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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA


THE LITERATURE OF CORDEL AND THE USES OF THE LIE

Marcio Alexandre Barbosa Lima*

Resumo Abstract
O cordel representa um dos principais gêneros The Cordel represents one of the major literary
literários da nossa cultura popular. Suas histórias genres of our popular culture. Their stories are
estão diretamente vinculadas a cultura do grupo a directly linked to the culture that they belong to
que pertencem e expressam uma visão de mundo and express a specific world view whose meaning
característica, cujo significado só é possível de is only possible to understand contextualizing its
compreender contextualizando sua formação. O formation. This article presents an analysis about
presente artigo apresenta uma análise a respeito the use of lies in the Cordel and folklore produced
do uso da mentira presente no cordel e folclore in northeast of Brazil, relating it to forms of
produzidos no nordeste brasileiro, relacionando-o domination, resistance and sociability.
a formas de dominação, resistência e sociabilidade. Keywords: twine- folklore-confidence trick-
Palavras-Chave: cheap literature, Folclore, astuteness
Conto-do-vigário, Astúcia

* Mestre em Sociologia/Unicamp e doutorando UnB. marcioablima@yahoo.com.br

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Qualquer tentativa de elaborar uma da práxis social, assim como suas ações, de
análise sobre o uso da mentira se deparará com modo que seus personagens e suas mentiras são
o problema da sua universalidade. Podemos representativos dos usos que esta pode exercer
encontrá-la nas mais diversas culturas espalhadas em nossa sociedade.
no espaço e no tempo, assim como nos mais Um dos personagens que cristaliza a
diferentes tipos de situação. Buscaremos neste cultura da mentira é sem dúvida o malandro,
artigo situar as mentiras e os mentirosos de sujeito ambíguo, que recusa o trabalho
modo que sua universalidade restrinja-se a disciplinado e vive de expedientes temporários,
situações face-a-face, ou seja, abordaremos mentindo sempre que é necessário para preservar
apenas mentiras contadas por uma pessoa em sua autonomia.
contato direto com seu interlocutor. Para tanto, Muitas vezes estas personagens são
utilizaremos casos narrados na literatura de chamados de heróis pícaros, personagens de
cordel, a fim de construir uma classificação sobre origem humilde, que a todo instante partem para
seu uso por meio de personagens e de autores uma nova terra e utilizam a sabedoria, a astúcia,
que se utilizaram do folclore e a cultura popular a previsão, a sutileza mental e o talento para
nordestina na elaboração de seus personagens e sobreviver. Através do conhecimento dos seus
suas histórias. O produto das representações do inimigos, eles os enganam e os humilham. Suas
escritor aqui será entendido como uma dimensão estratégias e a identificação com seus leitores

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demonstram que seus dilemas pouco diferem da seja, mentiras contadas com a intenção de enganar
realidade. o interlocutor, por motivo de vingança, para
No Brasil, é através da literatura oral de escapar a uma sanção ou para levar algum tipo
cordel que eles se perpetuam no imaginário popular de vantagem material ou simbólica. Nesta forma
e ensinam aos subjugados como canalizar sua de mentir podemos identificar uma tentativa de
raiva através da astúcia e do engano, cumprindo resistência a obedecer às normas sociais impostas.
assim, a função de socialização de um espírito A mentira de pescador pode ser
de resistência (SCOTT, 2000, p.197). Outro uso representada por Chicó, personagem da peça Auto
bastante comum da mentira é o entretenimento. da Compadecida, de Ariano Suassuna (2001) e
São as chamadas mentiras de pescador, contadas por Alexandre, personagem do livro Alexandre
com o objetivo prender a atenção da platéia. e Outros Heróis, de Gracialiano Ramos (1997). A
Nela a verossimilhança não é pretendida principal característica deste tipo de pratica é o fato
e, normalmente, ocorre em situações em que das mentiras serem inverossímeis. As mentiras
não há aparentemente uma hierarquia entre os de malandro podem ser encontradas em Cancão
seus ouvintes e nem há normas sociais sendo de Fogo, personagem do cordel nordestino, de
desrespeitadas. Leandro Gomes de Barros e João Grilo, também
Com outros personagens e situações extraído da peça de Ariano Suassuna. Poderíamos
podemos encontrar as mentiras de malandro, ou acrescentar Pedro Malazarte (SILVA,s.d.) outro

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famoso personagem do cordel nordestino e A mentira como uma arte ou as histórias de


Macunaíma (ANDRADE, 1977), mas Cancão e Alexandre
João Grilo são suficientes para os objetivos deste
trabalho. O livro de Graciliano Ramos, Alexandre
Neste tipo, a verossimilhança é pretendida e Outros Heróis, publicado pela primeira vez em
e o uso da mentira busca o exercício da liberdade, 1938, narra as aventuras de Alexandre, um contador
muitas vezes em desacordo com as normas sociais. de histórias que “fumando um cigarro de palha
Ao conhecermos as práticas das personagens, muito grande, discorria sobre acontecimentos da
mostraremos um julgamento moral a respeito da mocidade”. São quatorze histórias narradas por
mentira em determinados grupos sociais. Mas ele, a maioria relata feitos que envolvem suas
para isso, necessitamos conhecer os motivos que capacidades físicas e intelectuais ou sua relação
os levam a contar uma mentira e, a partir deste com animais e objetos excepcionais.
esclarecimento, poderemos produzir uma análise As histórias são contadas em sua casa, na
sociológica sobre seu uso na sociedade brasileira. presença de cinco pessoas, sua esposa Cesária, o
Assim, gostaria de apresentar suas histórias, além cego Firmino, o curandeiro mestre Gaudêncio,
das situações nas quais eles mentiram. o cantador Libório e a afilhada de Alexandre e
também benzedeira, Das Dores. As histórias são
ambientadas no nordeste do país, no meio rural,

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num tempo passado em que ele e sua família para a montaria e saltou no lombo do animal.
“vivia de grande” e era estimado pelos políticos Enquanto tentava dominá-lo, arranhou-
e vaqueiros da região. Este passado contrasta se nas árvores de mandacaru que existiam ao
com a realidade na qual estão as personagens no redor. Os espinhos esfolaram todo seu corpo, mas
momento das narrativas. Alexandre possui “uma Alexandre venceu o animal, que passou galopar e
casa pequena, meia dúzia de vacas no curral, um obedecer a seu comando.
chiqueiro de cabras e roça de milho na vazante O dia estava clareando quando voltou
do rio” (RAMOS,1997, p.9). para casa montado no animal. Estavam todos
No primeiro e no segundo capítulo de preocupados com o que poderia ter acontecido e
Alexandre e outros heróis em que ele explica assim que entrou em casa, seu pai perguntou por
porque seus olhos são tortos, ele conta aos onde andara.
presentes que na fazenda onde vivia, uma égua Alexandre respondeu que estava
fugiu e seu pai mandou encontrá-la, pois sabia procurando a égua perdida e veio montado num
que estava pronta para parir seus filhotes. animal com malhas e que possivelmente seria ela.
Durante a procura, ele adormeceu próximo Quando chegaram ao curral, não entraram diante
ao riacho e quando acordou já era noite. Levantou- da surpresa que tiveram. Não havia uma égua,
se e percebeu dois vultos malhados bebendo água. mas uma onça pintada amarrada pelo cabresto.
Em silêncio, se aproximou, preparou o cabresto Segundo ele, como estava escuro, enxergou

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apenas as manchas do animal e disto deduziu ser visão estava melhor, resolveu deixar como estava.
a égua. E antes que fizessem qualquer pergunta sobre o
Passado o susto, Alexandre percebeu que paradeiro da onça, tratou de explicar que foi
enxergava as pessoas pela metade, seu pai, por morta e seu couro foi entregue ao irmão tenente
exemplo, tinha apenas um braço e uma perna. de Alexandre.
Aconteceu que durante a montaria, até conseguir Já num domingo, Alexandre perguntou
domar a onça, sofreu os arranhões e num dos aos presentes se gostariam que contasse a história
espinhos seu olho ficou pendurado. do veado, “história que eu apontei outro dia” e
Quando ele voltou ao local do acidente, depois de todos concordarem, perguntou aos
encontrou seu olho no espinheiro, colocou o de presentes qual era a distância entre a casa e o
volta e, devido à posição invertida, conseguiu ver monte em frente.
seu cérebro por dentro e tudo o que ele pensava Seu Libório arriscou meia légua, mestre
no momento. Gaudêncio duas e Das dores cinqüenta léguas.
Foi então que percebeu que o olho estava Alexandre repreendeu sua afilhada e disse: “[...]
ao contrário, retirou-o e o colocou na posição Isso não, Das Dores. Que desconchavo! Assim
correta. Desta vez enxergou melhor do que antes também é demais. Deixe esses despotismos, para
do acidente. Voltou para casa e quando olhou os nossos amigos não fazerem mal juízo, não
no espelho, viu que estava torto, mas como sua pensarem que eu ando com invenções. As minhas

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histórias são exatas”(RAMOS,1997, p. 86). olhos, enxergou um veado no alto do morro. Nessa
Foi o mesmo comentário de quando época ele havia recebido do seu irmão tenente
contou a história da cadeira feita com madeira de uma espingarda cuja qualidade era não deixar o
jaca, que depois de alguns anos, cada uma de suas chumbo se dispersar. Então ele mirou no animal
pernas tornou-se uma árvore enorme. e o matou.
Em sua narrativa, apenas quatro árvores A distância entre a casa e o local onde
criaram raízes no cômodo da casa, enquanto na estava o veado era tão grande que ao chegar até a
versão que o doutor Silva escreveu, havia mais dez, presa, o corpo já estava frio. Durante a narrativa,
o que não era verdade. Na comparação,Alexandre Alexandre disse que havia um tiro na cabeça e
afirmou que o doutor Silva floreou a história outro na pata. Por causa da contradição, o cego
porque precisava encher o papel uma vez que Firmino perguntou sobre a presa ter dois tiros,
escrevia sobre o fato. quando foi disparado apenas um. Imediatamente
Mas como Alexandre era exato, somou as Alexandre perguntou irritado se Firmino duvidava
medidas apresentadas pelos outros três presentes de sua palavra. O cego imediatamente respondeu
e dividiu. Assim, a distância entre sua casa e o que não.
monte era exatamente dezessete léguas. Com a A contradição dos fatos e da falta de uma
distância definida, passou a narrar os fatos. resposta coerente ao cego foi desfeita com o
Alexandre contou que, graças a seus novos testemunho de Cesária, esposa de Alexandre, que

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partiu em seu auxílio explicando que no momento vencido quando Cesária foi buscar seu guiso.
do tiro, o animal estava coçando a orelha e, por Como ela não o encontrou, Firmino aceitou
isso, o tiro atingiu sua pata. apenas seu testemunho como prova.
Mas não foi apenas desta vez que o cego A cobra mordeu o estribo, que era de prata,
Firmino desconfiou das histórias contadas por e depois de alguns dias, quando Alexandre foi
Alexandre e Cesária o auxiliou. Quando Alexandre montar com a mesma sela, seu empregado disse
contou sobre seu olho, Firmino lembrou que nas que não conseguia retirá-la do chão pois estava
outras vezes em que contou a história não havia presa. Alexandre foi até o local e encontrou o
espinhos. Também quando contou a história do estribo inchado, vazando prata. O que aconteceu
bode do tamanho de um cavalo, o cego perguntou foi que a cobra picou o estribo e ele inchou devido
sobre seu paradeiro, como também perguntou a seu veneno. Alexandre ganhou muito dinheiro
sobre o paradeiro dos filhotes da cadela inteligente vendendo prata até o veneno ficar velho e perder
de uma outra história. Todas às vezes Firmino foi seu efeito.
depreciado por causa de suas perguntas. Como se vê, algumas histórias de
No caso da história de quando Alexandre Alexandre o envolvem diretamente nos feitos
voltava da casa de seu sogro e foi picado por uma extraordinários que relata, mas nem sempre é ele
cobra cascavel de dois metros e meio, o cego a excepcionalidade da narrativa. Enquanto o cego
Firmino desconfiou do tamanho, mas se deu por Firmino desconfia e faz perguntas, Libório é o

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que menos pergunta, apenas admira. este parou imediatamente e pediu que Alexandre
Logo após narrar os acontecimentos com a contasse. À exceção do cego Firmino, nenhum
a onça, o cantador propôs fazer uma cantiga outro personagem contesta as versões que são
narrando os feitos de Alexandre enquanto Das apresentadas com modificações, cada vez que são
Dores bateu palmas no final, o que demonstra que recontadas.
ambos não estão preocupa dos com a veracidade Alexandre possui duas testemunhas
dos acontecimentos, mas com a engenhosidade da constantes em suas narrativas: sua esposa Cesária,
narrativa. que muitas vezes o auxilia, como no caso do tiro
Essas histórias são contadas repetidas no veado, e seu irmão tenente, que recebe as
vezes, os ouvintes dirigem-se à casa de Alexandre provas materiais de todos os casos narrados.
para ouvi-las e algumas vezes eles próprios pedem O autor de Alexandre, no início do livro,
que alguma história seja contada novamente. afirma que as histórias ali apresentadas não são
A estima dos presentes pelas histórias de originais pois fazem parte do folclore nordestino,
Alexandre também pode ser observada quando são relatos transmitidos de geração em geração.
Libório parou sua cantoria porque Cesária pediu As histórias são inverossímeis, entretanto,
que Alexandre contasse a história da jaqueira. Alexandre espera a crença, ou pelo menos a
Inicialmente Alexandre se recusou afirmando conivência, de seus ouvintes em relação aos casos
que no momento Líbório estava cantando, mas narrados. Ele mesmo faz questão de se comparar

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ao doutor Silva para demonstrar sua fidelidade Das Dores, ao bater palmas no final da história da
aos fatos uma vez que Silva floreia as histórias, onça, indica que de fato tais narrativas provocam
enquanto ele diz exatamente o que aconteceu. a admiração e o riso, e não o desprestígio daquele
Aquele que duvida, Firmino, é a todo que as conta.
momento destratado e desconsiderado com o No entanto, quando estas histórias são
argumento de que sua cegueira o impossibilita contadas fora de um determinado ambiente que
entender as coisas que Alexandre diz. No caso as pressupõe, podem ser interpretadas como
da distância do monte onde estava o veado, por mentiras contadas por um sujeito convencido
exemplo, Alexandre desconsiderou a opinião do e como uma maneira de contar vantagens de si
cego. perante os outros. Afinal, Alexandre luta com uma
Os ouvintes não interpretam as histórias onça, acerta com um único tiro um veado distante
como se o objetivo do narrador em cada uma dezessete léguas, consegue ganhar dinheiro com
delas fosse contar suas glórias. Se existe algum a prata que escorre do estribo picado pela cobra e
objetivo além de passar o tempo (e nesse sentido, outras mais.
suas histórias pertencem aos momentos de No pósfácio escrito por Osman Lins, o
lazer no meio rural nordestino), este é o de ter a comentarista afirma que as temáticas presentes
atenção dos presentes devido a sua criatividade em cada uma das histórias e a referência a um
e capacidade em narrar um caso. E a reação de passado de riqueza, obedecem a um objetivo

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definido: Observando o conteúdo das mentiras


[...] este homem que fala a ouvintes descobrimos que a fome e a falta de dinheiro
obscuros, mantém, através da imaginação, a
capacidade de evocar, sob uma forma mítica, são transpostos nas mentiras no sentido inverso,
a existência de bens que ele e o cantador, o como abundância e riqueza. Em suas histórias,
curandeiro, a benzedeira, o cego, deveriam
Alexandre é rico e prestigiado, bem ao contrário
compartir. [...] Ele parece representar a
memória de um Paraíso onde a Natureza, da sua realidade. Mas ao invocar tais elementos
ao contrário desta que o rodeia, oferece na sua imaginação e na dos outros participantes,
maravilhas; e também uma sociedade onde
eles tornam-se realidades, como se a imagem
ele, Alexandre, não é um recusado e sim um
fruidor” (LINS in RAMOS,1997, p.194). da coisa fosse, pelo menos naquele momento, a
própria coisa narrada.
Portanto, não se trata de um contador de Os elementos que se tornam realidade
vantagens, mas sim de um contador de histórias e que fazem parte do conteúdo expresso nas
que, apesar de ser o personagem principal de mentiras oferecem um momento privilegiado para
muitas delas, ao partilhar um mesmo imaginário conhecermos o imaginário e os valores daqueles
com seus ouvintes, fala de sua riqueza no passado que mente e de seu grupo.
ao mesmo tempo em que está inversamente se
referindo aos seus problemas no presente, como
a fome e a pobreza.

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O encontro entre a arte e a estratégia lembrou-se do cavalo bento que tinha. João
Grilo, assim como o cego Firmino, sempre
Mas Alexandre não é um único caso desconfiado das histórias, fez diversas perguntas
representativo deste tipo de mentira. No Auto que foram respondidas com a frase “não sei, só
da Compadecida (SUASSUNA,2001), Ariano sei que foi assim”. Chicó também apresentou
Suassuna trabalha dois personagens que uma testemunha, Antonio Martinho, que estava
representam os dois tipos de uso da mentira que morto há três anos, de modo que não poderia ser
propomos neste trabalho, Chicó e João Grilo. desacreditado.
Esta peça de teatro escrita na década de 1950 é Mesmo assim João Grilo pediu para que
também inspirada no folclore nordestino. contasse sobre o cavalo bento. Chicó então contou
A história começa com a morte da cachorra que comprou o cavalo de uma velha que estava se
da patroa de João e Chicó. Quando o animal ainda mudando e que, antes da venda, recomendou-o
estava doente, ela mandou Chicó à igreja chamar tomar cuidado com o cavalo porque ele era bento.
o padre para benzê-lo. Chicó já sabia que o padre Segundo Chicó, só poderia ser bento um
não aceitaria benzer um cachorro, então, chamou cavalo que correu atrás de um garrote durante
João Grilo para auxiliá-lo. um dia inteiro, sem parar em nenhum momento.
Durante a conversa sobre a possibilidade Durante sua narrativa, o garrote virou um boi e
do padre benzer ou não a cachorra, Chicó com esse crescimento de garrote para boi, João

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Grilo perguntou qual dos dois ele perseguia. as de Chicó, a começar pelo fato de João responder
Chicó respondeu que eram os dois, um garrote e as perguntas que lhe são feitas com outra mentira
um boi. mais convincente. Isso se deve à maior astúcia de
Admirado, João perguntou se ele correu João e ao fato de que seus objetivos, quando conta
atrás dos dois de uma vez, e Chicó respondeu uma mentira, diferirem dos de Chicó.
que os dois, durante toda a perseguição, correram Quando as perguntas de João desmentem
juntos sem se separarem. João, não satisfeito, os fatos narrados por Chicó, este, ao invés de
ainda perguntou como poderia acontecer isso e, insistir modificando mais um pouco sua história,
irritado, Chicó respondeu “não sei, só sei que foi prefere dizer que não sabe, só sabe que foi assim.
assim”. Mas a história não terminou nisto. Ou seja, ele abandona buscar o convencimento de
A perseguição começou na Paraíba e só seu interlocutor pois não se trata de convencê-lo.
acabou em Sergipe. João, então, perguntou como De certa forma, suas histórias são apresentadas
foi que passaram pelo rio São Francisco e Chicó para serem ouvidas e não para serem questionadas
respondeu que o rio deveria estar seco porque não quanto a sua realidade empírica. Mesmo assim, as
cruzou nenhum rio durante a perseguição. perguntas de João servem para testar a astúcia de
Ao longo da peça, Chicó contou diversas Chicó em escapar das tentativas de desmenti-lo.
histórias tão inverossímeis quanto esta. Já as A diferença entre os dois ficou clara, por
mentiras contadas por João Grilo, contrastam com exemplo, quando João percebeu que o padre

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não benzeria a cachorra. Diante da negativa, Neste meio tempo, a patroa e seu marido
João mentiu que a cachorra era do major Diogo, chegaram à igreja carregando a cachorra prestes
poderoso fazendeiro da cidade. O que fez o padre a morrer. A patroa pediu que o padre benzesse
imediatamente mudar de idéia e dizer: “Não seu animal e ele, diante da confusão com o major
vejo mal nenhum em se abençoar as criaturas de e prevendo a visita do Bispo, negou o pedido.
Deus”. Então, João contou que o padre disse que benzeria
Como diz João Grilo, diante do medo a cachorra do major. Durante a nova confusão que
da riqueza do major Diogo, o padre mudou de começou, a cachorra morreu e todos começaram a
idéia e se dispôs a benzer a cachorra. O problema discutir se ela seria ou não “enterrada em latim”.
é que após saírem, eles encontraram o major Com suas mentiras, João enganou o padre
caminhando em direção à igreja. que era sovina e quis vingar-se da patroa que
João, sabendo que a filha do major Diogo não lhe dera comida quando ele estava doente
estava doente e que ele estava indo à igreja pedir e alimentava a cadela com carne de primeira.
ao padre que a benzesse, disse ao major que o Antes que todos se dessem conta de quem havia
padre ficara doido e estava chamando a todos de começado a confusão, João perguntou ao patrão
cachorro. A partir daí, a confusão estava armada. se ele gastaria dez contos para “enterrar o animal
O major pensou que o padre chamou sua filha de em latim”, de quem obteve uma resposta positiva.
cachorra e foi reclamar com o Bispo. João falou que, diante da negativa do padre, os

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patrões não poderiam cumprir o testamento João, em sua defesa, lembrou do testamento e
do animal, que era deixar dez contos de réis também colocou o bispo como herdeiro. Assim,
para a igreja, seis para o padre e quatro para o tudo se resolveu.
sacristão. Mais uma vez o padre mudou de idéia, Mas João ainda não tinha conseguido
pois se tratava de uma cadela “inteligente, com vingar-se da patroa. Por isso, pegou um gato e
sentimentos nobres” e, por isso, aceitou enterrá- mandou Chicó colocar algumas moedas no ânus
la. do animal. Ele sabia que as fraquezas da patroa
O problema era que o major já havia eram dinheiro e bicho e armou uma “quengada”
conversado com o Bispo e este estava a caminho envolvendo esses dois ingredientes.
da igreja para repreender o padre. Durante a Com as moedas introduzidas, levou o
conversa com o Bispo, o padre descobriu a gato a sua patroa e demonstrou como o animal
mentira de João sobre a cachorra do major, ficou defecava dinheiro. A patroa ficou entusiasmada e
furioso ao saber da tapeação armada e foi buscá- comprou o gatinho de João, que já esperava a hora
lo. Para defender-se, João comentou na frente em que o animal não defecaria mais moedas. Por
do bispo sobre o cachorro enterrado em latim. O isso, pegou a bexiga do cachorro morto, encheu
Bispo afirmou que era proibido enterrar cachorros de sangue e pediu para que Chicó ficasse com ela
em latim e que o padre seria punido. Diante do no peito quando o patrão viesse tomar o dinheiro
desespero do padre e do seu pedido de socorro, de volta. O patrão chegou e logo acusou João de

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ladrão, que respondeu dizendo que ladrão era ele de morto, ressuscitando com o canto da gaita.
e que “o que faço é me defender como posso”. Quando Chicó levantou-se, disse que viu padre
O golpe que seria aplicado nos patrões foi Cícero. O cangaceiro ficou abismado e se dispôs
adiado porque neste meio tempo chegou na cidade a participar do experimento. Severino entregou a
um bando de cangaceiros que aterrorizavam a gaita a um de seus capangas e o mandou atirar.
região. O chefe deles, Severino, foi à igreja e O capanga matou seu chefe e acabou morrendo
encontrou todos os personagens. também numa luta com João. Os dois amigos iam
A última mentira de João foi pregada saindo com o dinheiro de todos quando Severino
no cangaceiro, depois dele ter matado a todos, ainda teve forças para levantar e atirar em João,
deixando vivo apenas João e Chicó. No momento que morreu.
em que deveria ser morto, João disse que queria A parte final da peça é o julgamento
entregar um presente ao cangaceiro. Era a gaita das personagens depois de mortos. O diabo ia
batizada por padre Cícero e que ressuscitava os levando todos para o inferno, quando João pediu
mortos. Diante da desconfiança do bandido, João a intercessão de Nossa Senhora, que o atendeu
pegou sua faca emprestado e fingiu atacar Chicó, prontamente. Graças à intercessão de Nossa
estourando a bexiga com sangue que tinha sob a Senhora, todos foram parar no purgatório, menos
camisa. João.
Chicó percebeu a armação e fingiu-se Ele, apesar de ter enganado a todos e,

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que, aparentemente, deveria ser enviado para o por medo. Em sua defesa, a Compadecida lembrou
inferno ou pelo menos para o purgatório, após que o padre, antes de morrer, absolveu a todos. A
seu julgamento, conseguiu ser devolvido para a esposa e o marido também foram defendidos com o
terra. Ou seja, de todos os pecadores, João foi argumento de que o marido tinha medo da solidão
o que menos pecou. Nos autos, a Compadecida e por isso aceitava as ordens de uma mulher. E
diz para Jesus Cristo: “João foi um pobre como ela foi absolvida da acusação de adultério porque,
nós, meu filho. Teve de suportar as maiores segundo ela, era muito maltratada pelo marido.
dificuldades, numa terra seca e pobre como a O cangaceiro e seu capanga foram perdoados
nossa” (Suassuna,2001, p.184). já que agiam movidos pela cólera causada pelo
A defesa de Nossa Senhora resgata o assassinato de suas famílias pela polícia.
aspecto cristão de toda a peça e a legitimidade João, como ele mesmo disse, mentia para
do uso da mentira em determinados casos como defender-se. Seu argumento não só foi aceito
o de João Grilo. Sua defesa baseia-se no seguinte por Deus e reafirmado por Nossa Senhora, como
argumento: “Meu filho, seja então compassivo graças a ele não recebeu nenhuma punição. Ao
com quem é fraco”(SUASSUNA,2001, p.177). contrário, pôde retornar à terra com a ordem de
A cada um a Compadecida defendeu agir de acordo com os mandamentos divinos.
apresentando um motivo. O padre e o sacristão Para compreendermos o que significa João
foram absolvidos porque, como mortais, agiam ter sido perdoado por suas mentiras, devemos

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observar quem foram suas vítimas e os motivos dos poderosos aparece também em outras histórias
alegados para suas ações. Primeiro João queria do cordel.
vingar-se de sua patroa pois esta tratava seu Além de João, existe outro personagem
cachorro melhor que seus empregados. Depois que personifica o segundo tipo de mentiroso,
João queria mentir ao padre e fazê-lo enterrar um chama-se Cancão de Fogo (BARROS,s.d.). Este,
cachorro em latim, porque este era sovina. assim como João Grilo, também utiliza a mentira
Quando viu o major chegando à igreja como um instrumento de luta contra os poderosos.
e percebeu que poderia ser punido por ter se Mentindo, eles conseguem fazer sua vontade
passado por seu mensageiro, contou outra mentira prevalecer em algumas situações. Apesar disso,
para se livrar desta punição. Assim como mentiu não podemos deixar de notar que suas mentiras,
sobre a gaita mágica entregue ao cangaceiro para longe de transformarem a realidade em que
livrar-se da morte. vivem, reafirmam os fundamentos da dominação
Para cada personagem, João contou uma a que estão submetidos.
mentira fundamentada naquilo que chamava de
as “fraquezas” de cada um deles. A fraqueza do A mentira como arma dos subalternos ou a
padre era o dinheiro, do major sua arrogância, da história de Cancão de Fogo
esposa, animal e dinheiro, e a do cangaceiro, a
credulidade ingênua. A utilização das fraquezas A personagem Cancão de Fogo foi criada

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por Leandro Gomes de Barros (1865- 1918), a preso, morrendo na cadeia (TERRA, 1983, p.41).
partir de temas da tradição oral. Barros foi um A história de Cancão de Fogo começa
dos primeiros escritores de cordel do Nordeste com a morte do seu pai, um homem honesto e
brasileiro e em suas histórias estavam presentes trabalhador. Como era o único que trabalhava, a
as chamadas “queixas gerais” de sua época. família começou a passar por dificuldades. Cancão
(TERRA,1983, p.40). Suas sátiras tratavam de foi chamado a trabalhar e negou-se porque achava
sogras, casamentos, jogo do bicho, adultérios, que não precisava. Ele dizia que na natureza já
religião e mandonismo. O cordel A Vida e existia tudo o que se precisava para viver, bastava
Testamento de Cancão de Fogo foi escrito e pegar.
publicado quando ainda era vivo. Além de rejeitar o trabalho, Cancão
Outro cordel de sua autoria, O punhal criticou seu pai por ser um trabalhador honrado.
e a Espada, foi escrito a partir de um boato Nesse momento conhecemos a forma de pensar
sobre a morte de um fazendeiro que teria sido de Cancão.
assassinado por um funcionário em quem havia
batido. Como defendeu o assassino, foi preso pelo Nunca ouvi falar assim/Pedro morreu por
ser bom/Paulo morreu por ser ruim/ Bom e
chefe de polícia. Mas, segundo Permínio Asfora mal, bonito e feio/Tudo tem o mesmo fim[...]
como Barros “era um homem de muita vergonha Essa honra é palhaçada/Porque o capitalista
não olha pessoa honrada/ Leve honra numa
e sentimento”, sucumbiu a humilhação de ser
venda/E veja se compra nada. (BARROS,

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s.d.,p. 06). Quando o velho entrou na cadeia, os


soldados imaginaram que se tratava de um ladrão
Como não havia mais nada para comer em se entregando. Por isso, ficou preso por mais de
casa e sua mãe não admitia comprar fiado na venda, dez dias até a volta do delegado. Só quando ele
Cancão resolveu buscar na “natureza” aquilo que foi solto é que os policiais partiram a procura de
estava lá disposto para ele. Encontrou um velho Cancão, o verdadeiro ladrão.
rico e avarento que não queria gastar dinheiro Com o dinheiro que pegou do velho,
com sua estada na cidade. Logo apresentou-lhe Cancão foi ao armazém e comprou comida para
o hotel mais barato que conhecia mas para levá- toda sua família. Chegou em casa com tanta
lo até lá, o velho deveria pagar uma determinada comida que sua mãe descobriu o roubo. Cancão,
quantia. Mas o hotel era, na verdade, a prisão da então, saiu pelo mundo afora, fugindo dos tapas
cidade. de sua mãe.
Ao ver a entrada do “hotel”, o velho Em sua nova vida, começou a trabalhar
não imaginava estar caindo num dos inúmeros como vendedor de doces. Meses depois, escreveu
contos do vigário de Cancão de Fogo. Ele sempre para sua mãe dizendo onde estava e o que fazia
buscava enganar quem ameaçasse sua liberdade para sobreviver, mesmo sabendo que ela não se
ou não estivesse de acordo com sua filosofia de preocupava com ele.
vida, como era o caso do velho. Junto com a carta enviou todo o dinheiro

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

que havia guardado, pois acreditava que sua algumas chaves antigas, colocou-as na algibeira
família estivesse passando fome. Mas as coisas se de Zé, roubou seu mandado de prisão e partiu
complicaram para Cancão quando seu tio, irmão para a cidade.
da mãe, leu a carta e descobriu seu paradeiro. Procurou o delegado e disse ter encontrado
Com inveja de sua inteligência uma vez que seus um ladrão com as chaves dos galpões da cidade.
filhos eram pouco espertos, enviou o valentão Zé O delegado e seus soldados foram onde estava
Vaqueiro para capturá-lo. Para isso, conseguiu Zé Vaqueiro e o prenderam. O jagunço apanhou
um mandado de prisão referente ao estelionato durante setenta e três dias e só conseguiu escapar
praticado contra o velho do hotel. depois que o tio de Cancão apareceu para soltá-
Zé Vaqueiro concordou porque já tinha lo. Zé Vaqueiro jurou nunca mais se meter
passado alguns dias preso devido um roubo com Cancão de Fogo quando o tio propôs que
frustrado em que Cancão foi o delator. Com o continuasse sua captura.
mandado de prisão nas mãos, ele partiu para sua Ao perceber que corria o risco de ser
vingança. Mas, no meio do caminho, embebedou- preso devido ao golpe no velho do hotel, Cancão
se e dormiu na estrada. resolveu partir. Mentiu ao seu patrão dizendo que
Cancão caminhava na mesma estrada sua mãe estava doente e ele precisava visitá-la.
quando o viu dormindo bêbado e com o mandado Assim, recebeu o dinheiro que o patrão lhe devia
de prisão em suas mãos. Foi para sua casa, pegou e partiu.

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Fugindo, encontrou outro delegado, que sem pagar pela viagem e quando são descobertos,
resolveu prendê-lo e enviá-lo à Marinha. Cancão Cancão mente que foi seu pai, um fiscal, que os
ainda tentou escapar mentindo que sempre quis ser embarcou no navio Olinda.
marinheiro e que, por isso, bastava ele informar Como não era o navio em que estavam,
a direção e a pessoa com quem devesse falar o bilheteiro disse para esperarem até Belém e lá
na Marinha, que iria sozinho. Mas o delegado o pediria para o delegado chamar o seu pai. Mas
levou até o quartel da cidade. Lá, Cancão esperou Cancão escapou e desceu no Ceará. Desta vez, o
todos dormirem, roubou as roupas do delegado, delegado local o esperava e conseguiu prendê-lo.
dos soldados e fugiu. Cancão mentiu que seu pai morava ali e
Na sua terceira fuga, Cancão encontrou ele poderia chamá-lo para resolver o problema.
Alfredo, um jovem também rejeitado pela Ingenuamente, o delegado mandou Cancão até
família. Cancão convidou-o para seguirem juntos o subdelegado para que juntos fossem à sua
pelo mundo. Para Alfredo, Cancão ensina sua casa buscar seu pai. Como prova da ordem,
ética. “Só furtará uma coisa/Estando necessitado/ entregou sua bengala para Canção apresentá-la ao
Se não quiserem lhe dar/Tem o direito sagrado/ funcionário.
Aí se rouba até Deus/Se achar ele descuidado” Com a bengala nas mãos, Cancão armou
(BARROS, s.d.,p. 14) mais uma. Disse ao subdelegado que seu chefe
Os dois partem num barco para Belém havia mandado que lhe entregasse três contos

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

de réis e como prova do pedido, apresentou a toalha para continuar a promessa assumida com
bengala. Com o dinheiro e a bengala do delegado sua mãe.
nas mãos, Cancão partiu com Alfredo em direção Interessado no dinheiro que iria arrecadar,
à capoeira. o padre entregou os instrumentos necessários para
Fugindo da polícia, Alfredo voltou à Cancão e Alfredo ficarem ricos. Todas as cidades
cidade disfarçado de cego e aleijado para saber do nordeste foram visitadas pelos dois e quando
o que se passava com o delegado. Devido ao já estavam fartos de tanto dinheiro, resolveram
disfarce, recebeu muita esmola da população partir para o Rio de Janeiro.
local. Assim, Cancão acertou um novo golpe com No meio do caminho para o Rio eles se
Alfredo. Mandou Alfredo à igreja para entregar perderam e apesar de terem dinheiro nas mãos,
ao padre todo o dinheiro conseguido. Quando o começaram a passar fome. Encontraram uma casa
padre perguntasse o porquê, ele deveria dizer que em que o almoço estava pronto.
sua mãe, antes de morrer, fez um último pedido. Nesta casa vivia uma negra com dois
Ele deveria pedir esmola e o dinheiro arrecadado filhos pequenos. Ao oferecerem dinheiro em
deveria ser entregue ao padre para realização de troca de comida, a negra disse que para branco
uma festa em nome do seu santo de devoção. Ao não havia comida dada nem vendida. Diante da
receber a aprovação do padre, Alfredo deveria negativa, roubaram-na.
pedir um atestado da igreja, uma coroa e uma A história termina com os dois almoçando

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num restaurante no Rio de Janeiro, quando são e que ainda o queria enviar para a Marinha.
abordados por dois delegados e muitos soldados. A referência ao envio à Marinha como
Cancão pediu para terminar a refeição antes de forma de punição refere-se ao período anterior da
se entregarem, e foi atendido. Após a refeição, Revolta da Chibata (1910), quando marinheiros
perguntou quais eram as acusações que pesavam eram castigados com punições físicas. A Marinha
sobre ele e para cada uma delas ele deu uma representava uma instituição de correção de
explicação. jovens e de infratores. Além disso, muitos pais de
Os policiais o procuravam pelo golpe família também foram enviados obrigatoriamente
aplicado no delegado e no subdelegado do Ceará. à Marinha, num recrutamento que durava quinze
Cancão afirmou que não roubou a bengala, mas anos. Em 1904, em Fortaleza, houve a primeira
ficou com ela como pagamento pelo trabalho revolta contra este recrutamento quando setenta
de ir até o subdelegado. A respeito do dinheiro e dois sorteados se recusaram a embarcar nos
roubado deste, disse que não era verdade, pois navios (CARNEIRO,1989, p.163).
ninguém daria dinheiro a um denunciado da Cancão não convenceu o delegado, mas
polícia, ainda mais um subdelegado. Os policiais convenceu o médico que o acompanhava. Ele,
ainda o acusaram do roubo das roupas no quartel, para livrá-lo da punição, o rejeitou dizendo que
e Canção respondeu que as roubou para defender- estava doente e não poderia fazer parte da tropa.
se, pois o delegado o prendeu sem nenhum motivo Assim, Cancão permaneceu livre para novas

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

aventuras. “Tá errado, mas tá certo!” A dialética da moral


A vida de Cancão de Fogo vem popular !
acompanhada de um testamento. Quando estava
próximo da morte, chamou o escrivão e o juiz Histórias como de Cancão de Fogo, João
para fazer seu testamento. Entregou uma casa Grilo ou Pedro Malazarte são constantemente
em São Paulo e outra em Belo Horizonte para o reeditadas, o que prova sua sintonia com o
escrivão e juiz, respectivamente. imaginário e os valores sociais de seus leitores. A
Após a morte de Cancão, os dois, em peça Auto da Compadecida (SUASSUNA,2001),
retribuição, pagaram todas as despesas do enterro assim como as histórias de Alexandre, é inspirada
e ainda entregaram uma quantia em dinheiro à no folclore nordestino, em que João Grilo e
viúva. No entanto, quando foram receber suas Cancão são conhecidos como “amarelinhos”. A
heranças, descobriram que era tudo mentira, principal característica deste tipo de personagem
nenhuma das casas era de Cancão. Descobriram é constituir-se enquanto herói à medida em que
que ele estivera no cartório de cada uma das utiliza-se da mentira contra seus opressores e têm
cidades e chegou a vender um fazendeiro negro sua ação valorizada moralmente por isto.
como escravo. Ou seja, caíram em mais um golpe Nas histórias de Cancão ou de João
do vigário aplicado por Cancão. Grilo, especialmente nas falas dos personagens,
podemos ver que a mentira não é considerada por

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eles moralmente incorreta. Eles usam os motivos separação entre o público e o autor.
que os levam a mentir como justificativa de sua Os autores aqui analisados expressam-se
conduta. Matar a fome ou vingar-se de uma de maneira individual. Entretanto, suas obras são
injustiça cometida por algum poderoso é motivo inspiradas na literatura de cordel e no folclore e
suficiente e legítimo para se enganar alguém. Aí, trazem aspirações que encontram ressonância nas
como diz Cancão, até Deus corre o risco de ser necessidades coletivas dos leitores. Dessa forma,
enganado. Mas qual a relação destas histórias a conduta do personagem e sua concepção de
com as entrevistas? mundo reforça nos leitores o sentimento dos seus
Para Melo e Souza, a poesia de autores de valores sociais.
sociedades de literatura oral liga-se diretamente à Quando observamos as condições sociais
vida coletiva do grupo em que foi criada, é feita existentes no nordeste brasileiro na virada do
para ser incorporada à experiência do grupo e a século XIX para o XX, período de origem do
visão de mundo expressa nela não possui qualquer personagem Cancão, observamos que inúmeras
significado se separada das circunstâncias nas mudanças estavam acontecendo. A primeira e
quais elas foram escritas (MELO E SOUZA, fundamental delas é o fim da escravidão e o início
2000, p.44). Por isso, o espaço para a criação da utilização da mão de obra livre. Nesse período,
individual é menor que aquele proporcionado por as plantações de cana de açúcar já se encontravam
sociedades complexas, nas quais existe uma clara em decadência e estavam sendo substituídas por

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

algodão (TERRA,1983). que mente e engana, Cancão preocupa-se com sua


Com as novas plantações, a de algodão família, envia dinheiro à sua mãe, também é leal a
principalmente, os antigos roçados dos Alfredo e não é avesso a qualquer tipo de trabalho.
moradores, que lhes garantiam a subsistência, Com suas armações, critica a avareza do velho, o
são substituídos pelo salário e o custo de vida da mandonismo do delegado, a ganância do padre,
população aumenta drasticamente. Com isso, o do juiz e do escrivão, a mesquinhez da negra e a
problema da fome, que é social, interfere na obra ingenuidade do povo, enganando a todos em seus
e torna-se elemento estruturante da narrativa e contos do vigário.
fundamental para compreendermos as histórias. Da mesma forma, nas histórias de
Cancão mente para comer, João também. Malazarte (SILVA,s.d.), ele vinga-se do mau
Além da comida, ambos enganam, com suas patrão, critica o adultério, a ingenuidade do
mentiras, os patrões que maltratam seus marido, a arrogância do padre, o consumismo da
funcionários. Podemos observar uma moralidade esposa do fazendeiro, a ganância do cavaleiro e o
própria presente nestas obras e que corresponde à mandonismo do rei. João Grilo também critica o
de seus leitores na qual, as vezes, o errado é certo! mandonismo, a ganância e a credulidade ingênua.
Quem são os personagens enganados Portanto, não falamos de personagens que
pelos heróis? Baseado em quais valores esses a todos enganam sem qualquer critério. Numa
heróis agem dessa maneira? Ao mesmo tempo das histórias de Malazarte, após tirar o couro de

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um fazendeiro, o personagem entrega o dinheiro desta capacidade de interpretar a realidade como


que conseguiu a um trabalhador enganado por se fosse o outro (incluindo aí a forma como ele
seu patrão, de quem também se vingará. Apesar vê as outras pessoas, as coisas que valoriza, sua
de aparecerem ora como criminosos ora como visão do mundo, seu imaginário), oferecer-lhe
heróis, o final de todos eles é sempre é positivo. aquilo que ele mais deseja em troca do que ele
Eles enganam os poderosos, triunfam sobre eles, mais presa. Do fazendeiro ele rouba o ouro, do
mas defendem os que são fracos. major o respeito, do crente a fé. Esse processo
Tanto Cancão quanto João usam o envolve um julgamento moral que vai legitimar o
conto-do-vigário como uma estratégia de luta. conto-do-vigário ou a mentira.
A compreensão de sua estrutura proporciona A estrutura do conto-do-vigário baseia-
conhecermos o seu modus operandi do se na troca e na contraprestação. Cancão ou João
mentiroso. Para ele aplicar um conto-do-vigário, dissimulam prestar um favor a seus mandantes
o enganador precisa trocar algumas palavras e, em troca, estes o entregam algo. Ao consumar
com seu interlocutor, para conhecê-lo em suas a troca com a prestação e contra prestação, os
fraquezas, que são condenadas moralmente pelos últimos descobrem que foram enganados.
personagens. Como observou Schwarz, no Brasil foi
O modus operandi consiste em observar o favor que assegurou aos homens livres a idéia
o interlocutor, colocar-se no seu lugar, e a partir de que eles não eram escravos e era através da

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

prestação e da contraprestação que se viam como pode ser o mesmo que conta mentiras com as
iguais. “Mesmo o mais miserável dos favorecidos características e motivos de João ou Cancão. Ou
reconhecia nele, o favor, a sua pessoa livre, o que seja, apenas em termos de análise poderemos
transforma a prestação e contraprestação, numa separá-las porque na realidade elas podem
cerimônia de superioridade social, valiosa em si ser praticadas por uma mesma pessoa. Esses
mesma” (SCHWARZ,1988, p.18). personagens e suas práticas facilitam a exposição
Porém, tanto Cancão quanto João Grilo como meios para compararmos e medirmos, com
fazem da troca de favores, não um momento de relação a eles, a realidade. (WEBER,1964)
suposta igualdade em relação a seus interlocutores, Alexandre e Chicó, ao narrarem suas
mas um momento de superioridade, pois, graças histórias, esperam a crença de seus ouvintes, ou
a sua astúcia, ao invés de aceitarem o domínio pelo menos sua conivência, mas não preocupam-
implícito no ato da troca, enganam aqueles que se com a verossimilhança. Além disso, são
temem ou que os subjugam. socialmente reconhecidos como mentirosos. As
Os personagens Chicó, Alexandre, Cancão pessoas os procuram para ouvir suas histórias e
de Fogo e João Grilo personificam tipos ideais comentá-las de forma positiva ou negativa. Só
de uso da mentira, pois aquele que conta uma podemos chamá-los de mentirosos graças aos
mentira com as mesmas intenções e características interlocutores que contestam a verossimilhança
das mentiras contadas por Chicó ou Alexandre dos fatos narrados.

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Se podemos encontrar motivos, além do todo o momento parte de uma cidade para outra,
entretenimento, poderia ser obter a admiração do conhecendo pessoas diferentes e nenhuma delas
ouvinte em relação à sua capacidade narrativa, sabe das suas intenções e nem de seu modus
a uma verdadeira arte de narrar e de prender a operandi, o conto-do-vigário. João, apesar de
atenção do público. São as chamadas histórias ficar sempre na mesma cidade, não é visto como
de pescador, cuja vivacidade e engenhosidade mentiroso porque usa sua astúcia para tornar suas
trazem prestígio àquele que as conta uma vez histórias verossímeis e, sempre que é descoberto,
que através de suas palavras as coisas imaginadas conserta a situação com uma nova mentira.
ganham realidade. De João para Chicó sobre o Cancão manipula sua identidade e
cavalo bento: “Você vem com uma história dessas manipula a identidade do outro com vista a seus
e depois se queixa porque o povo diz que você é objetivos secretos. Sua astúcia e capacidade de
sem confiança” (SUASSUNA,20001, p.26). escapar dos perigos advém do conhecimento
Bem diferente é o enganador que conta que consegue obter sobre o seu interlocutor.
suas mentiras semelhantes as de João Grilo Por exemplo, quando foi pego no navio sem
ou Cancão. Nestas situações, as pessoas que passagens, ele imediatamente afirmou ser filho
acreditam em suas palavras terminam enganadas, de um fiscal que residia no local de destino da
pois Cancão e João Grilo não são socialmente embarcação, pois sabia da diferença de tratamento
reconhecidos como mentirosos. Cancão porque a que receberia. Ao ter consciência da forma como

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

são tratados os filhos de pessoas poderosas, vezes em desacordo com as normas sociais, eles
Cancão se faz passar por tal para não pagar as enganam para omitir suas transgressões.
passagens dele e de Alfredo. Eles também fazem uso da mentira
A mesma idéia vale para o caso do velho com o objetivo de c) vingar-se de pessoas que
da sua cidade natal. Quando percebeu o interesse exercem poder sobre sua conduta. O delegado
do velho em economizar dinheiro, ofereceu-lhe o autoritário que resolveu enviar Cancão à
hotel mais barato que existia. Assim como João Marinha é humilhado quando tem suas roupas
vendeu à sua patroa um gato que defecava dinheiro roubadas e acaba demitido do posto devido a esta
e ao cangaceiro uma gaita que ressuscitava imprudência. Da mesma forma acontece com o
mortos. cangaceiro e a patroa de João Grilo ou a negra que
Ou seja, tanto Cancão quanto João Grilo negou comida à Cancão.
manipulam suas próprias identidades e a dos Mas nem Cancão, nem João Grilo são
outros com a) a intenção de escapar de alguma verdadeiros revolucionários dos costumes e
sanção prevista por ter desrespeitado determinadas da moralidade de sua época. Ao contrário, ao
normas sociais e b) para obter vantagens sobre observarmos os casos narrados, percebemos que
seus interlocutores. Ambos objetivos os casos, em nenhum momento suas mentiras questionam a
o objetivo final é o exercício de sua liberdade estrutura social que os obriga a mentir.
individual e, como esta se encontra muitas Ele agem segundo sua própria moralidade

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na qual o mando deveria respeitar a dignidade 1970)


daqueles que são mandados. João revolta-se Ele não sabe se realmente irá vencer, se
pelo fato da cachorra da patroa ser mais bem as pessoas acreditarão em suas palavras, se sua
alimentada do que ele. Cancão mente porque em mentira será ou não descoberta. Ou seja, existe
sua casa não há comida ao mesmo tempo que uma fase de indeterminação sobre resultado e
encontra um velho com dinheiro suficiente para vai ser a astúcia e o autodomínio do mentiroso
dormir em acomodações mais dignas, mas não o que determinará se conseguirá safar-se de uma
faz devido sua avareza. No entanto, sua atitude só situação problemática, que poderá ou não ter
muda a situação presente e não a ordem social. conseqüências futuras, inesperadas ou não.
O mentiroso está jogando com seu (GOFFMAN, 1970)
interlocutor e sua aposta é sua reputação, sua
credibilidade ou, em alguns casos, sua própria Referências:
vida, contra uma oportunidade de salvar-se ou
ANDRADE, Mario, Macunaíma, o herói sem
obter algum benefício. A decisão de contar uma
nenhum caráter. São Paulo: Martins Fontes, 1977.
mentira inicia-se no momento em que o indivíduo
decide participar, agir. Ele faz uma aposta, espera ATHAYDE, João Martins de,. As proezas de
algum momento para saber o resultado e descobre João Grilo. Juazeiro do Norte: Tipografia São
se receberá ou não seu prêmio. (GOFFMAN, Francisco, s.d.

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A LITERATURA DE CORDEL E O USO DA MENTIRA

BARROS, Leandro Gomes de, Vida e Testamento Cidades,1988.


de Cancão de Fogo. São Paulo: Editora Luzeiro,
SCOTT, James C. Los Dominados y el Arte de la
s.d.
Resistencia: discursos ocultos. México: Ediciones
GOFFMAN, Erving, Where the action is: Three ERA, 2000
essays. London: Penguin Books, 1970
SILVA, Expedito Sebastião da,. As diabruras de
MELLO E SOUZA, Antonio Candido, Literatura Pedro Malazartes. s.e: s.d.
e Sociedade. São Paulo: Publifolha, 2000.
SILVA, João, José da, As presepadas de Pedro
NOBRE, João Damasceno, O quengo de Pedro Malazarte. s.e.: s.d.
Malazarte no Fazendeiro. São Paulo: Editora
SILVA, Manoel Caboclo e, As aventuras de Pedro
Luzeiro,s.d.
Malazarte. Juazeiro do Norte,s.d.
RAMOS, Graciliano, Alexandre e outros heróis.
SUASSUNA, Ariano, Auto da Compadecida. Rio
Rio de Janeiro: Record, 1997.
de Janeiro: Agir, 2001.
SCHWARZ, Roberto, Ao vencedor as Batatas:
TERRA, Ruth Brito Lemos,. Memória de Lutas:
Forma literária e processo social nos inícios
Literatura de folhetos do Nordeste (1823/1930).
do romance brasileiro. São Paulo: Duas
São Paulo: Global, 1983

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Emblemas, v. 8, n. 2, 229-262, jul-dez, 2011

WEBER, Max, Economía y sociedad: esbozo


de sociología comprensiva. México: Fondo de
cultura economíca, 1964.

Artigo recebido em: 25/05/2011


Aceito para publicação: 12/09/2011

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