Volta sempre! — ironiza.
— Não colocarei mais meus pés aqui.
— Marrentinha, não?
Não respondo e me viro para sair. Mas volto a olhar para ele. Preciso tirar
uma dúvida que tem me deixado alarmada por dias:
— Só me responde uma coisa. Aquele desgraçado está na cidade?
— Veio a trabalho para a cidade. Eu tentei falar com o Téo sobre isso, fui
à casa dele, mas não consegui. Não sabia qual seria a reação dele.
— Vi ele em um restaurante, só que ele não me viu. Mas qualquer aviso
que você dê agora é tarde. Ele já fez os estragos. Então não adianta agora tentar
avisar ao meu irmão, ou até mesmo a mim, não é mesmo?
— Até logo, principessa.
— Já falei para não me chamar assim.
— Tchau, gata. — Ele pisca e fecha a porta na minha cara. Cretino!
Respiro fundo e saio da boate que agora está mais lotada. Entro no meu
carro e encostando a cabeça no banco.
Relaxa, Hannah. Agora já sabe que o desgraçado não veio para ficar.
Está apenas a trabalho. Não vai ter que esbarrar com ele por aí. Só respira...
Eu jurei a mim mesmo, que eu faria eles pagarem pelo que me fizeram,
só não estava preparada para vê-lo depois de tudo. E por mais que ele não tenha
me visto, uma parte dentro de mim se encolheu em um canto escuro, e chorou
pela dor que estava começando a voltar, e o medo de decepcionar a todos
novamente. Sempre dizemos que em determinada situação faríamos tal coisa, e
diríamos tudo que faria a pessoa ficar acuada, mas só sabemos nossa verdadeira
reação quando realmente acontece. O importante agora é casar meu irmão.

Você é a luz, você é a noite
Você é a cor do meu sangue
Você é a cura, você é a dor
Você é a única coisa que quero tocar
Não sabia que podia ser tão importante
— Ellie Goulding “Love me like you do”

Téo Lima

Organizo tudo enquanto finalizam a maquiagem e cabelo da Raquel.


Finalmente chegou o dia. Foram dias bem agitados desde o momento em que
fomos ao sítio da dona Esmeralda. Mas consegui que tudo ficasse como eu
queria. Não vou levar muitas coisas. Apenas o necessário, pois já deixei mais
algumas coisas por lá.
Não consigo parar de admirar sua beleza durante o caminho. Tudo que
ela faz, deixa-a ainda mais linda. Raquel está amadurecendo, mas jamais deixará
de ser a minha Santinha. Os últimos dias foram intensos para ela. Hannah não
deu folga, e percebi o quanto estava ficando tensa com tudo. Em sua última
consulta, o médico pediu para ela relaxar mais, porque está se estressando muito.
Minha menina precisa relaxar, e conheço a melhor forma. Porém, antes vamos
fazer o que eu pedi e ela aceitou, mesmo estando tímida.
Descemos do carro e ela olha sem entender.
— Vai me dizer o que está escondendo? Onde estamos?
— Calma. Vai descobrir o que venho tentando ocultar de você há alguns
dias.
— Estou nervosa... ansiosa — diz e sorri.
— Relaxa.
Pego a mochila com os equipamentos que eu precisava.
— Não é nada aterrorizante, né? — questiona enquanto abro a porta
principal do local.
Não respondo. Apenas sorrio e dou passagem a ela. A luz acende
automaticamente, a única que deixei que acontecesse isso. Ela observa ao redor,
enquanto tranco a porta.
— Certo. Aqui parece tranquilo e é bonito. Eu realmente estou
preocupada, Téo. Por que mesmo aceitei fazer essas fotos?
— Porque me ama. Agora vamos.
Seguro sua mão, e passamos pela sala de espera, indo até a escadaria
branca. Acendo a luz desta parte, e começamos a subir. Ela aperta firme a minha
mão e sorrio. Ao chegarmos no segundo andar, deixo a mochila próxima ao meu
pé, e estendo a mão ao interruptor de luz, que já acostumei onde fica. Acendo
todas as luzes, tornando a segunda sala bem clara. Raquel solta a minha mão e
começa caminhar até o centro do espaço.
— Ai. Meu. Deus! — fala pausadamente e olha fixo para a parede à
direita.
— Gostou? — pergunto sorrindo.
Ela não responde. Fica boquiaberta admirando o que vê.
Nesses últimos dias contratei a melhor equipe para decorar meu estúdio.
É um local de dois andares. O primeiro ficou a recepção, e o segundo, escritório,
espaço para guardar todos os equipamentos, um lugar para fotos em estúdio
fechado, e o local em que estamos, que escolhi que emoldurassem em uma
parede todas as minhas fotos prediletas, mas em preto em branco, porém escolhi
uma única parede para colocar uma foto que ficasse inteira nela, sendo a
primeira que tirei da Raquel, quando levei ela às compras. Toda em preto em
branco, com luzes de LED no topo para iluminar os principais locais. Um sofá
vintage vermelho compõe um canto do espaço. Sempre gostei do elegante, e não
seria diferente aqui. Esse lugar será a entrada para muitos trabalhos, e precisa
estar com certo luxo para sua “propaganda”.
— Eu não sei o que dizer... Na verdade, eu sei. Você é louco!
— Não terminou de ver.
— Era isso que estava escondendo. Você conseguiu o seu estúdio! — diz
maravilhada.
— Queria fazer uma surpresa.
— E conseguiu. Téo, não acredito que fez isso... — Ela fica vermelha
olhando a foto. — Todos vão ver.
— Essa foi a intenção. Agora vem.
Arrasto-a até o meu escritório. Tudo moderno, claro, e uma parede
também com um mural de fotos, mas desta vez, apenas com fotos da família.
Ela observa tudo.
— É tudo tão claro... Bonito.
— Exige muita claridade. A luz natural é a melhor para fotografar, mas
de noite, e em um lugar fechado, a melhor escolha é uma luz boa, para uma foto
muito mais incrível.
Ela pega os dois porta-retratos na mesa e vira para mim, sorrindo. É uma
foto nossa na festa da cidade que a avó dela mora e uma dele com a Cate.
— Gostei! — diz e coloca-os no lugar. — Eu estou encantada com tudo.
Desde lá embaixo é tudo lindo. Amei a surpresa. Eu desejo todo o sucesso do
mundo para você, Téo. Você merece o melhor. — Ela se aproxima e seguro sua
cintura.
— Vou te mostrar o resto. E depois vamos fazer o que planejei.
— Estou começando a ficar preocupada.
— Por quê? Não estou no modo Senhor Pecado... Ainda — sussurro em
seu ouvido e ela fecha os olhos.
— Téo!

Após mostrar tudo a ela, deixo-a sentada no sofá vermelho da segunda


sala, enquanto vou buscar uma coisa no armário do meu escritório. Assim que
retorno entrego a caixa preta a ela, que me olha desconfiada, mas pega e coloca
sobre o colo.
— Antes de abrir, saiba que não pode reclamar.
— Téo, não está ajudando...
— Só abre.
Ela abre com calma. Assim que retira a primeira peça e ergue diante do
rosto, abre um pouco os lábios.
— Nem pensar. Não!
— Eu disse que não poderia reclamar. E eu mesmo comprei. Escolhi
especialmente para você.
— Téo, não vou usar isso para fazer as fotos! Nem pensar. — Ela pega a
outra peça, e nega com a cabeça. Coloca tudo de volta na caixa. Está vermelha.
— Não seja boba. Vai estar com as partes íntimas cobertas.
— Mas... O que pretende aprontar com essas fotos? Porque olha o que
fez com uma foto minha... — Ela indica a parede e sorrio.
— Pode acreditar que essas serão exclusivamente minhas. Ninguém terá
acesso.
— Não vou usar!

Raquel Pereira

Estou trancada no banheiro, olhando a lingerie preta rendada que ele me


comprou e me convenceu a experimentar. A calcinha se ajusta perfeitamente. O
sutiã empina meus seios. Eu imagino como foi para ele comprar isso.
— Abre a porta e deixa eu ver... — Escuto seu riso baixinho. — Parece
os velhos tempos.
— Téo, não vou sair.
— Eu já te vi até nua, amor. E fizemos um bebê.
— O problema não é esse. É você querer tirar fotos assim.
— Confie em mim. Abre, Santinha...
Respiro fundo e ajeito meu cabelo, que está solto e com algumas ondas.
Meu rosto tem uma maquiagem bem marcante. A equipe que cuidou de cada
detalhe e fez um lindo trabalho. Destranco a porta e abro. Ele me analisa por
completo e sorri.
— Você está achando ruim de tirar fotos assim? Eu que teria que achar
ruim, porque vai ser foda me concentrar.
— Eu não sou essas modelos que sabe fazer fotos lindas...
— Você é bem fotogênica, e sabe disso. Esqueça a timidez, e seja a
minha Senhorita Pecado. — Ele segura meu queixo, e deixa um beijo em meus
lábios.
— Não faça isso, Téo...
— Relaxa, sei o que está querendo... Não se esqueça de que, ao que
parece, tenho quase tudo que você sente, até o tesão triplicado.
Saímos dali e fomos para o espaço onde faríamos as fotos, o estúdio
fechado para fotografar. Nele tem um sofá de couro preto e muitas luzes
espalhadas.
— Eu queria que você fosse a primeira que eu fotografasse aqui, porque
se tudo isso está acontecendo, é graças a você. Não é apenas para ter fotos
maravilhosas sua... É para que sempre que eu entrar aqui me lembrar a todo
instante de você.
— A parede com uma imensa imagem minha, não foi suficiente? —
brinco.
— Não. — Ele acaricia meu rosto. — Agora, faça o que quiser, como
quiser, e eu apenas irei ficar atrás da câmera, registrando tudo.
— Ainda não acredito que me convenceu a isso, mas tudo bem... preciso
ser mais livre, e espontânea. Eu vou conseguir. Vamos lá.
— Relaxa, Doçura.
— Não me chame de Doçura, Téo Lima! — repreendo-o nervosa e
olhando feio para ele, que sorri.
— É essa Raquel que eu quero agora. A que não é toda calma, e
perfeitinha.
Dou as costas e vou até o sofá, onde me sento e respiro fundo. Eu quero
fazer isso, e quero que seja divertido, mas eu preciso tornar isso divertido, e tem
que ser agora. Ele ajeita a lente da câmera e testa algumas vezes.
— Pronta?
— Acho que sim. Vamos lá.

Téo Lima

Começo a tirar as primeiras fotos, e analisar. Raquel está “travada”...


muito tímida. Retiro os sapatos ficando completamente descalço. Ela olha sem
entender, mas não diz nada.
— Se solte, Raquel... Se solte.
— Ser solta. Eu consigo... Eu acho.
Sorrio.
— Não pense que está de lingerie. Eu estou tentando imaginar você de
burca, para não te agarrar — brinco e ela acaba rindo, e tiro uma foto linda dela
nesse momento.
Ela ajeita a posição no sofá, e faço mais fotos.
— Deita no sofá.
— Falou que eu poderia fazer o que eu quisesse...
— Estou te ajudando, Doçura.
Ela me olha irritada quando digo isso, e o seu semblante e postura ficam
intensos, claro que registro o momento. É isso que eu quero. Ela solta. Pelo
menos uma vez, quero ver essa santinha, ser completamente o oposto do que é.
Ela deita no sofá e me aproximo. Analisa cada movimento meu. Levo a mão a
sua perna esquerda e ajeito como eu desejo. O toque mexe com ela. Sei o quanto
está sensível, a carinha que faz é bem sensual e registro de perto a cena. Afasto-
me, voltando ao local que estava.
— Se solta mais... Mas acho que só consegue ser a santinha, não é
mesmo? — provoco novamente.
Ela anda bipolar além de sensível ao meu toque. Então usarei minhas
“armas”, para conseguir ter uma Raquel diferente neste momento. Eu amo a
minha Santinha, mas quero saber se ela tem outro lado.
— É o melhor que consigo...
— Tudo bem. — Deixo a câmera sobre a mesa.
— Desistiu? — ela pergunta.
— Não.
Acho que sei como fazê-la se soltar. Abro os botões da camisa que eu
estou, e retiro-a, jogando na poltrona no canto. Pego a câmera e volto a me
posicionar. Ela ergue uma sobrancelha e fica me olhando.
— Você está fazendo de pirraça, Téo...
— Não estou fazendo nada além de tirar as fotos. Agora me surpreenda,
amor.
Ela vira de bruços e ergue as pernas cruzando uma na outra. Me olha, e
conheço esse olhar... Faço algumas fotos dela nesta posição.
— Acho que consegue mais que isso, Doçura...
Ela se deita com a barriga para cima, deixando uma de suas pernas caídas
para fora do sofá. Leva uma mão na direção do cabelo e a outra na alça no sutiã.
Seu olhar é de desafio. Está ficando brava por eu chamá-la assim. É, parece que
a santinha tem dois lados, basta provocá-la do modo certo. Faço mais fotos. E
me concentro em não perder o controle. Ela muda as posições a cada instante, se
entregando cada vez mais. Deixo a câmera de lado. Tiro minha calça, e ela abre
levemente os lábios. Fico apenas de cueca. Pego a câmera e vou em sua direção.
— Quero mais fotos do seu rosto.
— Aham... — Seu olhar se abaixa e sorrio.
— Amor, a câmera está aqui — provoco apontando para a lente.
Seu olhar se ergue, e vejo o brilho do desejo nele. Faço a foto. Afasto-
me, mas não antes de perceber a mudança em sua respiração.
— Outra pose. — Ela apenas assente.
E desta vez sou realmente surpreendido. Ela se ajoelha no sofá, ficando
de costas. Empinando a bunda, enquanto apoia as mãos firmes à sua frente, ela
vira o rosto de lado inclinando um pouco para trás, com seu olhar fixo ao meu.
Seus cabelos caem em suas costas, e seus lábios ficam um pouco abertos. É uma
visão do caralho. Faço a foto, e meu pau começa a endurecer. O controle some.
Ela se levanta e senta em cima do encosto do sofá, abrindo bem as pernas, e
levando as mãos a cada lado seu, como se oferecesse todo seu corpo a mim. Não
perco esse registro.
Deixo a câmera de lado e fico observando a mulher à minha frente. Sua
respiração está acelerada, e seu olhar é fixo ao meu. Desce do sofá, sem perder o
contato. Meu pau começa a ficar dolorido, por estar preso enquanto duro. E o
que eu queria acontece. Raquel, não é a santinha agora. Não quando retira seu
próprio sutiã, e o deixa cair sobre o chão. Caminho até a poltrona e retiro minha
camisa que joguei aqui, e atiro-a no chão. Olho para a pessoa que está me
enlouquecendo agora e retiro minha cueca, sentando-me na larga poltrona,
deixando os braços estendidos em cada lateral. Ela não hesita, e tampouco fica
vermelha. Realmente se tornou neste instante, a minha Senhorita Pecado. Estou
conhecendo a segunda versão da minha garota.
Ela retira a sua calcinha e deixa cair sobre seus pés, onde chuta logo em
seguida. Em passos calmos, mas decididos, vem em minha direção. Parece uma
eternidade, até ela estar parada próxima a mim. Inclinando seu corpo, ela beija
meus lábios, e controlo-me para não agarrá-la. Quero ver até onde ela vai. Os
bicos de seus seios estão duros. A excitação cresce a cada instante. E sem que eu
diga nada, ela sobe em cima de mim, colocando as pernas uma de cada lado
meu. Esfrega-se em mim e molha-me com sua excitação. Eu aperto as mãos na
lateral da poltrona. Seu olhar é desejo puro e sem controle. Ergue um pouco do
corpo, e levo a mão ao meu membro rígido, mantendo-o pronto para recebê-la.
Encaixa sua entrada no meu pau e senta engolindo-me por completo. Apoio as
mãos na lateral da poltrona. Quero que ela tenha o controle total. Um gemido sai
de seus lábios, e amo ouvir esse som. Meus lábios abrem, estou tentando
controlar ao máximo, para deixá-la ter o controle por um tempo. Espalma as
mãos em mim, e começa a subir e descer. Seu corpo se inclina um pouco para
trás, e seus olhos se fecham.
— Oh... — Seus sons tornam tudo ainda mais excitante.
— Porra!
Ela começa a rebolar e inclino a cabeça para trás, é foda ter ela assim.
Volto a olhar para ela, que traz o corpo um pouco mais para frente, e começa a
cavalgar em mim, olhando-me como uma leoa pronta para qualquer coisa.
Agarro seus seios, preciso tocá-la. Aperto cada um deles e levo à boca, e ela
agarra meu ombro. De repente, ela para de se movimentar. Largos seus seios.
— O que houve? — indago preocupado.
— Quero que você tenha o controle, Téo! — Suas palavras são firmes e
sua voz deliciosamente perfeita. Porra, como é delicioso vê-la assim.
— Vá até aquele sofá, e fique de quatro para mim.
Ela se levanta do meu colo, com a minha ajuda. Caminha até o sofá e faz
o que eu peço. Levanto e vou até a sua direção, tendo uma visão deliciosa.
Afasto suas pernas e seguro sua cintura com uma mão. Encaixo-me em sua
entrada, e a penetro, gemendo com a sensação, e ela faz o mesmo. Agora que
sou eu no controle, não sou delicado, e também não sou calmo. Movimento-me
com rapidez e força. Ela se agarra com força ao sofá. A cada penetração, ela
grita em prazer. Enrolo seu cabelo em minha mão e puxo, trazendo sua cabeça
para uma inclinação. Seu rosto está vermelho. Estamos suados.
— Rebola, Raquel. — Acerto um tapa forte em sua bunda, e esfrego em
seguida.
Ela grita meu nome e passa a rebolar, enquanto invisto com força. Saio
de dentro dela, e viro-a deitando seu corpo no sofá, e deixando suas pernas
abertas, então torno a penetrá-la. Massageio seu clitóris.
— Eu...
Não deixo que termine e beijo seus lábios. Quando afasto a boca da sua,
ela me olha e morde o lábio inferior. Seus olhos lacrimejam, é o orgasmo
chegando ao limite do seu controle, e a excitação grande demais.
— Só deixe vir. — Passo a língua em seu seio e dou uma leve mordida.
Abre os lábios como se fosse dizer algo, mas apenas gemidos saem.
Lágrimas pelo prazer escorrem de seus olhos. Prendo minhas mãos na sua, e ela
aperta com força. Então, começa a ter um orgasmo. Sinto suas pernas e sua
boceta se contraírem, enquanto seu corpo parece ter ondas de choque. A cena
perfeita me faz gozar, preenchendo seu interior. Nossos corpos relaxam com a
sensação.

Raquel Pereira

Estou com a camisa do Téo, e estamos sentados no chão, enquanto


saboreamos o sorvete que ele pegou no frigobar, e claro que foi mais uma das
coisas que ele trouxe sem eu saber, assim como a manta que está embaixo de
nós. Foi incrível... Tudo tão intenso. Entreguei-me de uma maneira que nunca
fiz. Eu fui sem medo, sem vergonha... Eu fui tranquila.
Estou entre as suas pernas, virada de lado. Levo a colher à boca e ele
sorri.
— Ainda são nove horas da noite. Vou pedir alguma coisa para
comermos, ou prefere irmos para casa, e peço lá?
— Pode ser aqui. Quero curtir esse momento de calmaria com você. Sua
irmã está me deixando louca. Amanhã não tenho aula, e não irei trabalhar, vou
aproveitar para usar o que seu pai me ofereceu.
— O que ele ofereceu?
— Que se eu precisasse faltar para resolver qualquer coisa do casamento,
não precisava me preocupar, que por ele estava tudo bem. Parece que ele quer
que esse casamento aconteça logo.
Téo ri.
— Claro. Dois filhos com dois noivados fracassados. O homem
traumatizou.
— Pelo visto sim. Amanhã cedinho aviso que não irei. Não gosto de
faltar ao trabalho, e só fiquei alguns dias longe, porque a Hannah insistiu, mas
preciso ficar longe dela por um dia — confesso. — Amanhã, como eu já disse,
não terei aula, e vai ser perfeito para relaxar. Hoje fugi dela sem parar. Ela está
me enlouquecendo.
— Eu sei. Não se preocupe, ninguém vai saber que estamos aqui.
Ele tira a colher da minha mão e coloca no pote de sorvete. Deita meu
corpo no chão e se inclina sobre mim.
— Você precisa pegar leve. Está se envolvendo em muita coisa. Pede
ajuda da sua mãe, ou da minha. Tem suas tias também. Eu queria te ajudar mais,
porém não é tudo que posso, Hannah diz que só presto para atormentar.
— Ontem ela veio me mostrar duas cores, eu juro que eram iguais, e ela
dizendo que eram diferentes. Estou pirando. Talvez eu peça ajuda de todas as
mulheres a minha volta.
— Isso aí... E agora me diz, falou com o Benjamin?
— Sim. Ele aceitou ser meu padrinho.
— Se eu ficar xingando ele mentalmente dentro da igreja será pecado?
— Sim — respondo e sorrio. — E meu tio disse que é para irmos nos
confessar um dia antes do casamento.
— Depois da despedida de solteiro, ele quer confissão? Seu tio realmente
quer morrer.
— Téo! — Bato de leve em seu braço.
Ele beija meus lábios com carinho.
— Viu o seu vestido?
— Estou vendo ainda, mas nada me agradou até agora, o que está
deixando a Hannah mais doida ainda.
— Quer saber? Esquece tudo desse casamento agora. Vamos focar em
nós dois... Quero dizer, em nós três.
Ele ergue a camisa e beija minha barriga. Fico emocionada e sorrio.
— Já que quer focar em nós, poderia pedir comida. Eu estou morrendo
de fome.
— Vou pedir, porque eu também estou. Acho que estou comendo mais
que você. Vou entrar rolando na igreja.
— Seria engraçado — brinco.
Meu celular começa a tocar e é a Samira. O Téo retira da minha mão e
desliga.
— Ela ficou de confirmar se iria comigo amanhã ver novos vestidos no
ateliê que sempre estou indo, o estilista iria trazer três modelos nunca usados,
que estavam em seu outro ateliê.
— Quer saber, que tal fugirmos amanhã?
— Como assim, seu louco?
— Esquecer todas as preocupações e viajar. Amanhã é sexta-feira.
Voltamos no domingo.
— Vão nos matar.
— Não vão. Querem um casamento, vão precisar dos noivos. Semana
que vem é a minha exposição e também preciso ficar mais tranquilo.
— Mas é o final de semana que você tem que ficar com a Catarina.
— Relaxa. Eu amo muito a minha filha. Mas nós dois precisamos relaxar
de verdade. Sem esse bando de loucas atrás da gente fazendo perguntas e
exigindo respostas. Faltam poucos dias para o casamento, e não quero a minha
futura esposa no hospital. Seremos apenas nós, está decidido.
— Eu aceito. E tive uma ideia.
— Qual?
— Vou mandar minhas tias, e a minha avó virem para cá, e elas que se
entendam com a Hannah. E também irei avisar minha mãe, porque ela pode ser
durona, mas se tem uma pessoa que consegue fazer todos seguirem uma coisa, é
ela.
— Concordo. Agora vou pedir comida.
— Antes, para onde vamos viajar?
— Vamos para o litoral. E só vão descobrir quando retornarmos.
— Gostei disso! — exclamo e ele sorri. — Fuga dos noivos. — Bato
palmas animada.
Ele ri.

O céu e o mar
A lua e a estrela
O branco e o preto
Tudo se completa de algum jeito
— Ivete Sangalo “Completo”

Téo Lima

Minha exposição foi um tremendo sucesso. Aconteceu alguns dias atrás e


teve muitos famosos e imprensa, além da minha família em peso. A mídia
adorou fazer manchete sobre “o novo casal”, e a postagem no Instagram ajudou
bastante para as notícias se espalharem. Estou muito feliz por tudo que vem
acontecendo. Já agendamos as próximas exposições, e viajo hoje à noite para
mais uma, e fico mais tranquilo sabendo que tem muita gente cuidando da
Raquel, enquanto eu estiver fora. Já fiz seleção para arrumar alguns funcionários
para me ajudar, e o Saulo vai ajudar nas indicações. Está tudo correndo bem...
Bom, quase!
Meu humor junto com o da Raquel, não está fácil e estou tendo que ter o
triplo de paciência para lidar com toda a situação. Tem hora que é difícil, e acaba
surgindo discussões, e em sua maioria por motivos bobos. Ela está possessiva e
ciumenta, como nunca foi, e muito bipolar, e junto com meu humor, que está
louco... está sendo foda. Já me despedi dela, e agora estou no aeroporto
esperando a hora do meu embarque rumo a Fortaleza, para a próxima exposição
que acontecerá daqui a dois dias, mas terei um pré-evento amanhã. Avisei a
todos que estão com a Raquel, que qualquer coisa me ligasse. Minha irmã disse
que se tiver que me ligar, vai ser para me xingar muito, porque ainda não aceitou
que fugi com a Raquel por uns dias, e atrasou coisas do casamento. Enfim, pelo
visto estou sendo alvo de ataques de muitas mulheres, inclusive da minha
própria mulher.
Rogério organizou tudo, e parece que teremos companhia nesta
despedida de solteiro. Falta pouco tempo para o casamento, e estou bem
preocupado com o que ele aprontou, só sei que meu passaporte e visto americano
tem que estar em dia, segundo ele. O que me lembra, que Hannah comentou
sobre ter fechado exclusividade com uma casa noturna... Vou infartar antes do
casamento, tenho certeza disso!
Meu celular toca e é a Raquel.
— Oi, Santinha.
— Téo, pode falar rapidinho?
— Sim. O que houve?
— Você viu onde coloquei aquela listinha que a Hannah me passou?
Tinha coisas que eu tinha que ver, não sei... Estou perdida. Ela vai ter um treco.
— Acho que você deixou no estúdio quando fomos com o pessoal para
lá. Ainda perguntei se você tinha tirado de cima da mesa.
— Não acredito! Você lembra o que tinha lá? Eram coisas de flores, e
cor não sei do que...
— Não tenho ideia. Relaxa, ou vai pirar.
— Sua irmã está me pirando.
— Tem uma chave reserva do estúdio lá em casa. Deixei na gaveta do
criado-mudo.
— Não dá tempo de ir. Ela já está chegando aqui no hotel, e daqui vamos
resolver algumas coisas, antes da minha aula. Vou ver o vestido e, segundo ela,
é minha última chance de encontrar algo. Nem o que o estilista trouxe exclusivo
gostei... Sou insuportável.
Sorrio.
— Não é. Sabe que está assim pelo estresse. Pense que ficará linda em
qualquer vestido.
— É, vou tentar... Minha mãe vai junto. Seja o que Deus quiser.
— Boa sorte... Fiquei com pena de você agora.
— Que horror, Téo! — Ela ri. — Vou desligar. Obrigada. Beijos, se cuida.
— Pode deixar. Te amo.
— Também amo você.
Desliga e coloco o celular no bolso.

Raquel Pereira

Pego minha bolsa e já vou saindo do hotel, para ir ao encontro de


Hannah, que mandou mensagem dizendo que não iria entrar. Passo pela porta e
cumprimento o Robson, que retribui com um belo sorriso. Vejo o carro da
Hannah — tenho estado muito neste carro, sendo torturada por suas exigências
—, me aproximo e entro.
— Oi, cunhadinha. Pronta? — ela questiona enquanto fecho a porta do
carro e coloco o cinto.
— Prontíssima...
— Mentirosa. — Ela ri. — Vamos buscar sua mãe.
— Ok... Samira e sua mãe não iriam junto?
— Sim, mas dei outra função a elas.
— E minhas tias e avó?
Elas estão na cidade ajudando na loucura toda. Tadinhas, Hannah
enlouquece todas.
— Outra função também. Não tem ninguém sem fazer nada. Todas estão
trabalhando para esse casamento acontecer.
Ela dá partida e saímos dali.

Entramos no ateliê, e já respiro fundo.


— Olá, mon amour! Estou sentindo que hoje é o dia. — Victorine
aparece sorrindo e fazendo gestos com as mãos.
O francês baixinho tem sido tão paciente comigo, que nem eu
conseguiria ser. Ele abraça cada uma de nós, e fica segurando minhas mãos em
seguida. Minha mãe se senta junto com a Hannah no sofá pink.
— Parece que é a minha última tentativa de escolher qualquer coisa —
digo e ele sorri.
— Não se preocupe. Fiquei dias e noites em claro. Mesmo antes da
última vez que nos vimos. E juntei os detalhes que gostou em cada vestido, e
retirei tudo o que não a agradou. Chère demoiselle, eu acho que criei o que
queria, e ainda pode ajustar, caso suas medidas mudem... Ah, mon amour, está
lindo. — Seus olhos brilham.
— E é muito decotado ou coisa assim? — minha mãe questiona e
Hannah revira os olhos.
— Non, non... Não faria o estilo da minha princesinha. Vamos
experimentar?
— Sim! — respondo animada.
— Ótimo. Mas vai expertimentá-lo às cegas, e só depois poderá ver no
espelho.
— Tudo bem.
Deixo minha bolsa com a Hannah e acompanho o Victorine.

Retiro minha roupa, ficando apenas de lingerie. Fico sozinha, olhando


através do espelho imenso a minha frente. Levo a mão à barriga. Só se sabe da
minha gravidez quem realmente falar, por enquanto só se nota um leve inchaço,
mas nada exorbitante. Acaricio minha barriga, e sorrio. Meu presentinho. Mesmo
diante da confusão que essa gravidez vem trazendo — até na minha relação com
o Téo — trouxe algo muito bom também, porque minha mãe está ficando mais
próxima, sempre perguntando como estou, tentando cuidar de mim de verdade, e
dando dicas para enjoos, que realmente funcionam as vezes. Ela também
descobriu sobre o Téo estar sentindo tudo, e disse que meu pai também teve, mas
escondia de todo mundo por vergonha. Porém, mesmo ainda não se dando tão
bem com o Téo, tem dado uma forcinha quando ele realmente fica mal. Aos
pouquinhos tudo está se encaixando no lugar certo. Até as minhas idas à igreja
tem sido mais para agradecer do que para pedir. Sinto ainda por não poder contar
as minhas tias e aos pais do Téo sobre a gravidez, mas já tem gente demais
sabendo, e a mídia anda noticiando muitas coisas sobre nós dois, e não quero que
esse momento seja espalhado assim. Na faculdade tive que avisar na
coordenação, por conselho médico, levei documentos e também uma declaração
médica, onde deixa claro que qualquer coisa que aconteça, para qual hospital
devem me levar e para qual médico ligar, e deixando claro que seja em provas,
palestras ou o que for, eu tenho que sair em casos de emergências sendo: enjoos,
necessidade de ir ao banheiro, tonturas e outras coisas. Afinal, parece que o que
para alguns é bobagem, para os médicos são sinais importantes em uma
gravidez, pois dizem muito sobre as condições do bebê.
Sobressalto com a volta do Victorine, que traz duas mulheres e carrega o
vestido dentro do saco em seus braços. Estou ansiosa para ver. Sou virada de
costas para o espelho, e começam a me ajudar com o vestido. Victorine me faz
ficar de olhos fechados. Sorrio com os comentários que ele faz junto das
meninas.

— Eu vou cair!
— Não vai. Estou segurando você.
— Sei.
— Confie!
Caminhamos, e fico de olhos fechados. Ele não confia que eu abra, pois
diz que irei olhar os detalhes, e iria mesmo.
— Estamos chegando... mais alguns passos...
— Ai. Meu. Deus! — Escuto a Hannah gritar.
— Me diz que isso é algo bom — falo nervosa.
— Filha... — minha mãe diz.
— Suba com cuidado aqui... — Ele me ajuda a subir. — Abra os olhos,
mas olhe somente para elas. Nada de trapacear.
— Ok. — Respiro fundo e ele continua segurando a minha mão. Abro os
olhos e Hannah está com as mãos na boca, e minha mãe com os olhos repletos
de lágrimas.
— Gente, essa reação é um bom sinal? — questiono angustiada.
— Descubra por si só... — Ele me faz girar lentamente e ficar de frente
para o espelho. Solta a minha mão com cuidado e sorri.
Olho para a imagem refletida no espelho e entendo a reação delas. Meu
coração dispara e minhas mãos tremem. Minhas tias disseram que, quando eu
encontrasse o vestido ideal, eu teria todos os sinais para saber. Acho que eu estar
quase tendo um treco é um sinal. Deus, que lindo! Meus olhos se enchem de
lágrimas e sorrio.
— Os detalhes... A delicadeza... — Levo as mãos à boca.
— E não acabou. — ele diz e uma das meninas se aproxima com uma
caixa. Ele abre. — Faltou o véu.
A menina se aproxima e encaixa em meu cabelo solto.
— É assim mesmo. Para combinar, seu cabelo terá de estar solto. Esse
vestido e esse véu pedem isso.
Hannah e minha mãe se aproximam, e cada uma estende uma mão, na
qual seguro.
— Está perfeita, mas é você que precisa decidir — Hannah fala.
— Parece uma princesinha... E pensar que eu poderia ter perdido tudo
isso... Mas não irei focar nisso. Só quero que seja feliz, como não foi antes e que
Deus abençoe muito essa união — minha mãe diz e sorrio emocionada.
— Ai... Será que ele vai me achar linda? — questiono.
— Seria um idiota se não achasse... Eu nem deveria estar sendo legal
com palavras de apoio, porque vocês foram dois traíras! — Hannah fala e sorrio.
— Mon amour, está uma princesa, não tem como te acharem feia. E
vamos ser sinceros, casamento é mais da noiva do que do noivo, ou seja, ele tem
apenas que dizer “sim” e tudo certo.
— Victorine! — digo e ele ri.
Olho mais uma vez para a minha imagem no espelho e sinto uma imensa
alegria.
— É esse!
Hannah grita e me assusto.
— Desculpa. Mas estava sendo difícil agradá-la — ela diz e sorrio.
— Agora finalizamos — digo.
— No seu sonho. Pois a realidade é dura, e tem muita coisa ainda.
— E a destruidora de alegrias voltou — reclamo.
— Preferia você antes da gravidez. — Hannah revira os olhos e sorrimos.
— Estou brincando, Quel. Falta pouco, mas prometo que agora só precisa se
preocupar em ficar plena.
— Isso sim é um milagre! — rebato.
— Ótimo. Precisa começar a ir com mais calma. Anda muito agitada! —
minha mãe me repreende.
— Eu vou... Podemos ir agora? Quero comer alguma coisa e tomar um
banho, porque ainda tenho aula.
— Só vou marcar umas coisas que precisam de ajustes no vestido, e
então já podemos tirá-lo... Estou tão contente! — Victorine bate palmas
animado.
Fico olhando para o espelho e sorrindo como uma boba. Meu celular toca
e peço para Hannah pegar na bolsa. Ela me entrega e é uma mensagem do Téo.

Estou prestes a embarcar. O voo atrasou... Mas não é disso que eu quero
falar. Saiba que mesmo sem estar aí fisicamente, eu estou em pensamentos. Seja
em qualquer vestido, eu vou te achar perfeita, porque você é perfeita para mim
do jeitinho que é. Então se quiser ir com um saco de batatas pode ir, porque irei
dizer que está PERFEITA. Só não vale ir nua, que não irei responder pelos meus
atos. Porra, agora vou ficar imaginando e excitado... Foda!
Te amo.

Sorrio com a mensagem e me emociono ainda, mas me lembro de uma


coisa.
— Hannah, eu não fiz nada do que deixou na listinha. Acho que esqueci-
a no estúdio, naquele dia que foram conhecer. E nem lembro tudo que tinha nela.
— NÃO ACREDITO! Era para ter ligado... Esquece. Eu preciso respirar.
Só manter a calma. Isso... Tudo bem, eu resolvo.
— Obrigada. — Sorrio e ela me olha feio.
— Eu vou dar uma força a mais, Hannah. Mas não peça para eu
concordar com tudo — minha mãe diz. — Fico livre sempre à tarde, pela manhã
tenho compromisso.
— Sem problemas. Aceito todo tipo de ajuda. Só minha equipe e eu não
estamos dando conta sozinhos. Estamos com outros eventos, e o prazo para
organizar esse casamento foi curto, para o tamanho que o Téo quer ele,
precisávamos de mais tempo. Foi exigido luxo, e minha vontade é de dar um
soco na cara do meu irmão.
— Que horror, menina — minha mãe fala e rio.
Victorine começa a mexer no vestido em mim, e anotando umas coisas.
— Sou sincera, dona Elisângela.
Essas duas vão me endoidar.

Não precisa mudar
Vou me adaptar ao seu jeito
Seus costumes, seus defeitos
Seus ciúmes, suas caras
Pra que mudá-las?
— Ivete Sangalo “Não precisa mudar”

Téo Lima

Alguns dias depois...


Estou esperando a Raquel sair da faculdade. Os últimos dias têm sido


uma correria devido às viagens para a exposição, então sempre que estou em
casa, resolvo coisas do casamento, fico com a Catarina e a Raquel, e tento
conseguir dar atenção à família. Tem sido complicado, mas tento manter o
controle e a calma. Fora as exposições, estou recebendo convites de eventos que
não posso deixar de ir, e já tenho pessoas querendo meus serviços como
fotógrafo, mas por enquanto Saulo achou melhor dar uma segurada, até terminar
a exposição e passar o casamento, pois é muita coisa para conciliar. Porém, o
foda mesmo tem sido as discussões. O estresse em união dos hormônios da
Raquel e a tal maldita síndrome de couvade que surgiu em mim, não está sendo
nada fácil. Raquel anda o oposto do que era a maior parte do tempo, e seus
ciúmes e estresses se misturam com os meus e viram uma tremenda bola de
neve. Esses dias mesmo, Benjamin veio à cidade, para o ensaio de casamento, e
só porque a Samira, que vai ser par dele, não pôde ir, a Hannah surtou, e a
Raquel surtou com ela e ainda veio descontar em mim, e no meio da confusão,
Benjamin acabou se intrometendo, eu fiquei puto porque ela ficou do lado dele,
e acabou em uma grande discussão com o padre João dando penitência a todos
por não respeitarmos o local em que estávamos, que no caso era a igreja. Meus
joelhos doem de tanto rezar... mas, enfim, sigo contando de um a mil, porque até
o dez não está resolvendo mais.
Observo os alunos saindo, e logo vejo ela conversando com uma outra
garota, elas se despedem e Raquel olha na minha direção. Eu já havia dito que
estava aqui. Ela desvia de alguns alunos e caminha em minha direção. Assim
que se aproxima seguro seu rosto com ambas as mãos e deixo um beijo em seus
lábios.
— Vamos. — Ela sorri.
Entramos no carro e sigo para casa.
Assim que chegamos, ela vai tomar banho e eu estou na cozinha
acabando com um bolo de chocolate. Eu preciso visitar mais a academia ou as
coisas vão ficar bem sérias. Dou mais uma colherada no bolo e levo à boca.
Termino de comer e saio da cozinha, e vou até meu quarto especial, onde preciso
separar todas as fotos que vão para o estúdio, e as que vão ficar. E preciso
decidir onde irei colocar as fotos da Raquel que emoldurei. Começo a separar as
dos quadros pequenos, e colocando em um canto mais vazio as que irei levar.
Raquel me chama e respondo dizendo onde estou. Não demora e escuto ela
entrar. Estou agachado decidindo entre duas fotos, a que levo e a que deixo. Não
quero levar muitas.
— Sério isso? — Seu tom não me deixa nem um pouco animado.
Deixo as fotos de lado e me levanto. Viro para ela, que está com o celular
estendido na minha direção.
— O que foi desta vez? — Pego o celular.
Ela cruza os braços. Já está de pijama e com um coque alto no cabelo.
Olho o que ela tem para mostrar e é uma matéria sobre o evento que fui ontem.
A chamada é: “Téo Lima acompanhado de várias fotógrafas e nada de sua
noiva”. Estou com algumas fotógrafas no painel do tapete vermelho, e algumas
com o Saulo em uma mesa, conversando. Devolvo o celular a ela.
— Não tem nada de errado. Eu te chamei para ir ontem, e você não quis.
Eu não pude ficar. Sabe que tenho que estar nesses eventos — falo bem calmo.
— O problema não é você ir.
— E qual é então?
— Que toda vez surgem matérias com insinuações ridículas, e agora que
sabem que vai casar, está piorando. Toda vez é isso, e você sempre com várias
mulheres. Não tem homens nesses lugares? — Está nervosa.
— Amor, eu simplesmente não posso deixar de manter contato com as
profissionais que também vão aos eventos e se aproximam para me conhecer,
porque vai ter fofoqueiros prontos para lançar notícias falsas. Não fui
desrespeitoso com você em nenhum momento. Saulo esteve comigo o tempo
todo. E mesmo que ele não estivesse, eu não faria merda alguma.
— Isso está me cansando.
Ela se vira e sai nervosa.
— Raquel!
Respiro fundo e vou atrás dela. Encontro-a indo em direção a cozinha.
Chamo, e ela retorna até a sala.
— O que quer?
— Não é assim. Sabe que não pode ficar se estressando, e toda vez que
vou a eventos é a mesma coisa.
— Você quer o quê? Enquanto se exibe nos lugares, é o meu nome que
usam para ficar debochando pela internet.
— E eu tenho culpa? Nos três últimos que teve aqui na cidade
recentemente, eu te chamei, e você disse que não podia faltar à faculdade, ou que
tinha coisas a serem resolvidas com sua mãe ou a Hannah. Quer evitar fofocas?
Comece a me acompanhar com mais frequência.
— Pera aí, está querendo virar o jogo? Não sou eu que tenho a fama de
ter dormido com metade da cidade, dando motivos suficientes para eles criarem
fofocas sempre. — Ela joga o celular no sofá. — E eu te disse a verdade sobre
não poder acompanhá-lo. Enquanto você apenas viaja e se diverte com um
bando de mulheres nos eventos, eu fico aqui trabalhando, indo para a faculdade e
ainda aguentando sua irmã que prometeu que estava tudo tranquilo depois da
escolha do vestido, mas pelo visto mentiu. Enquanto você viaja, vai para
eventos, sou eu que estou aturando esse bando de gente fazendo perguntas sem
parar e surtando. Então quando digo que estou cansada e preciso me dedicar à
faculdade também não é desculpa. Tenho muitas coisas que estou tendo que lidar
sozinha, Téo. Mas não suporto mais ter que lidar com o que saem dizendo de nós
por aí também. — Seu tom de voz é alto e trêmulo.
— Acha que está sendo tranquilo para mim? Porra, estou sem dormir
direito. Quando volto para casa, tenho que me dividir em mil para cuidar da
minha parte neste casamento, e ainda cuidar da minha filha e dar atenção a
todos. E o resultado no final do dia são os seus surtos, deixando tudo mais
estressante. Estou tentando ser calmo, mas está sendo difícil. Tenho que contar
até mil para lembrar que está assim pela gravidez, mas às vezes é difícil...
— Meus surtos estragam seu dia? Ótimo. Não precisa voltar das suas
viagens. Venha só para o dia do casamento, se é que vai ter algum.
— Não foi isso que eu quis dizer. E está querendo insinuar o quê? Quer
desistir agora?
— Eu estou sendo realista. Se os meus surtos agora te incomodam, para
que se prender? — Começa a chorar.
Fechos olhos, respiro fundo e me viro para sair dali. Melhor coisa agora.
— Agora foge? Ótimo! — Ela soluça pelo choro.
Perco qualquer paciência que me resta. Viro para ela novamente.
— Porra! — grito. — Quer o quê? Não tem como dialogar mais. Toda
vez termina assim. Estou cansado de tentar ser paciente. Tudo tem limite, cacete!
— Sério? Para mim tudo tem limite. Mas, para sair se exibindo por aí e
sabendo tudo o que vão dizer, isso não precisa de limite. Quanta hipocrisia, Téo
Lima!
— Chega. Eu cansei. Melhor pararmos essa discussão por aqui.
— Também acho. Aproveita e arrume um lugar para dormir, bem longe
de mim — diz chorando sem parar.
Não posso ficar aqui agora. Preciso respirar longe desta casa. Pego as
chaves de casa e do carro em cima da mesa de centro. Ela me olha enxugando
inutilmente os olhos, que não param de cair lágrimas.
— Vai realmente sair então?
Não respondo, pois sua bipolaridade está me enlouquecendo ainda mais.
Caminho até a porta e abro.
— Se você sair, não espere me encontrar quando voltar.
Olho para ela e não digo nada. Saio de casa e fecho a porta, mas escuto
ela gritar que me odeia.

Afasto o copo de uísque.


— Rejeitando álcool? A coisa é séria mesmo — Rogério diz.
Vim para a Mister Sin. Precisava de um lugar para me acalmar. Acabei
desabafando com o Rogério, e estamos em seu escritório.
— O cheiro está me causando enjoo. E estou de carro.
— Ué, ficou “grávido” também? — provoca.
— Vai se foder, Rogério. Só não quero beber agora. Nada desce.
Fico largado na cadeira, olhando para o nada. Hoje foi difícil. Está tudo
muito cansativo e estressante. Não estou aguentando mais.
— Olha sou a pior pessoa para aconselhar alguém...
— Não preciso de conselho.
— Mas não te perguntei isso. E irei dizer uma coisa. Eu já vi
relacionamento se desgastar e tudo começando por brigas bobas, até que chegou
em um limite grave... O que estão passando é uma crise, afinal estavam
“amorzinho” demais um com o outro. Mas se não tentarem manter a calma em
momentos assim, isso não vai acabar bem. Estão com muita coisa para lidar,
principalmente ela. Lembre-se de que é tudo novo para a sua noiva.
Olho para ele, que bebe um gole de sua bebida.
— Está sendo foda.
— Nunca convivi com ninguém grávida, mas já ouvi muitos relatos. Pelo
que contou, Raquel está um anjo perto de algumas.
— Se ela estiver sendo um anjo, melhor eu começar a rever minhas
crenças.
Ele ri.
— Cara, nunca pensei que diria isso, mas volte para casa. Vá ver sua
mulher, e respira fundo. Quando ela surtar, pense nela nua, deve ajudar.
— Você é um idiota!
— Cazzo, eu disse que era péssimo conselheiro.
Mexo na aliança em meu dedo.
— Ela disse que se eu saísse, não era para esperar tê-la em casa, quando
eu retornasse.
— Ela disse no calor do momento. Só estava nervosa. Eu digo para todas
que vou ligar, e nunca ligo. É só no calor do momento.
— Você é realmente um péssimo conselheiro.
— Não foi por falta de aviso. Enfim, volte para casa. Mas tire esse
estresse. Soque alguma coisa. Posso pegar almofadas para que faça isso.
— Posso socar sua cara? — Volto a olhar para ele.
— Não, imbecil. — Me olha feio. — Por isso não quero relacionamento
sério. É problema demais. Já basta os problemas nas boates para resolver.
— Neste momento sinto inveja de você.
Sorrimos.
— Chega. Levanta essa bunda daí, e vai ter um bom sexo de
reconciliação. Dizem que são os melhores.
— Eu ainda não sei por que estou aqui falando com você.
— Porque sou seu melhor amigo, e porque sou foda.
— Nunca mais irei repetir isso que vou falar agora. Mas você está certo.
Vou resolver essa situação. Eu só precisava respirar fora dali.
— Acho bom. Não estou gastando pra caralho nessa despedida de
solteiro, para não ter casamento porque os pombinhos estão com problemas no
paraíso. Não me ferra assim, cara!
Levanto da cadeira.
— Então o motivo real é que não quer ter prejuízo?
— Claro.
— Com um amigo assim, para que inimigo?
— Sou um amigo sincero. Some, que também está atrasando uma transa.
— Ué, transando no escritório?
— Não. Ela está me esperando em outro lugar. E porra, isso não é da sua
conta. Não é porque você é um picolé derretido que sai desabafando, que eu vou
ficar fazendo o mesmo e te revelando tudo que faço.
— Está fodido. Isso vai ter volta.
— Não vai. Some, ou a Raquel vai ter um noivo com a cara roxa, porque
meu prazo de aguentar você acabou.
Paro na porta e viro para ele.
— Obrigado. Precisava desabafar.
— Vou começar a cobrar. Talvez eu seria um bom psicólogo.
— Não força, cara.
Ele ri Enquanto eu saio.

Chego em casa e são quase três da manhã. Nem percebi que fiquei
bastante tempo na boate. A luz da sala está apagada, mas a do corredor ilumina o
suficiente para eu andar sem tropeçar em nada. Tranco a porta e jogo a chave do
carro no sofá e retiro minha carteira do bolso, dando o mesmo destino. Vou até o
quarto e abro a porta, preocupado dela ter feito o que disse. Acendo a luz e
respiro aliviado.
— Téo! — Salta da cama e corre na minha direção. Seguro seu corpo. —
Desculpa... Eu fui horrível. Falei tudo sem pensar. Não sei o que está
acontecendo comigo... — Sua voz é trêmula. — Meu Deus, eu estou sendo
insuportável. Não estou me aguentando. Me perdoa.
Caminho com ela até a cama e nos sentamos. Acaricio sua mão e respiro
fundo.
— Tudo bem... Eu errei também. Nós dois erramos. Eu preciso me
lembrar que isso faz parte de um relacionamento, e temos que lidar tendo muita
paciência.
— Eu odeio brigar com você. Me perdoa. Eu juro que tento controlar,
mas não consigo.
— Está tudo bem. Só precisamos respirar fundo sempre que o estresse
vir. Eu odeio ser grosso com você.
— Vamos esquecer. Foi horrível demais. — Seus olhos enchem de
lágrimas.
— Não chore, por favor. — Ela pisca rapidamente. — Vou tomar um
banho e vamos deitar e esquecer toda essa merda.
Ela concorda.
Me inclino e beijo sua barriga.
— Por nosso filho, temos que nos manter calmos, isso é mais prejudicial
a ele.
— Tem razão. E ainda acredita que é menino?
— Deixe eu sonhar.
Ela sorri e isso é um grande presente depois do que aconteceu. Levanto e
começo a tirar a roupa para tomar banho. Assim que termino vou para o
banheiro. Deixo a água quente tirar toda a tensão dos meus músculos.
Relacionamento é literalmente um desafio todo dia. Eu só preciso
lembrar que é uma fase ruim agora, e depois vai melhorar. Ela só está assim pela
gravidez, porque a minha Santinha é a pessoa mais tranquila que conheço e
procura sempre o melhor em tudo. Talvez pensar nela nua, toda vez que uma
discussão se aproxima é realmente uma boa forma de relaxar e evitar a briga...
Rogério é péssimo conselheiro mesmo. Não posso mais perder o controle. Não
com ela. Fecho os olhos e coloco a cabeça debaixo da água. Fico mais relaxado.
Mãos espalmam meu peito. E olho assustado.
— Precisava de mais um banho.
Observo seu corpo nu e sorrio.
— Sabe qual a melhor parte de toda essa loucura que você está nesta
fase?
— Qual?
— Estar sempre querendo sexo.
— Eu vim apenas para tomar outro banho.
— Eu duvido disso, minha Senhorita Pecado. Nessas horas, eu adoro ver
que a santinha se aposentou.
Agarro seu corpo e beijo-a com força.
— Eu te amo. Me perdoa também por hoje — digo com a mais pura
sinceridade. Ela assente e sorri.
— Eu amo você, mesmo quando digo que te odeio.
— Eu sei. — Torno a beijá-la pressionando seu corpo ao meu.

Palmas pro amor
Adivinha quem ele juntou
A santinha e o pegador
Agora ele acertou
— Henrique e Juliano “Palmas pro amor”

Raquel Pereira
Estou no trabalho.
Depois da briga de ontem, a forma como nos desculpamos foi tão
maravilhosa, que me sinto mal neste momento por querer outra “reconciliação”
como aquela no chuveiro. Que Deus me perdoe, mas ando com atitudes e
pensamentos rodeados de luxúria. Eu não era assim, e não sei se é bom estar
desta forma. Parece que quanto mais errado, mais tem me agradado... Perdão,
Deus. Enfim, ontem foi difícil em relação a briga. Pode parecer bobagem, mas
naquele momento não consegui controlar a raiva que me rodeou e acabou por me
dominar. Eu queria ter conseguido manter a calma. Por dentro, eu pedia forças a
Deus e contava de um a dez, mas não adiantava. Quando vi, falei tudo sem
pensar, e sei que isso afetou a ele da mesma forma, fazendo com que dissesse
coisas que não queria. É uma bipolaridade que você não consegue controlar,
porque em alguns momentos está sorrindo, em outros chorando e do nada
surtando, como se pudesse explodir a qualquer instante. Não é fácil. O médico
disse que eu poderia ficar assim, mas não estava preparada para agir como uma
doida que eu não sou.
— Raquel, o senhor Augusto está? — Olho para a Pietra, que me encara
como se pudesse enforcar-me.
— Não. Saiu para um compromisso junto do Natanael.
— Hum. — Ela se vira para sair, mas retorna e cruza os braços me
olhando.
Continuo com meu trabalho, voltando a olhar para a tela do computador.
— Vão casar mesmo. Eu vi que a Mayara recebeu o convite. Conseguiu
o que todas aqui queriam. Meus parabéns. — A ironia em sua voz é evidente.
Ergo o olhar e ela sorri.
— Pietra, por favor, se veio para me provocar, melhor parar. Eu não
quero confusões e meu dia está sendo tranquilo, não...
— Não se preocupe. Aqui ninguém vai te fazer nada. Afinal, sabemos
que tem um cão de guarda com um exército a seu favor. Só tome cuidado, ele
nunca vai ser fiel. Téo Lima não carrega a fama de Senhor Pecado à toa. Você é
novidade para o mundo dele. Uma hora ele vai se cansar, e você será uma de
nós. Fará parte da lista infinita dele de transas. Esse anel no seu dedo — ela
aponta —, não quer dizer nada. Uma hora o conto de fadas acaba, e vai se
arrepender de ter ficado contra a gente, porque aí sim iremos tornar sua vida um
inferno, como fez com a nossa.
Olho incrédula para ela. Como pode dizer coisas assim? Como pode
dizer tantas maldades para alguém? Que horror.
— Pietra, para você eu desejo muita luz. Um amor que te tire o ar, e
possa sentir que está voando. Também desejo chuvas de bênçãos. Que não lhe
falte sorrisos, saúde e motivos para se orgulhar. Que seja muito feliz. Eu desejo
tudo de melhor para a sua vida, e de todas deste hotel. E tudo isso que você me
falou? Eu já esqueci. Porque aprendi que guardar coisas ruins não faz bem. E
saiba que estou muito feliz com o Téo, e que não penso em um futuro sem ele,
porque curto o agora, mas se esse futuro existir, amém, que seja feita a vontade
de Deus. Agora, por favor, eu preciso trabalhar. — Sorrio com sinceridade para
ela, que não consigo identificar qual a sua expressão.
Sem dizer mais nada, ela se retira. Melhor assim. Respiro fundo e volto
ao que estava fazendo.
Hoje não terei aula na faculdade. Será on-line para responder um
questionário. Então chegarei mais cedo em casa, e poderei me deliciar com o
pote de sorvete e leite condensado, e é tão bom... Eu já gostava de comer, mas
tenho amado agora. Esse serzinho dentro de mim vai ser gordinho, pelo visto. —
Acaricio minha barriga ao pensar nisso e sorrio.
Minhas tias e avó foram embora hoje, e retornarão no dia das despedidas
de solteiros. Precisam cuidar das coisas delas. Avisaram-me hoje, na hora que
estava a caminho do hotel. Elas têm feito muito para ajudar no casamento.
Hannah está endoidando a todos e isso é medonho, mas no fundo eu sei que ela
só quer que tudo seja perfeito.
Finalizo os ajustes da planilha que o Augusto me passou, e envio ao e-
mail do Natanael, como foi solicitado. Desligo a tela do computador e pego meu
celular. É horário do almoço. Vou para a cozinha e vejo as meninas.
Cumprimento a Mayara, e vou me servir. Termino de colocar tudo o que quero e
me sento em uma mesa afastada. Fico mexendo no celular enquanto eu como. O
Téo iria fazer os ajustes finais no terno que ele escolheu, e iria para o estúdio
entrevistar uma turma que o Saulo enviou a ele. Ele está na correria hoje, no
entanto que não pôde me trazer e vim de táxi, o que não foi nenhum problema.
Quando não estou sendo louca, eu entendo perfeitamente que ele tem seus
compromissos e seu trabalho e não pode estar comigo vinte e quatro horas por
dia, assim como eu tenho minhas coisas e não posso estar sempre ao lado dele...
Mas como fazer meu lado maluco e bipolar do mal compreender isso quando
resolve aparecer? Simplesmente não dá. É uma coisa de outro mundo.
— Olá, Raquel. Não te vi chegando hoje — Robson diz com o prato na
mão. — Posso te fazer companhia?
— Claro! — Deixo o celular de lado. — Vim de táxi e acabei chegando
um pouco atrasada, acho que devia estar estacionando algum carro, porque
também não te vi.
— Provavelmente. Está lotado por aqui... Mas o assunto é outro. Recebi
o convite para seu casamento, e fico muito grato, mas não sei se devo ir, será
coisa chique e eu...
— Por favor, nem termine. Não diga bobagens. Quero você lá. Não
aceito que não vá. Vai ser um dia especial e quero que você esteja lá. Leve a sua
esposa e filhos, quero conhecê-los.
— Está bem. Irei, porque quero ver o seu dia especial. É uma boa moça e
sinto falta quando não te vejo, pois sempre me arranca sorrisos, principalmente
nos dias ruins. Estou feliz por estar a caminho do seu final feliz, mocinha.
Aproveite cada momento, viu. E já adianto, que casamento não é um mar de
rosas o tempo inteiro, mas se existir amor e respeito conseguem contornar cada
obstáculo.
— Não me faça chorar, Robson.
Sorrimos.
— Perdão. Mas disse a verdade.
— Obrigada, meu amigo de sorrisos e belas palavras.
Comemos e continuamos conversando sobre várias coisas. Ele me conta
sobre os filhos que aprontam bastante e sobre a esposa, e é nítido o amor em
suas palavras e no olhar ao falar deles. Gosto das histórias e me divirto muito.
Quero um dia poder contar a minha história com o Téo, o nosso dia a dia, e as
travessuras da nossa criança, e conseguir ter no olhar e nas palavras esse amor
puro e enorme. É tão lindo.

Augusto e Natanael retornaram há pouco, mas já está na hora de eu ir


embora. Finalizei tudo, sem deixar nada para depois. Desligo o computador e me
levanto pegando minha bolsa. Não foi exaustivo hoje, pois não fizemos vistoria
pelo hotel, e não teve problemas. Não estou cansada, tenho apenas fome, e
preciso ir ao banheiro antes de ir embora, porque estou apertada.
Saio do banheiro e vou em direção à recepção do hotel. Realmente está
bem movimentado hoje. Pietra e Mayara atendem os hóspedes. Natanael está
anotando algo no tablet em suas mãos, enquanto olha para tela do computador do
balcão. Não vou atrapalhá-lo para me despedir, parece bem concentrado no que
faz. Deve ser algo importante. Vou em direção à saída do hotel. Alguns hóspedes
desejam “boa noite”, ao passarem por mim e retribuo. Saio do hotel e sou
tomada pelo mormaço da noite. Hoje o dia inteiro foi quente, ainda bem que vim
de vestidinho, e uma sandália bem confortável. Não vejo Robson, deve estar
cuidando de algum carro.
— Procurando por alguém, Doçura?
Olho para frente e vejo o Téo sorrindo. Caminho até ele.
— Doçura? — questiono.
— Sim. Hoje iremos voltar no tempo. Como tudo começou.
— Como assim? — Franzo o cenho.
— Estamos precisando lembrar o porquê nos amamos tanto e porque
temos que evitar ficar nos matando. Então está na hora de darmos uma volta
pelo passado. Como nos velhos tempos: Bem-vinda a um dia com o Senhor
Pecado. Não digo aulas, porque está tendo e se saindo uma excelente aluna.
— Amor, o que está aprontando? — questiono sem entender sua
maluquice.
— Por mais que eu ame quando me chama assim, hoje serei o Senhor
Pecado. Vamos fazer o que nos trouxe até aqui e não fazemos mais.
— E o que seria? Não diga que terei que refazer meu pedido por suas
aulas. — Sorrio envergonhada.
— Não precisa. Vamos ao shopping e vou te ajudar a escolher novas
lingeries...
— Téo!
— Não deixou eu terminar. E também roupas. Vamos comer em algum
lugar e depois iremos para casa onde terei você de todas as formas.
— Meu Deus! O que está a-acontecendo com você?
Ele ri.
— Apenas uma volta no tempo, Doçura.
— E vai ficar me chamando assim, né?
— Exatamente. E vou dizer coisas que te façam ficar ruborizada, e
depois darei alguns minutos para você decidir se fica ou corre, e se optar por
ficar, vamos passar a noite em claro e suados de tanto sexo. Como na sua
primeira vez, que eu te dei a chance de ir, mas resolveu ficar.
Sinto meu rosto esquentar a um nível imenso, que há tempos não sentia.
— Meu Deus. Eu n-não sei o que dizer... E-eu...
Ele se inclina leva a mão a minha barriga e olha para ela sorrindo:
— Viu só? Mamãe até voltou a gaguejar. Papai está conseguindo que
tudo volte.
— Téo, você é maluco. E alguém pode ver essa sua cena, e não
queremos, lembra? Agora vamos, antes que eu morra de vergonha em público...
— Dane-se os outros. Vamos, Doçura. Deixei o carro no estacionamento.
E tenho que dizer que esse vestido te deixou linda e gostosa.
— T-Téo...
Ele sorri e segura a minha mão.
Estamos em uma loja — uma das que já visitamos antes —, para eu
escolher lingeries. Ele não mentiu. Realmente está como da primeira vez.
— Como é bom voltar a alguns antigos hábitos... — ele diz, enquanto
olho alguns conjuntos.
Estamos sentados. Essa loja é sempre muito elegante. As vendedoras são
bem atenciosas, no entanto que tivemos que insistir que estava tudo certo e
quando fosse necessário então chamaríamos por ajuda.
— Escolha as que desejar, mas eu irei levar esta para você. Vai usar no
dia do casamento.
Ele ergue um conjunto branco, rendado. O sutiã é com lacinho branco no
meio, e a calcinha é estilo saia, com uma fenda na lateral.
Seu olhar é fixo em mim e sinto meu rosto esquentar.
— Vou levar essas. Podemos ir? — desconverso. Ele sorri e passa a
língua pelo lábio, dando mais visibilidade a famosa bolinha prateada.
— Sim. Vamos comer e depois iremos ver outras lojas.
— Sim, senhor. — Sorrio animada ao saber que vamos comer.
Chamamos a vendedora, que vem nos ajudar.

Estamos em um restaurante na praça de alimentação. Eu quis lanche, e o


Téo quis uma refeição que segundo ele é light, mas não parece nada com algo do
tipo. Até porquê são tantas coisas que ele pediu... Ele está comendo por mim,
por ele, por nosso bebê e pelo Brasil todo. Levo minha batatinha à boca e me
concentro nelas, para não ter dedos alheios aqui.
— Olha, se tem uma pessoa que reconheço a quilômetros de distância é a
minha filha.
— Quê?
— É a Catarina ali! — Ele aponta disfarçadamente para frente.
Olho e não vejo ela. Apenas vejo um monte de gente.
— Tem certeza? — Forço as vistas.
— Absoluta. E está com a tia dela.
— Eu acho que você está vendo coisa.
Ele pega o celular e digita algo. Não demora e o mesmo começa a tocar.
Ele atende. Pelo visto é a Samira. Ele questiona se a Catarina está no shopping.
— Aham... na minha frente... Não me viu... eu não gosto da Giovana com
ela... Eu sei... Vou ver com ela... Comemorar o quê?... Hum... Ok... Tchau.
Ele deixa o celular de lado.
— É ela mesmo. Vieram assistir a um filme enquanto a Samira preparava
o jantar, para comemorar uma novidade. Ela falou que iria ligar para nós, para
nos convidar. Disse que não aceita “não” como resposta.
— Não estou recusando pedidos para comer. — Ele sorri. — Mas ainda
não vi a Catarina.
— Vai ver... Olha ali.
Vejo uma loirinha correndo na direção da nossa mesa com a tia dela
acompanhando em passos firmes atrás. Agora eu vi a Catarina. Ela pula nos
braços do pai, que a abraça e enche de beijos.
— Mamãe mandou mensagem para a tia Gi, dizendo que você estava
aqui.
— Eu vi a senhorita... — Ele sorri para ela. — Oi, Giovana — ele diz
sério para ela, que se senta na cadeira livre.
— Oi para vocês — ela nos cumprimenta.
Repondo e a Catarina vem me dar um beijo acompanhado de um abraço.
— Tudo bem, linda?
— Sim. Posso? — Ela indica a batatinha.
— Claro — respondo sorrindo.
— Já comeram? — Téo questiona.
— Comemos no cinema. Viemos comprar milk-shake e vamos embora,
para comer em casa. — Noto o desânimo na voz da Catarina, mas não digo nada.
— Bom, eu irei pegar o milk-shake e logo vamos embora — Giovana diz
em tom sério para a Catarina e se retira da mesa.
Fico olhando a figura, que se afasta.
— Não liga. Ela é brava e, às vezes, chata. Prefiro a tia Hannah, só que a
mamãe diz que não pode ficar dizendo isso, que pode magoar...
Téo sorri e olho feio para ele.
— Ela está certa. Sua tia Giovana pode ficar triste.
Ela concorda e come outra batatinha.
— Mamãe tem uma novidade. Mas não sei se é boa ou ruim, ela ri e
chora.
— Sua mãe é louca.
— Téo! — repreendo e ele dá de ombros e bebe seu suco.
— Ela disse que está de TM... Não lembro o nome.
— TPM? — indago.
— Isso mesmo.
— Fodeu. Ela quer que a gente vá jantar e assim mata todo mundo?
Dispenso.
— Papai, não pode falar assim.
— Catarina está bem certa, Sr. Lima!
Ele revira os olhos e volta a comer. Tenta pegar minha batatinha, mas
bato em sua mão e ele ri. Giovana retorna com o milk-shake e entrega a Catarina.
Ela diz que já está indo, e a Cate fala que vai esperar a gente na casa dela.
Terminamos de comer, e vamos em outras lojas ver roupas e sapatos.

Estamos na última loja, e estou experimentando um vestido.


— Téo, tudo isso eu não vou poder usar depois — falo ajustando o
vestido em mim.
— Ainda pode usar, então compra e não reclama.
Ele bate na porta do provador. Mais uma loja, que pode ter acompanhante
no provador, pois ficam divididos em alas. Abro a porta e ele me olha.
— Olha, se com as pequenas mudanças que seu corpo já está tendo, eu já
estou ficando louco, imagine quando tudo mudar de vez. Procure um hospício
para mim neste dia, porque virarei um louco tarado.
— Olha o que fala! — Ele sorri e entra. — Téo, sai daqui. Se alguma
vendedora nos procurar, vão estranhar.
— Ninguém vai vir até chamarmos. E acha mesmo que nada acontece
nesses lugares? Provadores em alas divididas, e o acompanhante pode ser
homem.
— S-sai, Téo!
— O Téo sairia, mas o Senhor Pecado não. E sabe em que modo estou
agora?
Abro um pouco dos lábios, parece que falta ar. Ele segura a minha mão e
leva até o volume em sua calça.
— Tire o vestido e seja rápida.
Não discuto. Retiro o vestido e penduro, ficando apenas de lingerie.
— A calcinha. — Seu tom é autoritário. Retiro a calcinha.
Ele abre o cinto e em seguida a calça, descendo um pouco junto da cueca,
exibindo seu membro duro.
— Será rápido e não poderá fazer barulho — diz baixo.
Sinto um arrepio e um friozinho na barriga.
— Vire e se apoie na barra de ferro.
Afasto um pouco dos cabides pendurados ali. Apoio as mãos com
firmeza ficando bem empinada. Ele segura a minha cintura. Então dedos
acariciam o meu ponto mais sensível. Mordo o lábio para não deixar nenhum
som escapar. Um dedo desliza dentro de mim deixando-me desnorteada.
— Já está molhada? — Sorri. — Eu vou penetrá-la agora — avisa em um
tom baixo.
Fecho os olhos, sem acreditar no que estamos fazendo. O medo por
sermos descobertos, torna mais excitante o momento. Ele me invade lentamente.
Aperto com mais firmeza a barra de ferro. Puxa meu cabelo. Abro os olhos e
nossos olhares se encontram através do espelho. Começa a se movimentar
rápido, e tenho que controlar os sons que querem escapar. Fecha os olhos por um
instante e a sua feição é linda demais. Quando torna a abri-los, a intensidade
neles é triplicada. Seus lábios se abrem um pouco, e é uma das melhores visões
que pude ter. Suas estocadas são fortes. Sinto que não vou aguentar muito
tempo...
Escutamos passos no lado de fora. Ele diminui a velocidade e isso é uma
tortura. Solta meu cabelo e inclina o corpo ao meu, levando a mão à minha boca.
A lentidão com a profundidade a qual me penetra, acumulado do medo de
sermos pegos, está me deixando mais louca. Rebolo lentamente e ele fecha os
olhos.
— Ué... onde foram? Devem estar vendo mais peças, afinal a bolsa e as
coisas estão aqui... Vou deixar a bandeja com a água e o suco — ela fala sozinha
e escutamos seus passos ficando distantes conforme vai cantarolando.
— Porra... — Téo diz em meu ouvido.
Ele libera a mão da minha boca e torna a me penetrar rápido e forte.
Acabo deixando um gemido escapar.
— Raquel, quieta! — Leva novamente a mão à minha boca.
Não consigo mais manter o controle. Começo a gozar com ele abafando
meus gemidos. Sinto meu corpo contrair.
— Caralho! — ele xinga com a voz rouca. E sinto ele gozar dentro de
mim enquanto fecha os olhos com força.
Segura meu corpo, mantendo-me firme.

Depois da nossa travessura no provador, fomos rapidamente para o caixa


e depois embora do shopping. Passamos em casa e tomamos um banho. Ainda
não acredito que fizemos aquilo, e quase fomos pegos!
Agora estamos na Samira e ela está finalizando o jantar. A irmã dela
disse que não ficaria porque tinha compromisso. E parece que a Hannah viria,
mas também teve compromisso. Ainda bem que viemos, porque ela ficou
chateada pelas meninas, mesmo tentando disfarçar sorrindo. Cancelamos o
restante da nossa noite, e não nos arrependemos, pois a alegria da Samira em nos
ver foi muito boa, mesmo que a tristeza pelas meninas ainda seja evidente.
Téo está ao telefone com o Saulo, que ligou para ele. E eu estou com a
Catarina na sacada.
— Mamãe ficou triste, né?
— Não se preocupe. Vamos deixar ela animada.
— Vocês grandões pensam que as crianças não entendem nada ou não
sentem quando tem algo triste.
Como ela tem razão. Temos mania de subestimar os pequenos. Criança
sente quando algo está errado, ou quando o clima está tenso. Assim como
escutam e, às vezes, compreendem mais do que possamos acreditar. A única
diferença é que a pureza nelas pode fazer com que questionem muitas coisas,
mas se fazem isso é porque algo despertou essa curiosidade; e se isso aconteceu,
é porque prestaram atenção em alguma coisa, ou em alguém. Eu era muito
esperta quando criança. Sempre curiosa por tudo, e sempre questionando, e
sentia quando o clima estava bem difícil em casa.
— Adultos tem falhas, meu amor. Na verdade, todo mundo tem. Crianças
e adultos estão sempre falhando, mas o importante é não julgarmos e
aprendermos com os erros.
— Minha mãe diz isso também. Eu reparo muito nas coisas, minha vovó
Alícia diz que sou observadora.
— Isso é sábio. Quando observamos tudo atentamente, podemos até fazer
escolhas certas ou compreender algo.
— Hoje mesmo fui observadora. Eu acho que você está doente e não
falou.
Franzo o cenho sem entender.
— Como assim?
— Desde que chegou ficou colocando a mão na barriga e vi meu pai
passar a mão nela duas vezes. Eu contei. Está com dor de barriga? Não precisa
ter vergonha, pode usar o banheiro.
— É... A... Eu... Não...
— Eita. Ficou maluquinha. Está doente? — pergunta assustada. — Está
doendo a barriga? Está com a mão nela de novo.
Meu Deus! Nem reparei que fico fazendo isso. Tiro a mão rapidamente e
pigarreio. Ela é realmente observadora.
— Não estou doente e nem com dor de barriga. — Sorrio.
— Certeza? Se estiver só não conta pra minha mãe, ela fica doidinha e
acha que todo mundo está morrendo. — Sorrimos.
— Tenho certeza. É apenas mania. — Me parte o coração ter que
esconder dela, mas é o melhor por enquanto.
Samira chama e agradeço por isso cortar o assunto aqui.
— Mais uma coisinha. Mamãe não faz sempre uma comida muito
gostosa. Às vezes dá errado, mas se der, não diga, ou ela vai chorar. Papai já fez
isso e foi assustador. A vovó Alícia diz que ela precisava ter aulas para aprender
a fazer comida e que uma dama deveria saber ao menos isso. Tadinha da mamãe.
— E ela está fazendo?
— Melhor nem saber. Vamos, Quel!
Ela faz uma careta igual ao pai quando não gosta de algo e acabo
sorrindo. Entramos e vou preparada agora que sei que algo pode sair ruim.
Sentamos para jantar. Ainda bem que comemos antes. Samira quis nos servir.
Vejo o olhar do Téo para a Catarina, e existe meio que uma cumplicidade.
Catarina fecha os olhos, faz o sinal da cruz e volta a abri-los, como se tivesse
acabado de rezar.
— Que linda. Tem que agradecer mesmo, minha princesa — Samira diz
orgulhosa da filha, que sorri.
Algo me diz que ela não agradeceu, mas implorou para a comida estar
boa.
— Comam, gente! — Samira fala animada.
— Vamos... Mas conte a novidade. — Téo enrola e é perceptível em seu
tom e expressão.
Olho para a Catarina, que leva uma pequena quantidade da lasanha à
boca e fico esperta com a sua reação. A careta que ela faz ao mastigar não é nada
boa. O Téo olha feio para ela, enquanto a Samira corta um pedaço de lasanha e
coloca em seu próprio prato. Samira volta a olhar para nós e sorri.
— Eu fui promovida! Agora sou chefe do setor administrativo da
empresa!
— Nossa! Que maravilha! — exclamo.
— Meus parabéns, maluca. Você merecia isso! — Téo parabeniza-a.
— Eu era louca por esse cargo. Quem o ocupava foi mandado embora e o
dono me escolheu para ocupar o lugar. — A alegria em suas palavras é
contagiante.
— Todo sucesso do mundo e que Deus te abençoe nesta nova etapa —
desejo a ela, que sorri com carinho.
— Não sei o que é, mas parabéns, mamãe.
Rimos.
— Obrigada, meu amor — Samira agradece toda boba.
Bebo um pouco de suco e o Téo leva um pedaço da lasanha à boca. E em
seguida bebe um bom gole de suco, e limpa a boca com o guardanapo.
— Por isso fiz esse jantarzinho. Queria a Hannah e a Gi aqui também, já
que meus pais moram longe, mas...
— Estamos aqui, e felizes por você. Elas também vão ficar ao descobrir
— tranquilizo-a.
— Tem razão... Vamos comer. Fiz até sobremesa.
Téo engasga e olho assustada. Samira dá um tapa forte nas costas dele e
ele xinga.
— Desculpa, não sei socorrer ninguém — ela diz assustada.
— Percebi. Quase me mata — ele reclama e sorrio.
Fico com um peso na consciência e resolvo experimentar. Talvez eu
goste da lasanha. Levo um pedaço à boca e me controlo para não cuspir. Está
muito salgada. Agora entendo a reação deles. Bebo rapidamente um gole de
suco. Téo observa a minha reação e a Catarina ri.
— Que foi, gente?
— Nada! — dissemos em uníssono.
Ela dá de ombros e come a lasanha. Não tem outra reação a não ser pegar
um guardanapo e cuspir nele.
— Eca! Está salgada. Meu Deus! Por que não falaram? Droga! Sou uma
péssima cozinheira.
— Está um pouquinho salgada — tento amenizar a tristeza dela.
— Não precisa ser gentil. Sou péssima cozinheira. Podiam ter dito. Hoje
eu não teria uma crise de choro.
— Ok. Está horrível a lasanha — Téo fala e chuto sua perna por baixo da
mesa, ele xinga.
— Seu ogro! Não precisava falar assim — ela rebate.
— Podemos pedir algo para comer? Eu pago — ele sugere, sorrindo.
— Está bem... — concorda desanimada.
— Sami, é normal errar na cozinha — comento.
— Ela vive errando. Mas tem coisa que consegue fazer — Catarina diz e
olho para ela, que sorri. Não nega de quem é filha.
— Vou levar para cozinha — diz se levantando.
— Eu te ajudo. Vamos lá.
— Não precisa, Quel. Obrigada. — Ela pega a lasanha e leva para a
cozinha.
— Que feio da parte dos dois! Ela ficou chateada. Conhecem ela mais
que qualquer pessoa e foram falar desse jeito? — brigo com eles, falando baixo.
— O papai que começou!
— E você terminou — ele devolve.
— Tratem de animá-la. Ela já está triste que a irmã e a Hannah não
estavam aqui, para ela contar a novidade. Ela fez algo que era para ser especial.
— Está bem! — respondem juntos.
Samira retorna e começa a retirar os pratos e ajudo, mesmo dizendo que
não precisava.
Pedimos comida depois disso, e acabamos nos distraindo bastante, e ela
se animou. Não deu a sobremesa, porque disse que se a lasanha saiu salgada,
então tinha medo de deixar a gente com diabete pelo doce. Nos despedimos e
desejamos toda a sorte do mundo para ela nesse novo cargo.

Saímos do prédio. Téo preferiu deixar o carro estacionado ao lado de


fora. Ele abre a porta para mim, mas me assusto com algo lambendo meu pé e
grito.
— Meu Deus! — Levo a mão ao peito.
— É só um cachorro, Raquel. — Ele ri do meu susto.
Olho para o causador do meu susto. Ele é pequenininho, e acredito que
seja branco com bege, mas está tão sujo que posso estar errada. Vou entrar no
carro, mas ele começa a chorar.
— Que foi? — falo com ele. — Não posso ficar...
Seus olhinhos parecem lacrimejar. Está tão descuidado. Olho ao redor e
passa algumas pessoas, mas ninguém que estivesse o procurando. Não existe
coleira... Ele foi abandonado pelo visto, porque parece estar bastante tempo na
rua.
— Téo, olha isso. Ele deve estar com fome e com sede.
Abaixo-me e quando vou esticar a mão para pôr nele, ele recua como se
estivesse com medo de que eu fosse fazer algo ruim. Parece que alguém já fez
isso a ele. O medo em seus olhos é evidente.
— Não vou te machucar. Está tudo bem — falo com calma e sorrio.
Ele parece uma bola de pelos. Caminha lentamente na minha direção,
ainda parecendo meio desconfiado.
— Olha para ele, Téo. Que judiação. Não podemos deixá-lo aqui.
Téo me olha feio, e cruza os braços.
— Nem pensar que vamos levar. Esse pulguentinho não vai entrar no
meu carro.
— Não seja malvado. Olha a carinha dele. Está triste. E se foi o destino
que fez ele encontrar a gente? Deve estar com muita fome...
— Não! — Ele entra no carro. Reviro os olhos.
— Como vamos fazer? — falo com o cachorrinho.
Ele lambe meu pé e sorrio. Levanto-me e ele choraminga. Meu coração
se parte em mil pedaços. Não vou deixá-lo aqui. Olho em direção ao Téo pela
porta aberta.
— Por favor, ele está triste. Seria um pecado deixá-lo aqui. Vamos cuidar
dele hoje e amanhã cedo levamos ele para onde possam cuidar. Só essa noite...
— Raquel...
— Por favor... Não seja ruim.
Ele respira fundo e me olha sério.
— Porra... Está bem.
Sorrio vitoriosa.
— Você vai com a gente, lindinho — digo animada.
Téo retira a camisa e me entrega.
— Enrola ele na camisa. E entra logo no carro, antes que eu mude de
ideia.
Faço o que ele mandou, e pego o cachorrinho todo enrolado na camisa.
Entro no carro e fecho a porta. Ele fica no meu colo bem quietinho.
— Tem uma clínica veterinária que funciona 24h. Vamos levá-lo até lá e
eles dirão o que tem que ser feito. Só preciso pegar outra camiseta em casa.
— Está bem. Obrigada por ter um bom coração.
— Isso vai sair caro, Doçura. Vai ter que me aguentar a noite inteira.
— Aguentar?
— Você sabe do que estou falando. Vamos.
Fico vermelha por seu comentário. Sei bem ao que ele se refere e neste
momento não me importo... ultimamente eu sempre quero.
O cachorrinho fecha os olhinhos, enquanto acaricio ele por cima da
camisa. Que judiação, um bichinho lindo desse na rua. Mas estamos fazendo a
nossa parte e me apaixonei pelo olhar dele. Quem sabe eu não convenço ao Téo
e ficamos com ele.
— Não adianta ficar com esse sorrisinho e olhar de esperança. Não
vamos ficar.
Não respondo. Ele mudou de ideia e estamos levando. Pode mudar de
novo. Só quero chegar logo na clínica veterinária para cuidarem do cachorrinho
e depois irmos para casa, onde irei me deliciar no pote de sorvete com leite
condensado, e ter um Senhor Pecado me enlouquecendo.
DEUS, EU REALMENTE VIREI A SENHORITA PECADO!

Téo Lima

Dias depois...

Saímos do Bellagio, um luxuoso hotel localizado na Las Vegas Strip.


Ajeito meu relógio no pulso, e sorrio.
— Sorrindo muito. O que aprontou, Téo? — meu pai questiona
preocupado.
Sim. A minha querida irmã fez meu pai e Natanael virem junto para a
minha despedida de solteiro. E fui descobrir no aeroporto. O traíra do Rogério
sabia o tempo inteiro e não me contou. Fiquei muito puto com a falta de
confiança dela e dei um pequeno troco ontem. Mas sei que ela dá um jeito para
tudo, então vai arranjar uma solução rapidamente, para a pequena surpresa que
— olho no relógio — deve estar acontecendo agora. Afinal, lá são algumas horas
a mais que aqui.
Rogério soca meu braço e olho sem entender.
— Que porra! Você tinha que fazer merda, não é? — ele diz nervoso e
rio.
— O que esse garoto aprontou? — Natanael questiona desviando de um
homem vestido de cupido na rua.
— Esse figlio di puttana aprontou com a despedida das meninas, e eu que
vou sair no prejuízo. Vai me pagar cada centavo!
Gargalho.
— Ninguém apronta comigo e sai ileso. E eu já sabia que ela daria um
jeito. Foi só um aviso. Agora, vamos, porque é Vegas, rapazes! — Abro os
braços diante da luminosa cidade.
— Aonde eu fui me meter? Céus! — meu pai reclama balançando a
cabeça.
— Antes de mais nada, temos que prometer uma coisa — Rogério pede.
— O quê? — perguntamos em uníssono.
— O que acontece em Vegas, fica eternamente em Vegas!
— Com toda certeza — afirmo sorrindo e Natanael e meu pai olham
preocupados.

Estamos na Mister Sin – Vegas. Rogério resolveu não fechar a boate para
exclusividade. Mas foi informado que teria despedida de solteiro; então o clima
muda um pouco. Bem maior que a do Brasil, e localizada também na Las Vegas
Strip, a boate aqui é puro luxo, e claro com tudo o que tem na brasileira quanto
atrações e “proibidos”. Luzes brancas piscam no ambiente escuro. Está lotada e a
música é bem alta. Pessoas dançam e bebem, além de algumas estarem quase
transando em público. As garçonetes usam roupas de couro e tiara de diabinha,
que piscam. Tem um imenso bolo em um canto com luzes florescentes em cima
dele, o que me dá uma ideia do que pode acontecer.
— Faz séculos que não entro em um ambiente assim! — meu pai grita
por cima da música.
— Eu vou sempre que posso. Uma vez na vida e outra na morte! —
Natanael fala e sorrimos.
— Tudo por conta da casa e teremos uma surpresa mais tarde — Rogério
declara.
Vamos até o balcão e pedimos bebidas. Sexy Bitch, do David Guetta,
começa a tocar. Rogério faz um sinal para o DJ, que olha na nossa direção do
alto da boate. A música faz uma pausa e todos reclamam.
— Calma, galera. Hoje é um dia especial. Despedida de solteiro do Téo
Lima! — Uma luz acende em cima da gente, e faço um sinal com a mão, depois
de quase ficar cego. Todos gritam animados. — Vamos tornar essa noite especial
e muito animada! — Tornam a gritar. — Vamos sair do chão!
A música volta e a luz sai de cima de mim. E na batida da música bolhas
de sabão com confetes disparam pela boate.
— Porra, esperando o carro alegórico entrar também — ironizo e
Rogério ri.
— Isso ainda não é tudo. Espere para conferir.
— Natanael, você vai ter que confirmar que fui um anjo neste lugar! —
peço e ele ergue uma sobrancelha.
— Sonha! Seu pai e eu seremos os olhos e ouvidos da Hannah.
— Que belos parceiros. Com licença. — Bebo de uma vez minha bebida,
e vou para o meio da multidão, que dança.
Não demora, e sou seguido pelos “seguranças” que minha irmã arrumou.
— E lá vem mais uma surpresa! — Rogério grita.
Olho na mesma direção que ele e mulheres vestidas de anjinhas
começam a aparecer.
— Anjinhas, sério?
— Assim lembra o tempo todo da Santinha, e não faz merda. Santinha
que chama ela, né? — ele provoca.
— Sou velho demais para isso! — meu pai grita e uma delas se aproxima
dele e começa a dançar em sua frente. — Sua mãe vai pedir o divórcio. — Eu
rio.
— Relaxa... Só relaxar! — Rogério diz.
Outras de aproximam, e começamos a dançar com elas, menos Natanael,
que encontra um bom parceiro para isso. Outra música inicia:

Hey, everybody came to play


I love it when the dj, plays all my favourite songs
And everybody sings along, I see the pretty babies in the pool But all I can think
5
about is you

Trazem bebidas enquanto dançamos. Divirto-me vendo meu pai e o


Natanael. A bolhas de sabão continuam a disparar no ar, já os confetes só a cada
batida intensa da música. Bebo um gole da bebida, e a anjinha loira aproxima o
rosto do meu, mas impeço.
— Sem beijo. Sem toques perigosos. Apenas dançar — sou direto e ela
sorri, sensualizando na minha frente ao ritmo da música.

Se eu disser que estou muito sóbrio, eu acho que estarei mentindo.


Depois de algumas horas bebendo e dançando, o álcool desceu e a loucura está
subindo, tenho certeza, porque estou vendo a Raquel em algumas mulheres.
Porra, será que fiz merda e estou com a consciência pesada? Bebo mais um gole
de cerveja. Encosto no balcão. Estou suado. Minha camisa está completamente
aberta. Pego o celular no bolso para ligar para a Raquel. Rogério surge na minha
frente e puxa rapidamente o celular da minha mão.
— Que merda está fazendo? Ficou louco? — pergunta rindo.
— Eu preciso falar com a Raquel. Porque fiz merda. Estou vendo ela em
muitos lugares. É peso na consciência. — Bato um dedo na cabeça.
— Por incrível que pareça, não fez merda alguma. Só dançou e bebeu
demais.
— Não confio em você.
— Tem câmeras na boate. Se quiser pode ir lá ver.
— Ok. Confio agora. — Bebo mais da cerveja. — Cadê meu pai e o
Natanael?
— Natanael está dançando, e seu pai subiu para a área VIP... bebeu além
da conta.
— Sei bem... — Coloco a garrafa no balcão.
— Vamos. Não estou bebendo, para controlar todas suas merdas.
— Então teve tentativa de alguma?
— NÃO, PORRA!
— Caralho, que italiano mais irritadinho...
Ele coloca meu celular no bolso dele. Pego mais uma bebida e vamos
para o centro da boate. A música para e todos olham para o DJ, que começa a
falar:
— Calma, galera! Vamos fazer uma surpresinha para o irmão que vamos
perder nessa vida de libertinagens! Sente-se, meu amigo!
Uma cadeira surge do além, e sou jogado nela. Rogério começa a rir.
Todos olham e agitam. Olho para frente, e estou cara a cara com o imenso bolo.
Fodeu! Girls Like You, do Maroon 5, começa a tocar e as luzes que piscam,
agora ficam paradas e na cor vermelha. O bolo começa a se abrir ao meio, e
estou sentindo cada vez mais meu futuro casamento mais distante. Uma ruiva de
cabelos longos, vestindo apenas lingerie e bem pequena por sinal, sai ao som da
música. Caminha na minha direção enquanto dança sensualmente. As pessoas
começam a gritar. Olho rapidamente para o lado esquerdo, e meu pai e Natanael,
que antes não estavam por perto, agora olham assustados. Faço sinal de
rendição, porque eu realmente não tive culpa. A ruiva se aproxima abrindo
minhas pernas, e ficando entre elas enquanto dança.
— SÓ RELAXA, TÉO! — Rogério grita bem alto. Olho feio para ele.
Ela contorna a cadeira, deslizando as mãos pelo meu corpo. Fecho os
olhos, e tento imaginar qualquer lugar longe daqui. Qualquer um. Nada resolve.
Então torno abri-los, e ela está novamente na minha frente. Sorrindo, destacando
seus dentes bem claros. É bonita, não posso mentir, mas prefiro minha noiva. Se
senta em meu colo e dança sensualmente. Porra! Vou matar o Rogério. Não a
toco em nenhum momento. Ela desliza as mãos pelo meu peito nu. Em outros
tempos poderia ser diferente, hoje simplesmente não dá. É divertido, mas não me
atrai da forma que aconteceria no passado. Desliza as unhas pelo meu corpo e se
levanta. Virando de costas, se abaixa sensualmente e sobe rebolando. A dança
continua por um bom tempo. Com gritos, e mais gritos de todos agitando. A
música é trocada por uma mais agitada, e as garotas vestidas de anjinhas
aparecem novamente, e junto com a ruiva, começam a dançar para mim. O
infeliz do Rogério só ri, enquanto meus vigias estão assustados. Uma se
aproxima com uma garrafa de bebida. Inclina minha cabeça para trás e abre a
minha boca. Então o líquido é despejado em minha boca, descendo queimando.
Ela se afasta e olho para elas. Isso vai dar merda! SANTINHA. PENSA NA
SANTINHA. SOMENTE SANT...
Todos começam a pular e dançar. Sou puxado da cadeira e elas
sensualizam enquanto dançam. Algumas sobem nas mesas com garrafas de
bebidas e começam a despejar na boca das pessoas. Meu pai e o Natanael entram
na dança. Os confetes são disparados novamente com fumaça. Quem é Téo
Lima? Não sei. Eu já não sei mais nada. Só sei que vim parar em cima de uma
mesa, e estou dançando com uma garrafa na mão. Rogério? Não sei dele. É uma
agitação imensa. Onde foi parar minha camisa? Eu vim como uma, né? Vejo o
Rogério se aproximando. Ele sobe na mesa junto comigo, e entra no clima da
dança. Mulheres e alguns homens gritam alucinados. Ele vai tirando a roupa e
começo a rir. Bebo a bebida em uma grande quantidade, e acaba caindo um
pouco no meu corpo. Vejo de longe meu pai dançando, e Natanael agarrado a um
outro homem. O italiano está sem camisa, e pega dois celulares no bolso e se
abaixa colocando na mesa. Acho que um é meu, ou não? Foda-se.
— É VEGAS! — Rogério grita.
— O QUE ACONTECE EM VEGAS FICA EM VEGAS! — grito em
inglês e as pessoas repetem.
Rimos.

No dia seguinte...

Meu corpo está dolorido. Sento com cuidado. Minha cabeça parece que
vai explodir. Olho ao redor, e franzo o cenho. Levanto do chão da boate. Porra.
Por que estou só de cueca? Merda! Vejo minha roupa jogada em uma mesa,
junto com ao que parece ser do Rogério. Olho para o balcão e Natanael dorme
em cima dele. Rogério está caído em outro canto, e meu pai dorme em uma
cadeira. Pego minha calça e visto. Minha cabeça dói demais. Vou até o Rogério e
chacoalho o infeliz. Ele acorda resmungando. Se levanta e apoia o corpo na
parede.
— Porra, levei uma surra? — ele indaga.
— Não sei. Minha cabeça está doendo demais. Por que estávamos só de
cueca? Que merda fizemos?
— Não lembro de muita coisa. Só lembro até a parte que subi na mesa, e
acho que eu estava beijando uma mulher... Porra, que dor de cabeça. — Faz uma
careta de dor.
Meu pai e Natanael acordam, e assim como nós, estão péssimos. Não tem
mais ninguém na boate. Olho no meu relógio e são onze horas da manhã.
— Cacete, minha aliança! Perdi.
— Não brinca. Téo, o que fizemos? — Natanael diz desesperado.
— Celular! Preciso do meu celular.
Vou até a mesa que estavam as roupas e encontro. Tem vinte e duas
chamadas perdidas da Hannah, quinze da Raquel, e quarenta mensagens. Não
quero ver nada agora. Até lembrar de tudo o que aconteceu. Os celulares deles
não são diferentes. Tem ligações e chamadas demais.
— Alguém lembra de alguma coisa? — meu pai indaga.
— Lembro de pouca coisa. Mas nada comprometedor — respondo.
— Já sei. Câmeras. As minhas boates têm sistema de câmeras com som
em todos os cantos, sou muito rígido para a segurança do local. Vamos descobrir
tudo o que aconteceu! — Rogério fala.
Entramos na sala de segurança, e tem um homem monitorando tudo. Ele
olha assustado. Nosso estado deve ser dos piores.
— Quero tudo o que aconteceu noite passada. Cada detalhe... — Rogério
pede.
— Claro, senhor — o homem responde.
Caio sentado em uma cadeira. Meu pai se apoia na parede. As últimas
filmagens são mostradas, e quero meter muitos murros na minha cara antes que
alguém descubra isso. Eu tirei a roupa em uma mesa enquanto dançava, e
Rogério também. Dancei com várias mulheres, mas não beijei ou fiz algo
desrespeitoso a elas. Rogério foi ao microfone e falou várias merdas. Meu pai
dançou em cima da mesa do DJ e Natanael sensualizou para um cara. Eu sempre
estava com uma garrafa de bebida na mão. Fui ao banheiro sozinho algumas
vezes. Mas o pior foi quando Rogério mandou todos embora porque estava
cansado, isso após beijar uma mulher, e simplesmente caiu no chão, onde eu o
encontrei. Quando todos saíram, eu deitei por conta própria no chão rindo sem
parar. Natanael e meu pai encontram sozinhos seus lugares de descanso. E minha
aliança? Deve ter se perdido no meio dessa palhaçada toda. Que merda!
Agradecemos ao rapaz e saímos dali.
— Nunca ninguém deve saber que fizemos esse vexame. Espero que
ninguém tenha filmado nada — Rogério resmunga.
— Duvido que alguém lembrou de celular. Estava todo mundo louco —
falo.
— Senhor, achamos isso aqui no banheiro. — Uma moça, que está
limpando com o pessoal que chegou, entrega a minha aliança ao Rogério e se
afasta.
— Pelo menos vai voltar com a aliança, porque a dignidade ficou em
Vegas! — Rogério diz me entregando a aliança.
— Não fui eu que mandei todos embora porque queria dormir. — rebato.
— Eu vou ter que assinar o divórcio. Sua mãe vai me obrigar a isso —
meu pai fala desesperado.
— Ninguém vai saber de nada. Vamos para o hotel, tomar um banho e
comer. E vamos nos preparar para retornar ao Brasil. O que aconteceu aqui, não
vai sair daqui — Natanael diz. — Eu vou ter que mentir para minha menina
Hannah. Sou um péssimo homem de confiança.
— Como será que foi a despedida da Raquel? — questiono.
— Garanto que bem melhor que a nossa. Porra, preciso de remédio.
Minha cabeça vai explodir — Rogério reclama.

Raquel Pereira

Tudo aconteceu ao mesmo tempo...


Chegamos a casa noturna, onde acontecerá minha despedida de solteira,


que a Hannah reservou. Minhas tias, mãe, avó e a mãe do Téo não quiseram vir.
Disseram que não tem mais idade para essas loucuras. Saio do carro, vestida de
diabinha, até agora não entendi por que a Samira e eu tivemos que vir com essa
fantasia, enquanto a Hannah veio de policial. Minha mãe e meu tio teriam um
infarto se me vissem assim.
— Por que você é a policial? Injusto. Eu ficaria sexy com essas algemas
penduradas na cintura — Samira reclama.
— Porque sou a ordem desse trio — Hannah responde e sorri.
Paramos na porta e o segurança nos barra.
— Temos reserva no nome de Hannah Lima.
Ele olha o celular por um tempo e diz:
— A senhorita tinha uma reserva.
— Como? — Ela muda a postura. Samira me olha e dou de ombros.
— Foi cancelado ontem. Confirmaram seus dados e cancelaram a
reserva. Fizemos até a devolução do dinheiro, para a conta bancária que a
senhorita deixou.
— IMPOSSÍVEL. EU NÃO CANCELEI NADA! — ela se altera. O
homem olha feio.
— Hannah, vamos ter calma... mansinha — Samira pede acariciando o
cabelo dela.
— Eu não sou um animal, Samira!
— Senhorita, está aqui, e com o aviso. — Ele mostra o celular e nos
aproximamos. É verdade tudo o que ele disse.
— Quem ligou?
— Não tenho essa informação, mas posso entrar em contato com o dono
do local... Eu sinto muito, mas é o que consta. E aqui só entra com reserva.
— Eu sei que só entra com reserva. Eu fiz a maldita... Pera aí. Passaram
meus dados?
— Sim — ele afirma impaciente. — EU VOU MATAR MEU IRMÃO!
— O Téo não faria isso, Hannah — falo em defesa do meu noivo.
Hannah e Samira me olham e suspiro. — Faria sim. Mas por que ele fez isso?
— Vingança. Mas ele me paga. Vamos!
Entramos no carro. No caminho ela explica que mandou Natanael e
Augusto junto com eles para Las Vegas, e o Téo deve ter ficado nervoso e
resolveu descontar, já que não sabia.

Ela estaciona o carro e é a boate que eu vim uma vez com o Téo.
— O que estamos fazendo aqui? — Samira pergunta colocando a cabeça
entre os dois bancos da frente.
— Vão descobrir.
Ela pega o celular e disca para uma pessoa chamada “Cretino”. Está no
viva-voz.
— O que você quer? — A voz é inconfundível. Rogério.
— Quero que passe as ordens da sua boate a mim. E libere as dançarinas
para irem embora.
— Como é? Bebeu demais? — Ele ri.
Samira e eu permanecemos mudas.
— Não. Mas o seu amiguinho cancelou a reserva na casa noturna que
iríamos. Ele não vai destruir essa despedida. Então a segunda opção é o buraco
que chama de boate.
— Nem pensar. Não tenho nada a ver com isso! — Ele está nervoso.
— Não? Como ele descobriu a casa noturna que iríamos?
— Como não descobriria? Ele conhece todas as casas noturnas da
cidade. E não é idiota, saberia que você fez a reserva no seu nome. A cidade é
pequena. Não demoraria mais que meia hora para ele descobrir.
— Um ponto para você. Mas não é justo o que ele fez. Então, como
padrinho, deve ajudar. Faça o que falei.
— Só pode ser brincadeira. O Téo é imbecil.
— Cuidado. A noiva dele está ouvindo tudo — ela diz em tom de
provocação.
— O Téo é um figlio di puttana! — diz bem nervoso.
— Acho que xingou minha mãe. Que feio. Se ela descobrir te mata.
— Ué, Rogério fala italiano? — Samira cochicha no meu ouvido.
— A mãe dele era italiana. Ele morou no país um tempo. Conheço ele
tem um tempo, antes que questione isso — respondo e sorrio.
— Quantas novidades! — ela diz pasma.
— Está bem. Vou dispensar as dançarinas, e está tudo por conta da casa.
Farei o que pediu. Espere minha ligação e vai poder entrar na boate.
— Muito obrigada. Se o seu amigo achou que não teríamos uma noite
animada, está enganado.
— Sei. Vou ligar para você daqui a pouco.
Eles desligam.
— Hannah, você é maluca?
— Um pouco, Raquel. Agora preciso mudar o local dos dançarinos. Na
casa noturna, eu tinha reservado um espaço exclusivo e levaria eles. Agora tenho
que mudar os planos.
— D-dançarinos? Por que eu acho que isso não vai acabar bem? —
comento.
— Relaxa, eu cuido de você — Samira diz.

Não demorou para estarmos dentro da boate. Algumas dançarinas já


estão indo embora. Uma eu reconheço que é Lola, a filha da minha vizinha, dona
Ivone. Ela me olha surpresa.
— Raquel? — diz assustada. — Estou chocada! — Me olha por
completo.
— Pois é. Surpresa te encontrar. — Finjo que não sei que ela trabalha
aqui.
— Trabalho aqui. Mas hoje o chefe deu folga. Vai ter uma despedida de
solteiro. E pelo visto você faz parte. Está fantasiada até.
— É a minha despedida.
— Sua? Meu Deus! Vai casar? — Arregala os olhos.
— Sim. Com o Téo. Herdeiro do hotel Lima, conhece? — Ela abre um
pouco os lábios.
— Não. Mas boa sorte — diz nervosa e passa por mim.
Que raiva!
Hannah e Samira se aproximam e sorriem. Elas estavam resolvendo
umas coisas com o pessoal da boate.
— Vai começar! Vamos nos divertir. Essa noite tem que ser muito
especial — Hannah diz animada.
Essa semana fui ao médico e ele informou, que eu poderia sim vir para a
despedida, me divertir, só não beber nada com álcool e tomar cuidado com o que
comeria. Disse que eu poderia dançar, me divertir, desde que respeitasse os
limites do meu corpo. Quando sentisse o cansaço vindo, parasse na mesma hora
e descansasse. E claro, tomasse cuidado para não cair, ou coisas do tipo. Jamais
viria, sabendo que poderia fazer mal ao meu bebê. E foi só por isso que aceitei
essa loucura, estando vestida em uma fantasia que eu tenho certeza de que se eu
abaixar, revela alguma coisa.
— Está bem. Vamos nos divertir. — Respiro fundo.
— Aeeeee!!! — elas gritam e sorrimos.
Fomos até o bar, e elas pedem bebidas. E para a minha surpresa, o rapaz
me oferece suco de laranja. Disse que o Rogério informou que para uma tal de
Raquel Pereira, era para disponibilizar sucos. Parece que tem bebidas alcoólicas
que misturam com eles, por isso eles tem aqui. O que deixa claro que mais um
sabe da gravidez.
— O bom que se der merda, a Raquel vai se lembrar de tudo e não fará
vexame — Samira comenta.
— Verdade. Quem não bebe acaba ficando com os melhores momentos,
os micos alheios — Hannah rebate e acabamos rindo.
Os clientes começam a ir embora e ficamos sem entender. Hannah retira
o celular dos seios e diz:
— Rogério fez isso. Antes de entrarmos foram avisados sobre irem
embora. Ótimo. — Ela olha a tela do celular e coloca ele de onde tirou.
— E por que ele faria isso? — questiono.
— Porque acha que sem clientes não vamos nos divertir tanto. Eu não
falei que teríamos dançarinos, com direito a tudo o que quiséssemos. Eu disse
que seria simples.
— Hannah, que jogo sujo. Gostei, pode continuar. — Samira ri.
— Também não sabem sobre as fantasias. Ops... Acho que joguei bem
sujo. — Ela finge estar arrependida.
— Meu Deus! — exclamo inconformada e acabo rindo.
— Sabe que ele pode ter mentido sobre a deles, né? — Samira fala.
— Claro. Por isso mandei reforços. Agora, vamos nos divertir. Amo essa
música da Miley Cyrus.

It’s our party, we can do what we want


It’s our party, we can say what we want
It’s our party, we can love who we want
We can kiss who we want
6
We can screw who we want

— Seu noivo tentou acabar com a sua despedida. Mas eu jamais iria
deixar. Vamos nos divertir e muito! — Hannah grita.
Deixamos os copos no balcão e ela arrasta a gente para a pista vazia.
Começamos a dançar. Não danço como elas, mas me divirto muito. Ficamos
rindo sem parar. Tiramos fotos juntas, e sozinhas, e voltamos a dançar. Hannah
começa a fazer gracinhas com as algemas, arrancando gargalhadas da gente.
— São as nossas regras, já diz a letra da música! — Hannah grita.
— É isso aí... — não vou discordar. Não com ela com algemas.
Homens vestidos de ternos preto começam a entrar. Contei dez. Um mais
bonito que o outro, não posso dizer o contrário, porque estaria mentindo.
— AI. MEU. DEUS! — Samira grita. — Fomos para o céu, e ninguém
avisou. Que recepção!
Eles nada dizem. Seguem para o palco. Alguns funcionários da boate
trazem bebidas para a gente e três cadeiras, onde nos sentamos.
— Fomos informados que a festa foi invadida por homens muito sérios, e
talvez precisem revistar as mocinhas — O DJ diz ao microfone.
Meu Deus. O que a doida da Hannah aprontou?
— Hora da despedida, Raquel! — Hannah diz animada.
Luzes se apagam, a do palco se acende, piscando sem parar. A música
para. Meu coração está acelerado pela ansiedade do que vão aprontar. Os
homens estão sérios. Viro para o os gritinhos que vem atrás de nós. Arregalo os
olhos, quando uma luz branca e intensa fixa em quem grita. MINHAS TIAS!
Elas entram sendo carregadas por dois homens. Que mundo vim parar?
— Uhuuuuul! — Samira grita animada batendo palmas.
Elas são colocadas de pé ao nosso lado.
— Surpresa! — gritam animadas.
— Eu não acredito... São loucas. São todas loucas! — exclamo assustada.
Elas todas riem. Trazem mais duas cadeiras para elas, que se sentam.
— Achou mesmo que iríamos perder isso? — tia Noemi diz animada.
— Não sei como pude pensar que sim — falo muito abismada.
— Sempre quis participar de uma despedida de solteira. Que diversão! —
Tia Cássia bate palmas animada.
— Só curte o momento, cunhadinha! — Hannah fala e sorri para mim.
— Quero dizer que podem gritar muito. E essa noite é de vocês, garotas!
— o DJ diz, e elas gritam.
Servem bebidas as minhas tias. E colocam uma pequena mesa a nossa
lateral. Bebo um bom gole de suco e coloco o copo sobre ela. Eu consigo
relaxar. Claro que consigo! Tudo fica bem escuro, até o palco. Não se vê nada.
Apoio as mãos sobre as pernas. De repente, as batidas da música começam.
Ainda está tudo escuro. Escutamos apenas a letra:

When I walk on by
Girls be looking like damn he fly
I pay to the beat
Walking on the street
With in my new lafreak, yeah
This is how I roll
Animal print
Pants out control,
It's RedFOO with the big afro
7
And like Bruce Leroy I got the glow

Uma luz se acende em cima da gente, e outras piscam sobre o palco. Eles
já não estão mais com paletó. Todos olham para frente, bem sérios. De repente,
eles tiram as camisas de forma brusca. Elas gritam. E eu também grito, mas pelo
choque. Jogam as camisas na nossa direção, e começam a dançar enquanto tiram
a calça. Minha boca se abre e meus olhos arregalam. Olho para elas, que riem da
minha cara, pelo visto.
— SÓ RELAXA, RAQUEL! — Samira grita.
Enquanto alguns ficam no palco, outros descem e vem cada um na nossa
direção apenas de cueca branca, e começam a dançar de um jeito que jamais
imaginei que veria um homem fazer. O moreno à minha frente desliza a mão
pelo meu rosto e segura meu queixo. Sussurro um “Ai, meu Deus”, mas pelo
visto ele lê meus lábios.
— Sou quem desejar essa noite — ele diz em meu ouvido e engulo em
seco.
Apoia a mão na minha cadeira e começa a fazer movimentos de vaivém
na minha direção. Os outros fazem o mesmo com elas, que gritam animadas. Eu
vou perder meu noivo, se ele sonhar com isso! Ele segura minha mão e faz
deslizar por seu corpo, solto um gritinho, quando se aproxima de sua cueca, ele
dá uma piscada e se afasta com os outros. Estão todos sincronizados em seus
movimentos. Outro dançarino vem até mim e segura minha mão me levantando.
— VAI LÁ, RAQUEL! — elas gritam.
— Não sou a Raquel! — rebato desesperada.
— Claro que é. Recebemos sua foto, Doçura — ele diz a minha mentira
e fico brava quando me chama assim, porque só uma pessoa me chama assim.
Outra música inicia e sou levada ao palco. Sou centralizada ali. Enquanto
alguns dançam, três me cercam e dançam ao meu redor. Acabo rindo, não
consigo acreditar aonde vim parar. Acho que é o famoso: rindo de nervoso. Vejo
elas bebendo mais, enquanto se levantam e dançam animadas. Até minhas tias.
Deus, no que minha família se transformou? Um deles tira a minha tiara de
diabinha e coloca uma que trouxeram, com um véu curtinho de noiva. Segura
minha mão, e faz eu dar uma voltinha. Acabo rindo ainda mais e entrando na
maluquice.
— SE SOLTA, AMIGA. DANÇA! — Samira grita animada.
Tia Cássia faz uma dança, que acho que não é usada há muito tempo e a
tia Noemi vai no embalo. Quer saber? O Téo com toda certeza está se divertindo.
Está na hora de eu começar a quebrar algumas coisas que são tabus na minha
vida. Deixo me levar pela música e danço com eles. Começo a me divertir muito
ao som da música. Essa já ouvi algumas vezes no carro da Hannah, nessa
loucura do casamento. Ela disse que é uma das prediletas dela: We found love, da
Rihanna. Danço no meio de dois. Outros vão até elas, que se divertem também.
Depois de um tempo descemos do palco e nos misturamos com elas.

Só posso estar louca. É a gravidez me deixando assim, claro que é!


— Eu não acredito que aceitei isso! — falo enquanto retiro a tiara.
— Aceitou. Hora de liberar todo o espírito livre e feliz — tia Cássia diz.
— Verdade! E além do mais, todas vamos — Hannah comenta.
Eu simplesmente concordei de dançarmos cada uma no palco, para
algum dos dançarinos. Esse suco devia estar “bem batizado” como já ouvi
dizerem sobre, só pode.
— Eu não quero começar.
— Vai logo, menina! — Samira pede rindo.
— Isso que falei nunca existiu. Eu nem sei dançar decentemente.
— Ótimo. Eu também não — tia Noemi diz. — Mas estou animada para
fazer essa loucura.
Reviro os olhos. Sigo em direção ao palco, onde apenas um está sentado
em uma cadeira. Os demais estão simplesmente massageando elas, e eu tendo
que ir fazer essa loucura. Uma nova música inicia. Uma voz interior diz: só
imagina que é o Téo! Você consegue tudo com ele. E é nesse navio de loucura
que eu embarco. Só não sei se pode naufragar! Começo a dançar. Tento lembrar
dos movimentos das meninas enquanto dançavam hoje. Pelo menos sei que é
seguindo o ritmo da música. O homem sentado é o mesmo que dançou para
mim.
EU CONSIGO FAZER ISSO!
Me movimento ao ritmo da música, e ele me observa sorrindo. Deslizo a
mão pelo corpo e abaixo lentamente, e subo da mesma forma. Elas agitam, e eles
assoviam. Começo a me deixar levar pelas batidas da música. E é realmente
libertador. Uma adrenalina me consome, e quando dou por mim, estou dançando
como jamais imaginei.
— ISSO AÍ, GAROTA! — Hannah grita.
Danço para o rapaz, da mesma forma que fez comigo, tocando-o, mas
com limites e sorrindo. A música se encerra e outra começa. De repente, ele me
puxa para seu colo e dou um grito. Olho para a turma fora do palco, que sorriem.
— Muito bem, noivinha — ele diz em meu ouvido. Me levanto
rapidamente.
Eu realmente dancei para outro homem? Meu Deus! Desço do palco e
agora é a vez da Samira. Sento em seu lugar e estou exausta. O meu limite para
dançar acabou, mas estou me divertindo, tenho que confessar.
— Arrasa, Sami! — grito para ela enquanto me levanto. Preciso ir ao
banheiro.
Vejo a informação que indica onde fica e vou até ele. Assim que me olho
no enorme espelho fico assustada. Estou suada e parecendo uma doida. Ajeito os
fios do cabelo com as mãos e arrumo minha fantasia, que é um vestido vermelho
com brilho, babadinho e asinhas vermelhas. Estou sem a tiara de diabinha agora.
Entro em uma das cabines e faço minha necessidade. Saio e vou lavar as mãos,
aproveito a hora que vou enxugar para tirar um pouco do suor do meu rosto com
o papel sem tirar a maquiagem que a Samira fez. Olho no espelho e estou bem
melhor agora. Saio do banheiro a tempo de ver uma Samira caída e rindo muito.
— O que acon...
— Não pergunta — Hannah diz rindo.
Não sei o que de fato aconteceu, mas estou rindo muito. Devolvem
minha tiara de diabinha e coloco. Eu não poderia me divertir mais.

Os dançarinos vão embora junto do DJ, e acredito que já é de manhã.


Mas estamos sentadas, rindo, conversando, e falando besteiras. Comemos o que
os funcionários trazem. O assunto agora é sobre a primeira vez de cada uma.
— Gente, minha primeira transa foi horrível. Eu falei para ele pôr mais
fundo, que estava tudo bem, e ele disse que já tinha colocado tudo — Hannah
diz e rimos.
— Meu Deus! — Samira ri e bebe a cerveja que pediu.
— A minha primeira vez foi complicada. — tia Cássia diz.
— Por quê? — pergunto preocupada.
— Porque o homem tinha um pênis imenso. Ele tentou ser delicado. Mas
parecia que iria atingir meu cérebro, porque empurrava e não parava. Ficava
dizendo “falta mais um pouco”, e que pouco longo, viu. Andei por uma semana
assada e me sentindo escancarada.
Fico boquiaberta. Samira cospe a bebida e começamos a rir ainda mais.
— E a minha que o idiota errou o buraco? Pensem no grito que foi — tia
Noemi diz.
Arregalo os olhos.
— Gente, tadinha de vocês — comento enxugando as lágrimas do riso.
— A minha eu assustei o cara. Ele já estava exausto e eu com um fogo
que não acabava mais. Ele quis ir embora. Depois tive que me satisfazer com
meu vibrador. Inferno de dia! — Samira confessa.
— Samira, você espantou o homem! — Hannah diz rindo.
— Pelo visto sim.
Rimos sem parar das histórias.
— E a sua, como foi, Raquel? — Samira questiona. — Não precisa dar
detalhes. Só diz se foi boa.
— E-eu?
Elas confirmam.
— Foi muito boa — digo rápido. Sem detalhes.
— Que bom. Alguém aqui tinha que ter tido algo bom. — Samira sorri.
Tia Cássia cruza as pernas e diz:
— Faz tempo que não tenho sexo. Acho que criou teias de aranha já.
— Tia! — Ela sorri.
— Mulher, eu uso meu vibrador e sou feliz — tia Noemi rebate.
— Preciso comprar um — tia Cássia responde.
Fico chocada com a conversa delas.
— É bom. Eu tenho alguns. Na verdade, coleciono. — Samira ri.
— Eu tenho também alguns. Na hora do estresse alivia tão bem —
Hannah rebate. — Já usou, Quel?
— Não.
— Pois, como madrinhas, vamos te presentear com alguns. Quando o
Téo não estiver, pode se divertir sozinha — Hannah fala.
— Nem pensar. Hannah, eu...
— Vai sim. Se tiver dúvidas de como usar, pergunte a taradona aqui, que
pode explicar — Hannah provoca Samira.
Não tem o que ser feito a não ser rir muito delas.
— Mudando de assunto. Foi divertido? — Sami me questiona.
— Foi uma maravilhosa despedida. Dancei, ganhei uma dança... Comi,
bebi muito suco. Me diverti demais — respondo sorrindo.
— Será que a dos meninos foi tranquila? A nossa foi cheia de homens
gostosos — tia Noemi comenta.
— Não faço ideia. Mas pelo menos estamos a par de tudo o que fizemos
aqui, e temos que fazer um juramento — Hannah fala aproximando o corpo, e
todos fazemos o mesmo. — Se o Téo e o padre sonharem tudo o que rolou aqui,
estamos fritas. Conheço o ciúme doido do meu irmão e a penitência do padre
João. Então, o que aconteceu aqui ficará exclusivamente aqui. Ninguém deve
saber que menti sobre os dançarinos e que estaríamos fantasiadas. As fotos da
noite serão guardadas a sete chaves, apenas para as nossas lembranças.
— Fechado! — Elas concordam.
— Não sei se sou boa com mentiras... — Me olham sérias. — Mas, se
consegui esconder da minha mãe por um bom tempo sobre o que estava
acontecendo de verdade, então eu posso fazer isso. Também não quero que o Téo
saiba que dancei para outro homem. Chega de brigas intensas, ou irei endoidar.
— Ótimo! O que aconteceu no Mister Sin, fica no Mister Sin! — Samira
fala.
Rimos.
Depois de mais um tempinho, fomos todas para a casa da Samira, a Cate
ficou com a avó. Descobri que minhas tias já tinham deixado as coisas aqui
também. Tomamos um banho quando chegamos, e fomos dormir.

Quando acordamos, saímos para comer em uma padaria próxima. Depois


fomos almoçar na Eleonor e deixamos minhas tias na minha mãe. Agora estamos
na Samira novamente, a Catarina está com a gente. Estamos preocupadas,
porque não conseguimos falar com os meninos para saber se está tudo sob
controle. Nem com o Augusto e Natanael, e foram eles que despertaram nossa
preocupação, porque foram para cuidar das loucuras que acontecessem. Lá são
onze horas da manhã, e nada. Já ligamos diversas vezes para todos, e enviamos
mensagens, porém nenhum retorno. Hannah ligou no hotel que se hospedaram, e
disseram que não retornaram desde a noite passada. O que aconteceu com eles?
Eles retornam de Las Vegas bem à noite. Espero que nada tenha acontecido.
Combinei de ir com a Hannah até o aeroporto buscá-los.

Téo Lima

Não tivemos coragem de retornar as ligações. Apenas vi a última


mensagem da Hannah dizendo que buscaria a gente no aeroporto, assim que
chegássemos ao Brasil, e respondi com um simples “ok”. Minha dignidade ficou
realmente em Las Vegas. Eu dei o famoso PT (perca total), na minha própria
despedida, e os que deveriam cuidar para que nada acontecesse, acabaram do
mesmo jeito que eu. Que merda!
Saímos da ala de desembarque no aeroporto. Vejo a Hannah e a Raquel.
Parece que estão sem dormir cinco noites, mas sei que nossas aparências não são
as melhores também. Os rapazes e eu combinamos que ninguém vai saber o que
aconteceu, porque será melhor. Não quero a Raquel pensando bobagens e
nervosa, ainda mais se souber que dancei com outras mulheres enquanto bêbado,
e recebi a dança de uma. Ajeito meus óculos de sol no rosto. Raquel vem
rapidamente na minha direção e abraço o seu corpo, deixando o carrinho de
malas de lado. Fui quatro dias antes da despedida para Las Vegas, aproveitei que
tinha que participar de um evento lá. Então estamos alguns dias sem nos ver.
Inclino o corpo e beijo seus lábios.
— Oi, Santinha — falo para ela, que me olha séria.
— Ficamos preocupadas com o sumiço de vocês.
— Eu imagino... Desculpa.
Nos afastamos para um canto junto com o pessoal.
— Vamos ter uma conversa bem séria! — Hannah aponta para o nosso
pai e o Natanael, que sorriem nervosos.
— Espero que minha boate esteja inteira — Rogério diz.
— Só quebramos algumas coisas — ela rebate e ele olha sério.

Estamos no carro da Hannah. Raquel está atrás comigo e o Natanael.


Rogério pegou um táxi, disse que precisava ir diretamente a boate. Só quero
esquecer essa despedida vergonhosa. Porra, dancei em cima de uma mesa e
dormi no chão!

O que combina com sede é água doce
O que combina com riso é prazer
Primavera combina com as flores
O que combina comigo é você, você, você, você, você...
— Zé Henrique e Gabriel “O que combina comigo é você”

Raquel Pereira

Entramos na igreja. Um grupo de jovens, sentados no banco da frente,


ouvem atentamente o que meu tio diz. De mãos dadas, Téo e eu sentamos no
último banco, onde tem uma senhora bem quietinha. Viemos para nos confessar.
Amanhã será o grande dia. Os últimos dias desde a despedida de solteiro foram
corridos, e quando menos esperamos a semana tão esperada chegou.
Téo acaricia meus dedos presos em sua mão e sorri. Retribuo ao sorriso e
torno a olhar para o meu tio, que nos vê e faz um pequeno aceno, e então volta a
falar:
— Sentir medo é tão normal. Mas deixar que ele se torne prioridade em
sua vida não é certo. Quando damos esse tipo de poder a ele, ficamos
vulneráveis. Nossos sonhos começam a parecer distantes. Desistimos de realizar
algo, imaginando coisas tão ruins que poderiam acontecer...Vejam bem, meus
filhos, que quando damos poder a algo, conhecemos seu verdadeiro lado. É
assim que funciona o medo. Podemos sentir, mas jamais deixar que ele comande
nossa vida por completo. Jamais deixar ele ter tanto poder.
Ouço atentamente suas palavras.
— Então vocês dirão: “Padre, mas eu não consigo deixar o medo ir
embora. Eu não consigo mudar isso. E estou sentindo minha vida se autodestruir.
Por que Deus não tira esse medo de mim?”. — Ele sorri. — Meus caros, Deus só
habita naqueles que dá essa total liberdade a Ele. Seria tão fácil Ele chegar
fazendo tantas mudanças radicais. Isso seria excelente. Mas como
aprenderíamos? Deus é escola, e nós somos os alunos. Entendem o que eu digo?
Quer uma mudança? Quer que o medo pare de comandar sua vida? Então
permita que Deus te ajude a mudar. O primeiro passo é acreditar que essa
mudança vai acontecer. É a fé.
Alguns jovens choram emocionados e eu me pego com os olhos
marejados.
— Essa palavrinha pequena começa sendo um simples resfriado. E até
então está normal. Estamos tendo o controle. Tomamos uma vitamina, um
remedinho e passa, mas então na semana seguinte novamente ficamos resfriados,
e assim vai. As vitaminas triplicam junto aos remédios. Quando vemos, a nossa
falta de atenção a mania de tentar se automedicar traz problemas maiores, e o
que é um resfriado torna-se uma gripe forte, que vira uma pneumonia, e aí tudo
desanda. O controle daquilo que achamos que temos não existe mais. — Ele
anda e apoia uma mão na cadeira disponível ao seu lado. — Também dirão:
“Mas, padre, o senhor disse que sentir medo é normal!”. — Ele eleva um pouco
o tom de voz, está emocionado como todos. — Sim. Ele é normal, desde que
saibamos como controlar, e buscamos compreender que, quando ele estiver
piorando, devemos buscar o único que pode arrancar de nós o que poderia se
agravar. Temos que nos prevenir antes que o resfriado vire pneumonia.
Entendem? — Ele suspira. — Porque a pior parte do medo é que nos sentimos
só. Antes que isso aconteça, reze e diga a Deus: “Pai, seja o meu remédio. És o
Único que pode fazer com este sentimento seja apenas ‘normal’”.
Olho para o Téo, que está com o olhar fixo em meu tio.
— Quantas coisas perdemos com esse sentimento nos comandando?
Quantos sonhos deixamos de lado? Quantas obras magníficas Deus planeja para
as nossas vidas, mas fugimos? E tudo porque o que é simples, vira uma
bagunça... Deus não erra, e também não mente. Você, eu... nós controlamos o
medo. Somos o dono dele, mas quando perdemos o controle não é vergonhoso
pedir socorro para Aquele que tem o poder para nos dar sabedoria de como lidar
com a situação. Em Mateus 14 vemos um momento de medo que perde o
controle. Todos ali estão assustados quando veem um homem sobre as águas.
Jesus se identifica a eles, mas o medo deles é maior, porém Pedro diz o quê? “Se
és tu, mande-me ir ao teu encontro por sobre as águas”. Jesus o chama e ele vai,
mas o medo, que não deve ter grande poder, faz com que Pedro tema o vento e
comece a afundar, pedindo por socorro, Jesus prontamente o socorre, mas lhe
diz: “Homem de pequena fé, por que duvidou?”. — Ele sorri mais uma vez. —
Não deixe que o seu medo seja maior que sua fé. Não deixe que o seu medo te
coloque no chão. Grite por socorro quando perceber que o controle está saindo
de suas mãos. Este sentimento pode arrancar tudo de bom de uma pessoa se ela
permitir. Não permitam. Digam ao medo: “Deus e eu controlamos você”.
Enxugo meu rosto e o Téo aperta levemente minha mão. Olho para ele e
sorrio.

Ontem estive com meu tio e conversamos muito. Ele disse que hoje
alguns jovens viriam com a monitoria da diretora da ONG que eles estão
prestando serviços. Ele daria conselhos, palavras de apoio, faria de tudo para
ajudar. Era para eles que meu tio falava quando chegamos. Um pouco depois
terminou e um por um foi pedir a bênção e foram embora sorridentes, com um
semblante iluminado, e a senhora que estava no banco conosco foi junto, pois
era a diretora da ONG.
As palavras ditas hoje mexeram comigo, porque é o que resumi minha
vida inteira: medo. Quantas vezes deixei e ainda deixo este sentimento ser maior,
e me controlar? E hoje ouvir tudo isso parecia que havia sido anestesiada. Uma
sensação de calmaria. Ajeito minha postura e aperto minha correntinha de
crucifixo no pescoço. Meu tio se ajeita no estande amadeirado.
— Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém — ele diz e
fazemos o sinal da cruz.
— Amém. — Respiro fundo. — Faz tempo que não faço isso — digo
baixinho.
— Se sente forçada a fazer isso?
— Não. Isso é necessário, entendo perfeitamente.
Ficamos um tempo em silêncio, até que ele diz:
— Digas, o que tem para pedir perdão ao Senhor?
— Irei me casar e quero que tudo se inicie corretamente. Sei que não
podemos mentir, principalmente na confissão, então direi. Eu pequei.
— Qual o seu pecado, filha?
— São tantos ultimamente. Eu menti para a minha mãe. Também teve a
vez que fui a uma boate cheia de coisas erradas e menti sobre o local que iria.
Me entreguei a um homem antes do casamento e resultou em gravidez. Dancei
para outro homem na despedida de solteiro. Já fiquei bêbada. E tem o fato de
estarmos escondendo a gravidez de pessoas próximas, que eu sinto que não
deveria, mesmo o médico dizendo que falta pouco para poder revelar.
Ele pigarreia e respiro fundo, alisando lentamente minha barriga.
— E veio atrás do perdão com sinceridade?
— Sim... Não... Eu não sei. Não me arrependo de nada. Mas sei que errei
em muita coisa. O que eu faço?
— O arrependimento deve ser sincero. Tudo o que fez não lhe causa
nenhum tipo de arrependimento?
— Algumas coisas sim, como ter mentido a minha mãe e ter ido à boate,
foi horrível ver outra mulher beijar o meu agora noivo.
— Céus... Somente disso se arrepende?
— Sim. Tenho que ser sincera.
— Muito bem...
Ele insiste se não tenho mais nada do que me arrependo e não posso
mentir. Digo a mais pura verdade, que já declarei. Não me arrependo além de ter
mentido a minha mãe e ter ido à primeira vez com o Téo naquela boate. Mesmo
eu sabendo que outras coisas foram contra ao que a igreja me ensinou, eu não
consigo me arrepender. É me dado a penitência pelo que me arrependo, e não é
nada exorbitante como imaginei que seria, mas me aconselhou desabafar mais
com Deus e tentar não desviar das coisas boas que aprendi dentro da casa do Pai.
Encontro o Téo ainda sentado e ele me avalia.
— Ele não te enforcou?
— Téo! Ele é padre. Jamais faria isso.
— Duvido!
— Estamos na igreja. Não comece. Vá, é sua vez.
— Sua penitência foi muito grande?
— Vá, Téo.
Ele revira os olhos e se levanta indo até o meu tio. Deixo minha bolsa no
banco e me ajoelho para começar as rezas.

Téo Lima

Parece que estou revivendo um momento passado. Ajeito-me sobre o


banco estofado na cor vinho. O padre diz o que deve ser dito inicialmente e
então ficamos em silêncio por um tempo, até que ele suspira, e talvez eu esteja
louco, mas ouvi ele dizer: “Deus, ajude-me”.
— Filho, o que lhe aflige? Quais os seus pecados?
Senhor, eu vou matar o homem. Por que vim me confessar?
— Então, são tantos. Quer a lista por ordem alfabética?
— Aqui não devemos brincar. Temos de ser sinceros e sérios.
— Perdão. Nunca sei fazer isso. Mas em resumo eu pequei muito. Dormi
com muitas mulheres, inclusive a filha de uma religiosa que era maluca, mas
está se curando. Às vezes também faço minha filha mentir para a mãe dizendo
que comemos comida saudáveis, quando nos entupimos de besteiras. Teve
também o fato de eu quase ir para a cama com a minha ex-cunhada. Também
estou escondendo da minha noiva que fiquei doidão na minha despedida de
solteiro e que uma ruiva dançou para mim, e eu tirei a roupa em cima de uma
mesa. — Coço o queixo. — Teve as vezes que fiquei observando minha noiva
dormir, e ficava excitando apenas por olhar seu corpo, me sentia um tarado, seu
padre. Também tem a minha mãe que diz que não a valorizo, e estou começando
a acreditar nisso... Acho que estou esquecendo de mais coisas...
— Senhor... — Ele tosse. — É muita coisa... E tudo isso lhe traz
arrependimento?
— Qual nível de arrependimento? Tipo, de 0 a 10?
— Está arrependido de tudo isso?
— Então, acho que sim. Sou, fui muito safado...
— As palavras, filho... Cuidado com as palavras.
Reviro os olhos. É para se confessar ou ter aulas de como falar
formalmente? Gosto de me expressar com total sinceridade, e nada melhor do
que sendo eu mesmo.
Resolvo responder com total sinceridade.
— Fui muito errado. Não deveria ter usado tantas mulheres. Também
deveria ser mais rígido com minha filha em alguns momentos, pois sempre deixo
ela comer tudo o que a mãe diz para evitar e deixo ela abusar em algumas coisas.
Confesso que também deveria ser mais presente na vida da dramática da minha
mãe. E sinto-me mal por esconder da minha noiva sobre a despedida. Enfim, me
arrependo de tudo sim. E sabe que é bom dizer isso em voz alta, seu padre?
— Isso é bom. Mostra que existe sinceridade no que diz. A base de um
relacionamento é a sinceridade. Se algo lhe incomoda, seja sincero com a sua
parceira.
— Tenta ser sincero com uma grávida psicopata.
— Por Deus, não diga isso!
— Verdade puríssima. Então, estou livre? Lembrei de uma coisa. Estou
com o pecado da luxúria triplicado, sempre quero minha noiva de todas as
formas. Estou com medo dela não andar mais.
O homem começa a tossir.
— Padre, ainda não fiz parceria com a ambulância...
— Estou bem — diz — Há mais coisas que ache que foi pecado e lhe
incomodam?
— Tenho medo de ficar tentando lembrar, porque nunca mais iremos sair
daqui. Mas, por enquanto, é isso o que me arrependo. Quero ser um homem mais
sério. Mais responsável. E juro que nunca mais olhei para o traseiro de nenhuma
mulher, além... Perdão. Sempre esqueço de falar com classe.
— Existe mais alguma coisa? — Percebo a inquietude em sua voz.
— Não. Estou me sentindo melhor. Acho que o que me incomodava mais
era o fato de estar escondendo algo da Raquel... — Sou sincero. — Sinto como
se estivesse traindo-a. Às vezes acho que sou tão errado para ela. — Minha voz
falha.
Um minuto de silêncio se passa e então o padre diz baixinho:
— Não é não. Você trouxe a luz para ela. Do seu jeito torto, mas trouxe.
É o famoso “Deus escreve certo por linhas tortas”.
— Tem momentos que desacredito disso. Parece que sou um pecado em
sua vida.
— Ontem eu escutei de um passarinho verde, que uma determinada
pessoa era o pecado mais perfeito que poderia ter encontrado.
Sorrio e pisco rapidamente.
— E se amanhã tudo for um grande erro? E se eu fizer ela assinar a
sentença horrível da vida dela?
— Téo, não ouviu o que eu disse hoje? Não deixe o medo comandar
você. O único que pode destruir o relacionamento de vocês é o medo que vive os
cercando. Esse é o pecado dos dois, colocar força em um sentimento que não
precisa de mais poder.
Passo a mão para enxugar rapidamente a lágrima que escorreu.
— Tudo bem... Obrigado.
— Mais alguma coisa, meu filho?
— Não. Foi bom falar aqui... Com licença.
— Nem pensar. Não terminamos.
— Não?
— Agora que tem arrependimento sincero de tudo, leia o Ato de
Contrição que está colado ao seu lado direito.
— Ok. Só isso?
— Vamos por partes.
Leio a oração, que é pequena.
— Agora vamos a penitência.
— Para que essa agressividade, seu padre?
Meu pesadelo chegou. Receber sozinho uma penitência.
— Filho...
— Perdão.
Que seja. O que vão ser uma ou duas rezas?
— Deverá rezar vinte pai-nossos e trinta ave-marias.
— Como é?! — falo alto. — Isso é um absurdo. Que mundo é esse?
— Aumentando para quarenta de cada.
Meu Deus!
— Está bem — concordo antes que ele faça eu rezar cem vezes de cada.
Terminamos e levanto às pressas dali, antes que o homem invente mais
alguma coisa. E pior, tenho que começar agora. Serei a primeira pessoa a chegar
à igreja amanhã, porque não irei sair daqui. Volto para a Raquel, com o padre
João ao meu lado. Deve estar vindo para conferir se irei rezar tudo. A pessoa
desabafa, pede perdão, e tem que ficar sem joelhos. Acho que em partes ele fez
por todas as vezes que quase o matei. Estou inconformado.
Raquel se levanta assim que nos vê.
— Ah, e a bonitinha não teve tanta penitência assim? Cadê os direitos
iguais? Só porque é sua sobrinha?
— Téo! — Raquel diz e cruzo os braços encostando no banco.
— Bom, amanhã será o grande dia. E tenho um conselho a dar para
ambos. — Ficamos olhando para ele, que pouco se comove com minha cara de
piedade. — Sejam sinceros. Antes de dizerem o “sim”, contém a verdade do que
tiverem para dizer. E saibam que a família de vocês está fazendo de tudo para
que amanhã seja perfeito. Estão virando noites acordados para tornar tudo
especial. Não são estranhos ou parentes distantes. Eles estão ajudando a vocês
em rumo ao início de uma vida a dois, que ambos lutaram para conseguir. Então
sejam sinceros.
Assentimos e um senhor chega e chama por ele, que se afasta.

Estamos no carro a caminho de casa. Meus joelhos pedem ajuda.


Coitadinhos.
— Téo, foi grave sua confissão. Olha a hora que estamos saindo da
igreja.
— Seu tio foi cruel. Não sabe a dor que está sendo para dirigir.
Ela sorri.
Vamos para casa. Não aceitamos o papo de que não podíamos ficar
juntos um dia antes do casamento. Minha mãe disse que isso dava azar, mas não
acredito em superstições. Dirijo mais rápido, para chegar logo em casa, pois
meus joelhos precisam de ajuda.

Sento no sofá e uma bola de pelos começa a morder meu pé.


— Sai, Totó.
— Não fala assim com ele — minha noiva me repreende.
Quando levamos no veterinário, cuidaram dele, e descobrimos através
dos exames que fazia mais ou menos um mês que ele estava na rua sem
cuidados, o que levou a entender o que poderia ter acontecido. Naquele bairro
descobriram uma casa que vendia de forma errada cães de raça, e eles estavam
em estado crítico. Pouco antes da polícia descobrir, parece que vizinhos viram a
mulher colocando caixas para fora, e andam sendo encontrados cachorros na
região, que eram filhotes, na qual ela, para diminuir a encrenca grave que se
colocou, tentou dar um fim. Esse deve ter sido um dos bichinhos perdidos.
Deixamos foto dele no site da clínica que ajuda donos a encontrarem seus cães
perdidos, o site é famoso e ninguém apareceu como dono dele até agora. É um
Shih Tzu marrom com branco. É fofinho o danado, mas parece que gosta de me
provocar. Comeu dois sapatos meu nesse pouco tempo aqui. A Raquel ficou
infernizando para trazermos ele para casa, depois que o veterinário cuidou,
medicou e explicou os cuidados por ele ainda ser filhote. Ela até chorou, e foi
um drama que comoveu a equipe veterinária, e eu não queria ser o vilão e nem
que ela me jogasse praga de grávida. Então trouxe ele.
— Vem, Biscoito — ela chama pelo nome ridículo que escolheu, só
porque ele não pode ver pacotes de biscoito que fica todo animado.
Ele vai todo animado para ela, que o pega no colo e se senta no sofá,
acariciando o animalzinho.
— Ele gosta de você. Só quer sua atenção, Téo.
— Ele me odeia. Vai por mim. Não sei por que aceitei isso. Sabe que é
provisório, não é?
— Se o dono não aparecer, será nosso sim. Olha que coisa fofinha! —
Ela sorri com os olhos brilhando. Porra, assim é impossível negar as coisas.
O celular dela faz barulho e coloca o cachorro no chão que vem na minha
direção e deita em cima do meu pé e fica me encarando.
Raquel franze o cenho vendo algo no celular.
— Algum problema?
— A Hannah me mandou um negócio... Uma reportagem.
— Qual a fofoca da vez? Eles não cansam? — pergunto já exausto da
mídia.
— AI. MEU. DEUS! — Ela leva uma mão à boca e então um som vindo
do celular se espalha pela sala.
MERDA!
— Eu não acredito nisso! — ela grita. — Que isso?
Mexo-me e o Biscoito se levanta e fica atento olhando para nós. Levanto
em um pulo e sinto a dor em meu joelho.
— Raquel, eu posso explicar. Não sei como disseram, mas não...
— Está da seguinte forma “Despedida de solteiro do fotógrafo Téo Lima
em Vegas”. Você tirou a roupa na mesa? — pergunta espantada.
Porra, como eu pude imaginar que ninguém ali gravaria ou que não teria
nenhum dos paparazzi?
— Amor, isso...
— Isso foi a coisa mais... — ela não termina de dizer e fico boquiaberto
com sua reação.
Raquel começa a gargalhar. Até o cachorro parece entrar na dela porque
balança o rabo.
— Está tudo bem? — pergunto preocupado.
— É que... a matéria diz que vocês deram vexame. Rogério expulsou a
todos porque queria dormir, e vocês dois dançaram na mesa... Falaram que
fontes afirmaram que dormiram no chão da boate... Eu não estou aguentando...
— Ela não para de rir.
Caio sentado no sofá e bem surpreso com sua reação. Deve ser castigo de
Deus, por eu ter ficado bravo com a penitência.
— Que péssimo. Perdão, eu não queria rir, mas o vídeo está cômico. Tem
mais um...
Reconheço a música e é a dança da ruiva. Droga. Ela começa a assistir e
sua expressão é engraçada.
— A sua cara! Parecia com medo... Estou passando mal... Ai minha
barriga. — Ela continua rindo.
Não acredito que essa pestinha vai ficar rindo!
— EU FIQUEI PREOCUPADO EM TE CONTAR E ENTÃO
DESCOBRE E TIRA SARRO? PORRA! — grito e me levanto.
— Perdão, amor. Mas está muito engraçado. Nunca imaginei que pudesse
ficar nesse estado. Já te vi bêbado, mas não assim... Tadinho. Deve ter sido
péssimo o dia seguinte. A minha bebedeira no dia seguinte foi ruim.
— Que bom que isso diverte você. E eu idiota, preocupado!
Começo a sair da sala.
— Téo, vem aqui. Não fica assim. O importante é que você se divertiu,
sem fazer nada errado. Bom, quase nada errado! — ela grita e começa a rir de
novo.
Entro no quarto e deito na cama, deixando o braço caído para fora dela.
Estou largado. Que ótimo. Virei piada da minha noiva, e do mundo agora, e para
ajudar meus joelhos doem.
Sinto lambidas na minha mão e viro de lado para olhar.
— Bola de pelos. Veio zombar de mim também?
Ele tenta subir na cama.
— Não vai subir na cama. E também não irei te ajudar, porque depois
corre para a sua amiguinha e ficam me provocando.
Porra, tenho vinte e sete anos e estou discutindo com um cachorro.
Merda. Preciso comer, estou com fome, mas também estou enjoado e com os
joelhos doendo.
— NINGUÉM CUIDA DE MIM NESSA CASA! — grito em
provocação.
Escuto passos e não demora para Raquel parar na porta. Ela me olha e se
controla para não rir.
— Desculpa, não devia ter... — Ela respira fundo. — Não deveria ficar
rindo disso.
— Sei.
A bola de pelos traíra corre para ela, ficando em seus pés.
— Toma um banho e então comemos a torta de frango que sua mãe
trouxe hoje. Ou irei comer sozinha.
— Encosta na torta e eu te mato, Raquel.
Ela sorri.
Deita-se ao meu lado e morde o lábio. Está se controlando para não rir.
Viro para ela e inclino o corpo ficando com o rosto próximo a sua barriga e
acaricio.
— Viu? É assim que sua mãe trata o papai. Hoje o dia está horrível.
Quase fiquei sem joelhos, e ela ainda tira sarro de mim. E pelo visto virei piada
pelo mundo. Papai sofre, amor. — Deixo um beijo em sua barriga e Raquel
acaricia meu cabelo.
— Não seja bobo, Téo. Mas não deu para evitar. Foi engraçado. Perdão.
E saiba que no grupo que estou com a Hannah e a Samira, a piada está pior. Elas
não estão perdoando nada.
— Que ótimo. Isso não vai ficar assim. Vão ter troco.
— Perdão. Não vou mais rir.
— Aham...
Aproximo-me de seu rosto para beijá-la, mas a abusada começa a rir.
Desisto e levanto da cama, com os joelhos pedindo por socorro. Por pouco, não
piso no Biscoito que estava deitado no tapete.
Entro no banheiro e fecho a porta. Olho para o espelho e acabo rindo. No
fundo, vê-la rir assim me faz bem, mesmo que o motivo seja eu ser a piada, mas
ela não precisa e nem vai saber. E estou aliviado por ela saber a verdade, e
também puto pela mídia ter divulgado um dia antes do casamento, sabendo que
com toda certeza não eram boas suas intenções.
Ela grita:
— Téo, seu pai estava doidinho. Sua mãe não vai gostar.
Se um cair, todos caem. Rio.

Pra você guardei o amor
Que sempre quis mostrar
O amor que vive em mim vem visitar
Sorrir, vem colorir solar
Vem esquentar
E permitir
— Pra você guardei o amor “Nando Reis part. Ana Cañas

Téo Lima

Hoje é o grande dia, e a minha futura esposa simplesmente resolveu


contar a todos da gravidez, começando pela minha mãe, que pode alagar a
cidade com seu choro, que já imagino que vai ter. Eu não deveria ter
concordado, porque o médico foi claro, para não sair espalhando para muita
gente durante os três primeiros meses, mas no fundo sei que o melhor é começar
esse casamento sem mentiras para o restante de nossos familiares, inclusive para
a minha pequena loirinha, que pode levar mais tempo para compreender tudo.
Por isso estamos na minha mãe, é bem cedo. Depois irei para a casa do Rogério
aonde vou me arrumar, e a mulherada vem para cá. Parece que Benjamin vai
direto para a igreja. Convidei uma pessoa e espero que venha, acho que vai ser
legal, e vai calar a boca dos fofoqueiros de plantão sobre um assunto que mesmo
sendo antigo ainda gera fofocas. Minha irmã já deve saber se a pessoa confirmou
o convite.
Estamos na biblioteca na casa dos meus pais. Estão preocupados, porque
hoje é o dia do casamento e deveríamos estar tranquilos para o grande momento.
As poltronas são ocupadas por nós, que estamos em silêncio até agora.
— Desembuchem! Estou preocupada. Por Deus, querem me matar.
Raquel me olha e sorrio. Minha Santinha está preocupada. Preferi vir de
surpresa, sem avisar. Assim minha mãe não faria uma reunião com todos,
pensando no pior.
— Sua mãe tem razão. Estão nos preocupando. São seis e meia da
manhã, e apareceram do nada. E agora estão com a expressão de quem aprontou.
E como aprontamos, resultou até em um Téozinho, porque tenho certeza
de que é menino.
— O que o Téo e eu viemos dizer é algo importante, que antes de...
— Senhor, vão desistir? Eu comprei um vestido. Eu deveria ter alugado.
Eu falo que jogaram uma praga em meus filhos para não casarem. Que desgosto.
O que o TTL fez? Tinha que ser Téo Tarado Lima. Tenho certeza de que fez
merda.
Reviro os olhos para o seu desespero.
— Querida, deixe eles falarem.
— Marido, cale a boquinha. Ainda não o perdoei pelo show em Las
Vegas. Que baixaria! — rebate indignada.
Raquel pigarreia e me olha.
— Não tenho paciência para ficar enrolando... Raquel está grávida de
quase três meses.
Meu pai abre a boca, mas fica mudo. Já minha mãe se levanta e começa a
andar de um lado para o outro.
— Grávida? E esconderam esse tempo todo? Que absurdo. Eu vou ser
avó novamente e só contaram agora. Eu estou indignada. Como sempre a última
a saber de tudo. Que ingratidão. Coloquei esse jumento no mundo, e ele me trata
como segunda opção. E até a minha futura nora está me escondendo as coisas.
Eu estou morrendo. Não consigo respirar. Se eu morrer, não adianta chorarem no
meu caixão, que retorno para buscar o pé de cada um! — Ela para e aponta o
dedo para a Raquel, que está olhando atentamente a cena. — Grávida? Eu não
acredito. Esconderam uma gravidez... — Ela olha para o meu pai. — Marido,
acredita nisso? Fale algo, homem, e pare de ficar com essa boca como se
estivesse tendo um derrame... Melhor, não diga nada. Cadê meu remédio de
pressão? — Cai sentada no sofá. — Estou sentindo meu braço formigar, é
infarto.
Controlo ao máximo para não rir do drama. Graças a Deus, não tenho
esse problema.
— Eleonor, não queríamos esconder, mas o médico orientou, porém
achei certo contar antes do casamento.
— Achou certo só agora? Ninguém me valoriza. Quem já sabia? Não
respondam, porque não vou aguentar. FALE ALGO, AUGUSTO! — ela grita
assustando a todos.
— Eu... Eu não sei o que dizer. Ela precisa parar de trabalhar, repousar.
Tem feito muita coisa. Meu Deus! — meu pai diz meio desorientado.
— Não! Por favor, está tudo bem. Não posso parar... — Raquel se
desespera.
— Não acredito. Sua preocupação é com o trabalho, homem? Eles
esconderam da gente. Seremos avós novamente e nem deram a chance de
comprarmos um sapatinho, o primeiro sapatinho.
Sorrio.
— Mãe, se aca...
— Calado. Não tem direito de falar nada, seu ingrato. Eu sofro demais.
Vim a este mundo para sofrer na mão de filhos ingratos. Catarina vai ter um
irmãozinho, e ninguém contou!
— EU VOU TER UM IRMÃOZINHO? — Olhamos para a voz que grita
atrás de nós.
Desde quando ela estava aqui? Eu nem sabia que ela dormiu nos meus
pais. Merda, isso não vem ao caso. Ela se aproxima vestida em um pijama de
bolinhas. Para perto da minha mãe e fica olhando para mim.
— Eu vou ter um irmão? — insiste na pergunta.
Minha mãe arregala aos olhos, e meu pai esfrega o rosto.
— Gatinha, não disse que viria dormir nos seus avós — desconverso.
Ela se aproxima, ficando bem na minha frente.
— Pai, eu vou ter um irmão, me responde, por favor? — Seus olhinhos
se enchem de lágrimas.
Meu pai se levanta e minha mãe faz o mesmo. Ambos saem da
biblioteca, entendem que é um momento a ser tratado apenas entre nós três.
Raquel olha preocupada para a minha filha.
— Cate, o papai não pode mentir. Você vai sim ter um irmão ou irmã.
— Eu não quero dividir você, nem meus avós... Você é meu papai. Eu
não quero. — Ela começa a chorar e preciso ser firme para lidar com esse
momento. Ela precisa compreender, mas também tenho que ser calmo ao falar.
— Catarina, ninguém vai tirar o seu lugar — Raquel fala calma, mas
visivelmente abalada.
— Não quero perder você, papai.
— Filha, o bebê vem apenas ano que vem, e você não vai me perder.
Terei tempo e amor para os dois.
— Não vai, eu sei... Mamãe fala que, quando eu era bebê, precisava de
muita atenção. Eu vou ser esquecida, porque já sou grandinha. — Lágrimas
escorrem por suas bochechas gordinhas.
Raquel pisca rapidamente para conter as lágrimas.
— Sim, bebês precisam de mais atenção, mas não significa que irei te
deixar de lado.
— Ele vai morar com você... Eu não quero dividir. Mamãe ensinou que
temos que dividir, mas não quero. Ele vai ter mais você do que eu.
Enxugo seu rosto com carinho.
— Meu amor, você sempre será minha bebezinha.
— Mas já tenho sete anos.
— E sempre vai ser meu bebê. Não irei te deixar de lado. Esse novo bebê
vai morar comigo, mas não é por isso que deixarei você de lado. Você sempre
vai ter espaço no meu coração, e sempre terá minha atenção. — Seguro suas
mãozinhas.
— Cate, jamais deixarei que esse bebê tenha mais atenção que você. E
ele vai precisar de uma irmã mais velha para protegê-lo — Raquel fala.
— Vou ter que sair do meu quarto?
Sorrio.
— Não. O bebê vai ter o dele — respondo.
— Não quero perder você, papai... Só isso. — Ela agarra meu pescoço e
esconde o rostinho, e então o choro vem mais forte. Abraço seu corpinho.
Raquel começa a chorar e tenta controlar abanando o rosto de um jeito
engraçado.
— Gatinha, não precisa chorar. Vai ter papai para os dois. Eu prometo.
Olhe para mim. — Ela afasta o corpo e me olha com o rosto todo vermelho e
ainda soluçando. — Confia no papai? — Ela assente e começo a enxugar seu
rostinho. — Eu prometo que não vai me perder. Que sempre terei tempo para
você. Que nunca irei dar nenhuma preferência, pois tratarei os dois iguaizinhos.
Confia em mim?
Ela olha para a Raquel, que sorri para ela. Então torna a olhar para mim.
— Está bem. E-eu confio, p-papai.
— Muito bem. Agora se acalme, porque quero você bem linda entrando
na igreja hoje.
Ela balança a cabeça concordando. Em seguida vai até a Raquel e fica
agarrada a ela, e me encanto com seu gesto.
Meus pais entram na biblioteca novamente.
— Escutamos tudinho. E só posso dizer que eu não queria chorar, mas...
maaaas... — minha mãe começa a chorar e rir ao mesmo tempo. — Vou ser avó
de novo. Eu não sei lidar com esse momento. Preciso de plástica, estou ficando
velha... Meu Deus, que emoção! — Ela bate no braço do meu pai, que esfrega o
local depois.
Passo o braço ao redor da Raquel, que está com a Cate ainda agarrada a
ela. Essa família é louca, mas não mudaria nada deles.
— Levanta essa bunda daí e me abraça, menino! — minha mãe pede
chorando.
— Meus parabéns, meus filhos! — meu pai diz emotivo.
Levanto e abraço ela, que por pouco não me quebra. Mas minha camisa
encharcou pelo choro. Olho para a Raquel, que coloca a Catarina sentada em seu
colo e ficam abraçadas. Porra, assim eu que ficarei enciumado.
— Mãe, preciso respirar.
— Cala a boca, ingrato!
Meu pai sorri como um bobo.

Chego na casa do Rogério que me xinga por ser muito cedo. Sento na
poltrona e ele deita no sofá cobrindo os olhos.
— Porra, que belo padrinho. Nem para preparar um café da manhã
prestou.
— Que eu saiba, a noiva merece um dia para ela, você merece um murro.
— Que humor maravilhoso. Levanta o astral de todos — provoco.
— Prepare café na máquina. Se vira, cara. Estou cansado.
— Ficou até tarde na boate?
— Sim. E cheguei em casa e fui trabalhar. Dormi duas horas apenas.
Muita papeladas e coisas para resolver.
Olho na mesa de centro e realmente tem notebook, envelopes, papéis.
Trabalhou na sala.
— Farei um café! Se anima, porra.
Levanto e passo por ele dando um tapa em sua cabeça.
— Vai casar sem mão, idiota!
Vou até a cozinha e preparo dois cafés, para animar a fera na sala.
Retorno e entrego uma caneca a ele, que senta no sofá e passa a mão pelo cabelo.
Bebo um gole do meu café, e olho na direção da bagunça dele, e algo me chama
a atenção. Me inclino diante da mesa de centro e pego um envelope.
— Porra, me dá isso aqui, Téo! — ele pede nervoso e me afasto.
— “Despedida de solteira”, belo título para um envelope.
— Téo, não faz isso. Me dá essa merda. Isso é confidencial!
Percebo que tem outros envelopes com outros nomes e datas. O que está
na minha mão está vazio.
— Cadê a filmagem daqui?
— Não existe filmagem. Para com essa merda.
— Suas boates têm câmeras e por segurança maior, se teve evento no dia,
nomeiam e guardam tudo, você comentou uma vez. Você viu a despedida da
Raquel?
— Não vi nada. Esquece isso, cara.
Deixo a caneca na mesa e reparo no pen drive no notebook, porque ele
tem o número que está no topo do envelope. Deixo o envelope de lado também e
pego o notebook. Agora vou saber o que aconteceu.
— Porra, Téo! — Ele se levanta rapidamente, e tenta tirar o notebook das
minhas mãos, mas não permito. — Foda-se. Desisto. Só deixe claro depois que
não concordei com isso.
Abro o notebook e apoio no espaço livre do aparador bar. A pasta já está
aberta e tem a filmagem. Clico e seja o que tiver que ser.

Meu amor essa é a última oração
Pra salvar seu coração
Coração não é tão simples quanto pensa
Nele cabe o que não cabe na despensa
— A banda mais bonita da cidade “Oração”

Raquel Pereira

O grande dia chegou...


Só preciso lembrar de respirar.
Olho para a minha imagem diante do imenso espelho. E ali está a menina
de vinte anos que passou por muitas coisas e está se tornando uma mulher, que
está aprendendo com a vida. Meus cabelos soltos com as pontas cacheadas caem
sobre meus ombros, em uma delicadeza sem igual. Levo a mão pelo tecido
branco e acaricio lentamente na barriga e esboço um sorriso seguido de um
inspirar e expirar. Começo um trajeto com o olhar pela parte de baixo, sapatos
brancos e saltos finos, não muito altos, nada que iria me preocupar em cair, mas
poderia entrar descalça, porque o vestido esconderia. Com bordados na barra,
que sobem bela base com um volume digno de princesa. Os bordados trazem um
ar vitoriano, muito lindo. Subindo pela minha cintura, o vestido é bem mais
justo, de uma forma que não me deixa sem ar, mas marca minha cintura, sem
apertar minha barriga de maneira prejudicial, mas dando um efeito de
“cinturinha de Barbie”, como diz o Victorine. Esta parte também é trabalhada em
bordados, sem deixar nenhum espaço vago. Subindo na altura dos seios, temos
um decote comportado, dando um pouco de destaque aos meus seios, mas nada
extravagante. Saindo das laterais do bojo, vem as alças todas bordadas, e
medianas em sua largura. Ele é perfeito, me sinto uma verdadeira princesa.
Meu rosto carrega uma maquiagem com contornos, um olho mais
marcado, e lábios nude, além de iluminador nos pontos certos. Erguendo ainda
mais o olhar, volto ao cabelo solto, com um pequeno volume no topo na cabeça,
onde a coroa prateada e repleta de pedrarias está presa. Após a coroa, vem preso
de uma forma delicada o véu, que assim como o vestido tem bordados, mas ele
não é longo, mudamos os planos, devido o vestido por si só ter uma espécie de
cauda. Nas costas sei que o vestido tem um corte mais aberto, porém o cabelo
solto esconde esta parte exposta da pele, trazendo um charme elegante como o
estilista explicou. Também uso brincos de pressão, já que não tenho as orelhas
furadas, mas são lindos, pequenos e brilhantes. Olho para as minhas unhas, em
um nude bem delicado. Cruzo as mãos e fico me admirando. Nunca fui de me
elogiar muito, mas preciso confessar, que estou me achando linda. Sorrio ao
lembrar que na barra do vestido, do lado de dentro, o nome da Hannah, Samira e
minhas tias foram bordados como a Samira queria, pois dizem que isso aumenta
as chances de casamento para as solteiras, pois a noiva entrega sorte a elas.
Vejo a Hannah entrar. Viro lentamente para ela, que está linda também,
usando um vestido longo marsala. Todas as madrinhas tinham apenas que usar
este tom, e ter o vestido longo, o modelo poderia ser como quisessem.
— Está pronta? A limousine está te esperando.
— Sim. — Respiro fundo.
Ela se aproxima e segura minhas mãos.
— Você está linda. Quero que seja muito feliz. Eu não acredito mais em
finais felizes para mim, mas quero acreditar que outras pessoas podem tê-lo e
quero que você seja uma delas. Meu irmão as vezes é difícil de lidar, devido a
toda a fama que carrega, mas ele é fiel. Eu errei em julgá-lo. Téo é um dos
melhores homens que já conheci. Ele erra, mas aprende com os erros. Você é a
luz desta família, então vá brilhar, meu amor. Apenas brilhe, sem se importar em
ofuscar ninguém hoje. — Sorrimos emocionadas.
— Obrigada, Hannah. Você é muito especial.
— Não fica falando isso, porque vou chorar. Não pense que não sou
chorona. Nada de borrarmos a maquiagem, pelo menos não agora.
— Está certa. Então vamos.
— Só falta a gente. O restante já foram... e quase me esqueci, o Téo
mandou entregar isso a você.
Ela se afasta e vai até a gaveta da cômoda, retira uma caixa e me entrega.
— Vou te esperar do lado de fora do quarto. — Ela se retira.
Abro a caixinha e tem um papel pelo visto rasgado de algum caderno. É a
letra do Téo. Começo a ler:

“Raquel, eu tentei contar, mas a cada hora apareciam mais


momentos que tornavam tudo especial, então resolvi parar de tentar e
dizer apenas que hoje é um dos melhores dias da minha vida. Eu não
poderia ter tomado a melhor decisão da minha vida. Você é meu
ponto de salvação quando sinto que estou afundando em meio ao
caos. Pareço forte muitas vezes, mas carreguei muita coisa que só fui
capaz de colocar para fora por sua causa. Se hoje eu sou este homem,
tudo isso é graças a você, que em pouco tempo mudou a minha vida.
Eu poderia dizer que não te conheço o bastante, mas estaria
mentindo, assim como sei que mentiria se dissesse que não me
conhece o suficiente para ir até a igreja e dizer o mais intenso e
esperado SIM. Vou guardar palavras para os votos, porque sei que já
deve estar chorando apenas com isso, porque virou uma linda
manteiga derretida. Nesta caixinha tem um presentinho para usar
enquanto vem ao meu encontro. Não pense besteira, porque não vai
precisar usar nada quando estivermos em lua de mel, ou seja, não
estou te dando nada erótico. Mas é muito especial.
Te amo, minha Santinha. Nos vemos no altar.
Com amor e muito tesão,
Senhor Pecado.”

Sorrio emocionada. Ele não sabe ser romântico por muito tempo. Não
posso chorar e ele faz isso. Ergo o paninho vermelho e então a surpresa vem.
— Que lindo!
Deixo a caixinha e o papel sobre a cama e pego o presente com cuidado.
É um terço para noivas. Eu vi na internet ontem à noite e mostrei a ele. Ele disse
que a loja era na cidade, mas não imaginei que ele compraria. É ainda mais lindo
em mãos. É em Cristal Preciosa Aurora Boreal. Muito delicado e realmente
muito especial. Aperto em minhas mãos e fecho os olhos.
— Deus, obrigada. Eu só quero agradecer hoje. Eu cheguei até aqui com
a sua ajuda, porque sem Ti, não sou nada. Falhei muitas vezes, mas mesmo
assim não desistiu de mim. Obrigada. Muito obrigada. — Uma lágrima escorre e
sorrio com a sensação de ser abraçada neste momento.

A limousine estaciona em frente à igreja. Meu coração está acelerado.


Tento respirar com calma, mas está sendo difícil. A porta ao meu lado é aberta, e
a equipe de fotógrafos começa a fazer seu trabalho. Alguns paparazzi aparecem,
mas seguranças impõem limites ao espaço. Hannah desce do carro e vejo ir até a
Samira, que está na lateral da igreja, junto com nossos familiares. Samira vem às
pressas carregando o buquê.
— Meu Deus! Que gata. Eu não estou sabendo lidar!
Assim como as outras, ela está linda em seu vestido marsala. Ela me
entrega o buquê de rosas vermelhas, e pego com as mãos trêmulas.
— Téo está nervoso. Andando de um lado para o outro. Vai acabar
abrindo um buraco na porta da igreja. Seu tio mandou ele entrar, para tentar
acalmá-lo. Os convidados estão cochichando que ele vai desmaiar.
Sorrio.
— Samira, estou nervosa.
— E com razão. É um grande dia, mas vai arrasar. Agora temos um
pequeno probleminha.
— O que houve?
— O tal do Benjamin ainda não chegou. Meu parceiro fugiu antes
mesmo de eu conhecê-lo.
— Como é? Ele não chegou?
— Não. Estão tentando falar com ele, mas o homem não atende. Não
importa, eu entro sem acompanhante, mas esse casamento vai acontecer. Agora
preciso ir, sua mãe e sua avó vão ficar aqui com você. Vamos aguardar mais
alguns instantes por ele.
Concordo.
Ela se afasta sorridente. Um dos fotógrafos fecha a minha porta. Aperto o
terço com força. Não demora e a porta do outro lado é aberta. Minha mãe e
minha avó entram. Seus olhos estão repletos de lágrimas. Ambas usam um
vestido longo e de mangas, em um tom claro, muito bonito.
— Oh, céus! Como está linda, meu amor — minha avó diz fechando a
porta e se ajeitando no banco.
— Eu nunca imaginei em te ver assim... Está tão bonita... Eu estou
orgulhosa de não ter desistido de viver, quando eu te proibi disso.
Olho para a minha mãe, e me controlo para não chorar. Ter ela ao meu
lado neste momento torna tudo mais abençoado.
— Suas tias estão ansiosas para ver você. Estão radiantes desde que
contou a elas sobre a gravidez — minha avó diz.
— Isso é bom. Mas estou preocupada agora com o Benjamin.
— Ele vem. Teve que resolver um imprevisto de trabalho, mas vem. Ou
arranco a cabeça dele — minha avó fala e sorrio.
Minha porta é aberta mais uma vez e é a Hannah.
— Quel, sinto muito, mas tem que entrar. Não temos mais como esperar
o Benjamin. Está atrasada demais. Seu tio já está surtando e meu irmão vai
morrer do coração.
Olho para minha mãe e avó, ambas concordam.
— Tudo bem.
Hannah bate palmas animada.
Saio do carro com a ajuda do Augusto e Natanael, que me elogiam sem
parar. Eleonor não consegue falar, só sabe chorar. E Catarina alega que estou
parecendo uma princesa. Essa semana foi correria atrás de correria, e ainda
resolvemos fazer ajustes na escolha dos padrinhos, devido a outra escolha que
fiz para entrar na igreja, então algumas pessoas deixamos como madrinhas e
padrinho de consideração, mas que tem grande valor para nós da mesma forma
que os oficiais.
— Fica aqui com sua mãe e sua avó. O Téo vai para a entrada das portas
duplas, e vamos com ele — Hannah começa a explicar e a instruir a equipe dela.
— Eu fico também. Não terei acompanhante. Entro como dama de honra
— Samira diz.
Fico chateada por ela, que acabou se prejudicando.
— Não vai ficar não. Entra com o Rogério.
— OUVI MEU NOME, PRINCIPESSA?! — Rogério grita saindo da
igreja. Os paparazzi não param de registrar os momentos, assim como os
fotógrafos e equipe de filmagem.
— Não me chame assim, seu idiota!
— Cuidado, estamos na igreja. É pecado, mocinha! — ele rebate.
— Sem brigas hoje, filha! — Augusto pede a ela.
— Entra com ele, Samira — ela implora como se pedisse por socorro.
— Está bem — Samira concorda e Hannah sorri vitoriosa.
Um carro estaciona bruscamente e olhamos assustados. Mas eu
reconheço o automóvel. Sorrio animada. Ele sai do carro às pressas, ajeitando o
paletó escuro. O homem loiro e bem alto está ainda mais belo.
— O padrinho chegou. Atrasado, mas o importante que cheguei —
Benjamin declara subindo a pequena escadaria e parando ao meu lado. — Está
linda, Raquel.
— Obrigada. Pensei que não viria.
— Eu vou te matar, pentelho. Onde já se viu, atrasar assim? — minha
avó diz batendo em seu braço.
Olho para a Samira, que está boquiaberta olhando para ele. Me controlo
para não rir. Catarina também olha encantada.
— Nossa, parece um príncipe, né, mamãe? — Catarina diz colocando as
mãos na cintura.
— Aham... — Samira responde.
Ele olha para a Samira com indiferença. Ela pisca rapidamente e estende
a mão na direção dele, que segura com uma expressão nada boa.
— Sou Samira. Esse é o meu nome. E sou a mulher para casar... Quero
dizer, para entrar na igreja... Reformulando, sou sua acompanhante para
entrarmos na igreja no casamento que não é nosso. — Ela se atrapalha.
Minha avó fica sorrindo e uma lembrança vem à minha memória,
fazendo com que eu arregale os olhos, e minha avó balança a cabeça como se
afirmasse o que eu entendi.
— Hum... Sou Benjamin. — Ele solta a mão dela.
— Que bom que você chegou. Mudança de planos, eu irei entrar com
você... — Hannah começa a falar, mas é interrompida.
— Nem pensar. Tenho meu acompanhante. Entro com ele. Sem trocas.
Rogério, faça um caminhar bonito até o altar, ao lado dela — Samira diz.
— Pode deixar, gata! — Rogério responde sorrindo.
Hannah lança um olhar a Samira, que acho que poderia matá-la.
— Vamos logo com isso, porque eu vou desidratar... Raquel está tão
linda. Eu... — Eleonor torna a chorar.
Hannah bate palmas e respira fundo, chamando a atenção de todos. Então
diz:
— Chega. Hora de entrarmos. Em posições. Vamos, vamos.

Minha mãe fica a minha direita, e minha avó a minha esquerda. Aperto o
buquê e o terço e respiro fundo. A moça na porta leva a mão ao ouvido e começa
a contar indicando os dedos.
Um... Dois...Três...
— É agora — ela diz baixinho.
Respiro fundo, porque agora não tenho mais volta, e nem queria. É o meu
momento. Todos já entraram, falta apenas eu, e a Cate, que vai entrar depois. A
marcha nupcial se inicia e as portas se destravam, então se abrem lentamente. As
duas mulheres importantes estão ao meu lado, sorrindo emocionadas. Fecho os
olhos por um instante, e quando abro vejo o olhar mais lindo do outro lado de
igreja. Lá está ele à minha espera. Começamos a caminhar, e parece que não
existe mais ninguém a minha volta.
Eleonor falou sobre essa sensação, mas imaginei que fosse alguma
metáfora. Engano meu. É como se existisse apenas ele e eu. Seu olhar brilha, e
seu sorriso é contagiante. Em um terno escuro e bem alinhado, cabelos e barba
bem arrumados, e uma gravata clara, ele me espera com as mãos na frente do
corpo em movimentos nervosos com os dedos.
Escuto as pessoas cochicharem, mas não consigo olhar para elas. Meu
foco é ele. Sei que no altar estão os padrinhos, meu tio, os pais dele, mas meu
foco é no meu amor. A cada passo, flashes disparam, e os fotógrafos caminham
acompanhando meus passos. Esse percurso nunca pareceu tão longo como agora.
A orquestra continua a tocar, com suavidade e calmaria. Falta pouco. Estou
chegando até ele.
Em passos lentos, caminha um pouco na minha direção parando um
pouco longe do altar. Enfim, nos aproximamos, e ele cumprimenta minha mãe e
minha avó, então toma a minha mão trêmula e gelada. Deposita um beijo nela e
caminhamos juntos até o altar.
Finalmente olho para o meu tio, que enxuga as lágrimas que escorrem em
seu rosto. Aumento meu sorriso e começo a chorar. Não consigo mais controlar.
Téo sussurra: “você está linda, meu amor”, bastante emocionado. Sem delongas,
meu tio pega o microfone e começa a cerimônia. A cada passagem bíblica e
palavras ditas, as lágrimas caem sem parar. Téo fica segurando minha mão e
acariciando. Meu buquê está com a Samira, que não para de chorar, e o
Benjamin fica olhando para ela e revirando os olhos. Já Hannah mantém certa
distância do Rogério, que fica provocando-a e se aproximando sempre. O
momento de dizer o “sim” se aproxima. Os votos serão feitos antes das alianças.
E meu tio pediu para dizer algumas coisas por parte dele também. A pergunta
mais esperada é feita:
— Téo Lima, você aceita casar-se com Raquel Pereira?
Ele segura minhas mãos e me olha fixamente nos olhos.
— Sei não. Preciso pensar. — Arregalo os olhos e ele sorri. — Claro que
eu aceito. Sim! — Todos riem.
Meu tio pigarreia.
— Raquel Pereira, você aceita casar-se com Téo Lima?
— Sim. Eu aceito — respondo com a voz embargada pelo choro.
— Antes de declará-los casados, os noivos farão seus votos. Por favor,
silêncio. — Ele afasta o microfone entregando ao Téo.
Segurando ainda uma de minhas mãos, ele sorri.
— É complicado falar neste momento, porque normalmente nunca sou
romântico até o final. Mas tudo o que penso em falar, eu já disse a você, com
atitudes e palavras. Eu não poderia imaginar que um dia estaria aqui, casando
com uma pessoa maravilhosa como você. Não foi fácil chegarmos até aqui, mas
em meio a intrigas, dúvidas, medos, chegamos ao hoje. O que mais admiro na
nossa relação é que mesmo quando tudo parece desandar, mantemos o foco e
confiamos um no outro. Sempre soube que relacionamentos não eram fáceis,
mas juntos conseguimos superar nossos problemas. Quero que saiba que está
ainda mais gata hoje, minha Santinha, e estou ansioso para o que vai vir depois
da igreja e festa, e claro para a nossa vida de casados, se bem que já adiantamos
algumas coisas, que não vem ao caso no momento. Saiba, que eu te amo hoje e
sempre.
Acabo sorrindo em meio às lágrimas. Téo é o meu melhor presente.
Ele me passa o microfone e pego com a mão trêmula.
— Sou péssima em conseguir me expressar ainda mais em público.
Pouco demonstro meus reais sentimentos por você, mas de alguma forma
consegue vê-los. Isso é tudo novo para mim. Nunca imaginei que poderia viver
essa vida. Mas estou aqui, vestida de noiva e com um homem lindo, maravilhoso
à minha frente. Quando te vi pela primeira vez dentro daquele mercado, com sua
mãe, de alguma forma me atraiu. E foi então que acabei indo trabalhar no
mesmo hotel que você, sem imaginar que o encontraria, mas Deus já havia
planejado tudo, e o resultado é este. Hoje é um dos dias mais felizes da minha
vida, porque irei ser oficialmente a sua mulher, companheira, e iremos construir
a nossa família. Muitos podem pensar que aconteceu tudo rápido, mas, para
mim, é como se o mundo estivesse parado, não girasse mais, estivesse tudo em
calmaria e fossem anos. Cada instante ao seu lado é especial e inesquecível. Sei
que para alguns é um choque estarmos juntos, só que não imaginam quem é você
de verdade, o homem maravilhoso que é. Hoje, eu tenho a mais pura certeza de
que você é o meu pecado mais perfeito. É o meu drama mais intenso. É o meu
grande amor. Eu te amo, Téo — termino de dizer e olho para todos que choram.
Téo enxuga o rosto, e acaricia minha mão. Meu tio pega o microfone.
A hora das alianças chega e Catarina adentra a igreja completamente
linda, com um vestido parecendo de princesinha. Ela para a nossa frente toda
encantadora e estende o porta-alianças. Meu tio pede para que o Téo pegue e
repita o que ele falar, enquanto coloca em meu dedo. E assim Téo o faz, mas
antes deixa um beijo na testa da filha. O brilho dourado é chamativo e muito
bonito. Ele coloca em meu anelar da mão esquerda, e deposita um beijo em
seguida. Faço o mesmo com ele, logo em seguida. Catarina se afasta ficando
com a avó. O nervosismo passa, e as lágrimas viram sorrisos que não saem do
meu rosto.
— Antes de declarar o que todos esperam, gostaria de dizer que é uma
honra imensa poder celebrar este casamento. Como padre, é apenas mais uma
grande bênção que desejo que dure eternamente, mas como tio é uma alegria que
não cabe dentro do peito. Passei os últimos tempos subestimando ao menino
Téo. Sempre achei que ele não serviria para a minha sobrinha, afinal eu o olhava
com os olhos carnais, e fazia julgamentos, coisa que sempre condenei, mas sou
humano, cometo falhas. Briguei algumas vezes com ele, e rezei muitas outras
achando que por minha culpa Deus condenaria minha sobrinha. — Ele sorri. —
Foi um tremendo engano. Este rapaz, tem suas travessuras, mas lembro que
desde muito jovem já era assim, porém tem um bom coração. E hoje, vendo o
brilho no olhar de ambos, noto que realmente o amor surge de onde menos
esperamos. Que Deus me perdoe por ter julgado a este menino, porque assumo
tal falha. E também que fique claro que minha sobrinha merece o melhor da
vida, porque foi a mais guerreira desta família quando tudo estava em ruinas.
Hoje algo que vivia pedindo a ela aconteceu.
Volto a tentar controlar o choro que havia ido embora.
— Eu sempre disse para que voasse, meu pequeno passarinho, e você
fez. Bateu suas asas, e está voando. Nenhuma gaiola te prende mais. Continue
espalhando o amor, a paz, o carinho e a luz que tem. Seja muito feliz.
Assinto bastante emocionada. Escuto o soluço da Eleonor; e quando
olho, ela está sendo amparada pelo Augusto. Minha mãe também chora e ver
minha avó abraçada a ela é tão lindo, tão gratificante. É tão obra divina.
— Então, se alguém tem algo a dizer que fale agora ou cale-se para
sempre.
Alguns segundos se passam diante do silêncio, e quando meu tio vai
falar, meus olhos arregalam e fico preocupada. Todos cochicham, e o Téo fica
olhando para a minha mãe, que para na frente dele e sem dizer qualquer palavra
o abraça. Assustado, ele retribui meio desajeitado. Meu tio estende a mão para
mim, e aperto enquanto choro com a cena. Não dizem nada, mas sei o quanto
esse passo é significativo para ambos. Ela se afasta e volta ao seu lugar. Téo
pisca rapidamente para tentar conter as lágrimas, mas é inútil, porque caem. Sei
que, de alguma forma, isso foi uma aprovação dela, e teve bastante importância a
ele.
— Eu então os declaro marido e mulher. Podem selar a união com um
beijo.
— Nossa, até que enfim! — Téo diz levando todos ao riso.
Ele me puxa para si, e então segura meu rosto e beija-me.

— Com licença, homem casado passando! — Téo diz puxando-me para


dentro da limousine. — Isso, tirem fotos da minha aliança — ele fala aos
paparazzi e entra no carro fechando a porta.
— Téo, pare. Vão achar que você é doido.
— Caralho, fico ainda mais gato com esse dourado na mão. Porra! — Ele
coloca a mão bem diante do meu rosto e bato nela. — Será que eu tenho
preferência nas filas dos lugares, por ser casado?
— Não! Pare com isso. — Começo a rir. — E pare de ser boca suja.
— Amo seu riso. Está tão linda, mas quero saber se usou o que te
comprei. Não esqueci da lingerie.
— Téo, toma jeito! — repreendo-o rindo e ele beija meu pescoço.
Saímos dali aos gritos das pessoas e flashes. Entreguei ao Téo o terço,
para que ele colocasse em seu bolso para eu não perder.

Estou em choque. Eu sabia que a Hannah planejava algo grande, mas não
imaginei que faria em um castelo que tem na cidade. Estamos na parte da frente,
logo após a primeira entrada. Sofás estão em um canto bem posicionados. Com
plantas e flores bem espalhadas. Esta parte é aberta, dando uma bela visão da
noite. Velas compõem a decoração e algumas estão penduradas nos galhos das
árvores, deixando tudo mais romântico. Fizemos o caminho mais longo até o
local, pois daria tempo de todos que estavam na igreja chegarem e também
porque paramos em alguns lugares bonitos, para fazermos fotos com a equipe de
fotógrafos e imprensa que nos seguia. Um rapaz nos leva até a outra porta que
está fechada, e não demora para a mesma ser aberta e uma onda de aplausos,
assovios e flashes serem disparados para nossa chegada. Sorrio timidamente e
meus lábios se abrem com mais uma surpresa. Mesas quadras e ovais estão
espalhadas pelo enorme espaço, fazendo uma linda combinação. Cortinas de
luzes contornam todo o espaço. Em cada mesa há vasos com girassóis. No centro
do espaço há uma ilha gastronômica toda feita de luzinhas. Como também um
imenso telão onde passa nossas fotos em preto e branco. A decoração é
contemporânea, trabalhada em tons terrosos. Está tudo lindo demais!
Começamos a cumprimentar os convidados e fazer mais fotos. Robson
foi com a família e Mayara também apareceu. Fico feliz, pois são alguns dos que
realmente gosto do hotel. Natanael foi à igreja e nos cumprimentou na saída,
mas faz novamente. Adoro esse homem. Hannah informa que a pista de dança
está na ala ao lado, e que teremos uma surpresa. Para irmos todos para lá, e
depois abriremos o jantar.

A pista de dança é escura com luzes piscantes, e um imenso R.T. no chão.


Tem um palco montado. As pessoas vão chegando e o Téo bebe um gole do
champanhe servido a ele, enquanto passa o braço ao meu redor. Foi permitido
que algumas equipes de sites de fofocas e revistas entrassem, e claro que não
perderiam a chance de vir. Eles registram tudo, até mais que os fotógrafos
contratados. Hannah sobe no palco e fala no microfone preso na base:
— Bom, temos uma surpresa que acredito que seja para todos. Logo
depois o casal abrirá a pista de dança com a valsa, e seguiremos para a primeira
ala onde teremos o início do jantar. Depois poderemos curtir da forma que
quisermos. Sem mais delongas... — Ela faz uma pequena pausa. — Pode entrar,
Anny Cold.
Uma gritaria se inicia. Hannah sai do palco que é tomado pela famosa
cantora da fofoca de Londres.
— Porra, pensei que ela não viria — Téo diz.
— É uma honra estar aqui neste dia especial para um amigo. Que seja
uma união eterna e repleta de coisas boas. E para comemorar essa noite, quero
homenageá-los com a minha mais nova música que tem sido destaque
mundialmente — ela diz em um português um pouco embolado.
Sua banda sobe no palco e então ela começa a cantar. A música fala sobre
amores que fazem a gente crescer, querer o melhor da vida, e nos fazem sentir
como se aquele momento fosse eterno. É linda e realmente representa nosso
amor. Eu sabia que o Téo havia convidado-a, e não me importei. Foi bom para
calar a boca dos fofoqueiros e também bom para o Téo, não quero que ele pense
que tem que se afastar de todos por medo, porque relacionamento não é assim.
Amigo tem que ser valorizado sempre, e hoje compreendo isso tendo amigos tão
especiais. Logo depois da música, ela veio nos cumprimentar e disse que eu
merecia um Nobel por aguentar ao Téo. Ele ficou bravo e eu ri.
Dançamos a valsa tocada pela orquestra e quando terminamos o DJ deu
início a balada. Hannah e Samira saíram comigo às pressas para me levar até o
quarto onde trocaria de roupa, retocaria a maquiagem e ajeitaria o penteado.
Uma equipe estava à minha espera. Coloquei um vestido branco curto e de
mangas. Ele é todo de renda com um tecido branco cobrindo as partes que não
devem ser mostradas. Um cinto de cetim, que já faz parte do vestido, compõe o
modelo. Troquei o sapato também, agora uso um mais alto também branco —
que Deus me ajude a não cair —, com um fecho no tornozelo, e na parte de traz
repleto de brilho. E coloquei algo que ele pediu, mas só vai descobrir depois.
Assim que estou pronta, voltamos para a primeira ala e o Téo vem ao meu
encontro.
— Porra, dá para não ficar toda hora mais bonita? Está sendo difícil
controlar meus instintos safados. Fiquei sabendo que este lugar tem muitos
quartos.
— Téo! — Ele me abraça e beija meu pescoço arrepiando-me inteira.
— Sabe, não vejo a hora de pegarmos a estrada para a nossa lua de mel.
Mas, se continuar trocando de roupas, acredito que vamos adiantar o momento,
Sra. Lima.
Sinto meu rosto esquentar quando ele diz isso em meu ouvido. Ele afasta
a boca levando aos meus lábios onde deixa um beijo suave. Suas mãos deslizam
pelas minhas costas, parando na altura da minha bunda.
— Ninguém merece essa safadeza em público! — Rogério diz passando
por nós.
Téo ri.
— Vamos, precisamos abrir o jantar, antes que a Hannah nos mate.
— Ou antes que a Samira coma o Benjamin com o olhar. Olhe aquilo.
Porra, se ela já me olhou alguma vez assim, ainda bem que não vi, porque ficaria
dias sem dormir.
Acabo rindo do seu comentário. Olho na mesma direção que ele e vejo
ela encarando o Benjamin sem qualquer disfarce e se ele percebe, finge não
notar, pois continua conversando com o Augusto e meu tio. Catarina cutuca ela,
que nem repara. Hannah passa por nós e avisa para seguirmos ela, e para o Téo
ficar de olho no Rogério, que não para de roubar doces da mesa decorativa, que
se ela o vir fazendo novamente vai matá-lo na frente de todos. Fazemos o que ela
pede.
Não poderia ter escolhido melhor homem para casar, ter um filho,
construir uma família em geral. Téo é um príncipe maluquinho, mas é um
príncipe. O meu príncipe. Ou como ele diria: O meu Senhor Pecado.

Muito além do que é proibido
É este amor nosso destino
Jura-me que não é pecado sentir este amor
Se amar é um milagre, isto é amor
Isto é amor
— Lali Espósito “Jurame” (Esperanza Mia)

Téo Lima

O local para a lua de mel é o mesmo em que viemos um tempo atrás,


onde pelas contas foi o local em que a Raquel engravidou: Campos do Jordão, o
que tornou ainda mais especial a cidade. Nada melhor do que voltar a lugares
com boas lembranças. Ela está no banheiro. Foi retirar a maquiagem, porque
estava a incomodando. O trajeto até aqui foi um pouco complicado, ela teve
alguns enjoos, e tivemos que parar algumas vezes, mas agora ela já está bem
melhor.
Estou na sacada do quarto, sem camisa. Levo o copo de uísque à boca, e
em seguida o charuto cubano que tanto adoro. Fico olhando em direção ao lago,
enquanto finalizo minha bebida. Assim que termino entro e me sirvo de mais
uma dose de bebida. Sento-me na poltrona pegando o celular no bolso da calça.
Acesso ao vídeo e coloco na cena que desejo e pauso. Alguns segundos se
passam e a porta do banheiro se abre e aperto rapidamente o play. Com o volume
alto, começa a música e os gritos ecoam pelo quarto. O vídeo está no exato
momento que eu desejo. Ergo o celular e viro para ela, que está estática parada
na porta do banheiro. Essa mulher tinha que ser linda e ter um rosto tão meigo?
Isso fode em ficar puto com ela.
— Minha parte favorita é quando ele te puxa para o colo dele. E saiba
que a fantasia de diabinha é linda. Praticamente vi sua calcinha. — Meu tom é
sério.
Ela abre e fecha os lábios algumas vezes, então caminha lentamente na
minha direção parando na minha frente, entre as minhas pernas. Pega o celular e
pausa o vídeo, então deixa sobre a mesinha.
Bebo um gole do uísque.
— T-Téo, você está bravo.
— Por que está afirmando? — pergunto sem tirar os olhos dos seus.
— Porque desde que saímos da festa você ficou sério. E agora está
bebendo uísque e posso sentir um pouco do cheiro do charuto. Você só faz isso
quando precisa relaxar, pensar ou está muito nervoso. É como quando vai à
academia.
Coloco o copo sobre a mesinha de vidro e levo os braços para cada lado
da poltrona. Raquel se afasta e se senta no suporte para pés, à minha frente.
— Foi o Rogério que te mostrou?
— Ele não queria que eu olhasse o vídeo, mas não conseguiu impedir.
Digamos que foi o destino que permitiu.
— Tinha câmeras na boate, claro — ela diz como se tivesse pensado alto
e desvia o olhar por um instante, então torna a me olhar.
— Por que não me contou sobre a dancinha sensual? — questiono.
— Eu tentei, mas você não deixou. E em minha defesa, você teve uma
ruiva dançando no seu colo apenas de lingerie.
— Quando tentou me contar?
— Depois que nos confessamos. Fomos para casa, eu vi o seu vídeo e
você ficou todo dramático dizendo que ninguém cuidava de você, e ficou bravo
porque fiquei rindo. Depois do banho correu para a cozinha. Quando começamos
a conversar e comer, eu fui te contar, ainda falei que precisava te contar uma
coisa, e para você não surtar, mas você...
— Eu não deixei. Te beijei e transamos na cozinha.
Lembro da cena e realmente logo depois do banho aconteceu tudo isso.
— S-sim.
— Por que está nervosa? — Ergo uma sobrancelha.
— Porque está com aquela cara.
— Que cara?
— De quando está bravo, mas também está no modo Senhor Pecado.
— Não estou bravo com você. Estou puto com o filho da puta que te
puxou para o colo dele. Do mesmo modo que eu me diverti, você também fez o
mesmo. Eu também dancei e recebi uma dança, assim como você, mas isso não
me impede de ficar irritado com aquele imbecil. E mais irritado ainda, porque da
minha parte vocês não tiveram confiança e enviaram olheiros.
— Mais uma vez, em minha defesa, eu não sabia que seu pai e o
Natanael iriam. Fui saber bem depois. Isso foi coisa da Hannah.
Fico olhando para ela e passo a língua pelo lábio inferior, e seu olhar
segue o movimento.
— Por que só tentou me contar depois da confissão?
— Porque prometi para as meninas que não iria contar nada e não achava
justo te contar algo, quando eu não sabia nada da sua; e se não me contou, foi
uma escolha sua, afinal eram nossas despedidas e tínhamos escolhas e direitos.
Porém, quando saiu nos sites sobre você em Las Vegas, achei justo que depois de
rir de você era melhor contar, mas você sabe que passamos a noite inteira... —
ela pigarreia. — E hoje fomos cedo para a sua mãe contar a ela sobre a gravidez,
e depois você foi às pressas para o Rogério, e veio todo o casamento, a viagem
até aqui... Muita coisa.
Levanto e ela fica me olhando. Estendo a mão e ela coloca a dela sobre a
minha. Olho a aliança dourada em seu dedo e passo o polegar em cima.
Caminhamos até a beirada da cama, onde afasto seu cabelo para o lado e a viro
de costas. Sua respiração começar a ficar agitada. Abro o vestido, e dou graças a
Deus que não é o que ela usou na igreja, porque imagino o trabalho que seria
tirar aquilo. Este é lindo também, tudo fica perfeito nela. Desço lentamente o
vestido por seu corpo, até chegar aos seus pés, onde ela o retira, com calma,
afastando para o lado. Viro-a de frente para mim e observo a lingerie que usa. É
a que eu comprei a ela, branca, e disse que era para usar. Meu pau está duro
desde a hora que a vi saindo do banheiro, e sabia que hoje a teria em meus
braços como minha esposa. Sorrio com a visão. Não via a hora de sairmos da
festa, mas parecia que as horas não passavam. Minha mãe não largava a gente,
assim como a família da Raquel. Dona Esmeralda e o Rogério foram nossa
salvação. Disseram que estava na hora de irmos, e essa foi a nossa chance de
fugir. Pedi ao Natanael que segurasse a família dela e minha mãe, para não
ficarem de drama, e assim saíssemos logo dali, e ele fez. Mais um salvador.
— Deite-se — digo e ela meio atrapalhada, acredito que pelo tom que eu
falei, cai sentada na cama me fazendo sorrir.
Ela se deita no centro da cama. Sempre achei a Raquel linda, com um
corpo maravilhoso, mas hoje está ainda mais bonita. Retiro minha calça e cueca
diante do seu olhar. Seus cabelos estão esparramados pela cama. Que visão do
caralho! Puxo-a pelas pernas, trazendo-a para a beirada da cama. Inclino meu
corpo diante do seu. Apoiando as mãos em cada lado. Seus lábios estão
entreabertos.
— Quem você quer hoje. Téo Lima, ou o Senhor Pecado?
Ela fica me olhando e engole em seco. Inclino a boca em seu ouvido e
desço uma mão para dentro de sua calcinha. Ela arfa e fecha os olhos.
— Quem você quer, Raquel Lima? — indago em seu ouvido e massageio
seu clitóris.
Seus olhos se abrem e o brilho neles é diferente.
— P-Pecado. Eu quero o Senhor Pecado.
Retiro a mão de dentro de sua calcinha.
— Ótima escolha, Santinha. Ou seria, Diabinha? — Afasto um pouco e
retiro sua calcinha jogando-a pelo quarto. Faço o mesmo com o sutiã, deixando-a
nua.
Torno a me inclinar sobre ela e desta vez levo dois dedos para dentro de
sua boceta. Ela geme alto. É um prazer imenso ouvir seus sons. Sugo seu seio e
ela se contorce com gemidos descontrolados. Está cada dia mais sensível. Está
encharcada pelo prazer. Porra, que delícia. Retiro meus dedos e ela resmunga.
Afasto a boca de seu seio também. Deito ao seu lado, virando-a de costas para
mim. Ergo sua perna e encaixo meu pau na sua entrada toda molhada.
— Foi bom dançar para ele, Raquel? — provoco-a.
— Téo, eu... — não deixo que termine. Penetro-a e ela grita apertando
meu braço. — Téooo! — ela grita meu nome em seguida e geme.
Fico alguns segundos parado. Então começo a me movimentar com
força. Cochicho em seu ouvido:
— Se toque, Raquel. Agora.
Ela não hesita. Começa a massagear seu clitóris, na mesma intensidade
que a penetro. Nossos gemidos são fortes. É sempre tão delicioso estar assim
com ela. Nunca irei me cansar desta sensação, deste prazer. Beijo seu pescoço. E
seu corpo inteiro se arrepia. A cada movimento de seus dedos, ela vai apertando
meu pau. Mudo nossas posições. Deixo ela por baixo, ergo suas mãos acima de
sua cabeça e seguro firme com uma mão, enquanto com a outra mantenho suas
pernas bem abertas. Penetro novamente e inclino meu corpo aproximando
nossos rostos.
— Você. É. Minha. Porra. — falo pausando a cada estocada.
Ela não vai aguentar mais, e tampouco eu. O ciúme está acumulado ao
prazer, e está tudo intenso demais. Começa a gritar meu nome, então tomo seus
lábios beijando-a com força, e deixamos o prazer maior vir. Afasto nossos lábios
pela falta do ar.
— Caralho! — Estou sem fôlego e começamos a gozar intensamente.

Estamos deitados diante da lareira, sobre o cobertor macio que


colocamos e cobertos com um lençol fino. Ela sorri.
— Por que está sorrindo? Lembrando dos minutos atrás? — provoco.
— Não. Apenas lembrando da Samira lutando pelo buquê, e a Hannah
fugindo, mas o danado foi parar na cara dela literalmente e acabou sendo ela a
levar o que tanto fugia. Destino ou azar?
— Eis a questão. Vindo da minha irmã, espero de tudo.
Ficamos mais um tempo em silêncio.
— Ainda está bravo? — ela questiona, enquanto faz círculos em meu
peito.
— Estou com ciúmes sim. Mas sei que não fez nada além do que eu fiz.
Também dancei com outras mulheres, mas eu juro que se eu encontrar esse cara,
quebro a cara dele em dois. Filho da puta.
— Téo! — ela ri baixinho.
Ergo seu rosto e prendo seu cabelo atrás da orelha.
— Que mulher de sorte. Casou com um homem gato pra caralho. Mas
vai foder minha vida, me deixando com ciúmes.
— Você é muito convencido. Meu Deus! Espero que essa criança não
seja como você.
— Se for, seria sorte demais para você.
Ela revira os olhos e beijo levemente seus lábios.
— Ainda não acredito que estamos casados. Quem diria...
— Quem diria mesmo, diabinha. — Ela me olha feio. — Vai levar um
tempo para eu superar aquela fantasia. Hannah vai conhecer rapidamente o
jardim depois da luz, se bem que não sei se ela é digna do jardim. Eu sou. —
Rimos.
— Como vai ser daqui em diante?
— Muito sexo e comida. Porque amo comer — respondo.
— Falo sério, seu bobo.
— Será como sempre foi. Eu te enlouquecendo, você fazendo o mesmo,
e agora vai ter que aturar uma Eleonor mais dramática quando você não puder
fazer algo que ela deseja. E claro, que temos que triplicar a quantidade de sexo
de vários modos, para não cair na rotina.
Ela acerta um tapa no meu braço e rio.
— Eu amo você, Santinha. E agora se tornou a Senhora Pecado.
— Não me tornei! Também amo você.
Quem sou eu, para discutir sobre prazer com uma grávida psicopata?
Ficamos em silêncio observando as chamas da lareira. Valeu a pena tudo que
enfrentamos para chegar aqui. Levo a mão a sua barriga e fico fazendo carinho.
— Talvez as pessoas tenham pensado que eu estando com você, deixaria
a minha fé e minha crença de lado. Mas você só fez com que eu tivesse tudo em
dobro.
— Sério? Eu fiz isso? Poderia dizer ao seu tio e sua mãe? — brinco e ela
ri.
— Por sua causa comecei a ter mais fé na vida, no amor, e que tudo daria
certo. E por você passei a rezar diferente.
— Rezar diferente? Como assim?
— Agora agradeço sempre a Deus por tudo, até mesmo por coisas ruins.
E entendo que tudo tem um propósito. Nada é em vão. E sabia que fiquei mais
apegada a Ele? — Ela inclina o corpo sobre o meu e acaricia meu rosto.
— Isso é bom, amor.
Sorrio.
— Sim. Estou tão apegada a Ele, que peço todos os dias paciência
triplicada para não surtar com você e te matar. Tem funcionado. Quando não
funciona, uma força maligna, que acredito que vem de você, me oferece diversas
ideias para te matar — ela diz séria e fico olhando bem preocupado para a
pequena psicopata. Não demora e ela começa a rir.
— Engraçadinha!
Ela ri sem parar.
— Criei uma pequena demônia.
— Isso foram aulas com o tal do Pecado — debocha. — E só para você
saber, quando dancei, imaginei você no lugar dele.
Ela diz e se levanta rapidamente correndo em direção ao banheiro. Que
filha da mãe!
— Você só tem duas opções: abre a porta, ou eu coloco abaixo, Santinha.
Levanto e vou em direção ao banheiro. Escuto o destravar da porta. Abro
a porta e ela me olha, sorrindo.
— Se continuar me provocando, não vai voltar andando.
Seu rosto cora. Puxo seu corpo pela cintura e levo a mão a sua nuca.
Inclino o corpo e beijo-a com tesão. Ainda estamos nus, e não pretendo que
fiquemos no quarto com roupa. Por mim, nem iríamos sair dele nesses dias. Mas
prometi que iríamos conhecer a cidade desta vez. Mas talvez alguns locais
possam estar “fechados”, não é mesmo? Uma mentirinha para tê-la por mais
tempo neste quarto, não seria um pecado tão grande. Porra, só quero aproveitar
esta lua de mel, porque depois tenho viagens a trabalho. E preciso de muito sexo
com ela, para esquecer daquele idiota com ela na despedida, ou irei virar um
psicopata que vai caçá-lo até no inferno. Não seria má ideia, pensando bem.

Sou teu ego, tua alma
Sou teu céu, o teu inferno a tua calma
Eu sou teu tudo, sou teu nada
Minha pequena, és minha amada
Eu sou o teu mundo, sou teu poder
Sou tua vida, sou meu eu em você
— Victor e Leo “Meu eu em você”

Raquel Lima

Alguns meses depois...


— Natanael, pelo amor de Deus, o que ele quer? — pergunto enquanto


ele avalia o trabalho da equipe que decora o saguão do hotel para o Natal.
— Não sei, querida. Seu sogro apenas disse que precisava falar
urgentemente com você, após a reunião que está tendo. — Fito Natanael, e ele
sorri. — Eu juro que não sei.
— Está fazendo para me torturar por não ter sido padrinho no meu
casamento, não é?
— Claro que não! — Ele me olha fixamente. Pisco rapidamente.
— Tenho medo de você as vezes.
— Não fiz nada. — Sorrimos.
Aliso minha barriga, que já está bem visível. O médico já tem o sexo, e
ainda não deixei que dissesse, apenas uma forma de torturar o Téo, porque
descobri que gosto de fazer isso com ele. E por falar no meu esposo, estou com
bastante saudade, ele está em Chicago para começar a preparar seu projeto do
próximo ano, e foi trabalhar para famosos. Ele iria ficar uma semana, mas o
serviço estendeu e vai completar um mês. Mas depois volta a trabalhar após as
festividades, Saulo garantiu que vai deixar a agenda dele livre de serviços, e que
no final da minha gravidez também não vai permitir que ele trabalhe.
O que me lembra que tenho que ver como farei, já que o Téo quer viajar
comigo, e nossos familiares querem a gente aqui. E minha mãe está animada
para ter a família reunida em sua casa reformada, com a ajuda da minha avó e
tias. A cada dia noto uma evolução de sua parte, e ela continua seus tratamentos
com a psicóloga, agora a cada quinze dias. E só tenho que agradecer a Deus por
estar lado a lado com minha família, e ajudando a passarmos por cada provação.
Tem momentos que ela ainda é complicada, mas diante do que era, agora é tudo
tão maravilhoso. Descobri que ela e minha avó conversaram abertamente e se
perdoaram por tudo e depois todos meus familiares se reuniram e tiveram uma
conversa franca sobre tudo o que aconteceu, e não quiseram me envolver por ser
um momento que precisava apenas deles, porque tudo começou graças a eles. Só
quero todos bem, e isso está acontecendo.
— Não! — sobressalto com o grito do Natanael e da Mayara, que
passava por nós.
— Nossa, quer nos matar? — Levo a mão ao peito.
— Esse pessoal vai me matar. Onde já se viu colocar aquelas luzes desta
forma. Ninguém sabe fazer nada direito. Vou enlouquecer.
— Acho que você é um pouquinho exigente, Natanael. — Sorrio.
— Claro que não! — diz cruzando os braços.
— Não? Até agora não encontrou um gerente para o hotel. Está se
dividindo nas duas funções.
— Olha aqui, só quero alguém realmente bom. Esse hotel merece o
melhor.
— Tudo bem... Exigente.
— Só não surto com a senhorita, porque está grávida. Estou começando a
achar que o Téo fez um pacto com você. Quando ele não vem me enlouquecer,
manda você! Não ganho o suficiente para toda essa doideira.
Ele sai agitado em direção a equipe. Olho para a Mayara, que está atrás
do balcão, e rimos.
Caminho para fora do saguão, antes que os nervos do Natanael estourem
e me atinjam. Vou até a cozinha e encontro Robson bebendo café.
— A pessoa mais bonita deste lugar — ele diz me olhando e sorri.
— Não seja bobo. — Sorrio encabulada. — Como está seu dia?
— Agitado. Natanael está enlouquecendo a todos. Vou correndo para
meu posto, antes que ele me mate.
— Vai lá — digo sorrindo.
Ele entrega a caneca a outra funcionária e sai às pressas. Pego uma maçã
e lavo. Saio da cozinha e, quando vou morder a fruta, vejo Pietra e Talita saindo
do banheiro. Elas me olham e suas expressões mudam. Passo por elas e Talita
diz:
— Golpe certo, hein, Raquelzinha. Casamento e gravidez. Ensina as
técnicas.
Paro no meio do caminho e viro olhando para elas, que riem.
— Que foi? Está sem seu protetor para defendê-la? Faz tempo que Téo
Lima não aparece por aqui. A proteção foi apenas para conquistá-la? Que
peninha. — Pietra ri.
— Vocês não cansam? Que coisa chata. Já enjoou toda essa inveja de
vocês. Meu Deus, vão viver suas vidas, e me deixem em paz! — rebato irritada.
— Tenha a santa paciência. Vocês são insuportáveis.
— Nossa. Agora tem até mais autoridade ao falar. Que bonitinha! —
Talita rebate. — Conte para a gente, essa gravidez foi planejada, não foi?
Prometemos guardar segredo.
Solange aparece, vindo do banheiro. Era só o que faltava.
— Poxa, que isso? Estão conversando e não me chamaram? — Ela ri.
— Eu tenho mais o que fazer, do que ficar aqui aturando a infantilidade
de vocês. Não tenho obrigação de aguentar isso. E não citem a minha gravidez.
Não ousem citar sobre meu bebê, porque posso ser uma Raquel que jamais vão
desejar.
Dou as costas, mas Pietra fala:
— Vimos que o Téo está bem famoso e viajando muito. Ele não sai da
mídia. Será que essas viagens estão rendendo para ele apenas dinheiro?
Viro mais uma vez para ela e deixo a maçã cair.
— O que está querendo insinuar, Pietra? Porque eu confio no meu
marido, pois relacionamento é isso, confiança. Se você não tem nada melhor
para tentar dizer, é melhor se calar — retruco com raiva.
— O que foi? Toquei na ferida? Assume que não tem como confiar nele.
Pode ter conseguido se casar, engravidar e fazer com que os outros idiotas deste
lugar adorassem você, mas a nós não engana. Isso não é amor — Solange rebate.
Dou um passo na direção delas, prestes a responder ou enforcá-las, já
nem sei, mas escuto passos atrás de mim. Os olhares delas se arregalam e ficam
muito pálidas.
— Sabe, eu estava escutando cada palavra, enquanto me mantive
escondido à direita no final do corredor. Assim que ouvi as primeiras palavras da
Talita resolvi ficar escutando. E quanta coisa eu pude ouvir.
Dou um passo para o lado e olho para o senhor Augusto, que tem as
mãos no bolso da calça.
— Podemos explicar... — Pietra começa a dizer, mas é interrompida.
— Explicar que estavam tentando me ofender como sempre fazem?
Cansei de vocês — falo ainda nervosa. Mas meu sogro leva uma mão ao meu
ombro e entendo que é para me acalmar.
— Não quero explicações. Eu posso parecer alheio a tudo, mas é engano
de quem acredita. Sei de cada coisa que acontece neste lugar. E a cada viagem
que meu filho faz, ele me pede para cuidar da esposa e observar seus passos aqui
dentro. A primeira vez, achei que era coisa de início de casamento. Mas então,
como isso foi se repetindo, eu comecei a investigar e ele contou sobre as atitudes
de vocês e que deu dois avisos. Poxa, não pensava que meu filho tivesse tão bom
coração, de verdade. Sabem o que eu priorizo neste hotel além do bem-estar dos
hóspedes? Claro que não devem saber. É o respeito entre todos. Não admito que
ninguém humilhe ninguém aqui.
— Senhor Augusto, perdão. Nós... — Solange tenta dizer, mas ele faz um
sinal com a mão e ela se cala.
— Agora é senhor? Até há pouco sua colega se referiu a mim como
idiota. Afinal, adoro esta menina ao meu lado. Mesmo antes de se tornar minha
nora, ela sempre foi especial. Um amor de pessoa. E fiquei sabendo que mesmo
quando a humilham, ela nunca desceu ao nível de vocês. Mas mesmo assim,
sempre encontram oportunidade para falarem o que não deve. Pois bem, já que
gostam tanto de falar, deveriam procurar um emprego com essa função. Porque
aqui não trabalham mais. Vão tirar os uniformes, peguem suas coisas, e vão até a
sala do Natanael, que ele vai encaminhar vocês até o setor que cuida das
demissões. Porque eu não quero ter que lidar com nenhuma.
Olho espantada para ele.
— Senhor, por favor. Não faça isso. Imploramos. Pedimos perdão a
Raquel. Não devíamos ter falado essas coisas. Nós... — Pietra começa a falar, e
mais uma vez ele faz sinal com a mão e ela se cala.
— Não quero ouvir nada. Façam o que eu pedi, e não esperem carta de
recomendação. E ainda estou sendo bonzinho, porque pela atitude de vocês,
mereciam saírem por justa causa. Mas sei que todo mundo precisa de dinheiro e
torço para que encontrem um bom emprego e aprendam a lição. Agora, por
favor, avisem as demais do porquê foram demitidas, e digam que isso é um aviso
e lição a todas. Agora circulem — ele diz calmamente.
Elas não tentam mais argumentar. Saem às pressas em direção a cozinha.
Olho para o Augusto.
— Não fique com essa carinha, querida. Sei o que estou fazendo. Elas
passaram do limite. Téo me contou tudo, e venho observando e ouvindo tudo
aqui dentro. Sou velho, e não tolo. Agora ânimo, porque precisamos conversar, e
foi por isso que vim até aqui, Robson disse que estava na cozinha e eu estava
indo atrás de você.
— Tudo bem — respondo e saímos dali em direção a sua sala. Não gosto
quando situações precisam chegar ao extremo para as pessoas aprenderem com
seus erros. Vi isso na minha família e é muito ruim.

Téo Lima

Coloco o cartão de memória no notebook e começo a transferir as fotos


que fiz hoje. Estou exausto, com mal-estar e dor de cabeça. Toda vez que tenho
que ficar por um tempo maior longe da minha mulher, fico assim. A preocupação
triplica e nunca fico cem por cento bem. A avó e mãe da Raquel dizem que é a
maldita síndrome de couvade, e que se eu não começar a me preocupar menos,
nunca vai passar. Como me preocupar menos com tantas viagens e eu ficando
longe por mais tempo? Saulo disse que estou insuportável hoje, quando me
ligou. Se nem ele me aguentou, então devo estar. Meu Skype começa a tocar e é
uma chamada de vídeo da Raquel. Olho no relógio e faço as contas do fuso
horário e no Brasil passa da meia-noite. Atendo preocupado.
A imagem dela preenche a tela do notebook e seu sorriso é lindo.
— Oi, amor. Aconteceu algo?
— Estava dormindo ou indo dormir?
— Estou bem acordado. O que houve?
— Nada. — Ela sorri. — Está com o semblante tão cansado. Está tudo
bem?
— Só muito trabalho e mal-estar. Mas, e você, como está? Nosso bebê?
— Estamos bem. Pelo menos não tive enjoos hoje... Melhor, ontem,
porque já é madrugada aqui.
— Estou com saudades. Queria fazer um bate e volta nesta semana, mas
será impossível.
— Téo, foque no trabalho. Em breve retorna e vamos ficar juntos
durante todas as festividades.
— É... Estou tentando focar. Mas estou sem inspiração. Preciso fazer
novas fotos para começar os projetos do próximo ano.
— Precisa relaxar. Pare de se preocupar tanto. Eu estou bem aqui, e com
muitas pessoas me vigiando, devido as suas ordens.
Sorrio.
— Não estão fazendo direito, já que descobriu. — Ela ri e isso me deixa
sempre mais tranquilo.
— Para te deixar mais tranquilo, combinei hoje uma noite de filmes com
a Catarina. E a Hannah também vem. Ou seja, estarei com duas pessoas na
minha cola.
— Roubando minha filha. Que absurdo. Logo serei esquecido.
— Não seja dramático. Eu que deveria pensar que vou ser esquecida.
Acompanho cada passo seu pela mídia, e os eventos são recheados de mulheres
lindas.
Noto um ciúme em seu tom e sorrio.
— Mas nenhuma é a mãe do meu filho. E por falar nisso, até quando vai
me torturar?
— Não sei. Está divertido.
— Não está não. Porra, estou surtando. Vou acabar exigindo a resposta
do médico.
— Nem pense. Ou escolherei o nome da criança.
— Porra, isso é uma grande ameaça. Se do cachorro escolheu Biscoito,
imagine do nosso filho.
— Ou filha... Pode ser menina, Téo.
— Não serei castigado mais uma vez.
Ela ri.
— Tenho uma novidade.
— O médico mandou parar de trabalhar e ir para a faculdade? Meu
sonho é que pare de se esforçar.
— Muito pelo contrário. Eu e nosso bebê estamos muito bem, e podemos
continuar.
Reviro os olhos.
— E são duas novidades, na verdade.
— Conte logo, mulher. Mania de enrolar.
— Não fale assim, Téo! — rebate nervosa.
Estava demorando para o humor louco da grávida totalmente psicopata
surgir.
— A primeira é que Solange, Talita e Pietra foram demitidas.
Aprontaram e seu pai ouviu tudo.
— Caralho, e fala com essa pouca alegria? Garanto que foi com você.
Que merda fizeram? — pergunto nervoso.
— Falaram besteiras como sempre, e seu pai acabou ouvindo. Não
conseguiram tentar se explicar, ou arrumar uma boa desculpa. Foram embora.
— Que bom que ele ouviu. Porque tenho certeza de que você ficaria
quieta por sempre pensar no melhor das pessoas.
Ela dá de ombros.
— Qual a outra novidade?
— Bom... Seu pai me ofereceu o cargo de gerente do hotel.
Arregalo os olhos.
— Que foi? Não gostou? — questiona preocupada.
Sorrio.
— Santinha, só estou surpreso que depois desse tempo ele resolveu
enxergar que a pessoa que Natanael tanto queria estava o tempo todo ao lado
deles...
— Téo, ainda não respondi.
— Por quê? Tem que aceitar. Você ama aquele lugar.
— Sim. Mas penso que...
Pego o notebook e caminho até a cama onde me deito com ele meu colo.
— Amor, eu não tive nada a ver com isso, se é o que está pensando. Se
ele te ofereceu, é porque viu que se dedica ao seu trabalho e merece.
— E se eu o decepcionar? E o pior, e se eu decepcionar os dois?
— Não vai. É boa no que faz. Não tenha medo. Aceite.
Ela suspira coloca o Biscoito em seu colo. Porra, até dessa bola de pelos
estou sentindo falta. Ele abana o rabo assim que me vê e late.
— Viu, ele gosta de você — Raquel diz e sorrio.
— Claro que gosta. Só come tudo que é meu para provar isso.
— Ele tem ciúme de você.
— Sei. Ele é um pequeno monstro.
Ela ri e acaricia o cachorro. É loucura sentir ciúme do cachorro que está
recebendo carinho e eu não? Merda.
— Voltando ao assunto... Pedi a ele um tempo para pensar.
— Faça o que o seu coração mandar. Mas sabe que é uma grande
oportunidade e merece isso.
— Vamos ver. Deus sabe de todas as coisas... Por falar nisso, meu tio
perguntou de você essa semana. Acho que até ele sente sua falta.
— Uau, isso sim é um milagre!
Rimos.
— Preciso descansar e você também. Foque no trabalho para ter
inspirações. Não se preocupe que se eu estiver mal, eu irei te avisar. Se cuida,
Téo.
— Eu vou. Quero voltar logo. Estou com saudades de você, da Catarina,
de todos.
— Sua mãe está dizendo que é ingrato porque não liga para ela. Vê se
liga.
— Eu vou. — Sorrio. — Te amo.
— Também amo você. Se concentra no seu trabalho, teimoso.
— Eu vou. Mas a saudade de você... de sexo, não está ajudando. Ontem
tive que me masturbar, por lembrar da nossa última noite, antes de eu vir para
Chicago.
— Téo! Não sabe ser romântico até o final de uma conversa?
— Não. É chato.
Ela tenta controlar o sorriso, mas falha.
— Daqui alguns dias eu retorno.
— Certo. Aguardando ansiosa.
— Boa noite, e sonha comigo. De preferência, você nua e no meu colo.
— Téo, v-você não tem jeito! Boa noite. — Ela começa a rir e desliga.
Sorrio.
Volto a focar no trabalho. Começo a anotar algumas ideias e pesquisar
alguns lugares para fazer fotos. Raquel tem razão, preciso ficar atento nisso.
Quem pegou, pegou, pegou, não pega mais
Quem beijou, beijou, beijou, não beija mais
Tem um amor de balada virando amor da minha vida
Quem diria
Que eu beijaria a mesma boca todo dia
— Henrique e Juliano “Quem pegou, pegou”

Raquel Lima

Termino de fazer a última vistoria do dia com o Natanael e vamos para o


saguão, que agora já está todo decorado para o Natal. Paramos no balcão onde
Mayara atende os hóspedes. Ela está sozinha, mas o Augusto já abriu vagas para
novas funcionárias, e até o final desta semana começa a entrevistá-las, pois logo
chegam as festas de final de ano, e precisamos com urgência. Eu já estou de
férias da faculdade com excelentes notas, e graças a Deus consegui concluir esse
período que iniciei, mas o médico já me avisou que não retorno para o início das
aulas ano que vem, pois vai querer mais repouso da minha parte, e também
ficarei afastada do hotel. Mas está tudo bem, é por uma boa causa. Aliso minha
barriga, o que já virou mania, e sorrio.
— Já decidiu onde vai passar as festas? — Natanael questiona, e começo
a fazer as anotações da vistoria de hoje no caderno.
— Ontem tive consulta, e o médico disse que viagens apenas por perto,
nada de avião. Então acredito que ficaremos por aqui, já que viagens de carro
tem me causado enjoos fortes.
— E vai se dividir entre a casa da sogra e da sua mãe?
Paro o que estou escrevendo e olho para ele.
— Não sei. Minha mãe já declarou que o Natal ficará na sua casa
reformada. Eleonor disse que somos ingratos e ao menos uma vez no ano temos
que ficar com ela... Eu estou pensando em me esconder em qualquer quarto
disponível por aqui, e comer sem parar.
Rimos.
— E você?
— Ficarei no hotel. Fazemos festa aqui também...
— Natanael, você me deu uma ideia!
— Eu? — Ele ergue a sobrancelha.
— Podemos comemorar a véspera de Natal todos juntos e aqui no hotel.
E o dia de Natal tomamos o café da manhã na Eleonor, e o almoço na minha
mãe. Resolvido. Terá Raquel e Téo para todos!
— Boa ideia. Tequel para todo mundo.
Sorrio com o nome “shipper” que está sendo divulgado por todos os
lugares, quando se trata do Téo e eu. Nas redes sociais é uma loucura, e os
noticiários amam usar em destaque para vender mais. Ao que parece viramos um
tipo de casal celebridade, o que eu acho bem estranho, já que nunca imaginei ter
meu nome divulgado pela internet, revistas... Algumas coisas ainda não
mudaram. Sou tímida em muitas situações e essa é uma delas.
— Vou conversar com elas e tentar convencê-las...
— Convencer a quem? — Viro para a voz que diz isso e já sorrio.
Minha sogra me abraça e me beija no rosto.
— Se eu não venho nesse lugar pegar as contas para ir ao banco, eu não
vejo a senhorita. Sabia que quando se casasse com aquele jumento, se tornaria
ingrata como ele. Tenho você como uma filha, e é claro que você me esqueceria
como meus filhos...
— Eleonor, jamais esqueceria de você. Só estava na correria com as
provas finais, mas agora estou de férias da faculdade e pelo visto, por um bom
tempinho, e prometo que vou te visitar mais.
— Sei... — Ela balança a cabeça em negativa. — Natanael, meu querido.
Você sim se importa comigo, sempre pergunta da minha pessoa ao ingrato do
meu marido. Vivemos no mundo dos ingratos.
— A senhora é muito especial. E já vou pegar as contas. Com licença. —
Ele se retira e ela sorri.
Encosto na lateral do balcão para dar mais espaço aos hóspedes.
— O Téo já retornou?
— Sim. Mas calma, ele chegou ontem à noite, e tenho certeza de que se
ele tivesse...
— Se ele chegasse cedo também não iria me visitar. Aquele menino só
me faz sofrer... Mas, enfim, como está meu netinho ou netinha? — Seus olhos
brilham e sorrio.
— Muito bem. Forte, e cada dia crescendo mais.
— Fiquei sabendo que já conseguiram ver o sexo, mas a senhorita não
quis deixar o médico contar.
— Pedi ao médico para não falar nada, é um tipo de tortura ao Téo.
— Não me faça pagar por ele.
Rio.
— Jamais. Por isso, prometo que na próxima consulta deixo o médico
falar. Por enquanto, o Téo sofre mais um pouco, e até eu estou um pouco ansiosa
para saber.
— Ele está dizendo a todos que é menino. Eu tenho certeza de que é
menina.
— Virou aposta na mídia também. Que horror.
Ela concorda.
Ficamos conversando até o retorno do Natanael. Então ela pega as contas
e se despede, pois tem muita coisa para fazer ainda.

Volto ao trabalho e ajudo Natanael em algumas coisas. Ainda não


respondi a proposta do Augusto, pedi tempo para pensar e ele está respeitando.
Não contei a ninguém além do Téo, e acho melhor assim. Não quero alarmar
ninguém sem ter certeza de nada. Hoje tenho um evento de gala para ir com o
meu marido. Vão ter muitos famosos, mídia e estou animada e com receio, pois
nunca fui a um evento recheado de celebridades como agora. Ele avisou há
alguns dias e por sorte e, com as dicas da Hannah, consegui comprar um vestido
para a ocasião, e não foi fácil devido a barriga, seios, enfim, por eu estar ficando
maior em tudo, e todos os vestidos que achávamos eram justos demais, sem
poder fazer ajustes, mas conseguimos em uma boutique, o que me fez quase
morrer do coração pelo valor que me custou, mas tudo bem. Se tem uma coisa
que amo da minha antiga vida é a economia. Hoje em dia, eu tento ser simples,
mas tenho um esposo exagerado, uma cunhada louca, e amigos sem juízo. Eu
realmente vou ficar doidinha, meu Deus.
Termino tudo o que tenho para fazer, e pego minha bolsa. O Téo vem me
buscar. Retorno para o saguão e sento no sofá livre à espera dele enquanto
observo o movimento. As crianças que entram se encantam com a decoração e é
lindo ver a magia reinando dentro delas. Essa é uma das melhores fases da vida,
pois a inocência nos faz acreditar em tudo, inclusive no bom velhinho de roupa
vermelha. Não vejo a hora de viver isso com meu bebê. Meu pequeno serzinho,
que tenho um amor imenso.
— COM LICENÇA, HOMEM CASADO PASSANDO!
Encolho no sofá e jogo o cabelo para o lado escondendo o rosto. Téo vai
me matar de vergonha ainda. Meu Deus!
— PODEM ADMIRAR A ALIANÇA. SÓ NÃO ADMIREM MUITO O
HOMEM QUE A USA, TENHO UMA ESPOSA UM TANTO PSICOPATA.
Meu Deus! Que vergonha. Viro o rosto lentamente e ele está vindo em
minha direção. As pessoas sorriem dele, e algumas mulheres olham como se
fossem devorá-lo. Ele para na minha frente, rindo.
— Olá, Doçura.
Franzo o cenho e me levanto.
— Nunca mais faça isso, pelo amor de Deus! Que vergonha! — Sinto
meu rosto queimar.
— Não fiz nada, meu amor.
Ele segura meu queixo e deposita um beijo em meus lábios. Se inclina,
beija minha barriga e logo diz:
— Papai não fez nada. Sua mãe é doida.
Acerto um tapa em seu braço assim que ele ajeita a postura.
— Ele ou ela vai acabar achando que tem uma mãe realmente doida,
graças às suas conversas.
— E vai achar certo. Eu sou a pessoa mais normal desta relação, minha
Santinha. E por isso tenho que te dizer que talvez eu tenha contratado uma
pessoa com bastante fama por seus trabalhos realizados, para decorar o quarto do
nosso filho.
— Como é?! — Fico boquiaberta.
— Não fique nervosa, mulher.
— Téo, você chegou ontem de Chicago, e hoje ficou no estúdio
instruindo as novas funcionárias. Quando fez essa loucura?
— Enquanto almoçava... Não importa, agora já fiz.
— Eu não acredito. Fez isso para saber o sexo do bebê. Você não joga
limpo.
— Nunca disse que fazia. Sempre soube quem eu era, amor. — Ele me
dá outro beijo. — E além do mais, quero aproveitar cada instante que ficarei
livre, e me dedicar a vocês. Depois das festas volto a trabalhar, e só paro nas
últimas semanas da sua gestação. Então, não prive isso desse pobre homem...
— Começou o Sr. Dramático. — Ele me beija novamente. — Vamos,
antes que me conte mais novidades que vão me matar.
— Na verdade, tem mais uma coisa.
— Téo, pelo amor de Deus...
— Calma, mulher! Eu só quero dizer que preciso de sexo.
— Téo! — repreendo-o, que ri.
— Sério, minha mão está calejada. E antes que pergunte o porquê, é por
ficar...
— CHEGA. VAMOS!
Ele começa a gargalhar, enquanto saio andando na frente e rindo bem
timidamente das suas doidices.

Clarões disparam por todos os lados. Muitas pessoas fazem perguntas, e


outra gritam por uma pausa para as fotos. Téo passa o braço pela minha cintura e
os seguranças contratados para nos acompanhar abrem passagem entre os
fotógrafos e repórteres no espaço do evento. Meus olhos chegam a arderem de
tantos flashes disparando. Seguimos em direção ao tapete vermelho onde fica
mais tranquilo, tendo um local separado para os fotógrafos. Uma moça pede para
ficarmos de frente para o painel no tapete, e pousarmos para algumas fotos.
— Sorria. Com essa cara, vão pensar que quer matar alguém — Téo
cochicha no meu ouvido e acabo sorrindo.
Não sei nem o que estou vendo, porque as vistas estão embaçadas. Por
que mesmo eu quis vir? Ah sim, para acompanhar meu marido, e para evitar
mais falatórios da mídia. Que Deus me ajude hoje! Téo faz um sinal e saímos
dali, em direção a algumas pessoas, que param para nos cumprimentar e acabam
nos fotografando. Este evento está passando em um canal de TV, além de estar
nas redes sociais. A causa? Apenas curtir uma noite de gala e nada mais.
Confesso grandemente que vim também pela comida. Descobri que estou
virando uma doida comilona. Oh, céus!
Entramos no espaço enorme de portas duplas. E logo somos
encaminhados para uma mesa com outros nomes e claro que são famosos. Esse
lugar está cheio deles. Sentamos e pisco rápido algumas vezes. Escuto o riso do
Téo e olho para ele.
— Vai se acostumar. Agora sabe o que passo nesses eventos, e que,
quando vê fotos comigo com outras mulheres, é porque sou parado por elas e
não posso ser mal-educado.
— É... Percebi. Me pergunto quando voltarei a ver tudo limpo
novamente. — Ele me beija e em seguida sorri.
Os outros nomes que estão na mesa começam a chegar e nos
cumprimentam. Estou preocupada da Rainha da Inglaterra aparecer a qualquer
momento, de tantas pessoas que estão aqui vestidas elegantemente. E tenho
certeza de que o anel de qualquer pessoa só nesta mesa ajudaria um país
necessitado e ainda sobraria. Garçons trazem bebidas. Eu e mais uma mulher
ficamos com a água, pois também está grávida. São todos simpáticos e muito
divertidos. Um deles é um ator famoso de uma série estrangeira. A esposa deste
ator é uma modelo brasileira. Há famosos de fora do país também. O que eu
estou fazendo aqui. Quem é Raquel? Uma perdida nesse meio. Senhor.
Eles falam que a fama do Téo tem rodado muitos países. E que estão
loucos para marcarem presença em uma exposição dele e claro ter fotos pelas
lentes do famoso Lima. Pelo visto, eu realmente estou casada com um homem
famoso. Ele já era, mas sua fama era outra, que ainda é citada pela mídia, mas
agora, sempre que podem, seu... quero dizer, nosso nome é citado. Teve uma
semana que foi citado todos os dias com diversas suposições, até de divórcio. Só
Deus na vida dessas pessoas, que saem inventando coisas absurdas.
A noite é agradável. Outras pessoas se aproximam para cumprimentar,
conversar. Todos ficam elogiando-me e dando parabéns pela gravidez. A timidez
está reinando em mim, mas consigo conversar com todos. Perguntam o sexo do
bebê e o Téo faz questão de dizer que estou torturando ele, por não falar, e
fizeram apostas com valores altíssimos. Minha gravidez virou aposta de mesa.
Uma que se aproxima diz que, quando ficou grávida o sonho era ter um barrigão
como estou ficando, mas não ficou. E que achava que o meu era menina e quase
matou o Téo do coração, pois falou que nunca erra quando diz o sexo do bebê de
alguém.
Depois de quatro horas, resolvemos ir embora, pois comecei a ficar
enjoada. Claro que tivemos outra trabalheira para entrar no carro devido aos
paparazzi. Mas conseguimos sair o quanto antes dali.

Téo Lima

Entramos na casa da minha sogra recém-reformada. Estou realmente


impressionado. As cores são claras e com diversos detalhes da decoração em
colorido. Eu ainda não tinha visto a casa totalmente pronta.
— Raquel, o que fizeram com a decoração de filme de terror?
Ela me olha feio.
— Amor, estou impressionado. Não parece mais que vão expulsar o
demônio de alguma pessoa, com uma enorme cruz.
— Téo, pare com... — Ela para e leva a mão à barriga. Olho para ver se
tem sinal do retorno da mãe dela da cozinha, mas não tem.
— Raquel, o que houve? Está tudo bem? — pergunto alarmado.
Ela se ajeita no sofá e sorri.
— Está sim. É que se mexeu. Antes eu sentia uma coisinha ou outra, mas
agora foi mais nítido.
— Porra, mulher, aprenda como ter uma reação de algo bom. Quer ficar
viúva?
Ela ri e revira os olhos.
Elisângela retorna com bolinhos de chuva e chá. Eu amo os bolinhos
dessa mulher. Ela mal coloca na mesa de centro e já ataco.
— Me pergunto se esse menino anda passando fome. As reações dele
quando tem bolinhos me assustam — ela diz e dou de ombros.
— Sua filha me deixa passando fome. Me nega comida. Ela é um
monstro. Uma grávida psicopata.
— Como você é mentiroso, Téo Lima. Que pecado! — ela rebate
nervosa.
— Eu disse que era grávida psicopata. Já mudou o humor do nada.
— Não fale assim da minha filha. Você deixa todos perturbados.
— Não tenho uma pessoa para me defender mais. Puta merda!
— Olha a boca, Téo Lima! — elas dizem juntas.
Pego mais bolinhos. Eles sim me amam. A campainha toca. Elisângela
vai até a porta e abre sorrindo. Essa mulher agora sorri? Porra, estou tendo
alucinações. Cadê a doida? Que mudança. Raquel podia ir nesta psicóloga da
mãe dela, quem sabe para de ser doida e me maltratar também, porque ontem me
negou sexo. Preciso ir à igreja, deve ser algum pecado e estou sendo castigado.
— Cheguei! Sabia que a encontraria aqui.
Olhamos para a porta e as duas figuras entram.
— Claro. A mãe dela avisou.
— Cala a boca, Benjamin. Seu humor está me deixando louca, e olha que
já sou.
— Vovó! — Raquel se levanta e a cumprimenta.
Benjamin me cumprimenta com um aceno e acho bom. Não gosto desse
cara. Esse porra me irrita. Ele cumprimenta a Raquel com um beijo no rosto, e
meu olhar não sai dele. Como mais bolinhos. Preciso me manter forte.
Elisângela fala para eles se sentarem, que ela vai buscar mais xícaras. Droga,
vou ter que dividir meus bolinhos.
— Então, minha menina, como está essa criança? Como estão vocês?
Tive um sonho tão lindo e trouxe até presente.
— Pulo a parte do sonho, e aceito o presente — falo.
— Meu príncipe, não pode pular o sonho. E estava com saudade dessa
voz e desse sorriso.
— Vovó, não elogie, ele vai ficar todo exibido — Raquel diz e olho feio
para ela.
Elas sorriem.
— Eu sonhei com a criança. E já sei o sexo. — Ela bate palmas animada.
— É...
— Não fale! — Raquel grita e quase morro com o bolinho entalado na
garganta.
Elisângela retorna e entrega as xícaras a eles.
— Poxa, querida... — Esmeralda pega a sacola que estava com o
Benjamin e tira de dentro uma caixa. — Eu comprei até presente. Olha só...
— Vovó, por que mesmo tem sonhos? — Raquel questiona desanimada.
— Tudo bem. Não direi qual o sexo. Mas fique com a caixa e abra
quando ganhar o bebê.
— Raquel está deixando todo mundo louco com isso — Elisângela fala e
serve o chá para nós.
Esmeralda estende a caixa para a Raquel, que pega, mas escorrega de sua
mão e cai no chão. Ela tenta segurar, mas leva mão à barriga.
— Mexendo de novo. E, às vezes, não é nada sutil — declara e sorri
enquanto alisa a barriga.
Olhamos para a caixa agora aberta e meus olhos arregalam. Raquel abre
os lábios e Elisângela se senta emocionada.
— Qual a chance de ter errado? — Benjamin questiona a Esmeralda.
Olhamos para ela.
— Eu nunca erro. Já disse que as pessoas podem mudar suas escolhas de
caminho e isso interferir nos meus sonhos. Mas o sexo do bebê não tem como a
pessoa mudar o que Deus decidiu. E pelo visto a criança queria que soubessem
logo, afinal se mexeu e fez com que a Raquel perdesse a atenção e derrubasse a
caixa. Amo os detalhes mais simples que o destino impõe. Hora do chá, meus
queridos. Hora do chá. — Ela suspira animada e pega seu chá como se nada
tivesse acontecido.
Raquel me olha e sorri.
— Já que aconteceu isso, vamos buscar o resultado para confirmar —
minha esposa, que me nega sexo, diz.
Concordo ainda assustado. Pego outro bolinho, a fome até triplicou.

Tem um pinguinho de gente correndo na sala
Com o sorriso banguelo, eu não quero mais nada
— Zé Neto e Cristiano “Mulher maravilha”

Raquel Lima

Tempos depois...

Coloco seu sapato, pois estava brincando no pula-pula com o Rogério,


seu padrinho.
— Nã... — reclama.
— Meu amor, tem que pôr sim.
Desiste de não querer os sapatos e foca a atenção na minha correntinha,
enquanto coloco seu outro sapato. É seu aniversário de um aninho. E resolvemos
fazer no hotel, onde me tornei a gerente do local. Sim, aceitei o convite do
Augusto. E também estou conseguindo conciliar a vida de mãe, gerente de hotel,
estudante e esposa de um fotógrafo famoso, e idas à igreja. Claro que temos uma
babá, Tereza, que é de grande ajuda e uma senhora amorosa demais. Só queria
saber aonde está meu marido, que acabou estendendo a viagem a trabalho, mas
garantiu que chegaria a tempo do aniversário.
— Nada do meu pai? — Catarina questiona se sentando na cadeira ao
meu lado.
— Nada, Cate.
— Não se preocupe. Ele vai chegar. — Ela cruza as pernas como uma
adulta. Mas tem apenas nove anos agora, porém confesso que é mais inteligente
do que muitas pessoas.
— Pronto, meu amor. Sapatos colocados. — Pego no colo e ajeito sua
roupa.
— Papá... Papá...
— Logo chega, amor. Paciência.
A impaciência é idêntica à do pai... Se bem que tudo é idêntico ao pai:
cabelo, cor dos olhos, boca, nariz... Nove meses na minha barriga, senti a dor do
parto normal, e é completamente a cara do pai. Agora entendo o que ouvi
durante a gravidez sobre mães revoltadas.
— Papá!
Tenta descer do meu colo. Já sabe andar, caindo na maioria das vezes,
mas nunca desiste. Também fala algumas coisas, do seu jeitinho errado. Fico
assustada o quanto essa criança é esperta.
— Raquel, olhe para trás — Catarina diz e sai em disparada.
Viro para trás e sorrio. Agora sei o motivo de ficar chamando pelo pai.
Téo abraça a filha e a beija. Logo em seguida cumprimenta algumas pessoas, e
nossos familiares. Então vem na minha direção. Catarina vai até a mãe, que não
para de olhar para o Benjamin, que infelizmente não está nem aí para ela. Em
todos os eventos que estivemos todos juntos nesses tempos, é sempre assim.
Samira fica babando no homem, que não dá a mínima para ela. Hannah ri de
algo que minha avó conta e Rogério conversa com a turma, mas sem tirar os
olhos dela. Téo diz que estou louca, mas sinto que algo pode acontecer...
— O homem mais lindo da sua vida chegou! — Téo fala e reviro os
olhos.
— Convencido. Estava preocupada.
— Eu prometi que estaria aqui. Acha mesmo que perderia o aniversário
de um ano do meu filho? O filho que eu sempre afirmei que era menino e você
duvidava?
— Nunca vai esquecer isso, não é? — Sorrio.
Ele ri e pega o nosso filho, que vai sorridente para o colo dele. Traíra.
— Sentiu falta do papai? Sua mãe judiou de você?
Nicolas esconde o rosto no pescoço do pai, todo manhoso e balança a
cabeça.
— Eu não acredito nisso. Que mentiroso.
Téo ri e se aproxima, segurando minha cintura e deixando um beijo
demorado em meus lábios. Dois anos depois e ainda sinto as mesmas sensações,
friozinho na barriga, coração acelerado... Amo tanto esse homem. Esse tempo ao
lado dele tem sido maravilhoso. Não é a todo instante às mil maravilhas, mas
fazemos o possível para ser. Viajamos, passamos tempo juntos, vou aos eventos
com ele quando posso. Ele me faz surpresas com presentes, visitas no trabalho e
fez uma bem maluca colocando as fotos do ensaio sensual que fiz, pela casa;
quase matei ele por isso e retirei tudo. Está guardado em um lugar que ele
escolheu, só deixei as fotos da gravidez e nossas, também as primeiras fotos que
fez minhas e encontrou locais pela casa para exíbi-las nas enormes molduras, e
claro, as do casamento. Téo é doido, ele tinha dito que ninguém veria aquelas
fotos e espalha na casa. Mas enfim, quando pode, me busca na faculdade e não
preciso pedir para que olhe nosso filho, ele faz por conta própria.
Muita coisa está mudada para melhor; quando a Catarina vai para a nossa
casa, a bagunça é declarada. Ela se apegou muito ao irmão, e cuida dele. Mesmo
quando o Téo viaja, eu me comprometo e pego ela para ficar comigo, e ela
sempre quer me ajudar em tudo. Às vezes levo os dois ao hotel, a pedido do
Augusto, e os três aprontam todas, deixando Natanael e eu doidinhos. As avós e
bisavós mimam muito o Nicolas, mas também sabem chamar a atenção quando
ele apronta, e o danado entende, mesmo tão novinho. Minhas tias e meu tio
também adoram ele, e fazem todos seus gostos, mas uma coisa acho bonito.
Quando Téo e eu não podemos ir à igreja, meu tio ou minha mãe levam o
Nicolas. E quando eles estão ocupados, meus sogros, ou Hannah, que vão à
igreja, levam ele. Isso significa muito para mim. Ter Deus e a fé sendo plantados
no coração do meu pequeno.
Téo ajeita o cabelo do arteiro, que já está suado pelas brincadeiras com o
padrinho.
— Férias. É disso que preciso e isso que Saulo conseguiu. Ficarei dois
meses de férias das viagens e eventos longes. O que significa viagem com vocês.
— Preciso ver se posso devido a faculdade e o trabalho, Téo.
— Não aceito desculpas. Converse com meu pai e com a faculdade.
Porque uma das viagens será internacional.
— E posso saber o destino?
Téo coloca o Nicolas no chão e ele sai andando todo engraçadinho e
dando gritos na direção da Catarina, que está conversando com o Benjamin
agora.
— Porra, faço filhos lindos pra caralho. Sou foda!
— Téo, olha a boca!
Ele ri.
— Se nosso filho sair falando palavrões por aí, eu te bato.
Olho na direção da Hannah, que me dá um sorriso.
— Qual o destino da viagem? — Volto a atenção ao Téo.
— Londres.
Sorrio animada. Sempre quis ir.
— Eu posso conseguir um tempo livre.
— Espertinha. Vamos levar as crianças.
— Por mim tudo bem. Precisa ver a data certinho para conversamos com
a Samira sobre a ida da Catarina, e eu conversar com seu pai e a faculdade.
— Pode deixar. — Ele me beija. — Preciso que me acompanhe
rapidinho.
Assinto.
Passamos pela decoração de animais. O tema foi reino dos animais. Não
aguento mais ver bichos. Por falar nisso, preciso falar para o Téo colocar os
portões que impedem o Biscoito de ir para a sala quando o Nicolas estiver,
porque esse pequeno arteiro aperta o cachorro e no final acaba com ambos
irritados e eu doida. Saímos da parte aberta e entramos no hotel. Seguimos em
direção ao elevador, e fico sem entender, mas não questiono. Subimos para o
segundo andar e fomos até o final do corredor. Téo retira um cartão do bolso e
entramos no quarto.
— O que quer? — pergunto, mas ele fecha a porta e retira a blusa preta
de mangas longas. — Téo... N-não... Tem uma festa do nosso filho... E e-eu,
quero dizer... nós temos...
Ele me olha de um jeito que conheço bem. Senhor Pecado. Meu Senhor
Pecado. Não tenho tempo de dizer nada. Ele me pressiona contra a parede e me
beija com força. Um calor surge pelo meu corpo fortemente.
— Ficar longe de você é foda. — Sua voz é rouca e seu olhar intenso.
Ele me pega no colo, e enrolo as pernas ao seu redor. Caminha comigo
até a cama onde me deita e ergue todo meu vestido.
— Ainda bem que está tomando remédio, ou iríamos dar um irmão ao
Nicolas, agora.
Volta a me beijar enquanto sua mão afasta minha calcinha e seus dedos
deslizam em mim. Gemo em seus lábios. Ele se afasta e abre a calça. Abaixa a
mesma, junto da cueca, e volta a se inclinar na minha direção. Esfrega seu pau
na minha entrada, e eu agarro a colcha da cama, apertando com força. Meus
olhos se fecham e meus lábios se abrem deixando sons escaparem.
— Como senti falta desses sons, dessas expressões, nesses quinze dias
longe.
— Téo... — choramingo. Eu quero ele. Preciso dele. Abro os olhos e ele
sorri para mim.
Ele morde meu pescoço, e aproxima o rosto do meu. Passa a língua pelos
meus lábios lentamente. Como senti falta dessa bolinha prateada também.
— É isso que você quer, Santinha?
Me penetra e agarro rapidamente seus braços. A sensação é sempre tão
intensa. Tão gostosa. Começa a se movimentar rapidamente e com força. Minhas
mãos vão para as suas costas e minhas unhas deslizam por ela.
— Porra, como é bom... estar assim... com você!
— Aaah... — tento dizer algo, mas se perde em meus pensamentos.
Ele vai mais fundo e enrolo as pernas ao seu redor, com os saltos
apertando-o. É sempre assim seus retornos de viagens. E não reclamo, porque
amo tudo. A saudade faz com que nos entreguemos da forma mais intensa, sem
precisar de muito charme, ou palavras de amor, porque temos essas palavras
mesmo quando estamos longe um do outro. Ele se afasta e segura minhas pernas
dobrando-as e empurrando na direção dos meus seios. Fico mais exposta e suas
investidas mais profundas e fortes. E assim, gozamos deixando nossos gemidos
se espalharem pelo quarto sem nos importarmos com a altura que estão.

Téo Lima

Estamos atrás da mesa toda decorada, enquanto cantam parabéns e os


fotógrafos registram tudo. Nicolas bate palmas olhando para o bolo. Não nega
ser filho da Raquel, eu mesmo não como tanto como um louco. Sou um homem
light. Apenas na gravidez dela que fiquei doido. Porra, até quando ela sentiu as
dores do parto parecia que eu estava sentindo por ela. Que merda foi aquilo! O
importante que foi tudo rápido, nosso garoto ajudou a mãe, sendo rápido para
sair, mesmo gordinho e grande. Todos dizem que é a minha cara, mas eu fico
quieto, porque tenho uma esposa muito brava quanto a isso.
— Aeeeeee! Quero bolo. Vamos lá, bambino! — Rogério grita quando
acaba os parabéns.
Hannah diz a ele que é um passa fome. E ele xinga ela. Esses dois
parecem cão e gato e a Raquel ainda acha que algo pode acontecer. Só se um for
matar o outro. Quem se dá bem nisso tudo é o Nicolas, porque um quer ser
melhor que o outro no quesito padrinho. Era para Natanael ser, mas ele disse que
ficou com medo da Hannah e do Rogério matarem-no. Pobre homem! O único
normal no meio desse povo todo sou eu. Olho para a minha mãe, que sorri
emocionada. Vai começar a sessão drama. Raquel corta o bolo com a minha
ajuda, e Nicolas, que está em meu colo, acaba pegando um brigadeiro da mesa,
levando todos ao riso.
— Puxou ao pai. Só não é jumento e não deixarei ser TTL ou no caso
NTL — Eleonor fala.
— Nem me lembre de que esse garoto tem tudo do pai. Meu coração até
dói — João diz apavorado.
— Qual é, padre. Confessa que me ama. — Ele me lança um olhar feio e
rio.
A mãe da Raquel pega o Nicolas e saímos de trás da mesa. A equipe do
buffet da Hannah começa a servir a todos. Meu pai se aproxima com as mãos no
bolso e sorri.
— É, garoto, quem diria que construiria uma linda família e se tornaria
um homem de sucesso? Estou orgulhoso de você.
Raquel sorri para mim e se afasta indo até minha mãe, que se juntou a
Elisângela.
— Eu não diria. Mas estou feliz por essa surpresa.
— E tem que ficar mesmo. Famílias unidas, sua esposa é maravilhosa e
uma excelente gerente. Meus netos sãos preciosos... Aos trancos e barrancos
chegamos aqui. — Ele tira uma mão do bolso e dá tapas nas minhas costas. —
Parabéns, Téo. Você cresceu.
— Hoje, estando aqui, é engraçado e irônico. E veja só, Raquel é a
centésima funcionária e não pediu as contas.
— Graças a Deus!
Rimos.
— Mas fico preocupado com sua irmã... O que será dela? Parece ter
desistido de ser feliz.
O padre João se aproxima parando ao nosso lado.
— Perdão me intrometer, mas acabei escutando tudo. Não pensem no
futuro, deixem Deus trabalhar nele. Téo e Raquel chegaram até aqui, mesmo
diante dos empecilhos, e ninguém precisou forçar situações para que isso
acontecesse. Então deixe que a pequena Hannah vai encontrar seu caminho.
Antes ela tem que descobrir o que quer, e se perdoar, porque não teve culpa de
nada. Mas temos que viver um dia de cada vez.
Fico olhando para a minha esposa e meu filho. Catarina se aproxima
deles e Raquel passa o braço ao redor do ombro da minha pequena loirinha e
sorri.
— O padre tem razão. Vamos viver um dia de cada vez. Não podemos
atropelar a vida.
— Não. Não podemos — meu pai diz.
Nicolas começa a chorar e esticar os braços na minha direção. Peço
licença ao padre e meu pai e vou na direção dele. Pego ele no colo. Está ficando
cansado. Bagunço o cabelo da Cate, que reclama, e Raquel chama a minha
atenção. Sorrio. Escutamos um barulho e olhamos para trás. Hannah está
tentando ajudar a Samira a levantar. Como esse ser humano caiu da cadeira?
Benjamin olha para o seu lado, onde ela caiu, e fica abismado, pelo visto
tentando entender o mesmo que todos. Como Samira fez para cair? Ela se
levanta como se nada tivesse acontecido, e segue em direção a avó da Raquel,
que ri sem parar.
— Será que ela se machucou? — minha mãe pergunta preocupada.
— Não sei. Mas vergonha ela passou — respondo dando um beijo na
cabeça do Nicolas, que recebe a chupeta das mãos da Elisângela.
— Téo, não diga isso! — Raquel me repreende.
— Minha mãe fica toda desajeitada perto do Benjamin. Mas ele nem liga
pra ela.
— Catarina, não diga isso! — Raquel briga com ela.
— Meu pai que começou!
— Esperta. Agora me culpa.
— Chega os dois. Samira é uma boa moça e Benjamin é bobo, por não
dar ao menos uma atenção baseada na educação para a menina — Elisângela
fala.
Catarina me olha e sorri.
— Concordo — minha mãe rebate.
Samira e Hannah se aproximam da gente junto da Esmeralda. Claro que
Samira veio mancando e eu tive que me controlar para não rir, ou apanharia da
minha esposa me olhando feio. Ficamos conversando, e claro que eu
atormentando a todos. Nicolas fica com a cabeça grudada em meu pescoço e a
chupeta na boca. Ele mexe na corrente em meu pescoço, que tem como pingente
um crucifixo. Raquel pega bolo e começa a comer me fazendo inveja, por não
poder comer agora, porque tem um gordinho nos meus braços, bem pesado.
Olho feio para ela, que ri. Optamos pela festinha dele, mais íntima, afinal o
garoto vive com fotos espalhadas na mídia. Queremos que ele tenha momentos
normais também. Ela coloca um pedaço na minha boca.
— Até que enfim, poço de ruindade. — Ela sorri e dou uma piscadela.
Catarina sai com a Hannah em direção ao pula-pula. Não me
responsabilizo por brinquedo furado com as duas bonitas cheias de acessórios.
Olhamos para a entrada onde começa uma movimentação e são as tias da
Raquel, junto do Robson com a família e a Mayara. Eles vêm nos cumprimentar
e entregar os presentes do Nicolas.
— Desculpe, pegamos um trânsito terrível — Cássia fala.
— Não se preocupe. O importante é que vieram — Raquel a tranquiliza.
— Vou deixar os presentes no lugar deles, ali. E já venho paparicar esse
garotão. — Noemi se afasta, animada.
Robson junto da família e a Mayara entregam os presentes e Raquel diz
que não precisava, e logo pede para ficarem à vontade. E pensar que eu morria
de ciúmes, e o Robson é casado e tem uma bela esposa e dois filhos. Vou em
direção aos homens e me sento à mesa com eles. Nos servem bebidas. Nicolas
acaba dormindo nesse tempo, Raquel e Noemi tentam pegá-lo para me deixar
descansar os braços um pouco, mas ele resmunga e agarra minha blusa. Minha
Santinha sempre diz que ando comprando nosso filho, mas não tenho culpa se
sou um pai foda.
É bom ter dias com a família e amigos reunidos, exceto Benjamin. Já
notei o quanto minha filha gosta desse cara também. Se eu passar com o carro no
pé dele, será crime? Só não farei porque sou um anjo, faltando apenas as asas.
Por falar nisso, preciso de respostas antigas. O padre nunca me respondeu o
motivo de eu ter broxado tempos atrás. Será que, se eu perguntar novamente, ele
tem um infarto? Porra, melhor ficar sem saber. Até porque tudo tem estado bem
pra cima desde que a Raquel entrou na minha vida. E pensando bem, acho que
Nicolas me entende bem, pois sempre que planejo noites longas de sexo com a
mãe dele, tenho um papo sério com ele, sobre não acordar de noite, e o garoto
obedece. E de dia quando surge oportunidades, ele também não interrompe...
Porra, esse meu filho é esperto. Ou são as promessas de que, quando estiver
maior, darei tudo o que ele quiser? Eis a questão... E falando em filho, me
lembrei de que preciso ir à escola da Catarina. Fiquei sabendo que entraram seis
meninos a mais na sala dela. Que porra é essa? Bordel? Preciso fazer a Samira
aceitar da Catarina estudar em colégio de freiras. Só tenho que pensar em como
fazer isso, porque nem minha esposa está do meu lado. Sou tão condenado nesta
família.
Robson se junta a nós, e volto a focar na conversa. Rogério tira os
sapatos do Nicolas, e fica massageando os pés dele, e o danado sorri dormindo.
Raquel tenta pegá-lo mais uma vez depois de um tempo e desta vez consegue.
Fico admirando a bela visão... da sua bunda, claro. Porra, ela bem que poderia
liberar outra...
— Vou voltar a ser virgem. Tem como? Menos problemas. Meu pau é
precioso, e todas ficam loucas após usá-lo.
Olho incrédulo para o Rogério, e que merda de papo é esse? Quando a
conversa chegou nisso?
— Porra, agora está prestando atenção na conversa? Caralho, pare de
tarar sua esposa com o olhar! — ele rebate.
Todos riem.
— Idiota! Não sei por que ainda te mantenho como amigo.
Passo dias longe dela, claro que vou ficar mais tarado por ela, que o
normal. Por falar nisso, nunca fizemos sexo na minha bebê azul. Está na hora de
estrear minha Ferrari.
Já não sou a mesma que era ontem
E peço a Deus
A força necessária
Vou deixar ao vento minha verdade
Já não importará
Mais que seu olhar
Pra sempre eu vou te abraçar
E toda a dor vai sarar
— Lali Espósito “Jurame” (Esperanza Mia)

Raquel Lima

Acordo com o celular despertando. São nove horas. É sábado e estou


bem cansada da festa de ontem. Hoje não irei trabalhar, mas acabei dormindo
demais. Gosto de fazer as coisas enquanto o Nicolas dorme. Olho para o lado do
Téo, e ele não está, e pelo visto nem dormiu aqui. Ele ficou trabalhando
enquanto vim deitar, e pelo visto deve ter dormido no sofá do escritório. Levanto
e olho a babá eletrônica, mas Nicolas não está no berço. Deve estar com a
Tereza, ele acorda cedo. Esqueci de avisá-la que não precisaria vir hoje, pois não
iria trabalhar e o Téo está em casa. Vou até o banheiro, faço minha higiene e vou
até o closet me trocar. Visto um short e uma blusa de alça fininha vermelha.
Calço os chinelos e saio do quarto.
A casa está em silêncio. O que é estranho, Nicolas não é nada quietinho
quando está acordado. Uma bola de pelos corre até mim, assim que entro na sala.
Me abaixo.
— Bom dia, Biscoito. Dormiu bem, peludinho? — brinco com ele,
fazendo carinho em sua cabeça e ele abana o rabo todo assanhado. — Cadê todo
mundo? Está um silêncio.
Ele late e sai em disparada na direção do escritório do Téo. Resolvo
segui-lo. Ele para na porta e fica me olhando. Está um pouco aberta, e está
escuro. Abro mais a porta e entro com cuidado. Acendo a luz, e não acredito na
cena. Esses dois não tem jeito. Sorrio.
Téo está dormindo no sofá com o Nicolas em cima dele. Tem fotos,
câmeras, papeladas, para tudo quanto é lado. Eles dormem iguaizinhos, até no
jeito da boca, da mão. Meu Deus, esse menino não puxou nada meu? Que
absurdo. Olhinhos castanhos se abrem e piscam algumas vezes. Então olha na
minha direção e sorri. Como sou apaixonada nesse sorriso.
— Ma-mã.
— Shhh... vai acordar o papai — falo baixinho e sorrio.
Me aproximo, e ele ergue a cabecinha com seus cabelos escuros todo
bagunçado.
— Vem com a mamãe.
Vou tirá-lo dali, mas o Téo segura firme. Tiro a mão do Téo com cuidado
e pego o Nicolas e a chupeta que estava no pescoço do pai.
— Mamãe vai te dar banho, e preparar sua mamadeira.
Nicolas come frutas, comida preparada especialmente a ele, mas seu leite
de manhã é sagrado, se bem que se der pedra ele come junto do leite. Não é à toa
que é bem gordinho, mas não está acima do peso, e a saúde é melhor que a
minha. E dou graças a Deus por isso. Biscoito espera na porta. Mas, quando vou
sair, uma voz rouca me interrompe:
— Quem ousa roubar meu filho?
Viro para ele, e sorrio.
— Bom dia, amor — cumprimento enquanto ele esfrega o rosto.
— Bom dia, Santinha. Já expulsei a Tereza, que apareceu cedo querendo
cuidar do meu filho, agora vou ter que expulsar a senhorita tirando esse
bolotinha de mim? Sofro até quando durmo.
Rio.
— Eiti, ma-mã. — Suas mãos gordinhas seguram meu rosto.
— Vou dar leite. Se acalme, amor.
Ele me lança suas piscadas para seduzir, porém com os dois olhinhos e
uma carinha engraçada. Meu Deus, não nega de quem é filho. Até as piscadas
tem. Sorrio.
— Por que não foi pra cama? — questiono o Téo, que se senta no sofá.
Biscoito corre até ele e lambe seu pé.
— Bola de pelos. Totó, me leva até o banheiro, estou quebrado.
— Não fale assim com ele. Dê carinho.
— Eu não ganho. Por que tenho que dar?
— Téo!
Ele sorri.
— Respondendo a sua pergunta, estava trabalhando até tarde. Quando fui
buscar um negócio no quarto, escutei o pequeno arteiro resmungando, e quando
entrei, ele quis colo e não queria dormir novamente. Trouxe ele para cá, a fim de
fazê-lo dormir. Acabou com toda essa bagunça aqui, e uma câmera com a lente
quebrada.
— Uau. Noite agitada. Por que não me chamou?
— Porque sou foda, e sei cuidar de situações assim. — Dá uma
piscadela.
— Estou vendo. Até lente quebrada teve. Me pergunto como isso
aconteceu...
— Sentei com ele no chão, ele estava segurando, acabou ligando ela, se
empolgou quando viu a imagem e por ser pesada quando foi tentar levantar
bateu o lado da lente no chão.
— Nossa. Que tranquilidade. Se bem que você foi errado e deixou com
ele.
— Por isso a tranquilidade. Agora preciso de banho, comida e sexo.
Meu rosto cora rapidamente.
— Téo, olha o que fala... Vamos, Nicolas.
Saímos dali, com o Téo rindo e o Biscoito me seguindo.

Depois do café da manhã, Téo resolveu curtir a área da piscina com o


nosso filho. Eu fiquei relendo alguns documentos importantes do hotel, que o
Augusto me pediu ajuda. Porém, agora estou livre. Vou ficar com eles. Paro na
porta, que dá para a área da piscina, e observo meus meninos sentados na
espreguiçadeira brincando. Nicolas gargalha das gracinhas do pai, e até o
Biscoito está com eles, e depois o Téo diz que o cachorro não gosta dele. Fico
admirando as maravilhas que Deus me concedeu.
Hoje, observando esta cena, me dou conta de que meu maior pecado não
foi me entregar por completo ao Téo e pedir a ele para ser meu professor. O meu
verdadeiro pecado foi deixar que o medo me impedisse de lutar por tudo há
muito tempo. Foi deixar o medo me dominar em muitos momentos. Como uma
criança que cresceu ouvindo ensinamentos de Deus na igreja, eu me acovardei.
Mas quer saber? Tudo tem um tempo determinado para acontecer, a
palavra de Deus fala disso, e está mais do que certa. Tive que passar pelas pedras
imensas que me cercavam para encontrar minha verdadeira felicidade. Eu nunca
irei me arrepender de ter pedido ao Téo para me ajudar, porque ele não me
apresentou apenas as coisas extravagantes, sensuais da vida. Ele me mostrou o
amor, me ensinou a aprender a enfrentar meus medos, mesmo quando ele tinha
os dele. Ajudou-me quando minha mãe me expulsou e não queria saber de mim,
e foi meu amparo no choque da gravidez. Sempre compreensível e ciumento,
mas me tirando os melhores risos e me deixando envergonhada... Aquele dia em
que ele entrou no mercado, não foi coincidência, foi Deus. Lembro-me como se
fosse hoje, eu na entrevista de emprego e ele entrando na sala, com seu jeito
maluco, que me encanta.
Eu viveria tudo de novo, apenas para ter o primeiro encontro, a primeira
vez... Eu amo tanto este homem, e sei que este amor é recíproco. Às vezes vejo
comentários nas redes sociais sobre eu ser interesseira, e eu sou. Tenho interesse
no amor dele, nos sorrisos, nas brincadeiras e na nossa vida a três. Não consigo
ver meu esposo como o fotógrafo famoso que se tornou. Eu o vejo apenas como
o meu Téo Lima, o doido que entrou na minha vida.
Saio da porta e vou em direção a eles para curtir o momento em família.
Ah, minha família, quem diria...

Nicolas acaba pegando no sono depois da farra. Téo vai para o escritório,
e eu estou no quarto lendo um livro, pelo qual estou apaixonada, a mocinha é
doida, quer vingança e o homem outro doido, querendo que ela desista disso. É
muito bom, e tenho que confessar, bem picante. Meu celular faz barulho de
mensagem. Pego para ler e estranho por ser do Téo.

Vem até o escritório. Agora. É urgente.



Pronto, qual será a maluquice da vez? Deixo o livro de lado e já vou
preparada para rir. Deve ser algum drama para falar assim.

Abro a porta do escritório e encontro ele sentado na poltrona branca no


canto. Em uma mão está o copo com uísque. Certo, agora estou preocupada.
— O que houve?
— Feche a porta.
Faço o que ele pede, mas vejo em cima da mesa a babá eletrônica que
mostra nosso filho dormindo no quarto.
Volto a olhar para ele, que se levanta e bebe o uísque, e deixa o copo na
mesinha. Começa a caminhar na minha direção. Quando vou dar um passo para
trás, ele me segura pela cintura e sorri de um jeito que conheço bem.
— Q-qual a urgência?
— Fiquei revendo as fotos daquele ensaio... — Ele pega minha mão leva
até o centro de suas pernas, e a rigidez é nítida. — Essa é a urgência. E você só
tem duas escolhas.
Fico completamente arrepiada com o tom de sua voz.
— Q-quais? — Estou me atrapalhando toda com as palavras.
Ele leva uma mão a minha nuca e puxa meus cabelos, inclinando meu
pescoço para trás. Fecho os olhos com a sensação. Deixa um beijo em meu
pescoço, e meu corpo parece entrar em chamas. Sinto um friozinho na barriga e
mordo o lábio.
— Um ou dois? Escolhe. — Deixa uma mordida no meu pescoço e acabo
gemendo baixinho.
— Dois...
— Ótimo. — Segura meu queixo, fazendo com que eu o olhe.
— O que é o dois?
— Modo pecado.
— E... E q-qual era o um?
— O mesmo.
Ele sorri e morde meu lábio.
— Jogo sujo — falo baixinho.
— Nunca jogo limpo, Santinha. Agora só quero ouvi-la gemer, minha
Senhora Pecado... Mas antes tenho uma surpresa.
Ele se afasta me deixando totalmente desconcertada. Pega na mesa o
famoso álbum especial e me entrega. Abro passando pelas fotos que já vi, e vou
no espaço vago, onde agora tem uma foto que me lembro bem do dia. Foi no
Natal quando eu estava grávida, com um vestido vermelho realçando minha
barriga. Estamos Téo, eu e o Biscoito na imagem, à espera do nosso príncipe
Nicolas. Olho para o meu marido e sorrio.
— Um álbum especial, com pessoas especiais demais. E um animalzinho
que mesmo sendo irritante passei a amá-lo. Eu te amo, Raquel.
Fecho o álbum e coloco sobre a mesa e então me aproximo dele.
— Eu também amo você, Téo.
Ele me agarra e me beija. Enrosco os braços ao redor do seu pescoço e
ele me ergue em seu colo, me levando até a mesa, onde sei que será apenas o
início da minha vinda até aqui.
— Se me dissessem que nossa história terminaria assim, eu nunca iria
acreditar — fala beijando o meu pescoço.
Inclino a cabeça para o lado e fecho os olhos com a sensação.
— Ela... não terminou... Tem muita coisa ainda... Ah! — Mordo o lábio.
— Sim... Muita coisa ainda. Começando por aqui.
Ele ergue o vestido que uso, desde a hora que tomei um banho, após
cuidar do Nicolas. Puxa minha calcinha e joga no chão, então me abre
completamente. E com o rosto entre as minhas pernas, começa a me chupar.
— Téo... Caralho! — grito.
Ele ergue o olhar surpreso. Eu também estou. Nunca falei palavrão...
Esse homem me desvirtuou em muitas coisas. Afinal, como ele disse uma vez:
“Ele é o oitavo pecado. O meu pecado mais certo”.
Ele é o meu Téo Lima, o Senhor Pecado.

Acesse ao Spotify para escutar todas as músicas que estão dentro do livro.
Link da Playlist:
https://open.spotify.com/playlist/0tWjVJAp3DEzaEwNqJHVwb


Agradeço primeiramente a Deus por todas as conquistas que me proporciona.

Nunca fui a melhor pessoa em agradecimentos, por achar que seria injusta com algumas pessoas.
Mas, vamos lá. Beatriz Ferreira e Liziara Araújo, obrigada por serem essas amigas, betas e grandes
inspirações para mim. Tudo começou na Série Escobar, e desde então me inspiram diariamente. Cada
elogio, dicas, incentivo de vocês ao lerem cada capítulo antes de todos, tornam tudo especial.

Também quero agradecer de coração a Mariana Coelho, que me apoiou quando eu mais precisei, e
sempre foi nos momentos de pânico, estresse, e quando eu achava que não conseguiria concluir a história,
dizia para eu ter calma, e fazer as coisas no meu tempo, e claro, me arrancou boas risadas e muitas piadas
internas surgiram.

Às leitoras do Wattpad, que fizeram do livro um sucesso e capricharam na divulgação. E claro,


que as do grupo do WhatsApp também merecem meus agradecimentos mais sinceros.
Deixo um grande agradecimento a Editora Angel por me acompanhar nesse meu tempo no meio
literário e, claro, a Cláudia Pereira, por acreditar em mim mais do que eu mesma acredito.

E como sempre digo: obrigada a você que pegou este livro nas mãos e tornou esse sonho
realidade.
Com amor,

Deby Incour.


Deby Incour é brasileira e começou a escrever em 2014 e desde então nunca mais parou. Seus
livros foram publicados no Wattpad e renderam milhares de leituras. Em 2016 se destacou ainda mais com a
Série Escobar, se tornando autora bestseller com o primeiro livro da série na Amazon brasileira. Sempre
amou o mundo do “era uma vez”, e poder criar o seu próprio foi como ter uma varinha mágica ou um gênio
da lâmpada realizando seus desejos. Também é completamente apaixonada por romances de época, onde
sonha com bailes e vestidos bufantes. Adora tirar fotos, e assistir filmes clichês como as famosas comédias
românticas. Porém, é quando escreve ou lê que tudo fica perfeito, além de escutar músicas e cantar na ilusão
de que faz isso muito bem.

Instagram.com/deby.incour

EDITORA ANGEL

VISITE NOSSO SITE
WWW.EDITORAANGEL.COM.BR
Notas
[←1]
Mister Sin significa “Senhor Pecado”
[←2]
Cazzo é um xingamento em italiano podendo ser “caralho” em tradução livre.
[←3]
“Metrossexual” é dado para todo homem que gosta de cuidar da pele, unhas, cabelos, estar sempre na
moda e etc. Para alguns, é dado como homossexual, porém o que marca o comportamento de um
metrossexual é o seu estilo vaidoso e os cuidados excessivos com a imagem, sendo hoje um marco
dentre os heterossexuais.
[←4]
“têt-á-tête” é uma conversa privada entre dois indivíduos.
[←5]
Música One Day - LMFAO
[←6]
Música We Can’t stop – Miley Cyrus
[←7]
Música Sexy And I Know - LMFAO
Table of Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Epílogo
Playlist do livro
Agradecimentos
Sobre a autora
EDITORA ANGEL

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