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A bênção da decepção

Daniel Lima

Adão confiou em Eva, a ponto de ignorar uma ordem que conhecia e


aceitar dela o fruto proibido. Abel confiou em Caim, a ponto de ir com ele
ao campo onde foi morto. José confiou nos irmãos, a ponto de ir sozinho
encontrá-los no local onde foi vendido aos mercadores. Eu poderia
continuar. A história é repleta de decepções. Na verdade, tenho certeza
de que a sua vida também tem muitos episódios de decepções com
pessoas.

Decepções são diretamente proporcionais ao quanto confiamos nas


pessoas. Apesar de entristecido, eu não fico decepcionado ao ouvir de
crimes e erros cometidos por estranhos. No entanto, quando alguém que
conheço (especialmente se eu admiro a pessoa) comete um erro ou peca
contra mim, minha decepção pode ser paralisante. Decepções são tão
fortes quanto minhas expectativas e confiança no outro.

Há três reações diante de decepções. A primeira é continuar confiando


ingenuamente, achando que o ocorrido foi uma exceção e que a próxima
pessoa em quem eu confiar não vai me decepcionar. Essa reação tem
vida curta, pois a próxima decepção desafia minha capacidade de voltar
a confiar. Há, no entanto, um processo curioso em que algumas pessoas
que foram decepcionadas podem continuar buscando quase
obsessivamente uma nova relação com alguém em quem possam
confiar. Assim, no próximo relacionamento a pessoa se entrega
cegamente, crendo que este será, sim, o relacionamento seguro e
confiável que tanto buscava. Uma vertente desse comportamento se
apresenta em mulheres maltratadas que se entregam a novos
relacionamentos abusivos, ignorando sinais, às vezes evidentes, de
provável abuso.

Uma confiança cega na nobreza humana vai, fatalmente


nos levar às mais profundas decepções.
O profeta Jeremias comenta sobre essa tendência humana em Jeremias
17.5: “Assim diz o Senhor: ‘Maldito é o homem que confia nos homens,
que faz da humanidade mortal a sua força, mas cujo coração se afasta
do Senhor’”. Uma confiança cega na nobreza humana vai, fatalmente nos
levar às mais profundas decepções. O profeta se apressa a firmar no
verso 7 do mesmo capítulo: “Mas bendito é o homem cuja confiança está
no Senhor, cuja confiança nele está”. Uma confiança excessiva em
pessoas é mais do que ingenuidade, é engano; é confiar em alguém que
é falho como nós e não será sempre íntegro. Precisamos contar com as
imperfeições humanas.

Uma segunda opção, talvez a mais frequente, é desenvolver uma


postura de desconfiança ou mesmo amargura generalizada. A partir
dessa posição a pessoa começa a se manter distante de qualquer
relacionamento, temendo sempre a próxima decepção. Tais pessoas
acabam por desenvolver um estilo de vida de isolamento, usando as
mais variadas desculpas. Posto que fomos criados para nos
relacionarmos, quem opta pelo isolamento defensivo está cortando o
tubo de oxigênio e de significado de sua vida. Por um lado, terão sucesso
(não terão muitas novas decepções); por outro, viverão as antigas
decepções ou possíveis decepções e desconfianças em sua mente que
as bloqueiam de um novo e frutífero relacionamento. Para isso o autor de
Hebreus tem uma forte exortação em Hebreus 10.24-25:

E consideremos uns aos outros para nos incentivarmos ao amor e às


boas obras. Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o
costume de alguns, mas procuremos encorajar-nos uns aos outros, ainda
mais quando vocês veem que se aproxima o Dia.

A Palavra de Deus afirma que o isolamento não deve ser uma opção.
Não é um caminho de vida. Como afirmamos acima, fomos criados para
relacionamentos e somente neste contexto seremos tudo aquilo que
Deus deseja que sejamos.

Mas há, pela misericórdia de Deus, uma terceira opção: é quando a


decepção abre o caminho da graça! E é neste momento que a decepção
se torna uma benção. O fato é que – como crianças – temos uma visão
idealizada e otimista das pessoas. Mesmo crianças que crescem em
ambientes abusivos têm uma expectativa de que as pessoas ao seu
redor vão amá-la, cuidar dela e dar-lhe valor. No entanto, a realidade é
que o homem, embora ainda manifeste a imagem de Deus, o faz de
forma distorcida. Ou seja, em tudo que o homem faz, por mais belo e
nobre, há sempre uma mancha de corrupção que chamamos de pecado.

Erros trazem consequências, mas a graça de Deus pode


restaurar um relacionamento em que houve decepção.
Embora triste, esta realidade não impediu Deus de nos amar e de enviar
seu filho para morrer por nós (João 3.16). Nossa salvação não se baseia
em nossa bondade ou merecimento. Pelo contrário, Jesus morreu por
nós enquanto éramos pecadores e rebeldes (Romanos 5.1). É nesse
sentido que a decepção pode nos levar a um caminho saudável e mesmo
agradável. Ao perceber o pecado no outro, eu posso suspirar e aceitar
que essa é a realidade de todo ser humano. Uma vez encarada tal
realidade, por um lado estou livre de minhas falsas expectativas de
perfeição ou lealdade inabaláveis; por outro, sou livre para amar o outro
apesar de suas falhas.

Talvez o maior exemplo desse princípio seja a parábola do filho pródigo


(ou dos dois filhos perdidos) em Lucas 15.11-32. Quando o filho mais
novo “cai em si” (verso 17), ele retorna à casa do Pai e é acolhido,
mesmo sem ter provado uma mudança de vida. Este filho havia
decepcionado seu pai no mais profundo sentido. O pai o acolhe, pois
entende sua humanidade, seus erros e se alegra com a possibilidade de
uma relação restaurada.

Permita-me algumas dicas sobre decepções a partir desta breve


reflexão:

1. Não confie demais em pessoas. As intenções podem até ser boas,


mas a dinâmica de seus corações certamente vai levá-la a decepcioná-lo
em algum momento.
2. Diante de uma decepção, não ignore o erro (alienação) nem corte
relações com a pessoa. Nosso Deus nos acolhe ao nos arrependermos.
3. Entenda que erros trazem consequências, mas a graça de Deus pode
restaurar um relacionamento em que houve decepção.
4. Por fim, há relacionamentos em que o outro tem uma prática habitual
de se aproveitar dos demais. Mesmo quando fala de arrependimento,
logo volta à prática pecaminosa. Nestes casos, mantenha a porta do
relacionamento aberta, mas estabeleça limites para proteger-se de
possíveis novos abusos.
Minha oração é que, diante das decepções que você tem enfrentado e
vai enfrentar, a graça de Jesus, o amor do Pai e o consolo do Espírito
Santo sejam seus guias.

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