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ADORO ROMANCE EM E BOOK APRESENTA!

SORTE NO AMOR
Kiss the Bride

AMY DANICIC

Uma festa de casamento sem noivo!


Depois de ser abandonada no altar pela terceira vez, por três noivos diferentes,
Ellen está preparada para uma mudança radical de atitude: Ela não nasceu para
encontrar um homem que a ame de verdade e a faça feliz, ela vai se entregar de
corpo e alma a uma paixão intensa e ardente, o charmoso convidado a observa com
interesse no salão parece ter sido especialmente encomendado para encorajá-la ao
primeiro passo!
Alex Morrow não entende como um homem pode desprezar uma mulher linda como
Ellen, e fica ainda mais surpreso ao descobrir que ela atribui a culpa à sua própria
falta de sorte. Alex pretende mostrar à encantadora e desiludida Ellen que a vida
pode ser uma eterna lua-de-mel, quando se está ao lado de um homem de verdade,
um homem que realmente saiba conquistar o coração de uma mulher!

Copyright © 2000 by Amy Danicic


Originalmente publicado em 2000 pela Kensington Publishing Corp.

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PUBLICADO SOB ACORDO COM KENSINGTON PUBLISHING CORP.
NY, NY - USA Todos os direitos reservados.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas
vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
TÍTULO ORIGINAL: Kiss the Bride
EDITORA Leonice Pomponio
ASSISTENTE EDITORIAL
Patrícia Chaves
EDIÇÃO/TEXTO
Tradução: J. Alexandre
Revisão: Giacomo Leone Neto
ARTE
Mônica Maldonado
ILUSTRAÇÃO Malek Chamoun/Getty Images
MARKETING/COMERCIAL Daniella Tucci
PRODUÇÃO GRÁFICA
Sônia Sassi
PAGINAÇÃO Dany Editora Ltda.
© 2005 Editora Nova Cultural Ltda.
Rua Paes Leme, 524 - 10 andar - CEP 05424-010 - São Paulo - SP

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Capítulo I

Ellen Scott decidiu não jogar o buquê de noiva às convidadas. Sabia que se
tratava de um gesto tradicional, esperado por todas no encerramento de uma festa
nupcial, mas, como não havia se casado efetivamente, avaliou que a tradição não se
aplicava.
Parada nos degraus da escadaria do clube de campo sorriu aos homens
reunidos um pouco abaixo dela, com ar de expectativa. Já as mulheres, no canto
oposto, a observavam com expressão de piedade.
Esgotada e frustrada, Ellen segurou a cauda do vestido de noiva, entrou à
frente do grupo de pessoas e novamente sorriu aos homens solteiros que haviam
comparecido à cerimônia. Sem segundas intenções, acabou erguendo o vestido
acima dos joelhos, e assobios de admiração encheram a área do clube reservada à
recepção. Todos viram expostos, a infalível liga usada pelas noivas, uma simples tira
larga de elástico, revestida de cetim azul e ornada por um laço de fita.
Uma onda de orgulho feminino a tomou, diante dos assobios e até de
pequenos uivos por parte do público. O episódio teve o condão de restaurar a fé de
Ellen em seu próprio poder de atração e discernimento.
Como havia sido tão tola a ponto de acreditar que daquela vez seria
diferente?
Ela balançou os ombros de maneira provocante e introduziu um
dedo sob a liga, fazendo-a estalar contra a coxa sedutora. Seus convidados
mereciam um bom espetáculo. Haviam pago um preço pelo comparecimento: sofrer
educadamente com a humilhação da noiva, abandonada pelo noivo à beira do altar.
Nenhum deles perceberia que, por trás da provocação, Ellen estava prestes a
desabar num pranto entrecortado de gritos lancinantes.
Sobre os ombros, Ellen vislumbrou um grupo de homens solteiros e
esperançosos. Um deles, em particular, formava uma atraente figura em seu terno
cinzento e camisa cor de marfim. Ele a fitava insistentemente enquanto ajeitava a
gravata. A noiva atrevida sorriu para o convidado, que não conhecia. Devia ter ido à
festa a convite de Jerry, o noivo ausente.
Ele limpou a garganta com um discreto ruído. O som não alcançou Ellen, por
causa dos murmúrios e assobios que continuavam, mas ela pôde perceber o porte
garboso e o rosto bonito entre os demais convidados. Parecia muito pesaroso, e o
pomo-de-adão oscilava no pescoço fino. Então, ele colocou seus óculos e focalizou
Ellen com mais nitidez. Ela notou sua expressão amistosa, mas incomodada. Ao
menos uma pessoa, além dela própria, não estava gostando da recepção.
Mexendo outra vez o corpo de maneira sexualmente convidativa, Ellen deu
curso à tradição norte-americana segundo a qual o noivo remove, diante da platéia,
a liga da mulher.
De olhos fixos no homem de terno cinzento, ela tratou de cumprir sozinha o
ritual. Devagar, de pernas — e outras coisas mais — à mostra, foi descendo a peça
enfeitada. Quando esta chegou ao tornozelo, um novo coro de ovações se fez ouvir
no salão.

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Ellen sorriu de novo, de tal modo que o peso em seu coração não pudesse
transformar-se em lágrimas. Procurou com a vista o homem de terno cinzento.
Torceu para que tivesse visto a parte final de seu espetáculo, que intimamente
dedicara a ele. Viu que, sem entusiasmo, o convidado parecia estar à procura da
saída mais próxima. Se a encontrasse, talvez Ellen saísse correndo atrás dele.
Ela não conhecia o cavalheiro, provavelmente um sujeito decente, com uma
vida ativa, normal e saudável. Caso mantivesse o olhar pousado nele, o universo
inteiro tomaria isso como um sinal explícito de interesse. Era só o que faltava,
naquela triste conjuntura: ter a má sorte de ficar atraída por um completo estranho.
Ellen tirou a liga pelo pé e soltou o vestido de forma que ficasse com as
pernas recobertas. Ela e o homem de terno cinzento trocaram sorrisos. Parecia que
suas ondas cerebrais estavam em sincronia. Era difícil, porém, recuperar o equilíbrio
depois do vexame que a atingira uma hora antes.
Apenas uma hora? No íntimo de Ellen, tinha sido uma eternidade.
Os murmúrios maliciosos dos convidados cessaram. Bem, fora simpática a
brincadeira, mas a noiva jurou a si mesma que aquela haveria de ser a última festa
de casamento que patrocinava. Sorrir entre lágrimas demandava um esforço
descomunal. Ellen gostaria de soltar seus bonitos cabelos, praguejar e ter um
acesso de fúria. Um novo espetáculo.
Não podia fazer isso. Era a mais velha, a líder, e suas irmãs esperavam dela
um exemplo positivo, não um chilique. Mas Ellen tinha prática em faniquitos, mais do
que qualquer outra mulher.
Afastando-se do grupo de homens, ela levantou a cauda ondulada da roupa,
sentindo-se um tanto ridícula. Odiava vestidos de noiva!
Balançou a liga num dedo, depois respirou tão fundo que quase esgarçou seu
corpete. Deveria ter-se empenhado em perder uns cinco quilos, antes do
casamento. Seria por isso que Jerry fugira do compromisso e a deixara sozinha
diante do altar?
Bem, melhor não pensar em Jerry.
Pestanejou, bamboleou sugestivamente e lançou a liga no ar, sobre os
ombros. Voltaram os assobios e o tumulto entre os solteiros presentes.
Mais do que tudo, Ellen ansiava por voltar para casa. Ciente de seus deveres
sociais, não quis desapontar os convidados. Ela sempre recebia bem, com um toque
de nobreza. Girando, ergueu os braços numa saudação geral. Decidiu enfrentar a
farsa em que a recepção havia se convertido.
"Esqueça os bonequinhos no topo do bolo", refletir*. "Finja que todos vieram
aqui para uma festa de ano-novo. Anuncie o início da celebração e libere o
champanhe!"
Assim fez, mas com a voz trêmula, e recebeu outra ovação. Os convidados
voltaram sua atenção para a mesa de salgados e doces, no centro da qual se
elevava o bolo revestido de glacê. Em meio ao movimento das pessoas, Ellen ouviu
a conversa de alguns casais e notou zombarias que desafiaram suas defesas.
— Nunca vi Ellen tão abatida — disse uma jovem atraente.
— Você também ficaria se fosse abandonada pela terceira vez — emendou o

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acompanhante.
Ela retraiu-se, magoada e com raiva. Não se julgava abatida, muito menos
com o coração destroçado. Havia bebido alguns goles de champanhe, para relaxar,
após descobrir que o noivo, Jerry, havia fugido com a dama de honra pouco antes
da cerimônia. Dama de desonra, isso sim!
Seguiu a dupla com os olhos, e então viu seu pai acenando para ela.
Apressando-se, Ellen foi na direção dele, com passos muito leves.
— Comportamento lamentável — ele falou.
— Obrigada pelo apoio, papai.
— Não estou me referindo a Jerry. — Ele a fitou com insistência, exibindo na
testa uma ruga de desaprovação. — Olhe para você. Está embriagada!
— Não estou — Ellen insistiu. — Peguei só uma taça.
— E quantas vezes a encheu? — perguntou Vítor Scott.
Ele acompanhou o gesto do garçom, que se aproximou e abasteceu a taça da
filha até o topo. Surpresa, ela mal se deu conta do que acontecia. Quantas vezes
aquilo tinha ocorrido?
— Como se não bastasse você embaraçar seus pais de novo, está somando
à injúria a vergonha por ficar bêbada.
Ellen sentiu-se como uma menina de doze anos, apanhada numa travessura
e repreendida pelo pai. Teria sido numa das raras vezes em que Vítor ficara dois
dias seguidos em casa, mas ela se condicionara a manter uma atitude de defesa
diante dele. O pai não compreendia que ela necessitava de apoio, em vez de
condescendência ou repreensão?
Claro que não. Ele jamais a havia compreendido.
— Vá para casa, papai.
— O quê? Não foi desse modo que criei você.
A noiva abandonada estava sem disposição para discutir. Não naquela noite,
em que o choro a ameaçava dramaticamente.
— Boa noite, Ellen — disse o pai, com os dentes semicerrados, antes de virar
o corpo e afastar-se.
Sozinha de novo. Uma sensação familiar incomodou a noiva na boca do
estômago, uma combinação de náusea e dor que sempre a assaltava em situações
como aquela. Sua irmã debochada havia se referido a isso como a síndrome do
ventre estéril. Nada lhe cabia contrapor. Cada noivo que fugia era uma possibilidade
a menos de ter filhos, constituir família própria e completar sua sonhada felicidade.
Ela se recusou a ceder ao sentimento de vazio. Empurrou-o para longe. Iria
superar o episódio como sempre fizera. Conseguiria sobreviver.
—Com licença? —- Uma voz próxima, grave e profunda, tangeu
musicalmente seus nervos à flor de pele. Mesmo sem olhar, Ellen soube que se
tratava dele, do cavalheiro de terno cinzento. Teve medo, pois o universo inteiro
tomaria conhecimento da tentativa de conexão.
— Com licença? — ele repetiu.

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Lentamente, ela voltou-se para o convidado e ergueu a cabeça, para ver sua
própria liga pendurada numa das hastes dos óculos. Seria uma piada digna de riso,
mas o convidado, ao contrário, mostrou-se sério e compenetrado, sem a evidência
de um sorriso. Mesmo assim, era um homem bonito, e as linhas de expressão nos
cantos da boca revelavam que costumava rir muito. Com as feições bem cinzeladas
e fortes, olhos castanhos e cabelos negros ondulados, o cavalheiro lembrava uma
escultura de carne, ossos e força.
Certo atordoamento acometeu Ellen, e ela fechou os olhos na tentativa de
superar b impacto daquela nova presença em sua vida. Mas ele a fitou, preocupado.
Fechou a mão sobre o braço dela e devolveu-lhe o equilíbrio.
O homem de terno cinzento limpou a gargantas novamente o som da voz
vibrou no ar entre eles, causando em Ellen certa comoção, ainda mais porque os
dedos dele transmitiam boas vibrações através do cetim do vestido de noiva.
Fascinada, ela abriu as pálpebras.
— A senhora está bem? — ele perguntou.
No olhar, no toque, na voz, havia indícios de que se tratava de uma boa
pessoa.
— Ainda sou senhorita — ela disse, e as sobrancelhas dele se estreitaram,
mostrando confusão.
— Como assim? Não acaba de se casar? Onde está Jerry? Aquela altura, a
maioria dos presentes já dava como certo que
o noivo não iria aparecer.
— Não sabe?
— Sei o quê? — A voz grave era deliciosa. Ellen sentiu que poderia passar
horas ouvindo aquela pessoa. Talvez fosse psiquiatra e lhe aplicasse uma terapia.
Nada disso. O que estava pensando? Depois daquela noite de vexame, ela
planejava trancar-se em casa e só sair para o trabalho. Não poderia passar sem as
crianças às quais lecionava.
— Jerry preferiu passar longe do altar — informou.
Mordiscando o lábio, ela procurou manter o foco em algo diferente da força
daquele homem, que a segurava por mais tempo e com maior energia do que o
necessário. Descobriu que gostava da sensação de ser protegida e tentou prolongá-
la.
— Não se preocupe — acrescentou. — Não vou desabar. Com aparente
surpresa, ele viu que ainda a retinha pelo braço.
Soltou-a, e Ellen teve de reposicionar os pés no chão a fim de não cair.
— Quer dizer que Jerry não veio? — O convidado sinalizou desconforto ao
afrouxar o nó da gravata com os dedos grandes e vigorosos.
— Ele me abandonou.
O convidado interrompeu o movimento sobre a gravata como que
escandalizado, e depois o retomou até sentir o nó solto e o colarinho da camisa
aberto.

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Mesmo sem tocar a pele dele, Ellen sentiu o calor que ela irradiava em ondas
de simpatia. Devagar, ela adiantou-se e puxou o laço da gravata para o lugar. Os
nós dos dedos roçaram a camisa masculina.
Por que estava fazendo aquilo? Ellen retirou as mãos, assombrada ao
perceber que tocava um estranho e agia com intimidade em relação a ele.
Aparentemente, o champanhe havia eliminado suas inibições.
O olhar do cavalheiro a percorreu, sinalizando aprovação.
-— Se é assim, seu noivo é um idiota total.
— Obrigada. Precisava ouvir isso — ela murmurou, enquanto combatia o
desejo intenso de abraçar o homem de terno cinzento e fazer-lhe todas as
confidenciam possíveis num curto espaço de tempo, transferindo seus medos e
mágoas para os seus largos ombros.
Ao contrário, Ellen limitou-se a recolher a liga ainda presa aos óculos. Mas
não resistiu a afagar-lhe a face, agradavelmente sentida sob seus dedos. Ele
suspirou. A noiva abandonada gostou do modo como o olhar do cavalheiro se
aprofundou, contemplando-a sem nada entender.
— Você sabe que, se a liga ficar com você, isso significa sorte.
— Acho que sim. — Os olhos castanhos tornaram-se escuros.
O fluxo sangüíneo de Ellen, sentido no pulso, acelerou-se ao som da voz
gutural que lhe suspendia o fôlego. Seria maravilhoso adormecer escutando
palavras doces daquele desconhecido e depois acordar com palavras em um tom
ainda mais grave pela manhã. Era o tipo de voz que uma mulher apreciaria ouvir no
meio de uma tempestade de verão, ou sobre a cama num quarto em penumbra. O
som da sedução poder-se-ia definir, e Ellen imaginou as mãos dele acariciando-lhe o
corpo, os lábios saboreando-lhe a pele.
Ele era uns quinze centímetros mais alto que ela, e os cabelos ondulados,
revoltos-, pediam um bom corte. Ellen suspirou discretamente. Era injusto conhecer
um homem tão bonito, durante mais uma festa de casamento que não chegara a ser
realizado.
Inalou profundamente e lançou a atração poderosa para um canto da mente,
tentando encetar uma conversação educada, normal.
—- Como conheceu Jerry?
— Ele trabalha para mim.
— Oh! — Ela girou a liga entre os dedos, nervosamente. Então aquele era
Alex Morrow, inventor bem-sucedido, projetista renomado e patrão de Jerry. —
Espero que esta situação se reflita negativamente na próxima avaliação dele.
— Certamente — disse Alex. — Na verdade, vim para me encontrar aqui com
Mia. Você a viu?
Ellen escondeu seu ressentimento contra Mia, a dama de honra, ou de
desonra, já que o inventor demonstrava-se discreto, elegante e até mesmo distraído
ante a menção daquele nome.
Não haveria assunto mais desagradável do que Mia, mas Ellen orgulhou-se

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de manter a frieza, espelhando-se no comportamento de Alex. Este empertigou o
tronco sólido e firme. Era possível antever seus bíceps mais do que sugestivos. A
mente da noiva abandonada e carente girou. Devia estar mais embriagada do que
pensava, pois não conseguia entender por que Mia trocara aquele homem
impecável por Jerry.
— É sua namorada? Não combinaram de sair juntos para o casamento? —
ela interrogou.
— É apenas minha secretária. Mia não estava no apartamento dela quando
fui apanhá-la de carro. Imaginei que já tivesse saído para a capela, mas, com o
tráfego maluco de Nova York, cheguei atrasado. Vi as pessoas saindo da igreja e
resolvi segui-las até o salão de festas na esperança de encontrar Mia. Você
realmente não a viu?
— Não — respondeu Ellen. — No momento... Ela deve estar a caminho da
lua-de-mel.
— O quê?
— Com o meu noivo — ela acrescentou.
— Jerry fugiu com a minha secretária? — Alex indagou incrédulo.
— Tudo indica que sim. — Ellen mordiscou os lábios, para ver se paravam de
tremer.
— Bem, Jerry não chegou a ver suas pernas, não é?
Ellen sorriu largamente diante do elogio, dessa vez sem perder o tino, mas
também longe de uma genuína felicidade. No entanto, ele notou chocado, que
deixara escapar uma frase deselegante.
— Desculpe-me.
—Não há por quê. Faz muito tempo que ninguém elogia minhas pernas.
Obrigada.
— Não entendo como eu pude contratar Jerry. Ele deve ter o cérebro de uma
formiga!
— Não deve culpá-lo. É a má sorte.
— Má sorte?
— Minha má sorte — ela esclareceu. — Eu exerço um efeito estranho sobre
os homens. Arruino a vida deles, e eles me abandonam para evitar um prejuízo
maior.
Desde que iniciara o namoro com Jerry, fatos inusitados haviam começado a
ocorrer. A carteira e o carro dele tinham sido roubados, no intervalo de trinta dias.
Um mês depois do noivado, a casa de Jerry fora devorada por um incêndio que não
deixou tijolo sobre tijolo.
Mas Jerry devia estar preparado para tudo isso, se realmente a amasse e
desejasse. Ele conhecia seu passado, seus namoros e a fé que depositava nele.
Ellen confiava em que jamais seria magoada pelo noivo, e mais uma vez essa
confiança tinha sido rudemente implodida.
— Não gostaria de falar sobre os meus azares — ela afirmou. — Só quando

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estiver muito mais embriagada do que estou. Vamos conversar sobre coisas
agradáveis, como por exemplo, por que você está atrás de Jerry e o que fará com
ele quando o encontrar. Posso acompanhar tudo de perto?
— Jerry tem algo que me pertence e que eu quero de volta — disse Alex.
O que restava do bom humor de Ellen desabou. Por que um homem da
qualidade de Alex se aproximara dela, dando início a um amável diálogo?
—A única coisa que Jerry tem no momento é Mia—murmurou a noiva
abandonada —, e provavelmente já estão casados.
—Mia? Não, nada disso. Não procuro por ela. Alguns disquetes de
computador sumiram do meu escritório, e creio que Jerry os pegou. Isso implicava
que Jerry havia apanhado os disquetes sem a permissão de Alex. Assim, a cotação
dele na firma achava-se abaixo de zero. De funcionário pouco eficiente passara a
ladrão, o que constituía uma mudança e tanto, talvez um terremoto na vida dele.
Quando o azar de Ellen recaía sobre alguém, não restava pedra sobre pedra,
nenhum terreno firme para se pisar, nenhuma opinião positiva sobre a vítima.
Barnard perdera a licença de pedagogo, e agora Jerry se tornara ladrão. De
disquetes, por enquanto. Mas dava para imaginar a importância que os dados neles
contidos tinham para Alex. Era uma atitude inesperada, e Ellen puniu-se por não ter
percebido o lado escuro da personalidade de Jerry.
Ela não quis mais pensar nele. Nem naquele dia nem nunca. Bloqueando os
pensamentos sobre o ex-noivo, traçou com o dedo pequenos e preguiçosos círculos
no peito de Alex. Jamais faria isso, caso estivesse totalmente sóbria. Retraiu-se e
retirou a mão.
— São muito valiosos, esses disquetes?
— Muito.
— Lamento, sinceramente.
— Não é culpa sua — falou Alex, e ela gostaria de acreditar nisso. Não
acreditava.
— Vamos — ele instruiu, tomando-lhe o braço e guiando Ellen até uma mesa
próxima. Depois de ajudá-la a sentar-se, foi ao bufê a fim de abastecer dois pratos e
uma taça de vinho. Uma só, para si próprio.
Quando Alex retornou, Ellen suspirou profundamente.
— Quando me dei conta do que tinha acontecido da fuga de Jerry com outra
mulher, fiquei furiosa. Queria me encontrar com ele, sozinha, para descarregar toda
a minha raiva. E minha irmã sugeriu que eu tivesse um caso. Com o primeiro
homem disponível, só para levantar meu orgulho e amor-próprio.
— Fico contente por você não ter seguido o conselho. — Alex ajeitou os
óculos.
— Eu também. Não resolveria nada, concorda? — Ela resfolegou em tom
alto. — Seria como tentar apagar um erro com outro. Entendi que um caso rápido
não era a solução. Tenho de aceitar meu destino quanto a ser solitária.
— Do que você está falando, exatamente?
— Da minha má sorte. —- Ela inclinou-se sobre a mesa e colheu firmemente

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a mão do inventor. — Agradeça por não me ver mais, depois desta noite. Sou
perigosa, Alex.
— Perdão. Ainda não consigo compreender você. Perigosa como?
— Sou como o iceberg que afundou o Titanic — ela murmurou com voz
chorosa.
Ellen pestanejou e transferiu a atenção para além de Alex, com um
sentimento caloroso invadindo-lhe os ossos. Era bom experimentar um pouco de
esquecimento. A raiva inicial e a mágoa não haviam desaparecido, mas o abismo da
depressão tinha sido transposto.
— Sabe do que estou gostando, em relação à maneira como me sinto agora?
— Não. — Ele bebeu um gole de vinho, cuidando para não despertar a
vontade de Ellen.
—Parece que a capacidade de pensar ficou fora do meu alcance. Mesmo se
tentar, não consigo pensar em nada.
Ou em ninguém: Jerry, Mia, qualquer dupla de amantes. Talvez minha irmã
tenha razão, talvez eu precise de uma tórrida noite de sexo. Funcionaria como uma
dose de antibiótico. Eu me livraria de Jerry.
Alex balançou a cabeça, consternado. Ellen ergueu-se, sem ter tocado em
seu prato, e foi colocar-se na cadeira ao lado do acompanhante. Ao bater-lhe nas
costas, errou e atingiu a nuca. Ele moveu-se a fim de contê-la; ela perdeu o
equilíbrio e caiu no colo dele.
Os músculos das pernas masculinas sentiram o atrito das coxas de Ellen, e
ela imaginou que fosse desmaiar ante o prazer daquele contato. A respiração de
Alex aqueceu a pele exposta da nuca. Num assomo de ousadia, pensou em pedir
que ele desabotoasse o vestido e beijasse seu seio. Ali mesmo, naquele momento.
Deliciosamente atrevida, Ellen sentiu-se bem. Quando havia se comportado
assim da última vez? Não conseguia se lembrar. Fazia tempo, muito tempo.
Alex ajustou os óculos e esticou o braço para alcançar o copo de vinho.
Tomou um generoso gole. Precisaria de muita bebida a fim de desfazer aquele mal-
entendido.
Mia era uma imbecil. Só uma idiota poderia fugir com o noivo de outra mulher.
Só uma idiota deixaria Alex por um sujeito como Jerry. Só uma idiota não
aproveitaria a festa de casamento, o clima alegre, o champanhe. O orgulho de Ellen
estava ferido, mas ali estava o cavaleiro andante pronto para salvá-la.
Ela merecia uma noite de felicidade, pelo menos. Uma noite para restaurar
sua fé e auto-estima. Uma noite de afirmação pessoal.
— Alex, você não quer passar a noite comigo?
Com o tronco jogado para frente, um pouco de vinho lhe entrou pelas narinas.
— O quê?
— Minha noite de casamento. — Ellen encostou os lábios perto da orelha do
cavalheiro.
— Divida-a comigo.

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Agora, os seios de Ellen pressionavam o peito de Alex, tão suaves e
apetitosos que ele se esqueceu do motivo de ter comparecido à festa: encontrar os
disquetes roubados que continham cálculos, projetos, gráficos
— todo o seu futuro profissional.
Havia uma remota possibilidade de que Ellen conhecesse o paradeiro de
Jerry e, como eventual cúmplice, estivesse distraindo Alex até que o material fosse
pirateado e vendido. A própria fuga do noivo, deixando Ellen a ver navios, faria parte
da trama.
Por um momento, o empresário não se incomodou com tudo isso.
Estava fascinado pela firmeza dos seios de Ellen, pelo peso do corpo dela em
seu colo, pelo calor da pele clara e macia. Ele deslizou a mão livre pelos cabelos
cacheados da noiva abandonada e fez menção de levantar-se, necessitado de um
escape da tentação de beijá-la. Ela deixou o corpo escorregar pelas pernas dele, até
colocar os pés no chão, causando uma explosão de desejo. Por sua vez, igualmente
excitada, Ellen não precisaria ser solicitada duas vezes para entregar-se àquele
estranho.
Uma atividade barulhenta na pista de dança ecoou pelo salão, assim como as
conversas das pessoas sentadas em torno da pista.
Alex voltou a concentrar-se no que lhe interessava. Tinha coisas importantes
a resolver.
Ele pensou nos seus empregados, gente com família, carros e casas que
geravam despesas. Eram pessoas que não poderiam perder o emprego. E havia
ainda seu principal cliente à espera dos projetos, um industrial que gostava de
implantar novos produtos com rapidez e discrição.
A princípio, o fato de Ellen estar embriagada pareceu-lhe uma bênção. O
álcool provavelmente destravaria a língua daquela mulher e despertaria o senso de
cooperação.
O oferecimento dela não foi o que Alex tinha em mente ao abordá-la. Ele
obrigou-se mentalmente a ficar alerta. Imagens de uma noite de amor com Ellen
Scott contrariavam todos os seus princípios éticos, cultivados desde a adolescência.
Sua natureza básica se recusava a considerar a idéia. Não que ele fosse um monge,
mas não iria seduzir ou ser seduzido por uma mulher que, embora atraente, mal
tinha idéia do que estava fazendo.
Pena, pois o encontro proposto poderia tornar-se a mais incrível experiência
erótica da vida de Alex.
Antes de mais nada, Ellen era uma pessoa ingênua, além de meiga. Mesmo
se precisasse da ajuda dela para localizar Jerry, Alex não tiraria proveito do estado
alterado dela.
— Ouça, Ellen, você não consegue pensar claramente. Isso que sugeriu é
uma má idéia.
— Está brincando? E uma grande idéia! Não havia como argumentar.
Ele novamente corrigiu a posição dos óculos, que escorregavam devido à
transpiração, e contemplou sua acompanhante. Era estranho, mas gratificante,
pensar em toda aquela intensidade feminina devotada somente a ele, imaginar a

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pele suada de uma amante fogosa, o corpo dela recebendo o seu.
Alex serviu-se de mais vinho na mesa principal do bufê. Não ofereceu mais
champanhe a Ellen, que já havia bebido o suficiente por uma noite, mas ele tinha
necessidade de aplacar os instintos em polvorosa. Bebendo, talvez esquecesse a
proposta recebida, bem como o corpo quente e sedutor que lhe fora ofertado.
Precisava pensar nos arquivos do computador, nos disquetes desaparecidos. Ellen
tomou-lhe o braço, apertando a lateral do corpo contra Alex. Um aroma floral de
perfume, com o de champanhe, invadiu as narinas do empresário.
— Alex? — Ela o fitou no fundo dos olhos, exibindo choque e horror na
fisionomia.
Ele procurou o que havia de errado com ela, até perceber que Ellen estava
rubra de tensão.
— Você se sente bem?
— Oh, meu Deus! Sinto muito. Eu nunca deveria ter... Nunca deveria ter
bebido tanto champanhe.
Seu olhar tornou-se selvagem, desesperado. Ensaiou alguns passos,
recuando, e Alex tentou prestar apoio, mas ela livrou-se de suas mãos.
— Desculpe-me — murmurou, antes de sair correndo rumo ao banheiro.
Alex a observou em silêncio. Os quadris sugestivos balançavam sob o vestido
de noiva, e gotas de suor, por causa da pressa, colavam o tecido na pele sedosa.
Por todos os santos! O que deveria fazer agora?
Um garçom abriu ruidosamente mais uma garrafa de vinho, enquanto Alex
ponderava qual seu próximo passo. Fechando os olhos, ele tentou concentrar-se em
qualquer coisa diferente do corpo nu de Ellen enrodilhado no seu, diferente das
imagens de carícias partilhadas, das cenas de entrega e posse, gozo e prazer.
Ele abriu os olhos e tomou mais vinho.
Se ela era inocente, como suspeitava, então ele estaria somando uma mágoa
à outra, ao acusá-la, mesmo indiretamente, de participar do plano de roubo no dia
em que fora abandonada pelo noivo.
Odiava Jerry por tê-lo colocado naquela desconfortável posição. Alguém iria
sair-se mal nessa história, e seria Ellen, ou os funcionários de Alex, ou o seu cliente.
Caso pudesse evitar a confusão, a derrocada, ele o faria. Era-lhe penoso
acrescentar os problemas de Ellen a essa realidade.
Admirava seu esforço para ocultar a dor atrás de um sorriso lascivo e de uma
vontade premente, mas ele sabia que Ellen estava magoada. Por isso, dificilmente
poderia ser acusada de ajudar Jerry no roubo dos disquetes. Ninguém conseguiria
mentir tão bem.
Estivesse ou não envolvida, a pessoa que realmente merecia seu ódio estava
desfrutando uma lua-de-mel com a namorada de Alex. Jerry era um completo
imbecil. Não um homem violento por natureza, mas criado para nunca dar o primeiro
soco. Alex sentiu o súbito impulso de vingar a honra da mulher ultrajada que se
escondera no banheiro.
Perturbado pela direção que seus pensamentos tomavam, Alex girou a

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cabeça a fim de ver se ela já estava saindo do toalete. Quando viu que não,
levantou-se da mesa e decidiu esperá-la junto à porta. Nessa altura, ele dava como
certo que Ellen não podia ser deixada sozinha. Ela seria capaz de oferecer uma
noite de amor a qualquer outro homem, a alguém inescrupuloso que aceitaria o
convite sem hesitação.
Ela precisava dele. Naquela noite, haveria ao menos um cavalheiro que não a
abandonaria.

Capítulo II

Alex apertou o laço da gravata, quando EUen surgiu à porta do banheiro, com
os cachos acobreados um pouco fora de lugar, por causa da corrida que precisara
dar até o banheiro. Quando ela se aproximou, porém, ele fez uma análise mental da
face bonita e das curvas generosas. Ellen possuía grandes olhos azuis, maçãs do
rosto salientes e um nariz arrebitado. Sua pele era lisa e clara, e os lábios... Ah,
aqueles lábios cheios clamavam por beijos, repletos de inocência sensual e
vulnerabilidade.
— Sinto muito—disse Alex no momento em que ela o alcançou.
— Não é culpa sua.
— Essa deveria ser a minha fala, não? — ele gracejou.
A pergunta plantou o esboço de um sorriso em Ellen, antes que ela olhasse
ao redor, esquadrinhasse o salão e sentisse um enorme peso nos ombros.
— Quero ir para casa — avisou.
Parecia tão perdida e desamparada que Alex teve vontade de tomá-la nos
braços e acarinhá-la até que todos os medos e tristezas sumissem. Evitava ceder
aos impulsos protetores que o assaltavam, impulsos de tomar conta dela, de vê-la
feliz, sorrindo. Queria escutar a voz aveludada de Ellen penetrar em seus ouvidos.
Mas lutava com todas as forças para sair daquele devaneio.
— Você ainda não dançou — ele disse.
— Não quero dançar. — Ela deu de ombros.
—Comigo! Uma só vez! — emendou Alex, procurando parecer carente e
honesto. Caso ela negasse, ele poderia conviver com a recusa. Se Ellen fosse
embora de repente, ele sobreviveria. Tomaria bastante café, esperaria passar o
efeito do vinho, iria de carro até o escritório e daria seqüência à busca por Jerry.
— É quase meia-noite — ele informou —, e o ano-novo vem chegando. Você
não vai passar o réveillon em branco, vai? — Tomou a mão de Ellen. — Conceda-
me a honra.
Após um momento de vacilação, ela aceitou dançar com Alex.
— Só uma vez — preveniu.
Na pista, ela se encaixou com tamanha exatidão no corpo dele que foi preciso
muito autocontrole para Alex não pensar no calor dos seios que lhe pressionavam o
peito, ou no balanço dos quadris praticamente colados à virilha masculina. Por todos

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os santos! Ela era suave. Suave e curvilínea, quente e ousada. A parte referente à
ousadia poderia trazer muitos problemas ao empresário.
Ellen aninhou a cabeça no ombro dele.
— Sabe, esta não é uma maneira totalmente ruim de passar as horas, depois
de ter sido humilhada na frente da família e dos amigos.
Alex encostou o rosto nos cabelos sedosos de sua parceira.
— Ainda bem que você decidiu ouvir a voz da razão. Creia-me, você está
melhor sem Jerry.
— Fico imaginando se ele teve algum tipo de remorso.
— Não pense mais nele, o mundo inteiro a espera — instruiu Alex,
estreitando o abraço.
Ellen aconchegou-se no peito de Alex. Luzes e sons de fogos de artifício
brilharam através das janelas e se misturaram à música. Ela escutou sinos.
Pararam de dançar, e Ellen achou que houvesse imaginado a cena e os sons.
— Ouvi sinos tocando? — ela perguntou.
Era o som de chamada do celular de Alex, que tirou o aparelho do bolso e
pediu licença para atender, enquanto se movia junto a Ellen num arremedo de
dança. Quem ligava era seu irmão, Pete, e houve uma rápida troca de cumprimentos
pelo ano-novo.
— Dê-me uma notícia boa — Pete falou em seguida. — Diga-me que
encontrou os disquetes.
— Bem, não exatamente. Veja, não dá para conversarmos agora.
— Por quê? Jerry está aí?
— Não.
— Droga! Ainda estou de plantão na entrada do prédio dele, e nenhum sinal
do ladrão.
— Continue procurando. — Alex afastou o aparelho do ouvido e desligou.
Voltou a enlaçar Ellen, com um braço nas costas dela e outro na cintura. Na
verdade, ele e Pete não contavam com muitos lugares onde procurar Jerry. Se não
estava em seu apartamento ou na própria festa nupcial, então onde estaria?
— Quem era? — A voz dela, rica em modulações, arrepiou-lhe a pele.
— Ninguém importante.
— Está bem, vou fingir que acredito. — Ela sorriu com descontração. — Acho
que você e Vera formariam um par perfeito.
Ele errou um passo e cambaleou. Ela fugiu do pé mal colocado, para não
tropeçar. Ambos continuaram a bailar como se nada tivesse acontecido.
— E quem é Vera? — ele quis saber.
— Minha irmã. Bonita e pequena, como Mia.
— Não gosto de anãs.
— Então, resta Melissa. Ela é alta. — Ellen reclinou a cabeça para trás, e ao

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arquear o tórax expôs o topo arredondado dos seios.
Hipnotizado, Alex piscou e desviou o olhar daquela tentação.
— E quem é Melissa?
— Alta como você, loira de olhos verdes.
— O que há? — Alex sentiu-se pressionado. — Você está tentando arranjar-
me uma namorada, uma amante, uma esposa ou o quê? Isso é parte de seu plano?
Ellen revirou os olhos e ergueu as sobrancelhas. Mostrou-se desorientada,
confusa, totalmente sem pistas. Deus do céu! Era bonita. Bêbada e bonita.
— Qual plano? Do que você está falando?
— O plano para me distrair da busca por Jerry.
— E por que eu faria isso? — As rugas de indignação na testa se
abrandaram. — Espero que você não só o encontre como lhe dê um soco no nariz,
por mim.—Novamente em desamparo, Ellen pousou a cabeça no ombro do
cavalheiro.
—Você gosta um pouco de mim, Alex?
— Sim, claro. Gosto.
— Então, deveria conhecer meus amigos e amigas.
— Por quê?
— Porque é assim que as coisas acontecem.
Na verdade, Alex não gostava das respostas de Ellen, mas seguia fazendo
perguntas.
— Além de Vera e Melissa, há muitas outras.
— Como assim?
— Outras mulheres solteiras. — Ela fitou Alex, exibindo uma sabedoria
ingênua.
Ele deixou-se enredar naquele olhar ao mesmo tempo desprotegido e
sedutor. A face de Ellen estava rosada por conta da bebida, as bochechas salientes
convidavam a um beijo. E os lábios, então... Alex não pôde lembrar-se da última vez
que encontrara numa mulher tanta inocência e tanta sensualidade juntas.
— Acho que você está tentando me comprometer com alguém — acusou.
— Não, de forma alguma. Mas sempre acontece. — Mesmo abraçada, ela
conseguiu esboçar um encolhimento dos ombros.
— Juro que não sei do que está falando.
— Os homens me descartam. Você também irá me deixar. É a minha sina. —
Ela respirou fundo, comprimindo os seios no peito de Alex, que ficou atordoado com
a sensação.
A suavidade de Ellen parecia envolvê-lo totalmente num manto de calor e de
perfume. Outra vez ele inalou a fragrância floral mesclada ao odor de champanhe.
Resistiu à urgência de contradizer seu par, mas nada pôde fazer quanto à
respiração quente de Ellen em seu pescoço. Fixou-se depois na subida e na descida

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dos seios dela pelo movimento da respiração. Percebeu-se brincando com os
cabelos cacheados da mulher, enquanto lhe agarrava a mão com todo o vigor do
desejo contido. Algo úmido percorreu a pele de sua nuca.
A contagem regressiva para o ano-novo começou, liderada pelo próprio
conjunto musical, e Alex esperou que os segundos passassem, antecipando o
momento em que beijaria Ellen. Não pretendia aguardar muito por esse beijo,
porque significaria sua perda de controle da situação.
Droga! Deveria reconhecer que perdera o controle no instante em que Ellen
havia olhado para ele. -
Ela o estreitou mais ainda e enterrou a cabeça no vão do ombro. Um soluço a
fez oscilar, e Alex prendeu-a com mais força contra si, até que parecessem ser um
só. E a esperança dele morreu diante da dor, da necessidade inadiável de Ellen.
No escuro, enquanto soava a música típica do réveillon, enquanto as luzes
faiscavam e muitos casais se beijavam, Alex sustentava Ellen nos braços,
testemunhando seu pranto silencioso.
Alex removeu os óculos e esfregou os olhos cansados. Com a partida dos
últimos convidados, dos garçons e do conjunto musical, ele e Ellen viram-se
sozinhos no salão deserto. Fragmentos de lixo agora se espalhavam nas mesas e
no piso, as cadeiras achavam-se fora de lugar, pedaços de bolo com glacê sujavam
a longa mesa em que todos tinham se servido, deixando vazias as numerosas
garrafas de vinho e de champanhe. As flores, tão frescas no início da festa, estavam
amassadas e despetaladas. Um par de sapatilhas brancas, certamente usado por
uma mulher com calos nos pés, fora esquecida dentro de um dos vasos.
— Olhe só para este lugar — disse Alex, impressionado.
— Eu sei — respondeu Ellen, juntando-se a ele na ponta da mesa do bufê. —
Estou contente por ter acabado.
— Não era sem tempo.

A dança que haviam combinado de ser única convertera-se em diversas


outras, intercaladas com mais conversa e mais excitação de parte a parte. As
emoções dela tinham sido honestamente escancaradas, e ele reconhecia o medo de
Ellen ante a idéia de passar o resto da noite sozinha. No entanto, não considerava
um privilégio, e sim uma culpa, fazer-lhe companhia.
—Mal posso imaginar como me coloquei dentro desta situação — ela
murmurou.
— Você foi corajosa. —Alex afagaria o queixo dela, caso ainda tivesse
energia.
— Não me sinto assim. — Ela suspirou igualmente exausta. Alex mantinha a
esperança de que ela tivesse descartado a idéia
de um caso rápido, improvisado, já que, por si mesmo e com o avanço das
horas, ele idealizava uma tórrida noite a dois. Mas nunca antes tinha tirado
vantagem de uma mulher vulnerável, e não desejava começar justamente com Ellen.

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Ele a levaria para casa, em segurança, e então partiria antes de cometer uma
estupidez.
— Está pronta para ir? — indagou.
—Completamente. —Ela piscou pensativa. —Vamos chamar um táxi?
— Estamos ambos sóbrios. — Alex meneou a cabeça para o lado. — Tenho
condições de dirigir meu carro até sua casa.
Também ele se pôs pensativo. Embora dominado por uma poderosa ereção,
preferiu abafar o assunto.
— Bem, então aceito a carona. — Ela tomou-lhe a mão. — Além disso, não
parece que você vá se aproveitar de mim nesta situação.
— É verdade. Nunca.
— Sei disso — ela murmurou resignada.
A expressão de Ellen era terrivelmente triste, e Alex sentiu-se atingido. Abriu
a porta do salão para ela, recebendo em pleno rosto a brisa gelada do primeiro dia
de janeiro. Saudou o frio como se este lhe devolvesse o bom senso.
Levou-a até o carro e pediu o endereço, depois de instalar Ellen no banco do
passageiro.
— Sétima Avenida com Kingsworth — ela declarou.
Um calafrio de terror fez o empresário estremecer. Temeu pela segurança
dela, já que aquele endereço indicava um bairro violento. Ellen era inocente e
confiante demais para morar num lugar tão perigoso. Então Alex percebeu que a
partir de certo momento, na recepção, ele cruzara o limite de um empresário rígido
para tornar-se amigo da anfitriã,
Talvez, no dia útil seguinte, ele pudesse instalar um sistema de alarme
eletrônico na casa dela. Caso contrário, iria se preocupar com a amiga pelo resto da
vida.
Metade das casas estava imersa no escuro, e outra metade apresentava uma
ou duas lâmpadas fracas na varanda. Chamado de Monte Santo, o bairro outrora
fora um enclave rico e bonito, repleto de casas muito bem cuidadas, jardins
magníficos e comércio variado a curta distância. Mas, como em geral acontece nas
cidades mal planejadas e de crescimento rápido, os ricos se mudaram para
apartamentos de luxo, e os pobres tomaram conta do lugar.
Certos bairros, igualmente antigos, haviam tido a felicidade de contar com
atuantes associações de moradores, que tratavam de conservar e urbanizar a área,
atraindo lojas enormes e valorizando suas propriedades.
Por infortúnio, o progresso passara ao largo de Monte Santo. Alex
esquadrinhou de passagem as ruas, procurando aquela em que Ellen vivia. Quando
olhou para sua passageira, na intenção de pedir ajuda, viu que ela dormia
pacificamente, com a cabeça re-clinada contra a janela do veículo. O rosto redondo
parecia relaxado à luz do luar. Ellen era tão irresistível quanto as tortas de maçã que
a mãe dele preparava: doce e deliciosa, alheia aos famintos desígnios do motorista.
"Entre em foco", Alex ordenou a si próprio.
Ele balançou gentilmente a passageira, mas ela mal se mexeu. Teve a idéia

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de espiar a bolsa de Ellen, de onde recolheu um documento pessoal. Depois de
checar duas vezes o endereço ali escrito, guiou o carro até um prédio de três
andares. Estacionou e chamou a passageira, mas ela continuou dormindo. Olhando
para o edifício, cautelosamente Alex desceu e colocou-se do lado oposto, perto dela.
A noite se tornara ainda mais fria. Naquele lado da cidade, os ventos que
sopravam do leste assobiavam entre as árvores, maltratando as folhas. Assim que
Alex abriu a porta do carro, a brisa gelada feriu a pele exposta de Ellen, acima do
corpete. Ele inclinou-se sobre ela, a fim de barrar a ventania com o corpo e
destravar o cinto de segurança. Chamou-a pelo nome, entre sucessivos toques
suaves no braço.
— Ellen, chegamos.
Ela resmungou, sem compreender as palavras.
— Acorde. Você já está em casa.

Ela inalou o ar profundamente e espreguiçou-se, ressaltando os seios. Alex


sentiu seus olhos grudados naquele volume hipnótico. Por fim, Ellen abriu as
pálpebras e sorriu, obviamente com sono.
— Olá.
Os olhos dela se fecharam mais uma vez, enquanto uma rajada de vento
balançava os galhos das árvores e atravessava as roupas de quem estivesse na
rua. Alex a sacudiu amavelmente.
Nada.
Ele não poderia deixá-la dentro do carro e simplesmente tomar um táxi para
sua casa. Além do risco de assalto ou coisa pior, o perigo de congelamento, por
hipotermia, era real.
Alex avaliou a situação depois de ajeitar os óculos, no gesto quase
compulsivo que o caracterizava. Chegou a uma conclusão sobre o que fazer. Afinal,
aquele era o dia do casamento de Ellen.
Guardou a pequena bolsa dela em seu bolso e ergueu-a nos braços, depois
de resgatá-la com dificuldade de dentro do carro. Camadas de cetim cascatearam
sobre seu corpo e atritaram-lhe a pele das mãos. Fechou a porta do automóvel com
um golpe de quadris.
Alheia a tudo, Ellen suspirou de novo, sonolenta, e abrigou-se contra o peito
do empresário, que resistiu à urgência de gemer de excitação. Mesmo dormindo em
seu colo, ela era deliciosa. O peso dela se ajustava confortavelmente ao peito de
Alex. Embora ele tivesse agido dè igual maneira dezenas de vezes, no passado, a
doçura da nova amiga lhe transmitia um sinal de prazer e confiança. Em que lugar
aquela mulher não seria apreciada? Na pista de dança, no meio da rua sob o vento
gelado, era sempre gratificante abraçá-la.
Tencionando o maxilar, Alex comandou a mente para manter-se longe de tais
devaneios perturbadores. Havia gravado o endereço completo de Ellen, e por isso
pôde subir os degraus da entrada do prédio, carregando-a com o objetivo de chegar
ao apartamento, felizmente localizado no andar térreo. Depois de vencer a escada
desgastada, ele esticou um dedo para acender a luz de emergência. Dado o

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temperamento de Ellen, era bastante provável que ela tivesse escondido uma chave
por ali. O problema era que no corredor não havia vasos nem tapetes onde ela
pudesse ocultá-la. E agora?
Alex olhou para o ponto mais óbvio: o batente da porta.
Pressionou um dos joelhos contra a madeira, a fim de sustentar o corpo de
Ellen, e conseguiu livrar a mão direita para correr os dedos pelo topo da moldura da
porta. Sem surpresa, encontrou ali a peça de metal.
Definitivamente, aquela mulher precisava de alguém para protegê-la. Na
posição em que se achava, ela havia soltado todo o peso sobre ele, com o rosto
próximo do dele. Alex pensou nos lábios sedutores, tão perto dos seus, e...
Uma rajada de vento frio soprou no corredor, e Ellen abriu os olhos.
Pestanejou confusa por um momento, mas colou-se sinuosamente ao corpo de Alex.
Ele quase a deixou cair, varado por uma forte onda de luxúria.
Diante da porta, segurando Ellen com um só braço, o empresário recuou um
passo para introduzir a chave na fechadura. Operação complicada, pois o tempo da
luz de emergência esgotou-se, e ele voltou a ficar no escuro.
O luar lá fora, ainda que encoberto pelas árvores, proporcionou-lhe um pouco
de claridade, suficiente para manejar a chave. No entanto, a porta não se moveu.
Menos mal, ponderou que ela usasse uma tranca. Talvez a chave desta estivesse
na bolsa.
— Fique quieta nessa posição — Alex pediu, depois gracejou: — Faz parte da
tradição, entrar com a noiva no colo.
Decidiu tentar novamente e empurrou a porta, que rangeu.
— Está empenada, às vezes trava. Se me puser no chão, darei um jeito.
— E arruinar minha imagem de cavalheiro? Nada disso.
Ele utilizou o ombro para forçar a entrada, tomando todo o cuidado para
poupar Ellen de qualquer ferimento. A porta abriu-se alguns centímetros,
insuficientes para permitir a passagem de uma pessoa, quanto mais de um casal.
— Qual o segredo? — Alex perguntou já ansioso, além de cansado,
posicionando-se para dar mais um tranco com o ombro.
— Pare! — ela exclamou. — Vai quebrar a madeira. Levante a porta pela
maçaneta e então empurre.
Ele seguiu as instruções e logrou êxito. Mas um grito de pavor cortou o ar
quando Alex tropeçou em algo estranho, indefinido. Ellen mexeu-se e deslizou dos
braços dele para o chão, graciosamente, deixando o empresário emaranhado no
volume que ocupava o piso. A massa quente, que rosnava em torno dos pés dele, o
fez cair.
O novo grito de alarme silenciou, quando Alex bateu a lateral da cabeça no
piso. O que quer que tivesse se enrascado nos pés do inventor lançou-se no colo
dele, e isso despertou mais gritos no escuro. Gelado, ele divisou um vulto branco
retornando à porta a fim de socorrê-lo.
—Pitts! Saia daí. —Ellen agachou-se para examinar seu acompanhante. —
Está tudo bem?

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— Que diabo é Pitts? — ele murmurou ainda assustado.
— Meu cachorro. O nome mesmo é Brad Pitt, dado por minha irmã, mas eu o
chamo de Pitts. É manso e carinhoso.
Pelo menos ela contava com alguma proteção. O golden retriever o
inspecionava a distância, com interesse, mas sem hostilidade. Pensando melhor,
talvez não oferecesse a Ellen mais do que uma companhia. O cão peludo instalou-
se no sofá, sempre observando. Alex não conseguiu ficar relaxado.
— Obrigada. Sempre desejei ser carregada porta adentro.
— Não há de quê. — Ele colocou-se de joelhos, tremendo, ao lado de Ellen.
— Por que está tão frio aqui?
— Como eu ia viajar por duas semanas, em lua-de-mel, desliguei o
aquecimento central. Minha irmã Vera viria pegar o cachorro.
— E a luz?
— Queimada. Preciso trocar a lâmpada do teto. Mas já liguei o aquecedor
elétrico. Em alguns minutos, a casa estará quente.
—Logo após pronunciar essas palavras, o velho aquecedor rangeu e ganhou
vida, com as lâminas de metal já rubras.
Ela também sentiu frio no escuro. Pretendia devolver Alex a seu próprio
caminho. Se não fizesse isso, não resistiria à idéia de pedir-lhe que passasse a noite
de núpcias com ela. Seria merecido. Ele a havia amparado, suportado seu pranto,
carregado no colo. Cuidara para que se sentisse feminina, desejada, sensual, na
hora em que se julgava uma náufraga esfarrapada. Alex fora resgatá-la, e ela lhe
pedira uma noite de amor. Poderia ouvir um "sim", e então desfrutaria todo o calor e
a força de seu cavaleiro andante, com o corpo másculo cobrindo e preenchendo o
dela. Pena que, de manhã, quando ele partisse, ela voltasse a ter frio.
Pitts continuava alegre com a visita, mas Alex já havia adaptado a visão à
penumbra e olhou com raiva para o animal, que provocara sua queda. Levou uma
das mãos à parte lateral do crânio.
— Dói? — Ellen interpelou.
— Um pouco — ele admitiu.
Como fizera dezenas de vezes com as crianças da creche em que trabalhava,
Ellen espalmou a mão sobre o local dolorido. Mas-sageou a região, experimentando
um arrepio subir-lhe pelo braço. A força de sua reação ao tocar a cabeça de Alex a
assustou. Sentiu-se fora de controle, ansiosa pela entrega amorosa.
Ela já não podia negar sua atração pelo empresário, mas existia mais emoção
nessa sintonia do que ela gostaria de admitir. Conscientemente, torcia para que Alex
ficasse e conhecesse seu quarto, sua cama. Não só por abominar a idéia de passar
sozinha sua noite de núpcias, mas, sobretudo porque iria sentir muito a falta dele.
Falta do calor, da força física, da sutil curva dos lábios, do tom grave da voz. Falta
da inesperada conexão que se estabelecera entre os dois.
Ellen ergueu-se nas pernas vacilantes. Qualquer distanciamento de Alex, por
breve que fosse, seria realmente doloroso.
— Vou pegar gelo para sua cabeça.

20
A cabeça não constituía o real problema. Ele necessitava de uma bolsa de
gelo sobre a virilha, a fim de aplacar a fúria dos sentidos. Ellen tinha sido
abandonada, estava vulnerável. Mas agora que ele conhecia o precário lar dela, que
sabia da inutilidade do cachorro para fins de proteção, desejava aquela mulher mais
do que nunca.
Ele preferiria pensar que a simples luxúria o motivava, mas era outra coisa.
Alex vinha gostando cada vez mais de Ellen. Adorável, calorosa, ela não merecia o
que lhe havia acontecido naquele dia. A despeito de tudo, comportara-se de modo
admirável, mantendo o autocontrole, a não ser por alguns goles a mais de
champanhe.
— Esqueça o gelo — ele pediu. — Não posso me demorar muito.
Ela meneou a cabeça, desalentada, mas logo teve uma idéia brilhante, típica
de mulher liberada.
— Se me ajudar a tirar o vestido, antes de ir embora, ficarei agradecida.
— Ajudar?
— É que existem não sei quantos mil botões nas costas. Alguns pequenos,
que não posso alcançar. Preciso de ajuda para me despir.
Evidentemente, ela queria que ele a desnudasse. Algo próximo à virilha
reagiu de modo firme, poderoso, como que solicitando alívio.
Ele ajustou os óculos no rosto, dentro de seu cacoete nervoso. Tendia a
atender ao pedido, sem problemas. Auxiliar uma dama a sair de seu vestido de
noiva devia ser algo simples, desde que as mãos desobedientes não procurassem
tocá-la.
— Acenda uma luz. — Tirou o paletó, que foi colocado sobre uma das
poltronas.
Ela caminhou até o canto da sala e ligou o abajur da mesinha. Uma claridade
morna banhou o ambiente. Apesar de gastos, os móveis eram confortáveis, bem
estofados. Sofá e poltronas envelhecidos circundavam um amplo tapete oriental.
O papel de parede havia amarelecido com o passar do tempo, mas não
estava esburacado nem se desprendera. A mesa de café achava-se colocada entre
o sofá e as poltronas. Uma lareira de tijolos crus separava duas grandes vidraças
que tomavam quase toda a parede. Em síntese, parecia um lugar projetado para o
exercício do companheirismo e do amor, durante noites decorridas entre goles de
vinho e gemidos de prazer.
A luz do abajur recaiu sobre as curvas de Ellen, destacando-as. Ocorreu a
Alex que ter ido ali era mais do que uma má idéia. Era provavelmente a pior idéia
que lhe surgira na vida inteira. No entanto, eximiu-se de se preocupar com isso.
— A luz é suficiente? — ela perguntou, acercando-se. No caminho,
desprendeu a cauda do vestido, presa apenas por colchetes, e atirou-a sem maior
cuidado numa poltrona.
— Bastante. — Demais, na verdade, pois agora ele podia ver a ondulação
dos seios de Ellen, o desenho da cintura enfatizado sob o tecido acetinado do
vestido. Seus olhos usufruíram aquela vista, brilhantes de malícia. A pele dela
ganhou um matiz dourado, que ele associou a um espírito livre e satisfeito.

21
Ellen virou o corpo diante do convidado. As costas do vestido de noiva tinham
um decote em V coberto apenas pela laçada de um colar de pérolas. Delicados
botões, igualmente de pérola, fechavam a roupa até a cintura.
De início, Alex anteviu apenas a pele nua de Ellen debaixo do vestido.
Depois, recuperou o controle e começou a abrir os botões.
As mãos dele tremeram quando as costas descobertas se revelaram a seus
olhos ansiosos. Procurou distrair-se reconstituindo na mente os dados e equações
constantes dos disquetes roubados.
Havia neles um estudo inovador sobre meteorologia.
Ellen também se arrepiou quando o último botão foi aberto e Aléx espalmou
as mãos sobre a pele nua e sedosa das costas, aumentando o calafrio. Como seria
previsível, em se tratando de uma roupa de noiva, ela não usava sutiã. Relutante,
ele retirou os dedos, e ela o encarou, com o corpo sinuoso resguardado pelo vestido
solto, seguro apenas pela mão. Era uma tortura para a imaginação ativa do inventor.
"Pense em sensores eletrônicos", ele ordenou a si mesmo.
Como um viciado em drogas, tentado por uma dose, ele sentiu tremores
absurdos.
— Preciso ir — anunciou.
Ellen sorriu para ele, com o olhar suave e convidativo.
— Obrigada por tudo. "Saia correndo".
Erguendo-se na ponta dos pés, ela deu-lhe um leve beijo na face. Foi apenas
um toque rápido, um pingo de calor na bochecha fria. Mas Ellen não recuou, quando
correu os dedos de uma das mãos pelas lapelas do paletó de Alex, estreitando-o
contra si.
— Bem, boa noite — ela disse.
Ele apertou o nó da gravata, em outro de seus cacoetes. "Correção de rumo"
imaginou.
— Boa noite — devolveu num murmúrio, com as mãos apertando a cintura da
mulher num gesto insinuante. Puxou-a para perto de si e inclinou a cabeça até
nivelar as estaturas. Um beijo na boca não faria mal algum.
"Impacto previsível" refletiu.
No instante seguinte, todo o lado racional desapareceu. As bocas se
encontraram, e Alex sugou os lábios de Ellen, enquanto ela os entreabria. A língua
dele entrou em ação, saboreando o gosto de champanhe e a própria doçura da
parceira.
Como nenhuma restrição foi colocada ao beijo, Alex aprofundou o contato.
Avaliou Ellen como ingenuamente frágil, inocentemente honesta, mesmo com o
corpo colado ao seu, a fim de manter a frente do vestido no lugar, e os braços
passados em torno do pescoço. Queria sentir nos dedos os cachos soltos,
voluptuosos.
Ele gemeu profundamente. Até os cabelos de Ellen eram perfeitos. Suaves e
sedosos. Um toque de veludo, inspirador.

22
Ponderou como um homem normal poderia desprezar tudo aquilo,
abandonando a noiva. Ela retirou os braços que o enlaçavam, mas deu
prosseguimento ao contato labial, com crescente ardor. Sem fôlego, ele quis sair do
beijo para o protesto, mas então a respiração quente de Ellen flutuou sobre sua pele.
— Faça amor comigo — ela suplicou, com a voz rouca de desejo.
De volta à realidade, Alex recuou. Não escondeu a confusão que lentamente
se apoderou de sua fisionomia. Os lábios apetitosos, as bochechas coradas, o brilho
da excitação nos olhos dela, tudo era parte de um convite franco e aberto ao prazer
completo.
Ele aspirou o ar até inundar os pulmões. Parecia, porém, que o oxigênio o
queimava por dentro, espetando em suas entranhas finas agulhas de dor.
— Alex? — Era de estranhar seu prolongado silêncio.
Ele se dispôs a ser forte, a resistir à tentação, a reafirmar a decisão de partir.
— Fique, por favor — ela pediu. — Não quero passar a noite sozinha. Não
esta noite. Quero passá-la com você. — Olhou-o com inegável expressão de
verdade. — Preciso de você, Alex.
Se ela se mostrasse recatada ou mesmo disposta a um flerte, ele poderia
resistir. Caso parecesse conivente ou desesperada, Alex também conseguiria ir
embora dali. Se eu anunciasse "Eu desejo muito você", ele teria condições de
atribuir o assédio ao excesso de champanhe que ela consumira no salão de festas.
No entanto, Ellen dissera tão-somente que precisava dele, e com tal
franqueza e sinceridade que Alex fraquejou. Já não pretendia escapulir. Não
naquele momento. Talvez o caso amoroso durasse muito pouco, quase nada, mas
naquela noite ele daria o que ela queria e necessitava. O que ele, Alex, também
queria e necessitava.
Contemplando os belos olhos azuis da parceira, cheios de esperança e
cumplicidade, ele fez a pergunta pela qual Ellen tanto esperava:
— Onde fica seu quarto?

Capítulo III

Ellen reagiu ao convite explícito na frase lançando-se contra Alex, derretendo-


se de paixão, enquanto ele a tocava e estreitava. Um frêmito de expectativa fez seu
ventre latejar.
Naquela noite, ela roubaria alguns momentos de paz e alegria. Alex não
pertencia a ela, nem ela a ele, mas isso não importava.
— É por aqui.—A noiva o guiou pelo corredor do apartamento, aproveitando o
trajeto para aplicar os lábios no pescoço dele. Havia uma solidez impressionante no
corpo dele, uma mensagem de força, uma perspectiva de prazer.
Alex inspirou o ar e apertou a nuca da parceira com a mão. Pararam para
beijar-se, e ela sentiu a aspereza do rosto masculino, com a barba por fazer, bem
como a suavidade de sua colônia.

23
— Você tem o direito de beijar a noiva — ela disse, e Alex percebeu um
lampejo de tristeza nos olhos dela.
Para Ellen, a situação como um todo representava uma afirmação de
feminilidade, de poder sensual, que tinham sido postos em dúvida pelo noivo fujão.
Saber que Alex a desejava, muito além do bom senso e da* razão, lançava em seu
íntimo um fluxo de confiança, ao lado da excitação.
— Não perca tempo — pediu, praticamente empurrando o parceiro até a porta
de seu quarto. ...
— Vou-lhe mostrar como não perco tempo com você.
Ela voltou-se, rindo, e mais uma vez pendurou-se no pescoço dele, à
vontade, sem esforço. Seguiram-se um beijo e murmúrios de promessas licenciosas
sobre o que viria a acontecer. Relaxada, completamente entregue à energia de Alex,
Ellen ponderou que a confiança não tinha surgido por instinto, mas era mais uma
conquista a ser festejada.
Ele entrou no quarto. Respirou fundo, e não conteve uma exclamação de
surpresa quando Ellen deixou cair o vestido no chão, perto da cama. Os seios eram
mais bonitos e perfeitos do que ele imaginara.
— Espero que esteja pronta para mim, porque aguardei a noite toda por este
momento — ele afirmou, após recuperar o fôlego.
— Estou pronta—Ellen anuiu, ao reclinar-se na cama de modo provocante. —
Você é que está vestido demais.
Ele retirou os óculos, que colocou na penteadeira, e avançou até o ventre
irresistível da parceira. Era a primeira noiva que tinha despido e que iria possuir. A
novidade acendeu nele o mais ardente desejo. O olhar não se cansou de admirar a
pele exposta, e a expressão faminta excitou Ellen ainda mais. Sentiu-se poderosa,
como se acabasse de conquistar o mundo.
Quando a calcinha foi removida, Alex repetiu os toques de sua boca nas
dobras de Ellen, que afastou os joelhos a fim de dar-lhe total acesso a sua
intimidade.
— Não pare — ela solicitou, agora embriagada de expectativa e antecipação.
Sentiu um formigamento nos seios e pediu que Alex agisse ali, satisfazendo sua
incontrolável vontade.
A necessidade erótica vibrou dentro dela, e toda e qualquer reserva foi
queimada na fogueira da paixão. Ellen afastou-se de Alex por um instante,
assustada com a força do próprio desejo. Já não possuía controle sobre seus atos.
Ele não a pressionou nem se mostrou afoito. Deu-lhe o tempo necessário e
suficiente para que Ellen assimilasse aquele momento inusitado. No entanto, ela
tardou em retomar o estado de delírio passional.
— O que aconteceu? — indagou Alex em tom meigo e compreensivo.
—Nada. Não sei. Acho que... foi demais para mim. Sinto muito.
— Não fique aborrecida. Nada fez de errado. Vou sobreviver se pararmos
agora. Pode até não parecer, mas é verdade. De modo algum quero magoar você.
O repentino surto de medo e dúvida evaporou-se. Inexistia lugar, no quarto,

24
para hesitações. O ambiente inspirava apenas confiança e prazer.
— Não quero que você pare.
Ele sorriu e inclinou-se sobre a parceira. Puxou a calcinha para fora dos pés,
sem tocar Ellen em nenhum ponto, mas a respiração quente dele pôde ser sentida
ao longo das pernas e sobre a virilha.
Só depois ele deslizou a ponta dos dedos pelas coxas da parceira,
alcançando seu ponto mais íntimo e fazendo-a gemer com intensidade. As mãos
dela se fecharam sobre o lençol, como se fosse cair da cama.
—- Tudo bem? — ele perguntou. — Devo parar? Ou ir mais devagar?
— Não pare. Não pare nunca.
Ela procurou a boca de Alex para um beijo explosivo, apertando-lhe as
costas. Pena que ele ainda estivesse vestido, tornando impossível uma
demonstração completa de suas habilidades femininas. Mesmo assim, o contato era
bom, quente e gratificante. Assim Ellen gostaria de sentir-se, durante o resto da
noite. Mas ela não conseguiu pensar em mais nada, depois que a língua de Alex
explorou sua boca, produzindo um devastador fogo interno.
Ellen tentou desabotoar a camisa do parceiro, mas ele novamente a apertou
contra si, e um novo beijo a deixou sem ação, incapaz de concentrar-se. Por fim, ela
logrou tirar a gravata de Alex e abrir a camisa. Pelo menos um botão foi arrancado e
caiu no chão.
Ela reservou alguns instantes para contemplar a musculatura dele, digna de
admiração. Atordoada, lançou-se ao tórax exposto em pequenos beijos e mordidas.
Foi um momento extremamente excitante para ambos, porém Ellen agora se
revelava um tanto apressada.
—Temos a noite inteira — ele argumentou meio na defensiva.
— Não. Preciso tocar você agora.
Ela abandonou-se à força física do parceiro, num abraço em que as virilhas
entraram em sugestivo contato. Mas ele ainda conservava a calça, e Ellen teve
frustradas suas intenções imediatas. Em compensação, acomodou-se na cama,
certa de que Alex lhe faria companhia ali. De fato, vibrou ao ser coberta pelo peso
do corpo masculino, seus seios achatados contra o peito dele, as pernas atritadas
pelo tecido da calça, os lábios dele produzindo uma trilha de beijos, do rosto até os
pés.
Era irresistível, e Ellen já não podia suportar a tensão nem adiar a
consumação do ato. Arqueou-se debaixo de Alex, ciente de que jamais se sentira
daquele modo, tão selvagem e voluptuosa. Com qualquer um de seus noivos
anteriores, ficaria constrangida caso se mostrasse tão excitada, tão repleta de
desejo. Com Alex, porém, tudo bem. Sentia-se encorajada por ele, livre para
manifestar seus instintos carnais.
— Você tem um corpo maravilhoso, Ellen — murmurou Alex. — É um corpo
feito para o amor.
— Então me ame — ela retrucou. — E não pare de me tocar.
— Acho que não consigo.

25
— Claro, todo vestido desse jeito... — Com atrevimento, ela voltou a procurar
a virilha dele, dessa vez com um dos pés, que esfregou sobre a calça.
Depois, segurou-lhe a cabeça e aplicou uma longa série de beijos
arrebatados. Ambos ansiaram por mais.
— Temos de ir mais devagar, senão isto terminará antes de começar — ele
justificou-se.
— Quer dizer que ainda não começou?
— Confie em mim, querida. Está ficando cada vez melhor.
— Não posso mais esperar.
Expectante, nervosa, impaciente, Ellen sentiu-se agradavelmente viva. Alex
beijou-lhe a testa e virou-se para o lado. Todo o calor latejante dentro dela foi-se
com ele. De costas, tremeu sobre a cama, imaginando o que tinha feito de errado.
Mas o parceiro voltou a admirá-la, com o olhar sequioso.
— Não se mexa. Fique assim.
Alex removeu o resto da roupa, e Ellen suspirou diante da beleza do corpo
masculino. Era todo firme, maciço e exuberante, com um brilho dourado à meia-luz.
E essa estrutura musculosa, rígida nos lugares certos, deitou-se sobre ela,
provocando um prazer antecipado pela energia nela contida.
—• Preservativo? — ele indagou, com os lábios encostados ao ouvido da
parceira. — Precisamos de um ou mais.
— Na gaveta do criado-mudo — ela murmurou, e mal suportou a espera,
enquanto ouvia o ruído feito pelo móvel.
— Tem certeza? Não encontrei.
— Bem no fundo da gaveta — Ellen indicou, preocupada. Era o que sucedia
quando alguém tinha tão poucas chances de precisar de um preservativo.
Enfim, Alex voltou à cama, devidamente equipado, e colheu os lábios de Ellen
com intensidade, preparando-a com inesperada pressa. Então, abriu caminho para
dentro dela, saudado por um suspiro de gratidão.
Ele pressionou o corpo contra o dela e, entre dois movimentos competentes,
pendeu a cabeça até o pescoço da parceira. Mordiscou-o com paixão, e Ellen
entregou-se por completo, deliciada com o calor, o suor e a potência de Alex.
A sensação do prazer iminente a atemorizou. Era como se estivesse prestes
a voar para fora de si, sem controle, orbitando no espaço sideral. Apertou as coxas
em torno do parceiro, a fim de reduzir o ritmo das arremetidas e para apreciar o ato
ainda mais. Ele compreendeu o sinal.
— Venha, querida. Solte-se. Confie em mim.
Isso foi dito num murmúrio tão pejado de emoção e necessidade que por um
momento Ellen acreditou totalmente nele. Relaxou e assim aprofundou o contato
físico. Seguiu olhando para Alex, sem (irar a vista dele.
Parecia que sua própria luxúria se refletia nos olhos do parceiro. Os corpos se
entrelaçavam em sincronia, num ritmo que se tornou alucinante, perto do final.
Quando ela não pôde mais segurar o auge da relação, fechou os olhos, pendeu a

26
cabeça para. o lado, cerrou os punhos cravando as unhas nas próprias palmas.
Os movimentos se intensificaram, e Ellen começou a gritar sem ver nada
mais do que um caleidoscópio de luzes que cintilavam, sem sentir nada mais do que
um estremecimento radical em seu corpo.
— Oh, meu Deus! — E continuou gemendo.
— Eu imagino como é — disse Alex, resfolegando numa respiração acelerada
antes de também atingir o êxtase. Ele bateu a virilha com força no ventre de Ellen,
os músculos pulsando dentro e fora dela. Tudo foi completo, reconfortante.
Ao recuperar a fala, ela apenas balbuciou amavelmente:
— Foi maravilhoso!
Alex riu, e sua respiração de novo aqueceu as faces dela.
— Realmente gostou?
— Lembrou-me uma montanha-russa, ou um foguete interplanetário. Você
quer mais?
— Adoraria, mas já não tenho vinte anos e estou exausto.
Ellen afagou-lhe os cabelos, tirando da testa uma mecha solta, úmida de
suor.
— Estou feliz por ter sido com você — confessou. Comovido, Alex a beijou
com ardor.
— Igualmente, no que me diz respeito. — Com gentileza, ele procurou o seu
lado na cama e, ao se dirigir ao banheiro, levou consigo a paixão flamejante que os
unira. Mas Ellen sabia que Alex iria retornar para ela. Estremeceu, saciada mas
esperançosa.
Ele de fato voltou logo, para arrumar o travesseiro da parceira e estender uma
manta de lã sobre ela. Quando se instalou debaixo da coberta, os dois se
aninharam, abraçados, e Ellen não só absorveu seu calor como sentiu um
extraordinário conforto no simples
fato de existir.
— Obrigada — murmurou, com a voz marcada pela fadiga e
pela satisfação.
Vacilante, Ellen permitiu que o peso em seu corpo a apartasse do sono.
Alguma coisa sólida e quente pressionava suas costas, e algo pesado lhe cobria um
dos seios.
Era a mão. A mão grande e competente de Alex.
Arregalou os olhos e vincou a testa diante da cortina que esvoaçava sob a luz
fria da manhã. Felizmente, Pitts se comportara bem, na cozinha, sem latir. Mas
então ela escutou o rangido da porta de entrada sendo aberta e o latido intenso do
cachorro. A mão em seu peito contraiu-se. Ellen empertigou-se contra a cabeceira
da cama, fazendo com que os dedos de Alex deslizassem por seu abdome, até as
proximidades de suas partes íntimas. Incrível. Excitante. Mas ela retirou-lhe a mão e
colocou ali um dos travesseiros, para proteger-se.
O que havia feito? A auto-recriminação seguiu-se de imediato à vontade de

27
repetir a aventura. Olhou para Alex, que parecia dormir profundamente.
— Acorde — pediu com a voz enrouquecida pelos excessos da noite anterior.
Ao longe, alguém fechava a porta da sala, fazendo-a ranger de novo. Como
não ouviu nenhuma providência para colocar a peça de madeira no lugar correto,
deduziu que sua irmã, e não um ladrão ou assaltante, é que havia entrado. Pior
ainda: ela não podia deixar que Vera flagrasse Alex em sua cama.
— Acorde — repetiu o apelo, balançando o braço dele, para depois tocá-lo
com o pé. — Vera está aqui. Você tem de ir embora.
Ele resmungou e rolou sobre as costas. Cobriu os olhos com um braço.
— Que horas são?
— Hora de você partir.
Por Deus! Alex parecia mais bonito e sensual ao despertar do que à noite.
Ellen reprimiu o desejo caprichoso que renascia.
— Maninha? — Vera chamou da sala, fazendo o piso de madeira estalar sob
seus passos. E agora?
Alex finalmente sentou-se na cama. Apoiou a cabeça entre as mãos,
massageando-a. Caso estivesse com enxaqueca, Ellen seria solidária, mas mesmo
assim ele tinha de sair do quarto.
— Apresse-se, por favor. Será ruim que Vera o encontre aqui.
— Não acha que devemos conversar sobre o que aconteceu?
O que ele devia pensar dela? Frívola? Libidinosa? Irresponsável?
Desesperada? Mortificada por tais idéias, Ellen levantou-se • Ia cama agarrada ao
travesseiro.
— Acho que não. — No mínimo, seria a hora errada de discutir o assunto.
— Foi uma química extraordinária, algo que não ocorre todos os dias —
ponderou Alex, decepcionado com a resposta.
Ela sabia disso. Seria muito difícil, a partir daquela manhã, olhar para outro
homem sem compará-lo com Alex. E também não pensaria no empresário sem
associá-lo à noite de intenso prazer. Teria de se habituar à situação real, evitando
que fantasias de amor e sexo lhe pesassem na mente.
— Acredito em você — ela retrucou resumidamente.
— Devíamos dar uma chance a nós dois — argumentou Alex, para surpresa
dela. Então ele queria dar continuidade a um relacionamento que havia começado
com cartas marcadas?
Ellen não precisava acrescentar nenhuma nova incógnita à equação. Se Alex
permanecesse ali, deixando claro que pretendia iniciar um namoro sério, ele
acabaria por partir o coração da parceira. A esta sobravam problemas. Ela
dispensava qualquer outro.
—Tivemos a nossa noite, Alex, e foi incrível. Mas por enquanto é tudo o que
posso lhe oferecer.
— Ambos admitiriam, sem dificuldade, que na vida deles não havia lugar para
outra pessoa. Pensando nisso, ela mentiu:

28
— Não quero mais vê-lo.
De pé, ele passou a vestir-se, olhando fixamente para Ellen.
— Mentirosa!
Ela apertou o travesseiro contra o peito, de modo protetor, e tentou descartar
a hipótese de voltar para a cama com Alex, depois de trancar a porta do quarto. Nu,
ele continuava magnífico, tentador.
— É verdade — ela rebateu, dirigindo-se ao banheiro, de onde saiu pouco
depois trajando um robe. Esperava que, no retorno ao quarto, Alex já estivesse
coberto e pronto para sair.
Não estava. As peças de roupa se empilhavam a seus pés, enquanto ele se
demorava demais a colocar uma simples meia.
— Por favor... — ela suplicou.
— Está bem. — Aceitando o desafio, ele se vestiu em um minuto e foi para o
lado dela, enquanto ajeitava o nó da gravata.
Estavam muito próximos um do outro, as lembranças da noite de sexo ainda
eram fortes, e Alex mostrava-se irritado por ter de partir. Ela precisava pedir-lhe
desculpas. O empresário não merecia ser enxotado de um ninho de amor, não por
ela. Ademais, coubera-lhe a iniciativa do encontro.
—Perdão. Eu não sabia o que ia acontecer ontem à noite. Estava sozinha,
desesperada... e um pouco bêbada.
Ele a calou com um beijo que lhe minou a resistência. Sua fragilidade diante
de Alex a apavorava, porque um largo tempo se passaria até que ela pudesse
esquecê-lo.
— Descobrimos algo importante ontem à noite, Ellen. Você não pode negar.
Negar era mais fácil, de qualquer modo.
— Foi uma noite maravilhosa, concordo. Mas não pode acontecer de novo.
— Claro que pode.
— Vestido você resiste melhor do que nu.
— Então vou tirar a roupa de novo — disse Alex, a sério. Não era tão simples
assim.
— Tenho de reorganizar minha vida, depois de ser abandonada por Jerry.
Deve levar algum tempo, e em todo caso nossos encontros seriam inconvenientes.
Ele sentou-se na cama, chamou Ellen para perto e, trapaceando, puxou-lhe o
robe.
— Nós os tornaremos convenientes — disse. Não se conformava em perder
de vista o esplendor daquele corpo de mulher.
Ela julgou válido conceder a Alex Morrow alguns últimos momentos de
satisfação erótica, antes que partisse. Era o tipo de pessoa com quem qualquer
criatura se sente bem, independentemente i k haver sexo ou amor.
Enquanto Ellen hesitava, a porta do quarto se abriu, e dali mesmo, sem
prestar atenção, Vera saudou a irmã.

29
— Bom dia. Eu... — Parou ao captar a cena. — Eu volto depois.
A porta foi fechada- e Ellen encostou a cabeça na de Alex, visivelmente
constrangida.
— Você precisa ir embora.
Ele ergueu-se, dando tempo à parceira para que admirasse seu porte, os
músculos que já sentira contra a própria pele. O celular tocou. Alex tirou o aparelho
do bolso da calça e passou-o a Ellen.
— Você atende.
Sem desejar discutir, e vendo que ele terminava de se aprontar, ela abriu o
receptor. Imediatamente, ouviu impropérios dirigidos a Alex, na voz de um homem.
Os nomes feios que escutara fizeram-na corar. Assim que a onda de xingamentos
cessou, Ellen desligou o celular e o devolveu ao dono. Alex havia se sentado na
cama, a fim de calçar os sapatos.
— Era seu irmão — ela contou. — Queria lembrá-lo de que os disquetes com
programas de um bilhão de dólares continuam desaparecidos, e que sua firma está
ficando desacreditada.
— Já sabia de tudo isso.
— Realmente os disquetes valem um bilhão? — Ela demonstrou assombro.
— Perto disso, mas creio que você não queira falar desse assunto agora.
Ela posicionou-se ao lado dele, ombro a ombro.
— Só queria lhe pedir desculpas.
— Não foi sua culpa — o empresário repetiu pela enésima vez.
— E, sim. Minha má sorte. Eu não tinha percebido que é contagiosa.
— Como? O que isso tem a ver comigo e os problemas da firma?
— Eu dei azar a Jerry. Ele trabalhava em sua empresa, portanto também
azarei você. — Ela tocou-lhe o braço, numa expressão de consolo. — Desculpe-me.
— Nada tenho a desculpar, sinceramente.
Faltava só o paletó para ele retirar-se. Relembrou que o deixara na sala, ao
alcance da vista de Vera. No fundo, isso não tinha a. menor importância. O
importante era que a conexão entre a noite e a manhã tinha sido rudemente
rompida.
Ellen deveria estar contente, mas não. Sua vida se tornara um caos absoluto
no espaço de poucas horas. Ansiava por uma carteia de aspirinas para combater a
dor de cabeça, mas qual o remédio disponível para seu coração?
Sua irmã vasculhava a cozinha quando ela acompanhou Alex até a porta. Ele
havia sido ao mesmo tempo um erro e um deslumbramento. Agora estava a um
passo de sair de sua vida. As coisas poderiam se tomar ainda piores.
— Eu telefono, prometo — disse antes de partir.
Ellen retornou ao quarto, escondida da irmã. Abraçada ao travesseiro usado
por Alex, inalou o perfume que ele ali deixara. Era um aroma misto de xampu e de
loção masculina para os cabelos.

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"Vou superar tudo isto", pensou com determinação. A noite maravilhosa que
passara não tinha condições de repetir-se. Ela (cria de ater-se ao que lhe restava:
amigos, a irmã, a escola infantil, seu apartamento, o cachorro Pitts...
Alex não fora mais do que um amante temporário, e isso era bom, realmente
excelente, no entender de Ellen. Ergueu-se da cama e de suas fantasias para trocar-
se. Vestiu jeans e camiseta: roupa de trabalho. A faxina do apartamento a ajudaria a
esquecer o empresário. Quanto a Jerry, já o havia tirado da mente.
Talvez conseguisse esquecer Alex com a mesma facilidade. Quando? Em um
milhão de anos!
Lavou o rosto e escovou os dentes no banheiro, depois confrontou-se com o
quarto desarrumado. Primeiro, teria de arrumar a cama, cuja visão lhe causou um nó
na garganta. Era tolice, mas teria saudade de Alex Morrow. Para ser honesta, a
companhia dele, cm qualquer circunstância, era muito agradável.
Deixou o quarto em busca de material de limpeza, na área de serviço.
Fracassou, porém, em apagar as lembranças, que a seguiram e assombraram por
todo o caminho.
Ela sentiria falta da maneira como Alex ajeitava os óculos ou o laço da
gravata. Sentiria falta do conforto dos braços dele, da inestria ao fazer amor. Ergueu
a mão até o rosto, que ainda ardia um pouco por causa da barba crescida do
empresário.
— Sou uma idiota — lamentou para si mesma.
— Olhe para quem está pior do que você — interveio Vera, saindo da
cozinha.
Pitts a seguia, quase enrolado em suas canelas.
Talvez ele telefone.
— Talvez — retrucou Ellen, olhando para alto.

Capítulo IV

Você parece um traste. O que houve com sua camisa? » Está toda
amassada. — Pete abordou seu irmão Alex logo que este entrou no escritório. — E
por que desligou o celular na minha cara?
Alex sentiu vontade de estapear Pete, mas continuou andando
até sua mesa de trabalho.
— Eu não desliguei. Foi Ellen.
-— O que estava fazendo, com a mulher de Jerry?
— Ela não é a esposa dele. Foi abandonada antes da cerimônia
na igreja.
— O quê? — Pete surpreendeu-se.
— Também fiquei pasmo. Parece que Jerry fugiu com Mia. E um completo
idiota por ter descartado uma pessoa como Ellen. Não deve ser tão difícil localizá-lo.

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— Alex ocupou a poltrona giratória e abriu uma gaveta, em busca de comprimidos
para dor de cabeça. Engoliu dois, a seco, e procurou relaxar.
Não era um remédio eficaz para a invasão que Ellen empreendera em sua
mente. Ela e sua liga de noiva. Ela afirmando que ele podia beijá-la, de um modo tão
triste que lhe partira o coração. Ela convidando-o para a cama, a pretexto de não
passar sozinha a noite de núpcias. Ela tentando convencê-lo de que as tórridas
cenas compartilhadas nada significavam.
Uma ova! Claro que haviam significado muito, mas Alex ainda desconhecia
exatamente o quê.
Pete sentou-se na cadeira em frente à mesa do irmão.
— E você estava com Ellen esta manhã, por que...
— Porque passei a noite lá. Ela precisava de alguém para consolá-la.
— Quanta meiguice! — o outro zombou. — Conseguiu pelo menos alguma
pista do paradeiro de Jerry?
— Não seja inconveniente — Alex protestou. —- Esse não foi o motivo de eu
ficar com ela.
Pete resmungou, demonstrando raiva.
— Gostaria de saber o que há de tão fabuloso com a noiva de Jerry para você
comprometer nosso futuro profissional em troca de uma transa.
Alex agitou-se na poltrona e inclinou-se na direção do irmão, com o dedo em
riste.
—- Ela não é a noiva dele, já disse. Nem esposa.
— Até ontem era.
— Não mais. E se você não quer me deixar furioso, mude de assunto para
algo pertinente. Como, por exemplo, o que vamos fazer a respeito de Jerry.
— Está bem — Pete concordou.
Alex sabia que estava tocado sobremaneira pelos acontecimentos da noite
anterior. No entanto, pouco poderia fazer quanto a isso. Achava-se exausto,
estressado, e Ellen o havia tirado do sério.
Ele tinha assumido que Ellen, carente de amor e sexo, era a ex-noiva de
Jerry, e nenhuma mulher aceitaria de volta o homem que a abandonara. No entanto,
conhecia Ellen fazia menos de um dia. Era impossível imaginar o que ela poderia
fazer. Morava num bairro decadente, perigoso, na companhia apenas de um
cachorro — a pior desculpa que Alex já havia encontrado a fim de vigiar uma mulher.
A idéia de que ela ainda mantivesse sentimentos fortes e sensações abrasadoras
por Jerry o deixou irritado.
Queria vê-la de novo. Queria ensinar Pitts a latir diante de estranhos que
invadissem o apartamento. Queria consertar a porta e instalar novas trancas que
dessem a Ellen um pouco mais de segurança e privacidade. Queria proporcionar-lhe
afeto, conforto e calor duradouros.
A contragosto, Alex havia se despedido dela sem maiores perspectivas de
continuidade na relação. Poderia telefonar mais tarde e descobrir como ela estava

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passando, mas, de qualquer modo, tinha sido instado a manter distância. O que
deveria dizer ou fazer? Seria estranho e incômodo, para ambos, que ele insistisse
em assediá-la, quando tinha outras coisas importantes para resolver.

Era o caso dos quatro disquetes de computador que continham um novo


projeto de pesquisas meteorológicas e que haviam sumido do escritório. Informara
seus clientes do roubo, a fim de que não comprassem material clandestino. Ainda
não notificara a polícia, temeroso da repercussão pública do caso. Ele alimentava a
esperança de descobrir os disquetes antes que a imprensa noticiasse o fato,
fazendo despencar o valor das ações da empresa. Isso poderia representar o fim da
carreira de Alex como inventor e projetista.
Em suma, era um desastre anunciado. Alex conseguira criar um sistema de
coleta de dados atmosféricos e de controle das rotas dos aviões de pesquisa que
eliminava a possibilidade de erros dos pilotos. Além de alguns clientes, satisfeitos
com o trabalho, o governo poderia oferecer vantajosos contratos, o que constituía o
objetivo final do cientista.
Para isso, e muito mais, Alex teria de encontrar Jerry. Só que, antes de
recuperar os disquetes, daria-lhe um bom soco na cara, por ter deixado Elien
sozinha diante do altar.
— Alô, Alex? Pode vir até aqui? — O chamado veio de seu analista de
sistemas, que trabalhava na sala ao lado.
— O que aconteceu?—quis saber o inventor, sob o olhar curioso de Pete.
— Consegui recuperar os arquivos do computador principal. Como estavam
em linguagem cifrada, quem os copiou produziu danos nos dados. Alguns trechos
ficaram apagados. Resta saber se os disquetes roubados não saíram defeituosos.
Só faltava! Os estragos no sistema impediriam Alex de obter uma cópia dos
arquivos ou mesmo de continuar trabalhando no projeto. Isso significava que era
imprescindível encontrar Jerry e arrancar-lhe o material roubado a tapas, caso ele
não cooperasse.
— Você acha que dá para acessar os arquivos corretos? — perguntou.
— Com tempo, bastante tempo — informou o analista.
—Precisamos localizar Jerry, então. —O empresário desligou.
— É fácil — gracejou Pete. — Basta procurar por todo o planeta. Ele não
voltou ao seu apartamento, que cansei de vigiar. Parece que saiu da cidade.
— Ellen acha que ele está em lua-de-mel com Mia. Pete balançou a cabeça,
confuso.
— Com Mia? O que ela tem a ver com tudo isto?
Embora tivesse a sensação de estar violando a confiança de Ellen, Alex
explicou:
— Segundo Ellen, ela está enfeitiçada, sofrendo uma onda de má sorte.
— Como assim?
—- Ellen acha que provoca malefícios a todos os homens que namora, e

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então eles fogem, às vezes com uma amiga dela. Tentou uma manobra preventiva
comigo.
— Juro que não quero saber — disse Pete, obviamente mentindo.
— Tentou me aproximar da irmã, chamada Vera.
— Não admira que Jerry a tenha deixado. Ela é lunática. — Pete notou que o
maxilar do irmão se tencionava e os punhos se fechavam sobre a mesa. — Está
bem, desculpe-me. É o nervosismo. Mas precisamos de um milagre, e tudo o que
temos é uma mulher que pensa estar amaldiçoada porque teve má sorte com um
Iadrão de tecnologia. — Pete suspirou.
—Ela precisa fazer alguma coisa.
— Fazer o quê?
— Ajudar-nos. Se alguém pode encontrar nosso fora-da-lei, é ela.
— Tem de haver outra saída — afirmou Alex, tenso.
— Então me diga qual.
— Devemos tentar de novo o apartamento de Jerry.
— O porteiro ameaçou chamar a polícia, acusando-me de espionagem. Ah,
quando você falar com Ellen, pergunte se ela tem uma chave do apartamento dele.
Gostaria de dar uma busca lá.
— E quanto ao aeroporto? Poderíamos experimentar.
— Você está delirando. — Pete meneou a cabeça, penalizado.
— Vá ver Ellen. O noivo a abandonou na frente da família e dos amigos.
Tenho certeza de que ela vai colaborar.
Alex sabia que a solução estaria longe de um simples e amável telefonema.
Ele não conseguiria preparar-se para resistir à suave rouquidão da voz de Ellen. A
mera lembrança de seus suspiros e gemidos, do gosto de sua boca, fazia sua pele
arder com renovado desejo. Além disso, o que diria a ela? Não a assustaria ao fazer
uma pressão inesperada?
Teria de convencê-la, antes de perguntar sobre Jerry, de que existia uma
ligação forte entre eles, digna de ser explorada. No entanto, Ellen o havia
despachado com uma rapidez equivalente à da explosão de uma bomba.
Talvez fosse melhor indagar diretamente sobre Jerry, deixando de lado a
miríade de boas sensações e sonhos que a noite anterior havia proporcionado.
Naquela ocasião, ela precisara dele. Agora, ele é que precisava dela.
— Está certo — disse Alex ao irmão, tirando do armário uma camisa limpa e
bem passada. — Vou visitar Ellen. Veremos o que ela sabe.
Ellen esforçou-se para recolocar o vidro da luminária da sala, depois de trocar
a lâmpada. Ficou insegura, não porque estava no alto de uma escada doméstica,
mas por duvidar que a lâmpada tivesse sido bem rosqueada no soquete. Mais um
pouco, e ela acabaria desabando dali, e sem dúvida quebraria o vidro na queda. Se
pudesse contar com Alex...
"Esqueça isso", disse a si mesma. Ela levou um susto quando alguém tentou
abrir a porta, e a frágil peça caiu de suas mãos e transformou-se em centenas de

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cacos no chão. Pitts saiu de seu cercado, latindo, olhou desconfiado, mas logo
retornou à segurança da cozinha.
Ela verificou a rosca da lâmpada. Estava bem colocada, o que resolvia a
questão de iluminação. Dificilmente encontraria um vidro igual ao que se quebrara,
portanto teria de trocar todo o conjunto. Menos mal que precisasse chamar um
eletricista profissional, em vez de Alex. Contudo, adiou a solução do problema diante
da enormidade de tarefas caseiras que a aguardavam.
Após descer da escada, Ellen destravou e abriu a porta.
— Alex!
Ele se alteava na soleira, fitando Ellen com um charme único, e bonito demais
para ser mandado embora. Ela sentiu a língua presa no céu da boca, enquanto o
visitante se apoiava no batente, parecendo cansado, mas calmo. Uma virtual sombra
no rosto o fazia passar a impressão de rudeza e perigo. A não ser por isso, Ellen
nunca o vira tão bem.
Ao se dar conta de que estava muda por quase um minuto, preparou-se para
pronunciar algumas palavras.
— Tenho de limpar os cacos de vidro antes que Pitts se corte. — Afastou-se
da porta e, velozmente, removeu os resíduos com o auxílio de pá e vassoura.
Sem perguntas, Alex percebeu o que tinha acontecido. Esperou Ellen
terminar o serviço e, quando ela acabou, Pitts veio da cozinha e lambeu a perna do
empresário afetuosamente. Ele acariciou-lhe a cabeça, provocando na dona um
surto de inveja.
— O que veio fazer aqui? — Ellen questionou um tanto agressiva.
— Quero levar você para almoçar comigo.
— Almoçar?
— Sim, aquela refeição que todos fazem no meio do dia.
— Como? Claro, almoço. — Haviam feito amor ardorosamente, na noite
anterior, mas almoço a dois era para pessoas que têm compromisso e uma espécie
de relacionamento. Não era o caso dela. Nem com Alex nem com ninguém. — É
muito gentil de sua parte, Alex. Mas não posso aceitar. Vera saiu faz pouco tempo e
tenho muita coisa a fazer hoje. De qualquer modo, obrigada.
Ellen deu de ombros, disfarçando sua urgência de atirar-se nos braços do
empresário. Talvez sofresse da falta de alguma vitamina. Alex, no entanto, ajeitou os
óculos, o que indicava inconformismo.
—Não é gentileza—ele declarou.—Tenho de falar com você, e por bons
motivos. De quanto tempo precisa para se aprontar?
— Tenho certeza de que você diz a mesma coisa para todas as
namoradas.
Empertigado, Alex impôs toda a sua estatura, marcada por músculos fortes e
muita virilidade. Outra vez Ellen conteve-se a fim de não se lançar sobre ele, o que
denunciaria seu lado frágil. Ele havia voltado, a despeito do pedido ou ordem dela.
Estava bem próximo, de tal modo que os olhares mútuos foram intensos. Quanta
ironia! Depois de esconjurar o casamento, encontrara um homem que escutava o

35
que ela escondia não o que falava de viva voz.
— Não estou brincando. Tenho motivos sérios para conversar com você. — O
tom foi de ansiedade, mas o sorriso de Alex continuou encantador.
—Certo. Entre de uma vez. Não precisamos sair para conversar. E tenho
muitos ingredientes para um bom lanche, se der fome. Mais sereno Alex seguiu
Ellen até o sofá. — Preciso de sua ajuda para achar Jerry — disparou. Para ela,
Jerry constituía a última criatura que desejava encontrar. Estufou o peito,
preparando um suspiro, mas pensou que seria bom deparar-se com o ex-noivo, caso
pudesse infligir-se mais uma abundante dose de azar. Era engraçado, concluiu.
— Como posso colaborar?

— Primeiro, se você tiver uma chave do apartamento de Jerry, preciso


verificar se ele largou por lá os disquetes roubados.
Era extraordinário como Alex podia soar tão indiferente ao que tinha ocorrido
entre os dois. Parecia haver uma enorme distância entre a noite anterior e a tarde
seguinte. E pensar que fora uma noite especial inesquecível.
"Esqueça!", Ellen exigiu de si própria. Já se passara por idiota mais de uma
vez, não permitiria que acontecesse de novo. Mas o olhar que dirigia a Alex, os
dedos espalmados no rosto acalorado, diziam-lhe que existia a mesma invisível
conexão que os unira na cama. Os olhos de ambos restabeleciam a sincronia, e ela
receou suas lembranças desenfreadas. Sabia, no íntimo, que adoraria almoçar fora
com o amante, envolver-se com ele, trocar mais carícias. Emudeceu pensativa.
— Ellen? — A voz dele a arrepiou.
Alex segurou-lhe o queixo e pousou o polegar sobre seus lábios. Foi um
toque quente, que positivamente derrubou suas defesas.
— Você está bem? Parece ruborizada.
Ela tornou a concentrar a mente na conversa. O que ele tinha pedido mesmo?
Ah, sim, a chave de Jerry.
— Tenho uma chave dele na bolsa. Você pode levá-la emprestada.
— Obrigado. Também gostaria que você olhasse sua passagem de avião
para a lua-de-mel e verificasse se Jerry utilizou a dele.
— Com certeza. Ele está com Mia.
— Talvez, mas preciso me assegurar. — Ele acomodou-se melhor no sofá. —
E há mais um detalhe.
O que quer que fosse a culpa poderia ser posta nela, já que era uma
detestável azarada.
— Qual? — perguntou ansiosa.
— Antes, quero que não julgue que foi culpa sua.
Cabia somente a ela julgar. Por isso, aguardou o relato de Alex.
— Jerry danificou nosso processador de dados, introduzindo uma senha na
tentativa de decifrar a linguagem codificada. Isso significa simplesmente que não
consigo acessar uma cópia nova do projeto. Os dados saem embaralhados. Peço

36
para você pensar cm qualquer coisa que ele possa ter usado como senha.
Jerry havia criptografado os arquivos do computador de Alex? Parecia uma
façanha superior a seu nível de inteligência e imaginação. Mas podia ser coisa de
Mia. Ela, sim, era esperta demais, c quando punha algo na cabeça, nada a
segurava.
Bem, agora tanto Mia quanto Jerry estavam desaparecidos.
—Tem certeza de que Jerry roubou o projeto?—ela perguntou.
— Quem mais? — Alex retrucou como que desafiado.
— E Mia?
— Minha assistente não faria isso. — Ele contemplou a interlocutora. — Está
acusando-a porque ainda sente algo por Jerry?
Não deveria.
— Eu ia me casar com ele. Ninguém consegue apagar sentimentos fortes em
apenas uma noite.
— Mais do que desafio, foi quase um insulto.
— Mas ele a abandonou.
— Jerry me amava. — Foi uma frase fora de propósito, mas para Ellen era
uma verdade. Jerry somente não a havia amado a ponto de casar-se, por isso
resolvera fugir do compromisso na última hora.
Os olhos de Alex escureceram, sob um véu de raiva. Faltavam-lhe condições
para ouvir as confissões amorosas de Ellen. Teria de pensar no assunto, mas era
possível antecipar que ela estava com a razão. Se Jerry não era imaginativo, era
totalmente previsível em suas idéias e atitudes.
Essa previsibilidade renovou as esperanças do empresário em encontrar o
funcionário foragido. Perspicaz, Ellen notou que ele não se achava disposto a ouvir
sua história pessoal. Deixara claro que estava ali por outro motivo.
— Muito bem, explico depois — ela retraiu-se. —Vou apanhar a chave do
apartamento. E também podemos ir até o aeroporto.
Ellen ainda permanecia em dúvida quanto às qualidades de Jerry como
ladrão de alto nível, mas retirou sua inútil passagem aérea da porta da geladeira,
onde estava presa por um ímã, e jogou-a na bolsa. Arrumou-se rapidamente e,
quando retornou à sala, Alex deu-lhe o braço para saírem.
Aquela prometia ser uma tarde desagradável. Fazer o quê?
A escola em que Ellen trabalhava na condição de sócia estava instalada num
bonito sobrado branco, a quatro quadras do apartamento em que morava. Tinta
fresca nas paredes sinalizava que o lugar era bem cuidado. Alex a seguiu porta
adentro e piscou os olhos sob o efeito das luzes fluorescentes que ela acendera.
Por ser fim de semana, o estabelecimento se encontrava vazio. Mas as cores
primárias da pintura, com efeitos geométricos, e as amplas janelas pelas quais
passavam os raios de sol deixavam tudo muito limpo, leve e convidativo.
Convidativo como Ellen, com as mãos na cintura, rebolando
provocativamente para Alex, enquanto caminhava pelos corredores, até chegar a

37
sua sala. O inventor pigarreou curioso em relação ao piso cerâmico, aos brinquedos
alinhados em estantes, às reluzentes carteiras escolares de tamanho reduzido, que
lhe deram saudade da própria infância.
Da incursão no local, ele extraiu uma grande verdade: a mulher que
administrava aquela pré-escola não podia ser uma pessoa amaldiçoada pela má
sorte.
— Como você achou tudo isto? — perguntou, admirado.
— Depois de comprar meu apartamento, passei a procurar nas redondezas
um bom lugar para abrir um negócio com minhas sócias. Esta casa foi posta à venda
um mês depois.
Se isso fosse azar...
— E por que uma escolinha?
— Sempre gostei de trabalhar com crianças.
— Nesse caso, poderia ter-se tornado professora.
Ela ponderou a vantagem, ou a sabedoria, de colocar Alex Morrow a par de
seus sonhos e projetos. Encorajá-lo nessa direção seria uma má idéia. No entanto,
Ellen tinha necessidade de dividir com ele tudo o que os próprios pais nunca haviam
entendido. Ali, cuidando de crianças, muitas vezes pobres e carentes, ela ganhara a
oportunidade de fazer a diferença. Estava provando que era capaz de fazer algo
corretamente, por isso levara Alex até a escolinha.
Dentro de sua sala, Ellen inclinou-se sobre a mesa a fim de procurar algum
papel. A visão dela deliciou Alex. Os quadris se curvavam para cima, a cintura
afinou-se e os seios se empinaram contra a roupa. Vestia calça e blusa de moletom
folgado, mas ele conhecia cada centímetro do corpo que o traje cobria, cada dobra c
a textura da pele.
Sua mente foi forçada a atentar para o que ela dizia.
—Pensei em lecionar no jardim da infância, mas desisti depois de constatar a
burocracia reinante. Este foi o meu sonho realizado, a possibilidade de abrir um
estabelecimento com um projeto de ensino avançado, inovador. Além disso, há
vagas para crianças sem recursos, que aqui encontram as oportunidades deque vão
precisar na vida.
— Vejo que você as ama.
— Todas são crianças maravilhosas. Honestas, meigas, às vezes, brilhantes.
Já descobrimos aqui mais de um menino superdotado. Foram encaminhados a uma
escola especial, mas continuaram nossos amigos. Num bairro carente como este, a
idéia é envolver os pais no processo de ensino. Geralmente, eles não ligam muito,
até os próprios filhos os estimularem a comparecer às reuniões e aos eventos.
—Parece exaustivo. Não é trabalho demais para uma só pessoa?
— Não, divido as tarefas com minhas amigas e sócias. Mas, se fosse
cansativo, seria uma esplêndida forma de fadiga. Em certos dias tenho de trabalhar
até tarde, mas sinto-me poderosa, invencível. É uma sensação agradável.
— Sem a menor dúvida. Ellen captou o olhar agora suave de Alex quando ele
se arqueou

38
sobre seu corpo. Pretendia beijá-la. Tudo o que havia dentro dela
parou, em latente expectativa. Só que beijar o empresário seria
uma tolice, uma irresponsabilidade.
E ainda assim ela não logrou desviar-se ou escapulir. Esperou que os lábios
de Alex chegassem perto de seu rosto, até sentir-lhe a respiração na face. Todavia,
a lembrança viva da última noite a empurrou para uma ação: pescou na bolsa a
chave do apartamento de Jerry e apresentou-a ao inventor.
Alex não se deteve só por causa disso. Pressionou o peito contra o dela e
desse modo a deitou sobre a mesa. Segurou os lados do corpo de Ellen com os
braços firmes, mas, como cavalheiro, não a imobilizou completamente.
Ela ergueu a chave na mão, mostrando-a tal qual um troféu.
— Aqui está. Se você for ao prédio dele com isto, o porteiro não lhe causará
nenhum problema. A chave abre tanto a porta de entrada como as internas.
— Querida... — ele murmurou. — Você achou a chave para o meu coração.
Então, Alex a beijou com um misto de ternura e paixão.
O coração dele entrou em ritmo acelerado, bombeando o sangue com certo
sobressalto.
Lembrou-se do momento na festa de recepção em que Ellen se definira como
um iceberg pronto para afundar o Titanic. Se ela fosse um bloco de gelo flutuante,
tomara que rompesse seu casco! Seria mais correto que se apresentasse como um
vulcão em atividade, pois o calor que vinha de sua boca,
onde a língua dele se introduzira sem cerimônia, era digno de uma erupção.
Apesar de sentir fraqueza nos joelhos, Alex clamou por mais. Mais contato,
mais calor, mais Ellen. Mas ela tirou a boca de seu alcance. Intrigado, mas não
vencido, ele passou a lamber o pescoço dela.
— O que estamos fazendo? — Ellen alarmou-se.
— Brincando de pele contra pele — respondeu Alex. — E você tem um gosto
ótimo.
— Não é uma boa idéia.
O empresário contra-atacou, fazendo a língua percorrer a nuca daquela
deusa.
—- Como não? — balbuciou. — É uma grande idéia.
— E quanto aos disquetes desaparecidos? E quanto à maré de azar?
Ela não pareceu agitada por nenhum dos dois problemas, mas a menção
deles representou uma bofetada no rosto de Alex.
— Pare com isso! — ordenou. — Você não é azarada nem tem ailpa de nada.
— Gostaria de acreditar, mas são anos e anos de má sorte. Só não lhe conto
tudo porque você seria incapaz de aceitar a verdade.
Ele sentou-se perto da mesa, e ela se recompôs.
— Já pensou que não haveria a menor possibilidade de você administrar este

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lugar se carregasse alguma espécie de maldição nu de mau-olhado?
Percebendo o estado alterado de Alex, Ellen calou-se e acariciou os cabelos
dele com os dedos, numa tentativa de acalmá-lo. Paia isso, desceu da mesa e ficou
vergada sobre o empresário, inspirando pesadamente. A pele de Ellen continuava
sensível, os
olhos, injetados de paixão e urgência. Aquele moletom folgado que trajasse
tinha irritado Alex, assim como a pretensão de fazê-lo crer em malefícios, induzidos
por algum espírito perverso.
Nada importava mais do que a sedução oferecida por Alex Morrow. Ele havia
sido tolo ao contestá-la. Como podia um homem desejar sexualmente uma mulher
se gritava com ela, acusando-a
de ser teimosa?
Teimosa, talvez. Mas por certo tentada. Ela sorriu ante o novo gesto de Alex
para ajeitar os óculos, e o sorriso teve sua marca: franco, honesto, extrovertido,
inocente. A tensão no tórax masculino arrefeceu. O coração retornou ao normal.
— Não viemos aqui para discutir — ele afirmou. — Vamos esquecer tudo e
fingir que nada aconteceu, até encontrarmos Jerry
e Mia.
Então os beijos dela eram esquecíveis?
— Não se preocupe. E pegue isto. — Outra vez Ellen lhe ofereceu a chave, e
o empresário sentiu um frêmito de emoção.
— Obrigado. Talvez consigamos o reembolso do dinheiro da passagem
aérea.
— Você pretende prosseguir com este jogo?
Alex colheu a nítida impressão de que o jogo ao qual ela se referia era outro,
bem diferente. Parecia estimulada a agarrá-lo e satisfazê-lo sexualmente ali mesmo,
utilizando a mesa ou o chão como ninho de prazer. Ele sorriu de novo, reconfortado.
De algum modo, havia afetado Ellen, impondo-se a ela. Por isso surgiu um ar de
desapontamento no rosto da mulher quando ele disse:
— Vamos sair.

Capítulo V

O interior do bar e lanchonete no aeroporto era sombrio, quente e


enfumaçado, de acordo com o humor de Alex naquele momento. A companhia aérea
não havia liberado as listas de passageiros para ele, agindo dentro da lei. Agora, o
que fazer? Talvez Pete conseguisse acessar o sistema de dados da empresa de
aviarão, a fim de verificar se Jerry tinha embarcado, quando e para onde. Quanto ao
reembolso da passagem, Ellen deveria procurar a agência central da companhia.
Enquanto Ellen devorava um prato de batatas fritas, Alex tentava se
convencer de que o roubo dos disquetes era o pior dos crimes De Jerry, mas ela se
mostrava tão desalentada que tudo que Alex desejava era colocar as mãos em seu

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ex-noivo, e por mais de um motivo. Nenhum, porém, tinha a ver com o fato de que o
sucesso profissional dele dependia da recuperação do material furtado.
O desânimo interrompeu o apetite de Ellen. Ela pôs de lado as batatas e
olhou vagamente para Alex.
— Ainda não entendo. Por que ele me abandonou? Pensei que me amasse.
— Talvez Jerry a tenha deixado porque estivesse na posse de mu material
precioso e não quis se arriscar a ser detido pelas autoridades. Ou pego por mim.
Não podia aparecer em seu próprio casamento.
— Ele me descartou sem piedade. — Ellen meneou a cabeça.
—Não acredito que Jerry tenha roubado seu projeto. Seria melhor para mim
que fosse verdade, mas não faz sentido. Jerry não. Mia. Talvez.
—Mia carece de conhecimentos para mexer no computador do modo como
foi invadido.
— Alex afastou a hipótese de que sua avoada secretária possuísse uma
mente voltada para a espionagem empresarial.
— Mas mexeu, e não consigo ver Jerry como ladrão. Já tentei, mas foi inútil.
No início, minha raiva tendia a tornar isso fácil, por mais ilógico que pudesse
parecer. Depois, surgiu você para me distrair desse problema. Acho que nunca
pensei seriamente nele.
— Para distrair você? — Alex recebeu a frase como um elogio. —Bem, esse
não é o ponto. Apenas creio que Jerry não roubou nada. Gostaria de vê-lo pagar
pelo que me fez, na cadeia. Porém, ele é inocente. — Ellen tomou um gole de
refrigerante.
— Ele me i abandonou e Mia desapareceu. Devem estar juntos no Havaí.
— Pode explicar melhor? — Alex tomou um pouco de seu vinho.
— Certo, é como minha vida toda funcionou. Cada vez que me interesso por
um homem, ou alguém se envolve comigo, começam a acontecer... coisas
estranhas.
— Coisas estranhas?
— Maus passos. Acidentes. Fatos que lembram feitiçaria.
— Por exemplo?
— Aos quinze anos, um estudante me convidou para ir a uniu festa na escola.
Era um rapaz inteligente, simpático, tímido. Dançamos e, de repente, o galã do
colégio me abordou, insistindo em me tirar. Como eu estava acompanhada e feliz,
recusei educada-; mente. Não gostava do outro. Pouco depois, meu acompanhante
foi encontrado sangrando no banheiro masculino. Tinha levado socos e perdido
alguns dentes.
— Não é uma situação tão inusitada.
— Talvez, mas eu é que o coloquei naquela enrascada. Ellen soergueu as
sobrancelhas e fitou Alex.
Lembrava uma criança, no moletom folgado que ele detestasse cada vez
mais. Dl fato era feio, totalmente antifeminino. Mas ela continuava bonita sentada ali

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e tentando convencê-lo de que era uma vítima do azar. Não comprou essa teoria,
porém, desde que ela não voltasse a gostar de Jerry, poderia falar o que bem
entendesse.
— Bem, vamos esquecer minha adolescência e passar ao que importa.
— Fique à vontade.
— Freddie foi meu primeiro noivo. Frederick Barrington.
— Da Corporação Barrington? — Alex não podia ouvir falar daquele seu rival
nos negócios, um dos empresários mais ambiciosos da cidade, sempre envolvido
em práticas rudes e diretas, porém, infelizmente, legais.
— O próprio. Conhecemo-nos na faculdade. Eu tinha vinte anos quando
decidimos nos casar. Acima de tudo, eu desejava ser uma boa esposa e mãe.
Freddie sabia disso. Depois de dois anos de noivado, pediu-me em casamento.
— E o que aconteceu?
— Ele sofreu uma auditoria da Receita Federal, ficou alguns dias preso por
sonegação fiscal e teve de fechar sua primeira empresa. Mesmo assim, minha mãe
e eu conseguimos garantir uma grande festa de casamento. Freddie não quis adiar,
mas no dia do matrimônio uma grande amiga minha faltou. Sem contato com ela, •lei
ordem para começarem a cerimônia, com uma hora de atraso.
Alex pressentiu que não ouviria nada de bom na seqüência.
Não adiantou. Freddie não compareceu. Minha mãe quis saber o que eu
queria fazer. Ora, eu queria gritar, espernear e arrancar o vestido de noiva. Mas isso
não era o que todos esperavam de mim. Pedi que a festa fosse mantida. Duas
semanas mais tarde, freddie e Carrie, a minha amiga, voltaram à cidade, casados.
— Ellen sorriu tristemente para Alex.
— Eu era jovem demais para notar os sinais, mas agora sei.
Sabe o quê?
Os homens me temem, Alex. Sou como uma maldição ambulante.
Ele deu de ombros, satisfeito por Frederick ter descartado Ellen. Ela teria sido
infeliz com aquele oportunista.
—Você tinha quantos anos? — Questionou. —Vinte? Era quase uma
adolescente, pronta para tentar de novo.
— Sim, foi o que fiz. E meu segundo noivo foi Barnard Colby. Tivemos um
namoro tempestuoso, depois que o conheci num congresso sobre educação infantil.
Meu pai queria que eu contratasse mais profissionais para a escolinha, e Barnard foi
contra, embora tivéssemos muitos interesses em comum.
Ellen guardou uma pausa a fim de refletir sobre o que dizia. — Ele estava
prestes a assumir uma creche empresarial — continuou —, quando foi acusado de
desfalque na escola em que trabalhava e teve cassada sua licença de pedagogo.
Dois meses antes do casamento, a casa dele pegou fogo. Propus adiarmos tudo,
mas Barnard discordou. Convenceu meu pai de que tinha condições de ' sobreviver.
Acho que eu o amava, por isso aceitei manter nosso objetivo de levar adiante nossa
intenção de casar.
Inquieta, a narradora apanhou uma batata frita entre as que descartara.

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— Na manhã do dia do casamento, tudo parecia em ordem, sem nenhum
problema comigo, com o noivo, com os convidados, com os fornecedores da festa.
— Ele não fugiu com alguém, na última hora?
— Sim, só que dessa vez eu não conhecia a parceira de Barnard. Duas
semanas depois, ele apareceu cheio de desculpas e explicações. Não pude culpá-lo,
pois não me amava do modo como um homem deve amar sua esposa.
Alex optou pelo silêncio. Terminou de beber seu vinho, exasperado. Com
vontade de bater nos antigos noivos de Ellen. Ainda! Que não acreditasse em forças
do mal, compreendia por que ele pensava assim. Havia ficado noiva três vezes, e
lhe falara do« primeiros pretendentes. Faltava o terceiro, Jerry, que na verdade
detinha o maior interesse por parte de Alex.
— Fale-me de Jerry — pediu.
— Essa história você conhece de perto.
— Ele e eu tínhamos uma relação profissional, mas não éramos amigos.
— Comigo foi diferente — atalhou Ellen. — Jerry, Mia e eu formamos um trio
de amigos por longo tempo. Estava começando a ficar desesperada.
— Com o quê?
— Eu queria filhos, Alex. Sempre amei as crianças, e já estou à beira dos
trinta anos. Com o tempo, vai ficando cada vez mais difícil engravidar. O sonho de
me casar e ter filhos era compartilhado por Jerry. Ele se dizia pronto para constituir
família. Assim, decidimo-nos pelo casamento.
Eilen ficou fora do ar quando Freddie e depois Barnard a abandonaram.
Contudo, esperava esse desfecho, inusitado, mas compreensível. Jerry, porém,
sabia como ela dependia dele, e do mesmo modo fugira da raia.
Ela já não se importava, dizia a si própria que poderia viver sozinha e em paz,
sem marido nem filhos. O certo é que não amava Jerry. O estranho é que não tivera
raiva dele por causa do abandono. Sentira-se entorpecida, sem reação nenhuma,
vazia de emoções no que dizia respeito ao ex-noivo.
Agora sua vida acabava de abrir espaço para Alex Morrow.
Caloroso, forte e sensual, ele também era teimoso e obstinado, mas
charmoso e gentil. Com ele, Ellen não conseguia ser neutra nem vazia. Seu torpor
era sempre dissipado por um sorriso encantador, um sorriso que enchia sua alma de
calidez e senso de aceitação.
Melhor não confiar tanto naquele sorriso.
Alex não entendia a sina de Ellen, condenada a sofrer golpes pessoais de
azar e a espalhá-lo em torno de si. Se entendesse, por certo não lhe sorriria mais.
Podiam ser amigos, parceiros, colegas. Nessa condição, ela o ajudaria a reaver os
disquetes, porém um relacionamento afetivo estava fora de cogitação. Enquanto
Ellen o convencesse de que estarem juntos não tinha maior significado, ele ficaria a
salvo. Ela também.
Ainda não havia sido descoberta nenhuma técnica capaz de recuperar
arquivos no estado que Alex descrevera. Em vez de formar-se com o sombrio
cenário, Ellen tomou a iniciativa de enfrentá-lo.

43
— Roubar os disquetes e vender o sistema que você desenvolveu não fazem
parte do perfil de Jerry. Ele é tolo. E leal. Não o vejo fraudando a firma que o
contratou.
— Talvez ele só tenha fingido ser tolo — Alex sugeriu.
— Por dez anos? — Ela não acreditou naquela possibilidade.
— Nunca se sabe. Por exemplo, há assassinos em série ou estupradores
cruéis que nunca despertaram a menor suspeita entre seus vizinhos.
—Bem, não foi Jerry. Pensei bastante e tenho razoável margem de certeza.
— Não está dizendo isso porque vocês dois foram noivos?
— Não, porque o conheço há muitos anos. Seria impossível que praticasse o
roubo, pois é algo que exige mais imaginação do que ele tem.
— No entanto, você estava prestes a se casar com ele.
— Eu não procurava um homem imaginativo, e sim previsível, convicto de
querer uma família tanto quanto eu.
— Supondo que acredito, quem teria feito o estrago?
— Se eu tivesse de escolher entre as duas pessoas desaparecidas... Optaria
por Mia.
— Não creio nisso.
— Ela é astuciosa, criativa, sabe como agir em benefício próprio.
— Perdão, Ellen, mas essa não é a pessoa que trabalhou comigo pelos
últimos três anos. Mia sempre me pareceu avoada. Não me entenda mal. Era
competente como secretária, mas não uma profissional brilhante.
— Ela simplesmente o iludiu, meu caro.
— Como assim?
— Mia tem mestrado em Ciência da Computação. Formou-se em primeiro
lugar na classe. E foi quem me apresentou Jerry. Nós duas éramos colegas de
quarto, e Jerry fazia o mesmo curso que ela. Não incluiu isso no currículo?
— Não. — Alex mostrou-se aturdido. — Contratei Mia por recomendação de
Jerry, e não constava nenhum curso superior em
seu currículo.
— Bem, o objetivo principal de Mia consistia em achar um marido rico —
completou Ellen. — Por isso escolheu estudar informática, que lhe abriria as portas
de prósperas empresas. Encontrou um, mas o deixou depois de um ano de vida em
comum. Descobriu que tinha uma amante. Ela conseguiu bloquear todas as contas
bancárias e cartões de crédito dele, embora fosse declarado morto pela Previdência
Social. Maldade, sim, mas também um golpe de gênio. — Ellen deu de ombros. —
Mia é um pouco frívola, concordo, mas muito inteligente.
— Bem, se o cenário é esse — comentou Alex , eu estava caçando a pessoa
errada.
— Talvez não. Jerry me deixou sozinha na igreja, e Mia está em local
ignorado. Acredito firmemente que estão juntos. E mais: se Jerry souber que ela

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roubou seus disquetes, provavelmente vai tentai - devolvê-los. — Ellen fez uma
pausa e refletiu. — Também pode ser que Mia tenha cooptado Jerry como cúmplice.
Mas ele é, ou era, uma pessoa confiável.
— Você está racionalizando, de modo que Jerry pareça inocente. Ainda gosta
dele.
— E você está ficando obcecado com isso.
— Lembre-se. — O punho de Alex novamente se fechou sobre a mesa. —
Ele a abandonou. Como pode confiar num homem assim?
— Veja Alex, talvez Jerry tenha desistido de casar-se comigo, mas decidiu
seguir viagem com Mia a fim de recuperar os disquetes para você.
— Só que continua desaparecido. — Alex não pretendia encorajar Ellen em
seus sentimentos pelo ex-noivo. Considerava que não era a pessoa certa com quem
ela devesse ter filhos.
Ela olhou firme para o empresário, que se sentiu incomodado pelo exame e
ajustou os óculos.
— De todo modo, isso derruba sua teoria sobre a má sorte — falou Alex.
— O que você quer dizer?
— Se Jerry está no encalço de Mia, coisa em que não acredito, eles não se
casaram, então o ciclo de azar foi rompido.
— Não necessariamente. Muitos fatos perturbaram Jerry. Ele me abandonou
e Mia sumiu. Posso ligar para o hotel em que íamos ficar durante a lua-de-mel e
descobrir se os dois deram entrada lá.
— E se não estiverem hospedados?
— Então terei de admitir que mudassem de destino para não serem
encontrados. Na prática, uma fuga. De qualquer modo, eu o manterei informado. —
Não obstante as dúvidas de Alex sobre o papel do azar em sua vida, Ellen se
recusava a acreditar que o ciclo havia sido interrompido num passe de mágica.
Enquanto não falasse com Jerry e ouvisse explicações, tinha de acreditar que a má
sorte continuava agindo, como um abominável feitiço.
Alegando ter perdido o apetite, Ellen não quis outro prato além das batatas.
Sugeriu a Alex que fossem embora, com o que ele concordou.

Capítulo VI

Ellen acomodou o corpo sobre o couro macio do carro de Alex. — Temo me


acostumar com ele — disse.
— Com o estofamento?
— Com o carro inteiro. Aposto como serve para atrair garotas incautas.
— Mas é você quem está aqui, não? — Alex ligou o motor e manobrou a fim
de sair do estacionamento.
— Espertinho... — O ruído suave do motor conduziu Ellen a um estado

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mental mais relaxado e confortável, em grande parte devido à presença de Alex.
Estava descobrindo que apreciava ficar ao lado dele, mesmo i-m silêncio.
Algo tolo, perigoso, mas ainda assim desfrutável. Era ótimo sentir o calor dele,
receber suas atenções, para não falar dos momentos mais íntimos. Na verdade,
Ellen deu-se conta de que não experimentava tal disposição havia muito tempo,
incluindo o tempo de Freddie, Barnard ou Jerry.
Até conhecer Alex, ela tinha sido fria, solitária, arredia. Agora, queria se
aquecer com a proximidade dele, prolongar o convívio. Não existia razão alguma
para furtar-se a esse prazer. Claro, Alex precisaria entrar em harmonia com a
vontade dela, mas nessa área parecia não haver problema.
- Conte-me um pouco de sua empresa — ela pediu.
Alex pensou um pouco antes de suspirar e fazer seu relato.
— Eu tinha vinte anos quando fui recrutado por um centro de pesquisas
meteorológicas. Você sabe que não é apenas uma questão de informar as pessoas
se vai chover ou não. As previsões mais avançadas têm grande papel na agricultura,
nos negócios do campo em geral. Meus empregadores conheciam meus projetos de
aperfeiçoamento das previsões, pagaram meu curso de especialização e me deram
o primeiro contrato para que abrisse minha própria empresa.
— Você ficou nervoso?
— Aterrorizado. Mas os resultados foram aparecendo aos poucos, e além do
governo passei a atender ao setor privado. Infelizmente, os principais elementos do
projeto final ficaram nos disquetes roubados.
— Lamento.
— Obrigado. E mais uma vez, você não tem culpa.
Ellen absteve-se de retomar o tema da má sorte, que havia desenvolvido na
lanchonete. Alex se mostrara visivelmente aborrecido, além de incrédulo.
— O que vai acontecer agora?
— Se eu não localizar os disquetes, não sei. Eles valem muito dinheiro no
mercado de tecnologia. Pode ser que tenha de fechar a firma, seria trágico, porque
não envolve apenas a mim, mas os funcionários que sempre me ajudaram e que
têm família para sustentar. Envolve Pete, meu irmão e sócio, que com o tempo
poderia tornar-se um novo Bill Gates. Mas ele colocou suas ambições pessoais
acima da participação nos negócios da empresa.
Ela o estudou com um olhar perspicaz. As pequenas rugas na testa e no
canto dos olhos indicavam autêntica preocupação, mas também teimosia.
Aparentemente, o escudo protetor de Alex Morrow contra o fracasso havia sido
violado.
Ellen não compreendia como ele podia assumir tantas responsabilidades,
inclusive pelo bem-estar dos funcionários. Talvez fosse por isso que o empresário,
com pouco mais de trinta anos, ainda não houvesse se casado e tido filhos. Alex era
um protetor por natureza. Estressava-se na tarefa de manter felizes todos os que
dependiam dele.
E a noite anterior? As maravilhosas horas de amor teriam sido apenas o que
se chama de sexo piedoso? Um calafrio frisou esse pensamento. Ellen preferiria

46
morrer, mas lançou uma pergunta com um toque de acusação:
— Você é mesmo um cavaleiro andante medieval, com lança e escudo, não
é?
— Faço o que tenho de fazer — ele retrucou seguro de si.
— Como na noite passada?
— Nada disso. Aí se tratou de uma real e honesta atração por você.
— Tem certeza? Porque detesto a idéia de ter servido a mais uma missão
heróica.
— O que espera que eu diga? Se eu me desculpar, pensará que de fato foi
uma missão heróica e que eu lamento que tenha ocorrido.
— E lamenta? — Ellen insistiu.
—Não. Você tem razão quanto ao momento em que aconteceu que não foi
dos melhores para nenhum de nós, mas não me arrependo. Caso pudesse realizar
as coisas do meu modo, arranjaria tempo para conhecer você melhor, e então faria
tudo de novo.
Ellen receou que Alex estivesse gracejando, por causa do tom informal, mas
isso não importava.
— Você deveria permitir que as pessoas cometessem seus próprios erros —
comentou ela.
— Certamente. Mas preciso intervir quando os erros afetam minha vida ou
meus negócios. Ou seja, quase sempre. Também me preocupo em prevenir
equívocos.
— Como no caso dos disquetes roubados — ela ironizou.
— Sim.
— Quem quer que tenha levado o material, agiu pela própria consciência.
Não havia nada que você pudesse fazer.
— Mas o projeto era minha responsabilidade. Poderia ter tomado precauções
contra roubo, pirataria ou coisas do gênero.
— Pelo que entendi—Ellen procurou tranqüilizar o empresário, você fez tudo
o que podia.
Se alguém estava determinado a roubar os arquivos, encontraria uma
maneira, por mais que você implantasse medidas de segurança.
— O problema agora é encontrar o ladrão o mais cedo possível, seja ele ou
ela, e dar-lhe uma boa lição.
— Como pretende agir?
— Vou tentar localizar Jerry, recuperar os disquetes e salvar minha empresa.
Quero vasculhar o apartamento dele, mas qualquer outra sugestão que você tenha
será bem-vinda.
— Penso que seria melhor verificar os possíveis locais de refúgio de Mia.
— Por enquanto vamos nos concentrar em Jerry.

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Alex fitou a parceira, que foi tomada por um súbito embaraço por ter-se
tornado o centro de suas atenções.
— Está bem, mas pense no que eu disse. — Ellen encolheu-se no banco de
couro.
— Você o conhece de perto — Alex emendou. — Jerry tinha seus lugares
favoritos? Algum passatempo predileto?
— Tanto não o conhecia bem que ele me deixou na mão.
— De qualquer modo, foi mais íntima dele do que qualquer outra pessoa
neste carro.
Ela suspirou. O empresário lesado era efetivamente teimoso.
— Jerry freqüentava diversos clubes dotados de campos de golfe. Era uma
de suas manias. Também comprava carnes de ingressos para acompanhar o
campeonato de basquete.
— Quais clubes? Algum deles tem chalés ou quartos para os sócios?
— Bem, lembro-me do River Club, mas esse não oferece acomodações para
os sócios. Pode ser que Jerry tenha comprado uma casa nas imediações sem me
contar.
— Improvável. Existe outro clube?
— Hampton Green.
— Desse já ouvi falar. Tem os melhores jogadores de golfe, não? E é uma
estância com hotel para os freqüentadores, certo?
— Certo. »
— Por acaso você tem o número de telefone deles?
— Não. — Apanhou da mão de Alex o celular que ele acabara de tirar do
bolso. — Mas sei quem tem. — Retirou da bolsa uma caneta e um pedaço de papel,
no qual rabiscou o telefone de Vera. — Mas acho que é perda de tempo. Mia odeia
golfe.
Vera atendeu sem demora, antes que Alex pudesse rebater o comentário de
Ellen.
— Como tem passado? — perguntou a irmã.
— Bem. A dor de cabeça cedeu. Hoje até almocei. Você pode me dar o
número do Hampton Green?
— Claro. Por quê?
— Gostaria de jogar um pouco de golfe.
— Você? — Vera riu, porém não argumentou.
A irmã ouviu-a folhear as páginas da agenda de telefones. Anotou a
informação e julgou que devia a Vera uma explicação.
— Depois da fuga de Jerry, decidi ampliar meus horizontes e aprender golfe.
— Bom. Assim poderá acertar uma bola veloz na cabeça dele. — Vera riu de
novo e desligou.

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O carro atravessou um túnel nas proximidades de Monte Santo,
0 bairro de Ellen, e ela teve de esperar a travessia com o celular de Alex na
mão. Depois, teclou o número do clube e perguntou ao recepcionista qual era o
quarto de Jerry. Ele não estava hospedado lá. Quis saber de Mia, que também não
estava. Então, teve a idéia de perguntar por Mia acrescentando o sobrenome de
Jerry. Infelizmente, a pessoa citada não era hóspede do hotel do clube
Hampton Green.
Pouco mais tarde, o celular tocou, impossibilitando qualquer conversação
dentro do carro. Alex atendeu.
— Sim? Quando? É grave? Posso fazer alguma coisa? Estarei ai em dez
minutos.
Ellen imaginou um parente acidentado. Ficou preocupada até que Alex
rompeu o silêncio.
— Você tem compromisso para o período da tarde? -— ele indagou.
— Por quê? O que aconteceu?
— Algo engraçado. — Talvez houvesse uma vitrina fatal, e ele achava
engraçado! — Pete tentou reverter à linguagem cifrada do computador, sem
nenhuma senha, e a máquina liberou um vírus.
— Um vírus! — Ela perdeu o fôlego e ficou pálida.
— Vou repetir: não é sua culpa, Ellen.
— Como sabe? Se não tivesse vindo me ver hoje, Pete poderia ter quebrado
o código sem espalhar o vírus.
— Muito improvável. Vírus de computador é coisa planejada. Devia estar lá
desde antes de nos conhecermos. Mas você é capa/ de nos ajudar. — Olhou para a
passageira e viu que o olhar dela já mostrava apreciação.
— Tudo bem. Vou com você, mas se algo estranho acontecer... Para que vai
precisar de mim?
Sem falar nada, Alex bateu com a mão na perna da passageira, imaginando
quando poderia subi-la do joelho até o vão das coxas, depois de remover aquele
horroroso moletom.
Atrás do empresário, Ellen entrou nas dependências da firma dele, chamada
Sistemas Edge. Pete os aguardava. Alex retirou a gravata e guardou-a no bolso do
paletó.
— É sério — foi dizendo o irmão do inventor. — Quando quebrei a linguagem
codificada, o vírus foi liberado. Por mais que fizesse, não consegui deter a
contaminação. Por isso, chamei você.
Os homens dirigiram-se apressados até a sala de sistemas, e J Ellen ficou
sozinha na recepção. Examinou o ambiente. A decoração combinava com o dono:
discreta e elegante, mesclando vermelhos e dourados. Masculina e impositiva, mas
ainda assim quente e acolhedora. Como Alex.
Andou em círculos por ali e considerou a idéia de partir sem aviso. Já havia
dedicado tempo suficiente ao empresário. Não. Deveria ficar. Talvez pudesse ajudar

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em alguma coisa, conforme ele havia pedido.
Pela porta de vidro espesso, entrou na sala que abrigava os computadores.
Pouco diferia de qualquer outra do gênero. Compartimentos formados por divisórias
de plástico cinzento dividiam a área, completada ao fundo por escritórios privativos.
Cada funcionário havia enfeitado seu cubículo ao gosto pessoal, o que redundava
numa atmosfera mais doméstica do que empresarial.
Vozes vieram de uma das salas no fundo.
— Desligue tudo! — bradava Alex secamente.
—Mas, Alex, não sabemos o que o vírus vai fazer com os dados
armazenados — Pete contrapunha.
— Feche, antes que o maldito invasor se espalhe por todo o sistema.
Assaltada pelo sentimento de culpa, Ellen forçou-se a caminhar.
—Tudo bem—Pete concordou por fim e saiu para interromper a fonte geral de
energia elétrica.
Quando Ellen se aproximou, viu uma grande mesa forrada de formulários e
projetos impressos por computador, provável fruto de meses, anos de trabalho.
Acercou-se de Alex, que observava alento seu monitor, até vê-lo apagar-se
totalmente, com uma mensagem de despedida.
Sem gravata, a expressão dele, mais do que pensativa, era de contido
desespero. "Como isso foi acontecer comigo?", parecia perguntar-se.
— É grave? — Ela repetiu a questão que Alex apresentara ao irmão.
— Acho que perdemos metade do conteúdo do disco rígido, antes que Pete
cortasse a energia. E teremos de descobrir a senha, se quisermos salvar a outra
metade.
— Sinto muito — disse Ellen, sinceramente entristecida. Alex olhou de novo
por cima dos ombros, com intensidade,
i orno se pedisse que Ellen não se esquecesse do poder de sua força de
vontade.
C) último olhar dele, tão intenso, dera-se durante a noite de amor, c ela sentiu
um frêmito de excitação por todo o corpo, que lhe alcançou também a pele
arrepiada.
- Não é por influência minha nem sua que tenha acontecido. Apenas não
tomamos medidas mais fortes de proteção e segurança. Estou à frente da firma, e a
culpa termina aqui.
Pete retornou, pedindo desculpas por interromper o diálogo, e Alex o fitou
seriamente.
Ellen sentiu-se contende por ter o olhar do empresário desviado de sua
pessoa.
Respirava mais leve quando ele não a observava.
O que você quer? — Alex rosnou para o irmão.
— Quero saber quando poderemos religar o sistema. Fiz alguns backups dos
arquivos, portanto nem tudo está perdido. Agora não tentaremos mais decifrar os

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dados sem um plano de contingência.
—Dê-me cinco minutos — solicitou Alex, concentrando o olhar em Ellen. —
Imagina o que Jerry possa ter utilizado como senha?
— Não sei. — Ela mordiscou o lábio inferior. — A data de nascimento? O
número da Previdência Social? A placa do carro?
—Temos todas essas informações de Jerry no setor de recursos humanos —
lembrou Pete.
— Por que não pensei nisso antes?
— Bem, o momento de pânico já passou, agora conseguimos pensar. Copie e
traga os dados dele — Alex instruiu o irmão.
— Eu lhe disse que Jerry era previsível. Comprava os carnes para os jogos
de basquete para poder se sentar sempre no mesmo lugar. Devemos tentar uma
senha bastante comum. — Ellen desabou na cadeira mais próxima.
— Sinto-me uma idiota por não ter visto esse lado dele.
— Não é pelo mesmo motivo que você tenta me convencer de
que a ladra de disquetes foi Mia?
— É só porque faz mais sentido — Ellen defendeu-se.
— O que faz mais sentido? — Pete indagou, retornando à sala.
— Nada. — Alex adiantou-se e tomou da mão de Pete a folha j impressa com
as informações pessoais de Jerry. Teve uma idéia. — Ainda temos os ingressos
para os jogos de basquete que um cliente nos deixou?
— Claro. Por quê? — Pete estranhou.
— Preciso de dois para o jogo desta quinta-feira. Vou levar 1 Ellen ao ginásio.
— No meio desta confusão você vai a um jogo com ela? — Pete encarou a
visitante, incrédulo.
— Jerry tem ingressos para toda a temporada. Se estiver na cidade e for
previsível como Ellen garante, provavelmente irá ao jogo.
— Só se for extremamente tolo — acrescentou Pete.
— Ele a abandonou, não foi? Você pode conceber tolice maior.
— Bem, não gosto nem um pouco de basquete — ela disse antes de suspirar.
— Mas sabe onde fica a cadeira que Jerry ocupava — Alex argumentou.
Pouco depois o empresário desistiu de tentar as senhas e avisou:
— Nenhuma delas funciona. Alguma outra sugestão?
Ellen esfregou os olhos. Alex não acreditaria nela se dissesse que as
tentativas haviam fracassado porque Jerry era inocente. Achava-se cada vez mais
convencida de que Mia havia roubado os disquetes.
— Experimente alfa delta como senha — propôs.
Em poucos segundos, a confusão de números e letras reinante na tela do
monitor transformou-se numa linguagem reconhecível. Gritos de triunfo, emitidos

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pelos dois homens, preencheram o ar. Ellen, porém, não sentiu satisfação alguma
por ter acertado.
De volta ao apartamento, Ellen como sempre teve de erguer um pouco a
porta pela maçaneta a fim de abri-la. Assim que cruzou a soleira, Pitts saltou sobre a
dona, com todo o peso de sua exuberância. Ela o afastou, para que pudesse fechar
a entrada, mas em seguida agachou-se no piso e permitiu que o cachorro
demonstrasse todo o seu incondicional afeto.
A satisfação que poderia ter sentido, pela ajuda prestada a Alex, estava
enterrada sob camadas de culpa. Culpa não por meio de Jerry, mas de Mia.
Ellen e Mia tinham sido amigas na maior parte da vida. A primeira jamais
imaginara a outra como uma pessoa capaz de magoar alguém por capricho ou
maldade. Não conseguia atinar com nada que Alex lhe pudesse ter feito a fim de
merecer a derrocada de sua In ma e de seu futuro.
Por outro lado, Ellen acertara em suas sugestões e acabaria por encontrar
Mia. Ou o próprio Jerry.
Ela contava com dois dias até o jogo de basquete, prazo suficiente para
providenciar muita coisa. Começaria por procurar Mia no salão de beleza que
freqüentava uma vez por semana. Mia, assim como Jerry, possuía hábitos regulares
e se ainda estivesse NA cidade, como Ellen suspeitava, manteria a rotina e o
horário.
Existiam certos detalhes previsíveis na vida de Mia, entre eles o cuidado que
tomava com sua aparência.
Nesse meio tempo, ela e Alex seriam amigos. Ellen não desejava arriscar o
futuro dele. Seu assistente direto na escolinha poderia cuidar de qualquer problema:
afinal, em circunstâncias normais, ela estaria viajando em lua-de-mel por duas
semanas.
Pitts estendeu a pata no colo da dona.
— Pelo menos nós tivemos Alex aqui por algum tempo.
O golden retriever latiu, depois cocou o pescoço com a pata.
— Eu sei, é patético. Ficar toda derretida por um homem. Mas caí por Alex
porque estava muito sozinha. — Ela afagou as costas do cachorro com certo
alheamento, até que Pitts aninhou-se no colo da mulher agachada.
— Ele acha que meu moletom é sexy. — Prova de que Alex é um pouco
maluco...
— Mas, de agora em diante, seremos só nós dois. Eu e você. Sem intrusos.
O cão latiu tão forte que Ellen teve de forçá-lo a calar-se.
— Entendi. Você apóia que eu não tenha outro namorado por algum tempo,
certo?
— E se fosse por toda a eternidade?
A fuga de Jerry deveria ter tornado mais fácil a vida de Ellen. Ele era o último
de uma lista de homens que, bem ou mal, ela havia destruído. Em vez de uma
repetição do problema, Ellen ansiava por dias menos complicados. Até que
encontrasse Mia, ou Jerry, ou algum tipo de resposta, ela e Alex teriam de ser

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apenas amigos.
"Platonicamente, sem sexo envolvido. Motivo para chorar", pensou.

Capítulo VII

Após um dia e meio vasculhando a cidade aqui e ali, sem sucesso, Ellen
enfrentou o trânsito pesado do centro para chegar de carro até o salão de beleza
favorito de Mia. Era nas tardes de quarta-feira que a secretária foragida de Alex
costumava sair mais cedo do trabalho para retocar o penteado, além de fazer mãos
e pés, incluindo massagem. Preguiçosa o bastante para cuidar sozinha do próprio
visual, ela sem dúvida passaria pelo salão, desde que ainda estivesse na cidade.
Ellen estacionou no terreno privativo do salão e sentiu a diferença entre seu
desgastado Volvo e os automóveis de luxo que podiam ser vistos ali, até mesmo um
Rolls Royce. Entrou rapidamente e deixou-se envolver pelo calor reinante no lugar.
Havia freqüentado ali com Mia algumas vezes e compreendia por que ela
procuraria manter seus compromissos com hora marcada. O luxuoso salão, além de
um centro de cuidados estéticos, instituía um porto-seguro para lazer, conversas
agradáveis e descontração. Claro, cobrava um preço equivalente à qualidade dos
serviços prestados.
Dois anos antes, Mia dera de presente de aniversário há Ellen um dia inteiro
de tratamento no salão. Em função dessa e de algumas outras visitas, ela era
conhecida ali. Mesmo assim, ficou surpresa por ser saudada pelo nome, ao se
aproximar da elegante senhora atrás do balcão de recepção.
— Olá. Estou procurando por Mia. Ela está? — Ellen removeu o cachecol de
lã que lhe rodeava o pescoço.
— Infelizmente, acabou de sair.
— Ah! Por acaso você sabe para onde foi?
— Não, Mia não falou, e está fora de nosso regulamento perguntar. Mas ela
parecia abatida. Conversou pouco.
Fazia sentido. Aquela mulher havia arruinado um projeto de quase um bilhão
de dólares. Era esperta o bastante para manter a boca fechada, sobretudo diante de
indiscretos cabeleireiros. Menos astuta, porém, para manter-se escondida.
— Obrigada. — Ellen fez meia-volta e saiu.
— Foi um prazer vê-la, sita. Scott — retrucou a atendente. — Gostaria de
marcar hora, para qualquer dia de sua preferência?
— Não, obrigada de novo. — Ao abrir a porta que dava para o
estacionamento, sentiu a fria rajada dos ventos de janeiro e recolocou o cachecol.
Então Mia tinha mudado seu horário habitual. Agia de forma estranha, depois
de ter colocado Jerry numa enrascada. Tudo começava a se encaixar, e a soma das
partes dizia que Jerry era inocente, Mia era culpada, e Ellen poderia romper sozinha
o ciclo de má sorte.
Entrou no carro e olhou de longe para o salão. Havia tomado a primeira

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iniciativa, encontrado a primeira das pistas. Um sorriso de orgulho estampou-se em
suas faces.
Alex Morrow teria de saber sobre tudo isso. Ele havia feito amor com Ellen
como um anjo. Era difícil esquecer, ou mesmo adiar, um novo encontro íntimo. Mas
assim precisava ser, segundo ela, se quisesse poupá-lo de mais prejuízos. Reviu na
mente os beijos trocados, o corpo másculo que lhe proporcionara momentos de
delírio. Trêmula de desejo, Ellen ponderou que, acima de tudo, Alex havia sido
gentil, encorajador, maravilhoso.
Ao esperar por uma mudança do sinal de trânsito, ela experimentou um
agradável calor subindo pelas pernas, aquecendo-lhe a pele e o coração. Naquele
momento, desejou Alex de novo! Ardentemente.
Como amigo?

Talvez, mas não deixava de ser uma grande ironia.


Alex fez uma pausa em sua busca e encheu os pulmões de ar. O peito lhe
doía, o coração estava fora do ritmo normal e o cérebro, congestionado. O que
acabara de fazer deveria ter clareado sua mente, mas isso não aconteceu.
Ao usar a chave do apartamento de Jerry, o empresário esperava encontrar
ali o criminoso e, em vez de esbofeteá-lo, agradecer por ter abandonado Ellen.
Não apenas Jerry não estava como o apartamento era bastante estranho.
Teto, paredes, piso, cortinas, móveis, tudo era branco. Pensou nas cores ricas e
quentes do apartamento de Ellen e considerou absurdo que ela fosse se casar com
uma pessoa tão... Descolorida.
Exceto pela lareira, que explodia em tons fortes. Muitas cores e fotos no
aparador, principalmente de Ellen, e tudo rodeado de velas. O lugar devia servir
também de oratório.
A primeira reação de Alex foi de pânico. Talvez Ellen tivesse razão, e Jerry
quisesse se casar com ela. Ela dissera que ainda conservava sentimentos por ele,
em vez de afirmar que nunca o aceitaria em casamento. Se Jerry por acaso
aparecesse, ele poderia convencer Ellen a sepultar a hipótese de união conjugai.
Não tinha certeza, porém, de como ela agiria. O que apenas testemunhava a
insanidade em que Ellen o havia atirado.
Ela e Jerry, casados?
A conjetura lhe provocara uma perigosa arritmia cardíaca.
Alex decidiu sair correndo do apartamento, antes que a visão do oratório o
matasse. Só Deus sabia por quanto tempo ficaria no chão, quase desfalecido, à
espera de socorro.,
No entanto, o pânico paralisante arrefeceu quando Alex deparou-se com o
computador de Jerry em seu quarto. O aposento constituía mais um cenário
inteiramente branco, com a cama revirada por completo. Era claramente o quarto de
uma pessoa sem imaginação. Ellen jamais se sentiria à-vontade naquele ambiente,
c sua chama vital se extinguiria sob a frieza do dormitório.
Alex tinha ido até a cozinha, melhor lugar para definir se Jerry ainda usava o
apartamento. Só encontrara uma garrafa aberta de vinho, dois copos e meio cigarro

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fumado, com manchas de batom. Por certo, caso Jerry ainda freqüentasse aquela
toca de marfim, seus padrões de ordem e limpeza deviam ter sofrido uma drástica
redução.
Depois de voltai- aos escritórios da Sistemas Edge, carregando o computador
de Jerry, Alex tentou convencer seus clientes, por telefone, a chamar a polícia.
Também ajudou Pete a abrir a máquina confiscada, mas o código que acessava os
demais computadores da firma não funcionou com o equipamento pessoal de Jerry.
Assim, Alex telefonara a Eilen a fim de convocá-la para sugerir mais algumas
possíveis senhas. Ela estava fora e ainda não havia respondido ao recado deixado
na secretária eletrônica.
O empresário tornou-se impaciente com a espera forçada.
No fundo, sentia falta do riso sutil de Ellen, de seu humor contagiante, de seu
sorriso fácil. Tinha saudade, sobretudo, do senso de paz que experimentava ao lado
dela. Queria vê-la logo, assegurar-se de que pretendia se casar com Jerry. Claro,
sofria o im-; pulso de esganá-la quando se referia à má sorte, feitiços e coisas
assim. Porém, isso era o de menos.
Ele respeitava a força interior de Ellen, a mesma que demonstrara no salão
de festas. Sorrindo, ela dera prosseguimento à recepção, apesar do coração
destroçado. Era uma dessas raras mulheres que conseguem erguer a cabeça e
fingir, diante de parentes e convidados, que não foram humilhadas.
Em casa, Alex levou uma toalha limpa para o boxe e entrou debaixo da água
fria do chuveiro. Posicionou a cabeça sob a ducha' e permitiu que o jato de água
limpasse seu rosto e o corpo inteiro. Enxugava-se com movimentos vigorosos
quando ouviu uma batida na porta da sala, Consultou o relógio do banheiro: quase
dez da noite.
Quem o procuraria naquele horário? Ellen? Jerry? Mia?
Vestiu seu robe cor de vinho e foi abrir a porta. No trajeto, ponderou que a
segurança prevalecente no bairro de luxo em que morava era bastante confiável.
Por via das dúvidas, porém, apanhou um taco de beisebol a fim de enfrentar algum
eventual assaltante.
Gesto inútil. Tratava-se de Ellen, e vê-la face a face era melhor do que
demorar-se no chuveiro. A menos que ela estivesse com ele sob a ducha. Nua,
molhada e maravilhosa.
Fascinado, ele sentiu o coração e a virilha aquecidos, já longe dos efeitos da
água fria. Colocou de lado a arma improvisada e sorriu para a visitante. Ellen
ostentava um ar nervoso e frágil que Alex gostaria de eliminar, abrigando-a em seus
braços até que aquela ansiedade desaparecesse.
— Entre, por favor.
Assim que ela obedeceu e ele travou a porta, Alex pôs-se a imaginar o motivo
da visita.
Talvez, vaticinou, Ellen tivesse concluído que não poderia continuar vivendo
sem as carícias dele.
— Sei que é tarde e eu não deveria ter vindo—ela justificou-se. — Mas fiquei
pensando nas possíveis senhas de Jerry, como você me pediu por telefone.

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O empresário tardou um pouco para entrar em foco. De fato, havia telefonado
a Ellen, do escritório, pedindo ajuda, mas não esperava mais do que uma ligação de
retorno, na manhã seguinte. Se ela viera pessoalmente, então...
— O quê? — ele indagou.
— A senha. Pode ser que seja pimba. Jerry a utilizava em várias operações
importantes pelo computador.
— E por acaso não é estúpido?
— Não, talvez bagunce.
Alex riu, pois obviamente Ellen estava brincando.
— Estive no apartamento de Jerry e não entendo como você pode ter
pensado em casar-se com aquele sujeito.
— Bem, era o combinado. O casamento, a recepção...
— Mas você viu onde e como ele morava?
— Claro.
— É tão aconchegante quanto uma clínica. Você planejava viver lá?
— Alex encarou Ellen, sentindo-se ligeiramente aborrecido. — Seria como
passar a lua-de-mel num hospital.
— íamos morar no meu apartamento—ela esclareceu. —Jerry iria alugar o
dele, o que seria lógico. Aliás, Jerry é pouco imaginativo, mas muito racional.
O empresário decidiu encerrar a discussão sobre aspectos do caráter de
Jerry. Até onde Alex sabia, faltavam pontos positivos no outro homem, e a lógica
estava entre eles. Qual a lógica de ter abandonado Ellen?
— Ele é um idiota — decretou.
— Concordo.
Ela o contemplou com seus olhos grandes, carentes e necessitados. A
enorme sala pareceu encolher-se até o limite da porta e das duas pessoas paradas
ali. Ele fixou-se na boca sensual de Ellen, embora a mente lhe pedisse para não
fazer isso.
— Você encontrou mais alguma coisa no apartamento, além do computador?
— ela quis saber.
— Uma garrafa de vinho, dois copos e um cigarro no cinzeiro, com marcas de
batom. Parece ser a cor que Mia usa. Ah, também havia uma espécie de oratório,
em cima da lareira, com fotos suas.
— Então você já sabia que Mia continua na cidade?
A desatenção de Ellen à referência ao oratório incomodou Alex, porém ele
resolveu não pressionar.
— O vinho e o cigarro podem ser da semana passada.
— Não. Jerry não iria me trair abertamente com Mia, não dessa maneira.
Será que Ellen ignorava a existência de homens que, às vésperas de seu
casamento, empreendem uma derradeira aventura sexual? Nunca ouvira falar das

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despedidas de solteiro? As palavras dela revelavam ingenuidade.
— Por que você perguntou se eu já sabia que Mia estava na cidade?
—indagou Alex quando decifrou a intenção do comentário.
— Fui ao salão de beleza que ela freqüenta. A hora marcada para esta quarta
foi mantida. Por pouco não a encontrei. Isso significa que Jerry também permaneceu
na cidade.
— E que os meus disquetes podem estar mais perto do que imaginamos.
— Exatamente.
Ellen parecia feliz consigo mesma. Havia feito alguma coisa para ajudar o
empresário a encontrar o que procurava. Então ela se preocupava com ele!
Precisavam comemorar.
— Tenho de avisar Pete. Essa informação é importante. Sente-se um pouco,
enquanto me visto, e aí ligarei para meu irmão.
Ellen tinha conhecimento de que Alex havia levado o computador de Jerry a
fim de procurar pistas dos arquivos, e agora o inventor também carregava na
consciência o peso de um furto. Mas, no movimento de retirar-se para o quarto, o
empresário fez com que o robe se abrisse um pouco, expondo-lhe partes das pernas
bronzeadas e fortes, cobertas por uma camada de pêlos finos, encaracolados. Ela
lembrou-se de como aquelas pernas haviam-se entrelaçado nas suas, na noite
nupcial, e uma onda de desejo a enfraqueceu.
"Pense em qualquer coisa, menos nisso", Ellen ordenou a si mesma.
Por exemplo, em como um roubo tinha levado a outro.
Não foi suficiente, portanto Ellen buscou outra situação que pudesse distraí-la
da vibração erótica causada por Alex. Espiou várias fotografias emolduradas, no
aparador da lareira, observando que o grosso tapete abafava seus passos.
A casa de Alex estava em perfeitas condições. O piso de madeira não
estalava sob os pés. As paredes mantinham uma impermeável pintura com esmalte
sintético, e a junção com o teto apresentava um caprichoso acabamento de gesso.
Os móveis eram bonitos e funcionais, mas sem a ostentação de luxos supérfluos.
Ellen ponderou se ela não viria a ser supérflua naquele ambiente. Gostaria, ao
menos, que sua casa fosse parecida com a de Alex.
Diante da lareira, ela examinou um retrato de família. Os mais velhos
aparentemente na faixa dos quarenta anos eram com certeza os pais de Alex.
Exibiam muitas semelhanças físicas, e Ellen percebeu-se traçando com o dedo a
imagem do empresário. Perto do pai, estava uma mulher de compleição pequena,
sorrindo para
0 marido. Em torno deles, havia três crianças: duas meninas e um garoto,
mas a mãe segurava no colo um bebê bem agasalhado.
Devia ser Pete. Todos pareciam muito felizes.
Outro porta-retrato mostrava um casa na cerimônia de núpcias.
A mulher tinha os mesmos cabelos negros de Alex, mas os olhos dela eram
azuis, não castanhos. Mais uma jovem

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— a irmã? -também aparecia com vestido de noiva, diante de um altar.
As fotos, em suma, contavam a história de uma família pelas últimas
décadas. Pais junto com filhos, mães com filhas. Irmãs o irmãos desfrutando um
clima de amor e felicidade.
De fato, a família de Alex parecia tão feliz que Ellen teve vontade de chorar.
Imaginou se ele, em algum momento, sentira-se inadequado, perverso como ela, a
ponto de tentar agradar aos pais e ainda assim ter falhado fragorosamente.
Improvável.
Balançou a cabeça e voltou à foto do rapazinho. Alex devia ter sido o filho
predileto e vivera uma existência repleta de encanto. Até o momento em que Ellen
desabara sobre a vida dele e seu noivo levara embora importantes dados
pertencentes ao empresário.
Ainda olhava distraidamente para as fotografias quando foi interrompida:
— São minhas irmãs, Patrícia e Felícia — informou Alex ao retornar.
Ela girou depressa, assustada, e viu o empresário bem arrumado, usando
jeans e malha leve, debaixo do arco que dividia a sala do restante da casa. Dali
mesmo pensou em como seria agradável tocá-lo, correr os dedos pelo rosto suave,
pelo peito de músculos ressaltados sob a blusa e por fim pela virilha que a
magnetizava como um ímã. De modo totalmente natural, Alex criava uma atmosfera
de intimidade irresistível.
—Não quis assustá-la. Desculpe-me. —Ele se aproximou para apontar alguns
porta-retratos. — É minha família.
— Incrível como todos parecem felizes — Ellen comentou.
— E são — ele confirmou, mostrando a imagem dos pais. — Vivem num
condomínio fechado, perto do campo de golfe Red Rose. Fazem o estilo calmo. Mas
minhas irmãs formam uma dupla perigosa. Como nasceram antes e depois de mim e
de Pete, nós, garotos, crescemos imprensados entre os caprichos delas. Uma amiga
de Patrícia costumava me assediar, sem conseqüências, claro. Pete escapava mais
facilmente das pressões.
Ellen sorriu ante a cena de avanços amorosos das amigas da irmã sobre
Alex.
— Aposto que você gostava.
— Aos doze anos? Eu e as meninas ainda tínhamos espinhas.
— Mas é fácil imaginar você como objeto de adoração feminina. Ele deu de
ombros, nutri gesto consciente.
—Também deve ter gostado de crescer entre mulheres—Ellen completou.
— Tivemos nossos bons tempos. Não que não existissem brigas, mas
sempre sabíamos poder contar um com o outro.
A voz dela sibilou de comoção quando disse:
— Gostaria de ter crescido numa família como a sua.
— Bem, houve vantagens. Sendo o mais velho, tive de aprender a cuidar de
crianças, e meus pais se esforçaram para passar a todos nós um forte senso de

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responsabilidade.
— Foram bem-sucedidos, evidentemente. — A tristeza surgiu nos olhos de
Ellen, que cruzou os braços enquanto reexaminava os porta-retratos.
Alex cerrou os punhos. Ali pulsava, novamente, a urgência de aninhar Ellen
em seu peito e afagá-la até que o último átomo de pesar a deixasse.
— Sua casa é bonita — ela afirmou, na intenção de romper o emocionado
silêncio.
— Obrigado. — A moradia de fachada em estilo vitoriano era lealmente
grande pelos padrões vigentes.
Contava com três pavimentos, tinha vista para um parque e valia uma
pequena fortuna, caso Alex decidisse vendê-la, o que não lhe passava pela cabeça.
A família havia ocupado a casa, durante a infância, e ele queria criar os próprios
filhos ali. —- Fiz negócio com meus pais, depois que Pete se formou. Eles já não
precisavam de tanto espaço e eu comprei a casa atual deles em troca desta. Estou
reservando-a para minha futura família.
- Espero que logo tenha uma — Ellen desejou.
— Eu também — disse ele.
— Por falar em Pete, ele já tentou a senha no computador de Jerry?
— Já, mas não funcionou.
— É pena. Achei que pudesse ajudar.
— Temos outras opções, de qualquer modo. Mas, conte-me, Ellen, por que
veio aqui? — Alex mostrou-se ansioso para conhecer o real motivo da visita.
— Vim para lhe dar mais senhas e conversar sobre Mia. Sem estar
convencido, Alex meneou a cabeça.
— Poderia ter telefonado. Bem, vou tentar de novo: por que veio?
— Eu... eu não sei. Senti necessidade de estar com um amigo. — Erguendo a
vista, ela o fitou com seus brilhantes olhos azuis, repletos de expectativa. —
Suponho que você não saiba o que é sentir-se só.
Sem maior demora, Alex puxou Ellen contra si e a enlaçou com todo o vigor
de sua vontade exaltada.
— Você não está mais sozinha, Ellen. Você tem a mim. Ela não pareceu
satisfeita por ouvir tal declaração.
Como Alex deveria agir? Como fazer Ellen sentir-se segura, feliz e desejada
no espaço de três minutos? Não faltava calor no ambiente. O empresário havia
ligado a lareira elétrica e a sala se tornara um casulo quente, capaz de isolar a
visitante das razões que a tinham levado ali.
Ele pedira uma pizza por telefone, e Ellen enrolava um filete de queijo na
massa antes de levá-la à boca. Alex retornou à sala e instalou-se no chão, perto
dela, em frente à lareira. Olhou para a embalagem de pizza.
— Nossa! Saí por um minuto, até o banheiro, e você devorou metade da
pizza!
A insegurança quanto à imagem corporal de Ellen atingiu-a em cheio, como

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um trem de carga. O pedaço triangular de alimento ficou em sua mão, parado a meio
caminho da boca. Jerry comentava, com freqüência, que ela precisava preservar sua
figura curvilínea, evitando o excesso de calorias. Alex parecia preferir mulheres
magras, mais magras a ela era.
— Sei que deveria comer menos, mas tenho fome.
O olhar de Alex indicou que seu intenso desejo não distinguia entre quilos a
mais ou a menos, em se tratando de Ellen. A lembrança dos momentos íntimos que
haviam partilhado a memória de cada carícia, de cada toque, de cada arremetida,
prevaleciam sobre qualquer estrito critério estético. E foi assim que a insegurança
dela dissolveu-se sob a força dos sentidos.
— Não há nada sobrando ou faltando em seu corpo — ele assegurou-lhe.
— Estou um pouco acima do peso, creio — ela protestou, quase sem fôlego
ante a luxúria que Alex transmitia.
— Você é fofinha — ele afirmou, abraçando a parceira.
— Fora de forma.
— Lasciva.
— Avessa a exercícios.
— Perfeita.
O pingue-pongue verbal teve o pendor de acelerar o coração de Ellen, assim
como de umedecer-lhe as partes íntimas. Os pulmões pareceram enfrentar
dificuldade em abastecer seu corpo de ar. A proximidade do rosto de Alex fazia com
que ela sentisse sua respiração em plena face. E os olhos continuavam sinceros,
suplicantes.
— Está bem. Vou acreditar em você — murmurou Ellen, esperando um beijo
do parceiro.
— Portanto, passe-me outro pedaço de pizza.
— Não. Antes, tenho de provar a você tudo o que eu disse.
— Verdade? — Ela inquietou-se. Como encararia uma nova noite de amor,
depois de negar a si mesma, racionalmente, uma repetição?
— Quero que não fique nenhuma dúvida. Quero que confie em mim — Alex
declarou.
— Você dá muito valor à confiança, não?
— Demais.
— Não duvido nem desconfio de você — complementou Ellen, previamente
ciente da resposta.
— Isso é bom.
Alex roçou os lábios nos dela, depois fez pressão para que se abrissem, e
passeou a língua pelos dentes, pela boca quente e macia de Ellen, até encontrar a
língua da parceira e promover uma dança repleta de erotismo. Sentiu o gosto de
mozarela, molho de tomate e orégano, junto com algum tipo de refrigerante. Isso
não o deteve nem o contrariou. Com qualquer outra mulher, talvez recuasse e
pedisse para ela ir escovar os dentes. Com Ellen, aquele hálito fazia parte dela, de

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sua dieta, de sua peculiar volúpia.
Ela lançou-se no beijo como num mar de delícias. Sugou a boca de Alex
como se lhe roubasse calor para aquecer o próprio sangue. Os dedos dele
passaram a deslizar sobre sua roupa, na região dos seios. Mais fogo na fervura.
As carícias fortaleceram o latejar que Ellen sentia no baixo-ventre. Era quase
impossível resistir à consumação do ato, embora a voz da razão protestasse,
alegando que ela não poderia vencer a má sorte e deixar de contaminar Alex.
No fundo, porém, Ellen eximiu-se de protestar. Entregou-se à pressão dos
instintos, que lhe pediam para ceder, enquanto outra parte de si, menos feminina,
menos voluptuosa, dizia-lhe para parar. Ela deu ouvidos a seu lado sensorial.
Estreitou-se contra o parceiro, dissolvendo-se de prazer ante os mágicos
movimentos da língua e da mão de Alex.
Beijar e tocar, nada mais. Podiam fazer isso e continuar amigos, não?
— Preciso de você desesperadamente — ele sussurrou, provocando mais
uma aceleração das batidas cardíacas.
Para Alex, certa parte de seu corpo, abaixo da cintura, exigia seu direito à
satisfação.
— Também preciso de você — ela respondeu, sem pensar. — Não
deveríamos fazer isso, mas você me deixa completamente fora de mim.
— Ainda bem... — ele emendou.
Alex movia-se depressa para um homem de seu tamanho. Tirou a
embalagem de pizza do caminho e desvestiu Ellen e a si próprio em tempo recorde.
— Por favor, não quero que pense numa mudança de situação entre nós —
disse Ellen. — Somos e seremos amigos.
— Claro. — Ele evitou discutir, pois o momento exigia outro tipo de atitude.
Por exemplo, colocar um preservativo, deitar a parceira no tapete, cobri-la com o
corpo.
Ela colou-se de encontro a ele feito cobra, e em seguida aplicou a boca na
pele inteira, demorando-se no ponto mais sensível e permitindo que o parceiro
quase explodisse de excitação. Assim adiou a relação, até que pendeu a cabeça no
piso e afastou as pernas, apoiando-as de leve nas costas do parceiro. Abriu-se para
Alex, que escorregou para dentro dela, lentamente, fazendo-a estremecer ao sabor
de sua potência. Ellen colou seu ventre no dele, então ensaiou os primeiros
movimentos como um sinal para que Alex começasse suas investidas.
Além das placas rubras da lareira, a luminária do teto da sala fornecia luz e
calor acima do normal. A vantagem era que Ellen conseguia ver as emoções que
dançavam no rosto de Alex, o efeito que cada movimento produzia em sua
musculatura tensa, levando-o à beira do clímax.
Os músculos rijos do parceiro mostravam-se sugestivos em meio àquela
claridade toda. Quanto ao calor, ela já não sabia se era excessivo por si só ou se
transfundia de um para outro no delírio do amor.
Ellen suspirou, gemeu, preparou-se para o final. Disse a si mesma que tudo
não passava de atração sexual. Eram e deviam continuar sendo apenas amigos.
Aquilo se constituía numa sessão de sexo amistoso, algo a ser inventado, caso já

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não existisse, oculto nas alcovas do mundo.
Alex rolou-a para cima dele, colhendo seus seios com os dedos fortes, e fez
Ellen instintivamente acolher seu corpo, balançando-a sobre si. Ela correspondeu à
mudança de posição e, quanto mais calor sentia, mais rijo via o parceiro apossar-se
de suas entranhas. Percebeu sonhadora, que, Alex lhe concedera o domínio da
situação. Cabia-lhe agora dosar os contatos até a liberação do prazer mútuo e
definitivo.
Havia sido um gesto gentil, dentro da prática, de sexo amistoso.
As mãos que lhe acariciavam os seios passaram aos quadris, pressionados a
ponto de quase doer. Desfigurado, com o maxilar tenso, Alex parecia ter claramente
perdido o controle de seus atos.
Os olhos se reviraram. Ellen não acreditou que pudesse ter feito tudo isso
com ele.
Ela sentiu-se poderosa, irresistível.
Conceitos nada amistosos.
Então, depois de uma pressão maior, Alex cessou toda a agitação. Ambos
alcançaram juntos o êxtase, entre gritos e chamados repetidos do nome um do
outro. Como que em colapso, ela debruçou-se sobre o parceiro deitado, ofegando
sobre o peito dele. Seu coração pulsava forte, e a sensação de felicidade nunca fora
tão marcante.
Um único senão: como ela iria curar-se de Alex?
— Que bom... — disse ele, apoiado na parte de baixo do sofá e segurando a
parceira firmemente nos braços. A embalagem de pizza estava esquecida a um
canto, bem como as latas de refrigerante. A luz do teto tinha sido apagada, e só
restavam como fonte luminosa os filetes vermelhos da lareira elétrica. —Mas me
conte o que realmente a trouxe aqui.
Ellen adaptou-se ao abraço, deixando o corpo livre e o coração à solta.
— Recebi um convite de casamento, hoje, e isso de certo modo me
transtornou.
— Certamente não era de Mia e Jerry...
— Não, embora esse fosse meu primeiro pensamento ao ver o envelope. É
de uma ex-colega da faculdade, pertencente à mesma comunidade que eu. Peguei-
o atrasada, pois faz vários dias que não recolho a correspondência, e descobri que o
matrimônio será no sábado. Não quero ir, mas também não compreendo por que
estou achando o evento insignificante.
— Deveria comparecer, então.
— É penoso para mim participar de um casamento que efetivamente
aconteça. Pelo menos, não quero ir desacompanhada.
Os dedos consoladores de Alex lhe percorreram um seio.
— Ocasião errada, não? — ele comentou.
— Pode-se dizer que sim. Mas ao mesmo tempo é tolice de minha parte.
— Não creio. Além do mais, posso acompanhá-la. Se você estiver certa a

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respeito de Mia, ela deve ter sido convidada, e seria uma boa oportunidade de
agarrá-la.
— Então você já acredita que ela está por trás do roubo dos disquetes?
—Acredito em tudo o que você quiser. —Alex pareceu sincero. Mais do que
convencido, protetor.
— Mas não vá atrás dela para tomar minhas dores — solicitou Ellen.
— O que isso quer dizer?
— Que não deve me considerar uma pobre desmiolada, incapaz de propor
alternativas inteligentes a sua própria teoria.
— Como assim? Sou inocente desse crime.
— Se eu quisesse ouvir mentiras desse tipo, iria visitar meu pai.
— Não seja rude comigo.
— Não serei, basta você não se fazer de espertinho.
— Está bem, não vou discutir depois do que acaba de nos acontecer.
—A respeito disso, gostaria de reafirmar que, até encontrarmos Jerry, não
podemos nos envolver.
— Tarde demais — murmurou Alex, e Ellen temeu que ele estivesse certo.
Ela só não conseguiu responder-lhe porque o empresário voltou a beijá-la
com fervor, pressionando-a contra o sofá. Entre as almofadas, Ellen concluiu que
ainda precisava, e muito, do peso e do calor do corpo de Alex.
Como resultado, ele de novo a levou ao céu.
Ellen acordou com Alex estreitando-a pelas costas, com as mãos espalmadas
em seu ventre nu. Depois de fazerem amor no sofá, ele havia sugerido que se
acomodassem num lugar mais espaçoso
— como a imensa cama de casal no quarto dele. Inebriada pela presença do
parceiro, ela não argumentou. Seguiu-o até o dormitório, ambos sem roupa. Eles se.
deitaram sob as cobertas, mas, apesar de exaustos, partilharam mais uma sessão
de sexo. Sexo amistoso...
Ela rememorou a afirmativa de Alex, de que apenas um rapaz de vinte anos
poderia fazer amor mais de uma vez por noite. Ele tinha jogado por terra sua própria
teoria. E, a julgar pela rigidez que lhe espetava o corpo, provavelmente seria capaz
de repetir tudo pela quarta vez, na luminosa manhã de sol que banhava a casa.
O que havia ocorrido entre eles não podia ser apenas sexo. Por mais que
Ellen preferisse que fosse, a verdade era outra. Na noite de seu casamento
frustrado, quando insistira para que Alex não a deixasse sozinha, ainda faria sentido
pensar assim. Guiada pela humilhação, pelo champanhe, pela exacerbação sensual,
ela cedera a um impulso momentâneo, enfatizado pelos atributos físicos de Alex.
Agora, não. Ela já sentia algo diferente e mais profundo por ele. Ademais, o
empresário não era homem de se envolver em casos passageiros. Ele sabia que era
tarde demais para dizer que não estavam envolvidos. E a prova disso residia na
maneira e na freqüência com que ele a possuíra.
Por tudo isso, somado, Ellen tinha de afastar-se do inventor. Qualquer coisa

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além de amizade seria um perigo. Ela escapou do abraço dele na cama, vendo que
o parceiro rolava para o lado e enterrava a cabeça no travesseiro. Arrumou as
cobertas sobre ele, com o coração comovido pela visão de Alex tão vulnerável, tão
desamparado.
Na ponta dos pés, caminhou de volta à sala, onde se vestiu com as peças
espalhadas pelo tapete. Evitou fazer ruído, sobretudo com as tábuas corridas do
chão, que poderiam estalar sob seu peso. Estalar?
Bobagem. Nem a casa comportava defeitos nem o dono os permitiria.
Assim, silenciosamente, Ellen deixou o lugar. Ao entrar no carro, ela teve a
certeza de que fazia o que era certo. Não só para Alex, mas para si própria.

Capítulo VIII

Alex acordou numa casa vazia. Consultou o relógio digital de cabeceira e


avaliou quanto tempo fazia que Ellen houvesse saído. No mínimo, uma hora antes, a
julgar pelo colchão frio que tateou a seu lado.
Ajeitando-se na cama, o empresário decidiu que teria de conversar bastante
sobre aquele relacionamento. Ellen tinha o mau hábito de fugir de temas
importantes, desses que podem mudar uma vida para melhor ou pior. Era óbvio,
para Alex, que Ellen só defendia o distanciamento entre eles a fim de poupá-lo de
transtornos, inclusive financeiros. Mas ela teria de encarar a realidade. Havia mais
do que sexo na relação, e Ellen sabia disso. Provavelmente por tal motivo, tinha
rondado a casa dele até resolver entrar. Não desconhecia tudo o que poderia
acontecer, e que de fato acontecera.
Por sua vez, Alex já a conhecia bastante bem para saber que ela tinha medo
de sair magoada. A falta de confiança nele o deixou abatido. Se Ellen corria para
longe, e tão depressa, antes de ser efetivamente abandonada, como teria lidado
com seus ex-noivos, ao voltarem da condenável lua-de-mel com outras mulheres?
Então Alex concluiu que ela não havia enfrentado para valer as situações que
infelizmente vivera. Nunca falava do tipo de relacionamento que mantivera com
aqueles canalhas. Parecia ter empurrado os ex-noivos para um canto obscuro da
memória.
Dessa vez, seria diferente. Alex e Ellen iriam discutir o assunto, o mais breve
possível. Ele teve o ímpeto de procurá-la na mesma hora, porém o relógio era um
poderoso lembrete de que o empresário deveria comparecer ao escritório. Melhor
assim, pois isso daria a Ellen um pouco de tempo para recompor-se e acalmar-se,
entendendo que sua partida repentina da casa de Alex havia sido um erro. Outro
problema era que, naquele momento, ele não confiava em seu autocontrole, de
modo a falar com Ellen sem agarrá-la, tocá-la e fazer amor mais uma vez.
Levantando-se, ele olhou pela janela e viu uma fina camada de geada
cobrindo o pátio e a trilha de entrada da casa. As folhas das árvores e o teto da
garagem estavam brancos por causa da neve. Os galhos pendiam sob o peso do
elemento estranho.
Ele fechou a cortina, foi ao banheiro e vestiu-se esmeradamente. Ao sair,
andou com cautela até a garagem, evitando pisar na grama congelada, que estalava

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ao menor toque dos pés. O mesmo ruído parecia vir dos ramos mais altos dos
pinheiros, cujas folhas se derretiam na direção da base.
Assim que Alex acercou-se da garagem, um estalido mais forte e pesado o
assustou. Abrigou-se num canto e viu, inerte, o pinheiro mais alto cair com estrépito.
Desabou ao lado da casa, que não foi atingida, mas a garagem teve o teto
destruído, abrindo passagem para os imensos galhos. Ele pensou no carro de luxo
guardado ali. Esperou alguns minutos, sem acreditar no que via, e foi verificar.
A árvore tinha destroçado o seu carro.
Cansado diante da mera hipótese de opor-se a uma explicação irracional, ele
voltou para dentro a fim de chamar um táxi.
Somente Pete tinha chegado. Durante a corrida de táxi, Alex avaliou os
efeitos da nevasca nas ruas e entendeu que muitos funcionários se atrasariam
naquele dia.
— Você já conseguiu avaliar os danos no computador de Jerry? — ele
perguntou ao irmão, na sala de teste.
— São graves — disse Pete, voltando-se na cadeira giratória diante da
bancada de processadores de última geração. — Eu instalei um programa destinado
a quebrar a senha de Jerry, mas a energia acabou.
— O que aconteceu?
— Bem, a interrupção de energia não foi o maior problema, e sim a oscilação
de voltagem quando a força voltou. Danificou o processador de nosso amigo ladrão.
Infelizmente, como deveria ser um trabalho rápido, não liguei o computador de Jerry
no sistema de proteção, o no break. Agora, estou tentando recuperar os arquivos
existentes, mas isso deve levar bastante tempo.
— Droga! — Alex praguejou. Primeiro Ellen. Agora, uma dificuldade técnica
difícil de ser sanada. — Tem alguma sugestão?
— Só uma: acabe com Jerry!
— Você já pensou Pete, que podemos estar procurando a pessoa errada?
—Com o nosso sistema e o de Jerry codificados, indecifráveis? Não.
— Bem, não esperava outra posição de você — retrucou Alex.
— Quem lhe pôs essa idéia na cabeça? — Pete quis saber.
— Ellen. Ela descobriu que Mia não viajou o que significa que Jerry também
não fugiu. Insiste em que o ex-noivo seria incapaz de roubar os disquetes, e começo
a achar que Ellen tem razão.
—Jerry é capaz de tudo isso, sim. E a noiva abandonada deixou você tão
confuso que já não sabe se está indo ou voltando.
Alex optou por não discutir com o irmão, mas julgou que ele deveria conhecer
mais um detalhe importante.
— Você não viu o apartamento de Jerry. Ele mantém uma espécie de oratório
doméstico sobre a lareira...
— Pensar na cena bastava para causar uma dor de cabeça em Alex.
— Oratório?

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— Sim, com fotos de Ellen e muitas velas. Não é a atitude esperada de um
homem que não quisesse casar-se com ela.
— O que me diz do salário dele? Por mais que estivesse dentro dos padrões
do mercado, não garantiria uma vida folgada com mulher e filhos. Alex, há milhões
de dólares embutidos naqueles disquetes.
Se o ladrão conseguir vendê-los a um governo estrangeiro...
— Eu sei, eu sei. Também pensava assim, só que não faz sentido Jerry se
apossar dos arquivos, cifrando os dados salvos no processador. Parece-me que não
possui capacidade para tanto. Aliás, você tinha conhecimento de que Mia tem
mestrado em Ciências da Computação?
— O quê? — Pete foi colhido de surpresa. Alex relatou a ele o que havia
escutado de Ellen.
— Quer meu conselho? — indagou Pete quando o irmão tiver minou. — Leve
o caso à polícia. Está ficando complicado e peri goso manter as autoridades no
escuro. Depois disso, case-se co Ellen, antes de concluirmos que ela tem razão e
que Jerry está d novo na berlinda, desejando desposá-la. Não quero ter de paga
fiança para libertar você da cadeia, por agressão física causada pelo ciúme.
Quanto a informar a polícia, Alex estava de acordo. Ainda não estava pronto,
porém, para admitir que gostaria de casar-se com Ellen. Apenas abominava a idéia
de que ela desposasse Jerry.
— Está bem. Você avisa nossos clientes do que aconteceu. Enquanto isso,
eu trato de chamar a polícia.
— Até que enfim. — Pete mostrou-se aliviado.
Alex rumou para sua sala, a fim de preparar o telefonema.
Naturalmente, o empresário pretendia deixar a polícia longe do caso, por
conta da publicidade negativa que isso iria causar. Alex estava inclinado a dar mais
algum prazo para a possível solução dos problemas. O sistema de dados havia sido
atacado por um vírus, disquetes tinham desaparecido de seu escritório, e nada mais
havia a fazer. Ele carecia totalmente de pistas confiáveis. Por duas horas, conversou
com os executivos de sua empresa, colhendo sua opinião. Ouviu argumentos a favor
e contra a divulgação públicas das ocorrências, bem como da intervenção policial.
Saiu das reuniões sem ficar convencido, num sentido ou noutro.
Alex retornou à sala de Pete e resumiu a situação. Embora decepcionado, o
irmão continuou trabalhando no computador travado.
— Posso fazer alguma coisa para ajudar? — Alex ofereceu-se, —- Pode. Sair
daqui e me deixar em paz.
— Gostaria de colaborar — afirmou o empresário, ciente dique pouco ou nada
poderia fazer, exceto chamar a polícia, como combinado.
— Você vai ajudar muito se permitir que eu me concentre nesta droga! —
Pete mostrou-se irritado.
— Nada mais?
— Vá visitar Ellen. — Pete revirou os olhos, inquieto. — Vá agora mesmo. Eu
lhe telefono quando tiver conseguido algum progresso.

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Tudo indicava que Alex teria menos tempo do que o desejado a fim de
preparar uma explicação lógica para a queda do pinheiro em cima de sua garagem e
seu carro. Não tinha importância. Acima da vontade premente de rever sua parceira,
os dois precisavam falar de temas importantes.
Por exemplo, as tórridas noites de amor. Por exemplo, o futuro de ambos.
Eram exatamente seis horas da tarde quando um táxi deixou Alex no bairro
de Monte Santo, defronte ao prédio cinzento e desgastado de Ellen. Da vidraça
embaçada pelo frio, ela viu a chegada dele e abriu a porta sem esperar que batesse.
Seu coração oprimido ganhou alívio nos braços do empresário, o corpo expectante
teve um momento de satisfação com a troca de beijos que se seguiu.
Ele parecia aborrecido, o que não a surpreendeu. Já esperava por isso,
depois da noite de amor. Livrou-se do contato físico e perguntou:
— O que aconteceu?—Ellen cravou os olhos no rosto contrito, na expressão
frustrada que ele exibia.
Sofreu algum acidente por causa da nevasca? — Ela pensou no belo carro,
com estofamento de couro, no qual tanto havia apreciado andar. Graças a Deus,
contudo, Alex não havia se ferido.
— Não houve nenhum acidente de trânsito — ele esclareceu, com
desconforto.
— Então, o quê? — Ela pressentia algo de errado. Afinal, seus poderes
serviam para isso.
— Não é importante — Alex murmurou
Ellen levou a mão ao rosto dele, consolando-o. Agora tinha certeza de que
um fato inusitado havia ocorrido.
— Nada de mais. Uma árvore caiu sobre minha garagem.
— Uma árvore caiu sobre sua garagem... — ela repetiu assombrada, trêmula
de receio pela integridade física de Alex e de culpa por ter provocado o desastre
com sua proverbial influência negativa sobre os homens de sua vida. Aquele feixe
de emoções a deixou enjoada.
— Foi a neve. Nada teve a ver com você — ele argumentou, sorrindo. —
Aliás, eu estava mesmo querendo reformar a garagem para ligá-la a casa. Agora já
não vou poder adiar.
Ellen não se deixou enganar. Ele só queria confortá-la, tirar dela o peso da
suposta culpa.
— E seu carro? — Ela sabia o que iria ouvir.
— Estava na garagem e ficou todo amassado. Mas, por favor, esqueça isso.
A causa não foi você, e sim a nevasca.
—- Não fui eu? Alex, depois da noite que passamos juntos, o acidente tem
tudo a ver comigo.
— Ela pouco se importou com o olhar descrente do empresário. Conhecia a
verdade. Chegara a pensar que, nos braços de Alex, ficaria livre do mau-olhado.
Mas suas tentativas de ajudá-lo haviam aumentado o perigo que ele corria.

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— Pare de me olhar assim. Estou bem. Vamos sair, ou chegaremos
atrasados para o jogo de basquete.
Ellen suspirou fundo antes de vestir o casaco de lã.
No ginásio, uma mistura de odores de suor e cerveja recepcionou a dupla. O
jogo se encontrava no início, e os torcedores já atingiam graus elevados de
vibração, gritando muito e batendo os pés no cimento da arquibancada. Ellen sabia
que, por meio de esportes coletivos como o basquete ou o futebol, mais de um rapaz
pobre abriria seu caminho para os estudos superiores e para uma vida digna. A
despeito disso, não conseguia gostar de atividades esportivas. Também considerava
um exagero que pagassem milhões por um jogador mais habilidoso.
Alex tomou a parceira pela mão e procurou os lugares marcados. Possuíam
ingressos especiais, que lhes davam acesso a qualquer ponto escolhido, mas ele
tinha em mente determinados assentos.
— Onde ficam nossas cadeiras? — perguntou.
— No centro da arquibancada, um pouco acima da quadra. — Ela apontou os
lugares desejados, mas Alex pareceu distraído com uma jogada sugestiva, saudada
por uma ovação da torcida. Ótimo. Mais um fanático por esportes na vida de Ellen...
— Então venha — ele disse logo depois, observando os números das fileiras.
— É aqui?
Ela encontrou os lugares corretos rapidamente. Dominava muito bem a
geografia do ginásio. Quantas vezes não havia acompanhado Jerry em jogos do
campeonato? Perdera a conta. No caso daquela noite, a localização foi facilitada
porque se tratava das únicas cadeiras vagas no setor.
— Sim. Os dois assentos vagos, no meio.
— É uma vantagem que Jerry tenha hábitos constantes. Daqui teremos uma
boa visão do setor dele. Em vez de assistirmos ao jogo, ficaremos de olho para ver
se ele aparece.
Na verdade, Alex cedeu ao impulso de participar do clima festivo e passou a
seguir as belas jogadas, deixando a Ellen a tarefa de vigiar a eventual chegada de
Jerry. Por ser detentor de um carne anual, seu ex-noivo tinha direito a acomodações
à beira da quadra, bem visíveis de onde ela estava. Ellen não se importou, já que
não gostava de esportes. Mas viu um pai amoroso a explicar as regras do jogo para
seu filho pequeno. Em seguida, na mesma direção, deparou-se com Jerry entrando
no setor e procurando alguém, antes de sentar-se.
Finalmente, ele havia aparecido. Finalmente, ela poderia obter algumas das
respostas que procurava. Ellen pediu licença e abriu caminho rumo ao nível da
quadra. Não se preocupou em avisar Alex ou em ser seguida ou não por ele. Tinha
metas pessoais a cumprir.
Alex a segurou pelo pulso.
— Ali estão meus disquetes — murmurou. — Deixe-me ir até lá.
— Tive meu futuro arruinado por Jerry. Também preciso de explicações.
— Esse encontro poderá se tornar desagradável.
A declaração de Alex era óbvia. Ellen não contava com uma reunião festiva.

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— Tenho estômago forte — afirmou.
— Ótimo — disse o empresário. — Então vamos.
Começaram a descer os degraus rumo ao setor inferior da arquibancada, mas
algo chamou a atenção de Jerry, que olhou vagamente para o alto e, parecendo ter
identificado os inimigos, desapareceu de novo em meio à multidão, tomando uma
saída próxima.
Alex praguejou, passou à frente de Ellen e seguiu Jerry até o portão de
entrada do ginásio. Quando chegou ali, ele não foi mais visto.
— Vamos nos separar — propôs o empresário. — Assim poderemos cobrir
uma área maior. Encontramo-nos aqui dentro de, digamos, meia hora.
— Certo — Ellen concordou e tomou um dos lados da entrada, vendo que
Alex partia para o outro, no sentido oposto. O mais estranho de tudo era que a ex-
noiva ainda não havia percebido o quanto sentia raiva de Jerry. Em especial, caso
sua teoria estivesse correta, por tê-la traído com Mia, em vez de sugerir uma análise
de seu futuro a dois.
Poderiam estar juntos até àquela hora. Mas Jerry não havia confiado nela o
suficiente. Talvez aquele filho da mãe pensasse que a má sorte da noiva o
contaminasse.
Por isso, com renovado vigor, ela procurou o ex-noivo do lado de fora e entre
a multidão lá dentro, ciente de que Jerry era o último homem do mundo com quem
gostaria de casar-se.
O prazo de busca foi ampliado para uma hora, e mesmo assim Alex e Ellen
ficaram de mãos vazias. Jerry tinha de novo escorregado para um limbo inacessível.
Por desencargo de consciência, ambos verificaram outra vez as cadeiras destinadas
a Jerry, que continuavam vazias. Falaram com o guarda de serviço no topo do setor,
e ele confirmou que ninguém se sentara ali. Estafados, mas não vencidos, Alex e
Ellen decidiram voltar para casa e rever os planos.
As largas vidraças que ladeavam a sala de Ellen estavam pontilhadas de
flocos de neve. Ela se achava aconchegada nos braços de Alex, cujas mãos
deslizavam de suas costas até a cintura e depois procuravam a parte inferior do
ventre. Nessas condições,
Ellen não podia lamentar o desencontro com Jerry. Se as carícias do
empresário tivessem seqüência, logo ambos estariam na cama, fazendo amor. Além
do prazer, ela ganharia o calor e a segurança que agora lhe faltavam.
Alex havia telefonado a Pete e relatado o episódio. O irmão conseguira
recuperar boa parte do disco rígido e estava prestes a decifrar a linguagem
codificada do computador de Jerry. No entanto, avisou que faria uma pausa a fim de
ir para casa e dormir um pouco. Depois de praguejar, Pete tinha instruído Alex a
ficar com Ellen, tanto para o caso de ela precisar do irmão como para o caso de
Jerry fazer algum contato com a ex-noiva. Como o canalha descobrira que Ellen
estava no seu encalço, poderia muito bem tentar falar com ela.
— Bem, parece que temos de ficar unidos — Alex comentou.
— Em mais de um sentido... — ela disse, punindo-se silenciosamente por não
se importar que o empresário alimentasse suas esperanças. Com as defesas
recolhidas, Ellen acreditou que tudo ficaria bem entre eles.

69
— Você tem ajudado bastante — ele afirmou. — Não sei o que eu e Pete
faríamos sem você.
— Provavelmente, você estaria livre de tanta confusão.
— Mas nada aconteceu por sua culpa.
— Você sabe, já tentei acreditar nisso, mas tudo vem piorando. Fui
abandonada pela terceira vez, há poucos dias, e todo homem de quem me
aproximei sofreu transtornos e prejuízos.
— Desta vez é diferente — Alex garantiu.
— Por mais positivo que seja pensar assim, tenho minhas dúvidas. — Ellen
sabia que Alex pretendia animá-la, mas a atitude era inútil. Um relacionamento
normal e agradável entre os dois estava fora de cogitação, sobretudo ao considerar-
se que o empresário tinha tudo no lugar: era bonito, charmoso, gentil, sexy...
— Os problemas de Jerry provavelmente nasceram de uma situação
estressante. Ele sofreu algum surto de grandeza, e os acidentes que enfrentou
foram causados por falta de previsão de sua parte. Enfim, não pensou nas
conseqüências de abandonar a noiva diante do altar ou de furtar disquetes valiosos
da própria firma em que trabalhava.
Ellen odiava aceitar a argumentação de Alex, porque ela lhe trazia a
esperança de que um dia sua vida se normalizaria. Talvez não fosse realmente
culpa sua que os homens com quem se relacionava fossem vítimas de tantas más
vibrações.
—Você já não acredita que Jerry esteja por trás do roubo, certo?
— Não. — Alex suspirou. — Tenho uma tendência cada vez maior a
concordar com você.
— Mas não parece feliz com isso — emendou-a.
— Vou-lhe confessar uma coisa. Assusta-me a possibilidade de que você
aceite casar-se com Jerry, depois que tudo for esclarecido. Além disso, nada de ruim
me aconteceu nas últimas doze horas. Estou preocupado.
— Preocupado?
— Sim, receio que nós dois estejamos menos envolvidos do que eu gostaria.
Apegando-se a tal declaração, Ellen beijou Alex na parte inferior do queixo e
ficou feliz por vê-lo arrepiado. Era o seu estilo de assegurar ao empresário que
estava tudo bem entre eles, e que sutis carícias desse tipo poderiam durar por toda
a existência.
— Você não precisa se preocupar. — A não ser que ele a deixasse, Ellen
apostava em viver por longo tempo com Alex e mais ninguém. Por sua vez, Jerry
carecia até mesmo da perspicácia para notar influências negativas no
relacionamento recém-terminado. — Exceto com o roubo dos dados ou com a
hipótese de pirataria do projeto, por alguma empresa que pagou um alto preço a
Jerry.
— O conteúdo dos disquetes pode ser considerado perdido — considerou
Alex.
— Minha meta, agora, é colocar as mãos em Jerry ou Mia e trancafiá-los na

70
prisão.
— Com certeza — ela concordou.
O polegar de Alex atritou a pele abaixo do umbigo de Ellen. Uma calorosa
expectativa a roeu por dentro, fazendo formigar o centro de sua feminilidade.
— Você ama Jerry? — Alex perguntou, diante da reação dela.
— Quem? — Ellen sentiu a pressão injusta que recebia.
— Jerry — ele repetiu.
— Já não sei mais. No momento, só existe indiferença.
— Indiferença é bom. E o contrário do amor. E, como parece que você não
ama seu ex-noivo, vamos falar de nós, de nosso futuro juntos. Entre eu e você, pode
haver tudo, menos indiferença.
Com o coração apertado, Ellen soltou-se no peito dele.
— Está querendo dizer que me ama? — Ela reprimiu a vontade de gritar que
amava Alex.
A resposta do empresário foi segurá-la pela nuca e mover a boca até que
seus lábios tocassem os dela. Como de hábito, ele saboreou-lhe a cavidade quente
e molhada, correndo a língua pelos dentes lisos. Depois, a mesma língua foi
disparada para dentro, enquanto ela reagia à carícia com gemidos.
— Quero fazer amor com você — Alex anunciou.
— Não deveríamos. — Discordo. É a melhor idéia que podíamos ter no dia de
hoje. Na semana. No mês.
— A melhor idéia seria não nos vermos mais.
— Peço licença para discordar.
— Ele fez uma pausa para acariciar com os lábios a nuca de Ellen. A reação
continuou positiva.
— Essa é uma péssima idéia. A minha abre mais possibilidades...
Caso a pulsação de seus nervos mais sensíveis fosse um indicativo daquelas
possibilidades, Ellen só poderia festejar a disposição de Alex em satisfazê-la.
Mesmo que tudo terminasse no dia seguinte, ela teria desfrutado mais um encontro
íntimo com Alex, saboreado mais um momento de exacerbada paixão.
Ela constatou na pele a ereção do namorado e descontraiu o corpo a fim de
que ele a tombasse no chão acarpetado.
— Estamos desenvolvendo uma certa aversão por camas... — comentou
Ellen, não sem imaginar o próprio leito ocupado por ela e Alex. — De amanhã em
diante, o quarto fica a sua disposição.
Alheio ao oferecimento, mas reconhecendo seu poder afrodisíaco, o
empresário tomou conta do corpo da mulher. De início, mostrou-se lento e gentil.
Depois, preencheu-a e completou-a de modo obsessivo, quase selvagem, "de tal
maneira que em pouco tempo ambos gemiam simultaneamente, no apogeu do
prazer. Um beijo sublime encerrou o contato físico.
— Case-se comigo — ele balbuciou, com a boca ainda praticamente grudada

71
na dela.
Ellen gelou. Seus piores medos haviam se concretizado. Não queria casar-se
com Alex. Não ainda, não naquele momento, não enquanto suspeitasse de que algo
de ruim pudesse ocorrer com seu parceiro, como já havia acontecido com os
anteriores. Empurrou-o de cima dela, com mais força do que o necessário. Ele se
surpreendeu.
— Não. Não me peça para me casar com você.
— Por que não? — Alex continuou pasmo.
—Jurei ficar longe de casamento, por enquanto. O final é sempre desastroso
para mim. — De pé, Ellen levantou a cintura de seu jeans e recolocou a blusa de
malha pela cabeça. A roupa não reproduzia o calor que Alex lhe passara.
— Bem, mas você nunca experimentou casar-se comigo antes.
— E nunca vou tentar, pelo seu próprio bem. Não me peça mais.
Apesar do maxilar tenso e dos olhos toldados pela dúvida, Alex parecia um
deus nu sobre o chão, forte e musculoso. Ellen desviou-se dele a fim de ocupar uma
de suas poltronas superestofadas ao lado do sofá.
— Está dizendo que não me ama? — ele a interrogou ao erguer-se e apanhar
as próprias roupas espalhadas.
— Sim. Quer dizer, penso que não — ela enrolou-se nas palavras. — Sinto
muito.
Talvez fosse uma mentira, talvez ela só precisasse de mais tempo para
decidir-se, até ficar certa de não colocar em risco sua integridade e de Alex.
A manhã de sábado começou fria, com vento penetrante, e o tempo feio
combinou com o humor de Alex. Uma fina camada de neve cobria as ruas da cidade,
o que redundava numa claridade polar que chegava a incomodar.
Pete ainda evitava a proximidade de Alex junto ao computador de Jerry e,
portanto, sem compromissos urgentes, o empresário dedicou-se a pensar no seu
problema com Ellen.
Aparentemente, não adiantaria nada.
Ele sabia, de antemão, que seria difícil um acordo duradouro com Ellen, mas
não contara com aquela espécie de rejeição, baseada numa suposição digna de
cartomantes ou videntes de feira. Duas opções lhe restavam: tentar de novo ou
deixar a amante em paz.
Qualquer homem inteligente, capaz de domar seus instintos animais, deixaria
o assunto morrer. Mas tornara-se penoso demais separar a razão do desejo, em se
tratando de Ellen. Alex não abriria mão dela tão facilmente. Aguardaria um motivo
sério para que ela o rejeitasse.
Isso porque tinha certeza de que ela o amava. Os sentimentos por ele eram
evidentes em cada ação que Ellen empreendia, em cada movimento, em nuance,
até em cada suspiro. Também tinha ficado clara a intenção de protegê-lo das
supostas más vibrações que a acompanhavam. Além disso, dispusera-se a ajudar
no caso do roubo dos disquetes, enfrentando para isso suas próprias dúvidas quanto
a Jerry.

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Nenhuma mulher que não amasse de fato teria agido como Ellen fizera.
Quanto ao sexo com ela, Alex jamais havia se sentido tão completo, tão inteiro, tão
vivo quanto nas exaltadas trocas de carícias.
Ele tinha passado sua vida adulta mostrando-se forte, controlado, útil para os
outros. Mas, quando estava com Ellen, perdia as defesas contra os sentimentos que
ela evocava nele. Via-se frustrado pela inabilidade em conjurar as mágoas e
temores da parceira. Ficava à mercê dela e, havia de admitir, gostava disso...
Alex nunca iria desistir de Ellen. Sem condição.

Capítulo IX

No banco dos fundos da igreja, Ellen agarrou com força a mão de Alex,
pousada em sua perna. O casamento de Cora, sua colega da comunidade
acadêmica, desenvolvia-se sem nenhum deslustre, e logo a noiva cruzaria a nave
pelo braço do pai. O ruído abafado e a comoção reinantes no local eram uma
indicação de que tudo andava bem.
Ellen suspirou aliviada. Sentira medo de que, rejeitado em seu papel de
cavaleiro andante, Alex não a acompanhasse à cerimônia. Poderia alegar, nesse
caso, que estava sem carro, mas ele fora apanhá-la em tempo, ao volante de um
automóvel alugado, naturalmente bastante inferior ao seu, que o pinheiro amassara.
Era uma grande ocasião na igreja de St. Michael, lindamente decorada. O
noivo sorria em pleno altar, antes que a noiva entrasse, garantia de que ela não
seria abandonada.
Gente bem vestida ocupava as dependências. Ellen suava como nunca.
Sua palma úmida, contra a pele seca de Alex, lembrou-a de que havia sido
má idéia comparecer àquele casamento. Ansiosa, nauseada, ela aguardava a
entrada da noiva torcendo para que, ao contrário das próprias tentativas, a amiga
não tivesse nenhum problema na hora de casar-se.
— Procure acalmar-se — Alex lhe pediu. — Tudo ficará bem.
Não, era impossível. Alex a seu lado, pedindo calma, e Ellen pronta para
saltar de tanto nervosismo. Ironia, pois com certeza a noiva estaria menos nervosa,
apesar de ter pleno direito a isso. O empresário vestia um smoking e, ao vê-lo
trajado a rigor, Ellen quase perdera o fôlego, imaginando-o num altar a sua espera.
Aquela união constituía um momento que os noivos guardariam para sempre
na memória, como um tesouro, e Ellen nunca deveria ter levado seu azar até ali.
— Tenho de sair. Vou ao banheiro.
Nesse mesmo instante, o organista da capela iniciou a interpretação da
Marcha Nupcial. Alex bateu de leve nas costas da acompanhante. Mas ela não se
achava engasgada. Entendeu o gesto como um recurso para tranqüilizá-la e, assim,
reprimir a náusea de origem puramente nervosa. Ellen sentiu os joelhos enfraqueci-
dos, porém, porque fazia alguns dias que Alex não a tocava. Tinha sofrido muito
com a falta de contato físico.
Quando Cora entrou, desfilando pela igreja, e sorriu para Ellen, um inevitável

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sentimento de fracasso a assaltou. Com todos os músculos tensos, ela mal podia
esperar pelo momento de escapar dali. As velhas paredes de pedra pareceram
fechar-se sobre a convidada, sufocando-a. Vergonha e humilhação arderam em
suas bochechas, enquanto ela se imaginava enfrentando pessoas — familiares,
amigos, convidados — morbidamente curiosas quanto ao desfecho de um
casamento no qual o noivo faltara.
— Ellen?
A voz grave de Alex a salvou do naufrágio interior. Lentamente, ela emergiu
das profundezas de uma mente conturbada e retomou o foco: a cerimônia em curso
era a de Cora, não a dela.
—Tudo bem?—o empresário insistiu, revelando preocupação. — Se quiser
sair, não vejo problemas, já que estamos aqui nos fundos.
Ellen meneou negativamente a cabeça e respirou com vigor. Já era tempo de
encarar seus medos. Como mulher adulta, precisava participar com segurança de
uma simples cerimônia nupcial. E teria de fazê-lo com apuro, com classe!
— Estou ótima — sussurrou, voltando a sentar-se com os demais convidados
na hora em que a noiva alcançou o altar.
Foi um casamento bonito e singelo, sem dúvida inspirador de uma duradoura
vida em comum. Os noivos pronunciaram os votos e trocaram um beijo fervoroso,
sob o olhar desaprovador do oficiante. Ostentando um olhar de felicidade e êxtase,
Cora apressou-se até a saída da igreja, ao lado do noivo. Seu agora marido parecia
tão deslumbrado quanto ela.
O olhar que Ellen dirigiu a Alex veio do fundo do coração, um coração
dolorido de amor. Ela sabia, contudo, que estar ali como acompanhante tinha sido
mais uma missão heróica da parte dele. Seguia sendo seu cavaleiro andante.
Mesmo decepcionado com a rejeição de sua proposta de casamento, ele jamais a
deixaria quando ela precisasse de atenção.
Alex tomou-lhe a mão já seca e pespegou um beijo suave nos lábios de Ellen.
Ergueram-se a fim de engrossar a fila dos que saíam da capela. Do lado de fora, os
recém-casados recebiam cumprimentos e agradeciam a presença dos convidados.
Estavam evidentemente felizes, na opinião de todos. Alex enviou um sorriso
caloroso a Ellen com olhares insinuantes. O foco dela centrou-se no empresário.
Tudo o que tinha a dizer era "sim", e Alex saltaria de contentamento,
passando a avisar amigos e clientes que se casaria em breve com Ellen. A não ser
que ele estabelecesse um recorde mundial, desistindo do altar na hora combinada.
A coragem dela evaporou-se. Era improvável, mas não impossível, que
sofresse mais uma rejeição pública. Se Alex viesse a descartá-la, melhor que fosse
a caráter privado. Conversaria com ele, quando retornassem ao carro.
Um toque no braço, e Ellen assustou-se, imersa que estava em seus
devaneios.
— Você está bem? — o empresário perguntou.
Ela não apenas confirmou como conseguiu relaxar por alguns instantes, sob o
contato quente da mão dele.
— Tem certeza? Parece nervosa — ele insistiu.

74
Na verdade, Ellen continuava ansiosa, quase fora de si, e a preocupação de
Alex procedia.
— Vamos... — Ela tentou retomar a fala, quando a voz ficou embargada e
sumiu.
— O que foi?
— Mia...
— Onde? — Alex olhou ao redor, agitado. Seguiu o olhar de Ellen e deparou-
a com a causa de todos os seus problemas, caminhando entre a pequena multidão
rumo à saída lateral da igreja. Tirou o celular do bolso e passou-o à parceira. —
Rápido. Tecle três e chame o investigador McBean em meu nome. É um amigo.
Ela obedeceu, enquanto Alex corria atrás de Mia. Essa parte realmente não
era mais a luta dela. Já havia descoberto a verdade. Jerry não a havia deixado em
função de sua má sorte ou vibrações negativas. A presença abusada de Mia
naquela cerimônia e sua tentativa de esconder-se confirmavam: qualquer que
tivesse sido o motivo de Jerry, a culpa era dele, não dela.
Ellen não era, enfim, uma pessoa sem sorte.
Ela e Alex passavam a ter uma chance.
Infelizmente, Ellen tinha arruinado a relação com uma mentira idiota, ao dizer
que não amava o empresário. Contrita, pediu aos céus que não fosse tarde demais.
Quando o investigador de polícia atendeu, ela explicou a situação o melhor
que pôde. Só não conseguiu esclarecer a Connor McBean a questão crucial que ele
colocou: por que Alex Morrow não o havia convocado antes, quando o problema
tinha começado? O detetive desistiu de aguardar uma resposta convincente, mesmo
porque mostrou pressa.
— Diga a Alex para não sair daí. Chegarei a dez minutos.
— Certo — ela balbuciou antes de desligar.
Agora teria de esperar pelo desenrolar dos acontecimentos.
Connor chegou à igreja de St. Michael no momento em que Alex desistia de
procurar sua ex-secretária. A presença do policial representava um forte alívio.
Ambos se conheciam desde os tempos de escola e haviam seguido carreiras
diferentes. Alex assumiu sua irresponsabilidade por ter deixado a polícia fora do
caso e explicou suas razões, incluindo a importância do sigilo perante os clientes da
Sistemas Edge. Pediu segredo a Connor, e então o amigo investigador lhe garantiu
que, naquele momento, não necessitava de depoimentos oficiais, o que chamaria a
atenção da imprensa. Precisava, antes de tudo, localizar Mia, e Ellen lhe ofereceu
sugestões de onde encontrar a traidora.
Alex considerou, porém, que Connor agradeceu a Ellen com excesso de
entusiasmo, tomando-lhe a mão demoradamente.
— Se nos desculpar — interveio o empresário —, temos compromissos, e
eles não incluem você, amigão.
— Mensagem captada — disse Connor, sorrindo para Ellen. — Felicidades.
Estou certo de que nos veremos de novo, em breve. — Bom policial e bom
conquistador.

75
— Obrigada — ela retrucou. — Gostaria de ver tudo resolvido o quanto antes.
— Farei o melhor possível. — Connor riu na direção de Alex e afastou-se a
fim de dar início à caça a Mia.
Graças a Deus! Agora, Alex poderia dedicar-se a coisas mais importantes.
Como seu relacionamento com Ellen.
Alex segurou a porta do carro para que sua acompanhante entrasse. Uma
idéia estranha o alcançou: propor casamento a Ellen dentro do veículo. Ela se
firmara, perante ele, como a mulher mais corajosa, além de sensual, que conhecera.
Se a deixasse escapar, seria tão idiota quanto seus noivos anteriores. Tinha ficado
furioso quando Ellen o rejeitara
— pelo menos como marido —, mas a raiva já havia passado. Entendia que
Ellen precisava dele para viver. E ele precisava dela para ser feliz. Talvez a
cerimônia nupcial que acabara de ver o tivesse influenciado, mas isso não tinha
importância. Em cada detalhe do casamento de Cora, ele vira o seu próprio, com
Ellen.
Fazia votos de que ela compreendesse que viveria uma vida plena como
esposa dele. E a imbecilidade de seus três noivos é que havia detonado suas
tentativas anteriores, não a má sorte que julgava carregar.
No entanto, após os três rumorosos fracassos, Alex não podia culpá-la por
relutar em casar-se. Ellen haveria de confiar nele, certa de que não seria
abandonada na igreja ou em qualquer momento posterior à cerimônia nupcial. Era
crucial que, querendo ou não, ela desenvolvesse essa total confiança nele.
Quando Alex estava com ela, via-se inteiramente envolvido e encantado por
sua inteligência, sua doçura e, claro, sua sensualidade, que os diversos encontros
íntimos haviam tornado inesquecível.
Ellen o fazia rir e acalmar-se, cativava seu corpo e sua mente preenchia um
espaço em sua vida que ele imaginava jamais ser ocupado. Faltava, porém, ela ver
e aceitar tudo isso.
— O que vai acontecer agora? — Ellen perguntou quando o carro partiu,
vencendo as ruas escorregadias por causa da queda de neve.
— Terei de preencher diversos relatórios e levá-los à polícia. Depois, quero
me concentrar num plano para tirar a empresa do fosso. A perda de nosso principal
projeto foi um golpe e tanto.
— Alex não disse, mas ao lado de Ellen sentia-se forte o bastante para se
recuperar.
Ela o julgou tão desamparado que o amou ainda mais. Também não
pronunciou as palavras, mas as evidências de seu amor eram claras: o desejo de
protegê-lo, a ternura que colocava no toque, a paixão que imantava seu corpo, a
preocupação que tinha por Alex. Pensava somente nele quando sofria alguma
necessidade, física ou não. Era reconfortante saber que podia contar com Alex. Mas
ele parecia querer mais do que ela podia dar. Queria tudo.
— Case-se comigo — ele falou, e a frase aqueceu a cabine fria do carro.
Ela abriu a boca, porém nada conseguiu falar. Alex afligiu-se ante a
possibilidade de ser rejeitado.

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— Por favor. Case-se comigo. Eu a amo — reiterou.
— Eu também amo você. É claro que aceito.
O policial apareceu às sete da manhã do domingo. Ellen vestiu o robe,
sonolenta, e foi abrir seguida por Alex, que havia se enrolado numa toalha grande. O
detetive estava acompanhado de outro homem, desconhecido.
— Bom dia — saudou com um sorriso. — Precisamos saber alguns detalhes.
— Certamente. — Ellen os deixou entrar, sem demonstrar sono ou
contrariedade.
— Que diabo vieram fazer aqui? — Alex interpelou, exibindo o tórax
bronzeado e musculoso. Isso devia intimidar os intrusos, e Ellen sorriu deliciada.
— Ah! — Connor não disfarçou uma ponta de enciumada surpresa. — É bom
que você também esteja aqui, Alex.
Poupou-nos uma viagem até sua casa.
— Não há problema.
— Vamos à cozinha — convidou Ellen. — Farei um bom café para todos nós.
Connor agradeceu, mas não esperou a bebida para introduzir o assunto. O
casal teve de reconstituir sua semana inteira, culminando com a procura por Jerry e
Mia. O policial e seu colega praticamente não fizeram comentários. Limitaram-se a
anotar dados num bloco de papel e menear a cabeça de modo inconformado. No
final dos depoimentos, Connor agradeceu e colocou-se à disposição para qualquer
coisa de que Alex necessitasse.
— Mas você liga primeiro — argumentou o empresário.
— Teria sido mais produtivo se você me informasse logo no começo do caso.
Agora, adeus.
— Está bem, Connor. Da próxima vez que me roubarem projetos, vou chamá-
lo sem demora. Adeus.
Alex acompanhou o investigador e seu parceiro até a porta do apartamento e
depois se voltou para Ellen.
—Por que não nos vestimos, tomamos um desjejum de verdade e saímos
para escolher um anel de noivado?
Um pouco zonza pela prematura visita dos policiais, Ellen concordou com um
gesto de cabeça e foi arrumar-se.
Em torno do meio-dia, ela sentou-se numa das cadeiras de metal e couro que
ficavam à frente da mesa de Alex no escritório. Com a mão direita erguida à altura
do rosto, Ellen admirou o círculo dourado e cintilante que lhe enfeitava o dedo
anular. A safira de várias facetas, montada sobre um engaste de ouro, era linda e
cheia de significado. Alex é que a escolhera, entre alternativas menos caras ou
fascinantes. Ele dissera que a pedra traria sorte aos dois, mas Ellen não tinha tanta
certeza disso. Embora já se considerasse livre do azar, preferiria ostentar um anel
menos extravagante.
— Pare com isso — Alex lhe pediu.
— Com isso o quê? — ela perguntou.

77
O empresário apontou a folha de papel em que ela havia rabiscado algumas
palavras.
— Meu bloco não é para recados tolos; portanto, pare.
A voz dele soou normal, e assim ela soube que Alex não ficara realmente
zangado, apenas ansioso com a atitude infantil de sua noiva. Ellen não vinha
fazendo nada para estimular o sonho dele quanto a um grande casamento, no estilo
tradicional.
O ciclo parecia recomeçar. Ele queria casar-se. Desejava uma festa de luxo.
Almejava uma lua-de-mel como poucas. A superstição ainda atuante em Ellen, sua
crença no destino, diziam-lhe para não fazer nada daquilo que havia tentado antes,
com os primeiros noivos. Para ela, tudo estaria muito bem se fugisse com Alex para
Las Vegas, casasse-se rapidamente numa capela de plantão e desfrutasse uma lua-
de-mel de duas ou três noites no hotel mais próximo da cidade dos cassinos.
Sabia, no entanto, como Alex Morrow era teimoso.
— Ellen? — ele a chamou, depois de percebê-la distraída. Só poderia estar
pensando nos planos para o casamento.
— Qual é a igreja de sua preferência para nossa cerimônia nupcial?
— Preferência? É ir ao aeroporto e pegar o vôo para Las Vegas.
— Já superamos essa fase — ele afirmou, compreendendo a alusão feita por
Ellen. — Cada um de nós vai se casar pela primeira vez, e devemos promover um
belo e tradicional casamento, do qual possamos nos lembrar no futuro.
— Se tivermos algum... — Ela não resistiu à brincadeira, mas ficou sem
graça.
— Vamos ter—ele assegurou.
— Ninguém sabe — ponderou Ellen. — Segui a tradição por três vezes, e
mesmo assim não consegui me casar. Vamos a Las
Vegas, para uma capela de serviço expresso e encerraremos o episódio sem
maiores ansiedades, despesas ou esperanças tolas.
Alex ajeitou os óculos depois de esfregar a ponte do nariz, como sempre fazia
quando estava nervoso. Não entendia por que Ellen se mostrava avessa a uma
grande festa.
— Agora as coisas são diferentes — ele argumentou. — Seus outros noivos
eram fracos de espírito, o que significa que não devemos romper a tradição por
causa deles. Gostaria de manter um pouco do velho ritual. Por favor, Ellen. Vamos
nos casar dentro de dois dias e tudo já está organizado!
O olhar de Alex implorava para Ellen acreditar e confiar nele, o que ela faria
de bom grado, exceto pela sombra que pairava sobre seu coração: se ele a
desapontasse, ela estaria simplesmente destroçada. Nada sobraria, ao contrário das
outras vezes, em que Ellen pudesse apoiar-se a fim de renascer.
Considerava Alex como sua própria alma, mais do que a mente e o coração.
O feitiço agora vinha dele. Se o noivo a magoasse, quebraria seu próprio espírito, de
um modo tão radical que não haveria conserto.
Pensamentos de que seu casamento com Alex pudesse repetir o fiasco dos

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anteriores davam-lhe vontade de chorar, mas ela não saberia o que fazer de prático
caso ele a abandonasse no altar.
Não, não seria possível. Alex era um homem de palavra, determinado, e ela o
amava na mesma proporção em que era amada.
No entanto, ainda encaravam os fatos de maneira diferente. Um casamento
conforme o figurino tomava meses e meses de preparação, contatos, escolhas,
pagamentos. Contraditoriamente, Alex dizia querer casar-se com Ellen o mais breve
possível. Pedia-lhe que cuidasse de um ou outro detalhe, mas se encarregava
praticamente de tudo: a decoração da igreja, o bufê, os músicos. Graças às
amizades que possuía, conseguira organizar o casamento em prazo recorde.
Faltava apenas escolher o lugar, e isso a dois dias da cerimônia. Outro detalhe
explodiu como bomba na mente da noiva: não havia discutido com Alex onde iriam
morar.
Claro que, por força dos antecedentes, Ellen achou que não se casariam.
— Vamos escolher a igreja da Rua Miller. Que tal? — ele sugeriu.
Sim, Ellen adoraria unir-se formalmente a Alex num templo que costumava
sediar os casamentos mais importantes da cidade. Mas, concorrida como era àquela
igreja dificilmente teria data livre para dali a quarenta e oito horas.
— Não é tarde demais para conseguir a igreja da Rua Miller? Pelo que sei, os
casamentos ali são marcados com meio ano de antecedência.
—Aquele pessoal me deve alguns favores—contrapôs o noivo.
Bem, Ellen não duvidaria disso nem por um minuto, mas o estresse que
carregava inspirou-lhe uma gargalhada. Alex tinha chamado para si a parte ativa da
preparação das núpcias. Havia feito arranjos em quase todos os itens, como se
apenas ele pudesse raciocinar e decidir. Francamente, a noiva não se importou,
ciente de que Alex procurava poupá-la de más recordações.
Ellen tinha sua maneira peculiar de avaliar a situação: somente um homem
que a amasse muito investiria tempo e energia em todos os preparativos, em vez de
deixar o problema para ela e sua família. Um arrepio de alegria e excitação a
percorreu quando se conscientizou desse detalhe.
-— A que hora do dia você não se casou antes? — Alex indagou.
Outra prova de preocupação, talvez excessiva. O coração de Ellen bateu
mais forte, transmitindo uma crescente e definitiva confiança em Alex. A despeito
disso, ficou um tanto aflita.
— Nunca me casei, em nenhuma hora do dia — ela disse.
Em seu estado de vibração interior, Ellen aparentava não ter compreendido a
pergunta do noivo. Entendera muito bem, todavia, e agora enfrentava o olhar
recriminador de Alex.
— Tenho as três. Possibilidades: manhã, tarde e princípio da noite — ele
informou.
-— Certo. Que tal às oito da noite? Um elegante casamento na terça-feira,
depois do expediente comercial. Todos os que trabalham com horário fixo poderão
comparecer,

79
Estaria referindo-se ao próprio Alex Morrów?
— Outra coisa: não espere que eu use um vestido de noiva tradicional.
— Por mim, está bem assim. Eu a amo, Ellen. Em qualquer roupa e,
principalmente, sem nenhuma.
Alex avançou para ela, tirou alguns papéis e objetos do tampo e deitou-a ali.
— Ainda não experimentamos a mesa... — comunicou, cheio de vontade e
malícia.
Recém-comprado numa butique, o vestido longo e branco de Ellen, com
decote quadrado, era discreto e bonito. Não cairia no mau gosto de repetir um dos
trajes convencionais que usara nas frustradas ocasiões anteriores. Ela retirou a
roupa do armário a fim de recordar-se de que, daquela vez, iria realmente se casar,
e com o homem de seus sonhos. Não deveria esquecer nunca: Alex era diferente de
Frederick, Barnard ou Jerry.
Às seis da tarde daquela segunda-feira, Ellen entrou em crise nervosa. A
chuva de inverno se transformara em temporal, inundando as ruas da cidade. E se
Alex sofresse um acidente? Em minutos, criou-se um vazio em sua mente. Ela não
sabia o que fazer.
Então, o telefone tocou. Graças a Deus, era Alex.
— Fiquei tão preocupada, querido. Está tudo bem?
— Sim, tudo bem. Mas me atrasei no distrito policial, e em seguida a
tempestade tornou intransitável uma porção de ruas. A cidade ficou um caos.
Preciso que venha me buscar.
— Claro.
— Ouviu instruções do noivo sobre como evitar congestionamentos e chegar
mais depressa a casa dele.
Como iriam casar-se numa capela tão tradicional quanto a da Rua Miller, o
padre exigira um ensaio completo da cerimônia, com a presença não só dos noivos
como também dos pais e padrinhos. O problema era estar lá em tempo.
Debaixo de chuva, Ellen entrou com o Volvo na trilha defronte à residência de
Alex. Ao sair do carro, viu pela primeira vez o que havia restado da garagem dele:
uma pilha indistinta de tijolos, madeira e telhas. Seus joelhos tremeram. Felizmente,
o empresário não estava na rota de queda do pinheiro.
Ele abriu a porta para ela, abraçou-a e beijou-a com ardor. —Sinto muito
sobre sua garagem e seu carro—ela foi dizendo. —Você por acaso pediu desculpas
a seus outros noivos, quando alguma coisa estranha lhes aconteceu?
— Claro que sim. — Ellen quis recuar, mas Alex a reteve nos braços.
— E eles se desculparam por tê-la abandonado diante do altar?
— Não.
— Você não chegou a pedir nenhuma retratação?
— Não falei com nenhum deles, depois da desistência. Qual o problema,
Alex? Por que estamos tratando disso agora?
— Porque vamos nos casar amanhã, e eu queria que o assunto ficasse

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definitivamente encerrado. Também preciso saber se você de fato confia em mim.
— Já disse e repito: confio.
O quase sorriso de Ellen demonstrou que uma dúvida, mínima, mas atroz,
ainda atropelava seus sentimentos mais profundos.
— Está bem, vamos ao ensaio — Alex determinou.
Ellen pensou de novo: não deveria nunca esquecer que Alex era diferente de
Frederick, Barnard ou Jerry.
No dia seguinte, Alex tentava acertar a posição de sua gravata borboleta
quando uma batida à porta o surpreendeu. Quem poderia ser? Conteve o impulso de
socar Jerry ao deparar-se com ele parado na soleira, tiritando de frio.
— Posso entrar? Estou congelando aqui.
Não era má idéia. Alex sabia que Jerry era inocente do roubo dos disquetes,
mas queria vê-lo longe de Ellen até que ela estivesse devidamente casada.
— O que faz em minha casa, além de estragar o meu dia de casamento?
— Mia foi detida esta manhã — Jerry informou.
— Eu sei. A polícia me avisou. — O empresário ajustou os óculos, disposto a
não se mostrar hospitaleiro! No mínimo, Jerry deveria ficar fora de cena até o dia
seguinte.
Autorizado, ele entrou e passou às mãos de Alex uma pequena caixa
quadrada.
— Aqui estão os disquetes. Seu projeto está salvo. Consegui reter Mia na
cidade até descobrir onde ela havia escondido o material roubado. Ela é muito
esperta, se quer saber.
— Já percebi — Alex murmurou. —- Mas, se você não era culpado, por que
correu de mim e de Ellen no jogo de basquete?
— É que eu tinha marcado encontro com Mia, no ginásio, e se ela me visse
com vocês acabaria fugindo para algum local desconhecido. Gostaria de me explicar
pessoalmente a Ellen.
— Entendo. — O pesadelo de Alex se tornara real: Jerry voltara e ainda
gostava da noiva que um dia abandonara.
A questão era outra: Ellen ainda gostava de Jerry?
Ela dissera que não, mas o empresário não tinha certeza. Os próprios pais da
noiva adoravam Jerry e encorajavam a filha a perdoá-lo e a reatar. Ellen possuía
sérias diferenças com o pai. Não aceitaria Jerry de volta só para agradar a Vítor
Scott?
Inquieto, Alex preocupou-se com a solidez de seu amor, com a estabilidade
de seu matrimônio. Nunca seria amigo de Jerry, mas também não mentiria ao
funcionário no qual um dia confiara.
— Ellen não está. Neste momento, ela se apronta para ir a um casamento.
— Um casamento? De quem?
— Dela mesma. — Alex fez uma pausa. — Comigo.

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Nervoso, Jerry vibrou o punho cerrado diante do rosto do empresário. Acertou
um golpe que deixou inchada a bochecha do empresário.
— Para que isso?
— Enquanto eu salvava sua firma da falência, você me roubava a noiva?
Alex recuou em tempo de evitar mais um soco.
— Ao menos eu não vou deixá-la sozinha no altar. Sua atitude foi
imperdoável, sem reparação. Por que acha que Ellen ainda o quer? — Alex também
desferiu um soco no outro, embora sujeito a estragar o smoking com manchas de
sangue da boca de Jerry.
— Você só a conhece há uma semana. E eu, há dez anos. É um sujeito de
sorte, Alex, mas foi apenas meu substituto. Se eu não tivesse abandonado Ellen, ela
jamais se interessaria por você.
A despeito do revide violento, Alex teve a sensação de que Jerry estava certo.
Sob circunstâncias normais, Ellen se tornaria sua namorada e amante? Na
malograda noite de núpcias, não fora ela quem o havia empurrado para a cama?
— Eu a amo. Pretendo reconquistá-la — declarou Jerry, enxugando com um
lenço o filete de sangue na boca.
— Pois eu também a amo, e vou me casar com ela, daqui a pouco.
— Mas eu é que a mereço. Sabia que foi ela quem me pediu em casamento e
até marcou a data?
Paralisado, Alex exibiu na face uma dor impiedosa.
— Ela pediu... —- A repetição se destinava a convencê-lo da verdade. Não
havia por que Jerry mentir a respeito disso. — Diga-me, como Ellen lidou com o
abandono de seus três noivos, incluindo você?
— Não lidou. Agiu como se nada houvesse acontecido. Mas por que isso
importa?
—Importa, sim. Ela carrega um monte de medo, o que a impede de ser feliz.
Acho que ela precisa falar com todos vocês. — Isso deu a Alex uma idéia. — Olhe,
vamos fazer uma trégua? Tenho uma tarefa séria a cumprir e sou esperado dentro
de trinta minutos na igreja da Rua Miller.
— O que pretende fazer?
— Trazer os outros ex-noivos dela. Você vai até a capela e avisa Ellen de que
chegarei um pouco atrasado, mas chegarei. Ela não deve temer nada nem fazer
nenhuma bobagem enquanto isso.
— Está bem, mas não vou desistir de Ellen, casada ou não.
— É o que eu já esperava.
Ellen havia acreditado no compromisso, na promessa de Alex.
Mais uma vez, tinha sido idiota! Na antecâmara do altar, onde existia uma
sala destinada à noiva e seus parentes, ela consultou o relógio, temendo que o
atraso do noivo fosse definitivo, e sentou-se amuada numa cadeira, assistida por
Vera.
— Desta vez, juro que vou matar o noivo fujão.

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— Calma — pediu-lhe a irmã. — Mia foi presa, e talvez Alex precisasse ir ao
distrito policial. Com certeza, já está vindo para cá.
— Se não chegar a dez minutos, vou-me embora sem olhar para trás — ela
disse com fúria, para só depois dar atenção à informação de Vera. — Mia foi presa?
— Sim, e Jerry a denunciou. Creio que os disquetes serão recuperados.
— Jerry e Mia... Estão casados?
— Não.
— Quer dizer que ele não me deixou por outra mulher?
— Olá, Ellen. — O próprio Jerry ingressou na saleta, parecendo saudável
exceto pelo pequeno corte no lábio inferior. — Você está bem?
— Poderia ter-me telefonado ou enviado um bilhete — ela reclamou. — Para
quem abandonou a noiva no dia do casamento, não seria tanto trabalho...
— Faltou-me tempo — ele se justificou. — Você sabe como Mia é.
Ellen contemplou Jerry, recordando os dez anos de tácito namoro, até que ela
forçasse a decisão de casar-se. E fazia menos de dez dias que fora abandonada.
— Não perdôo o que me fez Jerry.
— Por favor, acredite. Eu queria me casar com você, ainda quero. Eu a amo.
— O quê? Você me ama? — Ellen não escondeu o espanto.
— Sim, com a maior sinceridade.
Bem, já não tinha importância. Ela não o amava, não o bastante para casar-
se com ele. E isso não mudava o fato de que, arrogante, Jerry julgava que Ellen o
esperaria solteira, mesmo depois de humilhada. Assim, o que ela ouviu a espantou:
— Desta vez, eu esperarei por você, querida. — Jerry mostrou-se comovido,
mas daí a ser confiável...
Confiança se tornara uma palavra maldita na vida de Ellen. Havia apostado
na firmeza de ânimo de Alex, e o que tinha acontecido? Novo abandono, nova
humilhação. Venenosamente, Jerry não a havia informado de que o noivo estava a
caminho.
Pelas ruas molhadas da cidade, Alex ameaçou Frederick e Barnard de
represálias físicas, caso não se mantivessem quietos. Ele corria contra o tempo, sob
um nervosismo avassalador. Por fim, o táxi chegou à igreja, e o empresário
empurrou os dois ex-noivos de Ellen porta dentro, até a saleta privativa nos fundos
do altar.
Jerry estava ali em frente, reclinado num banco externo.
— Onde ela está? — indagou o empresário, suando de ansiedade.
— Lá dentro, com o padre e o oficial de paz, cancelando o casamento.
— O quê? — Alex ficou desfigurado de raiva e frustração, mas manteve
Frederick e Barnard seguros pelo braço. — Você não avisou que eu iria me atrasar?
— Ela não me deu chance.
Idiotas! Estava rodeado de idiotas! Disparou até a saleta e colidiu com Ellen,

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que vinha saindo. A grinalda de margaridas tombou no chão.
— Confiei em você, Alex — ela afirmou, em tom choroso.
— Pois eu estava a caminho. Jerry não lhe contou porque é um canalha,
apesar de ter achado e devolvido os disquetes.
— Meu problema agora não é com Jerry, é com você.
Ellen poderia dar-se por feliz com a solução do caso que tanto afetava o
empresário, mas sua dolorosa frustração prevalecia. Era dela o recorde dos
casamentos suspensos na hora da cerimônia.
— Com licença... — Ela tentou vencer a barreira corporal que Alex havia
colocado no caminho.
— Olhe quem eu trouxe para pedir desculpas a você...
— Ele empurrou Frederick e Barnard para conversarem frente a frente com
Ellen. Entrou na saleta em tempo de barrar a suspensão da cerimônia.
A chamado do padre, ela também ingressou na sala, enquanto os dois ex-
noivos, envelhecidos e fragilizados, afastavam-se.
— Você, Ellen Scott, ainda quer se casar com Alex Morrow?
— Sim, sim! — ela exclamou, confirmando interiormente que seria grata a
Jerry pela ajuda que prestara, porém a fantasia de desposá-lo um dia já não tinha
terreno para florescer.
— Que bom, que bom! — Ele a abraçou ternamente.
— O que houve com seu rosto?
— Querida, nada a ver com azar, mau-olhado ou bruxaria de qualquer
espécie. O único feitiço aqui é o que paira sobre o nosso amor.
Após a igreja, houve recepção na casa de Alex. Ellen corou ante os assobios
que recebeu quando levantou o vestido até acima do joelho e permitiu que o marido
lhe removesse a liga, com os dentes. O rosto dele estava inchado e, baseada no
que tinha visto no lábio de Jerry, a recém-casada concluiu que os dois pretendentes
haviam brigado para valer.
Era fantástico. Homens brigando por causa dela, depois de uma vasta
experiência como mulher mal-amada.
— Vamos cortar o bolo? — A sugeriu, enquanto Alex ajeitava os óculos.
— Daqui a pouco. Já lhe disse o quanto eu amo você?
— Uma dúzia de vezes. Mas nunca me vou cansar de ouvir.
Ele sussurrou no ouvido dela novas palavras de amor, tirando proveito da
posição para dar na esposa um glorioso e vivido beijo.
— Eu o amo, Alex — confessou Ellen. — Nunca duvide.
— Você tem a vida inteira para provar — ele afirmou com um sorriso
malicioso.
Enfim, a azarada e o cavaleiro andante estavam legalmente juntos, prontos
para um relacionamento pleno e de muita sorte.

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