Você está na página 1de 334

TABELA DE CONTEÚDOS

AVISO DO BWC
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO QUATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
CAPÍTULO VINTE E UM
CAPÍTULO VINTE E DOIS
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
CAPÍTULO VINTE E CINCO
CAPÍTULO VINTE E SEIS
CAPÍTULO VINTE E SETE
CAPÍTULO VINTE E OITO
CAPÍTULO VINTE E NOVE
CAPÍTULO TRINTA
Agradecimentos
Para Sam –
tudo começou com um script
AVISO DO BWC

Essa presente tradução é de autoria pelo grupo Bookworm’s Cafe.


Nosso grupo não possui fins lucrativos, sendo este um trabalho
voluntário e não remunerado. Traduzimos livros com o objetivo de
acessibilizar a leitura para aqueles que não sabem ler em inglês.
Para preservar a nossa identidade e manter o funcionamento dos
grupos de tradução, pedimos que:
• Não publique abertamente sobre essa tradução em
quaisquer redes sociais (por exemplo: não responda a um tweet
dizendo que tem esse livro traduzido);
• Não comente com o autor que leu este livro traduzido;
• Não distribua este livro como se fosse autoria sua;
• Não faça montagens do livro com trechos em português;
• Se necessário, finja que leu em inglês;
• Não poste – em nenhuma rede social – capturas de tela ou
trechos dessa tradução.
Em caso de descumprimento dessas regras, você será banido desse
grupo.
Caso esse livro tenha seus direitos adquiridos por uma editora
brasileira, iremos exclui-lo do nosso acervo.
Em caso de denúncias, fecharemos o canal permanentemente.
Aceitamos críticas e sugestões, contanto que estas sejam feitas de
forma construtiva e sem desrespeitar o trabalho da nossa equipe.
CAPÍTULO UM

São seis da manhã e estou debatendo o oposto de “Frozen” com Reid


Callahan.
— É “Melted” — murmuro no travesseiro, irritada, porque como
ele ousa me acordar antes do sol em uma segunda-feira? Em meu estado
atual de raiva e cansada, jogo um travesseiro vagamente na direção do
batente da minha porta, onde Reid está parado.
— De jeito nenhum. O oposto de congelado é definitivamente
fervendo. Estou falando sério. ”Boiled” é o único título válido se você
vai fazer uma paródia. ”Melted” é fundamentalmente falho.
— Você é fundamentalmente falho.
Ele bufa, e ouço o tilintar de metal contra cerâmica. Uma colher
rodando no cereal. A esta altura, estou acostumada com Reid em
minha casa nas primeiras horas da manhã, dominando arpejos
complexos no clarinete sob as instruções de meu pai. Reid é
praticamente a única pessoa em todo o universo que se equipara ao
entusiasmo do papai para um instrumento musical. O que significa
que ele está sempre aqui.
É meio insuportável.
— Por quê você está aqui? — pergunto.
— É segunda-feira — Reid diz lentamente, como se eu não soubesse
os dias da semana. Aulas na segunda-feira de manhã têm sido uma coisa
desde que as aulas da escola começaram, há duas semanas – e
continuarão a ser uma coisa que torna a segunda-feira
ainda mais segunda-feira durante o meu segundo ano.
— Quero dizer aqui, Reid. Por que você está no meu quarto?
— Para pagar a aposta — diz ele.
Ele acena com a cabeça em direção à minha mesa, onde um grande
chai gelado da Kiskadee está em cima de um porta-copos de
elefante. Claro, ele decide que seis da manhã é o momento perfeito para
entregar o meu chai de Uau, você realmente escreveu uma
peça. Ganhar uma aposta contra Reid Callahan ainda é sempre perder,
de certa forma.
— Seu tempo é impecável.
Eu caio de volta no meu colchão e rolo, encarando a parede e
fechando os olhos na tentativa de retornar à minha paisagem do
sonho. Antes de Reid me acordar com três batidas em staccato, eu
estava em uma leitura de mesa para minha peça de grande orçamento
na Broadway com os Chris. Estávamos encenando uma cena de luta
entre o Pine e o Evans. Hemsworth se inclinou para sussurrar em meu
ouvido: Você é incrível, Jacobson. E eu não rejeitei seu elogio ou
subestimei meu talento – eu o acolhi. Thor chamou eu, Natalie
Jacobson, de incrível. Eu me senti incrível. No meu sonho, dramatizar
é mais do que um hobby do colégio. É uma possibilidade.
Reid liga o interruptor ao lado da minha porta e minhas pálpebras
se contraem quando a luz sintética tenta adentrá-las.
— Não quero que você durma demais!
— Obrigada — etruco inexpressiva, sentando-me porque agora
estou oficialmente acordada e Reid venceu. Eu pego meus óculos
enquanto meus olhos se ajustam, já planejando minha vingança por sua
destruição da cena de luta épica de Pine-Evans.
— De nada. — Os olhos castanhos de Reid encontram os meus. Eles
parecem mudar de cor dependendo do que ele está vestindo. Esta
manhã, eles captam sua camisa verde. — O mínimo que você pode
fazer é chegar na hora, considerando que você está desperdiçando o
tempo da Sra. Mulaney.
É tão elementar que quase rio enquanto me movo da minha cama
para a mesa adjacente e começo a entrelaçar meus cachos desastrosos
em duas tranças desastrosas. Qualquer outro dia, eu dispararia de volta
uma réplica sarcástica. Hoje não. Porque hoje é o culminar de um verão
inteiro escrevendo com o meu melhor amigo, Henry Chao. Antes da
orientação, entraremos em cena e entregaremos um diálogo à diretora
Mulaney sobre por que Melted merece ser nossa peça de outono – uma
apresentação que tem o potencial de mudar todo o destino do
departamento de teatro da Lincoln High School.
Não posso me distrair.
— Tchau — digo.
Fecho a porta na cara de Reid e pego o chai na minha mesa. O
canudo entre meus lábios, eu tomo um longo gole. Não tem gosto de
vitória, mas ainda é um chai da Kiskadee. Portanto, delicioso. Eu o
aproveito, não me incomodando com o insulto básico de Reid porque
com Melted eu tenho uma chance – uma chance real – de convencer a
Sra. Mulaney de que manter o departamento de teatro da LHS intacto
é tão valioso quanto os novos uniformes da banda.
Sério, o maior problema de Reid é ser um repetidor de
roupas. Quando o comitê escolar anunciou que “significativos cortes
de orçamento” estavam vindo para atividades extracurriculares, no
final do primeiro ano, o clube de teatro teve uma reunião de
emergência. Ela foi iniciada por mim e pela nossa ex-conselheira, Srta.
Bryant, que rapidamente abandonou nosso barco afundado de um
programa de teatro para um cargo de professora de teatro em tempo
integral na Boston Arts Academy. Mas quando Reid ouviu sobre os
cortes, ele não moveu um dedo. É tão óbvio que a banda é
relativamente imune à destruição total, graças a um diretor de banda
apaixonado que, ao longo de uma década, revitalizou o programa de
música do zero.
Esse professor? Não é outro senão Aaron Jacobson. Professor de
Reid. Meu pai.
É complicado.
Eu pego o travesseiro que lancei em Reid e o jogo na minha cama
no caminho para o meu armário. A estética de hoje é confortável e
confiante, como a forma que mamãe se vestiria para reuniões com seu
editor. Isso é muito importante. Tiro um blusão novo floral do cabide
de veludo, arranco a etiqueta e o combino com uma jaqueta jeans e
tênis branco. Para completar o visual, passo um gloss rosa claro nos
lábios.
Satisfeita, coloco meu laptop na minha mochila e me coloco em
movimento. Lá embaixo, a cozinha cheira a café com avelã e framboesa
e torrada queimada, o cheiro da ansiedade criativa.
Eu paro na parte inferior da escada quando avisto a cena na mesa da
cozinha.
Mamãe está sentada na ponta da mesa de café de madeira, olhando
fixamente para a tela do laptop. Reid está ao lado da minha mãe, sua
camisa agora desabotoada para revelar uma camiseta gráfica branca que
diz MÚSICA É MEU FORTE , com uma colher em uma das mãos e Os
Fundamentos da Composição Musical na outra. Papai está sentado em
frente a Reid, tomando café e separando os papéis que saem de sua
Bíblia da Banda – uma pasta azul de sete centímetros com seu sistema
certificado de organização sem sentido. No ano passado, criei o mais
belo sistema de arquivamento com código de cores para seu fichário
monstruoso. Ele não gostou. Como papai transformou a banda de
concerto e orquestra da Lincoln High School em um programa
premiado e reconhecido nacionalmente – e ainda assim não consegue
aceitar a conveniência da ordem alfanumérica, páginas numeradas
e etiquetas – está além da minha compreensão. Mas não importa o que
aconteça, ele está sempre no modo de banda, seu corte de cabelo de
volta às aulas ainda um pouco curto demais, sua barba grisalha um
pouco longa demais.
Meu estômago aperta, testemunhando o silêncio confortável que é
os três juntos.
— Como vai o solo? — mamãe pergunta a Reid.
Os olhos de Reid desviam de sua leitura.
— Mais trabalho pela frente. Como vai o livro?
Mamãe fecha seu laptop e sorri.
— Mais trabalho pela frente.
Ele acena com a cabeça e levanta sua caneca de café.
— Solidariedade, tia Shell.
Reid é a única pessoa que consegue se safar chamando minha mãe
de qualquer variação de “Shell”. Tia Michelle eram sílabas demais para
o pequeno Reid. Eu gostaria que ele largasse o “tia”. Isso me faz sentir
que somos parentes - o que, não, absolutamente não somos.
Ser filhos de pais que foram melhores amigos de infância não
significa ser uma família.
— Você é muito duro consigo mesmo — diz papai, erguendo os
olhos de seu caos “organizado”. É uma música nova para o jogo de
boas-vindas? É um set da sua banda de jazz, Lincoln Street
Blues? Quem sabe! — Vocês dois.
Reid ignora as palavras de papai com um encolher de ombros e olha
para cima, seus olhos encontrando os meus do outro lado da cozinha.
— Ei, Nat.
Entra eu, a garota que sempre parece chegar antes de sua deixa.
— Bom dia — digo, alcançando a caixa de Pop-Tarts de mirtilo
acima do fogão. Eu pego a caixa inteira e deslizo para a cadeira em frente
à minha mãe.
— Você acordou cedo — mamãe diz. Seu cabelo é um coque
bagunçado de cachos, agora dois tons mais escuros que o meu por causa
da tintura que esconde suas raízes cinzas. Ao lado de seu laptop está
uma maçã comida pela metade e uma caneca de elefante cheia do que
tenho certeza de que é café morno. Óculos de leitura roxos de plástico
estão empoleirados na ponta do seu nariz enquanto seus olhos
permanecem fixos na tela. — Nervosa?
Meus olhos se concentram na maçã, sua carne exposta já
marrom. Melhor do que ontem, quando não havia mais nada além de
sementes e caroço. Nos melhores dias de escrita da mamãe, a maçã
permanece intocada, seus dedos dançando nas teclas, sem chance de
quebrar o ritmo para dar uma mordida. Naqueles dias, mamãe era
Michelle Jacobson, autora do best-seller no New York Times de The
Lola Diaries.
Não consigo me lembrar da última vez em que mamãe se esqueceu
de comer sua maçã.
— Estou pronta.
— Então, posso ler a peça agora? — mamãe pergunta.
Eu imito o emoji da garota encolhendo os ombros.
Se ela ler, vai me encorajar. Ela vai me apreciar. Ela vai me chamar de
dramaturga.
— Você pode ler quando for real — digo pela milésima vez. — Isso
é o que você diria.
— Eu sei, Lee.
A voz da mamãe me implora para não pressionar mais, então não o
faço. Antes da pressão que se seguiu depois de Lola, mamãe era uma
força na publicação e a prova de que escrever pode ser mais do que um
hobby.
Agora, vejo minha mãe olhando para um documento do Word em
branco por horas. Eu ouço a derrota em sua voz quando ela diz “eu sei,
Lee”.
E mesmo que meu estômago afunde, tudo dentro de mim está
aliviado por não amar escrever desse jeito, por não estar seguindo seus
passos. Eu amo teatro, mas escrever e dirigir são hobbies, e isso é tudo
que eles serão. Não tenho certeza de como a vida de adulta será para
mim – eu nem sei o que quero fazer na faculdade –, mas sei que não
será a vida dos meus pais. Os sonhos da orquestra sinfônica de papai o
levaram a se tornar um diretor de banda de ensino médio
sobrecarregado e mal pago. O esgotamento da mamãe é tão intenso que
há dias em que ela não sai da cama.
Eu vi em primeira mão o que a arte pode fazer com uma pessoa que
a ama demais.
O tormento mental de vincular sua segurança financeira e
autoestima a uma busca criativa.
— Bem, eu li — Reid interrompe. — O título precisa ser
trabalhado.
As sobrancelhas da mamãe se erguem.
— Reid leu? Uau. Isso machuca.
Eu engulo um pedaço do meu Pop-Tart.
— Não é como se eu tivesse tido escolha.
— Você que apostou que eu não saberia nomear todos
os vencedores do Survivor — diz ele, fechando o livro. — Você
basicamente me entregou a vitória.
Ele até os nomeou em ordem. Foi bizarro.
Quer dizer, quem ainda assiste a esse programa? Tudo começou
antes de nascermos.
Eu rolo meus olhos, mas honestamente? Não foi a pior aposta a
perder. Na semana passada, quando ele estava lendo meu roteiro no
café da manhã, ele nem me ouviu descer as escadas de tão absorto em
Melted. Antes de eu atravessar a cozinha, ele riu. Riu
genuinamente. Como se ele entendesse.
Honestamente, não fazia sentido. Porque nós não entendemos um
ao outro, Reid e eu.
É realmente engraçado, Reid tinha dito, com a boca cheia de Froot
Loops. Você é engraçada. Então ele sorriu para mim e quase esqueci o
quanto o odeio.
Quando peguei a caixa de Froot Loops e ela estava vazia, eu me
lembrei.
Mamãe se levanta.
— Eu acho que terei que acreditar na palavra de Reid.
— Vai fazer alguns sprints de produtividade? — papai pergunta.
— Mais como de preparação — mamãe diz. — Agora que o meu
programa foi aprovado, tenho muita preparação a fazer.
Papai acena para sua pasta do caos, como se fosse a prova A.
— Entendível.
Vai ser o segundo ano da mamãe ensinando redação criativa no
Emerson College, uma atividade paralela que paga as contas enquanto
ela espera impacientemente que a inspiração apareça. E contas nós
temos. Mamãe passou a maior parte de junho em Fort Lauderdale
procurando um cuidador para minha bubbe, depois que ela caiu da
escada e quebrou o quadril. Em julho, nosso ar-condicionado estragou
no meio do verão mais quente de Massachusetts em, tipo, duzentos
anos. E algumas semanas atrás, meu pai soube que seu orçamento para
novos materiais foi cortado pela metade — forçando-o a tirar do
próprio bolso para comprar novas músicas para o Festival da
Colheita. Durante todo o verão, foi uma despesa inesperada após a
outra.
Mamãe sempre diz que coisas ruins acontecem em grupos de três.
Eu digo para não escolher uma carreira que depende de caprichos
criativos para pagar as contas em primeiro lugar.
— Todos escritores de romance neste semestre? — pergunto.
Mamãe afirma com a cabeça. Romance é a sua marca, o espaço
literário onde fez a sua carreira. Os leitores têm esperado quase quatro
anos para ver como ela seguirá The Lola Diaries.
— Talvez seja inspirador — diz Reid.
— Essa é a esperança — mamãe diz.
— Nirvana sempre me ajuda em uma longa sessão de preparação —
papai sugere. — Só não se esqueça de que Delia tem aulas com Rabino
Sarna às três. — Minha irmã de 12 anos está totalmente no modo de
preparação de bat mitzvah, comendo, dormindo e respirando
Vayishlach 36:40.
Mamãe descarta seu lembrete.
— Temos uma degustação com o bufê depois.
Papai acena com a cabeça.
— Quatro e meia.
— Boa sorte hoje, Lee.
Mamãe aperta meu ombro, em seguida, enfia seu laptop debaixo do
braço e se retira para seu escritório para a preparação de aulas, deixando-
me sozinha com Reid e meu pai. Praticamente a pior
combinação. Antes que eu tenha a chance de formar palavras, eles estão
em seu próprio mundo musical.
— Seis semanas até o Festival da Colheita — papai diz.
Todo outono, a banda se apresenta no Festival da Colheita de
Lincoln em Pine Hill Park. O Festival da Colheita é um evento
comunitário repleto de carrinhos de feno, quiosques com produtos
locais e muitos donuts de cidra — praticamente o auge da energia de
outono na Nova Inglaterra. Há alguns anos, papai propôs que também
fosse uma oportunidade de apresentação para a banda, onde a marca
do evento é a trilha sonora de um clássico. Apresentações anteriores
incluíram Casablanca, ET e O Mágico de Oz. É um evento que a
cidade passou a aguardar e é excelente - tanto em termos da atenção que
recebe da mídia local como do impulso que dá aos pequenos negócios
que participam.
Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança é a trilha do Festival
da Colheita deste ano. O hype já está crescendo, graças à estreia de
Aaron Jacobson no noticiário local em uma matéria destacando como
a participação da banda aumentou a participação no Festival da
Colheita.
O tempo na tela subiu totalmente à sua cabeça.
É uma história legal, objetivamente.
Mas o comitê escolar não precisa de outro motivo para ficar
obcecado com a banda.
Nem a cidade, por falar nisso.
Porque, como cidade, Lincoln é a mais mediana possível. Nossas
equipes esportivas são medíocres. Não temos banda marcial. Nosso
clube de teatro é pequeno. Nossas opções de entretenimento são
cinema, patinação no gelo, pista de patinação e um shopping com todas
as lojas que existem em cada cidade.
Mas a banda de concerto de Lincoln e o programa de orquestra?
Eles são excepcionais.
Reid muda a conversa para seu papel atual: recrutamento para o
conjunto de jazz.
— Precisamos de mais percussão — diz Reid.
— A Makayla… — começo.
— Rosalind Levy é ótima no laço — diz Reid, interrompendo-
me. — O que vai compensar por perder a Tricia, eu acho.
Papai acena com a cabeça.
— Legal. Bom saber.
Eu espero papai me perguntar sobre a irmã de Makayla, que é uma
baterista incrível. Ele não pergunta. Ele continua falando com Reid
como se eu não tivesse tentado falar, como se eu não pudesse contribuir
com algo valioso para esta conversa.
Como se eu não fosse uma musicista também.
— Não saberemos com certeza até ouvirmos como todos se
articulam.
Eu sou invisível.
Finalmente, depois de outro Pop-Tart e o que parece ser uma
conversa interminável sobre a banda, papai fecha sua pasta e vai para
seu estúdio no porão para preparar a aula de Reid. Reid se levanta e traz
sua tigela de cereal para a pia, então eu alcanço dentro da minha
mochila para pegar meu laptop, pronta para trinta doces minutos de
tempo sozinha, apenas Melted e eu.
Eu abro o arquivo.
— Não é tarde demais para Boiled.
Eu pulo, meus dedos pressionando meu teclado.
— Por que você está tão obcecado por isso?
— Imagine se Adina pudesse ferver instantaneamente qualquer
coisa que ela tocasse. Ela seria imparável! — Reid diz. — Pense
nisso. Os artistas precisam estar abertos a críticas,
Natalie. Colaborativos.
— Certo. Exceto que não somos colaboradores.
A mandíbula de Reid fica tensa.
— Eu sei.
— Então por que você ainda está de pé aqui? Você não tem um
clarinete para chupar?
Reid acena com a cabeça e dá um passo para trás.
— Na verdade, eu tenho.
Ele desce as escadas, sem perder o ritmo. Suas bochechas não ficam
vermelhas, nem mesmo quando enfatizo "chupar". Reid me acordou
antes do sol e cooptou meus pais... e eu não consegui nem fazê-lo
corar? Tudo faz Reid corar! Estou seriamente fora do meu jogo.
Que desperdício de fala, honestamente.
CAPÍTULO DOIS

Uma hora depois, estou esperando nos bastidores, meu co-escritor não
consegue parar de andar de um lado para o outro e o nosso talento está
atrasado.
Nesse caso, os bastidores são o banco em frente ao escritório da Sra.
Mulaney, onde me sento mexendo no meu celular enquanto Henry
fica mais irritado a cada passo. Fitz já deveria estar aqui. Como líderes
de fato do clube de teatro da LHS, devemos apresentar ’Melted’ como
um time. Henry e eu como a dupla de roteiristas e diretores nos
bastidores, e Fitz representando o talento no palco.
Eu fico olhando para o meu telefone, observando o nosso bate-papo
no grupo Time Melted pegar fogo.

Makayla Okoye
É DIA DE MELTED AHHHH
7h29
Arjun Patel

7h29
Arjun Patel
Nos conte tudo o mais rápido possível. Eu sei que tentamos ser
uma organização de baixos riscos, mas...
7h30
Makayla Okoye
HOJE TEMOS RISCOS
7h30
Arjun Patel
(sem pressão!!!!)
7h31
Makayla Okoye
(um pouquinho de pressão )
7h31
Eu engulo o nó na minha garganta. Legal. Pressão. Legal legal legal.
Eu entendo. Nós sempre nos consideramos um clube de venha pra
se divertir! e de baixo comprometimento. Não somos atores sérios
como as crianças do teatro musical ou músicos intensos como a
banda. Somos uma mistura de atletas e cientistas, capitães de quiz bowl
e futuros políticos, todos unidos por nosso apreço mútuo pela técnica
do Sim, e... e estamos montando uma produção consistente. Para nós,
o teatro está no lado B da história da nossa vida. Mas, os melhores
momentos de qualquer personagem são sempre nas subtramas. Então,
a ideia de perdê-lo?
Isso nos abalou mais do que esperávamos.
Então, elaboramos um plano. Uma proposta de baixo orçamento
que a Sra. Mulaney e o comitê escolar não podem recusar.
Eu mudo para meu bate-papo em grupo privado com Henry e Fitz
enquanto ele vibra com uma notificação.

Fitz (não Ava)


DESCULPA. DORMI DEMAIS. JÁ TO INDO!!
7h35
— Devíamos ter dito a ela para estar aqui trinta minutos atrás — diz
Henry.
— Fitz parou de cair nessa anos atrás.
Henry exala energia inquieta e empurra seus óculos com armação de
plástico transparente até a ponte do nariz antes de tirar o seu celular do
bolso. Ele passa os dedos pelo cabelo preto enquanto rola a tela
automaticamente pelo celular. Ele se espeta em todas as direções, como
se ele não se importasse em escová-lo. Nós o chamamos de cabelo de
travesseiro de bichinho, já que sua escolha de travesseiro nas festas do
pijama quando éramos crianças era do Ribbit o sapo, que sempre
deixava seu corte mais-comprido-por-cima extra alto na manhã
seguinte. Esse é o tanto de tempo que Henry é meu melhor amigo -
desde a era dos travesseiros de bichinhos.
— Ela estará aqui. Ei... — Dou um tapinha no espaço vazio do
banco ao meu lado — vamos dar uma ensaiada?
Henry se senta.
— Está perfeito, Nat. Você arrasa todas as vezes.
— Estou presa nas logísticas de arrecadação de fundos.
— Você é uma mentirosa de merda.
Mas, apesar disso, Henry pressiona as costas contra a parede, expira
e começa.
— Muito obrigado por se encontrar conosco, Sra.
Mulaney. Sabemos que cortes de orçamento são difíceis de
decidir. Dito isso, nós – Natalie, Fitz, eu e todos os membros do clube
de teatro – trabalhamos durante todo o verão para encontrar uma
solução que reduzisse o orçamento sem cortar totalmente o clube.
Eu começo minha parte.
— Fizemos uma checklist de todos os custos associados à produção
de uma peça escolar – e percebemos que a maior barreira não são os
custos de produção. São as taxas de licenciamento. Com a ajuda de
alguns dumplings de emergência, todo o programa de drama da
Lincoln High School se uniu e surgiu com algo único e original... mas
o mais importante, algo gratuito. Melted.
Henry se levanta.
— E agora estamos na parte da Fitz. Não podemos nem ensaiar
sem–
Eu agarro seu pulso e o puxo de volta para o banco.
— Eu ia fazer a Fitz.
— Você deveria ter dito isso antes de começarmos.
— Ok, bem, eu estou dizendo isso agora. Vamos começar de
novo. Talvez, desta vez, não comece com a carta de que sabemos que os
cortes no orçamento são difíceis?
Henry franze a testa.
— Mas eles são.
— Certo. Mas eu acho que isso dá à Sra. Mulaney uma saída
automática.
— OK. Justo. — Henry balança a cabeça e ensaiamos a primeira
parte novamente. Ele leva em consideração meu comentário e a
introdução flui mais naturalmente desta vez, levando-me direto para a
parte de Fitz da apresentação.
— Melted é a história das irmãs Adina e Emma e um mundo onde
tudo está em chamas. É em parte uma história de irmãs, em parte um
comentário incisivo sobre a crise climática e vagamente inspirado
em Frozen. Produções teatrais clássicas, como as que apresentamos no
passado, têm seu lugar, mas não ressoaram com o corpo discente e
contribuíram para diminuir o comparecimento do
público. Melted resolve o problema de licenciamento e revitaliza o
envolvimento do público. Quero dizer, quem não gostaria de ver uma
peça de Frozen às avessas? É um show escrito por nós, para nós.
— Manteremos os custos de produção baixos com fantasias e
cenografia caseiras — acrescenta Henry.
— E pense nas oportunidades de publicidade! Alunos provando
que você não precisa de um grande orçamento para fazer arte que
importa.
O argumento final.
— É bom — diz Henry, sem o tique em seus dedos.
— Somos bons — digo.
Henry e eu somos colaboradores desde o ensino fundamental —
mas Melted marca uma nova era em nossa parceria como nosso
primeiro roteiro completo. As palavras jorraram de nós durante um
longo e cafeinado fim de semana em junho. Eu escrevo o
desenvolvimento dos personagens e o ritmo. Henry está sintonizado
com o enredo e a hilaridade geral.
Somos uma equipe perfeita.
— Não deveria nem importar — diz Henry. — Isso. A peça. No
entanto, a ideia de Melted não ser suficiente me faz sentir que vou
vomitar.
Eu estalo a pulseira de borracha da amizade que Henry fez para mim
na sexta série no meu pulso. Ele é dez meses mais velho do que eu, mas
isso nunca importou até este ano. Porque agora Henry é um formando,
eu sou uma segundanista e estamos em nosso ato final juntos na LHS.
— Nós temos que ter um último agradecimento de palco — insisto.
Nosso primeiro foi Cântico de Natal. No verão após a terceira série,
Henry e eu fomos colocados juntos no acampamento de verão de teatro
da escola primária. Eu precisava de uma válvula de escape para minha
energia. Henry precisava sair de sua concha. No primeiro dia, ele
levantou a mão e disse à Sra. Tamorelli como era estranho fazer Cântico
de Natal em julho. Eu concordei, era estranho, e levantei a mão para
dizer isso, acrescentando que também é estranho presumir que todo
mundo festeja o Natal.
Somos melhores amigos e colaboradores desde então.
— Chao e Jacobson realmente soa bem — declara Henry.
— Não tanto quanto Jacobson e Chao.
— Não seria essa a maior reviravolta na história?
Henry e eu começamos a rir porque ele está certo. Seria mesmo. Mas
Henry está indo se tornar um Cara de Negócios na Babson no próximo
ano. Claro, ele vai escrever uma peça inteira de um ato só para me fazer
rir, apresentar monólogos de Shakespeare no parque para os passantes,
mas é tudo o que ele consegue encaixar entre os treinos de corrida, a
equipe de debate e seus turnos no restaurante de sua família, Chao
Down. A arte o faz feliz.
Henry me ensinou que a arte não precisa ser desgastante, como
meus pais fazem parecer.
Pode ser de baixos riscos. Pode ser divertido.
— Merda. — Henry olha para o telefone. Estamos oficialmente
atrasados. — Onde está Fitzgerald? A orientação começa em vinte
minutos.
Os tênis brancos de Henry rangem no chão quando ele se
levanta. Ele levanta as mangas da sua blusa meio-zíper azul-marinha,
reajusta os óculos pela segunda vez e estende a mão para eu pegar.
— Natalie! Henry!
Eu ouço a voz dela primeiro, seguida pelos cliques dos tamancos
contra o vinil.
Ava “Fitz” Fitzgerald, a pessoa que completa nosso trio, aparece
diante de nós, parecendo esfarrapada, mas fabulosa em uma blusa
branca com mangas longas e esvoaçantes combinada com uma saia
jeans de botões com cinto na cintura e botinhas pretas até o
tornozelo. Seu cabelo loiro avermelhado está preso em um rabo de
cavalo alto com um elástico, brincos de arco-íris pendurados em suas
orelhas. É um visual total que ela apresentaria no If the Shoe Fitz, seu
canal do YouTube focado na moda - sem as pequenas gotas de suor que
caem sobre suas sobrancelhas perfeitamente arqueadas.
— Estou aqui!
— Finalmente — Henry diz.
— Eu sinto muito! Os arquivos de Luna foram corrompidos na
postagem e três horas de filmagem desapareceram.
— Merda— eu digo. — Elu está bem?
Fitz balança a cabeça.
— Ficamos acordades até às três da manhã tentando recuperá-los.
Luna Blue é ume BookTuber adolescente que mora em
Anaheim. Fitz conheceu Luna pela primeira vez em uma convenção do
YouTube no ano passado. Fitz me ligou daquela convenção e se
assumiu bi com a proclamação alegre estou meio que apaixonada por
Luna Blue! Elus namoraram por metade do primeiro ano, até que a
longa distância se tornou Demais e decidiram que por enquanto são
melhores como amigues.
— Desculpa. De qualquer forma. Vocês estão prontos?
Seus lábios rosa chiclete se abrem em um sorriso impossível de não
retribuir.
— Muito prontos! — Bato na porta da Sra. Mulaney.
— Entre!
Abro a porta e entramos no escritório, sentando-nos nas cadeiras de
madeira em frente à mesa da sra. Mulaney. Sua estética — calça roxa e
uma blusa com estampa floral -– é chique-escritório, de acordo com
Fitz. Ela enfia uma mecha rebelde de seu cabelo loiro na altura do
queixo atrás da orelha e coloca um sorriso acolhedor em seus lábios de
cereja.
— O que posso ajudá-los nesta manhã?
Henry inicia nosso script.
— Muito obrigado por nos encontrar.
Entregamos nossa proposta com a paixão de uma apresentação de
noite de encerramento. Não tem como a Sra. Mulaney não ser cativada
pela possibilidade do clube de teatro organizar juntos uma produção
épica, original e inclusiva que destaca questões que são importantes
para nós. Quando Fitz fala a frase de conclusão, meu coração incha no
peito. Nós acertamos em cheio.
Exceto que não há aplausos de pé. A expressão da Sra. Mulaney
muda de intriga para intensa consideração para... eu nem sei o quê. Seus
lábios de cereja se curvam para baixo e meu estômago embrulha,
porque eu nunca vi uma expressão mudar tão rapidamente.
— Pensei que vocês soubessem. — Sua testa se enruga. Não é a
reação que eu esperava. — Não sei como dizer isso, mas não podemos
nos dar ao luxo de substituir a posição da Srta. Bryant, não com os
cortes no orçamento. A participação – entre o número de alunos
participantes e o tamanho médio do público – simplesmente não é
suficiente para justificar o custo. Sinto muito, mas não haverá um
clube de teatro. Não esse ano.
Eu pisco, incapaz de processar a declaração que tornou o trabalho
de um verão inteiro inútil.
— É isso? — Henry pergunta.
— Não podemos recrutar outro professor para assumir? — Fitz
pergunta.
Suas palavras reverberam e eu recalibro.
— Sim, vamos encontrar um novo conselheiro!
A Sra. Mulaney balança a cabeça.
— Eu gostaria que fosse tão simples, mas há outras
considerações. Além da posição da Srta. Bryant ser eliminada, o
conselho escolar também cortou estipêndios de conselheiros para
programas de arte no contraturno. E Barefoot não foi exatamente um
encerramento com chave de ouro.
— Sério? — exclamo.
— Estou apenas declarando uma triste realidade, Natalie. — A Sra.
Mulaney me lança um olhar afiado que rivaliza com os da minha mãe
toda vez que alguém questiona a validade de romances. O que deveria
ser estranho, mas estou acostumada. Antes de subir na hierarquia e se
tornar a diretora mais jovem do distrito há cinco anos, a Sra. Mulaney
era apenas Caroline, uma professora de história do time de boliche de
professores da LHS com meu pai. Como resultado, ela é mais uma tia
peculiar do que uma figura de autoridade.
— Mas você aceitou uma reunião conosco — diz Fitz.
— Estou fazendo reuniões com todos os grupos extracurriculares
que foram cortados — diz a Sra. Mulaney. — Ouvir o quanto esses
programas significam para os alunos e construir um caso para o comitê
escolar reconsiderar o orçamento do próximo ano é o mínimo que
posso fazer. Quanto a este ano, não tenho mais nada o que fazer.
— Isso não pode ser verdade. A banda…
Oh meu Deus.
Isso me atinge de uma só vez. Mesmo que seus materiais e
orçamento musical tenham sido cortados, nas duas semanas desde que
as aulas começaram, meu pai conseguiu garantir ônibus para as
audições do festival, um honorário para cobrir a visita de um membro
da Filarmônica de Nova York e um novo conjunto de percussão para
sua sala de aula.
Um orçamento para artes existe!
Só que tudo pertence à banda.
Eu me levanto e jogo minha mochila por cima do ombro.
— Isso foi uma grande perda de tempo.
— Posso ser honesta com você? — Sra. Mulaney levanta para se
equiparar à minha altura, as palmas das mãos pressionadas contra a
mesa. — A Lincoln High School tem a banda de concertos melhor
classificada na área MetroWest. Os festivais, o dinheiro de subsídios
que eles trazem, a divulgação positiva que vem com eles – para o comitê
escolar, isso importa. Além disso, as inscrições na banda e a
permanência aumentaram ano após ano, enquanto a participação em
outros programas extracurriculares de artes diminuiu em todas as
áreas. Eu não estou feliz com os cortes, posso prometer, mas estou feliz
que seu pai e seus alunos estão sobrevivendo a essa bagunça. Eles
mereceram.
Eu rio.
— E nós não. Porque tudo o que importa é o resultado final.
Meus olhos ardem com sal e estou puta, muito puta. Puta com a Sra.
Mulaney por admitir que o único aspecto desta escola que me traz
alegria não importa. Puta com meu pai, que me enviou para uma
reunião formal sem absolutamente nenhum aviso. Puta com o comitê
escolar por confirmar o que sempre soube ser verdade.
A arte não é um caminho sustentável.
Nem mesmo como um hobby do colégio.
CAPÍTULO TRÊS

Sediar uma reunião de boas-vindas à volta às aulas duas semanas após


o retorno parece uma reação atrasada.
A Sra. Mulaney destruiu nossas esperanças e sonhos sobre
Melted poucas horas atrás, e agora estou sentada no ginásio meio
ouvindo as suas besteiras de espírito escolar. Estou à esquerda do palco,
espremida entre Henry e Fitz e cercada pelo resto do clube de teatro,
todos processando a morte de nosso hobby.
— Então, devemos apenas nos sentar e ficar quietos durante a
profanação das artes? — Makayla Okoye sussurra atrás de
mim. Makayla, uma segundanista como Fitz e eu, está começando
como centro no time de basquete do time do colégio, ganhou um
prêmio regional por sua arte em carvão e pode fazer um sotaque
britânico arrasador. Ela é uma atleta que faz artes, a personificação de
quem minha irmã e eu seríamos se fôssemos esmagadas em uma só
pessoa. Se fôssemos uma menina nigeriana-americana de 1,80m da
capital e não meninas judias baixas que nunca saíram de Massachusetts.
— Mas, antes, uma palestra fascinante sobre as consequências de
usar Juul! — Arjun Patel diz. Ele está sentado atrás de mim, mas
posso ouvir seus olhos revirando. Arjun é nosso gerente de palco
sênior, cujas principais tarefas são ser vice-presidente do conselho
estudantil e capitão do time de tênis.
Minhas palmas pressionam as arquibancadas de plástico roxas
enquanto me inclino para frente para ver através de Ivan McGilvray,
cuja altura de 1,95m é um problema sério no momento. Enquanto a
Sra. Mulaney muda o tópico de Juul para os cortes no orçamento, eu
examino as arquibancadas -- procurando por meu pai.
Seus olhos encontram os meus do outro lado do ginásio.
Traidor, eu murmuro.
Não importa que meu pai esteja muito longe para entender. É
catártico, a palavra saindo de meus lábios de uma distância segura.
Meu celular vibra na minha mão.

Reid Callahan
como foi boiled?
8h45
Eu faço outra careta, desta vez para a parte de trás da cabeça de
Reid. Ele está sentado com um grupo de membros da banda algumas
fileiras à minha frente. Ele bate os ombros com os de Lacey Henderson,
primeira flautista, e ri quando ela sussurra algo em seu ouvido. Seus
dedos batem contra sua coxa distraidamente em cinco-quatro, ao ritmo
de qualquer música que ele e meu pai tocaram esta manhã,
provavelmente.
Fitz lê a mensagem por cima do meu ombro.
— Posso?
Entrego meu celular a Fitz.

8h46
— Alguém tem alguma dúvida? — Sra. Mulaney pergunta.
Seu sorriso cheio de dentes grita, por favor, não tenham!
Henry mastiga o interior da bochecha. Fitz levanta a mão dela.
Os lábios da Sra. Mulaney pressionam em uma linha fina, sua
expressão neutra.
— Sim, Fitz?
— Podemos falar sobre os cortes ‘generalizados’ no orçamento das
artes? — Fitz se levanta na arquibancada, sua voz um decibel muito
alta. — Você não mencionou o programa de música.
O silêncio ricocheteia nas paredes do ginásio. Isso é uma coisa que
acontece quando Fitz fala. Quero dizer, os alunos nunca falam nas
assembleias da Sra. Mulaney. Mas Fitz, de pé na arquibancada com os
braços cruzados e os lábios cor de chiclete franzidos, exige atenção.
Os olhos da sra. Mulaney encontram os de Fitz.
— Temos sorte de ainda ter um currículo musical básico e um
programa de banda, mas, infelizmente, haverá cortes lá também.
Danica Martinez, uma veterana que está no centro tanto do teatro
musical quanto dos clubes a capella, levanta a mão. Isso aí! Este é o
poder da Fitz.
— O que isso significa para os Trebles?
— Isso significa…
— Sem Trebles, Danica — Fitz interrompe.
Danica franze a testa.
— Isso é verdade?
Sra. Mulaney assente.
— Eu sinto muito.
Os alunos do coral explodem em sussurros de pânico – e Fitz ainda
nem terminou.
— Sem Trebles. Sem aulas de teatro ou cinema, ou aulas de arte
avançada, ou revista literária, ou noticiário...
— Chega, Ava. — Desafiar a Sra. Mulaney a portas fechadas é uma
coisa. Chamar a atenção dela na frente de todo o corpo discente? É um
nível acima. — Há um boletim informativo em seus e-mails estudantis
explicando os cortes e como se envolver em outras iniciativas do LHS–
— Isso não explica por que a banda se livrou — diz Fitz.
Reid se vira para nos encarar.
— Porque somos bons?
Eu pisco.
— Com licença?
Reid encolhe os ombros.
— Ensaiamos por horas todas as semanas. Nós merecemos isso.
Eu... não consigo com essa agora.
Antes que eu possa pensar demais, fico ao lado de Fitz.
— Não. Os retratos da Makayla ganham prêmios
regionais. Durante o verão, Danica passou uma semana em Nova York
representando a LHS em oficinas de teatro musical. Fitz ficou em
segundo lugar no festival de teatro estadual por seu monólogo
de Barefoot in the Park. Não me diga que se trata de performances de
qualidade.
Minha voz é medida, embora eu me sinta quente, como se um
holofote estivesse brilhando em mim, no centro do palco.
Reid levanta uma sobrancelha.
— Nós não ficamos em segundo lugar, Natalie. Nós ganhamos.
— Arte não é sobre vencer! — retruco, minha voz agora uma oitava
alta demais.
Sra. Mulaney pigarreia.
— Ava. Natalie. Sentem-se.
Fitz se senta. Alisa sua saia.
— Estou bem, Caroline.
O silêncio se transforma em ooohs coletivos. Agora é uma cena.
— OK. Todos, por favor, dirijam-se às suas aulas do primeiro
período. Fitz... — O pescoço da Sra. Mulaney estala para nos
encarar. — Meu escritório.
Os olhos de Henry se estreitam.
— Bem feito, Fitzgerald.
Fitz se levanta, jogando sua mochila JanSport xadrez por cima do
ombro e dá de ombros.
— O que ela vai fazer? Suspender-me das atividades do
contraturno?
— Você é minha heroína — digo.
Fitz me sopra um beijo.
— Você também foi incrível.
— Natalie! — Henry suspira, exasperado. — Não apoie isso!
Eu coloco minhas mãos em volta dos meus lábios e
murmuro HEROÍNA para Fitz enquanto ela desce os degraus da
arquibancada e segue Mulaney para fora das portas duplas, o dedo do
meio virado atrás de suas costas.
— Isso foi bem — resmunga Henry.
Sua voz goteja sarcasmo, totalmente alheia ao mini movimento
acontecendo diante de nós. Porque os alunos que não são da
banda aplaudem Fitz enquanto ela sai do ginásio atrás dos calcanhares
da Mulaney. Na minha cabeça, é uma ária, crescendo de pianíssimo a
forte. Na realidade, são algumas dezenas de adolescentes. Mas
eu vejo. Uma divisão clara entre a banda e os outros clubes de artes se
formando. Agora que sabem que há injustiça nesses cortes de
orçamento, eles não estão tão dispostos a deixar pra lá.
É uma oportunidade. Eu sinto nos meus ossos.
Isso ainda não acabou.

O Estudo Independente agora preenche o horário vazio entre


Psicologia e Química.
Não é um plot twist, mas mesmo depois de duas semanas ainda
dói. O horário substitui Improvisação 101 no meu calendário agressivo
do segundo ano. Minha lufada de ar fresco de baixo estresse entre aulas
de ciências virou um espaço vazio. Um ponto e vírgula, como diria a
mamãe.
— Isso está reto? — papai pergunta.
Meu estudo coincide com o período de preparação do papai, então
estou passando-o na sala de música com ele, sentada na primeira cadeira
de flauta. Veja, isso não é uma escolha – papai usou seu poder de
professor para fazer com que a Sra. Rodkey, a secretária da escola, me
chamasse para sua sala de aula pelo alto-falante. O auge de
constrangedor. Foi quando tive certeza de que ele não estava feliz com
a orientação.
Eu não me importo. Eu também estou chateada.
Enfio minha pasta roxa na mochila e olho para cima. Papai está em
uma cadeira de metal preto com os braços estendidos para pendurar
um pôster acima da mesa. O desenho é de uma clave de sol animada –
com sapatos – que diz I KNEW YOU WERE TREBLE1 WHEN YOU WALKED IN.
Eu não consigo acreditar que seus alunos o acham legal.
— Incline um pouco para a esquerda — digo.

1
“Treble”, de “treble clef”, clave de sol em inglês.
Papai faz o ajuste e pressiona as palmas das mãos contra o pôster,
colando-o na parede.
Eu pressiono meus lábios em uma linha firme. Eu esperava que
traidor saísse da minha boca no momento em que entrei em sua sala de
aula tão facilmente quanto foi na orientação. Não tenho certeza do
porquê. Se a escolha for enrolar em um silêncio constrangedor ou se
envolver em uma conversa honesta, papai e eu vamos enrolar o dia
todo. Então, eu fico enrolando na sala da banda. Com espaço
suficiente para uma orquestra de alunos completa, piso multinível
incluído – é praticamente uma sala de aula dos sonhos. As cadeiras são
espaçadas igualmente nos três níveis; estantes de música estão
penduradas em prateleiras na parede posterior, decorada com uma
grande variedade de pôsteres de teoria musical.
Papai desce, senta-se em sua cadeira de rodinhas e mexe o mouse
para ligar seu monitor. A tela está voltada para mim, aberta na lista de
alunos de Composição, Iniciante.
— Então, foi um show e tanto — diz ele, dando o primeiro passo.
— Eu diria que o Tony vai para você esta semana, pai.
Seus olhos encontram os meus, sua expressão suavizando.
— Porque eu acreditei em Melted?
Eu cruzo meus braços, resistindo ao desejo de relaxar.
— Um toque de realidade teria sido útil. Pelo menos um aviso de
que eles não vão substituir a Srta. Bryant.
— Eu não queria cortar seu barato com base em especulações. Você
e Henry estavam se divertindo muito neste verão. Eu amei que vocês
estavam escrevendo juntos. Eu acreditei que você tinha uma chance
real. — Papai solta um suspiro pesado e coça a barba— Lamento que
você tenha se sentido pega de surpresa.
Belisco meu esmalte de unha azul lascado, frustrada.
— Lamenta o suficiente para fazer algo?
O silêncio de papai neste momento é fortíssimo.
— Imaginei.
— Natalie, é meu trabalho tornar a banda o mais valiosa possível
para esta escola. Para me tornar o mais valioso possível.
— Mesmo que seja às custas de todos os outros estudantes de artes
e de seus clubes?
Papai franze a testa.
— Não é minha culpa. Eu entendo que você esteja chateada. Mas
você não pode simplesmente sair dos trilhos com uma campanha anti-
banda. Você entende quantos problemas nossa família terá se o
programa de música for cortado?
Sério? Papai fala como se eu não soubesse que esse é o seu trabalho
e que o dinheiro está apertado. Como se eu não tivesse vivido com a
complicada tensão da banda ser um mal necessário na minha vida por
anos.
Estou ciente disso. Eu lido com isso. Não significa que tenho que
gostar disso.
Além disso, tudo o que fiz na assembleia foi expor os fatos. Isso
dificilmente está saindo dos trilhos.
— Reid que começou–
Papai me interrompe.
— Suíça.
Eu exalo um suspiro de frustração. Tudo que eu quero é que papai
não seja o Sr. Jacobson por, não sei, dois segundos. Que me diga que,
embora seja o departamento dele, Reid também não estava certo na
orientação. Mas papai é a Suíça. “Neutro” em todas as coisas Natalie
vs. Reid. O que ele não entende é que sua neutralidade está, na verdade,
escolhendo um lado. Não sei nem porque tento.
Eu levanto e jogo minha mochila sobre meu ombro, cansada desta
cena familiar.
— Tanto f...
A porta da sala da banda se abre, interrompendo-me no meio da
saída.
— Desculpe. — Reid dá um passo para trás. — Voltarei mais tarde
se estiver...
— Ele é todo seu — digo. — Estou fora.
Eu empurro Reid, cruzando os assentos em níveis da sala da banda
e abrindo a porta antes que alguém possa ver meu rosto. Exceto que
não sou rápida o suficiente, porque ouço Reid chamando meu nome
não uma, não duas, mas três vezes enquanto me segue pelo corredor.
— Natalie — ele repete. — Eu sinto mu–
Eu me viro para encará-lo.
— Não faça isso. Você não sente. Portanto, não faça isso.
Os dedos de Reid batem contra sua coxa em meias notas, legato. A
batida que Reid toca nos minutos antes de uma prova de matemática,
ou depois da última aula com meu pai antes de uma competição.
Ele exala.
— Ferraram com você. É uma merda.
— Diz ele antes de voltar para a sala da banda — digo.
Reid encolhe os ombros.
— Vou falar com seu pai depois de química.
Antes de responder, o sinal toca e os alunos inundam o corredor. Eu
faço questão de não pensar ativamente em quanta sobreposição há em
nossas agendas, mas temos aula de química juntos. Eu não posso
exatamente me mandar daqui. Assim, caminhamos juntos, nossos
passos sincronizados. A boca de Reid se contrai, como se os cantos
estivessem tentando subir. É estranho. Andar ao lado de Reid Callahan
é estranho.
Claro que a ala de ciências fica do outro lado do prédio, o mais longe
possível da sala da banda. Nós seguimos murais que retratam os
estágios da mitose no final do corredor estreito até a sala de aula da Sra.
Santiago. É a última à esquerda, adjacente a uma saída de
emergência. As aulas de Reid coincidindo com as minhas são quase
emergenciais o suficiente para passar por aquelas portas duplas e sair
correndo. Especialmente quando ele abre a boca novamente.
— Poderíamos ter outra clarinete, você sabe.
Suas palavras me param no meio de um passo. É uma declaração tão
ridícula que me pergunto se estou tendo um sonho febril.
Minha risada ecoa pelo corredor.
— Você está brincando.
— É muito fácil, simplesmente ser o melhor — diz Reid. — Você
não sente falta de competição?
Eu balancei minha cabeça.
— Não. Eu realmente não sinto.
Eu só – é por isso que Reid e eu nunca teremos uma conversa
normal. Sua configuração padrão é arquitetar uma competição
comigo, mesmo quando não há mais nada para competir.
— Então, você só vai, o quê...? — Ele balança a cabeça. —
Estatística, química, psicologia, biologia... sua agenda é uma merda,
Natalie.
— Por que você se importa? — pergunto.
Reid enfia as mãos nos bolsos.
— Não me importo. Mas agora que Melted está acabado...
Não. Eu não posso com isso. Eu alongo meu passo até estar na
frente da sala da Sra. Santiago e abro a porta. Sento-me no assento vazio
ao lado de Fitz na mesa central no fundo.
— Você está bem? — Fitz sussurra, seus olhos cintilando na direção
do assento de Reid.
— Eu não fui mandada para a direção. Você está bem?
Fitz revira os olhos.
— Caroline dá um show difícil. Mas no final do sermão ela estava se
desculpando comigo por não ter lidado melhor com esta manhã!
Eu rio, aliviada porque pelo menos as consequências de nosso show
na orientação foram leves. Assim que o sinal toca, Santiago recita seu
discurso usual sobre segurança de laboratório e manuseio de produtos
químicos. Nossa primeira aula prática do semestre é testar como o
alumínio e o zinco reagem com o ácido clorídrico. É o único produto
químico que a escola permite que o laboratório armazene que é
realmente perigoso, então Santiago reitera todas as regras possíveis. É a
mesma aula que tivemos em Química com Honras no ano passado, mas
Reid está fazendo anotações meticulosas como se sua vida dependesse
disso.
É muito fácil, simplesmente ser o melhor.
Exceto que Reid não era o melhor. Não quando eu jogava.
Agora que Melted está acabado...
As palavras de Reid ecoam na minha cabeça e eu não quero mais
nada além de limpar o sorriso confiante de seu rosto. E aí me caiu a
ficha – existe uma competição para começar. Só que não é sobre o
clarinete.
Passo o resto da aula escrevendo em meu caderno, rascunhando e
reescrevendo a resposta perfeita ao convite de Reid para tocar o
instrumento que transformou uma rivalidade infantil em uma guerra
total. Minha caneta desliza pelo papel do caderno, ataques pessoais
compostos em uma escrita perfeita. Cada versão é uma formulação
ligeiramente diferente da mesma simples verdade.
Prefiro despejar ácido clorídrico em mim do que tocar clarinete com
Reid novamente.
E Melted está longe de estar acabado.
Parabéns para você em Jazz de Clarinete

Em um universo alternativo, eu me movo pelo mundo em notas


semínimas e compassos quatro por quatro.
Papai e eu passamos horas no estúdio juntos, apenas nós dois e nossa
música. Ele corrige minha técnica de respiração e me ensina Rhapsody
in Blue antes de abandonar os clássicos pelo jazz improvisado. Os finais
de semana são gastos preparando para audições ou participando de
festivais. Música é meu sangue, como papai.
Às vezes esqueço que antes do clarinete ser de Reid, ele era meu.
A memória da terceira série é uma série de imagens. Bolo. Mamãe
irradiando emoção em um vestido roxo de comprimento médio,
recém-saída da venda de uma nova série de livros. O placar final após
um jogo intenso de Mario Kart com Reid, na época em que nosso
relacionamento era uma série divertida de competições infantis sem
sentido. Papai estendendo seu clarinete para mim com um sorriso
encorajador. Minhas costas se endireitando como uma marionete
puxada por suas cordas, pronta para o momento que estávamos
praticando por semanas.
Nós tocando “Parabéns para você” para Delia no clarinete de jazz.
Papai soprou pelo bocal enquanto eu me sentava em seu colo. Meus
dedos se moviam para cima e para baixo nas teclas, apenas grandes o
suficiente para cobrir os buracos, mas criando música. A respiração do
papai era staccato, dando-me tempo suficiente para alternar entre as
notas. Naquele momento, a música parecia algo que era meu e do
papai. Só nossa.
Então a música terminou. Reid bateu no joelho de papai e
disse: Você toca uma flauta gigante!, tirou seu trágico instrumento de
plástico verde e tocou a música de aniversário sozinho. Reid era bom –
tão bom quanto qualquer um tocando um pedaço de plástico poderia
ser.
O clarinete foi meu por um feliz aniversário de jazz antes de Reid
torná-lo nosso.
De repente, Reid estava se juntando a nós no estúdio todos os
sábados de manhã para aulas que deveriam ser particulares. Ele ouvia
jazz e praticava no meu porão por horas. Quando tínhamos 12 anos,
Reid já tinha se integrado a cada minuto de nossa intensa programação,
acompanhando-nos aos recitais e pedindo ao meu pai peças de jazz
complexas para prática extra.
Eu odiei isso.
As aulas de clarinete eram o único espaço que meu pai e eu
dividíamos, só nós dois. Meu caminho para dentro do seu estúdio e seu
mundo musical. Ele passava tanto tempo lá – dando aulas particulares,
preparando materiais de aula, ensaiando com o Lincoln Street Blues. Se
ele não estava tocando música, ele estava falando sobre música, e eu
aprendi desde muito jovem que se eu quisesse passar tempo com meu
pai, a maneira mais fácil era amar o clarinete tanto quanto ele. Então eu
tentei.
Pelo menos pelo primeiro ano, Reid estava me alcançando.
Mas então Reid cruzou a linha, atingindo suas notas altas primeiro,
e tudo piorou.
Sua presença tornou-se tão áspera quanto o F agudo que ele agora
conseguia tocar.
E de repente, era eu que tentava acompanhá-lo. Eu tocava escalas
sozinha no meu quarto, chorando toda vez que meu F agudo ia para o
lixo. Eu trabalhava tão duro, passava tantas horas em algo que era tão
natural para Reid.
Trabalhei até atingir aquele F agudo.
E na sétima série, venci Reid pela primeira cadeira.
Eu não sabia na época que seria meu último ano com nosso
instrumento -– ou que vencer significaria muito mais.
Hoje, meu clarinete está no fundo do meu armário, em uma caixa
que está juntando poeira.
CAPÍTULO QUATRO

Chao Down é um marco em Lincoln. Jenny e Michael Chao abriram


este lugar quando Henry era um bebê – e quase dezoito anos, vinte
locais e uma aparição no Top Chef depois, eles são celebridades
locais. Por vantagem de Henry ser o futuro herdeiro da Chao Down,
eu tenho um trabalho flexível de meio período que significa ser paga
para sair com meus melhores amigos. Fitz e eu de recepcionistas,
enquanto Henry trabalha na cozinha como cozinheiro de linha.
A qualquer minuto, estudantes de artes invadirão o restaurante,
exigindo justiça com uma porção de dumplings. Eu acho.
Eu espero. Entramos em contato com colegas de escola de outros
clubes cortados em solidariedade para aproveitar o momento da
orientação –propondo uma reunião no Chao Down para iniciar uma
conversa sobre nossas opções em relação a: lutar contra os cortes no
orçamento.
Venha pela comida, fique pelo ativismo estudantil! é a frase da
semana de Fitz.
A mensagem vai repercutir? A ser determinado.
Nesse ínterim, estou ignorando meus nervos escrevendo partes de
diálogos atrás da bancada de recepcionistas. A cena de hoje, rabiscada
no verso de um menu de papel, é de Lady M – uma comédia de humor
modernizada estrelada pela Lady Macbeth de dezesseis anos, minha
personagem favorita de Shakespeare. Adoro adaptar minhas obras
favoritas, pegar algo que existe e explorá-lo por um novo meio ou ponto
de vista. Em Lady M, criei um arco épico de inimigos para amantes
entre ela e Macbeth, e é tão divertido me perder em seu mundo e
escapar da intensidade do segundo ano. Para me perder em algo que
posso realmente controlar – algo para apenas meus olhos verem.
Porque adoro escrever com Henry, mas também adoro ter algo que
seja só para mim.
— Ei, Natalie.
A voz de Arjun me tira da minha zona criativa e eu viro meu roteiro
de menu de papel. Arjun está adiantado, mas trouxe
amigos! Plural! Connor DiMarco, presidente do conselho estudantil e
barítono do The Trebles, e Kendra McKenna, ex-jornalista do
programa estudantil recém-cancelado Jag TV.
Estou sorrindo muito, tão aliviada que as pessoas apareceram.
— Ei! Henry está preparando algumas mesas nos fundos.
— Incrível — diz Kendra.
— Obrigado por organizar isso, Natalie — Connor diz quando eles
passam por mim, indo em direção a Henry.
Meu coração se enche de validação conforme aluno após aluno
entra no Chao Down nos minutos finais do meu turno. Quase todos
os clubes cortados estão representados -– clube de teatro, artes visuais,
a cappella, jornalismo, revista literária, etc. Chegamos a quase vinte
participantes quando a porta se abre e Makayla e Fitz entram no
restaurante com frozen yogurt.
— Natalie! — Makayla grita.
— Você veio! — digo, envolvendo meus braços em torno de
Makayla.
— Dã! —Makayla diz. — Mas podemos começar o mais rápido
possível? Eu tenho HIIT às quatro.
É claro. A estética de Makayla pode ser resumida como, eu posso me
abaixar e pagar vinte flexões a qualquer momento. O visual de hoje são
leggings de compressão e seu casaco de basquete do time do colégio
LHS.
— Seu compromisso com o HIIT no sábado é uma aspiração. De
verdade — Fitz diz, pegando uma colherada de M&M’s.
Makayla encolhe os ombros.
— É fácil quando a instrutora se parece com Natalie Dormer.
Fitz pasma.
— Uau. OK. Sábados às quatro, você diz?
— Você ao menos sabe o que HIIT significa? — pergunto,
dobrando meu menu de papel em quatro.
— Vou aprender em nome de Natalie Dormer — proclama Fitz, e
caímos na gargalhada quando um casal de idosos entra no restaurante,
lembrando-me que ainda estou, de fato, no meu turno.
— Kenny deve chegar a qualquer minuto para assumir, mas todos
os outros estão lá atrás. Prometo que não ficaremos entre você e uma
Natalie superior, Makayla.
Makayla ri.
— Vocês são boas pessoas.
Eu atendo duas mesas nos minutos restantes do meu turno, dando
o discurso de boas-vindas. Na calmaria entre o almoço e o jantar,
acomodamos os clientes na frente com as janelas e luz natural
máxima. Nesta hora do dia, no meio da tarde, o sol reflete na peça de
arte em folhas de ouro nas paredes de tijolos de marfim. A estética do
Chao Down é elegante sem ser pretensiosa – mesmo quando a
qualidade da comida é digna de pretensão.
— Ei, Natalie — Kenny Chao – primo de Henry – diz,
aproximando-se da bancada para me substituir. Como sempre, sou
grata que pontualidade seja uma característica da família Chao. Kenny
tem dezenove anos, tem o sorriso mais perfeito e sempre me traz um
bubble tea tailandês da cozinha durante nossa mudança de turno. —
Que comece a troca da guarda.
— Obrigada! Você é meu Chao favorito — digo.
Normalmente, eu ficaria por alguns instantes e flertaria, porque
flerte platônico é meio que minha coisa com Kenny. Mas não
hoje! Pego o chá, coloco meu celular no bolso e corro em direção à ação
nos fundos do restaurante, desamarrando meu avental de
recepcionista. Todos estão amontoados em torno de seis mesas de
quatro lugares juntadas para criar uma grande mesa.
Eu assimilo a imagem, todos comendo e lamentando por seus
clubes.
Bebendo meu chá, sento na cadeira em frente a Henry, que está
enviando uma mensagem de texto.
— Preparado? — pergunto.
Henry clica em enviar e acena com a cabeça.
— Vamos fazer isso.
Antes de chamarmos a atenção de todos, sou interrompida pelo
único grupo ainda não representado.
— Ei! Sinto muito pelo atraso — a voz melódica de Danica
Martinez projeta atrás de mim. Leva um momento para processar
completamente que a formanda mais influente da LHS está aqui. No
Chao Down. Em shorts com uma meia arrastão sob eles, uma camiseta
rasgada de banda, seus longos cabelos castanhos em uma trança de
sereia descendo por suas costas, como se sua última apresentação fosse
a atração principal de uma banda grunge dos anos noventa.
— Ei! — Henry diz. — Estamos prestes a começar.
Os lábios turquesa de Danica abrem um largo sorriso quando
Henry se levanta e dá um abraço nela. Uau. Fitz e eu olhamos uma para
a outra, suas sobrancelhas se erguendo para o céu enquanto
processamos as mensagens. O abraço. O sorriso estúpido no rosto de
Henry. É tudo... um novo desenvolvimento.
— Claro! Meu terapeuta diz que preciso de uma maneira saudável
de canalizar minhas emoções negativas.
— Me identifico — diz Fitz.
O que não é um novo desenvolvimento? O crush da Fitz por
Danica. Isso remonta a pós-separação de Luna Blue, durante os bons e
velhos tempos de Estudos de Performance 101 com a Srta.
Bryant. Danica, uma segundanista na época, convenceu seu parceiro de
cena, Jacob Linetti, a realizar uma versão trocada de gênero da cena
"Stella!" em A Streetcar Named Desire.
Fitz está sofrendo silenciosamente desde então.
Danica puxa uma cadeira ao lado de Henry.
— Né? É tipo, eu posso me atolar no fato de que é meu último ano
e não há musical. Mas estou cansada de ficar com raiva. Eu quero... —
A voz de Danica desaparece, em busca de palavras.
— ... se sentir útil? — Fitz pergunta.
Danica sorri para ela.
— Exatamente.
Fitz fica vermelha.
— Eu entendo. É como me sinto pensando em Melted. O show de
Henry e Natalie. E não interpretar a Não-Elsa nele.
— Ela não é a Elsa — diz Henry. — O nome dela é Adina.
Fitz pisca.
— Exatamente.
— Eu tenho... tantas perguntas — diz Connor. Sua voz me
surpreende, já que eu estava pensando que ele está aqui principalmente
para comer dumplings. — Espera. Melted. Como em... o oposto
de Frozen?
Os olhos de Danica se arregalam.
— Isso é realmente incrível.
— Não é! — Fitz diz. — Genial.
— Como funciona? — Connor pergunta. — É tudo,
tipo, literalmente o oposto?
— É sobre a Não-Elsa, ativista do clima e Rainha de Infernodelle —
esclarece Fitz. — Na véspera de seu vigésimo primeiro aniversário, um
balão de ar quente.
Eu interrompo Fitz.
— Isso não se trata apenas de Melted.
— Mas pode ser? — Connor pergunta. — Porque eu quero saber
tudo.
— Fitz pode mandar a sinopse para você — concedo, porque,
honestamente, estou entusiasmada com o fato de que o nosso garoto-
branco-básico presidente do conselho estudantil está investido
em Melted com base no conceito. — Mas precisamos conversar sobre
os cortes no orçamento. Alguém já tentou propor alternativas
econômicas para seus clubes?
Todos acenam em uníssono.
— Mulaney recusou nosso leilão de arte ontem — disse Cherish
Montgomery, amiga e colaboradora de Makayla em todas as coisas de
cenografia para o clube de drama e teatro musical.
— Podemos nos encontrar para revista literária, mas agora é
um blogspot literário. Não podemos nem ter um domínio real!
— Liliana Ortega, capitã do time de natação e chefe da antiga revista
literária, acrescenta.
Fitz estremece.
— Eu não sabia que o blogspot ainda existia.
Danica cruza os braços e revira os olhos.
— Os Trebles podem cantar o hino nacional em eventos esportivos.
Sem shows, sem competições.
OK. Anotado. Achei que depois da discussão pública na
orientação, pelo menos um clube teria uma vitória por simpatia, mas a
Sra. Mulaney nem está tentando. Isso funciona para mim. Não existe
vínculo melhor do que o de um inimigo comum.
— Olhem ao redor — digo. Normalmente sou uma escritora de
discursos apaixonados, não uma apresentadora deles, mas não estou
prestes a desperdiçar uma audiência cativa. — Olhem quem está
aqui. Mais importante, vejam quem não está. — faço uma pausa,
deixando o peso da última palavra assentar. — A banda está
quietinha. Por quê? Porque eles trazem prestígio e atenção da mídia
local para nossa cidade medíocre. Eu não sou contra a banda. Ou meu
pai. Apenas para que fique registrado. Mas a banda está...
— … bem atrás de nós! Às quatro horas. — Fitz me interrompe com
um aceno exagerado na direção deles. Eu sigo sua linha de visão até uma
mesa alta de quatro lugares perto do bar. São os Primeiras
Cadeiras. Lacey Henderson, primeira flauta. Logan Price, primeiro
trompete.
E, claro, Reid. Primeiro clarinete.
Eu estava a uma frase de revelar todo o meu plano na frente dos
Primeiras Cadeiras.
Fitz é uma heroína.
Meus olhos encontram os de Reid. Metade de seu rosto está
escondida atrás de um menu, como se isso não chamasse a
atenção. Reid nunca vem para o Chao Down. É meu território. Se ele
vai quebrar as regras, é decepcionante que ele nem esteja tentando ser
dissimulado.
— Probabilidade de ser uma coincidência? — Arjun pergunta.
Divulgamos os detalhes da reunião para um grupo seleto por meio
de uma campanha boca a boca rápida e eficaz, mas pessoas falam. Se
Reid e os Primeiras Cadeiras descobrissem, eles certamente
apareceriam para ver o que estamos fazendo. Definitivamente, não é
uma coincidência.
— Provavelmente não tem nada a ver conosco — diz Henry. —
Não vale a pena uma reação de…
Não ouço a última coisa que Henry diz porque já fui, marchando
em direção a Reid e os Primeiras Cadeiras. Exceto que quando me
aproximo da mesa, ouço uma conversa genuinamente animada
estimando o verdadeiro valor de uma ficha de fogo e adivinhando as
chances de um advantageddon. Eu... não sei que língua eles estão
falando.
— Ei, Natalie — diz Lacey casualmente, olhando por cima de seu
computador.
— Oi — eu respondo, cética.
— É uma merda. Seus clubes estarem sendo cortados — Logan diz,
tirando seu cabelo loiro muito longo de seus olhos. Logan Price é o
primeiro garoto que eu amei no estilo mais ensino fundamental
possível. Eu amei sua confiança tranquila na sua habilidade com o
trompete. Adorei escrever o nome dele no meu caderno – a curva da
letra L cursiva e o giro do G. Ele segurou minha mão durante a hora do
meu bat mitzvah e juro que não a lavei pelo resto da noite. — Trevor
tem lidado com isso com excesso de Mario Kart.
Na oitava série, Logan se assumiu recriando a cena da roda gigante
de Com Amor, Simon e tem um relacionamento com Trevor Ryan,
um júnior na equipe de natação e nos Trebles, desde então.
— Sim. É uma merda — repito.
— Por que você está aqui, Natalie? — Reid pergunta, colocando
seu menu na mesa. — Eu sei que não é para falar sobre as classificações
da semana um do Survivor.
Seu tom é direto, afiado. Sempre posso contar com Reid para ir
direto ao ponto.
— Qual é. — Eu aceno para o fundo da sala, para o movimento que
está em andamento. — Você não pode honestamente esperar que eu
acredite que você está aqui. No Chao Down. Para falar sobre
o Survivor.
Reid arqueia uma sobrancelha.
— Sim.
— Fazemos isso todo fim de semana — diz Lacey. — Eu queria
almoçar direito, mas Reid insiste que tem que ser depois do seu turno
por causa de algum... livro de regras? Eu nem quero saber.
Eu pisco.
— Você está aqui todos os sábados?
Logan toca tanto em seu cabelo que nem tenho certeza se ele sabe
que está fazendo isso.
— Chao Down é a nossa zona sem música, onde podemos nos
concentrar no Survivor e não nos desviarmos com coisas da banda.
Eu não fazia ideia de que Reid tinha conseguido arrastar seus amigos
para seu fandom de Survivor.
Ou que ele fala com eles sobre qualquer coisa além de, bem, coisas
da banda.
— Eu sei o que você está fazendo — Reid diz, acenando em direção
às nossas cabines, suas sobrancelhas levantadas gritando eu sei que você
está tramando algo!
Lacey tamborila sua manicure rosa claro na mesa.
— A miséria adora companhia. Faz sentido.
Eu balanço minha cabeça.
— Não estam…
Reid me interrompe.
— … contra a banda.
Claro, ele tem que me dizer que ouviu cada palavra.
Antes de eu responder, ele me lança seu sorriso mais
condescendente.
— Que alívio.
Eu pressiono meus lábios para silenciar meu grito de raiva.
— O que Reid quer dizer... — Logan diz, afastando o cabelo de seus
olhos pela enésima vez — … é para nos avisar se houver algo que
possamos fazer para ajudar.
Isso não é o que Reid quis dizer e Logan é absolutamente legal
demais para funcionar.
— Anotado.
Eu volto para as cabines antes que eu possa dizer mais alguma coisa,
com a missão de baixar o volume sem extinguir a paixão ou parecer
muito incompleto. Eu deslizo para o lado oposto da minha cabine para
que eu possa olhar o restaurante e manter o controle sobre Reid e os
Primeiras Cadeiras.
— É o sábado de Survivor. Supostamente —digo, minha voz baixa.
Henry exala um suspiro dramático.
— Viu. Nem tudo que Reid faz tem um motivo oculto.
Fitz balança a cabeça.
— É mesmo? Parece falso.
Makayla levanta a mão.
— Sem ser essa pessoa...
— Você literalmente sempre é essa pessoa — interpõe Arjun.
— ...mas tenho menos de quarenta e cinco minutos até o HIIT.
— Talvez devêssemos remarcar — Fitz sugere.
Eu balanço minha cabeça.
— Nunca vamos ter tantos de nós na mesma sala novamente. Eles
estão longe o suficiente para que precisamos só abaixar o tom. Não se
exaltem.
— Isso não é um pouco demais? — Arjun pergunta.
— Reid e os Primeiras Cadeiras não podem ouvir isso — digo,
minha voz um pouco abaixo do volume normal da mesa de jantar. —
Vou pular a exposição e ir direto ao ponto. Vocês estariam dispostos a
unir forças com uma proposta que apresentarímos à Sra. Mulaney e ao
comitê escolar como uma frente unida? Uma proposta de algo que
combine elementos de todos os nossos interesses e deixe nossos clubes
viverem de alguma forma? Acho que podemos construir um caso mais
forte juntos. Para que se torne impossível dizer não.
Eu deveria estar medindo a reação do meu público, mas em vez disso
estou cedendo à minha paranóia – olhando além da cabeça de Connor
em direção a Reid. Mas ele está apenas rindo de algo que Logan diz e
eles não parecem estar prestando atenção em nada.
— Vale a pena por apenas uma noite? — Makayla pergunta,
puxando minha atenção de volta para a mesa. — Todos nós temos
muito o que fazer.
Danica encolhe os ombros.
— Parece muito trabalho e nenhuma garantia.
— O orçamento anual está definido. Por que alguém iria – a
Sra.Mulaney ou o comitê escolar – mudar de ideia? O dinheiro teria
que vir de outro lugar — diz Connor.
— É fácil dizer não a alguns alunos com uma proposta. — A voz
suave típica de Henry é tão baixa que todos precisam se inclinar na
direção dele para ouvir. — Mas se nos organizarmos, mantermos o
orçamento baixo, colocarmos nossas propostas juntas e provarmos que
a comunidade vai investir neste evento e nas causas das mudanças
climáticas, como fazem nos eventos da banda, podemos ser ótimas
relações públicas para a escola também.
Há uma batida de silêncio, todos processando.
— Então o dinheiro... sairia do orçamento da banda? — Makayla
pergunta.
— Teoricamente — eu digo.
Danica pressiona os lábios, sua expressão cética.
— Você é realmente cruel o suficiente para ir contra a
banda? Contra seu pai?
É isso. Eu posso sentir isso. Tudo o que dissermos a seguir irá selar
ou afundar.
— Isso não é sobre a banda. É sobre a Sra. Mulaney e o comitê
escolar justificando o que a arte deveria significar para nós. Como se o
objetivo dos programas que eles oferecem fosse aumentar a imagem da
escola – como verba, boas relações públicas ou prêmios sofisticados –
e não nos dar um lugar para nos expressarmos ou tentar coisas
novas. Eles poderiam ter orçado uma parte dos fundos da banda para
salvar nossos clubes. O fato de ninguém sequer ter tentado? É ferrado.
— Não somos anti-banda, somos anti-burocráticos — enfatiza Fitz.
— Desculpe, Connor — diz Arjun.
Connor balança a cabeça.
— Eu sou um glorificado planejador de eventos com um tom suave
de barítono, na verdade.
— Como se isso não fosse burocracia em poucas palavras — diz Fitz.
Henry tosse.
— Estamos perdendo o fio. Estamos de acordo com Natalie?
Eu olho ao redor da mesa, observo as expressões de todos enquanto
eles silenciosamente raciocinam com isso. Eu sei que temos que manter
isso em segredo, mas o silêncio é estressante. Depois de alguns minutos,
fica claro que todos estão esperando a resposta de uma única pessoa.
Finalmente, ela entrega.
— Ok, Jacobson. Vamos unir forças — diz Danica.
Cherish acena com a cabeça em concordância.
— O que temos a perder?
Makayla sorri com tanta força que seu nariz enruga.
— Vamos ver o que podemos fazer — concorda Arjun, batendo os
punhos com Connor e Liliana.
— Os Trebles têm que cantar Let It Go no intervalo — diz Kendra.
— Talvez possamos fazer uma pequena tiragem da revista literária e
vendê-la no show? — Liliana sugere.
— Todo mundo quer fazer Melted? — pergunto, incapaz de
esconder a surpresa em minha voz. Eu tinha um argumento de ideias,
preparada para uma negociação difícil.
— Quero dizer. Sim. Quem não pagaria para ver uma peça
de Frozen ao contrário? — Danica diz.
Todos os outros acenam com a cabeça quando as ideias de
estudantes de artes reprimidos começam a sair – e a partir daí todos os
olhos estão em mim enquanto trocamos números de telefone e
discutimos os próximos passos. Não estou acostumada com essa
atenção, com os holofotes sobre mim. Não que eu odeie.
Na verdade, eu não odeio isso. De jeito nenhum.
CAPÍTULO CINCO

— C rise de nível quatro.


Meus olhos mudam dos flash cards de biologia que estou fazendo
na mesa da cozinha para a minha irmã enquanto ela deixa cair sua bolsa
de futebol no chão e se joga na cadeira vazia ao meu lado, suas
bochechas ainda rosadas de horas de treino. Delia é a pessoa menos
dramática que conheço. Suas crises geralmente são de nível dois, na
pior das hipóteses.
— O que rolou? —pergunto.
— Hannah quer ir ao cinema no próximo fim de semana. Reid vai
nos levar.
Informação relevante: o sobrenome de Hannah é
Callahan. Sim. Como se Reid não estivesse na periferia da minha vida
o suficiente como é, nós dois temos irmãs de doze anos de idade que
são praticamente inseparáveis. Pior, eu sei que Delia pensa em Reid
como um irmão mais velho. Pior, Reid age como um.
Mas essa é a minha crise, não a dela.
Eu torço meu nariz.
— O que você não está dizendo, Dee?
— Hannah convidou as Monicas também.
Claro que se trata das Monicas. Hannah se uniu a Monica Delgado
e Monica Grisham por meio de um relacionamento mútuo de
apreciação de grand jetés e do time de basquete masculino neste verão,
enquanto Delia estava no Jock Camp. Delia voltou do acampamento
para uma Hannah totalmente nova, que tem festas do pijama quase
todo fim de semana com seu novo time de dança, capitaneado pelas
Monicas.
Delia nunca é convidada para suas festas do pijama.
Ela desfaz as tranças francesas e amarra as ondas castanhas em um
coque bagunçado antes de se sentar à mesa.
— Esta é a primeira vez que sou convidada para sair com ela e as
Monicas. Eu deveria estar feliz! Exceto que hoje Monica D. me
perguntou por que um bat mitzvah não poderia ser apenas em
inglês. Estou acostumada com as pessoas dizendo coisas idiotas como
essa – só não estou acostumada com Hannah rindo disso.
Minhas sobrancelhas apontam para o céu.
— Hannah fez o quê?
Delia parece que vai chorar e eu odeio as Monicas. O antissemitismo
em Lincoln é disseminado por meio de microagressões casuais. As
Monicas, está ficando claro, são duas das piores criminosas.
— Hannah diz que está brincando e que eu sou muito
sensível. Obviamente, ela é judia também, então é tipo – eu sou?
— Não. Hannah está apenas… — Eu nem sei. Temporariamente
cega pela popularidade? Internalizando preconceitos? Não sei o que
Hannah Callahan está fazendo, mas preciso protegê-la e tirá-la da fase
de Monicas o mais rápido possível.
— Pensei que estabelecemos que esta casa é uma zona livre de
Monica. — Mamãe entra na cozinha, com fones de ouvido no pescoço,
para verificar a panela gigante de sopa de matzo ball fervendo no
fogão. É uma das duas refeições que Michelle Jacobson é capaz de
cozinhar, e ela sempre a torna especial para a primeira noite de Rosh
Hashanah.
Delia encolhe os ombros.
— Hannah quer que eu as conheça, então vou convidá-las para meu
bat mitzvah. Talvez se elas me conhecerem, as microagressões
parem. Eu não sei. Sinto que estou perdendo minha melhor amiga.
Eu balanço minha cabeça.
— Você não deve nada às Monicas.
— E você não vai convidá-las para o seu bat mitzvah. Estou vetando
isso agora — diz mamãe.
Os ombros de Delia relaxam.
— Obrigada. É tão confuso.
— O que é confuso? — papai pergunta.
Ele entra em cena logo após sua deixa, emergindo de um ensaio do
Lincoln Street Blues no porão.
— Hannah e as Monicas — diz mamãe.
A expressão de papai está em branco.
— As novas melhores amigas da Hannah? — Delia empurra a
cadeira para trás, raspando madeira contra madeira. — A razão pela
qual vimos o novo filme da Capitã Marvel juntos na semana passada,
em vez de eu ir com ela?
— Certo, é claro! — Papai abre um armário e pega um copo. — E
pensar que achei que você queria ir ao cinema comigo.
Eu juro que meu pai mora em outro universo que é composto de
compassos e claves de sol. A recordação de papai é terrível, a menos que
tenha algo a ver com música ou com os alunos de sua banda.
Quero dizer, quem pode esquecer das Monicas? Existem duas delas!
Delia revira os olhos.
— Tenho doze anos.
Papai encolhe os ombros.
— Eu sou um otimista.
Está mais para indiferente, eu acho. Há uma pausa de silêncio,
como se Delia estivesse esperando que papai fizesse uma pergunta para
complementar. É a mesma pausa que dei a ele nos dias seguintes à
rejeição de Melted, esperando que tivéssemos uma conversa
significativa sobre isso.
Já se passaram quase duas semanas.
Delia não deveria prender a respiração.
— Estamos saindo para a sinagoga em uma hora, Dee — papai diz.
Seus ombros caem.
— O uniforme do futebol não é exatamente a alta costura do
templo, não é? Vou me preparar.
Hoje à noite, Delia está participando do culto no Templo Beth
Elohim, entoando baixinho o chatzi kaddish no bima com os outros
alunos do b'nai mitzvah. Ela se retira para seu quarto e mamãe não
reage até ouvirmos a porta se fechar atrás dela.
— Sério, Aaron — mamãe diz —, você poderia pelo menos tentar
prestar atenção.
Papai tira os óculos e aperta a ponte do nariz.
— Lamento que drama da sétima série não esteja entre as minhas
principais preocupações agora. Tem muita coisa acontecendo. O
Festival da Colheita está chegando, eu tenho que fazer nossas inscrições
para o festival da primavera, e o Lincoln Street Blues precisa encontrar
um substituto permanente no teclado já que Charlie rasgou o
manguito rotador. Que é, você sabe, o momento perfeito enquanto
planejamos um bat mitzvah que mal podemos pagar.
— Aaron. — A voz de mamãe é afiada. — Estou finalmente
trabalhando em um novo livro para Anna, uma das minhas aulas está
cheia de idiotas pretensiosos, e estou planejando este bat mitzvah que
mal podemos pagar por conta própria. Todos nós temos muita coisa
acontecendo.
Meus pais estão brigando. Mamãe está escrevendo. Esta cena é
impossível de processar.
— Você está escrevendo? — papai pergunta. — Eu não fazia
ideia. A pressão extra...
— …não é uma desculpa para ser tão desapegada. Shana Tova.
— Mamãe tira seu cardigã de bordo enorme das costas da cadeira da
cozinha e vai para o escritório.
Deixando-me sozinha com o papai.
Eu empurro minha cadeira para trás e me levanto.
— Todos os clubes perderam seus eventos... e você está reclamando
do quão ocupada a banda está.
A expressão de papai suaviza instantaneamente.
— Natalie...
— Shana Tova, pai.
Eu saio de cena em busca de Delia, antes que ele tenha a chance de
me decepcionar. Novamente.
O primeiro dia de Rosh Hashanah cai em um sábado, o que é
desanimador por vários motivos.
1. Não posso faltar à escola em nome da religião.
2. É Shabat, então é proibido tocar o shofar no primeiro dia de
serviços. Ver por quanto tempo Eli Sarna, o filho do rabino, consegue
segurar a nota tekiah gedolah é facilmente a melhor parte do serviço.
3. Embora sejamos quase exclusivamente Judeus de Feriados nesta
família, meus pais impõem uma regra estrita de proibição de tecnologia
nesses feriados. Como se isso compensasse o quão relativamente
desatentos somos o resto do ano.
Portanto, não estou apenas passando meu sábado na casa de Reid,
mas também estou isolada de todo e qualquer progresso das propostas
neste fim de semana. Na semana passada, meus amigos e colegas
colaboradores criaram um grande chat em grupo, esboçaram os
objetivos das propostas e uma declaração de missão e descobriram o
nome de grupo perfeito:
HAVE A HE(ART)2: Salve Nossa Arte!
Fitz e Henry estão ridiculamente orgulhosos disso.
Eu também. Portanto, não estar em dia com os planos de propostas
está me matando lentamente.
Os Callahans vivem a vinte minutos de distância, mas sua casa
parece outro planeta com seus tetos altos e uma cozinha que estou
convencida de que Bobby, do Queer Eye, projetou. Seus aparelhos de
última geração e a estética moderna branca e limpa são o oposto de
nossos armários de madeira datados, fogão com queimador apagado e
geladeira com máquina de gelo emperrada.
Atualmente, estou comendo meus sentimentos em fatias de maçã
na dita cozinha e lamentando a falta de shofar na minha vida nesta
temporada de férias com Delia e Hannah. Lá fora, Reid está oficiando
um jogo intenso de cornhole: mães contra pais.
— Você só está chateada por não ter uma desculpa para olhar para
o Eli — Delia diz.
2
Em português, “Tenha um coração”. É um trocadilho com a palavra "heart'' (coração) e “art” (arte).
— Ei! — Eu bato no braço de Delia, mas isso não é uma não-
verdade. Eli tem cabelo preto cacheado que é um pouco longo demais
e um sorriso com uma covinha que é insano. Ele está super envolvido
com o Chabad na Universidade de Boston, onde é calouro, então as
oportunidades de apreciação são limitadas atualmente.
O que posso dizer? Paixões mais antigas, inatingíveis e não
correspondidas são absolutamente minha praia. Não é como se
houvesse alguém na minha escola com quem flertar.
— Bem, eu, pelo menos, amo os cultos de sábado — Delia diz,
mergulhando uma rodela de maçã na tigela de mel na ilha da cozinha
em que nos reunimos. — É uma oportunidade a menos para os gentios
estragarem.
Eu bufo. Delia não está errada. Em Lincoln, ser judeu significa lidar
com adultos incapazes de olhar para um calendário. Foi assim que Fitz
e eu nos tornamos amigas quando ela se mudou para cá de Dallas na
oitava série – nos unimos porque perdemos uma viagem de turma por
causa do Rosh Hashanah. Lamentar por sentimentos judaicos resulta
em uma amizade instantânea.
— Esta é a primeira vez que estaremos na foto da turma desde
a quarta série — diz Hannah, levantando as mangas de seu suéter rosa
e pegando uma fatia de maçã. Hannah felizmente não está agindo
como uma terceira Monica no momento. Delia me implorou antes de
sairmos para não causar um grande alarde com a situação das Monicas,
e porque eu sou uma irmã A+, eu obedeço.
— E nós só precisamos ter a conversa de ausência justificada com a
secretaria uma vez este ano. Desculpe, Natalie, mas adoro feriados de
sábado — diz Delia.
— É sempre tão estranho — concorda Hannah. — A Srta. Simpson
age como se ela estivesse nos fazendo um favor.
O temporizador do forno apita três vezes, em staccato, e as mães
correm para a cozinha pela porta de correr que conecta ao pátio dos
fundos. É coordenado quase como se eles tivessem um sexto sentido, e
não porque Rebecca – a mãe de Reid – sincronizou o temporizador da
cozinha com seu celular.
— Meninas, vocês podem pôr a mesa? — mamãe diz para nós,
abrindo a longa gaveta de talheres.
— Melhor de cinco? — O pai de Reid, Leonard, grita do lado de
fora. — O vencedor leva tudo depois do jantar?
Rebecca sorri para Leonard e, uau, é o sorriso malicioso do Reid.
Caso você esteja se perguntando de onde ele tira sua
competitividade, aqui está sua resposta.
Enquanto Rebecca corta o peito e mamãe tenta ajudar, Reid entra
na sala de jantar para ajudar a terminar de arrumar a mesa, parecendo
casual em uma camisa de manga longa do Celtics e usando seus óculos
ovais retrô com aros. A camisa é chocante, como Sábados de Survivor e
praticamente qualquer lembrete de que Reid tem uma personalidade
fora da música.
— Shana Tova, Natalie — diz ele, sentando-se à mesa ao meu lado
depois que terminamos.
Movimento ousado, falando comigo.
— Oi — digo desconfiada, enquanto alcanço a cesta de chalá do
outro lado da mesa.
— Obrigado — Reid diz, escolhendo a fatia exata de chalá que eu
estava prestes a pegar. Era a espessura ideal e tinha a proporção perfeita
entre crosta e miolo.
— Sem problemas. — expiro, irritada, e me acomodo com um
pedaço que é muito fino.
— Então... — Reid rasga seu pedaço de chalá ao meio — … é "have
a heart", tipo, com ênfase em art?
Eu engasgo com chalá.
Como se eu não conseguisse processar o que Reid disse porque
estou engasgando no modo de sobrevivência.
Eu começo a tossir, mas juro que minha vida passa diante dos meus
olhos! Delia bate nas minhas costas repetidamente com gosto depois
que eu já estou tossindo -– inspirando pouca confiança na eficácia de
seu treinamento de salva-vidas júnior.
— Como você… ? — Tento perguntar, mas ainda estou tossindo.
Reid reabastece minha água.
— Beba primeiro. Não serei responsável por morte por inalação de
chalá.
Preciso mais de água do que provar um ponto, então ouço e bebo
água até a tosse passar. Merda. Eu deveria estar preparada para
isso. Frequentamos uma escola pequena. As pessoas falam.
— Eu ouvi Makayla e Arjun conversando durante a educação física
— disse Reid.
Eu franzo a testa.
— Desde quando você escolhe a opção de esporte real?
Reid faz um sarcástico ha no rosto, mas de qualquer forma ignora o
comentário.
— Eu estaria me organizando também, se a banda estivesse em
perigo. Entendo. E Boiled...
— Reid.
Não estou com disposição para calúnias sobre Melted.
— Estou me sentindo festivo! Então, eu só quero dizer... é muito
bom. Melted. Espero que você consiga.
O elogio de Reid é tão... sincero, e estou honestamente surpresa. De
repente, está muito quente aqui e eu estou grata que meu cabelo está
solto, meus cachos cobrindo as pontas das minhas orelhas, que estão
certamente rosa. Eu não ruborizo, mas minhas orelhas? Elas têm uma
mente própria.
— Você não pode estar sendo sincero — digo.
Reid passa a mão pelo cabelo, frustrado.
— Eu estou.
Eu encolho os ombros, rasgando minha chalá em pedaços menores.
— Então você apoiaria abrir mão de parte do orçamento da banda
para financiar Melted?
A mandíbula de Reid fica tensa e ele me olha como se fosse a
primeira vez que isso lhe ocorresse.
É fácil falar.
— A banda...
— Ei! — Papai proclama ao entrar na sala de jantar com a salada. —
É Rosh Hashanah. Não falamos sobre trabalho. Não pensamos sobre
trabalho. Esta noite não tem banda!
— Com licença? — Mamãe entra na sala de jantar com Rebecca e se
senta ao lado de papai.
— Isso se chama equilíbrio entre vida pessoal e profissional,
Michelle — diz papai.
Mamãe franze a testa.
— Quem é você e o que fez com meu marido?
Reid e eu nos fixamos em nossos próprios pratos e ativamente nos
ignoramos, agora que o jantar está servido. É um típico caso Jacobson-
Callahan – uma cacofonia de pessoas falando ao mesmo tempo.
— Natalie! — Rebecca diz, chamando minha atenção do outro lado
da mesa. — Como vão as aulas? Você está tendo problemas com a Sra.
Santiago?
Com o canto do meu olho, vejo as sobrancelhas de Reid se
juntando.
— Ela espera muito de você, mas contanto que siga as instruções,
você está bem.
Rebecca sorri como se eu a tivesse impressionado e isso sempre é
bom. Ela é uma pediatra fazendo pesquisas no Hospital Infantil de
Boston e quem eu queria ser quando crescesse... até que caí de uma
bicicleta e aprendi da maneira mais difícil que fico tonta ao ver sangue.
— Talvez você pudesse ensinar Reid a seguir as instruções — diz
Leonard. Seu tom é quase provocador, mas não exatamente.
— Estou bem, obrigado — diz Reid, com as orelhas queimando.
— Não leve para o lado pessoal, Natalie. — Leonard se recosta na
cadeira e coça a barba. — Ciência é minha especialidade, mas Reid
também não aceita minha ajuda.
Leonard é engenheiro elétrico em uma empresa de arquitetura e
basicamente o responsável pela cozinha dos sonhos. É uma cozinha que
os cientistas podem ter, uma recompensa por suas atividades
práticas. Rebecca e Leonard são dominantes em seus campos –
totalmente meta de vida e de casal.
— O segundo ano pode ser um saco — diz mamãe.
Rebecca esfaqueia a salada com o garfo.
— Oh, absolutamente. SATs, pesquisa de universidades, aulas de
avançadas... não sinto falta.
Mamãe balança a cabeça.
— Eu também. Acho que nunca me senti mais perdida.
— Tivemos o luxo de nos encontrarmos ao longo do caminho —
diz Leonard, pegando a cesta de pão que desceu pela mesa. — Mas
nesta economia? Com esses custos de mensalidade?
E aí está, a sensação de pavor existencial que penetra fundo em meus
ossos sempre que esse assunto surge, o que é cada vez mais
frequente. Eu gosto da escola. Eu gosto das minhas aulas. Mas quando
fecho meus olhos e imagino o futuro... não tenho ideia do que me vejo
fazendo. Agora, a ideia de listar um curso de graduação em uma
inscrição para a faculdade é o suficiente para me fazer ter uma urticária.
Indecisa.
Eu odeio essa palavra.
Se vou para a faculdade, se estou assumindo dívidas para toda a vida,
preciso saber o que quero. Possibilidades infinitas,
possibilidades criativas, não são uma opção nesse cenário. Então, estou
me enchendo de aulas avançadas e adicionando diferentes disciplinas
eletivas no meu calendário – Marketing Digital e Codificação neste
semestre, Economia e Anatomia no próximo – esperando que algo dê
certo.
— Eles ainda têm tempo. — A voz de papai é reconfortante quando
ele faz contato visual comigo. Além de nossa tendência a estourar, nós
temos a mesma cara de estou surtando – e a minha está definitivamente
em exibição.
— Exatamente. Tempo de sobra para aumentar essa nota, Reid —
diz Leonard.
Papai rompe o contato visual para correr em defesa de Reid.
— Reid está se equilibrando muito. Só para constar, seu domínio
do material da Teoria Musical Avançada é como se ele já tivesse feito o
curso.
Leonard ri.
— Você sabe que isso não conta no histórico escolar, Aaron.
Reid estremece. Os olhos de Delia e Hannah se arregalam. Rebecca
olha para o chão.
Eu... até acho isso desagradável.
Papai franze a testa.
— Você bebeu demais, então vou deixar isso passar.
— É bom ter opções, Reid — diz Rebecca. — Isso é tudo o que
queremos dizer.
— Certo — diz Reid, mas sua voz é suave. — Eu sei.
— Talvez o equilíbrio entre escola e clarinete seja o que está errado
— diz Leonard.
— Regra sete! — exclamo.
É para ser uma piada, para aliviar o clima. Todos em nossa família
conhecem o livro de regras. Natalie vs. Reid. Regra sete: Não estrague
as férias em família. O discurso artístico vai arruinar Rosh Hashanah –
especialmente quando Leonard e papai não estão exatamente sóbrios e
caem em lados opostos da discussão.
Ninguém ri.
Felizmente, Delia muda a conversa para a compra de um vestido de
bat mitzvah – um assunto importante e envolvente – e funciona. Meus
ombros relaxam, gratos que o assunto se afastou de Reid e de mim e do
difícil Futuro. Às vezes me pergunto se Reid e eu nascemos com os pais
errados. Mamãe e papai pulariam de alegria se eu quisesse prosseguir
com a coisa toda de dramaturga/diretora. Meus pais são o epítome de
um anúncio da Disney sobre o sonho que se torna
realidade! Eles realmente acreditam que eu poderia ser uma
dramaturga da Broadway e que Delia pode chegar à WNBA. Eu fico
tipo, mãe, você tem um metro e sessenta! Papai tem quase um e
oitenta! Delia não vai ser alta no nível de basquete profissional. Eu amo
que meus pais não estão nos forçando a seguir um caminho. Mas às
vezes eu quero que eles sejam sérios, como os pais de Reid. Que sejam
honestos sobre a realidade de seus sonhos criativos. Bloqueio de
escritor. Tocar música em locais meio vazios. Empréstimos estudantis.
Mas seguir o caminho do papai é o que Reid deseja. Ir para o
conservatório e se inscrever em um programa de composição que o
ensinará a fazer a trilha sonora do próximo filme de sucesso. Os riscos
não o assustam. Sacrificar uma nota em química vale a pena, no quadro
geral.
— Santiago oferece crédito extra — digo baixinho —, se está tão
ruim.
Reid balança a cabeça.
— Eu tirei oitenta e um no último teste.
Eu franzo a testa. A Sra. Santiago é difícil. A maior parte da classe
está flutuando na faixa da nota B. Estou segurando meu A- por um
fio. Os pais de Reid o envergonharam por um… oitenta e um?
— Oh — digo.
— Sim. Dificilmente está tão ruim. Melted, por outro lado? Boa
sorte.
Qualquer simpatia se evapora. Eu não dou a Reid a satisfação de
uma resposta. Porque não sei como meu futuro se parece. Mas eu sei
que o plano de HAVE A HE(ART) é provavelmente a melhor chance
que temos de conseguir alguma forma de ter nossos clubes de volta.
Não vamos sentar em uma segunda cadeira para Reid e a
banda. Não mais.
CAPÍTULO SEIS

— Estrelas ou pérolas?
Estou balanceando equações químicas na mesa da Fitz quando ela
se aproxima de mim com duas gargantilhas – uma com delicadas
estrelas de ouro na mão esquerda e outra com pequenas pérolas na
direita.
— Definitivamente estrelas — digo.
Fitz acena com a cabeça, movendo-se pelo quarto até o espelho de
corpo inteiro, onde ela ajusta a posição da gargantilha até que esteja de
acordo com os padrões de câmera. Vestida com jeans rasgados de
cintura alta com uma camiseta de algodão branco dobrada para dentro,
o look de Fitz é quase simples até que ela adiciona a peça de referência:
uma jaqueta bomber de cetim rosa dourado. É um original do If the
Shoe Fitz, reciclado de um vestido de baile que encontramos na
Goodwill durante o verão.
— Perfeito — diz Fitz, acenando com a cabeça no espelho em seu
trabalho.
Enquanto ela amassa os cachos e passa gloss rosa dourado sobre os
lábios, peço para os retratos de Maya Rudolph, Timothée Chalamet,
Stella McCartney e Daveed Diggs que estão pendurados acima da mesa
da Fitz para me enviarem forças para terminar o dever de casa, mesmo
que eu sei que já é uma causa perdida. Eles compõem a colagem cada
vez maior da Fitz de Mais-Ou-Menos Heróis Judeus.
Uma nova celebridade é adicionada cada vez que alguém diz: Ah, eu
não sabia que você era judia.
Porque ser judeu não é ter um determinado nome ou uma
determinada aparência.
Os Mais-Ou-Menos Heróis Judeus enviam vibrações positivas
enquanto eu corro para simplesmente terminar meu dever de casa antes
que Henry, Makayla, Arjun e Danica cheguem em uma hora para
discutir todas as coisas sobre HAVE A HE(ART) – nossa primeira
reunião desde o hiato de Rosh Hashanah. Depois de Chao Down,
criamos um conselho executivo menor. Makayla representa as artes
visuais, Arjun representa os alunos de audiovisuais e tecnológicos e
Danica representa os alunos do coral e do teatro musical. Cada um
deles está coordenando e planejando com seus grupos para garantir que
estamos todos na mesma página.
— Natalie — Fitz diz, seu tom indicando que esta não é a primeira
vez que ela disse meu nome —, você pode fazer a passagem de som?
Ela liga a configuração do mixer à minha esquerda. Eu fecho meu
livro e aceito que nenhum dever de casa será feito.
— O que você faz sem mim?
— Me esforço — Fitz diz, prendendo o microfone de lapela em sua
camiseta. — Eu sou uma mestre de visuais, mas o som é meu inimigo! É
irritantemente mais fácil editar quando você verifica os níveis. Sempre.
Não há uma maneira casual de dizer isso: Fitz é meio que famosa na
internet.
Coloco os fones de ouvido enquanto Fitz arruma a cena. O quarto
dela é de madeira clara e tons pastéis. Ela centraliza a câmera em sua
cama, um edredom branco com dois cobertores, lavanda e hortelã,
jogados no canto esquerdo. Dois manequins estão ao fundo, um meio
vestido com o corpete de um vestido que Fitz está fazendo para o
aniversário de 21 anos de sua irmã Tessa. Do outro lado da cama está
um cabideiro cheio de peças If the Shoe Fitz.
Baixo o volume do mixer.
— Fale.
— O que você acha que está acontecendo entre Henry e Danica?
— Fitz pergunta, sua voz ainda muito alta.
Eu estremeço, abaixando mais o volume.
— Eu não sei. Eles têm muitas aulas juntos.
— OK. Mas Henry tinha literalmente emojis de coração em seus
olhos quando Danica apareceu no Chao Down. Eu nunca o vi assim
antes. — Fitz passa para o enquadramento do vídeo, sentando-se com
as pernas cruzadas na ponta da cama. — Não deveríamos manter a
dinâmica entre os membros do conselho eletrônico do HAVE A HE
(ART) profissionais?
— Certo. Mas e se Danica quisesse te abraçar?
Fitz joga um travesseiro na minha cara.
— Eu sou uma hipócrita.
— Henry nos falaria se eles fossem mais do que amigos. Você está
pensando demais nisso. — Giro a cadeira da escrivaninha para ficar de
frente para a câmera e fixo a imagem descentralizada. Através da
câmera, eu noto que suas bochechas estão com um tom de rosa mais
profundo do que o blush que ela está usando. — Por que você está
pensando demais nisso?
Fitz passa os dedos pelos cabelos e encolhe os ombros.
— Eu não sei. Danica sempre teve uma grande energia queer. Mas
talvez eu esteja exagerando. Eu estou definitivamente presumindo, o
que também não é legal. Posso voltar a sofrer à distância? Sair desse
sonho de realidade alternativa que se tornou realidade no qual minha
crush está vindo para minha casa em nome de salvar as artes. Ugh.
— Como ela está vindo em — eu verifico a hora no meu telefone —
45 minutos, é um pouco tarde para isso. Se ajudar, você está fabulosa.
Fitz exala sua ansiedade e afofa seus cachos.
— Ajuda.
— OK. Concentre-se no seu vídeo. Os bagels de pizza estarão
esperando por você quando terminar.
— Eu já disse que você é minha heroína? — Fitz pergunta.
— Não com frequência suficiente — digo.
Fitz mostra a língua para mim. Certa de que ela tem o
enquadramento e os níveis de áudio certos para um vídeo perfeito, jogo
minha mochila por cima do ombro e saio do quarto da Fitz, descendo
os degraus de madeira que rangem e me levam a uma cozinha vazia.
Eu retiro as assadeiras do forno e pré-aqueço antes de abrir a
geladeira para compilar tudo que preciso para criar os bagels de pizza
perfeitos. Papai sempre me ensinou a importância da mise en place, que
o trabalho extra vale a pena.
Vinte minutos depois, Henry entra em cena com bandejas de
bubble tea.
— Eu deveria ter vindo antes.
Henry observa a cena que agora é a cozinha de Fitz: o pote vazio de
molho de pizza na pia, o queijo mussarela por todo o balcão, os restos
de vegetais deixados na tábua de cortar, as três variedades de bagels de
pizza prontos para ir ao forno. Suas sobrancelhas se franzem em uma
expressão em algum lugar entre diversão e preocupação.
— Atualmente, estou no humor de re-assistir ao episódio “Flu
Season” de Parks and Rec. Eu não sabia que você estava no nível Bagels
de Pizza de Pânico.
Eu encolho os ombros.
— Eu meio que entrei na onda.
— Fitzgerald ainda está gravando?
Abro o forno e coloco as duas primeiras formas de bagels de pizza
dentro.
— Sim.
Henry inala.
— Isso é... pesto?
Eu afirmo.
— Caótico, certo?
Limpo o queijo ruim na pia com uma toalha de papel, Henry raspa
os restos de vegetais no triturador de lixo e nós estabelecemos um ritmo
constante. Estou mil por cento mais à vontade com Henry ao meu lado
e tenho quase certeza de que essa é a definição de ser um melhor amigo
– a disposição de limpar uma bagunça que você não fez.
Depois que terminamos, a cozinha de Fitz cresce em
população. Arjun e Makayla chegam com biscoitos da Padaria da
Manuela. O cabelo na altura dos ombros de Arjun está úmido após o
treino de cross-country. Danica tem ensaio do coral da igreja, mas
chega por volta das oito horas. Estamos discutindo a vibe geral entre os
clubes quando Fitz se junta a nós.
É impressionante como ela consegue chegar incrivelmente
atrasada em sua própria casa.
— Jaqueta legal — diz Danica.
Ela sorri, e tenho certeza de que essas duas palavras acabaram de
fazer sua noite inteira.
— Obrigada! E desculpe! Eu ficava tropeçando nas palavras
dizendo “metas de rose gold” e... — Fitz faz uma pausa no meio e
percebe que estou colocando bagels em uma travessa, seus olhos se
arregalando. — Isso é pesto?
— Certo? — Henry diz. — É pior do que pensávamos.
— Quero dizer… — Arjun começa devagar — Bagels de pizza são
deliciosos. Objetivamente.
— Não quando são produto do estresse, Arjun! — Fitz diz.
Os olhos de Arjun se arregalam e sua boca se fecha. Makayla e
Danica se entreolham e contemplam suas escolhas de vida,
provavelmente.
— Algumas pessoas assam bolos por estresse — explica Henry. —
Natalie faz bagels de pizza por estresse.
— Cupcakes são muito doces — dou de ombros, passando o prato
ao redor da mesa.
Danica levanta uma sobrancelha para Henry.
— Tipo, como você fez um quilo de guacamole na noite passada?
Fitz processa essa nova informação sem perder o ritmo, como a atriz
fenomenal que é.
— Natalie e Henry são almas gêmeas. É preciso ser um chef
estressado para reconhecer outro.
— Eu não ia desperdiçar cinco abacates — diz Henry. —
Cinco! Você sabe como é raro ter cinco abacates perfeitos? Quer dizer,
foi mais do que uma pausa merecida dos deveres de casa. Era
uma obrigação.
Danica ri.
— Talvez você apenas seja ruim em comprar abacates.
Eu levanto minhas sobrancelhas. A paixão de Henry por abacates é
um... novo desenvolvimento.
— Parece que ontem foi produtivo — diz Fitz, enfiando um bagel
de pizza na boca.
Ontem, Henry e Danica não puderam trabalhar no HAVE A
HE(ART) depois da escola por causa de um projeto de espanhol
avançado sobre Cien Años de Soledad.
— Foi! Depois que terminamos, também assistimos Frozen — diz
Danica. — Para inspiração.
OK. Uau. Guacamole e Frozen?
Talvez Fitz não esteja tão errada.
— Legal — diz Fitz.
— Legal — repito, igualmente perplexa. Quando perguntei a Henry
como foi ontem, sua resposta foi quase uma falta de resposta: “Danica
é legal. Estava de boa.”
Eu engulo minhas perguntas e abro meu laptop, pronta para pular
para o HAVE A HE(ART).
Esta noite, há três itens na agenda:
1. Descrever os detalhes específicos do nosso evento HAVE A
HE(ART)
2. Escrever uma petição para apresentar ao comitê escolar exigindo
que o orçamento seja redistribuído entre os clubes de artes
3. Fazer uma estratégia de execução de todas as coisas: como,
quando e onde apresentar isso ao comitê escolar
Mas quando eu entro no Google Drive fico... confusa porque o
primeiro item nos arquivos recentes é o slide de propostas sobre
Melted que Henry e eu criamos para nos preparar para nosso encontro
com a Sra. Mulaney. Não abro desde... bem, desde a rejeição.
Eu clico nele.
O slide de título diz: BOILED: UMA ODE À PEÇA QUE PODERIA TER SIDO.
— Oh meu Deus! Eu fui hackeada. Reid! — Giro a tela do meu
computador para que fique visível para toda a mesa. Eu clico na
apresentação. Ela se foi. Melted se foi – substituída por uma
apresentação de vinte slides que lista todos os motivos pelos quais não
há esperança para Melted porque, é claro, não é Boiled. Vinte! Slides!
— Callahan... invadiu sua conta do Google? — Arjun pergunta.
— Por quê? — Danica pergunta.
— Reid e Natalie reagem um ao outro em pegadinhas — explica
Fitz. — Já faz um tempo, mas é a coisa deles.
— O que foi que você fez? — Henry pergunta.
— Nada! — protesto. Henry e a mania de culpar a vítima estão
cancelados por um tempo futuro. Eu clico na apresentação para editar
e ver se posso desfazer essa farsa, mas o meu acesso de administrador e
o de Henry foi revogado e a apresentação está marcada como "somente
visualização". Abro uma nova aba e merda – o script
de Melted também foi malditamente trocado para Boiled. Estou
bloqueada do meu próprio script!
— Isso é uma mensagem. Ele está preocupado com HAVE A
HE(ART).
— Uau — diz Makayla, percorrendo a apresentação enquanto eu
fico boquiaberta com a tela. — “A capacidade de derreter algo
dificilmente é única. Ferver? É um poder menos explorado. Toneladas
de potencial.” Eu só... — Os pensamentos de Makayla são
interrompidos pelo riso coletivo que toma conta da mesa.
— Boiled é um nome objetivamente terrível — Danica engasga, e eu
descubro que ela bufa quando ri muito alto, o que a torna cerca de dez
por cento menos intimidante.
Eu fecho meu laptop.
— Reid está mantendo Melted de refém.
— Eu faço backup de tudo no meu disco rígido — Henry me
lembra.
— Refém — eu reitero.
Obviamente, tenho que retaliar.
Henry balança a cabeça, como se pudesse ler minha mente.
— As guerras de pegadinhas nunca terminam bem.
Ele não está tecnicamente errado, mas meu cérebro já está pensando
no próximo passo, como posso fazer uma pegadinha de maneira
semelhante – mas inesperada. Reid e eu não temos um livro de regras
inteiro estabelecido apenas para eu sentar em minhas mãos e não dar o
troco.
— Não temos mais doze anos, Hen — digo.
Ele levanta as sobrancelhas.
— É mesmo?
— Estou com Chao — diz Danica. — Há muita coisa em jogo. Uma
chamada de cortina final para os formandos. Uma chance para os
novatos provarem que nossos clubes agregam tanto valor à
comunidade escolar quanto à banda. Se queremos ser levados a sério,
temos que nos levar a sério.
Fitz concorda.
— Reid nos pegou. É irritante, mas... a melhor retaliação não é...
não ter retaliação?
— Vamos manter o foco no HAVE A HE(ART) — Henry
implora.
— Podemos adicionar uma amostra de artes na proposta? Podemos
expor arte nos corredores, disponíveis para venda, como nossa
proposta de leilão — diz Makayla, tentando nos colocar de volta nos
trilhos.
— Para onde iria o dinheiro que arrecadamos? — Arjun
pergunta. — Isso provavelmente vai surgir.
— Nós dividiremos — sugiro, focando novamente em HAVE A
HE(ART). — Venda de ingressos, venda de arte, tudo isso. Entre
nossos programas e o The Sunshine Project – uma instituição de
caridade ambiental criada por nossa geração que está trabalhando para
combater as mudanças climáticas. Precisamos do dinheiro, mas não
estou falando apenas de ativismo performativo.
— Nem eu — Henry concorda. — Não é como se pudéssemos
salvar todos os nossos clubes com apenas um evento de qualquer
maneira.
— Eu amo isso — diz Fitz.
Todos concordam.
— Perfeito — digo, fazendo anotações.
— E a proposta… — Arjun começa. — Nós realmente achamos que
ir por cima da Sra. Mulaney é a melhor jogada? Não deveríamos tentar
apelar para ela primeiro?
Fitz zomba.
— Já fizemos isso.
— Meu pai se apresenta ao comitê escolar o tempo todo — digo. —
Cada reunião dedica um tempo aos comentários públicos. Só temos
que escolher uma reunião para participar e se inscrever.
Makayla levanta as sobrancelhas.
— É tão fácil?
— Falar? Sim — digo. — Na verdade, ser ouvido é a parte
desafiadora.
— Estou dentro. Eu quero interpretar Emma — Danica diz.
— Teremos que fazer uma leitura de química — diz Fitz. — Já que
sou Adina.
Henry engole.
— Podemos cruzar essa ponte só quando chegarmos nela?
Danica cruza os braços sobre a mesa, alheia.
— Eu mostrei para Cassie e Toby e estamos decididos a convencer
a trupe de teatro musical de que vale a pena fazer um teste para Melted,
mesmo sem música. Supondo que isso funcione.
— Vai funcionar. HAVE A HE(ART) é uma história. Uma
mensagem ao comitê escolar de que nossos clubes também merecem
financiamento. Que toda arte beneficia o corpo discente e a imagem da
escola — diz Fitz.
Eu concordo.
— Conseguir boas relações públicas para a escola não é apenas uma
coisa da banda.
Passamos o resto da noite debatendo nossos itens da agenda. Eu
digito anotações meticulosas enquanto fazemos o brainstorming do
evento, e é tão emocionante sentir a proposta se formando e ser capaz
de vê-la – Melted - acontecendo de verdade. Uma plateia lotada de
alunos, pais e funcionários apoiando as artes se unindo. Mas tão focada
quanto estou em HAVE A HE(ART) e em fazer de Melted uma
realidade... ainda não consigo parar de pensar em Boiled.
Principalmente, como não posso não retaliar.
As guerras de pegadinhas com Reid são uma trama recorrente em
nossa história. Ok, então a última explodiu na minha cara de uma
forma verdadeiramente traumática, terminando em um rompimento
de amizade e um rompimento com o clarinete. Eu não posso
negar. Mas eu evoluí. A pegadinha do Reid é tão irritantemente boa
que despertou algo em mim.
Estou fora de prática? Possivelmente.
Mas não o suficiente para que eu não consiga me concentrar no
HAVE A HE(ART) e distrair Reid disso.
Não posso deixá-lo vencer por falta.
Natalie X Reid

No verão antes da quarta série, Natalie X Reid foi transformada em


lei.
Não me lembro de um universo em que competição não definisse
nosso relacionamento.
Quem foi melhor no Mario Kart. (Reid)
Quem aprendeu a ler primeiro. (Eu)
Quem poderia manter um peixe vivo por mais tempo. (Reid)
Quem poderia resolver um cubo mágico mais rápido. (Eu)
Mas no momento em que Reid pegou um clarinete e começou a
frequentar minhas aulas com papai? Ele mudou toda a natureza de
nossa rivalidade. Não parecia mais uma maneira divertida de passar o
tempo em eventos familiares. Reid pegou a música que eu compartilhei
com meu pai, o tempo que passei com ele – e a tornou muito intensa,
levou muito longe.
Rivalidades de infância são engraçadas até que um médico está
consertando seu osso do rádio.
— Isso poderia ter sido sério — papai deu um sermão no carro, após
o hospital.
— O que vocês estavam pensando? — Leonard acrescentou.
Eu dei de ombros e segurei meu braço quebrado. No retrospecto,
não foi a melhor ideia encenar e correr em uma pista de obstáculos em
declive. Mas a corrida teste do Reid fez com que parecesse fácil. E ele
apostou que eu não faria isso. Eu não tive escolha a não ser provar que
ele estava errado. Além disso, eu tinha acabado de aperfeiçoar a escala
cromática. Tudo parecia possível.
— Reid, quando chegarmos em casa quero seu clarinete — disse
Leonard.
— O quê? — Reid chorou.
A adrenalina do acidente ainda estava passando e me ocorreu – meu
clarinete também seria confiscado. Eu não conseguiria tocar com uma
mão só! Eu ficaria presa no meu gesso roxo por pelo menos seis
semanas – e a escola começaria em quatro. Eu não iria me recuperar a
tempo de começar meu primeiro ano de banda.
— Pelo resto do verão — disse Leonard. — É justo, já que Natalie
não pode tocar.
— Não é minha culpa se a Natalie não consegue controlar sua
bicicleta!
Papai balançou a cabeça no espelho retrovisor.
— É uma distorção interessante da história.
— Natalie. — Reid olhou para mim com os olhos arregalados. —
Foi um acidente, eu juro.
— Você não mencionou o buraco — eu disse em meio às lágrimas.
Quanto mais eu pensava sobre a pista de obstáculos, esse tipo de
velocidade assustadora, o quão difícil foi a queda – mais parecia que a
culpa era do Reid. Eu não conseguia afastar o pensamento de que ele
fez isso de propósito. Desde que pegou o clarinete, ele ficou obcecado
em me alcançar. Então ele me tirou da história para sair na frente. Reid
tentou ter um verão inteiro de clarinete para si mesmo.
Reid e eu choramos durante toda a viagem de carro para casa.

Uma semana depois, Reid apareceu com um primeiro rascunho


de Natalie X Reid.
— Seis semanas sem clarinete é uma tortura. Precisamos de regras.
Eu estava lendo sob a árvore de sicômoro no meu quintal, na
verdade, curtindo o tempo sem aulas de clarinete. Ao som da voz de
Reid, ergui os olhos da minha cópia esfarrapada de O Ladrão de
Raios. Reid estava infeliz sem o clarinete. Foi a única explicação para a
lista que ele me ofereceu, escrita em um caderno pautado com
marcador vermelho.
Larguei meu livro e peguei a lista.
— Não podemos contar aos nossos pais.
— Obviamente — Reid respondeu. Dizer que nossos pais não
achavam mais nossa competitividade cativante era um eufemismo
massivo. — Eles vão confiscar.
Eu li a lista de Reid e fiz algumas anotações, é claro. Reid reescreveu
a lista como um livro, cada regra recebendo sua própria página de papel
digitado. Ele fez o trabalho pesado em termos de criação, já que eu não
conseguia escrever com meu gesso, mas eu dirigi.
— Isso dói? — Reid perguntou, acenando para o meu braço
engessado enquanto escrevia “REGRA 10” em sua letra gigante.
Dei de ombros.
— Não mais. É basicamente irritante agora.
— Isso fede. Eu sinto muito.
— Isso é um pedido de desculpas por quebrar o meu braço?
Reid revirou os olhos.
—Você quebrou seu braço.
Eu ainda não estava convencida disso. Mas então Reid largou meu
giz de cera e admiramos sua obra de arte, o resultado de todas as
competições que já se passaram e o código para todos seguirem.
Natalie X Reid: pegadinhas, apostas e tudo mais
1. Nunca, jamais, peça desculpas.
2. Elas estão entre Natalie e Reid APENAS. Não envolva
amigos/pais!
3. Elas não podem terminar em um osso quebrado, mesmo sem
querer.
4. Ok, irmãs são a única exceção à regra #2. As melhores pegadinhas
precisarão de ajuda.
5. Aulas escolares e de clarinete são zonas seguras.
6. No ônibus é um jogo justo. Dã.
7. Não estrague as férias em família.
8. Se vocês vão gritar um com o outro, façam isso em segredo para
que os adultos não ouçam.
9. Se você deixa a outra pessoa triste, você deve fazer um sundae de
sorvete épico para ela.
10. As pegadinhas são engraçadas, não maldosas!
Cláusula da Pegadinha Dupla: em uma guerra ativa de pegadinhas,
o brincalhão tem três (3) dias para dar o troco. Uma vez que o período
de três dias para partidas expire, partidas duplas são um jogo justo!
Cláusula de Trégua: as tréguas são combinadas com um juramento
duplo de dedinho. Nenhuma pegadinha pode ocorrer durante o
período de trégua de sete dias.
Reid rabiscou seu nome em verde pinheiro, seu giz de cera
favorito. Quatro letras. R-E-I-D. Assinei o meu ao lado do dele com
violeta vívida, um rabisco descoordenado graças ao meu gesso.
— O jogo começou — disse Reid.
— O jogo começou — eu repeti.
E tem sido Natalie X Reid desde então.
CAPÍTULO SETE

A veia da testa de Reid faz uma aparição durante o café da manhã.


Entre mordidas na torrada de canela, ele vasculha sua mochila. É
quarta-feira – quase uma semana desde o BOILED: UMA ODE À PEÇA QUE
PODERIA TER SIDO – e Reid está no limite desde então. Segunda à noite,
sua família veio quebrar o jejum para o Yom Kippur e eu juro que ele
ficou de olho no meu paradeiro a noite toda. É sério,
Reid. Descanse. Era o Dia da Expiação! Passei seis horas na sinagoga me
arrependendo de cada linha de pensamento negativa e más decisões que
tomei no ano passado – o que inclui, mas não se limita, a esquecer de
pegar Delia em sua aula de bat mitzvah durante a semana de produção
de Barefoot in the Park, incentivar Fitz a cortar sua própria franja por
causa de um desafio do TikTok, e esperar que Reid fracasse em uma
audição... apenas uma vez!
Eu nunca seria diabólica no Yom Kippur.
Eu amei ver o Reid achando que eu seria, no
entanto? Absolutamente.
— Você está bem? — Eu engulo ovos frios e me concentro em
revisar a petição do HAVE A HE(ART) que Henry e eu passamos a
noite toda preparando. Meus olhos não saem da tela, porque o Yom
Kippur acabou e uma pegadinha está agora, de fato, no meio da
execução. Ontem eu tirei todas as palhetas de clarinete extras da sala de
aula do meu pai depois da escola. Esta manhã, enquanto Reid estava no
banheiro, também tirei todas as palhetas de sua caixa de clarinete.
Reid não toca clarinete sem uma palheta.
É uma piada idiota. Básica.
Mas se eu fizer contato visual com ele, vou rir.
Na minha visão periférica, vejo Reid passar a mão pelo cabelo.
— Você…?
— Bom dia!
A voz alegre de mamãe corta Reid quando ela sai de seu
escritório. Ela passou mais tempo lá nas últimas duas semanas do que
em anos e parece que pode estar escrevendo. Espero. Estou muito
nervosa para perguntar. Nervosa demais para perguntar sobre uma
sessão de brainstorming, nervosa demais para bater em sua porta para
desabafar sobre a banda e contar a ela sobre o HAVE A
HE(ART). Crescendo, uma porta de escritório fechada significava não
incomode. E se uma simples batida estourar qualquer bolha criativa
que finalmente voltou a existir?
— Está tudo bem, Reid? — mamãe pergunta, cruzando a soleira da
cozinha para um refil de café.
— Perdi uma música. — Os olhos de Reid encontram os meus,
desconfiados.
Eu mantenho minha expressão neutra, tentando esconder minha
surpresa.
— Oh! Tenho certeza que você já tem tudo memorizado — mamãe
diz, seu tom leve.
— Eu não — Reid diz. — É uma peça de audição para o programa
pré-conservatório do Albany Institute for the Arts. Coloquei na minha
mochila ontem à noite e... não está aqui.
— Eu não sabia que você estava fazendo um teste para Albany,
Reid. Isso é realmente uma grande coisa — eu digo.
— Eu sei — Reid retruca.
— Tenho certeza que vai aparecer. — Mamãe pega um croissant da
caixa da padaria no balcão e volta para sua caverna de escrita antes que
Reid possa responder. Ela também não aguenta muito mais de Papai e
Reid e a Música deles.
Reid verifica sua mochila pela milionésima vez.
— OK. Seriamente. Trégua?
O desespero em sua voz me tira do prazer de sua ansiedade. Quer
dizer, sou apenas uma brincalhona. Honestamente. O Summer
Institute no Albany Institute é intenso. Você tem que se inscrever para
se inscrever. É, tipo, o nível de Julliard, em termos de programas pré-
universitários.
— Como eu poderia ter roubado sua música se eu não sabia que
você estava se inscrevendo? — pergunto. — Não que não seria
merecido.
— Não achei que sua senha fosse realmente seu aniversário.
— Então isso torna tudo bem?
— Roubo de identidade não é uma piada, Natalie. Você precisa de
uma senha mais segura. Merda — Reid murmura baixinho. — Acabei
de receber o pacote, na semana passada. Estive tão focado na
preparação para as audições distritais e o Festival da Colheita que nem
tinha olhado as partituras ainda.
— Você não pode solicitar uma substituição? — pergunto. Eu me
levanto e coloco meu prato vazio na máquina de lavar louça antes de
voltar para pegar meu caderno.
Reid balança a cabeça.
— Se eu fizer isso, também posso gritar, não estou levando isso a
sério!
— Ninguém leva..
Reid me interrompe.
— Você não entende.
— O que isso significa?
— Vamos, Natalie. Não é isso a sua coisa? Não levar nada a sério?
Eu dou um passo para trás.
— Nem todos nós temos que fazer do nosso único interesse uma
personalidade.
Recusando-me a dar ao meu rosto uma chance de se emocionar, eu
saio da cozinha e subo as escadas de dois em dois até o meu quarto. Reid
não tem ideia do que está falando e eu posso surfar na onda da manhã
tornar impossível para ele tocar clarinete hoje.
Ainda assim, não consigo parar de pensar na frase que ele cortou.
Ninguém leva tão a sério quanto você, e isso ficará óbvio quando
você tocar.
Eu quase o elogiei. Eu. Completamente fora do personagem.
Estou feliz que Reid interveio.

O resto da semana passa com partes quase iguais de preparação para o


HAVE A HE(ART) e com as pegadinhas.
Quinta-feira eu me deleito com o resultado da minha pegadinha
com as palhetas, atrapalhando um ensaio inteiro de Star Wars. Na hora
do almoço, eu ignoro o agressivo olhar de canto do Reid e da banda
enquanto me aproximo das mesas, pedindo assinaturas para nossa
petição do HAVE A HE(ART) para provar que há solidariedade e
entusiasmo pela nossa proposta fora dos clubes de artes. O apoio de
Connor DiMarco é suficiente para os alunos do grêmio estudantil
assinarem; Cherish e Arjun enfatizam os temas de mudança climática
presentes em Melted para os clubes ambientais e de ciências, e é fácil
fazê-los assinar. Makayla mira nos atletas, com sucesso surpreendente.
— Mack nos informou sobre a situação — diz Ivan, acenando com
a cabeça para Makayla. — Essa merda é confusa. É como se Mulaney
cortasse o basquete na próxima semana e dissesse que todo atleta tem
que jogar beisebol.
Ele incentiva todo o time de basquete a assinar, e isso nos leva a mais
de trezentas assinaturas! Quando Makayla e eu voltamos para nossa
mesa, somos interceptadas por Reid.
— O que você está fazendo?
Meus olhos se erguem, encontrando a expressão irritada de Reid.
— Ei! Você gostaria de assinar nossa petição? — digo em uma voz
curta e profissional. — Gostaríamos que o comitê escolar
reconsiderasse a alocação unilateral do orçamento das artes, pois é
injusto com a programação igualmente enriquecedora que o LHS está
perdendo.
Eu estendo a petição para Reid, meu sorriso doce. Ele levanta as
sobrancelhas ao ver o número de assinaturas.
—Você está tentando fazer com que seu pai seja demitido?
Recuso-me a dar a Reid a satisfação de me provocar.
— Não.
— Tanto faz, Natalie. Faça sua petição. Esconda palhetas. Organize
um protesto inteiro, se quiser. Não importa. O comitê escolar já
escolheu a banda.
— Então, por que não assinar nossa petição? Quer dizer, se não...
Reid sai furioso antes mesmo de eu terminar.

É sexta-feira quando recebo minha próxima pegadinha – e Reid


chamou a banda para ajudar com esta! Mais sabotagem
tecnológica. Cada vez que abro meu navegador, a página inicial
redireciona para o áudio da versão orquestral mais assustadora de Let It
Go que Reid poderia ter arranjado. Você sabia que só precisa de um
endereço de e-mail para configurar o controle dos pais em um
computador? Eu sei agora! Reid está me controlando parentalmente e
me torturando com música orquestral, e eu não sei como fazer isso
parar!
É diabólico.
Eu preciso melhorar meu jogo.

Fitz e Danica no palco juntas será uma revelação, sempre que tivermos
um palco real.
— Caramba — sussurra Makayla com admiração.
Henry geme.
— Quantas vezes temos que enfatizar que são irmãs?
— É inútil — eu digo.
Sábado é, pelo que parece ser a primeira vez desde que o HAVE A
HE(ART) começou, totalmente sobre Melted. Enquanto a banda está
tendo um ensaio extra de Star Wars em preparação para o Festival da
Colheita no próximo fim de semana, o HAVE A HE(ART) aproveita
para ter nosso próprio ensaio geral.
A próxima reunião do comitê escolar é em uma semana a partir de
segunda-feira.
Estaremos prontos.
Vou chamar a atenção do comitê escolar para a avaliação confusa
dos programas de artes.
Henry compartilhará estatísticas sobre a correlação entre programas
de artes robustos e notas de provas.
Makayla e Arjun irão destacar nossa mensagem ecoconsciente e
planos de arrecadação de fundos.
E Danica e Fitz irão fazer uma performance fascinante.
Temos até um conceito definido! Como as reuniões do comitê
escolar são abertas ao público, elas acontecem em nosso
auditório. Então Makayla e Cherish convenceram a Sra. DiCarlo a
deixá-las pegar alguns painéis gigantes de madeira para um projeto de
portfólio independente e elas o transformaram em um cânion celestial
– todo céu roxo e uma paisagem queimada de laranja queimada.
Eu tatuaria no meu rosto, eu amo muito isso.
É tão grande que as peças de arte vivem no auditório, no palco,
secando atrás das cortinas que estão fechadas desde Barefoot in the
Park. Imagine. Todo um palco foi totalmente desperdiçado. No final
da semana iremos secretamente colocar as peças no lugar para a nossa
performance.
Como não temos um auditório para os ensaios e meus pais estão no
show do papai, meu porão é a segunda melhor coisa. Nossos assentos
são o sofá de microfibra verde que afunda no meio. O palco é um tapete
pequeno demais. Ele mantém o grupo próximo. Íntimo. Duas irmãs,
após uma coroação que mudou suas vidas. Estou sentada de pernas
cruzadas na beira da espreguiçadeira, gravando o ensaio no celular de
Fitz a pedido dela, para que ela possa analisar sua própria performance,
e dando dicas. É fácil, minha capacidade de voltar a ser uma codiretora
e coordenar uma cena com Henry ao meu lado, e parece certo. É
exatamente como este ano deveria ser.
E um lembrete do que perderemos se falharmos.
— Então não faça isso — diz Danica, muita emoção em sua voz
enquanto ela sai furiosamente do palco.
Makayla e Arjun batem palmas a cada take.
— Isso está ótimo — digo, folheando minhas anotações para uma
crítica eloquente. — Vocês são ótimas.
Fitz revira os olhos, mas um pequeno sorriso aparece no canto de
seus lábios.
Estamos prestes a começar do início quando meu telefone vibra no
meu colo.
— É Delia — digo. — Pausa de cinco?
Danica engole seu gole de água.
— Mas estou na zona.
Fitz concorda com a cabeça.
— Fitzgerald quem? Eu sou Adina! Rainha de Infernodelle!
— Vamos ensaiar novamente — diz Henry.
Ok. Posso perder um ensaio. Não é grande coisa. Entrego o celular
de Fitz ao Henry e pulo do sofá para atender a ligação no lado estúdio
do porão. Empurrando a porta para entrar no estúdio do papai, atendo
a ligação do FaceTime e são Delia e Hannah, juntas, na casa de Reid.
— Troquei a música de Reid — declara Hannah.
— Você é minha heroína — digo.
Não me ocorreu até que vi Reid enlouquecido com sua música do
Albany Institute – que ele encontrou em casa, em sua mesa, intocada
por mim, para o registro – que essa é uma maneira excelente e
embaraçosa de mexer com ele. Com a ajuda de Hannah, ele terá uma
seleção de músicas de Star Wars transpostas por mim para o tom
totalmente errado para seu próximo ensaio.
— Na semana passada, ele me pediu para mexer com você, mas eu
disse: “Não estou mexendo com Natalie. Ela me empresta roupas e dá
os melhores conselhos.” Pergunte a Delia, ela estava lá.
Delia acena com a cabeça.
— É verdade.
Minhas sobrancelhas se franzem.
— Você pega minhas roupas?
—A questão… — Hannah faz uma pausa, agora usando o telefone
como espelho para aplicar brilho labial — … é que ele não vai suspeitar
de nada.
— Obrigada por mexer com ele por mim — digo.
Hannah encolhe os ombros.
— Esta é uma oportunidade de destruir o patriarcado. Além disso,
Sephora.
As irmãs vendo Reid como um símbolo do patriarcado?
Vale a pena a quantia obscena de dinheiro que provavelmente irei
gastar em maquiagem para elas.
— Natalie.
A voz de Henry acompanha uma batida na porta. Eu não percebi
que tinha trancado. Subconsciente. Mas estou mantendo meus amigos
alheios sobre o fato de que as pegadinhas de Reid não são totalmente
unilaterais. Então eu digo adeus a Delia e Hannah e coloco meu
telefone de volta no bolso antes de abrir a porta.
— Desculpe — digo, passando por Henry e pegando um bagel de
pizza no meu caminho de volta para o sofá. — Emergência nível
Pinterest de Bat mitzvah.
— Nem quero saber o que isso significa — diz Arjun.
— Você realmente não quer — Fitz confirma.
— Devemos focar em Melted? — Henry pergunta. — Eu tenho
alguns–
— Sim! Na verdade... — Eu volto duas páginas em minhas
anotações e encontro o ponto que quero enfatizar. — Da próxima vez,
Danica, não comece a se afastar até que Adina diga: “Já é pressão
suficiente ter um reino inteiro dependente de mim, sem ter que se
preocupar com você também.” Eu não quero que haja muito espaço
físico entre vocês duas. É um grande palco.
— Mas também, tipo, algum espaço físico. Vocês são irmãs —
Henry reitera. — Peguem leve com os braços tocando.
Danica e Fitz processam as anotações e fazem algumas perguntas, e
nós retomamos do início. Desta vez, Danica mantém os pés
firmemente enraizados no lugar, enquanto Fitz é puro movimento. A
emoção na atuação de Fitz é fascinante – e quando Danica, como
Emma, a irmã mais nova que se esforça tanto, já teve o suficiente, ela
gira na ponta dos pés.
— Então não faça — diz Danica.
Ela mantém a posição por um tempo extra e a energia na sala
muda. Eu engulo o caroço na minha garganta e fecho meus olhos para
evitar que qualquer emoção visível aconteça. Não estou preparada para
abrir mão desse sentimento, desse show, dessas pessoas. Melted é
pequeno. HAVE A HE(ART) e a mensagem que estamos enviando ao
comitê escolar o torna maior. Talvez consigamos publicar um artigo no
jornal local – mas não receberá elogios nacionais pela escola como a
banda recebe.
Então, talvez eu seja ingênua de acreditar nisso.
Mas quando Danica vira as costas para Fitz e se afasta, se afasta, se
afasta – é uma performance digna de um palco, de um público que se
emociona com uma única lágrima escorrendo por suas bochechas. É
devastador e perfeito e algo que nós, alunos com as costas contra a
parede, criamos do nada.
E isso também importa.
Cena final.

Horas depois de aperfeiçoarmos a cena da coroação – e não, eu ainda


não superei, de jeito nenhum – estou trabalhando em um relatório de
laboratório para Biologia Avançada porque, infelizmente, o dever de
casa ainda existe. Escrever sobre pigmentos vegetais e fotossíntese é tão
inspirador quanto parece ser. É difícil mudar meu cérebro de volta para
a ciência depois de uma tarde em meu lugar feliz.
Uma batida inesperada na minha porta me faz pular.
— Você está acordada até tarde.
Eu levanto os olhos do dever de casa, em direção ao limite do meu
quarto e à voz do meu pai.
— As aulas avançadas nunca param. — Eu olho para a hora e franzo
a testa. Não são nem dez horas. Após o ensaio geral, o Lincoln Street
Blues teve um show no Melville. Papai nunca está em casa até pelo
menos meia-noite nas noites de show. — Você chegou em casa mais
cedo.
— Era uma lista de músicas mais curta. — A fala de papai é casual
até que ele vê minhas sobrancelhas se projetando para o céu de
preocupação. — Está tudo bem! Só até encontrarmos um substituto
para Charlie. Acontece que, sem teclado, nosso repertório é limitado.
— Você não pode simplesmente tocar as teclas agora? — pergunto.
Papai balança a cabeça.
— Eu posso ensinar piano, mas estou sem prática. Você sempre
consegue perceber quando um músico está tocando um instrumento
que não é seu primeiro amor.
— Certo. — Essa é uma das falas favoritas de papai, e me lembro da
primeira vez que ele disse isso para mim em seu estúdio. Em
retrospecto, me pergunto o quão cedo ele percebeu que o clarinete não
era meu primeiro amor. Que eu não estava lá pela música – tanto
quanto pelas conversas que tivemos sobre música. Juntos.
— De qualquer forma — Papai cruza a soleira do meu quarto e se
senta na cadeira da minha escrivaninha, girando em minha direção —,
precisamos conversar sobre a situação das palhetas.
Droga. Eu pensei que estava fora de perigo.
— Qual delas? — pergunto.
— Ha. — Papai fala impassível, sua expressão não é divertida. — Eu
não tenho certeza do que está acontecendo entre vocês dois. Porque
sou a Suíça. Mas Natalie, o que parece uma brincadeira boba pode
atrapalhar um período de aula inteiro. Você sabe como é tecnicamente
complexa a trilha de Star Wars. O festival é no próximo fim de
semana. Todo ensaio é importante. Da próxima vez, terei que escrever
uma advertência para você.
Eu faço contato visual com meu pai e considero seu blefe.
— OK.
— Isso é sobre Melted? Todo artista enfrenta rejeição. Existem
maneiras produtivas de–
— Não sou uma artista — murmuro baixinho.
— Melted não pode ser um evento escolar. Mas e se você mudar de
direção? Filmar e postar... online?
Eu balanço minha cabeça, frustrada por mais uma vez estar vivendo
uma cena em que Aaron Jacobson está totalmente perdendo o foco!
— Isso não iria funcionar. O teatro foi feito para ser vivido ao vivo.
— Estou apenas tentando ajudar–
Coloco meus fones de ouvido e dou play no meu podcast de
produção de teatro favorito para interrompê-lo.
Isso faz efeito.
Papai exala e se levanta.
— Boa noite, Natalie.
Ele recua, queira ou não. De qualquer forma, estou feliz que ele foi
embora. Papai adora me dizer como devo me sentir, mas nunca, nem
uma vez, pergunta como eu realmente me sinto. Há uma distinção
chave. É por isso que não contei a ele sobre o HAVE A HE(ART) e
nossos planos. Ele comparece às reuniões do comitê escolar para
defender a banda. Se ele soubesse o que estamos planejando, ele
acabaria com tudo tão rápido.
No começo, fiquei frustrada com meu pai. Agora, estou frustrada
por estar frustrada em tudo.
O que for que seja.
Na próxima semana, papai finalmente vai me ouvir.
CAPÍTULO OITO

Uma semana depois, estou sentada em uma toalha no Pine Hill Park
com Delia ouvindo a trilha sonora icônica do Episódio IV - Uma Nova
Esperança, comendo donuts de cidra, suando profusamente e odiando
a realidade atual que é de vinte e oito graus no início de outubro. Em
Massachusetts! E lá se vai um Festival da Colheita. Eu nasci para o clima
de usar suéteres, mas a cada ano parece que minha estação favorita fica
cada vez mais curta. Na próxima semana, o interruptor pode girar e aí
terei que usar um casaco de inverno completo.
Aquecimento global. Eu escrevi uma peça inteira sobre isso.
Limpo o suor do lábio superior com as costas da mão e verifico a
hora em meu telefone.
Duas horas restantes desta obrigação familiar. Então estou
livre. HAVE A HE(ART) terá um ensaio geral final na casa de Henry
hoje à noite. A reunião do comitê escolar é daqui a dois dias. Estamos
prontos. Nossa proposta é um compromisso de baixo orçamento,
nosso argumento sendo que o HAVE A HE(ART) dará a ilusão de que
o comitê escolar se preocupa com a preservação das artes.
Vocês já consideraram a repercussão? A reação adversa
iminente? Realmente, estamos fazendo um favor!
HAVE A HE(ART) será levado a sério. Tem que ser.
Porque todos os clubes de artes da escola estão apostando no HAVE
A HE(ART).
Em mim.
— Onde está Hannah? — pergunto.
— Não vem — Delia diz, pegando um donut de cidra do saco de
papel entre nós. — É o aniversário da Monica G. Os pais dela alugaram
toda a pista de patinação no centro da cidade.
Ah.
— Sinto muito, Dee.
Ela encolhe os ombros.
— Eu superei. Na hora do almoço de ontem, as Monicas chamaram
minha jaqueta da Capitã Marvel de “básica” – e eu percebi. Além de
precisar evitar microagressões constantes... não temos nada em
comum, as Monicas e eu. Então é, tipo, por que eu tento?
— A Hannah não tem a mesma jaqueta?
Delia se levanta e amassa o saco de papel vazio.
— Não importa. Hannah se torna uma pessoa diferente em torno
das Monicas. Como comigo, seu filme favorito é Enrolados. Mas com
as Monicas? É Hereditário.
— Mas Hannah odeia filmes de terror.
Delia atira seu lixo na lixeira mais próxima, no estilo basquete.
— Exatamente.
Então Delia faz seu caminho em direção ao palco principal para se
juntar à mamãe, me deixando sozinha na minha toalha. Qualquer
pessoa pode vir ao Festival da Colheita para curtir a música, mas pelo
preço de uma doação para o programa da banda, as pessoas podem
conseguir uma luxuosa cadeira dobrável de metal perto do
palco. Como sempre, Michelle Jacobson senta-se na primeira fila, seu
tripé montado no corredor – o que é fofo, assustador e a marca
dela. Por mais tensa que a energia possa ficar entre meus pais antes do
Festival da Colheita, no final do dia, mamãe é sempre a maior fã do
papai.
Incapaz de me concentrar na música, observo o público – os
assentos esgotados perto do palco, os grupos de toalhas de piquenique
espalhadas no gramado, as longas filas nos food trucks. Muitos
moradores da cidade que não têm nenhuma conexão pessoal com o
LHS ou a banda são cativados pela magia que é a música de Star
Wars ao vivo.
É incrível.
Também é irritante.
Quer dizer, é uma besteira, o comitê da escola comparar qualquer
outro clube de artes do LHS com a banda. Claro que a banda é
melhor! Tem suporte, recursos, oportunidades. Mas ver como uma
comunidade pode se unir e apoiar um grupo de artistas? É motivador.
Se alguma coisa vai me distrair de HAVE A HE(ART) e Melted, é
uma pegadinha bem executada. Então eu me levanto. Aliso minha saia
midi com estampa floral. Começo a caminhar na direção da tenda de
som. Consumido pela semana de ensaios, Reid não voltou atrás desde
a minha pegadinha de partituras.
Dando-me a oportunidade de dobrar, de acordo com a cláusula da
pegadinha dupla.
Honestamente, o fato de que o Let It Go assustador ainda está me
torturando merece uma pegadinha dupla.
Então eu me aproximo da tenda de som com confiança. Cody e
Jessica, amigos do papai de Berklee que lideram a equipe técnica de
som, me dão as boas-vindas à área SOMENTE PARA OS MEMBROS DA EQUIPE.
— Natalie! — Os braços tatuados de Jessica me envolvem em um
abraço.
— Aaron não nos disse que tínhamos reforços — diz Cody,
oferecendo-me um fone de ouvido.
A tenda de som é a placa-mãe de qualquer evento ao ar livre. Sem
sua configuração intrincada e as várias verificações técnicas, a música
da banda não seria ouvida em um espaço aberto. Eu assimilo o sistema
principal e a dúzia de cabos conectados a ele, alimentando a banda e
certificando que o som está alto e claro, já que a performance também
será gravada para o canal público para acessibilidade.
Memórias de estar nos bastidores quando criança voltam e estou
pronta para aproveitar ao máximo esse conhecimento. Além disso,
tudo está rotulado. Enquanto Cody e Jessica discutem os níveis de
volume, de costas para mim, eu desligo a linha do microfone
rotulada CLARINETE #1.
É quase fácil demais.
Fico conversando um pouco com Jessica e Cody sobre música (não
toco há anos!) e faculdade (muito bem indecisa!). Então eu me junto a
minha mãe e Delia no palco principal, bem a tempo de minha música
favorita, que ficou ainda melhor pelo leve constrangimento público.
Papai levanta os braços no ar para dar início à música.
Reid leva seu clarinete aos lábios e endireita sua postura.
Um cacho rebelde cai em seus olhos quando ele vira a página.
Eu expiro, tentando manter a calma. É uma brincadeira. É
uma brincadeira. Isso é uma brincadeira.
Cody ou Jessica vão ouvir o problema. Isso será resolvido em
segundos. Mas cinco segundos são suficientes para abalar Reid, para
fazê-lo desejar não ter me dado a oportunidade de uma pegadinha
dupla.
— Olha quem decidiu se juntar a nós — diz mamãe.
— O céu está estranho — sussurra Delia.
O céu, azul antes de eu entrar na tenda de som, agora está
nublado. Prendo minha respiração enquanto a banda muda de marcha
para a única música de Uma Nova Esperança que é feita para o
clarinete: Cantina Band. O arranjo favorito de papai sempre foi um
quarteto de clarinete.
Hoje, ele apresenta Reid como clarinete nº 1.
Exceto que a melodia característica mal é audível, além da batida
constante da bateria. Por minha causa.
Parece... pior do que eu imaginava.
— Oh não — mamãe murmura baixinho.
Reid continua a tocar, inconsciente ou presumindo que a falha será
corrigida.
Segundos depois, os alto-falantes explodem.
Merda. Meu coração bate forte no meu peito. Eu...?
Não. Desconectei uma linha de áudio.
Papai dá um sinal para a banda parar e todos colocam seus
instrumentos em posição de descanso, com os olhos arregalados e
confusos.
— Vamos pausar por cinco minutos para consertar isso! — papai
grita, as mãos em concha ao redor da boca porque não há microfone.
Isso não pode ser relacionado a uma pegadinha. Um cabo XLR
rebelde não causa explosão de alto-falantes.
Mamãe se levanta.
— Vou ver se posso ajudar a solucionar o problema.
— Isso é muito vergonhoso — diz Delia.
Cinco minutos se transformam em dez.
Dez tornam-se vinte.
Os períodos de atenção são curtos. A audiência diminui.
O céu escurece, agourento – como se recebesse uma ordem da
direção.
O momento da minha pegadinha é uma coincidência.
— Natalie.
Eu olho para cima para ver Reid em seu smoking de banda, o cacho
rebelde e tudo mais. A voz de Reid é chocante, mas quando meus olhos
encontram os dele, ele parece... genuinamente chateado.
Nem um pouco acusatório ou suspeito.
— O que está acontecendo? — pergunto.
— Dificuldades técnicas.
— Obviamente.
Sai mais ríspido do que pretendi.
— Obviamente — Reid repete, passando a mão pelo cabelo, uma
irritação em sua voz. — O corpo docente do Albany Institute está na
platéia, então os alto-falantes explodem. Obviamente.
Eu não sabia disso.
— Isso é uma merda.
— Extremamente. Agora parece que vai...
— Natalie…? — A voz de papai interrompe Reid. Conforme meus
pais se aproximam de mim, o céu fica mais escuro a cada passo. É
apenas um momento antes que eles estejam na nossa frente, os braços
cruzados, o pé direito de papai batendo em três-quatro. — Todo o
sistema está detonado. Eles não sabem o que aconteceu. Tudo foi
posto e testado várias vezes. Estava pronto. E eles eram as únicas duas
pessoas na tenda. Bem, além de você. Certo?
Eu engulo.
— Natalie. — A expressão da mamãe endurece.
Os olhos de Reid se arregalam, e eu vejo tudo se encaixando no
lugar.
No momento em que abro minha boca para responder, o trovão
estala e o céu se abre.

A punição viola a primeira regra do Natalie X Reid. Nunca se desculpe.


Portanto, isso não pode ser feito.
— Não — eu digo. — Absolutamente não.
É mais tarde naquela noite e papai cruza os braços e se inclina contra
a minha porta, meu telefone confiscado em sua mão. Mamãe está ao
lado dele, uma mão no quadril. Ela está francamente desapontada, mas
posso ver as engrenagens girando em seu cérebro. Ela está tão
desesperada para chegar à sua mesa, para escrever isso, para guardar em
sua pasta de cenas diversas que podem se tornar em um futuro
manuscrito.
— Não tenho certeza se você está em posição de negociar — diz
papai. — Natalie, isso não foi uma brincadeira boba. Você arruinou
um show! A participação do Festival da Colheita dobrou este ano
graças ao entusiasmo por Star Wars. Você nos fez parecer amadores.
— Natalie não causou uma tempestade repentina, Aaron — mamãe
diz, um pouco em minha defesa.
Papai balança a cabeça.
— Não é sobre a tempestade. É sobre a intenção.
— Não era para estragar o show — digo.
— Apenas o Reid — papai diz. Minha não-resposta é resposta
suficiente. Ele balança a cabeça e alisa a barba, a decepção clara em seu
rosto. — Por quê? Eu sei que você não queria que os alto-falantes
explodissem, mas você ainda nem pensou duas vezes antes de estragar
um grande evento–
Mamãe o interrompe.
— Natalie estragou tudo, mas você vai conseguir fazer tudo de
novo...
— … com ainda mais pressão para entregar do que antes.
— E Natalie ainda está arrasada por uma peça que deveria existir,
mas não existe, porque o distrito escolar se preocupa mais com um bom
sucesso publicitário do que com o que é melhor para seus
alunos. Temos sorte de eles ainda valorizarem você, Aaron. Nós
realmente temos.
Mamãe nem sabe sobre o HAVE A HE(ART), mas ela o resumiu
em dois segundos.
Ela é praticamente minha heroína.
— Natalie. — O tom de papai suaviza. — Se isso ainda é sobre
Melted... não ocorreu a você que eu poderia ajudar?
— Todo artista enfrenta rejeição — eu digo, jogando suas palavras
de volta para ele. — Você queria que eu seguisse em frente.
Papai balança a cabeça.
— Eu queria que você falasse comigo. Por que você simplesmente
não fala comigo?
Eu dou de ombros. Porque não falamos mais sobre coisas
reais. Porque é inútil falar com alguém que nunca vai ouvir.
— Vou ficar com o celular.
— Aaron — mamãe diz, sua voz afiada. Eles deveriam me
repreender como uma equipe, mas mamãe não está muito interessada
nisso, então eu sei que a sentença será mínima, pelo menos.
— Uma semana — papai diz. — Eu acho isso muito generoso.
E de repente, estou furiosa. Não com a perda do telefone, mas
porque ele é sempre meu pai em seus próprios termos e, claro, isso –
Reid – é a raiz de sua raiva. Ele dedica tanto tempo a Reid, moldando-
o no protegido de conservatório dos seus sonhos, e agora ele pensa que
pode apenas – o quê? Ser meu pai porque eu estraguei tudo?
— Eu nunca vou entender você, Natalie.
Aí está. A verdade de todas as verdades.
Papai enfia meu telefone no bolso e caminha para trás em direção à
porta enquanto as lágrimas escorrem pelo meu rosto, porque ele nem
tenta. Às vezes parece que algo está tão quebrado entre nós, como se
meu passado de clarinete e sua conclusão tumultuada nos partissem ao
meio.
Limpo minhas bochechas manchadas de lágrimas.
— Ele não entende.
— Você estragou o show dele, Natalie. — A expressão da mamãe
suaviza quando ela se senta ao meu lado e esfrega minhas costas. — Não
é uma desculpa, mas ele está em modo de triagem. Não está exatamente
recebendo... o tipo de atenção a que ele está acostumado.
Ela me mostra um vídeo e... ah, não. A legenda é "Quando a força
disser não!" São apenas dez segundos, mas é brutal. Alguém sobrepôs o
Baby Yoda raivoso à banda! O quarteto de clarinete quase não é
ouvido! Então há um estouro... e os alto-falantes explodem.
Aff. O TikTok é implacável.
Mamãe bloqueia o telefone.
— Esqueça os quarenta e cinco minutos anteriores de
excelência. Esses dez segundos vão assombrar seu pai por meses.
— A mim também — digo.
— As pegadinhas são engraçadas, não maldosas — mamãe diz,
ecoando o livro de regras. — Eu pensei que vocês dois haviam superado
isso e estão estritamente estranhos agora. Mas talvez da próxima vez que
você for fazer uma pegadinha com Reid... uma menos pública é justo?
— Isso é justo.
Mamãe se levanta e suspira.
— Conversaremos de manhã.
Delia, que nem mesmo finge que não estava bisbilhotando, inclina-
se contra o batente da porta, seu cabelo caindo em seu rosto enquanto
ela rola através de seu telefone, um fone de ouvido conectado.
— Henry acha que você está morta. Eu o informei que você está
apenas tecnologicamente mutilada.
Merda. Pedir aos meus pais para ir à casa dele hoje à noite não tem
nem chance.
Estou perdendo o ensaio final do HAVE A HE(ART).
— Diga a ele que vou reviver tudo em detalhes horríveis na segunda-
feira.
Ela salta para o lugar vazio da minha cama de casal.
— Ele não espera nada menos. Ele também quer que você saiba que
ele consegue, seja lá o que isso signifique.
— Obrigada, Dee — digo.
— Você mesma poderia enviar uma mensagem de texto para ele se
pedisse desculpas — diz Delia. — Reid está ainda mais estressado com
sua audição do pré-conservatório – especialmente sabendo que o
pessoal de Albany estava no Festival da Colheita. Ele nem mesmo citou
todas as falas de Regina George quando assistimos Meninas Malvadas
no último fim de semana. Foi estranho.
— Estranho — repito, achando a imagem de Reid
assistindo Meninas Malvadas com as irmãs estranhamente cativante.
Ela coloca o telefone na minha mesinha de cabeceira, boceja e rola
para o lado.
— Você está nervosa? Sobre amanhã?
Eu balanço minha cabeça, embora Delia não possa ver.
— Não. Sim. Eu não sei.
— Sinto muito pelo papai — Delia diz.
— Eu gostaria que ele sentisse — digo.
Delia suspira.
— Homens.
— Homens — repito.
Delia cochila e eu olho para o teto, desejando poder parar de pensar
no rosto de Reid, sua confusão genuína quando ele percebe que eu
tinha arruinado seu momento no Festival da Colheita.
A guerra de pegadinhas tinha o objetivo de distrair Reid do HAVE
A HE(ART).
Mas em algum lugar ao longo do caminho, tornou-se uma distração
para mim.
É uma ironia dramática no seu melhor. Porque uma petição sobre
como criar arte não precisa ser uma coisa tensa e estressante... tornou-
se uma coisa tensa e estressante. Eu acredito em HAVE A HE(ART)
com todo o meu coração... mas também estou com medo de outra
rejeição.
Então eu fiz uma pegadinha.
E eu fui longe demais. Quer dizer, é para ser bobo.
Não deveria haver consequências reais.
Henry estava certo. Eu ainda tenho doze anos.
Eu procuro o Natalie X Reid no pé da minha cama. Folheio as
páginas até chegar à regra nove: “Se você deixa a outra pessoa triste, deve
fazer um sundae de sorvete épico para ela”. Seguido pela regra dez:
“Pegadinhas são engraçadas, não maldosas!”. Por um milésimo de
segundo, gostaria que ainda fôssemos as crianças deste livro, escrevendo
regras que nos manteriam seguros.
Crianças que pregavam peças porque talvez essa fosse a única
maneira de saberem ser amigos.
A Guerra das Primeiras Cadeiras

A Guerra das Primeiras Cadeiras dominou as semanas antes do início


da sétima série, desencadeadas por uma infeliz iniciativa de
rezoneamento anunciada por nosso distrito escolar. Se Reid não tivesse
se infiltrado na minha vida o suficiente, entre jantares em família e aulas
semanais de clarinete, agora estávamos na mesma escola e não seríamos
mais os primeiras cadeiras, no plural.
Não havia nenhuma maneira que eu pudesse ser a segunda cadeira
para Reid.
Mas, no final do verão, parecia que essa era uma possibilidade real.
— Natalie, você está apressando — papai me corrigiu.
Eu exalei um suspiro frustrado. Papai poderia se fixar na técnica de
desempenho por horas. A lição de hoje se concentrou no controle do
andamento e da respiração – e a peça foi The Tempest, de Robert W.
Smith. Também conhecida como a pior música da história do
clarinete. Para mim, pelo menos. Porque dezoito compassos da parte
do clarinete são a mesma nota! Um A, no mesmo ritmo staccato. Um
dois e três quatro e um – continuamente. É brutal.
— Como você ainda está à frente do ritmo? — Reid perguntou,
irritado por não podermos seguir em frente.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não estava. Não no começo.
Papai suspirou.
— Consistência é a chave, Natalie.
— Podemos tocar mais uma vez? — Reid perguntou.
— De novo? Sério? Estamos tocando a mesma nota maldita por
uma hora! — desabafei.
Sem fôlego com a repetição e a competição, tive que respirar fundo
e fazer uma pausa. Na preparação para a Guerra dos Primeiras
Cadeiras, as aulas semanais se tornaram diárias e não havia muito que
eu pudesse tirar de Reid, no meu porão, incessantemente sugando meu
pai para aulas extras e dicas. A maioria das minhas saídas no meio da
aula resultou em meu pai subindo as escadas para encher sua água e me
cutucando, gentilmente, de volta para a música. Mas naquela tarde?
Saí de cena e ninguém me perseguiu.
Então eu não entrei novamente. Evitei o estúdio sempre que Reid
estava nele. Evitei o estúdio sempre que Reid não estava nele.
O tempo de prática passou a ser eu, no meu quarto, tocando peças
complexas que roubei dos planos de aula do meu pai no colégio, com
Madeline Park, minha MAB (Melhor Amiga de Banda). Primeira
cadeira, saxofone alto. Nós nos conhecemos em um intensivo de sopro
antes da quinta série, quando ela se apresentou perguntando se eu tinha
uma palheta extra e elogiando minha camiseta do Homem-Aranha. A
música vinha para ela tão facilmente quanto vinha para Reid, mas ela
estava do meu lado.
— Podemos finalizar? — Madeline pediu, três horas em nossa
sessão. — Meus calos têm calos.
Eu balancei minha cabeça.
— Estou tão perto de acertar o movimento final, Madi. Isso é sério.
Madeline estendeu a mão.
— Os meus calos também!
Eu estremeci. Minhas mãos também não estavam indo muito bem,
mas eu não ia parar. As aulas começariam em duas semanas. O tempo
estava se esgotando.
— Você não precisa praticar por mim. Eu sinto muito.
— Eu quero — Madeline me assegurou, seus profundos olhos
castanhos travando nos meus. — Você tem que vencer. Você é a
melhor clarinetista de toda a escola, Natalie.
— Você não ouviu Reid tocar — respondi.
Madeline amarrou seu cabelo preto brilhante para trás em um rabo
de cavalo alto.
— Eu não preciso. Você consegue. Praticaremos todos os dias até
cumprirmos nossos destinos nas primeiras cadeiras. Juntas.
Então, depois de um breve alongamento do dedo, Madeline e eu
fizemos Mozart por mais uma hora. Depois que ela saiu, toquei por
mais duas, até que meus calos começaram a formar calos e chorei
lágrimas de frustração porque ainda não tinha acertado o
movimento. Eu amava Madeline e isso significava muito que ela era tão
intensa comigo – mas a pessoa que poderia realmente me ensinar estava
lá embaixo ensinando a concorrência. Depois que Reid saiu, papai
bateu na minha porta e entrou no meio do meu choro semanal pelo
clarinete.
— Não deveria ser assim, Nat — papai disse, envolvendo os braços
em volta de mim no que deveria ser um abraço reconfortante enquanto
eu chorava em sua camisa do Manchester United. — É para ser
divertido.
— Isso é o oposto de diversão.
— Não coloque tanta pressão em uma cadeira — papai sugeriu.
— Eu preciso. Reid já é melhor do que eu — admiti em sua
camisa. — Por que você está o ensinando? Ele nem precisa das aulas
extras!
Papai se afastou para que eu pudesse ver seu rosto, contraído em
uma carranca.
— De onde isso está vindo? Você é que abandonou as aulas.
— Praticar com a competição? — Balancei minha cabeça. — De
jeito nenhum.
— Nat, é apenas uma cadeira. Primeira? Segunda? Não
importa. Estou orgulhoso de você, não importa o que aconteça.
Eu chorei até dormir naquela noite por que de todas as coisas que
ele disse, eu percebi o que ele não tinha dito.
Ele não me contradisse quando disse que Reid estava melhor. Ele
não disse que arranjaria tempo para aulas só para mim. Ele não disse
que me ajudaria até eu ser a primeira cadeira.
Ele não escolheu Reid.
Mas ele também não me escolheu.
CAPÍTULO NOVE

Eu retiro tudo.
Cada pensamento que me atrevi a ter no resto do meu fim de
semana cheio de culpa, cada milissegundo de momento que passei
dirigindo para a única loja de doces que vende o molho de pasta de
amendoim favorito de Reid, cada segundo que fiquei acordada na
noite passada planejando minhas desculpas totalmente sinceras em vez
de ser consumida pela reunião iminente do comitê escolar
e sentimentos sobre Melted... Eu retiro tudo.
Porque na segunda de manhã, o auditório é uma cena de crime.
Tinta preta está espalhada por todo o nosso cânion celestial.
Latas de tinta estão viradas no palco.
Devíamos encenar uma cena para o comitê escolar.
Colocando as peças no lugar para uma coroação.
— Como...? — Os olhos de Makayla se arregalam. — Meu cenário.
— Que diabos? — Arjun diz.
A expressão de Henry está murcha.
— Você começou uma guerra de pegadinhas.
— Reid começou uma guerra de pegadinhas — esclareço.
— Reid também terminou — diz Arjun.
Merda. Estou tão chateada com o molho de pasta de amendoim na
minha mochila. Achei que estávamos sendo cuidadosos. Discretos. Eu
pensei que mesmo que a guerra de pegadinhas tenha explodido o
Festival da Colheita, tinha também funcionado, mantendo Reid
distraído. Claramente, não. E, ok. Eu sei que estraguei o show da
banda. Mas foi um acidente! Uma pegadinha que deu errado.
Não há motivo para essa destruição, exceto a crueldade.
Atrás de nós, as portas do auditório se abrem e Danica e Fitz
emergem neste desastre com a Sra. Mulaney e meu pai. A Sra. Mulaney
observa a cena, sua expressão endurecendo quando fazemos contato
visual. Os olhos de papai se abrem com a visão de nosso palco em
ruínas.
— Na-ta-lie — papai diz lentamente, enunciando cada sílaba. — O
que você fez?
— Não existe um clube de teatro — diz a Sra. Mulaney,
empurrando os óculos na ponta do nariz. — No entanto, há um
cenário. Interessante.
Meu queixo cai.
O palco foi vandalizado! O que eu fiz?
— Havia um cenário — corrige Fitz, suas unhas turquesa cavando
em suas palmas. — Pretérito.
— Natalie — papai repete. — Explique. Por favor.
— Vamos apresentar Melted ao comitê escolar esta noite —
confessa Henry.
Eu suspiro. Henry é sempre o primeiro a ceder.
A Sra. Mulaney franze a testa.
— Vocês têm conduzido ensaios não autorizados dos clubes de
teatro?
— Não na escola — Henry diz.
— Mas há um cenário — diz a Sra. Mulaney.
— Havia — Fitz repete.
— Era um projeto para a aula da Sra. DiCarlo — explica Makayla.
— Que o Reid arruinou totalmente! — deixo escapar.
— Natalie — papai avisa.
Eu dou de ombros.
— O quê? Reid sabia sobre o HAVE A HE(ART). Ele tem um
motivo.
— Não graças a você — murmura Danica baixinho.
A Sra. Mulaney cruza os braços.
— Alguém pode me esclarecer?
Pego a proposta completa da minha mochila e entrego à Sra.
Mulaney.
— Olhe. Estamos usando os recursos limitados que temos para
mostrar ao comitê escolar que não precisamos de um orçamento para
criar arte. Dentro desta pasta está uma peça, uma petição e uma visão
que reúne todos os clubes de artes cortados para um evento de caridade.
A expressão de papai se suaviza.
— Vocês todos têm trabalhado juntos nisso?
Nós acenamos em uníssono.
— Não somos só nós. Só estamos liderando uma revolução
silenciosa — diz Danica.
— Mas não somos anti-banda! — Makayla diz.
— Apenas antiburocracia — acrescenta Arjun.
Eu continuo, sentindo-me fortalecida pela atenção total do meu
pai.
— Se HAVE A HE(ART) for aprovado, o comitê escolar consegue
boas relações públicas e parecerá investido em encontrar soluções
criativas para reter programas de artes. Vamos criar algo divertido e
significativo. É uma situação em que todos ganham.
— Não. — A Sra. Mulaney aperta a ponte do nariz e observa o
cenário, o palco, a bagunça. — Você nunca deveria ter estado no
auditório sem um orientador. Isso não pode acontecer novamente.
— Estávamos apenas tentando… — Henry começa.
A Sra. Mulaney interrompe Henry.
— Vocês estavam apenas querendo provocar.
Juro que o coração de agradar ao professor de Henry para.
— Primeiro período. Agora.
Caminhamos pelos corredores do auditório e eu simplesmente não
consigo entender. Eu engulo meu sarcasmo. A Sra. Mulaney está mais
focada em nossa aparente “provocação” do que literalmente no
vandalismo. Quer dizer, sério! Pintar em madeira envernizada deveria
ser considerado crime. HAVE A HE (ART) está tomando uma
atitude. Criando algo a partir das cinzas de nossos
programas. Não destruindo–
— Natalie — papai diz, parando na porta e me parando no meio do
caminho.
Fazemos contato visual, meu pai e eu. Ele enfia a mão no bolso de
trás e tira um telefone, o meu telefone. É uma pequena vitória, o peso
do meu telefone na minha mão, arrancado da palma do meu pai. Talvez
pela primeira vez na vida, papai esteja reconhecendo que seu protegido
perfeito não é tão perfeito, afinal.
— Boa sorte esta noite — papai diz.
Ele tem a audácia de soar magoado.
— Obrigada — sussurro.
— Espero que, no futuro, você e Reid possam deixar de lado o que
quer que…
Não ouço o final da frase de papai. Já fui embora porque mais uma
vez tem que ser dos dois lados. É esperar demais que um botão anti-
Reid acenda no cérebro do papai.
Fora das portas do auditório, faço uma pausa.
Exalo uma respiração instável e pressiono as palmas das mãos contra
meus olhos.
— Natalie?
Meus olhos se abrem. Claro, claro, Reid está aqui para testemunhar
as consequências do seu esquema.
— Você está bem? — ele pergunta.
Eu nem sequer dignifico isso com uma resposta, optando por abrir
minha mochila e tirar o pote de molho de pasta de amendoim e duas
colheres de plástico. Sento-me no chão, minhas costas contra o pilar, e
abro o frasco. Coloco uma colherada na minha boca e fica bom, muito
bom. Reid está perdendo. Definitivamente não estou compartilhando.
— Isso é para ser um molho de desculpas. Pelo Festival da
Colheita. Não é mais um molho de desculpas.
A expressão de Reid se suaviza.
— Natalie…
— O jeito que somos... não deveria ser assim. Temos regras.
O nariz de Reid torce e ele tem a audácia de se sentar ao meu
lado. Seus olhos estão arregalados, o pescoço rosado. Como se ele
estivesse preocupado.
— Nat, sinceramente não sei do que você está falando.
— Você pode parar de fingir. Você venceu, ok? Você. Venceu.
Eu engulo minha segunda colherada e torço meu nariz porque não
é tão boa quanto a primeira. Muito doce. Além disso, é para Reid. É
a cobertura de sorvete favorita do Reid. E é isso que deveria ser – uma
cobertura.
Antes que eu possa pensar duas vezes, viro o frasco aberto e... opa, lá
se vai seu cabelo perfeito estúpido. Reid pula para trás, mas é tarde
demais – o molho está em toda parte, achatando seus cachos,
escorrendo pelas orelhas, caindo nas costuras dos ombros de sua camisa
azul.
— Merda! Natalie! O que há de errado com você?
Reid continua tentando passar a mão pelo cabelo. Ele não
pode. Cada vez que sua mão toca seu couro cabeludo, ele é
reintroduzido no molho implacável. Sem uma resposta, eu saio de cena,
jogando o frasco vazio na lixeira mais próxima no meu caminho para o
primeiro período.
Afinal, Reid conseguiu seu molho de pasta de amendoim.

Durante o último período, a Sra. Rodkey convocou os membros


principais do HAVE A HE (ART), além de Reid, para o escritório por
meio de um alto-falante. Estamos sentados ao redor de uma mesa de
sala de conferência com a Sra. Mulaney e meu pai sentados na ponta,
desanimados e esperando as consequências. Henry passa a mão pelo
cabelo. Fitz conserta uma unha lascada. Danica rola pelo seu
celular. Arjun mexe com um lápis. Makayla reaplica seu chapstick de
hortelã.
Reid entra no escritório por último, em sua camiseta da banda LHS,
para a qual ele mudou depois de levar molho.
Ele ainda tem resquícios de molho no cabelo. Boa.
A Sra. Mulaney começa com uma palestra sobre a bagunça e a
responsabilidade, mas me preocupo mais com a investigação de
vandalismo.
— Recuperamos as imagens de segurança do incidente — disse a
Sra. Mulaney. — O palco foi vandalizado por um grupo de membros
da banda do último ano.
Isso não faz sentido.
— Como eles saberiam sobre o HAVE A HE(ART)? — pergunto,
meus olhos encontrando os de Reid.
— Natalie, foi a campanha anti-banda menos sutil do planeta. Quer
dizer, Ivan e seus companheiros de futebol assinaram sua petição!
— Reid diz.
— Todo mundo sabia? — Papai franze a testa e acaricia a barba. —
E... ninguém pensou em me dizer?
Reid encolhe os ombros.
— Não estávamos preocupados com isso. Não até que Natalie
estourou o nosso show, de qualquer maneira. Além disso, se minha
inocência foi provada... por que estou aqui?
— Vocês estão todos aqui porque claramente os cortes no
orçamento criaram mais tensão entre o corpo discente do que
esperávamos. Portanto, temos uma solução — diz a Sra. Mulaney.
— Lemos o HAVE A HE(ART) — papai continua. — O distrito
precisa de outro evento badalado para compensar o fracasso do Festival
da Colheita. A Sra. Mulaney e eu acreditamos que, com alguns ajustes…
Melted pode ser esse evento.
Puta merda.
A validação corre em minhas veias conforme eu assimilo o quadro
de reações, todos mal conseguindo compreender as palavras. Os olhos
de Makayla e Arjun se arregalam. As sobrancelhas de Henry se
franzem. Danica e Fitz erguem os punhos com força. A veia da testa de
Reid se projeta e quase posso ouvir o ciclo de estresse que é seu cérebro.
Oh meu Deus.
HAVE A HE(ART)… acabou de ser aprovado!
A Sra. Mulaney ri.
— Eles estão sem palavras.
— Melted com certeza pode ser esse evento! — confirmo.
— Ajustes no roteiro? — Henry pergunta.
— Sim! — A Sra. Mulaney junta as mãos. — Amamos a
premissa. Uma produção escrita por um aluno é um gancho atraente e
a causa da crise climática terá repercussão na comunidade. Só temos
uma condição pequena, minúscula e razoável: incorporar a banda e
apresentar um evento verdadeiramente interdisciplinar. Então, em vez
de uma peça, você desenvolverá e executará um musical original.
Eu... não vi essa vindo.
— Um musical — repito.
A Sra. Mulaney acena com a cabeça.
— Melted: O Musical.
Eu não sou de musicais. Eu nunca fui. Além do fato de que Reid
gosta muito deles e de que são muito a coisa dele – toda a estrutura de
começar uma música do nada sempre me tira da história. Eu seria
chamada para um monólogo, interessada, e então... começa a música,
me lembrando de que nada é real.
— Não consigo escrever música — diz Henry, tão baixinho que mal
o ouço.
— É aí que entra a colaboração — diz papai.
— Eu posso ajudar — diz Danica, e ela tem a audácia de parecer
animada.
A expressão de Henry suaviza quando Danica fala, como se a ideia
de colaborar com ela consertasse tudo, e meu coração bate no estômago
porque estou perdendo ele, droga. Tento me conectar com Fitz, que
não sabe cantar, para ter certeza de que estamos na mesma página, mas
ela está se concentrando na maneira como Henry está olhando para
Danica e ela também é uma causa perdida.
— Natalie e Henry, vocês são diretores e escritores fantásticos — diz
a Sra. Mulaney. Eu fico instantaneamente desconfiada. — Reid, suas
habilidades musicais são incomparáveis. Seus pontos fortes são
complementares. Então, Reid entrará como um terceiro diretor.
— O quê?
De jeito nenhum. Isso é pior do que pedir desculpas!
— Sra. Mulaney… — Reid começa.
Eu o interrompo.
— Sinto muito, Sra. Mulaney. Isso nunca vai funcionar.
—Isso é inegociável — diz a Sra. Mulaney.
Eu travo os olhos com Henry, meus olhos gritando, salve-me!
— Vai ficar tudo bem, Nat — Henry me assegura, e eu quero
gritar. Absolutamente não vai ficar bem. O objetivo disso era fazer um
último show, dirigir algo que escrevemos juntos.
Reid olha para meu pai, sua expressão incrédula.
— Você está realmente OK com isso?
Papai acena com a cabeça.
— Como é um evento da banda, estou entrando em cena como
orientador. Usaremos minha sala de aula para ensaiar todas as segundas
e quartas-feiras. Vou reger também e vinculá-lo ao currículo da banda.
— O quê? — Eu repito.
Já que é um evento da banda. Uau. Codirecionar com Reid é uma
reviravolta na história. Mas o Sr. Jacobson – meu pai – chamando
nossa proposta, meu show, de evento da banda. É demais.
— É um compromisso perfeito — diz a Sra. Mulaney. — Todos
podem trabalhar em direção ao objetivo comum de montar Melted: O
Musical. Já estou imaginando algumas dessas cenas como números
musicais.
— Quero dizer, é baseado em Frozen — diz Fitz.
— Exatamente! — A Sra. Mulaney se agarra ao acordo, não
querendo deixar entrar mais nenhum drama hoje. — Além disso, o
comitê escolar estará na plateia, avaliando a execução. O orçamento do
próximo ano pode depender muito do sucesso deste evento.
Eu engulo.
— Defina “sucesso”.
— Um público esgotado. A atenção da mídia local também não
faria mal. Pense nisso como uma oportunidade de provar como sua arte
agrega valor a esta comunidade.
A entrega da Sra. Mulaney é tão casual que tenho que rir. Agrega
valor? Somos estudantes.
Eu vejo tantos bagels de pizza no meu futuro.
Somos dispensados e Henry sai correndo da sala primeiro, não
querendo perder muito da aula de Literatura, mesmo no meio de uma
catástrofe dramática total. Todo mundo sai do escritório, atordoado,
enquanto papai, Reid e eu olhamos um para o outro por um descanso
de quatro tempos.
Papai sorri para mim.
— Bem, parabéns, Natalie. Melted está acontecendo.
— Eu fiz algumas pegadinhas inofensivas. Você arruinou um show
inteiro! Como isso se tornou meu problema? — Reid pergunta.
— Você vai querer isso em seu currículo, Reid. Não vamos para DC
este ano.
Reid e eu reagimos em uníssono.
— O quê?
Todos os anos, a banda tem classificação alta o suficiente para se
apresentar na final nacional em Washington DC.
— Melted está saindo do orçamento da banda e não temos como
pagar por ambos. Analisamos alguns números – e, em última análise, os
custos de Melted são baixos e o potencial de receita é alto. Financiar
uma viagem para fora do estado de uma forma que torne os custos do
bolso acessíveis é praticamente o oposto. Portanto, neste semestre, nos
concentraremos em Melted e em entregar um grande show... e depois
recalibrar para o circuito local de festivais na primavera.
— Uau. OK. No fim, você realmente venceu, Natalie — diz Reid.
— Isso não é vencer — insisto.
Papai coça a barba.
— Vocês não podem tentar ter a mente aberta?
— Sobre você transformar Melted em uma coisa da banda?
— Na verdade, eu vi potencial, arrisquei o pescoço por você e agora
tenho que dizer aos meus alunos que nossa maior viagem do ano foi
cancelada – e ainda não é o suficiente para você.
As palavras de papai parecem água fria despejando na minha cabeça.
Não me sinto assim desde a última vez que peguei meu clarinete.
Abro a boca para retrucar, depois fecho porque não tenho resposta.
Eu tenho uma produção. Uma chance de dirigir e mudar o destino
do clube de teatro. Eu não posso estragar tudo de novo. Devo isso aos
meus amigos e a cada assinatura do HAVE A HE(ART) para levar isso
até o fim. Mesmo que isso signifique viver meu pesadelo.
— Então. Codiretor — Reid diz, sarcasmo pesado em sua voz. —
Quando devemos nos encontrar para discutir a reescrita? Eu tenho
anotações. Especificamente, estou curioso sobre o segundo ato,
quando–
Eu giro nos meus calcanhares e ando pelo corredor em direção aos
poucos minutos finais da aula de pré-cálculo. O teatro sempre foi meu
único alívio da intensidade artística que irradia de Reid e do meu
pai. Agora, nem mesmo a coisa que sempre foi minha coisa está
segura. Foi infiltrada por Reid, pelo meu pai, pela música. Mas de jeito
nenhum vou deixar Reid entrar e torná-lo seu. Ele já fez isso comigo
uma vez.
Não vou deixar isso acontecer de novo.
CAPÍTULO DEZ

— A Sra. Mulaney sabe que temos que... escrever este musical, certo?
Reid é a primeira voz a falar quando papai nos conta a programação
da produção. É quarta-feira à tarde e estamos em um círculo de seis
cadeiras no centro do palco, na sala de música. A sala de aula do papai
ter se tornando o ponto de encontro oficial de Melted: O Musical é o
pior. A equipe criativa consiste em mim, Henry, Fitz, Danica... e
Reid. Makayla tem condicionamento de pré-temporada depois das
aulas, mas promete entregar um cenário incrível com o resto da equipe
de artes. Arjun é, eu cito, responsável pelo gerenciamento de palco
quando tiver algo para gerenciar.
Danica franze a testa com a programação.
— Cinco semanas para adaptar uma peça a um musical? É quase
como se ela quisesse que fracassemos.
— Quer dizer, nós temos um roteiro — diz Fitz, descascando o
polegar esquerdo de sua manicure azul. Seu tom é entediado e ela não
levanta os olhos das unhas, um mecanismo de defesa contra o estresse
porque, em musicais, os protagonistas geralmente cantam.
O joelho de Reid balança em colcheias precisas.
— Mas agora é mais do que um roteiro. Precisamos de
letras. Música. Comecei a escrever... mas nunca compus para uma
orquestra completa antes.
Eu franzo a testa.
— Você começou a escrever?
Ele afirma.
— São apenas três músicas até agora, mas Logan e Lacey pensam…
Eu interrompo Reid.
— Apenas três?
Reid deveria estar tão irritado quanto eu por isso estar acontecendo!
Chorando com seus colegas músicos e tudo o mais! Não escrevendo
três músicas completas!
Reid encolhe os ombros.
— Não é como se tivéssemos tempo a perder. Reli o roteiro e me
senti inspirado, acho. Eu não sei. Você quer ouvi-las ou não?
Não. Sim. Eu não sei.
— Sim — papai responde em meu nome, lembrando-me que o Reid
escrevendo canções não é a pior parte de toda essa situação de Melted:
O Musical – esse prêmio vai para meu pai, que está sentado à minha
frente, no modo Sr. Jacobson total. — Acho que é um ótimo lugar para
começar.
— Eu também — diz Danica. Ela enfia a mão na mochila e tira um
caderno da Elsa que diz MÚSICA DE MELTED em letras de forma
perfeitas. Seus lábios cor lavanda se abrem em um sorriso. — Eu não
escrevo música, mas como a especialista musical da casa, tenho muitas
ideias. Felizmente, não estamos trabalhando do zero. Nós
temos Melted, a peça. Mas também temos Frozen para pegar as vibes.
Henry balança a cabeça.
— Não é Frozen.
— Mas acho que podemos nos inclinar para o tema oposto a
Frozen — diz Reid, remexendo em sua mochila e tirando seu caderno
de composição. — Adicionar alguma familiaridade para o nosso
público.
— Sim! — Danica concorda, e uau, odeio como Danica e Reid estão
na mesma página. — Exatamente.
Reid balança a cabeça e se senta ao piano. Ele abre seu caderno de
composição e começa a tocar um medley de canções que compôs para
nosso show. O show meu e de Henry. As músicas têm títulos como
Keep It In, Do You Wanna Build a Fire?, e Hate Is a Closed Window
– e enquanto os nomes das músicas são inspirados no conceito oposto
ao de Frozen, quase como se fosse uma piada... a música que Reid
compôs é totalmente original. Reid acompanha suas próprias melodias
e descreve como cada peça poderia se encaixar no show, já que as letras
ainda são um trabalho em andamento.
Eu me levanto.
— Isso não vai funcionar.
— Nat, eu também estava cético, mas isso não é ruim — diz Henry.
Eu juro, Henry parece impressionado.
Danica pisca para mim.
— Quero dizer, este é obviamente um rascunho. Mas tem potencial.
Até mesmo Fitz dá de ombros. Nesse ponto, ela fez um progresso
significativo com a mão esquerda e tem uma pilha de esmalte azul seco
no colo.
Henry acena com a cabeça.
— Natalie, como colega codiretor, sei que não foi isso que
planejamos, mas...
— Henry!
— Você pode me deixar terminar minha frase? Só, tipo, pela
primeira vez! — Henry se exalta.
Uau.
O que isso significa?
Silêncio.
— … isso ainda tem potencial para ser ótimo. Isso é tudo — Henry
termina.
— Mas já está tão errado — insisto. — Você não pode simplesmente
começar a escrever canções, Reid. Não é assim que uma colaboração
funciona.
Os dedos de Reid se chocam contra o teclado em dó menor.
— Lamento que você tenha me inspirado! — A nota desaparece no
silêncio e eu sei que as pontas das minhas orelhas estão rosadas. Reid
engole. — Eu sempre gostei de Melted. Isso nunca foi uma
brincadeira. OK?
De repente, percebo que meus amigos – e meu pai – estão
testemunhando o que parece ser uma conversa particular entre Natalie
e Reid. Eu devolvo.
— Henry e eu ainda deveríamos estar envolvidos antes que qualquer
escrita acontecesse. Na verdade, eu também quero estar envolvida no
processo de composição.
— Na-ta-lie — Reid diz lentamente, enunciando cada sílaba
enquanto seus dedos começam a se mover para cima e para baixo no
piano. — Eu liguei para você, tipo, doze vezes na noite passada. Como
podemos colaborar se você não atende o telefone?
Pego meu telefone e clico para ver as chamadas perdidas e... estou
com o Reid no modo não perturbe.
Papai limpa a garganta, parando o drama.
— OK. Estou encerrando a reunião. Todos podem ir para
casa. Codiretores, juntem-se. A Sra. Mulaney quer a aprovação do
roteiro em meados de novembro e uma lista do elenco antes do Dia de
Ação de Graças. A apresentação de uma noite do Melted: O
Musical será no dia 6 de fevereiro. Está apertado? Sim. Mas é factível,
supondo que nos juntemos e comecemos a agir como profissionais.
Exceto que, não somos profissionais. Somos alunos do ensino
médio.
Esse é meio que o ponto principal.
— Posso ser honesta, Sr. J? — Danica pergunta.
Papai acena com a cabeça.
— Por favor.
— Eu acho que Henry e eu deveríamos codirecionar — Danica diz,
e cinco pares de olhos encontram os dela. — Olha, eu deveria ter sido
presidente do clube de teatro musical. Henry também seria o
presidente do clube de teatro. Como formandos, é nossa última chance
de assumir um papel de liderança. Para Natalie e Reid, isso é uma
punição. Acho que devemos considerar que para alguns de nós... dar
um show este ano realmente significa algo.
Meus olhos se voltam para Henry em descrença, mas não consigo
ler sua expressão. Isso é sério?
— Isso não é justo — diz Reid. — Sim, Natalie e eu fomos jogados
juntos como codiretores. Mas nós é que ainda vamos estar aqui no
próximo ano. Temos algo pelo que lutar.
Eu... concordo com Reid?
Henry... quer me abandonar por Danica?
Impossível. Tudo isso.
Eu olho de volta para meu pai, que me olha como se ele estivesse tão
longe de suas profundezas.
Portanto, nosso primeiro ensaio termina com um tom estranho e
confuso. Eu vejo Danica e Henry arrumando suas coisas para ir
embora. Danica diz a Henry que ela o verá no grupo de estudos. Henry
sorri e acena, fechando o zíper de sua mochila e jogando-a por cima do
ombro, saindo de cena sem nem mesmo dizer adeus, e eu realmente
superei a atitude passivo-agressiva.
Eu o sigo para fora da sala da banda e pelo corredor.
— O que foi isso? — pergunto.
Henry se vira para me encarar.
— Eu tenho que trabalhar, Natalie.
— Você está chateado com a guerra de pegadinhas — digo.
— Nossa peça se tornou um castigo e um exercício de formação de
equipe para você e o Callahan.
— Me desculpe! Mas brigando comigo na frente do
grupo? Codirecionando com Danica? Eu sei que vocês são amigos... ou
talvez mais? Eu nem sei! O que está acontecendo?
— Eu gostaria de saber! — Henry admite. — Eu sei que nós nos
divertimos juntos. Dani está passando pelo estresse do último ano
também. É bom conversar com alguém que entende.
A entrega de Henry é tão casual que dói. Somos melhores amigos há
quase uma década... mas agora Danica entende? Sei que ainda não
estou me inscrevendo para faculdades, mas Henry sabe que entendo o
estresse disso – o estresse financeiro, o estresse da tomada de decisões
importantes. Posso ajudá-lo se ele falar comigo. Mas acho que ele está
com Danica agora.
Não consigo descobrir como dizer isso – então volto para Melted.
— Nós deveríamos ser codiretores — digo.
— Honestamente, não tenho certeza se quero ser um codiretor —
Henry admite. Ele exala, como se dizer essas palavras em voz alta fosse
um alívio. — Ainda vou às reuniões, mas preciso dar um passo
atrás. Não estou qualificado para dirigir um musical. Não quero dirigir
um musical. Ou estar no meio de você e do Reid.
Henry não quer codirecionar com Danica.
Mas ele não quer codirecionar de jeito nenhum.
— Você está terminando comigo? Em termos de direção?
— Três é uma multidão — diz Henry. — E preciso me concentrar
nas inscrições para a faculdade e em fazer mais no restaurante.
— O que mudou?
Henry encolhe os ombros.
— Nada. Tudo. Eu não sei. Eu amo escrever e adorei nosso clube de
teatro de baixos riscos. Sempre deveria ser tranquilo. Apenas para
nós. Diversão. Mas não pode ser isso agora. Não com um orçamento
inteiro em jogo.
Eu balancei minha cabeça.
— Nós deveríamos ser Jacobson e Chao.
— Ainda somos — Henry insiste. — Só que apenas uma dupla de
escritores, eu acho.
Henry vai embora... e estou tão confusa. Colocamos muito trabalho
nisso. E eu sei que temos que trabalhar mais ainda para
adaptar Melted para um musical. Mas ainda. Agora que nosso show
está acontecendo, de verdade, Henry quer... dar um passo para
trás? Porque Melted não é mais... tranquilo? Não é legal querer fazer
um show decente? Para proteger o que criamos? Henry e eu sempre
estivemos na mesma página sobre tudo, especialmente teatro, e pela
primeira vez... não estamos.
Mas o objetivo de escrever e dar tão duro por Melted – além de
salvar um clube de teatro em crise – é que possamos fazer isso juntos,
antes que Henry se forme e tudo mude.
Talvez já tenha mudado.
CAPÍTULO ONZE

Eu estou sublinhando Melted: O Musical na mesa da cozinha, na


tentativa de imaginar uma versão musical. No fundo, Melted é sobre
Adina e Emma tentando salvar um mundo em chamas, sobre aprender
a se apoiar uma na outra e reverter uma crise climática. Melted foi
inspirado pela ansiedade muito real e constante que meus amigos e eu
sentimos em relação ao futuro de nosso planeta. Como alguém... faz
música disso? Eu não tenho uma visão ainda. Mas eu preciso de uma, o
mais rápido possível. Porque Henry, Reid e eu temos nossa primeira
tentativa de colaboração esta tarde. Não tenho nenhuma expectativa
de como isso vai correr.
— Ei, Lee.
Eu minimizo minha tela ao som da voz de minha mãe.
— Oi.
Mamãe entra na cozinha, colocando seu laptop na mesa.
— Como vai Melted?
— Vai OK — minto. — Como vai a escrita?
Ela abre a geladeira e despeja uma bebida gelada de uma jarra sobre
o gelo antes de se sentar ao meu lado.
— Eu estou… cautelosamente otimista. Na verdade, meus alunos
estão me inspirando.
— Como assim? — pergunto.
— Bem, um dos meus alunos, Travis, está na aula errada. Mas ele
não desistiu, e acho que é porque ele está debatendo a validade dos
livros de romance com a Elisa. Ela absolutamente eviscerou sua
primeira entrada no workshop.
— Um babaca literário em uma aula de romance é uma premissa
que preciso.
— Eu também precisava. — Mamãe sorri para mim e sua energia é
contagiante – quase uma reminiscência de antes do bloqueio
criativo. — Eu tenho vinte mil palavras nisso... o suficiente para que eu
precise delinear antes que tudo desmorone. Talvez possamos ter uma
sessão de brainstorming em breve?
— Definitivamente — digo. Sessões de brainstorming são um
retrocesso à época em que meu amor pela dramaturgia
emergiu. Passávamos horas em um fluxo de ida e volta, identificando a
motivação, aumentando as apostas, terminando as frases uma da outra
e fazendo perguntas importantes para inspirar a próxima cena. Então
nós escrevíamos. Enquanto mamãe trabalhava em seu livro, eu
adaptava as ideias que havíamos acabado de criar em cenas curtas,
apenas me preocupando com o diálogo e a emoção transmitidos nesses
momentos.
Então veio o bloqueio de escritor. Achei que sessões de
brainstorming resolveriam isso, mas... não resolveram.
Não me lembro da última vez que tivemos uma.
— Eu honestamente preciso disso para Melted, agora que é um
musical.
— Isso significa que posso ler? — Mamãe pergunta.
— Pode ser. — cedi. — Se eu puder ler suas páginas.
— Combinado — mamãe diz com um sorriso. — Pode ser. Às vezes
acho que você é a única pessoa no mundo que ainda acredita em mim,
Lee.
Mamãe tampa os ouvidos com os fones de ouvido para trabalhar
enquanto engulo o nó na garganta. É complicado. Eu acredito em
minha mãe, em seu talento. Eu sei como é quando as palavras fluem
para a página e a escrita parece tão certa. É como me sinto toda vez que
escrevo uma linha de diálogo perfeita, como me senti durante todo o
verão trabalhando em Melted. Mas mamãe é um exemplo de como isso
pode dar errado. É tudo o que tenho medo e perigosamente perto de
como me sinto agora – presa e estressada porque as palavras estão se
tornando um trabalho.
Talvez Henry esteja certo. Talvez tudo isso seja demais agora.
Mas ver os dedos da mamãe voando pelo teclado, suas palavras
voltando como se nunca tivessem saído, lembrando como é a sensação
de escrever quando funciona, é a motivação que preciso seguir.
Eu tenho que pelo menos tentar.

Horas depois, a música envolve a cozinha no momento em que abro a


porta do porão. Reid está tocando o Concerto para Clarinete de
Mozart em si bemol. Em algum lugar da segunda parte, eu acho. Eu
costumava saber de cor, em outra vida, quando o meu instinto estava
alcançando o clarinete no momento em que chegava da escola. Eu
fecho meus olhos e acesso a parte musical do meu cérebro, tentando me
lembrar. Papai diz que é tudo memória muscular. Se eu empilhar
minhas mãos, a esquerda acima da direita, como se estivesse segurando
meu clarinete, meus dedos tocarão junto com as teclas imaginárias? Isso
me faz pausar.
É por isso que odeio ouvir Reid tocar. Sempre, sempre me faz
pausar.
Eu ignoro a coceira no fundo da minha garganta enquanto desço as
escadas.
Quando empurro a porta do estúdio, Mozart fica sustenido.
— Já? — Reid pergunta, colocando seu clarinete no suporte, em
seguida, movendo-se para o piano elétrico no canto. O clarinete é o
instrumento da banda de Reid e sua alma gêmea musical, mas o piano
veio primeiro, na forma de aulas semanais no ensino fundamental. Ele
só o recuperou de forma significativa no ensino médio, com seu
crescente interesse por teoria musical e composição.
— Infelizmente — respondo.
Reid começa a tocar escalas enquanto eu sento na mesa na parede
adjacente. É impossível separar meus sentimentos sobre o clarinete
deste espaço, e as memórias ressurgem. Instalando paredes com painéis
de madeira, só nós dois, no Chanucá em que eu estava na sexta
série. Assistindo horas de YouTube juntos no computador – tudo,
desde vídeos de teoria musical a curtas animados que me fizeram rir
tanto que lágrimas escorreram pelo meu rosto.
O clarinete foi um ponto de entrada para o mundo do meu pai, mas
as memórias não são todas musicais.
— Codiretora! Você poderia pelo menos fingir que está ouvindo.
O sarcasmo de Reid me traz de volta à realidade.
— Eu estou — insisto.
Ele vira uma página de seu caderno de composições e um cacho fora
do lugar cai em seus olhos.
— Certo. Agora este próximo–
— Devíamos esperar pelo Henry — digo.
Eu verifico meu celular pela milionésima vez e finalmente tenho
uma atualização.

Henry Chao
LIVRE DAS PROVAS PARA SEMPRE
12h10
ALIÁS Dani estava falando sobre querer ver a nova comédia
romântica da Mindy Kaling e eu disse que deveríamos ir vê-la
e ela topou!!
12h11
... exceto que ela pensou que eu disse que deveríamos ver
AGORA
12h12
EU SINTO MUITO. Aguente firme! Você consegue! Não é
como se eu fosse ser de muita ajuda na frente musical de
qualquer maneira...
12h13
Eu pisco para o meu celular. Henry está abandonando eu
e Melted para um encontro no cinema com a Danica?
Quer dizer, isso tem sentido. Eu não deveria estar surpresa. Mas
mesmo assim. Henry prometeu que estaria aqui. Para
apoiar. Consultar. Estas foram suas palavras. Pela primeira vez, pensei
que estaria lutando contra Reid em uma aliança majoritária com Henry
ao meu lado. Em vez disso, ele escolhe um filme com sua nova... melhor
amiga Danica? Namorada Danica? Solidariedade entre formandos
Danica?
O rótulo importa mesmo?
Agora tenho que lidar com a situação sozinha. Levanto-me e rolo
minha cadeira pela sala até o piano, em uma posição melhor para
colaborar ou algo assim, e me sento de pernas cruzadas.
— Você pode tocar Do You Wanna Build a Fire? do começo?
— pergunto.
Os olhos de Reid encontram os meus. Eles estão mais marrons do
que verdes hoje.
— Claro.
Eu coloco meu telefone virado para baixo no piano e envolvo meus
joelhos.
Reid começa a tocar.
Eu o interrompo quatro compassos depois.
— É muito extravagante.
Reid suspira.
— Eu prometo que é.
— Isso não soa como luto — retruco. — Talvez diminua a
velocidade. Ou–
— Natalie, vou aceitar toda e qualquer crítica depois de tocar. OK?
— Tudo bem — concedo.
Assim que me concentro em Reid, lembro por que evito o
estúdio. Por que eu não vou a shows da banda. Vê-lo tocar música me
faz sentir coisas de uma forma nojenta que não é compatível com o
resto da minha essência. Seus dedos se movem para cima e para baixo
nas teclas com facilidade, os ombros subindo e descendo com a
melodia. Cachos continuam caindo em seus olhos e isso me distrai
tanto.
Então, fecho meus olhos e me forço a separar a música do músico.
Eu me permito ouvir o potencial – do calor transmitido em Do You
Wanna Build a Fire? para o slow-burn emocional em Hate Is a Closed
Window que culmina em Adina acidentalmente incendiando a única
casa que ela já conheceu. Eu sinto a intenção em cada progressão de
acordes, até a intensidade silenciosa do motivo que une a música.
Não tenho certeza se entendi como Melted poderia soar até
agora. Mas agora sim.
É a pior coisa.
Em seguida, a nota muda e ele passa para o potencial ladrão de cena,
Keep It In. O solo de Adina. Reid escreveu a letra dessa música e ela não
está bem certa – o tom é um pouco inseguro demais. Adina não sai de
Infernodelle por falta de confiança. Ela está com medo.
Mas com a letra certa, a música poderia funcionar.
Espera. Não. Há um pequeno problema–
— Adina não pode ter nenhuma música — digo.
Reid para de cantar, mas não para de tocar.
— Adina é a protagonista.
— Fitz não sabe cantar.
Eu sussurro como se Fitz fosse pular de trás do piano para dizer que
a ofendi.
As sobrancelhas de Reid franzem, confuso.
— Todo mundo tem que fazer um teste, certo?
Quero dizer, sim. Mas não a Fitz.
— Fitz está fixa em interpretar Adina — digo, firme.
Reid finalmente para de tocar e passa a mão pelo cabelo, frustrado.
— OK. Eu sei que ela é sua amiga, mas ela deveria ser Adina
na peça. Este é um musical agora e sinto muito, mas não podemos
escalar uma atriz que não sabe cantar.
— Henry e eu escrevemos Adina para Fitz. Não vamos mudar o
elenco.
— Onde está Chao, de qualquer maneira? — Reid pergunta. —
Você não disse que ele deveria estar aqui?
Eu mastigo o interior da minha bochecha.
— Eu sei. Mas ele concordaria.
— Concordaria em tornar algo já difícil, impossível? Isso nem
deveria ser meu problema! — Reid diz. — Eu deveria passar meu
sábado focado na minha audição em Albany. As chances de eu entrar
já são baixas, mas com Melted no meu prato? Estou totalmente
ferrado.
Eu reviro meus olhos em resposta.
— O que? — Reid pergunta.
Eu dou de ombros.
— Eu não acho que isso seja um problema real. Você vai entrar.
— Oh. Obrigado — Reid diz, em sua voz de piano.
O silêncio se instala entre nós, uma medida longa demais. Não sei o
que há de errado comigo, porque elogiar Reid é a última coisa que faço.
Então eu me volto.
— Posso ouvir outra música?
Reid começa a tocar progressões de acordes.
— Sim, claro. Vou tocar o início de In Winter. Não está terminado,
mas quando você estiver ouvindo, imagine-o como seu grande número
de dança de sapateado padrão Broadway, ok?
Eu levanto minhas sobrancelhas.
— Melted não precisa de um número de sapateado padrão
Broadway.
Ele para de tocar.
— Eu também não achava, mas depois de falar com Danica, fui
sugado para algumas pesquisas na noite passada...
Eu franzo a testa. Danica? Pesquisa?
Reid pega sua mochila encostada na parede e tira seu laptop.
— Danica me enviou alguns números de dança e parece necessário
incluir um agora. Eu vou te mostrar...
— Você não pode simplesmente tocar a música? Não estamos nem
perto de ter coreografia.
— Quero dizer, eu posso. Mas você precisa acreditar na dança. Caso
contrário, você não vai entender.
Reid abre o YouTube e se senta no banco, o suficiente para que haja
bastante espaço para eu sentar ao lado dele, como se fizéssemos isso o
tempo todo. É estranho ver uma versão totalmente diferente dele. Um
Reid que escreve músicas de show originais na minha frente e meio que
brilha com a perspectiva de sapateado em vez de sorrir afetadamente
para Mozart.
— Eu gostaria de ter a habilidade para fazer isso — diz Reid,
apontando para a tela.
Isso me lembra que musicais são domínio de Reid. A música sempre
vinha primeiro, mas muitos garotos da banda também faziam teatro
musical, na época em que os títulos daquelas produções tinham o Jr. no
final e exigiam menos compromisso de tempo. A audição desanimada
de Reid o levou a estrelar The Music Man Jr. na oitava série – um papel
que foi tanto sua estreia quanto seu ato final.
Ele puxa uma sequência de vídeos tão rápido e passamos os
próximos vinte minutos assistindo a uma mistura dos números
clássicos de Anything Goes e 42nd Street, em seguida, passamos para
os favoritos mais recentes de Reid – Newsies, Aladim e The Book of
Mormon.
— Viu? É música também — diz Reid.
Eu encolho os ombros, mas entendo porque Reid está escrevendo
um número de dança. Assistir os dançarinos criarem música com seus
corpos é como ver as palavras em um roteiro executado perfeitamente
no palco.
Reid fecha seu laptop.
— Os dançarinos e a música estão intimamente ligados,
certo? Então, quando eu toco... você tem que
imaginar isso acrescentando algo.
Eu aceno com a cabeça porque, apesar de tudo, estou intrigada.
Reid se lança na música – um número conjunto de alta energia e
caprichoso, que faz o elenco sonhar acordado sobre experimentar um
inverno de verdade, algo que Infernodelle, é claro, nunca viu antes. Eu
bato meus pés com a música inconscientemente, adicionando onde as
batidas se encaixariam na melodia. Reid está tão perdido na música
quanto eu. Seu joelho bate no meu quando ele pressiona o pedal e eu
fico de pé, voltando para minha cadeira de rodinhas, de repente muito
consciente de quão próximos estamos, e quão íntimo isso é, sentar em
um banco de piano com Reid.
Ele para de tocar e me olha com expectativa. Como se o que tenho
a dizer importasse para ele.
— Eu gostei — digo, e antes mesmo de dar permissão, minha mente
está correndo com notas, ideias. — E se a última ponte mudasse de
nota?
Espero que ele zombe e explique as virtudes de manter a música em
Fá maior, mas em vez disso Reid pega meu comentário e o testa, ao vivo,
diante dos meus olhos. Ele brinca com as progressões de acordes antes
de subir um tom na ponte.
— Como ficou? — ele pergunta, e soa exatamente como eu
imaginei que seria.
— É isso — digo. Me surpreende o quanto eu quero dizer isso.
Passos descem os degraus do porão e papai entra no estúdio, uma
transição de cena para a qual não estou pronta.
— Natalie! Reid! Vocês estão colaborando? Fique quieto, meu
coração!
Eu reviro meus olhos.
— Por muito pouco.
— Eu estava apenas explicando os méritos de um número de dança
de sapateado da Broadway — diz Reid.
Papai acena com a cabeça.
— Eu tenho dez minutos antes das tarefas do bat mitzvah. Me
mostrem.
Reid toca a nova versão de In Winter – minha versão. Papai fica
perto de Reid e considera cada acorde. Reid endireita as costas, um
ajuste subconsciente sutil, porque ele é sempre aluno do meu pai,
mesmo em uma tarde de sábado. Eu juro, Reid é sustentado pelas
palavras bem feito proferidas por meu pai.
— Mudança de tom inteligente — papai observa com um aceno de
apreciação.
— Obrigado — Reid e eu dizemos ao mesmo tempo.
Com licença?
— Eu pensei–
— Você pode começar do início do segundo refrão? — Papai
pergunta a Reid.
Ele me interrompe. Como se eu nem estivesse aqui. Dou a Reid
uma ideia, tento colaborar – e ele leva o crédito cinco segundos
depois. Pego meu telefone em cima do piano e puxo meu suéter cinza
enorme para perto de mim, percorrendo o Instagram e contando as
medidas até que outra colaboração entre Reid e meu pai acabe.
— Boa sorte em encontrar uma dúzia de dançarinos — murmuro
enquanto meu pai sai do estúdio.
Reid para de tocar e me lança um olhar fulminante.
— Você quer dizer Danica e todos os seus amigos do teatro musical?
Eu aperto minha mandíbula, mas não vou ceder.
— Certo. Mas não vamos congelar os atores que não sabem cantar
ou dançar.
Os ombros de Reid ficam tensos.
— É um musical.
— O objetivo é representar todos os departamentos que foram
cortados. Não apenas os de música. Tudo isso é um meio-termo, então
você e sua "visão" também precisam se flexibilizar. Falando nisso, este é
um bom começo, mas não podemos aprovar nada sem o Henry.
Reid franze a testa.
— OK. Mas onde ele está?
— Preso no restaurante — minto. Mesmo que eu esteja irritada, não
vou expor que Henry está interessado na atriz, não no show. O Chao
Down, pelo menos, é uma desculpa válida.
Reid fecha seu caderno, sua expressão mudando.
— Eu ainda estou me corroendo por dentro. Claramente. Mas eu
prometo que estou falando sério sobre isso. Eu vou aparecer.
— OK.
— Natalie, eu estou falando–
— Sério. Eu sei. Você sempre está.
Reid franze a testa enquanto afrouxa a ligadura de seu clarinete para
mudar a palheta, já pronto para voltar ao ensaio.
— Isso é um problema? Tudo o que eu digo vai ser um
problema? Somos codiretores. Temos que pelo
menos tentar colaborar.
A risada que escapa dos meus lábios é aguda.
— Então você pode ficar com todo o crédito? De jeito nenhum.
— Então, como isso vai funcionar?
— Você escreve a música. Vou escrever a letra. Sozinha.
Reid franze a testa.
— Natalie, isso não é–
Abro a porta do estúdio e saio antes que Reid termine sua frase,
incapaz de impedir meu cérebro de voltar ao meu pai elogiando
Reid. Especialmente depois de como reagi às músicas. Isso me faz me
arrepender de ter baixado a guarda, mesmo que por um momento. Não
vou deixar seu talento musical dominar minha visão. É uma verificação
da realidade necessária, um lembrete de que codirecionar com Reid é
absolutamente um problema sem solução real.
Porque quando se trata de Reid e música, sempre será uma
competição.
Mesmo quando deveríamos estar no mesmo time.
Superada

No início da sétima série, eu, Natalie Jacobson, era a melhor clarinetista


da Lincoln Middle School.
A primeira cadeira foi a validação. As horas que passei praticando
todos os dias, as bolhas de batalha que eu superei – tudo valeu a
pena. De acordo com a Sra. Sullivan, eu era a melhor. Eu. A primeira
cadeira provou que eu era uma música talentosa, provou que meu pai
estava investindo sua energia no aluno errado.
— Parabéns! — Os braços de Madeline me envolveram em um
abraço surpresa por trás, já que os saxofones estavam na segunda fileira.
— Bom trabalho — disse Reid, desmontando seu clarinete com um
encolher de ombros. — Você me superou.
Eu levantei minhas sobrancelhas, desconfiada, mas decidi jogar
boazinha. Quer dizer, teríamos que sentar um ao lado do outro o ano
todo, então é melhor tentar ser civilizada. Além disso, eu ganhei.
Não havia sentido em ser uma idiota.
Exceto que acabou não sendo o caso. Porque, é claro, seu espírito
esportivo era temporário. Em uma semana, ficou claro que Reid estava
em uma missão para tornar minha vida de banda a mais miserável
possível.
Depois que a aula acabou, Reid caminhou até Madeline enquanto
ela estava guardando seu saxofone.
— Ei, Madeline… — Reid engoliu em seco, nervoso — eu estava me
perguntando se, hum, talvez você... queria ver o novo filme do Capitão
América neste fim de semana?
Eu escondi meu sorriso enquanto desatarraxava a ligadura do meu
clarinete para remover minha palheta, antecipando a expressão no
rosto de Reid quando ele fosse rejeitado pela segunda vez em duas
semanas.
— Claro. Ok — Madeline respondeu simplesmente.
Minha palheta se partiu ao meio.
Eu me virei na minha cadeira, a primeira cadeira, tão rápido para ver
que Madeline estava sorrindo nervosamente para Reid e ele estava
sorrindo de volta – não sorrindo, sorrindo.
Nada fazia sentido.
Os olhos de Madeline encontraram os meus depois que Reid se
afastou, arregalados com uma pitada de culpa.
— Você está brava?
— Estou confusa. Nós odiamos Reid. Mas você vai a um encontro
no cinema com ele?
Madeline fechou a caixa do saxofone.
— Eu sei que vocês têm história. Mas acho que Reid é legal. Eu...
acho que não quero fazer parte disso.
Naquele momento, um dos meus medos mais profundos se tornou
realidade. Madeline não apenas tolerou Reid ou riu de seus trocadilhos
idiotas de sopro. Ela gostava de Reid. Durante o verão, Madeline foi
cem por cento Time Reid É O Pior. Mas como ele ia para outra escola,
ela só o conhecia por meio de histórias de nossa rivalidade. Agora, os
olhos mutantes de Reid e o cabelo extra-flexível a transformaram em
uma total estranha.
Pega de surpresa, tudo que eu pude fazer foi gaguejar, "O-Ok."
Eu liguei para Henry por vídeo depois da aula.
— Não entendo. Reid é o pior. Madi sabe disso!
Henry deu de ombros, sua franja (sim, franja) caindo em seus olhos.
— Eu acho que você precisa deixar Madeline descobrir sobre Reid
ela mesma.
— Então, deixá-la ir a um encontro? Henry! E se Reid estiver
usando Madi para se vingar de mim? Pela primeira cadeira? Isso tudo
pode ser uma pegadinha.
— Isso seria ferrado, até mesmo para Reid.
Eu ouvi as palavras de Henry, mas ainda assim me agarrei a essa
teoria. Reid mexendo comigo? Eu estava acostumada com isso. Mas
mexer com Madeline? Não. Não estava bem.
A noite do encontro chegou naquele fim de semana, e eu passei a
noite inteira esperando que fosse um desastre. Mas quando Madeline
me ligou por FaceTime na manhã seguinte, ela se emocionou sobre o
quão doce Reid é. Babando. Sobre Reid.
E então, simplesmente assim, ele era seu namorado.
Tínhamos literalmente 12 anos, então o “relacionamento” consistia
principalmente em segurar as mãos e almoçar juntos. Mas ainda era
uma tortura completa. Almocei na mesma mesa que Reid por uma
semana inteira! Fiquei esperando Reid pisar na bola, mostrar suas
verdadeiras cores, que tudo isso era um esquema de vingança.
Mas eu não podia esperar para sempre. Eu tive que me intrometer.
Henry estava certo. Eu precisava deixar Madeline formar suas
próprias opiniões sobre Reid.
Dizer a ela que Reid era o pior claramente não funcionou.
Mas e se eu mostrasse a ela?
CAPÍTULO DOZE

Juntar os convites para o bat mitzvah de Delia é um assunto de família.


Planejar um bat mitzvah é como dirigir uma peça – os meses gastos
organizando a logística, a lentidão de ensaiar o roteiro... e então a
semana de ensaios, onde tudo precisa acontecer de uma vez. Exceto
que, são semanas de ensaio. Seis semanas, para ser mais
precisa. Tempos de crise. Convites precisam ser entregues, peças
centrais precisam ser desenhadas, uma apresentação de slides exagerada
da vida de Delia precisa ser criada (meu trabalho), discursos precisam
ser escritos. O próximo mês e meio consiste basicamente em uma lista
interminável de tarefas a fazer de bat mitzvah, o que já seria muito sem
a lista interminável de tarefas a fazer sobre Melted junto dela, agora que
tenho que transformar o script em músicas.
É muito.
Mas a contagem regressiva para o dia de Delia – cinco de dezembro
– começou. Delia enfia seus convites, estilizados para parecerem passes
de temporada, em envelopes, papai os sela com um adesivo de bola de
basquete, mamãe os endereça com sua caligrafia perfeita e eu
carimbo. Episódios de Gilmore Girls que sabemos de cor são
executados ao fundo. Eu nunca não vou morrer quando Luke empurra
Jess no lago, o que acontece no momento em que mamãe tira os olhos
da lista de convidados.
— Monica D.? — Mamãe franze a testa, a caneta suspensa acima da
lista final de Delia.
— Achei que qualquer pessoa chamada Monica não tivesse sido
convidada? — papai pergunta.
Delia engole.
— Elas são OK. Agora somos… amigas.
Eu mostro a Delia um olhar intenso de desde quando?
— Dee.
— O quê? — Delia diz. — Elas são convidadas. Podemos trocar de
assunto?
— Claro — mamãe diz em sua leve voz de isso é um teste,
começando a escrever o nome no envelope.
— Espere… — Delia diz antes mesmo de mamãe ter pontuado o I.
— Podemos ignorá-las por agora?
Mamãe deixa cair sua caneta.
— Ok, Dee Marie. O que está acontecendo?
Delia suspira.
— Hannah diz que não estou fazendo nenhum esforço com as
Monicas. Então, eu quero tentar. Porque senão vou perder Hannah
para as Monicas – e isso seria um milhão de vezes pior do que lidar com
elas no meu bat mitzvah.
Delia sai da cozinha, as lágrimas transbordando em suas
pálpebras. Mamãe deixa cair a caneta e se levanta, mas eu balanço
minha cabeça e digo a ela que resolvo isso. Sigo Delia escada acima e
pela porta do quarto, onde ela se senta na beira da cama e desliza pelo
telefone tão rápido que não consegue realmente olhar para nada.
Sento-me ao lado da minha irmã e envolvo meus braços em torno
dela até que ela deixe cair o telefone.
— Tudo é um lixo. — Delia enxuga os olhos. — Não sei o que está
acontecendo conosco.
— Ensino fundamental — digo.
Lembro-me muito bem.
— Mas é como se eu nem a conhecesse mais. Ou como se ela não me
conhecesse do jeito que eu pensei que ela conhecesse. Ela acha que não
estou convidando as Monicas porque estou com ciúmes. Eu! Com
ciúmes. Eu sou, tipo, não. Não estou convidando elas para um evento
que elas vão apenas zombar.
— Hannah precisa de um choque de realidade. Você falou com ela?
Delia balança a cabeça.
— É sem sentido.
— Hannah é o seu Henry, Dee. E nós não estivemos no melhor
lugar também, então eu entendo como você se sente. Eu sei que o
confronto é o pior. Confie em mim. Mas Hannah precisa saber o
quanto essas microagressões te incomodam, mesmo que não pareçam
ser um grande problema para ela.
— Nós deveríamos ir às compras hoje — Delia diz, evitando minha
pergunta. — Hannah cancelou no último minuto. Ela disse que tinha
muito dever de casa. Mas ela provavelmente estará no fundo dos
Snapchats da Monica G. mais tarde.
— Ou ela realmente tem muito dever de casa — digo. — Eu sei que
não sou a Hannah, mas estou livre esta tarde. — Hoje é para ser o dia
de deixar o dever de casa em dia. Mas o dever de casa pode esperar em
nome de uma crise de irmã. — Também posso enviar mensagens de
texto para a Fitz.
— Mesmo? — A menção de Fitz muda todo o humor de Delia. Na
verdade, não há maior fã de If the Shoe Fitz do que Delia Jacobson. —
Eu ainda preciso de um vestido para o meu culto de sexta-feira.
Envio uma mensagem a Fitz.

Delia está tendo uma emergência de amizade E de moda


11h10

sua tarde está aberta para algumas compras??


11h10
Seu tempo de resposta ao meu texto é a validação instantânea que
anseio.

UM GRANDE EU TAMBÉM
11h11

(11:11 faça um pedidoooo)


11h11

esta é uma zona livre de henry, correto? precisamos conversar


sobre aquele encontro do filme???
11h11

sim! ugh eu sei.


11h12

estou filmando (pare de me distrair), mas vou buscá-las às...


14h funciona?
11h13

você mesmo se distrai fitzgerald


11h14

perfeito!
11h14
— Fitz vai nos pegar às duas — digo.
Delia acena com a cabeça.
— Obrigada, Natalie.
— Compras excessivas não curam todas as feridas, mas sempre
ajudam. Lamento que Hannah esteja sendo uma bundona. Uma
terceira Monica. Será...
Uma batida na porta interrompe meu conselho de irmã. Mamãe e
papai enfiam a cabeça para dentro.
— Sabe, lembro-me de ter vetado um convite para qualquer pessoa
chamada Monica — mamãe diz inocentemente. — Nos culpe.
Nós os seguimos de volta para baixo, e minha irmã pega um Sharpie
preto e risca As Monicas da lista de convidados.

Fazer compras com Delia? É exaustivo.


— Este é o meu pro-ces-so, Natalie — diz Delia, extraindo cada
sílaba individual conforme entramos no provador da Nordstrom Rack,
a quarta loja que visitamos em quatro horas.
— Respeite o processo, Natalie — diz Fitz, com os braços
transbordando de opções de vestidos. Ela apoia o processo de Delia
com uma seleção escolhida a dedo de vestidos, todos de marcas de
origem sustentável e nas prateleiras de liquidação. — Você só tem um
bat mitzvah, sabe?
— Como era o seu? — Delia pergunta.
— Meu tema era Uma Noite em Paris — diz Fitz, passando para
Delia um vestido de chiffon lavanda por cima da porta. — Tínhamos
uma confeitaria local que fornecia bolos e sobremesas. A paleta de cores
era rosa e preto. As minúsculas Torres Eiffel eram as peças
centrais. Esta é a minha verdade: eu sou um clichê.
— Parece perfeito — Delia diz, destrancando a porta do provador e
abrindo para revelar o vestido lavanda que a engole em muito
material. — Ao contrário deste vestido.
Fitz torce o nariz.
— Não parecia tão... cheio de babados no cabide.
— Nem um pouco — concordo.
— Roxo é meu esquema de cores do sábado, de qualquer
maneira. Já tenho esses vestidos — diz Delia.
Fitz concorda.
— Certo! Devemos diversificar.
Ela oferece mais três opções para Delia – um vestido comprido
listrado dourado, um macacão azul marinho e um vestido verde-
azulado com corpete de renda e saia de tule. Tento oferecer
pensamentos de irmã e feedback sobre o desfile de moda, mas as
palavras de Fitz são as únicas que importam.
— Então, você falou com Henry? — Fitz pergunta, seus lábios
vermelhos profundos fazendo biquinho enquanto ela se senta ao meu
lado no banco do provador aberto em frente a Delia. — Eu sinto que
ele meio que nos deixou no vácuo desde o musical. Tornou-se tudo
sobre Danica. Eu me convenci totalmente que estava imaginando
coisas durante o HAVE A HE(ART)... mas uma comédia
romântica? Estrelando minha senhora e salvadora, Mindy Kaling? Isso
é esfregar sal na ferida!
Eu balancei minha cabeça.
— Ele me deixou sozinha com Reid ontem – depois de prometer
que ele iria aparecer! Tentei mandar mensagem para ele, tipo, umas
doze vezes na noite passada, mas nem sei o que dizer a ele. Acho que
não tivemos uma conversa de verdade desde que Melted se tornou um
musical. Ele disse que Melted deveria ser tranquilo. Agora não é. O que
quer que isso signifique.
— Com todo o respeito, você é um monstro de estresse — diz
Fitz. — Tanto Ódio Reid.
Eu bato nela com minha bolsa.
— Te odeio.
Delia ri.
— Ódio Reid. Eu amo isso.
— Vocês duas estão canceladas — declaro.
Fitz revira os olhos e se vira para se inspecionar no espelho do
provador.
— Não é que eu não esteja feliz por Henry. Dani e eu estávamos sem
dúvida nos dando bem durante os ensaios de Melted, mas se ela gosta
de Henry, posso viver com isso. Só que ele está sendo tão superficial
sobre isso. Eu sei que ele é seu melhor amigo… — Fitz pega em sua bolsa
um tubo de rímel e tira o pincel — …mas eu acho que pensei que nossa
amizade importava também.
— Claro que importa, Fitzgerald — digo. Não sei o que diz sobre
mim, que mesmo quando estou irritada com Henry... ainda o
defendo. — É por isso que ele está sendo tão estranho.
— Ele precisa se recompor.
— Todos nós precisamos — admito.
— Eu acho que estou apaixonada — Delia diz, abrindo a porta para
mostrar o macacão azul marinho, um sorriso se espalhando em seu
rosto. Possui um decote em renda com mangas esvoaçantes e fecha na
cintura. — Eu nunca teria considerado um macacão, mas agora estou
obcecada. É fofo! É confortável! Não precisa de bainha!
— Gire! — Fitz diz, e Delia obedece. — Uau. Adoramos um
tamanho P preciso! Tenho uma visão completa que inclui cabelo e
maquiagem.
— Oh meu Deus. Hannah vai... — Delia interrompe o que quer
que ela esteja prestes a dizer a seguir. Engole. — Você é a melhor,
Fitz. Quer dizer, é isso, certo?
— Está claramente falando com você — diz Fitz com um aceno de
cabeça.
— Mais um giro — digo. A visão de Delia em sua roupa perfeita
quase me leva às lágrimas – seja porque ela parece tão adulta ou porque
isso significa que as compras finalmente
estão quase acabando, ninguém sabe.
Delia e Fitz cumprimentam uma à outra e Delia me obriga a posar
para seu story no Snapchat antes de voltar a vestir suas roupas. Elas
conversam sobre todas as coisas de If The Shoe
Fitz enquanto caminhamos para o caixa, Fitz dando a Delia uma
olhadinha nos bastidores da programação de postagens com curadoria
para as próximas duas semanas. Pago pelo macacão e, mesmo com o
preço de venda, ainda preciso conseguir turnos extras no Chao Down
na próxima semana. Mas Delia está realmente sorrindo, então vale a
pena.
Encerramos a tarde na praça de alimentação. Por mais que eu
reclame de fazer compras, foi a maior diversão que tive nas últimas
semanas e uma folga de Melted que eu nem sabia que
precisava. Pedimos milkshakes de chocolate e batatas fritas no
McDonald's e seguimos em direção à praça de alimentação em busca
de uma mesa vazia – e limpa.
Estamos prestes a sentar quando Delia para e vira a cabeça.
— Aquele é Reid?
Com toda certeza, Reid está sentado em uma mesa da praça de
alimentação com seu próprio milkshake de chocolate, lendo Read
Between the Lies, um romance popular de jovens adultos,
completamente absorvido.
Por que Reid está saindo, sozinho, no shopping?
Seguimos Delia, que está caminhando até Reid para dizer oi.
— Ei! — Delia diz.
Reid levanta os olhos de seu livro.
— Delia? Ei! Você melhorou rápido.
Delia franze a testa.
— O quê?
— Elas estão no Francesca ou na Forever 21 — Reid diz, alheio à
confusão de Delia. Só depois que ela torce o nariz, seu gesto de estou
tentando não chorar, é que Reid percebe o que está acontecendo. Seus
olhos se arregalam.
— Oh. Você nunca esteve doente?
— Eu acho que Hannah não tem tanto dever de casa — digo, minha
mão no meu quadril.
Delia previu isso. Eu odeio que ela estava certa.
— É a perda da Hannah, Dee — Fitz diz, apertando seu ombro.
— Podemos simplesmente ir para casa? Eu... não posso dar de cara
com elas — Delia diz, enxugando uma lágrima antes de seguir para o
estacionamento. Fitz segue atrás de Delia e eu também deveria. Deixar
Reid com seu livro sem dar outra palavra.
Mas algo mantém meus pés em seus lugares.
— Eu odeio As Monicas — Reid diz.
De todas as coisas que Reid poderia dizer, estou aliviado que seja
isso.
— Certo!
— No carro, Monica D. ficava me perguntando quanto dinheiro
ganhei para o meu bar mitzvah.
— Oh meu Deus.
— Quer dizer, acho que odeio os pais delas. Elas são crianças. Essa
merda vem de algum lugar.
— Sim. — Tomo um gole do meu milkshake. — Então o que nós
vamos fazer?
A pergunta escapa, não intencional.
Reid bate os dedos na mesa em duas contagens, staccato.
— Nós?
— Quero dizer… — Eu começo, procurando uma maneira de
recuar. Se as pessoas se dessem tapas na cara na vida real, seria eu
agora. — São nossas irmãs! As Monicas têm se mantido entre elas desde
que Delia voltou do Jock Camp.
— Sério? — Os olhos de Reid se arregalam de preocupação. — Eu
sou tão alheio assim?
— Sim. — Reid é como meu pai nesse aspecto. Tudo o mais no
mundo – pessoas, prioridades, problemas – fica em segundo plano
quando eles estão absortos em sua música. — Eu preciso que Hannah
saia dessa espiral do ensino fundamental o mais rápido possível. Delia
quase convidou As Monicas para seu bat mitzvah!
— A sétima série é a pior.
Os olhos de Reid encontram os meus e me levam de volta à sétima
série. Eu reprimo todos os sentimentos que vêm com isso. Isso é sobre
Delia, não eu.
— Uma troca? — Reid pergunta. — Eu vou falar com Delia. Você
leva Hannah.
Nós acenamos em sincronia e eu dou um passo para trás,
recuando desta conversa. Enquanto estou atravessando o
estacionamento, me ocorre que não consigo me lembrar da última vez
que Reid e eu tivemos uma conversa que não fosse sobre Melted. Tipo,
acabei de fazer um plano com Reid? Não contra ele? Eu acho que as
Monicas são um inimigo comum. E Reid é um tanto tolerável quando
está preocupado com nossas irmãs. Mesmo assim. Nós? As palavras
saíram de meus lábios como se eu não pudesse lidar com isso
sozinha. Como se eu precisasse dele. Deve haver algo errado comigo.
Mas então eu vejo as bochechas manchadas de lágrimas de Delia no
espelho retrovisor quando eu deslizo no banco do passageiro da Fitz –
e algumas coisas são maiores do que Natalie X Reid.
CAPÍTULO TREZE

Poucas semanas antes da entrega de um script à Sra Mulaney, Reid


sugere uma mudança no desenvolvimento. Estamos em um círculo na
sala de aula de papai depois da escola, com o objetivo de apresentar um
primeiro olhar para as músicas e a estrutura de Melted: O Musical,
quando Reid se torna rebelde e se lança em uma ideia que eu, sua
codiretora, de forma alguma aprovo.
— Estou tendo problemas para escrever uma música para o Moritz
— diz Reid. — E se o cortarmos?
Eu franzo a testa. Cortar um arco de personagem inteiro – o arco de
personagem do vilão – porque Reid está com bloqueio?
— O quê?
— Me escute — Reid começa, colocando o lápis atrás da orelha —,
Moritz deveria ser o vilão... mas não é o ponto que o vilão não é um
único personagem? Que é o planeta e essa força externa que ninguém
– nem mesmo Adina – pode controlar? O cenário é o vilão.
Eu não consigo nem mesmo com Reid tentando explicar meu
roteiro para mim e entendendo-o errado.
Tão errado.
Todo mundo está mais ou menos indiferente à sugestão de
Reid. Fitz continua desenhando roupas em seu caderno, as
sobrancelhas franzidas, focadas. Henry olha seu celular e Danica digita
números em sua calculadora gráfica. Até papai está em sua própria
zona, corrigindo questionários sobre a escala cromática em sua
mesa. Sei que Reid e eu temos a reputação de que nossas reuniões
evoluíram para brigas improdutivas – mas isso é sério! Isso está além de
uma armadura de clave, uma letra mal feita ou sobre derrubar a noção
de que Reid está transformando Melted: O Musical em uma ópera de
noventa minutos.
— Infernodelle não começou a queimar em excesso aleatoriamente
– eu digo. – Sua sugestão… implica que a mudança climática é
inevitável. Não é.
— Obviamente, isso é verdade — diz Reid. — Mas podemos tomar
liberdades criativas com Infernodelle.
Na minha visão periférica, papai levanta as sobrancelhas, uma
indicação de que mais feedback não solicitado está chegando.
— Você não pode tomar liberdades criativas que impactam a
mensagem — insisto.
— Natalie tem razão — Henry diz, levantando os olhos do telefone.
— Obrigada!
É a maior interação sobre Melted que Henry e eu tivemos nas
últimas semanas. Ele aparece em todas as reuniões depois da escola, mas
tende a fazer várias tarefas do dever de casa, nunca muito presente. Até
agora.
Os olhos de Danica se arregalam e ela levanta as sobrancelhas
perfeitamente moldadas, como se ela tivesse um momento de lâmpada.
—E se em vez de só um personagem principal que representa a
humanidade... usamos o conjunto?
— Eu amo isso — Reid remove o lápis atrás da orelha. — Podemos
transmitir como várias pequenas ações crescem ao longo do tempo em
danos irreversíveis. É isso. Tornamos In Winter mais profundo.
Fitz para de desenhar. Danica se ilumina com o entusiasmo de Reid.
Henry balança a cabeça.
— Não podemos melhorar o conjunto sem perder Moritz?
— Então o simbolismo do conjunto é menos óbvio — diz Danica.
Não.
O plano sempre foi adaptar o roteiro que Henry e eu escrevemos.
Não excluir personagens ou alterar pontos do enredo.
Henry engole, seu pomo de adão subindo.
— Eu não sei. Estou com a Natalie. Eu não posso apoiar a direção
musical se isso vai mudar o coração do nosso show. Existe uma maneira
de encontrarmos–
— Melted não funciona sem Moritz — eu reitero.
— … um meio termo? — Henry termina.
Eu pisco, processando o conceito de meio termo com Reid. Não sei
por que estou surpresa. Embora talvez Henry se oponha abertamente a
uma ideia de Reid, não há como ele se opor a uma de Danica.
Danica encolhe os ombros.
— Funciona. Isso também daria ao relacionamento de Emma com
Kris mais tempo para respirar no segundo ato.
— Estamos nos adaptando. Não reescrevendo — declaro.
Reid passa a mão pelo cabelo.
— Você está muito envolvida na peça.
— Eu também acho — Danica concorda. — É um musical agora.
Papai se levanta e caminha até seu quadro branco e pega um
marcador verde apagável.
— Eu amo a paixão que todos estão trazendo aqui — diz papai. Ele
desenha uma linha no centro do quadro e escreve MORITZ de um
lado e MORITZ do outro.
— Então, vamos trabalhar nisso. Por que manter Moritz?
Papai estende o marcador e todos nós nos revezamos listando nossas
razões para manter ou cortar Moritz.
MORITZ MORITZ
Ele é o VILÃO Substituir seu papel por um conjunto = um elenco maior
= um público maior = UMA MELHOR
Hate Is a Closed Window é um hit OPORTUNIDADE DE ESGOTAR

Remove uma fonte de conflito entre Adina e Mais tempo para flertes entre Emma/Kris
Emma
O simbolismo está muito no nariz
Ele é! O! VILÃO!
Além disso, o enredo não faz sentido, tipo, POR QUE
Emma confiaria em um cara que acabou de conhecer para
proteger seu reino?

Eu me torno mais protetora a cada novo ponto adicionado


à coluna MORITZ .
— Você não pode cortar Moritz com base em querer mais flertes!
Os dedos turquesa de Danica tamborilam em seus braços.
— Desculpe-me por conhecer meus pontos fortes.
— O conjunto de pessoas do mal faz sentido — Fitz cede.
— E se matássemos Moritz no final do primeiro ato? — Henry
sugere. — Estamos nos destruindo. É simbólico. É um comp–
— Não! — Eu exclamo. Pessoas malvadas e lixentas fazem
sentido? Matar nosso vilão? Nada faz sentido. — Estamos muito além
do ponto de desenvolvimento do personagem. Então, podemos por
favor apenas... escrever as músicas como planejado e ficar em nossos
cantos?
Papai pigarreia.
— Natalie. Acalme-se com o drama.
Seu tom é áspero.
Isso me puxa para fora da minha espiral induzida pelo pânico.
Na escola, a atitude de professor legal de papai é forte. Mas a
maneira como ele diz meu nome? É parental. Isso indica que outra
conversa está por vir. É mais uma prova de que não importa quantas
vezes Aaron Jacobson finja neutralidade sendo Suíça e com suas listas
de prós e contras, essa nunca é a realidade. Não importa o assunto.
Também? Eu não sou dramática. Eu sou protetora.
Os olhos com rímel azul de Fitz se conectam aos meus.
— Natalie, adorei o seu roteiro, mas essa mudança parece certa. Para
um musical. Você entende?
— Sempre tivemos problemas com Moritz — Henry admite.
— Eu senti isso — diz Reid. — Na página. Sua voz decaiu em
comparação com o resto do elenco.
— Desde quando você é especialista em voz? — pergunto.
— Eu conheço uma boa escrita quando leio — retruca Reid.
— Bem, eu reconheço uma decisão ruim sobre Melted quando a
ouço.
O revirar dos olhos de Danica é mordaz.
— Mesmo? Porque são quatro contra um. E o que precisamos é de
diretores que não discutam todas as decisões criativas. Além disso, isso
nem é sobre Melted . Eu não posso dizer se vocês se odeiam
legitimamente ou secretamente querem beijar o rosto um do outro,
mas seja lá o que for isso — Danica acena para Reid e para mim —, é
constrangedor. Estou envergonhada por vocês. Parem. Caso você
tenha esquecido, existem riscos reais.
Reid está em silêncio.
Henry está em silêncio.
Papai está em silêncio.
Estou em silêncio.
— Isso é ódio legítimo — Fitz enfatiza, incapaz de lidar com o
silêncio por mais de cinco batidas. Agradeço o apoio, porque a segunda
opção causa um curto-circuito no meu cérebro.
Henry aperta a ponte do nariz.
— Isso tudo está muito além do ponto. Nat, eu sei que noventa por
cento do tempo as sugestões editoriais de Reid equivalem a Boiled. Mas
há algum mérito nisso.
Eu nem sei o que dizer.
Eu esperava que Reid se precipitasse para tentar colocar sua
marca em “Melted” neste formato desconhecido. Mas eu acreditava
que quando esse momento chegasse, eu teria reforços. Reid estaria em
menor número.
Em vez disso... eu estou em desvantagem numérica.
Todos concordam.
Acabou.
— Nós... podemos chegar a um acordo.
É doloroso ceder em voz alta. É como entregar a Reid uma vitória
na frente de todos. Mas Danica está certa. Existem riscos. Tenho que
engolir meu orgulho para que possamos seguir em frente e garantir que
Melted seja um sucesso para que, talvez, tudo volte ao normal no
próximo ano. Reid começa a desenvolver os detalhes do plano do
conjunto, enquanto eu sento em silêncio e processo a realidade de que
este é praticamente o meu pior pesadelo. Eu sei que não estou sendo
objetiva. Eu sei que se essa sugestão viesse literalmente de qualquer
outra pessoa, eu estaria aberta a ela. Mas não posso ser. Ver o quão
receptivos meus amigos são às sugestões de Reid é como vê-lo convidar
Madeline para sair novamente.
E dizer que não terminou bem é um eufemismo massivo.

Acalme-se com o drama.


O peso das palavras de meu pai não me atinge até que estou no meu
quarto, sozinha, tentando relaxar após um ensaio estressante. Mas
relaxar, não consigo. Não quando essas palavras se tornam um loop no
meu cérebro. É tão hipócrita. Se Reid ou meu pai estão estressados com
qualquer coisa relacionada à música, é porque eles
são apaixonados. Quando estou estressada com um músico que tem
uma história de cooptar tudo o que é meu, sou dramática. A minha
paixão, minha visão, é menos válida porque não é artisticamente em
busca de nada maior do que um clube de teatro do colégio?
Porque isso é besteira.
Acalme-se com o drama.
Eu não posso deixar pra lá. Eu não deveria.
Mas eu vou. Eu sempre faço. Se eu me abrir sobre meus sentimentos
a respeito de Melted, sobre quão difícil é coqualquer coisa com Reid,
sobre quão profundamente eu temo que esta parceria e o
envolvimento do meu pai terminem da mesma forma que o clarinete
terminou, ele dirá Suíça.
Então é, tipo, qual é mesmo o ponto?
Eu não sei. Mas mamãe vai dizer a coisa certa. Ela sempre faz isso
quando se trata de Reid, meu pai e sua música. Eu saio do meu quarto
e desço as escadas em direção ao seu escritório na esperança de que a
porta esteja aberta. É uma noite de show para meu pai, onde ele coloca
seu chapéu de feltro e vai para a cidade tocar o clarinete para um set de
sessenta minutos com Lincoln Street Blues no Melville's. A
oportunidade perfeita para descarregar meus sentimentos
complicados.
Portanto, não estou esperando o som da voz do meu pai no final do
corredor.
Eu me movo lentamente em direção ao escritório, cada passo
cuidadoso para não causar um som.
— Eu só... não sei o que vamos fazer, Michelle — diz papai.
— Essa pressão? É extremamente útil — mamãe diz, sarcasmo
escorrendo de sua voz.
— Não é pressão! É só... merda... — A voz de papai some. Meu
coração começa a bater em dobro no meu peito. Estou acostumada
com a voz estressada de Aaron Jacobson, mas sua voz de pânico é menos
familiar. — Se Tara estiver certa, se os rumores forem verdadeiros, eu
nem sei o que faremos.
Tara... Sra. Westfield? Minha professora de Inglês?
— Vou começar a trabalhar como freelancer novamente. Ou dar
aulas extras.
— Mas você está escrevendo!
— Bem, de que outra forma eu deveria responder a esta situação
hipotética?
— As demissões são hipotéticas, mas o corte do nosso show em
Melville agora é muito real.
Demissões? Shows perdidos?
— Vamos resolver isso se, e quando, tudo for real, Aaron. Sempre
fazemos isso.
— Eu me sinto um alvo fácil — diz papai, e meu estômago desaba
com essa admissão. Por mais que eu tenha sentimentos complicados
sobre a banda, ter esses sentimentos é um milhão de vezes melhor do
que a alternativa! — O Festival da Colheita foi um desastre. Como faço
para compensar isso?
— Quero dizer, com Melted. Certo?
— Nesse ritmo eu não estou certo de que há ainda vai ter um
Melted.
— Talvez se você falasse com eles. Se eles entendessem–
Papai interrompe mamãe.
— Não. Eles são crianças. Não quero preocupá-los com um boato.
— Então você deveria parar de se preocupar com um boato —
mamãe enfatiza.
— Parece tão fora do meu controle. Eu arrisquei meu pescoço
por Melted, mas agora–
Eu me afasto da porta, da conversa.
É muito para processar. Não entendo. Eu não pensei nas
repercussões da minha pegadinha no Festival da Colheita que deu
errado além de um concerto mal sucedido. Papai sempre pareceu tão
intocável. Eu acho que isso não é verdade.
Reforça o que sempre soube. Nenhuma arte é segura.
Papai nunca projetou nada além de confiança e segurança, então
ouvir a vulnerabilidade em sua voz me choca. Deve ser dramático ouvir
crianças discutindo sobre a legitimidade de um personagem fictício
quando sua carreira está em jogo.
Melted não tem sido de poucos riscos por um tempo, mas esta
revelação remodela a importância de seu sucesso. Tenho que descobrir
uma maneira de trabalhar com Reid. Nossa incapacidade de colaborar
pode levar a um problema muito maior do que uma partitura de
música roubada ou um personagem cortado.
Eu fecho a porta do meu quarto atrás de mim, prometendo me
acalmar com o drama.
CAPÍTULO QUATORZE

Na noite anterior ao meu aniversário de dezessete anos, dou uma festa


para mim mesma.
Só para constar, nunca fui uma pessoa muito de
aniversários. Afinal, sou escorpiana. Na realidade, gosto dos simples
prazeres de aniversários – cartões caseiros, comer takeout de comida
tailandesa direto da caixa e o famoso bolo Devil’s Food da mamãe. Um
aniversário no início de novembro significa que geralmente está frio o
suficiente para impedir qualquer atividade ao ar livre, então minha
tradição é apenas uma noite de cinema com Henry, Fitz e Delia, rindo
e assistindo a comédias românticas e sendo nós mesmos.
Mas esta noite meu porão está cheio de pessoas que eu meio que
conheço.
Delia está dormindo hoje à noite na casa de Hannah e o Lincoln
Street Blues tem um show noturno muito necessário em um casamento
em Cape Cod, tocando no jantar de ensaio e durante a
cerimônia. Mamãe vai com eles, prometendo em seu caminho para fora
da porta que estará de volta com bastante tempo sobrando para ter as
festividades de aniversário adequadas amanhã à noite. Não consigo me
lembrar da última vez que meus pais fizeram uma viagem juntos, só os
dois, e é uma espécie de presente de aniversário em si.
Em vez de ser anfitriã do aniversário tranquilo dos meus
sonhos entretanto, Henry perguntou se ele poderia convidar Danica e
eu disse “é claro!” porque atualmente é mais fácil engolir meus
problemas de Henry me abandonou pela Danica do que lidar com eles.
Como resultado, todo o departamento de teatro musical de Lincoln
acabou no meu porão. Pelo menos eles vieram com o presente de uma
vodca barata.
— Feliz aniversário, Natalie! — Makayla e Arjun – que eu convidei
– cantam, competindo com um show desconhecido tocando ao fundo
enquanto apresentam um prato de bagels de pizza.
— Pesto com espinafre e tomate — diz Arjun. — Alguém quase fez
de queijo básico.
Makayla revira os olhos.
— É uma escolha segura!
— Pesto. Sempre pesto — eu confirmo, pegando o prato de
bagels. — Obrigado, Arjun. Makayla, suas escolhas estão perdoadas
porque você está incrível! — Exclamo com um abraço de um braço
só. É uma ocasião quando Makayla não está usando roupas esportivas
e ela fica tão chique com calças estampadas fluidas e um cropped preto.
— Obrigada! — Makayla ri sobre a música. — Eu acho que senti sua
falta. Mesmo que tenhamos aulas juntas todos os dias. Esquisito!
— Também senti sua falta!
Nas últimas semanas, Reid e eu voltamos a trabalhar juntos em uma
caverna de escrita disfuncional, enquanto Makayla se preparava para as
eliminatórias de basquete e Arjun planejava o próximo pep rally. Estou
tão feliz que eles estão aqui. Fico feliz que, neste mar de rostos semi-
familiares, o “HAVE A HE(ART)” esteja reunido.
Makayla e Arjun vão em direção à mesa dobrável montada contra a
parede de trás para pegar uma bebida e eu, com bagels de pizza ainda na
mão, atravesso um grupo de atores quase bêbados dançando
“Aquarius” e os coloco na mesa de centro, ao lado de tigelas de pipoca
e Doritos. Presumo que seja esse o nome da música. Eu não tenho
certeza de que musical é ou como eles estão realizando uma dança
coreografada de verdade. Então, eu apenas bebo uma vodka cranberry,
a garota branca das bebidas mistas, e aceito o que quer que esteja
acontecendo.
Não odeio isso, mas também não adoro me sentir excluída da minha
festa de aniversário.
Então eu giro e subo as escadas para verificar Fitz e os cookies de
chocolate que ela está fazendo – uma tradição de festa de
aniversário. Quando me aproximo da escada, tenho que piscar uma,
duas vezes, porque Henry e Danica estão se beijando. Nas
escadas. Minhas escadas. Eu me abaixo para a direita e abro a porta do
estúdio, rapidamente me enfiando para dentro. Eu fecho e tranco atrás
de mim, em seguida, pressiono minhas costas contra a porta, os olhos
bem fechados como se fosse apagar o que acabei de testemunhar.
Nunca estive mais grata pela tecnologia à prova de som.
Eu devo intervir? Quer dizer, como alguém que testemunhou
Henry tomar três doses de tequila seguidas, posso garantir que ele
definitivamente não está sóbrio. Ele também gosta muito de Danica –
e eu serei aquela que lidaria com os efeitos colaterais das Emoções do
Henry amanhã, quando...
— Ei.
O choque do som me faz gritar e pular para trás, batendo minha
cabeça contra a porta, merda. Meus olhos se abrem e se ajustam às luzes
fluorescentes. Reid está sentado ao piano, de costas para mim. Reid
está aqui, trabalhando em canções para o musical, enquanto nosso
elenco em potencial está se embebedando na sala ao lado.
Reid está em uma festa para a qual não o convidei. Uma festa que
ele poderia expor totalmente.
Ele se vira para mim, quase culpado, enquanto seus dedos sobem
nas teclas.
— Eu usei minha chave do estúdio. — Quando meus pais
projetaram o estúdio, eles escolheram o lado do porão que tem uma
porta deslizante que dá para o quintal, para que os alunos do papai
possam entrar e sair do espaço sem andar pela casa. — Eu não sabia que
você estava recebendo pessoas.
Sento-me no chão, as costas ainda pressionadas contra a porta.
— Por favor, pelo menos me avise.
Reid levanta as sobrancelhas.
— O quê?
— Você sabe. Antes de contar ao meu pai.
Reid para de tocar.
— É seu aniversário, Natalie.
Eu aceno e bebo minha vodka cran.
— Estou ciente.
— Portanto, é um dia de trégua. — Reid começa a tocar uma
variação dos acordes da abertura de “Hate Is a Closed Window”, minha
música favorita por ser a mais ridícula. É nítida e sombria, e a música
que nos permitiu manter Moritz. O último fim de semana marcou a
primeira sessão de colaboração onde Reid e eu – blindado com a
realidade do que são os riscos de “Melted” – conseguimos nos
entender. Convenci Reid de que essa é a verdadeira canção do vilão e,
por sua vez, concordamos em matar Moritz no final do primeiro ato,
por sugestão de Henry. Progresso. — Mesmo que não fosse, não sou
um idiota total.
— Só um idiota.
— Você está bêbada? — Reid pergunta, um sorriso puxando o
canto de sua boca.
— Quem me dera.
Estou mais tonta do que penso, porque alguns segundos depois eu
me levanto e atravesso o estúdio, minimizando a distância entre nós, e
peço a Reid para dar um espaço.
Tipo, eu toco em seu ombro e digo, "dá um espaço".
Ele faz.
— No que você está trabalhando? — Eu pergunto.
— Brincando com “In Winter” um pouco mais. É minha
composição favorita, mas é liricamente mais fraca do que o resto da
partitura. Eu trabalho melhor no estúdio, então aqui estou. — Reid
vira a página de seu caderno de composição com uma mão, para uma
página que é uma bagunça de letras riscadas. — Ajuda?
Eu balanço minha cabeça.
— Eca. Criar versos é o pior.
— Bem. Isso responde à minha próxima pergunta — diz Reid.
O roteiro de “Melted” já está na caixa de entrada da Sra. Mulaney
antes do nosso prazo, porque queremos escolher o elenco o mais rápido
possível, mas as músicas ainda são um trabalho em andamento. E uma
vez que não há como eu ser diretora em um mundo onde Fitz não está
interpretando Adina, cortamos "Keep It In" e estamos adaptando o
monólogo emocional de Adina do roteiro original para um poema
falado que venho tentando e não conseguindo escrever a semana
toda. É o momento em que Adina aprende a confiar em seus poderes,
decide que não há mais nada para salvar e queima tudo no chão. Tem
ritmo, mas não é musical. E não há nada nem perto de uma
rima. Então, como faço para traduzir este momento em algo
semelhante a um poema?
— Quer trabalhar nisso?
Eu franzo a testa.
— Você vai me ajudar a escrever algo que você é inflexivelmente
contra?
— Sim. Feliz aniversário? — Assim que as palavras saem, a expressão
de Reid se contorce como se ele desejasse poder retirá-las. —
Desculpa. Você deve voltar para... o que quer que esteja acontecendo
lá fora. Podemos trabalhar nisso amanhã. Pode ser.
Eu considero a oferta de Reid. Fitz está assando sob estresse – e
isso sem saber que a língua de Henry está na boca de Danica. Os atores
assumiram minhas caixas de som e estão encenando uma performance
completa de músicas que terei que fingir que conheço, caso contrário,
sentirão o cheiro de fraqueza. Nada é pior para um diretor do que um
elenco que pensa que está no controle. Eu realmente não quero lidar
com nada disso.
E... tréguas com o Reid são tão raras. Não posso perder essa
vantagem.
Termino minha bebida e coloco o copo vazio em cima do piano.
— Não vou desperdiçar uma trégua. Desculpa.
Reid acena com a cabeça e puxa o monólogo de Adina em seu
telefone, explicando seu processo de composição para mim.
— Você já fez a parte difícil, Nat. Mas poesia e canções são todas
sobre palavras mínimas, impacto máximo. Portanto, trata-se mais de
retirar o excesso e ajustar o ritmo.
— E se não houver excesso? — Eu pergunto, relendo minhas
palavras.
Reid balança a cabeça.
— Você ainda está pensando nisso como um roteiro. Talvez
primeiro pense nisso como uma batida?
Em seguida, Reid começa a bater na lateral do piano no ritmo, uma
meia nota seguida por duas semínimas. Eu retrabalho o monólogo,
tentando manter a batida, mas nem mesmo faço duas linhas antes de
começar a rir, incapaz de controlar a risada que borbulha do meu
estômago.
Isso é tão ridículo. Somos tão ridículos. Eu não estou sóbria.
— Nós tentamos. Insira um suspiro dramático aqui.
— Não somos o Lin-Manuel Miranda — admite Reid. — É por isso
que tenho algo para você.
— O quê?
— Uma oferta de paz. Para o seu aniversário.
Ele puxa um envelope do bolso da jaqueta.
Eu balanço minha cabeça.
— Não.
Reid franze as sobrancelhas.
— Não?
— Eu nem mesmo convidei você para a minha festa — eu digo.
Reid e eu não fazemos isso. Não trocamos presentes. Amigos
trocam presentes e, embora não sejamos inimigos mortais no
momento, é apenas por causa do musical. Quando a colaboração
terminar, quando o emprego do papai estiver seguro, voltaremos a ser
a Natalie e o Reid competitivos e insuportáveis, as coisas como de
costume. Não pessoas que dão presentes de aniversário umas às outras.
— Nat, pegue — diz Reid.
Apesar de cada fibra do meu ser gritar resista, minha curiosidade é
mais forte. Então eu faço. Eu pego. Dentro do envelope, exalo porque
não há cartão, graças a Deus. São dois ingressos para uma produção
de “O Rei Leão” que vai passar em Boston, para a matinê do próximo
sábado. Eles estão presos por um clipe de papel com um post-it passivo-
agressivo que me faz rir.
Pode ajudar no processo de adaptação. Estamos em um prazo, sem
pressão. —Reid.
Então eu vejo o preço dos ingressos.
— Reid, eu não posso ficar com isso — eu digo.
— De nada.
— É muito. Como você mesmo...?
Seu rosto fica vermelho.
— Eles são assentos de cortesia. O pai da Selina trabalha para...
— Selina?
— Uma amiga do All-States. O pai dela toca trombone na
orquestra. Eu perguntei, e ela mexeu alguns pauzinhos.
Eu mordo meu lábio, tentando pensar em como isso pode ser uma
brincadeira, que outros motivos ele pode ter, mas nada acontece.
— Por quê?
— Eu queria. Você precisa ver um musical antes de co-dirigir um
musical. Além disso, é como a grande adaptação. Um musical adaptado
de um filme adaptado de Hamlet!
Seu braço roça no meu e estou definitivamente mais tonta do que
pensava porque o espaço entre nós é, bem, inexistente. Eu me
concentro nas teclas do piano, no dó médio, porque é isso ou olhar para
o rosto sério e estúpido de Reid e a mecha fora do lugar que caiu na
frente de seus olhos.
— Obrigada — eu digo.
— De nada.
Meu telefone vibra no piano com uma série de mensagens Muito
Preocupadas.

Fitz (não Ava)


natalie cadê você? então deus me ajude se VOCÊ FUGIU DA
SUA PRÓPRIA FESTA!!! eu fiz cookies.
22h37

meu coração está dkfdlsjfoisdjfejeofjlkefjjdlsk


22h37
dani + chao, sentados em uma árvore (bem, nas suas escadas
UGH)
22h37
Merda. Eu me levanto, alisando o tecido do macacão floral sem
mangas que estou usando, um original do If the Shoe Fitz.
— Fui chamada por Fitz.
Reid se levanta e dá um passo para trás.
— Eu provavelmente deveria ir também.
— Obrigada pela trégua de aniversário — eu digo. Eu giro a
maçaneta para que a fechadura abra. — Tenho certeza de que meu pai
nos levará até o trem, mas vou verificar novamente.
Reid tosse.
— Oh. Não. Quero dizer, esses são para você. Não, tipo, para nós.
Minha mão cai da porta e minhas bochechas ficam vermelhas,
envergonhada por pensar o contrário.
— Oh. Certo.
Eu culpo a vodca de merda. Merda.
— Você deveria levar o Chao — Reid diz.
— Talvez. Henry mal se preocupa com nosso musical, no entanto
— eu digo.
— Mas é tão bom! Ele estaria perdendo.
— Oh. Você já viu antes?
— Quero dizer, no YouTube.
— Reid. Vamos. — Eu tiro o tíquete extra do envelope e o estendo
para ele. Minha própria oferta de paz. Por mais estranho que pareça,
talvez seja exatamente o que Reid e eu precisamos. Para entrar na
mesma página, para começar a agir como co-diretores, para parar a
auto-sabotagem em “Melted”.
Reid considera meu convite apenas uma batida curta demais para
me fazer acreditar que ele está realmente relutante, antes de concordar.
— OK. Mas Na-ta-lie... — Reid abaixa a voz, meu nome saindo em
três sílabas estranhas. — Nossos pais vão pensar que é um encontro.
Eu rio.
— Não seja estúpido.
— Bem. Obrigado — Reid diz, sua expressão ilegível.
— Quero dizer, somos nós — eu digo. — Vamos chamá-la de
viagem de pesquisa, co-diretor.
É a primeira vez que o chamo assim. Nós mantemos o olhar um do
outro doze batidas demais. Até eu recuperar a função motora e puxar a
porta aberta, apenas para dar de cara com Fitz. O rímel está borrado em
suas bochechas e seus olhos vermelhos mudam de mim para Reid,
alargando-se.
— Reid? Ei! Eu não sabia que Natalie convidou você.
Reid balança a cabeça.
— Ela não...
— Ei! Estamos em um porão cheio de gente do teatro! — Fitz diz,
sua voz subindo uma oitava muito alta. — Todos nesta sala vão fazer a
audição. Você precisa mostrar algumas músicas para nós!
Fitz agarra a mão de Reid e eu fico imóvel. Reid parece que foi pego
no flagra e está balançando a cabeça, tipo, inferno, não. Mas o aperto
de Fitz é forte e sua missão é implacável.
— Por favor — ela diz. — Caso contrário, vou começar a chorar de
novo. Por favor, por favor, por favor, por favor.
Fitz enxuga os olhos antes de arrastar Reid para a outra sala e puxar
o plugue do alto-falante, cortando a música antes que Reid possa dizer
não.
— Ei, amigos! Olha quem nos agraciou com a sua
presença. Ninguém menos que Reid Callahan, co-diretor e
compositor de “Melted: O Musical”, junto com a
aniversariante. Depois de um início reconhecidamente instável, o seu
desenvolvimento está sendo bem construtivo, e Reid vai nos dar uma
prévia de algumas das canções.
A cabeça de Danica se afasta da de Henry tão rápido que ele leva um
segundo para perceber que eles não estão mais se beijando. Todos
aplaudem e acenam com a cabeça, totalmente concordando. É como se
os cérebros de audição deles clicassem e os deixassem sóbrios, e eles
estão prontos para qualquer dica do que farão uma audição para. O
aceno de cabeça de Henry é menor do que o resto. Seu braço ainda está
em volta da cintura de Danica e Fitz não está olhando na direção deles.
— Não estou cantando as duas partes de “For the Last Time Ever”
— diz Reid no meu ouvido.
Eu considero isso. Cantar. Na frente de todos. Com Reid.
Não posso deixar Reid ficar com todo o crédito e glória
de “Melted”.
— Não estou cantando soprano — digo.
Então a festa termina com vinte e cinco alunos de teatro musical que
mal conheço sentados no chão do estúdio de papai, em semicírculo ao
redor do piano, enquanto Reid toca e nós cantamos o rascunho. Nossa
performance termina com muitos aplausos e pela primeira vez vejo um
universo onde “Melted: O Musical” funciona.
E a reviravolta na história: eu não odeio isso.

— Está ficando muito, não sei. Parecendo jazz? — Henry diz na manhã
seguinte, fazendo mãos de jazz exageradas acima de sua tigela de cereal.
— É um musical, Hen — digo, tomando dois ibuprofenos. — É
para ser um pouco jazzístico.
A casa, milagrosamente, não se parece com todas as cenas padrão de
uma comédia adolescente de uma casa pós-festa. Mas mais cedo,
mamãe me mandou uma mensagem dizendo que ela e papai estariam
de volta no início da tarde, o que não me dá horas suficientes para não
me transformar em um desastre de ressaca.
— Eu sei. Só, eu não sei, não parece bobo para você? Dragões
dançantes, baladas poderosas, sapateado — diz Henry.
— É uma bobagem. Mas é isso que faz funcionar. — As palavras de
Henry doem. Se ele quisesse contribuir, ele poderia ter entrado
em qualquer sessão de escrita. Considerando que ele foi convidado
para todas elas.
Henry parece ferido.
— Desde quando você gosta disso?
— Desde quando sua língua desce pela garganta de Dani? — Fitz
rebate.
Henry engasga com seu cereal.
— Eu nem sei. Mas ela vai me deixar na friendzone de qualquer
maneira, se isso fizer você se sentir melhor. — Os ombros de Henry
caem para frente. — Eu posso sentir isso em meus ossos.
Eu odeio testemunhar mudanças na dinâmica da amizade em tempo
real. Não tem como isso acabar bem.
— Bem, eu gosto das músicas, Nat. Quem vai interpretar Adina?
— Você vai — eu digo.
Ela estreita os olhos para mim.
— Eu não sei cantar.
— Adina não canta. Ela é uma poetisa.
Eu deixo de fora que ainda estamos tentando descobrir como isso
vai funcionar, mas vale a pena pela expressão no rosto de Fitz enquanto
ela joga os braços em volta de mim.
— Você lutou por mim!
— Claro — eu digo. — Você é Adina.
— Huh. Você e Callahan. Concordando de repente. Não tentando
matar um ao outro — Henry interrompe.
Aparentemente, Henry não se distrairá.
— Que escolha eu tenho? Estou passando muito tempo com Reid
porque preciso, porque temos um musical para fazer.
— Você é mesmo capaz disso? Porque eu realmente não quero ficar
por aqui e assistir você direcionar este show para o chão mais do que
você já fez!
Uau.
Henry e eu ficamos frustrados um com o outro, mas as brigas são
raras. Quando uma acontece, é assim que acontece. É como se ele fosse
incapaz de me dizer como se sente quando sente isso. Não. Ele prefere
engarrafar e internalizar até que tudo desmorone em um momento.
E ele sabe como acertar onde dói.
Eu pisco
— Henry. Do que você está falando?
Henry joga as mãos para o alto.
— Eu não quero brigar.
— Claramente você quer — eu digo.
— É o aniversário dela, seu peidão — diz Fitz.
— Não volte atrás. — Agora que está exposto, não posso
simplesmente engolir mais.
Henry empurra os óculos para cima, as sobrancelhas franzidas.
— “Melted” foi divertido de escrever – embora você só ouvisse
minhas ideias pela metade. “HAVE A HE(ART)” foi legal, apoiar uma
causa e mobilizar os outros clubes de artes. Mas então de alguma forma
isso se transformou em uma situação de Natalie X Reid. Poderíamos
ter “Melted”. Poderia ter sido a peça que deveria ser. Mas, mais uma
vez, uma guerra de pegadinhas explodiu na sua cara. Não apenas na sua
cara – todas as nossas caras. Como eu disse que aconteceria. Mas você
não escuta. Tipo. Sempre. Você apenas faz. E você ainda está fazendo
isso e agindo como se fosse a vítima.
Eu pisco para conter as lágrimas.
De onde está vindo isso?
— É só... não é o que eu queria, Natalie. Você entende?
— Henry, eu sei–
Ele balança a cabeça.
— Você não sabe. Você nunca pergunta com o que estou de
acordo. Não com “Melted”. Não com nada. Quando começamos isso
juntos, era para ser um adiamento das coisas do último ano... e agora é
apenas mais estresse. Você nem mesmo percebe isso. Você apenas
dirige, como se fôssemos todos personagens secundários na sua
história, ajudando você a conseguir o que deseja.
Eu tenho opiniões fortes? Sim. Sou eu que estou tentando proteger
o que nós dois queríamos, pelo menos tanto quanto possível. Mas eu
escuto suas ideias! O ajuste com Moritz foi sua sugestão! Tudo que eu
queria era que Henry fizesse parte disso, ainda ter nosso último show
juntos.
Ele é quem está indo embora.
— Parece que você está chamando Natalie de egoísta e isso é muito
irônico — Fitz rebate em minha defesa. — Você nos largou totalmente
pela Dani! Sabendo como me sentia – sinto – sobre ela. Você é meio
idiota, Chao.
— Você nem conhece Dani — Henry diz.
— Eu sei como ela me faz sentir — diz Fitz.
— Não podemos ler sua mente, Henry — eu digo. — Então, o
abandono repentino? Foi uma merda.
Henry zomba.
— Você não pode ler mentes? Você não escuta. Eu só. Não consigo.
Henry amarra seu Adidas, sobrancelhas franzidas, lábios
pressionados juntos em uma linha fina, e eu pisco e ele está fora da porta
dos fundos, tipo, tipo, se foi. Tchau!
Com sua dramática saída da sala realizada, eu me viro para desabafar
com Fitz. Mas seus olhos se enchem de lágrimas e ela sai furiosamente
na direção oposta, em direção à sala de estar. Eu corro minha mão pelo
meu cabelo, frustrada, e pego meu telefone para ler minhas mensagens
perdidas.

Reid Callahan
a noite passada foi estranha
9h37
Em anexo está um vídeo que Fitz gravou no telefone de Reid, dele e
de mim, cantando “For the Last Time Ever”. Eu não clico nele. A
imagem estática é o lado do rosto de Reid, com a sugestão de um
sorriso. Meu rosto está corado, provavelmente devido aos aplausos que
recebemos na música anterior. Ou a vodca.

mas não um estranho ruim?


9h38
Parecemos uma equipe, Reid e eu. Parece que fazemos isso há muito
tempo – e em que mundo é essa minha vida?
Em que mundo Reid é a única pessoa que não está me estressando?
A guerra de pegadinhas

Uma guerra de pegadinhas é muito menos divertida quando


há riscos reais ligados a ela. Quando éramos crianças, as pegadinhas
eram uma maneira fácil de contrariar Reid. Eu gostei de ser mais esperta
que ele. Ver a expressão em seu rosto quando o peguei. Esperando para
ver como ele pegaria de volta. Foi uma batalha interminável de
inteligência. Nada mais do que uma forma de canalizar meu
aborrecimento.
Mas desta vez, a guerra de pegadinhas teve que terminar em uma
separação.
Talvez uma separação do clarinete também, se eu tivesse sorte. Mas
eu tive que começar pequeno.
Como a banda era a última aula do dia, todos deixavam seus
instrumentos na sala da Sra. Sullivan pela manhã. O clarinete de Reid
sempre foi um dos primeiros em seu cubículo. Uma manhã, aproveitei
isso. Verificando por cima do ombro primeiro, abri o zíper do bolso da
frente da caixa do clarinete de Reid e tirei suas palhetas, esfregando cada
uma com um dente de alho que peguei da despensa naquela manhã, até
ter certeza de que o alho grudou na madeira.
Naquela tarde, pude sentir o cheiro de alho no momento em
que Reid abriu o zíper de sua caixa.
Ele deslizou uma palheta para fora da caixa, seu rosto se
contorcendo de nojo quando a levou aos lábios.
— Nojento — Reid murmurou.
Ele mantinha cinco palhetas quebradas com ele a qualquer
momento, então ele pegou outra.
Não importava.
Eram todas palhetas de alho.
Sua cabeça estalou para me encarar.
— Natalie.
Afrouxando a ligadura do bocal, não pude deixar de sorrir.
— Você venceu… — Reid disse, sua voz plana — …e
você ainda está começando uma guerra de pegadinhas?
Dei de ombros.
Reid suspirou e ergueu a mão.
— Sra. Sullivan, posso ter uma palheta extra?
A Sra. Sullivan acenou com a cabeça.
— Claro, Reid. Mas é importante estar preparado.
Huh. Eu não previ isso. Vitória dupla.
— Sério, Natalie? — A voz de Madeline perguntou atrás de mim.
Eu juro, eu pude ouvir seu revirar de olhos. Madeline não entendia
agora, mas entenderia. Reid voltou do armário de suprimentos com
uma nova palheta, estreitando os olhos para mim
como se estivesse jogando. Eu me deliciei com a realidade de que ele
soaria cinquenta por cento menos perfeito hoje com uma nova palheta
que não tinha sido quebrada.
Então, as travessuras da sétima série começaram com palhetas de
alho, uma brincadeira da qual me orgulho até hoje.
O resto? Não muito.

Reid retaliou com uma pegadinha que obteve zero pontos para
criatividade, mas pontos máximos de nojo. No sábado seguinte às
palhetas de alho, desci as escadas para encontrar ovos mexidos e um
copo de suco de laranja em meu lugar à mesa. Reid já estava sentado,
folheando seu telefone após sua aula matinal de clarinete.
Sem pensar duas vezes, peguei o suco de laranja e tomei um gole
generoso.
Isso foi um erro.
Imediatamente, eu engasguei, cuspindo laranja em mim mesma, e
Reid estava rindo em suas mãos. Porque suco de laranja, não
era. Não. Reid dissolveu um pacote de tempero de macarrão com
queijo em um copo de água e eu odiei o quão brilhante era – como ele
me pegou sem esforço.
Não olhei para o suco de laranja da mesma forma desde então.
As pegadinhas aumentaram conforme a umidade diminuía e o ar de
outono ficava mais fresco.
Contamos com a ajuda das irmãs em uma rodada. Hannah
escondeu cada par de sapatos de Reid horas antes de ele encontrar
Madeline no rinque de patinação. Reid é extremamente meticuloso
com seus pertences, então esse aqui mexeu com ele da melhor
maneira. Alguns dias depois, peças que eu não tinha memorizado ainda
estavam faltando na minha pasta de músicas.
A Sra. Sullivan me chamou e meus ouvidos ficaram quentes de
vergonha.
— Vocês dois são tão juvenis — Madeline declarou depois da aula,
enquanto arrumava seu saxofone.
Quanto mais brincadeiras aconteciam, mais frustrada Madeline
ficava. Exatamente como planejei.
— Desculpe, Madi. — Eu balancei minha cabeça. — Não vamos
parar até que haja um vencedor.
Madeline revirou os olhos. Mas então eles deixaram a aula juntos de
mãos dadas, e uma separação iminente ainda parecia bem
improvável. A brincadeira de Reid acendeu um fogo em mim, no
entanto. Foi um lembrete de que a guerra de pegadinhas era séria para
Reid. Para ele, tudo se resumia ao clarinete.
Eu assisti Madeline e Reid se afastarem e de repente, eu sabia como
usar isso contra ele.

— Natalie. É uma ideia terrível.


Henry olhou para mim com os olhos arregalados, enquanto eu
revelava meu plano mestre no único lugar lógico para revelar um plano
mestre: a casa da árvore muito pequena no meu quintal. Nossas costas
pressionadas contra paredes opostas, nossos braços em volta das nossas
pernas muito compridas para esticar em linha reta.
Eu fiz uma careta.
— Eu preciso da verdade. Reid a convidou para sair depois que
as cadeiras foram decididas. É suspeito!
Os olhos de Henry encontraram os meus.
— Vamos, Natalie. Nem tudo que Reid faz é uma reação a
você. Mesmo se for... deixe explodir na cara de Reid por conta
própria. Esteja lá para Madeline nas consequências. É uma visão
melhor.
— Então, eu devo sentar e deixar minha amiga se machucar por
minha causa?
— Neste caso específico? Sim.
— Não!
Henry não teve aulas com Reid e Madeline. Ele não conseguia ver o
que estava acontecendo com ela – como ela cancelou planos
comigo todas as semanas para passar mais tempo com Reid. Eles
entrando e saindo da sala da banda de mãos dadas se tornou a pior parte
do meu dia. A cada aula, eu pegava os olhos de Reid em mim. Como se
esperasse uma reação. Parecia uma validação. Isso não foi tudo na
minha cabeça.
Henry não entendeu, mas ele poderia arruinar meu plano.
Então eu fingi que entendi.
— OK.
Ele ergueu as sobrancelhas.
— OK?
Mudando de joelhos, rastejei em direção ao escorregador sinuoso
que era a melhor saída da casa da árvore.
— Você tem razão. Madi precisa chegar a sua própria conclusão
sobre Reid.
As palavras não eram nem mesmo uma mentira, mas me
impulsionei para baixo no escorregador antes que Henry pudesse ver a
omissão estampada em meu rosto.
CAPÍTULO QUINZE

Reid e eu estamos combinando cores e eu odeio tudo.


Estou sentada em uma das cadeiras de metal estruturadas na área de
espera da estação de trem, fones de ouvido tocando Taylor Swift
porque simplesmente não posso. Levanto os olhos depois de curtir o
último post de If the Shoe Fitz da Fitz no Instagram e Reid está
caminhando em minha direção, voltando das máquinas de venda com
dois sacos de pretzels. Quando ele se senta ao meu lado, removo meus
fones de ouvido, porque a viagem de carro até aqui pode ter sido um
desastre total, mas não foi exatamente culpa de Reid.
Reid me entrega um dos sacos de pretzel.
— Foram os piores trinta minutos da minha vida. Eu nem acho que
estou exagerando.
— Papai é o mais Extra — eu digo.
— Ele nunca vai deixar isso passar, não é?
O anúncio automatizado de trem se aproximando para a linha roxa
é reproduzido pelos alto-falantes, indicando que Reid e eu devemos ir
para a plataforma. Eu me levanto, jogando minha bolsa de cidade –
uma pequena transversal preta – por cima do ombro e suspiro.
— Definitivamente não.
Lamentei ter pedido ao papai para nos levar à estação de trem no
momento em que Reid entrou no banco de trás. Reid teria ficado bem,
eu acho, em sua camisa de botões vermelha escura e calça preta. Se não
fosse pelo fato de eu estar em um vestido preto de gola Peter Pan com
meia-calça, botins vermelhos que peguei emprestado da Fitz e batom
do mesmo tom da sua camisa. Parece que planejamos isso.
Foi um erro de iniciante, honestamente, perguntar ao papai. Mas eu
não queria interromper o dia de escrita da mamãe. Mamãe teria uma
conversa educada e cantarolado junto com sua lista de reprodução
Spotify favorita e nos ignorado. Mamãe é tranquila.
Papai é, bem, não.
— Olhem para vocês, co-diretores. Vestidos como dupla! Talvez
vocês comecem a agir como tal também?
As roupas que combinavam eram demais para Aaron Jacobson.
O trem para e eu me sento em um assento na janela para o trajeto
até a Estação Norte. Abro o Spotify no meu telefone e dou play em O
Rei Leão. Claro que conheço a música, mas quero ouvir a versão da
Broadway para me animar.
— O que você está fazendo? — Reid pergunta. Ele pega meu
telefone da minha mão e pressiona pause antes mesmo de o número de
abertura começar. — Natalie. Ouvir o álbum OBC antes de ver um
show arruinará a experiência de teatro ao vivo. Isso é básico!
Eu franzo a testa.
— OBC?
— Elenco Original da Broadway3? Vamos, Nat.
Sua expressão é tão severa, tão séria que não posso deixar de rir.
— Reid, é O Rei Leão.
Meu telefone vibra na mão de Reid. É apenas um e-mail de
spam. Não é uma mensagem de Henry. Pego meu telefone e o coloco
na bolsa, desapontada. Henry e eu estamos em um impasse desde meu
aniversário. Eu não vou enviar mensagens primeiro. Sem
chance. Henry explodiu comigo, do nada, no meu aniversário! Agiu
como se eu não estivesse fazendo tudo que posso para proteger nossa
visão de “Melted”. Tudo por minha conta. Desde que ele foi embora.
Ugh.
Afasto meus sentimentos de Henry porque quero que hoje seja
bom. Eu quero me perder na pesquisa. Quero me inspirar para voltar
para casa e escrever. Quero sair dessa experiência como alguém
qualificado para dirigir um musical.
Co-dirigir. O que seja.
Henry Chao arruinou meu aniversário. Ele não pode estragar este
dia também.
Reid desliza para o assento ao meu lado.
3
Original Broadway Cast, em inglês.
— Qual é o problema entre você e Chao?
Eu franzo a testa. Reid é um leitor de mentes agora?
— Não é da sua conta — eu estalo.
— Certo.
Claro, o recuo de Reid me faz querer falar sobre isso.
— É só que... “Melted” era para ser nosso. Do Henry e meu. Uma
última coisa que fizemos juntos antes de ele ir para a faculdade. E agora
não sei o que é, ou de quem é, mas definitivamente não parece
nosso. Ele não vem às nossas sessões de escrita. Ele destrói as músicas. E
então ele tem a ousadia de comentar quanto tempo passamos juntos,
como se tivéssemos escolha.
Reid franze a testa.
— Ele não gosta das músicas?
— Ele disse que estou estragando Melted.
— Uau — diz Reid. — Eu sei que foi um começo difícil... mas isso
não é verdade.
Eu encolho os ombros.
— Eu não sei. Talvez tenha muito jazz.
As sobrancelhas de Reid sobem.
— Todos na sua festa adoraram a música.
— Eu sei. Eu só... me sinto meio como Delia e Hannah agora.
As irmãs estão mais abaladas que nunca e nossa valente tentativa de
intervir não ajudou muito. Delia desabafou com Reid. Chateada
porque as Monicas não foram convidadas para o bat mitzvah de Delia,
Hannah ignorou Delia. Tentei falar com ela, mas no meio da conversa,
antes mesmo de começar a questioná-la sobre seu relacionamento com
as Monicas, ela pegou o celular e abriu o TikTok. A dispensa final.
Reid suspira.
— Não posso explicar as escolhas de vida de Hannah.
— Ela tem doze anos. Essa é a explicação.
Reid empurra os óculos pela ponte do nariz. Ele está os usando
mais, eu noto.
— Elas vão se acertar. Você e Chao também. Você tem sorte de ter
uma pessoa assim.
Não sei como responder a isso, então não respondo. Reid ruboriza
e começa a jogar jogos de combinação em seu telefone. Tento ouvir um
podcast pelo resto da viagem, mas não consigo me concentrar. Acho
que nunca pensei sobre isso, o que Reid disse. Quero dizer, ele tem
muitos amigos. Na escola, ele está com as primeiras cadeiras. E os
alunos do último ano o admiram. Ele é seu líder destemido.
Reid tem seu instrumento. Reid tem aulas com papai.
Reid tem uma concorrente que virou colaboradora temporário. Eu.
Mas ele nunca teve uma pessoa.

Reid bate o joelho no ritmo da música durante todo o primeiro ato e é


tão desconcertante, mas eu sei, sem dúvida, trazê-lo foi a decisão certa.
Nossas poltronas ficam no mezanino, segunda fileira, com uma
vista perfeita para apreciar a arte e a coreografia dos bonecos de animais
e da cenografia. O show é incrível. Eu choro quase no momento em
que a música começa. “The Circle of Life” é uma experiência
emocional intensa ao vivo, ok! Há tanto para absorver... mas estou me
divertindo assistindo Reid. Eu nunca o vi tão absorto em um
momento. Ele até derrama uma lágrima quando Mufasa morre, e não
tenta escondê-la. Então ele dança em sua cadeira durante “Hakuna
Matata” – quando ele sabe que eu nunca vou deixá-lo esquecer
isso. Reid está... se divertindo?
É chocante.
No intervalo, Reid pede licença em nome de M&M's
superfaturados e eu tento conciliar esse Reid obcecado por teatro
musical com a pessoa séria clarinete é a minha vida da minha cozinha
todas as manhãs. Eu tento rolar pelo meu telefone, mas o serviço é
irregular nesta altura, então eu coloco de volta na minha bolsa e tomo
um gole de água. A senhora sentada ao meu lado faz contato visual e
sorri. Ela tem idade de avó e usa um colar glamouroso.
— Há quanto tempo vocês estão juntos?
Eu engasgo com a água. Cuspo em todo o meu vestido.
— Nós não estamos — tusso.
— Claro, docinhos. Claro.
Eu culpo as roupas combinando. Mas, felizmente, Reid retorna, e
todos nós levantamos para que ele possa passar, encerrando a conversa
com Colar Glam. O braço de Reid roça o meu quando ele se senta. Ele
não se mexe, apenas fica assim, como se fosse normal nossos braços se
tocarem. Eu não me afasto. Se eu fizer isso, significa que acho que isso
é uma coisa. Não é uma coisa.
Colar Glam está me fazendo pensar demais em tudo.
Reid me entrega o M&Ms enquanto as luzes diminuem. Eu balanço
minha cabeça porque Glam Necklace está me dando um grande olhar
lateral na minha visão periférica. Reid despeja o conteúdo da caixa do
M&M na palma da mão, para que seu braço não fique mais
pressionado contra o meu e eu possa relaxar novamente.
Exceto que O Rei Leão é baseado em uma maldita tragédia!
Reid repetidamente chora durante o segundo ato. Eu também. É
ridículo. Já vi esse filme inúmeras vezes! (A versão animada, é claro. Em
minha casa, fingimos que não existe uma live-action). E Hamlet é uma
das peças de Shakespeare mais adaptadas de todos os tempos. Tanto o
filme quanto o musical exigem a suspensão da descrença, mas no teatro
os riscos de alguma forma se sentem mais altos. O momento em que
Simba se reúne com o espírito de Mufasa é diferente no palco.
Isso me lembra o poder do teatro ao vivo que eu tanto amo. Por que
eu amo tanto “Melted”.
O show termina com uma ovação de pé e nós dois nos levantamos.
Este pode ter sido o melhor presente de aniversário de todos os
tempos.
Reid está, tipo, sorrindo até as bochechas, quando saímos do teatro
e dobramos a esquina para a Thinking Cup, casa do melhor chocolate
quente da cidade. Foi ideia de Reid – nosso trem parte em uma hora e
o ar de novembro mudou totalmente do outono para o inverno.
Eu tomo um gole no meu chocolate quente enquanto tagarelamos
sobre o show.
— Qual foi sua parte favorita? — Reid pergunta.
Eu envolvo minhas mãos em torno do copo de papel. O calor
aquece meus dedos congelados.
— Todas?
Reid ri.
— Isso é uma falta de resposta.
— OK. Bem, a abertura me fez chorar.
— É uma ótima abertura. — Reid sorri. — As mudanças da
narrativa, as escolhas de direção, são todas muito boas! Como a cena
em que o Timão quase se afoga? Como Simba está assustado neste
momento. É tão poderoso. Eu também adoro “Hakuna Matata” – a
transição de um Simba jovem para um Simba adulto? Eu amo isso.
— Totalmente. — sorrio de volta.
O gole de chocolate quente de Reid deixa espuma acima de seu
lábio.
— Sabe, tenho estado tão focado na música. Mas é mais do que
música – são performances, figurinos, cenário. Direção. Precisamos
pensar em tudo o que vem a seguir enquanto estamos escrevendo.
— É difícil. É tipo, eu dirijo na escola. Eu escrevo em casa. Nunca
me permiti pensar além do roteiro, antes de trabalhar em “Melted”. A
separação é mais fácil.
As palavras saem antes que eu possa retirá-las.
Reid enxuga a espuma.
— Você escreve? Além de “Melted”?
— Não é grande coisa.
— Natalie “Eu Não Faço Arte” Jacobson é escritora?
É claro que Reid acha que é um grande negócio.
Eu engulo um longo gole.
— Escrevo para me divertir. Isso não é sério.
— Algo pode ser divertido e sério. Não tem que ser uma coisa
ou/ou.
— Talvez no início, mas você não acha que a seriedade acabará
prejudicando a diversão?
Reid balança a cabeça.
— Não se você amar o suficiente.
Eu não concordo. De jeito nenhum. Eu reviro meus olhos para
Reid, que rapidamente reverte para a versão séria do clarinete de si
mesmo. Eu prefiro sair com o Reid divertido, do teatro musical
hoje. Não quero perder essa euforia criativa. Então eu volto para seu
comentário inicial.
— Você não mencionou a dança. Uma parte essencial de qualquer
musical.
Reid ri.
— Um musical e você é uma especialista? Você sabe que estou
preparando um número de sapateado.
— Tenho certeza de que precisamos colocar Danica no comando da
coreografia.
— Você quer colocar Danica no comando de alguma coisa? — Reid
parece cético. — Isso é crescimento?
Eu engasgo com meu chocolate quente.
— Mais como o medo de que ela se amotine novamente se não o
fizermos.
Reid acena com a cabeça.
— Um verdadeiro ponto baixo. Co-diretores, juntem-se! — Ele
abaixa a voz em uma imitação terrivelmente rude do meu pai e eu rio
alto.
— Eu acho... que estamos começando? A nos juntar.
— Eu também — Reid diz.
Reid e eu não conseguimos parar de falar sobre o show em nossa
caminhada de volta para a Estação Norte. Dissecamos a perfeição das
performances e a ressonância emocional no segundo ato, as escolhas
narrativas que o musical fez que estavam ausentes do filme – e ambos
chegamos à mesma conclusão.
Cada letra de O Rei Leão é necessária. Propulsiva.
“Melted” tem ótimos momentos – mas algumas das músicas são
obviamente para preencher. Eu imagino os momentos que poderiam
existir se eu parasse de me agarrar aos monólogos da peça e os deixasse
se tornarem canções que movem a trama para frente.
— Não quero estragar o clima, mas acho que precisamos fazer outra
passagem no segundo ato.
— Não está bom ainda — eu concordo.
— Está desequilibrado — diz Reid. — Nossos grandes momentos
estão todos no primeiro ato.
— Eu não acho que seja sobre os grandes momentos,
necessariamente — eu contraponho, enrolando meu lenço infinito em
volta do meu pescoço mais uma vez. — É sobre tensão – e equilibrar os
grandes momentos com os momentos calmos e emocionais. Nós
estivemos tão focados em grandes números da Broadway... mas talvez
nem tudo tenha que ser um grande número da Broadway.
Reid considera isso e estou preparada para o contra-argumento.
Em vez disso, ele simplesmente diz:
— Você não está errada.
Puta merda! Reid acabou de dizer que estou certa? Pego meu
telefone porque preciso registrar uma declaração como esta, para tê-la
no bolso de trás para os inevitáveis argumentos criativos que o futuro
provavelmente nos reserva quando a magia do Rei Leão desaparecer e
pararmos de fingir que somos capazes de nos dar bem.
Abro minha câmera e pressiono gravar.
— Então, estou certa.
Reid cobre a câmera com a mão.
— Isso é necessário?
Eu puxo meu telefone de volta e me concentro em seu perfil.
— Isto é.
Reid revira os olhos e morde o lábio como se estivesse tentando não
rir.
— Sim, Natalie.
— Sim, Natalie o quê? — peço.
— Você não está errada — Reid repete, amassando seu copo de
chocolate quente e jogando-o no lixo. Eu paro a gravação e coloco meu
telefone na minha bolsa, já olhando para um futuro onde eu possa usar
este clipe novamente.
— Eu só quero um segundo ato…
— … melhor do que o primeiro.
Meus olhos encontram os dele.
— Exatamente.
Eu engulo meu último gole morno de chocolate quente para evitar
que meu rosto reaja. Porque Reid terminou minha frase. Mas acho que
ele não está mais falando sobre “Melted”.
E não sei o que fazer com isso.
Felizmente, é quando chegamos na estação. Temos dez minutos de
sobra, mas o trem já está nos esperando, já que Boston é sua origem. Eu
me sento em uma cadeira, puxo meu cabelo para trás em um coque
bagunçado e Reid desliza ao meu lado. Ele posta a foto que me fez tirar
dele fora do teatro, apontando para a marquise com o sorriso mais
bobo de boca aberta no rosto, no Instagram. Seus dedos estão batendo,
o que significa que ele está ouvindo o – ahem – álbum da OBC, algo
que com certeza é permitido depois de uma experiência de teatro ao
vivo, quando você não pode e não quer tirar a música da cabeça.
Eu definitivamente não quero.
Mas eu resisto à tentação de tocá-la também e abro o aplicativo de
notas no meu telefone, inspirada para começar a pensar no monólogo
de Adina e reformulá-lo como um momento quieto para o nosso
segundo ato – mas então meu telefone vibra na minha mão.

Henry Chao
Oi. Eu vim depois do meu turno para conversar, mas Delia
disse que você está vendo Rei Leão com Reid??
17:45

Uau. Vocês são amigos agora?? *Eu* estou numa


pegadinha?
17:46
Isso... não é um pedido de desculpas.
Na verdade, parece uma acusação.
— Meus amigos também estão confusos — Reid diz, sua voz me
puxando para fora da espiral do meu telefone. Eu bloqueio minha tela
e jogo meu telefone na minha bolsa. — Desculpa! Eu vi meu nome e
não pude desviar o olhar.
— Eu entendo — eu digo. Para o resto do mundo, Reid e eu
fazendo alguma coisa, indo a algum lugar, juntos, parece uma grande
coisa. Mas é pelo “Melted”. E daí se eu me diverti mais do que jamais
admitiria em voz alta? Isso não de repente significa nada.
— Eles ainda não superaram Star Wars — confessa Reid. — Ou que
eu comecei a guerra de pegadinhas que resultou em um musical.
— Compreensível. Tenho certeza de que meus amigos me culpam
por perder uma peça que nunca tivemos. Eu sei que Henry me culpa.
Reid escolheu este momento para me oferecer um fone de
ouvido. Não compartilhamos fones de ouvido, por isso esta é a cereja
no topo desta bizarra 5ª dimensão de dia. Roupas
combinando. Conversas não combativas. Agora, compartilhamento
de fone de ouvido. Quem somos nós?
— Isso parece uma trégua — eu digo, pegando o fone de ouvido de
Reid.
— Pode ser? — Reid pergunta. — Temporariamente, é claro.
— Obviamente. — Eu mantenho minha expressão neutra, mas a
decepção que sinto é outro nível de confusão. — Concordamos em
estender a cláusula de trégua? Pausar Natalie X Reid até a noite de
estreia?
Quase mencionei papai, mas não quero colocar isso em jogo.
Reid acena com a cabeça.
— Isso parece mutuamente benéfico.
— Eu também acho — eu digo.
Porque as tréguas são combinadas com um juramento duplo de
mindinho, os mindinhos de Reid envolvem os meus e não sei como a
pele dele é tão quente ou como a minha é tão fria quando sou eu que
estou usando luvas sem dedos. Depois de uma batida, nossos dedos
mindinhos se desembaraçam e essa trégua temporária parece um peso
sobre meus ombros.
Ficamos em silêncio pelo resto da viagem, ouvindo O Rei Leão por
um par de fones de ouvido. Fecho meus olhos e deixo a performance
desta noite repetir em minha memória – animada para retornar às
páginas de “Melted”, para revê-lo com novos olhos e deixar que seja um
musical em vez de resistir a ele.
Acho que nunca prestei atenção aos musicais por causa de Reid.
Isso me lembra da quarta série, quando Reid criou um sistema de
recrutamento de Survivor tão intenso que desisti completamente de
assistir. Não consigo ouvir “Rhapsody in Blue” desde que ele
aperfeiçoou o solo de clarinete na sexta série. Além disso, há um motivo
pelo qual meu clarinete não foi tocado desde a conclusão das guerras
de pegadinhas da sétima série. Por que eu não toco mais, nem por
diversão.
Porque se Reid gosta de algo, é mais fácil se eu simplesmente não
gostar.
Pelo menos, é o que eu estive seguindo. Mas talvez eu esteja
perdendo.
Talvez rejeitar algo baseado exclusivamente no entusiasmo de Reid
seja minha responsabilidade.
Devolvo seu fone de ouvido quando nos aproximamos de nossa
parada e estamos quase de volta à realidade.
— Obrigado por me convidar — Reid diz. — Estou muito feliz por
ter vindo.
— Mesmo que você esteja comigo?
— Sim. Passar um tempo com você não é o pior. Quem diria?
Sinto as pontas das minhas orelhas esquentarem.
— Ainda está um pouco ruim, certo?
Ele sorri.
— Um pouco.
Meu coração faz essa coisa de tamborilar que eu cem por cento não
entendo quando chegamos à estação, e há uma pequena parte de mim
que quer dar meia-volta e voltar direto para Boston. Não consigo me
lembrar da última vez que me diverti tanto ou me senti tão inspirada e
não tenho certeza do que isso significa. Eu sei que o clássico Reid do
clarinete sempre será o pior. Mas... o Reid com quem passei hoje?
Ele pode não ser.
CAPÍTULO DEZESSEIS

Eu rio da Natalie do passado e sua confiança em seu lirismo – e na sua


capacidade de fazê-lo sozinha.
Eu sou uma dramaturga, não uma poeta.
Além disso, tenho muito a aprender sobre musicais. Comecei uma
lista de filmes musicais e estou determinada a assistir o máximo que
puder antes dos ensaios começarem. Dirigir um musical vai ser
diferente do que uma peça. Não consigo mais minimizar essa realidade.
Quase mando uma mensagem com a lista para Henry.
A pesquisa é sua parte favorita do processo de escrita/direção.
Mas então me lembro que nunca respondi sua mensagem e ainda
estamos muito sem nos falar.
Do tipo ele-parou-de-vir-aos-encontros-de-“Melted” sem nos falar.
E nós-nos-evitamos-durante-a-escola sem nos falar.
Basicamente, nós dois estamos esperando-a-outra-pessoa-se-
desculpar sem nos falar.
Portanto, essa não é realmente uma opção agora.
Pelo menos... eu tenho Reid? Na semana desde O Rei Leão,
passamos todos os dias depois da escola juntos, retrabalhando o
segundo ato e polindo meu rascunho das letras.
E tudo o que resta é o monólogo de Adina.
Não tenho ideia por onde começar, então dou um salto e bato na
porta do escritório da mamãe, esperando que sua recém-descoberta
energia criativa passe para mim na forma de uma sessão de
brainstorming. Mas quando abro a porta, mamãe não está atrás da tela
trabalhando em seu próximo best-seller – ela está lendo trabalhos de
redação criativa.
— Ei, Lee — mamãe diz. — Trabalhando em “Melted”?
Eu tomo meu lugar no futon.
— Tentando.
— Também. — A risada de mamãe é indiferente e eu a imito,
tentando esconder minha decepção. Quero que seja como nos velhos
tempos, quando The Lola Diaries estava no auge do sucesso e mamãe
estava escrevendo um livro por ano.
Sinto falta das palavras da minha mãe. Sua energia quando inspirada
era contagiante.
Agora eu sento ao lado dela e digito e apago e digito e apago.
Um dístico.
Um soneto.
Até mesmo uma linha.
Nada está dando certo. Frustrada, abro o roteiro original no
documento compartilhado porque talvez eu fique, não sei, inspirada
pelo brilho de nossa criação.
Quando não consigo, pego meu telefone e mando uma mensagem
para Reid.

como faço versos???


18h21

Reid Callahan
O que você tem até agora?
18h22
NADA
18h22

Ok, então primeiro você abre o Word


18h23
Então você digita palavras
18h23
Talvez, se você estiver se sentindo maluca, elas rimam????
18h23
Eu fecho nossas mensagens. Reid é inútil. Não sei por que esperava
mais dele. Chamamos uma trégua. Mas ainda. Uma ótima tarde longe
de Natalie X Reid não apaga a realidade de que Reid ainda é... Reid.
— Você está bem? — Mamãe pergunta.
Eu fecho a tela do meu laptop pela metade.
— Como alguém escreve versos?
Mamãe ri.
— Sou romancista por uma razão.
Eu tiro meu cabelo do rosto.
— Justo.
— Você já escreveu isso, Lee. O principal está aí. Confie em si
mesma.
Eu fecho meu laptop e agito meus membros no futon.
— Como vai a comédia romântica?
Mamãe suspira.
— Eu não sei. Estou avaliando durante o tempo de escrita. Então.
— Hoje não?
Mamãe balança a cabeça.
— Hoje não.
Também sou uma batata improdutiva e os minutos se transformam
em horas, olhando para uma tela em branco enquanto mamãe se
divertindo com sua caneta vermelha. O poema principal não está
acontecendo. Hoje não. Devo encerrar por hoje e estudar para
qualquer um dos três testes que farei amanhã.
Eu vou.
— Já está indo embora? — Mamãe pergunta. — Posso
ajudar? Sessão de brainstorming?
Eu balanço minha cabeça.
— Hoje não.
Mamãe acena com a cabeça.
— Isso acontece. E está tudo bem. Sempre há amanhã.
Estou impressionada com o otimismo na voz da mamãe. Mesmo
quando o bloqueio de escritor se estende de dias a semanas, de meses a
anos... sempre há o amanhã. Veio na forma de uma comédia romântica
da pós-graduação inspirada por seus alunos. Em vez de deixar o
bloqueio derrotá-la, ela insiste que é temporário. Sempre é.
Mas ainda não tenho certeza se os pontos baixos valem os
momentos fugazes de inspiração.
— Obrigada, mãe.
Lá em cima, eu caio na minha cama e meu telefone vibra meu
estômago com uma nova mensagem de Reid. Eu clico nela, esperando
mais sarcasmo. Mas não são palavras, é uma batida – firme,
constante. Fecho os olhos e imagino Fitz no centro do palco como
Adina, assustada e exausta. A batida acelera – e é Adina, encontrando
sua voz. Aceitando seus poderes. Reconhecendo que em alguns casos é
melhor queimar tudo e começar de novo.
Meu telefone vibra novamente.

Reid Callahan
Já disse isso antes, mas você não pode pensar nisso como um
monólogo.
22h21
Ainda é mais ou menos uma canção. Você tem que sentir
isso. Precisa de uma batida.
22h21
Eu sei que estou apegado a Keep It da mesma forma que você
está apegada ao Moritz... mas talvez haja algo no ritmo da
música que possamos salvar.
22h22
Pode ser mais fácil do que começar do zero.
22h22
Eu considero a ideia de Reid.
Pela primeira vez, vejo o poema.
E eu ligo pro Reid por FaceTime.
— Natalie? — Ele atende no segundo toque, meu nome um ponto
de interrogação em sua voz.
Eu imediatamente desligo.
Merda. O que há de errado comigo? Reid e eu não fazemos
FaceTime! Mensagens de texto casuais são novas o suficiente! Vê-lo na
minha tela, sentado em sua cama, seus cachos úmidos saídos do
chuveiro – é um novo nível para esta trégua que eu não tenho certeza
se estou pronta. Mas somos colaboradores. E não consigo transmitir
por texto o que sinto quando ouço sua batida.
É “Melted”. Não era nem estranho... até que eu desliguei em pânico
e deixei tudo estranho.
Meu telefone começa a vibrar.
Ele está ligando de volta.
Eu verifico meu cabelo no espelho. Não posso explicar por quê.
— Ei — eu respondo. — E aí?
As sobrancelhas de Reid se erguem em diversão.
— Eu não sei. Você me ligou.
— Certo.
Faça um silêncio muito longo.
— Natalie? — Reid pergunta. — Eu travei?
— A batida — eu digo. — Acho que sei o que nosso momento
quieto do segundo ato precisa ser.
— Você teve um avanço! OK. Me dê um segundo.
Reid está em movimento, saindo de sua cama e indo para sua
mesa. Leva mais de um segundo para fazer a configuração certa. Eu
alcanço o meu laptop enquanto tenho certeza de que Reid está
tentando me equilibrar em uma pilha de livros. A tela fica preta com
um baque. Mas depois de uma medida, estou preparada para ver o
perfil de Reid, seu teclado ao fundo.
— OK. Me passe a visão — diz Reid.
— “Keep It In” — eu digo. — Podemos desmontá-la?
Reid para de digitar e olha para mim.
— Espera. Mesmo?
Eu afirmo.
— Nunca pensei em retrabalhar suas letras porque sempre imaginei
um grande momento. Talvez não seja. Talvez seja o momento
tranquilo e poderoso de que “Melted” precisa. Não cantado. Falado.
Reid considera.
— Mas... você está tão apegada ao monólogo.
— Eu ainda estou — continuo. — Tem tudo o que eu quero dizer
– sobre a relação de Adina com seus poderes, sobre o medo e a raiva que
vêm com o ajuste de contas com uma crise climática que ninguém mais
reconhece. Mas não se encaixa. Não mais. Então, talvez usemos o
monólogo como inspiração para reescrevê-la. Sua música. Meu
monólogo virou letra.
Outra batida de silêncio.
— Então, o que você está dizendo — Reid começa, com um sorriso
afetado no canto da boca — … é que você não acha que devemos…
deixar isso livre estou?
Eu desligo.
Reid liga de volta imediatamente.
— Eu te odeio — eu respondo.
— Vamos! Você me armou para isso — Reid diz, rindo. — É uma
ótima ideia. Uma verdadeira colaboração.
Ele compartilha um documento do Google comigo intitulado KEEP
IT IN — REDUX.
Eu clico no arquivo e vejo Reid digitar em tempo real.
— Estou pensando em manter o acompanhamento super simples
— digo.
— Concordo. Temos de ter cuidado. Pode ser feito da maneira
certa ou pode ser o filme Les Mis.
— Eu não sei o que isso significa — eu digo.
Reid me envia um link para “Valjean's Soliloquy”, no qual Hugh
Jackman está falando? Cantando? Eu não tenho certeza do que isso
deveria ser. Eu assisto trinta segundos do clipe antes de sair porque
Reid fez seu ponto. “Keep It In” não pode ser... seja o que for isso.
— Esse é apenas um exemplo — diz Reid.
— Entendido. E vou riscar Les Mis da minha lista.
Não quis dizer a segunda parte em voz alta.
— Que lista? — Reid pergunta.
— Oh, estou assistindo musicais — digo. — Para preparação.
Reid luta para esconder a surpresa em seu rosto.
— Não risque! Em vez disso, assista ao concerto do décimo
aniversário.
— Anotado.
Reid cola suas letras de “Keep It In” e o monólogo original no
documento lado a lado e passamos horas reescrevendo as letras,
transformando uma música totalmente orquestrada em um momento
emocional mais pessoal para Adina. Experimentamos com a música
que o acompanha, brincamos com o andamento e o volume e com o
quanto podemos reduzir. Parece uma verdadeira parceria, uma
verdadeira colaboração que nunca se sentiu tão fácil, desde que Henry
e eu escrevemos a cena de abertura de Melted durante o verão, que
agora parece uma vida inteira atrás.
Quando saímos de nossa zona criativa, são quase duas da manhã.
Eu pisco. Como?
— Devo estar em sua casa em cinco horas — diz Reid.
— Eu tenho três testes amanhã — eu digo.
— Bem, pelo menos “Melted” está pronto. — Reid fecha seu laptop
e volta para sua cama, a tela escurecendo por um momento enquanto
ele apaga as luzes do quarto e acende a lâmpada em sua mesa de
cabeceira que atinge apenas metade de seu rosto. — Ele está pronto,
certo?
— Está — eu concordo. — Mas o verdadeiro trabalho está apenas
começando. Co-diretor.
— Certo. Ugh. Não estou nem cansado.
— Nem eu — eu admito. — O arrependimento chegará no segundo
período.
— Sem arrependimentos. — Reid balança a cabeça. — Isso significa
que posso dedicar algum tempo real à minha inscrição para Albany esta
semana. Antes de começar a elencagem na próxima semana. Como já
estamos neste ponto?
— É um cronograma ridículo — eu digo. — Como vão as
coisas? Coisas de Albany?
Reid está sem palavras por um segundo.
Eu também. Quando nossas conversas se afastam de “Melted”,
nunca é em direção ao clarinete.
— O prazo é até meados de dezembro — diz Reid. — Eu ainda
tenho tempo. Precisa ser perfeito. Preciso…
A frase desaparece, inacabada.
— O quê? — pergunto.
— Há muito em jogo – um avanço nas inscrições para
conservatórios, bolsas de estudo em potencial, sinalizando para meus
pais que isso não é apenas um hobby. Eu sei que sou bom o suficiente.
— Confiante — digo.
Reid sorri.
— Sempre.
Eu reviro meus olhos, uma ação que parece normal.
Mas o sorriso desaparece. Reid suspira.
— Eles nem sabem que estou me inscrevendo.
— Para Albany?
Reid acena com a cabeça.
— É uma jogada arriscada, então por que começar qualquer
coisa? Meus pais estão fortemente empurrando a rota tradicional. Meu
pai diz que não vai financiar parcialmente um curso de artes inútil. É
como se meus pais esquecessem que há pessoas por trás da arte que
adoram consumir. Pessoas como eu. Não se trata nem de dinheiro. Eu
teria empréstimos de qualquer maneira. É mais como... — Reid para
novamente. — Eu sinto muito. Não sei por que estou lhe contando
isso.
Eu também não.
Reid desabafar no meio da noite é o oposto do normal. Quer dizer,
eu sabia que as coisas com os pais dele eram tensas sobre o
conservatório. Sempre apreciei o pragmatismo de Rebecca e
Leonard. Mas ouvir Reid falar sobre experimentá-lo... Não tenho
certeza se ainda aprecio. É, tipo, não me admira que ele seja tão intenso
com a música.
Ele tem algo a provar.
— De qualquer forma, você tem sorte — continua Reid,
preenchendo o silêncio. — Seus pais são os melhores. Não sei o que
faria sem o seu pai.
E aí está. O porque eu não gosto de conversas sobre o
clarinete. Espero que a onda de angústia e animosidade chegue. A
reação típica de afastamento com a qual estou tão acostumada. Mas
isso não acontece. Talvez eu esteja muito cansada. Talvez a epifania
de O Rei Leão teve mais impacto do que eu pensava. Talvez seja bom
conversar com Reid sem ter que pensar sobre como isso poderia ser
usado contra mim.
— Sim, eu sou. Mas você também.
Há uma pausa.
Está tarde.
Eu deveria dizer boa noite.
— Nós vamos–
Reid me interrompe.
— Posso te perguntar uma coisa? Agora que despi minha alma.
Meu coração bate em ritmo acelerado.
— Talvez.
— Nós colaboramos — diz Reid. — Tipo, a semana toda.
— Isso não é uma pergunta.
— Eu sei. — Reid passa a mão pelo cabelo e morde o lábio
inferior. — Desculpa. Ainda estou processando. Eu não sei. Eu ainda
sou eu. Você ainda é você. Exceto, você está falando sério. É mais do
que uma trégua e mais do que salvar o seu clube. O que mudou? Além
de “Hakuna Matata”.
Eu processo a pergunta de Reid e a seriedade em sua voz.
É preciso tudo em mim para não me desconectar em pânico. Porque
isso parece íntimo. Nossos rostos podem estar nas telas, mas estão mais
perto do que nunca. Cada expressão está em exibição – a peculiaridade
da sobrancelha de Reid, a intensidade na forma como seus olhos fixam
os meus.
Não há onde se esconder.
Nada me impede de admitir para mim mesma que o rosto de Reid...
não é um rosto feio.
Objetivamente.
Oh meu Deus.
Nunca desejei tanto a capacidade de excluir um pensamento.
Então eu vou para uma distração. A verdade.
— Eu ouvi meus pais conversando algumas semanas atrás. Sobre
possíveis demissões.
Mesmo no escuro, vejo a cor sumir do rosto de Reid.
— Merda.
— Parece um boato. Mas me assustou… — quase tanto quanto essa
confissão em um vômito de palavras está me assustando — … então, se
pareço mais séria, é porque estou. Vou me comprometer, dirigir um
musical e deixar nossa história de lado enquanto durar a trégua.
— Merda — Reid repete. — Desculpa. Eu não esperava por isso.
— Eu sei. Os riscos já pareciam altos — digo.
— Tio Aaron não pode estar seriamente no bloco de demissões —
diz Reid.
— Eu não sei. Mas se ele estiver, a culpa é minha, então temos que
fazer isso direito, Reid. Precisamos ser co-diretores.
— Nós vamos.
Eu acredito nele.
— Uma nota estranha para terminar, mas devemos…
Reid me interrompe.
— Sim. Boa noite, Natalie.
— Noite.
Eu desligo, desta vez de verdade.
Mas dormir é impossível – minha mente está acelerada, esta semana
inteira de conversas em um loop. A colaboração desta noite. A
animação sobre a magia do Rei Leão semana passada. A confissão das
duas da manhã desta noite.
Há uma linha na qual estou presa.
Eu não esperava por isso.
Então, o que Reid esperava que eu dissesse quando perguntou o que
mudou?
Eu não sei.
Eu sei que é um alívio dividir o peso dos riscos com outra pessoa.
Mesmo que esse alguém seja Reid.

O dia seguinte é o mais segunda-feira.


O destaque da minha manhã? A Sra. Westfield saiu, então
assistimos The Great Gatsby, de Baz Luhrmann, na aula de
Linguagem. Eu entendo isso como uma deixa para pegar no sono antes
do meu teste de psicologia e me sinto zero por cento culpada por nem
mesmo chegar à primeira festa de Gatsby antes de meus olhos
fecharem.
— Natalie — Fitz diz, com um leve empurrão no ombro.
Meus olhos se abrem. A aula acabou.
— Obrigada.
No corredor depois, Fitz está em uma missão.
— Eu vi Reid encher demais sua garrafa de água — disse Fitz. — Os
olhos dele também têm olheiras.
— Ok — digo.
Não é que eu não vou contar a Fitz sobre a noite passada. Eu vou.
Quando eu descobrir como. Porque Reid e eu ficamos no FaceTime
até as duas da manhã é uma frase que ainda é impossível de
processar. Fitz fará uma análise exagerada. Convencer-me que significa
algo. E isso não significa.
Viramos a esquina, subindo as escadas para as salas de aula de
ciências sociais, quando vejo Henry se aproximando de nós do outro
lado do corredor. Ele deveria estar indo para a aula de espanhol com
Danica. Essa rota está fora do caminho dele. Fitz e eu olhamos uma
para a outra, tipo, ele está tentando nos interceptar?
Sem chance. Não teremos essa conversa na escola.
Felizmente, Fitz concorda.
Ela agarra minha mão e entramos no banheiro feminino.
— Não quero ser básica — diz Fitz, reaplicando o batom no
espelho. — Mas ainda não consigo.
— O mesmo — digo. — Já se passaram duas semanas. Ele está
pronto para conversar agora? Bem, talvez eu não esteja.
— Ele deveria ter se desculpado conosco no dia seguinte — insiste
Fitz.
Você apenas dirige, como se fôssemos todos personagens
secundários em sua história.
Eu não posso deixar de ouvir o quão duro foi.
Quão cansado disso Henry soou.
Sobre “Melted”.
Sobre mim.
E eu só quero chorar.
Se não entrássemos no banheiro, se deixássemos Henry vir falar
conosco e dizer nem sei o quê – não tenho certeza de como seria. Não
sei como é uma conversa com Henry agora. Estranha na melhor das
hipóteses. Conflituosa na pior das hipóteses.
Eu odeio isso.
Portanto, o evito totalmente. Ficamos no banheiro até o sinal tocar,
optando por nos atrasar para a nossa próxima aula. Então nós vamos.
Vou ficar sem combustível nos próximos três períodos. Meus três
períodos de teste.
Então isso é ótimo.
Felizmente, o estudo livre é o próximo. Na biblioteca, pego uma
mesa perto da janela e folheio minha agenda. Na maioria dos dias,
dedico esse período de 45 minutos para fazer o máximo de dever de casa
possível, para que as noites possam ser mais ou menos dedicadas
a “Melted”. Mas hoje? Passo metade do período respondendo a um
problema de matemática e lutando contra minhas pálpebras.
— Solidariedade zumbi.
Reid está de pé sobre mim, um chai latte na mão.
— Tantos. Muitos. Arrependimentos.
— Logan e eu fomos para a Kiskadee durante o almoço — Reid diz
enquanto coloca o chai na mesa porque oh... é para mim. Devo estar
fazendo uma expressão estranha, ou talvez ocorra a Reid como isso é
totalmente fora do personagem para nós, porque ele dá um passo para
trás e esclarece. — Não é… eu apenas pensei que você poderia precisar
disso tanto quanto eu. Co-diretora.
Pego o copo de papel e seu calor irradia para meus dedos.
— Obrigada.
Reid acena com a cabeça uma vez antes de sair da biblioteca sem
outra palavra, com as bochechas tingidas de rosa. Huh. Ontem, eu
liguei para Reid do nada. Hoje, Reid me traz um chai espontâneo.
Pelo menos essa trégua está fazendo coisas estranhas para nós dois.
CAPÍTULO DEZESSETE

Nós trabalhamos tão duro no script de “Melted” – e finalmente é hora


para nossa verdadeira estréia como co-diretores.
As audições ficam lotadas na meia semana de aula antes do feriado
de Ação de Graças, com os ensaios marcados para começar na semana
seguinte. Também estão programadas reuniões do “HAVE A
HE(ART)”, com Makayla e Cherish encarregadas de organizar o leilão
de arte que ainda pretendemos realizar e reunir o restante dos
grupos. Porque embora pareça que o mundo inteiro gira em torno
de “Melted”, ainda há, é claro, um quadro maior.
Mas o elenco! Reid e eu estamos no comando e Danica está no
palco, ensinando uma dúzia de atores de drama o número de sapateado
que ela montou ontem à noite, como se fosse fácil. Eu a observo se
mover pela peça passo a passo, ensinando shuffle e – ok, então “shuffle”
é a única palavra de sapateado que eu conheço. Não faço ideia de
quantos alunos de Lincoln têm sapatilhas.
Henry está nos bastidores porque, aparentemente, esse show só
importa agora quando Danica está envolvida. Ele evita o contato
visual. Obviamente. A sobreposição de turnos em Chao Down tem
sido uma nova forma de sofrimento. O elenco é um marco
importante,um passo para tornar o Melted real. Deveríamos estar
comemorando.
Em vez disso, somos teimosos demais para admitir um pedido de
desculpas.
Papai também está aqui, corrigindo trabalhos de Teoria Musical no
fundo do auditório. Com o bat mitzvah da Delia a apenas algumas
semanas, os prazos das notas do semestre se aproximando, encontrar
um novo show para o Lincoln Street Blues e a vaga ameaça de
demissões – parece que ele está feliz em ceder esse processo para Reid e
eu. Acho que nos darmos bem provavelmente ajuda.
É o último dia de audições e, até agora, não foi nada menos que
um processo tranquilo e colaborativo. Eu escolhi os monólogos na
semana passada e escolhi um flashback da primeira vez que Adina usou
seus poderes. Reid escolheu as músicas, uma mistura de músicas
contemporâneas que melhor refletem o estilo de “Melted”. A dança é
toda da Danica, já que não posso nem fingir que sei coreografar alguma
coisa. Na maioria dos dias, eu mal consigo me coreografar, tipo,
andando na rua.
— O que vamos fazer em relação a Fitz? — Reid pergunta.
Pontos pela tentativa de ser suave.
Fitz está atualmente no palco na última fila improvisando essa
rotina porque, como eu, ela nunca fez shuffle-hop-qualquer coisa
antes. Fitz é um milhão por cento a melhor atriz que fez audição. Não
estou dizendo isso porque ela é uma das minhas melhores
amigas. Estou dizendo isso porque quando ela lê as cenas, elas me fazem
sentir exatamente como eu queria que o público se sentisse quando eu
as escrevi.
Mas a dança...
— Não era tão ruim — eu sussurro, como se fosse possível para Fitz
nos ouvir por cima da música.
— Natalie.
— OK! Foi ruim. Eu não sei o que aconteceu?
Fitz reiniciou duas vezes, mas meio que acompanhou o pessoal do
teatro musical durante a rotina do jazz. Sapateado, entretanto, foi uma
bomba. Para ser justa, não se pode aprender exatamente a sapatear da
noite para o dia.
— Se precisarmos de um plano de backup, acho que Emerson é uma
alternativa boa para interpretar Adina — diz Reid.
— Emerson é uma caloura — digo, minha boca praticamente
caindo aberta.
Todo mundo gosta de fingir que o processo de audição é cego e não
tendencioso. Mas existe uma hierarquia em ação aqui. Um em que
calouros raramente, ou nunca, são escolhidos como
protagonistas. Não é a hora deles.
— Além disso, Emerson pode cantar! — Reid diz.
— Mas passamos muito tempo reformulando “Keep It In”.
— Você estava cantarolando a melodia durante o café da manhã —
diz Reid.
Eu balanço minha cabeça.
— Eu não estava.
— Você estava!
Sem chance.
— Eu não canto. Não no café da manhã. Não na sua frente.
— Você estava cantarolando. Qualquer que seja. A questão é que a
versão simplificada que escrevemos é ótima. Fitz iria monologar o
inferno disso. Mas ainda estou imaginando isso como uma música. Eu
acho que você também.
Eu suspiro.
— Você está errado.
Como se fosse uma deixa, Fitz escorregou e caiu de bunda no meio
da música.
— Estou bem! — ela grita por cima da música.
— Ugh. — Eu gemo em minhas mãos.
Cortar uma das minhas melhores amigas para um show melhor… ou
escalar alguém que não sabe cantar e não tem ritmo para protagonizar
um papel musical?
Ok. Quando digo assim, a escolha parece óbvia.
Mas é uma decisão impossível.
— Não é pessoa — diz Reid. — É uma audição.
Danica, satisfeita que todos, menos Fitz, conhecem os passos tão
bem quanto podem, pula do palco, corre até nós e se senta com os
jurados. É injusto o quão bonita ela fica em calças MC Hammer e uma
blusa curta larga, seu cabelo escuro puxado para trás em um rabo de
cavalo ondulado, um boné de beisebol preto na cabeça. Ela desabou no
assento ao meu lado com um suspiro alto.
— Solte a música — grita Danica.
Makayla, que além de ser uma artista incrível também é um mago
da tecnologia secreta, tem comandado a cabine de som com Arjun. A
música enche o auditório, uma canção otimista de Bruno Mars, e os
sapateadores estão sapateando. É… interessante? Os sons não estão
todos sincronizados, os braços se agitam e é uma bagunça. Mas tem
potencial, eu acho. Emerson é irritantemente ótima. Toby, um júnior
que é o principal candidato a interpretar Moritz, não cai de cara no
chão. Todos terminam milagrosamente no mesmo ritmo. Eu começo a
realmente ficar animada com isso.
— De novo — grita Danica. — É shuffle hop step dedo dedo
calcanhar calcanhar! Não dedo calcanhar dedo calcanhar!
São necessárias mais três rodadas para quase todo mundo acertar a
coreografia básica. Então Danica divide os dançarinos em grupos
menores para que possamos avaliar cada um individualmente. Isso
continua por cerca de uma hora, até que Danica esteja satisfeita. Trinta
minutos ou mais nisso, Henry se afasta dos bastidores, juntando-se a
nós na platéia e ocupando o lugar vazio do outro lado de Danica.
Danica está literalmente entre nós.
A metáfora não passou despercebida, mas evito contato visual
durante o resto da rotina de sapateado.
Finalmente, quando todos foram embora, passamos para as leituras
de química, a última peça do quebra-cabeça. É sempre a minha parte
favorita e a de Henry nas audições, porque é a primeira vez que vemos
as interações dos personagens que fazem as palavras de um roteiro
saírem da página. Neste ponto, já temos nossos principais
candidatos. As leituras de química são para selar o acordo, para garantir
que nossos atores possam trabalhar juntos e que sua energia pareça
orgânica, e é por isso que as fazemos por último. Chamamos os
principais e contendores reservas para a leitura. Eu cruzo meus dedos
nas minhas costas, desejando que tudo corra bem com meus
favoritos. Principalmente, que Fitz se saia tão bem que remova a
memória de sua desastrosa dança da memória de todos.
Danica diz em voz baixa:
— O que vamos fazer com a Fitz?
Tanto por isso. As sobrancelhas de Reid sobem, como se ele tivesse
sido justificado.
— Fitz tem sido Adina desde o início — diz Henry.
Oh meu Deus.
Ele fala!
Para Danica. Não para mim. Mas é uma defesa de nossa visão
de “Melted”.
— Quero dizer, ela disse que não sabia cantar. Mas presumi que…
ela estava sendo dramática — diz Danica.
Eu balancei minha cabeça.
— Fitz tem dois meses para descobrir. Ela consegue. Nós apenas
temos que ser ótimos diretores e ajudá-la.
— Posso apenas tentar algo? — Reid pergunta antes de se levantar e
se virar para encarar os esperançosos da leitura de química. — Emerson
Roper?
Emerson se levanta e alisa sua saia, seus olhos castanhos arregalados
e nervosos.
— Sim?
— Você pode ler a cena três com Danica? — Reid pergunta.
Emerson franze a testa.
— Mas nós duas temos lido para Emma?
— Você vai ler Adina — diz Reid.
A boca de Emerson praticamente cai aberta.
— Mesmo?
— Mesmo.
Uau. Que colaboração! A primeira oportunidade que Reid tem de
me prejudicar diante do futuro elenco do nosso musical... e ele o faz. Eu
sei que disse que faria um compromisso. Co-direcionar um
musical. Por nossa história de lado.
Eu olho para o meu pai corrigindo trabalhos no camarote e me
lembro por quê.
Mas Reid não pode simplesmente me derrubar!
Ele também deve estar disposto a se comprometer.
— Tudo bem — eu sussurro para Reid. — Mas Fitz precisa
continuar sendo uma opção.
A expressão de Henry é incrédula.
Fitz e eu travamos os olhos em seu lugar nos bastidores, onde ela está
sentada com os braços em volta dos joelhos. Ela murmura, “que
diabos?” e eu murmuro, “não sei”, e nem é mentira. Danica e Emerson
estão no centro do palco. Emerson ajusta a bainha de sua camiseta. Ela
também é tão jovem que parece mais adequada para estar no palco ao
lado de Delia e Hannah, especialmente ao lado de Danica.
— Emerson parece um feto — Henry diz, como se lesse minha
mente.
Isso me faz sentir falta dele e como estamos sempre na mesma
página. Mas também parece que ele está aqui apenas para apoiar
Danica e dificultar as coisas para mim.
— Desde quando você se importa?
Henry franze a testa.
— Desde quando você não?
Eu não posso nem com isso.
— Deixe-me ajudá-la — lê Danica. — Por favor, Adina. Apenas me
deixe entrar.
Emerson balança a cabeça.
— Não.
É uma sílaba, mas a quebra em sua voz é devastadora.
— Não consigo fazer isso — continua Emerson. — Essa coroa? Este
reino? Eu não quero isso.
Danica dá um passo em direção a Emerson.
— O povo de Infernodelle precisa de você. Agora mais do que
nunca. Os incêndios, Adina. Eles estão fora de controle.
— E eu poderia apenas torná-los piores! — Emerson chora. — Eu
deixo tudo pior.
Na verdade, parece que estou vendo irmãs brigando. Não duas
pessoas que poderiam começar a se pegar a qualquer momento. As idas
e vindas de Danica e Emerson são naturais. Funciona.
Não quero admitir, mas embora Emerson seja uma caloura, ela é
uma caloura talentosa.
A cena termina, Reid agradece a Emerson, e ela volta para seu
assento – seu rosto rosa e seus longos cabelos ruivos com nós de
nervosismo.
Fitz me manda mensagens.

Fitz (não Ava)


oh ser uma SÊNIOR superada por uma CALOURA
4:45 PM

não se estresse!! estamos apenas testando algumas


combinações, eu juro. por favor, não me odeie – eu não
consigo lidar com tanta ansiedade de amizade!
4:45 PM

mds natalie
4:45 PM
eu te amo, mas não se preocupe em meu nome
4:46 PM
EU CAÍ. tá tudo bem ser objetiva.
4:46 PM
contanto que eu ainda esteja desenhando os figurinos
4:46 PM

Eu expiro.
A melhor parte sobre Fitz é que ela deixa suas emoções visíveis.
O oposto total de Henry.
Eu não tenho que ler nas entrelinhas – ou me preocupar que ela não
queira dizer isso. Mesmo assim, não torna a decisão mais fácil. Quer
dizer, já escrevemos um musical inteiro centrado na incapacidade de
cantar da Fitz. Porque Adina sempre foi Fitz.
Não sei se estou pronto para deixá-la ir.
Luto com a ideia pelo restante das leituras de química, até que o
futuro elenco de “Melted: The Musical” seja dispensado, deixando
Reid e eu para finalizarmos a lista com meu pai. Fitz me envolve em um
abraço na saída. Danica e Henry saem juntos e eu não posso nem
processar que a primeira conversa de verdade que Henry e eu tivemos
desde meu aniversário foi ele me acusando de largar Fitz. Especialmente
quando Fitz está mais tranquila em largar Fitz do que eu!
É além de frustrante.
— Que semana! — Papai exclama assim que todos vão embora,
usando sua voz de professor. — Seu show vai...
— Emerson deveria interpretar Adina — diz Reid.
Uau. Nem deixa papai terminar a frase!
Mesmo que eu quase concorde, a maneira como ele aborda isso
reacende a Natalie X Reid em mim.
— Fitz pode fazer isso — rebato. — Se formos bons diretores,
podemos ajudá-la a fazer isso.
— Já estamos com um prazo ridículo, Natalie. Por que tornaríamos
qualquer parte do processo mais difícil para nós? — Reid pergunta.
— Porque trabalhamos nisso! Tiramos uma música da Fitz! Eu...
pensei que estávamos na mesma página.
— Nós estávamos. Mas é difícil estar agora, quando Emerson está
bem na nossa frente.
Papai levanta as mãos e me atira um olhar que diz ouça-me.
— Olha, Natalie. Eu sei que você investiu na Fitz. É compreensível.
— Ela é uma das melhores atrizes que temos — insisto. — Isso não
é tendência de amizade!
— Mas isso é show business e também assunto de comitê escolar, e
se você quiser ser levada a sério... Fitz não é forte o suficiente para liderar
um musical — diz papai.
Aqui está. A palavra. Sério.
E tudo bem. Eu sei que eu disse isso. Mas parece diferente, ouvir do
papai.
Até agora, levar o musical a sério significou perder Henry como co-
diretor e colocar nossa amizade no pior lugar que já existiu. Agora
significa largar a Fitz. Eu odeio que existam riscos. Que estou liderando
uma produção séria sem minhas pessoas favoritas – exatamente o
oposto de porque lutamos tanto pelo clube de teatro.
Não é por isso que eu faço Arte.
Mas agora, é como eu preciso fazer Arte se eu quiser ser capaz de
fazer daquela forma novamente.
Se um erro de elenco – se minha teimosia – arruinar a programação
de arte do próximo ano para um corpo discente inteiro, nunca poderei
mostrar minha cara no LHS novamente.
Eu nem mesmo deixo a outra possibilidade de pior caso se tornar
um pensamento.
— Você não está errado — digo. — Mas eu tenho condições.
Não sei quem parece mais chocado.
— Mesmo? — Reid pergunta.
— Você... não vai lutar contra isso? — Papai pergunta.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu quero manter o “Keep It In” simplificado. Podemos escrever
uma melodia simples para Emerson, mas não estamos revertendo. Ela
será uma ótima Adina. E se isso nos trouxer financiamento, posso
escrever algo ótimo para Fitz no próximo ano.
— Combinado — diz Reid.
— Fitz também é a substituta de Emerson — digo.
Reid acena com a cabeça.
— Beleza. Mas nada de fazer pegadinhas para Emerson ficar fora do
show.
— Eu nunca!
Reid me olha como se dissesse, “sério?”.
Papai fica atordoado em silêncio por um momento, antes de se
recompor. Claro que dói, a maneira como papai estava tão obviamente
ficando do lado do Reid. A maneira como papai sempre fica do lado do
Reid. Mas eu engulo. Por enquanto, sou um profissional. Estou
colocando o futuro das artes à frente dos meus próprios problemas. É
chamado de crescimento.
— Excelente! — Papai diz. — Huh. Talvez a gente não vai estar
aqui a noite toda.
Adina foi o único papel em debate e o resto da lista do elenco se
forma com pouca fanfarra. Todo mundo que fez o teste terá um papel
no elenco, é claro. Fora do elenco principal, há papéis coadjuvantes,
dançarinos principais e solos importantes para escalar, mas quase todos
concordamos. Quando não fazemos isso, Reid concorda comigo
porque temos uma Adina que pode cantar.
— Conseguimos — diz Reid. — Temos um elenco.
Eu reviso a lista final digitada.

MELTED: O MUSICAL - O ELENCO


Adina: Emerson Roper
Emma: Danica Martinez
Moritz: Toby Daniels
Kris: Kevin McGuire

Papéis coadjuvantes, membros conjunto e orquestra


estão listados abaixo. Por favor assine suas iniciais
depois do seu nome para confirmar a sua participação
em Melted: O Musical.

O cronograma de ensaios já foi confirmado e aprovado.


Por favor, passe pela sala de aula do Sr. Jacobson para
pegar uma cópia.

O primeiro ensaio é terça-feira, 1º de dezembro às


14h30 na sala de música. Estamos tão animados para
começar!
Atenciosamente,
Natalie Jacobson e Reid Callahan
Co-diretores de Melted: O Musical

Eu não posso mentir. Eu sinto a perda de Fitz – não ver seu nome
no conjunto.
Mas a emoção também está presente.
Porque na próxima semana, eu vou dirigir.
Bem, co-dirigir.
A Armadilha

— Reid me perguntou se eu queria tomar sundaes no


domingo. Quer dizer, que idiota, certo?
Segurei meu telefone com tanta força que as juntas dos meus dedos
ficaram brancas. Fazia um mês e Madeline ainda estava babando por
Reid via FaceTime. Babando. Nossa amizade tinha se desgastado de
uma forma dolorosa, com Reid agora no meio dela –
sua idiotice consumindo muitos dos pensamentos de Madeline. Cada
vez que Madeline vinha para uma noite de cinema ou para pintar as
unhas uma da outra ou o que fosse, ela pedia por Reid. Se ele estava por
perto, praticando clarinete. Se a resposta fosse sim, ela me deixaria no
meio da atividade para bater na porta do estúdio de papai e dizer oi.
Sério. Uma vez, ela me deixou com o polegar sem pintura, distraída
pelas mensagens de Reid.
Em retrospecto, a nossa amizade estava fortemente falhando no
teste Bechdel.
Estava em uma construção, de um crescendo lento nos últimos
trinta dias. E eu estava cansada de esperar. Eu tive que resolver o
problema com minhas próprias mãos.
— Madi, eu acho... que você gosta muito de Reid.
Madeline franziu a testa, confusa.
— Ele é meu namorado, Natalie.
— Faz apenas, tipo, um mês — digo. — Você não sabe…
Madeline balançou a cabeça.
— Olha, não é que seus sentimentos não sejam válidos! Mas o drama
da guerra de pegadinhas é coisa sua. De vocês.
— Reid não gosta de você! Ele está usando você! Para mexer
comigo! Como isso não é óbvio?
O silêncio que se seguiu se estendeu por tanto tempo que pensei que
talvez tivéssemos nos desconectado.
— Isso é... realmente maldoso. — As sobrancelhas de Madeline se
juntaram, como se ela estivesse tentando não chorar.
— Você esteve por aí o verão todo. Você não acha estranho que a
primeira vez que Reid te chamou para sair foi depois que ele perdeu a
primeira cadeira?
O nariz de Madeline torceu.
Depois de outro silêncio doloroso, ela perguntou:
— Você está com ciúmes?
Pisquei, horrorizada com a insinuação.
— Madeline. Você está falando sério? Não! Que
nojo! Estou preocupada. Você não entende. Reid quebrou meu braço
por causa do clarinete. Bem, isso parece violento. Mas a pista de
obstáculos que ele montou quebrou meu braço! Eu não colocaria nada
além dele, honestamente. Sinto muito, mas esse é o…
— Natalie. Pare.
Mas eu não conseguia parar.
— Eu não quero que você se machuque. Olha, eu sei que você se
opõe a pegadinhas, mas que tal um teste?
Revelei os detalhes da minha proposta de armadilha e a reação de
Madeline foi... não desligar.
Ela ergueu as sobrancelhas.
— E depois?
Dei de ombros.
— Se eu estiver errada, minha melhor amiga e meu arqui-inimigo
viverão felizes para sempre.
— Você está errada — Madeline disse antes de desconectar.

Entrei no estúdio de papai no dia da armadilha, descendo as escadas do


porão com Madeline enquanto meu pai subia, mudando de pai músico
para pai futebolista. Mamãe costumava jogar futebol com Delia, mas
seus fins de semana se tornaram dedicados a lutar contra a pressão de
produzir um novo romance. Eu nunca a tinha visto bloqueada
assim. Esse foi o primeiro ano em que a vi terminar uma
maçã. Enquanto a obsessão por Reid e Madeline era a história A na
minha vida – me preocupar com a mamãe era a história B lutando por
atenção.
Mas voltando à história A.
Desci as escadas além de animada. Eu estava finalmente prestes a ter
minha melhor amiga de volta. Reid estava arrumando seu clarinete
quando entrei no estúdio. Madeline ficou para trás, sentando-se no
penúltimo degrau e envolvendo os joelhos com os braços. Ela revirou
os olhos, irritada com toda essa situação. Resoluta em seus sentimentos
de que eu estava errada. Reid gostava dela. Ela listou coisas que eles
tinham em comum – música e filmes da Marvel e Survivor. O que mais
você precisa?
Mas Madeline Park não conhecia o Reid Callahan que eu conhecia.
— Ei — disse.
Reid acenou com a cabeça.
— É um prazer ver você aqui.
— Na minha própria casa?
— No estúdio. Você sabe o que eu quero dizer.
Eu me impedi de começar uma briga sem sentido. Eu estava aqui em
uma missão.
— Estou aqui com um propósito. Eu tenho uma proposta.
— Ok?
— A primeira cadeira. É sua — disse.
Reid ergueu as sobrancelhas, chocado.
— O quê?
— Você pode ficar com ela — eu continuei. — Apenas termine com
Madi. Pare de brincar com ela. Por favor.
Reid ficou atordoado em silêncio.
— Do que você está falando?
— Você ganhou. Funcionou. Você pode parar de iludir minha
melhor amiga.
— Natalie. Você está tão errada. Eu... — As bochechas de Reid
coraram de frustração. Ele fechou o zíper de sua caixa de clarinete e se
levantou. — Eu nem sei o que dizer. Mas não. Não quero uma cadeira
que não ganhei. Além disso, gosto da Madeline. Isso não é uma
pegadinha.
Reid passou por mim em seu caminho para fora do estúdio.
Claro, ele encontrou Madeline nas escadas. Ele olhou entre nós
duas, atordoado.
— Natalie. Seu rosto. Isso é surpreendente? Que Reid gostaria de
mim? — Madeline disse, olhando diretamente para mim.
— Mads… — Minha voz falhou porque, honestamente, eu ainda
estava processando.
— Uma verdadeira amiga não pensaria que alguém que está
namorando comigo é uma pegadinha. Reid gosta de mim. Eu gosto
dele também. A única pessoa de quem não gosto agora é você.
Meus olhos ardiam como se eu tivesse levado um tapa.
Ela abraçou Reid e eles saíram da cena juntos enquanto eu
permanecia congelada no estúdio, processando a realidade de que... eu
estava errada. Ainda parecia tão impossível. Mas eu estava, e Madeline
saiu sem se despedir, sem olhar para trás. Meu estômago caiu porque,
na tentativa de expor o relacionamento de Reid, tudo que fiz foi
sabotar o meu.
Naquele momento, a cortina se fechou sobre minha melhor
amizade com Madeline Park para sempre.
CAPÍTULO DEZOITO

Nós mergulhamos de cabeça nos ensaios, e é tão bom estar de volta na


cadeira de diretor. Eu me preparei com uma maratona de filmes
musicais no Dia de Ação de Graças. Os destaques incluem as gravações
encenadas de Hamilton, Rent e, sim, o concerto do décimo aniversário
de Les Mis. Fiz anotações meticulosas e estou voando alto desde a
sessão de estudo até nossa primeira semana de ensaios. Claro, o
cronograma de produção é apertado, exigindo ensaios diários. Sim, os
riscos são altos. Mas quando acompanho a primeira leitura de mesa
com o elenco de “Melted: O Musical”, marcando o roteiro com um
lápis número dois, sinto que estou exatamente onde deveria estar.
Sem o co-diretor que sempre esteve ao meu lado.
Os primeiros ensaios são introdutórios, cheios de exercícios de
formação de equipes para promover a confiança entre o elenco.
No final da semana, é tudo sobre música, as onze canções que
compõem “Melted: The Musical”. Hoje, estamos trabalhando em
“For the Last Time Ever” e “Hate Is a Closed Window” com Danica,
Emerson e Toby. Papai deveria estar atrás do piano, mas uma reunião
do corpo docente tem prioridade, então ele vai se atrasar.
Mas quero dizer, quem não está atrasado no momento?
— Ei, Natalie.
Danica é a primeira a chegar, seus Doc Martens batendo contra o
linóleo enquanto ela atravessa a sala da banda e se senta em uma das
cadeiras ao lado do piano.
— Oi — eu digo.
Tento projetar liderança e confiança em uma sílaba, mas a entrega
falha. É estranho. Estou estranha – porque mesmo tão feliz como estou
por ter alguém tão talentosa como Danica para dirigir, não posso
simplesmente esquecer o quão vocal ela tem sido contra eu e Reid
como co-diretores. Ou como ela se tornou a pessoa no meio.
De Henry e Fitz.
De Henry e eu.
— Pergunta. — Danica joga o cabelo na frente da cabeça,
prendendo-o em um coque bagunçado, em seguida, enfia a mão na
mochila para pegar o roteiro e um lápis. — Eu. Convidando Fitz para
sair. Como seria?
Puta merda. Eu estava esperando uma pergunta sobre “Melted”!
Agora eu tenho muitas perguntas.
— Você e Henry...?
— Somos amigos. Eu juro! Um beijo bêbado não faz um
relacionamento.
Eu franzo a testa, confusa.
— Henry sabe disso?
Mesmo que estejamos brigando, não posso deixar de me sentir
protetora.
— Sim! Acredite em mim, eu não sou a razão pela qual Henry
está tão infeliz agora mesmo. — Danica se senta e folheia seu roteiro
enquanto tento formar uma resposta que não seja “ai”. — Esquece. Me
desculpe por ter perguntado. Eu realmente não preciso do julgamento
que está em seu rosto. Você não me conhece, Natalie.
O exterior durão de Danica racha. É um choque ver uma única
lágrima escorrer por sua bochecha.
Merda. O ensaio nem começou... e o talento já tá chorando?
Eu me sento ao lado de Danica.
— Você tem razão. Eu não conheço.
Danica enxuga a bochecha.
— Desculpa. Para constar, o julgamento é muito mútuo.
A risada que me escapa é uma surpresa.
— Percebi.
— Talvez possamos parar com isso.
— Eu não odiaria isso.
Danica acena com a cabeça.
— Henry é, tipo, a melhor pessoa que eu conheço. Ele literalmente
faria qualquer coisa por você – e às vezes você não dá valor a isso. É uma
merda de assistir. As tendências para agradar as
pessoas não devem se aplicar a amizades.
Eu quero retrucar.
Mas agradar pessoas reverbera em meus ouvidos.
Penso em todas as ideias de Henry contra as quais argumentei –
desde dicas de direção até guerras de pegadinhas. Quando Henry e eu
colaboramos, sempre pensei que as decisões eram mútuas. E se Danica
tiver razão? E se Henry estivesse apenas me deixando vencer? E se
nunca estivéssemos na mesma página?
Oh meu Deus.
Eu cubro meu rosto com as mãos.
— Eu não via dessa forma de jeito nenhum. Nem mesmo quando
ele me contou.
Danica balança a cabeça.
— Não. Henry também pode ser um comunicador de merda.
Eu concordo.
— Ele realmente é.
— Sim. Então, agora que suas falhas foram expostas, por que não se
desculpar? A vida é curta. O planeta está morrendo. Vocês dois são
muito teimosos.
— Ambos?
— Não force. Obviamente, tenho dito a ele para se recompor
também.
Eu ri.
— É justo.
— Envie uma mensagem para ele — diz Danica.
— Eu irei — eu prometo. — Então. Fitz.
Danica fica vermelha. Ela cora!
— Eu tenho... meio que uma queda por ela desde a primeira vez que
lemos juntas. Mas eu não sabia que ela era bi até que ela mencionou
Luna – e eu não queria assumir. Eu também sou. Biromântica, pelo
menos. Ainda estou descobrindo meus rótulos.
Oh meu Deus. Todo esse tempo, o crush de Fitz foi mútuo.
— Nós também não queríamos assumir. Sobre sua
identidade. Você deve absolutamente convidar Fitz para sair.
Antes que Danica possa responder, a porta se abre, Reid e meu pai
interrompendo nossa conversa de coração pré-ensaio. Enquanto papai
toca escalas no piano e Reid acrescenta à minha agenda no quadro, eu
tiro um momento para pegar meu telefone e enviar uma mensagem de
texto para Henry. Porque Danica está certa, a vida é muito curta e o
planeta está morrendo e eu sinto falta dele e sinto muito.

oi! eu acho que este é o tempo mais longo que não


conversamos... desde sempre?
14:30
eu não gostei.
14:30
me desculpa. por mais que “melted”.
14:30
o bat mitzvah da delia é sábado. claro, você sabe disso. eu
realmente espero que você ainda vá.
14h31
Quando eu olho para cima do meu telefone, os olhos de Danica
encontram os meus e eu aceno. Até este ponto, parecia que meus
problemas de amizade se multiplicaram com Danica na foto. E talvez
haja alguma verdade nisso. Mas os próprios problemas?
Eles não estão na Danica.
E honestamente? Eu poderia ter outra amiga sincera na minha vida.

Nosso primeiro choque musical acontece vinte e quatro horas depois,


encerrando o que já era um dia de merda.
Primeiro, eu tive que pedir à Sra. Santiago um crédito extra depois
de reprovar em um teste sobre molaridade vs. molalidade.
Então, tive uma crise existencial no escritório do meu orientador.
Além disso, Henry nunca respondeu.
E agora, Emerson não consegue atingir a nota final de “For the Last
Time Ever”.
— Vamos em frente — Reid diz após a tentativa número dez, e
estou incrédula.
Reid possui os mais altos padrões de perfeição.
Como ele está tão calmo com isso?
— Em ainda não acertou a nota — digo.
Todo o rosto de bebê de Emerson está vermelho.
— Eu sinto muito.
Danica balança a cabeça.
— Não se desculpe.
— Você está indo muito bem — Reid garante a ela.
— Se sair bem seria acertar a nota. Você é soprano? — pergunto.
— Isso não é tão simples quanto memorizar uma linha,
Natalie. Talvez devêssemos deixar nosso elenco aprender as músicas —
diz Reid.
Emerson amarra o cabelo em um coque bagunçado, toma um gole
de água e tenta seu verso novamente do começo. Está ainda mais
trêmulo do que da última vez e é como, vamos lá, garota. Você está
ocupando o lugar da única Ava Fitzgerald, recomponha-se. É por isso
que não escalamos calouros para papéis principais. Não se trata apenas
da justiça da antiguidade, é porque os alunos mais novos são
conhecidos por desmoronar na presença dos mais velhos. Eu fiz. No
primeiro ano, meu primeiro show, acompanhei o aluno diretor, Lionel
Goldstein. Lionel me colocou no comando da cortina. Uma tarefa que
é virtualmente impossível de estragar.
As cordas se enroscaram e se enredaram e eu adiei a peça em quinze
minutos porque a cortina não abria.
Corri pelo palco para encontrar Lionel, tropecei, comi merda e meu
fone de ouvido quebrou contra o chão e fez um barulho estridente
horrível que eu ainda tenho pesadelos até hoje. Eu queria morrer, ou
pelo menos, desistir. Lionel não me deixou. “O calouro se atrapalha,
Jacobson. Acontece com os melhores de nós.”
Emerson está comendo merda em toda essa nota alta, seu desastre
de caloura. Mas, ao contrário de mim, todo o futuro das artes na LHS
depende dela não se atrapalhar.
— Você vai ter que baixar a harmonia uma oitava — digo a Reid.
— Acho que não — Reid diz, lábios franzidos, tipo, talvez não
vamos ter essa conversa na frente dos atores? Os braços de Danica estão
cruzados. O rosto de Emerson está quase roxo.
— Estamos aprendendo — diz Danica. — Eu também estraguei
tudo.
— O resto da música soa muito bem — diz Toby.
Ele tem estado tão quieto que esqueci que ele estava aqui, para ser
honesta. Toby Daniels, um garoto branco baixinho, é o único cara da
LHS na equipe de dança, o que lhe deu uma vantagem para o
papel. Sim, ainda há uma equipe de dança – é um esporte, não faz parte
do departamento de artes.
— Eu vou conseguir — diz Emerson, sua voz se esforçando para
ganhar confiança, mas seus olhos se enchem de lágrimas e, pela primeira
vez nesta semana, lembro-me de como ela é jovem. Eu dou um passo
para trás porque sou intensa. Eu sei que sou intensa, estressada e
frustrada.
Mas descontar no elenco me torna o oposto de uma boa diretora.
— Sinto muito, Em — digo. — Eu só quero que façamos isso
direito.
Ela enxuga os olhos.
— Posso ter uma pausa?
— Eu acho que todos nós deveríamos ter uma pausa — digo.
Eu empurro as portas da sala de música em direção ao corredor, em
direção ao ar. Depois de encher minha garrafa de água, tomo um longo
gole. Limpo o suor das sobrancelhas e verifico meu telefone, embora
Henry e eu ainda estejamos afastados e Fitz sabe melhor do que mandar
mensagens durante os ensaios.
— Ei — Reid diz, me encontrando no bebedouro. — O que está
acontecendo?
— Estou bem — digo.
— Isso... não estava bem — diz Reid.
Uau. Reid está insinuando que eu estou... séria demais?
Eu expiro.
— Os ensaios fazem tudo parecer mais real. A Sra. Mulaney fez
parecer que tudo voltará ao normal no próximo ano se conseguirmos
preencher as vagas e convencer o comitê escolar. Eu quero aquilo.
— Eu também.
Quero um mundo onde o emprego do papai seja seguro e eu dirija
peças não sérias, a veterana no comando. Um mundo onde Reid está
envolvido em atividades de banda e audições de conservatório e não
temos que ficar negociando os termos de interação um com o outro.
— Nunca pensei que eu seria co-diretora séria — digo.
— Natalie, essa música é nova para todos, exceto para
nós. Aprender deve ser divertido.
— Você não está errado.
Pela janela da porta, vejo que todos voltaram do intervalo, então
Reid e eu provavelmente deveríamos estar de volta
também. Caminhamos em direção à sala de música e Danica, Emerson
e Toby estão sentados nas arquibancadas do coro, Toby virado, de
costas para nós, agitando os braços animadamente.
Reid empurra a porta da sala de música para abri-la.
— ... mas Natalie não precisa ser tão nazista sobre isso.
Eu pisco, o choque das palavras de Toby me enviando para
trás. Toby é o membro do elenco mais quieto. Toby não fala a menos
que seja uma linha. Toby... é um idiota total.
Reid bate a porta atrás de nós.
— Com licença?
Toby se vira tão rápido que seus óculos voam de seu rosto, caindo
na cadeira em que ele estava anteriormente ajoelhado. Suas bochechas
estão vermelhas de vergonha.
— Hum, eu… — ele gagueja.
— O que você acabou de dizer? — Reid pergunta.
— Eu, hum. Eu entendo que estamos em um cronograma
apertado. Mas eu só acho — Toby inspira — que Natalie não precisa
ser tão, hum, nazista sobre isso.
Eu estou pegando fogo.
— Sério, Toby? Você vai chamar eu, sua diretora judia, de nazista?
— Isso é ferrado, Toby — diz Danica, cruzando os braços em minha
defesa.
— Eu não quis dizer isso — diz Toby com desdém. — É uma figura
de linguagem. Você é intensa. Você sabia o que eu quis dizer.
— Apenas uma figura de linguagem — eu digo, virando-me para o
piano. — Isso não significa que esteja tudo bem.
É outra referência casual nazista em uma conversa coloquial, como
se as palavras não importassem. Nada de novo na América, um país que
tem, você sabe, nazistas de verdade. Eu odeio isso. Quando você é um
judeu nos Estados Unidos, quando você tem um nome que o identifica
como tal, você ouve muitos ignorantes, provocando besteiras que
ninguém pensa duas vezes. Eu me encolho toda vez que um mutual no
Twitter se refere casualmente a si mesmo como nazista de
gramática. Não. Matar uma vírgula não significa fascismo e genocídio.
Toby abre a boca e... não se desculpa.
Ele diz:
— Calma, Natalie.
É. Não. Não posso fazer isso agora.
Eu me viro para a porta, mas Reid já está lá. Ele torce a maçaneta
para que ela abra.
— Saia.
Toby engole.
—Tipo – o ensaio acabou?
— Não. Tipo, você está fora do show, idiota — diz Reid.
— Reid — digo me virando surpresa. Eu quero expulsar Toby
permanentemente? Claro. Mas estamos com uma semana de
ensaios. Na próxima semana já começamos a nos agrupar. Sim, faltam
nove semanas para a noite do show, mas temos um hiato de duas
semanas durante as férias de inverno, já que muitas pessoas estarão
viajando e comemorando os feriados. A noite de estreia chegará antes
de sabermos disso. — Eu vou ficar bem.
Reid balança a cabeça.
— Eu não vou. Não vou trabalhar com alguém que minimize o
fascismo.
Oh meu Deus. Toby o encara, o queixo caído, esperando que ele
diga não importa. Mas Reid aponta para a porta, enfatizando a
saída. Sem pensar muito a respeito, coloco minha mão em seu braço e
ele fica tenso. Acho que nunca vi Reid
com raiva. Chateado? Sim. Incomodado? Absolutamente. A raiva de
Reid se manifesta em gracejos passivo-agressivos, nunca assim.
— Natalie é intensa? Sim. Mas é porque ela se preocupa com esse
show, muito. Provavelmente mais do que todos nesta sala juntos. Já
tenho uma pequena lista de cinco opções de substituição para
você. Mas ninguém poderia substitui-la.
Honestamente, eu esperava que Reid ficasse irritado também. Mas
a raiva de Reid por mim – Reid me defendendo – é tão inesperada,
deixe-me dizer a você. Eu olho para a minha mão e percebo que ainda
está no braço de Reid e merda, eu a deixo cair para o meu lado.
— Eu posso ir para Mulaney — diz Toby, tentando arrogar.
Reid ri, o som afiado.
— E dizer a ela o quê? Que você casualmente se referiu à sua diretora
como nazista? Porque isso vai acabar bem.
— Bem… — Toby começa, mas ele está se debatendo.
— Acabou — diz Danica.
— Peça desculpas e vá embora — diz Emerson.
Eu folheio meu cérebro, tentando me lembrar das audições de
Moritz, e quase me arrependo de ter lutado tanto para manter esse
personagem no roteiro. Mas Toby não é a única opção. Reid está certo
– não precisamos trabalhar com ele.
Eu não quero.
Eu imito a postura de Reid, apontando para a porta.
— Você está fora.
Toby revira os olhos.
— O que seja. Pelo menos vou sair antes que esse show de merda
pegue fogo. — Ele joga sua mochila sobre o ombro e nos empurra para
fora da porta. Dou um passo para trás para não ser atingida por seu
Herschel e esbarro em Reid.
—Hum... vamos continuar na segunda-feira? — Eu digo.
Danica e Emerson exalam, aliviadas que essa bagunça de ensaio
acabou. Na saída, Danica para na porta e se vira para nos encarar.
— Callahan, você é selvagem. Droga.
— Toby é um idiota — diz Emerson. — Já foi tarde.
— Eu também fui uma idiota — digo. — Com você, pelo
menos. Eu sinto muito.
Emerson encolhe os ombros.
— Tá tudo bem. Reid disse que não era sobre mim.
— Não era.
Emerson acena com a cabeça antes de sair atrás de Danica. Reid e eu
agora estamos sozinhos na sala de música, endireitando partituras e
colocando o piano de volta no lugar, e eu quero ser, tipo, o que
foi isso? Quer dizer, foi incrível. Mas o Reid Callahan que conheço não
é, hum, incrível.
— Você não precisava fazer isso por mim — digo.
— Eu não fiz isso por você — diz Reid. — Eu encontrei Hannah
chorando em seu quarto na outra noite. Acho que porque as Monicas
não foram convidadas para o bat mitzvah de Delia, então elas querem
que ela não vá. E eu só... eu confortei Hannah. Porque parecia mais
fácil do que deixá-la mais chateada. Mas parece que foi uma falha. Essa
merda é tão insidiosa. Se Hannah ouvisse Toby, ela nem ficaria
chateada.
Pego a borracha para limpar a programação desta tarde do quadro.
— O ensino médio é uma fossa casual de anti-semitismo. Você deixa
as coisas passarem, diz a si mesmo que é uma piada. Na sexta série, fui
parceira de Lacey para um projeto de arte em que tínhamos que traçar
o perfil uma da outra — Eu aplico pressão nas palavras que parecem ter
secado no quadro — e Lacey aumentou meu nariz. Em vez de reclamar
abertamente? Eu ri.
Eu engulo. Não posso acreditar que acabei de dizer isso a
Reid. Nunca disse isso a ninguém.
— Lacey da banda? — As sobrancelhas de Reid se franzem. — Nós
somos amigos. Eu nunca soube…
Eu balanço minha cabeça e afasto Reid.
— Como você poderia? Não falamos sobre essas coisas.
— Então, por que você está me dizendo agora?
Porque há tão poucas pessoas nesta cidade que reagiriam dessa
forma ao anti-semitismo.
Eu nem reagi dessa forma e tenho liderado a acusação anti-Mônicas
o ano todo. Reid está certo. Essa merda é insidiosa e, toda vez que
deixamos passar, isso sinaliza que está tudo bem.
Nunca está bem.
— Porque é Hannah — eu digo, ao invés. — Não seja muito duro
com ela… — este é o ponto onde minha boca deveria parar de se mover,
mas por alguma razão, ela não para — … ou com você. Eu confortaria
Hannah também, porque no final do dia ela precisa superar esses
sentimentos por conta própria.
Reid acena com a cabeça.
— Eu gostaria de saber sobre Lacey.
Eu encolho os ombros.
— São sempre os mais calados.
A expressão de Reid se suaviza. Ele abre a boca como se tivesse algo
mais a dizer, mas então ele se vira e começa a limpar o outro lado do
quadro branco. Terminamos a limpeza em silêncio. Tento não
enfatizar o fato de que hoje foi um pesadelo, engolir a preocupação de
que Emerson nunca atingirá a nota alta, e agora estamos
temporariamente sem um membro do elenco.
Em vez disso, não consigo parar de repetir a cena de Toby na minha
cabeça.
E como Reid me apoiou quando importou.
CAPÍTULO DEZENOVE

Reid em um terno bem ajustado é um ataque pessoal.


— Reid. Vamos. Você sabe o que fazer. Aproxime-se de Natalie —
tia Jenn diz, nos colocando para outra foto. Tia Jenn, fotógrafa de
viagens e melhor amiga da mamãe desde o início dos tempos, veio de
Londres para o bat mitzvah de Delia e o jet lag é definitivamente real. O
serviço religioso começa em uma hora, às nove e meia em
ponto. Mamãe exigiu que a família chegasse cedo para as fotos, porque
o que é um evento sem fotos profissionais para comemorar?
Reid se move meio passo mais perto de mim no degrau em que
estamos sendo colocados. Em meus saltos, Reid e eu temos a mesma
altura e somos os mais altos, então devemos dividir o centro nesta foto
com nossas irmãs de cada lado de nós.
Aliso meu vestido para o serviço da manhã – um vestido maxi roxo
profundo simples com mangas compridas e cintura império – e foco
na lente da câmera da tia Jenn, colando um sorriso falso no meu
rosto. Se eu olhar para Reid, vou me fixar em seu terno azul profundo,
na gravata borboleta com estampa paisley em volta do seu pescoço que
as irmãs insistiram que ele usasse, nos suspensórios. Eu não sabia que
poderia ter sentimentos sobre suspensórios até hoje – muito menos
sobre Reid de suspensórios.
Isso é mortificante.
Você o odeia.
A trégua é temporária.
Essas duas frases se enredam em meu cérebro – como se fossem
impedir o curto-circuito. Isso é claramente o que está
acontecendo. Reid enfrentando o anti-semitismo de maneira tão
durona, menos de vinte e quatro horas antes de um dia inteiro de
sentimentos judaicos me quebrou. É a única explicação.
— Vocês estão desperdiçando meu talento! — Tia Jenn geme,
pressionando os lábios.
— As pessoas vão começar a chegar em breve — diz Delia. — Eu
preciso entrar na zona.
— Quer dizer, podemos apenas terminar isso? — pergunto. — Tem
que ter uma foto decente.
Tia Jenn já deve ter tirado pelo menos um milhão de fotos em cada
variação e combinação. Delia sozinha. Delia com meus pais. Delia
comigo. Nós quatro. Fotos com primos e avós e toda a família extensa
que veio da cidade para comemorar o dia de Delia. A família do
Reid. Nós realmente precisamos insistir nisso?
— É um milagre você tê-los tão perto — papai brinca.
— Oh meu Deus. — Hannah empurra Reid para perto de mim. Se
alguém quer estar aqui menos do que Reid agora, é Hannah. O que é
uma merda, porque Delia precisa de Hannah em pleno modo de
melhor amiga hoje. — Você pode apenas colocar o braço em volta de
Natalie para que possamos parar de fazer isso?
A atitude de Hannah coloca minhas prioridades de volta em
foco. Hoje não é sobre como Reid fica bem em um terno! É sobre
Delia, sobre um dia pelo qual ela passou um ano inteiro se
preparando. É sobre ter certeza de que tudo está perfeito para ela hoje
– sim, até mesmo esta foto!
Eu cruzo a cerca elétrica entre nós, até meu braço mal tocar o
dele. Reid engole e enrijece e tenho certeza de que isso é pior.
— Reid — eu digo, minha voz baixa —, finja que você não me odeia
por trinta segundos. Por Delia?
— Só consigo aguentar vinte — ele rebate, mas está sorrindo e seus
ombros relaxam e, de repente, estou sorrindo também.
— Combinado.
Seus olhos encontram os meus e eu noto que um de seus cachos está
fora do lugar. Sem pensar sobre isso, eu estendo a mão para alisá-
lo. Quer dizer, se só pudermos lidar com vinte segundos disso sem nos
autodestruir, pelo menos a foto ficará melhor.
— Natalie, você leu minha mente — tia Jenn diz, quebrando a
tensão.
Em seguida, a mão de Reid está na parte inferior das minhas costas
e, por vinte segundos, fingimos não nos odiar. Honestamente, não é
tão difícil fingir agora. Porque neste momento – e isso é algo que
negarei até o fim dos tempos – não sinto vontade de odiar Reid. Em
absoluto.
— Terminamos! — Tia Jenn exclama, e isso quebra a trégua.
Eu saio da pose e a mão de Reid recua tão rápido – e assim, a cerca
elétrica está de volta entre nós. Eu expiro, aliviada que a tortura que é
posar para fotos acabou. Mas então passamos para a próxima tarefa na
lista de tarefas extremamente detalhada da mamãe. Delia desaparece
com mamãe para “entrar na onda”, Reid e meu pai verificam se o
sistema de som está bom para funcionar, e eu estou cumprimentando
os convidados.
— Natalie! — Eu estava tão fixada na cena da foto que nem percebi
que meu pessoal havia chegado e deslizado para a última fila. Fitz acena
para mim e não sei o que é mais chocante – que Fitz está adiantada para
alguma coisa ou que Henry está aqui. Os olhos de Henry encontram os
meus e a ansiedade borbulha no meu estômago porque ele nunca
respondeu às minhas mensagens e eu estive revirando meus
sentimentos a manhã toda sobre como ele não estaria aqui.
Mas ele está aqui.
E... eu sinto falta dele.
— Você veio. — Eu deslizo para o banco ao lado de Fitz e, uau,
odeio que isso pareça uma surpresa, não um fato. Sinto falta de nós três
no mesmo lugar. — Vocês estão aqui. Juntos.
Eu não sabia que Henry e Fitz estavam se conversando, muito
menos em termos de carona.
— É o bat mitzvah de Delia — Henry diz simplesmente.
Fitz concorda.
— E já superamos o impasse!
— Danica? — Eu pergunto.
— Somos apenas amigos — diz Henry.
— Vamos sair no próximo sábado — diz Fitz.
— Que eu apoio. Completamente — Henry diz.
Não sei como processar isso.
— Você está aqui.
— Sim. Isso foi estabelecido — Henry diz com um sorriso hesitante.
Eu verifico meu telefone para ver a hora.
— O serviço está prestes a começar. Podemos falar depois? Sério.
Henry acena com a cabeça.
— Eu gostaria disso.
Sem pensar muito, estendo a mão para um abraço porque, no final
do dia, Henry é a minha pessoa, ele está aqui e não quero mais ficar com
raiva dele. Por mais que a distância fosse uma droga – Danica estava
certa, Henry tinha o direito de estar com raiva de mim também.
Mas um pedido de desculpas merece sua própria cena.
Não deve ser apressado minutos antes do momento de Delia.
— Você está bem? — Fitz pergunta. — Nós sabemos sobre Toby.
— Certo. Danica testemunhou essa bagunça.
— Você poderia ter ligado — diz Fitz. — Eu sinto muito que você
tenha que lidar com essa merda.
Eu encolho os ombros.
— Não é como se o anti-semitismo casual fosse um ótimo começo
de conversa.
— Sempre achei que ele era um idiota intolerante — diz Henry.
— Precisamos de um novo Moritz, urgente — digo.
— Vou contatar as outras opções — garante Fitz. — Mas
Natalie. Vamos! Por favor, não mude do que é importante. Você e
Reid certamente pareciam... confortáveis posando juntos, — Fitz diz,
apontando para o degrau.
Eu bufo.
— Você deve ter visto apenas os últimos vinte
segundos. Literalmente. Delia e Hannah podem confirmar. Na
verdade, pergunte a tia Jenn. Certeza de que a fizemos desejar ter
perdido o vôo...
Eu fecho minha boca. Eu estou tagarelando.
— Não sabia que a família de Reid estava incluída na sessão de fotos
— disse Fitz.
— É. Eu acho que é, tipo, com que frequência minha família tira
fotos profissionais? Mamãe aproveita ao máximo quando pode. E os
Callahan contam como família. Então…
Minha voz some.
Não sei se gosto de pensar em Reid como uma família. Eu não acho
que gosto disso.

Oito horas depois, Delia é a estrela de sua festa.


A música está alta, a comida é deliciosa e o chalá é abundante. Delia
arrasou em suas leituras de Torá e Haftarah esta manhã, exatamente
como eu disse a ela que faria. Reid tentou convencê-la de que ela é
secretamente musical no coração – sua voz é muito mais bonita do que
ela jamais imaginou. Delia disse que esta foi uma apresentação única e
que seu canto continuará exclusivamente no chuveiro, muito obrigada.
Não vi meus pais a noite toda; eles estão muito ocupados
socializando, se misturando e sendo anfitriões. Tudo se juntou – desde
as peças centrais de mini bolas de basquete roxas e douradas para a
apresentação de slides emocionante que eu estava até as duas da manhã
terminando ontem à noite, até os discursos que cada membro da minha
família fez para os cerca de cem convidados espalhados pelo salão de
Rosario. A família inteira do papai veio de Connecticut e a da mamãe
veio da Flórida no início desta semana. Então você tem a seleção de
primos que só se manifestam em bat mitzvahs e casamentos, os amigos
da família que meus pais não podiam não convidar, e amigos de Delia
porque é de fato sua festa – apesar do que todos os adultos na sala
indicam.
Agora todo mundo dança.
Eu também vou, depois de falar com Henry.
Eu o puxo para longe da agitação do salão de baile, em direção a uma
área de estar no corredor.
— Significa muito. Que você ainda veio. Apesar de... tudo — digo
mexendo com o tecido de tule do meu vestido. — Eu sinto muito por
ter feito parecer que nosso “Melted” não importava – ou se eu
fiz você sentir que você não importava. Tudo que eu queria era
compartilhar esse show com você. Eu odeio como isso se perdeu na
tradução... e na execução.
— Eu... não sou o melhor em me expressar — Henry admite. — Seu
aniversário não foi meu melhor momento. As coisas têm
sido demais. Pressão no restaurante, pressão com todas as coisas da
faculdade. Continuo refazendo os vestibulares, como se minha nota
medíocre em matemática não fosse meu destino. Quando “Melted” se
tornou algo musical e estressante, eu simplesmente... não queria lidar
com isso. Mas também não queria perdê-lo totalmente. E eu joguei isso
em você. Eu também sinto muito.
Eu balancei minha cabeça.
— Eu não sabia.
— Eu não amo falar sobre isso. Minha ansiedade — Henry diz com
um encolher de ombros. Sua perna salta e ele empurra os óculos na
ponta do nariz. — Danica também tem ansiedade. Falamos sobre isso,
e não é porque eu não quero falar com você. É mais fácil falar com
alguém que entende. Mas você está certa, você não é uma leitora de
mentes.
Eu aceno, apreciando a nova parte da amizade de Henry e Danica
que ele compartilha comigo.
— Mesmo assim, não dei ouvidos sobre “Melted”. Ou sobre as
guerras de pegadinhas.
A risada de Henry é aguda.
— Você realmente não fez isso.
— Acho que não sabia ser co-diretora.
— Você parece estar pegando o jeito com Callahan — diz Henry.
— Eu sei. É bizarro — digo.
— Fico feliz — Henry diz, para minha surpresa. — Eu quero que
seja ótimo.
Ele se levanta e estende a mão para mim, me puxando para cima. Eu
envolvo Henry em um abraço – um abraço de verdade porque a
mudança em nossa conversa parece um passo mais perto de estarmos
bem novamente. Explosões entre nós são raras, mas nos tornam mais
fortes porque, no final do dia, Henry sempre estará aqui. E eu sei que
fui consumida por todas as coisas das quais normalmente
evitamos. Mas não quero perder de vista o que interessa este ano.
Ou a razão pela qual “Melted” existe em primeiro lugar.

Com o drama acabado, agora posso passar o resto da noite dançando e


rindo com Henry e Fitz. Estou tão feliz que eles estão aqui, que estamos
reunidos e que eles podem me distrair de todas as coisas sobre Reid e
seu terno, porque ugh, é muito pior agora que ele tirou o blazer e eu
realmente posso ver os suspensórios. Por que ele não pode ser apenas
Cara Gostoso de Terno? Reid tem que ser Reid.
Após o Cupid Shuffle – porque não se pode ouvir “Cupid Shuffle”
e não fazer o Cupid Shuffle – Fitz agarra minhas mãos e me puxa para
longe das pré-adolescentes dançando.
— E aí?
— Hmm? — Eu pergunto, puxando a barra do meu vestido de
festa. Porque, embora o vestido roxo com bolsos era perfeito ao
comprá-lo em outubro, é muita perna exposta para um dezembro em
Massachusetts – mesmo com meia-calça.
— Você sabe quantas vezes você olhou para a bunda de Reid esta
noite? — Fitz pergunta. — Muitas vezes! Eu sei que o cara tem uma
ótima Bunda de Terno, mas controle-se!
Eu franzo a testa.
— Bunda de terno?
— É uma coisa — diz Fitz.
Eu tomo um gole de água até que eu possa pensar em uma refutação
suficiente sobre a, hum, Bunda de Terno do Reid que não é um “na
verdade, são seus ombros em suspensórios, obrigada”. Alguém bate no
meu ombro e eu exalo de alívio porque todas as minhas respostas
possíveis são terríveis. Eu me viro e é minha prima Molly e seu
namorado, Sawyer.
Molly me envolve em um abraço, já conversando.
— Então, atualize o tempo. Você e Callahan finalmente
conseguiram se acertar?
— Tradução: Vocês já se pegaram? — Sawyer pergunta.
Cubro meu rosto com as mãos e odeio minha vida. Tanto por ser
salva pela interrupção. Molly acredita que Reid e eu somos inevitáveis
– e isso só piorou desde que ela declarou uma dupla especialização em
neurobiologia e psicologia no Amherst College. Ela é toda, “estive
observando vocês dois em festas de família minha vida inteira, vocês
estão destinados a fazer sexo quente algum dia”. O que é obviamente
mortificante.
— Eles são co-diretores — diz Fitz, antes de fazer uma pausa para a
mesa de sobremesas.
Sawyer balança as sobrancelhas sugestivamente – não posso deixar
de rir. Sawyer é um novato no time de beisebol da UConn. Sempre tive
inveja de Molly – não de Sawyer, mas de como ela encontrou sua pessoa
perfeita. Nós duas somos Jacobsons tensas, do tipo A. Sawyer a
equilibra bem com seu comportamento relaxado e sorriso bobo.
Reid pode ser mais tipo A do que eu... então não sei o que ela está
pensando.
— Estamos trabalhando juntos porque temos que trabalhar —
explico. — É uma história longa.
Molly puxa a cadeira ao meu lado. Amarra seus cachos escuros em
um rabo de cavalo.
— Eu tenho tempo.
Ela vai me psicanalisar. Eu sei que ela vai me psicanalisar.
Mesmo assim, conto tudo a ela.
As primeiras palavras que saíram de sua boca?
— Foda-se o Toby.
— Sim. Bastante.
Mas então Molly sorri e posso ver as engrenagens girando em sua
cabeça, como se sua hipótese estivesse correta.
— Este é o melhor desenvolvimento em, tipo, dois anos.
— Sim. Ok. Então, me fale sobre Amherst — digo.
— Você não vai desviar essa conversa! — Molly ri.
— Absolutamente não! — Fitz diz, voltando com um prato cheio
de pastéis.
— O que não estamos desviando? — Henry pergunta, sentando-se
na cadeira ao lado de Molly.
— A situação Natareid — diz Molly.
— Qual situação? — Henry pergunta.
— É o nome do ship deles — explica Sawyer.
— Na-ta-reid — Fitz diz, lentamente.
Minha prima favorita foi rebaixada esta noite, oh meu Deus. O
namorado dela também. Terminem amanhã, pelo que me importa! Eu
me levanto, porque se não conseguir desviar disso, vou fugir para o
banheiro.
— Natalie — Reid diz depois de eu ter dado talvez três passos. Ele
está duas mesas acima daquela que acabei de deixar, com o resto dos
meus primos, que são todos adultos mais velhos e de verdade. —
Podemos conversar?
Por que Fitz e Molly tiveram que fazer isso hoje à
noite? Agora podemos conversar parece tão intenso.
— Sim, claro. Vamos só…
Reid se levanta, pega minha mão e me puxa em direção à pista de
dança. Para alguém que mal conseguia colocar o braço em volta de mim
por vinte segundos, literalmente, horas atrás, ele agarra minha mão com
uma confiança que não consigo compreender. Com o canto do olho,
vejo a mesa que deixei para trás, onde Henry parece confuso, Fitz
parece levemente divertida e Molly está levantando o punho no ar.
— Você sabe que todo mundo está nos observando, certo?
— Por que você acha que não vamos sair sozinhos? — Reid
responde.
Delia bate no meu quadril enquanto ela passa por mim, totalmente
vivendo sua melhor vida porque ela está dançando com Hannah. Não
tenho ideia do que aconteceu entre as fotos desta manhã e agora, mas
também não tenho ideia do que aconteceu entre Reid e eu entre então
e agora, então quem sou eu para fazer perguntas? Vou receber a história
completa da minha irmã mais tarde.
De pé na pista de dança, me ocorre que deveríamos, não
sei. Dançar? Não sou uma dançarina autoconsciente até dançar com
Reid. Bem, não com Reid. Eu balanço com a batida de qualquer uma
das top quarenta músicas que está tocando no momento. Reid reflete
minha influência. Estamos apenas... balançando.
— Eu poderia ficar tão estranha assim a noite toda, eu juro. Mas
você queria conversar?
— Certo — diz Reid. — Bem…
A música corta para uma música lenta e todos formam pares em três
segundos, como se tivessem discutido o assunto com antecedência. Até
meu primo de oito anos, que prometeu que guardaria uma dança lenta
para mim, foge para Hannah. Reid e eu olhamos um para o
outro. Estou prestes a dizer vamos fugir, mas antes que eu tenha a
chance de falar, antes que eu tenha a chance de respirar, os braços de
Reid estão em volta da minha cintura e minhas mãos estão ao redor de
seu pescoço e... bem. Reid sabe dançar. Estamos dançando.
— Molly vai perder a cabeça — eu sussurro. — Ela está nos
chamando de Natareid.
Reid bufa e ri.
— Essa é a coisa mais nojenta que já ouvi.
— Não é?
Reid me gira.
— Podemos muito bem dar a ela um show. Antes de eu espirrar
ketchup em seu vestido.
Eu fingi um suspiro.
— Você não faria isso.
— Infelizmente, não tenho sete anos. Minhas pegadinhas são
civilizadas agora. Não vou revelar meu plano.
Eu aceno junto.
— Civilizadas. Certo.
Sua expressão muda e eu lembro que há uma razão para estarmos
dançando.
— Então. Os amigos de Toby estão boicotando “Melted” — diz
Reid.
Eu franzo a testa.
— OK?
— Isso significa que todas as substituições plausíveis de Moritz
foram eliminadas.
Oh. Até este momento, “Melted” era a última coisa em minha
mente.
Eu paro de dançar.
— Seu tempo é impecável. Eu realmente queria estar estressada com
“Melted” agora.
— Eu sinto muito! Amanhã vou passar o dia todo finalizando
minha inscrição para Albany e então é segunda-feira e não temos um
ator. É justo que entremos em pânico juntos. Solidariedade de co-
diretores, certo?
Eu balanço minha cabeça.
— No bat mitzvah de Delia?
— Eu sei — diz Reid, olhando para baixo.
Eu fico olhando para os meus pés, muito irritada para dançar com
Reid, para dançar com qualquer pessoa. Sem um Moritz, temos que
interromper a produção para uma revisão do roteiro, para considerar o
corte do personagem todos juntos. O personagem que eu lutei muito
para manter. Mas não podemos parar a produção. Então, precisamos
de alguém, rápido.
Meus olhos se erguem para encontrar os de Reid.
— Você faz.
— Faço o quê? — Reid pergunta.
— O Moritz — digo. — Você já conhece o papel. E sua voz não é
uma merda. Então…
— Não é uma merda? Que elogio — diz Reid.
— Isso está vindo de mim. Dimensione apropriadamente — digo.
Reid pressiona os lábios em uma linha fina.
— Eu não sei.
— Reid. Por favor.
Reid olha para mim, contemplando.
— Co-direcionando e estrelando. Não é um pouco – extra?
— Por favor. Danica e Emerson são as estrelas — digo.
— Você terá que dirigir minhas cenas — diz Reid.
— Você vai ter que me deixar dirigir suas cenas — digo.
Reid acena com a cabeça.
— Eu vou. Pode ser. Ei, Nat?
— Sim? — Eu pergunto. E agora?
— Você está muito bonita esta noite.
Eu odeio como essas palavras – as palavras de Reid – de repente têm
a capacidade de acelerar meu coração.
— Já está bajulando sua diretora? Movimento ousado.
A risada de Reid ajuda meu coração a voltar ao normal. Dançamos
o resto da música lenta, Reid e eu, e fico me perguntando quando a
dinâmica entre nós vai parar de mudar. Costumava ser tão claro. Reid
está sempre no meu espaço, encontrando maneiras de competir,
compartilhando coisas com meu pai que eu provavelmente nunca
irei. Reid faz pegadinhas comigo, eu faço pegadinhas de volta, Reid me
desafia, eu desafio de volta.
Resolver problemas com Reid é estranho porque Reid sempre foi o
problema. Joga toda a nossa trajetória fora de órbita. Isso me faz
admitir para mim mesma o quão fofo ele fica em seu terno. O quão
legal ele estava dizendo a Toby Daniels para sair do nosso show. Tudo
está confuso, e eu não posso nos colocar em uma caixa agora e é o pior
porque quem é Reid Callahan para mim se ele não é o meu problema?
Agora estamos tão perto que posso sentir o cheiro persistente da sua
colônia. Tão perto que posso ver a minúscula sarda sob seu olho. Tão
perto que eu poderia ficar na ponta dos pés e minha boca pressionaria
contra a dele e eu mudaria tudo sobre nós. Eu quase quero fazer isso.
Felizmente, a música termina. O momento acabou e devemos nos
separar.
Nós não nos separamos.
Não imediatamente, de qualquer maneira.
Quando o fazemos, Reid solta primeiro.
Meu rosto está quente, a ideia da boca de Reid na minha
persistente. O que–?
Culpe a Bunda de Terno.
— Você estará por aí amanhã? — Reid pergunta.
Eu engulo.
— Sim.
— Estou gravando minha apresentação em sua casa.
Eu aceno, porque isso não é exatamente uma novidade.
— Você poderia me dizer o que você acha da minha
parte? Honestamente? — Reid pergunta.
Eu torço meu nariz, confusa.
— Por quê?
— Você ainda é música, Nat. A música de “Melted” é melhor com
suas anotações.
— Mas meu pai deveria…
— Eu quero você.
— Oh. Ok. Quero dizer, sim. Certo. — O jeito que ele diz quero me
manda para trás.
Eu preciso ir embora. Agora mesmo. Então eu faço meu
movimento, indo para a esquerda através do círculo de dança dos
amigos saltitantes da Delia. Saio da pista de dança com calor, meus pés
queimando, e sucumbo ao fato inevitável de que esses saltos devem ser
removidos imediatamente.
De volta à mesa, Molly me dá seu sorriso mais satisfeito.
Fitz e Sawyer balançam as sobrancelhas em uníssono.
Henry dá de ombros, como “quão ridículos eles são?” e eu expiro
porque estamos na mesma página.
Mas não consigo parar de pensar nas últimas palavras que Reid me
disse. Eu quero você. Tipo, Reid quis dizer minha opinião,
certo? Obviamente. Ele não baixou a voz. Não mordeu o lábio. É
apenas o terno. Todo mundo fica melhor em um terno. É um
fato. Amanhã Reid será o Reid normal e eu serei a Natalie normal e
nosso relacionamento será nós em uma trégua até que “Melted” acabe.
Isso é tudo. Apenas uma trégua.
Exceto que não consigo afastar a imagem de nós dançando e rindo,
de como estávamos próximos. De quão
próximos estivemos. Trabalhando na música até o meio da
noite. Compartilhando um banco de piano. Não sei se podemos
simplesmente limpar isso quando o tempo acabar – ou se eu quero.
Reid sempre esteve em meu espaço, mas pela primeira vez em nossas
vidas, não acho que quero que ele vá embora.
CAPÍTULO VINTE

Delia, Hannah, e Henry me vencem na disputa pelos cupcakes restantes


na manhã seguinte. Eles venceram Fitz também, tecnicamente – mas
isso é menos surpreendente, já que ela ainda está roncando no colchão
de ar do meu quarto. Henry e Fitz dormiram aqui na noite passada, de
volta à residência de Jacobson para o que foi uma after-party
verdadeiramente selvagem. Com isso quero dizer que bebemos uma
garrafa de Manischewitz que sobrou do Kidush e assistimos a comédias
românticas na Netflix até que Henry adormeceu no sofá e Fitz e eu nos
mudamos para o meu quarto, de acordo com as regras da festa do
pijama em casa. Pela primeira vez em um mês, não
mencionamos “Melted”, Danica ou as decisões iminentes da faculdade
de Henry – éramos apenas nós.
Eu entro na cozinha enquanto Delia e Hannah explicam como
Animal Crossing funciona para Henry.
— Nabos são uma farsa, mas adoramos um bom calote — explica
Hannah.
Henry franze a testa.
— E você precisa de nabos porque...?
— Pelo amor, Henry! — Delia exclama. — Para pagar o nosso
empréstimo à habitação! Nos acompanhe.
Eu preciso me atualizar com as irmãs – melhor me concentrar em
seu drama, ou falta repentina dele, do que no meu.
— Ei, Natalie — diz Hannah. — Eu preciso de todos os detalhes.
Pego um copo d'água.
— Detalhes?
— Na estreia como ator do Reid! — Delia diz.
Henry está confuso.
— Espera. Callahan agora é ator?
Oh. Certo. Após o pedido de desculpas,
explicitamente não falamos sobre “Melted”.
— Sim. Na verdade, não há outra escolha. Fomos colocados na lista
negra. Toby disse a todos que sou um pesadelo para trabalhar. Estamos
perdendo o talento que já tínhamos.
— Que diabos? Eles não sabem o que está em jogo? — Fitz
pergunta.
— Eles não se importam — digo. — Não precisamos de um grande
conjunto, mas precisamos de um Moritz.
— Reid quer fazer isso? — Henry pergunta, com a boca cheia de
cupcakes.
— Querer é um exagero — diz Hannah.
— Mas ele vai — eu digo.
Henry considera isso.
— Eu acho que a voz dele não é uma merda.
Eu sorrio.
— Meu pensamento exato.
— Então. — Henry faz uma pausa, como se tivesse uma pergunta
que está considerando como formular. — Você precisa de
ajuda? Agora que Reid está no elenco?
É a última coisa que espero que Henry diga.
— Mesmo?
— Não como co-diretor — esclarece Henry. — Mais como... um
assistente do co-diretor?
— Henry, eu adoraria literalmente nada mais. Mas você não pode
ser meu assistente!
— Parceiro de meio período, então? Especialista em marcação local?
Eu ri.
— Vamos trabalhar no título. Espera. Então, você realmente
voltou?
Henry acena com a cabeça.
— Eu quero ver como isso vai funcionar. Além disso, minhas
inscrições de faculdades estão todas feitas... então não há mais nada a
fazer a não ser esperar. O que poderia ser uma distração melhor?
— Eu não poderia concordar mais. Eu prometo que não haverá
mais pegadinhas envolvidas na produção de “Melted”. Não posso, no
entanto, prometer que não vou torturar Reid com ideias de direção.
— Eu não esperaria nada menos — Henry diz antes de colocar um
segundo cupcake na boca.
Com Henry de volta a bordo, parece que todas as peças estão se
encaixando.
Mamãe sai de seu escritório e vê o café da manhã com cupcakes já
em andamento.
— Eu não tolero isso — diz ela, antes de participar da narrativa,
pegando um merengue de limão.
— Cupcakes de Devil’s food deveriam ser ilegais — Henry
acrescenta.
Mamãe pega um guardanapo da mesa e segura o cupcake na mão.
— Eu sei.
É uma linha pronta, e assim eu sei que sua mente ainda está com seu
manuscrito. Estou certa, porque sua aparição especial termina tão
rápido quanto começou e ela se retira para finalizar a sinopse e a
amostra parcial de Guy in Your MFA antes de sua ligação amanhã com
Anna, sua agente. Eu posso revisar antes que ela envie para a caixa de
entrada de Anna, algo que ela prometeu assim que estava passando do
alegre-de-vinho para bêbada-de-vinho na noite passada. Ela até assinou
um guardanapo que diz: “Natalie Jacobson tem o direito exclusivo de
revisar a proposta não revelada de Michelle Leigh Jacobson”. Eu escrevi
com a sharpie que todos usaram para assinar o cartão gigante de
Delia. É basicamente um contrato.
Parte de mim não vai ter esperanças, mas a maioria de mim mal pode
esperar para ler as novas palavras de mamãe.
— Pague, Chao — diz Fitz, emergindo de seu sono com calças de
pijama de lã e minha camisa enorme do Charlie Brown, seu telefone
exibindo um Snap salvo de Molly, um vídeo de Reid e eu dançando
desajeitadamente na noite passada com a legenda “Natareid 4 Life!!!”
Oh meu Deus. Eu vou matá-la.
Hannah também estende a mão.
Henry revira os olhos.
— Obrigada, Nat. — Ele coloca uma nota de vinte em cada uma das
mãos.
— Apostamos se você e Reid dançariam juntos — explica Delia. —
A dança em grupo não contava; vocês tinham que estar, tipo, de mãos
dadas. Foi muito específico. Achei que você seria mais forte.
— Henry agiu como se não tivesse visto, mas bum – aqui está a
prova! Eu sabia que a Rainha Molly iria me salvar. Estou mudando o
nome dela no meu telefone para isso. Rainha Molly. — Fitz ergue o
punho, validada. — Nunca subestime o poder de um bom terno.
— Não foi bem como, hum… — Porque eu sinto a necessidade de
me explicar, eu não sei. Porque meus melhores amigos e as irmãs estão
apostando em mim e Reid, eu nunca vou saber. — Nós apenas falamos
sobre “Melted”.
— O porquê é irrelevante — diz Hannah.
— Certo — Fitz confirma. — Aconteceu.
Aconteceu. Fitz, Hannah e Delia vomitam coisas do Time Natareid
em mim por muito mais tempo do que o aceitável. Henry revira os
olhos para o telefone. Eu verifico sua tela na minha visão periférica –
ele está enviando uma mensagem de texto para Danica. À minha
direita, Fitz está... também mandando mensagem de texto para Danica.
Hannah tenta esconder seu sorriso.
— Você sabe, Reid está lá embaixo.
Delia ergue as sobrancelhas.
— Ele disse que você pode descer a hora que quiser quiser.
— Nós devemos dizer isso especificamente para você. — Hannah
lambe o glacê de seus dedos. — Quando estávamos vindo, ele estava
tipo, eu vou ficar no estúdio o dia todo. Diga a Natalie que ela pode vir
a hora que quiser.
— A hora que quiser — enfatiza Fitz.
Mordo meu cupcake que nem quero comer.
— Entendi. A hora que quiser — digo.
Hannah e Delia erguem as sobrancelhas em uníssono e é, tipo, pare
com isso, vocês têm doze anos.
Henry me olha confuso.
— Por que você vai descer, hum, a hora que quiser?
— A apresentação de Reid para Albany é para amanhã — eu digo.
— Ok. — Os dedos de Henry tamborilam em seu copo d'água. —
Seu pai não deveria ajudar com isso?
— Papai está ocupado hoje com a LSB — diz Delia. — A agitação
nunca para. Além disso, Reid pediu por Nat. Especificamente.
— Ele perguntou se eu poderia ouvir antes de enviar — digo. — É
tanto faz.
Henry levanta as sobrancelhas.
— Ok, Natareid.
Fitz, Hannah e Delia riem enquanto eu chuto o pé de Henry por
baixo da mesa.
Henry joga as mãos para o alto.
— Tô brincando. Brincando. Eu realmente não consigo nem
imaginar isso.
Eu exalo porque tudo bem, bendito, Henry acha a ideia de Natareid
tão ridícula quanto eu.
— Então, como você vai mexer com ele? — Henry pergunta.
Meus olhos piscam para a porta que leva ao porão.
— Oh... eu não vou.
Reid trabalhou muito no “Melted”. O tempo que ele deveria ter
gasto aperfeiçoando suas peças da audição, ele passou escrevendo
músicas do show e indo a musicais e co-direcionando. O velho Reid
teria sua audição finalizada semanas atrás, mas em vez disso está fazendo
isso no último minuto. Nem me ocorre mexer com Reid – e não tenho
certeza de quem está mais surpreso com a minha resposta.
Henry. Ou eu.

Assim que Henry e Fitz saem, decido que é oficialmente a hora.


Reid está sentado à mesa, seu laptop aberto no Pro Tools. Eu
examino a tela de seu computador, tentando decifrar a peça com base
nas emendas e edições. A pós-produção é minha favorita – dominei o
Pro Tools e o Adobe Audition antes de saber como usar o Excel. É
como se, para algumas pessoas, ouvir música fosse mágico, certo? Mas
entender a música, como ela está em camadas e camadas de ondas
sonoras intrincadamente posicionadas e exportadas – essa é a
verdadeira magia para mim.
— Ei — Reid diz, puxando os fones de ouvido do estúdio para baixo
para que eles fiquem em seu pescoço. Ele olha para um caderno aberto
e mastiga uma borracha de lápis, seus cachos despenteados.
Eu estendo a caixa de cupcake e Reid pega um de baunilha com
cobertura de chocolate que ele come em duas mordidas.
— Obrigado.
Coloquei a caixa na prateleira embutida acima de mim.
— Como tá indo?
— Estou quase terminando, eu acho. — Reid tira os fones de
ouvido e os entrega para mim. — Eu não sei. Há dois componentes
para a audição – a peça obrigatória de Mendelssohn que todos devem
enviar, mas também uma composição original, já que essa seria a minha
especialização. Ouça.
Reid pressiona play, e eu quase caio para trás com a força da música,
nossa música, “Melted”, tocando em meus ouvidos. É a primeira vez
que ouço nosso show orquestrado, a primeira vez que não é apenas
Reid no piano. “Melted” está vivo, com a cadência e as nuances que
apenas uma orquestra completa pode oferecer. É mais perfeito do que
eu poderia imaginar. Eu fecho meus olhos e vejo o roteiro através da
música, ouvindo como a orquestração levará as palavras que
escrevemos para o próximo nível. A peça parece muito curta, embora
tenha pouco menos de seis minutos. Sinto o fim chegando com o
decrescendo, com o forte que vai se transformando em pianíssimo, mas
quero que continue para sempre.
Quando a nota final desaparece, abro os olhos.
Os olhos de Reid estão esperando pelos meus, arregalados e
ansiosos.
— O que você acha? Eu ia escrever algo novo, algo clássico. Mas eu
não consigo tirar “Melted” da minha cabeça. Eu não queria usar nossa
música a menos que você soubesse. Mas é bom, certo? Parte de mim
acha que devo reduzir um pouco a seção das cordas. Não tenho
certeza. Nunca arranjei uma orquestra completa antes…
Sua voz some e o silêncio se instala entre nós.
Devo dizer algo, mas se eu falar, vou transbordar. E eu não
transbordo. Não para Reid. Não sobre Reid. Sério, não sei como dizer
a ele que é perfeito, com cordas e tudo, e sinto o tipo de calma que não
sentia desde o início dos ensaios porque temos música.
— Reid — começo, esperando que as palavras venham.
— Você odiou — diz ele, sua voz plana. Ele começa a rolar no
arquivo do Pro Tools. — Ok, então. Ok. Vou puxar as cordas. E,
hmm… — ele destaca uma seção no meio — … posso adicionar mais
uma junção aqui? Isso faz sentido? Estive trabalhando nesse arranjo a
semana toda e fiz tantos pequenos ajustes que meu cérebro fica tipo, O
que é um triângulo? neste ponto. Eu... pensei que tinha
conseguido. Merda. Ok, vou descobrir. Eu vou–
— Reid — eu repito.
Ele se levanta e passa a mão pelos cachos, como se estivesse pronta
para começar a surtar, mas eu pego sua mão, como se pudesse estabilizá-
lo. Como se eu pudesse estabilizá-lo. Mas não é isso que fazemos. Nós
empurramos, não seguramos. Reid é competição. Reid é oposição.
Mas.
Reid nunca reclama que é tarde demais para criar. Reid é o cara que
diz Solidariedade Zumbi, quando estamos privados de sono e passamos
metade do nosso período de estudo livre resolvendo um problema de
matemática. Reid leva o show tão a sério quanto eu.
E ele chamou de nossa música.
— É perfeito, Reid. Seu…
Não sei o que vou dizer a seguir, mas não preciso porque a boca de
Reid está na minha e meu cérebro entra em curto-circuito. Tipo, puta
merda, eu realmente posso estar morta? Eu engasguei com um
cupcake? Reid está tentando, eu não sei, me reviver? Ele seria o
primeiro suspeito se eu morresse aleatoriamente.
Mas Reid me puxa para mais perto dele e suas mãos estão em meus
quadris. Meus braços envolvem seu pescoço e minhas mãos estão em
seu cabelo e é macio, tão macio, e não, ok, eu definitivamente não estou
morta. Seus lábios são ásperos contra os meus e eu sinto a
impulsividade do beijo, a imprudência desse momento, e ai meu Deus,
eu quero isso. Nós nos movemos juntos, um passo para trás, e Reid me
levanta, então estou sentada na mesa. Seus dentes roçam meu lábio
inferior e está gostoso. Reid é gostoso.
Ele se afasta.
— Isso é ok?
Eu aceno mesmo quando minha boca está dizendo:
— Esta é uma má ideia.
— Provavelmente.
Reid dá o sorriso que eu odeio tanto. Eu quis apagar do rosto dele
um milhão de vezes e desta vez eu o faço. Eu puxo os lábios de Reid nos
meus. Reid abre a boca e eu suspiro dentro dela. Ele se afasta, apenas
para inspirar uma risada aguda. Eu digo, “Cale a boca”, e Reid diz,
“Com prazer,” e nós estamos nos beijando como se fosse apenas o que
fazemos, sem grande coisa. Não beijei ninguém desde o acampamento
de verão, primeiro ano, o último ano em que meus pais puderam
pagar. Jacob Simon era fofo e sabia quem era August Wilson, mas o
beijo foi desleixado – nenhum de nós sabia o que estávamos fazendo.
Reid sabe o que está fazendo.
Meu coração está martelando contra meu peito, minhas mãos estão
úmidas, minhas bochechas estão em chamas. Estou usando leggings e
uma camiseta azul enorme amarrada na minha cintura. Mas beijar
Reid, Reid me beijando, me sinto sexy. Ele beija meu pescoço e ai meu
Deus. Eu me inclino nas costas das minhas mãos para me apoiar, mas
minha mão esquerda se conecta ao teclado, pressionando algumas
teclas. Eu movo minha mão de volta para sua bochecha, mas Reid
interrompe o beijo, olhando além de mim para a tela do computador.
— Pausa. — Ele pega o mouse e eu giro para ver o que está
acontecendo – e o que está acontecendo é que a tela está em
branco. Tipo, apenas a área de trabalho. Tipo, devo ter saído do Pro
Tools.
— Você salvou antes de nós, hum…
— Acho que sim — diz Reid.
Mas a rapidez com que a reabre não retrata a mesma confiança.
Quando ele clica em reproduzir no arquivo recuperado, está apenas
pela metade.
— Merda — Reid respira. Ele começa a andar, então para e olha
para mim. — Você…?
— Eu o quê?
Reid está quieto. Mas eu ouvi, a acusação em sua voz.
— Diga.
— Você o excluiu?
Eu me levanto.
— Sim, Reid. Você foi a melhor coisa que aconteceu ao nosso show,
então estou mostrando minha gratidão ao tramar um plano para
sabotar sua inscrição em Albany. O que faz sentido já
que você me beijou.
Reid me beijou e depois me acusou de deletar sua audição, como se
eu tivesse feito isso de propósito – e a pior parte é que não posso nem
ficar tão brava, não realmente, porque um beijo não apaga uma década
de guerras de pegadinhas e sabotagem.
— Eu sei. Eu sinto muito. Estou apenas... está arruinado.
— Não está arruinado! É… — olho para o relógio— … ainda
cedo. Temos a noite toda.
— Até as onze.
— Temos até as onze! — me corrijo.
Vou ficar acordada a noite toda trabalhando em uma prova de pré-
cálculo depois, mas está tudo bem.
Reid levanta as sobrancelhas, mas não parece convencido.
— Nós vamos refazer. É apenas a parte de trás, de qualquer
maneira. Talvez você precise de menos cordas — provoco.
— Ha — Reid diz, olhando feio.
— Estou brincando. Ou estou?
Reid abre um novo arquivo no Pro Tools.
— Você é a pior.
Desta vez, eu sorrio para ele.
— Eu sei.
Eu mastigo meu lábio. Tem gosto de cobertura de chocolate. Tem
gosto de Reid. Eu nem tenho tempo para processar o que acontece a
seguir ou o que isso significa ou o quanto eu gostaria que não fossemos
interrompidos pela tecnologia, ou o quanto eu quero beijar Reid
novamente. Temos que trabalhar.
Reid carrega cada arquivo e eu os emendo. De vez em quando
minha mão desliza contra a dele, ou ele reajusta meus óculos quando
eles deslizam muito fundo no meu nariz e não é nem estranho. Tudo
bem. É quase como música, um ritmo todo nosso.
Trabalhamos no medley durante o jantar e não precisamos
conversar sobre o que é isso, o que estamos fazendo, o que acontece a
seguir. Durante o menor momento no universo, nada existe, exceto
Reid, a música e eu.
O protegido de Aaron Jacobson

A armadilha só aproximou mais Reid e Madeline. Uma falha


catastrófica geral.
A banda se tornou a pior parte do meu dia. Na época, era mais fácil
culpar Reid e Madeline por esses sentimentos do que reconhecer a
verdade.
Os ensaios eram um trabalho árduo. Ensaiar? Minha coisa menos
favorita no universo.
No entanto, uma fresta de esperança na bagunça que fiz foram as
aulas que restabeleci com meu pai. Reid suavizou um pouco seu
rigoroso cronograma de aulas para ser um namorado, ou o que
seja. Então, os espaços vazios na agenda do meu pai se tornaram meus
apenas, e trabalhar com ele, passar um tempo com ele novamente, era
exatamente o que eu esperava, o que eu queria desde que Reid se
intrometeu.
— Eu sabia que você tinha isso em você, garota — disse papai na
primeira vez que acertei “A Tempestade”. Eu tocaria dezoito
compassos de lá qualquer dia para ver o orgulho em seu rosto daquele
jeito.
A memória muscular puxou o contato de Madeline no meu
telefone. Tudo que eu queria era mandar uma mensagem para ela.
Exceto que ela nunca respondeu minha última
mensagem. Implorando para ela me ouvir. Para me deixar pedir
desculpas.
Eu não consegui mandar uma mensagem para ela. Então, coloquei
meu telefone de lado, desconstruí o clarinete e saí do estúdio do meu
pai, animada para comemorar minha realização com as panquecas
especiais de manteiga de amendoim com chocolate do meu pai. Talvez
eu tenha perdido Madeline, mas pelo menos a lição de hoje parecia
como nos velhos tempos, antes do clarinete se tornar sinônimo de
Reid. Agora, eu poderia ser sua protegida.
Exceto que, no topo da escada do porão, ouvi o som da voz do meu
pai.
— Está tudo bem ficar triste, mas queixo erguido, Reid. Sempre há
o próximo ano.
Meu estojo de clarinete escorregou da minha mão, caindo da escada
e caindo com um baque. Lágrimas saltaram dos meus olhos quando as
palavras do meu pai reverberaram em meus tímpanos. Há... sempre o
próximo ano? Não. Eu venci Reid. Era para ser o meu momento. Mas
é claro que nunca acabou. Enquanto Reid e eu estivéssemos na disputa
pela mesma cadeira, sempre seria assim.
Eu ganhei, mas de repente não parecia isso. Olhei para o meu
clarinete no chão do porão, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto, e
isso me atingiu de uma vez. Nada mudou. Eu nunca seria a primeira
escolha do meu pai. E... de repente ficou tão claro para mim, uma coisa
que eu nunca me permiti admitir: eu nem gostava de clarinete! Eu
simplesmente não sabia como ter um relacionamento com meu
pai sem isso. Então eu pratiquei, sozinha e em lágrimas, até minhas
bolhas formarem bolhas.
Mas para que?
Eu nunca seria a protegida de Aaron Jacobson.
E daquele momento em diante eu soube... Eu nunca amaria
clarinete também.
CAPÍTULO VINTE E UM

Eu mexo o canudo na minha root beer distraidamente, observando


Reid atrás do piano como o substituto desta noite para o Lincoln Street
Blues. Não nos beijamos desde o fiasco oops-eu-apaguei-sua-fita-de-
audição-em-um-momento-de-paixão, nem sequer mencionamos isso,
e tudo bem, só se passaram quatro dias – mas já faz quatro longos dias
sem dormir, com ensaios, estudos para as provas de meio de semestre e
sendo profissional na frente do elenco.
É como se, às vezes, quase esqueço que o beijo aconteceu.
Odeio o quanto não quero esquecer.
Mamãe, Delia e eu estamos sentados com os Callahans em uma
mesa de canto no Olive & Twist, o restaurante onde o Lincoln Street
Blues tem um novo show regular. O substituto de Charlie, Tony,
avisou esta manhã que está com uma gripe porque Lincoln Street Blues
tem tido a pior sorte com pianistas ultimamente. Esta não é a primeira
vez que Reid substitui para a banda em um momento de necessidade.
É a primeira vez que seus pais estão aqui entretanto, graças ao
Chanucá. Desde que me lembro, os Callahans e Jacobsons em um bar
de jazz na primeira noite de Chanucá, ouvindo as melodias suaves, tem
sido uma tradição do Lincoln Street Blues, antes que todos voltem para
nossa casa para comer latkes e uma pequena troca de presentes.
Hannah ri.
— O fedora parece ridículo.
Delia encolhe os ombros.
— Ele parece bom, pelo menos.
Eu reviro meus olhos em uma tentativa de parecer entediada – agir
como eu mesma. Como se alguém estivesse prestando atenção. Mamãe
e os pais do Reid nem estão ouvindo música ou assistindo Reid em seu
ambiente. Em vez disso, eles estão conversando a um milhão de
quilômetros por minuto sobre como os Fisches – uma família do
Templo Beth Elohim – conseguiram um filhote de cachorro
bernedoodle. Admito, aquele cachorrinho é adorável, mas eles
precisam relaxar com a babação e a criação da falsa sensação de
esperança de que talvez Delia e eu seremos capazes de convencer a
mamãe a nos dar um cachorro.
Enquanto isso, Delia e Hannah me atualizam no último drama da
sétima série.
As Monicas são notícia de ontem, porque tentaram entrar de
penetra no bat mitzvah de Delia. Elas queriam Hannah no plano, mas
em um movimento de poder da melhor amiga, ela puxou minha mãe
para longe da festa para interceptar a entrada das Monicas. Parecia que
mamãe era uma chefe. Hannah também as repreendeu. Não sei como
perdi isso no momento!
Eu culpo a Bunda de Terno do Reid.
— Eu fui removida do círculo de fofocas no baile — diz Hannah. —
Mas essas conversas eram, tipo, muito maldosas de qualquer maneira.
— Você precisa começar um círculo de amizade — Delia diz. —
Aberto a qualquer pessoa que tenha sido pessoalmente vitimada pelas
Monicas!
— Eu gostaria — Hannah diz. — Não acredito que fiz parte disso.
Delia dá um gole em seu Shirley Temple.
— A popularidade é atraente.
É surpreendente a facilidade com que Delia e Hannah voltaram a si
mesmas, pós-Monicas. Quando perguntei a Delia sobre isso outra
noite, enquanto comíamos o último dos cupcakes do bat mitzvah, ela
deu de ombros.
— Ela defendeu meu bat mitzvah e repreendeu as Monicas. O que
devo fazer, ficar brava? Ela é minha melhor amiga.
Meu instinto diz sim. Fique brava. Pelo menos um pouco mais! Sua
melhor amiga tem tratado você como lixo há meses!
Quase me pergunto como somos parentes.
Eu definitivamente gostaria de ser mais parecida com ela.
O Lincoln Street Blues está profundamente envolvido em seu set
quando a atenção de Leonard muda para mim.
— Como vão os ensaios? Quer dizer, co-diretores. Quem diria?
Eu mastigo o interior da minha bochecha, foco no movimento
giratório do canudo na minha xícara. Como estão indo os
ensaios? Estão indo. Esta semana estamos marcando o número de
abertura, Reid no palco como Moritz. Não posso dar-lhe uma direção
sem pensar em suas mãos em meus quadris, sua boca no meu pescoço
– e pensar na próxima vez em que poderemos ficar sozinhos.
Porque a única nota de direção que quero dar a Reid é,
de novo. Faça isso de novo.
— Nós não nos matamos ainda — eu respondo em vez disso.
A piada cai tão sem graça quanto meu refrigerante vai ficar se eu
continuar mexendo.
— Quero dizer, se você foi capaz de convencê-lo a cantar em
público, talvez você possa convencê-lo a fazer algum sentido sobre… —
Leonard aponta para o palco — ... tudo isso?
— Isso é mais crédito do que eu mereço.
Leonard balança a cabeça e dá um gole na cerveja.
— Você está pensando seriamente no que vem a seguir. Isso é
inteligente, Natalie. Meu filho quer jogar fora seu futuro em um
sonho, fazer de um hobby uma carreira. No final do dia, é isso
mesmo. Um hobby. Não é uma vida. Quer dizer, nem mesmo Aaron
chegou à orquestra sinfônica, e ele é o melhor músico que conheço.
Eu assinto, só para que essa conversa pare. Não estou pronta para
admitir em voz alta que “Melted” é mais do que um hobby. Mas em
algum lugar entre a formação do “HAVE A HE(ART)” e sentar ao
piano ao lado de Reid – “Melted” meio que se tornou tudo para
mim. Posso colocar esses sentimentos de lado, continuar usando os
cortes no orçamento, o medo de mais demissões e meu desejo de ter um
show final com Henry para justificar o quão sério “Melted” se tornou
para mim.
Ou posso ser honesta.
Eu não sou esperta. Eu estou assustada.
Eu gostaria de acreditar na minha arte da mesma forma que meus
pais acreditam na deles. A maneira como Reid acredita na dele. Eu não
acredito. Eu não posso. Porque não consigo acreditar em algo sem
garantias. Se eu tivesse um espelho mágico que me mostrasse meu
futuro e revelasse, Natalie Jacobson, você escreverá um roteiro
vencedor do Tony Award – eu não hesitaria. Mas nem mesmo meu
clube de teatro do colégio tem um futuro garantido! Não importa nada
maior. Eu vi o que arte fez meus pais passarem. Está fazendo meus pais
passarem.
Meu pai tem um emprego que não é garantido.
Mamãe está atrasada para enviar a amostra de “Guy in Your MFA”,
a comédia romântica que ela prometeu à sua agente.
Seu próximo livro – mesmo quando inspirada – também não é
garantido.
Eu não posso viver assim.
Prefiro ficar com medo. Porque nunca saberei o que poderia ter
sido seguir no teatro.
Mas pelo menos sempre vou o amar.
Evitando o olhar de Leonard, meus olhos piscam em direção ao
palco. Eu quero falar, tipo, olhe para ele! Porque, por mais que eu
duvide da minha própria arte, não duvido da de Reid. Sua especialidade
é clarinete, mas ao longo do processo de “Melted”, adorei vê-lo tocar
piano. Seus dedos se movem com facilidade, seus ombros saltando com
a batida da percussão. Ele mastiga o lábio inferior toda vez que vira para
uma nova página, não que ele precise de música.
— Natalie. — Delia acena com a mão na frente do meu rosto.
Eu pisco, me perguntando quantas vezes ela disse meu nome.
Ela me entrega seu celular e pergunta se vou tirar uma foto não-selfie
dela e de Hannah. Leonard finge estar ofendido. Delia não pede a ele,
mas ele sempre corta o topo de nossas cabeças ou cobre parte da câmera
com o polegar como um pai burro de tecnologia.
Eu tiro a foto enquanto a música desaparece com o barulho suave
dos pratos. Aplausos educados enchem a sala e eu vejo meu pai se
desfrutar nisso, em seu elemento. Ultimamente, papai tem sido
consumido por “Melted” à sua maneira – e por mais que eu tenha
resistido a seu envolvimento, isso também nos aproximou. Ele passa os
ensaios depois das aulas dedicados à banda certificando-se de que a
música soe nada menos do que perfeita. E em casa, recapitulamos nosso
progresso do dia e discutimos o que vem por aí. Se papai tem dúvidas
sobre as músicas, ele até vem até mim, não Reid.
É quase como a sensação do clarinete, mas melhor, já que... Na
verdade eu gosto disso. E essa foi a melhor surpresa.
Delia e eu aplaudimos em voz alta, gritando:
— Aaron! — porque é a única vez que escapamos chamando papai
pelo primeiro nome. E embora ele finja odiar isso, todos nós sabemos
que isso é a coisa mais distante da verdade. Mamãe dá seu sorriso mais
dentuço quando olha para papai. Espero um dia olhar para alguém
como a mamãe olha para o papai quando ele toca clarinete. Acho que
talvez seja mais fácil fazer arte, seguir sonhos que parecem impossíveis,
quando alguém acredita em você como meus pais acreditam um no
outro.
Papai e Reid se juntam a nós após as notas finais do show, enquanto
juntamos nossos casacos e chapéus. Eu, pelo menos, estou tão pronta
para a porção de latke da noite.
— Belo set, Reid — papai dá um tapinha nas costas de Reid,
orgulho irradiando em sua voz. — Talvez o seu melhor ainda. O que
você achou, Leo?
— Ele está bom, eu acho. — Leonard ri, como se ele estivesse apenas
provocando, mas ele não levanta os olhos de seu telefone e posso ver o
rosto de Reid cair quando ele começa a fazer o seu caminho para a
saída. Eu corro atrás dele, pendurando meu lenço em volta do meu
pescoço.
— Ok, acho que é uma crítica brilhante — Reid diz antes que eu
possa dizer qualquer coisa. Paramos no estacionamento sob um poste
de luz e eu enrolo meu casaco em volta de mim com força, segurando-
o no lugar porque o zíper quebrou na semana passada. — Ele nem
assistiu, não é?
Eu encolho os ombros.
— Eu sinto muito.
Reid suspira e cobre metade do rosto com o chapéu de feltro.
— Você pensaria que eu pararia de me importar agora. Por que eu
me importo?
Eu levanto a aba do chapéu e coloco de volta em sua cabeça
corretamente.
— Porque ele é seu pai.
Isso me atinge como um soco no estômago, o fato de que Reid
também tem Problemas de Pai.
— Eu assisti — digo. — Você está mais do que bom, eu acho.
Reid enrubesce.
— Como você está…? — Minha voz some antes de eu terminar a
pergunta. — Como você sabe que o conservatório é o seu
caminho? Por que não considerar também escolas de artes liberais com
excelentes programas musicais, como seus pais desejam? Quer dizer,
tornaria tudo mais fácil. Como você tem... — Reid dá um passo para
trás, seu rosto contraído, e eu giro porque estou fazendo isso
errado. Não quero dizer que ele não deva, não quero dizer isso de forma
alguma. — Como você é corajoso o suficiente para perseguir
um talvez?
Reid franze a testa.
— É minha vida, Nat. Música é difícil, não sou burro. Mas para
mim não é talvez nem se. Eu não pratico e escrevo por horas todos os
dias por um talvez, sabe? É um quando.
Eu pressiono meus lábios para evitar meus dentes rangindo.
— Eu sei disso.
Reid parece confuso.
— É?
— Para você. É incrível que você saiba. Eu gostaria de me conhecer
assim.
A mão de Reid roça a minha.
— Natalie, apesar de ter ouvido que não há dinheiro, ter que mudar
todo o tipo de show, e literalmente todos os empecilhos, “Melted” está
acontecendo. Foram envolvidos métodos questionáveis? Com
certeza. Mas você não desistiu. Você reuniu os clubes de
artes. Você escreve o tipo de show que poderia estar em palcos
reais. Você se conhece assim.
Eu tremo, mas embora dezembro em Massachusetts não seja uma
piada – tipo, puta merda, por que ainda estamos do lado de fora? – não
é do frio.
— Talvez não seja sobre saber. Eu sei que gosto disso, que não sou
ruim nisso — eu digo. — Mas eu só vi isso como um hobby. Talvez seja
mais sobre... acreditar.
— Eu acredito em você — diz Reid. Mesmo nas sombras, vejo sua
respiração no ar. —Eu meio que sempre acreditei.
Em qualquer peça, esse momento seria a CENA FINAL
perfeita. Reid pressionaria seus lábios contra os meus e eu jogaria meus
braços em volta de seu pescoço e o mundo escureceria. Neste
momento, porém, Delia e Hannah invadem, horrorizadas que Reid e
eu estamos mesmo parados do lado de fora quando o carro está uhm,
bem ali. Hannah incomoda Reid até que ele entregue as chaves para
que as irmãs possam entrar para se aquecer.
Então Reid olha para mim. E a maneira como ele me olha?
Eu não posso fazer nada além de esperar que esta não seja a cena final
– apenas um intervalo.

O jantar de Chanucá pós-jazz é nossos pais muito barulhentos, com


muita comida e muitas oportunidades perdidas.
Ok, então comprei um presente para Reid este ano. Não sei por
quê. Tudo bem, eu sei por quê. Fitz, a facilitadora, é o motivo. Quando
eu peço para Fitz um conselho, noventa por cento do tempo é porque
eu quero que ela me faça desistir de alguma coisa. Cem por cento das
vezes, ela me convence de outra coisa.
Fitz (não Ava)
você já deu a ele?
20h37
ele amou?
20h37
você não está respondendo porque
20h38
vc totalmente está!!!
20h41
o nome do seu ship agora é neid, a propósito
20h44
porque you neid each other4. sacou?
20h44
molly aprova isso.
20h45
ela me chamou de mestre de trocadilhos.
20h45
de nada.
20h46
Estas são as mensagens de Fitz e ela nem sabe que nos beijamos.
Além disso, não apoio Molly e Fitz trocando mensagens de
texto. Não.
Mas não, eu não dei a Reid seu presente ainda. Reid e eu mal
assinamos nossos nomes nos cartões de família! Mamãe teve que assinar
meu nome por mim por três anos. A ideia de caminhar até Reid com
um presente na mão, só meu e eu sozinha, é tão embaraçosa. Além
disso, estivemos bem esta noite. Por que eu estragaria tudo com

4
Trocadilho com "you need each other", traduzindo: vocês precisam um do outro.
um presente? Especialmente porque ele definitivamente não tem um
para mim, então isso vai ser estranho.
Eu me afasto das mensagens de Fitz enquanto Reid mergulha seu
último pedaço de latke em um molho de maçã como um esquisitão. Eu
acho que a nossa história de nunca concordar em qualquer coisa
começou com coberturas de latke. Sour cream para a vida.
— Posso te mostrar uma coisa? No andar de baixo? — Reid
pergunta. — Relacionado a “Melted”.
Papai ouve e se insere na conversa no pior momento possível.
— Estamos em um bom momento. Não há problema em tirar a
noite de folga. É um feriado!
Mamãe bate no ombro do meu pai.
— Como se isso já tivesse parado você!
— Nunca — Leonard reitera.
— Você não pode mostrar a todos? — Delia pergunta.
— Não estou confiante o suficiente nas minhas habilidades de
sapateado ainda — Reid diz sem perder o ritmo.
Hannah levanta as sobrancelhas.
— Você precisa praticar uma rotina de sapateado? Agora?
Eu concordo.
— Considerando que a primeira coisa na programação de amanhã é
uma versão completa de “In Winter”, é incompreensível que Reid
esteja nesta mesa comendo latkes esta noite. Falando como sua diretora.
Cientes de que estamos agindo superficialmente como o diabo,
disparamos. Reid fecha a porta do porão atrás dele e começa a rir e
estamos perto, muito perto. Seu cabelo está liso por causa do chapéu de
feltro e leva tudo para não passar minhas mãos por ele, para não
despentear de volta ao seu normal cacheado.
— Trouxe uma coisa para você — diz Reid, depois que o riso
diminui. — Para Chanucá.
— Oh? — Eu caio para trás no sofá e levanto minhas sobrancelhas
porque eu esperava que descer fosse um código para, hum, vamos se
pegar. Não sei o que é mais surpreendente – o fato de que não estamos
se pegando agora, ou que Reid me deu um presente também.
— Não é grande coisa — diz Reid. — Eu sei que não fazemos
isso. Eu não queria que os pais – ou Hannah e Delia – vissem e
tornassem isso algo que não é.
— O que não é?
— Uma grande coisa — Reid reitera.
Eu sorrio.
— Você gosta de mim.
Reid balança a cabeça, mas está sorrindo.
— Eu realmente não gosto.
— Onde está meu presente?
Reid revira os olhos.
— Cale-se.
Ele me joga uma pequena caixa embrulhada em papel menorá
azul. É do tamanho de uma caixa de jóias, o que desencadeia uma
espécie de pânico que nunca senti antes. Para me distrair, coloco a mão
no bolso enorme do suéter e pego meu pequeno presente.
— Você também tem um presente. De mim.
Reid começa a rir.
— Espere, sério? Tenho estado tão estressado que isso é estranho.
— Quero dizer... é estranho.
Reid abre seu presente primeiro, uma caixa de palheta personalizada
que encontrei durante uma de minhas fuçadas no Etsy mais
patéticas. Está escrito REID'S REEDS5 no verso porque, bem, eu escrevo, e
não resisto ao jogo de palavras. De pé aqui, observando-o abrir, vendo
seu rosto – como se ele estivesse chocado por eu ser capaz de ser
atenciosa.
Ele sorri tão grande.
— Eu amei isso. Obrigado. Abra o seu.
Meu presente não são joias, graças a Deus. É um chaveiro com dois
pingentes – uma chama e uma placa de diretor. Eles são de metal e
5
Traduzindo: palhetas do Reid.
planos, ambos gravados na parte de trás. MELTED: O MUSICAL no pingente
de chama e a data de estreia no verso da placa. Provavelmente estou
fazendo a mesma cara de Reid agora, porque de alguma forma é
perfeito.
Eu envolvo meus braços em volta dos meus joelhos.
— Obrigada.
— Você poderia fazer isso — diz Reid. — Escrever e dirigir, de
verdade. Se você quiser.
Meu coração incha. Meus pais me dizem isso há anos, mas em um
jeito muito deseje a uma estrela e seus sonhos podem se tornar
realidade. Quando Reid diz isso, acredito que posso fazer isso, de
verdade. Reid não fala palavras que não quer dizer, pelo menos não
comigo. Ele nunca poderia.
Abro a boca para dizer algo, mas em vez de falar palavras, minha
boca está na boca dele, oops. Exceto que não parece um oops, como
nosso primeiro beijo. Este beijo é mais suave, intencional – sua mão
segura minha bochecha e a minha está em seu cabelo, finalmente. Beijar
Reid é tão bom que, tipo, por que passamos todos esses anos brigando
quando poderíamos estar fazendo isso?
Provavelmente é o cérebro de “Melted”, provavelmente a pressa de
uma semana de ótimos ensaios e vendo nosso show ganhar vida pela
primeira vez que está despertando todos esses sentimentos do
nada. Estou convencida de que, depois que acabar, as coisas voltarão a
ser como eram. É por isso que temos feito o trabalho – então Reid pode
ter sua banda de volta e eu posso dirigir dramas não musicais e nunca
teremos que trabalhar juntos novamente.
Mas... acho que vou sentir falta. Acho que vou sentir falta dele.
CAPÍTULO VINTE E DOIS

Após o intervalo de duas semanas que é as férias de inverno, a contagem


regressiva para “Melted” está ligada.
Até este ponto, Reid, Henry e eu temos sido consumidos em
conseguir horários extracurriculares para todos, marcando a
coreografia e garantindo que o conjunto se harmonize em um tom
perfeito. Agora é hora de dar a deixa para o segundo ato no processo de
produção do teatro – reunir todo o elenco, construir cenários, finalizar
os desenhos dos figurinos. Os ensaios com o elenco completo trazem
Arjun de volta ao grupo e estou tão feliz por ter um gerente de palco e
uma equipe técnica que quase choro. Makayla e Cherish conseguem
convencer a Sra. DiCarlo a deixar um punhado de alunos pintar os
cenários durante a aula como um projeto de arte sobre o
impressionismo moderno. Fitz e Danica planejam vasculhar brechós
no próximo fim de semana em busca de todos os tecidos metálicos que
possam encontrar para a visão da fantasia de Fitz.
Aos poucos, os detalhes vão se juntando, transformando o auditório
em Infernodelle.
O auditório que precisamos lotar para impressionar o comitê
escolar.
É a peça final para nos focar – e o aspecto de “Melted” que faz meu
estômago se revirar de incerteza. Não estou preocupada com nossa
capacidade de executar uma performance incrível. Estou apavorada
que ninguém venha ver. Os ingressos estarão à venda em duas
semanas. Precisamos de uma estratégia para envolver a comunidade em
“Melted” e aparecerem da maneira como o fazem nos eventos da
banda.
Pelo menos, nos conectamos com um organizador do The Sunshine
Project. Cinquenta por cento das vendas de ingressos de “Melted” vão
para a organização e, em troca, eles prometem divulgar os detalhes
de “Melted” em seus canais sociais.
Então talvez isso ajude.
Mas é claro que o grupo com seguidores e reputação para esgotar os
assentos é o menos engajado.
— Vai ser estranho no começo — Reid admitiu durante as férias
enquanto assistíamos Newsies no meu porão. Sim. Assistindo
de verdade. Fins de semana de pesquisa sobre musicais são ocasiões
sérias! — Ainda há... hum... ressentimentos pelas Nacionais. A maior
parte da banda não quer fazer parte disso.
Eu pausei o musical.
— Ninguém os obriga a participar. É opcional.
Reid encolheu os ombros.
— Não realmente. É o musical... ou ficar sem música. E nós sempre
tocamos para os musicais de qualquer maneira. Portanto, não é esse o
problema. É mais como... o porquê de estamos aqui.
Reid e eu nos sentamos em extremidades opostas do sofá pelo resto
do filme.
A banda entrando em cena afeta nossa dinâmica como co-
diretores. Isso me lembra que Reid sempre será leal a eles primeiro e ele
só está fazendo “Melted” porque – como seus amigos – ele tem que
fazer. Não porque ele queira. A verificação da realidade dói mais do
que eu esperava. E dura, resultando em uma semana difícil.
Segunda-feira, Reid e Henry tiveram visões diferentes sobre a
marcação da cena da morte do Moritz.
Votei na direção de Henry.
Terça-feira, Reid era um ator rebelde, interpretando a morte de
Moritz do seu jeito.
Quarta-feira, papai sugeriu uma mudança importante para “In
Winter” que parecia desnecessária.
Reid concordou com o papai.
Quinta-feira, Reid e eu discutimos se pedíamos comida tailandesa
ou pizza para o jantar de ensaio.
Eu não posso explicar essa.
Finalmente, é sexta-feira, mas também a primeira apresentação
completa do primeiro ato, uma ocasião um tanto importante porque a
partir deste ponto, a banda estará em todos os ensaios. É para ser um
momento importante, mas é meio manchado por toda a banda me
ignorando com a chegada deles. Até Lacey e Logan! Eles montaram
seus instrumentos sem sequer olhar na minha direção. Estou sentada
na segunda fila com Henry, olhando para Logan como se
pudesse provocar uma reação, porque se eu não consigo arrancar um
sorriso dele, é, tipo, eu sou um monstro? Reid está nos bastidores com
o elenco e eu sei que deve ser estranho para ele – estar no palco e não
em sua cadeira.
— Preveja a trajetória desse ensaio em uma escala de um para
bagunça total — diz Henry.
— Vai ser incrível — respondo. Eu acredito. Porque mesmo que a
banda esteja chateada, cada membro se esforça para ser validado pelo
meu pai. — Mas o constrangimento? Bagunça total.
Papai levanta a mão e dá a deixa para a abertura.
Só espero estar certa.

Fora do contexto de “Melted”, Reid e eu não temos nenhuma ideia de


como nos comportar na frente de outras pessoas – algo que se torna
óbvio no momento em que entro no Lincoln Skating Rink no sábado
à noite para um rolê do grupo de “Melted” – um necessário aumento
de moral após uma semana turbulenta. Como previsto, o amor da
banda por Aaron Jacobson os uniu para soar toda parte do grupo
premiado que são. Mas, como direção, ainda tenho muitas notas para
o elenco.
É tudo um trabalho em andamento.
Então, quando Reid diz que acha que todos precisam se relacionar
fora dos ensaios, sugiro patinar no gelo porque está ligado às
nossas raízes de Frozen.
E aqui estamos.
Reid está na lanchonete com Logan, Makayla e Arjun quando
chego com Henry, Fitz e Danica. Fora isso, os membros da banda ainda
parecem estar socializando em seus próprios círculos, mas pelo que
importa, eles estão aqui. Reid é visivelmente mais baixo do que todos
os outros, devido ao fato de que ele não está usando patins.
— Eles estão comendo batatas fritas com queijo — comenta Fitz. —
Eu quero batatas fritas com queijo!
Mas primeiro, precisamos de patins.
Reid nem ao menos olha na minha direção quando Arjun grita meu
nome e tudo bem, então é assim que esta noite vai ser. Eu entendo o
desejo de manter as coisas em segredo, já que literalmente não tivemos
nenhuma conversa sobre o que estamos fazendo. Acredite em mim,
não tenho intenção de gritar que estou beijando Reid Callahan! aos
quatro ventos em breve. Mas é realmente só beijar em segredo?
Danica pega seus patins do balcão enquanto tento afastar esses
pensamentos.
— Você sabe que nós sabemos, certo?
Minhas orelhas esquentam. Sabem o quê, exatamente? Eles não
podem. Eu nem sei!
Danica entrelaça os dedos entre os de Fitz porque agora que Henry
prometeu que está mil por cento bem, ele jura, e os encontros um e dois
foram bem, Fitz e Danica é oficial e adorável. — Você é uma ótima
diretora, mas é uma atriz terrível, Natalie.
— É doloroso assistir — diz Fitz.
É ainda mais doloroso de experimentar, então eu pego os patins para
Reid também e marcho até a lanchonete, porque esta precisa ser uma
noite de união, então a estranheza precisa parar agora.
Ele tem a audácia de não andar de patins.
— Você sabe meu tamanho?
— Todo mundo sabe — digo, ignorando o fato de que sim, eu sei
que Reid usa um tamanho 42 e não, não tenho ideia de em que ponto
obtive essa informação. — Então podemos, tipo, eu não sei. Patinar?
Os ombros de Reid relaxam.
— Todos?
Logan fecha sua garrafa de Gatorade e revira os olhos.
— É bastante óbvio.
Makayla e Arjun acenam com a cabeça, dupla confirmação.
Reid ruboriza, mas pega os patins e nos sentamos lado a lado,
amarrando-os. Eu aperto os cadarços, trabalhando do peito do meu pé
até o tornozelo. Com o canto do olho, vejo Reid me observando e
tentando imitar meus movimentos.
Eu franzo a testa.
— Você não…?
Reid balança a cabeça.
Eu dou um nó duplo no meu patim direito e sigo para o esquerdo.
— Nunca?
Reid solta uma risada trêmula.
— Não.
Minhas sobrancelhas arquearam.
— E você não ia dizer nada?
Reid se levanta.
— O plano original era passar a noite toda na lanchonete. Agora
espero ser secretamente um prodígio da patinação.
Ele está cambaleando em seus patins e nem estamos no gelo ainda.
— Sente-se.
Porque a pressão diminuiu, eu amarro os patins de Reid para ele. Há
tanta folga nos cadarços que ele torceria o tornozelo, sem dúvida – e
essa é a última coisa de que “Melted” precisa. Meu telefone vibra no
bolso de trás quando termino os patins de Reid. É Fitz, exigindo que os
encontremos no gelo, com muitos emojis de piscadinhas.
— Você poderia ter me dito que não sabe patinar antes de fazermos
disso uma atividade de “Melted” — digo em nossa caminhada lenta e
desengonçada em direção ao gelo, onde alguns membros do elenco e da
banda estão se misturando. Uma pequena vitória. Vejo Fitz e Danica
patinando em círculos, de mãos dadas. Henry também está no gelo,
alcançando Makayla e conversando com Logan e Lacey.
Reid puxa o gorro verde que está usando para cobrir suas orelhas.
— Eu aprecio a ironia. E você parecia animada. Eu vou ficar
bem. Vai ser divertido.
— Natalie! — Fitz grita com um grande aceno quando chegamos à
beira do rinque.
Mas Reid mal consegue andar de patins, muito menos patinar de
patins. Seus olhos se arregalam assim que seus pés tocam o gelo,
como: O que é essa bruxaria e por que todos esses garotos de 12 anos
são tão bons nisso? Ele tenta dar um passo e quando quase cai com
força, decide que não vai largar a lateral do rinque.
Ele não vai a lugar nenhum tão cedo, então patino para dizer oi a
todos do outro lado do rinque.
— Reid está se divertindo — diz Lacey.
Eu rolo meus olhos.
— Eu não sabia que ele era virgem de gelo.
Makayla ri.
— Eu diria para você ir tirá-lo do seu sofrimento, mas isso é
divertido de assistir.
— Isso é divertido — admite Logan, apontando para a glória que é
o teatro e a banda se misturando no gelo. — Nós íamos faltar para ter
uma noite de cinema. Estou feliz que Reid nos trouxe.
— Mesmo?
Huh. Reid me disse esta tarde que a banda estava toda de acordo.
Lacey acena com a cabeça.
— Somos mestres em guardar rancor.
— Eu não queria estragar o Festival da Colheita. Eu realmente sinto
muito por isso. E sobre as Nacionais…
Lacey me interrompe.
— Você não poderia saber que isso aconteceria. Honestamente, a
escola poderia ter encontrado outro motivo para não nos mandar. Têm
sido mais fácil culpar você pelos problemas da banda do que reconhecer
nosso próprio direito.
— Não somos melhores do que ninguém — acrescenta Logan. —
Podemos agir dessa forma. Eu também sinto muito.
Esta não é a direção que pensei que esta conversa iria. A única razão
pela qual esperei tanto para abordar a banda é porque a frustração deles
é válida. Quero dizer, Reid e eu estragamos o ano deles com uma guerra
de pegadinhas que saiu do controle.
— Você não deveria estar se desculpando agora!
Lacey encolhe os ombros.
— Nós apenas queremos que “Melted” seja ótimo. Para todos.
— O resto da banda se sente assim? — Henry pergunta.
— Eles vão — Logan diz. — Somos as primeiras cadeiras. Eles
seguirão nossa liderança.
— Obrigada — digo.
— Agradeça ao Reid. Foi ele quem nos chamou — diz Lacey.
Eu olho para trás para Reid quando ele solta a parede, dá dois passos
para frente e cai de bunda. Henry e Makayla começam a rir. O instinto
está lá, como memória muscular, mas eu não faço, porque Reid está
tentando algo novo – sem a garantia de que ele se sairá bem – só porque
eu parecia animada. Além disso, ele trouxe a banda aqui! Eu patino até
ele, e sua bunda ainda está firmemente plantada no gelo quando eu
chego lá. Eu estendo minhas mãos e ele as pega.
— Então, definitivamente não sou um prodígio — diz Reid.
Eu rio.
— Não podemos ter tudo.
Pelo resto da noite, Reid não largou minha mão. Se estamos no gelo,
nossos dedos estão entrelaçados, sua palma pressionada contra a
minha. É preciso muita persuasão para Reid se soltar da parede. Eu
prometo a ele que não vou cair, então não vamos cair.
— Ok, mas se eu cair, você vai comigo — diz Reid.
— Se você cair, provavelmente vou merecer isso.
Ele solta a parede tão devagar que você nem acreditaria. Eu me viro
para patinar para trás e pego sua mão recém-livre, puxando-o para
frente enquanto deslizo para trás. Reid fecha os olhos toda vez que
vamos a uma velocidade que ele considera muito rápida e é bom estar
no mundo com Reid, sem falar sobre “Melted” ou música, mas
também não apenas sobre beijos.
Reid abre os olhos quando diminuímos para uma velocidade
apropriada.
— Isso quase parece um encontro — diz Reid. — Se, você sabe,
nosso elenco e banda não estivessem aqui.
— E assistindo — acrescento. — Graças à você.
Reid encolhe os ombros.
— Oh. Quero dizer. Eu só–
— … fez com que a banda levasse “Melted” a sério.
— É sério — diz Reid. — Assim como meu pedido de um encontro
real seja menos perigoso.
Eu reviro meus olhos. Perigoso é um pouco dramático, mas isso não
impede meu estômago de revirar.
— Encontro real?
Reid enrubesce.
— Quero dizer, se você quiser. Eu quero.
— Eu também — eu admito.
Reid e eu patinamos em círculos e nossas mãos não se separam, nem
mesmo uma vez.

Toda vez que beijo Reid Callahan, me pergunto por que eu não
estava sempre beijando Reid Callahan.
Estamos no meu porão, pós-encontro de patinação, nossos narizes
e pontas dos dedos ainda descongelando por causa das horas no
rinque. Delia está na casa de Reid e meus pais estão em Connecticut
hoje à noite para um show e, pela primeira vez, não temos que nos
preocupar com alguém entrando ou fingir que estamos apenas
trabalhando juntos ou manter nossas vozes baixas. Podemos ser quem
quisermos.
Eu quero.
Mal chegamos ao sofá antes que eu abrisse o zíper do moletom de
Reid. Sua respiração acelera porque isso é novo, mas ele tira o moletom
e ele cai no chão. Reid se senta e eu me sento em seu colo, minhas
pernas em volta de sua cintura. Eu puxo sua camiseta sobre sua cabeça
entre beijar sua boca, sua mandíbula, seu pescoço. Meus lábios
pressionam contra seu pulso e Reid geme baixinho. Eu nem tenho
tempo para me perder nisso porque antes que eu saiba, Reid envolve
seus braços em volta de mim e me vira para que minhas costas fiquem
pressionadas contra o sofá. Eu puxo meu suéter sobre minha cabeça,
revelando minha regata preta.
Reid se afasta, tirando meu cabelo dos olhos.
— Você é tão linda, Nat.
Eu reviro meus olhos.
— Cala a boca.
Reid balança a cabeça e antes que mais tolices saiam de sua boca, eu
o puxo de volta para mim porque não quero ter nenhuma pergunta
agora, não quero pensar, só quero sentir. As mãos de Reid descem pelo
meu corpo. Seus lábios seguem. Reid beija meu queixo, meu pescoço…
A porta se abre, a luz se acende e Reid cai no chão.
Eu pisco, meus olhos se reajustando à luz.
— Oh. — O rosto do meu pai está cinquenta tons de mortificado,
mas Reid ganha dele. Tenho certeza de que Reid deseja poder derreter
no chão e desaparecer. Eu sei que eu desejo. — Hum.
— Como foi Connecticut? — Eu pergunto, porque talvez se eu
fingir que isso é normal, não é grande coisa, Reid não está sem camisa
no chão, não, meu pai vai sair em silêncio e podemos conversar sobre
isso pela manhã. Se tivermos que falar sobre isso. Prefiro nunca falar
sobre isso, obrigada.
— Bom. Tio Adam, hum, está gripado, então não... — Papai faz
uma pausa. Inspira. — Você sabe o que? Eu não posso fazer isso
agora. Só tenho que perguntar: vocês estão protegidos?
— Ai meu Deus — diz Reid.
— Pai — eu digo.
— Nós não... nós não…
Papai levanta a mão, cortando Reid, cuja camisa agora está do
avesso.
— Poupe-me dos detalhes. Eu estou… — Papai olha para trás e para
frente entre nós, engole — …indo embora agora.
Papai recua, fechando a porta atrás de si.
Merda.
Reid e eu sentamos ombro a ombro, em silêncio, fervendo de
vergonha. Reid teme que meu pai o odeie agora e ele pare de ensiná-
lo. Eu o acalmo porque isso é impossível. Papai está temporariamente
traumatizado, claro. Eu gostaria que meus pais me avisassem que eles
voltariam para casa esta noite? Claro. Mas o mais importante é...
— Quanto tempo até meus pais saberem? — Reid pergunta.
Eu suspiro.
— Eu acho que eles já sabem.
— Ugh. — As bochechas de Reid estão tão vermelhas que parecem
quase roxas. Não tenho certeza se elas vão voltar a um tom normal. Ele
fecha o zíper do moletom e pega as chaves da mesinha de canto. — Eu
só vou, tipo, ir para casa e fingir que os últimos dez minutos nunca
aconteceram?
— É — digo. — O antes, entretanto? Muito bom.
Reid sorri.
— Sim. Muito bom.
Reid me beija mais uma vez e sai pela porta lateral. Eu me enrolo no
sofá do porão, assistindo meus episódios favoritos de Parks and Rec até
ter certeza de que meus pais estão dormindo. Não quero falar sobre o
que isso significa. O rosto do papai, vendo Reid e eu parcialmente
vestidos em seu sofá, gritou, Merda, queria que eles ainda se odiassem,
meu Deus, era melhor assim!
Não sei como Reid e eu estaremos depois que o musical acabar.
Não sei o que o veredito do comitê escolar vai fazer conosco.
Eu sei, entretanto, que quando eu não desperdiço tanta energia
tentando me convencer de que eu odeio Reid – eu gosto dele. Bastante.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS

O destino no Albany Institute do Reid está em minhas mãos.


Estou segurando um grande envelope endereçado a Reid, selado
com um elegante adesivo em relevo. Lá dentro está a resposta para saber
se Reid foi aceito para fazer a audição pessoalmente. Ele me pediu para
ficar atenta à carta, já que seus pais nem sabem que ele se inscreveu e o
Albany Institute é arcaico em sua dedicação do envio de notícias pelo
correio.
Reid ficou tão entusiasmado com “Melted” que não mencionou
muito o Albany Institute. Toda vez que eu toco no assunto, ele dá de
ombros. Então ele me beija e eu esqueço do que estávamos
conversando. Está ficando mais... normal, nós namorando. Na semana
passada, em um grande ensaio, postei no Instagram uma foto casual
que Fitz tirou de Reid e eu rindo entre as cenas e Molly perdeu a
cabeça. Então, em relação ao nosso status, acho que somos postar-
fotos-juntos-no-Instagram oficiais. Além disso, existem regras agora,
para quando Reid vem em casa. O principal? Nada mais de portas
fechadas.
Eu disse ao meu pai que só aconteceu porque pensamos que não
havia ninguém em casa, mas ele apenas tapou os ouvidos, la la la. Reid
me disse que meu pai tentou ter A conversa com ele antes da aula de
segunda-feira de manhã e foram de longe os piores cinco minutos de
sua vida.
— Ele me perguntou quais são minhas intenções. Então perguntou
se eu precisava de preservativos. E eu morri.
— Ele não fez isso — disse. Estávamos assistindo a um filme no meu
porão, tipo, realmente assistindo porque, você sabe, a política de portas
abertas e tudo mais.
Reid arqueou uma sobrancelha.
— Porque aparentemente estamos tendo, você sabe, muito sexo.
Eu joguei pipoca nele.
— Obviamente.
Reid riu e beijou a ponta do meu nariz. E foi então que descobri que
somos ambos virgens – o que é de alguma forma surpreendente, mas
não. Eu não sei, não é como se eu tivesse pensado muito sobre a vida
sexual de Reid até que eu considerei isso. Mas depois que nos beijamos
pela primeira vez, presumi que ele era mais experiente. Acampamento
da banda e tudo mais. Ele riu alto quando eu perguntei diretamente.
Então, na realidade, meus pais construíram muito caso por nada em
suas cabeças. Sim, Reid e eu temos sessões de amasso superquentes no
meu porão, no carro dele e em praticamente qualquer lugar onde
possamos estar sozinhos. Não, não progrediu além disso. Não é por
falta de vontade, pelo menos da minha parte. Às vezes fico tão perdida
em beijar Reid que sou eu quem está ultrapassando os limites. Ontem
à noite, Reid desabotoou meu sutiã pela primeira vez no banco de trás
de seu carro, mas não antes de perguntar: Tudo bem? Eu balancei a
cabeça e o beijei, porque consentimento é sexy. Reid está sempre
checando assim e é meio adorável.
Mas ele também é sempre o primeiro a se afastar.
Antes de me perder naquela memória novamente, coloco o
envelope em minha mão. É grande, do tipo carta de aceitação grande, e
estou morrendo de vontade de saber.
Não devo abrir o correio do Reid.
Absolutamente não.
Abro o correio de Reid.
Tirando com cuidado o adesivo dourado, abro o envelope lenta e
meticulosamente, para poder colar novamente o selo. Reid está em um
ensaio para as Distritais – um festival regional apenas para quem faz
audições – e ele vem hoje à noite, mas mal posso esperar até a
noite. Estou muito animada e preciso saber.
Tiro a carta do envelope. Começa com Parabéns, e eu levanto meu
punho no ar porque Reid conseguiu isso, nós conseguimos. O convite
para a audição é personalizado, observando a força única da parte de
composição da inscrição do Reid. A parte de “Melted”. E estou tão
feliz por Reid que quero ligar para ele e gritar, mas não posso porque
ele está em um ensaio fechado. Ele também provavelmente não
adoraria que eu abrisse sua correspondência antes dele. Mas ele vai me
perdoar, com certeza. Porque Reid entrou. Bem, ok, ele conseguiu
uma audição. Mas ele vai entrar. Ele é…
Meus olhos param na última linha da carta.

Seu horário de audição é sábado, 6 de fevereiro às 15h30. Confirme até


quarta-feira, 20 de janeiro.

Estou confusa. Tão confusa.


Porque o dia 6 de fevereiro é o dia de “Melted”. Reid não escolheria
uma vaga de audição naquele fim de semana.
Isso deve ser um engano.
A menos que seja o único fim de semana.
Pego meu telefone do bolso de trás e procuro no Google o
calendário de audições do Albany Institute.
Está em negrito na página inicial:

ALBANY, NY, AUDIÇÕES: 6 a 7 DE FEVEREIRO


Eu clico no FAQ.

Os horários serão enviados aos alunos aceitos. Com base


no volume de audições, não podemos atender a solicitações
individuais.
Não.
Mas Reid assumiu o papel de Moritz, sabendo que não temos um
substituto. Ele disse que faria isso. Ele se comprometeu com o show,
um compromisso de atuar e entregar uma performance, de ser mais do
que meu co-diretor. Ele tem cumprido. Os ensaios estão em alta. Reid
acerta cada cena. Reid ouve minhas direções. Mas por que, se ele estava
totalmente preparado para ferrar com esse show, o nosso show?
Agora faz sentido. Sua hesitação antes de concordar em ser o
Moritz. A evasão toda vez que tentava falar sobre o Albany
Institute. Eu perguntei a ele, explicitamente, quando seriam as
audições presenciais. Ele disse, eu não sei. Por que ele diria isso, a menos
que soubesse que, se fizesse um teste, haveria conflito com Melted? Ele
sabia! Ele sabia e não se importava. Ele não...
Meu telefone vibra.

Reid Callahan
e intervalo! alguma correspondência hoje?
15h22
Eu ignoro porque meus pensamentos estão espiralando.
E eles chegam a isto: Reid nunca se importou
se “Melted” acontecesse. Ele usou minha peça como uma musa para
criar boa música, música incrível para sua audição em Albany. Eu o
ajudei a chegar aqui. Ele agia como se se importasse com algo diferente
do clarinete, mas ele estava apenas... usando a mim e a “Melted”. Mas...
estou presa na participação da banda, os riscos musicais, meu pai. Tudo
isso não significa nada para Reid? Enquanto ele se prepara para o
sucesso musical?
Penso em Reid e Madeline, sem me importar que ele tenha
arruinado nossa amizade no processo. Papai dizendo a Reid que
sempre há o próximo ano, mesmo que isso significasse me
derrubar. Todas essas memórias enterradas ressurgem e–
Eu sou tão estúpida.
E agora – e quanto a “Melted” ? O show é em três semanas! Os
ingressos já estão à venda! É tarde demais para fazer qualquer coisa,
exceto deixar Reid nos arruinar.
Lágrimas brotam dos meus olhos e merda, odeio o quanto isso dói.
Eu odeio ter dado a ele a habilidade de me machucar.
Eu rasgo a carta ao meio.
Rasgo as metades ao meio.
Coloco os pedaços do futuro de Reid de volta em seu envelope. Em
seguida, rasgo o envelope ao meio por precaução. Eu corro escada
acima para o meu quarto, pegando os pedaços do futuro de Reid e
enterrando-os no fundo da gaveta da minha mesa, onde Reid nunca os
encontrará.
Só então eu mando uma mensagem de volta.

não
14h27
Eu trabalhei muito neste musical.
Todo o futuro das artes na LHS depende desse musical.
Reid iria abandonar “Melted” para esta audição. Eu sei que ele
faria. É uma vaga em um dos programas de verão mais prestigiados. Sua
inscrição no conservatório de Albany em seu currículo seria uma
chave. Seria uma escolha básica.
Como eu poderia pensar que Reid e eu poderíamos ser mais do que
os rivais que sempre fomos? Eu conhecia as regras e as ignorei porque
pensei que poderíamos mudar. Mas aparentemente nada mudou em
nós.
Então, a trégua acabou. E desta vez estou dando o primeiro passo.
O destino do Albany Institute de Reid está em minhas mãos.
Eu também tenho a habilidade de machucá-lo.
Qualquer Coisa menos Música

Acontece que minha amizade com Madeline Park não passou de um


breve interlúdio.
No final da sétima série, Madeline e sua família mudaram-se para
Wichita.
Ela e Reid terminaram em um rompimento mútuo sem drama uma
semana antes de sua partida.
Ela e eu terminamos sem nos despedir, sem consertar nada.
Na tarde de verão em que o caminhão de mudança partiu, coloquei
meu clarinete no chão depois de um ensaio solo no quarto e desci as
escadas – extremamente emocionada – para encontrar Reid, na
cozinha, fazendo um sundae épico. Sorvete de menta com calda de
chocolate, com mais chantilly do que sorvete e duas cerejas
marrasquino por cima. Talvez não seja épico para os padrões de todos,
mas o sundae perfeito para ser consumido por Natalie Jacobson. Duas
cerejas marrasquino foram a marca registrada de Reid.
— O que você está fazendo? — Eu perguntei.
Reid não me deve um sorvete. Eu seria o primeiro a reivindicá-lo se
ele devesse.
A regra nove era especificamente relacionada à pegadinhas.
Ai meu Deus.
— Foi tudo uma pegadinha — sussurrei. — Eu estava certa.
Reid franziu a testa.
— Não. Isso não é…
Acenei para o sorvete, a prova concreta.
— Regra nove!
Reid fechou o pote de cerejas, o pescoço rosado, mais uma
prova. Uma pegadinha de um ano inteiro só porque eu o havia vencido
na primeira cadeira.
Então me dei conta.
Era verão.
Estaríamos em guerra pela primeira cadeira de novo. Competir com
Reid não me levou a lugar nenhum. Na verdade, meu pai prestava mais
atenção em Reid agora do que antes! Isso não fortaleceu minha
amizade com Madeline. E definitivamente não me fez apaixonar pelo
clarinete.
Passei tantas horas praticando e chorando.
Forçando-me a melhorar um pouco em algo que simplesmente ...
não vinha naturalmente.
Para que?
— Não importa. Estou de saco cheio — disse.
— Saco cheio? — Reid perguntou.
— Do clarinete.
As palavras saíram, mas eu não queria retirá-las porque era a verdade
e me libertou.
— Espera. Você está apenas... desistindo?
Eu esperava que Reid ficasse emocionado. Não foi isso que ele
sempre quis?
Em vez disso, ele estava bravo.
Eu concordei.
— Sim. Você pode ficar com a cadeira. Eu não quero isso.
— Eu não queria desse jeito!
— Eu não quero isso de jeito nenhum. A música, as
pegadinhas, Natalie X Reid ? Eu não posso mais fazer isso. Você
ganhou.
— O que você vai fazer? — Reid perguntou.
— Qualquer coisa, menos música — rebati.
— Não tem que ser…
Eu interrompi Reid. Ele estava tão desesperado para sempre
competir?
— Você pode voltar a ensaiar. Eu odeio isso e ainda sou melhor do
que você.
Eu esperava sarcasmo. Uma réplica sagaz. Uma resposta do Reid.
Em vez disso, ele colocou a tigela de sorvete na minha frente e
minhas palavras o mandaram embora, em silêncio – com uma
expressão em seu rosto que não fazia sentido porque só poderia ser
descrita como "machucada".
Mas o peso do clarinete estava fora dos meus ombros. Eu nunca
seria a primeira escolha do meu pai – e eu tinha ficado tão envolvida na
guerra de pegadinhas que me tornei a pessoa cuja melhor amiga a
abandona sem se despedir. Isso não iria acontecer novamente.
Ainda assim, a imagem do rosto magoado de Reid permaneceu
comigo enquanto eu sentei congelada na mesa da cozinha e assisti meu
sundae derreter em sopa de gotas de menta, duas cerejas marrasquino
típicas do Reid flutuando em cima.
Sem o clarinete, eu estava livre da pressão constante para alcançar
Reid.
E me senti aliviada.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO

Eu não conto a ninguém o que eu fiz. Não até que seja tarde demais
para consertar.
A semana entre saber a verdade sobre o que Reid fez e o prazo de
confirmação para a audição do Albany Institute é gasta dobrando em
todas as coisas sobre “Melted”. Estamos a poucas semanas da noite de
estreia e tudo começa a entrar em foco. Tenho estado tão distraída com
todas as coisas do Reid. Não mais. Henry e eu somos co-diretores
novamente e quando Reid pede para sairmos após os ensaios, eu dou
desculpas. Estou exausta. Eu tenho muito dever de casa. Temos um
longo dia amanhã. É hora de focar. Tudo isso é verdade – mas
tem sido verdade. Isso nunca impediu Reid e eu de nos demorarmos
depois dos ensaios.
Cada vez que olho para ele, vejo quem ele realmente é e o que ele
faria conosco. Mas então eu vou assistir ele roubar a cena, tão focado
em “Melted”. Ou há um chai esperando por mim na mesa da cozinha
nas manhãs em que ele tem aulas de clarinete. E fica difícil reconciliar
novamente.
Eu tenho que dar crédito a ele, ele é um ator melhor do que eu jamais
poderia imaginar.
Mas não posso confrontá-lo sobre isso até que a data de vencimento
passe.
Na quarta-feira, Makayla pede a Cherish para trazer sua câmera
DSLR para o ensaio durante as provas de figurino e elas fazem uma
sessão de fotos de Danica e Emerson na frente de uma tela
verde. Cherish e o clube de fotografia criarão panfletos com um cenário
ilustrado de Infernodelle que comercializa a parceria de “Melted” com
o The Sunshine Project.
Quanto mais perto chegamos da noite de estreia, mais clubes
participam, e é muito bom.
Como uma verdadeira vitrine de por que todos os nossos clubes são
importantes.
Enquanto Cherish se afasta, Reid se aproxima de mim em um colete
dourado metálico e jeans cinza. Os encaixes estão demorando muito
mais do que deveriam. Vale a pena porque Fitz é uma designer incrível,
mas significa que Reid tem tempo para vir falar comigo.
— Ei. — Reid se senta ao meu lado na ala direita do palco, nossos
pés balançando para o lado. — Nós estamos bem?
Não.
— Hmm?
Reid coça o cotovelo.
— Você está agindo estranho.
Porque você é um mentiroso manipulador e quero tanto beijar seu
rosto, mas não posso, porque você provou de uma vez por todas que é
o pior.
— Estou bem. — Eu passo meus dedos pelo meu cabelo. —
Estressada. Está tudo tão perto, sabe?
Reid acena com a cabeça e olha para mim.
— Eu não entrei em Albany.
Minha respiração fica presa na minha garganta.
— O quê?
Reid dá de ombros, mordendo o lábio inferior.
— Eles nunca me contataram para uma audição. Eles deveriam ter
feito isso agora. O que significa que não recebi uma.
— Isso é estúpido da parte deles. — Minha voz é quase um sussurro.
— Seja o que for — Reid diz. — Eu sabia que era um tiro no
escuro. Candidatam-se músicos de todo o país. A maioria está tendo
aulas particulares sofisticadas desde que começou a andar. Eu não
sei. Eu me senti muito bem com a audição quando a enviamos, mas
acho que não sou suficiente para Albany.
Você é. Eu cravo minhas unhas em minhas palmas porque não
deveria me sentir culpada.
E ainda assim–
— Sinto muito, Reid — digo.
— Eu queria que você soubesse. Eu pensei que talvez eu guardando
isso para mim fosse o motivo de estarmos mal.
— É apenas coisas de “Melted”. Eu juro — digo.
Reid acena com a cabeça.
— Bem, estou aqui se precisar de mim.
Fitz, terminada com a sessão de fotos, chama Reid para fazer mais
medições e Reid salta para fora do palco com as mãos, seus pés
pousando no chão com um baque suave. Reid sabe que algo está
errado. Apesar de tudo, quase tenho vontade de contar a ele antes que
seja tarde demais. Não consigo separar que sei o quanto ele quer isso. O
quanto eu queria isso para ele antes de saber a verdade. Mas também sei
que preciso que “Melted” aconteça, e foi ele quem escondeu isso de
mim. Ele começou os segredos. Dizer a verdade a Reid significa
sacrificar “Melted”. E eu não posso, não vou.
Eu não digo.

Naquela noite, Henry me leva para casa depois do ensaio, com um pit
stop muito necessário em Chao Down para o jantar. O ano novo nos
redefiniu, eu acho. Henry tem sido tranquilo nos ensaios e somos uma
ótima equipe, co-direcionando as partes não musicais de “Melted”.
— Eu senti falta disso — Henry diz, ecoando meus próprios
pensamentos.
— Eu também — eu digo.
Mas eu não consigo não ver o rosto de Reid no ensaio, a forma como
sua expressão murcha quando ele me disse que não conseguiu um
teste. Não consigo parar de pensar, sim, você conseguiu, porque você é
brilhante, ok? Não consigo parar de pensar que ele não sabe por minha
causa.
— O quê? — Henry pergunta.
A expressão em seu rosto muda para preocupação genuína.
— Natalie. O que está errado?
E porque é o que fazemos, conto tudo a Henry, a verdade
escorrendo dos meus lábios antes que eu possa retirá-la. Eu, Natalie
Jacobson, tenho o sonho de Reid escondido em pedaços no fundo da
gaveta da minha mesa. Eu, Natalie Jacobson, arruinei o garoto que
odeio antes que ele pudesse me arruinar. Porque eu, Natalie Jacobson,
acho que o garoto que odeio pode acidentalmente ter se tornado o
garoto que amo, embora isso nunca dará certo, porque ele sempre
amará mais música.
Henry pisca.
— Você tem que dizer a ele.
— Mas “Melted”.
— O Albany Institute não é brincadeira. Tio Joey já tem Kelli
trabalhando em sua inscrição. Ela é uma caloura! Callahan não tem
treinamento clássico além das aulas de banda da escola pública e seu pai
e – ok, sim, seu pai é muito bom – mas as probabilidades estavam
contra ele desde o início, e ele tem uma chance. Você não pode tirar isso
dele.
Eu engulo, indignada.
— Você tem que admitir que é errado ele ter aceito ser o Moritz,
sabendo que sua audição será no fim de semana de “Melted”. E ele tem
um histórico.
Henry balança a cabeça.
— Eu tenho que acreditar que há uma explicação.
— A explicação: Dane-se Natalie — digo. — É Madeline Park de
novo.
— Ok. No espírito de me comunicar melhor, eu, pelo menos, nunca
acreditei que fosse uma brincadeira. E mesmo que fosse... isso foi
besteira da sétima série. Reid está tão afim de você agora, Nat. — A
expressão de Henry se suaviza. — Eu sou sua pessoa, certo? Você
realmente acha que eu não te contaria se achasse que Reid estava
brincando com você?
Eu olho para o chão.
— Não.
— Você precisa falar com ele — diz Henry.
Eu pego meu telefone da minha mochila. Tenho três chamadas
perdidas. Do Reid. E outra aparece.
— Ei, Reid. Eu estou…
— Natalie? Posso passar por aí? É importante.
Reid... não soa como Reid.
— Está tudo bem? — Eu pergunto.
— Não sei — diz Reid. — Está?
O desafio em sua voz me pega desprevenida.
— Sim. Estou em Chao Down com Henry. Estarei em casa em dez
minutos.
Reid tosse.
— Esquece. Apenas me diga onde está minha carta do Albany
Institute. Eu preciso dela.
Quase deixo cair o telefone, minha mão está tremendo tanto.
— Na minha mesa. Gaveta. Eu…
A linha corta antes de eu terminar minha frase.

Eu esperava que ele tivesse ido embora, mas Reid ainda está na minha
casa quando Henry me deixa.
Toda a conversa para quando eu entro na sala de estar. Os olhos de
Reid estão grudados em seu laptop, sua digitação frenética. Ele nem
mesmo olha para cima. Os olhos da mamãe estão estreitos, brilhando
com o brilho da decepção. Delia passa por mim em seu caminho escada
acima, resmungando não é legal sob sua respiração. Papai, entretanto,
está em outro nível. Seus braços estão cruzados e eu não posso olhar
para ele agora.
— Oi — eu digo para o chão.
O rosto do papai está tão vermelho que a veia acima de sua
sobrancelha aparece.
— Isso é tudo o que você tem a dizer agora?
— Eu sei que isso é ruim.
— Você sabe? — Papai pergunta. — Eu não acho que você
entendeu. O Albany Institute não é um acampamento de verão. Não é
apenas para se divertir. É um dos programas pré-conservatórios mais
competitivos do país. Você sabe como é difícil fazer uma audição? Dez
por cento. Essa é a taxa de aceitação apenas para a audição. Reid
entendeu. Reid trabalhou para isso e está tudo em risco. Por causa
de você.
— Posso apenas… — novas lágrimas começam a cair pelo meu
rosto, merda — … falar com Reid? Sozinha?
— Certo. Estou tão desapontado, Natalie.
Papai se retira pela cozinha e desce para seu estúdio para nos dar
espaço. Mamãe o segue. Eu me enrolo na cadeira ao lado de Reid,
envolvendo meus braços em volta dos meus joelhos. Cada vez que
limpo meus olhos, novas lágrimas caem porque me sinto mal, mas esta
também é a mesma história da minha vida. Papai nem pensa em me
perguntar por quê. Nem pensa que posso não ser a única a trair alguém
nesta situação.
— Eu não vi até depois do ensaio, mas eu tinha uma chamada
perdida de um número com código de área 518. Achei que fosse spam,
mas havia um correio de voz. Do escritório de admissões do Albany
Institute. Ligando porque não receberam minha confirmação, ou o
depósito de cinquenta dólares, e hoje é o último dia para enviá-
lo. Achei que eles deviam estar com o número errado. Não recebi a
carta, então não consegui uma audição. Então, eu não liguei de volta
imediatamente. Mas então eu percebi... eu consegui uma. E você
sabia. Você tinha que saber. — O olhar de Reid ainda está fixo na
tela. — É por isso que você esteve tão distante a semana toda.
Eu aceno porque não consigo formar palavras.
— Isso não é uma pegadinha, Nat. Esta é minha vida. Meu
futuro. Dissemos nas regras, as pegadinhas devem ser engraçadas. Isto
é…
Eu cavo minhas unhas em minha pele.
— Ok. Eu não deveria ter rasgado e escondido a carta. Mas podemos
pelo menos reconhecer que você estava preparado para completamente
deixar eu e todo o elenco pendurado o tempo todo? A pegadinha
final. Você se preocupou com a música porque ela lhe deu um
portfólio. Mas co-direcionar? Expulsar o Toby? Tornar-se Moritz –
você fez tudo isso quando sabia que sua audição seria no mesmo fim de
semana se você tivesse uma. Agora todo mundo está ferrado. Meu
último ano será destruído, e só porque eu não sou um prodígio como
você, não significa que minha arte não importa.
Reid me encara com o olhar mais perplexo em seu rosto.
— Uau.
Minhas unhas deixam marcas na pele das palmas das mãos.
— Há uma parte que eu não entendo. Me machucar é uma coisa –
mas ferrar com a banda é outra completamente diferente. Como você
pode fazer aquilo? Para seus amigos? Para o meu pai. Não é como... eu
disse a você o que ouvi.
Ele fecha seu laptop.
— Em primeiro lugar, não vou nem mesmo dignificar você por
trazer Toby para isso com uma resposta. Em segundo lugar, você
realmente acha que eu colocaria tanto esforço em “Melted” apenas
para abandoná-la? Eu amo esse show. Eu amo o que fizemos. Não
coloque palavras na minha boca ou aja como se eu não me importasse
ou tente me dizer que eu tratei “Melted” – e você – como uma grande
piada. Isso é besteira.
— Se isso for verdade, por que você concordou em ser o Moritz
quando o fim de semana de “Melted” é o único fim de semana de
audições? — Eu o desafio. — Diz diretamente no site, sem solicitações
individuais.
— Porque não é! Há um período de adiamento para atividades
relacionadas à escola. Eu teria enviado um pedido para um adiamento
e feito a audição no fim de semana extra. Agora não posso. Então,
obrigado, Nat. Agora é Albany ou “Melted”. Se eles me derem a vaga
de audição de volta. Quando liguei de volta, ninguém sequer atendeu.
O ar sai correndo de mim.
— Oh. Eu... não sabia disso.
Não é como se o site do Albany Institute dissesse algo sobre
o adiamento da audição. Eu verifiquei o site, mas – eu tirei a pior
conclusão. Eu não pensei.
Eu... não confiei nele.
A risada de Reid é fria.
— Não brinca.
— Mas então por que você não me contou? — Eu pergunto.
— Porque não era um problema! Até que você fez disso um
problema.
— Eu pensei… — Minha voz sumiu. Estou indefesa, mas de repente
estou desesperada para fazê-lo entender. — Ler aquela carta foi como
uma chicotada emocional, ok? No começo eu estava feliz, muito
feliz. Então eu vi a data. Parecia o ponto alto de todas as
pegadinhas. Como se tudo entre nós fosse um grande esquema
também e eu caí nessa. Há, você pensou que poderia se apaixonar por
Reid Callahan? Bem, a piada é sobre você! Eu sinto muito. Eu
realmente não estou defendendo o que fiz. Eu sei que não
posso. Apenas como me senti. Por que meus sentimentos por
você? Eles são reais. Tão reais, Reid, e a ideia de que tudo poderia ter
sido uma mentira? Aquilo me assustou.
Reid pisca para conter as lágrimas, mas quando fala sua voz é fogo.
— A única pessoa que trama esquemas elaborados é você,
Natalie! Sempre foi você. Como com o clarinete. Você fez de tudo uma
competição. Você arruinou sua amizade com Madeline. Você desistiu.
— Porque nunca foi sobre o clarinete! — As palavras explodiram de
mim, de um lugar onde estiveram escondidas por muito tempo. — O
clarinete era a única maneira de me encaixar no mundo do meu
pai. Mas então você apareceu com sua técnica e paixão perfeitas e meu
pai escolheu você. Cada. Vez.
Nunca ouvi o silêncio ecoar assim.
Reid finalmente fala.
— Seus problemas com seu pai não são minha culpa.
E essas palavras me quebram.
Porque ele não está errado.
Minha vida toda, estive com raiva da pessoa errada.
Reid aperta a ponte do nariz e dá um passo para trás.
— O que seja. Eu só... não posso continuar falando sobre você
agora. Eu preciso ir e, tipo, descobrir como vou implorar pela minha
audição de volta.
— Nós vamos descobrir — digo, pegando sua mão, mas ele se
esquiva. De mim.
— Eu vou descobrir.
Reid sai da cena e me ocorre que se alguém
arruinou “Melted”, nos arruinou – fui eu.
CAPÍTULO VINTE E CINCO

Reid não aparece para o ensaio na segunda-feira.


Quando ele vem para as aulas, ele entra e sai pela porta do
estúdio. Nada de ovos mexidos queimados antes da escola, nada de chai
esperando na mesa, nada de mensagens de texto divertidas – nada. Na
escola, passamos por uma aula de laboratório de química inteira com
um bico de Bunsen em silêncio.
A presença de Reid tem sido uma constante na minha vida que
sempre desejei que fosse embora.
Bem. Ele foi.
Agora eu sinto falta dele.
E também. O que vamos fazer sobre “Melted”?
Hoje, Emerson e Danica estão com microfones pela primeira
vez. Arjun está na cabine de som, sua voz no meu ouvido se
desculpando sempre que há um feedback. Não é culpa dele – esses
microfones provavelmente vieram com a escola quando ela foi
construída. Mesmo quando a LHS tinha um orçamento para as artes,
nunca foi necessário atualizar a tecnologia. Isso me faz querer marchar
até o escritório da Sra. Mulaney e exigir saber pelo que estamos
lutando. Isso me faz perguntar se tudo isso valeu a pena.
Mas então Emerson assume o centro do palco, com figurino e recita
as linhas que Henry e eu escrevemos, as palavras pelas quais passamos
um verão agonizando – e sim. O que criamos importa. Sento-me na
segunda fila e coloco o volume no mínimo no meu fone de ouvido,
absorvendo tudo. Haverá apenas alguns momentos como este. Se
falharmos, minha breve passagem como Natalie Jacobson, estudante
roteirista e diretora, será nessas curtas semanas. Se tivermos sucesso
terei pelo menos mais um ano, mas mesmo assim não é muito mais.
E qualquer pensamento de sucesso explodiu com a pausa estranha
que é a primeira entrada de Moritz.
Pisco de volta à realidade, recitando versos que sei de cor na minha
cadeira. Isso confunde Danica e Emerson, que olham para mim em vez
do espaço vazio no palco onde Reid deveria estar. E sem ele na metade
do caminho, as marcações de espaço estão totalmente erradas. Elas
acabam refletindo os movimentos uma da outra, quase esbarrando
uma na outra duas vezes e, de verdade, esbarrando uma na outra na
terceira vez, enviando o grito de feedback pelo auditório.
Fitz desaba na cadeira ao meu lado.
— Os meus ouvidos. Foram assassinados. Você é uma assassina de
ouvidos.
Meus dedos tocam o apoio de braço.
— Emerson atingiu a nota alta, pelo menos.
— Sim. Isso gatilhou esses pobres microfones senis. Obrigada.
— Fitz puxa as pontas do cabelo dela. — Assassinos de ouvidos!
Eu viro minha cabeça em direção ao palco.
— O que ela quer dizer é “bom trabalho”.
Emerson sorri seu sorriso-de-afirmação-de-inocente-caloura-
prosperando-entre-veteranos.
Henry sussurra “assassinos de ouvidos” em meu ouvido. Ele está nos
bastidores ajudando a equipe a montar o cenário, usando um fone de
ouvido combinando.
— Podemos passar “For the Last Time Ever” mais uma vez? Da
entrada de Moritz.
Danica cruza os braços, as bordas de sua boca torcidas em uma
carranca.
— Certo. Quer dizer, se ao menos houvesse um Moritz. Para, você
sabe, entrar.
— Eu sei, ok? — estouro.
— Então qual é o plano? — ela desafia.
— Estamos dando espaço a ele e esperamos que ele volte. — Eu
digo.
É um plano de merda.
Reid ligou para o Albany Institute onze vezes, de acordo com Delia.
Foi direto para o correio de voz todas as vezes, de acordo com papai.
E-mails? Sem resposta.
O silêncio de Reid é tão alto que consome todos os meus
pensamentos não relacionados a “Melted”. Em casa, procuro motivos
para descer e interromper as aulas, mas não consigo. À noite, meu
telefone brilha com as mensagens que enviamos, meus olhos ardendo
enquanto eu volto até o passado – flertando com emojis, fazendo
planos para o fim de semana, enviando links para as melhores
performances da Broadway. Se for uma noite muito ruim, vou ainda
mais longe, para antes de antes e a tranquilidade das nossas
brincadeiras, a esperteza das nossas piadas, a evidência de que talvez eu
nunca tenha o odiado, não de verdade. Mas eu gostaria de ainda pensar
que sim. Eu gostaria de ainda ficar ressentida com seu talento, seu
relacionamento com meu pai, seu rosto.
Eu gostaria de ter um motivo para odiá-lo, agora que ele tem um
motivo para me odiar.
— Vamos, pessoal — papai diz, sua voz clara e autoritária do fosso
da orquestra. — Henry, você pode ficar em pé?
Depois de outra execução um pouco menos acidentada, eu concluo
o ensaio, encurtando-o em uma hora.
— Eu acho que ele vai voltar — Henry diz, sua voz baixa em meus
ouvidos.
Talvez para “Melted”. Mas não para mim.
O futuro das artes na LHS estar nas mãos de Reid uma vez teria sido
meu pesadelo, mas se ele vai deixar tudo queimar até o chão, eu não
posso nem ficar brava porque, na verdade, fui eu que acendi tudo em
chamas.

— Reid disse para parar de mandar mensagens para ele — Delia diz,
caindo na minha cama de barriga para cima.
Estou percorrendo a página inicial do site do Albany Institute,
anotando todos os e-mails e números de telefone. Comunicação por
meio das irmãs não é nada que não tenhamos feito antes. Exceto que
dessa vez não se trata de rivalidade infantil e pegadinhas estúpidas e de
sermos teimosos demais para falar com a outra pessoa primeiro. Isso é
severo.
— Estou apenas tentando descobrir com quem no Albany Institute
Reid já entrou em contato.
Já que ele não vai responder, estou enviando um e-mail para todos
com um endereço @albanyinstitute.edu. Anexei as peças de audição do
Reid, que consegui roubar com um pen drive do computador do
estúdio do papai. Alguém vai abrir o e-mail. Alguém saberá que
Reid tem que fazer um teste. Alguém terá misericórdia do meu coração
estúpido e lhe dará uma segunda chance.
— Hannah disse que vocês não durariam um mês. Eu odeio que ela
estava certa.
— Eu também — eu digo.
— Reid deveria ter tido a chance de escolher — Delia diz. —
Conserte isso.
— Estou tentando.
Ela se levanta.
— Bem, talvez não mande mensagens para ele a menos que você
consiga.
Delia joga chiclete na minha cara e desaparece de volta para seu
quarto.
Eu me sinto a pior diretora do mundo. “Diretor” é uma palavra
chique para solucionador de problemas. “Melted” foi um tipo especial
de desastre do início à execução – mas mesmo as melhores produções
têm obstáculos. Um bom diretor – um grande diretor – não tem medo
de que algo dê errado. Isso é inevitável. Algo vai dar errado. Um bom
diretor está preparado para consertar. Eu deveria ter sido assim desde o
início.
Não sei se consertar o problema de Reid resolverá nosso problema
maior.
Ainda assim, eu sei que eu não sou uma diretora que leva não como
resposta. Se eu posso fazer um musical existir, um musical que deveria
ser uma peça, uma peça que foi derrubada antes mesmo de ter uma
chance – eu posso conseguir a audição de Reid de volta. Reid acreditou
em mim uma vez. Eu tenho que acreditar agora.
Ele fará sua audição, encontraremos um substituto de alguma forma
para “Melted” e... talvez ele ainda me odeie para sempre.
Mas vou saber que não perdi a chance dele naquilo que tenho muito
medo de tentar.
Eu clico na página do diretório dos professores e leio a biografia de
cada membro até que minhas pálpebras pesem, procurando por algo
útil, qualquer coisa que possa–

Jennifer Nelson, Professora de Clarinete


Alma Mater: Berklee College of Music '95
Grito pelo meu pai duas vezes em um volume que provavelmente
acorda a rua inteira. A adrenalina bombeia em minhas veias, e meu
coração está alto, tão alto em meus ouvidos. Clico na biografia
estendida, que inclui a lista de honras de Jennifer Nelson e uma
declaração pessoal na qual ela declara como está emocionada por seu
primeiro ano como docente do Instituto de Verão.
— Pai — chamo pela terceira vez.
Minha porta se abre.
— É melhor que seja bom, Natalie.
Ele nem mesmo tenta esconder o aborrecimento em sua voz. No
decorrer de cinco dias, nosso relacionamento evoluiu além da agressão
passiva para um silêncio opressor. Eu esperava um confronto. Uma
punição. Mas a mamãe diz que ele nem sabe o que dizer. Como eu
pude ter feito tal coisa. Ela também não entende. Eu quero dizer que
trabalhei muito no “Melted” pelo papai. Por causa do papai. Mas eu sei
que isso não será suficiente.
Eu pressiono minhas palmas em minhas coxas.
— Eu tenho uma pergunta.
Papai se encosta no batente da porta, cruzando os braços sobre o
peito.
— Não podia esperar até de manhã?
— A Jenny da faculdade é, hum, a Jennifer Nelson? — pergunto.
Os olhos de papai se arregalam. A Jenny em suas histórias é uma
musicista destemida, a garota que rivalizava com meu pai a cada
semestre pelo primeiro lugar nas aulas de clarinete. O clarinete de Jenny
a levou ao redor do mundo, para Viena, Florença, Nice – para todos os
lugares. A última vez que papai soube, ela completou uma residência
na Filarmônica de Nova York.
— Sim. Por quê?
— Vocês ainda estão em contato?
— Quero dizer, já se passaram anos, Nat. Não tenho notícias dela
desde que ela estava em Nova York.
— Você sabia que ela é o mais novo membro do corpo docente do
Albany Institute?
Papai coça a barba.
— Eu não sabia.
— Ela está liderando a seção de sopros para o programa de verão.
— Oh?
— Sim! Então, estou me perguntando se talvez…
Papai me interrompe.
— Eu posso consertar o problema que você criou?
Eu me decepciono.
— Honestamente? Sim.
Papai amolece levemente com a minha admissão.
— Eu vou deixar o número dela na geladeira pela manhã. Você tem
que ser a pessoa a ligar para ela, no entanto.
— Obrigada — eu digo. — Pai?
— Sim?
— Ele está bem?
Papai aperta os lábios.
— Como você pôde fazer isso, Natalie? Seriamente? Eu não... eu
estou tentando entender, estou mesmo. Eu sei que as coisas sempre
foram, hum, complicadas. Mas acho que ele está mais chateado nem
com o que você fez, mas porque você fez.
Eu fecho meu laptop.
— Achei que ele fosse quebrar meu coração. Eu queria quebrar o
dele primeiro.
— Bem, missão cumprida — papai diz, fechando a porta atrás dele
ao sair.

Sete mensagens de voz e cinco e-mails depois, Jenny


Nelson finalmente responde.

Querida Natalie,
Embora lamento que Reid Callahan tenha perdido o prazo
de confirmação, lamento informar que nada pode ser feito. O
instituto acompanha cada candidato antes do prazo, para
garantir que todos tenham sido devidamente notificados. Os
registros indicam que ligamos para Reid. Se abrirmos uma
exceção para um candidato, a integridade de todo o nosso
programa será comprometida.
Reid é bem-vindo para se inscrever no Instituto de Inverso,
um curso intensivo de uma semana em fevereiro. As inscrições
abrem neste verão.
Envie meus cumprimentos ao seu pai. Espero que ele ainda
toque.
Tudo de bom,
Jenny
Depois das 35 rejeições em formulários que recebi de vários
professores do Albany Institute, foi revigorante abrir um e-mail que
começa com Querida Natalie, então eu tinha certeza de que era
isso. Mesmo assim, é uma rejeição.
Os e-mails são tão insensíveis.
Mostro o e-mail a papai no café da manhã, comendo ovos mexidos.
— O que você disse a ela? — Papai pergunta.
— Eu disse a ela que a carta se perdeu.
Papai olha para mim.
— Essa é uma boa maneira de expressar isso.
Esfaqueio ovos frios com o garfo.
— Eu não poderia explicar em uma mensagem de voz. Me
desculpe. Eu tentei.
— Porque não pode ser explicado. Eu nunca vou te entender,
Natalie.
Lá está ele de novo. Não importa o que eu faça ou o quanto estou
tentando. Não importa o quão duro eu trabalhei – nós trabalhamos –
em “Melted”. Não importa mesmo quando eu faço algo certo.
Eu estraguei a audição do Reid. Não consigo consertar. Isso é tudo
que importa para papai.
— Você não pode dizer isso se nem mesmo tentou. Você é tão
fixado no Reid. Sempre. Desde o momento em que ele pegou o
clarinete. Tornou-se uma competição – quem poderia fazer escalas
mais rápido, quem poderia ler uma música melhor, quem seria o
primeiro presidente. Você é um professor. Você viu o potencial de
Reid. Entendo. Mas você nunca me viu lutando para estar à altura. Eu
sinto muito. Eu sei que errei. Entendo. Estava cem por cento
errada. Mas se você quer entender por quê, é porque também estive
obcecada por Reid – minha vida inteira – por causa do clarinete. Por
causa de você.
Uma vida inteira de sentimentos complicados sobre o papai
reverberam nos armários da cozinha.
Meu coração bate forte no meu peito.
Não posso acreditar que disse tudo isso em voz alta. Finalmente.
Papai franze a testa, mas quando fala tudo o que diz é:
— Então você está tentando dizer que é minha culpa? Você nunca
aceita responsabilidade.
Eu balanço minha cabeça. Claro que ele ainda não entendeu. Mas
eu não desisto.
— Isso sou eu assumindo a responsabilidade. Por culpar o Reid
quando na verdade era sempre sobre nós. Perdi tantas horas em um
instrumento que nunca amei porque pensei que era, tipo, a chave para
passar tempo com você. A música veio primeiro. Se eu tocasse música,
também estaria em primeiro lugar. Mas então Reid começou a tocar e
eu não valia mais o seu tempo, mesmo se eu tocasse.
Papai franze a testa.
— É nisso que você acredita? Não seja…
— Dramática? — termino.
— Ridícula. Sério, Natalie. Isso não é justo. — Papai engole. — É
diferente. A música não é um hobby para Reid. É a vida dele. Ele quer
fazer disso sua vida e eu sou o único que quer fazer isso acontecer para
ele. Você não consegue imaginar não ter um sistema de apoio. Sua mãe
e eu deixamos claro que apoiamos tudo o que te faz feliz. Você não sabe
o que é fazer isso sozinho. Você simplesmente não sabe.
Meu lábio inferior treme, mas não vou chorar, não vou.
— Meus pais eram... muito parecidos com Leonard e Rebecca, na
verdade. Pelo menos, quando se tratava de me inscrever na Berklee —
diz papai. Ele raramente fala sobre seus pais, que foram cirurgiões que
faleceram quando eu era muito pequena para me lembrar deles. — A
mesma postura. Você pode fazer música, mas por conta
própria. Mesmo que as intenções sejam boas, dói.
— Você ainda está perdendo o ponto. Você sempre perde o ponto.
Papai franze a testa.
— Ok. Me esclareça. Qual é o ponto?
— É sempre sobre Reid. Mesmo agora, quando Reid conseguir a
audição de volta, pode colocar tudo em risco para nossa família. Eu me
dediquei a tornar “Melted” sério por você, pelo seu trabalho, porque
estava com medo de ter arruinado muito mais do que um show quando
estraguei o Festival da Colheita. Eu sabia o que estava em jogo. E eu sei
que isso é minha culpa no final, mas mesmo com tudo isso em jogo,
Reid é a prioridade! Então eu entendo. Eu nunca serei suficiente para
você.
Papai olha para mim, completamente surpreso.
Faz uma pausa para uma nota inteira.
Então responde.
— Natalie, do que você está falando?
Lágrimas escorrem pelo meu rosto.
— Eu ouvi você e mamãe. Falando em demissões. E como
“Melted” precisava ser perfeito para você manter seu emprego.
A expressão de papai se suaviza.
— Oh. Isso não é... O que quer que você tenha ouvido, não era para
você. Eu estava... sob muita pressão. Mas estamos bem. Meu trabalho
está bem. Pelo menos por enquanto. Mesmo se não estivesse, não é um
problema para você consertar. Mas há um problema para você
consertar. Você jogou fora a chance de Reid.
O silêncio se instala entre nós e a pequena esperança que eu tinha se
esgota. Ninguém quer consertar isso para Reid mais do que eu. Mas
papai voltou a esse ponto depois de tudo que eu disse. Ele nunca vai me
entender. Quando fica claro que não vou responder, papai recorre ao
movimento que conhece melhor.
Sair da cena.
Eu deixo o choque de anos de sentimentos desencadeados se
estabelecer por um momento, mas não é tão ruim quanto eu
esperava. De certa forma, me sinto mais leve. Mesmo assim, deixo de
lado o resto dos meus sentimentos sobre meu pai para processar mais
tarde. Apesar do que ele não entende, papai está certo sobre o
problema de Reid. Eu gostaria que Jenny tivesse ligado. Porque isso
não é um comprometimento da integridade do programa – de forma
alguma. É punir Reid por meu erro. Ela entenderia. Eu sei que ela
entenderia.
Se eu pudesse falar com ela.
Estou de pé e ligo para Henry e Fitz por FaceTime em dois
segundos.
— Ei! — Fitz responde.
Henry boceja.
— O que é…?
— O que vocês acham de Albany? — pergunto.
— Hum. Frio? — Fitz diz.
— Há alguma razão para que vocês precisem estar na escola hoje?
Fitz estala a língua.
— Além de “Melted” e, tipo, a lei... não?
— Vocês poderiam, talvez. Não sei. Ir para Albany. Comigo. Hoje?
Antes de admitir de uma vez por todas que não posso consertar isso,
preciso falar com Jenny Nelson. Eu preciso apresentar meu caso a ela,
pessoalmente. É fácil dizer não a um e-mail. É fácil dizer não quando
você não entende o talento que está perdendo. Ela precisa ouvir
as composições de “Melted” dele. Se ela disser não, ela precisa dizer na
minha cara.
— Faltar aula? — Henry pergunta.
— É o segundo semestre do seu último ano, Hen! O que é mesmo
aula? — Fitz pergunta.
— Um exame de cálculo, um laboratório de física e uma redação de
Hemingway — diz Henry. — Desculpe, ou eu iria.
Quero dizer, o Henry quebrar as regras é sempre difícil, mas eu não
queria não incluí-lo.
— Se sairmos agora, vamos voltar a tempo para o ensaio — digo,
voltando para Fitz.
— Sempre quis ir para Albany, sabe — diz ela. Eu posso ouvir o
sorriso em sua voz.
— Vou atrasar o ensaio — Henry diz.
— Amo vocês dois — digo, desligando o telefone antes que Fitz
mude de ideia.
Ela envia uma mensagem dizendo que vai me buscar em dez
minutos e eu corro escada acima em um redemoinho, reunindo tudo
que preciso para o dia. Fazer as malas agora. Lidar com meus pais e as
consequências de matar aula mais tarde. Quando souberem que parti,
teremos cruzado os limites do estado. São três horas até Albany. Se
tudo correr bem, estaremos de volta no último período.
As chances de isso funcionar são mínimas. Eu sei que são.
As chances de eu ter ainda mais problemas são garantidas.
Mas há uma chance de que isso vai funcionar. Uma pequena
chance, mas uma chance.
E eu estou buscando ela.
CAPÍTULO VINTE E SEIS

Ao que parece, o Albany Institute não é em Albany.


É nesta pequena cidade fora de Albany. Distinção importante. Eu
bato meus dedos contra minhas coxas, staccato. Dou uma olhada no
painel. São quase dez e meia. Eu deveria estar na aula de Química, ao
lado de Reid. Os relatórios do laboratório eram para ser entregues
hoje. Ou são para amanhã? Eu não sei. Prazos que não são relacionados
a “Melted” não ficam mais na minha cabeça – e na minha pressa para
sair esta manhã, deixei minha agenda na mesa da cozinha.
As mensagens dos meus pais começaram há uma hora.

Pai
Por que recebi um e-mail informando que você está ausente?
8h54
Eu vi você sair com Fitz esta manhã. Fitz também está marcada
como ausente.
8h57
Pai Correio de voz
8h58
Pai (2) Correio de voz
9:01

Mãe
Natalie Louise, onde você está? Onde está Fitz? Vocês estão
juntas?
9h04

Pai
Henry não está falando. Reid diz que também não sabe.
9h05

estamos em springfield. no momento.


9h06
um pouco mais de uma hora de distância do albany institute.
9h07
A bolha de digitação do papai desaparece e reaparece por dez
minutos inteiros, eu juro.

Pai
Natalie, entendo que você se sinta mal, mas, por favor, volte
para casa.
9:17

Mãe
Nunca tivemos uma criança fugindo do estado antes. Como
ESSA punição funciona?
9h18

Pai
Tenho certeza de que vamos pensar em algo.
9:19
Eu jogo meu telefone na minha mochila naquele momento porque
eu tinha cumprido meu dever, disse a meus pais onde eu estava e me
servi para um certo castigo. Não preciso vê-los planejar minha punição
em tempo real, muito obrigada.
Fitz pega a saída em direção ao Albany Institute.
— Posso distraí-la com notícias?
— Por favor — eu digo.
— No que diz respeito aos programas de verão… também me
inscrevi! Em Nova Iorque. Não tipo, meio do nada, Nova York,
assim. Em Nova York, Nova York. FIT, especificamente. O Fashion
Institute of Technology.
— Fitz, isso é incrível.
Ela sorri.
— Danica me encorajou a me inscrever! Ela está fazendo um estágio
de verão em um teatro antes de começar na NYU.
— Uau. Isso é sério.
— Seriamente perfeito. Eles têm o programa pré-universitário mais
incrível. E é o teste perfeito para ver o que faculdade em Manhattan
seria. Usei as fantasias de “Melted” para o meu portfólio. Espero que
isso e If the Shoe Fitz sejam suficientes.
— Suas fantasias e plataforma são perfeitas, Fitz. Uau. Eu amo
muito tudo isso para você.
Eu fico quieta por um instante. Todos em minha vida estão tão
confiantes em seu caminho e no que vem por aí. O conservatório do
Reid. Faculdade de moda para Fitz. Faculdade de negócios para
Henry. Todos estão pulando de cabeça não apenas em uma direção,
mas em suas paixões. Eles não têm medo de cair. Falhar.
O GPS de Fitz nos alerta que estamos entrando em não exatamente
Albany. O bairro tem as placas de rua mais bonitas e os gramados
cobertos de neve. Honestamente, é um ataque. Eu esperava por ruas e
cafés e passear pelo shopping center do centro da cidade até encontrar
um lugar para me encher adequadamente de cafeína antes do grande
momento.
— É aqui. Eu acho — Fitz diz, parando no estacionamento de
visitantes, e nós estamos, de fato, aqui. O Albany Institute of the Arts
à nossa frente é este lindo campus. Enquanto Fitz procura um lugar,
fico maravilhada com a fileira de edifícios coloniais holandeses, no
quadrante coberto de neve, com o fato de que os dormitórios têm
nomes de progressões de acordes e os edifícios têm nomes de
compositores. Os alunos passam de um prédio para o outro com
violoncelos nas costas e saxofones no pescoço e eu já posso ver: Reid
aqui. Reid prosperando. Reid pertencendo.
Abro a porta do carro, pronta para começar minha missão:
encontrar Jenny Nelson mesmo sem cafeína.
Mas, uau, Fitz está certa. Albany está frio. Assim que saio do carro,
um vento gelado chicoteia meu cabelo. Enrolo meu cachecol em volta
do pescoço o mais apertado possível.
— Ok. E agora? — Fitz pergunta.
Eu, na verdade, não tenho ideia para onde estou indo. Chegar aqui é
o máximo que alcancei em meu plano.
E, bem, estamos aqui.
— Com licença? — Eu digo, me inserindo no caminho direto de
um cara com cabelo ruivo que passa e cuja caixa de trombone está
pendurada pela alça sobre seu ombro. — Qual é o caminho para os
sopros?
Trombone ergue as sobrancelhas.
— Novas estudantes?
— Possível futura — diz Fitz. — Natalie toca um clarinete feroz.
— Legal. — Trombone sorri. — Os sopros estão em Mozart.
Claro. Ele nos aponta na direção do prédio e estamos a caminho de
Mozart, em direção a Jenny Nelson, em direção à chance de consertar
meu grande erro.

Bato na porta do escritório de Jenny uma, duas, três vezes.


Eu fecho meus olhos e inalo porque é isso. Jenny Nelson não é uma
pessoa fácil de se colocar na frente, deixe-me dizer. Tive de convencer a
recepcionista da recepção de que tinha um horário marcado.
— A primeira reunião de Jenny é às onze — disse a recepcionista.
— Certo. Foi de último minuto. Jenny é uma boa amiga do meu
pai. Ela está me dando um passeio. Eu toco clarinete, como
Jenny. Como meu pai.
A recepcionista tentou ligar para Jenny, e então peguei meu telefone
e disse:
— Tenho o número dela. Viu? Posso ligar para ela, mas ela está me
esperando, então...
Isso rendeu um relutante “ok” e um dedo na direção certa, em
direção à porta com a placa que diz JENNIFER NELSON, MFA.
Giro a maçaneta e abro a porta do escritório de Jenny. É o tipo de
escritório que grita academia de uma forma que me surpreende, com
uma enorme mesa de madeira no centro, paredes de estantes e um
conjunto de duas cadeiras de mogno voltadas para a mesa de Jenny. Seu
cabelo loiro está repartido ao meio, olhos castanhos atrás de óculos de
plástico transparentes, e ela usa um vestido com estampa cereja que eu
juro que vi no ModCloth. Ela não levanta os olhos da tela do
computador.
Eu limpo minha garganta.
— O horário de expediente é amanhã — diz Jenny. Quando ela
levanta os olhos da tela, ela pisca, claramente surpresa. Espero que a
surpresa seja uma vantagem, não outra coisa contra Reid. — Você não
é minha aluna.
Eu balanço minha cabeça.
— Meu pai disse oi.
— Natalie? — Jenny tira os óculos. — Uau, eu não vi você desde –
uau. Aaron está aqui? Adoraria conversar com ele.
Eu balanço minha cabeça.
— Eu vim sozinha. Eu esperava que pudéssemos conversar. Sobre
Reid – Reid Callahan? Ele é o melhor clarinetista que conheço e
trabalhou tanto, e você tem que reconsiderar a retirada do convite para
a audição. Por favor.
A expressão de Jenny é compassiva, mas mais compassiva do que
compreensiva.
— Oh, Natalie. É doce que você veio até aqui por causa do seu
amigo. Mas não posso dar tratamento especial a ninguém, nem mesmo
em nome da filha de um velho amigo.
— Reid não é meu amigo — eu digo.
Jenny fecha seu laptop, suas sobrancelhas arqueando.
— Oh?
Eu me sento e abro o zíper da minha mochila.
— Quem avalia as fitas de audição? Vocês?
Jenny balança a cabeça.
— Um painel de alunos de mestrado. Estarei na sala para as audições
presenciais. Mas não, não estou envolvida nas escolhas iniciais.
— Ok — eu digo. É por isso que ela rejeita tão facilmente. Ela não
ouviu sua peça criativa, como Reid enviou uma orquestração
completa. Se ela ouvir, ela vai entender. Ela terá que devolver a
audição. — Bem, eu acho que você deveria ouvir. Antes de decidir com
certeza.
— Eu realmente… — Ela se levanta, pegando uma pilha de
pastas. — Eu não posso. Isso não só é muito contra as regras, mas
também tenho uma reunião às onze horas. Como eu disse no meu e-
mail, Reid ainda pode se inscrever no programa de inverno. — Jenny
caminha em direção à porta e merda, estou perdendo ela. Ela mantém
a porta aberta, como se esperasse que eu me levantasse e saísse. —
Lamento que ter vindo até aqui tenha sido uma perda de tempo.
Eu não me movo. Eu não consigo me mover.
Jenny vai embora.
Eu a sigo. Ela não pode simplesmente ir embora.
— Espera!
— Eu sei que isso é decepcionante para Reid, mas você precisa ir
embora. Sério, eu não sei como você entrou aqui em primeiro lugar. A
única razão pela qual não estou chamando a segurança, francamente, é
porque você é filha de Aaron.
— É minha culpa! — As palavras saem em uma respiração, as
palavras que eu deveria ter começado. — A carta do Reid não se
perdeu. Meu pai é seu professor. Foi entregue na minha casa e eu
escondi. Eu sou a razão pela qual Reid não confirmou presença. Ele
não sabia que tinha uma audição.
Jenny segura as pastas contra o peito, a boca entreaberta,
esquecendo seu aborrecimento por um segundo.
— Por que você faria isso?
— É uma longa história — eu digo.
Ela olha para o relógio.
— Eu realmente tenho uma reunião às onze. Espere no meu
escritório, ok?
Eu expiro porque ainda não acabou. A chance ainda está viva.
— Oh meu Deus, obrigada!
Jenny balança a cabeça.
— Não me agradeça ainda.
Ela se vai antes que eu possa agradecê-la novamente.

Eu espero.
Envio uma mensagem para a Fitz dizendo que vai demorar um
pouco.
E espero.
Mando uma mensagem para o Henry informando que ele terá que
começar o ensaio esta tarde sem mim.
E espero.
Quase uma hora depois, Jenny retorna com chocolate quente e
croissants.
Quando ela me entrega uma caneca quente, eu... fico confusa.
— Apenas dez por cento dos candidatos passam pela triagem inicial
— diz Jenny, continuando de onde paramos. — Das audições
presenciais, um em cada oito candidatos será aceito. Estou dizendo isso
para enfatizar o quão competitivo é este programa. E mesmo que seu
não amigo Reid Callahan faça uma audição, não é de forma alguma
uma garantia de que ele entrará. Mas acho que você sabe disso.
Eu concordo.
— Então, por favor, me esclareça.
Conto tudo a Jenny e tudo parece tão ridículo quando tento
explicar. Conto a ela como o clarinete sempre colocou Reid e eu em
oposição e as circunstâncias que nos uniram para
fazer “Melted”. Como trabalhar juntos mudou tudo. Como eu pensei
que essa audição iria estragar tudo. Porque não importa o quão
próximos estejamos, a história não pode ser apagada, e eu tirei a pior
conclusão.
Digo a Jenny que não era sobre Reid. Era sobre mim.
— Uau. Ok — Jenny coloca sua caneca vazia em sua mesa. É há
quanto tempo estou falando – vale a pena toda uma experiência de
chocolate quente. — Isso é muito.
Eu expiro.
— Sim.
— Você tem os materiais de audição dele?
Meus olhos se arregalam.
— Sim! — Abro o zíper da minha mochila e tiro meu disco rígido
dela. — Aqui. Está tudo bem aqui.
— Não estou fazendo nenhuma promessa — diz Jenny. — Mas isso
parece ter estado fora do controle de Reid, então vou ouvir.
— Obrigada!
— Sem promessas — Jenny repete, antes de apertar o play.
Ouvir o medley de “Melted” do Reid novamente? Evoca
exatamente o mesmo sentimento que senti na primeira vez que ouvi no
estúdio do papai. É perfeito. Reid entende. Reid me entende. E eu só...
não o entendi. Por muito tempo, quando olhei para Reid, só pude ver
o menino que roubou de mim. Roubou a música, roubou meu pai,
roubou minha melhor amiga. Não importa quantas guerras de
pegadinhas eu iniciei e ganhei, eu nunca poderia pegar de volta tudo
que Reid roubou. Mas isso nunca foi verdade.
Se eu não posso consertar isso, bem, serei eu quem roubou. Um
roubo horrível e imperdoável.
A música desaparece e a expressão de Jenny é perfeitamente neutra,
considerando.
Eu não tenho ideia do que isso significa.
Eu conto e são os vinte e dois segundos mais estressantes da minha
vida.
Mas então sua expressão muda.
— Eu acho que entendo o motivo pelo qual você dirigiu todo esse
caminho. São peças extraordinárias – tanto para alguém de sua idade
quanto para alguém sem treinamento em um conservatório particular.
Extraordinário! Reid é extraordinário!
— Reid pode fazer a audição pessoalmente. O segundo dia está
lotado antes de nossa deliberação, mas podemos encaixá-lo no final do
primeiro dia. 6 de fevereiro. É o melhor que posso fazer.
Eu pulo da minha cadeira e envolvo meus braços em torno de
Jenny.
— Obrigada. Você não sabe o quanto isso significa.
Jenny ri.
— Eu faço. Mal posso esperar para conhecê-lo.
Eu pago a taxa de audição e agradeço a Jenny mais um milhão de
vezes antes de dizermos adeus e estou flutuando porque consegui. Reid
vai fazer uma audição. Ele vai arrasar em sua audição e passar o verão
aqui, morando em Mozart durante o dia e dormindo em Lá Maior, ou
como quer que os dormitórios sejam chamados.
Não sei o que isso significa para a noite de estreia de “Melted”. Eu
sei que não vou desistir desse show, do meu elenco. Chegamos tão
longe, enfrentamos todos os obstáculos. Nós não deveríamos
existir. Mas nós existimos. Eu – junto com Henry e Fitz e todo o elenco
– vou achar uma solução para “Melted”. Eu deveria saber que
poderíamos fazer isso desde o início.
Mas, primeiro, eu tenho um Moritz que estou tão ansiosa para
demitir.
CAPÍTULO VINTE E SETE

Fitz e eu chegamos em casa a tempo para a segunda metade do primeiro


dia da semana técnica de “Melted”.
A expressão do papai é impossível de ler quando entro no
auditório. Então, eu me viro para o palco e fico maravilhada com a cena
à minha frente. Uau, é uma merda que eu tenho que rasgar tudo agora
que está tudo pronto. As fantasias estão prontas. A tecnologia ainda
não entrou em combustão espontânea – nenhum microfone morto ou
luzes apagadas. O conjunto de Makayla e Cherish parece incrível, um
desfiladeiro celestial com esteróides. Cada membro do elenco parece
confortável no palco, transformado em seus
personagens. “Melted” ganhou vida, de verdade.
Até Reid está aqui mesmo, no palco em seu traje de Moritz. Reid
apareceu para “Melted”.
Fitz e eu nos esgueiramos para a última fileira do auditório e é meio
que legal, estar. Assistir “Melted” sem meu fichário de anotações, sem
colocar meu chapéu de diretora. Mesmo que essa sensação seja apenas
por uma cena, até que as luzes se apaguem e os acessórios sejam
reiniciados.
Reid termina a última cena de Moritz, cantando uma reprise de
“Hate Is a Closed Window”. Reid está acertando a atuação
emocional. Ele pode estar – oh meu Deus, ele está chorando! É
perfeito. É devastador.
Ainda mais agora que sei que nunca vai acontecer.
Eu saio pela porta do auditório e corro para os bastidores antes que
a música termine. Reid sai do palco direito, então eu quero estar lá para
interceptá-lo quando ele sair. Eu chego lá enquanto Reid está cantando
as notas finais. Quando ele me vê esperando nos bastidores, ele para por
uma meia batida, quase como se estivesse pensando em sair do palco
em vez disso. Mas sempre o profissional, ele não faz.
— Reid.
Ele continua caminhando.
Eu o sigo pelas portas duplas, para o corredor.
— Reid.
Ele para de andar, mas não se vira.
— Hoje não, Natalie.
— Precisamos conversar — eu digo.
— Eu não quero–
— Sim. Você quer. É importante.
Eu puxo Reid pelo pulso através das portas duplas e viro a esquina
para a sala de aula vazia do meu pai. Ele segue, relutante, mas, quer
dizer, ele tem força para fincar os pés no chão e me parar se ele
realmente quiser. Então, pelo menos parte dele quer vir. Dentro da sala
de aula de papai, acendo a luz, fecho a porta atrás de nós e jogo minha
mochila no chão.
— Natalie, o que você–?
— Você está demitido — eu digo.
Reid pisca.
— O quê?
— Você está demitido — eu repito.
— Não — diz Reid.
— Reid–
— Não. — Suas sobrancelhas se franzem. — Eu sei que não apareci
por um tempo porque eu estava
chateado. Eu ainda estou chateado. Mas estou aqui agora. Estou aqui e
não sou como você. Não vou destruir essa coisa que construímos
porque estou com raiva de você. É uma merda, porque você está
conseguindo exatamente o que queria, não é? É uma pena que eu
queira estar aqui, que eu ainda me importo com esse show, que eu–
— Você está demitido porque estará indo para Albany.
Seus olhos se arregalam.
— Espera. O quê?
— Sábado. Eles podem encaixar você no final do dia. — Estendo
meu telefone para Reid e mostro a ele o e-mail que Jenny Nelson
encaminhou para mim.
Encaminho o e-mail para Reid. Ele contém um aviso de
confirmação com seu número de audição e instruções do dia.
— Está tudo pronto. Aposto que meu pai vai te levar lá e tudo.
Reid não se move para pegar seu telefone.
— E quanto a “Melted”?
— O que tem?
— Quem vai ser Moritz?
— Isso não é problema seu.
Reid balança a cabeça.
— Isso é.
— Estou demitindo você de atuar e isso é o seu problema.
— Ainda é o nosso show — diz ele, em voz baixa. — Você não pode
me despedir.
— Reid, você tem uma audição para o Albany Institute. Pegue. Seja
egoísta.
Reid murmura ughs em suas mãos.
— Isso nunca deveria ser um ultimato.
— Eu sei, e isso é minha culpa. Eu sinto muito. Por estragar
tudo. Não apenas “Melted”. Eu deveria ter dado a você o benefício da
dúvida.
— Bem, nós passamos, o que, uma década brigando um contra o
outro? O ceticismo não é... surpreendente.
— Ainda assim. Esses últimos meses foram diferentes. Eu deveria
saber disso. — Eu me levanto e coloco minha mochila no
ombro. Quero ficar mais do que tudo, tentar fazer com que ele perdoe
tudo e volte para onde estávamos. Mas eu sei que não é justo. Ainda
não. Reid tem sua audição para se concentrar e eu vou descobrir uma
maneira de montar “Melted” e talvez, eventualmente...
— Nat–?
Eu me viro, pressionando minhas costas contra a porta.
— Sim?
Ele mostra o e-mail de confirmação na tela.
— Como?
— Implorando. Implorando muito.
— Você odeia implorar.
Reid sorri, apenas por um milissegundo, mas eu vi, aconteceu.
Eu concordo.
— Eu odeio.
— Eu... tenho uma audição?
Eu aceno novamente.
— Você tem. Não estrague tudo.
Ele dá um passo em minha direção.
— Eu não vou.
— Eu sei. Seja o que for, não sou mais cética em relação a você. De
jeito nenhum.
Reid está tão perto que eu poderia alcançar sua mão e entrelaçar seus
dedos com os meus. Tão perto que eu poderia ficar na ponta dos pés e
pressionar meus lábios nos dele e seríamos Natalie e
Reid novamente. Não Natalie X Reid. Mas não consigo ler sua
expressão.
O momento passa e Reid passa por mim, empurrando a porta
aberta.
— Nunca quis ser cético em relação a você — diz ele, saindo da sala
de aula de papai.
Reid tem uma audição. Ele vai fazer ela. É isso que importa.
Mas não posso deixar de ouvir um tom áspero em sua voz que
diz: Sempre serei cético em relação a você.

No início de nosso próximo ensaio, papai compartilha boas e não boas


notícias.
— Boas notícias primeiro — papai declara. — Os ingressos estão
quase esgotados.
— Mesmo? — Eu pergunto.
Todos, elenco e banda, começam a aplaudir.
— Nunca subestime o poder de uma forte campanha de boca a boca
— diz papai.
Ao que parece, em uma reviravolta excelente e um tanto inesperada,
os professores de ciências adoraram o conceito de “Melted” on e
agarraram-se à frase um apelo ambiental à ação. Todo o departamento
comprou uma seção do auditório e incentivou seus alunos a apoiar seus
colegas de classe, apoiar o The Sunshine Project! – com ingressos grátis
e uma oferta ainda mais atraente: créditos extra. Entre isso, a família da
banda e os fãs aparecendo em massa para seus músicos e o plano de
marketing digital estelar liderado por Makayla e Cherish – nosso
público apareceu!
Meus ombros relaxam.
É como se o universo soubesse que eu só posso lidar com uma coisa
estressante de cada vez.
— A notícia menos boa é que Reid não pode mais atuar como
Moritz... porque ele tem uma audição para o Albany Institute!
Isso não significa nada para o elenco, mas os garotos da banda estão
torcendo.
Depois que a empolgação passa, porém, a realidade se instala.
Precisamos de alguém que possa interpretar Moritz.
— Por que Moritz tem que ser um cara? — Danica pergunta.
— Quero dizer… — Henry diz.
— Gênero é uma construção — diz Fitz, prendendo o cabelo em um
coque.
— Suas canções são escritas para um tenor — diz Reid. — Também
deixaria apenas Kevin como o único cara do elenco principal.
— Isso é relevante? — Kevin pergunta.
— Imagine! Um musical com menos… —
Danica engasga dramaticamente — … homens!
— Que tragédia — sorri Fitz.
Eu mastigo a ponta da borracha de um lápis Ticonderoga.
— Ok. Ponto justo. Mas quem sabe disso bem o suficiente para ser
capaz de interpretá-lo a tempo?
Fitz bate na minha testa. Não é forte, mas ela realmente bate na
minha cabeça como se eu fosse ter um momento de lâmpada e eu... não
tenho.
— Eu! — Fitz diz.
— O quê?
Danica franze a testa.
— Fitz, Moritz canta. Moritz dança.
— Mas menos do que qualquer outra pessoa no show. Apenas duas
músicas! Vou massacrá-las, sem dúvida. Mas estou aqui desde o
início. Eu conheço o papel. Eu posso substituir. Quanto à dança... não
é como se Moritz fosse um dançarino de destaque em qualquer
cena. Está tudo bem. Vou me esconder atrás.
— Nossas opções são limitadas — eu digo.
— Eu não posso cantar, mas vou atuar para caramba em sua cena de
morte — diz Fitz.
— Eu gosto disso — diz Emerson, e me sinto como uma mãe
orgulhosa, observando-a encontrar sua voz.
— Não será um show perfeito — diz Henry. — Mas... nunca
estiveram em primeiro lugar.
— Não é como se o comitê escolar não nos visse dando tudo de nós
— argumenta Danica.
Eu concordo totalmente.
— Todos a favor de Fitz interpretar Moritz? — Eu pergunto.
As mãos de todos voam para o alto e estou ainda mais brava comigo
mesma porque precisei de uma conversa para descobrir isso! Uma
conversa que nunca teria acontecido se eu não tirasse conclusões
precipitadas. Eu inalo para firmar minha respiração trêmula. Um show
impossível tornado possível e impossível de novo é agora possível mais
uma vez – graças à equipe de pessoas, amigos, que amam isso tanto
quanto eu. Achei que fazer um musical de “Melted” iria arruiná-lo,
mas se tornou muito mais do que eu poderia ter sonhado. Então não
vai entrar em combustão porque Fitz vai cantar duas músicas
desafinadas. Duas canções.
Eu não vou deixar.
Acho que é justo que o sucesso de “Melted” exigirá um milagre na
direção.
CAPÍTULO VINTE E OITO

O resto da semana passa como um borrão da transformação de Fitz em


Moritz. Tenho que aceitar que Reid não errou ao remover a Fitz do
musical. Porque ela brilha com cada monólogo que faz, mas não
consegue acompanhar a coreografia de forma alguma. Portanto, temos
que reorganizar a maioria dos números de dança e diminuir a
dificuldade de “Hate Is a Closed Window” para que seja menos dança
e mais ritmo de caminhada. Ainda assim, é divertido ver Danica e Fitz
se apresentando juntas. Ainda melhor que elas não estão interpretando
irmãs.
É uma grande bagunça nesses locais, mas estamos fazendo o melhor
possível.
Quer dizer, é assim que o teatro sempre deveria
ser. Bobo. Divertido. Nós.
Na noite anterior à estreia de “Melted”, estou apavorada da melhor
e pior maneira possível. Espero que o comitê escolar veja o coração
neste show, apesar de nossos ajustes de performance nada
profissionais. Mas não importa o que aconteça amanhã, nós criamos
algo do nada. O “HAVE A HE(ART)” terá seu
momento. Arrecadaremos dinheiro para uma causa importante. O
show vai continuar.
Henry e eu estamos sentados na minha cama, nossas costas
pressionadas contra a parede e os pés balançando na ponta. Henry está
com o laptop aberto para fazer cálculos e – a senioridade não é uma
coisa? Mas Henry está sempre em uma missão, e agora que a Missão:
Inscrições em Faculdades está completa, o novo foco de Henry é
Missão: Conquistar os Testes AP para que ele possa se livrar do
máximo possível de requisitos básicos da faculdade.
Eu deveria estar escrevendo um relatório da aula de laboratório de
titulação que é para segunda-feira, para me antecipar. Mas não consigo
me concentrar em nada. Não entendo como Henry pode ter um
cérebro de cálculo agora, quando “Melted” está a menos de 24 horas de
distância.
— É hora de voltar nossa atenção para Leo e Claire — Henry diz,
fechando os cálculos e se aproximando para que possamos
compartilhar a tela de seu laptop entre nós.
— Sim, por favor. — Passo a Henry uma fatia de pizza.
Henry sempre dorme aqui em casa antes da noite de
estreia. Comemos uma pizza margherita extragrande direto da caixa,
assistimos a Romeu + Julieta de Baz Luhrmann e fazemos nossa lista de
e se – detalhando todas as considerações possíveis para garantir que
nada dê errado amanhã.
E se todos os microfones explodirem? Temos microfones reservas.
E se houver uma catástrofe com os figurinos? Temos alfinetes de
segurança extras para isso.
E se a Danica esquecer seus óculos de sol novamente? Traremos um
sobressalente.
Não há nenhum cenário no qual ainda não tenhamos pensado, mas
examinamos a lista de qualquer maneira.
Quando terminamos, Henry engole.
— É a nossa última noite antes da noite de estreia.
Eu soco seu ombro.
— Estou tentando muito não pensar nisso.
— É, é… — Henry morde sua fatia — esquisito. Mas nós
conseguimos. Está acontecendo. Você fez isso acontecer. É incrível,
Nat. Atrevo-me a dizer, uma digno de uma redação de faculdade.
Eu encolho os ombros.
— Pode ser.
— Vamos. Você ama isso — Henry diz, cutucando meu braço.
Eu expiro.
— É.
Henry pressiona o play em nosso filme de Shakespeare favorito,
exceto que não consigo me concentrar no lindo Leo jovem ou no fato
de que o Paul Rudd não envelhece. Em vez disso, eu estou pensando
sobre como Henry está certo, eu amo isto. A melhor parte deste ano vai
parar depois deste fim de semana. Qual é o sentido de ir para a escola se
não for para eu poder assistir aos ensaios depois? Todos os anos há pelo
menos a peça de primavera pela qual aguardamos, mas não desta vez.
Este ano, “Melted” é tudo o que tenho, e meu peito se contrai com
a ideia de deixá-lo ir. Odeio que Henry esteja certo, Reid esteja certo,
meus pais estejam certos – dirigir, escrever peças de teatro, não é um
hobby. Acho que nunca quis que fosse um hobby.
Eu disse a mim mesma que tinha que ser.
Na primeira série, traçamos os contornos de nossas mãos em um
projetor. Dentro, desenhamos versões maiores, mais fortes e mais
seguras de nós mesmos. A pergunta padrão “O que você quer ser
quando crescer?” foi escrita na parte de cima com a letra de caixa-alta
da Srta. Beckett. O futuro está em suas mãos. Na minha mão estava um
desenho em giz de cera da minha mãe. Ela tinha acabado de me explicar
o que fazia para viver, que conseguia inventar histórias – e lembro-me
de ter pensado que era a coisa mais próxima de magia que já ouvi.
E foi mágica. Até que as palavras pararam.
Esse é o problema da arte, da escrita, da música. A única coisa que
ainda não consigo sacudir. É mágico até que não seja.
Eu pressiono a barra de espaço no laptop de Henry, pausando o
filme antes da cena da varanda.
— Banheiro — eu digo, pondo-me de pé e saindo do meu
quarto. Mas eu passo pelo banheiro, descendo as escadas correndo e
virando à esquerda para o escritório da mamãe. A porta está fechada,
mas a luz está acesa. Eu bato, duas batidas rápidas de meus dedos contra
a madeira oca branca, antes de torcer a maçaneta bronze e enfiar minha
cabeça para dentro.
— Um segundo, Lee — mamãe diz, seus dedos dançando nas teclas.
Eu quase digo não importa, porque me sinto mal interrompendo
seu fluxo. Mas eu fico. Meus lábios pressionam juntos em uma linha
fina, mantendo as palavras dentro até que ela termine. Eu fico com
minhas costas pressionadas contra o batente da porta, observando
mamãe escrever. Ainda é minha visão favorita no mundo, ver mamãe
na zona, absorta em seu trabalho.
Finalmente, mamãe flexiona os dedos e toma um gole de chá da
caneca ao lado dela.
— E aí?
— Você está feliz? — Eu pergunto.
Mamãe pisca.
— Claro que estou feliz, Lee. Que tipo de pergunta é essa?
— Você não publica há cinco anos.
— Verdade.
— Mas... você está feliz.
Mamãe levanta uma sobrancelha.
— Estou escrevendo agora, não estou?
— Sim, mas... eu não sei. Às vezes eu acho que quero tentar uma
carreira no teatro, de verdade. Porque eu não quero que
“Melted” acabe ou o clube de drama não exista. Mas então me lembro
de como é uma crise criativa. E se eu não conseguir sustentá-la? Então
o quê?
Mamãe vai até o futon e dá um tapinha para que eu me sente ao lado
dela.
— Não é fácil. Fico feliz por não ter iludido você fazendo-a pensar
que vai ser fácil. Seu pai e eu certamente tivemos nossos altos e baixos
no caminho para nossos sonhos. Mas as coisas que amamos? Elas estão
sempre em nossas vidas. Mesmo quando é difícil, fazemos com que
funcionem de maneiras que não esperávamos. Seu pai não está em uma
orquestra, mas ele adora o Lincoln Street Blues e ama seus alunos. E
estive em uma crise criativa porque produzi dez livros em nove anos e
isso é simplesmente... não sustentável. — Mamãe ri. — O esgotamento
é real e estou trabalhando nisso. Estou voltando. Não é fácil. Mas não
seja cínica, Lee. Não tenha medo de tentar. A questão é: você ama isso?
— Eu amo isso — eu sussurro.
Então o braço da mamãe envolve meus ombros e ela me puxa para
perto.
— Eu sei.
CAPÍTULO VINTE E NOVE

Delia faz panquecas de manteiga de amendoim com chocolate para o


almoço no dia seguinte, mesmo que não haja nenhuma chance de que
eu consiga comer.
Ela vira as panquecas na grelha como uma profissional, porque é a
única que tem paciência para cozinhar com o papai. Ele sempre fazia
isso no dia de estreia. Ele cozinharia mais do que poderíamos comer, e
todos se sentariam ao redor da mesa, nós quatro mais o Henry,
empurrando as borboletas para longe do estômago porque essas
panquecas são muito boas.
Esta noite, a cortina se abre às sete da noite, dentro de seis horas. A
chamada do elenco – nossa chamada final do elenco – é em
quatro. Estou inquieta, verificando e-mails e checando minhas listas
como se eu pudesse mandar nada dar errado ou conjurar algo para
fazermos além de cruzar os braços e comer panquecas. Não há nada a
fazer, exceto contar as horas, os minutos, os segundos, até estarmos ao
vivo. Estamos mais prontos do que nunca.
Espero que Reid também esteja.
— Finja que essas são as melhores panquecas que você já provou —
diz Delia, servindo-nos à mesa. — Não sou o papai, mas tentei.
— Obrigado, Dee — eu digo. Eu meio que amo Delia muito por
tentar.
Henry já está garfando, apenas parando brevemente para levantar o
polegar para Delia, o que a faz erguer o punho no ar em vitória. Eu
corto uma pequena mordida para não magoar os sentimentos dela e
encharco com xarope de bordo. Mas não estou com fome.
A ausência de papai é tão gritante – mas não posso ficar brava
porque desta vez a ideia é minha. Pelo menos ele é ativo no grupo da
família, enviando fotos esporádicas de Albany. Uma apontando para o
The Egg à distância, o centro de artes cênicas de Albany. Uma selfie
atrevida em frente ao Capitólio, que mais parece uma mansão de
Newport do que um prédio do governo. A última, papai, sorrindo,
saindo com Reid.
Todas elas mostrando papai, em Albany, e não aqui para a noite de
estreia. Eu espero meu estômago fazer aquela coisa que é torcer sempre
que vejo Reid e papai juntos.
Mas isso não acontece.
É essa a sensação de não culpar Reid pelo abismo entre papai e eu?
— Você vai comer isso? — Fitz pergunta, seu rosto pressionado
contra a porta de tela deslizante. Danica está atrás de Fitz, ambas as
mãos na cintura. Delia destrava a porta, garantindo a Fitz que há
panquecas suficientes para todos. Ela esqueceu que papai sempre
divide a receita pela metade. Vamos comer panquecas por dias.
— Você pode ficar com a minha — eu digo, empurrando meu prato
para o assento vazio à minha direita.
Fitz aperta meu ombro enquanto ela passa por mim.
— Ei.
— Ei — eu repito.
— Coma suas panquecas, Natalie — Delia instrui. — Vou fazer um
prato para Fitz.
Coloco meu telefone sobre a mesa, virado para baixo.
— Ok, mãe.
Delia mostra a língua para mim, todos riem, e por um momento as
borboletas se dissipam e tudo está bem.

Você percorreu um longo caminho e não importa o que


aconteça esta noite com o comitê escolar, você deve estar
orgulhosa. Eu estou.
Atenciosamente, Sra. Mulaney.
O e-mail apareceu na minha caixa de entrada uma hora antes do
horário da chamada de elenco. Sério, Sra. Mulaney. É uma mensagem
legal, mas uma forma de nos lembrar que existe uma pressão, como se
ainda não soubéssemos.
— Vocês pensaram que poderiam me chutar para fora do palco!
— Fitz diz enquanto faz a maquiagem. Ela tem quinze minutos para
fazer seus olhos combinarem com seu colete. — Olhe para mim agora!
Eu li para ela o e-mail da Sra. Mulaney.
— Ela não vai abalar você — diz Fitz, aplicando sombra líquida em
sua pálpebra direita. — E também não será nosso último
show. Quando a cortina se fechar em nossa carreira de drama na LHS,
eu vou muito bem ser a protagonista.
— É o que nós merecemos — eu digo.
— Verdadeiramente — Fitz confirma.
— Fitz?
— Hmm?
— Obrigada. Por tudo.
Fitz tira uma foto de nós fazendo caretas idiotas no espelho. Ela sorri
para seu telefone, seus dedos voando sobre as teclas enquanto ela
proclama que está enviando a foto para Reid.
— O quê? Não. Por quê? — Eu pergunto, pegando seu telefone.
Ela golpeia minha mão.
— Se você bagunçar seu cabelo, eu juro.
— Não mande mensagens para Reid — eu digo.
— O quê? Você está gostosa, Natalie. Muito maestra chique. Além
disso, Reid pediu atualizações.
— Ele pediu?
— Sim. Estamos trocando mensagens o dia todo. Estou, tipo, fale
com sua co-diretora. Ele disse que você provavelmente está estressada o
suficiente do jeito que está, o que é justo. O cara conhece você… —O
telefone de Fitz vibra no meio da frase, acendendo-se com quatro novas
mensagens de texto de Reid — e Neid ainda não acabou!
— Vai acabar se você continuar nos chamando assim — eu digo,
mas meu coração está dançando sapateado.
— Eu não escolho o nome do ship. O nome do ship escolhe você.
— Mas, tipo, não.
Fitz pisca para mim.
— De nada. Por tudo.

Vinte minutos depois, o elenco e a equipe de “Melted”, bem como os


alunos de arte que facilitam a vitrine e o leilão beneficente nos
corredores, estão todos reunidos no palco, em um círculo, segurando
as mãos – por que é um teatro de escola, sem um círculo de
energia? Acho que não.
É minha primeira vez liderando. Eu aperto a mão de Henry,
enviando o pulso de energia para a minha direita. Henry aperta a mão
de Emerson, que aperta a de Makayla. Eu sigo o movimento com meus
olhos, observando-o fluir ao redor do círculo até que volte para
Danica. Fitz. Eu.
Todo mundo está em silêncio, o único ruído é o zumbido silencioso
de nossos corações.
— Fale — Fitz tosse, não tão sutilmente.
Eu engulo, desejando que Reid estivesse aqui neste momento.
— Eu… — Minha voz trava na minha garganta. Não chore,
Natalie! Eu digo a mim mesma. Sua composição é perfeita, Natalie! As
lágrimas são para fins emocionais. Nem sequer pense sobre ficar
emocionada até o intervalo. Chore na privacidade da cabine de
som. Ok, então Makayla estará, você sabe, fazendo o seu trabalho na
cabine de som, mas ela vai ignorar suas lágrimas.
— Eu sou tão estúpida e orgulhosa — eu digo. — Todos neste
círculo se levantaram para mostrar ao comitê escolar que a arte é
importante. Todos neste círculo se arriscaram em nossa peça de
paródia transformada em paródia musical para provar que isso importa
– que todas as nossas artes importam. Obrigada por tornar isso possível
e trazê-lo à vida conosco.
Henry aperta minha mão e assume.
— Quando Natalie e eu começamos a escrever juntos, nunca
imaginei que nosso show seria um musical. Mas eu amo esse musical
rebelde como poderia. É meu último show em Lincoln e eu não
poderia pensar em uma maneira melhor de sair. Dêem esta noite tudo
que vocês têm. Eu me recuso a acreditar que o teatro na LHS e todas as
artes terminem com “Melted”.
A mão de Fitz se solta da minha e ela bate palmas, uiva, grita:
— Time “HAVE A HE(ART)”!
Todos repetem:
— Time “HAVE A HE(ART)”!
Depois de tirarmos os gritos e aplausos fora de nossos sistemas, peço
a Makayla e Fitz que abram a casa. Henry e eu espiamos pelas cortinas,
observando a onda de público inundar nosso teatro.
Nunca vi tantos corpos nestas cadeiras de auditório. Cada assento
está ocupado.
Professores de ciências entusiasmados e pais da banda não são
brincadeira. Uau.
Henry ri quando digo isso a ele.
— Sim. Isso é o que “esgotado” significa, Nat.
Mas ouvir é uma coisa. Ver é algo totalmente diferente.
Eu não solto a mão de Henry até a hora de fazer meu caminho para
o fosso da orquestra.
Porque, sem o papai aqui também, não sou apenas uma co-diretora.
É hora de eu dirigir um musical.

O tempo é estranho.
Noventa minutos parecem uma eternidade quando é uma
passagem de ensaio durante a semana técnica. Esta noite, o tempo
voa. Meu coração está tão cheio de ver “Melted” se desdobrar do fosso
da orquestra, que eu nem mesmo tenho tempo para processar meus
nervos sobre conduzir a orquestra ou permitir que eles se
espalhem. Estou arrebatada pela performance de Danica e Emerson,
pela forma como o cenário ganha vida com a iluminação adequada,
pelo pequeno milagre que é zero problemas de áudio. Estou tão
orgulhosa que quase perco a deixa para começar a música “Hate Is a
Closed Window”.
Todos atuam de forma plena, de todo o coração. Cada nota, cada
linha, cada sugestão de iluminação – tudo é perfeitamente
imperfeito. Fitz vai na direção errada, mas continua como se ela
pretendia. Kevin estraga sua primeira fala, mas se recupera
perfeitamente. Arjun perde uma deixa de iluminação, deixando
Emerson no escuro um minuto a mais. Mas a música é cativante. A
rotina de sapateado de “In Winter” é icônica. E a cena da morte de
Moritz é hipnotizante.
O público ruge para a vida quando a música é cortada e as luzes
escurecem.
Então é hora de os outros clubes terem seu momento de brilhar.
Os Trebles realizam um medley de Frozen no palco durante o
intervalo.
Nos corredores, um leilão de arte está ao vivo.
A revista literária “The Melted: Uma Meditação Sobre Ansiedade
Climática” está à venda.
Cada peça tem pelo menos um lance no leilão e a revista se esgota
antes que a cortina volte a abrir.
Não consigo nem processar quanto dinheiro é isso. Para nossos
clubes. Para o The Sunshine Project.
Então eu não o faço. Eu volto ao meu lugar e conduzo.
E antes que eu perceba, é hora da chamada ao palco. A noite toda,
minhas costas estiveram voltadas para o público, focada na
música. Mas agora, enquanto subo no palco para minha reverência, o
holofote se suaviza e eu vejo isso. Todo o lugar está de pé,
aplaudindo. Duas silhuetas até mesmo ficam de lado, com as costas
pressionadas contra a parede de tijolos brancos. Esgotado, mais espaço
para ficar em pé? É basicamente o sonho de todo diretor se tornando
realidade. Penso em como costumávamos encher metade do teatro – e
como, depois desta noite, duvido que algum dia teremos esse problema
novamente. Se tivermos a chance de fazer isso de novo.
Meus olhos se ajustam à luz ofuscante e a multidão recupera suas
feições, incluindo as duas figuras em pé. Mordo meu lábio inferior,
com força, para evitar suspirar audivelmente.
Porque as silhuetas em pé são Reid e meu pai, que têm os maiores
sorrisos em seus rostos. Eu… Reid e papai deveriam ainda estar em
Albany.
No entanto, eles estão aqui.
Reid e papai estão aqui.
Eu já senti a emoção de dirigir uma grande peça. Mas nada nunca
chegou próximo a isso. Estar envolvida em tantas partes diferentes do
processo de escrita criativa, direção, música, é como se um pedaço
gigante do meu coração estivesse incorporado em “Melted” e exposto
para todo mundo ver. E é importante para eles. Isso é propósito. Isso é
magia.
Eu acredito em você. Eu nunca vou esquecer a maneira como Reid
sussurrou essas palavras para mim, tão suavemente, fora da Olive &
Twist naquela noite nevosa de dezembro.
Não consigo tirar o sorriso do meu rosto.
Mal posso esperar para dizer a Reid que também acredito em mim.
CAPÍTULO TRINTA

E assim, a cortina se fecha para “Melted: O Musical”.


Os aplausos diminuem do outro lado da cortina, até que o único
som que resta é a batida dos corações batendo em nossos peitos. Eu
espero pela liberação avassaladora de emoção que a cortina final sempre
desencadeia quando a adrenalina passa. Exceto que não está passando.
Reid está aqui.
Papai está aqui.
— Natalie! Jacobson! — Fitz grita. Meus olhos se abrem enquanto
seus braços me envolvem. — Isso foi incrível.
Henry aparece, à esquerda, o fone de ouvido ao redor do pescoço,
insistindo para entrar no abraço em grupo. E mesmo que eu ainda
tenha que ir encontrar Reid e papai, é aqui que as lágrimas descem, a
sensação esmagadora que não posso ignorar ou engolir. Lágrimas
descem pelo meu rosto, porque, tipo, que sorte eu tenho para ter
Henry e Fitz? As melhores pessoas. Minhas pessoas.
— Minha maquiagem — diz Fitz, brava com as lágrimas escorrendo
pelo rosto.
— O show acabou — Henry diz.
Os ombros de Fitz caem com a decepção de ver sua arte deslizar pelo
meu rosto.
— Mas ainda estaria parecendo ótimo para ir no Chao
Down. Ugh. Presumo que vamos para o Chao Down?
Eu afirmo em meio às lágrimas, porque dumplings nunca soaram
tão bem.
— O sorriso de Reid para você é o mais estúpido — Henry diz.
— Vocês sabiam? — Eu pergunto.
Henry e Fitz balançam a cabeça negativamente. O movimento é
muito preciso, muito coreografado, e eu chamaria de blefe, mas estou
tão feliz que nem me importo. Eu quebro o abraço coletivo primeiro e
Fitz finge estar irritada até que eu a lembro que quanto mais rápido eu
me trocar, mais cedo vamos comer.
No meu armário de provador de roupas, eu mudo de condutora
chique para um suéter cobalto que vai até coxa e leggings
pretas. Alguém bate na porta quando estou calçando os coturnos.
— Um segundo — eu aviso porque já estou com pressa, ok? Temos
apenas quatro provadores, que têm o tamanho para apenas uma pessoa
por vez, pois são, você sabe, armários de verdade.
Jogo minha mochila por cima do ombro e abro a porta.
Não é Fitz do outro lado. Nem Henry. Nem mesmo Reid.
É o papai.
— Oi… — eu começo.
Eu não consigo entender o resto das palavras porque papai me puxa
para um abraço de urso gigante e é tão inesperado, tão... não é o
papai. Mas nada disso é. Ele está aqui. Não em Albany com Reid. Não
batendo papo com Jenny no meet-and-greet. Não com Reid no
concerto que os possíveis futuros alunos foram convidados. Meu pai
estava muito animado para levar Reid para Albany, para se relacionar
com músicos que tocaram em orquestras ao redor do mundo.
Mas ele está aqui.
Eu me afasto do abraço primeiro.
— Como?
— Jenny conseguiu encaixar Reid para depois do almoço. Nós
voltamos o mais rápido que podíamos. O trânsito foi um pesadelo.
— Você está aqui — eu digo, ainda atordoada.
Papai franze a testa.
— Claro que estou aqui. Tudo em “Melted” foi fenomenal. A Sra.
Mulaney até abriu um sorriso durante o número de sapateado. Tenho
certeza de que ela amou. Você trabalhou muito nisso e tudo veio
junto. Estou tão orgulhoso de você.
Eu limpo minha bochecha, pegando uma lágrima perdida que
escapa.
— Eu pensei que você não voltaria para casa até de manhã.
— Queríamos fazer uma surpresa para você — diz papai.
— Considere-me surpresa — eu digo.
Papai coça a barba.
— Nunca perdi uma noite de estreia.
— Bem… — eu engulo — nunca entrou em conflito com uma coisa
do Reid.
Minhas bochechas ficam vermelhas de vergonha por ainda estar
admitindo como me sinto, o quanto me importo.
Mas... talvez continuar a chamar a atenção dele seja o primeiro passo
para tentar.
Sua expressão se suaviza.
— Natalie, eu nunca perderia sua noite de estreia, nem para
ninguém, nem para nada. Lamento se alguma vez fiz você sentir que
sim.
Eu estudo meu pai. As rugas na testa que demonstram
preocupação. Sua boca, pressionada em uma linha fina. Seus olhos,
brilhantes, como se ele pudesse começar a chorar a qualquer momento
– mas também urgentes. Eu nunca perderia sua noite de estreia. Ele
disse isso.
E ele não perdeu. Ele está falando sério.
Desta vez, sou eu que estou estendendo a mão para um abraço,
minha bochecha manchada de lágrimas pressionada contra o peito do
meu pai. Sei que não vamos acordar amanhã com um relacionamento
perfeito, mas talvez acordemos nos entendendo um pouco melhor.
Minhas emoções se estabilizam até que eu ouço as palavras “Eu te
amo, Nat” faladas um pouco acima de um sussurro e então as lágrimas
vêm mais uma vez.

Poucos minutos depois, com a maquiagem corrigida pela segunda vez,


vou para o carro do meu pai.
Uma vez que a cacofonia de parabenizações de pais e professores
acabou, papai me jogou as chaves do seu carro e mamãe disse “esteja em
casa à meia-noite”. Henry e Fitz já estão em seu caminho para o Chao
Down com todo mundo. Vamos juntar todas as mesas no estilo “La
Vie Boheme” e pedir todos os dumplings. É uma dominação do teatro
da LHS, agora muito maior, porque todos os clubes estão vindo
também.
No meu caminho para fora, a Sra. Mulaney me vê e me puxa de lado.
— Natalie! Uau. Estou encantada. Pelo que eu poderia dizer, o
comitê escolar também.
— Obrigada, Sra. Mulaney.
— Você fez o seu caso. Cada um de vocês. E... estarei lutando por
vocês também.
Eu aceno e agradeço a Sra. Mulaney novamente, porque por mais
que eu quisesse ouvir isso por tanto tempo, agora tudo que eu quero é
que essa conversa termine. Tudo que eu quero é ir até Reid. Eu espero
muito que ele ainda esteja aqui. Empurrando as portas duplas, luto
contra o desejo de analisar as palavras da Sra.
Mulaney. Ela parece otimista. Mas não é uma promessa. Nada perto de
uma garantia.
Preciso aceitar a realidade de que não há garantias.
E eu paro de usar meu medo de falhar como desculpa para nem
tentar.
Meu coração acelera enquanto procuro o carro do meu pai e – como
eu esperava que ele estivesse, Reid está lá, com as mãos enfiadas nos
bolsos. Eu ando em direção a ele, meus lábios pressionados juntos para
não abrir um sorriso porque ele está aqui. Ele ainda está com roupas da
audição para o conservatório, calça social preta e uma camisa de botão
branca, as mangas arregaçadas. Ele parece incrível.
Henry está certo. O sorriso de Reid é estúpido. Espero que seja para
mim também.
— Você não está em Albany — eu digo como se isso não fosse óbvio.
Ele balança a cabeça.
— Não.
— Você deveria estar bajulando professores no encontro com o
corpo docente.
— Acontece que não sou um bajulador — diz Reid.
— Ok. Ok, mas você não poderia simplesmente tentar bajular para
a audição mais competitiva de todos os tempos? Como foi no
instituto? Como foi? Como você conseguiu chegar a tempo? Você–?
Reid dá um passo em minha direção.
— Natalie. Pausa. “Melted” foi incrível. Você é incrível.
Ele está tão perto de mim, que eu poderia pressionar meus lábios
contra os dele. Então eu faço. Porque contra toda a lógica, apesar da
bagunça que fiz, ele está aqui. E foi incrível. O que fizemos foi
incrível. Somos incríveis, especialmente juntos. E é hora de
arriscar. Em um momento as mãos de Reid estão na minha cintura e as
minhas estão em seu pescoço e parece certo, esse beijo, mais do que
nunca.
Ele interrompe o beijo.
— Oi.
Agora sou eu que tenho um sorriso idiota.
— Ei.
— Eu arrasei minha audição, para o registro — Reid diz.
— Claro que sim — eu digo, entrelaçando meus dedos nos dele. —
Conte-me tudo no caminho para o Chao Down.
— Espera — diz Reid. — Eu tinha essa coisa preparada. Um
discurso de palavras.
Eu concordo.
— Discurso de palavras.
— Cale-se. Ok. — Reid passa a mão livre pelo cabelo. —
Então. Você sabe por que comecei a tocar clarinete?
Eu encolho os ombros.
— Quer dizer, é o instrumento do meu pai, certo?
Reid vê o papai me ensinando clarinete. Reid decide que também
precisa aprender.
Essa é a história da origem da rivalidade que sempre conheci.
Reid balança a cabeça.
— Era o seu instrumento. Foi um motivo para ficar perto de você.
Estou, pela primeira vez, sem palavras.
— Eu gosto de você, Nat. Eu sempre gostei de você. Mas, por dez
anos, você só me daria a hora do dia se estivéssemos competindo pelo
primeiro lugar, ou fazendo pegadinhas um com o outro, ou o que quer
que seja.
— Ou o que quer que seja — eu repito.
Reid engole.
— Agora, porém, eu mais do que gosto de você. E eu não quero
voltar para o que quer que seja, não importa o que aconteça com as
peças ou o conservatório ou qualquer outra coisa. Então, eu gostaria de
solicitar uma emenda. Em Natalie vs. Reid.
Eu cruzo meus braços sobre meu peito.
— OK. Estou ouvindo.
Reid puxa um pedaço de papel dobrado do bolso. Sua cópia de
nosso livro de regras.
— Para a cláusula de trégua, especificamente. “As tréguas são
combinadas com um juramento de dedinho duplo. Nenhuma
pegadinha pode ocorrer durante o período de trégua de sete dias”.
— Éramos crianças estranhas — eu digo.
Reid acena com a cabeça.
— Minha emenda é que estendamos a trégua.
— Oh? — Eu pergunto.
— É. Tipo, uma trégua permanente.
— Permanente?
Reid risca os detalhes muito específicos de nossa antiga emenda de
trégua com uma Sharpie preta, reescrevendo-a para dizer: “E nenhuma
pegadinha pode ocorrer. Nunca.” Ele assina a emenda atualizada e a
estende para mim.
— O que você acha? — ele pergunta.
— Eu não odeio isso — eu digo, tirando a caneta de sua mão e assino
nossa nova emenda em lei. Reid dobra o papel em quatro partes e o
enfia no bolso, sorrindo. Ele dá um passo em minha direção.
— Então. Natalie. Trégua?
Ele cruza os pulsos e estende os dedos mínimos, juramento de
dedinho duplo. Tão sério quanto parece.
Eu sorrio e prendo meus dedinhos em torno dos dele. E enquanto
eu faço isso Reid me beija e eu derreto neste momento, eufórica com
uma noite de abertura incrível e a música que compomos juntos e a
possibilidade de muito mais que faremos juntos. O garoto que eu não
conseguia tirar da minha vida se tornou o garoto que eu nunca quero
que vá embora. Então eu respondo a ele.
— Trégua.
Agradecimentos

Eu escrevi o primeiro rascunho de As If on Cue ao longo de um verão


em 2018, em um mundo onde o som do rascunho era o ruído branco
de um café local, onde sessões de brainstorming com amigos eram
presenciais, onde a pesquisa era conseguir ingressos rápidos
espontâneos para um show da Broadway. Mesmo durante as partes
difíceis, escrever esta história sobre um programa de teatro de colégio e
defender as artes foi pura alegria. Eu pensei que tinha vencido a
Síndrome do Segundo Livro.
Então, a Broadway foi às escuras em 12 de março de 2020 – e esse
foi um dos primeiros verdadeiros sinais, pelo menos para mim,
que oh... isso é sério. E embora meus personagens vivam em um
universo alternativo que gira em torno de teatro ao vivo – o processo
de revisão deste livro existia muito bem na realidade de 2020. Dizer que
foi difícil é um eufemismo massivo. As If on Cue existe graças ao apoio
e incentivo da minha equipe, família e amigos. Realmente exigiu uma
aldeia – obrigada, obrigada, obrigada.
Taylor Haggerty, você é a melhor líder de torcida e defensora na
ativa. Obrigada por sua orientação perspicaz e garantia de que eu estaria
bem em um ano, quando a ansiedade da estréia assumisse um
significado totalmente novo. Sua sabedoria e positividade são uma
luz. Para toda a equipe do Root Literary – sou eternamente grata por
fazer parte desta família.
Alexa Pastor, obrigada por defender esta história e amar Natalie e
Reid tanto quanto eu. Seu entusiasmo e orientação atenciosa revelam
o que há de melhor em minha escrita. Sou uma contadora de histórias
melhor por trabalhar com você e estou muito orgulhosa do que
criamos!
Para toda a equipe BFYR – Justin Chanda, Anne Zafian, Kendra
Levin, Karen Masnica, Lisa Moraleda, Katrina Groover, Chava Wolin,
Michelle Leo e Kristie Choi – obrigada por tudo o que vocês fizeram e
continuam a fazer nos bastidores. Obrigada às minhas publicitárias,
Chantal Gersch e Milena Giunco, por tudo o que fazem para ajudar
meus livros a encontrarem seus leitores perfeitos. E um grande
obrigada à equipe de arte e design – Krista Vossen por projetar uma
capa de comédia romântica da qual os sonhos são feitos e Carolina
Melis por ilustrar Natalie e Reid com tanta perfeição.
Para as pessoas sem as quais eu não sobreviveria publicando – Kelsey
Rodkey, Rachel Lynn Solomon, Carlyn Greenwald, Auriane
Desombre, Haley Neil, Sonia Hartl, Tara Tsai, Rosiee Thor e Al
Graziadei. Obrigada por lerem As If on Cue durante várias etapas e por
sempre serem ouvintes durante o processo criativo. Todos vocês são
escritores talentosos e amigos incríveis – este livro é muito mais forte
pelos seus comentários.
Estreias em 2020 – que ano de estreia acabou sendo! Estou muito
grata pelas amizades e solidariedade encontradas em nosso grupo de
estreia. Eu não posso esperar para conhecê-los pessoalmente algum
dia. Cameron Lund e Martha Waters, minhas 4/7 irmãs agentes –
obrigada por organizar eventos conjuntos/lamentar/comemorar
pequenas vitórias. Eu juro, estamos ligadas para o resto da vida.
Para leitores, blogueiros, bookstagrammers, livreiros e
bibliotecários – obrigada por todo o trabalho que vocês fazem para
conectar os livros aos leitores! Obrigada por encontrar alegria em meus
livros e por compartilhar essa alegria. No que tem sido uma experiência
de autor totalmente virtual, seus tweets e tags são um lembrete de que
tudo isso é real. Mal posso esperar para encontrar vocês em eventos um
dia!
As If on Cue é uma carta de amor ao teatro do colégio, então seria
negligente se não agradecesse ao meu programa de teatro. Debra Wald,
Zac Broken Rope e Sarah Cullen – obrigada por dirigir nosso pequeno,
mas poderoso clube de teatro. Para o elenco e equipe técnica do Hotel
Vladimir, nossa ridícula peça que poderia ser a inspiração para essa
história.
Sam, você é minha pessoa. Eu absolutamente não sabia no que
estava me metendo quando você me abordou com um roteiro – mas
colaborar com você foi uma das melhores decisões que já tomei. Eu
amo você.
E, finalmente, para minha família – obrigada por seu apoio e amor
inabaláveis. Vanessa, obrigada por sempre estar disponível para ouvir
minhas ideias em seus estágios iniciais. Eu sei que tenho uma ótima
primeira linha quando ela atende aos seus altos padrões. Mamãe e
papai, obrigada por levar todos os meus sonhos a sério e sempre
aparecerem – seja para recitais de dança, peças da escola ou navegando
no Zoom e no Instagram para eventos de autoria. Não escolhemos
nossa família. Todos os dias sou tão grata por vocês serem a minha.

Você também pode gostar