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Fool Me Twice (#1)

A Christmas Caroline (#2)

Home for Christmas (#3)


Para todos aqueles que sofrem com os infortúnios de férias, que
algo de bom saia de seus infortúnios...
Christmas Romantic Comedy
Dedicatória
Aviso — bwc
Um
Wendy
Dois
Riven
Três
Wendy
Quatro
Riven
Cinco
Riven
Seis
Wendy
Sete
Riven
Oito
Riven
Nove
Wendy
Dez
Riven
Onze
Wendy
Doze
Wendy
Treze
Riven
Quatorze
Wendy
Quinze
Riven
Dezesseis
Wendy
Dezessete
Riven
Dezoito
Wendy
Dezenove
Riven
Vinte
Wendy
Vinte e um
Riven
Vinte e dois
Wendy
Vinte e três
Riven
Vinte e quatro
Wendy
Vinte e cinco
Riven
Vinte e seis
Wendy
Vinte e sete
Riven
Vinte e oito
Riven
Vinte e nove
Wendy
Trinta
Riven
Trinta e um
Wendy
Trinta e dois
Riven
Trinta e três
Wendy
Trinta e quatro
Riven
Trinta e cinco
Wendy
Trinta e seis
Wendy
Trinta e sete
Wendy
Trinta e oito
Riven
Trinta e nove
Wendy
Quarenta
Wendy
Quarenta e um
Wendy
Quarenta e dois
Riven
Quarenta e três
Wendy
Quarenta e quatro
Riven
Quarenta e cinco
Wendy
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feitas de forma construtiva e sem desrespeitar o trabalho da
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Wendy

— O Natal está arruinado! — Minha irmã declara pelo telefone


no momento em que atendo.
— Espere um segundo — eu digo, me afastando do palco
para não atrapalhar o ensaio. Pela dramática abertura de Amy,
tenho a sensação de que essa conversa vai demorar um pouco.
As notas da música-tema principal enchem o teatro antes
que eu possa chegar à área dos camarins, e minha irmã
pergunta:
— Você está no trabalho?
— Sim, Amy, é o que as pessoas fazem na quarta-feira de
manhã.
— Você não, você costuma viver como uma vampira:
escreve de noite e evita a luz do dia a todo custo.
Ando por um corredor estreito, ziguezagueando entre os
dançarinos que se alongam contra as paredes.
— É quando estou escrevendo, mas hoje é o último ensaio
antes da noite de estreia, na sexta-feira. Eu te enviei os ingressos,
não foi?
— Sim, sim! Desculpe, eu estou privada de sono e distraída.
Mas sexta-feira à noite é a luz no fim do túnel. Obrigada,
Senhor! Trevor contratou a babá há um mês e ele também tem
uma substituta para o caso de Jodie desistir de nós no último
minuto. Precisamos de uma noite longe dos gêmeos. E nada
melhor do que ter ingressos para “o musical da Broadway mais
esperado e com os ingressos esgotados a meses” — diz Amy,
citando um artigo que saiu no New York Times no último fim
de semana.
Sorrio quando finalmente chego ao meu pequeno escritório
no andar inferior do teatro. Fecho a porta e me sento atrás da
antiga escrivaninha de madeira. Sonhos Esquecidos é o primeiro
musical que escrevi que foi produzido. Vai fazer ou destruir a
minha carreira. A equipe de marketing fez um excelente
trabalho construindo o hype, mas até que eu leia uma boa
crítica de verdade, estarei uma pilha de nervos.
— De nada — eu digo.
— Você está livre para falar? — Amy pergunta, sua voz
ficando ansiosa novamente.
— Sim — eu digo. — Eles ainda estão ensaiando as
coreografias. Eu não sou necessária. Por que o Natal está
arruinado?
— Oh, Wendy, deu a louca na mamãe. Ela está dizendo que
não quer organizar o Natal este ano.
— Ela lhe deu uma razão?
— Sim, ela afirma que é velha demais para cozinhar para dez
pessoas…
Faço uma contagem mental da nossa família. Há eu e meu
namorado, Brandon, e isso são duas pessoas. Joshua, nosso
irmão mais novo, três. Mamãe, quatro. Amy e seu marido,
cinco e seis. Seus dois filhos mais velhos marcam oito pessoas.
Mas dez?
— Mamãe está contando os gêmeos como convidados para
comer? — Eu pergunto em voz alta. — Você disse a ela que
fazer uma mamadeira não conta como cozinhar?
— Sim, eu disse. Ela está usando isso como desculpa. A
situação é séria. Ela está até se recusando a colocar enfeites pela
casa.
— Por quê?
— Porque então eles teriam que voltar para uma caixa
depois de um mês e que perda de tempo isso seria.
— Tudo bem, eu já entendi.
— Não, Wendy, ela disse que não quer uma árvore de Natal.
— A decoração, a árvore... todas as coisas que papai
costumava fazer — eu digo, pensando que mamãe ama o Natal,
e que passamos o dia na casa dela desde que me lembro. 25 de
dezembro sempre foi seu dia favorito do ano, pelo menos
enquanto papai estava conosco.
— Poderia ser por isso que ela está rejeitando todas essas
tradições? — Eu pergunto.
— É claro. O que mais poderia ser? Mamãe perdeu o amor
de sua vida e está com o coração partido, mas não é motivo para
cancelar o Natal. Estou triste também, papai se foi, mas este
também é o primeiro Natal dos gêmeos e eu estava ansiosa por
isso.
Eu pego um lápis e rabisco bastões de doces na primeira
página do roteiro de Sonhos Esquecidos.
— E se nós cozinhássemos tudo, trouxéssemos a comida
para a casa dela e limpássemos depois?
— Wendy, você não consegue cozinhar um ovo.
— Bem, tudo bem. Mas eu poderia ser sua ajudante de
cozinha e limpar todas as panelas e frigideiras depois que você
cozinhasse e fazer algumas tarefas básicas, como descascar
batatas. E Joshua poderia cuidar da árvore e das decorações. Ele
deve sair da escola a tempo de arrumar a casa.
— Eu ofereci para cozinhar, mas ela disse que não quer
passar o Natal, cito, naquela casa.
— Ok, isso faz sentido. Não estou dizendo que estou feliz
por não passar o Natal em casa, mas entendo o ponto de vista
dela. A casa ainda está cheia de coisas do papai. Eles passaram a
vida inteira juntos lá. As memórias podem ser muito difíceis de
suportar nos feriados. — Eu adiciono um coração partido ao
meu desenho. — E se fizéssemos isso na sua casa? Eu ofereceria
meu apartamento, mas minha mesa de jantar não caberia a
metade de nós.
— Mamãe diz que não quer estar em Nova York de jeito
nenhum.
— Mas qual é a alternativa?
— Ela diz que quer tirar férias em família.
— E ir para onde?
— Ela tentou sugerir que fôssemos fazer um cruzeiro para o
Caribe, mas foi aí que eu bati meu pé. Se tivermos que passar as
férias em algum lugar aleatório, quero ir a algum lugar invernal,
com neve.
— Isso não é uma má ideia. Eu não esquio há uma
eternidade. Poderíamos ter umas férias em família, como nos
velhos tempos, quando todos ainda morávamos em casa.
— Exceto que nunca fomos no Natal.
— O que Joshua disse?
— Eu não liguei para ele ainda — diz Amy. — Eu queria
falar com você primeiro.
Eu desenho picos de montanhas nevadas.
— Aposto que ele toparia uma viagem de esqui.
— É, uma pena que nunca vamos encontrar um lugar
decente com apenas três semanas antes dos feriados.
— Vamos dar uma olhada primeiro, e nos desesperar depois.
Mindy pode ajudar — digo, referindo-me à minha melhor
amiga e também a melhor agente de viagens da cidade. — Se
alguém pode fazer o impossível acontecer, é ela.
Desligo com minha irmã e ligo para Mindy.
Ela atende no terceiro toque.
— Wendy?
— Olá, como está minha pessoa favorita e melhor agente de
viagens do mundo?
— Por que tenho a sensação de que você está prestes a
descarregar um de seus pedidos de “quando o inferno congelar”
em cima de mim? — Ela acusa.
— Não posso simplesmente ligar para minha melhor amiga
para dizer oi sem segundas intenções?
— Não quando é semana de estreia para a peça mais
importante em que você já trabalhou e você deve estar atolada
até o pescoço com o último ensaio.
— Ok — eu confesso. — Eu preciso de um favor.
— Pelo seu tom, você soa mais como se precisasse de um
milagre. Desembucha.
— Um pouco — eu digo, e relato o drama da minha mãe.
— Em suma, precisamos de uma cabana ou chalé em algum
lugar agradável e natalino com neve e uma estação de esqui
decente nas proximidades que possa acomodar Brandon e eu,
minha mãe, Joshua, Amy e seu marido e seus quatro filhos.
Mindy assobia baixinho.
— Você também gostaria da lua?
Eu mordisco uma unha.
— Tão difícil, hein? Prometo que os gêmeos não ocupam
muito espaço, eles podem dormir no mesmo quarto com Amy
e Trevor.
— Ainda quase impossível, ainda mais se as partes “algum
lugar legal” e “estação de esqui decente” forem essenciais.
Orçamento?
— Estamos todos contribuindo, você deve ter uma margem
para trabalhar.
— Ok, deixe-me ver o que posso fazer, mas não estou
fazendo nenhuma promessa. Tudo bem?
— Tenho certeza de que você encontrará a solução perfeita
para nós. — Nesse momento, um anúncio para todos os atores
se reunirem no palco principal vem pelo sistema de alto-
falantes do teatro. — Ouça, eu tenho que ir agora.
— Sim, eu ouvi. Até breve.
Desligamos e subo as escadas a cada dois degraus, cheia de
otimismo. Depois do Natal sombrio que passamos no hospital
no ano passado, a poucos dias do falecimento do papai, férias
em família são exatamente o que precisamos para reencontrar a
alegria do feriado.
Antes de abrir a porta do palco, paro. Eu provavelmente
deveria informar meu namorado que estou planejando férias
para nós. Brandon odeia quando ligo para ele no meio do dia
de trabalho, então mando uma mensagem para ele.

Eu
Ei, o que você acha de uma viagem de esqui no
Natal?

Brandon
Como uma coisa de fim de semana?

Eu
Mais como uma semana
Minha família inteira vai ir
Brandon
Uma semana? Mais vale eu dizer ao meu chefe
que não me importo em me tornar um sócio.
Desculpe, querida, não posso ir

Meu coração afunda, mesmo que sua resposta não tenha sido
uma surpresa total. Nos quase dois anos que estamos
namorando, o trabalho de Brandon sempre esteve antes do
nosso relacionamento. Quando o conheci em um bar no centro
de Manhattan, seu compromisso com a carreira era um de seus
pontos fortes. Ele parecia elegante em um terno escuro com a
gravata meio desabotoada e as mangas da camisa arregaçadas. E
eu estava mais que pronta para superar os tipos de artistas que
eu namorei por anos. Principalmente caras falidos que
passavam seus dias sendo “criativos”. O que significava que eles
dormiam ou bebiam, ou ficavam chapados. O tipo de cara que
achava que dinheiro era uma palavra suja. Acho que se
apaixonar por um analista financeiro virou o jogo nesse
quesito.
Eu dou de ombros enquanto guardo meu telefone antes de
entrar novamente no teatro. Com Brandon ou não, ainda serão
as melhores férias em família de todos os tempos.
Riven

Bzzzzzz. Bzzzz. Bzzzzz.


Eu tiro meus olhos da tela do computador e xingo o
telefone. Esqueci de desligá-lo e o deixei no balcão da cozinha.
Erro de principiante. Ignoro o zumbido e volto ao meu
manuscrito.
Nada. O fluxo de palavras foi perdido. Qualquer sequência
brilhante que eu estava prestes a escrever escapou do meu
cérebro.
Eu bato um punho frustrado na mesa de jantar e me levanto.
Eu poderia também verificar quem é o desgraçado.
Tess, minha irmã.
Eu sei do que se trata a ligação e não tenho paciência para o
sentimento de culpa agora.
Com o telefone na minha mão, eu me inclino contra o
balcão da cozinha e olho pela janela francesa gigante na sala de
estar. O sol está brilhando nos altos picos das montanhas
cobertas de neve. As pistas vão abrir em breve, e nada melhor
do que pegar minha prancha de snowboard e me juntar aos
turistas em uma corrida sem rumo. Mas hoje eu não vou me
permitir sair até que eu tenha cumprido minha meta. Não
importa se na hora do almoço, o terreno nas encostas estará
mole, duro ou espalhado em montes de neve improvisados.
Suspiro ao imaginar o cobertor branco imaculado que deve ser
agora e fecho meus olhos com pesar. Hoje não.
O telefone para de vibrar. Tess vai desistir depois de uma
ligação?
Bzzzzzz. Bzzzz. Bzzzzz. O zumbido recomeça
imediatamente.
Não.
Se eu a ignorar, ela vai continuar me importunando. E
mesmo se eu desligasse o telefone, a sombra de uma conversa
difícil pairaria sobre minha cabeça como minha Espada de
Dâmocles.
Resignado, atendo.
— Ol...
— Papai disse que você não vai voltar para casa no Natal —
Tess me interrompe.
— Bem, ninguém pode acusá-la de não ser direta.
— É verdade?
— Sim.
— Por quê? A vida lhe deu limões no ano passado,
concordo, mas não é desculpa para pular o Natal.
— Tess, eu tenho um prazo e já estou atrasado. A última
coisa que preciso é perder tempo reservando voos, fazendo
check-in e check-out em aeroportos para voar para casa por
apenas um dia.
— Então fique mais tempo. Você está escondido nessa
cabana há meses. Eu não vejo você desde, hmm...
As palavras que ela está procurando são: desde que você
anunciou que sua esposa o estava trocando por uma
celebridade de telenovela de quinta categoria, poucos dias
depois que você começou uma reforma completa de sua casa,
que agora é um canteiro de obras que você não pode vender ou
morar.
— Sim — eu digo. — Faz um minuto.
— Vamos, Riv, nós nunca ignoramos o Natal. Se eu vou
voltar do meu ano sabático no Sri Lanka, você pode pegar um
voo de 90 minutos para casa.
— Tess, preciso terminar este livro. Estou travado.
— Você esteve aí em cima um tempão. Se você ainda estiver
bloqueado depois de todo esse tempo, talvez uma mudança de
cenário seja boa. Vamos, é Natal.
Agarro o balcão com a mão livre, os dedos ficando brancos.
— Tess...
— Papai é muito bom para dizer qualquer coisa, mas eu não
sou. Eu nunca vou te perdoar se você não voltar para casa e usar
um livro estúpido como desculpa.
— Não é uma desculpa, estou meses atrasado.
— Riven Clark, eu conheço você. Você está usando seu
romance inacabado como um álibi para bancar o eremita e
evitar ver todo mundo que você conhece. Cassie que se
aproveitou de você. Ela deveria ter vergonha de mostrar o rosto
em público, não você.
Soltei o balcão para massagear minha têmpora. A ligação
está indo pior do que eu esperava.
— Por favor — Tess insiste. — Por favor, por favor, por
favor, diga que vai voltar para casa.
— Ok, eu desisto, você venceu! — Brigar com ela vai me
causar mais estresse do que simplesmente desistir.
— Yay, você vai se divertir muito em casa, eu prometo. Ah,
e papai disse que você pode ficar com ele, é claro. Eu tenho que
ligar para ele com as boas notícias. Falo com você depois, beijos.
Tess desliga antes que eu possa acrescentar alguma coisa, no
mesmo momento que a campainha toca. Isso é estranho. É
cedo para o carteiro passar.
Vou até à porta e encontro o xerife da cidade parado na
varanda.
— Bom dia, Xerife — eu o cumprimento. — O que está
acontecendo?
Não estou acostumado a receber visitas domiciliares de
policiais locais.
— Bom dia para você também. — Ele tira o chapéu para
mim. — Algo terrível, eu temo. Temos um lobo perigoso em
nossas mãos. Apareceu furtivamente no velho Ford ontem à
noite enquanto ele estava levando toras para dentro de casa e
quase lhe arrancou a perna.
— Oh, Deus, uau. — Eu passo a mão pelo meu cabelo. —
Como ele está?
— Eles o levaram para o Centro Médico Regional de Salt
Lake; eles disseram que devem ser capazes de salvar a perna.
— É normal que os lobos ataquem humanos?
— Não, mas acreditamos que esta é uma fera velha, banida
por sua matilha. Ele não pode caçar na natureza sozinho e está
ficando desesperado. — O xerife coça sua barba curta. — Estou
fazendo rondas nas casas mais isoladas, pedindo aos moradores
que tenham cuidado redobrado, principalmente quando
saírem à noite. Não deixe restos de comida por perto. E se você
tiver que sair na calada da noite por qualquer motivo, pelo
menos carregue um rifle.
— Eu não saberia o que fazer com isso.
— Ah, eu esqueci que não se ensinam riquinhos a atirar na
Califórnia. Bem, se você não levar uma arma, leve um machado
com você. — Ele imita o movimento de balançar a arma com o
pulso. — Esses são bastante intuitivos.
Uma ideia me ocorre. E se o Preacher encontrasse uma fera
selvagem em uma das cavernas? Ele não teria um machado para
se defender, mas poderia usar uma faca. Minha mente gira com
as possibilidades, a cena tomando forma na minha cabeça.
— Obrigado — eu digo, ansioso para voltar ao meu laptop.
— Vou ser extremamente cuidadoso e informá-lo se ouvir
algum uivo suspeito.
Digo adeus ao xerife e corro de volta para o computador,
meus dedos voando no teclado.
Bzzzzzz. Bzzzzz. Bzzzzz.
— Aaaargh — eu grito em frustração.
Com o xerife batendo na minha porta logo depois que
desliguei com minha irmã, esqueci de desligar o telefone – de
novo!
Levanto-me pronto para quebrar a maldita coisa e ficar
incomunicável até o Natal, mas então vejo que é um número
desconhecido ligando – alguém com um código de área local.
E agora? Um urso pardo acordou cedo da hibernação e está
atacando autores com bloqueio criativo?
Eu atendo.
— Riven Clark.
— Olá, Sr. Clark, aqui é Kelly Anne do Richter Real Estate
Group — minha corretora diz em seu adorável tom sulista.
— Oi, Kelly Anne — eu digo, surpreso. Eu deveria ter o
número dela em meus contatos. Eu olho para a tela para
verificar novamente. — Você mudou seu número?
— Não, desculpe, estou ligando do meu telefone pessoal. O
do trabalho acabou a bateria.
— Oh, tudo bem. E aí? Há algum problema com o aluguel?
Eu planejei ir à cidade mais tarde hoje para depositar o meu
cheque.
— Não, não, Sr. Clark, nada disso. Passe lá quando for mais
conveniente para você. Hoje, amanhã, não há pressa. Eu estava
ligando para você por um motivo totalmente diferente. Estou
ligando em um bom momento?
Não adianta dizer a ela que ela, minha irmã e o policial da
cidade estão fazendo o possível para atrapalhar minha escrita.
— Claro — eu digo, e largo o telefone no balcão, colocando-
a no viva-voz. Eu preciso de mais café.
— Ah, ótimo. Você tem a cabana reservada na cabana até
abril, é claro, mas eu queria saber se você iria para casa para o
feriado por acaso.
— Na verdade, acabei de ser intimado para tomar essa
decisão por minha irmã — eu respondo. — Por quê?
— Que doce, sua família deve realmente sentir sua falta. —
Kelly Anne ri. — E já que você vai embora, você estaria
interessado em sublocar a cabana para a semana do Natal? Park
City está esgotada este ano. Não posso acreditar no número de
pessoas que tivemos que recusar nos feriados.
Ela ri novamente.
— É chamada de alta temporada por um motivo. De
qualquer forma, se você sublocar a cabana, poderá pagar todo
o aluguel de abril em uma única semana. Isso é algo que você
consideraria?
Eu despejo água no tanque da máquina de café e pondero
por um segundo. Não estou precisando de dinheiro por
nenhum motivo, mas economizar um mês de aluguel não seria
a pior coisa, especialmente considerando o quanto as reformas
da casa vão custar. Além disso, Cassie provavelmente vai pedir
a seus advogados que me tirem até o último centavo que ela
conseguir.
— Eu poderia — eu digo, e adiciono café ao filtro. — Mas e
as minhas coisas? Eu não gostaria de deixar minhas roupas ao
redor da cabana e ter estranhos vasculhando.
— Isso não seria um problema, Sr. Clark. Uma das minhas
equipes pode empacotar tudo para você e armazenar por
semana e, claro, desempacotar antes de você voltar. Que datas
você estava planejando sair?
— Ainda não reservei meu voo para Salt Lake City. — Eu
puxo o calendário no meu telefone, olhando as datas. Eu
poderia estender minha estadia para uma semana e deixar todos
em casa felizes. Então eles podem recuar um pouco e me deixar
escrever em paz até a Páscoa. — E se eu saísse no dia vinte e um
e voltasse no dia vinte e nove? Isso deixaria uma semana inteira
no meio.
— Isso seria perfeito, Sr. Clark. Vou liberar essas datas em
nosso calendário e deixar alguns papéis para você assinar na
agência. Você pode formalizar o acordo quando deixar o
cheque do aluguel.
— Ok, vou descer assim que terminar de escrever a meta do
dia.
— Leve o tempo que precisar, como eu disse, sem pressa.
Muito obrigada e estou ansiosa para vê-lo mais tarde.
Terminamos a ligação e eu ligo a cafeteira.
Enquanto vejo o líquido escuro cair no bule, eu tento
retornar mentalmente a uma caverna sombria ao lado de
Preacher, o herói caçador de tesouros de todos os meus
romances de aventura. Em minha mente, o gotejamento do
café se transforma em água suja escorrendo do teto da caverna
e caindo, fria e irritante, no colarinho de Preacher enquanto ele
e a fera circulam um ao redor do outro em uma dança da morte.
Dança da morte, isso é bom.
Eu tenho que digitar antes que eu esqueça. Mas desta vez,
antes de voltar ao meu notebook, eu desligo o telefone.
Wendy

A música para quando os dois atores principais estão prestes a


se beijar no final do primeiro ato, deixando o teatro tão quieto
que você pode ouvir um alfinete cair no fundo da sala. Então,
quando meu telefone começa a vibrar na mesa da equipe, perto
do palco, soa tão alto quanto uma bomba explodindo.
Olho para o nome na tela: Mindy.
Pego o telefone e me desculpo, sussurrando:
— Desculpe, emergência familiar. Continuem sem mim.
O diretor franze a testa para mim, então, virando-se para os
atores, ele gira um dedo no ar, gritando:
— Cena 1, do começo.
Eu corro para fora do teatro e atendo assim que a porta
principal se fecha atrás de mim.
— Estou aqui — eu digo, sem fôlego.
— Uau — Mindy me cumprimenta. — O que há com a
respiração ofegante? Você optou por uma mudança de carreira
e se juntou aos dançarinos de apoio, ou você estava tendo um
caso quente com o gerente de som e eu interrompi?
— Não à dança e não ao caso quente. Eu tive que correr
antes que o diretor me matasse por interromper o ensaio da
cena. E você sabe que eu nunca trairia Brandon, ou qualquer
outra pessoa. Por que o gerente de som, afinal?
— Não sei. Parecia alguém legal para se ter um caso. Eles não
têm sua própria cabana onde vocês dois podem fazer sexo louco
no painel de controle e então você acidentalmente liga o
interruptor do microfone com seu bumbum e de repente todo
o elenco ouve você fazer sons guturais?
Eu pisco.
— Você assiste muita TV. E o diretor de som tem cinquenta
anos.
— Ah, aposto que ele pode te ensinar um truque ou dois.
Eu balanço minha cabeça.
— Você é impossível. — Eu ando alguns passos para longe
das portas para garantir que ninguém ouça minha “emergência
familiar” e pergunto: — Por favor, me diga que você tem boas
notícias para mim?
— Procurei uma vaga em resorts de esqui em todo o país, e
todos estão lotados para o Natal...
— Mas — eu interrompo. — Deve haver um “mas” no final
dessa frase.
— Maaaas... quando eu estava checando minha agência
favorita em Park City, uma vaga magicamente abriu. A semana
do Natal passou de vermelho para verde sob meus olhos. Mas
não vai ficar verde por muito tempo, então vou lhe dar todos
os fatos imediatamente. A casa é uma cabana reformada na
floresta a cerca de quinze minutos do centro da cidade com
uma decoração muito aconchegante e chique de montanha. A
desvantagem: tem apenas quatro quartos. Amy e Trevor
poderiam dormir na suíte master com os gêmeos. Depois, há
dois quartos de solteiros, um para sua mãe e o outro tem uma
cama de casal que pode caber em você e Brandon se você quiser
dormir de conchinha à noite...
— Brandon não pode ir, então isso não é um problema.
— Deixe-me adivinhar, trabalho? — Mindy pergunta.
Reviro os olhos e mordo a língua. Não estou com disposição
para uma daquelas conversas estimulantes sobre seu-
namorado-não-te-valoriza-o-suficiente.
— E quanto ao quarto nº 4?
— Tem uma beliche que seria perfeito para as crianças mais
velhas.
— E Joshua.
— É isso, ele teria que dormir no sofá-cama da sala.
— Hmm. Onde fica Park City, afinal?
— Utah.
— Utah? Isso é super longe.
— Cavalo dado não se olha os dentes — Mindy canta. —
Estou lhe dizendo, esta é sua única opção, e se você não reservar
rápido, vai sumir antes da hora do almoço.
— A cidade é legal?
— Muito pitoresca, com vitrines antigas e restaurantes
aconchegantes, mas também algumas opções gourmet se você
decidir por algo mais gastronômico. E a localização é perfeita,
bem no meio de alguns dos melhores resorts de esqui do país:
Park City, Alta, Deer Valley, Park City Mountain... você pode
experimentar um diferente a cada dia, se quiser.
— Ok, estou vendida, reserve. Você também poderia
reservar as passagens de avião? Cinco adultos, duas crianças e os
gêmeos, mas eles ainda não pagam, certo?
— Claro, vou precisar de uma cópia das identidades de
todos. E acho que você também vai querer alguns carros
alugados para se movimentar quando chegar a Utah.
— Sim, sim, isso também.
— Ou você prefere uma minivan que pode caber toda a
turma?
Eu considero por um segundo.
— Não, melhor fazer os dois carros para podermos nos
separar se as pessoas quiserem fazer atividades diferentes.
— Perfeito. — Eu praticamente posso ver Mindy sentada
em sua mesa minimalista, tomando notas enquanto falamos.
— Para recapitular, uma cabana, nove passagens de avião, dois
carros e quatro cadeirinhas de carro? Ou Vicky e Owen têm
idade suficiente para ficar sem cadeirinha?
— Não, sim, Amy ainda usa assentos de carro para eles.
— Serão quatro assentos de carro, então. Suas férias em
família tem tão a vibe de Esqueceram de mim que eu quero
engasgar.
— Nah, vamos lá, em Esqueceram de Mim eles tiveram pelo
menos dez crianças, nós só temos quatro.
E se Brandon continuar sendo tão centrado na carreira,
temo que não aumentaremos esse número tão cedo.
— Tudo bem — diz Mindy. — A casa está reservada.
Riven

Três horas inteiras de escrita depois, eu estalo meu pescoço


quando olho para longe da tela do computador pela primeira
vez. Lá fora, o sol já está descendo sobre as montanhas
enquanto ainda brilha. Verifico meu relógio: duas e meia. Meu
estômago ronca em resposta.
Eu acaricio minha barriga.
— Sim, já passou da nossa hora do almoço, amigão.
Eu poderia pegar um hambúrguer no pub local antes de
passar pela imobiliária e matar dois coelhos com uma cajadada
só.
Pego as chaves do carro de uma tigela na ilha da cozinha e,
pensando bem, pego meu telefone também. Quando o ligo, ele
vibra com um milhão de notificações, principalmente da
minha irmã.
Estou tentado a ignorá-la e não ligar de volta até mais tarde
esta noite. Eu já concordei em ir para casa. O que mais ela
poderia querer? Mas então eu encontro uma chamada perdida
também do meu pai. Ele nunca liga a menos que algo esteja
acontecendo – ele, ao contrário de todos na minha família,
entende por que eu tive que me afastar de Los Angeles e quão
importante é meu tempo para escrever.
Ligo para meu pai primeiro, mas ele não atende. Com um
suspiro, toco no contato de Tess em seguida.
Ela atende no primeiro toque.
— Onde você estava? Por que seu telefone estava desligado?
Estou tentando ligar para você há horas.
Eu estava ESCREVENDO!!! Eu quero gritar. Todos eles
assumem que, como posso trabalhar em casa a qualquer hora
do dia, meu trabalho não garante o mesmo respeito ou limites
de um trabalho em um escritório das nove às cinco. Eu engulo
minha resposta e pergunto:
— Aconteceu alguma coisa? Papai está bem?
— Sim, ele está. Mas a casa dele não.
— Por quê? O que aconteceu?
— Um tubo estourou. Acabei de voltar da casa do papai e é
um desastre. O piso inferior está inundado. O empreiteiro disse
que tem que substituir todos os canos, quebrar os pisos, as
paredes... vai levar semanas.
— Onde o papai está hospedado?
— Conosco. As crianças vão dormir juntas por algumas
semanas, mas não podemos fazer o jantar de Natal em nossa
casa. Nossa casa não é grande o suficiente. Você já reservou seu
voo para voltar para casa?
— Não — eu digo. — Você está me dizendo para não fazer
isso? Achei que os Clarks não poderiam pular o Natal.
— E não podemos, mas e se formos até você? A cabana é
enorme, certo? Caberia todos nós.
Faço uma contagem rápida dos quartos. Se eu deixar a suíte
para Tess e seu marido, papai e eu podemos dormir em um dos
quartos de solteiros, e os filhos de Tess podem dormir nos
beliches. Mas e Skeeter, nosso irmão mais novo?
Eu me movo para o sofá e levanto timidamente o assento.
Dá. É um sofá-cama. Skeeter pode dormir aqui. Os
universitários não são muito exigentes com os arranjos de
dormir.
Sim, eu poderia hospedar o clã Clark, mas...
— Droga, Tess, eu disse à agente imobiliária que ela poderia
sublocar a cabana enquanto eu estivesse fora.
— O quê? Nãooo!
— Não se desespere ainda, eu só concordei com o negócio
algumas horas atrás. Duvido que ela já tenha alugado o lugar.
Escute, estou indo para a cidade de qualquer maneira para
pagar meu aluguel, vou verificar com a agência imediatamente
e te aviso, ok?
Depois que desligamos, coloco meu casaco e botas e saio
correndo de casa. Tranco a porta atrás de mim e me sinto bobo
quando paro no pátio, verificando a floresta ao redor da
cabana.
Vamos, Riven, o lobo mau não vem te pegar. Hoje não.
Ainda assim, eu atravesso o pátio em um ritmo mais rápido
do que o normal e fico aliviado quando chego em segurança ao
meu Grand Cherokee. O velho Jeep está tão maltratado que é a
única coisa que Cassie não vai lutar para manter no divórcio –
ela já pegou a Mercedes.
Agarro o volante, sem me importar com o frio que sinto sob
minhas palmas. Este carro e eu estivemos em muitas aventuras
juntos. Este jipe antigo é a única lembrança da minha vida
como era antes de minha futura ex-esposa me arrastar para um
bairro chique com casas elegantes, amigos elegantes e um estilo
de vida elegante que eu odiava e que nunca parecia ser
suficiente para ela. Mais, mais e mais. Ela queria mais roupas,
mais joias, mais restaurantes, as viagens mais caras...
E, graças às leis de divórcio na Califórnia em que tudo é
dividido pela metade, acho que serei o otário que continuará
financiando seu estilo de vida ostentoso mesmo depois que
nosso casamento terminar. Pelo menos até que ela se case com
outro otário.
Inesperadamente, o pensamento de Cassie se casar
novamente me atinge com força brutal. Eu empurro ela, o
divórcio e seu futuro marido imaginário da minha cabeça. Ela
desperdiçou o suficiente da minha vida para eu continuar
ansiando por ela.
Quando eu dou a ré no carro e entro na entrada coberta de
neve, o reflexo é ofuscante no sol do meio da tarde. Eu deveria
dizer à agência para enviar o serviço de retirada de neve com
mais frequência. Até novembro era administrável. Mas agora,
neva dia sim, dia não, e mesmo quando não neva, o vento
empurra a neve velha, formando montes de neve pela estrada.
Pelo menos o Jeep não tem problemas para superar o
terreno acidentado. Eu gostaria de ver Cassie levar sua preciosa
mercedes conversível até aqui. Ela ficaria presa no primeiro
quilômetro. Mas não estou pensando na minha ex-mulher,
certo?

•••

A agência imobiliária está localizada na minha parte favorita da


cidade, o distrito histórico de Park City. Eu amo seus edifícios
pitorescos e restaurantes únicos. E agora, com luzes de fadas
cruzando a rua e brilhando em cada vitrine, a Main Street está
ainda mais bonita.
Eu encontro uma vaga de estacionamento bem em frente ao
meu pub favorito, e meu estômago implora para eu entrar, mas
prefiro resolver o negócio de sublocação primeiro. Com grande
esforço, ignoro o cheiro de carne grelhada que sai do pub e
atravesso a rua em direção aos escritórios do Richter Real Estate
Group. Eu empurro a porta de vidro aberta, levando a rena de
madeira acima da entrada a encher a sala com as notas de Jingle
Bells.
Charlotte, uma jovem funcionária administrativa, ergue os
olhos por trás da tela do computador e sorri.
— Riven. — Ela cora. — Quero dizer, Sr. Clark.
Eu me aproximo de sua mesa.
— Ei, Charlotte. Não se preocupe, eu disse que Riven está
bem. Como vão as coisas?
Ela faz beicinho e solta o ar.
— Esta temporada de férias é pura loucura. Cada casa que
administramos é alugada consecutivamente durante todo o
mês de janeiro. O número de check-ins e check-outs com os
quais temos que lidar é insano. — Ela gesticula para o escritório
vazio ao seu redor. — Como você pode ver, todo mundo está
fora a trabalho. Eu tenho que segurar o forte sozinha. Você veio
para deixar seu cheque mensal?
— Sim, isso... — Eu entrego a ela o cheque e coço a parte de
trás da minha cabeça com a outra mão. — E também, Kelly
Anne me ligou esta manhã...
Eu explico todo o negócio de sublocação e porque eu tenho
que cancelar.
— Oh, eu sinto muito pelo seu pai — Charlotte diz quando
eu termino. — Que época horrível do ano para ter um cano
estourado. Pelo menos em LA, toda aquela água não vai
congelar da noite para o dia. Aqui em cima, seria um desastre
completo.
— Essa é a Califórnia — eu digo enquanto meu estômago
ronca.
Ela ouviu isso?
— Com fome? — Charlotte pergunta.
Sim, ela ouviu.
— Sim, me desculpe. Eu não almocei.
Seus lábios se abrem em um sorriso brilhante e saudável.
— Vamos resolver a situação da sua casa, então, e você pode
ir para o pub. Eu nem vou incomodá-lo para pedir uma
atualização sobre o novo livro.
Charlotte, eu descobri, é fã e leu todos os meus romances.
Sempre que entro, ela me implora por spoilers sobre a história
em que estou trabalhando, e prontamente me recuso a lhe dizer
qualquer coisa.
— Obrigado, Charlotte, e você sabe que nunca me
incomoda.
— Ah, você é muito gentil. Aposto que você se cansa de
todos os seus fãs incomodando você.
— Na verdade, isso nunca envelhece. Eu amo meus leitores.
Charlotte cora de novo, e é melhor eu parar de falar se eu
quiser que ela possa trabalhar.
— Deixe-me apenas puxar o calendário. — Seus olhos
mudam de mim para o computador. Ela clica no mouse
algumas vezes e franze a testa. — Eu não vejo nenhuma
abertura em seu aluguel. Kelly Anne não deve ter tido tempo
de liberar a vaga ainda.
Ela vira a tela para mim, mostrando uma visão mensal de
dezembro, onde todos os dias são coloridos em vermelho.
— Vou apenas adicionar uma nota dizendo que você não
deseja mais sublocar, e você deve ficar bem.
Ela digita uma nota rápida e olha para mim.
— Prontinho. Tenha um ótimo almoço... — Ela franze o
rosto em uma expressão ansiosa, mas envergonhada. — E, por
favor, termine o livro logo, mal posso esperar para ler a próxima
aventura de Preacher.
Nada acaricia melhor o ego de um escritor do que um leitor
ávido. Sorrio para Charlotte e dou-lhe uma falsa contingência
militar.
— Sim, senhora.
Se eu continuar escrevendo como hoje, meu manuscrito
estará concluído em pouco tempo.
Riven

Três semanas depois, escrevi um total geral de 4.020 palavras a


mais – isso não é nada! Menos de 200 palavras por dia. Nesse
ritmo, vou levar mais de um ano para terminar o maldito livro.
Estou sentado no tapete falso de ovelha da sala com as costas
contra o sofá, olhando para a página em branco aberta no meu
notebook, desprovido de qualquer inspiração. O cursor de
texto pisca, zombando de mim em uma dança intermitente que
se tornou a ruína da minha existência. Como se fosse uma
deixa, meu telefone toca. O identificador de chamadas me
informa que é Carmen, minha agente.
Estou tentado a ignorar a ligação, mas isso só adiaria a
conversa por algumas horas, um dia no máximo.
Eu toco no botão verde.
— Carmem.
— Diga-me que você tem algo novo para eu mostrar ao
editor. Uma página, um capítulo, qualquer coisa?
Das 4.000 palavras que escrevi, talvez 3.000 sejam
utilizáveis.
— Desculpe, Carmen, mas eu disse que estou escrevendo
este livro de forma diferente. O processo não é linear. Os
pedaços isolados não farão sentido até que eu os coloque todos
juntos.
Carmen permanece em silêncio por alguns longos segundos,
depois suspira.
— Riven, você é um dos meus autores mais confiáveis. Não
apenas vem com um best-seller garantido, mas um escritor
organizado que entrega no prazo, o que, com vocês artistas,
nem sempre é o caso. Eu sei que você está trabalhando duro e
não brincando como alguns dos meus outros mentirosos que
esperam até um mês antes que seu manuscrito esteja pronto
para começar a escrever...
— Mas? — Eu sugiro.
— Mas o ano passado foi estressante para você, e não é o fim
do mundo perder um prazo. Contanto que você nos dê tempo
suficiente para planejarmos com antecedência.
— Quem somos nós?
— Falei com o editor. — Carmen parece hesitante. —
Darren Floyd já terminou seu novo livro. A editora está
disposta a adiantar o lançamento dele para o próximo outono e
adiar seu lançamento para a primavera.
— Mas então eu perderia a temporada de férias. Eu sempre
saio em outubro.
— Sim, mas seus primeiros rascunhos geralmente ficam
prontos em dezembro.
— Qual é o título do livro de Floyd?
— Touch of Fear.
Eu xingo silenciosamente em minha cabeça; esse é um título
muito bom.
— Floyd não está tomando meu lugar — eu digo entre os
dentes cerrados. — Ouça, minha família está vindo esta semana
para as férias e não terei muito tempo para escrever. Mas
quando eles forem embora, prometo que minha bunda não vai
sair da cadeira até que eu tenha algo sólido para você apresentar
ao editor.
— Ok, Riv, a editora está lhe dando até o final de janeiro.
Mas se você não tiver um primeiro rascunho pronto até lá, eles
vão seguir com Touch of Fear.
— Eu não vou te decepcionar, Carmen, eu prometo.
Estou determinado a usar essas últimas horas de silêncio
antes que minha família chegue – eles devem pousar no meio
da manhã – para escrever algo sério. Mas, assim que meus dedos
tocam o teclado, um Subaru cinza estaciona no jardim da
frente, seguido por uma van branca com “Serviço de limpeza
de diarista de Molly” escrito na lateral em caracteres amplos.
E agora? Esqueci de algum compromisso? A agência de
limpeza costuma vir às sextas-feiras e hoje é quarta-feira.
Kelly Anne, da agência imobiliária, sai do Subaru e marcha
em direção à porta da frente com suas botas de inverno de salto
alto. Ela toca a campainha, mas quando chego à entrada, eu a
ouço já usando a chave para destrancar a porta. Então, quando
eu abro, ela pula para trás, assustada.
— Oh, Sr. Clark, você me deu um susto. — Então ela olha
para minha calça de moletom e camisa de flanela aconchegante
e franze a testa. — O que você ainda está fazendo aqui?
— Eu moro aqui — eu digo.
— Sim, tudo bem, mas você não deveria sair ontem para
visitar sua família?
— Eu não vou, eles estão vindo para cá.
Kelly Anne empalidece.
— O quê? Mas você concordou em sublocar a cabana do dia
22 ao dia 28.
— Sim, mas então cancelei com Charlotte e disse a ela que
ficaria com a casa para o Natal.
— Quando isto aconteceu?
— Apenas algumas horas depois que você me ligou três
semanas atrás.
— Oh meu Deus. — Kelly Anne leva a mão à testa e cai no
banco de madeira do pátio.
— Você está bem?
— Sim, mas temo que temos uma situação em nossas mãos,
Sr. Clark.
Kelly Anne mal terminou de falar quando mais dois carros
param no jardim da frente e uma variedade de pessoas descem,
tirando malas do porta-malas. Uma mulher alta puxando uma
mala cinza com rodinhas sobe os degraus da frente do pátio,
sorrindo. Ela está usando um gorro, mas algumas mechas de
cabelo loiro escapam por baixo dele e ficam presas novamente
sob a gola de sua jaqueta branca.
— Oi — ela diz para a corretora de imóveis. — Você deve
ser Kelly Anne. Mindy me disse que você seria nosso ponto de
referência na cidade. Eu sou Wendy Nichols.
Então a loira olha para mim, seus olhos de cor azul-claro
enviando um inesperado choque elétrico pelo meu corpo, e seu
sorriso vacila. Meu rosto não deve parecer muito emocionado
ou acolhedor.
— Há... há algum problema? — Ela gagueja, seus olhos
vagando de mim para Kelly Anne.
Kelly Anne volta à sua persona de tudo vai ficar bem e se
levanta para apertar a mão da loira, com um sorriso brilhante
estampado no rosto.
— Srta. Nichols, muito prazer em conhecê-la. E para
responder à sua pergunta, parece que houve um problema com
sua reserva, mas nada que não possamos resolver, tenho certeza.
Então ela gesticula para a porta aberta.
— Por que não entramos todos e vemos como podemos
lidar com a situação?
— Eu não vou deixar essas pessoas entrarem na minha casa
— eu digo.
Outra loira passa pelo primeiro, carregando um bebê em
cada braço, e diz:
— Não sei qual é o problema, mas eu tenho dois bebês que
precisam ser alimentados e estou entrando na casa agora. — Ela
dá um passo na minha frente, levantando uma sobrancelha.
Minha única opção é me afastar para deixá-la entrar. O que leva
todas as outras pessoas no pátio a segui-la, incluindo os
trabalhadores da van.
Apenas Kelly Anne, eu e a primeira loira permanecemos no
limiar. Não sei por que, mas sinto que deixar essa Wendy entrar
na casa de alguma forma equivaleria a perder uma batalha.
Viro-me para a Kelly Anne.
— Você não consegue encontrar uma acomodação
diferente para eles?
A corretora se esforça para manter o sorriso no lugar.
— Eu te disse que a cidade inteira está esgotada.
— Sinto muito, mas se essas pessoas alugaram minha
cabana, sua equipe não deveria ter vindo ontem para guardar
minhas coisas no armazenamento?
Kelly Anne assente.
— Eles deveriam, mas nós nos deparamos com uma
confusão atrás da outra. Esta temporada de férias é a mais louca
que já tive, acredite. Nós estávamos contando em fazer isso no
último minuto, no caso, hoje. — Ela sorri se desculpando.
— Com licença — diz a loira. — Alguém pode me explicar
qual é o problema?
— Srta. Nichols... — Kelly Anne começa. — Sr. Clark aqui
tem um contrato de longo prazo na cabana e inicialmente
concordou em sublocar a casa para a semana do Natal...
— Eu nunca assinei os papéis — eu digo.
— Sim, Sr. Clark — Kelly Anne diz, condescendente. —
Estou me atualizando sobre isso.
Ela se vira para Wendy.
— Mas quando ele mudou de ideia, nós já devíamos ter
alugado o lugar para você nesse meio tempo. E minha equipe
administrativa e eu tivemos algum tipo de mal-entendido, e eles
disseram que tudo bem ele ficar na cabana. Então, parece que
temos uma situação de reserva dupla em nossas mãos.
Wendy faz beicinho e me encara.
— Bem, como somos nove e apenas um ele, me parece que
seria muito mais fácil encontrar acomodações alternativas para
ele.
— Exceto que o aluguel está em meu nome e não vou
entregá-lo a um bando de estranhos. — A loira olha para mim,
mas eu continuo implacável — E mesmo se eu estivesse
disposto a sair, minha família está vindo para passar as férias, e
estamos em sete.
— Nove ganha de sete também — Wendy responde de
forma infantil.
— Aluguel de longo prazo ganha o direito sobre casa — eu
retruco.
— Calma, calma — Kelly Ann intercede. — Não há
necessidade de discutirem. Tenho certeza que podemos
encontrar uma solução. Por que não entramos na casa e...
Eu me viro para ela.
— O que você deve fazer é tirar todos esses estranhos da
minha cabana antes que minha família chegue.
Como se fosse uma sugestão, mais dois carros param no
jardim da frente, que agora perde toda a vibração de paz com a
natureza e se assemelha mais a um estacionamento de
shopping.
Meu pai e Skeeter saem de um carro e Tess e sua família saem
do outro.
Papai é o primeiro a subir os degraus da frente e
imediatamente percebe a atmosfera tensa.
— Oi, filho. O que está acontecendo?
— Nada, pai. Oi.
— Nada? — Wendy discorda e se vira para papai, toda
certinha e confortável com seu nariz empinado. — Seu filho
quer chutar a mim e minha família na neve no Natal.
Meu pai pisca sem entender.
— Houve uma reserva dupla — explica Kelly Anne. — E
estamos tentando decidir qual família deve ficar com a cabana.
— Oh, tudo bem. — Ele sorri para Wendy por baixo do
bigode branco. — Não se preocupe, senhorita, ninguém será
expulso na neve sob minha vigilância, especialmente não no
Natal. Por que não entramos e tentamos descobrir a situação
na frente de uma xícara de café quente?
— Isso é o que eu venho tentando dizer desde o início —
Kelly Anne diz, gesticulando em direção à porta aberta. —
Podemos?
— Primeiro as damas — meu pai oferece galantemente.
Wendy sorri para meu pai e o precede-o para dentro de casa,
me ignorando completamente. Quando ela passa por mim, um
cheiro de baunilha invade minhas narinas. Eu faço o meu
melhor para ignorar o cheiro agradável e olhar para a Srta.
Desprezo, esperando que ela sinta a queimadura do meu olhar
em suas costas. Mas eu me distraio novamente quando ela tira
o gorro e a jaqueta, e uma cascata de cachos da cor loiro-branco
cai por seus ombros. A revelação é ainda mais perturbadora do
que seu claro olhar azul-claro. Eu olho hipnotizado, até que ela
abre a boca para murmurar baixinho:
— Eu acho que tal pai, tal filho nem sempre é o caso.
— O que você acabou de dizer?
Ela se vira e me dá um sorriso falso.
— Nada.
Uma vez que ambas as famílias estão reunidas na sala de estar
aberta, a situação parece ainda mais trágica do que eu imaginava
inicialmente. Há pessoas em todos os lados. A irmã de Wendy
– suponho que a outra loira seja sua irmã, dada a semelhança –
está sentada no sofá ao lado de um homem, provavelmente seu
marido, cada um dando uma mamadeira a um bebê. Skeeter e
outro cara de vinte e poucos anos estão sentados em
banquinhos na ilha da cozinha. Papai e uma mulher mais velha
tomaram posse da cozinha e estão ocupados fazendo café. Tess
e seu marido, Noah, estão parados, incertos, perto das janelas
francesas. Os três membros da equipe de limpeza estão sentados
nas escadas, provavelmente esperando instruções. E um monte
de crianças está correndo pela sala rápido demais para eu contar
exatamente em quantos estamos.
E, claro, também há Cachinhos Dourados invadindo meu
espaço pessoal, com seu perfume de baunilha muito doce.
Ao nosso lado, Kelly Anne absorve a cena, e seus
pensamentos devem ecoar os meus, porque ela pergunta:
— Vocês estão em quantos?
Wendy

— Somos nove no total — respondo à corretora de imóveis. —


Cinco adultos, duas crianças e dois bebês.
Kelly Anne olha para Riven Clark, que até meia hora atrás
era um dos meus autores favoritos do planeta, e pergunta:
— E você?
— Sete, cinco adultos e duas crianças — ele responde, em
uma voz baixa e profunda que é muito sexy para seu próprio
bem. Eu olho para ele de lado. Poxa, ele parece ainda melhor do
que nas fotos na parte de trás das capas de seus livros. Cabelos
escuros rebeldes, olhos castanhos misteriosos, lábios carnudos
e uma barba sexy de dois dias. Pena que ele acabou por ser uma
pessoa tão horrível. Nunca conheça seus ídolos; o ditado foi
inventado por uma razão.
— Para um total de dez adultos, quatro crianças e dois bebês
— resume Kelly Anne.
— É seguro dizer que todos concordamos que não cabem as
duas famílias nesta casa — diz o grande escritor estadunidense.
A pobre senhora da locadora faz o possível para continuar
sorrindo.
— Por favor, permita-me alguns minutos para verificar
quais são nossas opções com meus colegas da agência.
Ela pega o telefone e se afasta da multidão. O interior da casa
está muito quente em comparação com a temperatura
congelante do lado de fora, então eu tiro meu suéter pesado e o
coloco nas costas de uma poltrona.
Riven faz uma careta para mim, dizendo:
— Não fique muito confortável. — Ele passa por mim para
falar com a morena bonita perto das janelas francesas. Irmã
dele? A esposa dele? Ele é casado?
Por que eu me importo?
Eu não me importo!
Eu me junto a Joshua e outro garoto de dezoito, dezenove
anos, na ilha da cozinha.
— Café? — O pai de Riven oferece a cada um de nós uma
caneca.
— Obrigado, Sr. Clark — eu digo.
— De nada, senhorita…?
— Wendy. Wendy Nichols.
— Que nome lindo, e por favor me chame de Grant.
Estou na metade da minha xícara de café quando a agente
imobiliária volta. Ela bate palmas, perguntando:
— Todos os adultos, por favor, podem se juntar a mim na
mesa de jantar?
A mesa é uma enorme lousa retangular de madeira maciça –
carvalho natural, eu diria – e milagrosamente acomoda dez
pessoas.
Amy recusa o convite e prefere ficar no sofá com os gêmeos,
o que deixa Kelly Anne livre para ficar no último lugar e nos
olhar nos olhos com uma expressão séria.
— Conversei com meus colegas da agência — ela entoa. —
Lamento informar que não há vagas em nenhum lugar da
cidade, nem em nenhum dos resorts de esqui próximos. Os
únicos quartos que encontramos são em um motel próximo à
rodovia em Salt Lake City.
— Minha família não vai passar o Natal em um motel de
estrada — eu digo com determinação.
— Estou realmente mortificada por minha agência ter
colocado todos vocês nesta situação — Kelly Anne continua.
— Especialmente porque será Natal em três dias. No Richter
Real Estate Group, nos orgulhamos de proporcionar uma
excelente experiência a todos os nossos clientes.
— Nós entendemos, Kelly Anne — diz o Sr. Milhões de
Cópias Vendidas, me surpreendendo com a calmaria de sua
resposta, até que ele acrescenta: — Tenho certeza de que você
pode reembolsar os Nichols pela passagem e eles podem voltar
para casa a tempo do Natal.
— O quê? — Eu retruco. — As passagens de avião também?
Do sofá, Amy grita:
— Eu não vou colocar os gêmeos de volta em um avião hoje,
amanhã ou em qualquer dia antes de uma semana a partir de
agora. E antes que alguém sugira, também não vou colocá-los
de volta em um assento de carro, a menos que seja para ir a
algum lugar super próximo. Eles acabaram de viajar por um dia.
Certo, pequenos esfomeados? — Ela murmura para eles e
então, de volta à sua voz normal, ela acrescenta: — Então é
melhor vocês descobrirem alguma coisa.
— Bem, alguém tem que ir — Riven diz. — E não será
minha família.
Ele franze os lábios em um beicinho teimoso, malcriado,
embora sexy.
— Na verdade... — Kelly Anne torce os dedos — ...e se
pudéssemos encontrar uma solução para hospedar todos aqui?
— O quê? — Riven gagueja. — Você está seriamente
propondo enfiar dezesseis pessoas em uma casa que mal cabe
metade desse número?
— Podemos tentar — insiste a agente. — Você ainda não
teria que pagar o aluguel de abril, Sr. Clark. E sua família,
senhorita Nichols, receberia um reembolso total, é claro.
— Isso tudo soa muito bom — diz Riven. — Mas
simplesmente não é possível.
— Filho — Grant coloca a mão no ombro de Riven. — É
Natal. Você realmente quer mandar essas pessoas para a rua
para passar as férias em um motel barato?
— Eu não quero, pai. Mas não vejo qual é a alternativa. Não
cabe todos nós na cabana.
O Sr. Clark mais velho – meu novo herói pessoal – sorri com
benevolência sob seu bigode crespo.
— Acredito que esta senhora graciosa — ele aponta para
Kelly Anne — estava nos dizendo que ela poderia fazer algumas
arrumações criativas nos quartos, se nós a deixássemos.
Kelly Anne aproveita a oportunidade e acena com a cabeça.
— Obrigada, Sr. Clark. — De sua bolsa, ela tira uma grande
planta A3 de um prédio e coloca a folha de papel na mesa com
o lado em branco voltado para cima. — Vamos fazer uma
contagem primeiro. Wendy, você poderia me dizer novamente
seus nomes?
No lado direito da folha, ela escreve uma lista começando
com meu nome.
— Você e mais quem?
— Minha irmã, Amy, seu marido, Trevor.
Kelly Anne escreve seus nomes embaixo dos meus.
— Os gêmeos — eu continuo. — Seus dois filhos mais
novos, minha mãe...
— Emily — minha mãe interrompe. — É um prazer
conhecer todos vocês.
— E meu irmão, Joshua — concluo.
Kelly Anne escreve o sobrenome e olha para Riven com
expectativa.
— E do seu lado? — Ela pergunta, já anotando o nome dele.
— De cá tem eu, meu pai Grant, minha irmã Tess e seu
marido, Noah, seus dois filhos e meu irmão Skeeter.
— Tudo bem. — Kelly Anne olha para a lista e desenha
quatro caixas quadradas ao lado dela, dizendo: — Temos um
quarto principal, dois de solteiro e o pequeno quarto com o
beliche.
Ela adiciona outra caixa.
— Depois, há o sofá-cama que pode acomodar dois.
— São cinco camas para quatorze pessoas — Riven aponta
azedamente.
— Paciência, Sr. Clark — Kelly Anne diz. — Nós
poderíamos colocar Amy e Trevor no quarto principal com os
gêmeos. Já tenho os berços de viagem no meu carro.
— Tudo bem por mim — Amy grita do sofá enquanto
Trevor acena na minha frente.
— Todas as minhas coisas estão naquele quarto — Riven
protesta.
— Nós podemos ajudá-lo a mover tudo — responde Kelly
Anne, perplexa, enquanto pragmaticamente risca quatro
nomes da lista. — Agora, Grant e Emily, pensei que vocês dois
poderiam ficar em um dos quartos de solteiro. Um tem uma
cama de solteiro e uma cama de casal.
— A senhora pode ficar com a cama de casal — diz Grant
com um sorriso jovial.
E minha mãe está corando enquanto agradece em resposta?
Kelly Anne escreve Grant e Emily nas caixas que
representam os quartos individuais e, com dois golpes
eficientes da caneta, os retira da coluna de pessoas que
aguardam triagem. Ela olha para cima e estuda meu irmão e o
irmão de Riven que estão com as cabeças abaixadas enquanto
olham para algo em seus telefones – provavelmente algum
aplicativo secreto para jovens que o resto de nós nunca ouviu
falar.
— Vocês dois — a corretora de imóveis se dirige a eles
diretamente. — Você teria algum problema em dividir o sofá-
cama?
Joshua e – vejo o nome da coluna – Skeeter se entreolham e
dão de ombros.
— Tudo bem, por mim — diz Joshua.
— Sim, tudo bem, cara.
Eles batem os punhos enquanto Kelly Anne risca mais dois
nomes e suspira.
— Agora a parte complicada.
Riven fica de mau humor.
— Você quer dizer a parte em que quatro adultos e quatro
crianças dividem uma beliche?
Kelly Anne morde a ponta da caneta, pensando, depois se
vira para o grupo de empregadas ainda sentada na escada.
— Molly, vocês podem dar uma olhada no sótão e me dizer
se há alguma maneira de transformá-lo em um quarto extra?
— Vamos, meninas — a mulher mais velha se levanta. —
Vamos verificar o que há lá em cima.
As empregadas desaparecem pelas escadas e Kelly Anne
volta a olhar para o seu “mapa da casa”.
— As crianças — diz ela. — Nós nunca vamos encontrar
camas para eles.
E enquanto Riven zomba e cruza os braços sobre o peito em
uma atitude satisfeita, Kelly Anne acrescenta:
— Precisamos ser criativos... O porão é pequeno, mas
aconchegante e, o mais importante, é seco e quente. E se
tivéssemos as crianças dormindo no tapete, em camas, no chão
ou sacos de dormir... poderíamos até fazer disso uma
experiência de acampamento interno, eu poderia trazer
algumas tendas. O que você acha? — Ela aborda a questão para
a irmã de Riven.
Mas antes que ela possa responder, uma das crianças Clark,
uma menina de não mais de oito anos com cabelos escuros e
lisos, vestindo o suéter de sua mãe, implora:
— Mamãe, eu quero fazer um acampamento interno.
Podemos? Por favor?
A irmã de Riven se inclina e beija a garota no topo de sua
cabeça.
— Claro, querida.
— E, mamãe?
— Sim?
— Quando vamos comer? Estou ficando com fome.
Grant se levanta e olha para minha mãe.
— Emily, já que nós, as duas raposas velhas, já estamos
acomodados, o que você acha de fazermos o almoço para todo
o grupo? Vou ver o que meu filho guardou na geladeira, para
que possamos trabalhar.
— Que ideia maravilhosa. — Minha mãe se levanta,
sorrindo de um jeito que eu não vejo desde que meu pai faleceu.
Do outro lado da sala, olho para Amy, para verificar se ela
também está percebendo alguma coisa. Minha irmã levanta
uma sobrancelha para mim e dá de ombros, querendo dizer: eu
vi, mas estou tão perdida quanto você sobre o que fazer com
isso.
Enquanto isso, a equipe de empregadas volta e a líder
entrega seu relatório.
— O espaço no andar de cima é bom. Amplo o suficiente
para caber uma cama de casal e um pequeno armário. Mas não
é limpo em um tempo, vai ser um trabalho difícil. Minha
equipe levará o dia todo para terminar e terei que chamar uma
segunda equipe para fazer o resto.
Kelly Anne sorri brilhantemente.
— Obrigada, Molly. Por favor, chame os reforços e eu vou
mandar os carregadores virem com a mobília hoje à noite.
Molly assente.
— Vou começar imediatamente.
Kelly Anne agradece mais uma vez e volta ao seu papel, sua
caneta marcando seis linhas na lista em rápida sucessão
enquanto ela murmura:
— As crianças vão para o porão... e Tess e Noah ficam no
sótão.
Apenas meu nome e o de Riven permanecem nas colunas.
Ele olha para a lista, provavelmente pensando a mesma coisa, e
sua carranca se aprofunda enquanto ele faz as contas um
segundo mais rápido do que eu.
Minha boca já está aberta de horror quando Kelly Anne
solta seu sorriso mais deslumbrante e arrasador para nós e
pergunta:
— Riven, Wendy, vocês se importariam de dividirem o
beliche?
Riven

Todos os olhos se voltam para mim, e não vejo como isso é


justo, já que a pergunta é tecnicamente dirigida a duas pessoas.
Acho que todo mundo assume que eu vou ser o difícil.
Balançando a cabeça, resignado, digo:
— Tudo bem com isso, se eu puder ficar na cama de baixo.
— Quando eu tinha oito anos, caí da cama de cima uma vez e
faço o meu melhor para evitar beliches desde então. Acho que
depois de vinte e cinco anos de sucesso, minha sorte acabou.
Todos os olhos agora se voltam para a outra metade desse
arranjo.
Wendy pisca para mim.
— Eu não me importo de ficar por cima — ela diz com total
inocência.
Uma pena, pois uma imagem vívida de como ela ficaria por
cima em uma situação muito diferente invade minha mente,
fazendo meus olhos se arregalarem. Eu não sou rápido o
suficiente para esconder o choque, e Wendy me pega. Ela
franze a testa com a minha reação, então seus olhos se estreitam.
Felizmente, Kelly Anne escolhe este momento para retomar
a conversa com toda a sua alegria artificial.
— Então está tudo pronto. — Com clara satisfação, ela risca
os meus nomes e os de Wendy da lista, escrevendo-os na última
caixa de seu desenho.
— Desculpa por interromper. — Meu pai coloca a mão no
meu ombro. — Riven, você comprou algum mantimento?
Eu me viro para ele.
— Não, pai, eu estava esperando Tess chegar aqui porque
eu nunca sei o que é considerado comestível hoje em dia, como
se estamos fazendo uma dieta paleolítica, ou uma cetogênica,
ou qualquer dieta que Tess esteja tentando desta vez.
Do outro lado da mesa, minha irmã me mostra a língua e
depois revira os olhos para o resto das pessoas, levantando um
único dedo.
— Uma vez eu tentei fazer uma dieta pescetariana, e ele
nunca vai me deixar esquecer isso.
— Não quando você me fez comer queijo moraxella — eu
retruco e, me virando para os outros, acrescento: — Não tem
gosto de mussarela de verdade.
Meu pai dá um tapinha no meu ombro.
— Bem, então temo que não temos como cozinhar para
quatorze pessoas.
— Na verdade — Kelly Anne se levanta — e se eu reservasse
para todos vocês em um bom restaurante na cidade enquanto
eu e a equipe cuidamos de tudo aqui? Depois, vocês podem
visitar a arena de gelo e, quando voltarem hoje à noite, a casa
estará pronta. Parece bom?
Arrumar todos e entrar nos carros não é uma tarefa simples.
Minha cabeça já dói com a bagunça que a próxima semana vai
ser. Se eu pudesse esperar passar algumas horas escrevendo aqui
e ali enquanto minha família estava de visita, com essa invasão
de hordas, seria impossível.
Eu levo meu computador para almoçar de qualquer
maneira, esperando que talvez eu possa escapar para um café
mais tarde, quando todos forem para a arena de gelo. No
restaurante, as duas famílias se dividem ao meio e cada facção
fica com metade da mesa. Me sento na extremidade mais
distante, onde não haverá chance de eu ter que falar com um
dos Nicholses, nem mesmo para passar o sal.
É assim que eu acabo gastando duas horas sendo informado
sobre fofocas da escola primária por minha sobrinha e
sobrinho. Uma vez que a conta é paga, eu tento escapar
silenciosamente, mas Tess me pega e gentilmente me informa
que todas as atividades familiares são obrigatórias esta semana.
E papai insiste que eu deveria me relacionar com nossos novos
amigos.
Resignado, eu os sigo até a arena, coloco patins de gelo e
deslizo pela pista como um bom menino. Quando nossa hora
termina, as mulheres decidem que devemos realizar outra
assembleia para redigir uma lista de compras compartilhada. As
crianças vão para outra rodada enquanto os adultos sentam nas
arquibancadas para conferir. Minha cabeça ameaça explodir
enquanto ouço as peculiaridades alimentares de todos –
crianças e bebês incluídos, já que, aparentemente, os gêmeos
têm uma fórmula favorita e insubstituível. Em seguida, a lista é
dividida em cinco sub-listas e Tess, papai, Wendy, a mãe de
Wendy e eu somos designados a uma seção do supermercado
cada para tornar as compras mais eficientes. Pegamos um carro
enquanto os pais restantes permitem às crianças mais uma
rodada de patinação no gelo.
Quando chegamos em casa, a van das empregadas se foi, e
apenas o Subaru de Kelly Anne está estacionado na frente. Os
homens descarregam os mantimentos enquanto as mães lutam
para colocar as crianças para fora dos carros. Na porta
principal, com tanta gente, forma-se uma verdadeira fila. Juro
que é a primeira vez que tenho que fazer fila para entrar na
minha casa. O processo é particularmente longo, pois durante
nossa montagem anterior também foi estabelecido que os
sapatos devem ser removidos antes de entrar.
Quando finalmente chego, Kelly Anne está
cumprimentando a todos com aquele sorriso irritante sempre
presente dela. Ela tem uma palavra gentil para cada nova pessoa
que chega com um:
— Bem-vindo de volta. Você se divertiu patinando? O que
você acha da cidade velha? O almoço foi bom? — ...e assim por
diante.
De cima da minha sacola de compras, espio a casa e tenho
que admitir que nunca a vi em tão bom estado. Parece uma casa
novinha em folha, onde os trabalhadores da mudança
acabaram de remover a película protetora dos móveis novos,
não há uma mancha de poeira para ver em qualquer lugar.
— Crianças. — Kelly Anne bate palmas. — Vocês gostariam
de um passeio pelo seu novo acampamento?
Gritos de aprovação enchem a sala e as crianças correm para
as escadas do porão, perdendo chapéus, luvas e cachecóis pelo
caminho. Tess e Noah os seguem, coletando as coisas deles e
das outras crianças. Eles ficam com o que é deles e entregam o
resto para a irmã de Wendy e seu marido, que cada com um
bebê nos braços e não conseguem pegar coisas facilmente do
chão.
— Obrigada — Amy diz para Tess. — Vamos verificar o
acampamento também?
Além do fato de terem invadido minha casa, os Nichols
parecem ser gente boa. E todo mundo se dá bem. Eu lanço um
olhar de soslaio para a cozinha, onde Wendy está enchendo a
geladeira com os mantimentos frescos. Ela me pega olhando e
franze a testa. Bem, com uma exceção gritante.
As crianças estão em êxtase com o acampamento interno e
perguntam se podem ficar no porão até que o jantar esteja
pronto. Pedimos pizza porque é tarde demais para fazer uma
refeição para catorze, e as mães concordam em deixar as
crianças brincarem até o delivery chegar.
Entro na fila e espero minha vez de dar uma olhada no
porão. Quando o faço, tenho que admitir para Kelly Anne: ela
fez um ótimo trabalho. A lavadora e a secadora foram movidas
para o canto mais distante e camufladas atrás de uma cortina
com uma floresta pintada nela. Quatro pequenas tendas
ocupam o resto do espaço e estão equipadas com um saco de
dormir, uma lanterna e uma garrafa de água de aço gravada com
o logotipo da agência imobiliária. Há também uma variedade
de travesseiros espalhados por toda parte.
Na frente adulta, Tess e Noah não conseguem parar de falar
sobre o quão bonito é o quarto no sótão. Kelly Anne recebe
todos os comentários positivos e seu sorriso perde a qualidade
forçada que manteve o dia todo.
Ela se aproxima de mim.
— Sr. Clark, minhas desculpas novamente pelo mal-
entendido.
Eu não sou de guardar rancor.
— Foi um erro inocente — eu digo. — Poderia ter
acontecido com qualquer um.
Suas feições relaxam ainda mais.
— Muito obrigada pela compreensão. Eu sei que você veio
aqui para escrever em paz e isso — ela aponta para a sala cheia
de pessoas — deve ser menos que o ideal. Mas é apenas por uma
semana curta. Ah, e antes que eu esqueça, nós empilhamos a
maioria das suas coisas no quarto do seu pai. Não havia espaço
suficiente no pequeno. O mesmo para a senhorita Nichols, ela
está dividindo um armário com a mãe.
Eu aceno assim que a campainha toca.
— Isso deve ser as pizzas — eu digo.
— E a minha deixa para ir. — Kelly Anne pega seu casaco na
parte de trás do sofá. Ela bate palmas para chamar a atenção da
sala. — Boa noite a todos, estou indo embora. Por favor, não
hesitem em contactar-me se precisar de alguma coisa. E feliz
natal.
Um coro de despedidas e feliz Natal segue enquanto eu
conduzo Kelly Anne até a porta onde dois entregadores estão
esperando na varanda, cada um segurando uma torre de sete
caixas de pizza.
— Hmm, cheira incrível — comenta Kelly Anne enquanto
ela se mexe entre eles. — Bom apetite, Sr. Clark.
— Skeeter! — Eu grito para meu irmão vir me dar uma mão.
Ele e Joshua chegam e cada um pega uma pilha de pizzas
enquanto eu pago.
Não há espaço suficiente na mesa grande para as crianças,
então elas comem sentadas no tapete em frente ao sofá, usando
a mesa de centro como base para o jantar.
A pizza é do meu restaurante italiano favorito da cidade e
deliciosa como sempre. Faz maravilhas para levantar meu
humor. Minha família e "a outra família" também parecem
estar de bom humor. Especialmente meu pai. Eu até diria que
ele está fazendo o possível para impressionar e entreter a mãe de
Wendy.
— Riven — a irmã de Wendy chama no meio do jantar. —
Posso te chamar de Riven?
— Claro, Amy — eu digo. Da lista que Kelly Anne usou
para classificar os quartos, apliquei crachás mentais a todos os
Nichols. — Como posso ajudar?
Os gêmeos foram colocados na cama e, pela primeira vez,
Amy e seu marido têm duas mãos livres. Amy corta uma fatia
de pizza, mas antes de levá-la à boca, ela dá um sorriso atrevido.
— Agora que você parou de franzir a testa por um minuto,
eu queria saber se você não se importaria de nos dizer sobre o
que será seu próximo livro? Eu sou uma grande fã.
A conversa na mesa morre enquanto todas as cabeças
balançam na minha direção.
Eu coço a parte de trás da minha cabeça.
— Então, você me reconheceu?
Amy engole a boca cheia de pizza.
— É difícil não reconhecer, quando seus livros estão nas
vitrines de todas as livrarias do país, e em aeroportos também.
— Ela se volta para o marido. — Trevor, você não comprou um
de seus livros para ler no avião? — Então de volta para mim. —
Eu disse a ele que já tinha em ebook, mas ele prefere papel.
— Qual livro? — Eu pergunto.
— O Véu Negro. — Trevor acena com a cabeça. — É
incrível. Na verdade — ele hesita — você se importaria de
autografar para mim?
— Eu ficaria feliz.
Trevor se levanta.
— Eu vou pegar.
— Se você acordar os gêmeos, você está morto! — Amy grita
atrás dele. Ela me parece uma pessoa muito direta. Ou talvez,
sendo mãe de quatro filhos, ela não tenha tempo a perder com
sutilezas.
Do outro lado da mesa, a outra irmã Nichols revira os olhos.
— Que cara é essa, Wendy? Não é fã do meu trabalho? —
Eu a chamo.
— Não é isso, não. Eu só estava imaginando como seu
grande ego iria caber no beliche. — Ela evita a pergunta.
Trevor volta e me entrega o livro.
— Estou morrendo de vontade de saber o que acontece a
seguir.
Um marcador divide o livro pela metade. Eu sorrio.
— Ah, você vai ter mais algumas reviravoltas.
— Mal posso esperar. Provavelmente vou perder o sono
lendo isso. E sou pai de gêmeos, então dormir não é algo que
tenho de sobra.
Sou distraído dos elogios por Wendy se levantando e
pegando as caixas de pizza.
— A lixeira está do lado de fora? — Ela pergunta.
— Sim, nos fundos da casa.
— Eu estou tirando isso.
— Não! — Eu grito, levantando-me abruptamente.
Wendy congela no lugar, levantando uma sobrancelha para
mim.
— Esqueci de dizer uma coisa a todos vocês. — Estalo meus
dedos na direção do sofá. — Crianças, venham aqui, vocês
precisam ouvir isso também.
As crianças já parecem sonolentas após o longo dia de
viagem e de uma tarde patinando. Cada um deles sobe em um
dos pais. Meu sobrinho, em Tess, e sua irmã, em Noah. Da
mesma forma, o menino Nichols vai sentar em Trevor e a
menina em Amy.
Quando tenho a atenção de todos, digo:
— Ninguém deve sair à noite sozinho, principalmente os
mais novos. Um lobo solitário está rondando a floresta ao redor
de Park City. O policial da cidade acredita que é um velho lobo
exilado por sua matilha. O velho lobo está desesperado,
faminto e é perigoso.
— Mamãe — a sobrinha de Wendy, que deve ter cinco ou
seis anos, grita. — Eu estou com medo.
Ela esconde o rosto no pescoço de Amy e começa a soluçar
baixinho.
Wendy me encara.
— Você faz as crianças chorarem por diversão?
— Estou falando sério — eu insisto. — Já houve dois
ataques. O condado tem uma recompensa de dez mil dólares
pela fera.
O choro da menina piora.
— Você pode parar? — Wendy diz.
— Melhor assustada do que comida — eu digo.
Os lamentos atingem um volume ensurdecedor e logo se
juntam aos dos gêmeos no andar de cima.
— Pelo menos eu terminei de comer — Amy suspira. — E
era hora de suas refeições, de qualquer maneira.
Ela se levanta com a menina chorando em seus braços.
— Mãe, você pode levar Vicky?
Emilly assente.
Amy larga a menina no colo da avó e se ajoelha ao lado deles.
— Ninguém está sendo comido, querida — ela conforta a
filha. — O que aquele gentil cavalheiro estava tentando dizer é
que estamos seguros dentro de casa, mas por nenhuma razão
você ou seu irmão devem sair sem um adulto. O quintal não é
cercado como o de casa e não é seguro, ok?
Vicky esfrega as lágrimas dos olhos e assente.
Amy beija sua bochecha e bagunça sua franja loira antes de
se levantar.
— Garota corajosa. — Então ela corre para cuidar dos
gêmeos.
Ainda me encarando, Wendy sacode as caixas que já estão
em suas mãos.
— Devo deixar isso na cozinha e esperar até amanhã para
jogá-los fora?
— Eu posso levar — eu digo.
— Por quê? — Ela pergunta. — Você é muito mal-
humorado, mesmo para o grande lobo mau?
Negociamos para levar as caixas juntas. E depois de uma ida
ao caixote do lixo onde ninguém é comido, ajudamos a arrumar
a mesa e a cozinha.
Quando todo mundo vai para seus quartos, Joshua e Skeeter
arrumam o sofá-cama, deixando-me sem desculpas para adiar a
ida para a cama.
Olho para a porta solitária do quarto do andar de baixo,
depois para Wendy...
Hora de dormir, eu acho.
Riven

— Você pode usar o quarto para se trocar — eu digo. — Eu


vou subir.
Wendy acena com a cabeça, parecendo tão cansada quanto
eu me sinto.
— Obrigada.
Espero Skeeter terminar no banheiro do andar de cima e me
troco lá. Levo meu tempo tentando evitar o inevitável até ter
que aceitar meu destino e voltar para o andar de baixo. Wendy
já está na cama, com um laptop nas pernas, digitando. O quarto
está cheio de seu cheiro de baunilha, e só posso dizer que estou
feliz por ela estar vestindo um pijama de flanela razoável. Tão
pouco sexy quanto é possível para um pijama.
— Boa noite — eu digo, entrando na cama de baixo da
beliche.
A cama é muito pequena. Se eu tentar me deitar sobre ela,
meus pés se projetam do outro lado. Eu experimentalmente me
enrolo de lado em posição fetal, não exatamente confortável,
mas... Poxa, sinto falta da cama King de lá em cima.
Fecho os olhos e tento relaxar.
Clique-clique-clique-clique-clique.
O som da digitação de Wendy perfura minha cabeça. Viro-
me para o outro lado, puxo as cobertas até os ouvidos, empurro
o travesseiro sobre a cabeça... nada funciona. O estalido
persistente me impede de dormir.
Exasperado, coloco o travesseiro de volta no pescoço e
pergunto:
— A digitação vai durar muito?
— Eu escrevo melhor à noite — Wendy responde, perplexa.
— Claro, Cachinhos Dourados — eu digo. — Além de
roubar a cama das pessoas e escrever à noite, vocês, garotas da
Costa Leste, também fumam Marlboro Lights e bebem
Cosmopolitans à la Carrie Bradshaw1?
— Não — ela responde secamente.
— O que você está escrevendo, afinal, uma coluna de sexo?
O barulho para e ela suspira, exasperada.
— Estou trabalhando na minha nova peça e, se você não se
importa, gostaria de escrever a cena enquanto ainda está fresca
na minha mente.
Pego meu telefone na pequena mesinha de cabeceira e
secretamente procuro no Google “Wendy Nichols peças”
enquanto digo:
— Não consigo dormir se você digitar, e amanhã temos que
acordar muito cedo — Ambas as famílias concordaram em ir
para as encostas à primeira luz do dia.

1
Referência a personagem do seriado Sex and The City, interpretada por Julia Roberts.
Suas pernas balançam sobre a cama de cima, e eu deixo cair
o telefone no meu peito para cobrir a tela, mais uma vez grato
pelo pijama de flanela e meias de lã cobrindo cada centímetro
de sua pele. Wendy pula da cama, ignorando a pequena escada,
e remexe em sua bolsa de dormir, recuperando um pequeno
pacote.
— Aqui. — Ela me entrega, curvando-se. Seu rosto muito
perto. — Eles me deram tampões de ouvido no avião, são
novos. Eu não os usei.
Sem esperar por uma resposta, Wendy volta para a cama de
cima e o clique-clique recomeça, implacável.
Fico de mau-humor em silêncio, sem saber se estou mais
ressentido por ela estar escrevendo, ou por ela ter algo para
escrever – ao contrário de mim.
Antes de colocar os plugues, eu verifico os resultados da
pesquisa no meu telefone. Cada um é sobre um recente musical
da Broadway que ela escreveu: Sonhos Esquecidos. O nome soa
familiar. Me lembro de ler uma crítica entusiasmada sobre isso
no New York Times algumas semanas atrás – mesmo morando
na Costa Oeste, assino o New York Times, tanto para ler
resenhas de meus romances quanto para me manter atualizado
com as listas de best-sellers.
“Eletrizante, fascinante”, dizia o artigo sobre a peça. O
elogio foi tão incomum entre os críticos de teatro normalmente
severos que isso me marcou.
Humm. Cachinhos Dourados é uma colega escritora. Eu
me pergunto como ela entrou na área das peças, por que ela não
escreve romances e, especialmente, em qual história ela está
trabalhando tão intensamente agora. Não há nada pior para um
autor com bloqueio criativo do que ficar preso a alguém que
mal consegue se livrar do teclado.
Coloco o telefone de volta na mesa de cabeceira, verificando
mais uma vez se o alarme está definido para cinco e meia, e
coloco os plugues nos ouvidos. O barulho desaparece
magicamente.
Eu me enrolo debaixo das cobertas, atirando um último
xingamento mental ao andar de cima, vamos ver o quão feliz
você ficará amanhã por ter escrito a noite toda.

•••

Quando o alarme toca na manhã seguinte, Wendy geme como


se estivesse com uma dor física real.
— Que horas são? — Ela murmura.
— Cinco e meia — eu respondo concisamente, pegando
meu laptop debaixo da cama.
— Por que você colocou o alarme tão cedo? Não temos que
sair por mais duas horas.
— Eu escrevo melhor de manhã — digo, abrindo o
manuscrito no último capítulo.
— Argh — ela rosna. — Isso é tão Costa Oeste. Você
também começa o dia com um smoothie de aipo?
— Não, apenas café como todo mundo. Você quer ir fazer
um bule?
Ela me surpreende dizendo:
— Claro, imediatamente — Wendy pula da cama e sai do
quarto.
Ela volta quinze minutos depois com duas canecas
fumegantes de café e me oferece uma.
— Um cálice de veneno de escritor para você, senhor.
Eu pego a caneca e cheiro desconfiado.
— Você colocou veneno de verdade nele?
Wendy sorri angelicalmente.
— Sem veneno, eu prometo. — Ela pisca e sobe de volta
para a sua torre alta.
O café cheira bem, sem cheiros suspeitos. Eu dou uma outra
cheirada celestial e trago a caneca aos meus lábios para um
longo gole. Mas assim que o líquido escuro atinge minha
língua, eu cuspo-o de volta, evitando por pouco deixar cair a
caneca inteira no meu colo.
Ela colocou sal no meu café. Carregado de sal.
— Algo errado? — Ela se emociona.
Eu saio debaixo da cama, deixando cair a caneca no
parapeito da janela e enxugando os respingos na minha
camiseta.
— Você colocou sal no meu café — eu acuso.
— Sério? — Wendy pergunta, mantendo a fachada
angelical. — Desculpe, devo ter confundido os frascos.
Eu estreito meus olhos para sua caneca.
— Seu café tem o mesmo tempero?
Ela sorri e meio que esconde a boca atrás da caneca.
— Eu bebo puro.
Instintivamente, eu sei que ela está mentindo.
— Dê-me sua caneca — eu digo.
Wendy não protesta e entrega. O líquido no interior tem
alguns tons de preto, mais próximo de uma cor de caramelo
dourado. Eu tomo um gole. Droga, ela coloca baunilha até no
café, e é a melhor coisa que eu já provei.
— Você me converteu em café preto — eu digo e levanto a
caneca em um brinde simulado. — Vou ficar com isso.
Wendy balança a cabeça, achando graça, e sai da cama e sai
do quarto, provavelmente para fazer outra xícara.
Termino o café e volto para minha cama minúscula.
Usando um canto dos lençóis, eu seco a tela do computador
dos respingos de café salgado, que não vai virar uma coisa –
como caramelo salgado – e ligo o notebook.
Mais uma vez, eu fico cara a cara com meu pior inimigo: a
página em branco.
Quando Wendy volta, não escrevi uma única palavra.
Conforme ela pula na cama de cima, a pressão para se mostrar
aumenta.
Escrevo e paro. Onde eles estão indo? Como eles encontrarão
um hospital para Wyatt no meio das montanhas etíopes?
— São dez palavras no máximo que você escreveu — Wendy
chama de cima depois de um tempo. — Você me acordou para
escrever dez palavras?
Conto as palavras: exatamente dez. Falemos sobre cutucar a
ferida.
— Estou travado, ok? — Eu confesso.
Seu rosto cai no nível do meu, mas de cabeça para baixo.
— Faça uma pausa, então.
— Não posso. Não escrevi quase nada no mês passado e
estou com um prazo no limite.
Wendy suspira e recua para cima.
— Poxa, eu te odeio. Estou exausta, mas não consigo voltar
a dormir. Você está tendo problemas de enredo? Problemas de
personagem? Por que você está preso?
— Não sei.
— Você está escrevendo outra história do Preacher Jackson?
— Ela pergunta.
Eu me sento mais ereto quando ela admite conhecimento
do meu trabalho. Ela leu meus livros? Ela gostou deles? Eu não
faço nenhuma dessas perguntas e apenas respondo:
— Sim.
— Onde ele está desta vez?
— Etiópia.
— Fazendo o quê?
Eu não compartilhei detalhes do meu próximo romance
com ninguém, exceto minha agente e meu editor, mas com
Wendy, eu me sinto seguro para divulgar. Talvez porque ela
não esteja perguntando como fã, mas com uma abordagem
clínica.
— Recuperando a Coroa de Doze Estrelas perdida usada
pela Mulher do Apocalipse.
— Ok. Ele já tem a coroa?
— Sim.
— Isso é metade do livro. Por que você está travado, de
novo?
— Preacher e Wyatt acabaram de sair de uma caverna e estão
presos em uma saliência na beira de um penhasco. Mas Wyatt
está ferido, então eles não podem “subir a montanha” para sair,
e eu não sei como eles vão encontrar um hospital no meio da
floresta?
— Hmm... — Wendy pensa por um segundo. — Eles têm
que sair à beira de um penhasco? Parece que você está se
colocando em um canto de propósito. Eles não poderiam
simplesmente sair da caverna na floresta e tropeçar em um
acampamento missionário onde Wyatt pode ser curado?
Eu franzo a testa.
— Isso parece muito fácil. Onde está a aventura nisso?
— Em seguida, coloque mais alguns obstáculos ao longo do
caminho. Faça-os lutar com uma pantera ou algo assim.
— Preacher já lutou com um na caverna.
— Ok, então faça eles refazerem seus passos até encontrarem
uma bifurcação nos túneis. Oh — Wendy diz animadamente,
e a cama balança como se ela pulasse sentada. — Eles poderiam
encontrar o covil da pantera e descobrir que ela era mãe e
deixou um filhote para trás. O gatinho é muito pequeno para
sobreviver sozinho, então Preacher e Wyatt o levam junto...
— Uma pantera de estimação? — Eu pergunto com
ceticismo, enquanto ainda escrevo uma lista de pontos.

● Fuja para a floresta


● Acampamento missionário
● Pantera bebê de estimação?

— Sim, você sabe? Ou apenas pesquise no Google “perigos


na selva etíope” e veja o que aparece.
Faço o que ela diz e adiciono mais alguns marcadores à lista:

● Traficantes de drogas
● Ladrões
● Animais venenosos
● Guerrilheiros antigovernamentais
● Rota dos contrabandistas
● Areia movediça
— Encontrou algo interessante? — Wendy pergunta depois
de um tempo.
Olho para as notas, satisfeito.
— Sim, eu devo ter trabalho suficiente para mais alguns
capítulos. — Fecho o notebook e saio da cama, me apoiando na
barreira de proteção superior da beliche. — Você está quase
perdoada pelo café salgado.
Wendy revira os olhos, sorrindo.
— Que nobre da sua parte.
Eu bato palmas.
— Mas agora é hora de levantar de verdade. O que você acha
de começarmos a fazer o café da manhã de todos?
Wendy

Ok, eu esperava que Riven reagisse muito pior à pegadinha do


café. Mas o homem mostrou que sabe levar uma piada com
estilo. Ele não é um rabugento total.
Por que o pensamento é mais desconcertante do que
tranquilizador?
Porque se ele fosse apenas um fanfarrão pomposo e
rabugento, seria mais fácil ignorar o quão bonito ele é, ou quão
genial é sua escrita...
— ...O que você acha de começarmos a fazer o café da
manhã de todos? — Ele me pergunta agora, oferecendo-me a
mão para sair da cama de cima enquanto mostra aquele sorriso
característico dele – o sorriso presunçoso de alguém que pode
fazer você feliz na cama e sabe disso.
Sinos de alarme soam por toda a minha cabeça, e eu convoco
meu sensor interno. Wendy Nichols, devo lembrá-la de que você
já cansou desse tipo?
Não, digo à minha consciência, enquanto noto que
Brandon nem sequer me mandou uma mensagem para
perguntar como foi a viagem ou se chegamos em segurança.
Eu pego a mão oferecida por Riven e me empurro para fora
da cama, mas julgo mal o ímpeto do salto e caio diretamente em
seus braços, quase o derrubando. Riven de alguma forma
consegue se equilibrar e nos mantém de pé.
Seu corpo é quente, seus olhos castanhos e convidativos
como uma xícara de chocolate quente, e seus lábios carnudos
são da cor de morangos. Aposto que até têm um gosto doce.
Oh meu Deus, eu sou uma esquisitona.
— Desculpe. — Eu desajeitadamente saio de cima dele e
basicamente corro para fora do quarto.
Na cozinha, preparamos mais café para adicionar ao bule
que eu já tinha feito. Com dez adultos, um único bule não é
suficiente. Em seguida, colocamos a mesa e tentamos nos
lembrar dos alimentos que os vários membros de nossa família
estão comendo no café da manhã.
Joshua e o irmão de Riven continuam dormindo no sofá,
imperturbáveis por todo o barulho que estamos fazendo. Eles
nem se mexem quando meu telefone toca.
Ah, Brandon deve finalmente estar ligando.
Não. É a Mindy.
— Ei — eu atendo, tirando canecas do armário com minha
mão livre.
— Oi — ela diz. — Desculpe, eu não liguei antes para
verificar você, mas eu tive um dia louco ontem.
— Sem problemas.
— Como está a cabana? Está tudo bem?
Eu hesito.
— A casa é fantástica, realmente.
— Você não parece convencida.
Não adianta esconder a verdade da minha melhor amiga.
Afinal, a dupla reserva não foi culpa dela, mas eu sei o quanto
Mindy se preocupa com seu trabalho. Ela não vai gostar. Mas
mesmo que eu ficasse quieta, ela descobriria quando o recibo
de reembolso do aluguel do feriado chegasse em sua caixa de
entrada. Então é melhor arrancar o Band-Aid.
— Não, não, a casa é linda...
— Mas?
— Mas houve um acidente de reserva dupla?
— Um o quê? — Mindy grita. — Você está compartilhando
com outra pessoa? Como isso pôde acontecer? Vou ligar para a
agência de Park City imediatamente.
— Não, não, por favor. Já resolvemos tudo. A agente
imobiliária está nos dando um reembolso total, e temos um
lugar para dormir que não é um motel na interestadual, então
estamos bem.
— Mas como isso aconteceu?
Segurando o telefone entre o ombro e a orelha, eu abro a
geladeira e pego os variados tipos de leite – sem gordura, 2%, de
amêndoa e de soja – espalhando as caixas em intervalos
regulares ao longo da mesa.
— Um cara está alugando a cabana a longo prazo, e ele disse
que estava indo para casa nas férias, mas então sua família veio
aqui em vez...
— Sua família? Quantas pessoas há na casa?
— Dezesseis.
— Como vocês estão administrando isso com quatro
quartos?
Eu pego o telefone de volta na minha mão e vou atrás do
balcão para pegar laranjas para o espremedor.
— As crianças têm barracas no porão e a agência colocou
um quarto extra no sótão.
— Onde você está dormindo?
— Estou dividindo o beliche com o cara.
— Esse cara é gostoso, por acaso?
Riven deixa cair os cotovelos no balcão ao meu lado,
dizendo:
— Por favor, não reprima seus elogios por minha causa.
Quase derrubo todas as laranjas que peguei.
Mindy tem uma daquelas vozes penetrantes claramente
audíveis ao telefone mesmo por alguém que está a três metros
de distância. Eu não esperava que a conversa tomasse esse rumo
e não pensei em diminuir o volume do alto-falante.
— Era ele? — Ela pergunta.
— Sim, era ele, e você pode julgar a graça de sua aparência
por si mesma... ele é Riven Clark.
— Riven, quem? Espere um momento, você não pode estar
falando do Riven Clark. Várias vezes o número um de best-
sellers do New York Times?
Eu suspiro.
— Sim, ele.
— Oh meu Deus. Ele parece tão gostoso pessoalmente
quanto em suas capas?
— Mindy, ele pode ouvir você, e você está enchendo o ego
dele já inflado.
Riven me mostra seu sorriso presunçoso característico.
Implacável, Mindy continua a me envergonhar.
— Por favor, me diga que eu posso ligar para Brandon e
terminar com ele em seu nome para que você possa ir dar uma
volta na neve com o escritor gostoso.
Eu olho de lado para Riven e percebo que seu sorriso
diminuiu.
— Não, você não pode terminar com Brandon em meu
nome — eu sibilo, diminuindo o volume do alto-falante e indo
para um canto da sala onde Riven não pode nos ouvir.
Riven

Claro que ela tem namorado, cara, quão estúpido você pode ser?
Como eu deveria saber? Wendy veio sem ele e sem anel no
dedo... Foi fácil para mim supor que ela era solteira.
Melhor assim.
Menos complicações.
Agora eu só tenho que suportar seu cheiro doce de baunilha
por mais algumas noites, ignorar seus olhos azuis e tranças
loiras, e fingir que ela não é a mulher que fala sobre pontos da
trama comigo a noite toda.
Uma noite a menos, mais seis para passarmos.
Molezinha.
Wendy desliga com a amiga e volta para a cozinha com um
sorriso estranho.
— Essa era Mindy, minha melhor amiga. Desculpe, ela não
conhece limites.
— Está tudo bem, eu tenho um melhor amigo que é a
mesma coisa. — Não pergunte a ela sobre o namorado. Não
pergunte a ela sobre o namorado. — Então, você tem um
namorado em Nova York?
— Sim, Brandon — diz ela. Que nome chato. E então,
mesmo que eu não tenha perguntado, ela acrescenta: — Ele não
pôde vir por causa do trabalho. Ele está tentando entrar de
sócio na empresa que trabalha.
— Advogado?
— Analista financeiro.
Ai, pior ainda.
— E você? — Wendy pergunta, suas bochechas corando. —
Namorando alguém?
Eu sou salvo da miséria de responder pelo súbito afluxo de
membros das famílias. Em um momento estamos sozinhos – se
você não contar nossos irmãos dormindo – e no próximo, a sala
está cheia de pessoas. Eles descem as escadas, ostentando vários
graus de sonolência prolongada, guiados pelo cheiro de café
fresco como um pequeno exército de zumbis ao toque de um
sino.
O café da manhã é barulhento e caótico, mas sinceramente
não me importo. Após sete meses de ermida, não percebi o
quanto sentia falta de ter pessoas por perto.
Uma vez que a barriga de todos está cheia, Wendy e eu
somos dispensados de lavar a louça, já que já fizemos a refeição,
e temos direito aos dois chuveiros no andar de cima. Ela usa o
banheiro principal do “meu” quarto, agora ocupado por sua
irmã e os gêmeos, e eu estou no banheiro comum. Enquanto
estou tomando banho, tenho que lutar muito para afastar uma
imagem mental de Wendy estando nua em meu chuveiro.
Acho que a visão vai me assombrar muito depois que os
Nichols voltarem a Nova York.
Cara, faz muito tempo desde que você esteve com uma
mulher, se você está fantasiando sobre alguém que colocou sal no
seu café nem vinte e quatro horas depois de conhecê-la.
Verdade. Eu nem consigo me lembrar da última vez que
Cassie e eu fizemos sexo, e isso foi muito antes de ela pedir o
divórcio sete meses atrás, então...
Quando volto para o meu quarto temporário, Wendy está
fechando o zíper de seu traje de esqui – todo branco, com um
cinto na cintura e uma série de bolsos espalhados por toda
parte. Com seu cabelo loiro caindo em cascata pelos ombros,
ela parece um anjo. Então ela inclina a cabeça ligeiramente para
trás e puxa o cabelo para cima em um rabo de cavalo alto, o que
é ainda mais sexy.
Muito sexy.
Em vez de declarar qualquer um dos elogios que passam pela
minha cabeça, eu a provoco:
— Esse traje é novo? Não vai ficar branco por muito tempo.
Ela puxa o rabo de cavalo para apertá-lo, olhando-me
diretamente nos olhos.
— O traje é novo, mas não estou preocupada com o fato de
ficar sujo.
— Vai ficar, na primeira vez que você cair.
Wendy caminha até mim, na direção para fora do quarto, e
para um segundo para me encarar:
— Eu não sei você, Clark, mas eu não caio.
Ooooh, então Cachinhos Dourados acha que ela está no
jogo.
Desafio aceito.
A viagem para as pistas é curta, mas preparar todos para
esquiar não é tão fácil. Sou o único que não precisa alugar
esquis, bastões e botas. Então, enquanto os outros vão para a
locadora, eu compro ingressos diários para toda a turma. Como
as duas famílias têm o mesmo número, Tess nos configurou
com este aplicativo de compartilhamento de despesas, onde
todos registramos o que pagamos – mantimentos, passes de
esqui, restaurantes, etc – e o aplicativo calcula
automaticamente no fim das férias quem deve o quê para
quem.
Quem deve o quê para quem, se eu escrevesse uma frase como
essa em um de meus livros, meu editor traria seu chicote de
aliteração e me esfolaria.
Ingressos de esqui comprados, equipamentos alugados,
com as crianças na escola de esqui e os gêmeos deixados em uma
creche ao lado da encosta, os adultos estão finalmente prontos
para ir.
Me sento em um banco para amarrar minha bota esquerda
na prancha e, remando com o outro pé, junto-me aos outros,
entrando na fila para o teleférico.
Quando passo por Wendy, ela me olha de lado, dizendo:
— Claro que você sabe andar de snowboard.
— Algo contra snowboard?
Ela apenas balança a cabeça, sussurrando baixinho:
— Costa Oeste.
— Acha que pode me vencer nisso, Garota da Costa Leste?
— Eu aponto para seus esquis.
— Você teria sorte se me alcançasse.
Brigamos até as catracas e, quando estamos entrando na fila
para embarcar nos transportadores, aproveito que Wendy se
atrapalha com o elástico de seu ingresso de esqui para
reivindicar o último lugar no que chega.
— Ei — Wendy fala atrás de mim — eu sou a próxima!
A cadeira chega e cutuca minhas pernas por trás em um
movimento suave, forçando eu e os outros três passageiros a
sentar. Uma vez que abaixamos a barra e estamos presos no
lugar, eu me viro para acenar para Wendy.
— Vejo você no topo.
— Então — minha irmã diz ao meu lado quando
começamos a jornada para cima a 22 metros do chão. Estou
compartilhando com ela, Noah e papai estão do outro lado. —
Você parece estar próximo da loira bonita?
Carma.
Eu deveria ter deixado Wendy ir primeiro. Minha punição é
passar os próximos quinze minutos evitando perguntas sobre
minha vida pessoal que eu não quero responder ou não tenho
as respostas. O interrogatório culmina com a pergunta que
todo mundo que conheço tem me incomodado desde que saí
de Los Angeles.
— Quando você volta para casa?
— Quando eu terminar o livro. — Dou a Tess a resposta
padrão. Em parte porque se eu continuar nesse ritmo de
caracol, nunca vou terminar a maldita coisa. E em segundo
lugar, porque não tenho certeza de onde é minha casa. A casa
que eu costumava dividir com Cassie e que, provavelmente,
não reconhecerei quando as obras estiverem concluídas? Isso
não é casa. Faz muito tempo que não é.
Felizmente, o teleférico chega ao topo da montanha, e sou
poupado de perguntas mais insensíveis.
Afasto o clima melancólico enquanto deslizo pela estação
do teleférico sob o sol quente da manhã. Paro na beira da
ladeira para colocar minha outra bota no lugar e admiro a vista.
Daqui de cima, as montanhas são de tirar o fôlego. Inspiro
profundamente o ar tão fresco e limpo, como se não existisse
mais nas cidades, e examino o terreno. Uma rajada de neve
passou ontem à noite, deixando um céu claro e sem nuvens e
dez centímetros de neve perfeita para esquiadores. É cedo o
suficiente para que o chão ainda esteja recém-preparado em um
veludo cotelê quase intacto. Estas são as melhores condições de
snowboard: ótima visibilidade, controle previsível e sem gelo.
Quase tão bom quanto neve fresca.
Eu tenho pouco tempo para admirar a paisagem, porém,
porque assim que o próximo teleférico chega, Wendy empurra
seus bastões ao redor da área plana de chegada e, sem um
momento de hesitação, passa por mim e desce a encosta,
gritando:
— Último a chegar é a mulher do padre!
Coloco meus óculos e mergulho além da borda,
aproveitando a adrenalina imediata da velocidade e do ar frio.
Wendy não estava brincando, ela é boa.
Para me manter em seu rastro, tenho que seguir em frente,
sem me segurar. Ela permanece na liderança durante toda a
corrida. Mas no final, o declínio torna-se mais gradual,
tornando-se o declive perfeito para iniciantes, onde um grupo
de esquiadores inexperientes está descendo em amplas curvas,
estilo limpa-neves. Um deles é imprevisível, desvia e corta a
frente da Wendy, forçando-a a desviar violentamente no
último segundo e parar abruptamente. Eu passo direto por ela,
acenando, e corto uma linha de chegada imaginária.
Wendy segue o exemplo e para ao meu lado, lançando um
jato de neve em pó sobre minha prancha.
Antes que eu possa me vangloriar, ela me corta:
— Este não contou. Eu teria vencido se não fosse por aquele
idiota que me bloqueou.
— O azar da competição, Nichols. Vamos, não seja uma má
perdedoraaaaaaa — Eu zombei dela, usando meus dedos para
fazer um L na minha testa.
Wendy franze o rosto, franzindo a testa enquanto tenta
suprimir um sorriso.
— Quero uma revanche — diz ela, avançando, pronta para
embarcar no teleférico outra vez.
Ela recebe mais de uma revanche.
Na verdade, acabamos competindo um com o outro o dia
todo. Às vezes eu ganho, às vezes ela. Quando o resort fecha, já
perdi a conta. Mas mesmo que a competição seja cansativa, fico
triste quando escurece e temos que voltar para casa.
No carro, Tess passa a mão na minha testa como se quisesse
sentir minha temperatura.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto.
— Verificando se você está bem.
— Por quê?
Tess pisca para mim.
— Porque você não consegue parar de sorrir.
Wendy

Todos os músculos do meu corpo doem quando subo a escada


para a cama de cima, não sendo nem nove horas da noite.
Quando voltamos das encostas, já passava das cinco e levou
mais algumas horas para todos se trocarem e tomarem banho.
Fui por último para poder aproveitar cada gota de água
quente sem ter que me preocupar em preservá-la para o
próximo da fila. Enchi a banheira da suíte de Amy e mergulhei
na água escaldante até que cada um dos meus músculos
estivesse relaxado. Após o longo banho, eu me troquei
diretamente para o meu pijama e afundei no sofá-cama fechado
para o dia, recusando a me levantar por qualquer motivo –
incluindo jantar.
Quase todos seguiram o meu exemplo.
Hoje, as condições de esqui estavam tão perfeitas que
ninguém queria parar e acabamos almoçando super tarde, em
um restaurante ao lado da encosta, às três da tarde. E também
não foi uma refeição leve. Alimentos gordurosos são
supostamente os melhores para se manter aquecido.
Apenas as crianças e a dupla de estudantes universitários,
ainda abençoados com metabolismos mais rápidos, brigavam
pelos restos de pizza da noite anterior. Os adultos “reais” –
mesmo que Joshua e Skeeter sejam tecnicamente classificados
como adultos, eu não os incluo na categoria – estavam bem
mordiscando uma bandeja de frutas que a irmã de Riven
descascou e fatiou.
A única pessoa enérgica da turma era Amy, que jura que
esquiar o dia todo é descansar, comparado a ter que cuidar dos
gêmeos.
Riven me segue até o quarto, dois minutos depois que eu
me enfio debaixo das cobertas. Ele dá uma olhada na minha eu
exausta e, encostado na cama, sorri.
Mesmo no pouco tempo que passamos juntos, aprendi que
os sorrisos de Riven têm uma combinação letal de carisma e um
sex appeal primitivo. A forma como o canto direito da boca se
curva, a curva perfeita do lábio superior, a plenitude do
inferior, e aquele brilho nos olhos: inteligente, provocador,
irresistível.
Firme, Wendy, firme.
Você tem um namorado em casa e só está aqui por uma
semana.
Certo, é melhor eu me lembrar disso.
— Sem escrita à meia-noite, Cachinhos Dourados? —
Riven pergunta.
— Não — eu confirmo, exausta demais até mesmo para
brigar com ele.
No momento, tenho que fazer um esforço consciente para
manter minhas pálpebras abertas. E suspeito que estou
conseguindo apenas porque Riven me hipnotizou com seus
olhos castanhos enrugados.
— E você? Por favor, me diga que você não vai definir o
alarme para cinco e meia para escrever outras dez palavras — eu
provoco.
— Só se você prometer não adicionar sal no meu café nunca
mais.
Eu concordo.
Ele bate na grade de madeira.
— Boa noite, Cachinhos Dourados.
— Boa noite.
Riven desaparece debaixo da beliche. E sem seu olhar
fascinante sobre mim, nada me impede de fechar os olhos e
adormecer na hora.

•••

Na manhã seguinte, eu pisco acordando quando um raio de sol


brilhante perfura minhas pálpebras fechadas. Eu viro meu
rosto para longe da luz e puxo as cobertas até o queixo, ouvindo
no silêncio por qualquer sinal de que Riven ainda está
dormindo debaixo de mim.
Mas nenhum som revelador de respiração regular ou ronco
fraco chega aos meus ouvidos, então me atrevo a inclinar a
cabeça ao mar e espiar. O beliche inferior está vazio.
Uma pontada preocupante de decepção torce meu
estômago. Eu queria ver como ele ficava enquanto dormia.
Pego meu telefone e mando uma mensagem rápida para
Mindy.

Eu
É algo ruim se eu quiser ficar vendo Riven
dormir?

Mindy
Não, é incrível para caramba
Por favor, me diga que você também quer ver o
rosto dele pós-sexo
Termine com Brandon, vá se divertir

Eu deveria saber que receberia esse tipo de resposta de Mindy.

Eu
Eu não vou largar Brandon para ter um caso de
uma noite
Não depois de investir quase dois anos no
relacionamento

Mindy
Seria um caso de cinco noites se eu estiver
contando certo
E um relacionamento não deve ser algo em que
você investe
Você ainda ama Brandon?

Eu
Que tipo de pergunta é essa?
Mindy
O único tipo que você deve se perguntar ao
decidir se deve ficar com alguém por dois anos

Eu
Eu não posso fazer isso antes do café

Mindy
Tome café
Depile as pernas
Transe com o escritor gostoso

Balanço a cabeça e coloco o telefone embaixo do travesseiro,


como se quisesse esconder as palavras de Mindy. Eu pulo da
cama e coloco um roupão, indo para a cozinha.
Riven já está atrás do balcão fazendo café. Amy também está
de pé, aquecendo uma garrafa de leite.
— Bom dia — eu digo.
Amy bufa.
— Ah, fácil para você desejar um bom dia quando não tem
filhos — ela reclama. — Esta é a segunda mamadeira que tenho
que fazer porque Rob já regurgitou a primeira enquanto eu o
alimentava, na cama. Os lençóis estão uma bagunça. Eu tive
que ligar para a agência e pedir novos lençóis. Espero que o
vômito não tenha encharcado o colchão ou nunca vamos nos
livrar do fedor.
Dou uma olhada de lado para Riven, já que tecnicamente é
o quarto dele – colchão dele. Amy deve perceber a mesma coisa
porque ela toca o braço dele, dizendo:
— Desculpe, você provavelmente veio aqui para escrever
sem distrações e estamos atrapalhando seu retiro.
Riven sorri. E nem sequer é um sorriso falso ou superficial,
educado que não alcançasse seus olhos. Não, é um com muito
carinho que ele diz:
— Sem problemas, quem se importa com o colchão... Seu
filho está bem?
— Ah, sim, sim, não se preocupe, é perfeitamente normal
que as crianças vomitem, ele engoliu o leite muito rápido.
O aquecedor de mamadeira emite um bipe e Amy pega o
leite para depois desaparecer pelas escadas.
Eu substituo a minha irmã no balcão e tiro canecas do
armário.
— Amy não planejava gêmeos — eu digo. — Bem, acho que
ninguém planeja ter gêmeos, mas o caso dela é aleatório.
— Há um caso não aleatório?
— Sim. Gêmeos não idênticos acontecem quando dois
óvulos diferentes são fertilizados ao mesmo tempo e é comum
acontecer na mesma família. Às vezes eles pulam uma geração,
mas podem ser meio que esperados. Gêmeos idênticos saem
quando um óvulo se divide em dois por qualquer motivo, e eles
são totalmente aleatórios.
Riven despeja café nas canecas que preparei e prepara outro
bule para recargas.
— Você é especialista em gêmeos?
— Quando Amy descobriu que estava grávida de gêmeos,
era tudo o que ela conseguia falar por meses, então, sim, ela nos
tornou especialistas.
Em um ritmo contínuo, terminamos de fazer o café da
manhã e arrumar a mesa no momento em que nossas famílias
entram na sala. Ninguém concordou com uma hora de alarme
precisa como ontem, mas todos ainda se levantaram na mesma
hora, como se todos tivéssemos nos transformado em um
organismo vivo e maciço.
Depois que todos tomaram café e algo para comer, Tess
pigarreou.
— Como vocês querem se organizar para amanhã?
Devemos apenas comparar as receitas da família e decidir o que
acontece?
Ela está falando sobre a ceia de Natal. Não pensei que outra
família pudesse ter tradições diferentes. Mas eles são da
Califórnia. E se eles só comem enchiladas no Natal? Ou isso
pode se transformar naquele episódio de Friends em que todo
mundo quer um tipo diferente de purê de batatas. Oh meu
Deus, e se eles fizerem torta de maçã em vez de abóbora e noz-
pecã?
Mamãe me surpreende dizendo.
— Se me permitem, Grant e eu conversamos sobre isso
ontem à noite e pensamos que nós, como chefes das famílias,
poderíamos cuidar da refeição. Nós só precisaríamos de alguém
para nos levar na cidade hoje para as compras.
— Eu posso fazer isso, Sra. Nichols — Riven oferece.
— Obrigada, e por favor me chame de Emily.
— Mãe, está tudo bem — eu digo. — Amy e eu podemos
ajudar na cozinha se você não quiser.
Mamãe cora.
— Oh, não seja boba, querida. Quem mais cozinharia se não
eu?
Eu olho para Amy, querendo dizer: não viemos aqui
especificamente porque ela era velha demais para cozinhar para
oito pessoas, e agora ela quer cozinhar para dezesseis?
Amy dá de ombros de um jeito não-sabe-o-que-dizer.
A sobrinha de Riven puxa a manga de Tess, perguntando:
— Mamãe, o que vamos fazer hoje? Estou muito dolorida
para esquiar novamente.
Tess bagunça o cabelo da filha.
— Como todo mundo, querida.
— Eu tenho uma lista de coisas legais para fazer que Mindy
me deu — eu digo, enfiando a mão no bolso do meu roupão
para pegar meu telefone e, em seguida, lembrando que o deixei
na cama. — O telefone está no meu quarto, eu vou pegá-lo.
Eu me levanto e atravesso a sala até a porta do nosso quarto.
Quando entro e pego o telefone embaixo do travesseiro, a tela
acende com várias notificações de Mindy.

Mindy
Abortar missão
NÃO transe com o escritor gostoso
Repito: NÃO transe com o escritor gostoso
Fiz algumas pesquisas
Ele é casado!

Eu encaro as palavras sem compreender seu significado. Ou


melhor, eu sei o que significa “casado”, mas ele não pode...
Riven não pode...

Eu
Isso não faz nenhum sentido

Eu digito de volta.

Eu
Como ele pode ser casado?
Ele não usa um anel

Pelo menos tenho certeza que não. Eu teria notado uma aliança
de casamento se ele tivesse uma no dedo.
A resposta de Mindy vem com um apito irritado.

Mindy
Ele pode ter tirado no momento em que te viu

Eu
Ele não estava exatamente me esperando
E onde estaria sua esposa?
Como ela poderia não estar aqui para o Natal?

Mindy
Como Brandon poderia não estar lá no Natal?

Eu
Ele tinha que trabalhar, você sabe

Mindy
Talvez sua esposa seja uma canalha que trabalha
o tempo todo também

Eu
Mas por meses?
Do jeito que ele fala, ele está aqui sozinho há
um tempo

Mindy
Não sei
Mas leia isso
Foi no final de um de seus livros

Mindy me manda uma foto. É uma foto da página de um livro


impresso intitulada “Agradecimentos”.
Ele lista uma série de outros nomes. Rolo a página mais rápido,
pulando todas elas.

Outra lista de nomes inúteis.

Mais nomes. Eu folheio todos eles até chegar ao próximo


parágrafo, e meu coração para.

A página corta aqui. Eu rapidamente mando uma mensagem


para Mindy.

Eu
me mande o resto
Outra foto chega de uma vez.
Ler essas palavras me deixa ofegante. Uau, quero dizer, eu sei
que ele é um escritor talentoso, mas como deve ser para uma
mulher receber tal dedicação. Eu disparo outro texto rápido
para Mindy:

Eu
De que livro foi isso?

Mindy
A Estrela do Norte

Eu verifico no Goodreads. A Estrela do Norte é seu romance de


estreia. Abro o aplicativo de leitura no meu telefone e procuro
na minha biblioteca por Riven Clark. Li sete dos seus livros.
Por sua vez, eu verifico cada título, rolando até a página de
agradecimentos. Cada um contém uma versão diferente da
mesma dedicatória:
Elas são todas iguais. Minha melhor amiga, minha alma gêmea,
minha companheira de aventuras... Ele parece tão apaixonado.
Este é um casal que eu marcaria com um #RelationshipGoals
no Instagram. Eles não passariam o Natal separados.
Verifico a lista do Goodreads novamente. Comprei todos os
livros dele, exceto o último lançamento que saiu em outubro
passado. Mais uma vez, eu troco de aplicativo e compro o livro
em alguns cliques rápidos. Bato com o pé e mordo uma unha
enquanto espero o download do livro no aplicativo e, em
seguida, percorro imediatamente o índice para encontrar a aba
de Agradecimentos.
A página se enche e, com o coração batendo, faço uma
varredura forense de suas declarações de gratidão. Aos meus
leitores, aos meus editores, à minha família, ao meu agente...
Sem esposa.
Eu tiro uma captura de tela e a envio para Mindy.

Eu
Isso é do seu último livro
Talvez eles tenham se separado?

Mindy
É melhor você ter certeza antes de fazer qualquer
coisa
Eu
Eu não quero fazer nada
Eu só estou curiosa

A única resposta de Mindy é um emoji de Pinóquio.


Wendy

— Você se importa se eu tomar banho primeiro? — Riven


pergunta, me fazendo pular.
Eu me viro, escondendo o telefone nas costas como se
estivesse escondendo um segredinho sujo. Meus olhos
imediatamente se voltam para sua mão esquerda –
definitivamente sem anel.
Riven franze a testa.
— Você está bem?
— Sim, claro, por que eu não estaria bem?
— Então, tudo bem se eu usar o chuveiro primeiro?
— Sim, sim, sem problemas. — Eu passo por ele e saio do
quarto.
Na sala de estar de espaço aberto, quase todos se
dispersaram. Sento-me à mesa onde meu prato ainda está
esperando com uma fatia de torrada pela metade em cima.
Hesitantemente, eu dou uma mordida, mas ficou frio e nada
mastigável. Eu deixo cair no prato novamente e limpo a mesa.
Preciso de outra xícara de café.
Enquanto despejo café no filtro, considero qual seria a
melhor opção para investigar o passado de Riven. Eu poderia
perguntar à irmã dele, mas Tess provavelmente leria muito
sobre meu interesse repentino. Qualquer mulher faria. E o pai
dele? Mesmo que Grant seja um cara, ele parece ser do tipo
perspicaz. E se seu filho está se divorciando, ele pode ser
protetor quanto a isso. Que tal Skeeter? Se o irmão de Riven é
parecido com o meu, ele ainda está naquela fase de cara
tranquilo, onde ele não pensa demais, e os caras sempre dão
respostas mais diretas.
Mas como perguntar? Eu não posso simplesmente me
aproximar dele e dizer, oi, nós nunca nos falamos antes, mas seu
irmão ainda é casado, por acaso?
Como se convocado por ondas telepáticas mágicas, Skeeter
se materializa ao meu lado e pergunta:
— Tem café extra? — Ele estica os braços sobre a cabeça. —
O sofá está matando minhas costas. Passei metade da noite
tentando encontrar uma posição confortável.
— Com certeza — eu digo, e então acrescento: — Sinto
muito por termos invadido suas festas em família.
Skeeter dá de ombros.
— Não teria feito muita diferença, eu iria dormir no sofá, de
qualquer maneira.
— Espero que você não se importe de compartilhar com
Joshua.
— Não, seu irmão é legal. Mas estamos pensando em
comprar sacos de dormir e nos juntarmos às crianças no porão.
Quero dizer, o chão não pode ser pior que aquele sofá.
— Oh, aposto que as crianças adorariam que seus tios legais
se juntassem ao acampamento.
— Sim, podemos ir até à cidade e pedir a Kelly Anne sacos
de dormir, talvez até um colchão de ar. E você? Meu irmão é
um colega de quarto legal?
— Quando ele não coloca o alarme às cinco horas para
escrever, sim. — Isso me dá a abertura perfeita para bisbilhotar.
— Riven sempre faz um retiro quando tem um livro para
terminar?
— Não. — Skeeter pega duas canecas limpas para eu encher.
Eu sirvo o café e ele pega uma, acrescentando: — Mas ele teve
que sair de Los Angeles depois que sua esposa o deixou por um
cara de telenovela, com sua casa a meio caminho de uma
reforma.
Totalmente um cara fofoqueiro, sempre confiável para
fornecer respostas.
— Oh, sinto muito — digo, mesmo que não tenha certeza
de que “sinto muito” seja uma descrição precisa de como me
sinto. É ruim que eu me sinta aliviada que a esposa de Riven
teve um caso e o deixou?
Tão ruim.
— Sim, não foi o melhor ano para o meu irmão.
Skeeter termina seu café em um longo gole e, agindo como
se não tivéssemos acabado de discutir a vida em ruínas de seu
irmão, ele diz:
— Até mais tarde.
— Mais tarde — eu digo. Meu telefone está em minhas
mãos antes de Skeeter ter circulado a ilha da cozinha.

Eu
A esposa o trocou por um ator de telenovela

Mindy
Qual ator? Qual telenovela?

Eu
Não sei

Mindy
Quem te contou?

Eu
O irmão dele

Mindy
Ok
Você tirou a limpo a história
Você vai transar com ele?

— Ei — a voz de Riven me faz pular.


Eu olho para cima da tela do telefone para encontrá-lo
parado ao meu lado, descalço. Deve ser por isso que não o ouvi
se aproximar. Ele está vestindo jeans e uma camisa de flanela.
Seu cabelo ainda está molhado, e ele o está secando com uma
toalha enrolada no pescoço. Ele cheira a um dia ensolarado de
montanha: neve fresca, pinhas, ar frio e beijos quentes.
Wendy, controle-se, ninguém cheira a beijos quentes.
Mas se alguém pudesse, Riven seria essa pessoa.
Eu olho em seus olhos castanhos enrugados, procurando
por qualquer sinal de coração partido. Como deve ter sido ter
a mulher que ele amava, sua esposa, sua melhor amiga, traindo-
o da pior maneira possível?
— Ei, você — eu respondo.
— O banheiro está livre se você quiser, e eu sei que você
estava procurando atividades legais para fazer — ele aponta o
queixo em direção ao meu telefone — mas todo mundo
decidiu que quer ir à cidade comprar uma árvore de Natal para
a casa e enfeites.
Riven me dá um de seus sorrisos de alta tensão.
— Fui repreendido por não fornecer uma.
Por que você não fez isso? Eu me pergunto silenciosamente. É
algo que você costumava fazer com sua esposa?
— Ah, essa é uma ideia maravilhosa. Adoro decorar a árvore
de Natal.
— Sim, eu não me incomodei este ano porque achei que
seria um desperdício, já que a família só ficaria aqui por uma
semana, e eu teria que jogar tudo fora depois. Mas Kelly Anne
nos garantiu que há muitas instituições de caridade para as
quais podemos doar as decorações para o próximo ano.
— Isso é fantástico! Escolher enfeites é minha parte favorita.
— Você deveria se apressar, então. Eles querem sair em meia
hora.
Eles.
Meu sorriso vacila.
— Você não vem?
— Nah, pensei em aproveitar a casa silenciosa para escrever.
Agora eu também quero ficar, mas é claro que não posso. A
menos que eu queira começar a agir como uma adolescente
patética.
Eu levanto minha caneca em um gesto de brinde.
— Vou deixar você com o seu bebê pantera então.
— Não posso prometer que colocarei o bebê pantera, mas
se o fizer, vou dedicar meu próximo livro a você, Cachinhos
Dourados. Por curar meu bloqueio de escritor.
Riven pisca para mim, e meu estômago responde com uma
cambalhota.
— Seria uma honra — eu digo, e saio antes que ele perceba
o grande sorriso que ele colocou no meu rosto.
A ideia de substituir Cassie em sua dedicatória especial me
enche de uma alegria ridícula.
Isso é bobo. Eu tenho um namorado. E mesmo se eu não
tivesse, ficarei aqui apenas por mais quatro dias e depois estarei
de volta a Nova York. E quando Riven encontrar o seu
equilíbrio novamente, ele estará de volta a LA.
Dois mundos diferentes.

•••

Ainda assim, enquanto me visto no banheiro depois de um


banho rápido, sou incapaz de tirar o sorriso do meu rosto. O
que ele vai escrever sobre mim? Não será algo tão forte quanto
o que ele escreveu sobre Cassie. Não sou a melhor amiga dele,
não estamos apaixonados, e definitivamente não sou sua
esposa.
Será uma linha curta como: Para minha terrível
companheira de beliche e nossas manhãs sem dormir discutindo
pontos da trama?
Hum, não, eu não sei. Foi uma manhã. E ele me vê como
terrível? Como ele me vê? Provavelmente como uma pessoa
louca, salguei seu café menos de vinte e quatro horas depois de
conhecê-lo. Em minha defesa, ele tentou chutar minha família
para o olho da rua no Natal e desnecessariamente me acordou
antes do amanhecer, então.
À minha colega de quarto de férias, obrigado pelos pontos da
trama e pelo sal no café?
Eu preciso parar de ficar obcecada com isso. A promessa de
uma dedicatória é provavelmente algo que ele disse sem
realmente ter a intenção de fazer. Quando terminar o livro, ele
provavelmente nem se lembrará de mim.
Meu estômago cai com desconforto do pensamento. Acho
triste a ideia dele me esquecer. Por que ele não podia viver na
Costa Leste? É uma verdade universalmente conhecida que o
estereótipo do escritor atormentado se encaixa melhor em
Nova York.
Wendy Nichols, mesmo que ele morasse em Nova York, você
ainda teria um namorado.
Certo.
Um namorado que ainda não me ligou ou me mandou uma
mensagem desde que cheguei aqui. Pego meu telefone e ligo
para o número pessoal de Brandon – foda-se o horário de
expediente.
— Olá?
— Oi, Bra...
— Olá?... olá?... Brincadeirinha, deixe um recado.
Poxa, eu odeio a mensagem de correio de voz dele. Eu caio
na pegadinha toda vez; não importa que eu tenha ouvido um
milhão de vezes.
A linha apita e eu desligo. Melhor mandar uma mensagem
para ele do que deixar uma mensagem que ele nunca vai ouvir.
Mas ele me precede com um texto de uma linha:

Riven
No trabalho, querida, falamos amanhã

A mensagem é tão frustrante que nem me dou ao trabalho de


responder. Duvido que Brandon perceba. Desapontada, eu
puxo um suéter de lã creme fofo e visto uma calça de veludo
cotelê creme, pronta para me animar com algumas compras de
Natal. Quando saio do banheiro, todos que vão para a cidade
já estão ocupados vestindo seus casacos.
— Esperem por mim! — Eu grito para a massa de pessoas e
corro em direção ao meu quarto para pegar um par de botas
Timberland de camurça bege da minha mala – elas são perfeitas
para essa roupa.
Eu me apresso para entrar no quarto e colido com Riven
saindo. Ele me agarra pelos ombros e me mantém em pé,
dizendo:
— Cuidado, Nichols.
Então seus olhos se arregalam quando ele vê minha roupa.
Eu olho para o meu peito, verificando se há manchas no tecido
ou sei lá, um rasgo, talvez?
— Há algo de errado com meu suéter?
Riven para de olhar e encontra meus olhos.
— Você gosta de branco, uh? Combina com você — ele
acrescenta com um aceno curto antes de me desviar para ir para
a sala de estar.
Corando, eu o sigo com o meu olhar enquanto ele se senta à
mesa de jantar, de frente para a janela, e, laptop na frente dele,
começa a escrever. Ele está vestindo um de seus suéteres de tricô
que lhe dá uma vibe nerd gostoso. Ele coloca um par de óculos
de aro preto e o visual está completo.
— Wendy! — Amy grita. — Você está vindo?
— Sim! — Eu grito, e abro minha mala para encontrar as
botas enquanto me esforço muito para não fazer um inventário
mental de todas as roupas brancas que eu trouxe.
Riven

Eu juro que se ela tirar outro suéter branco daquela mala, vou
jogar tudo no fogo. Agora que a casa está finalmente vazia,
estou sentado à mesa grande, supostamente escrevendo. Mas
em vez de ficar com Preacher e Wyatt enquanto eles rastejam
para fora da caverna e para a selva, minha mente continua
voltando para Wendy e como ela estava linda, abraçável, macia,
quente e sexy esta manhã, vestida novamente toda de branco.
Meu telefone vibra em cima da mesa e, pela primeira vez, me
animo com a distração, especialmente porque é meu melhor
amigo ligando.
— Ol...
— Você já fez sexo? — Danny me interrompe antes que eu
termine de dizer olá.
Retiro tudo o que acabei de pensar, não estou feliz que ele
esteja ligando. Nem um pouco. Danny vem me importunando
há meses para “aproveitar” meu status de recém-solteiro
quando não consigo encontrar nada atraente em minha nova
situação.
— Não — eu digo. — Sem sexo, não tão cedo.
Estou, pela primeira vez desde o anúncio do divórcio,
arrependido em dizer isso?
— Eu não entendo por que você não está transando, cara.
— E eu te disse um milhão de vezes, eu não estou pronto.
— Amigo, não estou falando de compromisso ou
relacionamento. Estou falando de sair por aí. Suba no cavalo...
— Danny, pare com isso, não vou baixar o Tinder.
— Ainda não entendo o por que de você ser tão resistente a
aplicativos de namoro, mas se você quer ser antiquado sobre
isso, você está no cenário perfeito para conhecer mulheres.
— Uma cabana na floresta?
— Um resort na montanha onde os turistas vêm e vão,
ansiosos por se divertirem por um fim de semana. É a situação
perfeita: você encontra uma senhorita simpática, aproveita a
companhia dela por algumas noites, e então ela volta em um
avião para casa. Sem risco de se apegar, sem corações partidos,
apenas bons momentos.
Eu coloco o telefone entre a bochecha e o ombro e me
levanto para fazer outro bule de café.
— Bem, seu programa de reabilitação amorosa terá que
esperar pelo menos até a próxima semana.
— Por quê?
— Já estou muito ocupado com turistas no momento.
— O que significa...?
Enquanto faço café, explico a situação de reserva dupla e
meus arranjos atuais de dormir.
— Essa Wendy é gostosa? — Danny pergunta, uma vez que
ele está atualizado.
— Acho que sim — eu digo evasivamente.
— Oh meu Deus, você gosta dela.
— Eu não gosto dela — eu digo. — Ela é louca. Ela colocou
sal no meu café na primeira manhã em que esteve aqui.
— Por quê?
— Porque eu acordei ela às cinco da manhã para escrever e
porque tentei mandar sua família embora para dormir em um
motel barato no feriado.
— Ai, maluco. Esta é uma boa notícia, mano, uma ótima
notícia, na verdade!
— Não, não é. E mesmo se eu gostasse dela, o que eu não
gosto, não importaria. Ela tem um namorado.
— Então? Ainda é uma boa notícia para mim.
— Não, não é, você sabe como me sinto sobre traição...
— Cara, eu não estou dizendo para dormir com uma
mulher comprometida. Mas devemos comemorar mesmo
assim.
— Por quê?
— Porque significa que seu Bangaloo está vivo.
— Meu Bangaloo? O que é um Bangaloo?
— Seu pau, seu órgão reprodutor masculino. Ele finalmente
saiu da hibernação, ressuscitado dos mortos. Agora o caminho
está aberto para você conhecer novas mulheres. A primeira é
sempre a mais difícil.
— Prefiro não discutir minhas partes íntimas como se
estivesse falando de uma pessoa.
— Não vamos discutir então, vamos colocá-las em uso.
Agora que penso nisso, você provavelmente precisa de um
cupido ou você nunca vai sair dessa cabine. Eu não posso ir até
depois do final do ano, mas vou checar minha agenda para
janeiro e ver se tenho alguns dias livres para visitar.
— Danny, a última coisa que preciso é outra distração. Eu
tenho que trabalhar no meu romance.
— Confie em mim, a liberação sexual será o melhor
impulsionador da escrita. Claro que você não pode escrever,
cara, não com toda essa frustração sexual reprimida. Vou ver
minhas datas e te aviso. Agora eu tenho que ir, cara, mas vou te
mandar uma mensagem quando eu reservar o meu voo.
Balanço a cabeça quando Danny desliga, não adianta tentar
explicar limites pessoais para meu melhor amigo. E para ser
honesto, agora que estou me acostumando a ter pessoas por
perto de novo, eu não tenho certeza de como me sentirei na
próxima semana, quando todos tiverem ido embora. Quando
ela for embora.
Você estará livre para escrever de manhã ou à noite, quando
quiser.
Certo, que é o que eu deveria estar fazendo agora. Termino
minha caneca de café, sirvo outra e volto ao trabalho.
Não, não cáqui.
Branca, ela deveria usar tudo branco. Sim, bata branca, ela é
médica. Eu apago o último parágrafo e o reescrevo.
Eu releio a página e estalo os dedos, satisfeito. Carmen sempre
me implorou por uma subtrama romântica em minhas
histórias. E, embora eu nunca tenha visto Preacher como o tipo
de cara que se apaixona por uma garota aleatória, de repente
estou inspirado.
Wendy

Na cidade, dividimos e conquistamos. Joshua e Skeeter vão à


agência imobiliária para pedir sacos de dormir. Mamãe e Grant
vão ao supermercado. Deixamos os homens, os maridos de Tess
e Amy, encarregados de pegar um pinheiro e prendê-lo no topo
de um dos carros, enquanto Amy, Tess e eu passeamos pelas
lojas com as crianças a tiracolo, caçando enfeites de Natal e
decorações. Nós vasculhamos as únicas lojas em busca das bolas
brilhantes mais bonitas, anjos de porcelana, elfos e globos de
neve pendurados.
Depois do almoço, nos deparamos com uma oficina de
artesanato e não tenho certeza de quem está mais animado em
participar, os adultos ou as crianças. No final da tarde,
produzimos uma respeitável variedade de enfeites de feltro
recheados de algodão: bonecos de neve brancos, Papais Noéis
vermelhos, sinos amarelos e renas marrons. Tess até criou o
trenó mais fofo para a rena puxar, costurado com fio verde nas
bordas e embelezado com glitter. Nossos projetos artesanais
adicionam a quantidade certa de aconchego aos ornamentos
extravagantes comprados em lojas e os complementam com
perfeição.
De volta à cabana, desempacotar e pendurar tudo parece
mais uma festa de Natal antes do Natal. A atmosfera não
poderia ser mais alegre nem se tentássemos. O cheiro da comida
da mamãe e do Grant enche a casa. Amy colocou uma playlist
de músicas clássicas de Natal no sistema de alto-falantes. E as
decorações destacam tudo com um brilho de cores vivas.
O último passo é pendurar uma guirlanda na porta da
frente, um simples círculo verde-pinho com um laço de veludo
vermelho. Tess e eu usamos um cabide sobre a porta para não
danificar a porta de madeira com um prego. Posicionamos e
reposicionamos a barra para garantir que a guirlanda esteja
pendurada exatamente no meio da porta e, uma vez satisfeitas,
trocamos um aceno orgulhoso.
Poxa, a casa parece incrível. A árvore alta brilha com luzes
de fadas em um canto, meias penduradas na lareira e um visco
pendurado no teto...
Riven

Quando as tropas voltam para casa, eu ajudo a carregar os


montes de comida, enfeites e a gigantesca árvore de Natal.
Uma vez que a árvore está montada, minha sobrinha me
encurrala para explicar em detalhes excruciantes todos os
enfeites que ela fez. No final das contas, sou tão especialista em
manipulação de feltro que poderia abrir uma loja de artesanato.
Mas tenho que admitir que a casa parece dez vezes mais
calorosa, agora que todos os enfeites estão montados e com a
árvore de Natal brilhando em um canto. Durante todo o
processo de decoração, espio Wendy. Eu observo a alegria
infantil em seu rosto enquanto ela pendura as bolas na árvore,
admiro seu sorriso brilhante enquanto ela espalha neve falsa no
manto e pendura as meias com seu sobrinho. E eu balanço a
cabeça enquanto ela e Tess passam uma boa meia hora
projetando a solução perfeita para pendurar uma guirlanda de
porta, certificando-se de que o círculo de galhos perenes pende
exatamente no centro da porta. O processo também permite a
entrada de uma corrente de ar frio que refrigera a casa
rapidamente.
Hora de fazer acender a lareira. Queimar toras será o toque
final para a atmosfera perfeita de Natal. Eu saio pela porta dos
fundos da cozinha e carrego madeiras cortadas do rack de lenha
ao ar livre.
— Tio Riven — meu sobrinho me para na segunda rodada.
— Posso te ajudar com a madeira?
Eu me viro para responder a ele sem olhar para onde estou
indo e prontamente esbarro em Wendy, seu cheiro de baunilha
invadindo meu espaço pessoal.
— Desculpe — eu murmuro.
Antes que Wendy possa responder, sua sobrinha grita.
— Tia! Você está debaixo do visco com o Sr. Riven, você
tem que beijá-lo agora.
Wendy e eu olhamos para a planta traiçoeira e suas bagas
vermelhas, e então nossos olhares se encontram...
Wendy

Eu engulo em seco enquanto olho para Riven, petrificada. Ele


está parado na minha frente, com os braços na horizontal e
cheios de troncos.
— Beijo, beijo, beijo — as crianças cantam ao nosso redor.
Riven sorri provocativamente.
— Ei, foi sua ideia decorar a casa.
Eu franzo a testa para ele.
Seu sorriso vacila ligeiramente.
— Nós não temos que nos beijar se você não quiser.
Eu dou de ombros como se eu não me importasse.
— É azar não fazer como manda a tradição. As pessoas do
teatro são muito supersticiosas.
Já que ele não pode exatamente me agarrar com as mãos
cheias de troncos, dou um passo para mais perto dele e fico na
ponta dos pés para lhe dar um beijo nos lábios. A madeira em
seus braços garante espaço suficiente entre nós para que as
coisas não fiquem muito pessoais. Mas no momento em que
meus lábios tocam os dele, mesmo que por apenas um segundo,
eles queimam. O calor se espalha da minha boca para o meu o
rosto e pescoço e orelhas e ombros. Uma corrente ardente que
me faz imaginar o que um beijo de verdade de Riven faria
comigo.
Eu me afasto imediatamente, como se tivesse levado um
choque elétrico. Riven me encara, tão hipnotizado quanto eu
me sinto. Desvio o olhar, confusa demais para pensar, falar,
respirar.
As crianças vibram e aplaudem ao nosso redor, e eu uso a
aclamação como uma desculpa para agir como se todo o
negócio não significasse nada. Faço uma reverência para elas
como as melhores bailarinas que já vi no palco e aplaudo junto,
fingindo que estou ilesa.
Terminado o espetáculo, as crianças se dispersam em busca
de sua próxima aventura.
Eu faço o meu melhor para evitar encontrar o olhar de
Riven novamente, mas eu o sigo secretamente com o canto do
meu olho enquanto ele segue para a lareira. Quando ele está de
costas para mim, observo enquanto ele se ajoelha e constrói
uma espécie de pirâmide com as toras. Suas botas de couro
nobuck estão desamarradas, sua camisa de flanela desabotoada
e seu jeans apertado como pecado em suas coxas musculosas...
ainda bem que sua bunda está coberta pela camisa. Agora eu
entendo porque livros de romance com lenhadores fazem
sucesso. Eu nunca tive uma fantasia com lenhador antes, mas
agora me pego imaginando o quão macia é a pele de carneiro na
frente do fogo e se isso me manteria aquecida se eu estivesse
deitada nua em cima dela...
Que é a minha deixa para parar de olhar para Riven e fugir
para o banheiro do andar de cima para tomar um banho frio.
Eu me tranco, mas antes de entrar no chuveiro, mando uma
mensagem rápida para Mindy:

Eu
Eu pisei embaixo do visco por engano e tive que
beijar o escritor gostoso

Assim que termino de digitar, entro no chuveiro sem dar


tempo para Mindy responder. Abro a torneira na temperatura
máxima – porque ninguém nunca tomou um banho frio
voluntariamente – e relaxo minha mente e meus músculos sob
os jatos quentes.
Quando eu volto, meu telefone está cheio de notificações.

Mindy
Estou impressionada, Nichols
Colocando o visco para fazer seu trabalho sujo
Como foi?
Ei, você não pode me dizer que beijou o escritor
gostoso e depois desaparecer da face da terra!
Você está aí?

Eu digito uma resposta rápida.

Eu
Estou aqui
Eu estava no banho

Mindy
Me dê detalhes
Rápido

Eu
Para usar um clichê: breve, mas intenso
Estou tendo fantasias sobre sexo na frente da
lareira agora sob o tapete de pele de carneiro

Mindy
Bom! Termine com Brandon e vá viver suas
fantasias

Eu
Pela centésima vez, não vou terminar com o
Brandon
E eu não poderia viver minhas fantasias mesmo
se eu fosse solteira
Há algo como um milhão de pessoas na casa

Mindy
Você poderia mover a pele de carneiro para o
seu quarto
Não tão bom quanto sexo ao lado da lareira,
mas... o mais próximo disso?

Eu
Eu não estou jogando minha vida em Nova York
pela janela por quatro noites de diversão

Mindy
Correção. Você estaria consertando tudo o que
há de errado com sua vida em Nova York
E ganhando quatro noites de sexo apaixonado
como bônus

Uma batida vem na porta.


— Sim? — Eu digo.
— Wendy, é você aí? É a Tess... você vai demorar muito
mais? Há uma espécie de fila aqui, todo mundo quer tomar
banho de novo antes do jantar.
— Eu vou sair em um segundo.
Eu reúno minhas coisas, digitando a Mindy um texto rápido
de tchau-até-mais-tarde. Sua resposta é quase instantânea:

Mindy
Fale menos e faça mais!

Ainda vestindo apenas um roupão de banho, saio do banheiro.


— Desculpe — digo a Tess do outro lado da porta.
— Oh — ela pega a trouxa de roupas em meus braços. —
Você poderia ter se trocado lá dentro.
— Não se preocupe, eu vim meio que por impulso e esqueci
minhas roupas limpas no andar de baixo. Não tem problema,
vou me trocar no meu quarto.
Desço as escadas na ponta dos pés, segurando o roupão de
banho firmemente em volta do meu corpo enquanto ainda
carrego minhas roupas sujas comigo. Paro no último degrau
para verificar se a barra está limpa. Meu quarto fica a poucos
passos do patamar, então eu só tenho que me certificar de que
as pessoas na sala estão distraídas para correr furtivamente
alguns passos até a porta. Então estou dentro.
Eu tento trancar a porta, mas não há fechadura.
Provavelmente porque é um quarto destinado a crianças.
Merda. Vou ter que ser rápida.
Eu largo as minhas roupas sujas na cama e, sem tirar o
roupão, puxo uma calcinha limpa. Então eu enrolo um sutiã
limpo em volta da minha cintura para prendê-lo na minha
barriga. Uma vez que os pequenos fechos estão presos, eu o viro
e puxo para cobrir meus seios. Mas para puxar as alças sobre
meus ombros, tenho que largar o roupão.
Claro, esse é o instante em que Riven entra no quarto. Ele
dá uma tosse chocada e murmura um frenético:
— Desculpe.
Eu mal tenho tempo para espiar atrás de mim e ver seu olhar
arregalado antes que ele saia correndo do quarto novamente.
Eu dou de ombros.
Poderia ter sido pior.
Eu poderia estar nua.
Riven

Calcinhas de algodão branca não devem, por nenhuma razão,


ser sexy. A menos que uma certa senhorita com quem sou
forçado a dividir um quarto decida mostrá-la para mim. A
imagem vai me assombrar para sempre.
O que ela estava fazendo se trocando em nosso quarto? Não
era uma regra implícita que deveríamos usar o banheiro para se
despir? Ela fez isso de propósito?
Não, eu acho que não. Mas entre aquele beijo estúpido sob
o visco e agora isso...
Existe um aplicativo de apagamento de memória? Hoje em
dia, há aplicativo para tudo. Também deveria haver um para
esquecer o quão macio seus lábios estavam pressionados nos
meus, o formigamento que desceu pela minha espinha
enquanto nos beijávamos, e a imagem de Wendy semi nua
olhando para mim por cima do ombro.
— O que você está pensando? — Tess deixa cair os
cotovelos na mesa ao meu lado, me fazendo perceber que estou
sentado, olhando para o espaço em branco por quem sabe
quanto tempo.
— Uh... err... pontos da trama. — Dou a ela minha resposta
padrão para quando não quero revelar o que está em minha
mente.
— O Preacher deve se encontrar em uma situação difícil,
você parece torturado.
Ah, eu zombo mentalmente. Agora, eu provavelmente me
sentiria mais relaxado se um comando de mercenários estivesse
atrás de mim. Estou pensando seriamente em sair para uma
caminhada refrescante – grande lobo mau ou não.
— Sim — eu digo para Tess. — O mesmo de sempre.
— O livro está progredindo?
Para minha surpresa, minha resposta é definitiva:
— Sim.
Estranho como consegui escrever mais hoje, nas poucas
horas em que dei uma pausa na “diversão” em família, do que
no último mês de total paz e solidão.
— Você está voltando para casa em breve, então? — Tess é
notória por sua tendência de nunca ceder.
— Eu estou voltando para casa quando estiver voltando
para casa — eu digo e me levanto. — Eu provavelmente deveria
ir verificar o fogo.

•••
Eu consigo evitar minha irmã e Wendy pelo resto da noite, mas
na hora de dormir, não há como escapar da situação do quarto
compartilhado.
Eu sou o último na fila para usar o banheiro, então quando
eu chego no quarto, Wendy já está lá vestida com seu fofo
pijama de flanela, remexendo em sua mala.
Pijamas de flanela não são fofos! Uma voz se enfurece na
minha cabeça. Eles são os anti-sexo.
Bem, não em Wendy Nichols.
— Ei — eu digo.
— Oi — Wendy responde olhando para mim.
E como não quero que isso seja mais estranho do que precisa
ser, acrescento:
— Desculpe por mais cedo, não queria invadir seu espaço
assim.
Wendy se levanta, e este cômodo é realmente muito
pequeno. Estamos a apenas trinta centímetros de distância.
— Não, não se preocupe, foi minha culpa. Fui tomar banho
e esqueci de levar uma muda de roupas. E esta porta não tem
fechadura, então pensei em me vestir rapidamente e...
— Claro, eu peguei você.
Ela sorri.
— Sim.
— Talvez devêssemos estabelecer um código. Pendurar uma
meia na porta se um de nós estiver nu.
Com a palavra nu, ela cora um pouco – e ela poderia ficar
mais fofa?
— Meia na porta se eu ficar nua de novo, entendi!
No momento em que ela diz nua, entro em uma batalha de
vontade para não imaginá-la totalmente nua.
E perco muito.
Meu cérebro está fazendo um photoshop na imagem mental
que tenho do arquivo dela de calcinha, obliterando as partes de
algodão branco e substituindo-as por uma pele impecável e lisa.
— Riven, você está bem?
Eu pisco.
— Sim, claro, tudo bem.
— Você meio que viajou por um minuto.
Sim, eu estava ocupado fantasiando sobre seu corpo.
Eu não digo nada.
Wendy dá meio um sorriso, meio uma careta sem jeito.
— Bem, boa noite.
Ela sobe em sua cama, e eu faço o mesmo na minha. Eu me
deito, olhando para as tábuas de madeira sob o colchão de
Wendy. Quero falar com ela, mas não sei o que dizer. No meio
da minha indecisão, o telefone de Wendy começa a vibrar no
parapeito da janela.
Ela se pendura metade da cama para alcançá-lo e sussurra:
— Olá.
— Amor — responde uma voz masculina.
Ah, esse deve ser o infame namorado.
— Oi, Brandon — Wendy diz ainda em voz baixa. — Está
tudo bem? Não é super tarde em Nova York?
— Sim, desculpe, eu acabei de chegar do escritório e estava
me servindo uma bebida em casa e não pude deixar de pensar
em você naquela lingerie da marca Agent Provocateur que
comprei para você no seu aniversário.
Ah, perfeito. Agora eu não posso deixar de imaginá-la em
lingerie atrevida. E dado o efeito que a roupa íntima de algodão
teve em mim, tenho certeza que mesmo o mais simples
conjunto da Agent Provocateur fritaria meu cérebro para
sempre. Quer dizer, toda a marca foi inventada para provocar,
está no nome!
— Agora não é o momento — ela responde em um tom
ainda mais baixo.
— Vamos, querida, eu sinto sua falta. — A voz do cara é
quase inaudível agora. Wendy deve ter baixado o volume do
telefone. Mas no silêncio da noite, ainda consigo entender suas
palavras quando ele diz: — Brinque comigo.
Eba.
O cara quer fazer sexo por telefone.
Aponto uma arma de dedo para minha têmpora e disparo
um gatilho imaginário.
— Brandon, você está bêbado? — Wendy sibila.
— Eu bebi alguns drinques depois do trabalho, eu não estou
bêbado. Estou com tesão e quero...
— Pare. Você não me liga há dias, e a primeira ligação que
recebo é uma ligação bêbada para sexo por telefone?
— Ei, relaxe... qual é o problema com você?
Qual é o problema com você, cara? Eu nunca vi o cara, mas
sinto uma vontade irreprimível de socá-lo na cara.
— Ouça, eu tenho que ir agora. — Wendy parece irritada.
— Falamos amanhã?
— Bem, você quem perde. Feliz Natal para você também,
eu acho — o cara responde, e então deve desligar porque a sala
fica quieta.
O silêncio perdura por um longo tempo até que Wendy
sussurra:
— Por favor, me diga que você está dormindo e não ouviu
uma palavra disso.
Ela deve estar falando comigo!
O que eu faço? O que eu digo?
Por falta de alternativa melhor, solto um ronco teatral,
depois outro, e mais outro, até Wendy começar a rir.
Ela ri por um tempo e então em um tom entre sério e
mortificado, ela pergunta:
— Então você ouviu?
E embora eu não tenha apreciado particularmente a
grosseria de seu namorado, não acho que Wendy precise me
ouvir dizer tanto.
— Vamos — eu brinco. — Você pode culpar o cara? Ele
deve sentir sua falta.
Wendy suspira.
— Não sei. Esta noite é a primeira vez que ele liga desde que
cheguei aqui, e não foi para me perguntar como eu estava ou
para ter uma conversa. Ele estava bêbado e excitado e não estava
no escritório pela primeira vez. E é como se ele se lembrasse, oh,
sim — por qualquer motivo, ela diz a próxima parte em uma
cadência sulista mole — “eu poderia ligar para aquela minha
namorada e fazer um pouco de sexo por telefone”.
Uma gargalhada escapa dos meus lábios.
— Desculpe — eu digo.
— Você está rindo da minha miséria?
— Não, é que eu gosto muito do seu estilo narrativo. Se você
se cansar de escrever musicais, dê uma chance às comédias
românticas.
— Sim, claro, só que eu não saberia como escrever um final
feliz para este.
A conversa está tomando um rumo perigoso, mas tento
manter minhas respostas objetivas. O mesmo que costumava
fazer quando discutia problemas do coração com Tess no
ensino médio e na faculdade antes dela conhecer Noah.
— Se ele não te faz feliz, nada te obriga a ficar com ele.
— Não suporto adicionar outro relacionamento fracassado
à minha conta e não quero que os últimos dois anos da minha
vida tenham sido um desperdício.
— Então, em vez disso, você planeja perder ainda mais
tempo com a pessoa errada. Ótima reflexão, Nichols.
— Você soa como Mindy agora.
— Isso é uma coisa boa?
— Se você se orgulhar de ser uma mulher ferozmente
independente, com certeza... — Ela faz uma pausa por um
segundo e depois acrescenta: — Obrigada...
Minhas sobrancelhas sobem.
— Pelo quê?
— Por não ser um idiota sobre o telefonema.
— O que posso dizer? Tenho um fraquinho por mulheres
que invadem minha casa e misturam sal no meu café.
Wendy fica quieta por um longo tempo. Tanto tempo que
presumo que ela tenha adormecido. Mas então ela sussurra:
— Você também não é o pior colega de quarto. Boa noite.
— Boa noite — eu respondo, suprimindo um suspiro
pesado.
Já sobrevivi a três noites. O que são mais quatro...
Wendy

No dia de Natal, passamos a manhã do lado de fora, fazendo


anjos de neve e construindo bonecos de neve improváveis e
tortos. E com tantos de nós ao ar livre, gritando e rindo,
declaramos o terreno protegido contra ataques de lobos. O
Google nos garantiu que os lobos solitários provavelmente não
se aproximam de um grupo de pessoas barulhentas e que
preferem caçar à noite, de qualquer maneira.
Eu me sinto culpada por deixar a mamãe fazer todo o
trabalho pesado enquanto estamos brincando do lado de fora.
Mas ela e o pai de Riven baniram todos da cozinha e insistiram
em fazer todos os preparativos sozinhos. Para alguém que não
queria entrar no espírito natalino, eu não via mamãe tão alegre
desde antes de recebermos a notícia de que papai estava doente.
— Você acha que mamãe tem uma queda pelo pai de Riven?
— Pergunto a Amy enquanto puxamos os gêmeos pelo pátio
nos trenós que encontramos no barracão de ferramentas. Nós
prendemos duas cordas neles para não quebrar nossas costas
curvadas para frente, e os pequenos estão se divertindo olhando
para o mundo do nível do solo. Eles também são muito fofos
em seus trajes de neve pomposos combinando.
— O que te faz dizer isso? — Amy pergunta.
Olho pelas amplas janelas francesas da casa para mamãe e
Grant cozinhando juntos.
— Eu não sei, ela parece tão brilhante perto dele, e ela estava
usando maquiagem esta manhã?
— Sim, ela pediu meu brilho labial.
— E você não achou estranho?
— Não, eu achei fantástico. Se mamãe está flertando com o
Sr. Clark, fico feliz por ela. Ela precisa se divertir, e ele parece
um perfeito cavalheiro. Sem mencionar que ele é um colírio
para os olhos. — Amy me lança um olhar travesso de lado. —
Você sabe o que dizem?
— Não?
— Tal pai...
— O que isso deveria significar?
— Só que o filho dele também é muito bonito, caso você
não tenha notado. Como está indo o compartilhamento do
quarto?
Espero que minhas bochechas já estejam vermelhas o
suficiente do frio para que ela não perceba o quanto estou
corando.
— Os beliches são muito desconfortáveis.
— Então, você não gosta de Riven Clark, o belo gênio
escritor, nem um pouco?
— Eu tenho um namorado.
Amy estremece, uma reação padrão.
— E de qualquer forma, vamos ficar apenas mais quatro
dias. Você sabe que eu não tenho casos.
Amy faz uma careta para mim amigavelmente.
— Se a mamãe pode ter um caso, então talvez você deva
também.
— Mamãe é solteira, ela pode ter todas as aventuras que ela
quiser.
— Mamãe está tendo um caso? — Joshua repete aparecendo
do nada.
Amy se inclina para ele de forma conspiratória.
— Suspeitamos que ela tem uma queda pelo Sr. Clark, o
mais velho.
— Ah, bem.— Joshua dá de ombros com a profundidade
emocional típica de um cara de vinte e poucos anos. — Ela me
mandou dizer a todos que deveríamos tomar banho e trocar de
roupa, porque o almoço estará pronto em cerca de uma hora.
Amy e eu obedientemente seguimos a diretriz e arrastamos
os gêmeos até os degraus da varanda, cada uma pegando um
assim que os trenós batem na madeira dura. Os bebês riem
alegremente o tempo todo.
— Você precisa de ajuda para arrumá-los?
— Não, vá em frente — diz ela, pegando seu outro filho de
mim e entrando na casa. — E Wendy?
— Sim?
— Use um pouco de maquiagem, por favor?
Amy pisca para mim e desaparece escada acima.
•••

Meia hora depois, estou de pé na frente do espelho com minha


bolsa de maquiagem aberta na pia, tentando decidir o que devo
colocar. Não quero ser muito óbvia, mas também quero ficar
bonita.
Para o Riven?
Meu coração dispara quando percebo que, sim, quero ficar
bonita para ele.
No final, eu opto por contorno suave, base, blush, brilho
labial simples e uma tonelada de rímel para fazer meus olhos
ficarem POW! Seco o cabelo e o modelo em ondas suaves que
deixo soltas nos ombros sobre o último suéter de lã branco
creme que encontrei na minha mala.
Eu pisco para o meu reflexo. Nada mal!
Ainda assim, enquanto desço as escadas, me sinto
ridiculamente insegura para alguém que vai participar de uma
ceia de Natal em família. Exceto que minha família não será a
única na mesa, então...
Eu mantenho meus olhos baixos e vou direto para o meu
quarto para deixar as roupas sujas e a bolsa de maquiagem. Sem
meias na maçaneta, noto, corando.
Exceto que Riven está no cômodo – totalmente vestido,
infelizmente. Quer dizer, felizmente.
— Ah, ei — eu digo.
Ele se vira para me olhar e seus olhos se arregalam. Ele faz o
possível para manter suas feições em segredo, mas quando ele
tenta falar, um ruído estrangulado sai em vez disso, e ele tem
que tossir e tentar novamente.
— Ei.
Definitivamente ele notou a maquiagem, eu noto com
satisfação. Eu sei que é bobagem, mas saber que tenho o poder
de desestabilizar um homem como ele – bonito, bem-sucedido,
genial – é emocionante. Ele gosta de mim?
E então eu não posso deixar de me perguntar como essas
férias teriam sido se eu fosse solteira. O que eu não sou...
portanto, eu não deveria me entregar a ilusões. É inútil.
Quando meu olhar cai para seu peito, eu tenho que lutar
muito para não rir. Ele está vestindo um suéter de Natal feio e
verde-claro com um pinheiro esmeralda estilizado ocupando
todo o seu torso, onde as bolas na árvore são verdadeiros tufos
3D de peles artificiais.
— Suéter fofo.
Riven olha para o peito dele, depois volta para cima.
— É uma tradição de longa data dos Clarks vir à ceia de
Natal com roupas feias. Este ano eu tive uma vantagem: Park
City está dez léguas à frente de LA em tudo no Natal.
— Você acha que é porque vocês californianos não tem
neve?
Ele dá de ombros.
— Talvez? Quero dizer, você poderia imaginar uma versão
de Esqueceram de Mim ambientada em LA em vez de Chicago?
Eu faço uma cara de indignada.
— Nuuuh, nunca.
— Exatamente.
Eu desajeitadamente passo para o lado dele para deixar
minhas coisas na minha mala. Como uma reflexão tardia, eu
tiro meu perfume do estojo de beleza e secretamente borrifo
meu pescoço enquanto me agacho sobre a mala aberta.
— Bem, então — eu digo, me levantando. — Vejo você na
outra ponta.
Riven

Envolto em uma nuvem do perfume inebriante de Wendy, eu


vejo-a sair do quarto, fechando minha mão em um punho
apertado e trazendo-a à minha boca para mordê-la.
Ela está vestida de branco novamente. Ou o branco é sua cor
favorita, ou ela está fazendo isso de propósito. E seu rosto...
hoje ela está ainda mais linda do que o normal. A mulher está
tentando me matar, fazendo espetinho de mim.
Eu deveria correr para fora e deitar na neve por algumas
horas para esfriar. Em vez disso, eu respiro fundo e saio do
quarto. Pelo menos nas áreas comuns, haverá pessoas
suficientes para colocar um amortecedor entre nós. Eu estudo
o espaço aberto, fazendo uma anotação mental de todos os
pontos onde eles penduraram visco para evitá-los. Se eu tiver
que beijá-la novamente, pode ser o meu ponto de desequilíbrio.
Eu ficaria louco.
Na hora do almoço, eu me sento estrategicamente na
extremidade oposta da mesa de Wendy, mas do mesmo lado,
para evitar qualquer risco de encontrar seus olhos. Talvez assim
eu possa manter meu juízo no lugar.
A refeição é enorme. Papai e Emily prepararam um
banquete, combinando as melhores receitas de família de cada
um dos dois clãs. Uma variedade de aperitivos de crostini, o
imperdível peru com três molhos diferentes como prato
principal, mas também um rocambole de peru para as crianças
e uma espécie de torta redonda que Amy me informa que é a
receita secreta da Cream Choux2 da mãe dela. A quantidade de
camadas é impressionante. Do clássico purê de batatas a um
relish3 de cranberry e maçã, salada de beterraba e abóbora assada
e até macarrão com queijo, inicialmente destinado às crianças,
mas muito apreciado também pelos adultos. As sobremesas
não são menos majestosas. Torta de abóbora, maçãs
caramelizadas, bolo de chocolate e tortas de framboesa.
Ficamos horas sentados à mesa, comendo, conversando,
rindo. As duas famílias se misturaram. Clarks ao lado de
Nichols. Muito longe daquele primeiro almoço na cidade onde
nos separamos em duas facções claras.
Quando a comida acaba, Wendy se oferece para ajudar a
lavar a louça. Em vez de me oferecer para ajudá-la, eu me
posiciono ao lado da lareira no serviço de manter a sala quente.
Depois que a cozinha é limpa, todos nos reunimos na sala para
assistir a um filme – optamos pelo novo Esqueceram de mim.
A maioria de nós tem que se sentar no chão, encostados em

2
Cream Choux é uma torta de massa folhada, de forma redonda, podendo ser recheada
com cremes e frutas.
3
Relish é um produto cozido e em conserva feito de vegetais picados, frutas ou ervas e é
um item alimentar normalmente usado como condimento para melhorar um alimento básico.
vários móveis de apoio, e novamente, eu me posiciono na
extremidade oposta da sala de estar de onde Wendy está.
Esqueceram de mim no lar, doce lar não é um filme longo,
mas no final, metade da sala está cochilando. Eu mesmo estou
muito sonolento. Tanto as crianças quanto os adultos optam
por ir para a cama ridiculamente cedo, o que na verdade é uma
coisa boa, já que amanhã planejamos mais um dia nas pistas.
Espero minha vez de usar o banheiro do andar de cima e,
quando Tess sai, puxo minha irmã para um abraço de urso.
— Oh meu Deus — diz ela enquanto me abraça de volta. —
Para que isso?
Eu me inclino para trás para olhar para ela.
— Obrigado por me forçar a participar do Natal. Você
estava certa, os Clarks nunca perdem o natal. Eu teria sido um
idiota miserável se tivesse passado o dia sozinho.
— Ah, irmão mais velho. — Tess gentilmente me dá um
tapinha nos ombros. — Quando você vai aprender que sua
irmã está sempre certa?
— Minha irmã, quem? Aquela com a cabeça realmente
grande — eu digo, e antes que ela possa protestar, eu a abraço
novamente e acrescento — e um coração ainda maior.
Obrigado.
Tess me dá um beijo na bochecha e bagunça meu cabelo.
— Boa noite.
— Boa noite.
Eu levo o meu tempo no banheiro, mas quando desço para
o meu quarto compartilhado, Wendy ainda está acordada. Ela
está na cama, checando seu telefone.
— Ei — ela levanta os olhos quando entro no quarto. —
Sinto que não te vi o dia todo.
Oh, então ela notou.
— Eu era aquele no final da mesa, ocupado roubando a
comida de todas as crianças.
Ela ri.
— É por isso que o macarrão com queijo nunca chegou ao
meu lado.
Eu sorrio como um idiota.
— Queria dizer que sinto muito, mas não sinto.
— Cuidado, Clark, você está me atentando para colocar sal
no seu café de novo.
— Você prometeu que nunca faria isso de novo.
Wendy dá de ombros.
— Então talvez eu use molho.
Eu faço uma expressão de vômito.
— Por favor, não, o mero pensamento é bastante
repugnante. — Eu zombo de novo.
Ela levanta uma sobrancelha.
— Então, você vai ser um bom menino?
Eu tenho que ser. Especialmente porque você não tem ideia de
quão menino mal eu gostaria de ser agora.
Eu aceno para ela e lhe desejo boa noite, afundando no meu
beliche. Felizmente, estou muito empanturrado para viver. Eu
só quero dormir e digerir.

•••

Ao amanhecer, acordo bem descansado e,


surpreendentemente, com bom apetite. Infelizmente, minha
atração por Wendy também voltou com força total.
Especialmente quando a vejo preparada para as pistas. Tenho
certeza de que roupas de esqui bufantes não deveriam deixar as
mulheres sexy, mas com Wendy, eu desisti e aceitei que ela
poderia usar um saco de batatas e ainda tirar meu fôlego.
Pelo menos hoje poderei canalizar minha inquietação em
esforço físico, flexionando os meus músculos na neve. Sem
querer, eu acabo formando par com Wendy novamente.
Corremos uns contra os outros pelas encostas o dia todo, quase
sem interrupções. Como ninguém está com tanta fome depois
da enorme refeição de ontem, o grupo mal faz uma pausa para
almoçar e esquiamos até tarde.
Às quatro, quando todos os outros desistem por um dia,
Wendy me implora para fazer uma última corrida com ela.
Está escurecendo bem rápido, mas não tenho coragem de
dizer não a ela. Pegamos literalmente o último teleférico, mas
quando chegamos ao topo, uma surpresa desagradável nos
aguarda: uma nuvem espessa engolfou o pico da montanha,
impossibilitando ver além de nossos narizes.
Saímos da cadeira e Wendy vira à esquerda. Eu a sigo,
chamando:
— Wendy, espere. Pare!
Ela pára na beira da encosta. E eu sei que ela está me olhando
interrogativamente, mesmo que eu não consiga ver exatamente
seus olhos por baixo dos óculos espelhados.
— Devemos ir para o outro lado — eu digo, alcançando-a.
— O quê? Para iniciantes? Não.
Eu levanto meus óculos de sol e ela faz o mesmo.
— Vamos, Wendy. A visibilidade é terrível.
— Não é tão ruim, e tenho certeza que é apenas uma nuvem
no topo. Vai clarear em breve.
— Você não pode ter certeza. — Eu balanço minha cabeça.
— Não é seguro.
— Esta pode ser minha última corrida da temporada —
Wendy faz beicinho — A previsão do tempo para os próximos
dois dias é horrível e vamos partir no dia seguinte.
Meu coração se contorce com a dor com a qual ela fala sobre
ir embora. Mas ignoro a questão metafísica de sua partida
iminente para me concentrar nos aspectos práticos de descer
esta montanha.
— Wendy...
— Não me venha com Wendy.
— Eu não estou te enganando, só estou dizendo que é o fim
do dia, a visibilidade é uma porcaria e o terreno é irregular.
Devemos ir para o outro lado.
Wendy coloca seus óculos de volta e sorri para mim.
— Faça como quiser, mas o último a chegar é a mulher do
padreeee.
Ela desce a encosta.
Essa maldita mulher será a minha morte. Coloco meus
óculos escuros de volta e a sigo ladeira abaixo.
Seguir não é a palavra certa porque não consigo vê-la em
toda essa neblina. Eu tenho que proceder com cautela,
principalmente às cegas por uma das pistas mais difíceis do
resort. Como esperado, o terreno é uma mistura desagradável
de montes de neve, partes com neve molhada e pesada, além de
manchas geladas e escorregadias.
Um pesadelo total.
Pelo menos com o snowboard, não corro o risco de ter um
esqui afundando na neve mole enquanto o outro escorrega em
uma lousa de gelo. O pensamento mal passou pela minha
cabeça quando a neblina finalmente se dissipa e vejo Wendy
terminando exatamente nessa situação.
Um de seus esquis fica preso em um monte de neve fresca
enquanto o outro desliza para a frente em uma placa de gelo e
neve endurecida. Ela cai, atingindo o chão primeiro, e depois
dá algumas cambalhotas ladeira abaixo enquanto seus esquis e
bastões voam em direções opostas aos quatro pontos cardeais.
Meu coração para no meu peito quando a queda de Wendy
termina abruptamente em outro monte de neve macia e ela não
se levanta.
Eu corro para o lado dela, guinchando até parar ao lado de
seu corpo imóvel. Não consigo desabotoar minhas botas rápido
o suficiente e nem me importo que, uma vez livre, a prancha de
snowboard desliza para baixo, fora do meu alcance,
provavelmente perdida para sempre.
Eu caio de joelhos ao lado da forma flácida de Wendy e
recuo com a quantidade de sangue estragando seu rosto –
sangue demais. O líquido quente está encharcando a neve ao
redor dela, formando uma poça de tom vermelho-rubi.
Não me atrevo a tocá-la ou movê-la. Eu lanço um olhar para
cima da colina, mas a visão ainda está bloqueada pela nuvem.
Ninguém vai descer assim. Nenhuma pessoa em sã consciência
seria tão tola.
— Maldita seja, Wendy.
Eu tiro minhas luvas e ligo para o 911.
Duas motos de neve de resgate nas montanhas chegam até
nós após os cinco minutos mais longos e extenuantes da minha
vida. Um paramédico desce e se ajoelha do outro lado de
Wendy enquanto o outro pega um walkie-talkie.
— Indivíduo inconsciente, solicitamos apoio aéreo
imediato.
— Vamos ligar para o helicóptero — uma resposta metálica
vem do walkie-talkie, perturbada pela estática.
— Como ela está? — Eu pergunto ao homem na minha
frente.
O paramédico tem dois dedos sob o pescoço de Wendy.
— O pulso é bom e forte, e não consigo identificar
nenhuma lesão clara.
— Mas de onde vem todo o sangue?
— Pode ser apenas um sangramento no nariz, senhor, eles
parecem piores do que realmente são. Mas não posso ter
certeza.
Pela primeira vez desde que vi Wendy cair, recupero o fôlego
e meu pulso diminui para apenas mil batimentos por minuto,
em vez de um milhão.
Logo um helicóptero chega. Os paramédicos carregam
Wendy a bordo em uma maca e a máquina decola novamente
minutos após o pouso. Eu protejo meu rosto da tempestade de
neve que as hélices do helicóptero levantam e, com o coração
na boca, vejo o veículo vermelho desaparecer entre as nuvens
escuras.
— Você precisa de uma carona ladeira abaixo, senhor? — O
mesmo paramédico que atendeu Wendy me pergunta. Ele já
pegou os esquis de Wendy e os carregou na moto de neve.
— Sim, por favor — eu respondo. — Perdi minha prancha.
Subo no snowmobile atrás dele e em pouco tempo
chegamos ao fundo da encosta.
A família de Wendy está esperando por nós ao lado da
minha, e quando eles me veem desmontar de um veículo de
resgate sozinho, os sorrisos são apagados de seus rostos. Eu não
queria nada mais do que dizer a eles que tudo vai ficar bem, mas
a verdade é que eu não sei.
Eu lhes dou os fatos concretos como eu os testemunhei.
Para seu crédito, ninguém entra em pânico. A mãe de Wendy
faz algumas perguntas ao paramédico, mas ele não pode
fornecer mais respostas do que eu poderia além do hospital para
o qual ela está sendo levada.
Uma vez que a informação é recebida, os Nichols se
organizam para a viagem para Salt Lake City. Amy está com o
coração partido por ter que ir para casa para cuidar dos gêmeos
e não poder seguir sua irmã até o hospital. Mas a mãe de Wendy
e Joshua a asseguram de que lhe darão atualizações constantes.
Papai se oferece para acompanhar Emily. E eu também me
junto a eles.
A viagem para o Centro Médico Regional de Salt Lake é
sombria, e a espera no hospital é ainda mais sombria. Os
minutos passam insuportavelmente lentos, me deixando com
bastante tempo para me repreender mentalmente. Eu deveria
ter insistido mais. Eu deveria ter colocado meu pé no chão e
dito que estávamos descendo a ladeira para iniciantes, ponto
final. Ou melhor ainda, eu não deveria ter concordado com a
última corrida.
Depois do que parecem séculos, um médico finalmente
chega à sala de espera para nos dar uma atualização sobre a
condição de Wendy.
Wendy

Em uma névoa atordoada, abro os olhos, tentando entender


onde estou ou por que minha cabeça está doendo tanto.
Correção, abro apenas um olho porque o outro parece estar
preso sob algum tipo de curativo. Eu toco minha mão nele. Um
tapa-olho?
À minha direita, um monitor está apitando regularmente e,
à minha esquerda, Riven está relaxado em uma poltrona,
dormindo.
Estou no hospital.
Por quê? O que aconteceu? E por que Riven está na sala
comigo? Onde está minha família?
Algum tipo de sexto sentido deve sinalizar para ele que estou
acordada porque ele se levanta e pisca para mim.
Então ele sorri – um sorriso completo de dez milhões de
megawatts.
— Ei — diz ele, sua voz ainda baixa e grogue de sono. —
Você está acordada.
Repito em voz alta todas as perguntas que acabei de me
fazer.
— Por que estou no hospital? O que aconteceu? Por que
você está no meu quarto? Onde está minha família?
O sorriso de Riven ainda se ilumina.
— Uau, Nichols, você vai de zero a 100. Fico feliz em tê-la
de volta.
— O que estou fazendo no hospital? — Eu repito.
— Bem, você teve uma queda espetacular na última corrida.
Eles tiveram que chamar um helicóptero só para você. — Ele dá
de ombros. — Não é uma surpresa, considerando a alta
manutenção que você dá.
Seus lábios se contraem.
— Eu caí?
— Bem em cima de uma placa de gelo, de cara.
Minha mão volta ao meu olho enfaixado.
— E meu olho?
— A resposta curta é que vai ficar tudo bem, mas eu não sou
médico e não consigo me lembrar de nenhuma das palavras
bonitas que eles usavam para dizer isso. Além disso, eu meio
que me afastei depois que eles disseram que você ficaria bem.
Eu mordo uma unha.
— Tão ruim, hein?
— Você nos deu um susto horrível, capitã Gancho.
Eu levanto minha sobrancelha livre.
— Gancho?
— Sim, de Peter Pan, Wendy Darling, o tapa-olho combina
com você.
Eu estreito um olho para ele.
— Por que você está no meu quarto? Onde está minha
família?
— Bem, Amy teve que cuidar dos gêmeos e não pôde vir.
Sua mãe queria passar a noite, mas essa cadeira teria
provavelmente destruído suas costas. — Ele se estica como um
gato. — Com certeza matou a minha. E uma vez que ficou claro
que você não estava em nenhum perigo mortal, Joshua não se
ofereceu para ficar, então eu fiz. Pacto de colega de quarto, eu
acho.
Ele diz isso casualmente, mas meu lábio inferior começa a
tremer perigosamente. Eu respiro fundo e o estudo.
— É só isso?
— Esqueci alguma de suas perguntas?
— Não, eu só estou esperando o enorme “eu te avisei” e o
seguinte “quando-eu-dizer-que-o-nível-avançado-é-muito-
perigoso-você-deveria-me ouvir”.
— Ah, sem perda de memória, isso é um bom sinal. —
Riven se inclina para frente, cotovelos nos joelhos. — Não se
preocupe, Gancho, você tem um passe livre desta vez.
Eu aceno com a cabeça.
— Desculpe — eu digo. — E obrigada por passar a noite
comigo. Você pode ir descansar agora.
— Sua mãe disse que voltaria assim que pudesse. Eu vou
esperar. — Riven verifica seu relógio. — Eles devem trazer o
café da manhã em breve, mas você quer que eu pegue alguma
coisa das máquinas de venda automática? Café... com sal, de
novo?
Eu reprimo um sorriso.
— Na verdade, só água, estou com sede.
— Sim, os médicos disseram que você poderia estar. Um
efeito colateral da anestesia.
Eu olho meu olho bom.
— Anestesia?
— Sim, sua retina. O cirurgião oftalmológico teve que fazer
um procedimento.
Estou prestes a pedir detalhes quando uma enfermeira entra
com uma bandeja de comida.
— Você está acordada, que maravilha. E bem na hora do
café da manhã.
Assim que a enfermeira deixa cair a bandeja na minha frente,
eu abro a garrafa de água e bebo em alguns goles longos.
Riven sorri.
— Devo ir buscar outra?
— Sim, por favor. — Ele sai da sala, e eu me viro para a
enfermeira, que está lendo os dados dos monitores à minha
direita e copiando os números do meu arquivo médico. —
Enfermeira, você sabe o que aconteceu com meu olho?
Ela lê o topo da minha ficha.
— Você teve um descolamento de retina, querida. O médico
virá vê-la em um minuto para explicar tudo. Enquanto isso,
tente não se preocupar. O Dr. Curt é o melhor cirurgião
oftalmológico do estado.
— Obrigada — eu digo.
A enfermeira acena com a cabeça e sai do quarto assim que
Riven volta com duas garrafas de água nas mãos.
— Eu sei que você prefere com gás, mas eu não tinha certeza
se isso conta também para a sede pós-operatória.
Meu coração aperta. Dois anos depois de namorar Brandon,
ainda tenho que corrigi-lo em restaurantes quando ele tenta
pedir água normal para nós dois.
— Com gás está ótimo, obrigada.
— Bom dia — um médico de cinquenta e poucos anos diz
com uma voz retumbante. Ele tem um bigode branco e um
rosto tranquilizador. — Como estamos nos sentindo esta
manhã?
— Com sede — eu respondo, tomando outro longo gole de
água.
— Perfeitamente normal — ele responde. — Geralmente
realizamos esses procedimentos com anestesia local, mas devido
à... ah... natureza traumática de sua lesão, preferimos a anestesia
completa. Além disso, você estava meio apagada, de qualquer
maneira. Sua cabeça dói?
— Sim.
— E o seu olho?
Eu concordo.
— Bem, mocinha, o paracetamol vai se tornar seu melhor
amigo nas próximas seis a oito semanas. Fora isso, fico feliz em
informar que sua cirurgia foi um sucesso e que você não deve
sofrer consequências a longo prazo. Talvez um olho roxo pela
próxima semana ou algo assim.
— Você pode explicar exatamente qual foi o procedimento?
— Claro. Tivemos que realizar uma cirurgia de reimplante
de retina. — Dr. Curt pisca para mim. — Não é tão assustador
quanto parece. A essência disso é que, por causa de sua queda,
uma fina camada de tecido na parte de trás do olho, a retina, se
soltou. Tivemos que entrar lá e reparar os danos.
Não tenho certeza se a resposta vai me fazer sentir melhor,
eu pergunto:
— Como?
— Injetamos em seu olho uma bolha de gás para empurrar
a retina descolada de volta ao lugar e depois a recolocamos com
crioterapia. Nenhuma cicatriz visível para você.
Costumam fazer isso com as pessoas acordadas? Agora
estou feliz por ter desmaiado. Eu teria morrido de medo.
— Ok. Quando posso ir para casa?
O médico sorri para mim com benevolência.
— Ah, a pergunta favorita de todos os pacientes. Enviamos
descolamentos de retina para casa imediatamente, mas seus
exames também mostraram uma leve concussão, então
preferimos aproveitar sua companhia por mais uma noite.
Meus ombros relaxam com alívio.
— Mas ainda poderei pegar meu voo para casa depois de
amanhã, certo?
Pela primeira vez, a testa do médico franze.
— Temo que não, Srta. Nichols. Um efeito colateral
desagradável da cirurgia é um embargo total de voar durante
todo o tempo de recuperação.
Eu engulo.
— Mas... mas você disse que levaria seis para...
— Seis a oito semanas, correto.
— Você quer dizer, eu vou ter que dirigir para casa?
— Onde é a sua casa, senhorita?
— Nova York.
— Ah.
Eu não gosto do jeito que ele disse ah.
O médico respira fundo e eu me acalmo para a pior notícia,
que ele prontamente dá:
— Senhorita Nichols, você também está proibida de dirigir.
Sua visão não estará à altura por um tempo, desculpe. E mesmo
que você encontre uma alma bondosa que a leve por mais de
trinta horas pelo país, temo que as vibrações do carro e o
estresse constante na retina sejam prejudiciais à sua recuperação
ocular. — Ele suspira. — Se eu fosse você, me concentraria em
como ficar confortável em Salt Lake City pelos próximos dois
meses.
Riven

Wendy está presa. Ela vai ficar em Utah por mais seis a oito
semanas. Eu absorvo as palavras do médico com uma mistura
de pavor e euforia. Em seguida, me sinto um idiota por estar
um pouco feliz por Wendy ter esmagado rosto na neve, ter
passado por uma cirurgia no olho e depois ficar presa longe de
casa por dois meses. Longe de seus amigos, de seu trabalho, de
seu péssimo namorado...
Oh meu Deus, eu sou o pior.
O médico sai, e Wendy olha ao redor do quarto do hospital,
totalmente perdida. Quando seu olho livre encontra o meu, ela
parece ainda mais à deriva.
Não tenho tempo para oferecer palavras de conforto, pois a
família dela chega. Emily, Amy, Joshua, todos entram na sala
ao lado do meu pai. Papai e eu deixamos os Nichols sozinhos
para lhes dar um pouco de privacidade enquanto discutem a
recuperação de Wendy e vamos para o refeitório do hospital.
Eu, para tomar café da manhã, e papai, para um reforço de café.
Conto a papai a notícia de que Wendy terá que ficar em
Utah no futuro próximo, e seus lábios se contorcem. Mas ele é
rápido em esconder a reação e endireitar suas feições em uma
linha severa e preocupada.
— Que infelicidade — comenta ele, balançando a cabeça.
— Sim — eu digo, olhando para o meu café preto e
pensando que preciso perguntar a Wendy o que ela coloca no
dela porque, depois de provar sua versão de baunilha, o café
preto simplesmente não faz mais efeito em mim.
— Você acha que eles tiveram tempo suficiente sozinhos?
— Papai pergunta depois de um tempo. — Devemos voltar?
Eu concordo. Coletamos nossos pratos e copos usados, os
separamos nas várias lixeiras de reciclagem e subimos as escadas.
No quarto, a vibe não é boa. As bochechas de Wendy estão
vermelhas e ela parece estar chorando. Emily tem um olhar
preocupado em seu rosto, e Amy também. O único tranquilo
parece ser Joshua.
— O que está acontecendo? — Pergunto.
O irmão de Wendy dá de ombros.
— Nós ligamos para a agência imobiliária e Kelly Anne nos
disse que vai ser complicado encontrar um lugar decente para
Wendy, considerando que ainda é temporada de turismo e ela
precisa estar a uma curta distância de praticamente tudo, já que
ela não pode dirigir.
— Bobagem — eu digo, olhando diretamente para Wendy.
— Claro, você pode ficar na cabana comigo.
— Mas... mas eu não invadiria seu espaço?
— Wendy, atualmente há dezesseis pessoas morando
naquela casa. Vai parecer um palácio com apenas dois de nós.
— Ao dizer as palavras, a magnitude do que estou propondo
me impressiona. Dois meses na mesma casa com Wendy – sem
mais ninguém!
Bem, pelo menos haverá quartos separados desta vez.
Emily vem até mim com um olhar de pura gratidão em seus
olhos.
— Oh, Riven, você realmente deixaria nossa Wendy ficar
com você? Eu me sentiria muito melhor se ela tivesse alguém
que pudesse ajudá-la. Ela não vai me deixar ficar.
— Mãe! — Wendy grita, envergonhada. — Riven não
precisa de uma moribunda em seu caminho. Ele veio para Park
City para se concentrar em seu livro. A última coisa que ele
precisa é ter que me levar pra cima e pra baixo quando eu tiver
que fazer compras no supermercado.
— Bem — eu digo. — acredite ou não, os romancistas
também comem. Não sobrevivemos exclusivamente da nossa
arte. Você pode pegar carona comigo quando eu for para a
cidade.
Wendy me encara, seu olhar ao mesmo tempo esperançoso
e preocupado – por causa do que viver juntos por dois meses
poderia fazer conosco?
Pare de construir castelos no ar, cara, isso não significaria
nada. Ela ainda tem um namorado em casa. Caramba, ele
provavelmente estará voando para visitá-la assim que souber do
acidente. Oh Deus, e ele espera que possa ficar na casa conosco.
Isso significa que eu vou ter que ouvi-los fazer sexo de verdade
agora? Sexo por telefone fracassado já foi difícil o suficiente
para engolir. Não tenho certeza se posso lidar com a coisa real.
Eu involuntariamente estremeço. Wendy deve notar minha
careta e interpretá-la da maneira errada, porque seus lábios
fazem uma curva teimosa e ela diz:
— Não se preocupe, eu não preciso ser seu caso de caridade.
Que mulher teimosa e inflexível.
— Wendy, eu ficaria feliz em fazer isso. — Feliz demais,
talvez, eu comento em minha cabeça. — Nós nos tornamos
amigos, certo? Isso é o que os amigos fazem.
Ela abre a boca para dizer algo, mas sua mãe intervém.
— Ou você fica com Riven, ou eu fico em Utah com você
pelos próximos dois meses, e você sabe que sua irmã depende
muito da minha ajuda com as crianças.
Amy acena ao fundo.
Wendy fecha a boca e nos encara até que, finalmente, ela dá
um pequeno aceno de cabeça quase imperceptível,
acrescentando:
— Mas estou pagando metade do aluguel e isso não é
negociável.
Eu sorrio.
— Eu posso viver com isso.
É o resto que não tenho certeza.
Wendy

Estou envergonhada com o alívio que sinto quando Riven se


oferece para me deixar ficar com ele. A ideia de ter que ir caçar
uma casa durante a alta temporada era assustadora. E a
perspectiva de passar os próximos dois meses morando com
minha mãe era algo com que eu não conseguiria lidar. Eu amo
a mamãe, mas não sou mais uma adolescente e uma coisa que
ela nunca conseguiu parar de fazer é ser mãe.
Espero que Riven realmente quis dizer isso quando disse
que quer que eu fique na cabana. Que ele não está apenas
fazendo isso por pena... Mas ele insistiu tanto. E ele disse que
somos amigos.
Amigos... eu pondero sobre a palavra. De alguma forma, o
termo não me satisfaz. Por quê? Eu quero que sejamos mais
que amigos?
Não vá por esse caminho, Wendy. O fato de você ficar por dois
meses não muda nada, apenas mudou a duração do seu
relacionamento com Riven. Mas assim que seu olho se recuperar,
você ainda estará morando em Nova York, e ele ainda estará em
LA. Além disso, você já tem um namorado.
Certo, Brandon!
Alguém contou a ele sobre o acidente?
Depois de conseguir mandar minha família para casa com o
pedido de que eles aproveitem seu último dia de férias com
várias garantias de que, sim, posso cuidar de mim por um dia
em um hospital cheio de enfermeiras prontas para me ajudar,
eu recupero minha telefone e disco o número de Brandon.
— Olá...
— Ei, Bra...
— Olá?... Olá?... Brincadeirinha, deixe um recado.
— Aaargh — eu grito, tendo que fazer o meu melhor para
não jogar o telefone na parede.
Eu desligo sem deixar uma mensagem e mando uma
mensagem para ele.

Eu
Eu sofri um acidente, estou no hospital
Por favor, me ligue de volta assim que você ler
isso

Pela primeira vez, ele não me faz esperar e liga imediatamente.


— Amor — diz ele. — O que aconteceu? Você está bem?
Conto a ele sobre a queda e o reimplante de retina, e então
acrescento:
— A questão é que não posso voar de volta para casa tão
cedo após a cirurgia. Vou ter que ficar em Utah por um tempo.
— Por quanto tempo exatamente? — Brandon pergunta,
seu tom cauteloso.
— De seis a oito semanas, o médico disse.
— Uh, sim, uh, me desculpe, querida, a coisa é...
— Não, não se preocupe, um amigo se ofereceu para me
hospedar e talvez você possa vir me visitar um fim de semana.
— Acho que não — Brandon me corta. — Quando eu disse
que sentia muito, eu quis dizer sobre nós...
— Nós? O que você quer dizer?
— Sim, eu não sou de relacionamento a longa distância.
Do que ele está falando?
— Brandon, isso é apenas temporário. Ficarei fora dois
meses, no máximo.
— Não, eu entendo, mas meu trabalho é muito estressante
para ficar sem sexo por dois meses. Uma semana já foi o
máximo.
Oh meu Deus, o significado de suas palavras afunda.
— Você está terminando comigo?
A linha fica em silêncio por um momento.
— A menos que você queira tentar um relacionamento
aberto enquanto estiver aí...
— Do tipo que você quer fazer sexo com outras mulheres
enquanto eu estiver fora e eu deveria estar bem com isso?
— Ei, estou tentando ser o mais honesto possível, querida.
Muitos caras teriam te traído sem dizer uma palavra.
Ah, sorte minha, que verdadeiro cavalheiro você é, Brandon,
eu zombo mentalmente, enquanto minha boca se abre e eu
pisco, incapaz de responder.
— Eu acho que isso é um não, então — ele diz. — Bem, sinto
muito pela sua queda. Ligue quando voltar para a cidade.
Tenho que voltar ao trabalho agora. Se cuida.
Brandon desliga, e eu afundo nos travesseiros da minha
cama de hospital, segurando meu telefone em minhas mãos
enquanto algo dentro de mim se quebra. Não, não meu
coração. Mas talvez minha autoestima, meu senso de valor
próprio.
Por que desperdicei dois anos da minha vida com esse cara?
Por que nenhum homem nunca se importa comigo? Por que
ninguém nunca se apaixonou perdidamente por mim? Tudo o
que os homens sempre queriam de mim era se divertir na cama
por um tempo, e quando se cansam, seguem em frente como se
eu nunca tivesse existido.
O que há de errado comigo?
Sentindo-me entorpecida, eu fecho meus olhos. Estou
cansada demais para considerar qualquer uma dessas
perguntas. É isso, cansei de lutar ou procurar amor. Eu não me
importo mais.
Eu não me importo com nada.
Riven
Cinco dias depois

Eu dou a volta no sofá, observando a forma semi-reclinada de


Wendy e me perguntando qual deveria ser meu próximo passo.
Nossas famílias partiram há três dias e, desde então, ela não saiu
daquele sofá, exceto para ir ao banheiro ou para dormir no
quarto do sótão.
Todos os dias, ela segue a mesma rotina. Ela dorme até meio-
dia ou mais tarde. Quando ela desce, ela se joga no sofá e liga a
TV. Ela está assistindo todas as dez temporadas de Friends sob
demanda.
A comida não parece interessá-la. Ela mordisca o que quer
que eu traga para ela, deixando a maioria para trás.
Ela se recusou a comemorar o Ano Novo. Não que eu
tivesse esse grande banquete em mente, mas um simples brinde
à meia-noite teria sido bom. Podíamos ter visto os fogos de
artifício da cidade da sacada do andar de cima juntos. Em vez
disso, às nove, ela já estava na cama.
Ela estava para baixo desde que voltou do hospital, mas as
coisas se deterioraram desde que sua família foi embora.
Enquanto eles estavam aqui, ela fez um esforço para agir
normalmente perto deles. Mas agora que eles se foram, ela está
apagada.
Amy me disse que o namorado de Wendy terminou com ela
por telefone, mas eu não sei os detalhes. Ninguém conseguiu
fazer Wendy falar sobre isso. Poxa, ela devia realmente gostar
do cara se essa é a reação dela.
Esse cara, como?
Eu teria pensado que ela ficaria mais aliviada do que triste
por se livrar dele. Mas para a separação causar tal reação...
Eu tenho alguma experiência com como as mulheres reagem
a um coração partido. Como aquela vez no ensino médio,
quando Tess estava namorando Johnny Clever, o quarterback
do time de futebol e o cara mais popular da escola, e então
descobriu que ele tinha mais duas namoradas em outras duas
escolas. Ela passou uma semana inteira chorando e comendo
sorvete com as amigas. Mas pelo menos minha irmã estava
reagindo de alguma forma. Wendy acabou de ficar totalmente
passiva.
O telefone dela toca. Wendy olha fugazmente para a tela,
mas não o alcança para ler ou responder o texto.
Não sendo capaz de se comunicar com ela, sua família vem
me pedindo atualizações sobre seu bem-estar. Até agora, eu a
cobri, inventando desculpas – ela dorme muito, a tela do
telefone está muito clara, ela ainda não consegue ler muito bem
– fingindo que me deu mensagens para passar para eles. Mas
não sei por quanto tempo mais posso manter o fingimento, ou
por quanto tempo devo.
— Wendy — eu chamo agora. — Eu estou fazendo o
almoço. Alguma coisa que você esteja com vontade?
Sem tirar o olhar da tela da TV, ela responde:
— O que você for comer, está bom.
Claro, ela diria isso. Já tentei deixá-la sem comida, mas ela
acabou de se levantar do sofá para pegar uma banana da cesta
de frutas e esse foi o jantar dela. Ela não pode sobreviver com
frutas. Também considerei esvaziar os armários e a geladeira de
toda a comida para ver qual seria a reação dela, mas
sinceramente estou com medo de que ela simplesmente não
coma. E até agora, mantê-la em uma dieta saudável, embora
escassa, é a única coisa que consegui, então não vou parar agora.
O que posso cozinhar? O que tivemos ontem? Macarrão no
almoço e tacos no jantar. Abro a geladeira, em busca de
inspiração. Hambúrgueres? Não. Tenho tomate, queijo
mussarela... Uma salada Caprese? Uhm, gostoso, saudável, mas
estou com vontade de algo quente. Frango de amêndoa? Não,
eu fiz no outro dia. Um pacote de dois filés de salmão chama
minha atenção.
Bingo.
Se o meu salmão grelhado com mel não a ressuscitar dos
mortos, nada o fará.
Trinta minutos depois, apresento a Wendy o prato mais
convidativo e crocante à perfeição culinária. Só que eu cometo
o erro de ficar muito tempo na frente da tela da TV enquanto
eu sirvo para ela. Ela pega o prato de mim e estica o pescoço
para olhar para a TV além de mim.
— Por que você não se junta a mim na mesa?
— Não, obrigada, estou bem no sofá. Você se importaria?
— Ela faz um gesto de afastar-se.
Eu a deixo com seu estúpido programa de TV e vou almoçar
sozinho no balcão da cozinha.
Hmmm, delicioso.
Wendy não deve concordar porque quando vou pegar o
prato dela na mesa de centro em frente ao sofá, ela mal comeu
um terço do salmão e os legumes parecem intocados.
— Você não gostou? — Eu pergunto. — Eu posso fazer
outra coisa para você.
— Não, foi ótimo. Só não estou com fome, obrigada.
Pego o prato e coloco na pia.
Ok, a cenoura claramente não está funcionando... hora de
trazer as armas pesadas.
Wendy

— Estou indo para a cidade — Riven diz, pegando as chaves do


carro e colocando sua parka. — Você quer vir?
— Não — eu digo, pensando que quero terminar meus dias
neste sofá, conversando com o menor número de pessoas
possível.
— Você precisa que eu traga alguma coisa?
— Não, obrigada, estou bem.
— Vejo você mais tarde — Riven abre a porta da frente,
deixando entrar uma corrente de ar frio, e então fechando a
porta enquanto ele sai.
Eu me aconchego ainda mais debaixo do meu cobertor
xadrez e me concentro no episódio de Friends, Aquele em que
Todos Ficam Sabendo.
Riven volta cinco episódios depois. É assim que estou
marcando a passagem do tempo agora, nos episódios de
Friends.
Ele deixa uma sacola de compras no balcão da cozinha e
guarda os produtos frescos na geladeira enquanto eu me
preparo para a próxima tentativa que ele fará de conversar ou
tentar me tirar do sofá.
Eu não entendo por que ele não me deixa em paz. O médico
receitou bastante repouso, estou apenas seguindo as instruções.
Felizmente, Riven não diz uma palavra enquanto guarda as
compras e depois desaparece no andar de cima. Depois de
alguns minutos, ouço a água correndo. Ele deve estar tomando
banho.
Mas cedo demais para tomar banho, ele desce as escadas.
Riven atravessa a sala e se planta bem na frente da TV,
bloqueando a visão.
Eu mudo de lado no sofá para continuar assistindo, mas
Riven pega o controle remoto e desliga a TV.
— Ei — eu protesto. — Eu estava assistindo isso.
— Desculpe, Wendy, mas isso é uma intervenção.
— Uma intervenção, por quê? Estou perfeitamente bem.
— Porque, confie em mim, você não quer que aquele ditado
sobre hóspedes e peixes seja verdade.
Eu franzi a testa. Peixes, hóspedes, do que ele está falando?
Então a citação de Benjamin Franklin vem à mente: os hóspedes,
como os peixes, começam a cheirar mal depois de três dias.
Ele está dizendo que eu estou fedida? Dou uma cheirada
disfarçada sob a axila e, tudo bem, não é exatamente cheiroso,
mas também não é fedido.
Eu olho para ele, indignada.
— Eu não estou fedida e não sou hóspede, estou pagando
metade do aluguel.
— Ainda assim, você não toma banho há três dias.
— O médico disse que eu não posso tomar banho até que
ele remova o curativo.
— Mas ele não disse nada sobre você não tomar banho de
banheira. Eu preparei um para você na suíte master. — Riven
olha minha cabeça em dúvida. — Aposto que se você for
cuidadosa, pode até lavar o cabelo.
Quando me recuso a continuar ou me levantar, Riven
aponta o polegar para as escadas.
— O banho não é opcional, Wendy. Vá antes que a água
esfrie e depois, se quiser, pode passar o resto da vida neste sofá.
Eu jogo o cobertor para longe do meu corpo e me levanto.
— Sim, mãe. Poxa, eu deveria ter pedido à minha verdadeira
mãe para ficar, ela teria sido menos irritante do que você.
Impassível, Riven aponta para as escadas novamente, então
não tenho outra escolha a não ser ir para o andar de cima, de
mau-humor.
No banheiro, considero me trancar por vinte minutos para
fingir que tomei banho, mas a banheira parece realmente
convidativa, cheia de vapor e borbulhante. Ele mesmo colocou
sais na água? É azul demais para ser natural. Verifico a
temperatura com o dedo, ainda quente. Ok, Sr. Intrometido,
você ganhou.
Eu tiro meu moletom e me afundo. O calor imediatamente
envolve todos os meus membros, massageando meus músculos
atrofiados depois de três dias vivendo no sofá. Desfruto da
sensação por alguns minutos e então, tomando cuidado para
não molhar meu olho ou o curativo, inclino minha cabeça para
trás até que meu cabelo esteja completamente submerso.
Quando eu emerjo, procuro xampu. No canto da banheira, há
apenas uma embalagem roxa, um frasco rosa da mesma marca
e um pente branco. Pego a embalagem roxa e leio o rótulo:

Deve ser uma sobra da estadia de Amy na suíte master. Minha


irmã é notória por ser uma viciada em produtos de beleza. Ela
sempre usa as melhores marcas.
Pego o shampoo e o massageio no couro cabeludo. Hmm...
o cheiro é divino, já posso sentir meu cabelo ficando mais
macio. Mais uma vez, com cuidado para não deixar uma gota
de água atingir meu rosto, lavo o shampoo. E eu deveria
terminar, eu deveria sair... mas aquele frasco rosa está me
chamando. Deve ser uma máscara capilar. Eu pego para ter
certeza.
— Máscara de reparação capilar — eu li em voz alta. —
Nutre profundamente e reverte os danos.
Bem, é claro que diria algo assim. Estou prestes a colocá-la
de volta, não tenho certeza se quero me incomodar quando
meu olhar cai sobre a etiqueta de preço branca ainda presa à
tampa.
— Quarenta dólares — eu exclamo em voz alta. — Por uma
máscara de cabelo?
Amy com certeza não tem dó de gastar nenhum centavo
quando se trata de cuidados com os cabelos.
Bem, agora tenho que experimentar. Não posso desperdiçar
uma máscara de cabelo de quarenta dólares.
Leio as instruções:

Vinte minutos? Como Amy ainda encontra tempo para tomar


banhos de vinte minutos com quatro filhos?
Eu, pelo contrário, não tenho filhos e vou morrer
solteirona... então tenho todo o tempo do mundo.
Eu dou de ombros e abro o pote. O interior é de uma cor
rosa perolada e cheira a coco e manteiga de karité. Pego uma
porção generosa e uso o pente para pentear meu cabelo. Repito
o processo até que todo o meu cabelo esteja coberto e massageio
suavemente a máscara nas pontas para deixá-la penetrar
melhor. É aí que está o pior dano, de qualquer maneira. Uma
vez que estou satisfeita, torço meu cabelo em um coque alto
sobre a cabeça e coloco um cronômetro no meu telefone.
Eu adiciono mais água quente à banheira e deito minha
cabeça para trás, pronta para um cochilo de vinte minutos.
Quando o cronômetro dispara, parece que mal fechei os
olhos. Mas a água ficou morna, então deve ter sido realmente
vinte minutos – um episódio inteiro de Friends.
Eu uso o chuveirinho para enxaguar a máscara. A água sai
com uma cor bem rosada, e logo a banheira inteira fica rosada.
Usando os dedos dos pés, levanto o plugue e deixo toda a água
rosa ser lavada. Continuo enxaguando, contorcendo-me em
várias posições para não molhar o olho até que a água fique
transparente e, passando a mão pelo cabelo, não sinto nenhum
resíduo de produto.
Para evitar que gotas rebeldes escorram pela minha testa
enquanto termino o banho, pego uma toalha branca do banco
ao lado da banheira e coloco meu cabelo molhado em um
turbante.
Não há gel de banho. Ah. O Sr. Perfeito lá embaixo
esqueceu alguma coisa. Eu dou de ombros e pego o shampoo
roxo – ainda é sabonete. Assim que tomo banho, saio da
banheira e me enrolo no roupão de banho limpo e dobrado que
Riven preparou para mim.
O banheiro parece um banho turco agora, todo enevoado
de vapor. As janelas e o espelho são completamente opacos com
condensação. Procuro nos armários um secador de cabelo e
depois de dar uma última esfregada no meu cabelo com a
toalha, eu o seco, soprando para trás, longe do meu rosto para
evitar que o ar quente entre nos meus olhos. Geralmente
prefiro fazer isso com a cabeça de cabeça para baixo, mas o
médico proibiu.
Quando a primeira camada de umidade se foi, aponto o
secador de cabelo para o espelho para ter uma visão melhor do
que estou fazendo. Mas, uma vez que meu reflexo aparece, eu
o encaro estupefata por um segundo, até que um grito
desumano sai da minha garganta.
Riven

O grito que ecoa pela casa vindo do banheiro do andar de cima


seria digno de qualquer filme de terror respeitável.
— Aqui vamos nós — murmuro, dobrando o jornal que
tenho lido.
Eu me levanto do sofá e me preparo para a tempestade que
se aproxima. Prontamente, a porta do banheiro se abre e passos
raivosos descem as escadas.
Eu me movo para trás do sofá para colocar uma espécie de
barreira entre mim e a fúria que se aproxima.
Wendy invade a sala de estar, ainda vestindo apenas um
roupão de banho e apontando um dedo para mim.
Não se distraia, Riven, nem mesmo com a quantidade
tentadora de pernas expostas.
— Você fez isso! — ela grita. — Um bom agradável, o
discurso, foi tudo uma manobra.
Não adianta negar, convocando minha expressão mais
espertinha, eu dou de ombros.
— Funcionou.
— O que você quer dizer com funcionou?
— Você está fora do sofá e mostrando sinais de
personalidade.
— Meu cabelo está rosa! — Wendy grita. — Meu cabelo
perfeito, natural e nunca tingido está rosa!
Wendy começa a me alcançar, mas eu circulo o sofá
mantendo-o firmemente entre nós.
— Tecnicamente, o tom é blush perolado...
— Diga-me que é lavável ou eu juro que vou estrangular
você com minhas próprias mãos.
— É lavável.
Wendy para de circular ao redor do sofá tentando me pegar
e estreita seu olho livre para mim.
— De verdade?
— Não, desculpe, o cabeleireiro só tinha tintura
permanente. Mas eles me garantiram que essa cor está
realmente na moda.
— O salão de cabeleireiro? Você foi a um salão de
cabeleireiro especificamente para substituir a máscara de cabelo
de Amy por tinta rosa, por quê?
— Na verdade, tanto o shampoo quanto a máscara de
cabelo falso vêm do salão de cabeleireiro, mas sim, eu pedi a eles
para colocarem a tintura rosa no recipiente da máscara e eu
previ corretamente que você assumiria que eram coisas de Amy
e usaria-as.
— Mas por quê? Por que você fez isso comigo?
— Eu não consegui fazer você reagir de outra maneira, então
deixá-la brava parecia minha melhor última opção. — Eu
sorrio, cruzando os braços sobre o peito. — De nada.
— Ah, então eu deveria te agradecer agora? Você está
completamente perturbado. E reagir a quê, afinal? Eu estava
absolutamente bem!
— Wendy, você está catatônica há dias. Você não estava
respondendo sua família ou seus amigos, você mal estava
falando comigo...
— Isso é porque você é claramente um sociopata. — Ela
puxa uma mecha de cabelo como se demonstrasse sua teoria.
— E você não estava comendo ou tomando banho, o que eu
deveria fazer?
Wendy agarra as almofadas do sofá.
— Não pintar meu cabelo de rosa. Meu cabelo está muito
rosa.
— Sim, acho que estabelecemos isso. Mas você parecia estar
se afundando em depressão, e eu estava preocupado.
— Minha vida inteira desmoronou — ela sussurra. —
Quase perdi um olho, estou presa no meio do nada por dois
meses e meu namorado de dois anos terminou comigo por
telefone porque o trabalho dele é muito estressante para passar
seis semanas sem sexo.
Ah, então esses são os detalhes sórdidos da separação. Eu só
tenho um momento para analisá-los antes que Wendy
continue gritando comigo:
— Eu estava fazendo o que qualquer pessoa normal faria –
levando alguns dias para lamber minhas feridas em paz.
— Besteira. Você parecia ter perdido toda a vontade de
viver. Caramba, minha esposa de sete anos me trocou por um
ator de telenovela e eu não estava tão para baixo.
O rosto de Wendy não registra nenhuma surpresa com
minha revelação. Ela já sabia que eu estou passando por um
divórcio? Ela pesquisou sobre mim? Não tenho tempo para
refletir sobre essas questões, pois a reação dela à minha
confissão me deixa perplexo.
— Ha... ha, ha, ha... — Wendy solta uma risada histérica. —
Você é inacreditável.
— O que há de tão engraçado no meu divórcio?
— Que você fala das minhas merdas quando é você que está
cheio de merda! — Sua voz sobe algumas oitavas.
— O que significa isso?
— Eu estava tendo um pequeno colapso de três dias, sim,
tudo bem. Teria durado uma semana, no máximo, enquanto
você está se escondendo nesta cabana no meio do nada há
quantos meses?
— Não estou me escondendo, estou tentando terminar um
livro enquanto minha casa está em reforma.
— MENTIRA — grita Wendy. — Se meu cabelo está rosa,
o seu deveria estar azul vibrante.
— Vamos descer ao salão e mandar tingi-lo então. Se isso
tirar você de casa.
Ela joga os braços no ar.
— Você é impossível, e meu cabelo está rosa... — A última
palavra sai como meio soluço, então seus ombros começam a
tremer e ela começa a chorar, só que logo se transforma em riso
até que eu não possa dizer qual é qual mais.
— Se serve de consolo, o rosa fica ótimo em você.
A gargalhada aumenta de intensidade.
— Ei, eu tenho uma coisa para você. — Eu jogo o pequeno
pacote para ela do outro lado do sofá, pois ainda não me sinto
seguro para chegar mais perto dela. — Pega.
Wendy pega, e estou impressionado. Quer dizer, ela só pode
usar um olho e mesmo esse deve estar com a visão turva com
todas aquelas lágrimas.
Ela olha para mim, o peito ainda arfando.
— O… o que é isso?
— Abra.
Ela puxa as cordas da bolsa de veludo verde e tira o lindo
tapa-olho rosa que comprei para ela para combinar com o
cabelo.
A risada chorosa se transforma em risada sólida quando
Wendy balança a cabeça.
— Você é realmente impossível.
— Você deveria ir se vestir antes de pegar um resfriado.
E antes que eu perca minha sanidade, acrescento na minha
cabeça.
Toda aquela correria pela sala deixou o decote do roupão
perigosamente baixo e a fenda subiu quase até a junção de suas
coxas.
Wendy olha para si mesma e imediatamente fecha as
lacunas, puxando o roupão com tanta força ao redor de seu
corpo que a cobre, do pescoço às panturrilhas.
Ela vem para o meu lado do sofá e pela primeira vez eu não
fujo, apenas dou um passo para trás por precaução.
— Você não está perdoado. — Wendy ergue aquele
adorável dedo acusador para mim. — Você me deve, um grande
momento.
— Grande momento — eu concordo. — Qualquer coisa
que eu possa fazer por você imediatamente?
Wendy suspira.
— Por favor, faça panquecas, estou morrendo de fome.
— São três da tarde.
— E? — ela pergunta desafiadoramente.
— Sim, senhora.
Wendy acena com a cabeça e sobe as escadas, fazendo
questão de manter o queixo erguido.
Eu balanço minha cabeça, sorrindo. Vou até à geladeira para
pegar os ovos e o leite.
Antes de fechar a porta, meus olhos pousam na meia
beterraba que sobrou do risoto de beterraba que fiz outro dia.
Eu pego só porque sou um idiota, e porque acho que a
Capitã Gancho realmente merece panquecas cor-de-rosa para
combinar com seu novo penteado.
Wendy

No andar de cima, eu olho no espelho, tentando fazer uma


avaliação objetiva da situação do cabelo. A cor não é ruim por
si só, mas não sou eu. Eu sempre fui loira. E o rosa é uma cor
tão ousada.
Bem, é melhor eu me acostumar com isso. Não quero
descolorir meu cabelo de volta ao loiro e causar corte químico.
Graças a Deus, tenho dois meses inteiros para me ajustar ao
novo estilo antes de ter que enfrentar alguém que eu conheço.
Termino de estilizar os cachos macios e penteio-os. Para
cabelos que acabaram de ser tingidos, eles ficaram
incrivelmente macios. Pelo menos Riven foi a um salão de
cabeleireiro adequado para comprar a tintura e não em uma
loja qualquer. O fato dele ousar fazer uma coisa dessas ainda me
deixa bastante irritada, mas uma pequena parte de mim
também pode ver seu ponto. Nos últimos dias, estive fora de
órbita. Ainda assim, eu não iria tão longe a ponto de chamar
isso de depressão.
Enquanto deixo meu cabelo cair abaixo dos ombros, não
consigo parar de olhar. Nada mal, exceto talvez pelo tapa-olho
de gaze branca, que é um pouco nada bonito de olhar –
trocadilhos. Eu pego o remendo rosa de Riven e coloco.
Ótimo, eu sou uma pirata muito legal. Pena que o
Halloween foi há dois meses.
Pego meu celular para tirar uma selfie e me surpreendo com
as 247 notificações pendentes aguardando resposta no
aplicativo de mensagens ao lado da câmera. Basicamente, todo
mundo que eu conheço tem me mandado mensagens, e eu
ignorei todos eles por três dias seguidos.
Vou ter que verificar e responder a todas as mensagens, mas
por enquanto só entro o bate-papo com Mindy, percorro suas
milhões de mensagens de “você está bem, onde está, o que está
acontecendo, por que você não está atendendo seu telefone?”, e eu
tiro uma selfie e envio para ela.
Sua resposta vem imediatamente.

Mindy
Oh, graças a Deus você está viva!
E seu cabelo é rosa!
Explique-se

Eu
Riven achou que eu estava ficando deprimida
com o término com Brandon e com o acidente
e como ele não conseguia me fazer reagir de
outra forma, ele decidiu me deixar brava.
Ele me enganou para pintar meu cabelo de rosa
e me comprou um tapa-olho combinando
Para sua informação, o corante não é lavável

Mindy
Por favor, case com esse cara
Ele é meu herói pessoal

Eu
Fala sério

Mindy
Estou falando sério
Largue seu telefone e vá pedir esse homem em
casamento

Eu
A) Eu nem tenho certeza se o divórcio dele é
definitivo
E B) nós nunca nos beijamos direito, e se não
houver química?

Mindy
A) existem maneiras de descobrir
E B) existem maneiras ainda melhores de
descobrir

Eu ignoro sua insinuação e trago o assunto de volta ao meu


cabelo.

Eu
Não, sério, o que você achou do cabelo?
Está horrível?

Mindy
É a coisa mais legal que eu já vi
A tela acende com uma chamada recebida da minha mãe. Eu
não posso continuar ignorando ela, então mando uma
mensagem de desculpas rápida para Mindy:

Eu
Desculpa, eu tenho que ir
Minha mãe está ligando e eu não atendo ela há
três dias
Ela provavelmente está ficando louca
Falamos em breve

Mindy
É bom mesmo
Tome chá de sumiço de novo e eu vou raspar sua
cabeça

Eu
Eu não vou, promessa de mindinho

Mindy
E Wendy? Você está solteira agora, hora de se
divertir

Eu não respondo e atendo em vez disso.


— Oi mãe.
— Wendy! Você atendeu. Eu tinha perdido a esperança. Eu
estava prestes a reservar um voo para ver como você está. Quero
dizer, Riven disse que você estava bem, mas ninguém tinha
notícias suas há dias.
— Você falou com Riven?
— Sim, quando você não estava atendendo, nós ligamos
para ele.
— E ele disse que eu estava bem?
— Sim, por quê? Você não está bem? — Ela soa alarmada
novamente.
Então, ele não apenas me alimentou por três dias enquanto
suportava estoicamente minha atitude horrível, mas também
me cobriu com minha família.
— Claro, estou bem. Eu estava exausta — minto. — Deve
ter sido a anestesia. Dormi quase o tempo todo.
— E Riven está cuidando bem de você?
Olho para o cabelo rosa no espelho. Admita ou não, eu meio
que precisava de uma sacudida.
— Da melhor forma. Ele tem sido um amigo fantástico.
— Claro, claro, é só que não falamos com você, e não
sabíamos o que pensar...
— Eu estou bem, mãe, eu prometo. Você não precisa se
preocupar, ok?
— Ok. Mas, por favor, responda também ao seu irmão e sua
irmã. Eles também estão preocupados.
Duvido que uma mensagem de Joshua esteja entre as 247
não lidas que recebi, mas garanto à mamãe que avisarei a todos
os parentes sobre meu bem-estar.
Eu apago todas as mensagens inúteis do meu telefone, pois
não preciso ler 247 variações de como você está e simplesmente
envio uma mensagem para toda a família em nosso bate-papo
em grupo, assegurando a todos os meus contatos que estou viva
e bem.
No meu quarto, eu me troco para algo mais sofisticado do
que moletom. Mesmo que eu não planeje sair de casa hoje,
ainda quero me dar uma aparência melhor. Então eu pego
todas as roupas sujas que eu espalhei pelo chão em uma sacola
enorme e desço as escadas.
Depois de devorar as deliciosas panquecas de Riven, lavar a
roupa será minha principal prioridade. Trouxe mudas de roupa
suficientes para uma semana e está acabando rápido, mesmo
que minha mãe tenha lavado tudo preventivamente para mim,
antes de sair. Amanhã, vou precisar ir à cidade para comprar
roupas novas. E também preciso planejar minha vingança.
Riven pode pensar que ele estava certo em me enganar para
pintar meu cabelo de rosa, mas a brincadeira não ficará sem
resposta.
Riven

Quando eu desço as escadas na manhã seguinte, Wendy já está


na cozinha fazendo café. Ela está vestindo jeans e um suéter de
tricô de lã, cinza com um padrão vermelho e branco em sua
clavícula.
— Acordou cedo? — Eu pergunto, surpreso, mas satisfeito.
— Nós temos um dia cheio — ela responde
enigmaticamente.
— Temos?
Wendy me entrega uma xícara de café com um sorriso tão
doce quanto arsênico.
— Café?
Eu pego a caneca e cheiro, desconfiado. Não consigo
detectar nenhum sal, mas também não consegui da última vez.
Wendy me encara com expectativa.
— Alguma coisa aconteceu?
— Não — eu digo. Se beber café salgado é o preço que tenho
que pagar para vê-la sorrir novamente, fico feliz em obedecer.
Fecho os olhos, me preparando para o pior, e tomo um gole. É
delicioso, rico e doce com aquele sabor de baunilha.
Wendy sorri para mim e volta a fazer seu café da manhã.
Fazer é um exagero, já que ela está apenas despejando leite sobre
cereais.
Assim que ela termina, ela sacode a caixa de Cinnamon
Toast Crunch para mim.
— Não é um café da manhã gourmet, mas você gostaria de
um pouco?
— Sim, obrigado.
Ela pega outra tigela e a enche com cereal, deixando-me para
servir o leite.
— Com o que estamos ocupados hoje? — Eu pergunto
entre bocados.
— Compras — Wendy diz. — Eu preciso de mais roupas, já
que minha estadia ficou... hmm... oituplicada? Isso é uma
palavra?
— Duvido — eu digo. — Você quer experimentar as lojas
locais ou ir a uma grande loja de departamentos em Salt Lake
City?
— Hmm. — Wendy considera por um segundo. — Eu diria
que as lojas locais, mas o shopping pode ser mais eficiente, mas
menos poético.
Sorrio enquanto limpo as últimas migalhas de comida.
— Salt Lake City, aqui vamos nós.

•••
O clima durante a viagem de carro é muito mais relaxado do
que eu esperava. Após o choque inicial, Wendy parece ter
superado a tintura de cabelo e está de volta com um espírito
alegre. Estou feliz. Aquele ex-namorado dela não merecia uma
única lágrima derramada.
No shopping, decidimos nos separar e nos encontrar
novamente para almoçar. Eu a vejo estudar o mapa do
shopping e então escolhe sua direção com certeza. Eu também
me inclino sobre o grande mapa circular, procurando por uma
livraria. Segundo andar, lote B34. Vou em direção às escadas
rolantes e depois de algumas voltas, encontro a loja. É enorme.
Eu passo na mesa dos novos lançamentos. Águia
Tempestuosa, meu último livro que saiu em outubro passado,
ainda está na frente e no centro: uma coluna de sete exemplares
empilhados ordenadamente, um em cima do outro. Eu sorrio e
pego o livro de capa dura do topo.
Verifico por cima dos ombros para ter certeza de que
nenhum dos funcionários está olhando na minha direção, eu
pego uma caneta de dentro da minha jaqueta e assino a primeira
página. Eu movo as outras cópias rapidamente, até que eu
assine todas as sete.
Trabalho feito, reorganizo os livros e passo para a seção de
thriller de aventura. Eu sei que estou agindo como um
egocêntrico, mas imediatamente procuro nas prateleiras a seção
C. Em vez disso, meus olhos caem no F, onde, bem na prateleira
do meio, o lançamento de primavera de Darren Floyd é exibido
com capa para frente. Contra meu bom senso, pego uma cópia
e leio a primeira linha.

Poxa, eu odeio ele. Essa é uma linha de abertura perfeita.


Transmite cenário – algum tipo de deserto, urgência, e
prenderia qualquer um. Normalmente, eu não teria problemas
com outro escritor sendo brilhante. Mas Floyd é diferente. Ele
caluniou publicamente um dos meus livros depois de perder
um prêmio literário no ano em que ambos fomos indicados.
Desde então, ele está na minha lista do ódio. Também não
ajuda o fato de estarmos com a mesma editora e nossos
números de vendas serem constantemente comparados.
Eu geralmente saio por cima.
Mas este ano pode ser diferente. Se for verdade que o livro
dele está terminado e ele está tentando roubar minha vaga de
lançamento do verão, ele pode levar vantagem pelo menos uma
vez.
O idiota!
Sentindo-me reconhecidamente mesquinho, viro todos os
seus livros, deixando apenas a lombada visível, e reorganizo a
prateleira para que o último lançamento de Ken Follett esteja
com a capa em destaque. Passo o resto da manhã na seção de
ficção histórica. Eu abro alguns romances, leio os primeiros
capítulos e acabo escolhendo dois livros ambientados na Idade
Média. Wendy me manda uma mensagem dizendo que acabou
quando estou pagando.
Eu pego o recibo do balconista, um jovem de não mais de
vinte anos, que fica me olhando com os olhos semicerrados,
provavelmente imaginando onde já me viu antes.
Para o almoço, Wendy e eu concordamos em comer comida
chinesa. A recepcionista do restaurante nos acomoda em uma
cabine, felizmente, já que as sacolas de compras de Wendy
transbordam por toda parte. Ela deve ter um milhão delas, mas
duas me chamam a atenção sobre as outras – aquelas listradas
em rosa pastel e creme com a escrita em preto, Victoria's Secret,
na frente.
Eu engulo, me perguntando sobre seu conteúdo. Não
consigo nem dar uma olhada, já que a parte de cima está coberta
de papel de seda rosa, mas não posso deixar de me perguntar o
que há dentro. Algodão branco ou renda? Algo listrado como
as bolsas?
— Você está bem? — Wendy pergunta.
Eu olho para cima e minha mandíbula balança ainda mais.
Agora que ela tirou a jaqueta, noto que ela trocou de suéter. A
nova é rosa e felpuda e combina com o cabelo dela.
— V-você trocou de suéter — eu balbucio como uma idiota.
Wendy olha para si mesma e sorri.
— Oh, sim, eu não pude resistir. Isso era muito fofo para
não usar imediatamente. Você gostou?
Ela parece um algodão-doce, e eu sou o garoto cujos pais
disseram que ele não pode ter um pouco.
— Sim.
Uma garçonete chega, uma jovem com longos cabelos loiros
destacados com roxo, delineador preto pesado ao redor dos
olhos e um piercing no nariz. Ela dá uma olhada no cabelo de
Wendy e suspira.
— Seu cabelo...
Wendy estremece.
— Eu sei...
— É a cor mais insana que eu já vi. Onde você fez isso?
Wendy parece atordoada demais para responder, então eu
ofereço:
— Park City, o salão de cabeleireiro bem na Main Street.
— Legal, vou ter que dar um pulo lá. — Em seguida,
mudando completamente de marcha, o tom da jovem se torna
mecânico quando ela pergunta: — Posso começar com alguma
coisa para beber hoje?
Uma vez que a garçonete se foi com nossos pedidos de
bebida, Wendy me encara com um beicinho.
— Não pareça tão presunçoso. Só porque Avril Lavigne
gostou do meu cabelo, não significa que é legal.
Eu sorrio.
— Porque é super legal, e acho que você está percebendo
também.
Wendy sorri para mim e volta a olhar seu cardápio.
Ela pede rolinhos primavera e frango chow mein, e eu peço
costeleta de porco assada e arroz em dim sums de folha de lótus.
A comida chega rápido e, assim que Wendy comeu algumas
mordidas, pergunto a ela sobre o rompimento. Eu quero ter
certeza de que ela está realmente bem, e que o retorno à vida é
permanente.
— Se você não quer falar sobre isso, tudo bem — acrescento,
porque também não quero pressioná-la. Ou deixá-la triste de
novo agora que ela finalmente está sorrindo de novo.
— Não. — Ela encolhe os ombros. — Não é grande coisa.
Não é grande coisa, de verdade. Eu não estou com o coração
partido. Eu não perdi o amor da minha vida.
Eu esfaqueio um pedaço de carne de porco.
— Por que isso te derrubou tanto então?
Wendy empurra alguns legumes em volta do prato.
— Acho que foram duas coisas...
Eu dou a ela espaço para falar em seu próprio tempo.
Depois de alguns momentos de silêncio, ela acrescenta:
— A primeira razão é principalmente que em todos os meus
relacionamentos fracassados anteriores eu me senti tão…
esquecível.
Eu engasgo com um gole de Coca-Cola. De todos os
adjetivos que eu escolheria para Wendy, esquecível nunca
entrou na lista.
— Por que você diria isso?
— Brandon terminou comigo por telefone depois de quase
dois anos juntos como se não fosse nada.
— Mas você disse que não está com o coração partido.
Talvez vocês simplesmente não fossem certos um para o outro.
Ele apenas percebeu primeiro.
— Sim, mas por que ninguém nunca se apaixona por mim?
— Wendy olha para mim por baixo de seus longos cílios. —
Você sabe, o tipo de amor que, se um dia acabasse, faria com
que ele quisesse desaparecer da face da terra e se retirar para uma
cabana na floresta para ficar sozinho para sempre.
Eu engulo em seco.
— Eu não posso dizer que mesmo esse tipo de amor é todo
positivo.
— Mas pelo menos significou alguma coisa.
— Ainda assim, se você está procurando esse tipo de história
de amor, me parece que você estava desperdiçando seu tempo
com seu ex, e eu ainda não entendo por que você investiu tanto
nesse relacionamento.
Wendy abaixa o olhar e começa a brincar de novo com a
comida em seu prato.
— Isso nos leva à segunda razão pela qual eu estava tão para
baixo...
Espero que ela me diga o que foi.
— O meu pai.
Eu não previ esse acontecimento.
— Seu pai?
— Sim, eu sinto que o decepcionei com outra separação.
— Como? Por que você diria algo assim?
— Antes de falecer, ele estava doente há muito tempo. Os
dois últimos Natais antes deste, nós os passamos no hospital
com ele. No segundo ano, ele sabia que estava indo, e eu sabia
que, de todos os seus filhos, eu era a que ele mais se preocupava.
— Por quê? Ele disse alguma coisa para você?
— Não, ele não precisava. Quero dizer, no passado, sim. —
Ela toma um gole de água. — Ele falava muito sobre os caras
que eu namorei na faculdade.
Eu levanto uma sobrancelha em uma pergunta silenciosa.
— Tipos artísticos que pensavam que para ser um artista
genuíno você tinha que não ter um tostão...
Eu rio.
— Tenho certeza de que você pode escrever uma prosa
excelente e ainda assim ganhar uma boa vida com isso.
— Concordo, eu nunca aspirei a ser uma artista faminta. Eu
amo meu trabalho, sim, mas não me sinto nem um pouco
culpada por vendê-lo. — Ela acena com a mão no ar com
desdém. — De qualquer forma, papai ficou tão feliz quando eu
disse a ele que estava namorando um analista financeiro. E
Brandon também foi o último dos meus namorados que ele
conheceu. Eu sei que pode parecer bobo, mas a ideia de passar
o resto da minha vida com alguém que papai aprovava me fez
sentir mais próxima dele, mesmo depois que ele nos deixou.
Suas palavras me atordoam.
Tanto que não percebo quanto tempo fico em silêncio, até
que ela pergunta:
— Eu te choquei?
— Não — eu digo. — Você é a primeira pessoa que conheço
que entende.
Em sua expressão confusa, eu explico:
— Minha mãe, ela se foi há alguns anos, mas ela conhecia
Cassie, minha ex, e a amava. Sempre que penso em um futuro
com outra pessoa, nunca consigo deixar de pensar como eles
nunca conhecerão minha mãe e vice-versa.
— Você quer falar sobre o divórcio?
— Não — eu recuo mais rápido do que um campeão
olímpico.
— O quê? — Wendy joga um biscoito da sorte ainda
embrulhado em mim. — Acabei de abrir meu coração para
você e você não está me dando nada?
— Eu nunca disse que me abriria em troca.
— Isso estava implícito.
— Não, nunca assuma.
Mesmo com os assuntos pesados que estamos discutindo, o
almoço é divertido, fácil e aconchegante. Se este fosse um
primeiro encontro, eu realmente teria me divertido. Exceto que
não é um primeiro encontro. Wendy provavelmente não está
pronta para namorar ninguém nesta fase, muito menos alguém
com tanta bagagem quanto eu. Na verdade, quando me
ofereço para pagar, ela insiste em dividir a conta.
Cada um de nós assina nosso recibo e sai do restaurante, em
direção à saída do shopping. Enquanto caminhamos, muitas
cabeças se voltam para Wendy, principalmente mulheres, e
algumas até nos param para elogiá-la por sua fantástica cor de
cabelo.
Eu sorrio.
— Então, não foi apenas Avril Lavigne...
— Ah, cale a boca, mesmo que as pessoas gostem, isso não
significa que eu goste.
— Tudo bem, Capitã Gancho-Rosa, continue negando
tudo o que quiser.
— Gancho-Rosa.
— Eu me juntei o Rosa e o Gancho... Gancho-Rosa.
Wendy balança a cabeça, mas ela sorri.
— Não sei o que é pior, seu gosto por tinturas de cabelo ou
apelidos.
Eu dou de ombros.
— Rosinha não soava bem.

•••

Em casa, Wendy se recusa a me deixar ajudá-la a carregar todas


as suas dez mil sacolas para dentro de casa, então ela
prontamente se enrosca na soleira, tropeça e deixa cair algumas,
espalhando o conteúdo por todo o piso de madeira.
Dada a minha sorte, as bolsas da Victoria's Secret estão entre
as que viraram. Olho com horror estampado na cara enquanto
a lingerie caída que se acumula no chão. O contraste entre as
tábuas de madeira escura e as peças, principalmente as brancas
e rosas, é gritante. Meus olhos viajam avidamente sobre os
tecidos rendados, babados e brilhantes.
Droga.
Minha curiosidade anterior foi satisfeita, mas agora tenho
que lidar com as consequências: imaginar Wendy em cada um
desses itens.
Felizmente, ela faz um trabalho rápido pegando tudo do
chão e jogando de volta nas sacolas sem a menor cerimônia.
Por último, fico boquiaberto de horror quando ela pega
uma combinação de cetim branco com um bustiê de renda
transparente.
Ela me pega olhando e pergunta:
— Algo errado com você?
— O que é aquilo?
Wendy levanta a roupa e a pressiona contra seu corpo.
— Novos pijamas, gostou?
— O que aconteceu com os de flanela?
— O sótão está muito quente em comparação com o nosso
antigo quarto no andar de baixo, e o edredom é muito mais
pesado. Estou dormindo de calcinha há dias...
Me.
Mate.
Agora.
Riven

No dia seguinte, eu acordo bem cedo, descansado e pronto para


minha rotina matinal: banho, uma xícara de café, café da
manhã, escrever algumas milhares de palavras enquanto ainda
está fresco em meu cérebro, uma pausa rápida, mais café, mais
escrita.
Deve ser apenas eu por algumas horas. Com exceção de
ontem, não espero que Wendy de repente se torne uma pessoa
matinal. Ela provavelmente escreveu até altas horas da noite e
não vai acordar até o meio-dia ou algo assim. Eu não sei como
ela faz isso. Para mim, é o contrário. Adoro escrever logo de
manhã, enquanto à noite meu cérebro fica confuso. Eu nunca
poderia seguir sua programação.
Eu pulo da cama e vou para o banheiro anexo para escovar
os dentes. Enfio um bocado de pasta de dente na escova e a levo
à boca, mas no momento em que a pasta entra em contato com
meus dentes e minha língua, engasgo e cuspo.
Isso não é pasta de dente, é... maionese!
Eu abro a torneira para enxaguar o gosto horrível, mas não
sai água. Eu tento e tento novamente, desesperado para tirar o
sabor azedo e salgado da minha boca. Mas nada. Eu me curvo
debaixo da pia e descubro que a válvula de água foi fechada.
Quando viro para o lado oposto, a água finalmente jorra da
torneira. Eu coloco minha boca diretamente sob o jato e cuspo
algumas vezes até que o gosto desapareça. Então eu me olho no
espelho, perplexo.
Que diabos a maionese está fazendo no banheiro? Será que
troquei os tubos? Eu verifico, mas, nu-uh, diz Colgate. Eu
aperto, e sai mais maionese. Isso foi proposital.
Wendy.
O nome pisca em minha mente tão certo quanto o dia. Esta
é a sua vingança pelo cabelo rosa. A contragosto, eu sorrio. A
Capitã Gancho-Rosa me pegou. Abro a torneira novamente e
limpo a maionese derramada da pia.
Quando vou pegar o sabonete para lavar as mãos, viro e
esfrego, mas não faz espuma.
Ela também danificou meu sabonete.
Como ela fez isso?
Me sento no vaso sanitário para estudar a barra de sabão
defeituosa, mas no momento em que minha bunda atinge a
tampa fechada, eu dou um pulo quando uma saraivada de sons
de estouro enche a sala.
Que diabos?
Eu levanto o assento do vaso sanitário e o encontro cercado
de plástico bolha.
Wendy novamente!
Desconfiado, e com as mãos ainda pegajosas de maionese,
me aproximo do chuveiro. Cautelosamente, eu desaperto a
tampa do chuveiro. Eu não duvidaria que ela colocasse uma
armadilha no interior com tinta ou algo fedido, mas não
encontro nada. Eu recoloco a tampa no lugar e experimento a
torneira. A água flui sem falhas e logo fica quente. Ok, pode ser
seguro tomar banho.
Eu removo meu pijama e entro. Tudo corre conforme o
planejado até que tento espremer o shampoo em minhas mãos.
Nenhum produto sai do frasco. Eu peso em minhas mãos, o
frasco é pesado, deveria estar cheio. Eu aperto novamente, mas
nada sai. Frustrado, abro a tampa e sacudo a garrafa para ver se
sai algum líquido. Eu levanto sobre minha cabeça e estudo o
fenômeno estranho. Parece que uma barreira invisível está
mantendo o shampoo dentro do frasco. Eu aperto meus
olhos... oh, pelo amor de Deus. Wendy enfaixou o gargalo da
garrafa com plástico de comida.
E ela fez mil voltas. O filme é escorregadio e demora uma
eternidade para sair, quando consigo remover estou molhado,
trêmulo e meio congelado até a morte. Viro na água escaldante
para me recuperar e finalmente me limpar. Perdi tanto tempo
no banheiro que perdi meu primeiro momento de escrita do
dia.
Enrolado em uma toalha, volto para o meu quarto para
pegar uma cueca limpa. Mas quando abro a gaveta, em vez de
minha cueca boxer branca de algodão, encontro uma série de
cuecas coloridas. Uma tem um fundo azul claro com patos de
borracha amarelos por toda parte, outra é verde com bananas
estampadas, há um par preto com luzes de Natal cruzando por
toda parte e uma vermelha e azul com um gigantesco Superman
S na área da virilha. Abro minhas outras gavetas, mas não
consigo encontrar minhas cuecas de verdade em lugar nenhum.
A única opção que resta é escolher um dos pares que Wendy
gentilmente selecionou para mim. Cada opção é igualmente
horrível, mas eu vou para a estampada de bananas.
A gaveta de meias recebeu o mesmo tratamento que a de
roupas íntimas e foi preenchida com meias de duende listradas
de vermelho e branco. Todos os pares são iguais, então desta
vez não tenho escolha.
Ela deve ter comprado tudo isso ontem no shopping.
Provavelmente é por isso que ela não queria que eu carregasse
suas malas. Mas quando ela entrou furtivamente no meu
quarto para montar isso?
O resto do meu armário foi misericordiosamente poupado,
o que significa que posso terminar de me vestir com roupas
normais.
No patamar, eu faço uma pausa para verificar se algum
barulho vem do andar de cima ou do andar de baixo, mas
ambos os andares estão assustadoramente silenciosos. A Capitã
Pegadinha ainda deve estar dormindo. No andar de baixo, eu
faço café e ligo o computador. Eu ainda poderia tentar anotar
algumas frases antes que meu estômago proteste por comida.
Tomo um gole de café e engasgo enquanto minha tela liga.
Está rachada!
Wendy destruiu meu notebook.
Oh meu Deus, meu manuscrito ainda está intacto?
Acessível?
Não tenho outras cópias. Por que não ouvi Carmen quando
ela me pediu para fazer backup do meu trabalho na nuvem?
Viro o mouse, tentando ver entre as rachaduras se algum dos
meus arquivos pode ser recuperado, mas o cursor não se move.
Ela quebrou o mouse também?
Ou o computador está tão danificado que não recebe mais
sinais?
Eu tento o mouse pad embutido e desta vez o ponteiro segue
meus movimentos. Clico duas vezes no arquivo WIP na minha
área de trabalho e o rascunho do meu livro se abre
magicamente, tinta preta em um fundo branco imaculado.
Sem rachaduras.
Minimizo a janela e as rachaduras voltam, eu maximizo
novamente e a tela está normal. A compreensão me ocorre: ela
não destruiu meu notebook, ela só mudou a imagem da área de
trabalho. O alívio por não ter perdido todo o meu trabalho dos
últimos meses é tão imenso que nem estou bravo com Wendy.
Espero alguns batimentos cardíacos para que meu pulso
volte ao normal e, em seguida, puxo o capítulo de onde parei
ontem. Instintivamente, pego o mouse para mover o cursor
para a frase final, mas o cursor ainda não responde.
Mas se o computador não estiver quebrado, talvez ela o
tenha desligado. Viro-o de cabeça para baixo e encontro um
post-it colado na parte de trás, impossibilitando efetivamente o
funcionamento da luz do sensor. No pedaço de papel, ela
desenhou um rosto sorridente de aparência maligna.
Ok, Capitã, você me pegou duas vezes. Eu espero seriamente
que as brincadeiras tenham acabado, no entanto.
Duas horas depois, às onze horas, Wendy desce as escadas,
seus lábios apertados em um sorriso mal contido.
— Bom dia — ela diz inocentemente. — Como está sendo
seu dia?
Eu olho para cima da tela para encontrar seu olho azul
travesso, aquele que não está embaixo do tapa-olho.
— Sem problemas — eu digo, sorrindo para ela. Eu não vou
dar a ela a satisfação.
Seu sorriso reprimido se transforma em um sorriso
completo.
— Feliz em saber disso. Quer um café? Estou fazendo um
bule fresquinho.
Eu tento manter meu foco no meu notebook – eu estava no
meio de escrever uma ótima cena – enquanto respondo meio
distraído:
— Sim, claro, obrigado.
Desligo os ruídos que Wendy está fazendo ao fundo e
continuo digitando.
Quando ela me entrega uma caneca fumegante de café cinco
minutos depois, eu aceito distraidamente e tomo um gole sem
pensar. É quando minha língua pega fogo. Cuspo e engasgo e,
pela segunda vez hoje, me levanto para colocar a boca bem
debaixo da torneira para enxaguar o ardor.
Leva um tempo.
Quando sinto que sou capaz de falar novamente, me viro
para encarar Wendy. Ela me atraiu para uma sensação de falsa
segurança ontem, oferecendo-me café puro, mas ela estava
apenas ganhando tempo.
A envenenadora de café está casualmente apoiando os
cotovelos no balcão, abraçando uma xícara não contaminada.
— Alguma coisa aconteceu?
— Achei que tínhamos superado você envenenando meu
café!
Wendy enrola uma mecha de cabelo rosa no dedo.
— Eu só disse que não usaria mais sal.
— O que você usou dessa vez?
— Pimenta em pó. — Ela encolhe os ombros. — Tenho que
manter as coisas frescas, Clark.
— Na verdade, eu preferia o sal.
— Eu posso colocar sal a qualquer momento.
— As pegadinhas acabaram? — Eu suspiro. — Você me
pegou, ok? Você foi vingada.
Com um aceno desdenhoso, ela traça a borda de sua caneca.
— Eu fui? Eu não tenho certeza... talvez quando você
menos esperar, outra pegadinha te surpreenda. — Ela faz um
som de arrebatamento.
— Por favor, o que eu tenho que fazer para que possamos
encerrar isso?
Wendy me estuda por um longo tempo antes de dizer:
— Apenas responda a uma pergunta — Ela toma um gole
de seu café e me olha maliciosamente por cima da borda da
caneca. — Qual das cuecas boxer você está vestindo?
Wendy

No início da tarde após o Dia das Pegadinhas, eu pego Riven se


esgueirando pela casa com um ar desconfiado sobre ele. Agindo
todo casual, ele pega as chaves do carro do balcão ao lado da
porta e coloca sua parka.
— Eu estou indo para a cidade — diz ele, sem me olhar
diretamente nos olhos. — Precisa de alguma coisa?
Hmm, desviou o olhar, não fez convite para eu ir junto.
Algo está acontecendo. Ele sempre me pede para acompanhá-lo
quando ele vai para a cidade.
— Não, a geladeira está cheia — eu digo — e eu não preciso
fazer compras por um tempo. Você vai comprar o quê?
Finalmente olhando para mim, ele diz.
— Preciso comprar novas roupas íntimas.
Resposta atrevida, mas provavelmente uma desculpa. Algo
está definitivamente errado.
Eu poderia dizer que ele está blefando, dizer que também
quero ir e ver como ele reage. Ele inventaria outra desculpa ou
me diria um não direto? Pelo menos ele teria que admitir que
não quer companhia. Por quê? Espero que ele não esteja
planejando uma retaliação por ontem. Tudo o que eu fiz com
ele foi justificado, eu ainda tenho o cabelo rosa para provar isso.
Mas, minha curiosidade de lado, eu já torturei o cara o
suficiente por um tempo, e ele não seria tão tolo a ponto de
tentar qualquer coisa a menos que ele queira pimenta em seu
café em seguida. Seja o que for, Riven tem direito à sua
privacidade. Então, eu sigo o exemplo dele.
— Sério? O que há de errado com as suas?
— O Grinch roubou — diz ele, colocando um gorro e
enfiando os pés nas botas desamarradas.
Poxa, há algo sobre homens em jeans desbotados e botas sem
cadarço que é muito sexy. Este homem em particular.
— Eu estarei de volta em algumas horas — ele acrescenta.
— Sim, você deve ser muito exigente.
— Exigente?
— Sim, se você vai levar tanto tempo para comprar cuecas
de algodão todas branco, você as seleciona pela contagem de
fios?
— Tchau, Wendy. — Riven não morde a isca e sai pela
porta.
Oh, bem, a curiosidade matou o gato, não a dramaturga.
Sozinha na mesa de jantar, eu abro meu notebook e começo
a revisar o primeiro ato de Escrito nas Estrelas, a nova peça em
que estou trabalhando.
Meia hora depois, estou reescrevendo uma linha pela
milésima vez quando a campainha toca.
Riven já está de volta? Ele perdeu as chaves?
Não. Ele não perdeu.
Quando atendo a porta, encontro um homem alto com
longos cabelos loiros despenteados e um queixo quadrado e
coberto de barba do outro lado. Os olhos do estranho estão
escondidos atrás de um par de óculos de sol espelhados laranja
fluorescente, e ele está vestindo a parka equivalente a uma
camisa havaiana. Ele tem uma mochila azul-escura pendurada
no ombro.
— Você não é Riven — eu digo.
Ele inclina a cabeça para o lado, me dando um olhar
avaliador, então sorri.
— Nem você. Suponho que ele não está em casa?
— Não, ele foi para a cidade. Alegadamente, para comprar
roupas íntimas novas, mas suspeito que esse não tenha sido o
verdadeiro motivo.
— Bem, que bom que eu peguei você em casa então. Posso
entrar? Estou meio que congelando minha bunda aqui.
Sem esperar por uma resposta, o estranho me contorna e
entra na casa como se fosse o dono.
Em seguida, o convidado-não-convidado tem a coragem de
perguntar:
— Quem é você, a propósito? Eu não ouvi o seu nome.
— Com licença? — Cruzo os braços sobre o peito. — Você
está entrando na minha casa, me diga quem você é.
O cara se vira para mim.
— Sua casa?
— Estou pagando metade do aluguel.
O homem tira os óculos escuros e eu fico paralisada por seus
intrigantes olhos azul-claros.
— Ah, desenvolvimento interessante — diz ele. — Eu sou
Danny, o melhor amigo de Riven desde que nossas mães
tinham que passar talco em pó em nossas bundas gordinhas.
Eu poderia ter entendido sem as imagens.
— Wendy — eu digo, propositalmente retendo a parte
“prazer em conhecê-lo”. Ainda estou julgando isso.
— Wendy — ele repete, como se estivesse testando o nome.
— Vou precisar de mais detalhes. Belo tapa-olho, a propósito.
— Danny pisca para mim, depois tira sua jaqueta boba, joga-a
no sofá com a bolsa e vai abrir a geladeira. — Estou morrendo
de fome, não almocei.
— Por favor, sirva-se do que você quiser — eu digo, embora
não tenha certeza se ele vai entender o meu sarcasmo. — E
temos uma política de não usar sapatos em casa.
— Ah, certo, desculpe. — Ele pausa sua procura na geladeira
para tirar as botas e espalhá-las no chão. Com a bagunça
concluída, Danny retoma sua busca. — Você tem algum
hambúrguer?
— Não.
— Ah, bem, pelo menos você tem espumante. — Ele pega
uma garrafa de champanhe da geladeira e depois vasculha os
armários. — Ah, perfeito.
Danny encontra um saco de salgadinho e o esvazia em uma
tigela. Então ele pega duas taças de um armário.
— Junte-se a mim?
— Não é muito cedo para beber?
O melhor amigo de Riven dá com os ombros.
— São sempre dezessete horas em algum lugar do mundo.
Eu dou de ombros em troca. O cara tem razão. Sento-me em
um banquinho em frente a ele e aceito a taça que ele me oferece.
— Feliz Ano Novo. — Ele bate seu copo com o meu. — Faz
apenas alguns dias. Eu ainda posso brindar ao ano novo, certo?
— Totalmente — eu concordo e tomo um gole.
— Wendy, querida misteriosa Wendy, por que você é a nova
colega de quarto de Riven e eu nunca ouvi falar de você?
— É uma longa história. — Pego um salgadinho, com um
arrepio de travessura e satisfação com o número de regras da
boa dieta que estou quebrando agora, entre os salgadinhos e o
álcool. — Eu não sei se Riven te contou sobre o desastre da
reserva dupla de Natal?
Danny assente.
— Bem, minha família e a dele ficaram juntas durante a
semana e...
— Espere, espere... você é a gostosa de Nova York? Aquela
com quem ele dividia um quarto? Achei que você fosse loira.
Eu jogo meu cabelo para trás.
— Essa é uma história ainda mais longa. — Então suas
palavras anteriores são registradas. Ele disse gostosa? É assim que
Riven me descreve para seus amigos?
Estou prestes a perguntar, quando Danny me surpreende
dando a volta na mesa e me puxando para um abraço de urso.
Acho que esse cara não é grande fã de limites pessoais.
— Obrigado, obrigado — diz ele. — Você ressuscitou o
Bangaloo dele. Achei que estava morto para sempre... Tinha
perdido toda esperança até você aparecer.
— Seu Bangaloo? — Eu repito. — O que é um Bangaloo?
Danny me solta.
— Não importa. Tudo o que importa é que Riven está vivo
novamente. — Ele pega sua taça e a toca na minha novamente.
— Achei que você fosse para casa no final da semana. Como
você ainda está aqui?
Eu aponto para o meu olho.
— É aí que o tapa-olho e o cabelo rosa entram em cena.
Denny sorri diabolicamente.
— Conte-me tudinho.
Riven
Quarenta e cinco minutos atrás

Eu atravesso o pátio, verificando instintivamente por pegadas


caninas na neve, mas o cobertor de neve está impecável.
Aparentemente, o velho lobo não nos visitou ontem à noite.
Relatos de ataques continuam surgindo sempre que falo com
alguém na cidade, mas pelo menos eles não estão mais em
humanos, principalmente gado e alguns infelizes animais
domésticos.
Isso é uma boa notícia. A má notícia é que ontem à noite
nevou muito forte, e agora eu vou ter que abrir caminho antes
que eu possa dirigir pela estrada. Eu coloco minha bolsa de
notebook no carro – eu a tirei de casa enquanto Wendy não
estava olhando – e vou até o galpão para pegar o limpa-neve.
Vinte minutos depois, esculpi uma passagem grande o
suficiente para o jipe. Só que agora estou suado, cansado, e se
não me apressar, também vou me atrasar.
Felizmente, na cidade, eu encontro uma vaga de
estacionamento na Main Street. Enquanto atravesso a rua para
ir ao meu café favorito, um jovem de vinte e poucos anos, eu
acho, se aproxima de mim com um panfleto.
— Junte-se a nós na luta contra assassinatos desnecessários
— diz ele enquanto empurra o panfleto na minha mão.
Eu olho para o panfleto. Verde e marrom são as cores
dominantes e a mensagem é principalmente sobre a
preservação da vida selvagem.
— Isso é sobre o quê?
— As autoridades locais prometeram uma recompensa pela
morte de um lobo que está atacando o gado. Estamos tentando
evitar um massacre inútil. Se você avistar o lobo, ligue para o
número na parte inferior — ele aponta para o panfleto — e
uma de nossas equipes será enviada para uma missão de resgate.
— O que vocês vão fazer com o animal? Ele atacou dois
homens, não é uma fera perigosa?
O ativista balança a cabeça.
— Apenas um animal velho e faminto. Acreditamos que,
com os devidos cuidados, ele possa viver seus últimos dias em
paz, em um centro de reabilitação de animais selvagens.
Agradeço, guardo o panfleto no bolso e me retiro.
Dentro do café, apenas um cliente está esperando antes de
mim. Quando chega a minha vez, peço e logo depois pego meu
café com leite. Eu escolho a mesa mais distante na parte de trás.
A vista não é a melhor daqui, mas é o local mais privado do café.
Com quatro minutos de sobra antes da minha ligação com meu
advogado, ligo meu notebook e coloco os fones de ouvido –
resultados!
Eu aproveito o meu café com leite doce, sem tempero e sem
sal, esperando que Martha, minha advogada, fique online. Eu
poderia ter atendido a ligação em casa, me trancado no meu
quarto, ou me escondido no porão, ou em um dos outros
quartos livres. Mas eu não queria discutir o processo de
divórcio na mesma casa com Wendy. É totalmente irracional e
não faz muito sentido. Não tenho nada a esconder ou de que
me envergonhar. Mesmo assim, quero manter Wendy e o
divórcio em dois planos separados.
Martha me liga às três e meia em ponto, quase ao segundo.
Seu rosto aparece na tela – pele bronzeada, uma cortina de
cabelo preto e uma expressão que significa negócios.
— Ei, Martha, como vai? — Eu a cumprimento.
— Vou ser honesto, Riven, as coisas não estão melhorando
no acordo. — Acho que estamos pulando gentilezas e indo
direto ao ponto. — Meu escritório recebeu os pedidos de
Cassidy e eles são além do absurdo.
— Ok — eu digo, sombriamente. — Manda bala.
— Ela quer a casa — diz Martha com naturalidade. — Nós
esperávamos isso. Mas ela também reivindica o direito a metade
de todos os seus ativos líquidos...
— O quê? — eu desabafo. — Sem descontar o valor da casa
primeiro?
— Precisamente meu ponto, e, isso pode doer, ela também
afirma que tem direito a cinquenta por cento dos livros atuais
e futuros pelos livros que você escreveu enquanto ainda era
casado com ela.
Fecho os olhos e massageio minhas têmporas.
— Com que fundamento?
— Aparentemente, você a nomeou como sua musa em seus
agradecimentos, dizendo que não teria sido capaz de escrever
histórias tão convincentes sem ela ao seu lado.
— Isso é absurdo! — Eu bato um punho na mesa; então,
vendo como mais do que algumas cabeças se voltam para mim,
eu abaixo minha voz. — E uma dedicatória dá a ela base legal
para realizar esse pedido?
— Os advogados de Cassie estão sendo criativos, mas não
podemos rejeitar nada neste momento. Acabei de receber seus
pedidos esta manhã. Preciso ter certeza de que não há
precedente antes de lhe dar uma resposta definitiva. Como você
prefere que eu prossiga com o resto?
— Ela pode ficar com a casa. Eu não quero. Mas o valor
precisa ser descontado dos ativos líquidos.
— Quanto você quer que eu empurre?
Eu considero por um segundo. A tentação de ser
mesquinho ou vingativo é forte, mas honestamente não acho
que “ganhar” o acordo de divórcio me faria me sentir melhor.
— Desejo que o acordo seja justo, Martha, para ambas as
partes.
— Ok. — Martha balança a cabeça, enquanto ainda anota
meus pedidos.
— Você acha que eu estou dificultando as coisas?
Martha olha para mim.
— Dada a atitude que sua futura ex-esposa mostrou, o que
eu acho é que você sempre foi um homem bom demais para ela.
— Ela suspira. — O processo de divórcio não vai mudar isso.
Mas serei amaldiçoada se não me certificar de que ela não irá se
aproveitar de você. Vou tentar intermediar o negócio o mais
justo possível.
— Obrigado, Martha.
— É meu trabalho. E você é um amigo, de qualquer
maneira. — Ela acena para mim, então pega a pilha de papéis
na frente dela, arrumando-a. — Posso assumir que é um sólido
não para os direitos autorais dos livros?
Minha mandíbula fica tensa. Ainda não consigo acreditar
que Cassie tentaria reivindicar a propriedade do meu trabalho.
— Sim, eu escrevi esses livros sozinho. Ela não tem direitos
sobre eles.
Não vou deixar minha ex ir embora com meu coração,
minha casa e minha dignidade.

•••

Na viagem para casa, não posso deixar de sentir uma onda de


raiva amarga pela forma como meu casamento está
terminando. Não que eu esperasse que o divórcio fosse bonito.
Mas, sim, eu ainda esperava que Cassie pelo menos agisse como
um ser humano decente, não uma sanguessuga em busca de
fama e dinheiro.
Wendy deverá notar meu mau humor – e vai fazer
perguntas. Eu nunca soube disfarçar bem. Pela primeira vez
desde que ela entrou na minha vida, eu gostaria de não estar
dividindo uma casa com ela.
Mas, se estou um pouco preparado para lidar com ela, o que
definitivamente não estou preparado para lidar é a visão que me
espera quando abro a porta da frente: Wendy e Danny,
sentados na ilha da cozinha, bebendo champanhe e comendo
salgadinho de uma tigela.
Eu tenho que piscar duas vezes, então três vezes para
conciliar o que estou vendo com o que é possível. Estou
alucinando?
Mas então a risada estrondosa de Danny estala no ar, e eu
percebo que ele é real. Lembro-me de sua promessa de vir visitar
em janeiro. Acho que o “Vou mandar uma mensagem para
você quando reservar o meu voo” realmente se traduziu em “Vou
aparecer na sua porta sempre que tiver vontade e me servir de
todo o seu bom álcool”.
Eles não me notaram entrando na casa, então eu paro um
momento para observá-los enquanto tiro silenciosamente
minha jaqueta, cachecol e botas. Eles parecem se dar bem.
Wendy está sorrindo e falando, as bochechas rosadas do vinho,
eu presumo, enquanto ela coloca outra batata na boca. E
Danny é o atrevido de sempre. Patife, divertido e também um
mulherengo, infelizmente. Espero que eles não gostem muito
um do outro.
Escondo a bolsa do computador no armário e entro na sala.
— Ei — eu digo. — Meus olhos me enganam ou é realmente
meu melhor amigo bebendo meu champanhe e roubando
meus salgadinhos?
— Ooooh — Danny grita. — Riven, meu homem.
Ele pega uma taça, enche com espumante e vem me oferecer
depois de me esmagar em um abraço de urso.
— Você finalmente está em casa.
— Você estava com saudades de mim? — Eu pergunto,
pegando a taça.
— Na verdade, não — Danny sorri, apontando para a ilha
da cozinha. — A maravilhosa srta. Nichols estava me
atualizando sobre os últimos acontecimentos.
Eu inclino minha cabeça para Wendy.
— Só coisas boas, espero?
Ela toma um gole de vinho e me olha desconfiada.
— O Grinch também roubou todas as roupas íntimas da
cidade? — Ela pergunta.
Poxa, aquela mulher não larga o osso.
— Não, Capitã, eu não fui à cidade comprar roupas íntimas.
— Não me diga. — Wendy sorri, satisfeita com a minha
admissão.
Danny me dá um tapinha no ombro.
— Espero que você não tenha feito nada de bom.
Agora que a ligação ficou para trás, não vejo sentido em
escondê-la. Além disso, champanhe e salgadinhos podem não
ser uma má ideia para mudar um dia ruim. Por mais inesperada
que seja a visita do meu melhor amigo, estou feliz por Danny
estar aqui.
Tomo um longo gole de champanhe antes de confessar.
— Na verdade — ainda assim, enquanto falo, evito o olhar
de Wendy — eu liguei para a minha advogada de divórcio.
Eu finalmente olho para Wendy e ela parece mortificada.
— Riven, eu sinto muito, eu não tinha ideia...
— Não, não, não — Danny interrompe. — Nós não vamos
dar uma festa de pena agora, vamos? Wendy levou um pé na
bunda, você está se divorciando, eu tenho meu coração
partido...
— Espere, o quê? — Digo, chocado. — Eu nem sabia que
você estava namorando alguém? Você nunca namora.
Se há alguém que faz sucesso em fugir de envolvimentos
românticos, é Danny.
— Abri uma exceção — diz ele, com sepultura simulada ou
talvez com sepultura real. — Claramente um erro que não vou
repetir. Mas isso não vem ao caso, porque agora vamos
comemorar o ano novo juntos, nos divertir e virar um dedo
gigantesco para todos os nossos exs.
Ele ergue sua taça em um brinde.
Eu bato meu copo no dele.
— Um brinde a isso.
— Saúde — Wendy repete.
Todos nós bebemos.
— Eu preciso de mais vinho — eu digo, olhando a garrafa
meio vazia e enchendo meu copo. — E mais salgadinhos.
Brindamos ao ano novo.
Aos novos começos.
Ao cabelo rosa.
Às roupas íntimas de banana.
E aí eu perco a conta.
— Que horas são? — Wendy pergunta depois de um tempo.
Eu tenho que olhar de soslaio para o meu relógio duas vezes
antes de ler as horas corretamente.
— Quase seis.
— Não deveríamos comer alguma coisa? — Wendy
pergunta. — Que combina com champanhe, além de
salgadinhos, quero dizer.
— Pizza — Danny diz.
Wendy e eu concordamos timidamente.
— Pizza parece ótimo — eu digo.
— Eles entregam na floresta? — Dani pergunta.
Pego meu telefone para ligar para a pizzaria, recitando seu
slogan:
— Você pede, nós entregamos — eu canto. — O restaurante
tem uma moto de neve para quando as condições são terríveis.
Danny acena com a cabeça, impressionado.
— Acho que o bom povo de Utah tem suas prioridades
corretas, saúde para eles. — Ele levanta o copo para o enésimo
brinde.
— O que vocês vão querer? — Eu pergunto.
— Vou pegar uma Margherita — diz Wendy.
— Pepperoni, queijo duplo para mim — acrescenta Danny.
— Oh. — Wendy franze o rosto. — Agora eu quero o
pepperoni também, e o queijo duplo.
— Três pizzas de pepperoni e queijo duplo — confirmo. —
Quantas fatias? Quatorze, dezesseis, dezoito?
— Dezoito — diz Danny. — No mínimo.
— Dezoito fatias não é muito? — Eu pergunto.
— Se houver sobras, podemos comê-las no almoço — diz
Wendy. — A pizza fica ainda melhor no dia seguinte.
— Qualquer desculpa é boa para deixar de cozinhar, hein,
Capitã?
Não me importo de preparar todas as nossas refeições, mas
também não posso deixar de notar como Wendy evitou a
cozinha mesmo nos dias pós-depressão.
— É para sua própria segurança — diz Wendy.
— Quer dizer que você não sabe cozinhar?
— Não, eu teria problemas para ferver água.
— Como você sobrevive em Nova York?
Wendy conta os dedos.
— Comida congelada, comida para viagem, máquinas de
venda automática de teatro.
— Isso aí, garota.— Danny levanta a mão, e eles trocam um
toca-aqui.
Eu balanço minha cabeça e peço três pizzas de pepperoni de
dezoito fatias com queijo duplo.
No final, Wendy não come metade dela. Estou quase
chegando à marca do meia pizza. E Danny é o campeão
indiscutível, ele come três quartos de sua pizza gigante. Após o
jantar, o clima de festa se acalma significativamente. Entre o
álcool e a comida, estou prestes a desmaiar, mesmo que ainda
não sejam nove horas.
Eu me viro para Danny.
— Você já decidiu onde vai dormir?
— Eu tenho opções?
— Há dois quartos no andar de cima, mas um tem uma
cama de casal.
— E onde a Pink está dormindo? — Ele pergunta a Wendy.
— Isso não é da sua conta — eu digo, saindo mais forte do
que eu pretendia.
— Uuuh, alguém está com ciúmes. — Ele pisca para
Wendy.
— Eu não estou com ciúmes. Eu estou apenas...
Eles me encaram com expectativa.
— Bêbado, e indo para a cama. — Eu me levanto.
— Desmancha-prazeres — Danny diz, mas ele também se
levanta, e Wendy também.
No andar de cima, mostro a Danny onde fica o banheiro e o
quarto dele.
— Você precisa de alguma coisa? — Eu pergunto.
— Não, cara, obrigado. — Ele dá um tapinha em sua
mochila. — Tudo que eu preciso está aqui.
Eu o deixo em seu quarto para desfazer as malas e encontro
Wendy ainda esperando por mim na parte inferior das escadas
do sótão.
— Riven?
— Sim?
— O que é um Bangaloo?— Ela pergunta, esfregando seus
olhos com sono. — E por que o seu quebrou?
— Morto — Danny sussurra, enfiando a cabeça para fora de
seu quarto. — Estava morto.
Wendy

Na manhã seguinte, acordo gemendo pela minha estupidez.


Ontem à noite, comi e bebi demais. Minha cabeça está me
matando e me sinto inchada e nojenta. Preciso de um banho de
três horas. Mas quando entro no banheiro do andar de baixo,
encontro Danny já ocupando-o.
O chuveiro está ligado e o quarto está ficando cheio de
vapor, enquanto Danny é a visão mais ridícula enrolado em
minha toalha felpuda rosa, com meus chinelos rosa de
penugem nos pés e usando óculos escuros embaçados.
— O que você está fazendo? — Eu pergunto.
Ele se vira para mim.
— Oh, bom dia, raio de luz. Eu estava me preparando para
tomar banho, mas esqueci minha navalha no meu quarto,
então tive que voltar. — Danny mexe um pé para mim. —
Obrigado por me emprestar seus chinelos.
E minha toalha favorita, acrescento na minha cabeça.
— Quanto tempo você vai ficar aí? Eu também quero tomar
banho.
Danny levanta seus óculos de sol com uma mão, mostrando
olhos azuis injetados.
— Desculpe, querida, vai demorar um pouco. — Ele abaixa
os óculos de sol novamente.
Cruzo os braços sobre o peito.
— Você sempre toma banho com seus óculos escuros?
Danny dá de ombros.
— A luz estava me machucando.
— Bem, não demore muito.
— Por que você não usa o banheiro do Riven, princesa? Ele
está fora.
Eu saio do banheiro comum e considero a proposta de
Danny. Eu dou de ombros e vou para o quarto de Riven,
cruzando o quarto principal até o banheiro gigante. Este
banheiro tem uma grande banheira à esquerda e um chuveiro
no canto oposto. Hmm... qual devo usar?
Um banho longo de banheira supera um banho longo no
chuveiro em qualquer dia.
Eu encho a banheira com água quente e bolhas e afundo sob
o calor delicioso. Deixando um fio de água quente fluindo da
torneira para estabilizar a temperatura, eu relaxo minha cabeça
contra a borda.
Não sei quanto tempo passo na banheira, eu poderia até ter
adormecido em um ponto. Quando acordo, meu corpo parece
que perdeu todos os ossos e minha cabeça finalmente parou de
latejar. Deixo a água escoar, me levanto e saio da banheira com
as pernas bambas. Com uma toalha branca e limpa enrolada em
volta de mim e outra na cabeça, saio do banheiro.
Então noto meu telefone, abandonado na pia, me viro para
pegá-lo e, girando de novo, bato direto no peito de Riven.
Quando tropeço nele, ele me agarra pelos ombros para me
manter de pé.
Uma vez que é óbvio que não vou quebrar meu cóccix nos
azulejos do banheiro, ele me solta com um sorriso.
— Bom dia.
— Nossa, você não pode se esgueirar das pessoas assim! —
Eu o repreendo e de brincadeira o golpeio. Então dou um passo
para trás, colocando espaço entre nós. Infelizmente, o
movimento abre a visão para sua camisa de flanela totalmente
desabotoada e seu tanquinho brilhante de suor. Porra, Sr.
Escritor Reservado, você, por baixo de todos aqueles suéteres
nerds, está bem definido.
Riven limpa a garganta, e eu sou forçada a desviar os olhos
do sexy V que leva para baixo do seu jeans desgastado para olhar
para seu rosto. Não que seja melhor. Seu cabelo escuro está
penteado para trás, pegajoso com mais suor e sexy como o
inferno.
— Eu me esgueirando? — Ele diz. — Você é a única no meu
banheiro.
Eu engulo, mortificada que ele me pegou olhando. Eu não
quero que ele pense que eu estava babando, mesmo que eu
estivesse totalmente.
— Bem, seu melhor amigo se apossou do meu e ele disse que
você tinha saído.
Riven sorri.
— Eu estava do lado de fora, cortando um pouco de
madeira.
Minhas fantasias de lenhador ficam fora do controle.
Imagino-o empunhando um machado e cortando troncos em
um golpe limpo após o outro. Na minha imaginação, ele ainda
está vestindo a camisa de flanela desabotoada, e seu estômago
se contrai deliciosamente a cada novo golpe da lâmina. Não
importa que lá fora a temperatura esteja na casa de um grau
negativo.
Na minha cabeça, eu tento conciliar a imagem dele com a
qual estou mais acostumada com esse pedaço de lenhador.
Riven sentado à mesa, com uma carranca séria, e óculos
enquanto ele digita em seu notebook contra o cortador de
madeira sexy. Ele é como o nerd e inteligente Clark Kent e o
musculoso e gostoso Super-lenhador, tudo embrulhado em um
só.
Eu fungo – cheiro o ar, balançando o nariz – não por
nenhum motivo real. Aposto que até o suor dele cheira bem.
— Você precisa de um banho.
Ele sorri, me sacudindo ainda mais.
— Esse foi o ponto de eu vir aqui, mas fui detido por uma
invasora.
Eu enrolo a toalha mais apertada em volta do meu corpo
com o mesmo desdém de uma milady desprezada em um
romance da Regência e, correndo por ele, digo:
— Vou sair do seu caminho, então.
Riven ergue uma sobrancelha para mim.
— Você vai me fazer o almoço?
Riven

Wendy para e, olhando para mim por cima do ombro nu, ela
diz:
— Claro. Uma refeição maravilhosa estará esperando por
você quando descer, senhor.
Ela faz uma reverência.
— Não sei se devo ficar preocupado ou lisonjeado.
Wendy acena para mim.
— Vejo você em breve. — E ela se foi.
Eu entro no banheiro e abro a torneira, esperando que
Wendy e Danny não tenham acabado com toda a água quente.
Esqueça isso, um banho frio é provavelmente o que eu preciso
depois de encontrar Wendy seminua no meu quarto.
Eu termino no meio termo, com um banho curto e morno.
Eu rapidamente me visto e desço as escadas para encontrar a
sala cheirando surpreendentemente bem. O forno está aceso e
a mesa está posta de uma forma mais extravagante do que o
habitual.
Danny já está sentado nela.
— Hmm — eu digo. — O que tem no menu?
Wendy, com o cabelo preso em um coque, tira algo do forno
– não consigo ver atrás da ilha da cozinha – e coloca em pratos,
depois vem até nós com os três pratos em seus braços.
Ela abaixa o meu primeiro.
— Pizza de pepperoni e queijo duplo reaquecida para você.
— Ela passa para Danny. — E para você também.
Então ela se senta com seu próprio prato de pizza na frente
dela e me encara desafiadoramente.
Eu não posso deixar de rugir de tanto rir.
— Boa jogada, Capitã. Mas você não vai deixar de aprender
a cozinhar.
Danny dá uma mordida gigante em sua pizza, gemendo.
— A melhor pizza requentada de todos os tempos — diz ele
entre mastigadas.
— Então. — Eu olho para ele, dando a primeira mordida na
pizza requentada reconhecidamente excepcional. — Você quer
nos contar mais sobre essa misteriosa moça que foi capaz de
arrancar seu coração?
Danny toma um gole de cerveja antes de responder.
— Você está pronto para falar sobre o divórcio?
— Não.
Meu melhor amigo dá de ombros.
— Acho que não estamos falando então.
Wendy revira os olhos teatralmente, soltando um
exasperado:
— Homens!
•••

Depois do almoço, me enfio no meu quarto para escrever.


Anoto três mil palavras sólidas e olho para longe da tela apenas
quando ouço os passos de Wendy descendo as escadas. Ela deve
estar trabalhando em sua nova peça também e decidiu encerrar
o dia. Verifico o relógio do meu notebook, são seis da tarde.
Sim, acho que terminei por hoje.
Eu salvo meu trabalho, me certifico de que ele esteja
sincronizado com a nuvem para segurança dupla – desde o
susto falso da tela quebrada, adotei um novo protocolo de
segurança – e desligo o notebook.
No andar de baixo, Danny está relaxado no sofá assistindo
TV e Wendy está encostada no encosto da cadeira, segurando
uma caneca fumegante nas mãos.
— O que você está assistindo? — Ela pergunta a ele.
— Um reality show sobre imóveis.
— Ah, você gosta de imóveis?
— Não, eu gosto das garotas que vendem — Danny diz.
Wendy ergue os olhos para a tela.
— Sim, eu entendo o seu ponto. E é divertido?
— Estranhamente viciante — diz Danny. — Estou meio
que pensando em jogar um jogo de bebida com isso.
— Hmm, quais seriam as regras?
— Vamos ver. Toda vez que uma das mulheres virar o
cabelo ou falar pelas costas de outra pessoa, nós tomamos uma
dose, doses duplas se elas venderem uma casa.
Wendy ri.
— Vou pegar uma cerveja, mas estou em uma
desintoxicação hoje à noite.
Ela volta para a geladeira e pega uma Coors Light para
Danny.
— Idem — eu digo.
Wendy salta ao som da minha voz.
— Você não deveria se aproximar de pessoas assim, mais
cedo ou mais tarde eu vou jogar spray de pimenta em você.
— Você carrega spray de pimenta pela casa?
— Não, mas posso começar. — Ela me entrega a cerveja.
— Tem certeza de que não podemos tentar jogar? — Eu
mexo a garrafa em minhas mãos. — Isso é basicamente água.
Wendy estreita os olhos para mim.
— Um episódio.
Quatro horas depois, assistimos às temporadas um e dois e
uma série de garrafas de cerveja se alinham na mesa de centro –
acontece que essas garotas falam muito pelas costas das pessoas,
constantemente jogam o cabelo e também vendem uma
tonelada de casas. Mas entre os episódios, eu fiz uma tigela de
fettuccine Alfredo para acompanhar a cerveja, para não
ficarmos bêbados como ontem à noite, incluindo a Wendy,
que é o peso mais leve de nós três.
— Cara — Danny olha para mim. — O que você acha de
irmos às encostas, amanhã? Eu tenho que ir em alguns dias, mas
eu gostaria de esticar minhas pernas primeiro.
— Você já está indo?
— Sim, eu tenho que ir para a Cidade do México no dia 9.
Filmamos um documentário sobre Teotihuacan na segunda-
feira.
— Sim, cara, eu adoraria. — Viro-me para Wendy com uma
expressão de desculpas. Eu sei o quanto ela gosta de esquiar,
talvez até demais. Olho para o tapa-olho que ela poderá
remover em apenas alguns dias.
Conscientemente, ela o toca.
— Não se preocupe, só porque eu não posso fazer nada
divertido não significa que vocês não devam.
Danny se levanta e faz uma reverência teatral.
— Você fará falta, Rosinha, você é muito divertida. — Ele
pisca para ela, que é o maior endosso vindo de Danny. Então
ele se vira para mim. — Eu não sei por que você sempre
reclamou dela.
O olhar indignado de Wendy se volta para mim e eu faço
uma careta para Danny com um não dito e sarcástico
“obrigado, cara”.
— Você reclamava de mim? — Ela pergunta.
Eu levanto minhas mãos defensivamente.
— Somente sobre suas habilidades de fazer café, eu juro. —
E antes que ela possa acrescentar alguma coisa, empurro Danny
em direção às escadas e o sigo, gritando: — Boa noite, Capitã.
Wendy

Eu passo os próximos dois dias basicamente sozinha em casa


enquanto Riven e Danny vão esquiar. Então, tão rápido
quanto ele entrou em nossas vidas, Danny se foi.
Riven lhe dá uma carona até o aeroporto de Salt Lake City
no domingo à tarde e volta bem na hora do jantar. Eu não
queria que ele tivesse que cozinhar depois da viagem, então eu
pedi comida chinesa e coloquei na mesa para nós quando ele
chegasse.
Não importa que eu o veja todos os dias, no momento em
que ele entra em casa e tira suas roupas ao ar livre, meu coração
salta na minha boca.
Seu cabelo está despenteado por causa do gorro, bagunçado
de uma maneira que não estou acostumada a ver nele. Eu quero
passar minhas mãos e bagunçá-lo mais ainda. Meu estômago
aperta com desejo.
Inconsciente dos pensamentos sensuais flutuando em
minha mente, Riven observa a mesa posta e as caixas de comida,
e sorri.
— Eu pedi para você as mesmas coisas do outro dia no
shopping — eu guincho nervosamente. — Espero que não se
importe.
— Você está de brincadeira? Eu poderia comer costeleta de
porco assada e arroz em dim sums todos os dias da semana.
Obrigado por cuidar do jantar. — Ele vai até a geladeira e a abre.
— Uma taça de vinho?
— Claro — eu digo, sentando à mesa.
Não é o primeiro jantar que tivemos sozinhos nesta casa,
mas por alguma razão, esta noite parece diferente. Como um
encontro, quase.
— Como está indo a escrita da sua peça? — Riven pergunta
assim que ele se senta à mesa.
— Ótima, tive dois dias muito produtivos com vocês fora
de casa.
— Ainda bem que nossa ausência não foi sentida. — Riven
coloca uma garfada de legumes na boca e toma um gole de
vinho antes de me prender com aquele olhar derretido de olhos
castanhos. — Como você entrou na dramaturgia…? Não é o...
uh... ramo mais comum da arte literária.
— Você quer dizer que vocês escritores ficam no topo da
cadeia alimentar enquanto todos nós, subalternos, adoramos
vocês de baixo?
Riven ri.
— Não, eu não estava tentando ser esnobe. Eu só estou
curioso. Eu nunca pensei em escrever nada além de livros,
mesmo que, para ser justo, LA tenha tudo a ver com roteiros.
Eu queria saber se foi o mesmo para você ou se algo a levou para
o teatro.
— Meu pai me levou ao Teatro Lunt-Fontanne quando eu
tinha dez anos para assistir A Bela e a Fera. Dois minutos de
show e eu decidi que era o que eu queria fazer quando crescesse.
Riven trava os olhos em mim e levanta seu copo.
— Um brinde a seguir nossos sonhos.
Uma vibração se espalha na minha barriga, que o vinho só
piora.
A sensação permanece comigo durante todo o jantar, que
parece terminar rápido demais.
Uma vez que limpamos a mesa e enchemos a máquina de
lavar louça, não quero que a noite acabe. Mais que isso, estou
desesperada para que não acabe. Eu me recuso a passar outra
noite no sótão, pensando em Riven em seu quarto abaixo de
mim e em quão perto e distante ele está.
Uma ideia me ocorre para prolongar nossa noite juntos.
— Ei — eu digo. — Eu estava pensando em assistir a mais
um ou dois episódios do reality show imobiliário.
E então, colocando minhas mãos para frente, eu acrescento:
— Sem jogo de bebida associado. Quer assistir comigo?
— Claro — Riven diz com um sorriso enigmático. — Mas
estou fazendo pipoca.
— Depois de toda a comida que acabamos de comer?
— Você não precisa comer se estiver cheia.
Como se fosse possível. Ninguém resiste ao cheirinho de
pipoca recém-feita.
No momento em que Riven se senta na extremidade oposta
do sofá com a bolsa fumegante no colo, eu deslizo para o lado
dele como uma abelha em direção ao mel.
Assistimos ao show sentados lado a lado, nossos corpos se
tocando em vários lugares. Seu calor se infiltra em minhas
roupas, e eu nunca me senti tão bem.
Pelo menos até seus dedos deslizarem pelo meu cabelo,
fazendo cócegas na minha testa.
Eu olho para ele com curiosidade quando ele retira a mão.
— Uma pipoca estava presa entre os cachos — diz ele,
mostrando-me a pipoca perdida. Riven a joga no ar e a pega
com a boca.
— Isso é nojento — eu reclamo.
— Você só está com ciúmes porque não consegue pegar
pipoca com a boca.
Para demonstração, ele joga outra no ar e come.
— Ah, é? — Eu pego um punhado do balde e jogo uma.
Abro a boca para pegá-la, mas ela imediatamente pousa no
meu nariz e ricocheteia nas almofadas.
Riven a recupera, joga e come.
Seus lábios se curvam em um sorriso provocante e sexy.
É muito irritante.
Eu jogo a pipoca que ainda está na minha mão para ele.
Seu rosto chocado e indignado é muito cômico, então pego
mais munição do pacote e a jogo também.
Mas o choque de Riven passa rapidamente.
— Isso não é um jogo justo, Capitã.
Quando ele chega até mim, consigo pegar um último
punhado e jogá-lo antes que ele tenha meus pulsos em suas
mãos. Ele me prende no sofá com meus braços acima da minha
cabeça, elevando-se sobre mim.
Ele fez isso sem maldade, para me impedir de jogar mais
pipoca nele, mas no momento em que ele percebe nossa nova
posição, o jogo para.
Seu olhar escuro faz meu coração bater mais rápido e mais
forte, a ponto de eu temer que ele possa sair do meu peito.
O aperto de Riven em meus pulsos diminui, mas apenas
para que ele possa escovar os polegares por dentro em círculos
lentos. O contato envia pequenas ondas de eletricidade pelo
meu corpo, e eu tento trazer meus braços para baixo, mas ele
não me deixa. Ele apenas continua olhando para mim, a luxúria
personificada: alto e esbelto, tonificado e musculoso, mas não
excessivamente, o nariz reto que enruga um pouco quando ele
sorri, o canto direito da boca sempre arrebitado naquele sorriso
provocante, e seu lábio inferior me implorando para mordê-lo.
Ele é gentil, inteligente, engraçado, provocador, perverso,
atencioso, gostoso. Fica bem em um suéter de tricô e óculos, o
mesmo com camisas de flanela desabotoadas. Riven Clark e
Super-lenhador – um milhão de deliciosas contradições, todas
embrulhadas em um pacote sexy.
Meus dentes roçam meu lábio inferior.
Em resposta, essa curva de sua boca se torna mais
pronunciada.
— No que você está pensando, Capitã-Rosa? Você parece
preocupada.
Estou me esforçando para não cair na armadilha, mas como
todas as coisas proibidas, ele tem um fascínio irresistível. Ainda
assim, consigo uma resposta rápida.
— Eu estava pensando que você pesa uma tonelada, e você
provavelmente deveria ir mais devagar com a pipoca da
próxima vez.
— Oh, sério?
— Sério! No que você está pensando? — Eu pergunto,
porque o que estou realmente pensando é o quão perto nossas
bocas estão e quão pouco demoraria para nos beijarmos. E seria
realmente a pior coisa se eu perdesse o controle? Com ele. Por
uma noite.
— Estou pensando que você deveria calar a boca.
Com os olhos cravados nos dele, eu digo:
— Me obrigue.
Seu rosto se aproxima até que as pontas de nossos narizes se
tocam. O peito de Riven está suavemente pressionado no meu
enquanto nossas pernas são agora uma única espiral
entrelaçada, a minha entre as dele. Meu peito arfa em uma
respiração difícil enquanto seu cheiro sobe à minha cabeça:
algodão limpo, masculinidade e pipoca.
Ele solta meus pulsos, arrastando os dedos pelas palmas das
minhas mãos e entrelaçando-os com os meus. Eu permaneço
presa sob ele, presa entre suas pernas, sob seu peito, minhas
mãos entrelaçadas nas dele na almofada.
Meu coração está batendo tão freneticamente que está
perdendo batidas.
Riven e eu jogamos pôquer há algum tempo, mas agora
todas as cartas estão na mesa. Chega de blefar. Eu o quero, ele
me quer. Fica claro pela nossa respiração pesada, acelerada e
curta. Só podemos nos mover em uma direção a partir daqui. É
inevitável.
Finalmente, seus lábios cobrem aquele último centímetro
entre nossas bocas que parecia ter uma milha de comprimento
até um segundo atrás.
O beijo é doce quando nossos lábios se conhecem. Os
mesmos lábios que passaram semanas zombando um do outro,
instigando, resmungando, discutindo, agora se procuram,
provam e se descobrem. Meu peito surge em resposta ao beijo.
Ele finalmente solta minhas mãos e eu me agarro em seus
ombros, meus dedos empurrando em seu suéter e desejando
tocar a pele por baixo. Riven deve estar na mesma busca pela
pele nua porque suas mãos, abençoadas com acesso mais fácil,
esgueiram-se por baixo do meu suéter e seus dedos acariciam a
pele da parte inferior das minhas costas. É o mais suave dos
toques, mas ainda queima, sobrecarregando meus sentidos.
Minha perna está dobrada em um ângulo estranho embaixo
de mim, mas eu não me importo. Eu deitaria em brasas se isso
significasse que eu poderia beijar Riven, e pelo jeito que meu
corpo inteiro está aquecendo, eu poderia estar deitada em um
sofá feito de chamas. Mesmo na névoa do beijo, Riven deve
notar o meu leve desconforto, porque ele nos rola, nossas bocas
nunca se separando, então agora estou por cima e com
circulação nas duas pernas.
Beijar Riven é transcendental. Eu me agarro a ele enquanto
nos movemos juntos para uma nova dimensão. O mundo real
desapareceu e nós existimos em um plano feito só de nós e desse
desejo que está nos consumindo. É assim que é estar
apaixonada?
Meu pulso acelera com o peso da pergunta e a rapidez com
que cheguei a fazê-la. Ou pode ser pela forma como os dentes
de Riven estão escovando meu lábio inferior.
Suas mãos estão subindo pelas minhas costas,
perigosamente perto do fecho do meu sutiã, quando um
estrondo alto do quintal nos faz recuar. Nossos olhos se
encontram por um instante. Os dele estão arregalados de
surpresa e vidrados pelo beijo, enquanto uma leve carranca
denuncia o aborrecimento de Riven com a interrupção. Por
outro lado, ele parece deliciosamente desgrenhado. Finalmente
livre para vagar minhas mãos em seu cabelo sedoso, eu mexo em
todas as direções. Ele é tão sexy que estou quase pensando em
ignorar o barulho e voltar a beijá-lo, quando, com o canto do
olho, vejo uma sombra passando pelas janelas francesas.
Estou prestes a gritar, mas Riven, de repente sério e alerta,
coloca um dedo sobre meus lábios, sussurrando:
— Shhhh.
Seu toque é abrasador e envia ainda mais adrenalina fluindo
pela minha espinha.
Riven se endireita e gentilmente me abaixa no sofá.
— Você acha que é um ladrão? — Eu sussurro.
— Não se preocupe — Riven sussurra de volta. — Estou
aqui.
Nós dois focamos nossos olhares para fora das janelas.
As luzes da varanda estão apagadas, e o pátio do lado de fora
está coberto de escuridão. As janelas francesas que sempre
considerei como a melhor característica da casa de repente
parecem um ponto fraco escancarado bem no centro.
Dentro da casa, as luzes também estão apagadas, e a única
iluminação vem do brilho da tela da TV onde uma mensagem
de “Você ainda está assistindo isso?” brilha em seu centro.
Não podemos ver quem está do lado de fora, mas eles
podem nos ver?
Riven se levanta, me privando do calor reconfortante de seu
corpo e provocando um arrepio na minha espinha. Nada a ver
com os calafrios de apenas alguns minutos atrás.
Estou com medo de que algo possa acontecer. Muitos filmes
de terror são ambientados em cabanas no meio da floresta por
um motivo. Ninguém ouviria nossos gritos daqui.
Estendo a mão para detê-lo, mas Riven sorri para mim e
sussurra:
— Não se preocupe, tenho certeza que não é nada. Eu não
vou deixar ninguém te machucar.
— Onde você está indo?
— Acender as luzes da varanda.
— Mas e se eles virem você?
— A maioria dos ladrões não quer ter um confronto, eles
podem ver as luzes e fugir.
— Então, você definitivamente acha que há ladrões?
Com o maxilar tenso, Riven responde:
— Só uma maneira de descobrir.
Riven

Wendy se levanta.
— Eu vou com você…
Nossos rostos se nivelam novamente e eu tento ignorar
como suas bochechas ainda estão coradas ou seus lábios
inchados do beijo.
Centenas de noites sozinho nesta cabana e nada aconteceu,
e a única noite em que finalmente tenho coragem de beijá-la, é
noite de invasão na casa.
Deve ser o destino me impedindo de cometer um erro
monumental. Eu quero Wendy. Eu a quero desde o momento
em que ela abriu caminho para minha cabana. Mas não tenho
certeza se sou o que é certo para ela. Ela precisa de certezas,
estabilidade, e tudo o que posso dar a ela agora são pontos de
interrogação.
Wendy segura minha mão e vamos até as janelas francesas
onde estão os interruptores de luz. Viro eles todos para cima e,
por um momento, ficamos cegos pelo brilho repentino. Todo
o quintal fica à vista, a neve amplifica a luz e a reflete em todas
as direções, dando uma ilusão de luz do dia.
Eu examino o terreno em busca de qualquer vestígio de
intrusos, mas não vejo nenhum até que meus olhos encontram
dois poços amarelos brilhantes na borda da floresta.
Percebo para o que estou olhando um segundo antes de um
uivo arrepiante rasgar a noite.
Wendy se aproxima de mim.
— Isso foi um... um lobo? O lobo?
Eu me viro para ela, dando-lhe um dos meus sorrisos
fingidos de bravura.
— A boa notícia é que não há ladrões.
Wendy se esconde comicamente atrás das minhas costas,
sibilando:
— Ah, ótimo, porque uma fera devoradora de humanos soa
muito melhor.
— Vamos, lobos não abrem portas da última vez que
verifiquei. Eles não são velociraptors.
— E isso não é Jurassic Park, então o que fazemos agora?
Você tem um rifle em algum lugar?
— Um rifle? Para fazer o quê? Não vou sair à noite caçando
um animal selvagem que tem preferência por carne humana. E
mesmo se eu fosse imprudente o suficiente para ir lá, eu não
saberia atirar. Só precisamos verificar as fechaduras. — Vou em
direção à porta dos fundos da cozinha.
Wendy fica perto de mim, ainda falando em um sussurro
baixo:
— Sério? Eu pensei que com todos os tiroteios em seus livros
você era um especialista em armas de fogo.
Isso me faz parar. Eu me viro para ela e a estudo por um
longo tempo.
— O quê? — Ela cuspiu depois de um tempo.
— Você leu meus livros?
Wendy cora.
— Claro que li seus livros. — Ah, aposto que a admissão
custou a ela. — Todo mundo já leu.
— Mas você não disse nada, você fez parecer que mal fazia
ideia de quem eu era. Como se o único conhecimento sobre
Preacher Jackson que você tinha fosse do que ouviu.
— Bem, quando nos conhecemos, você parecia cheio de si
que não precisava de um impulso extra para o seu ego já
desproporcionalmente grande.
— É isso mesmo? Isso significa que você gostou deles?
— Sim, você é o mestre da aventura e do suspense. Seus
livros são impossíveis de parar de ler... feliz?
O elogio, apesar de ser arrancado dela, me enche de orgulho.
— Muito — eu respondo.
Wendy revira os olhos.
— Podemos cuidar da situação do lobo agora?
Acho que é tarde demais para ligar para a associação de vida
selvagem. E já que não estamos em perigo real, seria inútil
alertar o policial da cidade. Um comando de caçadores armados
até os dentes em nosso quintal seria muito mais perigoso do que
um pobre animal faminto.
Wendy e eu revistamos todas as fechaduras da casa,
verificando portas e janelas. Uma vez que cada uma está bem
trancada, nós voltamos para a sala de estar, desajeitadamente a
um pé de distância. O momento se foi. A atmosfera perfeita de
antes evaporou.
— Você quer terminar o episódio ou devemos apenas ir para
a cama? — Wendy pergunta, se abraçando.
Eu bufo, lançando um olhar ressentido para as escadas,
muito ciente de que esta noite não terminará como eu gostaria.
Não importa que eu suspeite que não foi a melhor jogada, para
começar.
Wendy se mexe em seus pés, lançando um olhar desconfiado
para as janelas francesas como se esperasse que o lobo fosse
entrar a qualquer segundo. E eu também estou com um pouco
de medo. A única coisa que me apavora é que esta noite foi
apenas um acaso e eu não vou beijá-la novamente.
— Cama, eu acho — eu digo. — Você vai ficar bem?
— Sim, claro, como você disse, lobos não abrem portas.
Assim que ela termina as palavras, outro uivo misterioso
ecoa do lado de fora.
Wendy está escondendo o rosto no meu peito em uma
fração de segundo.
Eu envolvo meus braços ao redor dela.
— Medo do grande lobo mau?
— Você me acharia boba se eu dissesse que sim?
Eu empurro uma mecha de cabelo rosa sedoso atrás de sua
orelha.
— Não, eu tenho que admitir que o velho renegado é bem
assustador.
— Riven...?
Estamos ao lado da escada, um de frente para o outro.
— Sim?
— Posso dormir na sua cama, esta noite? — Um raio elétrico
percorre meu corpo antes que ela possa terminar. — Quero
dizer, apenas dormir. Eu sei que estou sendo irracional, mas
gostaria de ter você por perto porque estou com medo.
O pedido é tão doce que não consigo respirar.
Beijo Wendy na testa, abraçando-a contra meu peito.
— Claro — eu digo. — Mas, por favor, use o pijama de
flanela, ou posso enlouquecer.
Seus olhos se arregalam e sua boca forma um pequeno O de
surpresa antes de se curvar em um sorriso secreto.
Eu ofereço a ela minha mão. Wendy olha para ela e depois
para mim.
Intensamente.
E esse olhar me diz muitas coisas, tudo o que não podemos
contar um ao outro. Ainda não. Talvez nunca.
E então, ela apenas coloca a mão na minha, seu sorriso se
tornando um pouco malvado quando ela pergunta:
— Você não é fã da Victoria's Secret?
— Continue sendo uma pivete e você vai dormir sozinha.
Ela fica na ponta dos pés e me beija na bochecha.
— Você não seria tão malvado.
Não, eu não seria. Dormir na mesma cama com você será a
melhor coisa que já fiz... e a mais difícil.
Sorrio para ela e a precede subindo as escadas, puxando-a
atrás de mim, até que ela sobe para seu quarto para se trocar.
Ela volta na ponta dos pés de volta para o meu quarto menos
de dez minutos depois e foge para debaixo das cobertas.
E começa a noite mais simples e bonita de toda a minha
existência.
Wendy

Tudo foi perfeito.


E então aquele lobo estúpido teve que cair no quintal e
arruinar tudo com seu uivo.
Mas agora que estou na cama de Riven, com ele respirando
pacificamente ao meu lado, seu braço em volta da minha
cintura, não tenho certeza se devo ficar com raiva daquela velha
fera ou agradecida.
Riven tem sido um verdadeiro cavalheiro e não tentou nada.
Ele me segurou perto para me fazer entender que eu estava
segura, mas de uma forma respeitosa. Eu sorrio no escuro,
pensando em como, enquanto ele estava acordado, ele tentou
manter uma distância segura entre nós, mesmo enquanto se
abraçava. E como, agora que ele está dormindo, ele está me
sufocando com o calor de seu corpo. Uma perna balançou
sobre minha coxa, a cabeça descansando no canto do meu
ombro.
Eu nunca me senti mais segura em toda a minha vida.
Eu passo um dedo pelo braço dele, apenas levando-o a se
aconchegar mais perto.
— Obrigada — eu sussurro, plantando um beijo suave em
sua têmpora.
Eu não quero dormir. Tento ficar acordada o máximo que
posso, saboreando cada segundo dessa nova intimidade. Mas o
ritmo do peito de Riven subindo e descendo e o calor de seu
corpo logo se tornam demais. Minhas pálpebras ficam pesadas,
meus olhos se fecham e eu adormeço...

•••

Acordo com a primeira luz do amanhecer e esfrego os olhos na


penumbra. O brilho fraco dos raios de sol mal filtra através da
vidraça.
Viro de lado procurando Riven, mas ele não está na cama
comigo.
A descoberta faz eu me sentar na cama. Já considerando
todas as piores possibilidades, eu procuro-o pelo quarto com o
meu olhar, assim que ele se arrasta do banheiro adjacente
vestindo apenas uma toalha. Eu engulo.
Ok, um cara que passa a maior parte de seus dias sentado em
uma mesa não tem o direito de parecer assim.
Nossos olhos se encontram e ele me dá um sorriso.
— Bom dia.
— Que horas são?
Riven vem para a cama e se senta ao meu lado, dando um
beijo na minha testa.
— Estupidamente cedo — diz ele.
Ele cheira a sabão e pecado. Algumas gotas de água caem de
seu cabelo na minha clavícula e fico aliviada quando elas não
começam a chiar e evaporar instantaneamente, porque é assim
que me sinto quente agora. E por que eu pedi a ele para apenas
dormir comigo na noite passada? Eu sou uma vaca estúpida.
Riven se afasta e me coloca melhor debaixo das cobertas.
— Volte a dormir.
— Onde você está indo?
— Sonhei com uma cena perfeita para o meu livro e quero
escrevê-la antes que eu a esqueça.
Eu suspiro.
— Eu não posso lutar contra a inspiração repentina, vá.
Ele sorri para mim.
— Wendy?
— Sim?
— Eu amei a noite passada e não sei o que o futuro reserva,
mas você gostaria de sair comigo?
Minha barriga vibra.
— Num encontro?
— Sim, eu sei que estamos meio que jantando juntos todas
as noites, mas eu quero sair com você; me arrumar. Tomar um
vinho e jantar adequadamente e dar um beijo de boa noite no
final da noite.
Você não pode apenas me dar um beijo de bom dia? Eu quero
perguntar, mas não faço. Ele está sendo tão doce... e eu gosto
ainda mais dele por não querer apressar as coisas, mesmo que
esperar seja uma pequena tortura.
— Eu adoraria ir a um encontro com você.
A alegria e o alívio em seu rosto seriam cômicos se não
fossem tão reconfortantes.
— Hoje à noite?
— Hoje à noite — eu concordo.
Riven me beija na testa uma última vez e, pegando uma
muda de roupa, desce. Eu escondo meu rosto sob as cobertas,
chutando meus pés para cima e para baixo sob os cobertores em
comemoração.

•••

Quando abro os olhos novamente, o sol está brilhando alto no


céu. Incapaz de tirar um sorriso bobo do meu rosto, pego meu
telefone e mando uma mensagem para Mindy.

Eu
Eu dormi com o escritor gostoso ontem à noite

Mindy

O sexo foi alucinante?

Eu
Eu não sei, nós só dormimos juntos

Explico a ela a situação do lobo e acrescento:


Eu
Mas o beijo foi realmente promissor

Mindy
E os próximos passos?

Eu
Ele me chamou para ir em um encontro hoje à
noite

Mindy
Um encontro?

Eu
Sim, ele disse que quer beber um vinho e jantar
comigo corretamente
Como um verdadeiro cavalheiro

Mindy
Eu tenho apenas dois conselhos

Eu
Sim?

Mindy
Depile as pernas e use roupas íntimas bonitas

Eu
Você tem uma fixação com pernas depiladas?

Mindy
Eu fui a um encontro uma vez, e as minhas não
estavam
Eu ainda carrego as cicatrizes
Eu
Oh, vamos lá, um pouco de pelo na perna não
poderia ter sido tão ruim

Mindy
Não, exceto que eu tentei me depilar
secretamente no banheiro do cara depois de
tomar muitos appletinis
E quando falo de cicatrizes, também não quero
dizer emocionais
Quero dizer feridas reais nas minhas pernas

Eu rio, balançando a cabeça e apertando o telefone no meu


peito. Mindy não tem preço, mas suas histórias de terror não
são a razão pela qual eu não consigo parar de sorrir o dia todo.
Eu não me senti tão encantada... bem, se eu tiver que ser
honesta, provavelmente não desde que meus pais me deram a
mansão mágica da Barbie de Natal na segunda série.
Eu me visto e subo um andar até o sótão, canalizando a
adrenalina da antecipação para o meu trabalho. Estou tão
distraída que teria pulado o almoço se Riven não tivesse trazido
um sanduíche para mim.
Após o breve intervalo, meus dedos voam no teclado até
chegar a uma encruzilhada na trama. Inicialmente, eu tinha
planejado que esta peça terminasse sem um felizes para sempre.
Algo a la Romeu e Julieta onde não importa o quanto os
personagens se amem, o universo vai separá-los. Mas quanto
mais eu escrevo, mais eles me empurram para ficar juntos... Será
que eu poderia dar a eles um final feliz? A história ainda
funcionaria? Tento imaginar uma versão do Titanic onde
Leonardo Di Caprio vivia.
Não.
Eu preciso separá-los, mas talvez não hoje. Eu estou muito
encantada para escrever sobre coração partido.
Descendo na ponta dos pés, coloco minha cabeça por cima
do corrimão para verificar a sala de estar. Riven está sentado na
mesa principal, escrevendo... de óculos, franzido o cenho,
concentrado, lábios carnudos. Aí está meu Clark Kent.
Consciente de como é difícil entrar no fluxo da escrita, não
quero interrompê-lo. Mesmo uma pequena distração pode
atrasar seu trabalho em uma hora ou mais antes que ele entre
na “zona de escrita” novamente. Subo as escadas e mando uma
mensagem para ele – ele sempre silencia o telefone quando está
escrevendo.

Eu
Usando sua banheira
Não queria interromper sua escrita

Com o conselho de Mindy fresco em mente, trago uma lâmina


para a banheira, mas antes de entrar, paro na frente do espelho
para remover o tapa-olho rosa e o curativo embaixo. Aperto os
olhos para o meu reflexo, esperando a habitual pontada de dor
que a luz direta causa no meu olho, mas não vem. Minha visão
está embaçada no início, mas rapidamente entra em foco
quando minha pupila se ajusta para ficar livre novamente.
Para ter certeza de que posso ficar sem a proteção, eu verifico
as datas no meu calendário. Sim, o médico me liberou para
remover o adesivo desde ontem. Excelente!
Jogo a gaze branca na lixeira e olho para o tapa-olho rosa
com carinho, sussurrando:
— Na verdade, vou sentir sua falta.
Passo o resto da tarde me esfregando, me depilando e me
mimando.
Quando chega a hora de me trocar para a nossa noite, eu
suspiro no meu armário aberto. Lamentavelmente, não trouxe
e nem comprei um vestido. Nunca pensei que precisaria de um
em uma viagem de esqui. Em vez disso, eu opto por um par de
jeans skinny e meu novo suéter rosa fofo. Riven parecia gostar
muito dele no shopping. Eu gostaria de ter botas de salto alto
para combinar com a roupa, mas provavelmente é melhor eu
ter apenas meu Timberland. Com saltos altos nesse clima, eu
escorregaria no gelo, cairia de bunda e me envergonharia para
sempre.
Arrumo meu cabelo em ondas suaves e o solto nos ombros.
E para maquiagem, só passo um pouco de blush, pois ainda não
me sinto confortável em aplicar nada perto dos olhos.
Quando desço, pronta para sair, paro no último degrau da
escada enquanto Riven entra na cabana, seguido por uma garoa
de neve. Ele fecha a porta com pressa, e quando ele olha para
mim, ele congela.
— Ei — eu digo.
— Oi-err... — Ele limpa a garganta. — Você está
maravilhosa. E o tapa-olho sumiu!
— Obrigada. — Eu conscientemente puxo uma mecha de
cabelo atrás da minha orelha. — Era hora de removê-lo.
Riven sorri.
— Você estava linda, mesmo com ele.
— Bem, pelo menos agora vou fazer um pouco menos de
cabeças virarem na cidade apenas com o cabelo rosa. — Eu olho
para suas roupas casuais duvidosamente. — Você está pronto
para sair ou precisa de mais tempo para se trocar?
O rosto de Riven cai.
— Sobre isso... não acho uma boa ideia ir para a cidade com
esse tempo... fui verificar a estrada e está horrível e piorando a
cada minuto.
Desço o último degrau e me aproximo.
— Tudo bem — eu digo — nós podemos ficar em...
Isso pode ser realmente melhor, já que o jantar agora parecia
o tormento mais longo antes que eu pudesse chegar à
sobremesa: meu Super-lenhador.
— Que tal nós cozinharmos em vez disso? — Riven
pergunta, tirando seu cachecol e gorro.
Debaixo do gorro, seu cabelo está espetado em todas as
direções e, agora que tenho mais confiança, não posso deixar de
passar os dedos por ele, perguntando:
— Nós?
— Sim, hora da sua primeira aula de culinária, Capitã.
Riven pega minha mão, me gira em uma pirueta e me pega
no final da curva. Nossos peitos entram em contato, e eu
inclino meu queixo para cima. Riven não precisa de mais
incentivo para diminuir a distância entre nós e colocar seus
lábios nos meus.
Eu quero puxá-lo para mais perto, mas sua jaqueta bufante
está criando um amortecedor demais. Eu arrasto meus dedos
pela frente, desabotoando os botões e empurrando-a para fora
de seu ombro. Enquanto isso, suas mãos se esgueiram por baixo
do meu suéter, e... elas estão geladas. Eu grito e instintivamente
me afasto.
— Suas mãos estão muito frias — eu explico.
Com olhos muito intensos, Riven me agarra pelos quadris,
abaixando sua testa na minha.
— Salva pelas mãos frias, Capitã. — Ele dá um beijo suave
na minha têmpora e se afasta.
Ele pega sua parka do chão onde eu a joguei e a pendura no
cabide perto da porta. Inconscientemente, ele passa a mão pelo
cabelo, ainda achatado pelo gorro. Então ele se vira e,
equilibrando-se em um pé em uma espécie de pose de ioga de
árvore meio curvada, desamarra as botas. Riven repete o
processo com a outra bota e por um momento ele fica ali, jeans
desbotado, suéter de tricô abotoado e botas sem cadarço.
Ultimamente, as botas sem cadarço se tornaram a coisa mais
sexy do mundo. Estou desenvolvendo uma verdadeira fraqueza
por eles. Quando Riven as chuta, não é como se ele estivesse
tirando as calças ou algo assim, mas eu ainda mordo meu lábio
inferior e olho para ele, me perguntando se não podemos
simplesmente pular o jantar.
Quando nossos olhos se encontram, ele me estuda por um
segundo e inclina a cabeça para o lado.
— Então, o que você quer fazer para o jantar? Você parece
bem faminta, Capitã.
Sim, eu respondo silenciosamente na minha cabeça, só não
por comida.
— Estou com vontade de macarrão — eu respondo, só
porque é supostamente a refeição mais fácil e rápida de fazer.
— Algum molho em particular?
— Algo simples.
Riven vai até a cozinha e abre a geladeira e alguns armários.
— Por que não começamos com o básico?
Eu me junto a ele na cozinha.
— O que você tinha em mente?
— Um molho de tomate simples?
— Ah, eu já sei fazer espaguete à marinara.
Riven levanta uma sobrancelha cética.
— Sim? Qual é a receita?
— Cozinhe o espaguete e despeje o molho pronto por cima.
Os ombros de Riven tremem de tanto rir.
— Não, Capitã-Rosa, sem atalhos. Estamos fazendo o
molho do zero. Não pareça tão desesperada — ele acrescenta,
dando um beijo suave no meu pescoço — É muito fácil.
Eu tremo, pensando que a única coisa que eu estou
desesperada é para pular este maldito jantar e levá-lo para a
cama.
— Ok — eu digo. — Guia-me os passos.
Riven se move na frente da pia e arregaça as mangas para
lavar as mãos. Por um momento eu me distraio com seus
antebraços magros... esses dias eu estou ficando obcecada nas
coisas mais estranhas. Então eu me controlo e me junto a ele na
pia.
— Sabão, por favor? — Eu digo.
Ele me dá um olhar brincalhão que faz meu estômago
revirar e, em vez de me entregar a barra de sabão, ele pega
minhas mãos e as coloca sob o jato de água morna. Em círculos
lentos, ele passa o sabonete nas palmas das minhas mãos,
ensaboando-as com espuma macia e espessa. Então, ele deixa
cair a barra e entrelaça seus dedos com os meus, trabalhando os
polegares nas costas das minhas mãos. Para algo que deveria me
deixar mais limpa, esse negócio de lavar as mãos juntos parece
meio sujo.
A massagem é calmante e relaxante. Eu fecho meus olhos e
me inclino em seu corpo, cantarolando. Até que ele traz nossas
mãos unidas de volta para a água e a magia acaba.
Abro os olhos lentamente. Riven está olhando para mim,
olhos penetrantes, mandíbulas tensas.
— De agora em diante, você sempre lavará as minhas mãos
— eu digo para quebrar a tensão.
Riven sorri, mas a intensidade não deixa seu olhar enquanto
ele me seca com um pano de cozinha. Muito cedo, ele me solta
e abre a geladeira para tirar um recipiente plástico de tomate
cereja, manjericão e alho.
Como um chef profissional, ele organiza todos os
ingredientes em uma vitrine organizada em uma tábua de corte.
— Você quer colocar a água no fogão para ferver enquanto
isso? — Ele pergunta. — Se não for muito difícil.
Eu bato meu quadril no dele.
— Esse é você dando uma de espertinho? — E me apaixo
para pegar uma panela. Encho na pia e coloco no fogão. — Tá-
dá.
— Tome meu lugar — Riven diz. — Continue cortando os
tomates em quatro partes...
Enquanto eu cuido da estação de vegetais, ele pega uma
frigideira e, com um gesto, borrifa o fundo com azeite. Em
seguida, ele adiciona alguns dentes de alho descascados.
— Não deveríamos cortá-los também? — Eu pergunto.
— Não, a menos que você esteja interessada em repelir o
Conde Drácula pelo resto de sua vida. Eu gosto de deixá-los
inteiros. Dessa forma, o alho aumenta o sabor, mas é fácil de
descartar, nos salvando do hálito de caça aos vampiros.
— Quantos tomates mais devo cortar? — Eu pergunto,
enquanto o alho começa a chiar.
Riven lança um olhar pensativo para os tomates.
— Metade da caixa?
— E agora? — Eu pergunto quando eu terminar.
— Jogue tudo na frigideira.
— Bem desse jeito?
Ele acena com a cabeça e pega uma pitada de sal de uma
jarra, espalhando nos tomates enquanto eu os coloco na
frigideira.
Riven vem atrás de mim e ajusta a chama sob o fogão,
abaixando-a ligeiramente. Então ele agarra uma colher de pau e
me entrega.
— Agora vamos mexer.
Mesmo que não estejamos nos tocando, a maior parte de seu
corpo atrás de mim está muito perto. Abrangente. Eu pego a
colher, mas não a movo. Estou muito distraída com o calor que
emana dele.
Quando deixo a colher mole na panela, Riven gentilmente
segura meu pulso e me mostra como mexer o molho em
círculos lentos.
Eu sei mexer.
Mas agora, perdi toda a coordenação de mente e corpo. Sua
presença, seu calor, seu cheiro que nem o vapor do molho
consegue cobrir... é demais.
Eu me inclino para ele, moldando minhas costas em sua
frente. Riven fica rígido por um segundo, mas em seguida, sua
mão livre pousa no meu quadril, me puxando ainda mais para
perto, envolvendo minha cintura. Eu deixo cair a colher de pau
na panela e inclino meu rosto para cima e para trás. Seus lábios
descem sobre os meus, e nós nos beijamos.
O beijo é profundo, intenso, apaixonado. Mas não é
suficiente. Eu preciso de mais, eu quero mais dele, eu preciso
senti-lo mais perto. Eu me viro e envolvo meus braços ao redor
de seu pescoço, meus dedos afundando em seu cabelo macio
enquanto o puxo para mim.
Riven me levanta e me coloca no balcão da cozinha,
arrastando beijos pelo meu pescoço. Eu circulo minhas pernas
atrás dele e o forço mais perto com a pressão das minhas coxas,
certificando-me de que não há nem um centímetro de ar entre
nossos corpos.
Não sei quanto tempo dura o beijo. Pode demorar um
minuto, pode demorar uma hora até que um bip insistente, bip,
bip, penetre na bruma da nossa paixão.
Riven e eu nos afastamos ao mesmo tempo, olho para a
esquerda para o conteúdo queimado da panela, que está
frisando enquanto carboniza, produzindo uma nuvem preta e
esfumaçada. Riven se move para o lado para desligar o detector
de fumaça.
Eu mordo meu lábio inferior inchado, olhando para Riven
por baixo de cílios pesados.
— O molho parece estragado.
— Bom — Riven diz, jogando a panela na pia e desligando
o fogão. — Eu não estava mais com fome.
Ele me levanta do balcão como se eu não pesasse nada, suas
mãos solidamente sob minha bunda enquanto eu monto nele.
— Onde estamos indo? — Eu pergunto, batendo minha
testa na dele.
Lábios se curvando em um sorriso torto que promete céu e
inferno, Riven diz:
— Você tem sido uma garota má, vou te levar para a cama
sem jantar.
Finalmente!
Wendy

Na manhã seguinte, levo um minuto para perceber por que


estou me sentindo tão feliz. Quando percebo, lanço um braço
para o outro lado da cama, mas o encontro vazio.
Eu pisco para acordar e olho ao redor do quarto de Riven.
Onde ele foi?
Ele se arrependeu da noite passada?
Ele estava com medo do constrangimento da manhã
seguinte?
Ainda estou pensando nos possíveis piores cenários na
minha cabeça quando ele reaparece na soleira com uma
bandeja... café da manhã na cama.
Ele está vestindo a cueca boxer do Super-Homem que eu
comprei para ele – ele ganhou – e uma camisa de flanela
desabotoada. Meus dedos dos pés se enrolam sob os lençóis e o
nó de ansiedade na minha barriga se desenrola: sem
constrangimento aqui.
— Bom dia — diz ele, aproximando-se da cama e dando um
beijo na minha testa antes de largar a bandeja no colchão.
Eu observo a exibição perfeita de café, suco de laranja,
croissants, geléia e manteiga e levanto uma sobrancelha.
— Croissants? — Eu pergunto. — Onde você conseguiu?
— Do meu esconderijo secreto congelado.
— Para quando você tem uma garota aqui em cima?
— Não, para quando eu tiver um desejo repentino e
estivermos presos pela neve como hoje. Más notícias, Capitã,
você está presa dentro de casa comigo o dia todo.
— História da minha vida — eu digo, sorrindo.
Eu olho para o brilho incandescente do sol refletido nos
picos das montanhas. Qualquer vestígio da tempestade da noite
passada se foi, e parece que é um dia glorioso e gelado. Mas fico
feliz em apreciar a vista toda quentinha debaixo das cobertas.
— A estrada ainda está bloqueada?
— Sim. — Ele bate no meu nariz com a ponta do dedo. —
Mas não se preocupe, a agência tem um serviço de limpeza de
neve... eles virão nos libertar... eventualmente!
— Ah, então você planeja me manter em sua cama o dia
todo?
— Agora que eu finalmente consegui você aqui... inferno,
sim.
— O que você quer dizer finalmente?
— Que eu queria você na minha cama desde que pus os
olhos em você pela primeira vez.
O mesmo vale para mim, mas ainda franzo a testa com sua
confissão.
— O quê? Você agiu como se me odiasse.
Riven levanta sua caneca de café em um brinde simulado.
— Foi um mecanismo de defesa contra todo o café
envenenado.
Eu golpeio-o de brincadeira.
— Mas se você gostava de mim, por que não disse algo
antes?
Ele sorri.
— Primeiro você era comprometida, depois ficou
deprimida, depois com raiva de mim...
— Você pintou meu cabelo de rosa! — Eu protesto.
— ...e então Danny chegou.
— Ah, entendo, então você estava apenas esperando que ele
fosse embora.
— Esperar um prazer, é em si um prazer.
— Ah, então você prefere ainda estar esperando?
— De jeito nenhum.
E ele me beija para me mostrar o quanto ele não está
disposto a perder mais um minuto.
E é realmente uma pena que um café da manhã tão excelente
seja desperdiçado... mas, prioridades... Receio que a comida, de
novo, não tenha chegado ao topo da lista de hoje.
Wendy
Um mês depois

Estar com Riven é tão cheio de deliciosas contradições quanto


o próprio homem. Na cama, ele é gentil, mas forte e viril ao
mesmo tempo.
A intimidade física foi a última barreira entre nós, e uma vez
que foi quebrada – despedaçada – nós pulamos de um primeiro
encontro para basicamente “morando juntos” no espaço de
uma noite.
Ainda estamos nos conhecendo, mas vivendo como um
casal – em uma fase de lua de mel muito profunda, impossível
de tirar as mãos um do outro. Os dias se confundem em uma
névoa de manhãs passadas escrevendo, rindo, conversando,
cozinhando... e noites passadas fazendo amor. Nós nos
estabelecemos em um ritmo em que os dias se transformam em
semanas rapidamente. Talvez estejamos indo rápido demais,
talvez eu mais uma vez tenha entrado em um novo
relacionamento antes que o corpo do meu último tenha
esfriado, mas desta vez foi por todas as razões certas.
Como todas as manhãs do último mês, eu acordo na cama
de Riven e estendo minha mão para sua metade vazia.
Eu suspiro.
Maldita pessoa matutina. Ele acordou cedo para escrever
como todos os outros dias. Riven diz que seu manuscrito está
quase pronto, mas se recusou a me deixar ler uma prévia antes
de estar completo. Tenho certeza que vai ser genial, assim como
todos os seus livros anteriores. Poxa, ele é brilhante, lindo,
gentil, atencioso, sexy, incrível entre os lençóis, e ele sabe
cozinhar... Tirando quando ele pintou meu cabelo de rosa sem
o meu consentimento, ele é perfeito e eu am-lah, lah, lah, lah,
lah... Eu empurro a palavra com A para fora da minha cabeça.
Nuh-uh, não estou indo lá, não estou tocando nisso.
Na mesa de cabeceira, meu telefone apita com um lembrete,
e eu aceito a distração. Mas quando eu verifico a notificação,
meu coração afunda em pânico.
A última consulta com o meu médico é na próxima semana.
O lembrete me faz perceber quanto tempo se passou. Em
questão de dias, o médico vai examinar meu olho e me dizer se
estou pronta para ir para casa. E depois?
Riven e eu vivemos o momento nas últimas semanas, nunca
mencionei o futuro e nem ele. Por quê? Eu não fiz isso porque
eu não queria fazer perguntas difíceis para ele. Ele ainda nem se
divorciou. Ele estará pronto para discutir um futuro comigo?
Eu olho de volta para a notificação na minha tela. Bem, não
posso mais esconder minha cabeça debaixo dos lençóis. Escrito
nas Estrelas, minha peça, já está pronta – já faz um tempo.
Sinceramente, revisei ela em excesso na última semana. Assim
que o médico me liberar para voar, preciso retornar a Nova
York para apresentá-la aos produtores.
Coloco um roupão de lã, pronta para descer e ter “A
Conversa” com Riven, quando a campainha toca. Uh,
estranho, quem poderia ser às nove da manhã? O carteiro só
vem no meio da manhã. Pelos sons que ele faz no andar de
baixo, sigo o progresso de Riven pela sala enquanto ele vai
atender a porta. O raspar da cadeira quando ele se levanta, seus
passos abafados na madeira e o estalo da fechadura quando ele
abre a porta.
Então silêncio.
Uma pausa não natural e carregada que parece durar para
sempre até Riven perguntar:
— O que você está fazendo aqui?
Sua voz é impessoal, cautelosa, quase irreconhecível. Saio da
cama e vou na ponta dos pés até o patamar.
— Oi — responde uma mulher. — Eu sei que sou a última
pessoa que você esperava ver, mas podemos... conversar?
Ela, pelo contrário, parece esperançosa e arrependida. A
percepção infalível de que esta é a voz de sua esposa me atinge
antes mesmo que ele diga o nome dela.
— Cassie...
É apenas um nome, mas o tom de Riven é carregado com
tanta história compartilhada que afunda no meu coração como
uma faca.
— Posso apenas entrar? — A ex-mulher pergunta. — Está
congelando aqui fora.
Ela deve forçar seu caminho para dentro de casa porque, em
seguida, ouço a porta se fechando.
Sento-me no topo da escada, ouvindo.
— O que você está fazendo aqui? — Riven pergunta. —
Quando você chegou?
— Eu peguei um voo ontem. Estou hospedada em um hotel
na cidade desde que não quis te emboscar ontem à noite.
Ah, eu zombo mentalmente. Eu gostaria que ela o tivesse
emboscado na noite passada. Ela teria uma grande surpresa.
Fecho os olhos e tento apagar a memória de Riven e eu fazendo
amor no tapete da sala em frente à lareira.
— Minha advogada disse que eu não deveria falar com você
diretamente — a voz de Riven corta a neblina e me faz focar
novamente no presente.
— Falar apenas através de nossos advogados... é a isso que
estamos reduzidos?
— É o que você nos fez. — Sua resposta sai uniformemente,
mas ainda está cheia de mágoa. E se ela ainda pode machucá-
lo... isso significa que ele ainda a ama?
— Não precisa ser assim, não mais.
— Por que não acho estranho que a primeira vez que você
me procurou depois de meses de silêncio foi logo depois que
sua nova aventura a deixou de lado…? Eu vi o artigo — diz ele.
Que artigo? Sobre o ator com quem ela o traiu? O cara está
namorando alguém novo? E por que Riven sabe? Ele ainda
estava stalkeando sua ex online enquanto dormia comigo?
— Nós terminamos um tempo atrás — diz Cassie
levianamente. — E nunca foi sobre ele, você sabe muito bem as
razões pelas quais eu saí e elas não tinham...
Ela de repente para de falar, e eu ouço saltos batendo no
chão de madeira.
— Você tem uma mulher aqui? — As palavras saem cheias
de veneno.
— Isso não é da sua conta.
— Oh meu Deus, você tem. Quem é ela, sua namorada? —
O escárnio na voz de Cassie faz minha pele arrepiar.
— Ela não é minha namorada — Riven diz. — Somos
colegas de quarto.
Ai. Isso dói. Isso dói fisicamente. Como um tijolo
arremessado no meu peito.
— Colegas de quarto? Desde quando você tem colegas de
quarto?
— Já não é da sua conta.
— Oh, eu entendo. Essa colega de quarto está dormindo na
própria cama dela ou na sua? — Cassie pergunta
sarcasticamente.
Riven não responde. Há um longo silêncio... o que diabos
eles estão fazendo? Posso descer mais alguns degraus e dar uma
olhada? Não, se me vissem, eu morreria de vergonha. Além
disso, quero ouvir o que mais Riven tem a dizer sobre mim,
sobre nós. Até agora, a escuta tem sido muito informativa.
— Ok — diz Cassie, depois de um longo tempo. — Talvez
seja realmente melhor que você tenha um brinquedo por um
tempo.
— E por quê?
— Porque você se divertiu um pouco, e agora que estamos
quites, podemos seguir em frente.
— Seguir para o quê? Terminamos, Cassie. Está feito. Você
me traiu, me humilhou, me abandonou. Você nem teve a
cortesia de me informar quando pediu o divórcio. Eu tive que
saber pela minha advogada! Nós nunca estaremos quites, nem
em um milhão de anos.
— Você está com raiva, eu entendo. E eu cometi erros, mas
você realmente vai jogar dez anos de sua vida pela janela como
se eles nunca tivessem acontecido?
Outra longa pausa. Oh meu Deus, o que ele vai dizer? Ele
vai aceitá-la de volta? Meu coração está batendo tão forte no
meu peito que estou com medo de que eles ouçam as batidas e
me descubram.
— Cassie — Riven diz finalmente. — Eu tive nove meses
para aceitar o fato de que você jogou fora dez anos de vida juntos
por capricho. O que quer que estivesse entre nós, está morto há
muito tempo, não há como voltar atrás. Para sempre.
Seu tom é definitivo.
Cassie deve ouvir a resolução também, porque em seguida,
ela sussurra:
— Dane-se. Dane-se você e a vadia que você tem no andar
de cima.
Os saltos batem no chão e, em seguida, a porta da frente se
fecha.
Riven

O vidro chacoalha no batente quando Cassie bate a porta.


Espero, com os ouvidos tensos, o som de pneus esmagando a
neve lá fora. Minha ex é de Wisconsin, originalmente, então
não estou preocupado com sua capacidade de dirigir na neve.
Eu só quero ter certeza de que ela se foi de verdade.
Eu ando para cima e para baixo no corredor, tentando me
acalmar. Minhas mãos ficaram úmidas e minha garganta seca.
Eu odeio que ela ainda tenha o poder de me chatear tanto. É
verdade que não vejo minha esposa há quase um ano, mas
pensei que já seria indiferente a ela.
Acontece que eu não sou.
Meu olhar viaja até as escadas. Wendy está acordada? Ela nos
ouviu?
Eu subo alguns passos e a encontro sentada no patamar com
uma expressão arrasada. Acho que isso responde a minha
pergunta.
— Wendy.
— Oi, colega de quarto. — Ela acena sarcasticamente.
Eu estremeço.
— Quanto você ouviu?
— Toda a conversa. E me esclareceu algumas coisas. Tipo
como eu não sou sua namorada e como nós somos apenas
colegas de quarto com benefícios, aparentemente.
— Wendy, vamos lá. — Subo os degraus até que nossos
olhos estejam nivelados. — Eu não ia discutir sobre nós com
minha ex.
— Ok. — Ela se levanta. — Discuta sobre nós comigo,
então.
— O que você quer dizer?
Wendy olha para seu telefone.
— Acordei esta manhã com um alerta para minha próxima
consulta médica. É semana que vem.
— Ok, qual é o problema? Eu vou te levar como sempre.
— É a última consulta, Riven. O Dr. Curt provavelmente
vai me liberar para viajar, e depois? O que acontece conosco?
Isso não pode estar certo. Não pode ter passado dois meses
já. Envergonhado, eu pergunto.
— Que dia é hoje?
Wendy olha para o telefone e se encolhe. Ela vira a tela para
mim.
— Quatorze de fevereiro, feliz dia dos namorados.
— Desculpe — eu digo. — Eu não tinha percebido.
— Nem eu e não me importo com uma data comemorativa
estúpida inventada. Eu me importo com os outros 364 dias do
ano. Minha peça está pronta, escrita, super-editada. Já perdi
dias em um script que não precisa de mais trabalho. Assim que
eu estiver liberada para voar, devo voltar para Nova York para
negociar minha peça.
— Ok. O tempo e a geografia são complicados. Obviamente
não podemos namorar como duas pessoas normais e ver até
onde isso vai dar, mas...
— Tempo? Geografia? — Ela não me deixa terminar. — Se
falar sobre o clima a seguir, você vai ganhar oficialmente o
prêmio pelo pior rompimento de todos os tempos.
— Eu não vou terminar com você.
— Certo, você não vai, porque nós nunca estivemos juntos
em primeiro lugar.
Wendy sobe as escadas para o sótão. Eu a sigo e entro em seu
quarto assim que ela arrasta sua mala pelo chão para abri-la na
cama.
— O que você está fazendo?
— As malas.
— Por quê?
— A alta temporada acabou. Se Cassie pode encontrar um
quarto na cidade, eu também posso.
— Eu não quero que você vá embora.
Ela para de jogar roupas ao acaso na mala e se vira para mim.
— Você quer que eu fique?
— Sim.
— Por quanto tempo? — Ela sibila. — Uma semana, um
mês? Porque com certeza não é para sempre.
Ela está me pedindo um compromisso que não tenho
certeza se posso dar. Não com o meu divórcio ainda incerto.
Não com o jeito que Cassie me fez suar frio menos de vinte
minutos atrás. Minha cabeça e meu coração não estão claros o
suficiente para tomar uma decisão tão importante. Eu poderia
mentir e dizer que estou pronto, mas estaria apostando com a
felicidade de Wendy ao lado da minha. E embora eu esteja
disposto a correr esse risco por mim mesmo, não posso fazer
isso com ela. Eu me importo demais.
Eu digo a ela a verdade.
— Eu não posso te dar esse tipo de compromisso agora. Eu
não estou preparado.
As feições de Wendy suavizam, ficando mais tristes do que
zangadas.
— E eu não posso me contentar com nada menos.
Uma batalha é travada em meu peito. Parte de mim quer ir
até ela, dizer isso, claro que quero passar o resto da minha vida
com ela. Mas a parte racional prevalece mais uma vez. Wendy
Nichols é uma mulher que merece cem por cento, e a visita de
Cassie hoje provou que ainda não estou livre para seguir em
frente. Eu preciso resolver meu passado antes que eu possa
olhar para o meu futuro.
Dou um aceno duro para Wendy.
— Vou deixar você terminar de fazer as malas.
Seu lábio inferior treme e eu fujo do quarto. Se eu a visse
chorar agora, eu faria promessas que não tenho certeza se posso
cumprir. Vou esperá-la lá embaixo no sofá, cotovelos nos
joelhos. Cabeça em minhas mãos.
Quando a ouço arrastar a mala escada abaixo, tento ajudá-
la, mas ela faz questão de descer sozinha.
— Você sabe onde está se hospedando?
— Sim — diz ela em voz baixa. — Liguei para Kelly Anne.
Ela me arranjou um aluguel de uma semana em Salt Lake City,
mais perto do hospital e do aeroporto.
Eu concordo.
— Vou te dar uma carona.
— Você não precisa, eu posso chamar um táxi.
— Não, eu vou levá-la.
Colocamos nossos casacos em silêncio. Pego as chaves do
carro e saio pela porta da frente, apenas para parar de repente.
Do outro lado do pátio, um enorme lobo negro está olhando
diretamente para mim.
Abro meus braços para evitar que Wendy passe por mim.
— Volte para dentro — eu sussurro.
O lobo coloca uma pata para frente, seus olhos nunca
deixando os meus.
— Riven, por favor, eu só quero ir.
Wendy luta para passar por mim, mas continuo
bloqueando-a. No momento em que eu quebrar o contato
visual, a fera vai atacar, posso sentir isso em meus ossos. Em
uma fração de segundo, eu jogo a mala de Wendy para o lado,
me viro e a empurro de volta para dentro da casa, batendo a
porta atrás de nós.
— O que você está fazendo? — Wendy pergunta.
— O lobo — eu digo. — Está no quintal.
Ela atravessa a sala de estar para as janelas francesas.
— Oh meu Deus, é enorme. Mas também, tão fino. O que
ele está fazendo aqui durante o dia?
— Ele deve estar desesperado por comida — eu digo,
sacando meu telefone.
— Para quem você está ligando? — Wendy pergunta. —
Você não pode chamar a polícia, eles vão matá-lo. Olhe para ele,
ele está morrendo de fome.
— Eu não estou chamando a polícia. Estou ligando para a
associação ambientalista que está enchendo a cidade com
panfletos de resgate.
A conversa é breve e, no momento em que desligo, Wendy
pergunta:
— O que eles disseram?
— Jogar muita comida pela janela para mantê-lo por perto.
Levará uma hora para enviar uma equipe.
— O que eles planejam fazer?
— Atirar nele com tranquilizantes e levá-lo para um centro
de resgate de animais onde, uma vez bem alimentado, eles
esperam que ele perca sua agressividade em relação aos homens.
Abro a geladeira e pego algumas salsichas e um bife.
— Fique para trás — eu digo. — Vou jogar isso na varanda.
— Você não pode estar falando sério sobre sair de casa.
Olho pelas portas francesas.
— O lobo não está lá agora, mas ele vai voltar assim que
sentir o cheiro da carne. Vou manter a porta aberta por apenas
um segundo.
Assim que eu volto para dentro, Wendy ainda está vestindo
seu casaco, os braços em volta da cintura em um autoabraço.
Eu vou até ela.
— Você está assustada?
Olhos lacrimejantes encontram os meus.
— Sim, mas não com o lobo.
Eu a abraço, sentindo seu cheiro, sua suavidade, seu calor.
— Sinto muito — eu sussurro em seu ouvido.
— Eu sei — ela sussurra de volta, então ela olha para mim.
— Riven?
— Sim?
— Por favor, faça amor comigo uma última vez.
Wendy
Nove meses depois

Escrito nas Estrelas está acontecendo. Há dez minutos atrás, o


contrato foi assinado. O elenco começará na próxima semana,
depois os ensaios e, no próximo setembro, a estreia. Enquanto
ando pelas ruas da cidade de Nova York, devo me sentir em
êxtase. Em vez disso, olho para os prédios altos e as vitrines
brilhantes das lojas com total vazio. Esta cidade que costumava
me fornecer inspiração infinita, energia e agitação vital tornou-
se apenas o lugar onde moro e trabalho. Neutro. Chato. Como
tudo na minha vida.
As exibições de arte que eu adorava, tornaram-se
desinteressantes. As lojas, pouco atraentes. Os restaurantes,
pouco convidativos. Depois de assinar o contrato de Escrito nas
Estrelas, senti um lampejo de excitação sobre igual a encontrar
uma nota de dez dólares na calçada, e então... nada.
A única angústia real que sinto ultimamente é quando pego
uma ocasional decoração de Natal antecipada. É quando eu
tenho que fazer o meu melhor para não vacilar.
Viu? Ele arruinou Nova York para mim, arruinou o Natal,
arruinou tudo.
E eu não deveria estar pensando nele.
Eu não estou.
Mas o universo implora para discordar. Eu levanto meu
olhar e recuo em choque. Acho que encontrei algo pior para
olhar do que decorações de Natal antecipadas.
A vitrine inteira da livraria do outro lado da rua está coberta
com o nome dele. Uma enorme estante de livros ocupa a
vitrine, e em cada prateleira há uma fileira arrumada de cópias
brilhantes de seu novo livro. O nome de Riven está escrito em
negrito no topo de cada capa, como é comum para autores de
best-sellers – vermelho no preto. Ao lado da prateleira, um
gigante papelão de seu busto zomba de mim. Olhos castanhos
me encaram sem o calor do homem de verdade.
Com o coração batendo, espero o sinal verde e atravesso a
rua. Está fora da minha força de vontade não entrar na loja. Eu
passo sonolenta pelo carrinho de livros de pechinchas e vou
direto para a mesa de lançamentos, onde o livro de Riven tem
um lugar de honra no centro.
Olho para a torre de belas capas duras, hipnotizada.
Eu não estou comprando um.
Não.
Não.
Riven Clark, você não vai colocar meu dinheiro suado em
cima do meu coração partido.
Mesmo assim, pego a cópia que está no topo da pilha. Nada
de ruim em ser uma bisbilhoteira. Viro as primeiras páginas,
título, copyright e quase engasgo ao ler a dedicatória:
Eu olho para a página. O quê? Isso não pode estar certo. Ele
dedicou seu livro para mim? E o que significa “a capitã do meu
coração”? É uma piada de mau gosto? Não tenho notícias dele
há nove meses. Nem um pio.
Viro o livro de cabeça para baixo e dou uma sacudida como
se as letras na página pudessem se reorganizar e começar a fazer
sentido.
Elas não fazem.
— Posso ajudá-la com alguma coisa, senhorita? — Um
vendedor se aproxima de mim.
Eu pulo, apressando-me a fechar o livro.
— Não, obrigada, estou bem. Vou levar este. — Eu entrego
a ela a capa dura.
— Ah, escolha maravilhosa. Riven Clark é um dos meus
autores favoritos, e este deve ser o seu melhor trabalho até
agora. Tão inesperado.
— Inesperado como?
— Eu nunca imaginaria que veríamos o lado suave de
Preacher Jackson, mas... bem, você vai ter que ler, não quero
dar spoilers. Eu poderia falar sobre Preacher e Willow por
horas.
Willow? Eu me pergunto silenciosamente. Não me lembro
de uma Willow em seus livros anteriores.
Depois de processar meu pagamento, o funcionário me
entrega meu recibo, sorrindo.
— Cabelo legal, a propósito.
Eu olho para as pontas rosa do meu cabelo. Meu cabeleireiro
se recusou a descolorir sobre a tintura e me disse que minhas
únicas opções eram cortá-lo ou deixá-lo crescer. Optei por
cortar lentamente o rosa. Metade dele se foi agora, e meu cabelo
cresceu o suficiente para que eu pudesse cortar tudo, mas não
o fiz.
— Obrigada — eu murmuro. Pego o livro e saio correndo
da loja, indo direto para casa.
O romance pesa uma tonelada na minha bolsa, tornando-
me autoconsciente de sua presença. Enquanto ando pelas ruas
lotadas de Manhattan, me sinto julgada pelos olhos de todos os
estranhos que encontro.
— Olhe para a garota triste, ainda ansiando por seu ex —
eles parecem sussurrar.
— Stalker.
— Patética.
Quando finalmente entro no meu apartamento, suspiro de
alívio enquanto me inclino contra a porta fechada,
efetivamente excluindo o resto do mundo.
Deixo cair minha bolsa no balcão da cozinha e ignoro seu
conteúdo. Tiro minhas roupas e coloco algo mais confortável.
Então eu pego um Kit Kat do meu estoque de emergência.
Uma vez que estou devidamente adoçada, vou na ponta dos pés
até a sala de estar aberta e tiro o livro da minha bolsa.
Coloco o livro na mesa de centro e me sento no sofá,
olhando para ele de longe como se fosse um lixo tóxico nojento.
É um concurso de olhares que não posso ganhar.
Frustrada, pego meu telefone e mando uma mensagem para
Mindy.

Eu
Eu comprei algo

Mindy
É um vibrador?
Porque se você continuar se recusando a
experimentar aplicativos de namoro, precisará
de um

Eu tiro uma foto do livro incriminado e coloco a legenda:


comprei por impulso.

Mindy
Espero que você só precise do papel para iniciar
uma fogueira
Ou é parte de um ritual de exorcismo?

Eu
Essa era minha intenção inicial
Mas então eu vi isso

Viro as primeiras páginas e tiro uma foto da dedicatória, com a


legenda: Pensamentos?
Mindy
Abra a janela e jogue o livro fora

Eu
Não, sério, o que você acha que ele quis dizer
com isso?

Mindy
Sim, sério, jogue fora o livro

Eu
Por quê?

Mindy
Se você quer saber o que significa a dedicatória,
ligue para ele (você não deveria)
Se ele tivesse algo a lhe dizer, ele teria te
procurado
Essa dedicatória é uma desculpa
Esse homem deve crescer um pouco
Devo ir e confiscar o livro?

Eu
Não, eu vou me livrar disso

Mindy
Ok
Mas faça o que fizer, não leia

Encaro a última mensagem de Mindy, franzindo a testa...


Espere um segundo... Meus polegares voam sobre o teclado
virtual.

Eu
Você LEU?!

Os três pontos aparecem e desaparecem algumas vezes antes de


sua resposta chegar.

Mindy
E é por isso que posso ajudá-la a tomar uma
decisão informada
Se você ler, vai mexer com sua cabeça
Confie em mim

Eu
Você está mexendo com minha cabeça
E também: traidora!
Eu vou te bloquear por 24 horas

Mindy
Você pode me bloquear agora. Mas aí você vai
passar a noite lendo e me desbloquear assim que
terminar, me implorando para desenroscar sua
mente

Eu
Você está sendo bloqueada em…
3…
2…
1!

Na verdade, não bloqueio Mindy, mas ainda desligo meu


telefone. Finalmente sozinha com minhas fraquezas, eu pego o
livro e o abro no capítulo um.
Wendy

Dez capítulos depois, nada aconteceu. Quero dizer, muita coisa


aconteceu. Mas tudo muito parecido com os outros livros de
Riven: um tesouro perdido para ser recuperado, Preacher
como o único cara no planeta que pode decifrar as pistas
misteriosas para chegar o esconderijo, bandidos atrapalham...
armas, perseguições, circunstâncias desesperadas... nada fora
do ordinário. Exceto talvez pela forma como a história me
prendeu. Mesmo se eu não estivesse tentando encontrar a
resposta secreta para minha vida amorosa fracassada neste livro,
eu não seria capaz de colocá-lo de lado.
Com um suspiro frustrado, passo para o próximo capítulo.
Imprudentemente, fico emocionada quando Preacher
encontra o filhote de pantera e o leva com ele. Essa ideia foi
minha. Então me amaldiçoo por ter ajudado Riven a ter uma
ideia tão boa. Com o coração na garganta, continuo lendo
enquanto Preacher e Wyatt escapam dos túneis e chegam ao
acampamento missionário... novamente, ideia minha. Mas a
próxima passagem é tão confusa que tenho que lê-la duas vezes:
E então eu reli pela terceira vez.
Clássico de inimigo para amantes, se você me perguntar,
mas algo sobre o tom da interação fictícia está me
incomodando. A brincadeira, o atrevimento que eles têm um
com o outro... É quase como reviver aquele primeiro dia em
que conheci Riven. Só que no livro os papéis se invertem: ele
quer ficar no acampamento dela e ela o expulsa. E Willow, ela
meio que se parece comigo e até o nome...
Pego meu telefone e o ligo novamente. Antes que eu possa
escrever uma mensagem para Mindy, um fluxo de mensagens
de texto aparece.

Mindy
Wendy?
Você realmente me bloqueou!
Bem, se você decidir me desbloquear quando
chegar à parte da história com Willow
Não me ligue
Estou dormindo
Se você está se perguntando se Willow é uma
versão literária de você
Sim, ela é
Como eu sei?
Continue lendo, você também saberá
Não, você não vai se sentir melhor no final
Você provavelmente só vai querer incendiar o
livro
Que é o que você deveria ter feito em primeiro
lugar
Boa noite
Minha melhor amiga é uma sabe-tudo perspicaz, irritante e
presunçosa.
Além das mensagens dela, algumas notificações da minha
mãe aparecem. A primeira é um texto de “chamada perdida”, o
outro é uma longa mensagem de acompanhamento.

Mãe
Oi querida, tentei ligar para você, mas seu
telefone estava desligado. Já falei com Amy e
Josh. Preciso falar com vocês, crianças, ao
mesmo tempo amanhã. E como Joshua ainda
está na escola, marquei uma ligação no Zoom
para uma da tarde antes de sua primeira aula da
tarde. É muito importante que você esteja lá.
Enviarei um lembrete por e-mail trinta minutos
antes. Por favor, deixe-me saber se você leu esta
mensagem e se você pode comparecer à
chamada, caso contrário, terei que reagendar.
Com amor, mamãe

Sorrio para todas as contradições da mensagem. Primeiro, o


estilo epistolar antiquado, como se minha mãe ainda estivesse
escrevendo cartas, e depois a chamada super tecnológica do
Zoom e os lembretes por e-mail. Eu lhe dou uma resposta
rápida que, com certeza, posso participar da ligação. Então eu
como outro Kit Kat porque... é justificável, e volto para o livro
de Riven.
Depois que Willow aceita Preacher no acampamento, eles
ficam inevitavelmente presos juntos, defendendo a preciosa
relíquia, fazendo muito sexo na selva e afastando os bandidos.
Quando eles salvam o dia, fica claro que estão apaixonados,
mesmo que nenhum dos dois tenha declarado ainda. Mas agora
que a aventura acabou, eles precisam retornar às suas vidas.
Willow é médica na África. Preacher é um caçador de tesouros
sem endereço fixo. Ela está cansada de homens. Ele está
emocionalmente indisponível.
Ah! Soa familiar?
Este casal fictício é a versão mais aventureira de Riven e eu.
Estou curiosa para ver como eles resolvem isso. Preacher acaba
de receber um telefonema sobre um novo emprego na América
do Sul, e Willow está lhe dando um ultimato.
Continuei lendo com o coração na boca.

Apesar da dor de ler minhas palavras jogadas de volta para mim,


meus lábios se curvam em um sorriso. A linha, colocada assim
em uma história, quase parece bem-humorada. Quero rir e
chorar ao mesmo tempo.

Bem, isso é um pouco diferente do que aconteceu na vida


real porque Riven não é um caçador de tesouros e eu não sou
uma médica missionária na África... mas a essência é a mesma.
Suas respectivas vidas os separam e, se eles quiserem ficar
juntos, precisam tomar uma decisão consciente sobre isso.

Isso, garota, eu estou junto contigo. No livro, ela vai embora


com o coração partido, e Preacher não vai atrás dela. Ele deixa
o acampamento igualmente abatido.
O capítulo termina.
Viro o livro, preocupada com o escasso número de páginas
restantes. Eu me afastando e Riven não me perseguindo é
basicamente como deixamos as coisas. Mas nesta versão fictícia,
ele adicionou um capítulo extra.
Ah, se a vida fosse assim tão fácil. Se pudéssemos adicionar
um capítulo no final para resolver todas as nossas bagunças.
Eu li, mas nada acontece. A história está terminando de
forma semelhante a todos os outros livros que Riven escreveu:
com Preacher e Wyatt estabelecendo as bases para sua próxima
aventura. Desta vez, no Equador. Olho com apreensão para o
número reduzido de páginas. O livro basicamente acabou e
Preacher ainda não fez nada sobre Willow. Ele realmente vai
deixá-la para trás, assim?
Com menos de dez páginas restantes no capítulo e ainda
nada acontecendo, estou tentada a jogar o livro pela janela em
frustração. Mindy estava tão certa. Eu deveria parar de ler isso.
Ainda assim, eu viro outra página.

É isso. Agora ele vai perceber que não pode viver sem Willow.
Sim! Meu coração pula no meu peito. Ele vai voltar para ela.
Aquele idiota terminou o livro com um final em aberto! Eu não
posso acreditar.
Eu jogo o livro do outro lado da sala. A sobrecapa se
desprende no meio do voo, e o tomo vai bater contra a parede
para acabar meio aberto, páginas desmoronando em ângulos
estranhos no chão.
Riven já escreveu a sequência? E como terminou a história
de amor?
Preacher vai voltar para Willow? O que ele vai dizer quando
a vir? Como eles resolverão seus problemas logísticos? Mal
posso esperar um ano inteiro para o próximo livro dele sair para
descobrir.
Eu me levanto e ando ao redor da minha sala de estar. Estou
sendo ridícula. Eu não sou Willow e Riven não é Preacher.
Mesmo que eles se casem no próximo romance, não tem nada
a ver conosco. Estou apenas frustrada porque isso não é
maneira de terminar um romance. Que final de merda. Eu vou
irritá-lo e não comprar o próximo livro, eu juro. De verdade
desta vez. Espero que ninguém compre.
Abro o Goodreads e verifico o que outros leitores têm a
dizer. Aparentemente, uma discussão está fluindo. Em vez de
focar na aventura e ação da história – que foi um arco narrativo
completo, para ser justa – todo mundo está reclamando do
romance. Homens e mulheres têm opiniões diferentes, no
entanto. Os homens tendem a ficar do lado de Preacher,
reclamando sobre como as mulheres querem muita coisa cedo
demais e não conseguem entender a luta interna de Preacher e
as feridas emocionais em seu passado. As mulheres estão
revidando, deixando todos os tipos de comentários como:
cresça, você tem complexo de Peter Pan, os homens deveriam
apenas crescer um pouco, um simples boo-hoo e – meu
favorito – “vai à merda”
Uma garota deixou uma revisão em letras maiúsculas
afirmando:

Volto para a primeira resenha no site que acumulou 457


comentários e percorro os que já li para parar em um discurso
prolixo de Aiden89.
Oh meu Deus, foi isso que eu fiz com Riven? Eu fui muito no
tudo ou nada? Li o resto da resenha.

ClarissaBookLover94, que havia feito o Boo-hoo antes, deixou


uma resposta à sua pergunta. Li o tópico inteiro:
Eu desvio meus olhos da tela.
Perfeito.
Agora até seus leitores estão se apaixonando enquanto
lutam por seus personagens. Estou feliz por ter inspirado o
próximo grande romance americano e provavelmente sido
inspiração da grana extra de Riven.
O livro é ficção e não tem nada a ver conosco. Riven me
usou para se divertir enquanto eu estava por perto e depois
monetizou a experiência, reduzindo-a a uma reviravolta na
história. Minha cabeça tenta convencer meu coração de que foi
assim que as coisas aconteceram, mas aquele órgão estúpido
pulsando no meu peito não entende assim.
Os sentimentos de Riven eram reais, meu coração
machucado continua gritando atrás das minhas costelas, você
viu o jeito que ele olhava para você. Como ele ficou arrasado
quando você partiu.
Então por que ele não veio me procurar?
Porque basicamente você o pediu em casamento antes mesmo
do divórcio ser definitivo.
Então, o que devo fazer agora?
Antes que eu possa responder, uma mensagem da minha
irmã me tira do meu momento de epifania.

Amy
Você está participando da chamada do Zoom
ou o quê?
Estamos todos esperando por você

Olho ao redor da sala, desconcertada. Que horas são? Eu nem


tinha notado que o sol tinha nascido. Passei a noite inteira e a
manhã lendo? Merda, e eu esqueci completamente da chamada
do Zoom.

Eu
Estarei lá em um segundo

Eu mando uma mensagem de volta e ligo meu notebook. Eu


procuro meus e-mails pelo link que minha mãe enviou, ainda
assustada que ela saiba como configurar uma chamada de
Zoom.
Quando entro na chamada, a tela é dividida em muito mais
quadrados do que eu esperava. Tem mamãe, Amy, Joshua, mas
também tem Tess... A irmã de Riven? O que ela está fazendo
em uma ligação com minha família? Meus olhos correm pela
tela e com certeza encontram também pequenos quadrados
para o irmão de Riven, seu pai e, no canto inferior direito...
BOOM! O próprio Riven.
Wendy

Oh meu Deus, o que ele está fazendo aqui? Por que ele está em
nossa ligação e por que ninguém me avisou? Eu não informei
exatamente a minha família sobre nosso romance fracassado,
apenas Amy, mas alguém não deveria ter, em algum momento,
mencionado que isso seria uma reunião das férias em família no
Natal?
Eu me esforço muito para não deixar minhas mãos voarem
para o meu cabelo para alisá-lo. Não tomei banho, não tenho
nenhum traço de maquiagem no rosto e estou vestindo
moletom. Eu pareço uma bagunça total depois de uma noite
sem dormir, graças ao seu livro estúpido que nem terminou
direito.
Riven, pelo contrário, está lindo como sempre. Não
importa que na Califórnia deva ser estupidamente cedo. O
idiota parece fresco como uma rosa. Ainda sim uma pessoa
matinal detestável, uh?
Fale sobre enfrentar seus demônios, o meu está olhando
diretamente para a câmera, e seus olhos escuros estão abrindo
um buraco na minha tela. Eu sei que ele não está olhando para
mim, seu olhar deveria estar focado em algum canto da tela para
fazer isso, mas ainda sinto que ele está me observando. Como
se seus olhos quisessem me dizer algo com aquele olhar direto...
Obrigado pelos pontos da trama e aqueles poucos milhões
de cópias extras vendidas?
Eu deveria afinar o sarcasmo, mas vê-lo de novo está virando
minhas entranhas ainda mais de cabeça para baixo, quero beijá-
lo, bater nele, gritar com ele, fazer amor com ele... como posso
ter todos esses sentimentos conflitantes por uma única pessoa?
Eu não sei, e minha prioridade agora deveria ser parecer o
mais organizada possível, apesar do que eu possa estar sentindo.
Então, colo um sorriso falso no rosto e cumprimento a todos
com um genérico:
— Olá, desculpe o atraso.
— Não importa, querida — minha mãe responde enquanto
os outros respondem com uma mistura de oi, olá, e aí.
Claro, meus ouvidos detectam o “Oi” de Riven em meio ao
barulho com a precisão de um sistema de radar. Sua voz
profunda faz um arrepio percorrer minha espinha e eu faço o
meu melhor para agir sem ser afetada.
— Mãe — Amy chama neste momento. — Tenho cerca de
quatro minutos antes que os gêmeos acordem de sua soneca.
Mamãe suspira.
— Tudo bem, crianças, isso não é fácil para mim dizer e
espero que vocês fiquem felizes por mim e não chateados...
Uau, mamãe, fale sobre aumentar as apostas. O que ela está
prestes a nos dizer? Eu tiro meus olhos de Riven e me concentro
nela.
— O Natal passado foi realmente especial... e mesmo que
nossas famílias não estivessem juntas por muito tempo… uma
conexão nasceu.
Eu fico vermelha. Ela descobriu sobre Riven e eu? Isso é
uma intervenção? Para fazer o quê? Eles vão forçá-lo a fazer de
mim uma mulher honesta? Duvido, já que a vida não é um
romance vitoriano.
— Começou como uma amizade — mamãe continua, e eu
aceno com a cabeça.
Onde ela conseguiu os detalhes?
— E essa amizade logo floresceu em outra coisa, algo
precioso que eu achava que na minha idade não conseguiria
experimentar novamente.
Eu pisco na tela, espere, o quê?
Ela está falando de si mesma? Ela está apaixonada? Por
quem?
Fácil de entender, considerando como o pai de Riven está
sorrindo como um idiota em seu quadrado.
Amy está franzindo a testa mais profundamente do que eu
mesma, e pergunta:
— Mãe, do que você está falando?
— Vou me casar — mamãe deixa escapar. — Quero dizer,
vamos nos casar.
Ela olha para o lado como se, em vez de uma tela de
computador, pudesse ver Grant ao lado dela na vida real.
Então, em um momento parecido com um filme, a tela de
Grant fica preta quando ele desconecta da ligação para
reaparecer no mesmo quadrado que minha mãe. Eles se
abraçam e se beijam.
As telas ao redor explodem com reações: choque, aplausos,
lágrimas, gritos... Fico ali, com a boca aberta como uma idiota,
olhando para o canto inferior direito.
Riven está tão quieto que, por um momento, suponho que
seu vídeo tenha congelado, mas então ele pisca. Ele está fazendo
aquela coisa de novo onde ele olha diretamente para a câmera,
o que significa que ele não pode estar olhando para nada que
está acontecendo na tela. Por quê? O que ele está pensando? O
que eu estou pensando?
Os outros membros das nossas famílias que ainda mantêm
algumas células cerebrais, ao contrário de mim, cujos neurônios
acabaram de ser fritos, seguem o anúncio com uma série de
perguntas sensatas:
Há quanto tempo mamãe e Grant estão juntos?
Desde as férias na cabana. Eles começaram a conversar e
fazer ligações por FaceTime logo depois que voltaram. Logo as
longas ligações se transformaram em visitas de fim de semana,
depois viagens e estadias mais longas que eles rigorosamente
mantiveram em segredo de nós, até que Grant propôs.
Viu! Longa distância pode dar certo, pelo menos por um
tempo. E os homens que estão apaixonados pedem que suas
mulheres se casem com eles.
A próxima pergunta é se eles já marcaram uma data para o
casamento?
Sim, em uma semana. Na idade deles, eles sabem como o
tempo é precioso e não querem desperdiçá-lo.
Uma semana! Uma semana?! Vou ver Riven em uma
semana?
Onde?
Flórida, no final de semana do dia de Ação de Graças.
Vamos encontrar hospedagem em tão pouco tempo?
Não se preocupe, eles já reservaram passagens de avião para
todo mundo e desta vez vamos ficar em um hotel para que
todos tenham seu próprio quarto.
A menção de quartos de hotel quase me deixa histérica,
enquanto as perguntas continuam.
Onde eles vão morar?
Eles ainda não decidiram. Eles têm netos em ambas as costas,
então talvez eles dividam seu tempo entre Nova York e Los
Angeles.
Eles vão manter suas casas?
Não, eles provavelmente vão se mudar para uma casa menor
e construir seu próprio ninho de amor.
Uma vez que todas as perguntas foram respondidas, minha
mãe se vira para a câmera, seu lábio inferior tremendo.
— Vocês estão realmente bem com isso?
Amy, Joshua e eu nos apressamos para tranquilizá-la de que
estamos super felizes por ela.
Mamãe cobre o rosto com as mãos e começa a chorar.
— Mãe, o que há de errado? — Tanto Amy quanto eu
perguntamos.
— Achei que vocês poderiam tomar isso como um sinal de
desrespeito com seu pai.
— Não, mamãe — eu digo. — Ele gostaria que você fosse
feliz.
— Grant — minha irmã acrescenta —, estamos tão felizes
que você vai se juntar à família.
As palavras de Amy me atingem como um raio.
O pai de Riven está se tornando família e, pela propriedade
transitiva, Riven também será família, só que não da maneira
que eu esperava. Ele vai ser meu meio-irmão... ha, ha, ha, isso
não é hilário?
Riven

Quando a chamada termina, eu olho para a passagem de avião


para Nova York que está na minha mesa ao lado do notebook...
O tempo, pelo menos desta vez, parece estar do meu lado.
Tenho um casamento para ir, agora só preciso de uma
companhia.
Wendy

— Eu vou ver Riven em uma semana e não devo surtar — eu


canto enquanto ando pelo meu apartamento. Depois que a
ligação com minha mãe terminou, tomei banho e comi algo
diferente de Kit Kat.
Com extrema satisfação, tirei um jantar pré-preparado do
freezer e coloquei no micro-ondas. Para irritar ambos, eu me
recusei a cozinhar qualquer uma das deliciosas receitas que
Riven me ensinou na cabana.
A exaustão me atingiu logo depois e fui para a cama,
esperando inutilmente dormir depois do livro e do anúncio do
casamento. Mas depois de horas me remexendo embaixo dos
lençóis, tentando não pensar em Riven e só pensando em
Riven, ainda estou exausta e outro dia começou.
Aquele homem me roubou o sono, a sanidade e a cor
natural do meu cabelo. Monstro.
Em poucos dias estaremos frente a frente, para um fim de
semana prolongado na Flórida, em um hotel.
Passo para a próxima linha do meu cântico motivacional.
— Vou ver Riven em uma semana e não vou dormir com
ele.
Sim. Não vai acontecer. Nada de coquetéis depois do
horário, nada de se esgueirar para os quartos um do outro, e
definitivamente nada de compartilhar a mesma cama.
Que tal beijos na praia ao pôr do sol?
Não, não, não, nada, zero. Wendy, você vai para a Flórida
para ser dama de honra da sua mãe e não vai fazer sexo com o
padrinho!
Nem mesmo um sexo de adeus para sempre, de você-quebrou-
meu-coração?
Especialmente não um sexo intenso, automutilante, de
adeus para sempre, de você-quebrou-meu-coração!
O que vou fazer é me recompor, ir até lá com a melhor
aparência possível e ignorar o Sr. Final Aberto.
— Riven Clark, eu superei você.
Se eu repetir o lema um milhão de vezes, pode se tornar
verdade. Mais cedo ou mais tarde, espero. É melhor eu me
acostumar a estar perto dele enquanto mantenho minhas mãos
e meu coração sob controle, porque este casamento não será a
última vez que o verei. Natal, Ação de Graças, Páscoa,
formaturas, nascimentos, casamentos... com Grant na família,
os Clarks serão convidados para todas essas ocasiões. E,
eventualmente, Riven vai se apaixonar por alguém em um
melhor tempo e com uma melhor geografia do que eu, e ele vai
trazê-la para todos esses eventos.
Oh meu Deus, eu deveria vestir uma fantasia e passear pelas
ruas de Nova York em busca do novo Yankee. Como Carrie
Bradshaw em Sex and The City. Para minha primeira reunião
pós-separação com Riven, devo estar bem, devo me sentir bem
e devo estar ao lado do novo Yankee. Eu nem sei se os Yankees
têm um novo jogador sexy, mas isso não vem ao caso. Riven
deve pensar que eu completamente, totalmente superei ele.
A campainha toca e sem pensar eu abro a porta, assumindo
que é o correio.
Riven está do outro lado, em vez disso. Ele está tão alto,
moreno e bonito como sempre.
E eu?
Eu pareço o inferno.
Eu me sinto ainda pior.
E eu não superei ele.
Riven

Eu estou na porta de Wendy, encarando como um idiota.


Achei que tinha a imagem dela gravada no meu cérebro, mas a
realidade apaga todas as fantasias.
Ela parece incrivelmente fofa em leggings pretas, um
moletom cinza-claro e com o cabelo solto. Ela voltou a ser loira,
mas a metade inferior ainda é rosa, e ela está adorável.
Especialmente quando ela cruza os braços sobre o peito e
franze o nariz em uma expressão petulante, como agora.
Wendy olha para a mala atrás das minhas costas e diz:
— Acho que você cometeu um erro, o casamento é na
próxima semana, na Flórida.
— Eu sei, não estou aqui para o casamento.
— Não? Para quê, então?
— Posso entrar ou devemos fazer isso no hall?
— Fazer o quê?
— Eu falo, você ouve... isso soa bem?
Ela me dá um aceno rígido. Mas era de se esperar alguma
resistência inicial.
Em sua sala de estar, eu paro um momento para estudar o
ambiente. Como tudo é sutilmente feminino e elegante.
— Então? — Wendy pergunta impaciente.
Meu foco volta para ela.
— Eu sei que você não está saindo com ninguém,
romanticamente — eu digo.
— Eu estive ocupada com o trabalho — ela responde
secamente e estreita os olhos. — Como você sabe?
— Sua irmã me contou.
Um tom de traição cruza seu rosto.
— Você tem falado com Amy?
— Só na última semana, antes de eu comprar a passagem de
avião para Nova York.
— Hmm. — Ela dá um aceno rígido e então pergunta: —
Você vai falar, ou você veio de tão longe para olhar ao redor da
minha sala como um idiota?
Eu estou prestes a começar meu grande discurso quando
meus olhos pousam em uma cópia descartada do meu livro,
deitada no canto mais distante como se alguém o tivesse jogado
contra a parede. Atravesso a sala e o pego.
— Gostou do meu último romance?
— Não sou fã de finais abertos.
— Você quer um spoiler sobre como a história de Preacher
e Willow termina?
Wendy dá de ombros.
— Não, particularmente.
— Eu vou te dizer, de qualquer maneira. Preacher está
voltando para o acampamento e implorando a Willow para
perdoá-lo, para aceitá-lo de volta.
— E os problemas de compromisso dele?
— Preacher teve tempo suficiente para resolver seu passado
e agora ele está pronto.
— E assim, ele espera que ela ignore a mágoa e o coração
partido que ele a fez passar e o perdoe.
— Não, claro que não. É quando Preacher terá que trazer as
armas pesadas. Ele vai desnudar seu coração e dizer a Willow
que sente falta de acordar ao lado dela todas as manhãs, mesmo
que ela seja aquela que rouba todos os cobertores.
— Eles nunca tinham cobertores, dormiam em barracas,
principalmente.
— E ele vai dizer a ela que sente falta de sua falta de
habilidades culinárias.
— Willow cozinhava melhor do que ele.
— E acima de tudo, ele vai dizer a ela como ele sente falta de
sua parceira no crime. Que ele percebeu que não quer passar
mais um dia sem ela e que até sente falta do sal ocasional em seu
café.
Apesar de seus esforços para manter uma expressão séria,
posso dizer que Wendy está suavizando.
— Willow nunca colocou sal no café do Preacher.
— Eu sei, Wendy, não estou falando deles, estou falando de
nós. A verdade é que eu preferiria tomar meu café com sal todas
as manhãs se isso significasse que você o fez.
— E quando você percebeu tudo isso?
— O dia em que assinei os papéis do divórcio. Quando eu
me senti mais triste por não voltar para casa para contar a você
do que pelo fim do meu casamento. O momento é certo desta
vez. Fechei a porta do meu passado e tenho certeza do que
quero para o futuro. E estou corrigindo o problema geográfico.
— Eu dou um passo à frente. — Toda a minha vida está
naquela mala. Não tenho casa, não estou alugando uma e todas
as minhas outras coisas estão guardadas. Eu não me importo
onde moramos. Se você quiser ficar em Nova York, podemos
morar aqui. Eu posso escrever em todos os lugares. Se você
quiser ir devagar; posso alugar um apartamento na cidade e
podemos namorar como pessoas normais.
— E você não vai sentir falta da Costa Oeste, da praia?
— Nós podemos ir para os Hamptons.
— E o frio?
— Eu morei numa cabana há mais de um ano, eu consigo
aguentar o frio. E estou realmente empolgado em ter
temporadas novamente.
— Então, você está pronto para se comprometer. A ideia de
outro relacionamento sério logo após o divórcio não te assusta
mais?
— Isso me assusta, mas não é nada comparado ao medo de
viver o resto da minha vida sem você ao meu lado.
— Como vou acreditar em você? Você nunca quis discutir
o divórcio comigo.
— Pergunte-me qualquer coisa, sou um livro aberto.
Ela rói uma unha.
— Isso pode parecer trivial, mas... naquela manhã Cassie
veio para a cabana...
— Sim? — Eu indico.
— Você já sabia que ela tinha se separado do ator. Como
você sabia?
Eu franzo a testa, confuso. Eu nem me lembro do que ela
está falando.
— Você mencionou um artigo — acrescenta Wendy.
— Ah, isso, sim. E o que tem?
— Você ainda a seguia online enquanto dormia comigo?
— Não, não — eu digo, enquanto as peças finalmente se
encaixam. — Um amigo de LA me encaminhou o artigo, foi
assim que eu soube. Wendy.
Eu dou um passo à frente.
— Naquela manhã, quando você me fez todas aquelas
perguntas, eu fiquei com medo. Cassie tinha acabado de sair, e
sua visita tinha me chateado e eu pensei, se minha ex-esposa
ainda pode me deixar tão nervoso, eu não estou pronto para
algo novo. Mas eu estava errado. O ressentimento que eu tinha
por Cassie não tinha nada a ver com eu ainda ter sentimentos
por ela. Só há uma pessoa por quem estou apaixonado, e é você.
Eu te amo, Wendy. O tipo de amor que se você me dissesse não
agora, uma cabana na floresta não seria remotamente o
suficiente, eu teria que me mudar para a Antártida.
Wendy balança a cabeça, ainda tentando resistir.
— Eu nunca deveria ter concordado em deixar você falar.
Ser bom com as palavras é o seu trabalho, literalmente. Como
posso confiar em você com meu coração desta vez?
— Porque tudo o que fizermos será em seus termos. Se você
quiser namorar apenas nos fins de semana, eu posso fazer isso.
Se você quiser se casar na próxima semana, eu vou perguntar ao
meu pai se ele não se importa de ter um casamento duplo.
— Você não está falando sério agora.
Eu travo os olhos com ela.
— Eu nunca falei tão sério na minha vida, Wendy. Farei o
que for preciso para reconquistar sua confiança. A única coisa
que me importa é saber se ainda estou em seu coração; o resto,
podemos resolver.
— É claro que você ainda está no meu coração — ela
finalmente diz. — Não importa o quanto eu tentasse, não
consegui te empurrar para fora.
Isso é tudo que eu preciso ouvir.
Eu vou até ela e a beijo.
Quando nossos lábios se tocam, é como se nenhum tempo
tivesse passado desde aquela última manhã em que fizemos
amor no sofá da cabana. Só que naquele momento, a paixão
veio de um conhecimento compartilhado de que estávamos
nos despedindo para sempre, enquanto agora, brota da emoção
de tudo o que está por vir.
Manhãs infinitas.
Noites infinitas.
Juntos.
Wendy
Uma semana depois

Enquanto ando pelo corredor, não consigo tirar um sorriso


bobo e apaixonado do meu rosto. Não, não é o meu casamento.
Eu sou apenas uma dama de honra. Hoje é o dia da minha mãe.
Mas quando meu olhar encontra o do padrinho do outro lado
do altar, a vibração no meu peito é tão poderosa como se Riven
e eu fôssemos nos casar.
Depois que ele voltou com força para a minha vida, o
mundo voltou a ser multicolorido. Andar pelas ruas de Nova
York com Riven fez a cidade voltar a ter vida aos meus olhos.
Mal posso esperar para mostrar a ele a beleza de Manhattan,
que não está mais escondida sob um manto de desolação.
Tanto que fiquei triste por termos que partir tão cedo para ir à
Flórida para o casamento.
Mas estarmos juntos com as nossas famílias novamente foi
uma bênção. Um lembrete de quando nos conhecemos.
Confessamos tudo na primeira noite em que chegamos à
Flórida, já que Amy e Tess eram as únicas que já sabiam.
Mamãe ficou emocionada com a notícia e Grant também. E
quanto aos nossos irmãos, sendo os caras legais que são, eles
apenas deram de ombros, absorvendo a informação com um
sorriso presunçoso.
A marcha nupcial começa, me trazendo de volta ao aqui e
agora. Desvio meu olhar do homem dos meus sonhos para ver
minha mãe caminhar pelo corredor no braço de Joshua. Ela é
tão linda e radiante que eu tenho que piscar rápido para lutar
contra as lágrimas. Grant é tão sortudo. Quando mamãe chega
ao altar, os olhos do noivo estão todos brilhantes de lágrimas
não derramadas.
A cerimônia é doce e romântica. A recepção é divertida e
alegre. Voltar para o nosso quarto de hotel depois é ainda
melhor.
Desde o momento em que Riven voltou para a minha vida,
com tudo embalado em uma mala, não passamos um minuto
separados. Ele se mudou para o meu apartamento tão
rapidamente quanto eu me mudei para sua cabana.
Agora, Riven só espera até que a porta do quarto seja
fechada atrás de nós para tirar minhas roupas. Deixamos um
rastro de roupas descartadas até a cama, onde fazemos amor
com uma nova intensidade. A paixão de duas pessoas que se
lembram de como é perder um ao outro, mas que também
compartilham uma promessa de que isso nunca mais vai
acontecer.
Assim que terminamos, inclino o lado do meu rosto no
peito de Riven.
— Com minha mãe e seu pai juntos, você acha que eles vão
querer passar o Natal em Nova York ou LA?
— Por quê? Você prefere passar em outro lugar?
— Na verdade, eu adoraria voltar para a cabana, mas acho
que agora é tarde demais para reservá-la para a temporada. —
Eu rio. — A menos que você queira arriscar outra reserva
dupla.
— Ah, bem... — Riven coça a parte de trás de sua cabeça. —
Eu posso ter meio que comprado a cabana.
— Você a comprou? — Eu me endireito na cama. — Mas
você apareceu na minha porta alegando ser um sem-teto.
— E eu era — diz ele. — Sem você, aquele lugar é apenas
uma propriedade, você o torna um lar.
— Por que comprar, então?
— Pode me chamar de sentimental... mas eu não podia
deixar para lá. Nós nos encontramos lá. E se você decidisse não
me aceitar de volta e as memórias fossem a única coisa que eu
poderia ter de você, eu queria todas elas.
Eu franzo a testa agora.
— Você estava realmente com medo de que eu dissesse não
para você?
— Esperava que você não o fizesse, que o que tínhamos
pudesse resistir ao teste do tempo. Mas Cassie arrastou o acordo
por tanto tempo que eu não tinha certeza se você esperaria...
Eu reviro os olhos.
— Ah sim, eu sei. Você me deixou miserável por meses.
— Desculpe, mas eu precisava ter cem por cento de certeza
antes de voltar para sua vida.
Eu levanto uma mão para acariciar suas bochechas.
— Eu sei, e sinto muito por fazer isso um ultimato para
você, por não lhe dar espaço suficiente para...
— Não foi você. — Riven me interrompe, tocando em meu
nariz.
— Ah, não?
— Não — diz ele, sorrindo. — Eu culpo o momento errado
e a geografia ruim.
— Ha-ha, Sr. Clark... aquela velha fala de novo?
— O que você acha, Capitã, você quer convidar toda a
família para a cabana nos feriados, fazer outra grande e
bagunçada férias em família?
— Sim — eu digo. — Eu adoraria ir para casa no Natal.
Obrigada, leitores, por todas as suas mensagens comoventes e
fotos e comentários legais. Vocês são a minha tribo. Sem o seus
apoios constantes, eu não continuaria a ler as páginas em
branco.

Obrigada a Rachel Gilbey por organizar uma tour via blog para
este livro e a todos os blogueiros que participaram. Adoro fazer
parte da sua comunidade.

Obrigada à minha equipe de rua e a todos vocês que deixam


resenhas de livros. Elas são tão apreciadas.

Obrigada aos meus editores e revisores, Arnetta, Helen Baggott


e BBB Publishing por tornar minha escrita a melhor possível.

Por fim, agradeço à minha família e amigos pelo incentivo


constante.

Crédito da imagem de capa: Criado por Freepik

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