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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair

(Julia 1210)

SERÁ QUE O CORAÇÃO NÃO PREGARIA UMA PEÇA NAQUELE HOMEM


AMARGURADO PELO PASSADO?

Eles já eram marido e mulher, mas Jager Jeffries nunca saíra do


pensamento e do coração de Paige. Agora ele estava de volta, e seus olhares
diziam que ele ainda a desejava. O que Paige não sabia era que ele a queria
apenas como amante!
Jager Jeffries viera de uma família pobre. Como ousara desafiar a rica
família de Paige .. e casar-se com ela? A interferência dos pais de Paige fizera
com que o casamento naufragasse. Agora, porém, Jager era um homem rico e
bem-sucedido. E queria Paige de volta! Mas apenas para exibi-la ao mundo dos
ricos como um troféu!

Digitalização: Lu Avanço
Revisão: Regina R.

Projeto Revisoras 1
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Querida leitora
Hoje, enquanto estou editando este livro, a chuva cai lá fora. Não dá para saber se está
calor ou frio, pois aqui dentro da redação o ar-condicionado está ligado (às vezes faz
frio demais, às vezes faz um calor insuportáve). Porém, nada disso me aborreceu. Esta
história é tão linda, que me fez esquecer de tudo ao redor!
Tenho certeza de que o mesmo aconteçera com voçê!

Janice Florido
Publisher

UM PASSADO QUE FERE


Daphne Clair

Copyright © 2001 by Daphne Clair de Jong


Originalmente publicado em 2001 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.
Título original: His Trophy Mistress
Tradução: Dorothea de Lorenzi
Editora e Publisher: Janice Florido
Editora: Fernanda Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mónica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 - 10g andar CEP 05424-010 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 2002 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Impressão e acabamento:
RR DONNELLEY AMÉRICA LATINA Tel: (55 11) 4166-3500

CAPÍTULO I

Radiantes, a noiva e o noivo avançaram pela nave da igreja até a porta. Atrás deles,
Paige Camden, madrinha da noiva, mantinha um sorriso fixo, enquanto tomava conta da
garota de cinco anos encarregada de atirar pétalas de flores, e que parecia estar sempre
prestes a pisar no véu da noiva.
Inclinou-se e pôs a mão no ombro da criança, a fim de alertá-la. Quando voltou a se
erguer, seus olhos cor de avelã, que passeavam de modo sereno pelas fileiras de
convidados, encontraram outros cor de esmeralda, que fizeram com que ficasse rígida e
esquecesse de sorrir.
O que estaria Jager Jeffries fazendo no casamento de sua irmã?, perguntou-se.
E lindo como sempre. Os estonteantes olhos verdes, sob as sobrancelhas bem
delineadas, contrastavam com a pele morena. A boca, que lhe dava uma ar de teimosia,
e o nariz reto completavam o rosto parecido com o de um antigo guerreiro.
Os cabelos negros estavam muito bem cortados, e o terno caro e elegante delineava-lhe
os ombros largos, os quadris estreitos e as longas pernas musculosas, proclamando o
quanto subira na vida, com seus trinta e um anos de idade.
E Paige o amara muito, com tamanha paixão que acabara resultando em desastre,
extinguindo-se em seu próprio fogo até que só restaram cinzas.
— Paige? — O padrinho segurou-lhe o braço e murmurou ao seu ouvido: — Tudo bem?
O cortejo já ia adiantado, e os convidado começavam a se acotovelar as suas costa,
— Sim — mentiu, voltando a sorrir. Tropecei no vestido, só isso.
Afastou o olhar de Jager e sacudiu, sem necessidade, a longa saia lilás, começando a
avançar, contente por ter o braço do padrinho para ampará-la.
Saíram da igreja e foram saudados pelo sol de inverno. Um fotógrafo os fez ficar junto
ao feliz casal, e Paige manteve o sorriso durante toda a sessão de fotos. Continuava
sorrindo quando chegaram à recepção e sentou-se à mesa principal.
Seu queixo começava a doer, e seus nervos se encontravam à flor da pele. Quando o
padrinho serviu-lhe vinho tinto, ela segurou a taça com dedos trémulos e emborcou
metade, percebendo, tarde demais, que derramaram algumas gotas no vestido de cetim.
Com discrição, molhou a ponta de um guardanapo em um copo cheio de gelo e limpou a
mancha. Pelo menos o vermelho desapareceu, deixando apenas uma leve nódoa rosada,
que mal se enxergaria de longe.
Fixou o olhar na mesa em frente, tentando convencer-se de que o choque se devera ao

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fato de não ver Jager fazia muito tempo, e que isso trouxera de volta antigas
lembranças.
No entanto, se tivessem colocado em seu prato um pouco de grama em vez do suculento
frango com salada, o gosto teria sido o mesmo. Mal conseguia engolir a comida, e ia
empurrando algumas garfadas com o resto do vinho.
Com um enorme esforço respondeu à pessoa ao lado, que tentava conversar, ergueu a
taça para os brindes e aplaudiu os discursos. Por fim, apesar de não enxergar muito bem
sem os óculos, não resistiu à tentação de percorrer o olhar pelo salão acarpetado de
púrpura e repleto de mesas com arranjos florais, a fim de certificar-se de que Jager se
encontrava ali.
E estava mesmo.
Sentava-se a uma mesa próxima, recostado no espaldar e parecendo muito à vontade, o
que a irritou. Como se esperasse que Paige o encontrasse, ergueu a taça com um ar
irónico e bebeu, sem deixar de fitá-la. Apesar de ela ver tudo um tanto borrado e fora de
foco, a força de atração de Jager era implacável.
Apertou a taça com força, mas não correspondeu à saudação silenciosa, apenas
encarando-o de modo acusador.
"Como ousa?!", dizia sua expressão. "Como pôde, Jager, comparecer ao matrimónio de
Maddie e arruinar meu dia?" Por certo recebera convite, mas de Maddie, claro, concluiu
Paige. Sua irmã jamais teria feito tal coisa. Então, fora Glen Provost, o noivo, ou sua
família. Mas como Jager conhecera Glen? E por que Maddie não a prevenira?
Quando Paige tornou a fitá-lo, notou que Jager a encarava. Parecia uma serpente
hipnotizando um coelho.
E, pela segunda vez naquele dia, desviou-se, sentindo as batidas aceleradas do coração
de encontro ao decote profundo do corpete da roupa, que, de repente, parecia apertada
demais. Soltando um profundo suspiro, percebeu que o padrinho ao lado observava,
fascinado, o movimento de seus seios.
Mas ela sabia que a visão não era assim tão interessante. A beleza física jamais seria seu
ponto forte.
Com os olhos cor de avelã e a pele clara, sua aparência era bastante comum, nem se
comparando à beleza de Maddie, sua irmã caçula.
Maddie tinha olhos azuis e grandes, uma boca cheia e sensual e um perfeito nariz
arrebitado. Os cabelos loiros e ondulados causariam inveja a Paige, caso não a amasse
tanto.
Depois de passar anos tentando ondular, afofar ou apenas conseguir que sua cabeleira
ficasse presa com algum penteado da moda, Paige desistira e acabara se conformando
em mantê-los naturais e lisos. No momento, adotara um corte logo abaixo das orelhas e
escovava-os todas as noites até que brilhassem. Desistira também de rinsagens e
tinturas, e mantinha-os ao natural: pretos.
Havia muito decidira não competir com Maddie ou qualquer outra garota bonita. Era um
tipo comum, e não valia a pena tentar ser o que não conseguia. Pelo menos não era feia,
e precisava dar graças por isso. Tinha um rosto e um corpo proporcionais e
harmoniosos, apesar de não causar furor. Na verdade, suas medidas eram as mesmas de
Maddie. Porém, a irmã sempre parecera mais curvilínea e sexy,talvez por ser mais baixa
de estatura.
Maddie nunca se preocupara em ficar alta demais quando tinha doze anos, e sua mãe
jamais lhe dissera que a maquiagem não fazia milagres e que era melhor não .chamar
muita atenção para seu rosto. Não. Esses comentários sempre eram endereçados à mais
velha, lembrou Paige.
Quando os noivos iam cortar o bolo, sua mãe colocou a mão elegante adornada com um

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anel de brilhantes sobre seu ombro.


—Paige, o que Jager Jeffries está fazendo aqui? Sabia que viria? |
— Não, mamãe. Não fazia a menor ideia.Margaret Camden apertou os lábios. Os lindos
olhos azuis, que sua caçula herdara, brilharam sem disfarçar o aborrecimento, enquanto
balançava a cabeça, que ostentava um belo penteado.|
— Não acredito que a família de Glen o conheça!
Quando o ritual do bolo finalizou e os noivos começaram a circular entre os convidados,
Paige passou a distribuir as fatias ao redor, evitando com cuidado a mesa de Jager, e
mandando a pequena dama de honra servir ali.
Quando terminou de passar os pratos para alguns parentes, apanhou a bolsa e dirigiu-se
ao toalete, atravessando o saguão acarpetado,retocou o brilho labial, escovou os cabelos
e colocou os óculos de lentes grandes. Já que os fotógrafos tinham terminado seu
trabalho e a parte formal acabara, não havia razão para não usá-los. Seria bom pôr lentes
de contato em ocasiões como aquela, mas, depois de tentar por diversas vezes sem
resultado, Paige desistira.
Voltando ao saguão, desejou ter deixado os oculos na bolsa, porque Jager, parado a
poucos passos de distância, parecia não ter a menor disposição de arredar pé.
Paige compreendeu que esperava por ela e que a seguira até ali. Quando experimentou
um tremor de excitação, tratou de afastar a sensação.
Por um ou dois segundos nenhum deles se moveu. Paige fitou-o, procurando por algum
vestígio de emoção, mas, apesar de as íris verdes de Jager brilharem, nada descobriu.
Tomando a iniciativa, forçou-se a sorrir, já que adquirira uma enorme prática nisso, e
disse com animação:
— Olá, Jager. Que surpresa! Não sabia que conhecia Glen.
— Não conheço. Pelo menos não muito bem, mas é uma longa história.
— Estou certa de que deve ser interessante, mas fica para outra ocasião. — Tentando
parecer determinada, Paige quis passar por ele.
Contudo, Jager pegou seu pulso, fazendo-a estremecer outra vez, o coração acelerado.
— Quando? — murmurou Jager.
Uma espécie de lava incandescente pareceu deslizar pelo corpo de Paige, que levou um
instante para se recuperar e responder:
— Quando o quê?
— Quando posso vê-la?
Paige se soltou com um repelão.
— Por que voltar a me ver?
Jager baixou os cílios, respirou fundo e tornou a encará-la.
— Para colocarmos os assuntos em dia, e falarmos do passado também.
Algumas pessoas surgiram da recepção, conversando e rindo, e Jager, impaciente,
deixou-os passar.
— Não será necessário, Jager.
— Claro que não. — Enfiou as mãos nos bolsos e inclinou a cabeça para vê-la melhor,
já que era bem mais alto. — Mas estou curioso. E você?
Muito, disse Paige consigo mesma. Mas com cautela. Envolver-se com Jager outra vez
era a última coisa de que precisava. Assim, disse:
— Não.
Mais gente começou a surgir de todos os lados, dessa vez ficando por ali mesmo, e
Jager. ignorou.
— Ora! O que é isso! Sua família sempre primou pelas boas maneiras.
— Deixe minha família fora disso, Jager!
— Com prazer.

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Paige não podia erguer a voz na festa, mas tremia de raiva.


— Não posso imaginar sobre o que deseja falar, já que no fim de nosso relacionamento
só discutíamos.
Um leve brilho de emoção pareceu surgir por instantes nas pupilas de Jager.
— Nem sempre. Em geral costumávamos terminar as brigas da mesma maneira...
A insinuação implícita e maliciosa a fez lembrar, e eram recordações muito doces que a
haviam atormentado durante anos. Tentando recompor-se, exclamou:
— Disse que queria conversar!
— E por acaso sugeri outra coisa? — Jager inclinou a cabeça com falsa inocência.
Na realidade não... pelo menos não com palavras, e Paige sentiu o rosto corado por ter
caído em uma armadilha. Do salão, vieram os sons da valsa nupcial.
— Preciso voltar. Estão dançando. — Ao dar as costas e voltar ao salão, Paige sabia que
ele a seguia de perto.
A pista central fora esvaziada, e Maddie e Glen valsavam sozinhos. Vários convidados
tinham se reunido junto à porta de maneira que Paige só conseguiria entrar se pedisse
licença.
A música cessou, e todos foram convidados a dançar. Os pais dos noivos e vários casais
dirigiram-se pista.
A pequena multidão na entrada começou se dispersar, e Paige tratou de entrar no salão,
mas logo um braço enlaçou-lhe a cintura.
— Não posso... —ela protestou, mas seus pés já acompanhavam o ritmo. — O
padrinho. vai me procurar.
— Pode encontrar outra para ser seu par. — Jager tomou-lhe a bolsa da mão, atirando-a
sobre a mesa mais próxima. — Dance comigo, Paige.
Aquilo não era um pedido, porque Jager não lhe dera a menor chance de recusar, a não
ser que fizesse uma cena diante de todos. Ele a apertou de encontro ao peito, colocando
a mão direita sobre seu braço. O paletó estava desabotoado, e através do leve tecido da
camisa Paige podia sentir o calor de sua pele, as batidas de seu coração. O perfume que
usava a inebriou, parecendo familiar e estranho ao mesmo tempo.
Há muitos anos Paige tentara ensinar-lhe a maneira correta de dançar, como aprendera
na escola de dança para moças, porém Jager sempre sorrira e seguira o ritmo de modo
instintivo, quase sem mover os pés, apertando-a com força.
Voltando ao momento presente, Paige cerrou as pálpebras e deixou a mente vagar.
Nenhum dos dois falava, e ela apenas sentia o calor do corpo de Jager, seu aroma
másculo, recordando a época em que eram muito jovens e apaixonados, e quando
acreditara que poderiam sobrepujar a oposição de seus pais, as diferenças de educação e
berço, a falta de dinheiro e a inexperiência. Naquela época, tudo valia, contanto que
ficassem juntos.
E então, como acontecia com muitos jovens enamorados, tudo dera em nada, e os
sonhos se despedaçaram de encontro à dura realidade dos adultos.
Paige emitiu um som abafado, um misto de suspiro e risada, que achou ter sido
encoberto pelo barulho da orquestra, mas Jager afastou-se um pouco e inclinou a
cabeça, fitando-a.
— O que foi?
Sorrindo com amargura, ela respondeu:
— Nada.
Jager continuou a encará-la com um estranho brilho no olhar. Em seguida, inclinou a
cabeça para trás e deu a mesma risada que Paige conhecera tão bem nos dias quando era
quase um menino.
Sentiu um nó na garganta, e as emoções pareceram eclodir. Depois Jager deu alguns

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passos bem treinados, e ela o acompanhou, sentindo a força das coxas musculosas de
encontro às suas, até que o número acabou com um acorde súbito, quase fazendo-a
perder o equilíbrio e segurar-se com firmeza no ombro largo.
Permaneceram abraçados, longe de tudo e de todos. A expressão alegre abandonara o
semblante de Jager, que parecia sombrio, os ossos da face em evidência.
Paige viu-se refletida em suas pupilas, e sentiu dor ao perceber que ele apertava sua mão
com muita força.
A respiração acelerou, e sua pele começou a arder em um fogo conhecido e lânguido.
— Paige...
Antes que ela pudesse dizer algo, alguém gritou seu nome,mas de modo agudo e
ansioso:
— Paige! Ela piscou diversas vezes ante a interrupção, tentando afastar-se de Jager, que
continuava a apertá-la nos braços.
Era sua mãe quem a chamara, junto de Henry, seu pai,que parecia constrangido e
aborrecido, enquanto a esposa se mostrava beligerante.
— Blake está a sua procura. A próxima dança é dele. Blake? Por um instante Paige não
soube de quem se tratava, mas logo lembrou. O padrinho.
— Não o vi. — Não percebera ninguém desde que começara a dançar com Jager.
— É melhor ir andando...
De novo tentou afastar-se dele. Jager largou sua mão, porém mantendo sua cintura
cingida, e a fez virar-se para os pais.
— Como vão, sr. e sra. Camden? — Jager os saudou, com polidez.
Henry acenou com brusquidão, e Margaret, disse, com frieza:
— Estamos bem, Jager, e Paige, como pode ver, está ótima. — Fez uma pausa e
examinou a filha, ansiosa. — Não esperávamos vê-lo aqui.
— Foi um espécie de convite de última hora.
— Sério?
O comentário gélido não pedia explicações, e Jager mudou de assunto, bruscamente.
— Ouvi dizer que está se saindo muito bem em seu trabalho — comentou Henry.
Margaret olhou para o marido, parecendo surpresa. Era evidente que nunca ouvira falar
nisso.
— Tem razão, sr. Camden.
— Sim, parece que se tornou muito ambicioso.
— Vou vivendo.
Henry soltou uma risada rouca.
— Diria que mais do que isso.
— Do que está falando, Henry? — Margaret quis saber.
— Estamos atrapalhando os convidados. — Henry ignorou a pergunta da mulher —
Para continuarmos conversando, é melhor sairmos daqui.
Mas a música voltou a parar, e outros convidados começaram a deixar a pista. Margaret
encarou Jager.
— Como madrinha, Paige tem algumas tarefas a cumprir. Ele acenou, compreendendo,
e afastou as mãos de Paige.
— Ela não está amarrada, nem acorrentada — brincou, fitando-a e murmurando: —
Quer me deixar, Paige?
Ecos do passado voltaram a assaltá-la. Será que Jager estava fazendo de propósito?
— Tenho mesmo o que fazer. Foi bom revê-lo, Jager. Margaret suspirou, aliviada. Jager
arqueou as sobrancelhas um instante e sorriu, seu silêncio dizendo que achava
engraçado ela pensar que se livraria dele com tanta facilidade.
Paige sentiu um arrepio de apreensão percorrer-lhe a espinha. Jager mudara muito nos

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últimos anos. O rapaz sempre na defensiva era agora um homem confiante e sexy, não
apenas devido aos atributos físicos, mas porque adquirira uma postura calma, repleta de
virilidade.
A sensualidade inocente de antes se escondia sob uma aura de sofisticação, o que o
tornava ainda mais perigoso.
Bem, ela própria também mudara, decidiu, afastando-se e passando a procurar a irmã e
o padrinho. Já não era uma sonhadora adolescente e sabia que amor era mais do que
apenas atração sexual. Apenas a paixão não vencia os obstáculos da vida adulta.
Tendo aprendido uma dura lição, jurara guiar-se pela cabeça, e não mais pelo coração.
Observou o longo véu de Maddie sobre os cabelos loiros
e ondulados, e foi ter com a irmã, sorrindo para as pessoas com quem ela conversava. A
noiva pegou-a pela mão e conduziu-a para os aposentos destinados à troca de roupa do
jovem casal.
Fechando a porta, Maddie virou-se para Paige.
— Tudo bem? Lamento, Peg. Não fazia ideia de que Jager viria. Foi uma incrível
coincidência. Você não vai acreditar!
— Coincidência? Ele não foi convidado?
— Sim, por Glen. Mas Glen não sabia que... Bem, jamais mencionei o nome de Jager,
portanto, como ele saberia? Acontece que Jager é um parente.
— De Glen?
— Sim. Jager é meio-irmão de Glen.
Paige abriu a boca, atónita, com mil pensamentos cruzando seu cérebro, com um em
evidência, que verbalizou, numa exclamação:
— Jager encontrou sua família! Maddie apenas a fitou, com ar especulativo, e então aos
poucos as coisas foram se encadeando. Paige engoliu em seco.
— A mãe de... Glen?
A irmã balançou a cabeça em veemente negativa, fazendo o véu dançar.
— Seu pai... e uma garota que conheceu antes da mãe de Glen. A sra. Provost ainda não
sabe, e com o casamento e tudo o mais, não seria bom dar a notícia neste momento. O
sr. Provost pediu segredo até poder contar-lhe, porém Glen fez questão da presença do
novo irmão aqui. Os dois só se viram duas vezes, mas deram-se bem desde o início.
Glen era filho único, e Paige podia imaginar a mudança que o aparecimento de um
irmão causara em sua vida.
— Há quanto tempo ficaram sabendo?
— Poucas semanas, creio. Glen só me contou hoje. Não fazia a menor ideia e não
consegui ficar a sós com você nem um instante ainda... Não falei para Glen sobre você e
Jager. — Maddie torceu as mãos. — Isso arruinou seu dia?
— Lógico que não!
Para ser franca, trouxera-lhe dor e mágoa, mas isso não iria interferir no dia especial da
irmã, que deveria ser feito apenas de felicidade. Por isso, mentiu:
— Nós dois já esquecemos as loucuras da juventude. Foi... engraçado revê-lo.
— Sim, acho que tudo aconteceu há muitos anos e já passou. Tem certeza de que não
ficou abalada?
— Estou bem, pare de se preocupar, Mad. Não é melhor voltarmos à festa? Seu marido
pensará que já o abandonou.
Maddie foi até a penteadeira e sentou-se em frente.
— Jamais! Meu marido... — repetiu com ar sonhador, pegando um batom. — Imagine,
eu, uma senhora casada!
— E bastante nova, querida. Mas com maturidade suficiente para saber o que está
fazendo, espero. Já que eu não me saí bem em matéria de casamentos.

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Maddie lançou-lhe um olhar de simpatia pelo espelho, e pressionou um lenço de papel


sobre os lábios.
Distraída, Paige pensou em como eram lindos os lábios da irmã, e que homem de sorte
era Glen. Maddie era tão boa quanto bonita, sem um pingo de malícia.
— Seu casamento com Jager foi tão fora dos padrões... Portanto, nem deve contar como
sendo o primeiro, não é?
— Tem razão, Maddie. Não conta.

CAPITULO II

Jager não voltou a aproximar-se, porém, enquanto Paige cumpria seus deveres e
dançava com os padrinhos e com outros mais, notava estar sendo observada por ele, que
se mantinha encostado na parede com os braços cruzados, ou caminhando pelo salão,
trocando algumas palavras aqui e ali com um ou outro, e conversando por vários
minutos com Glen e Maddie.
Quando Maddie atirou o buque para um grupo de mulheres ansiosas, Paige manteve os
braços ao longo do corpo, e deixou que uma outra moça ao lado pegasse as flores.
Já que os noivos iam embora, queria muito escapar também, pois nada mais tinha a
fazer ali. Sentia-se exausta, cansada de sorrir e com uma terrível dor de cabeça.
Procurou pela mãe e disse-lhe ao ouvido:
— Importa-se de que eu vá para casa? Não farei falta aqui.
— Claro, querida. Seu pai e eu precisamos ficar até o último convidado sair, mas tenho
certeza de que Blake a levará.
Assim dizendo, Margaret olhou em torno, procurando o padrinho.
— Não é preciso, mamãe. Pegarei minha bolsa e chamarei um táxi. Há um telefone no
saguão.
— Bem... se acha melhor...
— Sim. Vejo você amanhã. — Paige inclinou-se e beijou-a no rosto. — Foi um lindo
casamento.
— Sim, sem dúvida.
O rosto da sra. Camden brilhava de satisfação. Pelo menos conseguira que a mais nova
das filhas se casasse em grande estilo.
No saguão, Paige encontrou um cartão de uma empresa de táxis pendurado na cabine
telefónica, e digitava o último algarismo quando uma mão de dedos longos e fortes
segurou-lhe o ombro e a fez soltar o fone, enquanto ouvia o zumbido da linha
interrompida.
— Não precisa de táxi — disse Jager. — Eu a levo para casa.
As mãos de Paige crisparam-se, e ela não se virou.
— Obrigada, mas dispenso a carona.
— Por quê? Meu carro está bem aí, na calçada.
Ela não sabia o que responder sem parecer rude ou nervosa. Com gentileza, Jager
colocou o fone no gancho, dando tempo para que Paige arranjasse uma desculpa.
— Não queria tirá-lo de seu caminho.
Jager nem se deu ao trabalho de responder, e a empurrou na direção da porta, que se
abriu a sua passagem.
— Para onde devo levá-la, Paige?
— Para a residência de meus pais.
Esperou por um comentário sarcástico, mas Jager apenas disse:

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— O carro está ali.


Era um veículo elegante e parecia azul-marinho, mas já era noite, e Paige não teve
certeza.
O interior era espaçoso, com bancos de couro. A menos que fosse um grande mentiroso,
Jager subira muito na vida. Aliás, seu pai já comentara sobre isso.
Ele sentou-se à direção e colocou o cinto de segurança. Ligou o motor e, silencioso, o
automóvel partiu, saindo do estacionamento.
— Então veio para casa a fim de assistir ao casamento de sua irmã. Soube que mora em
Nova York.
— Sim. — Paige remexeu-se no assento, sentindo-se desconfortável. — E você? O que
tem feito?
— Dirijo uma empresa de telecomunicações que fornece sistemas para o setor
industrial.
— E é grande?
— Bastante. Estamos em constante expansão.
— Parece... interessante.
— E um desafio. Novas tecnologias são criadas e modificadas a todo minuto.
Precisamos estar sempre um passo adiante, decidindo que inovações utilizar.
— E é arriscado?
— Consegui adquirir bases sólidas, e podemos nos dar ao luxo de alguns riscos. Até
hoje não me enganei.
— Deve se sentir orgulhoso.
Jager pareceu ponderar.
— O orgulho sempre antecede a queda.
— Tem medo de cair?
Ele riu, com a nova confiança estampada no rosto.
— Não mais. E você?
Paige desviou o olhar.
— Aprendi há muito tempo que, não importa a queda, sempre sobreviverei, Paige. E
jamais cometo o mesmo erro duas vezes.
— Parece uma boa filosofia de vida. Ela também sobrevivera, e não pretendia meter-se
em novos problemas com Jager.
— Soube que se casou nos Estados Unidos.
— Sim.
— Seus pais aprovaram, Paige?
— Sim. Margaret e Henry tinham viajado para os Estados Unidos apenas para
cumprimentá-la e desejar-lhe felicidades.
— Mas veio sozinha, hoje. Paige não desejava ser confortada, e muito menos fazer
confidências para ele. A fim de mudar o rumo da conversa, disse:
— E você? Casou-se?
Falou a primeira coisa que lhe ocorreu, mas se arrependeu em seguida.
— Como já falei, nunca cometo o mesmo engano duas vezes.
— Nem sempre o casamento é algo errado. "Pronto! Dei-lhe mais uma chance!"
Mas Jager não se aproveitou disso. Acelerou um pouco, e o carro pareceu deslizar.
Quando tornou a falar, sua voz soou indiferente e fria:
— Imagino que esteja ansiosa para voltar para a América do Norte.
— Passarei algum tempo com a família.
— Quanto? Dias? Semanas? Meses?
— Não sei dizer.
— Seu marido deve ser uma pessoa muito... acomodada. Paige compreendeu que Jager

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não sabia. E como poderia?


Sentiu a boca seca e um nó na garganta. Ficou olhando pela janela até sentir dor no
pescoço.
— Meu marido...
Não percebeu o outro veículo até que ficou bem à frente. Parecia ter surgido do nada, os
faróis piscando, tão perto que ela gritou e ergueu as mãos para o rosto, em um gesto
instintivo de proteção, consciente de que, apesar de Jager ter virado a direção e freado
com força, seria impossível evitar a colisão.
Um terrível sentimento do inevitável, misturado a um pavor enorme, a fez pensar que
chegara sua hora. E esse súbito pensamento a encheu de uma estranha alegria.
A violência do impacto a lançou para o pára-brisa, mas o cinto de segurança a reteve.
Os dois carros patinaram no asfalto, como se dançassem uma valsa, e por fim pararam,
ambos batendo no muro de um prédio.
Ousando baixar os braços, Paige ouviu Jager, como se falasse de muito longe: — Paige!
Está bem? Suas mãos sacudiram-lhe os ombros e sob a luz de um poste ela pôde ver-lhe
o rosto banco como um lençol, gotas de suor deslizando, o olhar brilhante.
— Está sangrando... — Paige ergueu a mão tremula para tocar o filete rubro, e sentindo
uma súbita vontade de chorar.
— Não importa — redarguiu Jager, com impaciência. — Você se feriu? — Deslizou os
dedos para sua face. — Também está sangrando!
Havia pequenos estilhaços de vidro em seus braços, mas Paige murmurou:
— Não é nada. — Moveu as pernas. — Estou bem. E você?
— Nenhum osso quebrado.
Alguém gritava. Portas de carro bateram, e então um rosto surgiu no espaço onde fora o
vidro da frente.
— A polícia e uma ambulância estão a caminho — disse um homem. — Há alguém
ferido aí?
— Estamos bem — afirmou Jager. — Pode abrir a porta do passageiro? O meu lado está
muito danificado.
Os paramédicos os examinaram e disseram que tinham sorte de ter escapado, mas que
seria bom visitarem um médico se sentissem alguma reação posterior.
O motorista do outro automóvel, sem dúvida embriagado e com um braço quebrado, foi
levado ao hospital.
Em questão de meia hora os dois carros foram guinchados e os policiais se ofereceram
para levar Jager e Paige.
Ele deu o endereço dos Camden e sentou-se junto dela, na radiopatrulha. Entregou-lhe a
bolsa, e Paige achou maravilhoso que Jager tivesse se lembrado desse detalho após
tamanho susto.
Quando chegaram, Jager ajudou-a a descer.
— Obrigado pela carona, policial. Paige se apressou para a entrada da residência,
enquanto a viatura ia embora.
— Não quis que o .levassem para casa? Não precisa entrar comigo.
As luzes do jardim estavam acesas,mas Interior permanecia às escuras.
Jager tomou-lhe a chave da mão e abriu a porta, acompanhando-a pelo espaçoso
vestíbulo.
— Precisa apertar o botão de alarme contra ladrões, Jager. E o amarelo no painel.
Ele obedeceu, e, quando ela levou a mão à cabeça, constatou que sangrava.
— Estou com estilhaços nos cabelos.
O rosto de Jager recuperara um pouco do colorido, mas seus olhos estavam fixos e
escuros.

Projeto Revisoras 11
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Precisamos de um banho.
Havia um banheiro que Paige e Maddie dividiam.
— Vamos subir — sugeriu.
Afinal, era o mínimo que poderia fazer por ele.
O rosto de Jager também estava sujo de sangue e havia manchas em sua camisa,
enquanto os cabelos de Paige brilhavam com inúmeros fragmentos do pára-brisa.
Jager a seguiu pela escada de mármore acarpetada, que abafava seus passos.
A porta do quarto de Paige estava aberta e, com presteza, ela se dirigiu ao banheiro,
acendendo a luz e revelando o interior todo branco, com o box transparente, as torneiras
douradas e as toalhas macias. Paige ofereceu-lhe uma que tirou da prateleira.
— E melhor lavar o rosto.
Em seguida, ela abriu um dos armários espelhados, mirando seu reflexo pálido.
— Pegarei algo para recolhermos os estilhaços. — Paige retornou ao quarto, retirou
uma fronha do travesseiro e levou-a ao banheiro, onde a estendeu sobre a pia. — Agora,
pode passar o pente e retirar os fragmentos.
— Você primeiro.
Com gesto rápido, Jager retirou os óculos de Paige e colocou-os sobre um balcão de
mármore. Antes que ela pudesse protestar, segurou-a pela nuca.
— Posso fazer isso sozinha...
— Mas não consegue enxergar. Incline-se para frente, meu bem. Senão os estilhaços
cairão em suas costas.
A expressão carinhosa dita com displicência a pegou desprevenida, invadindo-a como
uma onda de calor. Temendo que ele percebesse o rosto corado e o brilho nas pupilas,
Paige baixou a cabeça.
Jager deslizou-lhe os dedos da nuca ao topo do crânio, e começou a passar o pente.
— Isto pode doer um pouco.
Paige sentiu uma fisgada e prendeu a respiração.
— Aqui está! — Jager deixou cair sobre o mármore um caco maior. — Estava
encravado no couro cabeludo, mas creio que o tirei por inteiro. Não se mexa!
Pegou uma toalha de rosto e molhou e passou-a sobre o ferimento.
— Está sangrando um pouco, mas o corte não foi profundo.
— Você está em pior estado que eu.
De fato, Jager ficara o tempo todo preocupado em protegê-la na hora do acidente.
— Não é nada. Tem iodo?
— Não é preciso. Estou bem, juro.
Jager tomou-lhe o rosto entre as mãos e o examinou.
— Nenhum corte das faces.
Ela tentou se afastar, mas as mãos fortes a retiveram.
— Ainda não terminamos. — Jager a encaminhou para a banheira e abriu a torneira.
— Olhe, eu...
— Quieta! — Com gentileza ele acabou de limpar o sangue, deixando à mostra
pequenas perfurações na pele. — Teve sorte. Nós dois tivemos.
Jager a secou, em seguida. Examinou o vestido em frangalhos e todo manchado.
— Vai querer trocar de roupa.
Paige recordou como ficara agitada por causa da leve; mancha de vinho que derramara
ao jantar, incidente que pareceu contecer séculos atrás, fazendo a perceber como fora
insignificante. Poderiam ambos ter morrido, menos de uma hora antes...
Estremeceu, lembrando-se dos terriveis momentos que passara, quando parecera que o
mundo iria terminar para ela. E para Jager.
Tremia tanto que ele voltou a segurá-la.

Projeto Revisoras 12
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Tudo bem, Paige. Nada de grave aconteceu.


— Sei disso.
Parecia que o estado de torpor passara, e que começava a compreender a extensão do
choque.
Jager a abraçou, mas enrijeceu, praguejando e olhando para as próprias roupas
manchadas.
— Pode tirar esse vestido sozinha?
Paige acenou que sim, mas os tremores aumentaram.
Então ele a fez girar e baixou o zíper. O vestido deslizou para o piso, deixando-a com o
sutiã lilás e a calcinha da mesma cor, e as meias com ligas de renda, que se rasgaram.
— Saia daí.
Como um robô, Paige obedeceu, primeiro levantando um pé, depois o outro, e
empurrando os laços de cetim para um lado. Ainda de sapatos, tropeçou, e Jager a
amparou, girando-a de novo a fim de fitá-la, o tórax musculoso de encontro a seus seios.
Como em um passe de mágica, Paige parou de tremer, os olhos muito abertos.
As partículas de vidro nos cabelos negros de Jager brilhavam como diamantes, fazendo
seus olhos parecerem de jade. A tez morena apresentava algumas escoriações, além dos
traços de sangue.
Sem pensar, Paige umedeceu os lábios com a ponta da língua.
— Tem algo morno para pôr em cima?
Paige piscou diversas vezes, como se não tivesse entendido bem, e depois fez que sim.
— Sendo assim, vá se cuidar. Eu me arranjo aqui. — Deu-lhe um safanão gentil. — Vá!
Aquiescendo, Paige foi para o quarto e retirou um roupão de veludo do armário.
Quando Jager abriu a porta, ela acabava de dar o laço na cintura, com dificuldade, pois
os dedos pareciam não obedecer. As meias rasgadas jaziam sobre a cama.
Já não havia estilhaços nos cabelos de Jager, que tirara o paletó e a camisa, que
resolvera lavar. Paige justificou-o, dizendo para si mesma que deveria ter se lavado na
pia.
— Joguei os fragmentos nó cesto de lixo, e a fronha na cesta de roupa suja. O que quer
fazer com isto? — Jager ergueu o vestido, que trouxera.
— Deixe-o aí. — Paige tentava parecer calma e controlada, mas sentia um frio mortal.
— Vou jogá-lo fora depois. Está arruinado. E uma pena, mas não tem conserto.
— Sim, é uma pena, porque ficava maravilhoso em você. — Desajeitado, começou a
dobrá-lo.
Paige pensou que jamais ficara "maravilhosa" com nada, e aquela roupa apenas a
deixara bem. Entretanto, experimentou uma enorme e tola alegria ante o cumprimento.
O cetim brilhante escapava das mãos de Jager, que acabou desistindo de dobrá-lo.
Jager flexionou os braços e as pernas e fez uma careta de dor.
— Você se machucou! Por que não disse aos paramédicos?
— Não é nada, Paige. Eles fizeram um exame detalhado.
— Mas não são médicos.
— Estou ótimo. — Balançou o braço. — Vê? Ainda não convencida, Paige murmurou:
— Poderia ter morrido, Jager...
— E você também. Ainda está trémula. Talvez fosse melhor tomar um banho quente e
meter-.se sob os lençóis.
— Com você presente?
— Não irei para sua cama, Paige, a não ser que seja convidado... você sabe disso.
— Não estou convidando! Ele cruzou os braços.
— Foi o que imaginei. Mas não se importe comigo. Não é hora de ser pudica. Levará
uns quinze mínutos para minha camisa secar um pouco. Aproveite tome um banho

Projeto Revisoras 13
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

morno , a menos que deseje continuar conversando.


Paige não sabia qual das opções escolher, e resolveu que, dos males, aquele era o
menor.
— Tudo bem. — E rumou para o banheiro.
A água escorrendo do chuveiro lhe fez um bem incrível. Sentiu dor quando encostou no
ponto onde o vidro entrara, no couro cabeludo.
Em seguida, enxugou os cabelos com o secador, deixan-do-os fofos e brilhantes outra
vez. Jogou a lingerie no cesto e vestiu de novo o roupão, pois não se lembrara de trazer
uma camisola antes do banho.
Tocou a camisa de Jager e tirou-a do porta-toalhas, usando o secador para tirar umidade.
Depois, retornou ao quarto.
— Está seca, Jager.
— Obrigado. — Jager estava deitado na cama, a cabeça encostada nos travesseiros.
Ao levantar-se, estendeu a mão para a camisa, mas, em vez de segurá-la acariciou os
cabelos de Paige, deslizando um dedo sobre sua orelha.
Paige sentiu o coração disparar, e quase parou de respirar. Mal conseguia falar e, com
grande esforço, sussurrou:
— O que está fazendo?
Ele parou, ainda segurando-lhe uma mecha.
— Onde está seu marido, Paige? Meu Deus! Por que não está aqui tomando conta de
você?
A pergunta inesperada a fez arregalar os olhos e respirar fundo. Uma raiva sem
cabimento a possuiu.
— Sou adulta, Jager! Não preciso que um homem "tome conta" de mim. — Esqueceu-
se, em meio à raiva, de que fora isso o que ele fizera essa noite e que se sentia
agradecida.
— Quanto a meu marido... — Engoliu em seco. — Ele...
— Não diga nada agora.
Então Jager a abraçou, apertando-a forte, a boca abafando suas palavras, sem deixá-la
prosseguir, e fazendo-a esquecer-se de tudo, a não ser do beijo quente e sensual.

CAPÍTULO III

Foi um beijo de tirar o fôlego. Paige não conseguia raciocinar, nem mover-se, a não ser
para erguer os braços e agarrá-lo, como se fosse uma tábua de salvação em um mar de
desejo e sensualidade.
Seu corpo parecia estar possuído por um fogo líquido que a consumia de um jeito
delicioso, e só conseguia sentir a pressão das formas fortes e viris e dos lábios
exigentes.
O beijo foi se tornando cada vez mais sensual. Jager afastou as lapelas do roupão e
acariciaram-lhe os seios, os mamilos intumescidos, fazendo-a gemer de prazer.
Paige acariciou o tórax musculoso em um gesto que já fora habitual em suas vidas.
Jager tomou-a nos braços e ambos caíram sobre a cama, continuando a se afagar com
desespero, enquanto Paige voltava a se maravilhar, como acontecera um dia, ao vê-lo
tão excitado por sua causa.
Com olhos enevoados pela paixão, ela percebeu que Jager despira a calça, mas antes
tirara um preservativo do bolso. Consciente do que iria acontecer, entregou-se sem
restrições, e ambos se uniram no ato de amor mais uma vez, depois de tantos anos...

Projeto Revisoras 14
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Quando o mundo tornou a entrar em foco, Paige relutou em erguer as pálpebras. O


queixo repousava no ombro de Jager, e ainda mantinha as pernas entrelaçadas às dele.
Ao senti-lo se mover, reteve a respiração, mas Jager apenas a aconchegou mais junto a
si. Principiou a beijá-la de leve no rosto, deslizando os lábios para o pescoço e ombro.
Paige sorriu, e se beijaram na boca, dessa vez com muito carinho e ternura.
Por fim, quando abriu os olhos, Jager dirigia-se ao banheiro, mas logo estava de volta.
— Apague a luz — murmurou Paige, sonolenta.
Ele apressou-se a atender ao pedido e deitou-se, cobrindo os dois com o lençol.
— Foi muito bom, mas rápido demais, querida. Assim, recomeçou a acariciá-la, e, como
em um passe de
mágica, cada célula de Paige respondeu, ansiosa e apaixonada. Jager sempre fora
maravilhoso nesse aspecto, pensou, e as lágrimas assomaram ao recordar como tudo
sempre parecera cor-de-rosa e perfeito quando estavam juntos no leito.
No escuro, Jager sentiu o gosto salgado nos lábios.
— Está chorando, meu bem?
— Não — mentiu Paige, sem querer saber o que poderia ter sido ou ainda poderia
acontecer. Beijou-o de novo, a fim de bloquear os pensamentos confusos.
A paixão retornou, espontânea e natural como sempre acontecera entre os dois, e
quando Paige se entregou, a união foi completa e sensacional.
Depois, continuaram abraçados, e a última coisa que ocorreu a ela antes de adormecer
foi que Jager iria embora pela manhã e deixaria seu coração despedaçado... outra vez.
Quando Paige acordou, um pálido sol penetrava pelas frestas da janela.
Já vestido mas sem gravata e paletó, Jager a observava.
— Deus! — exclamou Paige com voz abafada, sem saber se ele era um sonho, fruto de
sua imaginação.
— Não achei que era tão feio logo de manhã... — Jager coçou o queixo, divertido.
Fizera a barba, e os cabelos estavam úmidos. Por certo usara o banheiro, mas sem fazer
o menor ruído.
—Passou toda a noite aqui?
Jager arqueou as sombrancelhas.
—Não lembra? Estou desapontado!Quer que lhe diga o que fizemos?
—Não precisa!Sei muito bem —Sentindo-se ridicula, Paige percebeu que corava até a
raiz do cabelos—imaginei que fosse partir...mais cedo.
—Ou seja antes, que seus pais descubram que estou aqui.
Paige cerrou os lábios, pois ele acertara em cheio. Era tolice negar a verdade.
Lembro-se de ter ouvido o ruído de um carro chegando,o som de vozes no
vestíbulo,mas não tinha certeza de quando fora isso.Estivera tão envolvida com Jader
que nem se importara.
Sentia-se em grande desvantagem,ali na cama, nua,enquanto ele permanecia de
pé,muito à vontade, os braços cruzados no peito.Puxando o lençol e cobrindo-se com
gesto pudico , ela sentou-se e olhou em volta,tentando achar algo para vestir.
Jager notou e adiantou-se, levantando o roupão caído.
—É isso o que quer?
—Obrigada.
Empurrando as cobertas com os pés,Paige amarrou o cinto. Quando se ergueu, jager se
aproximou, as mãos enterradas nos bolsos da calça.
—Deveria ter me falado que queria que eu fosse embora.
—Teria me obedecido?
—Faço tudo que uma dama me pede.
A ironia dele a fez recordar da noite anterior,quando o desejara sem reservas, sem

Projeto Revisoras 15
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

ponderar sobre as consequencias de seu ato.


Bem for isso que conseguira,concluiu.Observou o relogio de cabeceira.Podia ouvir
ruidos pela residencia, e havia pouca chance de fazer Jagr sair sem ser notado.Ser pega
tentando seria pior do que enfrentar os pais.
—Posso descer pela janela,Paige,mas talvez os vizinhos me vejam.
—Se esperar que eu me vista,desceremos juntos,e explicarei sobre o acidente.Voce
ficou muito machucado e deixei que dormisse no quarto de Maddie.
—Ah,é? Devo concordar com essa história ?
—Espero que sim — Paige baixou a cabeça.
—Não acredito que seus pais irão engolir essa mentira. —Fez uma pausa. — Acha que
contarão para seu marido?
Paige o encarou e, quase em choque, não respondeu.
—Que tipo de homem é ele? —insistiu Jager,com brusquidão. —Primeiro a deixa vir
sozinha ao casamento de sua irmã,e...Se por acaso é desses que poderiam lhe dar uma
surra,eu...
Cerrou os punhos e adquiriu uma expressão perigosa.
—Jager,imagina mesmo que eu dormiria com você se... —Interrompeu-se,engolindo
em seco e prendeu a respiração
—Não sabe o que esta dizendo Jager.Meu marido faleceu a seis meses.
Pela primeira vez na vida,Paige viu Jager perder o controle.Seu semblante adquiriu uma
expressão vazia,e ficou muito palido,rigido como um pedaço de madeira.
Antes que se recuperasse,Paige já saira e trancara-se no banheiro.
Quando saiu de lá,Jager já recuperara o equilíbrio, embora continuasse um pouco
pálido. Estava com os olhos fechados, de um modo que não deixava transparecer os
sentimentos.
—O que foi mesmo que disse antes de entrar no banheiro?
Paige abriu a gaveta da comoda e retirou uma calcinha.
—Tente dizer-lhe segundos antes do acidente,quando percebi que não sabia. —Dirigiu-
se ao armario e abriu as portas duplas, pegando um jeans e enfiando-o as pressas.
—Mas não me contou nada depois que chegamos aqui.
Paige escolheu um suéter e vestiu-o.O que poderia ter feito?Interromper os beijos
selvagens e as caricias deliciosas e dizer: “A proposito,sabia que estou viuva?”
—O assunto apenas não se encaixou no cenario, Jager.
Afastando-se do armario, sentou-se em frente à penteadeira e viu o reflexo de Jager no
espelho. Pegou a escova e começou a desembaraçar os cabelos com gestos nervosos. Na
véspera, não procedera ao ritual das cinquenta escovadelas, e continuava sem vontade
de fazê-lo.
— E melhor descermos — acabou por dizer.
— E terminar logo com esse assunto desagradável?
Paige deu de ombros e dirigiu-se à saída da suite. Jager colocou a mão sobre a
maçaneta.
— Quero que saiba que lamento por seu marido.
Parecia algo estranho de dizer, mas se mostrava sério e pesaroso. Paige aquiesceu.
— Obrigada.
Por um longo instante Jager permaneceu parado, fítando-a, cheio de curiosidade. Então,
abriu a porta e deixou que ela o precedesse.
O aparecimento dos dois na sala de jantar causou um rebuliço, mas Henry e Margaret
aceitaram a explicação de Paige sem fazer comentários. Ao ouvir sobre o acidente,
Margaret ficou muito mais preocupada com as consequências do que com o que
acontecera no quarto entre os dois. Observou o rosto da filha, ansiosa.

Projeto Revisoras 16
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Poderia ter ficado com uma cicatriz!


— Mas não fiquei. Tivemos sorte, mamãe.
Paige convidou Jager a sentar-se à mesa e ofereceu-lhe café com torradas. Depois de
alguns segundos, Margaret voltou a assumir os deveres de anfitriã e ofereceu-lhe ovos
com bacon.
— Não, obrigado. Café e torradas estão ótimos. O sr. Camden perguntou:
— Machucou a perna?
Jager descera atrás, e Paige nada notara,mas naquele instante o fitou, hesitante. Será que
ele estava fingindo a fim de corroborar a história?
— Nenhum osso quebrado. Estou apenas um pouco dolorido. — Jager observou a
expressão de Paige, que desviou-se.
— Parece que tenho músculos que nem imaginava possuir.
— E você, Paige? — Henry quis saber. — Talvez fosse melhor levá-la a um médico.
— Estou bem. O impacto foi pior do lado do motorista. E fora Jager quem
providenciara isso, usando os reflexos e girando a direção antes que o outro veículo
colidisse. Surpresa ante essa constatação, Paige voltou-se para ele, exclamando:
— Tentou me proteger?!
Ele a encarou por um instante e deu de ombros.
— Tentei proteger nós dois. Agi por instinto.
Um instinto que o fizera ser o escudo e ficar na linha de frente da batida?
Paige apertou sua xícara com força. Bem, Jager teria agido assim com qualquer pessoa.
Pelo menos com qualquer mulher. Uma reação masculina natural, talvez, existente até
nos homens do século XXI.
— De qualquer modo, estou muito agradecida, Jager.
— Todos nós estamos — acrescentou Margaret. Jager sorriu com leve ironia.
— Obrigado, mas dispenso a gratidão, sra. Camden. — O tom de voz, apesar de
educado, implicava que não desejava nada dos pais de Paige. — E sua filha já me
agradeceu. Paige cuidou de minhas escoriações e me deixou passar a noite aqui.
Margaret também se virou para a filha, que passava muita geléia no pão, como se
quisesse ocupar as mãos com alguma coisa.
— Achei que os cortes eram piores do que na realidade são porque havia muito sangue
— defendeu-se Paige. — Vou limpar o banheiro mais tarde e mudar os lençóis no
quarto de Maddie.
A última coisa que desejava era que a mãe ou a faxineira, que viria no dia seguinte,
notassem que a cama da irmã continuava intocada. Iria se apressar e trocar os lençóis
logo que possível.
Paige não conseguia comer quase nada, e Jager logo terminou sua breve refeição,
puxando a cadeira para trás e levantando-se. Agradeceu a gentileza de Margaret mais
uma vez e acrescentou:
— Apanharei minhas coisas no quarto... de Maddie, e irei embora.
Paige também se ergueu, no instante em que ele fazia uma careta de dor, segurando o
encosto da cadeira com força, até os nós dos dedos ficarem brancos. Mancava ao
deixarem a sala, e apoiou-se no corrimão da escada até chegarem ao andar de cima.
— Obrigado por tudo, Paige.
— Posso pegar o carro de papai e levá-lo para casa. Jager pareceu hesitar, tentando ler o
íntimo de Paige,
mas logo balançou a cabeça em negativa.
— Prefiro pegar um táxi.
— Como quiser.
Estavam parados um na frente do outro, e pareciam não saber o que dizer.

Projeto Revisoras 17
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Então, Jager se adiantou e segurou-lhe o queixo.


— O que a noite passada representou para você, Paige? Ela lutou para conseguir definir.
Fora inesperado, inadmissível e pouco convencional, mas... fantástico!
No entanto, respondeu com aspereza:
— Não sei... creio que foi uma... reação ao acidente.
Já ouvira comentários de que o perigo era um afrodisíaco, mas sempre achara essa
teoria um absurdo. Talvez houvesse mais alguma coisa além disso. Tratou de
acrescentar depressa, para não deixar de ser sincera:
— E, além do mais, não fazia sexo há muito tempo. Jager semicerrou os olhos,
impedindo-a de descobrir o que pensava.
— Desde que ficou viúva?
A perguntou à queima-roupa a fez enrijecer e afastar-se de seu toque.
— Sim.
— E antes disso seu marido costumava salisfazê-la?
— Sim! Não iria discutir Aidan com Jager. E sua vida sexual era problema seu, e de
mais ninguém.
Jager cerrou os lábios com força. O que queria?, pensou Paige. Que dissesse que ele era
um campeão na cama? Jamais lhe daria essa satisfação!
— Bem... O que acontece agora?
"Seja forte", Paige ordenou para si mesma. "Já seguiu por essa estrada antes, que só a
conduziu ao sofrimento, à tristeza e solidão."
— Nada, Jager. O que aconteceu foi... agradável, mas não significa que tenhamos
reatado algum tipo de... relacionamento.
— Temos uma relação, Paige, quer queira, quer não. Tanto faz se sua família aprova ou
não!
— Tínhamos — corrigiu-o. — No passado.
— Sabe que não é só isso!
— Para mim é. Continuei minha vida, e não quero voltar atrás. Seja lá o que tivemos
um dia, não durou muito, durou?
— Poderia, se...
— E melhor não insistir. Iríamos começar a brigar de novo, e não quero que isso
aconteça.
— Nem eu.
— Se é assim, deixe como está, Jager. Por favor. Ontem... talvez tenha sido um erro,
mas não vamos estragar as lembranças boas começando uma briga e dizendo adeus com
raiva um do outro.
Ele parecia irritado e frustrado, porém, depois de alguns instantes acabou por concordar.
— Muito bem. Conseguiu se fazer entender. Não faz objeção a um último beijo?
Sem lhe dar oportunidade de responder, Jager inclinou a cabeça e tocou-lhe os lábios
com os seus.
Paige tentou ficar imóvel, mas a pressão da boca insistente a fez corresponder, embora
continuasse com os braços abaixados.
Jager fitou-a longamente, satisfeito, e mancou até a porta.
Seguindo-o, Paige sentia-se bem, apesar de ter capitulado,mas havia um grande vazio
em seu coração que ameaçava tornar-se dor.
Fizera a coisa certa, decidiu, tratando de consolar-se, quando o táxi chegou. Não havia
futuro para ela e Jager. Uma lição já fora o suficiente.
Voltando a atenção para assuntos práticos, correu para cima e trocou a roupa de cama
das duas suites, juntou-as às toalhas usadas e fez uma grande trouxa, levando para a área
de serviço.

Projeto Revisoras 18
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Margaret foi encontrá-la jogando sabão na máquina de lavar.


— O que tinha na cabeça, Paige? Achei que tivesse mais juízo! Deixar aquele homem
trazê-la para casa e convidá-lo a passar a noite aqui! Com certeza ele bebeu.
Uma emoção que parecia estar adormecida veio à tona, fazendo Paige cerrar os dentes.
Tentando ocupar-se com os botões da máquina, replicou:
— Jager me ofereceu carona, e me pareceu tolice recusar. O acidente não foi culpa dele,
mãe. Deve ter tomado um pouco de vinho na recepção, mas a polícia não detectou
álcool em excesso em seu organismo. E sem dúvida ele salvou minha vida... ou pelo
menos me livrou de ferimentos maiores.
— Está defendendo aquele homem de novo — acusou Margaret, com frieza. — Como
sempre fez.
— Estou sendo justa.
Jager nunca precisara de que o defendesse, mas Paige sempre gastara muita energia
fazendo isso, e se afastara da própria família. Não queria que isso se repetisse.
— Não se preocupe, não tornarei a vê-lo. Margaret ficou aliviada.
— E muito bom ouvir isso, minha querida! — Aproximou-se e passou os braços pela
cintura da filha. — Jager nunca foi o homem certo para você, e sabe disso.
— Sim, sei. Seus pais sempre tinham tido razão. Então, por que essas palavras faziam-
na sentir-se uma traidora?
No dia seguinte, quando Paige ajudava Margaret a embrulhar alguns presentes que
tinham chegado em sua casa para serem entregues aos noivos quando voltassem da lua-
de-mel, o telefone tocou e a faxineira a chamou.
Atendendo na extensão do vestíbulo, Paige desejou estar na privacidade de seu quarto
ao ouvir a voz de Jager. Sentiu um frio na espinha.
— Paige...
Parou de respirar por um instante e viu-se olhando para os lados, a fim de certificar-se
de que não havia testemunhas. A faxineira desaparecera e a mãe continuava ocupada
com papel de embrulho e fitas na outra sala.
— O que deseja?
Jager não respondeu logo, e quando o fez o tom de voz mudara um pouco:
— Questão difícil de responder.
— Não tive essa intenção. Você está bem?
— Sim. E você?
— Otima! Foi por isso que ligou?
— Em parte. O que fará hoje à noite?
— Nada... Quero dizer, nada que envolva você. Jager deu risada.
— Que bofetada!
— Lamento.
— Mesmo? Se é assim, por que tapar o sol com a peneira? Para manter a paz familiar?
— Creio não fazer sentido remexer em cinzas.
— Foram mais do que cinzas ontem à noite, Paige. Verdadeiras labaredas, eu diria!
Paige mordeu o lábio ao recordar as carícias.
— Não significou nada, Jager. Se não estivéssemos tensos e abalados com o acidente,
aquilo não teria acontecido.
— Talvez não ontem...
— Nunca! E jamais acontecerá de novo!
— Aposto que sim!
Paige percebeu que dera um passo errado. Jager não resistia a um desafio. Cerrou as
pálpebras com força.
— Não fale assim, Jager. Perdi meu marido faz apenas seis meses. O casamento de

Projeto Revisoras 19
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Maddie foi uma grande emoção, somado àquela batida... creio que não estava
raciocinando direito.
— E agora lamenta o que ocorreu entre nós — concluiu, zangado.
— Nada significou! — insistiu Paige, como se tentasse convencer a si mesma. —
Portanto, por favor, deixe tudo como está.
— E se não conseguir?
— São necessários dois para isso. Espero que respeite meus sentimentos.
— Eu respeito. Por que você não?
— Como assim?
— Raciocine. E depois me avise sobre sua conclusão. Paige ouviu o ruído do telefone
sendo desligado, e sentiu um misto de raiva e alívio. Dizer a ele quando chegasse a uma
conclusão? Que esperasse sentado!
Quando fizera Jager acreditar que voltaria para os Estados Unidos, Paige falara com
sinceridade.
Viera para o lar preparada para rever seu futuro e começar um novo capítulo em sua
história, sentindo-se grata pela ajuda dos parentes. Porém, quando Maddie e Glen
voltaram da lua-de-mel, continuava na Nova Zelândia, e arrumara um emprego como
desenhista gráfica em uma grande editora. Comprara um chalé na ponta do ancoradouro,
e dos fundos da residência via-se a água, através das árvores que cresciam em uma
encosta.
— Mamãe acha que você é maluca — disse Maddie com franqueza, na primeira vez em
que foi visitá-la com o marido, e encontrando Paige a raspar a madeira das janelas do
chalé. — Esperava que comprasse algo na cidade, um apartamento fácil de se manter,
e... Bem, nada como... isto.
— Para ser franca também pensei nisso. Paige só se interessara pelo chalé por causa da
localização. Quando o corretor dissera que tinha uma propriedade em uma parte um
tanto deserta, com vegetação e água ao redor, Paige logo tivera ideia de pô-la abaixo e
projetar uma casa nova. Entretanto, algo no pequeno e dilapidado chalé chamara-lhe a
atenção e, num impulso, decidira recuperá-lo. Glen observou a tinta descascada e o
portão meio caído.
— Será preciso mais do que uma mão de tinta para colocar este lugar em ordem...
Com relutância, Paige parou com o que fazia.
— Querem um café?
Lá dentro, Glen passeou o olhar pela sala pequena e escura, e raspou o bico do sapato
no carpete gasto.
— Aposto que a madeira por baixo é de boa qualidade. Era provável que sim. A maioria
das construções antigas
tinha assoalho de madeira muito boa.
— Ficam lindos com móveis modernos — disse o cunhado.
— Glen é um arquiteto frustrado. — Maddie sorriu. — Queria que comprássemos uma
velha casa para consertá-la, mas viver em meio às obras me deixaria louca. Temos
amigos que estão "remodelando" suas residências há anos!
— Esse será um trabalho gigantesco para uma só pessoa. Não planeja fazer tudo
sozinha, não é, Paige?
— Já mudei a fiação e as telhas, Glen. Contratarei marceneiros para consertar os
armários da cozinha e reformar o banheiro, mas espero também fazer muita coisa com
minhas próprias mãos.
— Sou ótimo com um pincel. .
Maddie fitou o teto, em um gesto de desespero.
— Pelo amor de Deus, Paige! Deixe o pobre homem ajudá-la! Paige gargalhou.

Projeto Revisoras 20
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Aceito todo tipo de ajuda.


A atitude simpática de Glen era um alívio, depois de Henry tê-la criticado por se deixar
enganar por um corretor esperto, e Margaret não escondera o horror ao ver o chalé.
— Pronto! — Maddie deu um rápido beijo no marido. — Está contratado!
Glen sorriu e a abraçou, retribuindo a carícia e fazendo Paige experimentar uma pontada
de inveja. Estava feliz por Maddie ter encontrado um marido tão bom, que sem dúvida a
adorava e só pensava em uma vida a dois. Em comparação, seu próprio futuro parecia
sombrio e solitário.
— Por falar nisso... — Maddie se afastou de Glen. — ...vamos dar um jantar no sábado
para as famílias, e espero que compareça.
Claro que Paige pretendia ir, mas só na véspera Maddie revelou que Jager estaria
presente.
— Glen assumiu que doravante sua família irá incluir Jager em todos os eventos. Sua
mãe tem sido um encanto desde que soube da verdade, e falou para Jager que ele será
sempre bem-vindo. Não deixará de ir, não é? Só achei melhor avisá-la, Paige, quando
soube que Glen o convidou.
— Avisará papai e mamãe também? Maddie gemeu.
— Acho que preciso. Espero que essa festa não se torne um desastre!
— Fique sossegada. Mamãe será muito educada, e papai também.
Quanto a ela mesma, faria o possível para que a primeira reunião na residência dos
recém-casados fosse um verdadeiro sucesso.
Quando Paige chegou ao apartamento de Glen e Maddie, no terceiro andar de um prédio
no centro da cidade, Jager já estava lá, com um copo na mão, conversando com o sr. e a
sra. Provost.
Maddie recebeu Paige à porta, e Jager levantou-se, cruzando o carpete espesso e azul e
beijando-a no rosto.
— Como vai, Paige?
Mesmo a leve e impessoal carícia a fez sentir um calor pelo corpo todo. Sem encará-lo,
respondeu que estava bem e quis saber sobre a perna machucada.
— Sem problemas. Eu falei que era uma leve escoriação. E o carro já retornou do
mecânico.
Glen quis saber o que Paige desejava tomar, e de repente ela se viu sentada ao lado de
Jager em um dos três sofás de couro que ocupavam a elegante sala de estar.
Glen era sócio na firma de advocacia do pai, e Maddie trabalhava em uma empresa de
publicidade. Isso, além da situação sólida de suas famílias, os tornava pessoas seguras e
sem afetação.
A mãe de Glen indagou:
— Vocês dois já se conheciam?
Enquanto Paige imaginava o quanto a irmã contara a Glen, Jager adiantou-se:
— No passado, conhecemo-nos muito bem. — Fitou Paige e continuou: — Acho que
isso não é um segredo. Já fomos casados.
A sra. Provost abriu a boca, surpresa.
— Casados?!
Paige resolveu dizer algo:
— Faz muito tempo. Éramos jovens e... durou pouco.
O sr. Provost arqueou as sobrancelhas e meneou a cabeça.
— A Nova Zelândia parece ser um país muito pequeno... No entanto, não deixa de ser
uma grande coincidência.
Glen ofereceu um copo a Paige, que o recebeu com gratidão, contente por ter algo em
que se concentrar.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Sabia disso, Glen?


Ele lançou um olhar de desculpas para Paige.
— Maddie me contou, mamãe. Paige tomou um gole do vinho.
— Como Jager afirmou, não é segredo, sra. Provost.
— Fico feliz por ver que continuam amigos — comentou a senhora, com simpatia. —
Acho muito triste quando duas pessoas se evitam só porque um relacionamento não deu
certo.
— Também acho. — Jager sorriu.
Amizade nunca fora o que a unira a Jager, pensou Paige. A união que tinham
compartilhado fora muito quente e apaixonada para que se transformasse em algo
morno. E terminara com recriminações e amargura. Tinham ficado feridos demais para
que houvesse a possibilidade de haver amizade.
Observando Jager, Paige tentou descobrir suas emoções. Se ele gostava tanto do irmão
recém-encontrado quanto ela de Maddie, teriam de alcançar equilíbrio, porque por certo
estariam sempre se encontrando em reuniões como aquela.
Como Paige previra, seus pais aceitaram a presença de Jager com elegância. Depois do
jantar, Henry mergulhou em uma conversa com o ex-genro, e Margaret juntou-se a
Maddie e à sra. Provost.
Glen estava recolhendo as xícaras de café, e Paige prontífícou-se a ajudá-lo.
— Grato, cunhada.
Foram para a cozinha, onde o balcão estava repleto com a louça suja do jantar, caçarolas
e conchas.
— Mais tarde ligaremos a lavadora.
— Eu cuido disso, Glen. Volte para seus convidados.
Paige já lavara alguma coisa na pia e começava a arrumar o pratos na máquina, quando
ouviu alguém entrar. Endireitando-se, disse:
— Estou quase acabando.
Ao se virar, esperara ver Glen ou Maddie, mas era Jager quem estava parado à soleira,
carregando garrafas vazias de vinho e copos usados.
— Maddie queria saber onde você havia se metido. Lawrence e Paula já vão embora.
— Chama seu pai pelo primeiro nome, Jager?!
— Creio que é um pouco tarde para me habituar a tratá-lo por papai.
— Estou feliz que o tenha encontrado. Deve ser... — Faltaram-lhe as palavras, pois não
conseguia imaginar como era descobrir sua família depois de adulto. — E sua mãe
verdadeira?
— Morreu.
— Oh, Jager! Lamento... Ele deu de ombros.
— Não precisa ficar emocionada. Nunca a conheci.
— Sempre achei isso muito triste.
— Foi escolha dela. Vamos para a sala? Paige concordou.
Seus pais haviam decidido ir embora também, e depois de mais alguns minutos e outra
xícara de café, Paige anunciou sua partida.
Jager se ergueu, e ambos desceram para o térreo. Quando o elevador abriu as portas,
Jager adiantou-se.
— Acompanho você até seu carro.
Caminharam em silêncio, mas quando ela abriu a porta do veículo, Jager a encarou.
— Precisamos conversar, Paige.
— Já conversamos bastante hoje.
— Sabe o que quero dizer. Precisamos conversar sobre... isto. — Inclinou-a sobre a
capota, segurou-lhe o queixo e beijou-a.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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Paige lutou contra a tentação de corresponder, e permaneceu rígida.


Jager ergueu a cabeça, mas não se moveu.
— Isso também não é conversar, Jager.
O comentário o fez rir. Soltou-a, mas manteve as mãos na lataria, uma de cada lado,
impedindo-a de se mover.
— E um começo.
— Não. Não é começo de nada! Não passa de uma sobra do que acabou há séculos.
— Acabou mesmo, Paige?
— Sim! Terminou, gelou, virou pó!
— E o que me diz da noite do casamento de sua irmã? Foi uma "sobra" também? Não
me pareceu.
— Aquilo foi apenas um impulso tolo que nunca deveria ter acontecido. Se não fosse
pelo acidente...
— Tudo bem! Se precisa de uma desculpa, continue! Naquela ocasião você me desejou
tanto quanto eu a desejei, seja lá por que razão queira dar.
— Você não entendeu nada!
— Evidente que sim! Não suporta a ideia de que dormiu comigo depois de seis meses
de viuvez, portanto, necessita de um bode expiatório. "Estava em choque... não sabia o
que fazia..." Tudo bem, mas não tente me fazer engolir essa bobagem, querida. Nós dois
queríamos aquilo tudo, e gostamos muito. — A voz áspera modificou-se em um leve
murmúrio: — Prometo que irá gostar também da próxima vez. E das outras que virão.
Contanto que admita que me quer.
Paige tremia como vara verde. Jager acabara de deixar bem claro que a desejava como
objeto sexual, e que esperava que ela concordasse com isso.
— Não passa de um idiota arrogante, Jager Jeffries. Decida se esta é uma boa desculpa:
meu marido morreu em um acidente de carro! Está explicado por que fiquei tão carente
naquela noite?!

CAPÍTULO IV

Jager a encarou por vários segundos, assimilando o que ouvira.


— Eu não sabia, Paige.
— Bem, agora já sabe. E talvez possa perceber por que fiquei tão abalada, naquela
noite. Faria qualquer coisa para esquecer.
— Com qualquer um?
Paige não respondeu, e olhou para a chave que tinha nas mãos. Virou-se para abrir a
porta, mas Jager se adiantou.
— Verei você outra vez, Paige.
— Creio que sim.
— Pode ter certeza!
Antes de entrar no carro, ela se voltou.
— Jager, por Maddie e Glen, não podemos ser amigos?
— Amantes podem ser amigos?
Bem, seu romance com Aidan começara como uma grande amizade, porém com Jager
fora diferente.
— Estou cansada, Jager — murmurou, fechando os olhos. — Não quero brigar.
— Nem eu. Boa noite.
Em segundos, Paige partiu.

Projeto Revisoras 23
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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Glen prometera vir ajudar com a reforma do chalé no fim de semana seguinte, mas
Paige se espantou ao ver Maddie descer do automóvel também. E a surpresa maior foi
quando Jager surgiu do banco de trás.
Maddie se aproximou, carregando uma cesta.
— Preparei um lanche, irmãzinha. Jager pediu para vir na última hora, e não soubemos
o que dizer... Você se importa, Paige?
Glen já se aproximara também e a fez lembrar: — Disse que toda a ajuda seria bem-
vinda... Enquanto isso, Jager examinava a casa com expressão crítica, do telhado novo
às paredes descascadas. Por fim, ergueu as sobrancelhas e encarou Paige em um silêncio
significativo.
— Tudo bem — ela afirmou para a irmã e o cunhado. Aborrecida, deu-se conta de que
usava um jeans velho e uma camiseta larga. Maddie, entretanto, estava linda, com uma
blusa de linha azul e uma fita combinando nos cabelos. Aliás, as roupas de Jager
também não eram apropriadas para serviços pesados, observou.
Glen, que usava, short e camiseta surrados, remexeu no porta-malas e retirou uma
trouxa,, que atirou para o meio-irmão.
— Tome. Vista isso. Era um macacão de operário. Jager se dirigiu a Paige:
— Se quiser, posso ir embora.
— Não é preciso. E bem-vindo para me dar uma mão. Ele voltou a olhar para o chalé.
— Vai ser um trabalho e tanto...
— Preciso me manter ocupada. Pintar, martelar e polir ajudavam Paige a ficar bastante
cansada e adormecer logo, sem precisar andar de um lado para o outro, insone, como
fazia na residência dos pais.
Notou a curiosidade ser substituída por um brilho de entendimento nos olhos de Jager,
mas, antes que pudesse dizer algo, Glen os chamou:
— Por onde devemos começar?
Jager e Glen pintaram as paredes de fora do chalé, e Maddie ajudou Paige a pintar os
batentes das janelas. A manhã passou depressa, fazendo-os suar em bicas.
Glen despiu a camiseta e enxugou a testa.
— Gostaria de nadar um pouco.
— O mar é logo ali. — Jager apontou.
— Mas não trouxeram roupas de banho.
— E quem precisa, Maddie? — Glen indicou seu short velho.
Jager despiu o macacão, surgindo também de short.
— Há uma praia adiante, e a água é bem funda, mas tranquila — informou Paige. — Se
quiserem nadar, posso levar algumas toalhas.
— Vocês duas não querem vir conosco?
— Maddie e eu vamos preparar o almoço.
Uma hora depois, os dois voltaram com as toalhas amarradas na cintura, sorridentes e
famintos.
Após se vestirem, todos se sentaram para comer na varanda, e devoraram sanduíches,
Maddie e Glen nos degraus da escada, Paige e Jager encostados nas pilastras.
Um vizinho passou com seu cachorro e acenou para Paigé, que respondeu ao
cumprimento.
— Você o conhece? — quis saber Jager.
— Sim, ele mora no final da rua.
— Sozinho?
— Não sei. Leva o cão para passear todos os dias e acenamos um para o outro. As
pessoas por aqui são amistosas.
— E quantas sabem que mora só? Paige o encarou, surpresa.

Projeto Revisoras 24
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Como vou saber?


— Precisa instalar um sistema de alarme contra ladrões. Já providenciou isso?
Paige deu risada.
— Nem sei se quero ter um alarme. Meu pai também sugeriu isso.
— Está certo. Conheço uma boa empresa de segurança. Farei com que mandem alguém
fazer um orçamento.
— Agradeço, mas posso cuidar disso sozinha.
— Não seja teimosa! Deixe-me tomar essa providência.
Paige examinou o recheio de seu sanduíche para ganhar tempo.
— Está bem, Jager. Obrigada.
Continuaram a trabalhar até o anoitecer, e interromperam para uma refeição rápida
preparada com as sobras do almoço. Depois, tomaram café.
Jager não falara muito o dia todo, mas Paige estava consciente de seu olhar, que não a
deixava um só instante, e que a invadia com um estranho calor.
Glen sugeriu outro mergulho.
— Meninas, venham também.
— Não, obrigada. — Maddie meneou a cabeça. — Paige disse que as águas são
profundas, e está muito escuro.
— Tem uma lanterna? Paige foi verificar e remexeu nas gavetas do armário da cozinha
até encontrar uma, que trouxe para o cunhado.
— E você, Paige? — Jager a fitava com ironia. — Tem medo de águas fundas?
Paige resolveu ignorar a indireta.
— Não estou com vontade de nadar.
Quando os dois rumaram para a praia, Maddie perguntou à irmã:
— Acredita mesmo que poderá reformar este chalé?
— Espere e verá. Vai ficar lindo! Obrigada por deixar Glen me ajudar. — Deu um beijo
no rosto da caçula. -— Ele tem sido maravilhoso, e você também. Não esperava que
viesse... nem Jager.
— Engraçado o rumo que a vida tomou, não é? Jager tornou-se meu parente.
— O mundo é pequeno.
— Sim, mas você se dava melhor com Aidan, não? Fazia mais seu tipo.
— Aidan foi uma pessoa encantadora e me fez muito feliz.
— Tem razão, Paige. Não é que não goste de Jager, porém, acho-o um homem um
tanto... selvagem. Fiquei preocupada quando soube que era irmão de Glen, mas meu
marido ficou tão contente! Quanto a Jager, ainda não sei como se sente.
— Ele sempre foi uma pessoa esquiva.
— É compreensível. Teve uma infância muito infeliz. Não é de admirar que o
casamento com você não tenha dado certo.
— Nós dois éramos muito jovens.
— Sim... Jager pode voltar amanhã? Se não quiser é só me dizer, e explicarei a Glen.
— Não, tudo bem, podem trazê-lo.
— Certo. — Maddie bocejou. — Não acha que os rapazes estão demorando muito?
Vamos até lá apressá-los.
O caminho até a praia era muito acidentado, e Paige foi na frente, iluminando com outra
lanterna que encontrara, até chegarem à areia. Um pálido luar iluminava as águas.
Glen e Jager nadavam, e Maddie os chamou.
— Venha até aqui, meu bem! — gritou Glen. — Está uma delícia!
Maddie riu.
— Vocês são loucos! Não tenho nada para usar.
— Está escuro, querida! Não precisa de roupa.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Vocês estão... sem nada?


— E por que não? E uma praia deserta!
— Está frio, Glen.
— Nem tanto. Seja corajosa, Maddie! Venha! Maddie hesitou mais um pouco, e virou-
se para Paige.
— Acha que devo ir?
— Vá. Ninguém a verá.
Então, Maddie se despiu e mergulhou, indo ao encontro de Glen.
Paige ouviu gritos animados ao longe, e sentou-se para esperar.
— Glen, onde está Jager?
— Mais adiante, Paige.
Ela apontou a lanterna para o mar, mas só viu Maddie e Glen juntos.
Onde estaria Jager? Sem pensar duas vezes, Paige começou a tirar as roupas. Se ele não
aparecesse logo, iria a sua procura, decidiu, começando a se preocupar.
Estava só de calcinha e sutiã, quando ouviu a voz conhecida bem perto:
— Decidiu nadar também, Paige? Ela deu um pulo, assustada.
— Onde tinha se metido?!
— Saí da água neste instante. Resolveu mergulhar?
— Sim — Paige mentiu. Mal conseguia ver Jager no escuro e, com gestos rápidos,
acabou de despir-se, entrando depressa na água. Começou a boiar e olhou para as
estrelas.
— Paige? — Jager estava a seu lado.
— O que foi?
— Nada. Só queria saber se estava bem.
Ela teve vontade de dar risada, pois fora isso mesmo o que tentara saber, minutos antes,
a respeito dele.
Passou a dar braçadas, retornando para a areia. Jager a seguia de perto.
— Onde está a lanterna?
Paige não lembrava muito bem em que lugar a deixara, mas Jager logo a encontrou, sem
querer roçando-lhe o seio ao passar bem perto.
— Desculpe-me... Paige mal conseguia respirar de emoção, muito consciente da nudez
de ambos, apesar do escuro.
— Vou pegar minhas roupas, Jager.
— Fique aqui. Eu as busco para você. Ao voltar, ele trazia também uma toalha.
— Cubra-se. Está frio.
— Obrigada.
No caminho de volta, Maddie e Glen foram na frente, abraçados, e Paige iluminou o
caminho com a outra lanterna, os cabelos escorrendo pelos ombros. Maddie fizera um
rabo-de-cavalo e, como sempre, sua aparência era irretocável.
Sem querer, Paige suspirou. — O que foi?
— Estou cansada. — Podia sentir o calor do corpo de Jager a seu lado, apesar de não se
tocarem. — Você e Glen fizeram maravilhas no chalé, hoje. Agradeço muito.
— Eu é que agradeço por não ter me mandado embora.
— E teria ido, se tivesse mandado?
— Sim, mas gostaria que me deixasse voltar amanhã também.
— Como quiser.
Depois que todos foram embora, Paige tomou banho e foi se deitar. Mas, ao fechar os
olhos, viu Jager delineando-se no escuro da praia, e desejou-o com todas as forças de
seu coração.
Virou-se na cama, tentando afastar a imagem tentadora da mente, e procurou pensar em

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Aidan. Entretanto, isso a deixou ainda mais triste, e acabou adormecendo para sonhar
com Jager.
No domingo à noite as paredes do chalé brilhavam com a tinta nova, e na segunda-feira,
conforme Jager prometera, o funcionário da empresa de segurança a visitou e fez um
orçamento.
Mais tarde, Jager telefonou.
— Instale logo o alarme, Paige.
— Mas moro em uma rua tranquila...
— O perigo existe em todos os lugares.
— Pare de me dar ordens!
— Quero ter certeza de que estará segura.
Apesar de ser uma mulher independente, Paige sentiu um grande prazer com a
preocupação dele.

CAPÍTULO V

A medida que a reforma progredia, tornou-se um acordo tácito Jager trabalhar com
Glen, e Paige acostumou-se a vê-lo chegar ao lado do cunhado.
Ajudaram a retirar o carpete carcomido, que deveria ser trocado. Tomando fôlego, Glen
passou os dedos por entre os cabelos castanhos, sorrindo, satisfeito.
— Acho que vou tomar um banho.
— Usem o banheiro à vontade. — Paige limpou na ponta da camiseta as lentes dos
óculos empoeiradas. — Apesar de no momento não estar muito bonito.
Os dois tinham retirado o chão de ladrilhos para a reforma ali também.
— Ou podem nadar, se preferirem.
Voltando a se inclinar sobre o trabalho, Glen comentou:
— Nadar levaria muito tempo. Queremos terminar com isto.
Jager fitou Paige.
— Por que não vai se refrescar e deixa o resto conosco?
Ela balançou a cabeça em negativa. O projeto da reforma era seu e, apesar de
agradecida pelo grande auxílio, não permitiria que fizessem tudo sozinhos.
Olhou para Maddie, que entrava naquele instante, linda e bem-arrumada como sempre.
Ela fora um anjo, carregando os materiais e preparando as refeições, mas recusava-se a
ficar de joelhos e se envolver em trabalhos braçais.
Depois de o velho carpete ter sido retirado por completo e os detritos amontoados no
portão, Maddie ponderou:
— É melhor dormir em nossa casa, Paige. Seu quarto está repleto de móveis e mal dá
para chegar até a cama.
Tudo fora passado para aquele cómodo a fim de se limpar os demais.
— Entretanto, não tem muita mobília — comentou Jager.
— Não queria muita coisa atrapalhando o serviço. Teria sido mais sensato ter cuidado
do assoalho primeiro,mas Paige estivera ansiosa para se mudar assim que comprara o
chalé.
— Deve ter tido muitos móveis bonitos nos Estados Unidos.
— Mas não fazia muito sentido trazer tudo para a Nova Zelândia, Jager.
Na realidade, Paige tivera de dar ou vender muito do que adquirira com Aidan, e só
mantivera algumas fotos e objetos de valor sentimental.
— Creio que tentou cortar os laços que a prendiam a seu falecido marido.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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Todos pareceram ficar um pouco desconcertados com o comentário de Jager. Maddie


olhou dele para Paige, e mudou de assunto:
— Deve estar exausta, minha irmã. Vamos para nossa casa, onde poderá dormir como
um anjo.
Meia hora depois, entre os lençóis frescos, Paige tentava relaxar. Apesar da enorme
ajuda que recebia de Glen e Jager, estava exaurida. E sentia também uma dor forte... na
alma.
Sonhava sempre com Jager, acusador e zangado, os olhos verdes frios como aço, e
dizendo algo que não conseguia entender. Jager brandindo um pincel de parede, rindo e
caminhando em sua direção, tomando-a nos braços, deitando-a em uma praia à meia-
noite com um mar de cetim negro, no qual flutuavam como por milagre, enquanto
faziam amor com paixão, até caírem em um mundo de esquecimento.
Pela manhã Maddie entrou no quarto.
— Dormiu bem?
— Sim.
Mas a irmã parecia uma flor, fresca e rosada, enquanto ela, com tantos sonhos
perturbadores, apresentava um ar cansado.
Maddie pareceu querer dizer mais alguma coisa, e por fim tomou coragem.
— Pode ser cedo para falar nisso, mas... você é uma viúva muito jovem. Seria bom se...
— Claro que sim, segundo seu ponto de vista — cortou Paige, com rispidez. — E Glen
deve concordar com sua opinião. Contudo, não vai dar certo. Não deu antes, e agora não
seria diferente.
Maddie fez um muxoxo, mas não pressionou. Paige tentou afastar as sensações que os
sonhos tinham lhe deixado e se levantou.
Depois de uma leve faxina, Paige verificou se não havia pregos ou tábuas soltas. Em
seguida, contratou um profissional para lustrar o lindo assoalho de madeira.
No feriado da Páscoa, ela e Jager trataram do jardim, e até Maddie se entusiasmou e
calçou luvas para tirar as ervas daninhas, enquanto Glen podava as árvores.
Paige hospedara-se com a irmã e o cunhado enquanto o verniz do piso secava.
— Acabou! — Glen retirou o último galho podre. — Mais vinte e quatro horas e
poderemos distribuir a mobília.
— Posso fazer isso sozinha. E o jantar será por minha conta. Aonde iremos?
— Não estou arrumada para ir a lugar algum! — protestou Maddie, embora não
houvesse uma mancha sequer na blusa cor-de-rosa e no jeans justo.
Glen flexionou os ombros e bocejou.
— Por que não voltamos para nossa casa e preparamos alguma coisa para comer lá
mesmo?
Por fim, decidiram encomendar pizzas, que Paige insistiu em pagar. Jager seguiu-os em
seu carro até o apartamento.
Glen serviu vinho tinto para acompanhar, e todos se aglomeraram em volta da pequena
mesa. Maddie e Glen estavam muito bem-dispostos, e Paige bebeu mais do que de
costume. Sentia-se relaxada e feliz, bem alimentada e confortável, ao lado da irmã e do
cunhado, cuja felicidade a contagiava.
Jager atirou-se sobre uma poltrona, afrouxando o cinto, sorrindo com preguiça e
semicerrando os olhos. Parecia observar o meio-irmão com certo fascínio, e por um
instante Paige sentiu um frio na coluna. Depois, Jager observou Maddie, que começava
a se embebedar um pouco. Suas pupilas estavam brilhantes, e as faces, rosadas como
pétalas de flor. Sorriu, um tanto sem graça, ao perceber que Jager a fitava. Seu sorriso
poderia derreter uma pedra, e Paige deu graças ;aos céus ao constatar que ele sorria
também, mas sem a menor demonstração de admiração.

Projeto Revisoras 28
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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Glen inclinou-se e serviu mais vinho para Jager, terminando com a garrafa.
— Vou buscar outra.
— Para mim, não, Glen. Precisarei dirigir, lembra-se?
— Temos muitos sofás, Jager, é só escolher um.
Glen abriu outra garrafa e, dessa vez, Jager não protestou quando encheu seu copo até a
borda.
Depois disso, tudo começou a ficar um tanto embaçado para Paige. Em determinado
momento, foram todos para a sala de estar, e o vinho parecia brotar das mãos de Glen,
que pôs música no aparelho de som. Ele e Maddie dançaram um pouco, muito
agarrados, e em seguida ela bocejou, dizendo que ia se deitar.
Caminhou meio trôpega até a porta da suite, tropeçou e soltou um gritinho.
Glen apressou-se a ampará-la.
— Venha, amor. Um pé depois do outro. Vocês dois vão ficar bem se não voltarmos
para a sala?
Ao lado oposto de Paige, um braço apoiado no encosto do sola, Jager ergueu o copo.
— Claro! Boa noite.
Paige resolveu desligar o aparelho de som. - Desmancha-prazeres...
Ela arqueou as sobrancelhas.
— Desculpe-me. Queria ouvir música?
— Só se quiser dançar comigo.
Os olhos dele luziam, tentadores, e Paige recusou com um gesto. A sala parecia
balançar.
— Acho que não serei capaz. O que será que puseram nesse vinho?
— Álcool. Paige deu risada.
— Não diga! Fez efeito em você também?
Jagér parecia o mesmo: bonito, sem um fio de cabelo fora do lugar, e muito confiante.
— Bem, não terei de dirigir para casa e... — Ganhou tempo colocando o copo vazio
sobre a mesa. — Creio que não quer dividir a cama comigo, quer?
— Estou um pouco bêbeda, mas não tanto. Jager gargalhou.
— Sendo assim, chamarei um táxi.
Mas nenhum dos dois se mexeu. Estavam em cantos opostos, e mesmo assim Paige
sentia-se como se uma teia invisível a arrastasse para o ex-marido.
Estremeceu sem querer, tentando se recompor.
— Por que fez isso? — Jager se aproximou dela.
— Tento me manter acordada. Os últimos dias foram bastante cansativos.
— Não deve se estafar. Amanhã ajudarei Glen a retirar a mobília do quarto.
— Tem sido de grande ajuda, Jager. Obrigada.
— Queria fazer isso.
— Por quê?
— Imagina que tenho segundas intenções?
— Não é sempre assim? Jager riu de novo.
— Foi um golpe baixo e mentiroso, Paige!
— Sério? — Ela olhou-o fixamente, depois acrescentou: — Tenho minhas dúvidas.
Jager franziu a testa.
— Faz ideia do que está dizendo? Porque eu não faço.
— Talvez seja a bebida. — Um pensamento começava a se formar na mente de Paige,
mas apesar de ser importante não sabia como externá-lo. — Alguma vez me amou de
verdade?
Os olhos de Jager pareceram escurecer, e seu rosto tornou-se uma máscara misteriosa.
As palavras pareceram pairar sobre os dois, como facas afiadas, e Paige desprezou-se |

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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por tê-las pronunciado. No entanto, essa questão a atormentara durante anos. Desde a
primeira vez em que Jager declarara seu amor. Desejara tanto acreditar nele que afastara
:as dúvidas e decidira assumir o sonho.
— O que acha? — disse ele, optando por fazer outra pergunta. — Meu Deus! Se ainda
precisa me perguntar isso...
— Amou? Ou casou-se com o dinheiro de meu pai?
Era tarde demais para voltar atrás, e de repente Paige percebeu que precisava demais
saber.
Por um instante, achou que Jager iria matá-la, tal a fúria em seu semblante. Quando por
fim falou, foi como se estivesse sufocado e não conseguisse verbalizar direito:
— Para mim, o mudo girava em torno de você. Tinha como certo que as estrelas e a lua
desapareceriam em uma noite escura e sem-fim, caso me deixasse. Quando isso
aconteceu, pensei que fosse morrer. O sol não voltaria a brilhar e nada mais de bom
aconteceria no mundo. Você era o centro de minha vida e o motivo de meu coração
pulsar. A grande razão para me manter vivo. Isso parece amor?
Paige ficou tonta e não conseguia falar. Abriu a boca, lutando para responder, mas o riso
de Jager lhe causou um arrepio.
— E lógico que estava errado. O mundo não acabou e continuei a viver, respirar, comer
e andar. Tudo continuou na mesma, até que um dia compreendi o quanto nossa união
significara pouco, na realidade.
Paige engoliu em seco, sem compreender por que se sentia tão triste com aquilo tudo.
Jager prosseguiu:
Meu coração estava partido, mas nada mais mudara por causa disso. Uma mulher me
deixara, mas haviam muitas outras, descobri, assim que curei minhas feridas e parei de
sentir pena de mim mesmo.
— Mas não tornou a se casar! — exclamou Paige, cheia de ciúme.
— Como disse, não cometo o mesmo erro duas vezes.
— Nem eu! Quero dizer... não com a mesma pessoa! Ficaram calados por um instante.
— Então não quer ganhar outra aliança de mim, Paige?
— Ora! Evidente que não! Já não fizemos muita bobagem da primeira vez?
Jager sorriu, bem-humorado.
— Pelo menos nisso concordamos. — Fitou-a com atenção. — Mas nossa vida sexual
era incrível. Ainda é... a julgar pela noite do casamento de Maddie.
Paige sentiu o coração disparar. Qualquer novo relacionamento sexual com Jager estava
fora de questão. Ergueu o queixo, em desafio.
— Não quero outra aliança e também não vou dormir com você de novo.
— Que impasse! — Jager zombava, como se não acreditasse no que ela afirmava.
Tentando manter-se forte, Paige o encarou.
— Vai ou não chamar o táxi? Jager não se moveu logo, mas acabou dando de ombros e
dirigiu-se ao telefone e ligou para a empresa de táxis.
— Não precisa ficar acordada por minha causa, Paige. Eu espero do lado de fora do
prédio.
— Então, boa noite.
— Boa noite. Jager avançou para a porta, mas deu meia-volta e postou-se na frente de
Paige. Sem tocá-la deu-lhe um beijo nos lábios.
— Tenha bons sonhos.
Ela permaneceu imóvel como uma pedra, as mãos crispadas, vendo-o sair.
No dia seguinte, os quatro deram prosseguimento à arrumação do chalé. Depois que
Glen e Maddie foram embora, Jager demorou-se um pouco mais.
— Qual o próximo passo, Paige?

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Colocar papel de parede e pintar os armários.


— Precisará de uma mão?
— Não. Estou sem pressa, e assim terei algo para fazer. Jager franziu o cenho.
— Por que todo esse desespero?
— Como disse?
— Essa necessidade de preencher todas as horas do dia com alguma atividade. —
Tomou-lhe uma das mãos, ignorando sua surpresa e rigidez. Observou as palmas
ressecadas pelo excesso de jardinagem e outras tarefas e viu as minúsculas bolhas. —
Por que está fazendo isso consigo mesma?
Paige afastou-se com brusquidão.
— Estou me divertindo muito, descobrindo o que há sob os carpetes velhos e a pintura
desbotada. Uma vez arrumada, esta casa será adorável, do modo como era quando pes-
soas que a amavam moravam aqui.
— Como sabe disso? Como descobriu que aqui morava gente que amava a propriedade?
— Pode achar graça se quiser, mas sinto que era o lar de pessoas seguras e felizes.
— Não estou rindo. — Jager a fitava com curiosidade. — Sentia-se segura e feliz...
antes de seu segundo marido morrer?
Paige piscou diversas vezes, desconcertada com a mudança de assunto.
— Sim, muito.
Jager perscrutou-lhe o semblante, como a desejar verificar se mentia. Mas era verdade, e
Paige sustentou seu olhar, sem medo. Por fim, ele suspirou.
— Fico contente. — Olhou em torno. — Acha que um imóvel pode transmitir essas
sensações?
— É do que preciso no momento: acreditar nisso.
— Mas não é tudo.
Paige assentiu com cautela.
— Preciso de minha família também, do trabalho e dos amigos.
— Só?
— Por enquanto.
— Não é muito.
— É, sim! Grande parte dos seres humanos não tem nada disso.
Paige mordeu o lábio. Quando se conheceram Jager não tinha emprego, nem amigos.
— Não pretendia reabrir antigas feridas, Jager. Ele forçou um sorriso.
— Já não me magoo com isso.
— Você encontrou sua família... seu pai.
— Foi ele quem me encontrou. Não estava procurando nada.
Paige se surpreendeu.
— Achei que você...
Jager meneou a cabeça com força.
— Não preciso dele.
Fora isso o que Jager dissera quando, anos atrás, resolvera lhe contar que o pai fora um
rapaz rico que engravidara uma adolescente e desaparecera.
— Se Lawrence descobriu uma maneira de aliviar sua consciência depois de tanto
tempo, não tive nada a ver com essa decisão.
— Não sente nada por seu pai?
Com as mãos nos bolsos, Jager a fitou.
— E deveria?
— E seu pai e, apesar de tarde, deu-se ao trabalho de encontrá-lo. Isso significa que ele
tem um pouco de... senso de responsabilidade.
Jager gargalhou.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Sou responsável por mim mesmo, Paige, sempre fui. Isso não irá mudar.
— Como foi que o sr. Provost o encontrou? — Paige se sentou no sofá.
Jager a acompanhou e se acomodou no outro canto, com sua posição característica, as
mãos cruzadas na nuca.
— Contratou um detetive particular que localizou a tia que tomou conta de mim, depois
que minha mãe foi embora.
Paige recordou-se da amargura de Jager quando lhe falara que, com poucos meses de
idade, a mãe o abandonara com uma tia que possuía vários filhos, e fora para outra
cidade. De vez em quando, ela enviava um pouco de dinheiro para a irmã, mas jamais
regressou nem procurou por Jager. Então, de repente, parara de enviar dinheiro.
Quando Jager tinha cinco anos de idade, a tia colocara seus pertences em uma valise e
avisara que uma boa senhora viria levá-lo para seus novos pais. Jager era muito pequeno
na época para compreender o que isso significava.
— Creio que titia já não aguentava mais — dissera a Paige. — Não pedira para criar
mais uma criança, e tinha uma família muito grande.
Mas ele era quase um bebe, pensara Paige, indignada.
O primeiro lar adotivo durou até o casal em questão começar a ter os próprios filhos.
Assim que o primeiro nasceu, pediram ao governo para arranjar outro lar para Jager.
— Que crueldade! — exclamara, quando ele lhe contara esse episódio triste.
— Nunca prometeram que ficariam comigo para sempre. Jager dera de ombros. — Não
tiveram culpa por eu ser novinho demais para compreender.
Mas fora a terceira rejeição em tão tenra idade, e a mágoa foi enorme. Portanto, não foi
surpresa que o próximo casal que o adotou viesse a ter dificuldades com sua rebeldia. E
assim acontecera várias outras vezes.
Quando por fim o governo encontrou-lhe um lar adequado, .Jager já havia perdido
vontade de se relacionar com uma família, e aprendera a manter as emoções sob uma
capa de indiferença.
Jamais lhe disse isso, mas Paige deduzira muita coisa pelos comentários que fazia e as
confidências esporádicas. .Jager nunca soubera se expressar bem com palavras.
Porém, era muito inteligente para perceber que criar encrenca não o levaria a nenhum
lugar, e que teria sempre de tomar conta de si mesmo.
Após alguns incidentes na adolescência com a polícia, por causa de bebidas e brigas de
rua, encontrara trabalho em um navio pesqueiro e, depois de mais alguns empregos,
rumara para o sul.
— Queria procurar sua mãe? — Paige indagara.
— Para quê? Essa mulher não me quer ver surgir à soleira, e eu não atravessaria a rua
para cumprimentá-la, caso me dissessem que era ela.
Foi difícil encontrar serviço na cidade grande, e, quando um dia Jager entrou em uma
loja de artigos de segunda mão à procura de roupas, quase não tinha dinheiro e
perspectivas. Como fazia duas vezes por semana, Paige, de uniforme escolar e duas
tranças, ajudava atrás do balcão do estabelecimento que vendia de panelas a chinelos. A
escola de elite que frequentava fazia questão de incutir certos princípios nos alunos,
induzindo-os a ajudar os necessitados.
A maioria dos voluntários era constituída por pessoas mais velhas que ela, e os clientes
da loja eram jovens ricos à procura de roupas antigas e diferentes, casais que não
desejavam gastar muito com peças para os filhos em crescimento e gente menos
afortunada, que constituía a maioria da clientela.
Quando Paige contara que desejava dar uma mão, a mãe torcera o nariz.
— Nossa! Lidar com roupas usadas e objetos velhos... Não sabe de onde vieram,
menina!

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— São lavados antes de serem postos à venda — garantira a filha.


Margaret não apreciara da ideia, mas não a proibira porque também estava envolvida
em uma série de obras de caridade, embora no meio da alta classe, com bingos e
quermesses.
Paige ficara fascinada com aqueles que passou a encontrar na loja, em especial com o
jovem moreno, alto e magro que lá entrara um dia e vasculhara o setor de trajes
masculinos.
Vira pouco antes, ela o vira olhar a vitrine com ar indeciso, mas quando o rapaz
percebera que estava sendo observado, desaparecera.
Paige admirara os cabelos negros e longos demais que lhe caíam sobre a testa morena,
os olhos verdes e brilhantes, e piscara diversas vezes, por trás dos óculos de lentes
grossas, esperando que ele entrasse.
Depois se esquecera dele, porque tivera de embrulhar caixas e utensílios de cozinha para
um jovem casal. Ao se despedir dos dois, Paige sorrira, pensando que um dia seria como
aquela moça, apaixonada pelo marido e com um futuro promissor, como as heroínas dos
romances que costumava ler.
Alguém lhe pediu para ver um grande vaso que estava sobre uma prateleira alta.
Encarrapitada na escada para pegar a mercadoria, Paige olhara para baixo e tornara a
ver o moço.
Sentira uma estranha euforia por ele ter se decidido a entrar, mas tivera de dar atenção
para os clientes, dessa vez para um jovem casal com um menino muito pequeno e
travesso.
Paige tivera de usar de reflexos rápidos a fim de impedir que o garoto quebrasse
algumas xícaras, e tratou de lhe dar um brinquedo com que se distrair, enquanto os pais
faziam suas compras. Depois, ajudou uma senhora de idade, sem perder de vista o
jovem alto, que olhava para as roupas masculinas.
Com discrição, notou que ele separava vários cabides, separou duas camisas, recolocou
uma de volta e levou a outra consigo para o setor de calças e ternos.
Paige foi até ele. - Posso ajudar?
O rapaz a brindou com o olhar feroz, fazendo-a pensar em um gato grande de rua que
estivesse encurralado e pronto a atacar quem o ameaçasse.
Contudo, pelo visto concluíra que Paige não era uma ameaça, e lançara-lhe um sorriso
enviesado, fazendo-a mais tarde perguntar-se se fora naquele momento que se
apaixonara.
Seu sorriso era capaz de deixar uma mulher de pernas bambas, e Paige, muito
inexperiente aos dezesseis anos, não fora uma exceção.
— Acha que esta vai ficar bem? — Jager segurava uma calça, relanceando um olhar
para seu jeans velho.
Paige enrubescera.
— Não tem a numeração? — perguntara no tom mais profissional que conseguira. —
Creio que é seu número.
— Não sei qual é meu número, mas a que estou usando é muito pequena.
Paige podia notar isso, pois agarrava-se às pernas longas como se fosse uma segunda
pele.
— Que numero é?
— Não sei. — Jager virara de costas. — Quer ver a etiqueta aí atrás?
O jeans não era a única peça apertada que ele usava. A camiseta branca agarrava-se ao
tórax musculoso e aos ombros largos, delineando a cintura fina.
Hesitante, Paige colocara um dedo dentro do cós, para tentar ver a etiqueta. Jager
cheirava a sabonete, e ela se sentiu à vontade ao fazer a inspeção.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Não consigo ler.


Sem querer, encostou o rosto nas costas largas e recuara, envergonhada.
Jager baixara o zíper.
— Tente agora.
Então, um pouco a distância, ela vira a etiqueta e informara o número, tentando falar
com frieza e disfarçando os calafrios na espinha dorsal. Por fim, dissera:
— Por que não experimenta essa? Há um provador nos fundos.
— Acha necessário? — Jager tornara a puxar o zíper.
— É a única maneira de saber se lhe serve.
— Está certo. — Ele erguera a camisa que segurava, bastante usada e de cor triste, mas
muito barata. — O que acha desta?
Paige piscou, ante a insistência dele em querer sua opinião.
— Acho que vai ficar linda em você.
Mas ele devia ficar maravilhoso com qualquer coisa, e por certo sabia disso.
— Sério?
— Sim. Experimente a calça com a camisa.
Assim dizendo, Paige voltara para as prateleiras, pois lembrara-se de uma jaqueta que
recebera na semana anterior. A frente era de seda verde com veludo preto, e achara
muito elegante. Iria realçar os olhos verdes do desconhecido.
Quando a levou até ele, Jager ficou embaraçado.
— Isso aí?
— Sim. Parece que foi feita para você. Jager rira.
— Se acredita nisso, experimentarei.
Paige achara que Jager estava apenas se divertindo e não iria comprar nada, mas,
quando ele retornara do cubículo com um espelho manchado e as cortinas cor de
laranja, jogara os três itens sobre o balcão.
— Fico com tudo. Mas a jaqueta vai me custar uma refeição. Sem ter certeza se era uma
piada, Paige o encarara, anciosa, vendo-o sorrir.
— Quer dizer que levará as três. Eu lhe darei um desconto. Pirara cinquenta centavos do
total, e mais tarde o repusera na caixa registradora, pagando do próprio bolso, porque na
verdade a loja não costumava dar descontos.
Na semana seguinte, quando estava agachada na vitrine, muna posição deselegante,
adornando-a com um jogo de jantar de louça, se deu conta de que ele a fitava.
Deixara cair uma xícara, que por pouco não quebrara, e Jager a ajudara a recolocar no
lugar.
Obrigada. — Paige sentira o rosto em fogo, porque os oIhos verdes não a deixavam um
só segundo. - Assustei você? Tudo bem. Não tinha percebido que estava ali. Também é
sua tarefa arrumar a vitrine? Sim. Por ser uma adolescente, era mais ágil que os outros
voluntários, e gostava desse trabalho. Ficava orgulhosa quando um novo cliente entrava
no estabelecimento atraído por alguma coisa que expusera.
O novo jeans que Jager comprara caía-lhe muito bem, assim como a camisa marrom, e
já não parecia que os ombros largos iriam romper o tecido apertado, como antes.
Todavia, pensara Paige, fosse lá o que usasse, era o garoto mais sexy que já vira, muito
mais bonito que os astros de cinema que decoravam as paredes de seu quarto.
— Em que posso ser útil? — perguntara, querendo tratá-lo como um simples cliente,
mas corando em demasia.
Jager sorrira como se achasse aquilo engraçado.
— Já foi, e bastante.
— Sério?
— Talvez não se lembre, mas me vendeu algumas roupas na semana passada.

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Como se pudesse ter esquecido, pensara Paige. Será que o moço não sabia como era
deslumbrante? Mas só balançara a cabeça, respondendo:
— Lembro, sim.
— Queria agradecer-lhe. Usei as roupas em uma entrevista de emprego e fui aprovado.
— Que ótimo! Em que vai trabalhar?
Ele a observara com cautela, antes de dizer:
— Apenas para ajudar na cozinha de uma lanchonete. Não é efetivo, mas... ora! Pelo
menos mata minha fome! E nos dão comida de graça.
Paige sentira um baque no coração, e indagara, logo se arrependendo de ser intrometida:
— Nós?
— Eu e os outros empregados famintos. Jager a fizera rir, e Paige sentira-se feliz por
perceber que estava tentando agradá-la. Enrubescera ainda mais ao julgar que era
absurdo crer que um rapaz sensacional como aquele se interessaria por ela. Em especial
quando estava usando uniforme, sem maquiagem e de tranças, conforme exigia o
colégio.
Não se tratava de algum velho com mania por meninas, mas sim de um rapaz quase de
sua idade. Por certo gostava de ter, garotas bonitas que combinassem com sua própria
formosura. Loiras com cabelos ondulados, morenas esculturais ou ruivas estonteantes.
Enfim, jovens que usavam batom para realçar os lábios sensuais, e sombra nos olhos
azuis, verdes ou negros. E que não precisavam usar óculos.
Ela era apenas Paige Camden, com seu rosto comum.
Entretanto, para seu espanto, lá estava o garoto, fitando-a como se gostasse de sua
companhia. Então, de modo ainda mais surpreendente, ele a convidou:
— Quando acaba seu expediente? Podemos tomar um café mais tarde? A partir desse
segundo, Jager nunca mais sairia de seu coração.

CAPÍTULO VI

Jager mudou de posição no sofá e passou os dedos por entre os cabelos. O movimento
fez Paige estremecer e voltar à realidade. Estavam os dois no chalé, e Maddie e Glen
tinham ido embora.
— No que estava pensando? — Jager quis saber. — Deveria me sentir grato pelo fato de
meu pai ter afinal se lembrado de minha existência?
— Dentre todas as pessoas, você é uma das que sabem que erros são cometidos quando
se é muito jovem e... guiado pelos hormônios. Seu pai não devia ser muito mais velho
que você quando nós...
— ...nos casamos — completou Jager com rispidez. — Há uma diferença, porém.
— Bem, o que importa é que afinal não deu certo para nós dois.
— Tem razão. — Jager levantou-se de supetão. — Se pretende começar com esse
assunto de novo...
Paige se deu conta de que ele estava certo. Falar sobre o casamento que tiveram só traria
amargura. Conduziu-o até a porta.
— Obrigada mais uma vez por ter me ajudado tanto.
— Sempre às ordens. — Jager voltou-se para ela, segurando a maçaneta. — Para
qualquer coisa, e estou falando sério, Paige.
Depois que Jager foi embora, o chalé pareceu muito solitário. Paige perambulou pelos
cómodos, apagando as luzes, fechado portas, e por fim viu-se fitando a cama vazia no
quarto de hóspedes. Imaginou Jager deitado ali, a sua espera, como sempre fizera

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quando eram casados, as mãos atrás da cabeça, o tórax musculoso e sensual.


A princípio fora tímida e às vezes Jager era discreto, fingindo ler um livro ou uma
revista, enquanto ela tirava a roupa e vestia uma camisola ou pijama. Entretanto, se o
pegava olhando, Jager caía na risada e lançava-se sobre ela, abafando seus protestos
com beijos, e em segundos terminava de despi-la.
Mais tarde, nos anos que se seguiram, sempre que recordava esses momentos, Paige
sentia um nó na garganta.
Comprara um leito de casal enorme para o chalé. Não porque tivesse a intenção de
dividi-lo com alguém, mas, naquele instante, decidiu que era grande demais para uma só
pessoa.
Ali deitada, tomou consciência do espaço vazio ao lado e, irritada, socou os travesseiros
e pegou um romance na mesinha. Contudo, não conseguiu se concentrar na leitura e,
com um suspiro, apagou a luz.
Ouviu um pássaro cantar ao longe, na praia. Certas aves lia viam se adaptado muito bem
próximas à cidade, e com frequência Paige as via junto à auto-estrada, impassíveis
diante do tráfego intenso. Podia ouvir também o rumor das aguas de encontro à areia, e
sentiu-se solitária.
No escuro podia admitir isso. Nas últimas semanas tivera companhia constante, e ficara
com Maddie, Glen e Jager, que a auxiliaram a não pensar nos anos à frente.
Porém, sabia que teria de enfrentá-los. Sozinha.
Margaret telefonou para Paige no escritório.
— Sua irmã me contou que está dando duro na casa nova, e que Glen a tem ajudado.
— Meu cunhado tem sido um grande amigo, mamãe. Será que Maddie mencionara
Jager também? Mas, se tivesse sido, Margaret preferira não tocar no assunto.
— Não a temos visto muito, minha filha. Paige engoliu em seco, sentindo uma pontada
de remorso.
— Por que não vem jantar conosco hoje? sugeriu.
Paige planejara examinar as amostras de papel de parede que juntara, mas respondeu
sem hesitação:
— Será ótimo!
— Então, estaremos esperando por você quando sair do trabalho.
Paige chegou à casa do pais com um pão especial e uma garrafa de vinho. Margaret
agradeceu muito, dizendo que não precisava ter se preocupado.
Depois de tirar a jaqueta, Paige ajeitou a saia vermelha e a blusa cor de creme, entrando
na enorme sala de estar, onde estava o pai.
Henry a beijou no rosto e apresentou-a a um estranho que logo se levantou, colocando
na mesa o copo que segurava.
Tinha um físico robusto e cerca de trinta anos. Apertou-lhe a mão com a firmeza de um
homem de negócios, fitando-a com olhos francos por trás das lentes dos óculos.
— Philip é nosso novo chefe da contabilidade, filhinha. Estávamos conversando sobre
alguns projetos e estratégias que ele quer pôr em prática. — Voltou-se para o
funcionário. — Esta é minha filha, Paige.
Logo uma luz de alerta pareceu brilhar na mente intuitiva de Paige. Será que Margaret
só quisera aumentar o número de convidados ou aquilo fora uma armadilha?
Durante o jantar, aproveitou uma oportunidade e perguntou a Philip sobre seus
familiares.
— Tenho um filho de dez anos e uma menina de seis. Ambos vivem com a mãe. Sou
divorciado.
— Lamento.
— Já faz alguns anos, e é preciso continuar com a vida. Margaret aprovou, com um

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gesto de cabeça.
— Tem razão, não se pode viver no passado. — Encarou Paige. — O marido de minha
filha morreu nos Estados Unidos, e ela voltou para retomar suas atividades.
Paige cortou um pedaço do peixe macio com muita força.
Estava chocada com a mãe. Pensara que Margaret iria querer que mantivesse um
respeitável período de luto, antes de ponderar sobre a possibilidade de sair com outros
rapazes.
— Meus pêsames, Paige — falou Philip, com seriedade. Sentindo a simpatia dele, ela
agradeceu. Afinal, não era culpa do pobre rapaz se seus pais quisessem empurrá-lo para
cima dela.
Depois da refeição, Paige mostrou algumas amostras de papel de parede para Margaret,
enquanto os homens conversavam sobre negócios.
Após alguns minutos, Margaret foi fazer café, e recusou .a ajuda da filha. Philip veio
sentar-se a seu lado no sofá. — Está remodelando sua residência? Paige logo descobriu,
espantada, que Philip era fanático por reformas e decoração, e tinha muitos conselhos
úteis para dar. Quando a mãe se aproximou com o café, ele fez menção de se levantar,
mas Margaret o deteve.
Assim que foi possível, Paige retirou-se, mas antes foi quase pressionada pelos pais a
convidar Philip para visitar o chalé e ver as maravilhas que operara ali.
Pelo menos evitara um convite formal para sair com ele, pensou, e poderia protelar a
visita a sua casa por muito tempo.
No sábado seguinte, Paige se levantou cedo e preparou-se para colocar o papel de
parede que escolhera. Maddie e Glen tinha viajado no fim de semana para comparecer
ao casamento de um amigo, e Paige garantira que poderia fazer o serviço sozinha. De
qualquer maneira, não desejava monopolizar o cunhado, pois sabia que a irmã não tinha
especial piedileção por reformas.
Não tivera mais notícias de Jager, mas meia hora mais larde, ao terminar de empapelar
uma parede da sala, escutou o motor de um carro se aproximando e sentiu um baque no
peito. Alguém bateu na porta. Entre!
Ouviu a maçaneta girar de leve, e alguém chamou: Paige?
Em seguida, Philip surgiu à entrada, as lentes dos óculos refletindo o soí da manhã.
Usava roupas esportivas, e Paige achou que era bastante atraente. Porém, não como
Jager.
A fim de encobrir o grande desapontamento, brindou-o com um sorriso caloroso.
— Philip! Que gentileza ter vindo! Espere um momento...
— Não se mova! Continue! — Ele atravessou a sala e postou-se junto à escada. — Está
fazendo um bom trabalho, Paige, mas será mais rápido se houver quatro mãos cuidando
disso.
E tinha razão. Philip demonstrou ser muito bom com os cantos das paredes e das portas,
e em breve a casa já ostentava uma nova aparência.
Terminavam com uma parte bastante difícil ao redor da lareira, quando uma nova batida
na porta se fez ouvir.
— Com licença. — Paige colocou uma longa tira de papel sobre a mesa e foi atender.
Jager surgiu e foi logo dizendo:
— De que adianta ter um alarme contra ladrões se deixa a porta sempre destrancada?
— E pleno dia e pensei...
— Deveria ter mais juízo! Tudo bem se estivesse aqui comigo e Glen, mas sozinha...
— Não estou só. Ele estacou.
— Imaginei que o automóvel lá fora fosse de algum vizinho.
— Jager, venha comigo para conhecer Philip. — Paige avançou para a sala de estar,

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com Jager logo atrás. — Não posso parar com o que estou fazendo.
— E quem é esse tal... Philip largou o pincel e endireitou o corpo. Parecia maior,
o tórax estufado, os ombros eretos, embora fosse mais baixo que Jager, e essa postura
fez Paige compará-lo a um galo de briga, pronto para o ataque.
Por trás das lentes grossas, examinou o novo visitante com frieza.
— Philip sou eu — afirmou, com calma, sem se intimidar com o olhar fixo de Jager.
Sentindo que o clima de repente se tornara tenso, Paige tralou de fazer as apresentações.
Quando Philip adiantou-se estendeu a mão, pensou que fossem disputar uma queda-de-
braço, mas Jager o cumprimentou, mantendo as pálpebras semicerradas e uma
expressão distante. Observou as paredes, e em seguida Philip.
— É decorador profissional? Paige o contratou?
— Philip é um amigo — adiantou-se Paige, apesar de só telo visto uma vez. —
Prontificou-se a me dar uma mão.
— Mas já lhe disse que se precisava...
— Philip tem experiência, Jager.
Um brilho malicioso surgiu nos olhos verdes dele.
— Verdade? — Examinou a camiseta larga e manchada, que quase cobria todo o short
de Paige, e deteve-se nas belas |pernas. — Também tenho um pouco.
Encarou Philip.
— Paige e eu também já... trabalhamos juntos.
Philip não era tolo, e seu olhar alerta passeou de um para o outro, até que Paige
apressou-se a falar:
— Meu cunhado trouxe Jager até aqui. Os dois são irmãos.
— Então também é seu parente, de certa forma — replicou Philip.
Jager aquiesceu.
— Pode-se dizer que sim.
Relanceou outro olhar malicioso para Paige, que recusou-se a enfrentá-lo. Então, virou-
se para examinar a sala.
— Sem dúvida estiveram ocupados. Chegou há muito tempo Philip?
Ele consultou o relógio, mas Paige se adiantou de novo:
— Fizemos muito em pouco tempo. Philip tem muita prática. — Pigarreou,
acrescentando: — Você também me ajudou muito, Jager, com seus músculos, movendo
móveis e levantando peso. Agora estou em outra fase da reforma, e Philip ofereceu seus
préstimos para a decoração.
Por um instante, Jager a examinou, mas logo se dirigiu no estranho a sua frente.
— E professor, Phil?
Philip apoiou o cotovelo na escada.
— Sou contador... Jag.
Jager sorriu, mas Paige teve dúvidas de que fosse um sorriso genuíno.
— Um homem de números, hein? Então como adquiriu experiência com... decoração?
— Minha ex-mulher e eu fizemos três reformas durante nosso casamento. — Philip o
fitava com toda a calma.
Jager enfiou as mãos nos bolsos, como era seu hábito.
— E nenhuma o satisfez?
— Reformávamos e vendíamos os imóveis com um bom lucro.
— Ou seja, é um homem que está sempre em movimento... Philip sorriu, fazendo-se de
desentendido.
— A cada vez adquiríamos uma casa melhor.
— E não está mais casado?
— Não — disse Philip, com uma ponta de amargura. — No momento ela é corretora de

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imóveis, e está se saindo muito bem.


— E você? O que faz? Tem seu próprio escritório? Philip empertigou-se e adotou a
mesma postura de Jager,enfiando as mãos nos bolsos.
— Sou chefe dos contadores nas Indústrias Camden. Jager não se moveu, mas Paige
sabia que cada músculo estava retesado, como se fosse um tigre prestes a dar o bote.
Não tinha dúvida de que sua mente estava funcionando a todo vapor, fazendo de dois
mais dois cinco ou cinco e meio. Por fim, sua expressão a atingiu numa muda acusação.
— Ora! Quer dizer que trabalha para o papai de Paige... O queixo de Philip pareceu
aumentar meio centímetro.
— Trabalho para a empresa. Paige e eu nos conhecemos na residência de Henry.
Ela não podia culpá-lo por ter caído na rede, e nem por sombra Philip poderia adivinhar
que seu pai nunca permitira que Jager o chamasse pelo primeiro nome. Para ele Henry e
Margaret sempre tinham sido o sr. e sra. Camden.
Aproveitando-se do silêncio que caiu sobre o ambiente, Philip por sua vez indagou:
— Onde trabalha, Jager?
— Na J. J. Comunicações. Meu sobrenome é Jeffries.
— Você é esse Jeffries? Pensei que fosse mais velho.
— Tenho idade suficiente para gerir meus negócios.
— E é casado?
O olhar irónico de Jager recaiu sobre Paige.
— Já fui. Para
Paige já foi o suficiente.
—Como pode ver, Jager, estamos ocupados. Preciso terminar com a colocação do papel
antes que a cola seque. — Para ilustrar o que dizia, molhou o pincel na pasta. — Por
tanto, amenos que tenha vindo para ajudar na... decoração...
— E acredita que iria embora sem dar uma mãozinha? Não me conhece muito bem,
Paige.
Ela apertou os lábios, deixando o pincel cair, consciente do espanto de Philip. Respirou
fundo.
— Philip acha que deveríamos ter colocado o papel de parede antes de lustrar o
assoalho.
— E mesmo?
Então, Paige entregou uma folha pegajosa para Philip. Ele a alinhou na parede e
começou a alisá-la com o pincel que lhe foi entregue a seguir.
Paige sabia que Jager espumava de raiva as suas costas, enquanto ajudava Philip a
ajustar as bordas. Quando se virou, Jager já preparara outra folha.
— Também tenho uma certa experiência, Paige. Lembra?
Paige recordou o estúdio de um só cómodo que haviam alugado quando recém-casados,
porque não tinham dinheiro para nada mais. O senhorio resmungara, e acabara
concordando que redecorassem, mas a custa deles. Haviam comprado um pouco de tinta
e começado pela cozinha.
O resultado fora tão bom que ficaram animados e compraram papel de parede barato e
alegre para melhorar ainda mais o aspecto. Em vista da má qualidade do papel e sua
ignorância no assunto, até que o serviço não saíra muito ruim.
Voltando ao presente, Paige sussurrou:
— Creio que essa não conta.
— Todos aprendemos com nossos erros.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

CAPÍTULO VII

Os dois homens pareciam ter feito uma trégua muda. Quando Philip começou a
flexionar os braços e fazer caretas de dor, Jager assumiu seu posto na escada.
Ao final da tarde, estavam se revezando, e Paige sentia uma terrível dor de cabeça. Sem
saber como, assumira a mulher indefesa que serve chá e biscoitos e prepara o almoço,
entregando aos membros do sexo masculino pincéis e , facas quando necessário, e de
vez em quando recebendo permissão para passar cola, mas nada mais importante, como
subir nas escadas ou colocar o papel nas paredes.
Não era justo. Sem dúvida que os dois desempenhavam a tarefa muito mais depressa do
que ela, mal parando para comer, embora agradecessem muito pelos refrescos que lhes
trazia de meia em meia hora. Pareciam competir para ver quem se saía melhor e mais
depressa, com maior ímpeto e decisão, algo que não existira quando Jager e Glen
trabalharam juntos.
Terminaram de empapelar a sala de visitas e um dos quartos, e então Paige disse:
— Estou cansada. — Era verdade, apesar de seu cansaço derivar mais da tensão no
ambiente que do esforço físico. E a luz do sol começava a diminuir. — Obrigada,
rapazes, mas vamos parar por hoje, enquanto preparo o jantar.
Pensou ver um brilho de alívio no rosto de Philip, que tirou os óculos e passou o braço
pela testa.
— Não precisa cozinhar, Paige, é melhor que vá dormir logo — Jager pôs a mão no
ombro de Philip, que pareceu recuar um pouco. — Vamos, Phil. E melhor irmos embora
e deixarmos a senhora descansar.
Já que Paige se manteve calada, Philip não teve como argumentar. Acabou sorrindo e
concordando com Jager.
Paige não insistiu, para evitar incentivar disputas. Entretanto, em meio à entrega de
jaquetas e cumprimentos de boa-noite, Jager conseguiu levar Philip até a porta e fazê-lo
descer primeiro os degraus da escada. Dando um passo atrás, lalou para Paige:
— Trate de comer alguma coisa, mesmo que seja apenas um sanduíche.
Sem esperar por uma resposta, Jager inclinou a cabeça e beijou-a na boca, de um jeito
tão leve, que ela nem teve tempo de corresponder.
— Vejo você amanhã. — E então desceu correndo, a jaqueta pendurada no ombro, a fim
de reunir-se a Philip.
Philip também prometera retornar pela manhã, mas Jager chegou primeiro. Paige o
conduziu para a cozinha, onde estava fazendo café.
— Veio cedo...
— Ainda bem que você já estava de pé.
Ela pegou a torrada que preparara e ofereceu.
— Quer mais alguma coisa?
— Eo suficiente.
Jager passeou o olhar crítico pela camiseta e o short que Paige usava e murmurou:
— Tenho algumas críticas a fazer...
— Não sou magra demais! — gritou ela, na defensiva. Ele a encarou, espantado.
— Calma! Ia falar sobre o papel de parede naquele canto.
Nunca tive reclamações a respeito de seu físico, meu bem.
Exasperada, Paige deu-lhe as costas e fingiu lidar com o coador.
Quando mais tarde abriu a porta para Philip, Jager tomava café, encostado no balcão da
cozinha.
— Só poderei ficar até a hora do almoço, Paige. Minha esposa... ex-esposa... me pediu

Projeto Revisoras 40
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

para tomar conta das crianças porque precisa estudar. Está se formando em Direito. —
Parecia constrangido e orgulhoso ao mesmo tempo, e ao ver Jager, cumprimentou-o. —
Bom dia.
— Bom dia. Você tem filhos, Phil?
Apesar de permanecer na mesma posição displicente, Paige sentiu a tensão de Jager
retornar.
— Um menino e uma menina — ela se apressou a responder, e logo virou-se para
Philip. — Não era preciso vir hoje.
— Sem dúvida! — reforçou Jager. — Não queremos tirá-lo do convívio de sua família.
Pareceu não perceber o olhar irritado que Paige lhe lançou por usar o verbo no plural,
mas Philip sorriu, bem-humorado.
— Claro, mas tenho toda a manhã. E detesto deixar serviço pela metade.
— Eu também. — Jager falou fitando o outro com intensidade. — No entanto, mesmo
tendo chegado aqui primeiro, às vezes penso que perdi meu tempo.
Quando terminaram de empapelar o vestíbulo, Philip foi embora, desculpando-se por
não poder ficar mais.
— Foi de grande auxílio, e sou muito grata. Por que não vem jantar uma noite dessas?
Traga as crianças e as levaremos à praia.
Philip pareceu se alegrar com o convite.
— Obrigado, Paige. Farei isso.
Depois que fechou a porta, Paige viu que Jager a observava da cozinha, encostado no
batente.
— Que jogada! Convidá-lo com os filhos! Já os conhece?
— Ainda não.
Paige encaminhou-se até ele, e ficaram frente a frente. Alto e forte, Jager parecia uma
muralha.
Contar que mal conhecia Philip não era uma boa ideia, concluiu. Além disso, ante o
enorme poder viril e sensual que emanava de Jager, não conseguia raciocinar direito.
Com esforço, ergueu o queixo e encarou-o.
Um brilho misterioso iluminava os olhos verdes, e Jager perguntou:
— Quer ter filhos?
A pergunta súbita a pegou desprevenida.
— Aidan e eu queríamos um bebé, mas... não aconteceu. Sentiu lágrimas nos olhos e
mordeu o lábio, tentando dete-las, mas foi em vão. Pensava já ter chorado tudo o que
podia por Aidan, e era humilhante prorromper em soluços diante de Jager.
Ele cerrara as sobrancelhas e, endireitando a coluna, pegou-a pelo braço e a conduziu
até a mesa.
— Sente-se — ordenou, com um resmungo.
Jager não sabia como agir com uma mulher em pranto, poucas vezes vira Paige chorar.
Ela engoliu um soluço, e tentou sorrir.
— Estou bem.
— Dá para perceber — replicou, com sarcasmo. — Quer um café? Ou uma bebida mais
forte?
— Um café será ótimo.
Paige empertigou-se, tirou os óculos e puxou para trás uma mecha. Enxugou as lágrimas
e tornou a pôr os óculos, com um gesto decidido.
Ficou vendo Jager preparar café fresco e trazer pão, manteiga e queijo para ela, além de
presunto fatiado. Deu-lhe um prato e uma faca, e serviu a bebida fumegante na caneca.
— Coma, Paige — ordenou de novo, puxando uma cadeira. Depois que se alimentaram,
Jager preparou mais café, e voltou a sentar-se junto dela, segurando a caneca com força.

Projeto Revisoras 41
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Passados alguns instantes, disse:


— Fale-me sobre Aidan.
Paige, que ia comer um pedaço de queijo, colocou o garfo de novo no prato, com mão
trémula, e quase derrubou a caneca com café. Gotas escuras mancharam o tampo de
plástico, e Jager apressou-se a pegar um pano úmido. Quando sentou-se outra vez,
esperou que ela falasse.
— Aidan foi um marido maravilhoso e uma grande pessoa. Jager cerrou os lábios com
força, e em seguida questionou,forçando uma entonação neutra:
— Conheceram-se nos Estados Unidos?
— Sim.
Os pais de Paige a tinham enviado lá para visitar seus tios, que moravam na Pensilvânia
e conhecer os primos. Na realidade, a viagem se destinava a fazê-la se recuperar do
desastroso casamento, embora insistissem que não houvera casamento de verdade, pois
Jager falsificara sua idade e a da noiva na certidão.
Entretanto, para tristeza do sr. e da sra. Camden, o matrimonio civil fora legal, e Henry
desistira de incriminar Jager por mentir sobre a idade, a fim de não humilhar a filha.
— Aidan era amigo de meus primos, e foi muito bom para mim — Paige falou.
Ao admitir para os pais que errara ao se casar tão jovem, afirmando que não soubera o
que estava fazendo, tornou-se comodo voltar a deixar-se comandar por eles. Quando
Henry apresentou-lhe os papéis do divórcio, relutou em assinar, mas com paciência ele
conseguiu seu intento.
Paige assinara, com imensa tristeza, e depois correra para o quarto, onde chorara a noite
inteira.
— O processo levará dois anos — dissera-lhe o pai —, mas antes dos vinte você estará
livre.
Henry e Margaret tinham sido compreensivos e bondosos quando Paige chegara a sua
casa em lágrimas, anunciando o fim da união com Jager. Nunca disseram: "Nós a
avisamos...", e a envolveram com carinho e amor, evitando fazer críticas de qualquer
tipo.
Então, surgira a oportunidade da viagem aos Estados Unidos, e Paige aceitara, para
fugir de Jager, da vida cheia de altos e baixos que tivera com ele, entremeando
momentos de enorme felicidade, paixão e euforia com brigas terríveis repletas de gritos
e portas batendo. Em geral essas brigas terminavam com os dois na cama, abraçados,
para de novo voltarem a se amargurar, cheios de frustração, porque depois do sexo
percebiam que nada havia mudado.
— Seus primos foram bons com você? — Jager mexia a colher no açucareiro, sem se
servir.
— Sim, muito.
Ir para os Estados Unidos fora uma espécie de cura que a fez esquecer ter conhecido um
rapaz chamado Jager por quem se apaixonara loucamente. Começou a preencher seus
dias com novos interesses e atividades, conheceu pessoas interessantes, e entre os
estudos, que retomou nesse país, divertia-se com os primos, indo a festas e reuniões.
Preenchia cada minuto do dia para não ter de pensar, e as vezes quase conseguia
esquecer a dor.
Tomou um gole de café, voltando ao presente, e prosseguiu:
— Aidan fazia parte de um grupo com quem eu e meus primos saíamos.
Jager parou de brincar com o açucareiro e recostou-se no espaldar.
— Era um sujeito bonito?
Paige não conseguiu refrear um sorriso. Que importância tinha isso?, perguntou a si
mesma.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Tinha muito boa aparência.


Não como Jager, que se sobressaía em qualquer lugar, acrescentou em silêncio. Mal
notara Aidan até que certa noite, ao vê-la sozinha em um canto, durante uma festa,
quando todos riam, conversavam e dançavam a sua volta, ele tocou-lhe o braço e
indagou, com sua voz carinhosa:
— Quer dançar, Paige?
Sim, ele era um ser humano maravilhoso.
— Aidan tinha o dom da simpatia. Sempre sabia o que dizer na hora certa. Ou o que não
fazer, e ficar calado.
— E uma arte — comentou Jager, com frieza. Paige ergueu os olhos, mas viu que não
havia ironia em seu semblante, apenas seriedade.
— Era uma pessoa especial. Todos gostavam dele.
— E você o amava.
— Sim. — Encarou Jager com firmeza e franqueza. — Tive sorte por ser sua esposa.
Não fora a união apaixonada e selvagem que tivera com Jager, mas honrara o afeto
cálido que a ligara a Aidan, e esperara mantê-lo por toda a vida. Contudo, o destino o
arrancara de seus braços de modo brutal e cruel.
Jager virou a cabeça e fitou a janela. Seu perfil era forte e austero, e Paige admírou-se
ao perceber como amadurecera. Com o olhar sempre preso na paisagem, afirmou:
— Fico contente por você ter sido feliz, Paige.
— E você, Jager? Foi... feliz?
— Tornei-me um homem tão ocupado que não tive tempo de me ocupar disso. —
Afastou a cadeira e se levantou. — Se quer terminar de empapelar a casa hoje...
Dessa vez, Paige trabalhou de fato, e, quando colocaram a última folha de papel no
quarto, Jager a tomou pela cintura e a ajudou a descer da escada.
— Pronto! Terminou.
— Está lindo! Obrigada. — Paige se afastou, esquecendo que haviam empurrado a
cama para o centro do quarto a fim de empapelar as paredes.
Perdeu o equilíbrio e caiu sobre ela, prendendo a respiração ao ver Jager aproximar-se.
Mas ele apenas pegou sua mão, e um segundo depois Paige estava de pé.
— Quer comer alguma coisa? — perguntou, para quebrar o silêncio constrangedor.
Estava ficando tarde, e não haviam comido mais nada desde o meio-dia.
— Se não estiver muito cansada, podemos sair para jantar.
— Então, será por minha conta. Jager balançou a cabeça, em negativa.
— Mas não é justo, Jager!
— Paciência. Fui eu quem convidou.
Paige conhecia aquele olhar, e sabia que nenhum tipo de lógica o demoveria.
— Se é assim, vamos ficar em casa e preparar alguma coisa.
Jager pareceu ficar um pouco frustrado, mas concordou. — Vou ajudar.
Paige encontrou costeletas de porco no freezer, cozinhou arroz, e Jager preparou uma
salada. Moviam-se com eficiência pelo ambiente pequeno, como se não tivessem se
esquecido da sincronia que compartilharam um dia.
Paige não percebera que estava faminta até se sentarem ;a mesa. Pedira para Jager abrir
uma garrafa de vinho, mas os dois mal tocaram na bebida. Quando ela ofereceu mais,
Jager recusou.
— Terei de dirigir. A menos que deseje que eu fique.
Seus olhares se encontraram com seriedade.
Sim, pensou Paige, adoraria que ele ficasse e que a levasse para a cama, voltando a
fazê-la esquecer com beijos todo o sofrimento dos últimos meses, e acordando a seu
lado na manhã seguinte.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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Percebeu o jeito esperançoso de Jager, mas então recordou a noite do casamento de


Maddie, quando haviam feito amor de maneira feroz. Aquilo de nada adiantara.
— Não, Jager.
O brilho de felicidade nas pupilas dele foi substituído por outro, muito mais sombrio.
— O que a fez mudar de ideia? Paige empertigou-se.
— Não mudei. Apenas não estou interessada.
— Não minta, Paige. Conheço-a muito bem — murmurou ele, com voz macia.
— Conheceu a adolescente tola que quase arruinou a vida por sua causa. Não conhece a
pessoa que sou agora.
— Quase arruinei sua vida?!
— Desisti de tudo por você, Jager. Estudos, família, lar... Na ocasião, Paige não notara
como isso seria difícil. O pai recusara-se a continuar financiando seus estudos enquanto
insistisse em viver com Jager, e embora mantivesse as portas abertas para ela, resolvera
não receber seu marido. Paige negara-se a visitar os pais sem Jager, e por fim deixara de
ver Henry e Margaret.
Então, pedira uma bolsa escolar, mas o dinheiro não era suficiente, e as dívidas que teria
ao final do curso seriam enormes. Decidira trabalhar, assegurando a Jager de que fazer
faculdade não era importante, contanto que pudessem ficar juntos.
— Na ocasião, disse que valia a pena — falou Jager, interrompendo suas divagações.
Sim, pensou Paige, mentira, determinada a levar adiante a situação que criara, e o fato
de compartilhá-la com Jager dava a impressão de ser importante.
No início mal notara que não tinham um tostão, embora Jager a tivesse alertado de que
não ganhava muito como auxiliar de cozinha. Então, Paige começara a economizar com
os alimentos, comprando carne de segunda e legumes mais baratos, e até apreciando o
desafio. Em seguida, Jager fora promovido a barman, e tinham celebrado jantando fora
pela primeira vez desde o casamento.
Porém, uma semana mais tarde, Jager fora despedido por ter perdido a calma com um
cliente antipático. Paige compreendera que era orgulhoso demais para suportar
desaforos, mas a apreensão começou a ser constante.
O salário que recebia como vendedora em uma livraria precisaria ser esticado para dar
para os dois. Passou a economizar mais com a alimentação, cozinhando quase sempre
arroz ou macarrão.
De vez em quando, encontrava-se com a mãe para um almoço rápido no centro da
cidade, mas, como Margaret insistia com delicadeza em fazê-la "encarar a realidade",
como dizia, essas ocasiões eram tensas, apenas aumentando a distância entre as duas.
O pai telefonava uma vez ou outra para perguntar, com resmungos, se estava tudo em
ordem, e ela sempre dizia que sim. Jamais contou que Jager estava desempregado.
Desesperada, respondera a um anúncio para dançarina de um clube noturno, que
prometia um bom salário. Apesar de não ser necessário ter experiência, Paige fora
recusada.Disseram-lhe com rudeza que seu rosto não era bonito como seu corpo.
Paige desejou ter se lembrado de deixar os óculos em casa e usado mais maquiagem,
porém concluiu que teria dado na mesma. Nesse meio tempo, Jager descobrira o jornal
onde ela marcara em vermelho o anúncio, e ao vê-lo furioso, Paige tentara fazer tudo
parecer uma brincadeira, mas não dera certo.
— Não deixarei que minha mulher fique se exibindo em público! — berrara ele.
— Isso não seria necessário se você ganhasse o suficiente! — replicara, sem saber que
tinha tanta raiva acumulada dentro de si.
Mais tarde, fizeram as pazes na cama, amando-se com fúria e pedindo mil desculpas um
ao outro.
Jager conseguiu um serviço temporário em uma obra, e no dia em que trouxe para casa

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

um computador de segunda mão, houve outra briga. Jager acomodou o aparelho na


mesa da cozinha, e Paige ficou descontrolada.
Acostumada a um lar com todas as comodidades modernas, com lava-louças, máquina
de lavar roupa e secadora funcionando muito bem, onde nunca faltava água quente e
jamais tivera de se preocupar com contas de luz e gás, era difícil acostumar-se com a
água fria que lhe ressecava as mãos, uma máquina de lavar comunitária no prédio e um
varal onde mal batia sol.
Não comprara trajes novos desde que saíra da residência dos pais e, um dia, vira-se
olhando para uma saia em uma vitrine, sem saber como justificar ao marido tal
aquisição.
Mas um computador também parecia ser um luxo absurdo, decidira.
— Não pretendo trabalhar para os outros a vida inteira — justificara Jager. — Este
aparelho pode ser a passagem para meu próprio negócio.
— Você deixou a escola! — Era impossível para Paige conter a raiva crescente. — E o
que entende de negócios?
Jager também ficara na defensiva e irritado.
— Tudo bem! Não tive um pai rico que me mandasse para uma escola particular, da
qual saí quando percebi que nada mais tinham para me ensinar. Mas não sou idiota e
aprendo rápido!
Afinal, ele provara que era verdade. Contudo, naquela noite Paige duvidara, e ambos
haviam se insultado, deixando feridas recíprocas difíceis de serem curadas.
Durante a breve união, Paige se ressentiu do computador como se fosse uma outra
mulher na vida de Jager. Não entendia nada dos cálculos complexos que ele realizava
com o aparelho para um sistema de comunicação digital que, dizia, seria um grande
sucesso no mercado.
Paige sabia que Jager era inteligente e esperto e, na certa, teria sido um aluno mais
brilhante que ela, se tivesse continuado os estudos. Porém, também sabia que a pouca
idade e inexperiência, mais a ausência de bons contatos profissionais, seriam enormes
obstáculos para sua ascensão.
Paige meneou a cabeça, voltando à realidade.
— Seus pais poderiam ter facilitado as coisas para você. — Jager segurava o copo de
vinho com as duas mãos.
— Fizeram o que acharam melhor para mim.
— Ainda acredita nisso? — Encarou-a, hostil.
— Jager, eu tinha dezessete anos e era muito jovem para me casar. Pode culpá-los?
Na ocasião, Jager tentara conversar com o sr. e a sra. Camden para obter seu
consentimento, mas Paige o impedira, quase em pânico.
— Vão nos proibir de casar! Não podemos contar. Só depois que estivermos juntos.
Paige dissera aos pais que passaria o fim de semana na casa de praia de uma amiga. A
mentira a fez sentir-se mal, mas ficar com Jager era tão importante...
Casaram-se na sexta-feira, em uma cerimónia rápida, e passaram duas noites fantásticas
em um motel à beira-mar que mal podiam pagar.
Paige mantivera segredo até os exames finais, vendo Jager sempre que possível, ambos
frustrados com os breves encontros e a falta de privacidade. Então, quando terminou o
colégio, ela fez o anúncio de que desejava morar com o marido... e o teto desabou, por
assim dizer.
Claro que esperava por isso, mas não que os pais seriam tão inflexíveis. Com o
otimismo característico dos muito jovens, Paige acreditara que, comunicando um fato
consumado, depois do choque inicial eles viriam a aceitar Jager de braços abertos.
Não se preparara para o enorme rancor de Henry e Margaret em relação a Jager, e

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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precisou ouvir frases que jamais esqueceu.


— Ele a olhou e percebeu que era uma menina rica. Deu o que se costuma chamar de
golpe do baú — dissera Margaret.
Paige correra a defender o marido:
— Jager nem fazia ideia de quem eu era! Margaret replicou, com desdém:
— Todos conhecem o uniforme de sua escola.
— Mas nem todas as alunas de lá pertencem a famílias ricas.
Entretanto, todos costumavam tirar conclusões pela aparência, e logo no primeiro dia
Paige contara a Jager quem era seu pai e a empresa que possuía.
Com o comentário de Margaret pesando em sua mente, a muito custo perguntara a Jager
se reconhecera seu uniforme de estudante no dia em que se conheceram.
— Não fazia a menor ideia. Estava há pouco tempo em Auckland. Por quê, meu amor?
— Por nada. — Paige se sentira culpada dessa vez por mentir para ele.
Depois, Henry telefonara para Paige e aos gritos disse que Jager o ameaçara quando se
recusara a emprestar-lhe dinheiro. Paige não acreditara, e desligara sem se despedir.
Contudo, sabia que o pai não era um mentiroso.
— Pedi um empréstimo — admitira Jager — para desenvolver meus projetos, porque os
bancos não querem me dar crédito sem garantias, e achei que por sua causa ele me
ajudaria. Redigi um acordo com juros e tudo o mais, e teria devolvido o dinheiro.
— Mas não me contou nada!
— Não ia contar caso ele recusasse. Fiz isso por você, Paige, porque merece muito mais
do que o que posso lhe dar.
Paige bem podia imaginar como Jager tivera de engolir o orgulho para pedir um
empréstimo a seu pai, e Jager continuara, com amargura:
— O sr. Camden nem quis olhar para mim, e falou que preferia ver você morta a me
emprestar dinheiro. Isso é modo de falar sobre a própria filha?!
— Papai afirma que você o ameaçou. Jager franzira a testa.
— As coisas ficaram pesadas, e não me lembro de todos os detalhes. O sr. Camden me
acusou de usar você para extorqui-lo, e eu falei que não o julgava um bom pai, e que ele
iria perder a filha para sempre se continuasse agindo assim.
Duas versões para a mesma história. Mas no fundo Paige acreditava em Jager, e sabia
que fora um mal-entendido.
Mas os mal-entendidos continuaram e tomaram corpo, mesmo depois de Jager
conseguir um emprego bom em uma indústria do setor de eletricidade, com um salário
melhor e boas perspectivas.
Talvez já fosse tarde demais, e no momento Paige não conseguia lembrar qual fora o
estopim que detonara o fim do casamento. Só recordava que fizera a mala e saíra do
apartamento em lágrimas, embaçando os óculos, e pegando um táxi para a casa do pais.

CAPÍTULO VIII

Jager empurrou a cadeira para trás mas não se levantou.


— Seus pais aprovaram Aidan?
— Sim, já lhe disse isso.
— Oh! Sim! Todos gostavam dele. Aliás, gostam de Philip também — disse, com
sarcasmo. — Está preparada para ficar em segundo lugar, depois da ex-esposa e dos
dois filhos? Pois ele não cortou o cordão umbilical ainda, pelo menos no que diz
respeito à parte emocional.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Não me importo! — redarguiu Paige, exasperada.


A expressão de Jager passou do ódio à indiferença, e Paige prosseguiu:
— Mal o conheço! Encontrei-o na casa de meus pais, e Philip se ofereceu para me
ajudar com a decoração. E apenas um homem gentil.
Mas Jager estava cético sobre isso.
— E espera que você o ajude a se recuperar do drama de seu casamento fracassado.
Sem mencionar que não será nada mau casar com a filha do patrão.
— Nem todos estão sempre pensando em vantagens, como você.
Jager deu um pulo para trás.
— O quê?!
— A verdade, Jager! Por que quis casar-se comigo? Por certo não foi devido a meu
lindo rosto.
Ele pareceu não saber o que responder. Por fim, indagou:
—E qual sua opinião? Eu te amava!E pensei que me amasse também!
—Teria ficado tão obsecado por mim se não fosse pela fortuna de familia?
Como um rio que transbordasse e que até então fora contido por medo,orgulho e força
de vontade,aterrivel suspeita veio à tona com todo o impeto e toda a agressividade.
Por um instante o,o rosto de Jager permaneceu inexpressivo, e depois adquiriu um ar
furioso,quando falou,com voz contida:
—E você? Ficaria tão obsecada se eu não representasse o fruto proibido?O menino mau
do lado errado da cidade?Era sua chance de demonstrar ser uma adolecente
rebelde.Bem,não durou muito depois que a realidade pesou,não? Quando a vida fica
dificil,as meninas ricas correm de volta para o colo do papai e da mamãe.
—Não é justo que me diga isso!
—O que sabe sobre justiça,Paige?A vida não é justa! O que sinto por você tambem não
é.É isto... —Levantou-se com impeto e puxou-a tomando-as nos braços. —...não é
sensato.
Beijou-a com violencia ,cheio de ira e desejo.
Paige mal conseguia respirar,envolta no turbilhão de sesações provocadas pela
proximidade do corpo masculo, sensual e sedutor.Correspondeu à caricia,que a deixava
fora de si.
Jager estava muito exitado e não fez segredo disso,exitando-a tambem.Porem,não era
apenas um querer fisico,pois Paige o amava como sempre.Tudo o mais ficou distante,e
só conseguia registrar que era isso o que queria,aquele era o homem para quem viera ao
mundo.Só com Jager vivera de maneira tão plena,e o resto fora uma pálida imitação da
existencia.
Jager afastou-se um pouco,os olhos verdes parecendo esmeraldas cintilantes,e deslizou
os labio para seu pescoço,murmurando.
—Quero tanto você...
Enlaçando-a empurrou-a para o quarto,onde a lua cheia atirava uma luz opalina e azulada pela janela a
aberta,e seu rosto adquiriu tons claros e escuros,fazendo-o parecer a mascara de um
guerreiro prestes entrar na batalha.
Em segundos estavam na cama,tirando a roupa um do outro.
—Desta vez não estou propondo casamento — sussurrou Jager—Nem filhos.Só posso oferecer isto...
Mas Paige apenas entendia os afagos que Jager continuava a proporcionar-lhe,com tanta
sensualidade e arrebatamento.
Os labios dele tocaram-lhe os seios,levando-a a um frenesi de prazer,e logo ele
penetrou-a,os corpos principiando uma dança frenetica que terminou com gemidos de
ambos,exaustos e felizes.
E mesmo depois do ato de amor as caricias continuaram,fazendo Paige lembrar-se com
enorme saudade de outros tempos, quando eram casados.

Projeto Revisoras 47
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Sem demora fizeram amor de novo,mas agora com mais calma e ternura,e Paige afastou
de si qualquer pensamento sobre o que aconteceria no futuro.
Na manhã seguinte acordou e viu Jager entrar na suite,com cabelos molhados e vestindo
o jeans da vespera.fitou-a com atenção.
—Tudo bem?
—Sim...
Paige procurou se sentar,tentando não deixar o lençol escorregar e mostrar os seios ainda agradavelmente
sensiveis pelas caricias,mas,ao passar a mãonos cabelos,acabou por descobrir-se.
Jager desviou-se da visão e tratou de apanhar a camisa no chão.
—Preciso ir,Paige.Tenho um encontro de negócios logo cedo e necessito me trocar primeiro.
Paigepercebeu que adquirira modos mais formais,seu lado pratico voltara para os afazeres.
—Voltarei hoje a noite,se voce quiser. —Sentou-se no Colchão e enfiou as meias e OS sapatos,
beijando-a de leve nos lábios. — Até mais tarde.
Segundo depois, Paige ouviu a porta da frente bater.
Passou o dia em uma espécie de transe, e mal percebeu como se levantou para ir
trabalhar, pois parecia um robô, com gestos automáticos e pensamento distante.
Logo que voltou para o chalé, Jager apareceu trazendo comida chinesa e uma garrafa de
vinho branco, e como em um passe de mágica, Paige sentiu-se viva, vibrante e animada
outra vez, repleta de expectativa.
Jager pôs a mesa, serviu o vinho, e até fez uma surpresa, desembrulhando uma vela
quadrada e dourada em um castiçal de vidro.
Paige lembrou-se de quando eram recém-casados e haviam jantado peixe com fritas,
certa noite. Jager fizera uma singela decoração, com tocos de velas e plantas colhidas
em um quintal.
Contendo lágrimas de saudade, Paige tomou um gole do vinho e mordiscou a comida
deliciosa, sem de fato estar com apetite. Era o tipo de jantar caro, que jamais teriam tido
na época de casados.
— Não vamos conseguir comer tudo isso! — exclamou, vendo a variedade de pratos a
sua frente.
— Podemos guardar o resto, como costumávamos fazer. Jager ergueu o copo para um
brinde, o olhar cheio de promessas sensuais. E seria apenas isso, constatou Paige,
recordando a franqueza rude que usara na véspera, à qual não fizera objeções.
Já era tarde para remediar sua atitude, e era inútil tentar negar que a volúpia entrara com
todas as forças em seu coração.
Jager podia fugir de um compromisso sério outra vez, fechar sua alma para o amor,
porém era impossível negar que ambos se completavam de maneira plena e maravilhosa
quando se tratava de sexo.
Paige mordeu o lábio, sentindo um ciúme ridículo das mulheres que por certo ele tivera
ao longo dos anos, depois do divórcio. Entretanto, tinha certeza de que foram
envolvimentos sem consequência, pois, assim que tornara a vê-la, Jager a quisera outra
vez. Os anos de distância não os tinham afastado de verdade um do outro.
"Só posso lhe dar isso..."
E Paige aceitaria sem exigir nada mais. Pelo menos por enquanto. Ergueu o copo e
retribuiu o brinde.
Após o jantar, Jager a fez permanecer sentada e lavou a louça. Depois, beijou-a com
uma ternura especial e levou-a para o quarto.
Paige estava quase adormecendo quando o telefone tocou.
— Paige? Estava dormindo?
— Não, Maddie. Como foi a cerimónia?
— Linda e muito divertida. E como vai a decoração do chalé?
— Na realidade, já terminou. O papel de parede foi todo colocado.

Projeto Revisoras 48
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Acabou? — Maddie tapou o bocal e falou algo para Glen. — Jager a ajudou?
— Sim, ele tem sido muito... prestativo. Sorriu enquanto Jager mordiscava sua orelha.
— Paige, na semana passada deixei escapar para nossos pais que ele estava indo aí para
ajudá-la.
Então fora por isso que Margaret ficara tão ansiosa para apresentá-la a Philip, concluiu
Paige, sem conseguir evitar uma risada. Bem, o tiro saíra pela culatra, pois caíra mais
rápido nos braços de Jager. Um olhar para o provável rival fizera com que ele
apressasse a reconquista. No momento, beijava-lhe os ombros.
— Tudo bem, então? — prosseguiu Maddie, mais aliviada por escutar a irmã rir. — Não
ficou aborrecida?
— Não é segredo, Maddie.
Curioso, Jager sentou-se, a testa franzida.
— O que foi?
Paige meneou a cabeça, querendo dizer que não era nada. Maddie afirmou:
— De qualquer modo, creio que estavam errados sobre ele. Eu era muito criança na
ocasião para ter uma opinião, e quase nunca via Jager, mas achava que era muito bonito
e inteligente.
— Era, de fato.
Naquele instante, Jager a beijava com total intimidade, fazendo-a corar ao imaginar que
a irmã podia vê-los.
— Nossos pais não podem mais dizer que Jager é um joão-ninguém. Ora! Olhe para ele!
Tornou-se um verdadeiro sucesso!
Paige olhou para Jager, e apreciou os músculos rijos e a pele bronzeada.
— Estou um pouco cansada, Maddie... Tantas reformas... Preciso dormir.
Depois que desligou, Jager quis saber:
— Está mesmo cansada?
— Com preguiça. — Paige deslizou para debaixo dos lençóis, sem afastar a mão que
segurava-lhe o seio. — Isso é tão bom... Não pare...
— O que Maddie queria? — Jager continuava a excitá-la com seus dedos hábeis.
— Falar sobre você. Acha-o incrível.
— E você concorda com ela?
Para ser franca, Paige o julgava um amante esplêndido, mas uma pessoa complexa e
perigosa. Talvez a atração que sentia por Jager se originasse do fato de no passado ter
sido considerado indigno dela. E quem sabe a decisão de torná-la apenas sua amante
fosse uma maneira que descobrira para humilhar seus pais...
— Creio que não precisa ser elogiado para se sentir seguro, Jager.
Philip telefonou na noite seguinte, quando Paige e Jager ouviam música sentados no
sofá. Ela se reclinava em seu ombro e, quando fechava os olhos, podia imaginar os anos
voltando para trás e os dois adolescentes outra vez, recém-casados e ainda
deslumbrados com as novidades.
A campainha do telefone soou, estridente, quebrando o clima romântico, e Paige
apressou-se a atender no vestíbulo.
Escondendo o aborrecimento, saudou Philip com animação, e depois de anunciar que o
serviço terminara, agradeceu de novo pela ajuda e renovou o convite:
— Quando vai rever seus filhos? Então está combinado. No próximo domingo... Sim, é
claro, extensivo aos demais. Fico contente.
Quando retornou à sala de estar, a música acabara, e Jager tirava o CD. Fechou o estojo
de plástico com gesto rápido e quis saber:
— Era Philip?
— Sim. — Paige sentou-se de novo. — Convidei-o...

Projeto Revisoras 49
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Eu ouvi.
Paige o encarou, desafiadora.
— Tinha prometido. Não posso voltar atrás.
Jager ficou em silêncio, porém, o franzir irónico das sobrancelhas demonstrava que
pensava na época em que ela quebrara as promessas solenes do matrimónio. Sem
querer, Paige segurou com força o estofado.
— Por acaso estou reclamando? — replicou Jager com calma.
"Sim, está gritando a plenos pulmões, mas não com palavras." Resistindo à necessidade
de argumentar ou pedir desculpas, disse:
— Tanto faz.
Mas no fundo desejava que Jager a tomasse nos braços, em vez de fitá-la com tamanho
sarcasmo.
— Já percebeu que pode estar dando a Philip uma esperança indevida?
— Não dei nenhuma indireta, se é isso o que quer saber. Só demonstrei que estou
agradecida pelo auxílio.
Sem dúvida iria se certificar de que Philip soubesse que não estava interessada em
nenhum envolvimento romântico.
— Obrigado.
— Não tem nada a ver com você, Jager. — Paige não ia permitir que ele imaginasse
poder mandar na sua vida. —Não estou fazendo nada para agradá-lo, só porque estamos
dormindo juntos. Não faça castelos no ar!
Um brilho de desafio surgiu nas pupilas dele.
— Quer brigar, querida?
— Não. — O que Paige queria era fazer amor de um jeito bem selvagem. — Só quero
que saiba que não irá me controlar.
— E alguma vez controlei? Paige mordeu o lábio e admitiu:
— Não.
Jager sempre lhe dava a oportunidade de afastar-se, mas era tão seguro em seus talentos
sexuais... E os dois se sentiam muito atraídos um pelo outro.
— Fico feliz que tenhamos esclarecido esse ponto. Agora..". — Jager se levantou e
ajudou-a a se erguer, segurando-lhe as mãos. — ...vamos para a cama?
Os filhos de Philip eram crianças meigas e bem-educadas, e a tarde foi muito agradável.
Quando o jantar terminou, ele ajudou Paige com a louça, enquanto a meninada assistia a
um vídeo na sala.
— Obrigado pelo convite. — Ele passou o pano de prato para Paige. — Foi uma delícia.
— Eu que agradeço, Philip. Foi muito gentil me ajudando, e precisava agradecer-lhe de
alguma forma.
Philip apoiou-se na pia e fitou-a.
— Tem visto Jager nos últimos dias?
— Sim. Com uma certa frequência.
Philip cerrou os lábios com força, e murmurou:
— Então, estou fora do páreo.
— Você é um homem muito bom, Philip.
— E você é fantástica. — Fez uma pausa. — Tenho a impressão de que Jager é bastante
rude, e não quero vê-la magoada.
Paige se emocionou.
— Aprecio sua preocupação, mas sei lidar com Jager. Entretanto, questionou-se se isso
era verdade, pois tinha
certeza de que poderia se ferir de novo.
— Tudo bem, não vou meter o nariz onde não sou chamado. — Philip beijou-a na testa.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Espero que tenha sorte.


Jager telefonou mais tarde, depois que Philip e as crianças tinha ido embora.
— Está me controlando? — perguntou Paige.
— Não seja tão sensível. Só liguei para desejar boa noite. Posso ir até aí, se quiser.
Paige sentiu-se tentada, mas resolveu não ceder. Jager era uma espécie de narcótico....
quanto mais consumia, mais queria.
— Estou cansada. Crianças têm muita energia e deixam os adultos exaustos.
Por um momento, achou que Jager tivesse desligado, mas logo a voz dele se fez ouvir:
— Como vai Philip?
— Bem.
— E como foram as coisas entre vocês?
— Pare com isso, Jager! Vamos nos ver amanhã?
— Isso é um convite?
— Se assim preferir.
— Então, estarei aí. A menos que deseje vir a minha casa?
— Não.
Paige mal conseguia dominar-se em seu próprio território, quanto mais na casa de Jager.
Ele riu do outro lado da linha.
— Tudo bem. Levarei o jantar.
Maddie não demorou muito para concluir que Paige e Jager estavam dormindo juntos.
Pelo menos ele não fazia o menor esforço para esconder isso, e o orgulho de Paige não
permitia sugerir que mantinham segredo.
— Nossos pais já sabem, Paige?
— Ainda não.
Sabia muito bem que era apenas uma questão de tempo até que soubessem, mas não
estava ansiosa para dar a notícia.
— Não contarei nada — prometeu Maddie.
— Agora já não tem muita importância, meu bem.
— Acha que poderão se casar de novo?
— Não estamos pensando nisso.
Viviam cada momento como se fosse o último, e Paige nunca sabia se iria revê-lo no dia
seguinte. Mas Jager começara a dar sinais de que pretendia manter um relacionamento
longo, e deixara a escova de dentes, o barbeador e o pente no banheiro dela, assim como
algumas roupas em seu armário. Por sua vez, Paige sempre se lembrava de colocar
algumas latas da cerveja favorita dele na geladeira.
Quando Paige foi comprar tapetes para o chalé, Jager a acompanhou, e também a
pendurou as cortinas e escolheu com ela os melhores lugares para pôr os quadros. Em
uma feira de ofertas, encontraram um lindo espelho oval para o dormitório, onde a cama
já ocupava seu lugar de honra, e Paige decorou uma das paredes com um lenço de seda
indiano em tons de vermelho e dourado, que combinava com as cores do papel de
parede.
Em seguida, fez uma pequena extravagância, adquirindo uma colcha de veludo cor de
vinho e fios dourados, e jogando sobre ela almofadas de seda no mesmo tom. Tudo isso
se harmonizava com o minúsculo tapete persa sobre o assoalho, dando o toque final
para uma suite de cores apaixonantes.
Paige adorou uma estatueta de ébano representando uma pantera negra com olhos
verdes de cristal, agachada e pronta para dar o bote. Colocou-a em uma mesinha de
canto no quarto, e passou a usá-lo para pendurar suas correntes de ouro. Na penteadeira
fez um arranjo de castiçais de vários tamanhos e desenhos, com velas vermelhas e
douradas.

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Parece o dormitório de uma cortesã da realeza! — exclamou Maddie ao visitar a


irmã. — Está muito sensual!
Quando tudo ficou pronto, Jager olhou em torno, detendo-se por um instante na pantera
de ébano, e depois carregou Paige até o leito, atirando-a sobre as almofadas e beijando-a
com paixão.
Na noite seguinte veio vê-la trazendo uma grande caixa achatada que Paige
desembrulhou com curiosidade, para exibir uma reprodução do quadro de Ingres,
Odalisca com Escravo, que representava uma beldade oriental em ambiente suntuoso,
recostada em almofadas similares às suas.
— Pretende dar uma festa de inauguração? — Maddie questionou.
Paige não pensara nisso, mas concluiu que seria uma maneira de fazer seus pais
entenderem que estava namorando Jager outra vez.
Assim, convidou Philip, os colegas de trabalho e vizinhos. O chalé ficou abarrotado,
com algumas pessoas se acomodando no terraço e outras no jardim, apesar de as noites
já estarem um pouco frias.
Henry e Margaret compareceram, e Jager os saudou com polidez, engoliu os
cumprimentos secos, e ofereceu uma poltrona para a mãe de Paige.
— Vou guardar seu casaco, mamãe, e Jager irá preparar os drinques.
Quando retornou à sala, Paige viu Jager conversando com Glen, e seus pais já estavam
do lado de Philip. Paige distraiu-se com a chegada de novos convidados, e só muito
mais tarde Margaret conseguiu puxá-la para um lado com uma desculpa qualquer.
— Aquele jovem parece estar muito à vontade — comentou, enquanto as duas seguiam
em meio aos demais.
— Jager? Sim, claro. Ele passa muito tempo aqui.
— Seu pai disse que se tornou um homem de sucesso, entretanto o lobo perde o pêlo,
mas não perde o vício. Além do mais, depois de Aidan... Bem, espero que saiba o que
está fazendo.
— Sei muito bem o que faço, mamãe.
— E vejo que convidou Philip. — Margaret se mostrou animada. — Achei que vocês
dois se deram muito bem.
— Philip me deu uma mão com a decoração, aliás, ele e Jager se dão muito bem
também. — Chegaram ao quarto, e Paige escancarou a porta. — Chegamos! Fique à
vontade.
— Foi uma ótima festa — Jager dizia, mais tarde, quando se deitaram.
Os olhos da pantera brilhavam à luz do luar que penetrava pela janela.
— Também achei. — Paige reprimiu um bocejo.
— Acha que seus pais entenderam o recado?
Não tinham discutido o assunto, mas Paige sabia que Jager era muito observador.
— Sabem que estamos... juntos.
— E?
— O que mais? Amo meus pais, porém, eles já não decidem nada sobre meus passos.
— Como se sentem agora que não posso mais ser considerado um joão-ninguém?
— Dinheiro não tem nada a ver com isso, Jager. Se naquela época fôssemos mais
velhos...
— Acredita mesmo que isso faria diferença?
Jamais o convenceria, decidiu Paige, pois Jager não conseguia ver nada de bom em seus
pais, e vice-versa.
— De qualquer modo, isso é passado. Não podemos conversar sobre outra coisa?
— Tenho algo melhor em mente, querida, e não será preciso conversar...
Jager a beijou com paixão, e dentro de poucos minutos Paige não conseguia falar, muito

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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menos raciocinar, dominada pelas sensações indescritíveis de prazer e sensualidade que


Jager lhe proporcionava.

CAPÍTULO IX

Jager pediu a Paige que fosse a anfitriã de um jantar em sua residência.


— Vou contratar um bufe, mas gostaria que estivesse presente, a meu lado.
Paige jamais fora à casa dele. Depois das primeiras vezes em que a convidara e ela dera
alguma evasiva, Jager não mais insistira. Iam juntos ao teatro, a jantares e eventos
esportivos, onde encontravam-se com os conhecidos dos Camden. Certa vez,
compareceram a uma festa e encontraram lá os pais de Paige, e os quatro trocaram
algumas palavras formais. Porém, depois de saírem, sempre voltavam para o chalé de
Paige, e em geral Jager pernoitava lá.
Ela não se enganara sobre o tipo de relacionamento que Jager lhe oferecera. Via o brilho
de satisfação no olhar do ex-marido quando se vestia para algum evento, escolhendo as
roupas que, apesar de sempre elegantes, como lhe ensinara a mãe, valorizavam suas
formas e afastavam a atenção de seu rosto comum. Eram trajes justos ou vaporosos,
com profundos decotes frontais ou nas costas, saias com fendas do lado ou curtas e, em
ocasiões informais, jeans que moldavam seus quadris harmoniosos e as longas pernas..
— Esta é Paige Camden.
Assim Jager a apresentava aos novos conhecidos, com poucas palavras, o braço em
volta de sua cintura, possessivo e orgulhoso. E com frequência a outra pessoa
perguntava, interessada:
— Oh... a filha de Henry Camden?
E Paige sentia a pressão nervosa dos dedos de Jager, quando confirmava o parentesco.
Não era mais a esposa, porém, o troféu de Jager Jeffries.
— Que tipo de jantar, Jager?
Naquele instante jantavam em um dos restaurantes elegantes e caros que ele apreciava.
A fim de esconder a animação, Paige tomou um gole de vinho.
— Devo uma reunião para algumas pessoas. Lembra-se dos Zimmerman e dos Hardy?
Ela concordou com um gesto de cabeça.
— E quem mais? — perguntou. Jager deu de ombros.
— Cerca de dez pessoas.
— Bastante gente para uma refeição.
— Tenho uma grande mesa, e meu apartamento foi planejado para dar festas.
Paige só sabia que Jager morava em um loft de luxo no centro da cidade. Ficava em um
prédio antigo, reformado para atender às exigências dos ricos e famosos que desejavam
viver em alto estilo e com toda a urbanidade.
Paige pousou o copo sobre a toalha de linho branco e observou a luz refletida no
líquido.
— Talvez convide também Maddie e Glen — acrescentou Jager, procurando ser
persuasivo. — Eles têm nos convidado sempre.
De fato os quatro se encontravam muito, e a irmã e o cunhado de Paige costumavam
aparecer no chalé sem avisar. Nessas ocasiões, preparavam um prato ligeiro e se
divertiam muito.
Paige ergueu o olhar e viu a expressão séria de Jager. Ele estava tenso, com os lábios
cerrados, fazendo-a perceber que era muito importante que aceitasse.
Paige nunca analisara com profundidade o porquê de sua própria relutância em
aprofundar os vínculos, indo à casa dele. Todo mundo já sabia que os dois eram

Projeto Revisoras 53
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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amantes. Tinham uma vida social intensa e recebiam convites para comparecerem a
diversos eventos. Até mesmo os Zimmerman, um casal de cerca de sessenta anos,
tinham lhes oferecido o mesmo quarto durante um fim de semana em seu bangalô de
praia.
— Quando pretende que aconteça? Será formal? Jager não sorriu, mas ela pôde perceber
o alívio que sentira com sua tácita anuência.
Algumas noites mais tarde, Jager chegou ao chalé trazendo uma sacola plástica com o
logotipo de uma butique elegante.
— Trouxe-lhe um presente. Espero que sirva.
Paige retirou da sacola um vestido de chiffon negro envolto em papel de seda,
segurando-o pelas tiras douradas que se cruzavam na frente e desciam em ziguezague
nas costas. Era lindo, muito caro e sexy.
— Quero que o use no jantar que vou oferecer. Experimente. Paige estava trémula, e
sentia um nó na garganta. Deixou o traje cair como uma nuvem macia de volta na
sacola:
— Não.
Jager arqueou as sobrancelhas.
— Não gostou? Fica muito bem de preto, querida. Pode acreditar que ficará linda com
ele.
Paige sabia disso. E usando aquele vestido ninguém olharia para seu rosto; Seria a
amante perfeita, o troféu sensual do homem de negócios de sucesso. Cerrou os punhos.
— Não quero que me compre roupas, Jager. O vinco na testa aumentou, e ele redarguiu:
— Mas já lhe dei presentes antes.
Sim, dera-lhe lingeries e camisolas eróticas que ela aceitara por sentir prazer em usá-las
só para ele, em particular.
— Isso é diferente — explicou, sentindo-se sufocar.
— É só um vestido, ora. O que há de errado? Não tem nada de diferente do outro verde
com uma fenda na saia, que me deixa louco. Ou do top preto de veludo com um só
botão.
Jager conhecia todo o guarda-roupa dela. Como poderia explicar a recusa em usar uma
peça que ele lhe dava? Ela mesma não conseguia definir suas sensações.
Sabia que isso não mudaria nada, mas se aceitasse aquele "presente", estaria admitindo
que não passava de um símbolo de status, um troféu a ser exibido.
— Não é um traje íntimo, todos irão vê-lo. Você quer me exibir, Jager.
— Será um jantar particular, e gosto de exibi-la. Ora! Qualquer homem gostaria e
sentiria orgulho! Isso por acaso é crime?
Paige desistiu de fazê-lo compreender a sutileza de seu raciocínio, e replicou com
simplicidade:
— Não preciso de outro vestido. Jager pareceu pensativo.
— Há muito tempo não compra roupas.
Era verdade. Paige gastara quase tudo o que tinha do seguro de Aidan na reforma do
chalé, deixando de lado uma pequena soma para emergências. Recebia um bom salário,
e um dia teria sua parte na herança do pai, mas no momento preferia ser independente e
gastar com bom senso e parcimônia.
— Lamento que meu guarda-roupa não chegue aos pés de sua imagem social.
— Quando éramos casados, uma de suas principais queixas era não ter nada para vestir.
Paige gostaria de não ter sido lembrada disso. Ao contrário de Jager, jamais conseguira
sentir-se bem usando roupas de segunda mão, e sem dúvida ele tinha razão em chamá-la
de mimada.
— Se quer que use algo novo, Jager, diga-me e eu mesma comprarei.

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— Isso não vem ao caso.


— Como não?
Jager a encarou com raiva, sem conseguir se explicar.
— Muito bem, Paige. Se não o quer... — Deu de ombros. Paige estragara a surpresa,
fizera pouco-caso do presente,e Jager ficara espantado, sem entender o motivo de tal
reação.
— Tenho certeza de que a loja aceitará de volta. — Paige se inclinou para dobrar bem o
vestido.
— Não vou devolver. Fique com ele. Talvez mude de ideia. Ou dê para alguém.
Paige concluiu que nunca o convenceria, e se insistisse que ele devolvesse poderia
irritá-lo ainda mais. Porém, Jager não se mostrava magoado, apenas um pouco
frustrado. Ela colocou a sacola em um canto e tratou de mudar de tema:
— Como vão os planos para o jantar? Já convidou Glen e Maddie?
— Eles virão. Ainda tenho de fazer alguns convites, e é provável que sejamos doze
pessoas.
Paige foi comprar sozinha outro vestido. Não era tão sexy, nem tão caro quanto o outro,
que continuava na sacola no fundo de um armário. Esse era verde, lindo e bem
feminino, com um decote discreto. E se Jager ficou desapontado quando abriu a porta
do loft, nada demonstrou.
Conduziu-a para uma sala grande, de pé-direito alto. Uma parede era toda ocupada por
janelas que descortinavam o ancoradouro, àquela hora muito escuro, a não ser pelas
pequenas luzes dos navios.
Sem dúvida o arquiteto fora inteligente e não tentara competir com o cenário natural,
apenas usando e abusando de janelas. A decoração era bem masculina e simples, com
grandes sofás estofados em couro cinza, algumas mesas em madeira clara com tampos
de vidro. O salto alto de Paige não fez ruído no assoalho acarpetado de verde-musgo, e
os toques coloridos eram dados pelos grandes quadros.
Uma abertura em arco revelava a sala de jantar, com a mesa já posta com faqueiro e
copos reluzentes.
Paige chegara mais cedo, preocupada com seus deveres de anfitriã.
— Já está tudo preparado.
— Os funcionários do bufe cuidaram desses detalhes. Estão na cozinha agora. Venha
conhecê-los.
Um simpático casal de meia-idade parecia manter tudo sob total controle, e alguns
minutos depois Paige voltou para a sala de estar, onde Jager lhe serviu uma bebida.
Ela não conseguia deixar de comparar em pensamento aquele ambiente com o
apartamento sufocante e pobre que tinham dividido anos antes. Era difícil acreditar que
Jager era a mesma pessoa.Aliás, os dois haviam mudado desde o divórcio. Naquela
época, fora ele a insistir com o compromisso do matrimónio, tateando o futuro às
cegas... um futuro a dois, com segurança e fidelidade.
No momento, compreendia o quanto Jager sentira falta de uma família, mas com
dezessete anos Paige jamais poderia perceber essa necessidade, pois sempre tivera os
pais a seu lado. Fora muito jovem e inexperiente.
Todavia, ele parecia ter encontrado o que buscava na carreira e na fortuna obtidas a
duras penas. O Jager do presente não precisava de apoio moral, nem das promessas e do
amor de Paige. Bastava dominar seu corpo e ter sua companhia quando sentia vontade e
também quando precisava de uma presença feminina educada e elegante, para ser
anfitriã em seus jantares.
— O que foi? — Jager se sentou no sofá em frente, segurando um copo.
O ambiente espaçoso parecia deixá-los muito distantes, no sentido físico e emocional.

Projeto Revisoras 55
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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Jager dava a impressão de ler em seu semblante a tristeza pelo que poderia ter sido, e
Paige tratou de disfarçar.
— Nada. — Olhou em volta. — E... impressionante. ■
— Mais do que a casa de seus pais?
A residência dos Camden era grande e planejada por arquitetos de renome, com piscina
e jardim onde Paige e Maddie haviam desfrutado muitas horas felizes com os amigos.
Era um lar de família, a decoração escolhida por sua mãe, combinando elegância e
aconchego.
— E preciso fazer comparações? — desafíou-o. O olhar de Jager era enigmático.
— Perguntei por perguntar.
Paige sabia que ele nunca fazia isso, mas não quis começar uma discussão antes de os
convidados chegarem. Bebericou o vinho e mudou de assunto outra vez, fazendo
comentários sobre o lindo panorama.
Quando a campainha soou, sentiu um grande alívio. A presença de mais gente dissiparia
a tensão.
Os Zimmerman mal haviam se acomodado com seus drinques quando a campainha
tocou de novo, e Maddie e Glen entraram de mãos dadas. Cada vez que seus olhares se
cruzavam, sorriam como se não conseguissem evitar. O casamento parecia ter
fortificado o amor que sentiam um pelo outro, e Paige experimentou mais uma vez uma
pontada de inveja.
Quando Jager oferecia um copo de vinho à Maddie, a campainha voltou a soar, e ele foi
atender.
Paige conversava com a irmã, sentada em um dos sofás, quando os novos convidados
entraram. Ela voltou-se e levou um susto ao ver seus pais com sorrisos educados
plantados nos rostos, e fitando-a.
Paige ergueu-se de supetão e derramou um pouco de vinho, correndo a pegar um
guardanapo de papel. Jager postou-se a seu lado, e ela murmurou:
— Por que não me avisou?
— Queria fazer uma surpresa. Margaret aproximou-se e beijou a filha.
— Não está contente por nos ver?
— Sim, mamãe, é claro...
Paige forçou-se a sorrir e beijou Henry também. Encarou Jager, tentando descobrir por
que os chamara, mas, como anfitrião perfeito ele já perguntava a Margaret o que
gostaria de beber. E, quando mais convidados chegaram, pediu:
— Paige, pode servir vinho branco seco para sua mãe? Não houve oportunidade para
falar-lhe a sós.
Ela ocupou o lugar em frente a Jager à mesa, mantendo uma conversação animada,
fazendo sinais discretos para o pessoal do bufe a cada vez que os pratos deviam ser
trocados, e esforçando-se para que todos se sentissem bem.
Depois do jantar, café e licores foram servidos. Os serviçais do bufe limparam tudo e
foram embora, e enquanto Paige conversava com os Zimmerman, observou" Jager
aproximar-se de Henry, que admirava a paisagem das vidraças enormes.
Henry virou-se, com expressão um tanto cansada, e Paige percebeu que Jager inclinara a
cabeça, parecendo ouvir com respeito o que ele dizia.
Não pareciam inimigos naquele momento. Henry até acabou dando um tapinha
amigável no ombro de Jager quando foi embora, e Margaret disse com sinceridade:
— Foi uma noite maravilhosa, Jager. Adorei conversar com Serena Zimmerman.
Maddie e Glen ficaram mais um pouco, após todos os demais já terem ido. Sentaram-se
lado a lado no sofá, ela enroscada nos braços do marido. Quando Jager voltou da porta,
Maddie disse:

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— Sente-se. Temos uma novidade para contar.


Paige fitou o rosto radiante da irmã e compreendeu, antes mesmo de ela exclamar,
sorridente:
— Estamos grávidos!
Envergonhada por sentir de novo a velha inveja, Paige correu a abraçá-la.
— Parabéns! Dá para ver que está superfeliz, meu bem. Papai e mamãe já sabem? Não
comentaram nada hoje.
— Telefonei para mamãe ontem, quando recebi a confirmação, mas ela sabia que eu
queria dar a notícia pessoalmente para você.
Jager apressou-se a apertar a mão de Glen e beijar o rosto de Maddie.
— Isso exige mais um brinde! Porém, Maddie fez que não.
— Não posso.
Paige recordou que ao chegar ela pedira um refrigerante e deixara intocado o vinho
durante o jantar.
Glen também recusou, dizendo que Maddie estava cansada e devia repousar.
Minutos depois, o casal se foi.
— Você vai ser titia.
— E você, titio, já que é meio-irmão de Glen.
Parecia que a segunda ideia não lhe ocorrera, e Jager curvou os lábios em um sorriso
surpreso.
— Acho que sim!
— Por que não me disse que tinha convidado meus pais? — quis saber Paige.
Jager pareceu um pouco chocado pelo tom agressivo.
— Não tinha certeza de que viriam, e não quis que ficasse desapontada.
— Por que os convidou?
— Achei que você gostaria.
Ou quem sabe desejara exibi-la na frente de seus pais. Paige se lembrou do vestido que
Jager lhe comprara, tão provocante e sexy que era quase uma propaganda ambulante de
seus predicados femininos. Sentiu um vazio no peito.
— Como foi que os persuadiu? Jager sorriu, com cinismo.
— Já não estou abaixo de seus padrões, querida. Alguns milhões de dólares fizeram a
diferença.
— Dinheiro não foi o grande problema entre nós, de uma vez por todas! Por que não me
acredita?!
Jager estacou no meio da sala e puxou-a para si.
— Nada de brigas — falou com voz rouca, beijando-a no pescoço. — Foi uma anfitriã
perfeita esta noite, Paige. Obrigado.
O beijo de agradecimento foi devastador e, como sempre, a força de suas carícias a
aqueceu, fazendo acelerar sua respiração. Porém, dessa vez seu cérebro continuou
funcionando.
Com um safanão, Paige livrou-se dos braços musculosos, e Jager não a impediu. Fitou-a
com olhar brilhante.
— Você não trouxe uma sacola para pernoitar.
— Não vou ficar, Jager.
— Sabe que quero que fique.
— Não trouxe nada comigo.
— Sempre mantenho escovas de dente extras, assim como toalhas.
— Estou exausta. — Paige irritou-se consigo mesma por sentir-se na obrigação de dar
desculpas.
— Pode dormir, se é isso o que quer. — Quando viu que ela ia objetar, pôs um dedo

Projeto Revisoras 57
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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sobre seus lábios. — Não sei por quê, mas está zangada comigo. Não quero que vá
embora aborrecida, Paige. Não precisamos fazer amor, se não deseja. Basta dividirmos a
cama.
Sim, concluiu ela, estava furiosa consigo mesma e com ele, de um modo muito confuso,
sem atinar com o porquê.
E havia também a notícia da gravidez de Maddie, a alegria do casal em iniciar uma
família, o último teste que provava desejarem permanecer juntos para sempre. E isso,
em contrapartida, enfatizava de maneira cruel seu próprio relacionamento com Jager.
Nada de compromissos, laços ou promessas, exceto o envolvimento sexual, efémero e
instável.
Não era o suficiente, e o desconforto continuava no coração de Paige. Crescia a cada
instante, como um aperto de mão de ferro. Sentiu os olhos arderem e colocou as mãos
no rosto para disfarçar as lágrimas indiscretas. A última coisa que queria era chorar na
frente de Jager.
— Está mesmo cansada... — Com gesto rápido, ele a tomou nos braços e embalou-a
como a uma criança.
Paige apertou os olhos com força, enquanto era transportada até o quarto principal. A
raiva voltou a dominá-la.
— Jager, já lhe falei que...
— Fique quieta. — Deitou-a no leito, e, quando ela tentou lutar, prendeu-lhe os pulsos.
— Descanse. Posso me arranjar no quarto de hóspedes, se preferir. Não estou pedindo
nada, Paige, só oferecendo uma cama para esta noite. Agora, sente-se, e tirarei seu
vestido. É bonito demais para ficar todo amassado.
Parecia que qualquer objeção a mais seria ridícula e, ainda desconfiada, Paige
aquiesceu. Sabia que essa discussão em certo sentido era um sintoma de problemas mais
profundos em seu relacionamento. Talvez fosse hora de enfrentá-los, mas não nesse
instante.
— Lavarei suas roupas íntimas se desejar — ofereceu-se Jager.
Ela achou graça do oferecimento simples e prático, mas sentiu um nó na garganta.
— Pode deixar, Jager. Cuidarei disso amanhã, quando voltar para casa.
Paige se enfiou debaixo das cobertas e tirou os óculos, colocando-os sobre o criado-
mudo.
— Quer usar o banheiro, antes? — Jager pendurou o vestido dela.
— Não. — Trouxera uma escova de dentes na bolsa, e já lavara o rosto. — E não
precisa dormir no quarto de hóspedes. Mas... quero dormirl
Jager aproximou-se e beijou-lhe a ponta do nariz.
— Não demoro.
A cama era muito espaçosa, e podiam se acomodar ali sem encostar um no outro.
Entretanto, Paige ficou contente quando sentiu o calor de Jager a seu lado.
Cerrou as pálpebras, com estranhas emoções, e ainda lutando contra o pranto. Era
impossível continuarem daquele modo, e talvez essa fosse a última vez que
compartilhavam o mesmo leito.
Adormeceu quase de imediato, apesar da confusão mental.
Quando despertou, pela manhã, constatou logo que estava sozinha. Um quimono preto
de cetim jazia ao pé da cama. Paige o vestiu e foi até o banheiro.
Quinze minutos depois, já havia tomado banho, e lavado e secado a roupa íntima com o
secador de Jager.
Imaginou se alguma vez ele já o usara, ou se ficava ali para atender às necessidades das
visitas femininas. Deu de ombros e decidiu que era apenas mais um acessório.
Voltando ao quarto, olhou para o vestido pendurado e viu que não era adequado para o

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UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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desjejum. Tornou a vestir o quimono e desceu a escada.


O aroma de bacon frito atingiu suas narinas. Uma pequena mesa oval com duas cadeiras
fora posta ao lado da janela da sala de jantar. Na véspera, servira de aparador para os
pratos, mas hoje era o recanto da refeição matinal.
— Bem na hora! Se quiser frutas, tenho pêssegos.
— Só um suco, Jager, obrigada.
Ele distribuiu em dois pratos bacon e ovos muito bem preparados, e acrescentou uma
fatia de pão torrado.
Segurando um prato em cada mão, aproximou-se, beijou-a na boca e disse:
— Ficou linda com meu quimono. Muito sexy. Vamos comer.

CAPÍTULO X

Na verdade, Paige não tinha fome, mas assim conseguia uma desculpa para protelar o
rompimento inevitável ou mesmo aceitar as coisas do jeito que estavam, e as migalhas
que Jager lhe ofereceria enquanto a atração durasse.
Eram pensamentos muito tristes.
— Dormiu como uma pedra, sabia? Pensei em acordá-la, mas parecia tão tranquila que
desisti.
— Quer uma medalha por bom comportamento? — replicou Paige, com ironia, embora
no íntimo desejasse que ele a tivesse acordado e feito amor, mesmo sabendo que depois
seria mais difícil terminar com tudo.
— Não, mas não recusaria um premio — brincou Jager. Deslizou o olhar sensual sobre
o corpo dela, fazendo-a desviar o rosto. Flertar estava fora de questão naquele momento,
ponderou Paige, tratando de se concentrar na comida. Quando terminaram, Jager retirou
os pratos e fez café.
— Está muito pensativa. — Voltou a sentar-se à mesa. Paige mexeu a colher na bebida
quente, tentando ganhar tempo.
— Creio que precisamos conversar, Jager.
— Sobre o quê?
Ela examinou-lhe a expressão preocupada e a testa franzida.
— Sobre nosso relacionamento e... o que pretendemos um do outro.
Jager recostou-se no espaldar, semicerrando os olhos.
— O que você pretende? — perguntou, com a calma. Paige recolocou a colher ao lado
do guardanapo e admirou a vista do ancoradouro, reluzente com os iates balançando
sobre a água como se fossem gaivotas.
Apertou o tecido acetinado do quimono e disse:
— Quero coisas que não pode me dar... ou não quer dar. Não o culpo, Jager. Jamais fez
promessas desde que nos reencontramos, porém não... — Engoliu em seco. — Não de-
sejo continuar tendo um... caso.
— Caso?!
— E assim que se chama a nossa relação. Quando duas pessoas dormem juntas sem
compromissos ou promessas, livres para fazerem no dia seguinte o que bem
entenderem.
O rosto de Jager adquiriu uma estranha expressão vazia.
— Está terminando tudo comigo? — quis saber. Paige tornou a engolir em seco.
— Se não existe outro tipo de futuro entre nós... sim. Depois de um longo silêncio,
Jager empurrou apeadeira e se levantou.

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— E melhor se vestir. Vou levá-la para casa.


Paige levou dois segundos para se recuperar da surpresa. Então, seria assim. Nada de
discussões, protestos ou tentativas de persuasão, nem mesmo uma explosão de raiva.
Apenas a aceitação de que tudo acabara. Como se não tivesse a menor importância...
Fitou a xícara de café fumegante a sua frente, estendeu a mão para erguê-la e percebeu
que seus dedos tremiam tanto que a fizeram tilintar sobre o pires. Uma onda de intensa
revolta a fez se erguer de modo brusco, os ombros eretos.
— Vou pegar um táxi.
Viera sem o carro, sem imaginar que poderia passar a noite ali. Jager não replicou,
porém, quando ela voltou do quarto, vestida e de cabeça erguida, estava parado à
soleira, as chaves do automóvel na mão.
Paige não discutiu, mas nenhum dos dois falou durante o trajeto. Parecia que uma garra
de ferro apertava seu coração, fazendo-a arrepender-se de ter dito o que dissera. Talvez
se tivesse dado mais tempo para Jager...
Não!, advertiu a si mesma. O que ele faria? Decidiria se casar de novo? Juraria amor
eterno e devoção sem limites? Os contos de fadas em geral não se repetiam na vida real.
Tivera sua chance com Jager no passado, e estragara tudo, mostrando-se mimada e fraca
para aguentar os primeiros anos de dificuldades, e ele nunca a perdoaria por isso.
Quando por fim Jager brecou em frente ao chalé, Paige agradeceu com voz embargada.
— Obrigada.
— Entrarei com você.
A pulsação de Paige quase parou de emoção, tamanha sua esperança, mas sua mente
tentou acalmá-la. Era provável que Jager só desejasse entrar para recolher os objetos
pessoais que lá deixara.
— Não se preocupe, mandarei entregar suas coisas, Jager.
— Entrar com você — repetiu ele, com a ira controlada, mas de um jeito tão ameaçador
que a fez fitá-lo, apreensiva.
As faces de Jager estavam pálidas, e um músculo vibrava na têmpora direita. Era uma
fúria enorme que ali se estampava, e, por estranho que fosse, Paige sentiu um certo
alívio. Pelo mesmo ele demonstrava emoção, concluiu, em vez de uma fria indiferença.
Foi caminhando na frente e abriu a porta, dizendo:
— Quero me trocar. Não demorarei.
A frase pretendia deixar claro que não desejava ser seguida até o quarto, e que ele
esperasse na sala.
Paige vestiu jeans e uma camisa, depois pegou no armário o vestido que Jager lhe dera,
ainda na sacola da loja. Duas camisas masculinas pendiam em cabides, e ela as guardou
junto com o vestido, mais uma calça, algumas meias e cuecas.
No banheiro, recolheu o material de barba, escova de dentes e colocou tudo em uma
sacola menor, dirigindo-se de novo à sala.
— Aqui está o que é seu. — Colocou tudo sobre o sofá. — É melhor levar também os
CDs que deixou.
Jager estava parado junto à janela, observando a paisagem lá fora. Virou-se e olhou para
as sacolas como se não fizesse a mínima ideia do que havia dentro. Por fim, pareceu
compreender, e devagar ergueu o olhar para Paige.
— Não precisava ter se dado ao trabalho.
— Mas não foi para isso que entrou?
A impaciência sombreou-lhe os olhos verdes, e exclamou, mal-humorado:
— Que me importam algumas roupas idiotas?!
Claro que nada, pensou Paige. O que no passado fora algo de suma importância no
momento não passava de trivialidade para um homem rico.

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— Então por que insistiu em entrar, Jager?


— Para dizer-lhe que você venceu, Paige. Posso lhe dar tudo que o dinheiro pode
comprar, e agora sou também um sujeito educado, uma versão melhorada de mim
mesmo, que não a deixa embaraçada diante de sua família e dos amigos. Aprendi a me
comportar com elegância, e nem mesmo seus pais têm queixas sobre isso. Mas você
quer compromisso e promessas! — Suspirou. — Muito bem, terá. Se é esse o preço para
tê-la comigo.
Paige ficou estática ante a súbita explosão, e deveria sentir-se feliz. Contudo, foi
envolvida por uma imensa tristeza. Jager não parecia estar fazendo uma declaração de
amor, mas sim de guerra. A voz era áspera, o brilho no olhar, hostil.
Depois de uma breve pausa, ele falou:
— Então, minha querida ex-esposa... quer se casar comigo... outra vez?
Não devia ser assim, decidiu Paige. Nesse momento, precisava cair em seus braços, e
não ficar parada, fitando-o do outro lado da sala como se fossem dois inimigos, e não
amantes.
Jager tinha de olhá-la com carinho, e não daquele jeito agressivo. Tudo na cena estava
errado, e não era um sonho tornado realidade, mas sim um pesadelo.
O instinto lhe disse que só havia uma reposta a dar, embora seu coração sangrasse.
— Não.
Jager dissera que ela vencera, mas estava errado. Se julgara aquilo uma batalha, ambos
haviam perdido. O primeiro casamento, impetuoso e feito sem maturidade, conduzira ao
desastre. Caso voltassem a se unir, com o ressentimento de Jager por sentir-se acuado,
haveria outra derrocada.
— Não?! — Ele a encarou como se tivesse levado um soco. Havia algo de humor negro
naquilo tudo, e Paige riu sem alegria. Jager estava oferecendo o que sempre desejara,
mas de tal modo que seria loucura aceitar.
— Não — repetiu, com convicção.
— Que tipo de brincadeira é essa? Ah! — Estalou os dedos. — Suponho que deseje
meu coração também. Está certo! Amo você, admito. Sempre té amei, desde o momento
em que te vi atarefada na lojinha de segunda mão, cheia de boas intenções e cuidados, e
tão eficiente. Amei seu perfil inocente e, quando me olhou pela vitrine, adorei seus
olhos, tão meigos e vulneráveis, apesar de inteligentes. E gostei de seus óculos também.
— Respirou fundo. — Enfim, sempre te amei.
Paige não acreditava. Cruzou os braços sobre o peito, como se impusesse uma barreira
invisível. Jager fazia uma declaração que mais parecia um bombardeio de mísseis.
— Amarei você até morrer — ele concluiu, as íris verdes em fogo. — Era isso que
queria ouvir?
Só se fosse verdade, disse Paige para si mesma. E tudo na postura e entonação parecia
revelar o contrário. Sentia dor de garganta, e seu corpo tremia.
— Não. Por favor, vá embora, Jager.
Uma miríade de sentimentos desencontrados passou pelo semblante de Jager. Ira,
tristeza, descrédito, espanto e, quem sabe, até desespero. Por um momento, permaneceu
hirto, até que ela ergueu os ombros e o encarou, desafiadora, ansiando para que fosse
embora antes que desmoronasse.
Jager deu um passo em sua direção, mas Paige recuou.
Esperou até ouvir o motor do carro na rua, e depois jogou-se no sofá, a mão sobre os
olhos, bloqueando os pensamentos, as emoções e lembranças.
Mais tarde, ainda de dia, Margaret telefonou para conversar sobre a novidade de
Maddie. Parecia em estado de graça, e Paige esforçou-se para demonstrar entusiasmo,
mas os eventos da manhã a tinham deixado esgotada.

Projeto Revisoras 61
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Seu pai está muito bem impressionado com Jager — disse a sra. Camden, após
concluir a conversa sobre a chegada do neto. — Acredita que ele amadureceu muito.
— Jager tem mais de trinta anos, mãe.
— Sim, mas Henry acha que tem um cérebro esplêndido.
— Sempre teve — redarguiu Paige, sem deixar o hábito de defendê-lo.
— Pode ser, mas suas maneiras deixavam muito a desejar, e seja lá como for, você era
muito jovem para se casar na época. Foi tudo um erro.
— Sei disso.
— Creio que fizemos o que devíamos para ajudá-la. Que absurdo! Agora que já não
fazia a menor diferença,seus pais olhavam Jager com bons olhos...
— Isso já passou, mamãe. Nada mais importava.
Na manhã seguinte, Paige teve de se esforçar para se recompor. Tratou de levantar-se e
viver a rotina do dia. Mas a comida não tinha gosto, e parecia estar no meio de uma
neblina densa que de vez em quando a deixava entrever a realidade, mas sem participar
de corpo e alma.
Não se sentia assim desde as primeiras semanas após a morte de Aidan, fazia quase um
ano. Mas se recuperara por causa de... Jager.
Porém, agora o sofrimento era maior. Aidan já não estava neste mundo, e nada o traria
de volta, entretanto... bastaria dar um telefonema para falar com Jager. Só teria que
digitar alguns números e dizer "sim" para tê-lo de volta em sua vida.
Mas haveria o preço a pagar. Jager talvez nunca a perdoasse por fazer chantagem e
obrigá-lo a se casar de novo.
Paige respirou fundo quando chegou o fim de semana,porque não teria de fazer força
para parecer um ser humano, conversando, sorrindo e trabalhando como os demais.
Tinha vontade de ficar na cama o dia inteiro, mas tratou de fazer um pouco de
jardinagem. Mexia com a terra, retirando as ervas daninhas e sentindo a calma que isso
proporcionava, quando uma voz ao lado disse:
— Deixe-me ajudar.
Uma onda de felicidade a invadiu ao ver Jager ali parado. Era bem de seu estilo
aparecer quando estava sem maquiagem, suja, suada e usando suas roupas mais
horrendas.
— Estou fazendo direito — murmurou como uma criança, passando a mão na testa.
— Sei disso, mas posso ser mais rápido.
Ele se agachou e flexionou os músculos sobre a camiseta branca e o jeans. Era assim
que se vestia quando o conhecera, lembrou Paige, mas no momento a calça era de uma
marca famosa, e a camiseta, muito cara, ajustava-se a seu físico de maneira impecável.
Paige sentou-se no primeiro degrau da escada e retirou as luvas de plástico. Por que
Jager viera? Tinha medo de perguntar.
Ele continuou trabalhando em silêncio e logo terminou.
— Acha que é o suficiente, Paige?
— Sim.
Jager largou os instrumentos, mas continuou imóvel, observando a terra negra.
— Estraguei tudo na outra noite. Fui um idiota.
— Acho que nós dois fomos. Não queria pressioná-lo.
— Fiquei furioso quando reagiu a meu plano. Queria que se comportasse como
imaginei.
Paige piscou diversas vezes, aturdida.
— Fala como se estivéssemos em uma disputa. O que planejava, Jager? Algum tipo de
vingança?
Ele remexeu na terra, distraído.

Projeto Revisoras 62
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Só queria você, mas precisava me proteger. Jurei nunca mais sofrer como sofri
quando me abandonou na primeira vez. Agora seria diferente, ficaria no controle. Sem
promessas, sem compromissos, e se tudo terminasse seria porque eu decidira assim.
Paige suspirou.
— Percebi que estava se esquivando, sempre na defensiva. Pretendia me dar o fora mais
tarde?
Seria uma vingança justa, Paige teve de admitir.
— Tentei esquecer esse tipo de plano, depois que dormimos juntos. Tudo ficou
diferente.
— Como assim?
Jager a fitou, os olhos verdes e brilhantes.
— Não foi uma coincidência eu ter aparecido no casamento de sua irmã. Depois que
Lawrence me contatou, não tinha motivos para voltar a vê-lo, mas nessa visita que meu
pai me fez, falou-me de Glen e perguntou se gostaria de conhecê-lo também. Em
seguida, revelou com quem meu irmão ia se casar. — Fez uma pausa significativa. —
Glen ainda acha que foi sua a ideia de me convidar para a cerimónia.
— Você o usou!
— E também para ser convidado para seu chalé. A queima-roupa, Paige perguntou:
— Sente alguma coisa por sua família ou por Glen? Jager pareceu pensar um pouco.
— Sim. Lawrence é um bom homem que cometeu um erro estúpido e tenta fazer o
máximo para se redimir, e o respeito por isso. Glen... é um amigo. Uma pessoa boa,
honesta, carinhosa e disponível. Não existem muitos como ele. E a mãe dele... —
Parecendo surpreso consigo mesmo, admitiu: — Gosto muito dela. Descobrir que o
marido teve um filho com outra deve ter sido uma experiência dura, mas Paula agiu com
dignidade e generosidade.
— Também me usou, Jager? Ele franziu a testa.
— Dei essa impressão?
— Sentia-me uma amante paga, mas não amada.
— Não foi minha intenção. Só sabia que a queria... e que precisava tê-la.
— Na cama?
— Em minha vida. E parecia estar dando certo. Quando a fiz ir a meu apartamento,
senti que tudo estava resolvido e que não teria de expor meus sentimentos, nem fazer
promessas de amor eterno;
— Nada de compromissos, sei disso...
— Então, você puxou o tapete sob meus pés. Não me ocorrera que bastaria você
ameaçar terminar tudo para me deixar tremendo de medo. E foi isso o que aconteceu.
Senti-me... indefeso.
— Você?!
Paige passeou o olhar pelo físico musculoso, os ombros largos, a postura altiva e os
olhos verdes e arrogantes de Jager.
— Desculpe-me, querida.
Paige não sabia o que dizer. O silêncio prolongou-se, e por fim Jager se aproximou.
— Prometo qualquer coisa. Faço tudo para tê-la de volta, Paige. Se quer casar, assim
será. — Ajoelhou-se a sua frente e tomou~lhe as mãos.
— Disse que me amava — lembrou-o Paige, sem erguer o rosto.
— E sempre te amarei. É verdade, não posso lutar contra isso, e aviso que, se me deixar
de novo, não me darei por vencido com tanta facilidade como da primeira vez.
— Também disse que se apaixonou quase logo que nos conhecemos.
— Isso mesmo. Senti uma grande atração por você, e fiquei surpreso, porque não fazia
meu tipo.

Projeto Revisoras 63
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
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— Tem razão. Eu não era uma garota bonita.


— Tinha mais do que beleza, Paige. Sempre foi elegante, cheia de classe, e isso me
fascinou desde o início.
— Beleza interior, quer dizer. — Paige suspirou. Quantas vezes Margaret lhe dissera
que isso era o mais importante, mas sempre pensara que fosse um consolo.
— Isso também, mas não era tudo. — Qlhou-a, um tanto confuso. — Por certo não se
considera feia, Paige...
— Não diria isso. Apenas sem graça.
— Imagine! — Segurou-a pelos ombros e deu-lhe um safanão carinhoso. — Não sei se
lhe interessa saber, mas será uma senhora muito bonita quando todas as garotas da
mesma idade já tiverem perdido todo o viço. Sua formosura é do tipo que perdura e
melhora com a idade. Muitas vezes já afirmei que é encantadora!
— Achei que estivesse apenas sendo gentil.
O brilho de surpresa que surgiu no semblante dele a convenceu. Jager achava mesmo
que era bonita! E embora soubesse que isso não era muito relevante, não pôde evitar a
alegria que sentiu. Se Jager pensava assim, quem dava crédito à opinião do resto do
mundo?
Era um pensamento libertador. E se ele a amava...
— Não quero que se sinta obrigado a se casar comigo, Jager. Se preferir, podemos
continuar do jeito que estávamos.
Depois- das revelações que ele lhe fizera, via-se mais segura e preparada para um
relacionamento aberto e sincero. Jager inclinou-se e deu um beijo suave em seus lábios.
— Preciso de você, Paige, meu primeiro e único amor, e não sei o que fazer para ser
correspondido.
— Não precisa fazer nada, Jager.
— Glen me pediu para ser padrinho do bebê, e pela primeira vez pensei em como deve
ser maravilhoso ter um filho.
Esse era um tema pouco discutido na época em que estiveram casados. Sabiam naquela
ocasião que eram muito jovens e que não estavam em posição financeira para iniciar
uma família.
— Um bebê?
— Jamais pensei em ser pai, até conhecer a família de... meu próprio pai, e depois
observar a felicidade de Glen e Maddie, que parecem se amar cada dia mais.
— Tem estado com eles?
— Sim. Não precisei falar com sua irmã sobre isso. Tenho certeza que conhece você
melhor do que qualquer outra pessoa.
— Ela não me contou que os estava visitando.
— Pedi que não contasse. Mas engoli o orgulho e perguntei a sua irmã o que fazer para
reconquistá-la.
— 0 que Maddie disse?
— Para eu ser honesto e me desculpar. Estou agindo com a maior sinceridade, Paige, e
peço perdão. Pode me perdoar?
Paige o amava e começava.a acreditar que era correspondida... apesar da postura
defensiva que Jager mostrara até então.
Ele temia ser magoado outra vez. A mãe o abandonara quando criança, e tivera muitos
lares adotivos. Tudo o que conhecera na infância fora o abandono e a traição. E quando
achara ter encontrado o grande amor de sua vida, casado e jurado ser fiel, Paige o
abandonara e repetira o ciclo cruel.
— Pode me perdoar, Jager? Por tê-lo deixado?
— Você não passava de uma criança. Exigi demais, e seus pais pioraram a situação.

Projeto Revisoras 64
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

— Outro dia minha mãe deu uma espécie de desculpa.


— Sempre falou, Paige, que eles faziam isso por amor.
— E você nunca acreditou.
— Sim, porque é o tipo de amor que deixa de lado qualquer um que ameace o que
desejam para você. Mas será que perceberam que a estavam magoando? Não farei isso
com meus filhos. Seus pais queriam que vivesse a vida que delinearam, não a que você
queria.
— Creio que tem razão. Poderiam ter sido... menos rígidos. Espero poder ser uma mãe
que ampare os filhos mesmo quando fizerem coisas com as quais não concordo. ,
Jager levantou-se e ajudou a se erguer. Ambos ficaram frente a frente.
— Case-se comigo outra vez, Paige. Seja a mãe de meus filhos e me ame para sempre,
como amo você.
Parecia uma promessa solene, e Paige o encarou.
— E isso o que deseja de verdade?
— Mais do que tudo na face da terra. Desde que me abandonou, venho planejando este
momento, de modo inconsciente. Todo o sucesso que tive, dinheiro, poder, foi com o
objetivo de impressioná-la.
— Jager! Não fico impressionada com essas coisas, e você sabe disso.
O arrependimento tomou conta das feições dele.
— Sim, mas eram importantes para mim.
— Se fica feliz com isso, também fico. Mas, se perdesse tudo amanhã, eu continuaria a
seu lado. Acredite! Já não tenho dezessete anos, e não temo a vida com seus desafios.
— Acredito, mas nunca serei rico como Aidan, e...
— Aidan não tinha muito dinheiro!
— Talvez não, segundo os parâmetros de seu pais, mas...
— Segundo os parâmetros de qualquer um. Tinha um bom emprego como químico
industrial, mas nossa casa era hipotecada. Não éramos pobres, mas fazíamos muita
economia. Foi só com o seguro dele que consegui comprar o chalé.
Jager franziu a testa.
— Pensei que...
— Errado! Mas perdoo isso também. E já perdoei tudo o mais.
— Tudo?
— Sim.
— Então...
Paige compreendeu o que ele desejava ouvir.
— Sim. Eu me casarei com você outra vez.
— Obrigado, querida!
De repente Paige viu-se em seus braços, sendo carregada para o quarto.
— Sentirei saudade desta suite. — Jager a colocou-a sobre a cama e começou a tirar a
roupa.
— Saudade?
— Quando estivermos casados. — Ele tirou o jeans e a camisa. — Vai morar comigo,
não?
Paige sentou-se e começou a se despir também, ajudada por ele.
— E desistir do chalé?
Jager abriu-lhe o sutiã, e atirou-o para o lado, fazendo-o aterrissar sobre a orelha da
pantera na mesinha.
— Sei que trabalhou muito nele, e eu também...
— Então por que não podemos morar aqui?
— Se não gosta do loft, podemos comprar outro apartamento. Ou uma casa.

Projeto Revisoras 65
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

Precisaremos de uma bem grande quando tivermos crianças.


Paige tentou dominar-se e permanecer raciocinando, apesar das carícias, que
começavam a fazê-la perder a noção da realidade e penetrar no mundo sensual e mágico
que só Jager sabia criar.
— Não quero vender o chalé ainda, Jager. Por que não podemos viver aqui?
— Negócios, praticidade... Além disso...
— O quê? Se vamos nos casar outra vez, quero que me diga tudo o que pensa!
— Se?!
— Quando nos casarmos — corrigiu-se às pressas.
— Quero dizer que o chalé foi comprado com o dinheiro de seu outro marido!
— Com meu dinheiro, Jager.
— Não importa! Não parece correto.
— Até o momento, pareceu.
— Porque não sabia que o dinheiro para a compra viera do seguro de seu falecido
marido. Não posso morar aqui. Por que acha que insisti tanto para que conhecesse meu
loft?
Paige ficou exasperada.
— Não pode ter ciúme de Aidan! Ele morreu!
— Não tenho.
— Mesmo? — Paige afastou uma mecha de cabelos da testa, e prosseguiu: — Não vou
mentir e dizer que não o amava. Mas nunca foi como entre nós dois.
— Jamais desejei fazer perguntas indiscretas.
— Vou ficar com o chalé.
— Tudo bem. Mas quero que nosso lar seja algo só de nós dois, entendeu?
Sim, Paige entendia. Jager queria reiniciar tudo do zero, e provar a seus pais que podia
sustentá-la com conforto. Talvez levasse muito tempo até compreender que ela o amava
de verdade, mas tinha a vida inteira para provar isso.
— Tudo bem, eu me mudo para seu apartamento, Jager. No entanto, podemos passar os
fins de semana aqui, certo?
— Combinado! E deixarei o celular no loft, porque este será nosso refúgio e ninho de
amor.
Paige deu risada.
— Maddie disse que este quarto parecia mesmo o de uma cortesã.
— Fico feliz por ter ajudado na decoração. Valeu a pena. — Jager olhou em volta, e
depois beijou-a. — Agora que já resolvemos esse impasse, podemos continuar com o
que estávamos fazendo?
Paige correspondeu ao beijo sem restrições, e, quando Jager lhe proporcionou o clímax
do prazer e da emoção, gritou, ouvindo-o gemer também, sabendo que afinal tinham
voltado a pertencer um ao outro, até o fim dos dias.

Projeto Revisoras 66
UM PASSADO QUE FERE-Daphne Clair
(Julia 1210)

DAPHNE CLAIR vive na Nova Zelândia com seu marido holandês e tem cinco filhos. Aos oito anos de
idade escreveu sua primeira novela, sobre um tigre que foi domesticado. Esse épico nunca chegou aos
editores, mas tigres metamorfoseados ainda existem em seus livros, trinta ao todo, que já escreveu para a
Harlequin Mills &Boon. Ela já produziu cinquenta obras, entre livros de poesia, contos e não-ficção, e já
recebeu prémios literários na Nova Zelândia e nos Estados Unidos.

Projeto Revisoras 67

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