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Ela era uma cantora de saloon, linda, sedutora, um verdadeiro anjo... E estava
grávida! A tímida beldade precisava desesperadamente de alguém que a protegesse...
e Tanner estava convencido de que era o homem certo para aquela incumbência. Só
faltava convencer Angelena!
Embora soubesse o próprio nome e que a música era sua vida, Angelena não
sabia de onde viera nem o que estava fazendo em Edgewood, no Texas. Com um bebê
a caminho, a oferta de Tanner lhe parecia uma bênção divina, mas como permitir que o
charmoso xerife se responsabilizasse por um passado que ela própria desconhecia?
Querida leitora,
Para você, que é uma leitora assídua da série Clássicos Históricos, esta edição
traz mais uma história de casamento, claro, com todas as complicações e emoções
que tornam rica e apaixonante a trama desta lindíssima historia de amor!
Patrícia Garcez
Editora
CAPÍTULO I
Agora ele entendia por que todos a chamavam de Anjo. Dos brilhantes cabelos
dourados aos sapatos cor de prata, aquela mulher era a epítome de um ser divino.
Mas o que ela fazia no palco do saloon Golden Slipper? Walter Tanner apoiou-
se no balcão do bar, intrigado com o repentino silêncio enquanto o pianista dedilhava
uma simples introdução.
Observou a mesa repleta de espectadores e vários vaqueiros encostados à
parede perto da porta. Chapéus tinham sido removidos como se a mulher fosse uma
criatura merecedora de honrarias. Um homem pediu silêncio a outro quando este
sussurrou algo. Um vaqueiro sorriu ao companheiro.
Walter também sentia certa expectativa. Nas últimas semanas ouvira falar da
nova cantora que Jason Stillwell havia contratado. Até aquela noite, não se permitira
entrar no saloon para assistir ao espetáculo. Talvez porque duvidasse dos boatos. Ou
então, porque seu cinismo não admitisse a imagem de um anjo no palco do Golden
Slipper.
Como xerife de Edgewood, Texas, precisava refrear a tentação de frequentar o
saloon. Mesmo que não fosse o representante da lei, teria de evitar o lugar. Sendo filho
de Nate Pender, Walter criara certa aversão ao mundo ébrio que o pai habitara.
O pianista silenciou. A mulher ergueu o rosto e, fitando o ambiente esfumaçado,
esboçou um leve sorriso. Em seguida, inspirou, movendo os seios sob o vestido azul, e
soltou um suspiro suave dos lábios que fascinavam todos os homens. Walter reparou
no decote modesto e mexeu-se, incomodado.
De súbito, ela entreabriu os lábios, e uma melodia doce, tão pura a ponto de
causar lágrimas, ecoou pelo recinto. Acompanhada pelos simples acordes do piano, a
canção fluía pelo saloon, deixando os ouvintes imóveis.
— O que acha? — Jason Stillwell sussurrou, rompendo a concentração de
Walter. — Eles não a chamam de Anjo por nada.
Walter olhou o homem atrás do balcão.
— Garanto que está lhe custando muito dinheiro.
Um rancheiro lançou um olhar raivoso a Walter. O pedido de silêncio possuía
mérito. Ele escutou, ponderou e resolveu guardar seus comentários para mais tarde.
Uma coisa era certa, a mulher sabia cantar.
para Walter ficar longe do Golden Slipper, algo lhe dizia que a garota significava
encrenca.
Anjo?
Tolo como era, ele quase se ajoelhara diante da imagem pura, tal qual os
vaqueiros enfeitiçados pela voz melodiosa. Walter rolou de novo na cama, e os lençóis
escorregaram de seu corpo nu. A mulher o deixara em chamas, pensou, irritado.
Ele e cerca de cinquenta homens. Um número considerável, segundo Jason
Stillwell.
Homens surgiam no Golden Slipper todas as noites, desde a primeira aparição
de Anjo, logo depois que o trem de Shreveport fizera uma rápida parada em
Edgewood. Walter escutara dizer que ela caminhara pela estação, passara diante do
banco e do armazém, dirigindo-se ao saloon, onde Herbie havia tirado Jason da cama
para recebê-la.
A mulher cantara pela primeira vez naquela mesma noite, acompanhada por
Dex Sawyer ao piano, que aceitara tocar em troca de uma soma considerável. Dex
havia trabalhado no saloon anos atrás, mas os rumores diziam que ele ficara cativado
pelo talento da jovem.
Dex Sawyer era amigo de Walter desde a época em que o chamavam de Scat
Pender, antes de obter a salvação e tornar-se xerife.
A salvação que surgira na forma de Rosemary Tanner.
Esta era um anjo de verdade, decidiu, pensando na mulher que o apoiara
durante o recomeço de sua nova vida. Entre ela e Gabe... Walter levantou-se. O sono
não viria.
Aproximou-se da janela, mas se manteve escondido atrás da cortina para não
ser visto do outro lado da rua. Havia somente uma fraca luz no segundo andar do
saloon. Divisou uma figura esguia parar diante da janela por alguns segundos e depois
mover-se.
Tinha certeza de que era o Anjo. Nenhuma outra mulher do estabelecimento
possuía aquele corpo esbelto.
Talvez ela recebesse Jason aquela noite, Walter deduziu, mais uma vez irritado.
Então sacudiu a cabeça, eliminando o pensamento. Talvez não. Lily a mataria. Era
possessiva ao extremo e não media as ações no que se referia a Jason.
A forma esguia passou pela janela outra vez, e Walter deu um passo à frente
para enxergar melhor.
Suspirou. Sem dúvida, a forasteira o perturbara. Após vinte minutos no bar,
bebendo um copo de água, ele já agia feito um menino inexperiente.
Precisava visitá-la um dia desses, como oficial da lei, claro, para descobrir o que
ela fazia em Edgewood. Na verdade, essa visita vinha sendo adiada havia semanas.
Voltou à cama, conformado com uma noite insone, mas satisfeito por tomar uma
decisão. Daria tudo para ser convidado àquele quarto e ouvi-la sussurrar seu nome
com paixão.
No dia seguinte, passaria pelo saloon para conversar com ela.
As mulheres que dormiam nos quartos do Golden Slipper preferiam passar o dia
confinadas em seus aposentos, ocupando-se com tarefas femininas. Suas atividades
noturnas não interessavam Walter que, sendo um homem discreto, possuía outras
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preferências.
No entanto, ao divisar Angelena caminhando pela rua às nove da manhã do dia
seguinte, ficou surpreso.
Aparentemente, ela gostava de acordar cedo, uma contradição dado os
movimentos que Walter vira no saloon na noite anterior. Observou o vestido modesto e
inclinou o rosto, imaginando como seria abraçar aquela cintura fina.
Quantos homens haviam se deitado com ela?, perguntou-se. As lembranças de
anos difíceis surgiram-lhe à mente, trazendo a dor da rejeição a qual sobrevivera.
Rejeição causada por uma criatura tão angelical quanto aquela.
Tenso, recordou o passado e Kitty, a beleza loira que cantava no saloon de
Abilene quando ele ainda pecava por excesso de imaturidade. Espantou as lembranças
com a facilidade obtida em anos de prática. Então, ajeitou a arma e saiu à calçada,
diante da cadeia.
Andou devagar, seguindo os passos de Angelena. Ela caminhava depressa e,
de quando em quando, cumprimentava homens que se detinham à rua empoeirada
para vê-la passar.
Tão logo ela entrou no armazém, Walter apressou o passo. No interior da loja,
viu-a conversando com Phillipa Sawyer, a proprietária cujo marido, Dex, tocava piano
no Golden Slipper.
— O suprimento de chá terminou, e não gosto muito de café — Angelena dizia.
— Creio que posso resolver esse problema — Pip prontificou-se, pegando uma
caixa de metal na prateleira. — Temos vários tipos. Qual vai querer hoje?
— Ervas verdes, se tiver. Do contrário, chá preto me servirá.
Phillipa notou a presença de Walter.
— Xerife! Em que posso ajudá-lo?
Angelena ficou tensa, enrijeceu os ombros, como se estivesse pronta para a
batalha. Walter aproximou-se.
— Só estou passeando pela cidade, Pip — respondeu. — Pensei em verificar se
a nova leva de botas já chegou.
— Ainda não, xerife. Fiz o pedido segunda-feira passada. Em geral, a
mercadoria leva algumas semanas para chegar.
Os olhos sagazes de Pip focavam Walter e Angelena.
— Já foi apresentado à nova artista, xerife? — ela indagou, sorridente. — Esta é
Angelena, possuidora da voz mais afinada do Mississipi, de acordo com meu marido.
Walter avaliou o perfil de Angelena. A face estava ruborizada, e ela encarava o
balcão à frente.
— Não posso dizer que tenha sido apresentado à dama — Walter retrucou. —
Estive no Golden Slipper ontem à noite e a escutei cantar pela primeira vez. — Isso,
sem mencionar o fato de tê-la observado quando deveria estar dormindo, acrescentou
em pensamento.
Angelena ergueu o rosto, esboçando um sorriso frágil.
— Espero que tenha apreciado o show, xerife. — Ela abaixou o rosto outra vez,
e Walter inspirou, reconhecendo o perfume de lilás. Os cabelos eram um manto
brilhante, presos por uma presilha dourada, e usava um chapéu azul.
Os dedos de Walter tremeram ao considerar a ideia de soltar aqueles cabelos
magníficos com apenas um gesto. Angelena ficaria ainda mais bela, mas baniu a
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— Quero apenas mostrar à dama que a lei está interessada nos recém-
chegados. A cidade conta com a paz e a ordem.
— Admiro seus cuidados, senhor. — Angelena falava devagar, mas os olhos
revelavam uma raiva que ela não conseguia ocultar. — Contudo, não há necessidade
de desconfianças. Não sou uma fora-da-lei.
Arrependido, Walter quis retirar as palavras. Ela era mais que bonita, decidiu,
sentindo a paixão invadi-lo, A lembrança daqueles cabelos dourados caindo sobre os
ombros enquanto Angelena cantava continuavam a assombrá-lo. Em menos de cinco
segundos, conseguiria soltar a presilha e libertar a exuberância que a mulher escondia
sob o chapéu.
Apoiou-se sobre o balcão ao sentir o desejo crescer. Angelena o transformava
em um jovem ansioso por experimentar as delícias da carne. Apertou a aba do chapéu
na tentativa de se conter.
Havia anos não se via tão perturbado diante de uma mulher, tal qual aquela
fatídica época em Abilene. Talvez estivesse na hora de dar a si mesmo uma chance.
Só mais uma vez.
Com certeza, conseguiria submetê-la à paixão. A necessidade de descobrir o
que havia por trás daquela fachada elegante era irresistível. Sim, Angelena sustentava
um mistério tentador.
Mas era uma cantora de saloon e, por isso, Walter começava a enlouquecer.
— Perdoe-me, senhorita, eu exagerei. Talvez possamos conversar outro dia.
Angelena arregalou os olhos e assentiu.
— Talvez, xerife. Talvez. — A réplica foi suave, sucinta, mas longe de ser
sincera.
CAPÍTULO II
— Acho que, mais uma vez, está certa — Walter respondeu após refletir. — Não
creio que tenha sido sincero.
— De acordo com Pip, a srta. Angelena é uma dama verdadeira, apesar do lugar
onde trabalha. E Phillipa Sawyer conhece o caráter das pessoas. — Dando o assunto
por encerrado, Rosemary virou as costas para o xerife de Edgewood.
Walter circundou a enorme mesa da cozinha e beijou o rosto da mãe.
— Se eu prometer me desculpar com a srta. Angelena e agir de forma sincera,
posso ficar para experimentar o assado?
Suspirando, Rosemary fitou o filho.
— Hoje? Esta tarde?
— O assado ou as desculpas? — ele brincou.
— Não terá um sem o outro. — Rosemary sorriu.
— Sabe que faço qualquer coisa para me sentar a sua mesa, mãe. Comerei o
assado hoje e pedirei desculpas amanhã de manhã.
A expressão de desconfiança originou uma pequena cova na face de Rosemary.
Quinze anos atrás, Walter apaixonara-se por aquele minúsculo detalhe, sem mencionar
pela mulher que possuía um ótimo humor.
Os cabelos continuavam negros, e os olhos tão significativos quanto na primeira
vez em que os viu, no dia em que Rosemary Tanner se tornara sua salvação. Se havia
uma mulher que merecia ser santificada, essa era sua mãe.
— Vá tocar o sino — ela ordenou. — E tenha cuidado. Aqueles meninos devem
estar famintos. Seu pai deixou Adam e Seth trabalhando na plantação, e os menores
estão tirando as ervas daninhas do jardim.
Walter caminhou até a varanda e fitou as construções da fazenda que lhe fora
um lar durante os melhores anos de sua vida. As terras pertencentes a Gabe Tanner
sempre seriam um local acolhedor para ele.
O sino soava alto enquanto Walter sacudia a corda. Do jardim, do celeiro e do
curral pessoas corriam em direção à bomba de água.
Valia a pena agir como um tolo diante de Angelena só para sentar-se à mesa de
Rosemary e sentir-se um membro da família.
olhou para cima e começou a tocar enquanto a mulher no topo da escada dava voz à
melodia.
No mesmo instante, os três homens no bar pararam de conversar. Walter fechou
os olhos e respirou fundo, incapaz de resistir à forte atração.
Com certeza, ela não era tão perfeita quanto imaginara.
Os cabelos dourados perderiam o brilho fascinante sob a luz fraca do saloon.
Afinal, Angelena não passava de uma cantora de cabaré. Nada além disso, por mais
que Pip Sawyer lhe desse a categoria de dama.
E por que Rosemary atestava tal opinião ele não sabia. Devia ter pensado nesse
argumento, assim não sofreria a ira de sua mãe.
A música cessou de forma brusca.
— Desculpe, srta. Angelena — Dex murmurou. — Errei a tecla.
A risada do Anjo soou melodiosa.
— Pensei que fosse uma nota mais alta.
— Parece bom para mim — Jason comentou.
— É um verdadeiro cavalheiro, senhor — Angelena disse.
Chegar até a escada parecia ser um problema para Walter. As sinceras
desculpas seriam tarefa simples, se não houvesse a presença de quatro homens,
sendo um deles tagarela quando se tratava de partilhar segredos com a esposa. Todos
na cidade sabiam que Dex Sawyer era loucamente apaixonado pela ruiva com a qual
se casara.
Resoluto, Walter marchou em direção à escada. Uma das mãos agarrou o
corrimão e a outra tirou o chapéu.
— Dex — chamou o pianista. — Pode me dar um minuto, por favor?
Com os olhos brilhantes de curiosidade, Dex assentiu. Então, fitou a mulher que
se encontrava na sacada, como se lhe pedisse permissão. Ela acenou e voltou a
encarar Walter.
— Já que a srta. Angelena concordou, não me oponho.
— Problemas, xerife? — Jason perguntou.
— Não. Quero apenas conversar com a senhorita — Walter replicou e fitou a
mulher no andar superior.
Angelena se afastou do corrimão e apoiou-se na parede. Walter sorriu por
dentro. Ela parecia assustada, um detalhe que lhe daria alguma vantagem.
Subiu no primeiro degrau, mas se deteve. Talvez fosse melhor ter com ela no
quarto. Tão logo assimilou a ideia, dispensou-a. Seria muita tentação. O aroma de lilás
que sentira no armazém voltou-lhe à lembrança. Podia apostar que o cômodo inteiro
estava impregnado daquele perfume.
— Xerife? — O tom de voz soou como um murmúrio. Os olhos azuis fixavam-se
em Walter.
Enganara-se. Os cabelos continuavam dourados, tal qual os raios de sol, e o
corpo sob o vestido de algodão, embora esguio, possuía curvas sinuosas. A altura da
cintura, as mãos delicadas torciam um lenço bordado. A dama estava nervosa.
Ele se encontrava ao pé da escada, com um sorriso matreiro nos lábios.
Angelena pensou que nunca mais o veria após o fiasco no armazém. A tentativa de se
desculpar fora quase tão rude quanto as palavras que a precederam. Os termos
usados para admitir o erro haviam sido adequados, mas o ar zombeteiro do xerife tinha
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Melhor ainda, daria tudo que possuía para saber os segredos de seu passado.
— Planeja se estabelecer por aqui? — o xerife perguntou.
Angelena puxou uma cadeira e sentou-se.
— Não tenho certeza quanto aos meus planos futuros.
— Jason tem sorte de tê-la aqui, mas me pergunto por que escolheu um lugar
como este para trabalhar. Penso que sua voz pertence aos grandes teatros. Ou talvez
àquelas casas de espetáculos que contratam artistas por temporada.
— Não creio que já tenha cantado em um lugar como o Golden Slipper. Mas não
vi nenhum teatro em Edgewood quando cheguei. — Ela tomou um gole de chá e fitou o
xerife.
— Por que Edgewood? — O xerife segurou a caneca com as duas mãos. — De
onde veio, senhorita?
— É uma pergunta oficial?
— Não, mera curiosidade.
A porta da cozinha se abriu, e Jason apareceu.
— Está tudo bem, srta. Angelena? — Ele encarou o xerife. A proteção do
empregador a confortava. — Dex foi para casa — informou. — Disse que voltará mais
tarde a fim de ensaiar.
Walter levantou-se, engolindo o resto do café.
— Está tudo bem, Jason. Já estava de saída. A srta. Angelena me ofereceu um
café.
— Fique à vontade, Walter. O bule está sempre no fogão — Jason avisou-o.
Angelena observou os dois homens. Seu olhar percorreu os ombros daquele
que Jason chamava de Walter. Então, ele se apoiou no batente da porta.
— Obrigado pelo café, senhorita. Creio que ainda não me apresentei. Sou
Walter Tanner. — O xerife pôs o chapéu, acenou e se foi, deixando-a trêmula e
fascinada pelos olhos escuros e a curva dos lábios.
Esperando lembrar-se de algo, ela vasculhou a mente. Nas sombras do passado
devia haver um homem que lhe atiçara os sentidos. Caso contrário, Angelena não
reconheceria o xerife como um perigo. E, com certeza, ele era. O calor do corpo, a
essência masculina, o som da voz grave, incitavam-na e, por intuição, precisava ser
cautelosa.
A despeito da magia viril, Walter Tanner era capaz de comover-se com a mulher
que chamava de mãe. Tal qualidade a conquistara, aquela doçura dava um ar de
fragilidade ao xerife.
Para se livrar dos pensamentos confusos, Angelena resolveu se ater às
tarefas diárias que vinha realizando desde a chegada a Edgewood. Fez mais café
fresco e ocupou-se em assar alguns pães no forno, talento este que ela parecia
trazer de outra vida.
Com movimentos automáticos, colocou os ingredientes sobre a pia e começou
a preparar a massa. Satisfeita, pôs a forma no forno e fechou a portinhola. Enquanto
os pães assavam, quebrou uma dúzia de ovos para o mexido e cortou várias fatias
de bacon.
Em algum lugar do passado aprendera a cozinhar, e esse dom já bastava para
transformar o saloon no paraíso, de acordo com Jason Stillwell. Ele a observara com
atenção durante o segundo dia que Angelena passara no Golden Slipper. Os olhos
sagazes acompanhavam cada movimento enquanto ela cozinhava e servia o desjejum
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às garotas.
Então, Jason lhe oferecera um lugar para ficar, um palco e a segurança de uma
porta trancada durante a noite. Angelena aceitou prontamente. As mulheres eram outro
problema. Passou a aceitá-las tão logo entendeu a frágil vida que levavam.
Naquele instante, escutou-as descendo a escada, rumo à cozinha, e fazendo
comentários esfuziantes. Angelena reconhecia as qualidades de cada uma. Não pela
profissão, porque tentava ignorar as atividades nos quartos, mas percebia a situação
precária em que viviam, e a dela, talvez, fosse mais caótica.
Ao menos as garotas sabiam o que as levara ao Golden Slipper. Um muro negro
postava-se diante de Angelena cada vez que tentava adentrar sua memória, e tal fato a
fazia a mais vulnerável de todas.
As mulheres, praticamente seminuas, surgiram na cozinha e sentaram-se à
mesa.
— Como conseguiu seduzir o xerife? — Sarah Jane indagou, zombeteira. —
Tentei levá-lo ao meu quarto por dois anos, querida. Em menos de dois meses, você o
tem na palma das mãos.
— Pare com isso — Mary Ellen repreendeu a colega. — Não estrague a primeira
refeição do dia. Aliás, Anjo não precisa levar Walter Tanner para o quarto. — A voz
tornou-se sedutora. — Eu vi como ele a observava outro dia. — O boá que ela usava
soltou uma pena, e Angelena agarrou-a no ar antes que caísse nos ovos mexidos.
— Deixem-me usufruir deste desjejum — Jolene pediu, defendendo Angelena.
— Nunca comi tão bem desde Henry Tolliver, que Deus o tenha. — Ela se serviu de
pão. — Parece delicioso, querida.
Angelena prendeu a respiração para não inalar o forte aroma de perfume. Mais
tarde, após um banho quente, as mulheres ganhariam nova aparência. Agora, nos
confins da cozinha, os corpos exalavam odor masculino e bebida, misturados às
fragrâncias que cada uma usava.
Nos primeiros dias, ela se mantivera a distância. De repente, para sua surpresa,
encontrou certa graça naquelas quatro mulheres extravagantes que estavam sempre
juntas porque não possuíam família.
Lily, a líder do grupo, tomou seu lugar à cabeceira da mesa.
— Que tal nos servir um pouco de café, Sarah Jane? — Ela sorriu quando
Angelena a fitou. — Vocês precisam contribuir. Anjo já trabalhou demais na frente do
fogão.
O desjejum foi longo e ruidoso. Cada uma delas tecia comentários acerca dos
homens que frequentavam o saloon. Era um assunto que sempre se repetia. Mas
quando os detalhes tomaram-se vulgares, Angelena pediu licença e retirou-se.
Não havia sido respeitosa com Dex. Subindo a escada, resolveu ir ao armazém
para desculpar-se. Ele comparecia pontualmente aos ensaios todas as manhãs e
sempre fazia questão de estar com a esposa durante o jantar, uma refeição que o
pianista preparava e carregava pela cidade dentro de uma cesta.
Sua devoção à mulher, que administrava o empório com genuíno talento para os
negócios, era conhecida na cidade.
Embora Jason pagasse um bom salário a Dex, Angelena tinha certeza de que o
pianista aparecia no Golden Slipper por causa dela. Formavam uma ótima parceria,
algo que não perturbava o casamento de Phillipa Sawyer.
A música significava o foco de existência de Angelena, e Dex respeitava o
talento e o admirava.
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Trocou de vestido, escovou os cabelos e saiu do saloon pela porta dos fundos.
Não queria se expor na rua principal. A cidade inteira estava ciente de que ela cantava
no Golden Slipper, mas não precisava anunciar o fato.
Pip recebeu-a com um sorriso cativante.
— Ouvi dizer que teve uma visita.
— Seu marido fala demais — Angelena falou, vasculhando o armazém com os
olhos, à procura de Dex. — Ele está aqui?
Assentindo, Pip indicou a cortina nos fundos da loja.
— Está trabalhando nos livros e olhando o bebê enquanto eu arrumo as
mercadorias.
— Poderia oferecer minhas desculpas a ele? Não conseguimos ensaiar e, como
precisei preparar o desjejum para as garotas, esqueci-me de falar com ele.
— Dex acha que você não necessita de ensaio — Pip comentou, guardando um
rolo de tecido na prateleira. — Qualquer dia vou ao saloon ouvi-la cantar.
Pip postou-se diante de uma pilha de tecido, o qual remarcava os preços, e
Angelena aproximou-se.
— Quando a ouvi cantar para o bebê, outro dia, senti vontade de chorar.
— Devo ter aprendido canções de ninar — Angelena sugeriu, emocionada
também. — De alguma maneira, a letra surgiu no instante em que peguei a criança nos
braços.
— Bem, esta criança está prestes a acordar, se bem a conheço. — Pip inclinou
o rosto e escutou o choro angelical atrás da cortina.
— Talvez eu fique mais um pouco — Angelena decidiu. — Ele tem um perfume
tão doce e é lindo quando acorda.
— Isso depende — brincou Pip. — Vou trocar a fralda e deixá-lo perfumado para
você. Aliás, não me contou o que Walter Tanner tinha a lhe dizer.
Ao sentir as faces coradas, Angelena fingiu apreciar os tecidos sobre o balcão.
— Esta fazenda daria um belo vestido, não acha?
— Não vai se livrar tão facilmente. — Pip riu. — Quero saber de tudo. Está na
hora de o xerife se interessar por uma mulher. Eu já tinha perdido a esperança.
— Creio que esteja enganada, Pip. Ele não é o tipo de homem que se interessa
por uma artista de saloon. Não do jeito que imagina. E, contrário ao que muitas
pessoas pensam, não presto serviços íntimos em meu quarto.
— Fico feliz em saber — alguém disse desde a entrada da loja, fazendo
Angelena corar ainda mais.
Com um par de sapatos nas mãos, uma matrona caminhou até o balcão.
— Eu estava experimentando estes sapatos, Phillipa. Acredito que sirvam.
— Sra. Comstock. — Pip sorriu à mulher. — Esqueci que se encontrava na loja.
Já foi apresentada à srta. Angelena?
— Não — Bernice Comstock respondeu, avaliando a forma esguia de Angelena.
— Meu marido me disse que tem uma linda voz, jovem. Fico me perguntando por que a
desperdiça com um bando de vaqueiros bêbados.
Angelena viu-se dividida entre o espanto e o embaraço. Preferiu sorrir à
matrona.
— Precisava trabalhar, e Jason Stillwell me ofereceu um emprego. Necessitava
de um lugar para morar, e ele me cedeu um quarto.
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— Faz sentido, suponho. Você não ganharia muito cantando na igreja aos
domingos. E não há trabalho para jovens damas nesta cidade. É uma vergonha passar
seus dias na companhia de mulheres perdidas.
Indignada, Angelena não encontrou palavras para uma resposta à altura do
comentário de Bernice Comstock. Mulheres perdidas precisavam de amigos como
qualquer pessoa. Porém, era verdade que tinha pouco em comum com as quatro
garotas do Golden Slipper, exceto que todas encaravam um futuro obscuro como ela.
— De onde veio? — Bernice indagou, de repente.
— Do leste. — Já que o trem estivesse percorrendo essa direção, Angelena
achou a conclusão lógica.
— Sem família?
Somente o choro do bebê a salvou de responder. Ela fitou a cortina quando Dex
apareceu com o filho nos braços.
— Vou trocá-lo para você — Angelena se ofereceu.
— Não achará tão divertido quando sentir o aroma — Dex brincou, entregando-
lhe a criança.
Depois de ajeitar o bebê nos braços, Angelena despediu-se de Bernice
Comstock. Apressada, puxou a cortina e entrou no quarto dos fundos.
Sem família? Estremeceu ao ouvir o eco dentro de si, atestando a resposta que
ela sabia não existir.
CAPÍTULO III
tentador.
Sentiu certo remorso, pois certamente ela imaginava estar só. Esperou, incapaz
de afastar os olhos do delicado rosto. Anjo puxou uma mecha loira que lhe caíra sobre
a face.
—Srta. Angelena? — chamou, quebrando o silêncio e, relutante, deu um passo
à frente. — É Walter Tanner — apressou-se em dizer, antes que ela soltasse um grito.
— Xerife? — Angelena colou-se à parede, apavorada.
— Quer acender a lamparina?
— Como entrou aqui? — Ela se moveu até a cabeceira da cama, onde uma
lamparina a óleo jazia sobre a mesa.
Os dedos tremiam enquanto tentavam acender o pavio. Em segundos, uma
pequena chama surgiu dentro da cúpula de vidro.
Angelena se virou para encará-lo.
— Jason lhe deu uma chave?
— Sim. Eu disse a ele que queria conversar com a senhorita. Subi pela escada
dos fundos.
— Sua palavra é uma ordem, pelo que vejo. O que quer comigo?
Walter aproximou-se. Levou as mãos trêmulas aos bolsos.
— Nunca fiz nada parecido antes, senhorita. Tampouco posso justificar minha
atitude agora.
— Não recebo homens em meu quarto, xerife.
— Não vim até aqui com essa intenção, Angelena. — Walter desviou o olhar do
rosto suave, embora lhe agradasse aquela visão. Os seios fartos moviam-se sob o
corpete do vestido. Ele fechou os punhos nos confins de seus bolsos. Era perfeita,
apetitosa demais para seu corpo necessitado ignorar.
— Onde quer conversar? — Angelena perguntou, evasiva.
— Assim tão fácil? Está disposta a me encontrar longe daqui?
— Não posso ser tão "fácil" mesmo para o senhor, xerife. — Ela ergueu o
queixo, desafiadora. — Não sei se já estive com um homem, e nem quero saber. —
Desviou o olhar. — É disso que estamos falando?
— Como? — Walter murmurou. — Você não sabe... — Tirando as mãos dos
bolsos, ele chegou mais perto.
— Perdi a memória — Angelena confessou. — Só sei meu nome. Lembro-me
das letras e da melodia de algumas músicas. Às vezes, algumas imagens aparecem
em minha mente.
Walter abraçou-a pela cintura. Angelena enrijeceu o corpo e pousou as duas
mãos sobre o peito musculoso.
— Não gosta de ser tocada? — Walter acariciou as curvas da cintura, mas não
tentou aproximá-la de si.
Angelena fechou os olhos e voltou a abri-los quando algumas lágrimas rolaram.
— O que quer de mim?
— Sabe o que quero, Angelena. Estava ansioso para tocá-la desde a primeira
vez que a vi. — Hesitante, ele buscou as palavras certas. — Posso cuidar de você.
Garantir que ninguém mais a incomode.
— Jason já está fazendo isso. Não recebo homens em meu quarto, xerife.
— Seria apenas eu, Anjo. Ninguém mais além de mim. Vou cuidar muito bem de
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você.
Ela arregalou os olhos repletos de lágrimas. Meneou a cabeça em negativa.
— Não posso permitir. Não quero me transformar em uma meretriz.
Foi preciso um esforço imenso para respeitar a distância que ela impunha.
Walter sentiu uma gota de suor escorrer-lhe na testa enquanto imaginava o prazer que
encontraria naquele corpo fantástico.
— Escute, posso ajudá-la, se quiser.
— Não vou exercer a mesma profissão que as mulheres daqui. Não sou assim.
Tenho certeza — ela sussurrou.
— Tem? — ele perguntou. — Conheço seu tipo, Anjo. Mas esse estilo não a faz
menos tentadora e...
— Não sabe nada a meu respeito! — Angelena exclamou, frustrada. — Eu
mesma não tenho ideia do que aconteceu em minha vida. Há um buraco negro em meu
passado, e temo despencar dentro dele. Estou segura aqui. Ninguém me incomoda.
— Aqui? — Walter indagou, irônico. — Sente-se segura em um saloon do
Texas? Aquela porta não a protege, querida. Basta um pontapé para você entrar no
jogo. Jason não poderá impedir que um vaqueiro arrombe seu quarto.
— Tenho uma chave — Angelena alegou. — Os homens não conseguirão
entrar.
— É apenas uma questão de tempo. Qualquer noite, um bêbado acabará
invadindo este quarto, e você será seduzida sobre uma... — Walter deteve-se, incapaz
de ignorar as lágrimas, muito menos a possibilidade de algum homem possuir aquelas
curvas. No entanto, precisava mostrar a ela que estava disposto a clamar por aquele
corpo. Aliás, ansiava por isso a ponto de enlouquecer.
— É uma chantagem? — Angelena perguntou.
Oh, ela estava prestes a ceder, Walter pensou, entusiasmado. Sorriu, vitorioso.
— Homens da lei não fazem chantagem.
— O que sua mãe diria a respeito disso? — Angelena tentou sorrir, enquanto
aguardava a resposta.
— Minha mãe? Acha que vou contar a ela? Rosemary não tem nada a ver com
isso, querida. Duvido de que ela algum dia fale com você.
A imagem de Rosemary Tanner repreendendo-o resvalou-lhe a mente.
— Não creio que seja tão forte quanto quer que eu acredite, xerife. Mostrou-se
muito obediente outro dia. — Angelena sorriu abertamente.
Aquela mulher estava zombando dele!
Mesmo indignado, Walter estudou a expressão pálida sob a suave luminosidade
da lamparina. Não podia acreditar que aquela mulher havia declinado sua oferta.
Irado, blasfemou e cobriu os lábios rosados com os dele. Pretendia impor-lhe a
vontade, expressar a raiva, mas nada disso aconteceu. Não esperava sentir aquela
doce inocência ou a respiração ofegante. Jamais vivenciara algo parecido.
Walter a abraçava com rara ternura, inspirando a essência feminina, provando o
paraíso pela primeira vez na vida. Uma das mãos deslizou até a curva do quadril e a
outra segurou o ombro frágil. Então apertou-a contra si, erguendo-a, e sentiu o desejo
aumentar.
Sugou os lábios macios, traçou-os e voltou a beijá-los. Angelena estremeceu e
soltou um murmúrio suave que Walter ignorou para não interromper aquele interlúdio.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 21
está comigo em casa. Sendo assim, por que eu deveria começar a vigiá-lo?
Dex tocou-lho o queixo e admirou a beleza simples da mulher que amava.
— Há algo diferente nela, Pip. Não sei explicar. Mas Angelena e eu parecemos
ter uma ligação muito forte.
— É a música. Está em sua alma, Dex, e na dela também. É um dom divino que
os dois possuem. Não pense que nunca temi essa ligação.
— Eu a amo, Phillipa Sawyer. — Dex beijou-a.
— Mesmo? Não quer me mostrar quanto me ama?
Se acendesse a lamparina, ele poderia vê-la, tal qual fizera na noite anterior.
Sabia que Walter seguira seus movimentos, mas havia ignorado aquela presença do
outro lado da rua. Aproximou-se da janela e espiou pela fresta da cortina.
Walter encontrava-se debruçado sobre a janela. O semblante não estava nítido,
mas não importava. Angelena se lembrava de cada detalhe dos olhos negros e dos
traços fortes, que revelavam os músculos enrijecidos quando ele ficava aborrecido ou
impaciente.
Como acontecera naquela noite, depois que a beijara.
Queria deitar-se com ela. Angelena estremeceu ante a ideia tentadora. O que o
destino lhe reservara era somente mais um mistério em uma lista imensa, mas, sem
dúvida, era o mais atraente de todos.
Bernice Comstock lhe fizera uma pergunta que ela não podia responder. Teria
deixado uma família no misterioso lugar de onde viera? E se houvesse um marido?
Angelena conseguiria se entregar a Walter? Saberia como agradá-lo?
Fechou os olhos, angustiada. A imagem de Walter Tanner, dessa vez colorida
de promessas, invadiu-lhe a mente.
Abriu os olhos e puxou a cortina para respirar a brisa noturna. Um movimento
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 24
CAPÍTULO IV
— O café está pronto? — uma voz sonolenta balbuciou atrás de Walter, e ele
resmungou algo insignificante.
Uma das celas havia sido ocupada por Duane Goody que, na noite anterior,
estivera bêbado demais para montar em seu cavalo. Pelo menos o homem não
causara problemas quando Walter o jogara atrás das grades com um cobertor e um
colchão fino.
— Xerife? — Duane sacudiu as barras, rompendo os devaneios de Walter.
— Estou indo. — Pegou as chaves e levantou-se. No corredor, avistou Duane
agarrado às barras, como se precisasse de apoio para manter-se em pé.
— Vai ter de limpar a cela antes de sair — Walter avisou-o. — Pegue um balde
de água, o esfregão e comece a trabalhar.
Destrancou a porta e observou o homem cambalear até os fundos, com o balde
em mãos. Havia uma bomba de água do lado de fora, e Duane conhecia bem a rotina.
— Se tivesse me deixado sair, eu não faria tanta sujeira — Duane queixou-se
enquanto esfregava o chão.
Walter viu-o passar com o balde vazio para enchê-lo novamente.
— Você pode tomar uma caneca de café antes de ir — o xerife ofereceu. — Seu
cavalo está no estábulo e, se andar depressa, tenho certeza de que Richardson lhe
dará algo para comer.
— Aquela mulher não sabe cozinhar — Duane afirmou, veemente. — Preciso
encontrar outro lugar para dormir.
Na verdade, Walter poderia ter levado Duane à pensão de Richardson, mas
acolhê-lo na cadeia parecia dar um uso a seu distintivo. Às vezes, ser xerife era o
emprego mais fácil da cidade.
Imaginou se os dias de Oscar Rhinehold como xerife haviam incluído a presença
de Nate Pender atrás das grades. Walter lembrou-se das noites em que o homem, o
qual chamara de pai, não voltava para casa. Tinha sido uma época sombria, antes de
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Irada, ela ergueu a mão, mas Walter foi mais rápido e segurou-a pelo pulso.
— Não quero que seu avental se queime — ele explicou, afastando-a do fogão à
lenha.
Trêmula de raiva, Angelena estava prestes a explodir.
— É muito mal-educado, sr. Tanner. Está claro que ninguém o ensinou a como
tratar uma dama.
— Estamos falando de você? — Walter atacou. — A dama que ganha a vida em
um saloon?
Rosemary o mataria, se o ouvisse dizer isso.
De súbito, Angelena começou a tremer, os lábios perderam a cor, e os ombros
caíram. Os olhos se fecharam, ocultando o azul que tanto o atiçava quanto enfurecia.
Walter abraçou-a pela cintura e puxou-a. Ela empacou, como se os pés estivessem
grudados no chão, e soltou um suspiro.
Então, Angelena voltou a abrir os olhos. A expressão continha tristeza quando o
encarou.
— Cheguei a pensar que você possuía um coração bondoso, mas me enganei.
— Ela meneou a cabeça e sorriu, amarga.
Um ruído repentino alertou-o quanto a chegada de alguém.
— Não fique brava comigo, querida — Walter sussurrou. — Tenho a tendência
de dizer asneiras quando estou fora de mim. A verdade é que sou uma alma
necessitada, à procura de sustentação.
— Pois vá procurar em outro lugar, xerife. — Angelena o empurrou. — Já lhe
disse que nada tenho a lhe oferecer.
Tão logo segurou-a pelos ombros, escutou as quatro mulheres aproximando-se
da cozinha. Mesmo ouvindo as vozes e os risos, Walter não conseguia soltá-la. Beijou-
a de leve e inspirou a fragrância. Lilás, com certeza. boatos maldosos circulariam a
cidade em questão de horas, mas, naquele momento, ele pouco se importava. Os
homens que soubessem do encontro não ousariam espalhá-lo. Caso contrário, o xerife
de Edgewood obteria um bom motivo para jogá-los na cadeia.
Queria que Rosemary a conhecesse. Ponderando acerca da possibilidade, tocou
as faces delicadas, alheio à audiência atrás dele. Os olhos azuis cintilavam inocência,
fazendo jus ao nome.
— Anjo... — Walter murmurou, fascinado. — Angelena soa melhor, não? Ou
talvez, Lena? Alguém já a chamou assim?
Ela sacudiu a cabeça em negativa e comprimiu os lábios, na tentativa de
suprimir as palavras.
— Acho que não — Angelena respondeu, por fim.
— Eu gosto — ele anunciou, escutando passos trás de si. — Em especial
porque ninguém a chama de Lena.
Lena. Seria um pequeno sinal para indicar que ela pertencia a Walter.
Memorizou a beleza daquele rosto que o fitava, ouviu a respiração suave e absorveu o
aroma da mais pura feminilidade. Deslizou as mãos pelos braços finos e segurou os
dedos delicados, levando-os até os lábios.
Angelena fechou os olhos novamente enquanto Walter beijava a ponta de seus
dedos.
— Olhe para mim, querida — Walter ordenou, e ela obedeceu.
Naquele exato instante, pôde acreditar que Jason estava certo. A capa de
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 29
pureza que Angelena usava era legítima e, além da beleza cativante, havia um brilho
peculiar de honestidade e virtude.
— Nós nos veremos mais tarde. — Não era isso que ele pretendia dizer, mas a
plateia de mulheres, rindo, confundiu-lhe os pensamentos.
Esperou um minuto, na esperança de que ela respondesse, mas Angelena
permaneceu em silêncio, como se estivesse congelada.
Walter recuou e, em três longos passos, estava à porta. Pegou o chapéu que
havia pendurado e retirou-se. A ruela dos fundos do Golden Slipper encontrava-se
repleta de garotos. Uma bola de gude rolou da mão de um deles até atingir os pés de
Walter. Pegou o objeto e examinou-o, intrigado. Então fitou o menino que havia atirado
a bola e sorriu.
— Boa jogada — comentou, devolvendo a bola ao garoto.
— Obrigado, xerife. — Os cabelos avermelhados do menino brilhavam sob os
raios de sol.
— Você é filho de Dex Sawyer? — Walter perguntou. — O primogênito?
— Sim, senhor. Minha mãe me chama de Dexter. — O garoto sorriu. — Meu pai
me disse que conheceu o senhor quando tinha minha idade.
As lembranças da infância invadiram-lhe a mente. Dex fora de extrema
importância quando Walter não mais possuía esperanças. Ele caminhou em direção ao
grupo de meninos, comovido com o brilho dos olhos de Dexter.
— Seu pai disse a verdade, filho. Ele era um de meus heróis.
— Verdade? Meu pai? — O sorriso de Dexter aumentou ao saber da honra
oferecida a seu pai.
Walter se afastou, ainda escutando comentários dos garotos acerca do corajoso
xerife que, outrora, havia sido o protegido de Dex Sawyer.
Ele a deixara à mercê da própria sorte. Responder àquele interrogatório era o
equivalente a uma sessão de tortura na opinião de Angelena. Sem esconder a explícita
curiosidade, as quatro mulheres a rodearam.
— Ele a beijou?
A sutileza não era uma das qualidades de Sarah Jane, Angelena decidiu,
corando.
— Não experimento um bom beijo há anos — Jolene desabafou. — Os homens
hoje em dia não sabem beijar. Só pensam em saciar as necessidades.
O rubor de Angelena aumentou enquanto imaginava o significado do comentário
de Jolene.
— O xerife estava sendo apenas gentil. Ele me acompanhou do armazém até
aqui.
— Vi quão gentil ele foi ao acariciar seu corpo — Mary Ellen retrucou. — Aposto
como o xerife vai lhe pedir exclusividade.
— Não vai, não! — Angelena se virou e cobriu o rosto com as mãos.
— Parem, meninas — Lily ralhou. — Vamos ficar sem desjejum, se não se
comportarem direito. Deixem Anjo em paz.
Jolene sentou-se à mesa.
— Nunca vi Walter Tanner tão interessado em alguém. Anjo deve ter lhe dado
motivos para voltar ao saloon.
— Chega! — Lily exclamou. — Anjo não fez nada. — Ela encarou as três
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 30
mulheres. — Pelo visto, teremos de ajudá-la hoje. Ela está atrasada, e Molly logo virá
buscar a roupa suja. Já arrumaram as trouxas de vocês?
Angelena lembrou-se da cesta que deixara no quarto, dentro da qual havia
separado as peças para lavar.
— Ainda preciso arrumar minha trouxa, Lily.
— Bem, apresse-se enquanto preparamos o café. — Lily segurou-a pelos
ombros e guiou-a à escada.
Alguém bateu à porta dos fundos tão logo Angelena retirou-se da cozinha.
— Tenho certeza de que é Molly — Lily deduziu. — Vá ajudá-la, Sarah Jane.
Ajustando o penhoar de plumas, Sarah Jane abriu a porta.
— Espero que meu melhor vestido já esteja pronto — ela disse, antes de pegar
a cesta que a lavadeira trazia.
Molly McCumbee sorriu ao alcançar uma segunda cesta em sua carroça.
— Você é muito desleixada, Sarah Jane. Levei dez minutos para remover a
mancha daquele vestido. Da próxima vez, escolha um homem mais cuidadoso.
— Não posso me queixar. Ele é bonito demais. Depois de colocar uma cesta
enorme no chão da cozinha,
Molly apanhou uma pequena pilha de roupas.
— Se meus cálculos estiverem certos, uma de vocês está com um sério
problema.
Lily aproximou-se, notando o olhar matreiro de Molly.
— O que quer dizer?
— Estas roupas de baixo estão intatas. Faz mais de dois meses que a nova
garota chegou à cidade e não vi nenhum sinal de regras em suas peças íntimas. A
menos que ela esteja lavando as próprias roupas, creio que a pobre se meteu em uma
encrenca danada, — Molly fitou as outras mulheres. — Acham que pode estar grávida?
Um silêncio sepulcral reinou na cozinha. Mary Ellen foi a primeira a se
manifestar:
— Se Anjo estiver grávida, não aconteceu aqui. Aposto todo meu dinheiro nisso.
— É melhor contar a Jason, Lily — Jolene sugeriu, sorrindo. — Parece que
nossa artista não é tão pura e inocente quanto ele imagina.
— Fique quieta — Lily ordenou. — Vou cuidar disso. Não comentem o fato com
ninguém, ouviram?
As três mulheres assentiram, obedientes.
— Não tenho nada a ver com isso — Molly defendeu-se. — Só achei que vocês
deviam estar a par dessa possibilidade. Aquela jovem não me parece madura o
bastante para estar solta na vida, e talvez esteja escondendo um segredo sob as saias.
— Desculpe a demora, Molly — A voz de Angelena ecoou na cozinha. — Há
algo errado? — perguntou ao notar o olhar de espanto das garotas.
— Não que eu saiba. — Molly sorriu, afetuosa. — Vou carregar a carroça e
voltar ao trabalho. Vejo-as na próxima quarta-feira, como sempre.
Cada uma das mulheres recolheu a própria roupa lavada das cestas e rumou ao
respectivo quarto. No canto da cozinha, quatro trouxas aguardavam os serviços de
Molly, e Angelena ajudou a lavadeira.
— Obrigada por lavar minhas roupas, Molly. Você me faz lembrar a moça que...
— Ela se deteve quando a imagem de uma mulher carregando três vestidos elegantes
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 31
surgiu-lhe à mente.
— Está pálida feito um fantasma. — Molly ajudou Angelena a se sentar. — O
que aconteceu?
— Eu me lembrei de uma mulher que costumava trabalhar para mim. —
Angelena piscou algumas vezes e estremeceu.
— Sente-se bem, querida? — Molly esfregou as mãos de Angelena. — Está se
alimentando direito?
— Vou cuidar dela — Lily interveio. — Anjo vai ficar bem, Molly.
Ambas se entreolharam com cumplicidade.
— Estou melhor — Angelena murmurou, perdida entre as nuvens obscuras da
memória.
— Vamos, Anjo. — Lily estendeu-lhe a mão. — Vou ajudá-la antes que todas
nós morramos de fome.
Tomada pelo sufocante desespero, Angelena levantou-se e ateve-se às tarefas
rotineiras que compunham sua estada no Golden Slipper. A rápida visão desapareceu,
dando lugar apenas ao esquecimento.
— Escute, Jason. Não quero causar nenhum problema à garota. Deus sabe
quanto ela já sofre por não ter memória e ser perseguida por tantos homens.
— Oh, mesmo? Quem?
Lily estreitou os olhos e encarou o homem atrás do balcão.
— Você sabe quem. Walter Tanner não tira os olhos de Angelena, e metade dos
homens desta região pagaria qualquer quantia para frequentar o quarto dela.
— Pois não conseguirão nada — Jason afirmou. — Prometi a ela que estaria
segura aqui.
— Pelo visto, alguém deveria tê-la protegido antes de ela chegar à cidade — Lily
anunciou.
— Acha mesmo que ela está... -— Jason olhou ao redor a fim de garantir
privacidade. — Ninguém entrou no quarto de Anjo. Tenho certeza disso. Somente
Walter Tanner, mas ele não ficou tempo o bastante para causar esse tipo de problema.
Jason meneou a cabeça, desolado.
— Não posso abandonar a garota. Porém, quando a barriga começar a crescer,
não permitirei que ela suba no palco. Por que Angelena não me contou nada?
— Creio que ela ainda não sabe. — Lily se debruçou sobre o balcão e
sussurrou: — É tão inocente quanto uma criança, Jason. Quase desmaiou esta manhã
na cozinha. Eu a vi ter tonturas algumas vezes, mas acredito que Angelena não saiba
que está esperando um bebê.
— Nesse caso, só vejo uma saída. Tome conta do bar, Lily. — Jason acariciou o
rosto macio. — Tive uma ideia. Espero que dê certo.
A população de Edgewood podia comprar móveis mais decentes para seu escritório,
Walter. Esta mesa está caindo aos pedaços. — Ele se acomodou em uma das cadeiras
e cruzou os braços.
— Você nunca vem me visitar, Jason. Qual é o problema?
— Tem de haver um problema, rapaz? Você tem ido me visitar ultimamente, por
isso pensei em retribuir a gentileza.
— Acho melhor me sentar antes que comece a falar. — Walter apoiou os braços
na mesa e esperou.
Incomodado, Jason moveu-se na cadeira, como se pretendesse ocultar um
segredo.
— O saloon está indo muito bem — comentou, displicente.
— A casa fica cheia quase todas as noites — Walter concordou.
— É difícil controlar aqueles vaqueiros. Eles não param de assediar Angelena.
— Jason calou-se por alguns instantes.
Walter tentou controlar a ira. O corpo ficou tenso, as faces coraram e os lábios
se estreitaram. De repente, ele se levantou e começou a blasfemar. No mesmo
momento, Jason precipitou-se à porta.
Quando o xerife emitiu o último impropério, o homem estava quase na calçada.
— Fique onde está! — Walter avisou-o,- furioso. — Quer passar uma noite atrás
das grades?
A cena teria sido hilariante se Walter não estivesse com tanta raiva. Ambos se
encaravam; um mantinha os punhos fechados, e o outro desejava estar em qualquer
lugar, menos diante do xerife Tanner.
— Não pretendia aborrecê-lo, xerife — Jason tentou explicar-se.
— Não?
— Sei que se interessa pela garota, assim como metade dos homens da cidade.
— Jason afrouxou a gola da camisa. — Pensei que quisesse saber o que está
acontecendo a ela.
— Fale logo — Walter ordenou, impaciente.
— Tenho um pequeno problema. Ou melhor, Anjo é quem tem um problema.
Com os olhos falseando, Walter aproximou-se do homem. Jason apressou-se,
sabendo que deveria ser breve e sucinto:
— Achamos que Anjo tem um enorme problema. Talvez pequeno agora, mas
garanto que será grande.
— De que está falando?
— Não é fácil, xerife. Lily me disse que Angelena está grávida. A pior parte é
que a pobre nem sequer sabe disso.
Como se uma faca houvesse sido fincada em seu peito, Walter sentiu a dor da
traição. Que tolice. Angelena não lhe devia nada, nem um passado imaculado, nem a
virgindade que aquela aparência inocente desvelava.
Então por que a revelação de Jason o corroia por dentro?
— Como ela não sabe? — perguntou, aparvalhado.
— Lily diz que Angelena é tão verde quanto grama.
— Talvez ela seja casada. — Walter Tanner envolvido com uma mulher
comprometida seria uma tragédia ainda maior.
— Não creio. Lily afirma que ela não sabe nada a respeito de homens. Mas... —
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Jason fez uma pausa. — Alguém, em algum lugar, proporcionou uma experiência real à
garota.
Atordoado, Walter apoiou-se na janela e fitou o outro lado da rua. Naquela
mesma manhã, ficara tentado em fazer uma oferta a Angelena, embora não lhe
agradasse tornar-se uma amante. Reprimiu a risada ao considerar a tolice de suas
intenções. Por alguns minutos, havia concebido a ideia de levá-la à casa de Rosemary
e presenteá-la com uma nova vida e um novo nome.
Jason pigarreou.
— A garota precisa de um marido, Walter. Pensei que... talvez...
— Quer que eu... Eu? Devo bancar o pai de uma criança da qual sem sequer sei
a origem? — Ele engoliu um nó que se formou em sua garganta.
De súbito, foi dominado por uma estranha sensação de pânico causada pela
explícita certeza de que se sentia agora vulnerável.
— Saia daqui! — Walter fechou os punhos para conter a necessidade de
estrangular o pescoço de Angelena. — Agora!
Apavorado, Jason correu porta afora, atravessou a rua e escondeu-se dentro do
saloon.
Walter esmurrou a parede e apoiou-se na porta, esfregando os dedos.
— Droga! — Sentia-se impotente, frágil para expressar toda a raiva. Como
pudera ser tão estúpido? Havia sucumbido ao charme angelical de Angelena e agora
sofria as consequências.
Pensativo, examinou as marcas que o soco na parede deixara em sua pele. Ele
a teria. Por Deus, Walter a teria para si.
Mas de acordo com seus termos.
CAPÍTULO V
não o mesmo tipo de sensação que ela via nos olhos vorazes de alguns frequentadores
do Golden Slipper. Walter era diferente.
Ele a achava bonita, e a lembrança lhe dava certa satisfação. Fitou-se no
espelho outra vez. Não a perturbava o fato de sua aparência atrair os homens que
assistiam ao espetáculo musical. Porém...
Sua mãe lhe havia dito... Angelena prendeu a respiração quando uma nova
lembrança apareceu. Tal qual escutava os pássaros cantando nas árvores, ela podia
ouvir a voz da mãe.
Deus lhe deu a voz e o lindo rosto. Esteja sempre grata por esta bênção.
A imagem de uma mulher de cabelos dourados e um sorriso meigo resvalou-lhe
a mente e então desapareceu.
— Mamãe... — Desolada, Angelena sentou-se no chão, deixando as lágrimas
fluírem em abundância. Em algum lugar e tempo fora criada com muito amor, seu
coração sangrava com a perda da lembrança.
Trêmula, levantou-se e ajeitou a saia. Escovou os cabelos e prendeu-os com a
presilha. Enxugou os olhos com uma toalha, enquanto se observava no espelho.
Passou um pouco de pó de arroz a fim de encobrir os efeitos do choro. Com sorte,
ninguém notaria. Quem encontraria a caminho do empório e depois, do banco?
Walter Tanner, talvez. Sim, com certeza, se sua intuição estivesse certa.
Algumas coisas ela simplesmente sabia. No dia anterior, quando a visão de uma
mulher... Jane. Sim o nome era Jane, a jovem que mantinha suas roupas em ordem.
Que roupas? Talvez os vestidos que usava para cantar. Angelena meneou a
cabeça. Havia muito mais que os trajes elegantes que estavam no baú.
Uma repentina dor de cabeça pareceu advir dos esforços de recuperar a
memória. Jane... O rosto da mulher surgiu novamente. E logo sumiu.
O mal-estar começou a ceder conforme arrumava o quarto. Parou diante da
janela e inspirou o aroma familiar daquela cidade, um misto de ar puro e poeira.
Observou o movimento do outro lado da rua como de hábito. Examinou a cadeia onde
a porta aberta anunciava a presença do xerife. Sentiu o coração bater mais forte.
Quando o vira pela última vez? No dia anterior? Walter agira com tanta
arrogância e, ao mesmo tempo, parecera tão terno.
Pegou a bolsa que jazia sobre a cômoda e voltou a contar o dinheiro. Jason
Stillwell era um homem generoso. Estava na hora de depositar os ganhos no banco.
Trancou a porta ao sair.
Em questão de minutos, Angelena chegou à calçada e atravessou a rua, rumo
ao banco. Tomou cuidado para não encarar os olhos daqueles que passavam. Vários
homens a observavam e sussurravam seu nome. No fundo, gostaria de ser uma mulher
comum, apesar da dádiva de possuir o dom da música.
No entanto, as roupas não eram comuns e sua aparição naquela cidade
continuava um mistério. O olhar de Walter Tanner a deixou ciente do fato, mais que
qualquer outro homem na calçada. Ele apareceu à porta da cadeia e cruzou os braços,
indolente.
Os olhos negros pareciam ver através do vestido de tafetá. Ele tocou a aba do
chapéu, e Angelena respondeu ao gesto educadamente.
Walter a observava, sem expressar o mais sutil dos sorrisos ou um traço de
humor nos olhos brilhantes. Assemelhava-se a uma estátua de tão silencioso.
Angelena de repente tropeçou em uma tábua solta da calçada. Embora zonza,
conseguiu manter-se em pé e segurou-se no poste para recuperar o equilíbrio.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 35
— Melhorou?
— Oh, por Deus! — ela exclamou. — Eu só tropecei. Você age como se eu
houvesse quebrado a perna. O que quer?
— Quero que me acompanhe até a cadeia e olhe meu quarto no andar superior.
As faces de Angelena ruborizaram na hora.
— Para quê? Serei o assunto da cidade se eu for.
— Não será, quando todos descobrirem que vai se casar comigo.
Ela fechou os olhos, certa de que vivia um pesadelo. Ao voltar a abri-los, o sol
estaria brilhando e Walter Tanner teria sumido.
— Lena? — Ele se apoiou no braço da cadeira e quase tocou o rosto de
Angelena quando pronunciou o nome novamente.
Não era sonho. Achava-se no meio do armazém com o xerife debruçado sobre
ela, incitando pensamentos eróticos que Angelena jamais possuíra. Até aquele
instante, não se lembrava de haver tido experiências íntimas com homens. A menos
que fosse tola, era essa estrada que ele pretendia percorrer com seus sussurros e
palavras doces.
— Por que quer se casar comigo? Ainda não esqueci a noite em que me propôs
concubinato e me disse... — Ela engoliu as palavras. — E ontem se mostrou um
homem decente.
Impaciente, Walter meneou a cabeça.
— Nada disso importa. Diga sim e vamos acertar o casamento ainda hoje.
— Hoje? Quer se casar hoje? Posso ao menos saber por quê? Devo apenas
pronunciar a palavra certa para você acertar o casamento? — A voz aumentava à
medida que a raiva crescia.
Pip puxou a cortina e postou-se atrás do balcão.
— O que está havendo? Angelena, não diga nada a ele, ouviu?
— Fique fora disso, Pip. — Era uma ordem direta e deliberada. Walter fitou-a,
enfurecido.
Procurando um refúgio, Angelena encolheu-se na cadeira. Pip permanecia em
silêncio, corada de raiva e com os olhos falseando.
Walter levantou-se.
— Vamos conversar em outro lugar. — Ele puxou Angelena, ainda desafiando
Pip com o olhar.
— Não quero ir a lugar algum, xerife. Não sei o que tem em mente, mas não
pode ditar meu futuro. Primeiro, acha-me suja e depois, resolve casar-se comigo. Não
estou disposta a me unir a alguém. Nem sei meu sobrenome.
— Seu nome de batismo é suficiente para mim. — Walter tentou puxá-la outra
vez.
— Solte-me. Não vou com você. — Uma onda de náusea a invadiu. Ela respirou
fundo, rezando por um momento de paz.
— Xerife, creio que seja melhor liberá-la por enquanto. — Pip aproximou-se,
preocupada. — Ela não me parece bem.
Fitando a mão que segurava, Walter levou-a aos lábios, tal qual fizera antes, e
beijou a ponta dos dedos.
— Está bem. Voltarei mais tarde.
Tratava-se de uma promessa veemente. Angelena desviou o rosto, incapaz de
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 37
enfrentá-lo. Walter soltou-a e beijou-lhe a face. Ela sentiu a mão ainda quente por
causa do toque possessivo e escondeu-a no bolso do vestido.
As botas do xerife pisavam com força o chão no empório, reverberando pelas
paredes. Quando escutou a porta se fechar, Angelena abriu os olhos e divisou a
silhueta poderosa de Walter distanciar-se. Pip continuava calada e perplexa.
— Estou passando mal — Angelena avisou-a.
— Venha comigo antes que não consiga suportar. — Pip levou-a para os fundos.
A fim de controlar a náusea, Angelena respirava profundamente. Após aliviar a
indisposição estomacal, ela limpou o rosto com um pano úmido e sentou-se à
escrivaninha de Dex. Então, afastou os papéis e repousou a face na superfície fria do
móvel.
— Há alguma chance de estar grávida, querida? — Pip indagou.
A pergunta ressoou devagar na mente de Angelena. Negou o fato, convicta.
— Quando foi sua última regra? — Pip voltou a perguntar.
— Não sei. — Angelena levantou a cabeça e ponderou. O ciclo normal de seu
corpo era mais um fator que desapareceu da memória. — Desde que cheguei aqui,
ainda não menstruei, meu ciclo está interrompido.
Havia mais de dois meses que estava na cidade. Quase três, na verdade. O
suficiente para sentir as modificações habituais do corpo.
— Por acaso, não houve um homem em sua vida? Antes de aparecer em
Edgewood? — Pip molhou o pano, torceu-o e passou-o sobre a testa de Angelena.
— Não tenho a menor ideia, Pip. Sinto-me em um túnel escuro, sem enxergar
luz alguma no final. Certas coisas eu sei, como me vestir, cozinhar e cantar. Posso me
lembrar de ingredientes para preparar um assado e de acordes específicos quando
Dex dedilha melodias no piano. Mas, ao tentar ver rostos e lugares, minha mente torna-
se turva.
Carinhosa, Pip afagou os cachos dourados e beijou a face de Angelena.
— Não se preocupe com isso agora, querida. Não irá adiantar. Vamos aguardar
e, se estiver grávida, pensaremos na melhor solução.
Rindo, Angelena escondeu o rosto nas mãos.
— O xerife ficará surpreso ao descobrir que pediu uma mulher grávida em
casamento!
Por um instante, Pip ficou silenciosa, molhando o pano. Depois de torcê-lo,
voltou a acariciar a testa de Angelena. Quando ouviu a porta da loja se abrir, tocou o
ombro da amiga.
— Precisamos considerar uma possibilidade, Angelena. Talvez Walter já saiba.
Bancar o pai do filho de outro homem nunca fora motivo de reflexão. Ora, ter
uma criança só dele parecia um despropósito, mas tinha de ponderar acerca do
assunto.
De alguma maneira, não conseguia imaginá-la grávida. Esguia e sedutora,
Angelena estava pronta para desabrochar. Porém, caso fosse verdade, alguém já a
havia provado e tal possibilidade o deixava irado.
Poderia se casar com uma mulher que já havia se entregado a outro homem?
Claro que sim, se pretendia possuí-la e dar-lhe seu nome. Como conseguiu
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envolver-se tão rápido com aquela mulher era uma questão que Walter não sabia
responder.
No entanto, se o casamento fosse o único meio de obtê-la, ele iria até o fim.
Haveria tempo de sobra para considerar o bebê. Talvez alguns meses antes de a
cidade descobrir a gravidez. Nesse ínterim, ele organizaria um lar para a esposa.
Por enquanto, precisava retroceder, talvez aprimorar o pedido. Angelena
parecera pálida demais no armazém. E piorara quando Walter lhe expusera sua ideia.
Mais uma vez, agira de forma trôpega. Claro que Angelena não aceitaria ver o
quarto em que ele morava. Aliás, deveria procurar uma casa.
Suspirou. Não se mostrara nada educado ao pedi-la em casamento.
Pegou o copo e levou-o aos lábios. Estava vazio. Pela primeira vez em anos,
teve vontade de degustar o uísque de Jason. Água não resolveria seu problema.
O interior do Golden Slipper estava frio e na penumbra. Walter dirigiu-se ao bar.
Jason o fitou, espantado.
— Não me parece satisfeito, filho.
— Creio que vou aceitar aquela bebida que sempre me oferece, Jason. —
Walter encostou no balcão.
— Acho que uma bebedeira não vai ajudá-lo em nada.
— Tem razão. Por um momento, acreditei que o uísque seria a solução.
Quatro homens jogavam pôquer em uma das mesas. A garrafa vazia entre as
cartas indicava quão custoso seria o próximo jogo. O piano encontrava-se silencioso.
Dex não estava no saloon, no topo da escada, havia apenas uma fraca lamparina
iluminando o corredor.
— Está quieto — Walter comentou.
— Ela resolveu descansar — Jason informou, ajeitando a manga da camisa.
— Não vim procurá-la.
— Não? Veio somente conversar?
O som de passos alertou Walter. Quando se virou, avistou Jolene aproximando-
se.
— Quer companhia, xerife? Estou disponível. Podemos nos sentar em uma
mesa e conversar. — Ela sorriu e empinou os seios, revelando o decote ousado.
— Desculpe, Jolene. Vim apenas conversar com Jason. Já estou de saída.
— Circulando, Jolene — Jason ordenou. — A conversa é particular.
— Depois não diga que nunca me ofereci. — Jolene sorriu, maliciosa. — Ela
está lá em cima, xerife.
Jason riu quando Jolene se afastou.
— Essa pobre criatura o persegue há dois anos, Walter. Não é seu tipo?.
— Já tive minha cota de coristas anos atrás. Aprendi muito cedo.
— Verdade? Nunca comentou a respeito. — Jason despejou água gasosa em
um copo.
— O que Jolene quis insinuar? — Walter perguntou, aceitando a bebida.
— Nada além do óbvio. Angelena está repousando, caso queira vê-la.
— Quem mais sabe da... situação de Angelena?
— Com certeza, todas as garotas do saloon. E, pela expressão de Angelena
quando regressou hoje de manhã, creio que alguém lhe explicou certas leis da
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natureza.
— Estava aborrecida? — Walter tomou um gole de água. — Conversei com ela
no empório de Pip. Angelena me dispensou.
— Ela o dispensou — Jason repetiu. — Você a pediu em casamento? —
perguntou, sorridente.
— Pedi. — Walter respirou fundo. — Não foi exatamente um pedido. Foi quase
uma imposição.
— Como conseguiu? — Jason indagou incrédulo.
— Não sei! — Ele bateu o punho no balcão. — Disse que ela deveria se casar
comigo.
— É um jeito efetivo de espantá-la para bem longe. — Jason aproximou-se. —
Você tem de cortejá-la antes de fazer o pedido.
Walter olhou para trás, notando o súbito interesse dos homens. O jogo de
pôquer havia terminado, e quatro rostos curiosos o fitavam.
— Penso que estraguei tudo. Acredita que Pip disse algo a ela? Talvez tenha
desconfiado da gravidez. Angelena tropeçou na calçada e quase desmaiou.
Sorrindo, Jason pegou o copo de água das mãos de Walter.
— Calma, vou beber o restante.
— Precisa aprender a flertar, xerife — Jason aconselhou-o. — Beba tudo e vá
embora. Não quero que aborreça a srta. Angelena antes da apresentação desta noite.
— Esqueça a água. — Walter se virou e caminhou em direção à porta. Antes de
sair, lançou um olhar ameaçador aos membros da mesa de pôquer.
O que precisava mesmo era de uma boa luta ou laçar um bezerro no pasto. Algo
que ocupasse sua mente e o fizesse gastar energia.
Os ruídos dos quartos vizinhos começavam a irritar Angelena, que se postou
diante da janela, abriu os braços e respirou fundo. Precisava esquecer-se da intensa
atividade que não mais podia ignorar.
Nunca tivera problemas em aceitar o burburinho e risadas ocasionais ecoando
no quarto de Jolene, mas naquela noite o som perturbava-lhe o sono. Sabia o que
acontecia nos outros aposentos. Em algum ponto de sua mente, conhecia o ato
amoroso entre um homem e uma mulher, embora a memória continuasse um poço sem
fim.
Se a suspeita de Pip fosse real, ela tinha se envolvido com um homem.
Estremeceu apavorada. Haveria de se lembrar. Ou não? A ideia de oferecer o próprio
corpo era inacreditável.
Mas, caso estivesse grávida, devia ter conhecido e amado um homem.
Por impulso, tocou o ventre e imaginou o pequeno ser em formação. Um arrepio
percorreu-lhe o corpo. Entraria em desespero. Sem um marido, podia considerar-se
uma mulher perdida. Quem iria querê-la?
— Walter Tanner. — O nome soou vibrante em seus lábios. — Ele quer se casar
comigo. Mas o que dirá quando eu lhe contar a verdade?
Fitou o outro lado da rua, a cadeia encontrava-se às escuras. As cortinas das
janelas do andar superior voavam com a brisa.
Ele estava lá. A presença masculina aguardava a hora certa de aparecer.
Angelena estreitou os olhos a fim de enxergar para além da escuridão. Tal qual um
presságio, Walter surgiu à janela.
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Apesar da falta de luz, ela pôde divisar a camisa branca e a mão que segurava a
cortina. Walter acendeu um fósforo e o apagou em seguida. A brasa do cigarro
iluminou de leve o rosto. Ele a observava. Rapidamente, Angelena desviou o olhar.
Walter tragou o cigarro mais uma vez e então se afastou da janela, soltando a
cortina.
Com o coração em disparada, Angelena ateve-se à entrada da cadeia. Quando
o xerife apareceu e atravessou a rua, ela soltou uma exclamação espontânea.
Atento, Walter olhou para cima e Angelena quase caiu da janela ao se debruçar
no parapeito. Ansiosa, precipitou-se à porta para verificar a tranca.
E, apreensiva, ela esperou.
CAPÍTULO VI
um passeio.
Não se tratava de um convite, as palavras haviam soado com autoridade e
firmeza. Angelena o acompanhava em direção ao fim da rua, onde havia um grupo de
árvores. Os passos de Walter eram lentos, facilitando os dela. Fascinada, fitava o perfil
do homem imponente que caminhava quieto.
Podia passear com ele pela eternidade, pensou, cativada pelos pássaros
noturnos que habitavam os galhos das árvores à frente. A brisa carregava o perfume
das flores e parecia eliminar o odor de cigarro que Walter exalava.
— Aonde estamos indo? —Angelena perguntou, tentando alcançar as últimas
passadas do xerife.
— Está com pressa? — Walter riu, zombeteiro. Apesar de diminuir a marcha, ele
notou que Angelena precisava se esforçar para acompanhá-lo. E fazia isso sem se
queixar. Era uma mulher rara. O mistério que ocultava dava-lhe motivos para listar seus
atributos.
Diferente das coristas, Angelena mantinha uma fachada de pureza, contraditória
ao desejo que Walter sentia. Nenhuma mulher conseguiria permanecer ilesa sob a
atmosfera do Golden Slipper. Ou era cega ou preferia ignorar o que acontecia no
corredor quando as meretrizes entretinham seus clientes noite adentro. Menos aos
domingos. Até Jason acatava o dia santificado, quando os moradores de Edgewood
iam à igreja.
— Xerife? Pode andar mais devagar, por favor? — Angelena o encarou e logo
tropeçou em uma raiz exposta.
Para evitar a queda, Walter agarrou-a pela cintura.
— Temos a noite toda, querida. Não vou deixá-la para trás — ele murmurou,
com a voz rouca. Ofereceu-lhe o braço e caminharam juntos, como um casal.
Ao passarem pela última casa da rua, atingiram o grupamento de árvores, no
qual uma trilha estreita dava acesso a uma minúscula clareira. Os galhos frondosos
ofereciam privacidade. Walter deteve-se ao pé de um imenso carvalho e olhou para
cima. As nuvens carregadas moviam-se entre raios, prometendo água à vastidão árida
do Texas.
— Não vamos nos molhar? — ela perguntou, estremecendo ao som de um
trovão.
Walter encostou no tronco do carvalho e aproximou-a de si.
— Duvido. A chuva ainda vai demorar a cair. — Ele a fitou, enfim, livre para
apreciar a mulher sem curiosos ao redor. Soltou-a e relaxou de encontro à árvore.
Angelena era ainda mais bonita que Kitty. Mais jovem e, com certeza, mais
elusiva. Kitty representara luxúria, esperteza e, acima de tudo, disponibilidade. Walter
sorriu.
Kitty fora uma meretriz de primeiro grau. Não sabia cantar, mas possuía talentos
aprazíveis. Ciente da devoção juvenil, ela tirara vantagem da inexperiência de Walter.
Empreendera truques e artimanhas para usurpar o que ele quisera oferecer. Por fim,
quando um vaqueiro abastado apareceu, Kitty gargalhou do rapaz de dezenove anos e
dispensou-o como cliente favorito.
Ele havia aprendido a lição. As mulheres que habitavam os saloons que
frequentava eram feitas do mesmo molde.
— Walter? — Angelena o sacudiu. — Quer conversar sobre o quê?
O corpo sensual estava rígido, e a respiração, ofegante. Walter admirou o ar de
inocência que ela assumia com tanta facilidade.
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familiar de Pip. No entanto, avistou uma mulher de cabelos negros e olhos bem azuis.
A mãe de Walter Tanner.
— É a mãe dele? — perguntou, em um sussurro frágil.
— Estamos falando de Walter, certo?
Atônita, Angelena apenas assentiu, incapaz de emitir qualquer som.
Os olhos azuis brilhavam enquanto Rosemary sorria.
— Você é a jovem que chamam de Anjo? Aquela que tirou o sossego de meu
filho, segundo a última fofoca.
— As pessoas estão falando de mim? — Angelena fechou os olhos mortificada.
— É melhor enfrentar a realidade, querida — Rosemary aconselhou-a. —
Qualquer coisa que o xerife faça é motivo de especulação. Certa vez, ele se sentou ao
lado de uma jovem na igreja, e, na segunda-feira de manhã, as mulheres da cidade
estavam planejando o vestido de noiva.
— Aposto que ele ficou enfurecido. Já notei que possui um temperamento
explosivo.
— Walter a está incomodando de novo? Eu o ensinei como tratar uma dama,
sabe. Se for rude com você, ele com certeza não aprendeu isso em casa.
— Talvez seja o fato de eu trabalhar no Golden Slipper. — As palavras surgiram
antes que Angelena pudesse controlá-las. Se Rosemary Tanner tinha alguma ilusão a
respeito dela, era hora de mostrar-lhe a verdade.
— Sei disso — Rosemary confirmou, com um sorriso terno nos lábios. A
abundância de compreensão estava implícita no simples gesto de tocar o ombro de
Angelena. — Ouvi dizer que você canta como um anjo.
— E deve estar pensando por que desperdiço meu tempo no saloon. — Pela
primeira vez, Angelena sentiu vergonha de si mesma. Não havia escolhido a moradia,
tampouco detivera-se ao significado de seu trabalho. Exceto pelos homens que a
admiravam, ela não se relacionava com outros habitantes de Edgewood.
Naquele momento, diante da mulher que nada se assemelhava às garotas do
saloon, ela desejou possuir um lar diferente.
— Agora que a conheci, estou ainda mais intrigada — Rosemary confessou.
Acariciou os cachos do bebê e diminuiu o tom de voz para não despertá-lo. — Você
não gosta do lugar onde vive, Angelena. Surpreende-me que Jason Stillwell não a
tenha instalado na pensão, em vez de lhe oferecer um aposento próximo ao de suas
garotas.
— Todos são muito bons para mim — ela os defendeu. —- Eu não tinha para
onde ir, e Jason me proporcionou um santuário e um trabalho.
— Pode vir morar comigo no rancho — Rosemary sugeriu, firme em seu súbito
propósito.
Angelena sorriu. Aquela mulher possuía força de caráter e bondade, por isso,
Walter a respeitava tanto.
— Não acho uma boa ideia, sra. Tanner. Preciso estar no Golden Slipper todas
as noites, exceto aos domingos. Portanto, terei de empreender uma longa viagem até
seu rancho durante a madrugada.
— Se vier morar comigo, não precisará cantar para Jason Stillwell.
— É tudo que sei fazer — Angelena murmurou.
— Meu marido. Gabe, disse-me que perdeu a memória. — Rosemary a
observava atentamente. — Não sabe mesmo quem é?
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— Sei que sou uma cantora. Conheço centenas de canções, talvez mais. Tenho
vários trajes, vestidos e enfeites. Só não me lembro de onde vim ou quem sou.
— Se lhe serve de consolo, querida, sou muito perspicaz em relação às
pessoas. Tenho certeza de que é uma boa moça, apesar de não saber sua origem.
Angelena sentiu as lágrimas despontarem. Aceitar tamanha realidade estava
além de suas esperanças. Como era triste desiludir aquela mulher. Fitou o bebê que
mantinha nos braços quando as lágrimas começaram a cair.
— Acho que não sou — murmurou, sem coragem para encarar Rosemary.
Puxando uma cadeira, Rosemary sentou-se diante dela. Então tocou-lhe a face,
forçando-a a fitá-la. Angelena jamais imaginara conhecer uma alma tão boa e
dadivosa.
— Ora, por que está chorando? — Rosemary perguntou em tom severo.
Angelena conteve a súbita vontade de rir. Walter tinha grande estima por aquela
mulher e havia razões para tal. Entre a gentileza e o rigor, a ternura e a severidade,
Rosemary Tanner era um ser humano raro.
Comovida, segurou a mão da boa mulher.
— Vou ter um bebê. Pelo menos é o que Lily e a lavadeira, srta. Molly, acham.
Por alguns instantes, Rosemary ficou calada, assimilando a novidade.
— É mesmo? — indagou. — Walter é o pai? — Os olhos revelavam certa
expectativa.
— Não, senhora. Eu nunca... Não sei... — Ela optou pelo silêncio, sentindo o
rubor nas faces.
— Você não sabe. — Rosemary apertou a mão de Angelena entre as dela. —
Não sabe o quê? Se Walter é o pai?
— Não sei de nada. Desconheço como engravidei ou com quem... — Encarou a
mãe do xerife. — Não consigo lembrar!
As lágrimas caíram em profusão. Angelena tentou enxugá-las com a ponta do
cobertor do bebê. Então, vasculhou o bolso à procura de seu lenço.
— Pegue, querida. — Rosemary tirou um enorme lenço de algodão da bolsa e o
ofereceu a Angelena. — Eu o fiz grande o bastante para servir a meus rompantes.
— É tão emotiva assim, sra. Tanner? — Angelena secou as faces. — Não posso
imaginar a mãe de Walter derramando nem uma lágrima sequer.
— Já ouviu falar de mim? — Rosemary perguntou curiosa.
— A senhora o obrigou a desculpar-se comigo. Foi a única vez que o vi corar.
— Walter jamais desiste de algo. Mas ainda não conversamos a respeito disso.
— Rosemary sorriu, parecendo imersa em lembranças.
— Ele quer se casar comigo. — Angelena não sabia de onde as palavras
surgiram. Somente as pronunciou sem pensar e agora preferia ter ficado quieta.
— Casar? Walter? Ele a pediu em casamento?
— Não foi bem assim. Ele me disse que era a melhor oferta que eu poderia
conseguir. — Angelena pausou, recordando as palavras. — Deve estar certo, sabe. Se
estou realmente grávida, como todos acreditam...
— Todos? Quem mais sabe disso?
— Jason e as garotas do saloon. Oh, e a srta. Molly, a lavadeira. E Walter, claro.
— Você contou a ele?
— Não. Na verdade, Walter me contou. E, depois de refletir por um minuto, tive
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de concordar com ele. — Angelena suspirou, resignada. — Sinto-me tão tola diante da
senhora. Devo parecer uma debilóide por não saber nada.
— Você me parece apenas uma jovem assustada — Rosemary acalmou-a. —
Se meu filho teve o bom senso de ajudá-la, é provavelmente a atitude mais sábia que
já tomou.
— Como pode dizer isso? Nem sequer me conhece.
— Não, mas minha intuição nunca falha, e Pip gosta muito de você. É o
suficiente para mim.
O bebê resmungou e abriu os olhos.
— Já acordou, amor? — Angelena beijou o rosto macio. — Ele é lindo, não é?
— Pip me falou que você costuma cantar para ele, Anjo. Gostaria de escutá-la
algum dia.
— Por favor, não me chame de Anjo. Este nome foi criado no Golden Slipper e
não se parece comigo.
— Não quer ser uma divindade? Bem, não estou surpresa. Não há muitos anjos
vivendo nesta terra. Vou chamá-la de Angelena, se quiser.
— Quero, sim.
O bebê olhou em direção à cortina, parecendo procurar a mãe.
— Preciso entregá-lo a Pip — Angelina disse, quando o menino soltou um
resmungo.
— Vou à cadeia conversar com meu filho. — Rosemary levantou-se.
Aflita, Angelena considerou o provável assunto daquela conversa. Ajeitou o bebê
sobre o ombro.
— Não diga nada a ele sobre o pedido de casamento, por favor. Ainda não
aceitei. Walter acredita que está tudo acertado, mas não me decidi.
— Não direi nada — Rosemary assegurou-a. — Só comentarei que a conheci.
Ele pode cuidar do resto sozinho. Agora, acho melhor chamar Pip antes que esta
criança comece a chorar.
CAPÍTULO VII
passado.
— Talvez nunca obtenha essas respostas, Lena. Aliás, não me importo com o
que fez antes de aparecer em Edgewood. Já lhe disse que seu passado não me
interessa. Somente o futuro.
— Disse mesmo. Quase me esqueci disso. Não imaginei que se referisse a
casamento.
— Eu a quero. De alguma maneira, descobri que você pertence a mim.
— Pensei que a ideia de me considerar sua propriedade fosse uma brincadeira.
— Assim que a aliança estiver em seu dedo, você será só minha — ele
anunciou.
— Não creio que Rosemary se considere uma propriedade. Gabe Tanner
colocou um selo nela?
— Sim, com certeza — Walter afirmou complacente.
— Quer mesmo se casar comigo?
— Do que acha que estamos falando até agora? Desde que lhe propus aquela
oferta, não mudei de ideia. Aliás, conversei com o pastor esta manhã.
— E o que ele disse? Aprova meu trabalho no saloon?
— Não. Você tem uma reputação merecida na cidade. O bom reverendo acha
que não deve trabalhar no Golden Slipper.
— O que você pensa, Walter?
— Penso que pertence a mim, Lena. Fui ver uma casa nos limites da cidade.
Precisa de reparos, mas o preço é bem razoável.
— Pretende comprar uma casa? Não vamos morar em cima da cadeia?
— Você gostaria de morar em dois cômodos no meio da cidade? — Walter
sorriu, matreiro. — Prefiro mais privacidade.
— Não me passou pela cabeça que pensava em comprar uma moradia.
A atitude de Walter provava quão sincero ele era em sua intenção.
— Está mesmo disposto a fazer isso por mim?
— Estou disposto a fazê-lo por nós dois. Está na hora de me assentar. Nosso
casamento apenas facilitará essa decisão.
A forma prática com que ele explicitava a situação era frustrante. Walter queria
se estabelecer, e Angelena convinha a seus propósitos. Seria o suficiente para roubar
o orgulho de uma mulher.
— Lá está a casa. — Walter apontou em direção ao norte. Ao final de uma longa
estrada, rodeada de árvores, havia uma enorme residência.
— É linda — Angelena comentou. — Por isso Rosemary casou-se com Gabe. A
casa já seria um grande incentivo, caso não amasse o dono.
— Bem, quando ela aceitou morar aqui, não estava apaixonada por meu pai. —
Walter soltou uma gargalhada.
— Verdade? — Angelena ficou interessada em ouvir a versão de Rosemary
acerca da história.
A mesa estava repleta de pratos e tigelas de comida, uma fartura que Angelena
jamais vira. Rosemary movia-se entre o fogão e a mesa com absoluta agilidade.
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CAPÍTULO VIII
— Nem pensar! Não quero que seja motivo de fofocas quando chegar à cidade
sozinha. Vá para aquela carroça agora!
— Estou muito brava com você. Não suportaria nem mais um minuto a seu lado.
— A partir de amanhã, você vai passar muito tempo comigo, senhorita. É melhor
se acostumar com a ideia.
— Prefiro me casar com o primeiro vaqueiro que aparecer a jurar amar, respeitar
e honrar um homem que não me dá o direito de escolher o dia e a hora de meu
casamento. — Os olhos azuis continuavam marejados de lágrimas.
Irado ou não, Walter não podia aguentar aquele sofrimento, por mais corajosa
que ela se mostrasse.
— Lena, venha até aqui, por favor. — Ele abriu os braços, mas Angelena
hesitou. — Eu lhe peço. — Deu um passo à frente.
— Não vou ceder com tanta facilidade, Walter. Não gostei do jeito que me tratou
na casa de sua mãe. Agiu como um menino mimado, só porque sua família me aceitou.
— Dusty flertou abertamente, e você permitiu — ele argumentou.
— Quem? — Angelena arregalou os olhos incrédula.
— Aquele vaqueiro que lhe disse quão maravilhosa você é.
— Ficou com ciúme? — Ela sorriu.
— Não! Só achei que poderia... Não sei o que pensei. Fiquei perturbado porque
Jenny se apegou a você, e Anna estava prestes a lhe jogar um tapete vermelho. — Ele
respirou fundo. — Agiu como se gostasse mais deles do que de mim, Lena.
A expressão se suavizou, e as lágrimas secaram.
— Quero que eles gostem de mim, Walter. Se vamos nos casar, preciso ser
aceita. Você faz parte da família e todos o amam.
As palavras o amoleceram.
— Creio que tem razão. Eles irão à cidade para o casamento. Rosemary me
garantiu.
— Todos? Amanhã?
— Sim, amanhã. Está de acordo? Sem mais brigas?
— Você gosta de mim, Walter? Tanto quanto eles?
Ele se aproximou e segurou-a pelos ombros.
— Se gosto de você? Tem sido uma enorme distração desde o dia em que a vi,
Lena. — Walter a abraçou com ternura. — Gostar é uma palavra muito pobre para
expressar o que sinto, querida. Só consigo pensar em quão macia, quente e perfumada
você é.
— Tudo isso? — Ela o encarou pasma. — Macia, quente e perfumada?
— Não. Há muito mais, mas não acho que queira me escutar agora. Necessito
de uma cama e de tempo para terminarmos esta conversa. — Walter acariciou a curva
dos quadris e apertou-a contra si.
— Não tenho certeza... — ela hesitou, incapaz de falar.
— Não precisa ter certeza de nada. — Walter sentiu-se mergulhar nos olhos
azuis. — Já tenho o bastante para nós dois.
Quando os lábios se tocaram, ele estreitou o abraço, pressionando os seios
contra o próprio peito. Angelena enlaçou-lhe o pescoço. Tão logo sentiu-a se render,
Walter sugou o lábio carnudo. Ela suspirou de prazer, incitando-o.
Então o beijo tornou-se mais voraz. Walter absorvia o sabor de Angelena
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na frente do teatro.
— Que teatro, querida? Quem era ele? — Walter esfregou as mãos de
Angelena.
— Não sei. — Ela começou a chorar. — Não sei quem era o homem. Você me
olhou, ele apareceu em minha mente e sumiu, em seguida.
Pip voltou com o copo de água.
— Você está bem, amor? — ela indagou, preocupada. — Pensei que fosse
desmaiar, quase morri de medo.
— Ela conseguiu se lembrar de algo — Walter contou a Pip. — Mas a imagem já
desapareceu de sua mente.
A porta se abriu, e Bernice Comstock adentrou a loja. Pip correu para recebê-la,
na tentativa de desviar a atenção de Angelena, mas com pouco sucesso.
— A srta. Angelena não se sente bem? — Bernice perguntou curiosa. — Ouvi
dizer que a gripe de verão está atacando muitas pessoas.
— Não é gripe — Walter corrigiu-a. — Ela está um pouco empolgada hoje.
Vamos nos casar, senhora.
Angelena sentiu as faces quentes e tomou outro gole de água. Agora não havia
volta. Além de Pip, Bernice era a dama mais benquista da cidade, mas fazia questão
de informar os acontecimentos a todos os habitantes.
— Estou ótima, sra. Comstock — disse ela, antes de tomar mais um gole de
água.
A mulher se aproximou, avaliando a forma esguia de Angelena.
— Vai se casar com o xerife? Assim tão depressa?
— O casamento será amanhã, senhora. — Walter chegou mais perto de
Bernice. — Eu lhe seria muito grato, se pudesse manter a novidade em segredo por um
dia. Teremos apenas a presença da família durante a cerimônia.
— Sua família, xerife? Sei que a srta. Angelena não possui nenhum parente na
cidade.
As palavras foram ditas com gentileza, mas a verdade atingiu o coração de
Angelena. Não havia ninguém para assistir a seu casamento.
— O sr. Sawyer e eu acompanharemos Angelena — Pip apressou-se em dizer.
— Aliás, serei a madrinha, e Dex a levará até o altar.
— Isso é maravilhoso! — Bernice exclamou. — Uma noiva não deve entrar na
igreja sozinha.
Dex a levará até o altar. Tão logo assimilou a informação, Angelena sorriu. Sem
dúvida, Dex o faria de bom grado, afinal Pip o conhecia bem.
— Preciso de alguns metros de tecido, Phillipa. Termine o que está fazendo
enquanto dou uma olhada na mercadoria. — Bernice voltou a encarar Angelena. —
Fico feliz por você, jovem. Não podia ter escolhido um marido melhor. — Dito isso, ela
caminhou até o balcão, onde uma variedade de tecidos a esperava.
— Vou cuidar disso. — Pip pegou o tule, cortou um pedaço e dobrou-o. —
Vamos enfeitá-lo com uma coroa de flores. Minhas laranjeiras estão repletas de botões.
Colherei alguns e usarei um arco para prendê-los. Levarei apenas alguns minutos.
— Quanto custa este véu? — Angelena perguntou, imaginando se poderia
pagar.
— Considere-o meu presente para você — Pip afirmou.
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— Vou pedir a Dex que tome conta da loja. Assim poderei ajeitar seu terno.
— Eu o avisarei, Pip — Walter prontificou-se. — Vou acompanhar Lena até o
saloon para ajudá-la com as malas.
— Não pretendo me mudar hoje — Angelena comunicou.
— Você não vai mais cantar naquele saloon — Walter retrucou severo.
— Tenho obrigações a cumprir. Eu me mudarei pela manhã. Hoje farei minhas
duas últimas apresentações. — Angelena encarou os olhos ferozes de Walter. —
Jason foi muito bom para mim e não pretendo romper nosso acordo de repente.
Amanhã, você poderá me dar ordens. Hoje, não.
— Como quiser. — Walter ofereceu-lhe o braço. — Sabe que eu estarei lá, não?
— No Golden Slipper? Vai passar a noite no saloon?
— Vou. Sou responsável por você agora, Lena. Tenciono escoltá-la até o quarto
e só sair quando ouvir o barulho da tranca. Quando chegar a minha casa, quero vê-la
na janela para ter certeza de que está bem.
— Quer que eu me pendure na janela? Devo ficar parada até você aparecer? —
Angelena não conteve a vontade de rir.
— Isso mesmo. Quero vê-la na janela. — Walter fez uma pausa, desafiando o
bom humor repentino. — Estou ansioso para dividir minha cama com você amanhã —
ele sussurrou.
Um arrepio de expectativa e medo, percorreu o corpo de Angelena. Ela agarrou
o braço de Walter.
— Leve-me até o Golden Slipper, por favor.
— Claro. Farei o que deseja. Por enquanto.
Quando saíram do empório, Angelena notou os olhares curiosos dos
transeuntes. De cabeça erguida, ela caminhou, sem olhar para os lados, até atingirem
a porta do saloon.
— É a última vez que entrará neste lugar — Walter advertiu-a.
Ao considerar a possibilidade de deixar o único lar do qual se lembrava, um local
onde havia sido aceita sem questionamento, Angelena sentiu-se estremecer.
— Eu sei — retrucou com dignidade. — Darei adeus a todos pela manhã. Ainda
não sabem... que vou me casar.
— Eu não teria tanta certeza. — Ele abriu a porta. — Ficarei surpreso se você
não for o assunto da cidade antes do anoitecer.
— Acha mesmo?
— Pelo menos, até a hora de sua apresentação.
Angelena observou os lábios que tinham possuído os dela com tamanho fervor e
desejo horas atrás. Na noite seguinte, ele repetiria os beijos ardentes. Com o coração
cm disparada, recordou os prazeres que Walter Tanner era capaz de oferecer.
— Não vai entrar? — ele perguntou.
Quando Angelena moveu-se, Walter seguiu-a.
— Vou ajudá-la a fazer as malas. Depois, carregarei a bagagem até minha casa,
antes se aprontar para o show.
— Não. — A palavra soou firme. Ele a agarrou e pressionou-a contra si.
Angelena ficou um tanto zonza, mas se manteve resoluta. — Eu mesma farei minhas
malas, e permanecerão aqui até amanhã. Não quero causar motivos para as pessoas
espalharem boatos maldosos.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 64
CAPÍTULO IX
Ao pisar o primeiro degrau, ela se deu conta de que, enfim, subia a escada
lateral da cadeia.
— Vá na frente, Lena. Estarei com você em dez minutos — Walter ofereceu-lhe
alguns momentos de privacidade.
— A porta está trancada? — Angelena perguntou, percorrendo os degraus.
Parecia ávida por instantes de solidão.
— Não sei se a tranca funciona. Nunca usei a chave. Há uma lamparina na
mesa, se precisar.
O céu colorido de rosa e violeta marcava o entardecer no horizonte.
— Vou precisar de luz para encontrar meus pertences.
— Dez minutos — ele repetiu.
Angelena atingiu o topo da escada e girou a maçaneta. Antes de entrar, voltou a
fitá-lo. Walter Tanner parecia impaciente para desfrutar sua primeira noite de núpcias.
Depois de adentrar o aposento e fechar a porta, ela avaliou o espaço. Encostada
à parede, havia uma mesa com dois pratos e várias tigelas cobertas aguardando a ceia
da madrugada. Obra de Pip, sem dúvida. Um sofá e uma escrivaninha, onde Angelena
divisou a lamparina, encontravam-se na extremidade oposta da sala.
Acendeu a luz e reparou que o lugar era o ambiente típico de um homem
solteiro, sem nenhum apetrecho de cozinha ou despensa. Walter devia alimentar-se no
hotel ou comprar refeições. Como esperava que Angelena cozinhasse?
Avistou a abertura de uma porta e adentrou o aposento seguinte. A cama
ocupava boa parte do espaço, havia também uma imensa penteadeira com gavetas e
um espelho entre as janelas.
Aproximou-se de uma delas e abriu a cortina. Olhou o saloon do outro lado da
rua, onde o andar superior permanecia às escuras, pois as ocupantes deviam estar em
plena atividade no bar.
Uma janela em particular chamou-lhe a atenção. Como seria sua própria
imagem nas noites em que Walter a observara daquele ponto estratégico? A lembrança
da silhueta obscura e ameaçadora a fez arrepiar-se.
De repente, avistou-o logo abaixo, na rua. Angelena recuou ao vê-lo encará-la.
Cautelosa, voltou a espiá-lo e notou quando ele tirou o relógio do bolso, verificando a
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 68
hora.
Ainda atento a ela, Walter apoiou-se no poste em frente a uma loja. Levantou a
aba do chapéu e olhou o relógio novamente. Como se pretendesse fazer o prazo de
dez minutos passar mais depressa, ele manteve a peça de ouro na mão e fitou a
janela.
Angelena afastou-se de vez e deparou-se com a cama. Já deviam ter passado
uns cinco ou seis minutos. Abriu a pequena valise que estava sobre a penteadeira. A
mala continha seu penhoar e outras peças íntimas. O restante de seus pertences
encontrava-se no baú que Walter deixara ao lado da porta.
Sobre os travesseiros havia uma camisola. Ela a pegou e experimentou a
textura macia do tecido. A gola, bordada à mão, possuía uma fita de cetim e vários
botões de pérolas.
Pip devia ter colocado aquela camisola na cama enquanto todos jantavam no
restaurante do hotel e contavam histórias do passado, de quando Walter e Anna
haviam sido incluídos na família Tanner. Durante uma hora, Angelena divertira-se com
a iniciação de Rosemary como mãe, e Anna relatara a experiência de partilhar a mesa
do rancho pela primeira vez.
Ela escutara com extremo interesse, ciente de que Walter a observava. Então,
Gabe finalizara o jantar, alegando ter trabalho a sua espera no rancho.
As despedidas foram rápidas e, em meio à balbúrdia, Angelena mal tivera tempo
para agradecer a presença de Pip e Dex. Agora se emocionava com o gesto afetuoso
de Pip. Se precisasse escolher uma mãe substituta àquela imagem turva do passado,
Pip seria sua primeira opção.
Angelena apertou a camisola contra o peito e fechou os olhos. Walter esperava
vê-la pronta quando chegasse e, a menos que estivesse errada, ele devia estar
verificando o relógio pela décima vez.
Aproximou-se da porta e puxou a cortina que separava a sala do quarto. O pano
grosso lhe oferecia certa privacidade. Caso Walter abrisse a porta do topo da escada,
ele não a veria trocando de roupa.
O quarto estava às escuras, pois a cortina bloqueava a luz da lamparina. Ela se
despiu rapidamente e pendurou o vestido no guarda-roupa de Walter. Tirou as peças
íntimas e guardou-as na gaveta da penteadeira. Postou-se diante do espelho para
soltar os cabelos. Os cachos fartos caíram sobre os ombros e as costas, tal qual um
manto pálido.
O que Walter acharia dela? Ficaria satisfeito com a mulher que esposara? Seu
corpo era esguio, mas os quadris pareciam arredondados demais. Angelena fez uma
careta ao notar a abundância dos seios. Talvez fosse gorda... ou talvez não.
Pouco importava. Walter a olhara mais de uma vez e ainda a queria. Em breve,
ela saberia que planos o xerife lhe reservava.
Já haviam se passado mais de dez minutos. Ao vê-la na janela, Walter quase
cedera ao impulso de atravessar a rua e subir a escada. Mas prometera a ela um prazo
e o cumpriria.
Enfim, a passos largos, ele caminhou até a lateral da cadeia, e finalmente subiu
a escada, afoito. Abriu a porta e entrou na sala. A lamparina iluminava o espaço e, logo
à frente, a cortina do quarto estava fechada.
Angelena o aguardava para concretizar o casamento. Walter pendurou o chapéu
no gancho de atrás da porta e tirou as botas. Talvez ela estranhasse a demora.
Que esperasse mais um pouco. A lembrança do beijo que Angelena jogara-lhe
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CAPÍTULO X
— Lena...
Empolgado, começou a acariciar a forma esguia e colou-se à curva dos quadris.
A repentina tensão era uma mensagem que ele não podia ignorar.
— Lena, olhe para mim.
Após alguns murmúrios lânguidos, ela obedeceu. Walter parecia tomado pelo
calor do desejo que ambos partilhavam. Abriu o primeiro botão da camisola e, ao vê-la
suspirar, continuou.
Então, beijou o pescoço alvo até chegar ao pequeno lóbulo da orelha. Sugou-o,
absorvendo o calor e a maciez. Animado, voltou a atenção à protuberância dos seios.
Angelena moveu-se, aflita, ao senti-lo beijar um dos mamilos.
— Quieta — murmurou a fim de conter o constrangimento.
Ondas de tremor a percorriam e, maravilhado com aquela resposta involuntária,
Walter intensificou a carícia. Oh, Angelena estava gostando, decidiu quando a perna
esguia tocou-lhe o joelho.
Segurando-a pela coxa, passou a perna tentadora sobre a própria cintura e
acariciou a pele sedosa, notando que ela se rendia a sua vontade.
Como se precisasse de apoio, Angelena agarrou os ombros largos e mergulhou
as mãos nos cabelos negros. Um gemido profundo o encorajou, estimulando-o a
aperfeiçoar as carícias, deliciado com a nova aventura.
Os lábios envolveram um dos seios novamente, e ela se deteve para apreciar as
inusitadas sensações.
— Lena? — Walter a ergueu um pouco.
— Sinto-me tão estranha, Walter. Acho que estou queimando por dentro.
— Está tudo bem, Lena. — Ele continuou a acariciá-la, movendo-se com
gentileza, mas persuadindo-a a relaxar.
Em puro deleite, Angelena derretia-se nos braços a ponto de soltar um longo
suspiro de prazer. Walter voltou aos seios, sugando-os, beijando-os. Ela gemeu outra
vez e cravou as unhas nos ombros másculos com uma força impressionante.
Ele não esperava aquela resposta tão ardorosa. Na verdade, havia planejado
prover-lhe um certo grau de prazer, antes de se ater à própria satisfação. Senti-la
quente e solícita era uma revelação gloriosa.
Deitando-se sobre ela, Walter levantou a camisola e posicionou-se entre as
pernas esguias. Lentamente, começou a penetrá-la. Angelena suplicara para que não a
machucasse e, sobretudo, estava determinado a evitar qualquer tipo de dor.
Surpresa, ela abriu os olhos. Através da luminosidade da sala, Walter
testemunhou a paixão transformar-se em medo e pânico.
— O que está fazendo? — ela perguntou, apavorada. — Por que está me
atacando?
Um soluço ecoou pelo quarto, e os olhos azuis tornaram-se brilhantes de tanto
terror. O corpo estremeceu, e a cabeça tombou para o lado.
Ele a matara! Walter sentiu um medo súbito dominá-lo. Segurou-a nos braços e
a sacudiu.
— Lena! Fale comigo! — exclamou, com o coração em disparada.
Ela se mexeu, sussurrando palavras incompreensíveis, mas não importava.
Estava viva, respirando. A palidez havia sumido, e as faces recobravam a cor natural.
Walter afagou os cabelos cacheados, atento. Então, os olhos se abriram. Angelena
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CAPÍTULO XI
— Não sei fazer chá. Tem certeza de que não gosta de café? — ele perguntou,
esperançoso.
No mesmo instante, Angelena sentiu náuseas. O aroma de café a enjoava havia
algumas semanas e até o adorado chá de ervas não parecia apetecê-la. Talvez o mal-
estar passasse com o tempo, mas naquele momento não conseguiria ingerir nada.
Sentou-se na cama e cobriu-se com o lençol. Walter encontrava-se diante dela,
vestido e pronto para o trabalho enquanto Angelena notava, assustada, a própria
nudez.
Sério, o xerife a observava. Quando os olhos brilhantes se detiveram nos seios,
ela cruzou os braços para escondê-los.
Sorrindo, Walter sentou-se na cama e puxou o lençol.
— Deixe-me vê-la — pediu, inclinando-se para beijá-la na testa.
— Não! — Escandalizada, Angelena puxou o lençol até o queixo.
— Ontem à noite você me viu.
A lembrança do instante em que o vira nu a fez deitar-se e cobrir o rosto.
— Foi tão ruim? — ele indagou hesitante.
— Estou morrendo de vergonha hoje — murmurou, sob a duvidosa proteção do
lençol. — Por favor, vá embora para que eu possa me vestir.
Ao escutar um suspiro profundo, Angelena arriscou uma espiadela. Os olhos de
Walter estavam avermelhados, e os lábios, estreitos.
— Algo o preocupa?
— Não, claro que não.
— Não me parece ter dormido bem. — Angelena voltou a se sentar, ainda
agarrada à coberta.
— Pretendo dormir melhor hoje à noite. — Walter beijou-lhe os lábios.
O toque foi gentil, convidativo. Angelena sentiu o impulso de abandonar a
proteção do lençol, e ficou desapontada quando ele se afastou.
— Preciso descer, sra. Tanner. Tenho algumas tarefas para cumprir esta
manhã. Caso esteja com fome, pedi a Sam Westcott, do hotel, para lhe servir o
desjejum por minha conta.
Angelena sentiu o estômago embrulhar. Talvez houvesse algo aprazível no
banquete que Pip lhes havia preparado.
— Não estou com fome.
No fundo, desejava que ele mostrasse o mesmo entusiasmo da noite anterior.
Porém, o terrível pesadelo que revivera acordada ainda a assombrava. Mais tarde,
talvez, conseguisse entregar-se a Walter.
— Estarei fora o dia todo, Lena — ele a informou. — Tenho um problema para
resolver. Pode se manter ocupada?
— Lógico. Vou passar na loja e ajudar Pip com o bebê.
Walter hesitou por um momento, à soleira da porta.
— O que há? — ela perguntou, estranhando aquele comportamento. Levantou-
se, ainda agarrada ao lençol, e abaixou-se para pegar a camisola no chão.
Calado, Walter observou-a com um olhar de predador.
— Se não enrolar este lençol ao redor de seu corpo, Lena, serei incapaz de me
conter.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 77
Então, ela notou a nudez dos quadris e corou. Passou o lençol ao redor de si,
mortificada. Walter deu um passo à frente e, assustada, Angelena recuou, tombando
na cama.
No instante seguinte, Walter se deitou e apoderou-se dos lábios rubros, da
maneira exata que ela almejara minutos atrás.
Enquanto sentia as carícias sensuais, Angelena correspondia aos gestos com a
mesma intensidade que ele.
— Acho que nunca mais farei valer o salário que esta cidade me paga, sra.
Tanner.
— Walter Tanner, você tem de trabalhar ao invés de permanecer na cama — ela
balbuciou.
A necessidade urgente de se deixar levar, sentir o corpo viril sobre si, era quase
irresistível. Mas preferiu apenas afagar os cabelos negros.
— Vá trabalhar — sussurrou. — Nós nos veremos na hora do jantar. Talvez Pip
me ceda sua cozinha para que eu possa preparar nossa ceia.
Walter levantou-se e arrumou a camisa.
— Pegue o que quiser no empório e diga a Pip que depois acertarei as contas
com ela. — Relutante, ele se retirou, como se a nudez feminina o tentasse ao extremo.
Angelena correu à janela e viu quando Walter apareceu diante da cadeia, ajeitou
o chapéu e atravessou a rua, em direção ao Golden Slipper. Aparentemente, Jason
Stillwell era a tarefa que ele tinha em mãos naquela manhã.
— Dex está nervoso — Pip argumentou. — Não sei por quê, mas o homem não
pára quieto há alguns dias.
Angelena sentou-se na cadeira de balanço próxima à janela da loja e acomodou
o bebê entre os braços.
Pip postou-se atrás do balcão e pegou o livro de notas. Conferiu a lista das
mercadorias que pretendia encomendar, antes que o trem partisse, levando a
correspondência da cidade.
Embora atarefada, Pip mantinha-se atenta à conversa. Angelena a escutava,
como sempre, surpresa com a capacidade da comerciante de se concentrar em duas
atividades ao mesmo tempo.
— Dex possui família no leste? — perguntou, curiosa.
Os modos gentis e o talento musical desperdiçado em uma minúscula cidade do
Texas intrigavam Angelena. A devoção explícita que dedicava a Pip era mais uma das
inúmeras qualidades de Dex. Quando o conhecera, imaginara poder apaixonar-se por
um homem como ele. Mas, de repente, Walter Tanner surgiu.
— Família? — Pip repetiu. — Não creio. Ele já me falou dos pais, mas acho que
não deixou nenhum parente no leste. Era jovem quando chegou a Edgewood, cerca de
quinze anos atrás. Um pouco antes de Walter e Anna irem morar com Rosemary, na
verdade.
— Walter nunca fala do passado — Angelena comentou.
— Dê a ele algum tempo, querida. O pobre passou por maus bocados. Mesmo
após viver com os Tanner, Walter precisou experimentar outra vida. — Pip fitou,
afetuosa, a criança que Angelena segurava. — Ele ficou fora... por quatro ou cinco
anos. Quando voltou, parecia ter visto e escutado mais que um rapaz poderia suportar.
Foi no mesmo dia em que se tornou xerife.
— Ele me contou alguns poucos episódios dessa história.
— Veja quem está nos espionando — Pip brincou, apontando a enorme vidraça.
Angelena apreciou o homem alto que a observava desde a calçada.
— Ele deve estar me vigiando — comentou e sorriu.
Walter ergueu a aba do chapéu e, após um olhar significativo, continuou a
caminhar pela calçada. Angelena sentiu-se corar, recordando os momentos íntimos
que havia partilhado com ele. A vida mudara de forma radical nas últimas semanas.
— Está passando bem, querida? — Pip indagou. — Seu rosto parece rosado
demais.
— Estou bem, Pip.
— Walter não... Tem certeza de que está bem? — Pip pareceu embaraçada. —
Não pretendo bisbilhotar. Só quero saber se ele não a pressionou. Walter Tanner pode
ser muito duro às vezes, com vivências que nem sequer imaginamos. Espero que você
o amoleça.
— Não se preocupe, Pip. Lembrei-me de um acontecimento ontem à noite —
confessou, mesmo temendo reviver aquele horror. — Um homem no trem... — Fechou
os olhos, ao recordar a violência que sofrera.
— Sabe quem era ele?
— Não. Ele me feriu, Pip. E, pelo jeito, é seu filho que estou gerando.
— Contou a Walter?
— Sim, tudo. Foi como um pesadelo... — Ela soltou uma risada irônica. — Mas
tenho a prova, certo?
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 80
— Walter não... — Pip hesitou. — Ele não lhe fez nada, suponho.
— Não. Fiquei exaurida, e ele me abraçou. Então conversamos um pouco. Devo
ter adormecido, porque só me lembro de ele me oferecer café hoje de manhã.
— Ainda não fez seu desjejum?
— Provei aqueles pães, que você deixou na sala, com um pouco de vagem.
— Vagem no café da manhã? — Pip arregalou os olhos. — Dex logo virá com o
almoço, e você vai se alimentar conosco. — Ela caminhou até os fundos da loja. —
Vocês jantaram ontem à noite?
— Não creio que Walter estivesse com fome. Assim que vesti aquela camisola
que você me deu, não consegui me locomover até a sala.
— Vamos providenciar algumas roupas para você — Pip decretou. — Sempre
esqueço que não possui trajes comuns para o dia-a-dia. Como esposa do xerife,
precisa de roupas novas.
Esposa do xerife. Tratava-se de uma designação simples, pensou Angelena. A
menos que não se considerasse quem era o xerife. Walter Tanner estava longe de ser
simples. Representava um enigma, um homem complexo com o qual ela escolhera
viver. Podia enfeitiçá-la com beijos, carícias e algo mais que Angelena saberia ao
entardecer.
Angelena fora à casa de Pip para preparar o jantar e colocou-o dentro do forno a
fim de deixá-lo aquecido até a hora de voltar à cadeia.
Retornou ao empório, com o intuito de cuidar de Toby. O interesse pelo bebê de
Pip crescia a cada instante. Talvez o fato de estar grávida a ligasse à criança. Não
importava, decidiu ela. Toby era um menino adorável, e Angelena queria ajudar Pip
como forma de gratidão.
Tão logo adentrou a loja, ela o viu sentado no chão, com uma cesta repleta de
pequenos cilindros. Pip encontrava-se ocupada e sorriu ao ver Angelena juntar-se ao
bebê diante da janela.
— Olá, amor. Sentiu saudade de mim? — Ajeitou o menino sobre as pernas e
ajudou-o a empilhar os cilindros.
Quando conseguiu equilibrar quatro tambores, Toby derrubou a torre. Ambos
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CAPÍTULO XII
Após despi-la até a cintura, Walter admirou a curvatura dos seios. Ergueu-a e
traçou com a ponta dos dedos a protuberância das formas, fascinado. Os mamilos
tornaram-se túrgidos no mesmo instante. Então, sugou-os e absorveu a maciez da pele
e o perfume de lilás que ela exalava.
Trêmula de paixão, Lena agarrou os cabelos negros e soltou um suspiro de
satisfação. Walter incrementou a carícia, ciente do movimento sutil do corpo sob si.
— Walter... — O tom soava como súplica. Abandonando os seios, ele tomou os
lábios.
— O que foi? Eu a machuquei? — A lembrança da noite anterior ainda o
assombrava. Refez a promessa de nunca causar-lhe dor, sem lamentar o que haviam
passado.
Angelena segurou-o pelo rosto, forçando-o a fitá-la.
— Você não me machucou.
Quando ela o fitou nos olhos, Walter sentiu-se exposto, certo de que seu desejo
encontrava-se explícito. Volúpia e excitação fundiam-se naquele momento.
Ousada, Lena acariciou os lábios do marido, como se exigisse uma admissão.
Ele se apoderou do dedo delicado e sugou-o. Angelena respirou fundo, tomada por
inebriantes sensações.
— Desculpe-me por ter sido covarde ontem — ela sussurrou. — Não foi a noite
de núpcias que você havia planejado. Sei disso.
O sorriso era frágil, e Walter mergulhou no prazer de possuir aqueles lábios. Ela
correspondeu ao gesto, calorosa.
— Quero ser uma boa esposa para você, Walter. Não sei como começar e tenho
medo de desapontá-lo. Mas vou tentar.
— Não vai me desapontar. — Ele riu, encantado com a possibilidade de ensinar
uma pupila tão disposta. — Vamos nos entender de alguma maneira. E, antes do que
imagina, será a esposa do xerife em todos os aspectos.
— Posso tirar sua camisa? — Angelena perguntou.
Tão logo ele assentiu, dedos afoitos empreenderam a tarefa. Em segundos,
Angelena abriu a camisa e deslizou as mãos sobre os músculos do peito. Ao roçar um
dos mamilos, Walter suspirou de prazer. Então, mais segura, repetiu a carícia nos
pontos mais sensíveis.
O toque era gentil, ela o explorava devagar, exclamava a cada nova descoberta,
e Walter deliciava-se com a delicadeza dos gestos. Mas não foi suficiente.
Lena já conhecia os segredos e os contornos do corpo viril. Dada a avidez que
mostrava, não ficaria ofendida caso ele revelasse a extensão do desejo. Walter
explodiria, se ela não incluísse uma certa parte da anatomia masculina na aventura.
Depois de se livrar da camisa, ele se levantou e tirou as botas e a calça.
Angelena observava cada movimento, tentando conter a respiração sôfrega.
Apreensivo, Walter permaneceu diante dela, completamente nu e expondo a
necessidade urgente de sua masculinidade. Não havia traços de medo nos olhos azuis,
enquanto ela o examinava com absoluto interesse. De repente, esticou os braços finos,
convidando-o.
Walter levantou-a e começou a livrar-se das roupas que impediam o contato
carnal. Tirou os sapatos, as meias e deteve-se nos calcanhares, admirando os ossos
frágeis e a conformação fina. Deslizou as mãos pelas pernas esguias e ela as fechou,
em um movimento instintivo.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 86
estragasse novamente nosso encontro. — Lena o fitava com uma expressão terna e,
ao mesmo tempo, famélica. — Todos meus temores desapareceram.
Aquela mulher com a qual ele se casara às pressas, só para satisfazer o próprio
egoísmo, aceitava o pouco que havia recebido. Walter imaginou o que mais poderia
oferecer nos dias e nas noites que viriam.
Havia o xerife arrogante e o homem terno que lhe oferecia um lar. Ele
apresentava duas facetas, uma para o público que o considerava representante da lei,
e outra à família que o conhecia como filho e irmão.
Angelena conhecia ambas. Ele podia olhá-la com censura e, no instante
seguinte, envolvê-la nos braços, como se não conseguisse controlar-se. Um fato que
ela achava gratificante.
Angelena começava a se sentir parte da família, pois os olhares cínicos e as
palavras duras haviam sumido. Comentários maliciosos também não mais existiam,
como se a noite de paixão houvesse saciado a luxúria que o dominara anteriormente.
De alguma forma, a misteriosa união que revelara a fusão de dois corpos, fizera-
o superar as dúvidas e os equívocos. Ao menos, por enquanto.
Walter a aceitava, pensou, comovida. Era sua esposa, embora não houvesse
mais do que aquela suave afeição entre ambos. Ele deixara claro suas expectativas ao
estabelecer os termos do casamento.
Era muito mais do que Angelena esperava, após noites de angústia por não
enxergar nenhuma alternativa. Walter Tanner mostrava-se gentil, generoso, e ela
sentia-se grata por isso.
Uma prece de agradecimento ecoou em seu peito. Angelena, mais uma vez,
jurou ser a esposa que Walter precisava.
A aquisição da nova casa não demorou a acontecer. Após duas semanas, uma
carroça carregada de mobílias rumava em direção à fazenda de Murphy. Walter
chegava na charrete, que havia comprado de Bates Comstock para o uso de Angelena.
Pararam um instante a fim de admirar a fachada da residência. Havia uma placa
de madeira, pendurada entre dois postes, logo à entrada da casa. Angelena encantou-
se com o trabalho artesanal de Homer Pagan. Walter & Angelena Tanner. As letras
muito bem talhadas ofereciam a ela a sensação de pertencer a uma família.
— Gostou? — Walter perguntou, enquanto conduzia a égua em direção aos
fundos da casa, seguindo a carroça.
— Oh, adorei. — Angelena afagou o joelho do marido, permitindo-se uma
intimidade jamais experimentada. — Mal posso acreditar que colocou meu nome ao
lado do seu, Walter.
— Sou o xerife, Lena, e corro muitos riscos nesse trabalho. Se algo acontecer a
mim, não haverá dúvidas de que você é a dona deste lugar.
— Não quero ouvi-lo falar assim, Walter — Angelena anunciou, com o coração
apertado.
— Eu não seria o primeiro a levar um tiro, Lena. Rancheiros são atacados por
touros, e banqueiros, por bandidos. Faz parte da vida.
— Sim, e mulheres morrem durante o parto — ela retrucou. — Mas não quer
pensar nisso, certo?
— Desisto. Você ganhou, sra. Tanner. — Walter abraçou-a. — Está engordando,
querida. Ontem à noite notei...
— Quieto! Você sabia que eu ganharia peso, Walter Tanner. — E pensar que ele
aceitava tal condição ainda a espantava.
— Gosto de você, magra ou gorda. — Ele deslizou a mão até um dos seios. —
Especialmente aqui.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 89
Angelena fechou a porta e postou-se diante do espelho oval. Tocou o volume dos
seios, estavam túrgidos, não somente pela gravidez, mas também ante a expectativa
de viver mais uma noite de paixão.
As faces rosadas e os olhos brilhantes, revelavam o desejo misturado à
felicidade. Talvez Walter não chegasse a amá-la mas a queria e almejava o prazer que
seu corpo lhe proporcionava.
— Eu o amo, Walter Tanner. — Observou os lábios pronunciarem as palavras e
escutou-as. — Eu o amo — repetiu cada sílaba de olhos fechados para melhor
absorver a entonação da voz.
Teria coragem de confessar seu amor diante dele? Conseguiria abrir o coração
e ouvi-lo negar aquele sentimento tão poderoso?
Walter aceitaria a confissão, expressando a mesma emoção que alimentava a
alma de Angelena? Ela se apoiou na cômoda e baixou a cabeça. A expectativa de
entregar-se ao homem de sua vida a relegava ao limbo.
— Angelena! — Walter gritou. — Onde quer colocar aquele armário imenso? E
aquela mesa engraçada?
Aflita, ela correu à porta. A mesa da sala, designada para acompanhar o sofá
novo e que o carpinteiro da cidade construíra, era sua preciosidade. E o armário, o qual
ela encomendara no catálogo da Sears, não podia ser riscado. Como pôde permitir que
aqueles homens carregassem seus móveis?
Ao abrir a porta, deparou-se com Walter.
— Quer nos mostrar o local exato de cada peça? — ele perguntou, fitando-lhe
os seios.
— Quero. — Angelena fez menção de passar, mas ele a impediu.
— Fique atrás de mim e diga o que quer — Walter ordenou. — Está a minha
espera? — perguntou, em voz baixa.
— Walter Tanner!
Constrangida, ela o acompanhou até a escada. Walter desceu um degrau, e
Angelena postou-se atrás dele.
— Ponham a mesa na sala, por favor, e tragam o armário para o quarto dos
fundos.
Bates enxugou o suor da testa com um lenço.
— Fazia anos que eu não transportava móveis tão bonitos, sra. Tanner. Aposto
que os comprou através do catálogo da Sears.
— Nem todos — Angelena o corrigiu. — A maioria veio de Shreveport. Já estão
terminando?
— Sim, senhora — Bates respondeu. — Ainda falta aquele armário com portas
de vidro. Eu as cobri com um cobertor para não quebrarem.
A cristaleira! Precisava descer e supervisionar os homens. Ela apertou os
ombros de Walter, apavorada.
— Vou cuidar disso — ele falou, entendendo a mensagem. — Volte para o
quarto e descanse. Ouviu?
Ao vê-la hesitar, ele beijou-lhe a mão.
— Pode ir, querida. Não vou deixar que nada aconteça aos móveis. Agora quero
vê-la naquela cama em cinco minutos.
Mesmo hesitante, Angelena se virou, e Walter impediu-a, beijando-lhe a palma.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 91
CAPÍTULO XIII
Cal Hodges era um homem esforçado e trabalhador. Como seus filhos ainda não
tinham idade para se dedicar a tarefas pesadas, Cal precisava de empregados para
auxiliá-lo, enquanto a esposa criava os quatro rebentos.
Ela possuía o aspecto fatigado demais para uma mulher tão jovem, Walter
concluiu em pensamento. Porém a sra. Hodges o recebeu, calorosa, tendo um menino
agarrado a suas saias.
— Cal deve estar chegando — ela o avisou. — Quer se refrescar com uma
limonada, xerife?
— Não, obrigado. Vou encontrar Cal no meio do caminho. — Walter tocou a aba
do chapéu. — Até logo, senhora.
Hodges ficou espantado ao sair do celeiro e deparar-se com o xerife.
— Resolvi passar por aqui a fim de lhe fazer uma visita. — Walter fitou o pasto.
— Seus homens estão na plantação?
— Sim. Vou levar água e comida para eles. — Cal encarou Walter com
curiosidade. — Em que posso ajudá-lo, xerife?
— Ouvi dizer que contratou Nate Pender — Walter foi direto ao assunto que o
levara ali. — Ele está trabalhando a contento?
— Até agora, sim. Ele é um tanto preguiçoso e reclama bastante, mas bons
empregados são difíceis de arranjar. — Cal hesitou um instante. — Fiquei sabendo que
ele é seu pai.
— Não me agrada admitir, mas Nate me criou até meus doze anos. E é por isso
que estou aqui, Hodges. O homem é encrenca na certa e não me incomodo em dizer.
Sugiro que fique atento e não o deixe se aproximar do que lhe é mais caro.
— É tão ruim assim? — Cal olhou em direção a casa. — Minha mulher está
segura? Pender alguma vez... Você sabe o quê.
— Não que eu sabia. Ele passou a maior parte do tempo bebendo e depois
tornou-se um ladrão de cavalos. Por esse motivo foi preso.
— Pender me disse que esteve na prisão porque alguém mentiu sobre ele.
— Não pretendo influenciá-lo, Hodges. Só pensei em lhe avisar. Se conseguir
mantê-lo no trabalho, melhor para você.
Cal entendeu a mão para Walter.
— Obrigado, xerife. Ficarei atento. Vou empregá-lo até o final da colheita.
Os dois homens caminharam em direção à casa, e três crianças surgiram
quando o pai se aproximou. Em seguida, a sra. Hodges também apareceu. Walter
observou a família trocar cumprimentos afetuosos. Talvez não tivessem uma vida tão
dura, ele pensou com certa inveja.
Se ao menos o bebê que Angelena gerava fosse dele... A existência daquela
criança no ventre de Lena começava a se tornar um fato real. Um dia a criança olharia
para Walter Tanner como pai.
Seria simples aceitar o fruto de um ato violento contra Angelena?
O som de risadas infantis chamou-lhe a atenção. Walter visualizou-se em Cal
Hodges. Poderia afagar os cabelos dourados de um menino? O orgulho permitiria que
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 93
— St. Louis, Dex. Ela se lembrou de St. Louis e quase visualizou a casa em que
morava. — Pip abraçou o marido.
Se Dex reencontrasse o velho amor por causa de Angelena, ficaria arrasada.
Mas, por Dex Sawyer, Pip abriria mão da felicidade, caso fosse necessário.
— Pip. — Dex abraçou a mulher com carinho. — Você sabe, não? É hora de
partir. Preciso ter certeza, querida. Se Angelena é minha filha, tenho de descobrir. De
alguma maneira, vou encontrar Olívia Marie e arrancar-lhe a verdade.
— Farei sua mala, Dex. Pode pegar o trem de amanhã.
A sorte estava lançada. No entanto, antes que ele encontrasse a evidência de
outro amor, Pip imprimiria o sentimento dela na alma de Dex.
— Venha comigo. — Conduziu-o à cama que partilhavam havia catorze anos.
Ela o despia, enquanto Dex beijava-lhe os lábios e o rosto umedecido pelas lágrimas.
Nus, ambos se deitaram sob os lençóis e empreenderam uma dança de amor.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 96
CAPÍTULO XIV
Porém, havia aspectos que ela tinha de conhecer a fim de entender os humores e as
lembranças que o afligiam.
— O que aconteceu a você? — perguntou, devagar. — Para onde foi?
— Não creio que deva ouvir minhas desventuras, Lena. Certos detalhes podem
ser chocantes para você. — Walter a fez levantar-se e afastou-se da mesa. — Já lhe
contei o suficiente. Voltei para a cidade, casei-me com uma linda mulher e me tornei
um cidadão respeitado. O que mais quer saber?
O homem que lhe dera um lar havia desaparecido. O marido carinhoso que a
ajudava na casa e a deixava repousar uma tarde inteira tinha, de alguma forma,
transformado-se em um ser raivoso. Angelena não podia esquecer o assunto. Caso
contrário, Walter nunca mais revelaria seus sentimentos.
Com as pernas trêmulas, ela se colocou diante do marido.
— Talvez meus ouvidos não sejam tão delicados quanto pensa, Walter Tanner.
Você é meu marido. Pela primeira vez, contou-me algo sobre sua vida. Acha que vou
ignorar tudo e cuidar de meus assuntos?
Respirando fundo, ele cruzou os braços, parecendo afastá-la ainda mais de si
mesmo. Lena deu um passo à frente.
— Falo sério, Walter. Não me afaste de sua vida.
Um sorriso malicioso surgiu de repente.
— Ora, doçura, porque eu faria isso? — ele murmurou, com a voz rouca. Então
apossou-se dela, tal qual um gavião captura sua presa. O beijo foi possessivo,
transparecendo apenas o impulso animalesco. Angelena sentiu-se invadida e
aprisionada.
Ao escutar um gemido primitivo, ela estremeceu, dividida entre o medo e a
excitação.
No entanto, Walter não lhe deu escolha, os braços poderosos a dominaram,
prendendo-a ao corpo musculoso. Ofegante, Angelena tentou respirar. Ele interrompeu
o beijo por um breve instante, e voltou a apoderar-se dos lábios agora túrgidos.
De súbito, tomou-a nos braços e caminhou em direção à escada. Quando
começou a subir os degraus, apressado, Angelena agarrou-se aos ombros largos para
não cair e então sentiu o aroma másculo que seu marido emanava.
Deus, o homem estava fora de controle, pensou, aflita. E talvez não fosse de
todo ruim. Por intuição, ela sabia que, pela primeira vez, Walter lhe revelaria a própria
alma.
Pedira-lhe que não a afastasse, e ele lhe obedecera. Walter impunha sua força,
mostrando uma parte de si que mantivera escondida, uma reação primitiva originada de
uma mera súplica.
Ou talvez tivesse sido uma exigência, Angelena ponderou, agora entre o pânico
e a certeza de que Walter não a machucaria. Ele entrou no quarto e jogou-a na cama,
sem a menor cerimônia ou delicadeza.
Angelena afundou no colchão. Com os cabelos soltos e as saias erguidas, ela
era a imagem perfeita para um homem famélico. Conforme Walter se aproximava, seu
olhar tornava-se mais brilhante. Os cabelos negros em desalinho davam um ar de
juventude ao semblante passional que ele expressava.
— Não queria aborrecê-lo, Walter — Angelena tentou se justificar.
Fez menção de se sentar, mas ele ergueu a mão, impedindo-a. Em seguida,
encolheu as pernas para puxar as saias. Walter foi mais uma vez veemente.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 99
CAPÍTULO XV
— Você sabe quais são as intenções de Nate? — Gabe Tanner perguntou, tão
logo entrou na cadeia.
— Bom dia para você também. — Walter não conteve o sorriso, apesar da
agitação de Gabe.
— Esqueci as boas maneiras? Reconheço que tenho o péssimo hábito de ir
direto ao assunto. — Ele cumprimentou Walter. — Não nos vemos há algumas
semanas, creio. — Gabe sentou-se na cadeira diante da mesa e fitou o filho. — Você
me parece ótimo. De fato, está com a mesma expressão vivaz de seus irmãos.
— Não permito que as pessoas falem comigo nesses termos. Mas vindo de um
homem que sabe tudo sobre mulheres como você, eu diria que já viveu algo
semelhante.
— E ainda vivo, na verdade. Rosemary me mantém ocupado.
— É, já notei. — Walter começou a gostar da conversa. O semblante sereno de
Gabe o encorajava.
No entanto, seu pai logo voltou ao assunto inicial.
— O que descobriu acerca do velho Nate? Ouviu algum boato?
— Não. Ignoro o que ele esteja aprontando. Esteve na cidade algumas vezes,
mas não arrumou encrenca. Enquanto o homem se comportar direito, não poderei
intervir.
Levantando-se, Gabe caminhou até a janela.
— Tenho certeza de que ele vai aprontar, Walter. O homem nunca levou uma
vida honesta e não vai começar agora. Fique de olho. — Gabe retornou à cadeira e
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 103
sentou-se. — Sua mãe quer que você e Angelena apareçam no rancho para almoçar e
não aceitará recusas.
— Lena deve estar chegando à cidade — Walter informou. — Comprei algumas
galinhas, e ela está empolgada com a possibilidade de vender ovos. Pip ofereceu-se
para comercializá-los.
Gabe tirou o relógio do bolso e verificou a hora.
— Ainda vou permanecer algum tempo na cidade. Tenho uns assuntos para
tratar no banco, e Rosemary me deu uma lista para Pip. Falarei com Angelena no
empório.
— Ouviu falar do novo assistente que contratei? — Walter perguntou. —
Pretendo entregar minha estrela de prata, Gabe. Acho que é o momento de sossegar e
me dedicar à terra.
— Imaginei que isso fosse acontecer, assim que você se livrasse de resquícios
do passado.
— Tem razão. Angelena acredita que o magoei e a Rosemary quando saí de
casa.
— Contou a ela? Tudo?
— Não. — Walter meneou a cabeça. — Há alguns detalhes que Lena não
precisa saber. Mas quando falei de você e Rosemary, ela soube o que dizer.
Conversamos a respeito de Nate e de Anna também.
— Disse a ela por que foi embora?
Walter nunca havia notado quanto seus olhos se pareciam com os de Gabe. O
olhar sombrio era capaz de penetrar tal qual uma lâmina afiada. Era incrível que,
apesar de não possuir nenhum laço sanguíneo, ele pudesse se assemelhar ao homem
que considerava como pai.
— Sim, disse.
A conversa entre ele e a esposa devia continuar particular. Outro tema, no
entanto, surgiu-lhe à mente, preocupando-o. Angariando coragem, Walter abordou-o:
— Andei pensando, Gabe. — Fez uma pausa e encarou o pai, que continuava
impassível. — Sabe que Angelena vai ter um filho?
— Sei. E também estou ciente de que não é seu. Qual é o problema, filho?
— Ela está... engordando. Você sabe, por causa da gravidez. Quando
estamos... — Walter respirou fundo. — Eu notei que... e fiquei pensando. — Ele
hesitou, sem saber como prosseguir. — Ora, você sabe a que me refiro, Gabe. Lena
vai ter um bebê que não é meu, e receio não ser capaz de...
— De não ser capaz de criar o filho de outro homem?
Gabe se levantou e, de repente, voltou a ser o homem que Walter conhecera no
passado, quando ele e um menino construíram o laço de amizade que mantinham até o
presente.
— Tem dúvida do amor que sinto por você, filho? Já se esqueceu do que
significa para mim e sua mãe? — Gabe debruçou-se sobre a mesa.
Walter reparou no olhar determinado do pai.
— Eu o acolhi aos doze anos e o nomeei meu filho. Passei pelos mesmos
medos que você, talvez mais. Conhecia bem o sangue que corria em suas veias. Jurei
esquecer seu passado e me concentrar no futuro. — Emocionado, Gabe endireitou o
corpo e fitou Walter. — Se não puder fazer isso pelo bebê que sua mulher espera, se
não conseguir esquecer que a criança não possui seu sangue, então, por Deus, você
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 104
A ronda pelos arredores da cidade não havia sido produtiva e, ao final daquela
tarde, Walter estava insatisfeito e fatigado. Ele percorrera três pastos, onde vestígios
de fogo e lixo deixados por habitantes descuidados provocaram sua ira.
Existia, tal qual pensava Rosemary, algo estranho no ar. A frustração de Walter
atingiu o grau máximo quando retornou à cidade.
O novo assistente, o filho de Oscar Rhinehold, estava ansioso para assumir o
cargo e, por direito, Walter deveria haver lhe concedido o privilégio havia semanas.
Porém, ele protelou até August Rhinehold perder a paciência ao ser relegado à vigia
das ruas e de Duane Goody.
Duane desempenhava muito bem o papel de bêbado da cidade e, para a
felicidade do homem, Joseph Richardson era um patrão condescendente.
Certa noite, uma briga no Golden Slipper dera alguma atividade ao jovem
assistente. August sacou a arma e dominou dois homens, em um movimento que
Jason Stillwell caracterizou como certeiro. Em breve, Walter poderia esvaziar a mesa e
dedicar-se somente ao rancho. Contudo, ele vacilava por alguma razão.
O banco estava sendo fechado quando Walter chegou à rua principal. Pace
Frombert trancou a pesada porta e, em seguida, verificou a maçaneta.
— Xerife? Tem um minuto? Preciso falar com você.
Depois de apear do cavalo, Walter caminhou até a calçada, atento à expressão
agitada de Pace.
— Qual é o problema?
Pace olhou ao redor, antes de se pronunciar.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 105
— Lembra-se daquele homem distinto que entrou no banco há uns dois meses?
Ele queria abrir uma conta e pediu informações, mas nunca mais apareceu. Recorda-
se? — Pace sacudia as chaves.
— Claro. — Walter observou o nervosismo do banqueiro, intrigado.
— Ele esteve no banco hoje — Pace disse. — Não sou de fazer alarde, xerife,
mas aquele homem não tem boas intenções. Sei que ele não é o que aparenta ser.
Um tremor súbito percorreu a espinha de Walter. Olhou para trás, imaginando
estar sendo observado. Aquele não parecia se um bom dia, pensou, lembrando-se dos
esforços infrutíferos da tarde ao circundar a cidade. Além de Rosemary, Pace Frombert
também pressentira algo.
Não devia se preocupar em excesso. Todos deviam estar exagerando, concluiu.
— Manterei meus olhos bem abertos, Pace. Talvez seja apenas um cavalheiro à
procura de um bom lugar para morar e investir seu dinheiro. — Walter esperava
mesmo que fosse somente isso. Lamentou que logo no momento em que ele pretendia
se afastar do cargo de xerife e cuidar do rancho, Pace Frombert resolvera apavorar-se.
— O problema, xerife Tanner, é que, quando o homem saiu do banco, parou
para conversar com seu... — Pace pareceu constrangido por um instante. — Nate
Pender estava na cidade novamente, parado diante do empório de Pip Sawyer, e o
cavalheiro em questão parecia conhecê-lo. Pude vê-los conversando. Precisa descobrir
o que estão tramando, xerife. O mais rápido possível, aliás.
O banqueiro mostrava-se indignado e nervoso. Walter fitou o outro lado da rua,
onde Pace indicara ser o ponto de encontro. Suspirou, convicto de que a paz que tanto
almejara ainda estava longe de acontecer.
— O que quis dizer com "Nate estava na cidade novamente"?
— Não se irrite, Walter. — Pace ergueu as mãos. — Sei que o homem tem
direito de ir e vir, mas anda espreitando a vizinhança há alguns dias e não gosto nada
disso.
Mais uma vez, Walter sentiu um ligeiro tremor.
— Está correto, Pace. Há algo estranho no ar, e tenho medo de adivinhar o que
possa ser. Irei ao rancho de Cal Hodges amanhã de manhã e tentarei falar com Nate.
— Amanhã de manhã, receberei um carregamento, xerife. — Pace confidenciou.
— E o trajeto da estação até o banco é curto. Não quero me preocupar com algum
ladrão disposto a roubar o banco.
Nate Pender, sem dúvida, planejava entrar em ação. Walter fitou Pace Frombert,
resignado.
— Farei o que puder, Pace. Vou deixar meu assistente tomando conta da
cidade. Levarei apenas umas poucas horas para encontrar Nate.
O sol estava alto, quando Walter chegou ao rancho, onde Angelena o esperava.
Enquanto relatava o encontro com Hodges, ele terminava de comer um pedaço de
carne.
— Cal Hodges está atolado de trabalho porque Nate largou o emprego outro dia.
Disse-lhe que tinha uma oferta melhor. — Walter beijou os doces lábios da esposa. —
Nós nos veremos na hora do jantar, querida. Talvez seja uma busca inútil, mas tenho
de tentar. Se falar com Nate, conseguirei algumas respostas.
— Vou sair mais cedo e ajudar Rosemary. — Angelena observou-o pegar a
arma. — Não gosto de vê-lo usar isso, Walter. Acha mesmo que haverá confusão na
cidade?
— Não. Só quero estar preparado, Lena. Pace Frombert está preocupado e
creio que ficará mais tranquilo se eu estiver com minha arma na cintura.
Angelena aceitou a explicação, embora pressentisse que Walter criara tal
história somente para acalmá-la. A expressão taciturna do marido apertou-lhe o peito
ao se despedir. Observou-o cavalgar pela estrada e então voltou à casa.
O dia passou devagar. Mais de uma vez, Angelena assustou-se com os ruídos
das galinhas que ciscavam o solo em frente à porta da cozinha.
— Rosemary deve estar atarefada e preciso de companhia — disse a si mesma.
Depois de colocar a cesta na charrete, ela verificou as rédeas da égua. Walter
era um excelente professor, concluiu, acariciando a crina do animal e sentindo-se
confiante para conduzir o veículo. Pela primeira vez, sentia-se incomodada com o
silêncio absoluto de seu lar.
O percurso até o rancho de Gabe Tanner durou menos de uma hora. Rosemary
a recebeu de braços abertos e examinou o corpo de Angelena.
— O bebê está crescendo — comentou, antes de abraçá-la. — Senti tanta
saudade de vocês que enviei uma mensagem a Walter através de Gabe.
— Recebi a mensagem e, por isso, resolvi vir mais cedo para ajudá-la com o
jantar. Trouxe pudim de arroz.
— Os meninos vão adorar. — Rosemary a acompanhou até a casa. — Eu
costumava fazer pudim de arroz para Walter quando o adotei. Ele era muito magro, em
minha opinião. Vamos entrar, querida. Você pode cortar as batatas enquanto preparo a
carne para assar. Fiz alguns pães hoje de manhã, e os meninos estão colhendo milho.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 108
CAPÍTULO XVI
preservação dos alimentos não era uma de suas habilidades. Tampouco sabia se
Angelena tinha noção do que pretendia realizar.
— Acho melhor levar alguns potes para ela quando eu voltar para casa.
— Não vão chegar inteiros sobre este cavalo, Walter. — Pip riu. — Espero que
Angelena venha à cidade de charrete. Dex e eu queremos falar com ela. — Ela fez
uma pausa e sorriu. — Temos novidades que interessam a vocês dois.
— Vai ter outro filho, Pip? — Os cabelos avermelhados já apresentavam alguns
fios brancos, algo que indicava o perigo de gerar uma criança.
— Não exatamente — ela retrucou de maneira vaga. — Para ser franca, estou
torcendo para Angelena aparecer. Caso contrário, vou explodir de ansiedade.
Walter despediu-se, alheio à novidade de Pip. No mínimo, ela queria mostrar
alguns vestidos novos a Angelena, já que o ventre crescia a cada dia e necessitava de
novas roupas.
O chefe da estação de trem encontrava-se na plataforma quando Walter se
aproximou. Homer Pagan talhava um pedaço de madeira com extremo cuidado. Era o
homem mais talentoso da região em se tratando de esculturas.
— Bom dia, xerife. Espera alguma encomenda no trem desta manhã?
— Não. Mas sei que o banco receberá um carregamento hoje. Pace Frombert
me avisou.
— Ele espera esse dinheiro há um mês. — Homer encarou Walter. — Acha que
haverá confusão?
— Ah, não sei. Tenho um mau pressentimento, Homer. Talvez a vida de casado
esteja me deixando nervoso.
— Pode ser a volta de seu pai — Homer deduziu. — Não creio que a presença
de Nate Pender seja motivo de comemoração.
— Tem razão, não é. — Walter fitou o horizonte. — O dia vai ser quente, Homer.
Não há nenhuma nuvem no céu.
— É. — Homer continuou a talhar a madeira, e Walter seguiu seu caminho, em
direção à cadeia.
A mesa repleta de documentos o esperava. Ele nem examinara o último informe
dos criminosos procurados pela lei. Mais apressado agora, ciente de todo o trabalho,
esporeou o cavalo.
— Ninguém mais vai criar galinhas nesta região —Pip brincou —, depois que
Walter lhe comprou esses animais. Não sei o que ele imaginou que você faria com
tantos ovos.
— Creio que ele queria me dar uma desculpa para vir visitá-la. — Angelena
olhou os fundos da loja. — Onde está Toby?
— Em casa com Dex. Ele vai trazê-lo na hora do almoço.
— Dex é um bom marido para você, não é, Pip? Cuida do bebê, prepara as
refeições...
— Um bom marido e um pai maravilhoso. Também me ajuda na contabilidade
da loja. Todos zombam dele porque cozinha para mim, mas Dex sente-se tão feliz que
nem se importa.
— Feliz? — Angelena repetiu contrariada. — Não consigo imaginar Walter desse
jeito. Está sempre a ponto de borbulhar. — Ela notou os tecidos sobre o balcão. — É a
mercadoria nova que recebeu?
Pip arrumou os ovos sobre o balcão.
— Tenho certeza de que sua cesta voltará cheia para casa, querida. Estas
fazendas são lindas.
Geraldine Frombert, de repente, aproximou-se.
— Deveria ir à loja ao lado para comprar suas roupas, sra. Tanner. A modista é
excelente.
— Pip vai me ajudar a fazer alguns vestidos — Angelena rebateu, encerrando o
assunto. — Pensei em tomar conta da loja durante algumas tardes enquanto você corta
o molde — ela disse a Pip. — Acho que sei costurar, mas creio que havia uma mulher
para cuidar de minhas roupas e meus trajes de apresentação.
— Trajes de apresentação? — Geraldine perguntou, em tom maldoso.
Angelena encarou-a e forçou um sorriso.
— Isso mesmo. Eu me apresentava nos palcos de St. Louis antes de vir a
Edgewood.
— Em público? — Geraldine torceu o nariz horrorizada.
— Sim. — Angelena virou-se quando Pip começou a desenrolar um tecido
florido. — Oh, adorei este, Pip. Vou usá-lo na igreja.
— Tem frequentado a igreja? — Geraldine indagou duvidosa.
— Walter e eu vamos à missa aos domingos desde que nos casamos, sra.
Frombert.
— Verdade? Meu marido e eu não comparecemos a orações dominicais. Há
sempre muito trabalho no banco às segundas-feiras.
Ignorando a mulher, Pip mudou de assunto:
— O que vai fazer com o dinheiro dos ovos, Angelena?
— Vou guardá-lo no banco, junto com minhas economias. Poupei cada centavo
que ganhei até hoje. Pretendo abrir uma conta.
— Não creio que o sr. Frombert deixará uma mulher abrir uma conta em seu
próprio nome — Geraldine intrometeu-se. — Ele prefere que um cavalheiro seja o
encarregado.
— Bem, nesse caso, vou conversar com ele. Quero meu nome na conta que
guardará meu dinheiro — Angelena alegou. — Faz tempo que venho pensando nisso e
hoje irei ao banco resolver.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 114
CAPÍTULO XVII
morrido. — Angelena sentiu a dor que a atormentara anos a fio. — Como os meninos o
chamam?
Dex sorriu.
— Pip chamava seu pai de papá. Ela é italiana, como você sabe. Os meninos
adquiriram o mesmo hábito.
— Papá — Angelena repetiu devagar. — Vou precisar de tempo para me
acostumar mas, se agora faço parte da família de vocês, tenho de começar a praticar.
O inverno foi ameno, o que era um bom sinal na opinião de Walter. Ao final do
mês de janeiro, ele tinha plena convicção de que havia se casado com a mais
poderosa das mulheres. Angelena limpava e polia cada centímetro da casa e acabou
por persuadi-lo a pôr papéis de parede e pintar os armários até que a residência se
tomasse ainda mais habitável.
Com o dinheiro dos ovos, ela comprara uma máquina de costura. Ou melhor,
Angelena pagara apenas parte do valor e a Walter coubera resto do montante. Quando
o frete chegou no trem da manhã, logo após o primeiro dia do ano, a máquina,
escolhida no catálogo da Sears, veio provida de uma mesa adequada e todos os
acessórios necessários.
Empolgada com o presente, Angelena chamara Pip e Rosemary para ajudá-la a
instalar a máquina e, desde então, ela não parara mais de costurar.
CH 195 – Dádiva de Amor (Tanner stakes his claim) Carolyn Davidson 124
adormecidos e apenas uma menina teimosa continuava acordada na sala, Walter não
conteve as lágrimas de alegria.
Pip segurava nos braços um minúsculo bebê que Rosemary atestou ser perfeito.
Walter pegou a criança e notou, maravilhado, os mesmos cabelos dourados e os
imensos olhos azuis da mãe.
Então levou aquela preciosidade até a sala e apresentou a todos o resultado do
interminável trabalho de parto de Angelena.
— Você se saiu muito bem, Walter — Dex comentou. — Ao ouvir o primeiro grito
de Pip quando Dexter nasceu, eu quase fugi do quarto. Não pude suportar vê-la com
tanta dor. Ela me expulsou e fiquei caminhando pela sala como fazem os pais.
— Gabe não saiu — Walter contou-lhe. — E eu não tive escolha. Angelena me
fez prometer que ficaria com ela.
— Não nos disse a parte mais importante — Gabe reclamou impaciente. —
Tenho um neto ou uma neta?
— Senhores, Angelena é teimosa. Jenny ganhou uma sobrinha.
Jenny permanecia quieta, escutando os homens conversarem. Cansada de
esperar, ela puxou a manga de Walter.
— Posso ver minha sobrinha?
— Melhor que isso — Walter sussurrou. — Sente-se no sofá e poderá segurá-la,
Séria, Jenny acomodou-se no sofá e ajeitou as saias. Walter colocou sua filha
nos braços da irmã.
— Qual é o nome dela? — Jenny perguntou. — Preciso saber como vou chamá-
la.
— Foi Angelena quem escolheu o nome. Resolveu homenagear a própria mãe e
celebrar a alegria que tem vivido desde que chegou a Edgewood. Vamos batizá-la de
Joy Marie. Você gosta, Jenny?
— Joy Marie — Jenny murmurou. — Sim, é lindo!
EPÍLOGO
permanecia atenta ao marido. Quando a última peça foi retirada, ela colocou a escova
sobre a cômoda.
— Vou mantê-la aquecida — Walter disse, agora mais ansioso.
— Promete? — Angelena tirou a camisola e deixou-a ao pé da cama. — Para o
caso de Joy Marie acordar — explicou.
Ambos se deitaram, desejosos de alguns instantes de paixão. O tempo de
abstinência fora longo, e Walter não pôde conter a urgente necessidade.
Empreenderam carícias abrasadoras em lugares que conheciam tão bem. Os lábios se
encontravam a cada gesto prazeroso. Walter a incitava, e Angelena suspirava,
apaixonada. Ela arriscava afagos mais ousados, e ele gemia, inebriado.
A vela derretia devagar, e sua chama iluminava os corpos que se fundiam de
desejo. Quando Walter a penetrou, Angelena expressou um grito de deleite e ele se
deixou levar pelo calor que o envolvia.
O encontro pareceu mais poderoso que nos primeiros dias do casamento. Uma
junção de corpo e mente, uma união de almas. Ele sussurrava seu amor, e Angelena
respondia. Walter proclamava a beleza da esposa, e ela confessava-lhe a paixão.
Foram horas de pura suavidade e troca de carícias.
Enfim, quando os corpos de ambos ficaram saciados, eles adormeceram.
No outro extremo do quarto, Joy Marie dormia sossegada. Walter acordou no
meio da madrugada e aconchegou a mulher amada entre os braços. Angelena se
mexeu, sentindo o súbito movimento do marido.
— Eu o amo — ela sussurrou. — Quer saber mais? Meu nome é Angelena
Tanner e agora sei quem sou.
— Sabe mesmo? — Walter indagou, imaginando se ela falava enquanto dormia.
— Sei quem sou, Walter Tanner. Lembro-me de meu passado e não tenho medo
do futuro. Na verdade, sou a pessoa mais feliz do Texas.
— Então somos dois — ele afirmou, pensando em mantê-la acordada para
torná-la ainda mais realizada.
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