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O

PRÍNCIPE
DE MANHATTAN

Série Era uma vez...

Livro 1

VANESSA R. R. HART
Copyright © 2018 by Vanessa Hart

Tradução: Hugo Teixeira

Revisão: L&F Edições

Edição: L&F Edições

Arte de Capa: Gisely Fernandes

Reservados todos os direitos desta produção


Prólogo
Levi

“I want to break free


I want to break free
I want to break free from your lies
You're so self satisfied I don't need you
I've got to break free
God knows, God knows I want to break free”

“Eu quero me libertar
Eu quero me libertar
Eu quero me libertar das suas mentiras
Você é tão vaidoso, eu não preciso de você
Eu tenho que me libertar
Deus sabe, Deus sabe que eu quero me libertar”

(I want to break free, Queen)

SETE ANOS ANTES

Dizem que há apenas duas certezas na vida: impostos e a morte. Pois eu


acredito que haja uma terceira: o erro. Por quê? Mesmo que você seja um gênio,
daqueles responsáveis que jamais se arriscam, vai fazer pelo menos uma grande
merda na vida.
Eu já tinha feito a minha: tinha me apaixonado.

Sentia-me o maior sortudo do mundo enquanto selecionava o perfeito anel de


noivado para ela: aro de ouro branco, com uma safira redonda em seu centro, e
pequenos diamantes de cada lado. Safira era a pedra de nascimento de Lara,
minha namorada havia quase dois anos.

Nós nos conhecemos quando cursávamos Administração de Empresas em


Stanford. Eu, ela e meu melhor amigo, Jack Holmes, abrimos um pequeno café
enquanto ainda estávamos na faculdade, em Palo Alto. Agora, já tínhamos
quatro lojas na Califórnia, e planejávamos expandir para quinze no próximo
ano. Os negócios iam tão bem quanto meu relacionamento com Lara. Ao
menos, era nisso que eu acreditava.

Eu era um cego imbecil naquela época.

Tinha retornado três dias antes do previsto de uma viagem de negócios a


Nova Iorque: meu sonho era abrir uma filial do nosso café gourmet na cidade
que nunca dorme. Queria fazer uma surpresa para Lara: prepararia um delicioso
banho de banheira, com pétalas de rosas na superfície e seu vinho californiano
favorito na beirada, e a pediria em casamento.

Estava na varanda da minha casa quando meu celular vibrou em meu bolso.
Um sorriso involuntário surgiu em meu rosto quando vi o nome no visor: era a
minha irmã caçula, Carly.

— E aí, pitica?

— E aí, pergunto eu! Já preparou tudo?

Ri com a ansiedade em sua voz. Além de Jack, Carly era a minha melhor
amiga. Ela era três anos mais nova do que eu, e uns bons trinta centímetros mais
baixa. Enquanto eu chegava perto dos dois metros de altura, ela mal passava do
um e sessenta. Dizia-me que não era pitica, que tinha uma estatura mediana, e eu
que era o gigante da história.

Eu simplesmente adorava chamá-la assim: não havia nada mais adorável do


que minha irmã irritada.

— Se não parar de me ligar a cada cinco minutos, não conseguirei fazer


nada.

Ela soltou um som nada educado do outro lado da linha, fazendo-me rir.
Virei a chave e abri a porta da entrada, quando escutei um som vindo do quarto
de casal. O meu quarto e de Lara.

Olhando em retrospectiva, eu percebo o quando fui um completo idiota:


devia ter notado os olhares, as desculpas esfarrapadas, os flagras meio estranhos.
Porém, como disse anteriormente, eu estava apaixonado. E me fodi feio por isso.

Na época, eu era tão inocente que nem considerei a hipótese de que minha
namorada perfeita não era tão perfeita assim. Achei que fosse um ladrão
vasculhando a suíte. Deixei as compras ao lado da porta e prendi o celular entre
a cabeça e o ombro.

Peguei meu taco de beisebol, que deixava no armário da entrada, e avisei


para Carly o que estava acontecendo, para o caso dela precisar chamar a polícia.

Entrei devagar, tomando cuidado para não fazer barulho, quando escutei um
grito vindo do quarto, comprovando que minha casa não estava sendo assaltada.
Queria eu que estivesse. Teria sido menos doloroso.

— Caralho! — Uma voz familiar gritou. — Assim eu vou gozar na sua boca!

Eu deveria saber, naquele instante, que se tratava da minha namorada


chupando o pau de um cara que, até então, eu considerava um amigo. Lara tinha
uma boca maravilhosa, que sugava com a força de um aspirador de pó. Hoje, sei
que foi uma das características que me fez ficar de quatro por ela.

Era um idiota de vinte e poucos anos, então, uma mulher que dava um
boquete de excelente qualidade parecia ser o suficiente para colocar um anel em
seu anular esquerdo.

— Que merda é essa, Levi? — Carly soava alarmada. — Quem está


gritando?

Ela devia ter percebido, devia ter reconhecido a voz dele também, mas a
ficha dela, assim como a minha, ainda não tinha caído. Eu precisava ver com
meus próprios olhos, e Carly precisava ouvir a revelação dos meus lábios.
O trajeto da entrada até a suíte principal não tinha mais do que dez metros,
porém, naquele momento, pareciam ser quilômetros de distância. A porta estava
entreaberta, e eu vi a cena no momento em que o filho da puta estava se
aliviando na boca da minha ex-quase-noiva.

— O que está acontecendo, Levi? — Carly gritou no meu ouvido.

— É a minha namorada, Carly — repliquei acidamente, e duas cabeças


viraram-se para mim com olhos esbugalhados. — Ela estava chupando o pau do
seu namorado.

***
Dias Atuais...
1
Levi

“Lonely rivers flow


To the sea, to the sea
To the open arms of the sea
Lonely rivers sigh
Wait for me, wait for me
"

“Rios solitários fluem
Para o mar, para o mar
Para os braços abertos do mar
Rios solitários suspiram
Espere por mim, espere por mim”

(Unchained Melody, Righteous Brothers)

— Ai, que delícia! — ela arfou. — Mete mais, mete mais!


Tentei ignorar seus gritos, mas estava difícil. Eu não duvidava nada que até
na portaria pudessem ouvir seus berros, apesar de estarmos na cobertura.

Isso estava se prologando demais! Queria que aquela merda acabasse logo.

— Miau!

Ai, caralho. A mulher agora estava miando?


— Como você é gostosa, Karen — o babaca do meu vizinho respondeu.

Com certeza, eu ia fazer isolamento acústico na parede que eu dividia com o


apartamento dele. Se eu tive dúvidas no começo, agora eu tinha certeza: James
era um viciado em sexo.

Esta era a terceira mulher que ele comia só esta semana. E ainda era terça-
feira, porra!

Desde que me mudei para a cobertura da Madison Avenue, um mês antes, eu


já tinha tentado trabalhar em todos os cômodos da casa: independentemente de
onde eu estivesse, no entanto, a minha sensação era a de que havia alguém
trepando bem do meu lado.

Quando eu comprei o apartamento, achei que tinha acertado na loteria. Ele


era totalmente reformado, com um amplo espaço aberto com sala de estar, sala
de jantar e cozinha, duas suítes, um escritório e uma varanda que tinha o dobro
da metragem do apê e uma vista sensacional do Central Park.

Paguei caro, como tudo em Manhattan, mas era uma mixaria se comparado
com os lixos que eu tinha visitado por preços exorbitantes. Eu dei sorte porque
um dos meus clientes tinha acabado de se divorciar da mulher, um mês depois de
ter terminado de reformar o imóvel inteiro e comprar todos os móveis.

Ela o tinha largado por um bilionário árabe que cagava petróleo. Meu cliente
ficou tão estarrecido que deixou tudo exatamente como estava no apartamento:
os móveis, os eletrodomésticos, até mesmo os talheres. Queria alguém que
pudesse lhe pagar rapidamente, e esse alguém fui eu.

De quebra, ainda deixei o primeiro apartamento que comprei na cidade, um


quarto e sala no West Village, para Carly, que ficou bem ferrada financeiramente
depois de concluir os estudos médicos. Ela não poderia estar mais agradecida,
apesar de viver reclamando que o meu antigo apartamento fedia a homem.

— Miau! Miauuuuu! — A gata do sexo continuou, me fazendo questionar se


eu havia, de fato, feito um bom negócio.

— Tô quase! Tô quase! — Meu vizinho avisou pro prédio inteiro, gritando


enlouquecidamente em seguida.
E o som do fim de uma saga de merda chegou. Finalmente poderia me
concentrar nos meus números.

Estava trabalhando no portfólio de um novo cliente, Dan Elliot. Ele era uma
estrela em ascensão em Hollywood, um pouco como eu em Wall Street. Dois
anos antes, eu e Jack tínhamos saído de um dos maiores bancos de investimentos
do mundo para montar nosso novo negócio.

Muitos dos clientes que nós tínhamos no nosso antigo trabalho nos seguiram
para a nossa nova empresa, porém, eu queria consolidar nossa posição com
novos clientes. E Hollywood poderia ser nossa caixinha de dinheiro. Todos
queriam uma fatia das fortunas dessa indústria, mas era difícil conseguir os
contatos certos.

Se eu fizesse um bom trabalho com Dan, ele me recomendaria para seus


amigos, colegas de trabalho, diretores... Eu e Jack estaríamos feitos da vida.

Porém, para eu conseguir mandar bem, eu precisava de paz, algo que eu


raramente conseguia no meu novo apartamento, porque meu vizinho não
conseguia deixar o pau dentro da calça por mais de vinte e quatro horas.

Agora, pelo menos, tudo havia retornado para o maravilhoso – e raro – silêncio,
então eu poderia me concentrar de novo.

Foi quando a minha outra vizinha, a maluca que nunca saía de casa, colocou
uma merda de uma música clássica nas alturas.

Será que eu fazia tanta questão assim de morar em um apartamento com


vista para o Central Park? Poderia me mudar de novo, desta vez, para um prédio
cujos vizinhos solitários estavam tão deprimidos com suas vidas monótonas que
não teriam orgias todos os dias da semana nem escutariam música.

Quando ela aumentou ainda mais o volume, eu cheguei no limite. Deixei


meu apartamento com passadas que quase furaram o chão e soquei a porta dela.

Arrisquei quebrar a mão no processo, porque ela tinha trocado a porta de


madeira por uma de aço que mais parecia a entrada de um cofre de banco.

Havia um espaço considerável debaixo da porta, provavelmente para ela


conseguir escutar o que se passava do lado de fora, além do que parecia ser uma
abertura na altura da cabeça, como aquelas de prisões, que guardas usavam para
verificar seus presos sem precisar expor-se a eles.

— Pode diminuir a porra do som, por favor?

Eu sabia que não adiantaria de nada dizer “por favor” depois do “porra”, mas
eu tinha perdido o controle da minha boca àquela altura.

Alguns segundos depois, o som diminuiu consideravelmente, eu gritei


obrigado para a porta e estava prestes a retornar ao meu apartamento, quando
meu celular tocou. Vi na tela que era Dan Elliot.

— E aí, Levi?

— Que coincidência. Estava terminando agora mesmo a sua proposta.

— Cara, pensei no que você me disse, e decidi que quero me arriscar um


pouco.

— No que estava pensando, Dan?

— Em colocar vinte por cento em ações de risco.

Em geral, eu tentava convencer meus clientes que o ideal era ter o portfólio
mais diversificado possível, tanto em termos de segmentos em que poderíamos
trabalhar como em níveis de risco. Eu gostava de recomendar que investissem
entre dez e trinta por cento de seus montantes em ações de risco maior, porque o
retorno compensava.

— Perfeito, Dan. Estava estudando aqui a Rich Tech e acho que pode ser
uma boa opção.

— Ah, legal. Me manda sua proposta que a gente conversa.

— Combinado.

Desliguei o celular, sentindo-me revigorado, quando notei um pedaço de


papel passando por baixo da porta da minha vizinha eremita.

Curioso, peguei o papel, e li a mensagem escrita em uma letra muito


elegante:

Se eu fosse você, investiria na LogMed. Acho que é a melhor opção.

— Vá ouvir música clássica e pare de ficar bisbilhotando a conversa alheia!


— Gritei para a porta.

A merda deste prédio estava começando a me deixar louco. Eu já estava


tendo discussões com uma porta.

Uma nova mensagem deslizou pelo chão do corredor.

Se não queria que eu escutasse, deveria ter feito o telefonema dentro do seu
apartamento.

— Vá tomar no olho do seu...

— Sr. Rider?

Olhei para o lado; um dos porteiros, Joe, estava me observando. Ele já havia
passado dos sessenta havia alguns anos, tinha uma pança considerável e costas
que o faziam gemer de dor sempre que precisava se levantar para abrir a porta
para algum morador.

Engraçado como ele não parecia se incomodar de se levantar para pedir


gorjeta.

Assim que me mudei, percebi que Joe era um daqueles porteiros que adorava
uma fofoca. Apesar de ter alguma preocupação em sua face, eu notei como seus
olhos escuros moviam-se da porta da minha vizinha para mim, curiosos para
saberem o que se passava.

Independentemente do que estava realmente acontecendo, eu sabia que ele


inventaria metade do que havia visto.

— O que foi? — Tentei segurar o mau humor.

— O Sr. Parker reclamou do barulho.

O quê? O vizinho que ficava transando aos berros na sala que dividia parede
com meu apartamento estava reclamando do barulho que eu estava fazendo?

Senti o sangue fervendo e o ódio deixando minha visão turva. Eu ia explodir.

***

Chutei a porta do desgraçado, que se abriu com um baque.

— Reclama do barulho na minha cara, seu merda!

O merdinha em questão, James Parker (até o nome do cara era de babaca),


estava com uma cueca ridícula de oncinha, enquanto que a sua amiga que
gostava de miar estava sem nada. Absolutamente nada.

Ambos estavam esparramados em um sofá no qual eu não sentaria nem se


me pagassem um milhão de dólares. A mulher estava com as pernas arregaçadas,
e não fez qualquer questão de esconder-se quando me viu: muito pelo contrário,
suas coxas se abriram ainda mais, enquanto ela praticamente babava ao me
analisar.

Porra, depois de tanto miado ela ainda estava pronta para outra?

Não que eu fosse topar qualquer coisa com ela. A mulher era bonita para os
padrões atuais, claro: um par de peitos siliconados, pele bronzeada
artificialmente, cabelo tingido de ruivo, e olhos azuis. Porém, o que me atraía no
sexo oposto era outra coisa: inteligência. E a Madame Miau parecia ser o tipo de
mulher que não sabia juntar uma frase.

Não estava sendo um babaca preconceituoso, eu conhecia muitas mulheres


lindas e gostosas que eram verdadeiros gênios. Porém, eu tinha certeza de que
nenhuma mulher com mais do que um par de neurônios aceitaria transar com a
toupeira do meu vizinho.

Na realidade, a forma como ela me olhava dizia que ela topava trepar com
qualquer um que tivesse dinheiro e um corpo decente. E eu sabia que meu corpo
era bem acima da média: adorava pensar nos meus números enquanto corria e
malhava, então eu fazia ambos com frequência diária.

Fiquei com medo, por um momento, de que Joe fosse ter um ataque cardíaco
com aquela visão grotesca. Aí o momento passou quando ele encarou os peitos
da mulher desavergonhadamente.

— Que é isso, cara? Vou ter que chamar a polícia? — James disse, parecendo
estar entorpecido.

Tirei o celular do bolso.

— Vamos ligar, sim! Inclusive, vou pedir para eles trazerem cães
farejadores! — James ficou pálido com o meu comentário. — Quem sabe o que
eles vão achar quando chegarem aqui?

Eu sabia bem o que a polícia encontraria no apartamento daquele imbecil:


muita, mais muita maconha. Eu tinha a impressão de que ele plantava aqui em
algum lugar, porque sentia o cheiro da erva o dia inteiro da minha varanda.

James ficou estatelado. A mulher-miau ainda estava pelada no sofá,


sorridente, analisando-me. Joe permanecia com olhos esbugalhados encarando
os seios dela. Eu cruzei os braços, esperando pela resposta do idiota.

— Imagina, amigão. Vamos deixar para lá desta vez — ele finalmente disse,
com a voz trêmula.

— Eu não sou seu amigão, babaca — respondi entredentes. — E não quero


mais ouvir as suas trepadas, está me entendendo? A partir de agora, vai trepar
com as suas amigas no seu quarto, e com a merda da porta fechada!

O quarto dele ficava do lado oposto ao meu apartamento. A outra vizinha


dele poderia escutá-lo, mas eu duvidava muito: a Sra. Smith era pelo menos uma
década mais velha que Joe. Eu a havia encontrado algumas vezes no elevador:
ela era doce e simpática, mas ainda achava que meu nome era Lewis. Eu desisti
de corrigi-la depois da quinta tentativa.

Saí do apartamento do imbecil, carregando Joe pelo braço. Quando


estávamos lá fora, ele estendeu a mão, como se esperasse uma gorjeta.

— Pode pedir a Parker — comentei. — É por causa dele que você subiu.

— Claro, Sr. Rider — ele não parecia nem um pouco satisfeito.

Uma das desvantagens de prédio de rico em Manhattan: havia mais


funcionários do que precisávamos e, às vezes, parecia que os moradores
trabalhavam para eles.

— Quem é a mulher que mora na Cobertura 3? — Questionei sobre a


pentelha dos bilhetes.

A Sra. Smith comentara, quando nos conhecemos, que a moça não saía do
seu apartamento, porém, eu não tinha dado ouvidos. Talvez houvesse alguma
verdade no que ela dizia.

— É a Srta. Westbrook, Sr. Rider — ele disse e calou-se, como se esperasse


por algo.

Filho da mãe. Sabia qual era o joguinho de Joe. Ele não me ofereceria mais
nenhuma informação se eu não lhe desse gorjeta.

Puxei-o para o meu apartamento, e lhe dei uma nota de dez dólares.

— E?

— Ela não sai do apartamento.

— Nunca?

— Não nos três anos desde que comecei a trabalhar aqui.

Três anos? Ela era o quê, uma das mais procuradas pela CIA? O que poderia
fazer alguém ficar mais de um dia inteiro presa em um apartamento? E ela
parecia saber alguma coisa sobre investimentos de alto risco, com base no
bilhete que havia me passado.

— Você já a viu?

— Não. — Para um fofoqueiro como ele, devia ser uma decepção não poder
vê-la. A Srta. Westbrook devia ser uma lenda no prédio. — Apenas Karl entra no
apartamento dela, quando algum reparo precisa ser feito.

Karl era o cara da manutenção do prédio. Ele era antipático, ranzinza, mas
bom pra cacete. Eu tinha encomendado um armário quando me mudei: contratei
um cara por duzentos dólares para montá-lo, Karl me disse que fazia por
cinquenta e deixou tudo pronto em menos de uma hora.

Ele era foda. Por isso, apesar de seus resmungos e mau humor, todos do
prédio davam gorjetas gordas para ele. Para o desespero e inveja dos porteiros
inúteis.

— O que ela faz da vida?

Ele esperou por mais dinheiro. Nova pergunta, nova informação, nova
gorjeta. Dei mais dez dólares para ele. Eu tinha que ganhar muito dinheiro para
poder continuar morando nesta merda de prédio. Daqui a pouco, gastaria tanto
com gorjetas quanto com despesas do apartamento.

— O mesmo que o senhor, creio — ele confirmou minhas suspeitas. Será que
ela estava me espionando? — É a Princesa de Wall Street.

Por algum motivo ridículo, fiquei com um certo ciúme do título que Joe dera
para ela.

— Achei que eu fosse o Príncipe de Wall Street — resmunguei como se


fosse uma criança de seis anos.

Joe tinha criado aquele apelido assim que me mudei.

— Não, o senhor é o Príncipe de Manhattan, Sr. Rider.

— E qual é a diferença? — Estava pensando seriamente em apertar aquele


pescoço gordo dele.

— Sabe aquele investimento que o senhor sugeriu algumas semanas atrás?

Claro que eu sabia. Eu havia conseguido ganhar bastante dinheiro para os


meus clientes. Estava acompanhando alguns acontecimentos do setor de aviação,
e previ um ganho nas ações de uma companhia asiática que estava investindo
pesado em energia renovável para abastecer suas aeronaves.

— Claro. Você me disse que com o que ganhou vai pagar a faculdade do seu
filho — repliquei, sentindo-me o foda do pedaço.

— Pois é. Se eu tivesse seguido o conselho da Srta. Westbrook, eu nunca


mais ia precisar trabalhar — ele me desinflou rapidinho.

— Ah. — Ele virou-se para sair, mas eu segurei seu braço. — Ela também
lhe enviou um bilhete falando no que deveria investir?

— Bilhete? — Ele estranhou tanto a questão que nem se lembrou de pedir


mais um pouco de dinheiro. — Não. Eu tinha ligado para avisar que uma
encomenda dela havia chegado, e ela me deu a dica.

Ele saiu do apartamento, deixando-me com um gosto azedo na boca. Não


apenas eu sentia inveja que a Srta. Westbrook tivera um palpite melhor do que o
meu, agora eu estava com uma curiosidade da porra de ouvir sua voz.

***
2
Carly

“Blue eyes
Baby's got blue eyes
Like a deep blue sea
On a blue blue day”

“Olhos azuis
Meu amor tem olhos azuis
Como o azul do mar profundo
Em um dia triste, triste”

(Blue Eyes, Elton John)

Eu não era uma mal-agradecida. Não mesmo.


Quando Levi me deu de presente seu apartamento de quarto e sala muito
bem localizado no West Village, eu chorei de emoção, abracei-o sem parar e
ainda paguei um jantar caríssimo em um dos restaurantes mais badalados de
Manhattan.

Não apenas meu irmão mais velho tinha me dado um imóvel, como ele
também tinha me ajudado com as despesas da faculdade. A herança que mamãe
deixou para mim não foi suficiente para todos os gastos, e o inútil do nosso pai
nos havia abandonado quando eu tinha oito anos.

Porém, apesar de Levi ser o melhor irmão do mundo, ele certamente era um
dos piores decoradores. Ele tinha deixado seus móveis para trás, já que seu novo
apartamento, uma cobertura chique pra cacete na Madison Avenue (para a qual
ele ainda não havia me convidado, diga-se de passagem) foi comprado já
decorado.

O que dizer do estilo de Levi? Bem, ele claramente não passava um segundo
sequer pensando em seu estilo, porque era inexistente. Seu apartamento, apesar
de ter um potencial enorme, não parecia ter recebido qualquer atenção sua.

Era verdade que eu, uma médica residente, ainda não tinha condições de
gastar muito dinheiro, mas, como o imóvel estava em meu nome, tinha valido a
pena deixá-lo mais estiloso.

Antes, parecia uma casa fúnebre de tão monótono. Agora, depois de um


investimento de quinze mil dólares e três semanas de obras, parecia ser o
apartamento da Carrie Bradshaw, de Sex and the City (de quando ela ainda era
solteira, claro).

Enquanto saía do meu novo – e bem decorado – apartamento, fui fazendo


uma lista mental dos itens que precisava comprar para o meu open house. Tinha
que organizá-lo muito bem, já que seria a chance perfeita para convidar o Dr.
Richard Davis.

E quem era Dr. Richard Davis, alguns poderiam perguntar? Bem, ele era o
meu futuro marido.

Ele possuía todas as qualidades que eu desejava em um homem. E eram


muitas. Desde o idiota do Kevin, o babaca que tinha me traído com Lara, eu era
bem mais seletiva que Harvard na hora de escolher os meus pretendentes. Queria
sair comigo? Teria que cumprir todas as minhas condicionantes.

Estava tão animada que nem reparei alguém chamando meu nome até uma
mão me segurar pelo ombro. Era a Jessica, uma das minhas enfermeiras favoritas
do hospital psiquiátrico onde eu fazia a residência. Ao longo dos anos, ela se
tornou uma grande amiga também.

— Carly, preciso de um favor — ela comentou.

— Diga.
— Então, eu soube que você ficou responsável pela seleção do novo
segurança.

O St. Patrick era um hospital psiquiátrico grande e com diversas


especialidades, e eu era uma das médicas do setor VIP deles, onde os pacientes
das ricas e influentes famílias de Manhattan ficavam internados.

Estávamos contratando dois novos seguranças para a minha ala, e o meu


diretor, o Dr. Perry, tinha me escolhido para fazer a seleção. Certamente era um
teste: no ano seguinte, minha residência terminaria, e eu precisaria ser efetivada
para continuar trabalhando lá.

— É isso mesmo. Por que pergunta?

— Meu primo, Javier Rodriguez, vai fazer entrevista hoje.

— Ah, não sabia que ele era seu primo — eu tinha visto o nome dele na lista
de candidatos.

— Pois é... — ela parecia sem graça com alguma coisa. — É que... Ele já foi
preso.

— Hum...

Aquilo era ruim. Eu não tinha problemas com ex-presidiários, desde que não
tivessem sido presos por crimes violentos, uma vez que não era aconselhável
pessoas com potencial de agressividade cuidarem da segurança de pacientes
psiquiátricos.

Muitas vezes, esses ex-presidiários eram pessoas que tinham se metido em


enrascadas quando eram muito jovens, e acabavam passando boa parte da
juventude na prisão. Porém, se recebessem uma boa oportunidade, ficavam
eternamente agradecidos.

Infelizmente, meu diretor era bastante elitista, e não era tão compreensivo
quanto eu. Era muito fácil para alguém que nasceu em berço de ouro e jamais
passou por qualquer necessidade julgar quem havia vindo da margem da
sociedade.

— Jess, sabe que quero ajudar, mas se o Dr. Perry descobre...


— Javier é maravilhoso, eu juro! E ele foi preso quando era adolescente,
então, em tese, o Dr. Perry não teria acesso aos seus antecedentes criminais.

— E por que você me contou então? Eu também não terei acesso.

— Porque o Javi sempre conta sobre o passado dele. Ele não gosta de manter
esse tipo de segredo — ela explicou. — Mas ele foi preso por uma estupidez de
adolescente: ficou bêbado com uns amigos e resolveu roubar uma Ferrari. Claro
que foi pego menos de vinte minutos depois....

Já gostei do cara. Ele poderia fingir que jamais tinha ficado em qualquer
instituição para adolescentes, mas preferia ser honesto, mesmo que isso lhe
custasse o emprego.

— Ele tem experiência?

— Muita! — Os olhos dela brilharam de orgulho. — Desde que foi solto,


quando fez dezoito anos, ele trabalhou para uma empresa de segurança
particular. Mas, quando o dono faleceu, no ano passado, os filhos não quiseram
dar continuidade e fecharam a empresa.

— Olha, não posso garantir que ele vá ser selecionado, mas também não vou
reprová-lo por algo que ele fez quando era adolescente, tá?

No hospital, uma das coisas de que mais gostávamos era indicação.


Tratávamos pacientes cujo estado de saúde mental era, na melhor das hipóteses,
delicado, então eles exigiam pessoas de confiança e bastante discretas.

Jessica era uma das melhores funcionárias. Ela jamais falaria tão bem de um
candidato se não acreditasse que ele era excelente, mesmo sendo seu primo.

Chegamos ao hospital juntas, e Jessica informou que seu primo já estava à


minha espera na sala de reunião. Gostei ainda mais dele: pontual, exatamente o
tipo de funcionário de que precisávamos.

Deixei minhas coisas no banheiro feminino, coloquei o jaleco e dirigi-me à


sala de reunião, ainda pensando em como eu convidaria o Dr. Davis para o meu
open house sem parecer muito oferecida.

Foi quando dei de cara com o clone do Ricky Martin.


***

— É a Dra. Rider? — ele questionou, levantando-se de sua cadeira.

Nossa. Senhora. Maria. José.

Como se não bastasse a beleza arrebatadora e o corpo divino, o sotaque


porto-riquenho dele era muito sensual. Levei alguns segundos para me recompor,
e, desviando o olhar dele (senão eu mal conseguiria colocar um pé na frente do
outro), estendi minha mão para cumprimentá-lo.

Apenas uma observação: a mão dele era grande, e macia, e muito firme.
Claro que passei a imaginá-la percorrendo meu corpo, aqueles dedos longos e
morenos entrando na minha...

— Dra. Rider? Está se sentindo bem?

— Está quente aqui, não? — Repliquei, ainda sem conseguir encará-lo.

— Para mim, está bem agradável.

Claro, não era ele quem estava com a periquita pegando fogo.

Tentei me concentrar no que eu tinha que fazer a seguir, mas simplesmente


não consegui pensar em uma pergunta sequer. Eu precisava me recompor, algo
que eu não faria enquanto o sentisse me encarando intensamente, como ele fazia
agora.

— Escreva uma redação, por favor — pedi, pegando um papel e caneta que
estavam em cima da mesa.

— Sobre o quê, Dra. Rider?

A voz dele tinha ficado ainda mais rouca e sexy ou era impressão minha?

— Sobre o que quiser.

Nossa, eu nem tinha contratado o cara e já estava pensando em como seria


gostoso ouvir aquela voz de manhã, depois de uma noite regada a muito sexo.

Carly, controle-se! Se Javier viesse mesmo trabalhar no hospital, ele ficaria


no nosso departamento e, tecnicamente, subordinado a todos os médicos. Ou
seja, eu poderia ser demitida (e processada) por assédio sexual se tentasse
alguma coisa com ele.

Enquanto ficava focado em seu trabalho, eu notei que ele era ainda melhor
do que Ricky Martin: era bem mais musculoso. Só de escrever os músculos de
seu braço praticamente pulavam. Ele estava forçando, não era possível.

Olhei para a ficha dele, tentando buscar inspiração para fazer uma entrevista
profissional e adequada. Assim que ele terminou a redação, decidi que eu estava
pronta, e voltei a encará-lo.

Puta que o pariu, os olhos do cara eram sensuais. Parecia que ele transpirava
sexo.

A fim de manter a sanidade e a calcinha, voltei a olhar para a ficha dele.

— É casado?

Que merda de pergunta era aquela? Ele deve ter se feito a mesma questão,
porque apenas me encarou, com as sobrancelhas negras arqueadas, os olhos
escuros me observando intensamente, como se buscassem entender o que se
passava na minha cabeça.

Bem, o que se passava eram muitas cenas de posições que poderíamos fazer
em cima daquela mesa.

Carly! Céus, eu não ficava daquele jeito por causa de um homem havia
tempos, desde que tinha visto Chris Hemsworth pela primeira vez naquele filme
de super-herói. Comecei a ler histórias em quadrinho da Marvel só por causa
dele.

— Pergunto isso porque terá um horário um pouco fora do comum — tentei


explicar, mas era tarde demais.

Ricky Martin Junior já estava com um meio sorriso irônico nos lábios
perfeitos.

— Não tenho esposa. Nem namorada — a língua dele passou pelos lábios, e
eu os encarei descaradamente. — E a doutora, como faz para conciliar os
horários do hospital com seu namorado?

Eu tinha que consertar aquilo rapidamente. Senão, Javier começaria o


trabalho com o pé esquerdo, e Jessica tinha comentado que ele precisava do
emprego para ajudar a família.

Infelizmente, o hospital tinha regras bastante restritas sobre namoro ou


relacionamentos românticos entre funcionários da mesma área. O único motivo
pelo qual eu considerava o Dr. Richard Davis como um pretendente em potencial
era o fato dele trabalhar em um departamento completamente independente do
meu.

— Quem faz faculdade de medicina sabe que vai precisar aturar alguns anos
de residência — enfim consegui dar uma resposta que era educada e, ao mesmo
tempo, não dava abertura para ele fazer outras perguntas pessoais.

Agora, restava-me apenas terminar aquela entrevista de forma digna. O


problema foi que, entre eu pensar a pergunta e ela chegar à minha boca, eu me
distraí com os músculos dos braços de Javier.

— Malha muito?

Merda vezes um milhão!

Ele poderia me processar apenas por causa daquela pergunta idiota. Para a
minha surpresa, ele gargalhou: uma gargalhada masculina, sonora e cheia de más
intenções.

— Todos os dias, Dra. Rider. Quer saber que academia frequento?

— Não, Sr. Rodriguez.

Uma pergunta. Eu precisava fazer apenas uma pergunta profissional que


encerraria esta entrevista de uma vez por todas. Ele tinha sido indicado pela
Jessica, tinha um currículo impressionante, e era pontual. Claro, também tinha o
fato de que não seria desagradável vê-lo durante os meus plantões.

— Por que o senhor deseja trabalhar aqui? É um local bastante complicado.

Finalmente, uma questão relevante, profissional e adequada para o cargo que


ele ocuparia.

— Que lugar não é complicado, doutora? — ele me ofereceu um sorriso


preguiçoso que deixou a minha calcinha molhada. Meu senhor Ricky Martin. —
Sinceramente, eu gostei do salário e dos benefícios, e seria bom trabalhar com a
Jess. Além disso, não faltaria colírio para os meus olhos.

Eu não poderia reclamar daquela indireta, uma vez que fui eu quem começou
com toda a paquera. Levantei-me e olhei pela janela, para a rua movimentada,
tentando relaxar um pouco.

— Acho que isso é tudo, Sr. Rodriguez.

— Tem certeza, doutora?

Olhei para ele pelo reflexo da janela, e o notei virado para mim, me
analisando de um jeito nada profissional. Movimentei-me para encará-lo de
novo, deixando meu rosto expressar a minha irritação, mas ele não levantou o
olhar.

O desgraçado estava agora encarando os meus seios!

Senti meus mamilos endurecendo sob os olhos negros de Javier. E ele estava
sorrindo? Cruzei os braços, escondendo a fonte de felicidade dele, obrigando-o a
olhar para o meu rosto.

— Quer saber mais alguma coisa? — Questionei friamente, referindo-me à


entrevista.

Ele ficou imediatamente sério, seus olhos retornando para os meus.

— Perdoe-me, doutora, eu me distraí — eu sabia exatamente com o que ele


havia se distraído.

Devia ter perdido o interesse: afinal de contas, não era do meu feitio ficar
interessada em um cara que eu acabara de conhecer e que era claramente um
safado.

Mas eu não conseguia parar de pensar como ele deveria ser na cama...
Limpei a garganta. Depois, de novo.

— Tem alguma dúvida sobre o trabalho?

— A doutora será a minha chefe? — ele questionou.

— Não diretamente, mas, ainda assim, envolvimento romântico entre dois


funcionários do mesmo departamento é terminantemente proibido.

Orgulhei-me da minha réplica séria. Isto é, até o sorriso preguiçoso dele


retornar aos seus lábios.

— Eu não perguntei nada sobre relacionamentos românticos. — Merda! —


Apenas queria saber a quem vou responder.

— Oficialmente, ao Dr. Perry, o diretor do departamento.

Ele se levantou, apertou a minha mão, e agradeceu pelo meu tempo. Quando
chegou à porta, virou-se para me encarar de novo.

— Se eu quisesse, poderia pedir para mudar de departamento?

Ai. Meu. Senhor.

— Apenas se abrirem vagas. — Fingi não compreender a razão de sua


pergunta. — Agora, não há.

— Que pena — ele disse baixinho, e saiu, me deixando com falta de ar e


excesso de tesão.

Devagar, retornei à cadeira, e foi quando notei a redação que ele havia
escrito. Ele escrevera a letra da canção Blue Eyes, do Elton John. Era uma das
minhas favoritas: mamãe costumava dizer que os olhos azuis sobre os quais ele
cantava eram os meus.

Por que Javier Rodriguez não era gay como seu clone?

***
3
Levi

“Maybe I'm a man and maybe I'm a lonely man


Who's in the middle of something
That he doesn't really understand
Maybe I'm a man and maybe you're the only woman
Who could ever help me”

“Talvez eu seja um homem e talvez eu seja um homem solitário
Que está no meio de alguma coisa
Que realmente não compreende
Talvez eu seja um homem e talvez você seja a única mulher
Que poderia alguma vez me ajudar”

(Maybe I’m Amazed, Paul McCartney)

— Vejam se não é o homem da vez! — Jack Mills, meu melhor amigo e sócio
na firma, entrou no meu escritório de braços abertos.

Sete anos antes, nós tínhamos começado um negócio de café com a minha
ex. Quando eu a peguei com a boca na botija – ou, melhor dizendo, no pau do
amante – eu e Jack consideramos as nossas possibilidades.

No fim das contas, desanimamos com o negócio, e o amante dela comprou


nossa parte por um valor bem superior àquele de mercado. Digamos que, assim
como eu me livrei de uma vadia, Carly se livrou de um namorado idiota, e nós
nos mudamos para Nova Iorque, onde parte da família do Jack vivia.
Claro que, sem as duas pessoas que sabiam administrar o dinheiro, o café
não durou muito. Eu soube que eles fecharam as lojas e terminaram seu caso
menos de um ano depois de eu largá-la e Carly dar um pé na bunda dele.

Eu e Jack, por outro lado, tínhamos feito ótimo proveito do nosso dinheiro.
Reinvestimos o montante e, quando havíamos faturado o suficiente, usamos para
abrir nosso fundo de investimentos. Jack cuidava de toda a parte administrativa
(que era foda, diga-se de passagem), enquanto que eu encabeçava a área que
lidava com nossos clientes e, de fato, fazia os investimentos.

À medida que íamos ganhando mais dinheiro para nossos investidores, novos
clientes surgiam. Claro que havíamos perdido um pouco também, mas as perdas
sempre eram compensadas pelos ganhos.

Alguns meses antes de eu comprar a cobertura na Madison Avenue com vista


para o Central Park, nós tínhamos mudado o endereço do escritório, para caber
nossos dezesseis funcionários. Havíamos escolhido um espaço despojado no
Brooklyn, com vista para Manhattan.

Não, nem todas as empresas que investiam na bolsa ficavam em Wall Street.
Atualmente, apenas as maiores e mais ricas tinham condições de ter escritórios
naquela região.

Ao contrário de muitos executivos, eu preferia vir para o trabalho de metrô.


Adorava sentir o clima de Nova Iorque, curtir a cidade. Era sempre o primeiro a
chegar no escritório. Gostava de passar meia hora lendo os principais jornais do
país, antes de ir até a academia do prédio, e retornar para o escritório antes da
bolsa abrir.

Dei um abraço no Jack; ele estava comemorando os ganhos que tivemos com
as ações da Rich Tech. Demorou quase um mês para as ações subirem conforme
eu havia previsto, mas o aumento ocorrera, e ganhamos outras duas contas
milionárias no processo.

O que eu me recusei a comentar, no entanto, foi o fato de que, se eu tivesse


seguido o conselho da minha vizinha isolada e investido na LogMed, teríamos
conseguido ganhar pelo menos trinta por cento a mais.

Passei a manhã recebendo os parabéns de todos os nossos funcionários, que


fizeram, inclusive, uma festa para mim na hora do almoço. Ainda assim, eu me
sentia um merda por dentro. Não adiantava: eu era competitivo pra caralho.

Eu tinha lido tudo sobre as ações da LogMed nos últimos dias, tentando
entender como a Srta. Westbrook havia adivinhado que elas subiriam tanto.
Todos os analistas financeiros de Wall Street estavam tão surpresos quanto eu.
Como uma mulher que nem sequer saía de casa poderia saber mais do que todos
nós?

Será que ela era uma hacker, e conseguiu acesso a informações


privilegiadas? Seria mais fácil acreditar nisso do que admitir que ela era melhor
do que eu no meu trabalho.

Mas não fazia sentido, porra! Eu não era o melhor apenas com base nos
meus instintos. Eu era o melhor porque eu era muito dedicado. Muitos, inclusive,
me chamavam de viciado no que eu fazia. Eu estudava os dados, analisava-os
com profundidade, não deixava passar um detalhe sequer.

Como ela pôde ter visto mais do que eu? Eu apenas me permitia ir à
academia uma hora por dia e me aliviar com alguma das minhas parceiras de
cama uma ou duas vezes por semana. Desde criança, sempre dormi pouco,
menos de seis horas por noite.

Aquilo estava me enlouquecendo, porra!

Passei a mão pelos cabelos, dando-me conta de que não transava havia mais
de uma semana. Eu passei tanto tempo pensando na porcaria da vizinha que eu
jamais tinha visto que sequer tive tempo de buscar alívio.

Mandei uma mensagem para Lena. Ela era uma psicóloga bem gostosa que
eu havia conhecido em um evento chato de um cliente que não consegui faltar.
Ela respondeu alguns minutos depois, dizendo que me esperaria no apartamento
dela às oito da noite.

O pôr do sol seria em alguns minutos, mas eu tinha muita coisa para ler antes
de sair. Jack ainda estava em frente à minha escrivaninha, um sorriso estampado
em sua face.

— Levi, algumas pessoas do escritório vão sair depois do expediente para


comemorar os clientes novos.
Como ele teve tempo de combinar alguma coisa hoje? Ele tinha passado o
dia em entrevistas para um novo analista.

— Não posso.

— Cara, você tá trabalhando demais — levantei uma sobrancelha com o


comentário. — Digo, demais até para você.

— Não posso porque vou ver a Lena hoje.

— Ah — um sorriso de satisfação surgiu em seu rosto. — Que bom para


você.

— E veja se não pega a estagiária nova, Jack. Não quero ser processado por
assédio sexual — avisei seriamente.

Assim como eu, Jack não acreditava em compromissos. Ele acreditava,


todavia, em comer qualquer gostosa que desse o mínimo mole para ele. E eu
tinha notado ele e a estagiária nova trocando alguns olhares durante nossas
reuniões de equipe.

— Então vou ter que demiti-la, porque mal posso me segurar, Levi.

— Estou pouco me importando com o que vai fazer: só não pode comer
funcionária.

Nós tínhamos algumas regras de ouro: jamais mentiríamos para nossos


clientes, mesmo que perdêssemos todo o dinheiro deles; não íamos entrar em
esquemas estranhos, mesmo que dessem muito retorno; e, acima de tudo, as
funcionárias estavam fora dos limites.

Desde Lara, eu tinha aprendido a lição. Não apenas não me apaixonava por
ninguém como também controlava a minha atração. Não via as mulheres do
escritório como mulheres, e sim como colegas de trabalho.

Felizmente, não faltavam mulheres bonitas e inteligentes em Nova Iorque


interessadas em um arranjo puramente sexual. Atualmente, eu tinha três
conhecidas para tal fim. Era raro eu sentir atração por alguém que acabara de
conhecer.
Aparentemente, a história de que homens começavam a amadurecer a partir
dos trinta era verdade. Com o passar dos anos, meu pau pareceu ficar conectado
com meu cérebro, e eu ficava duro que nem vara de pescar quando conhecia uma
mulher inteligente.

Uma vez, passei um final de semana inteiro transando com uma estudante de
finanças que conheci em um bar porque ela era uma fera em economia. Toda vez
que ela abria a boca, eu ficava duro. E ela nem era bonita.

Talvez fosse por isso que eu não conseguia parar de pensar na Srta.
Westbrook: não tinha ideia se ela parecia a Scarlett Johansson ou a Bruxa Má do
Oeste, mas eu estava interessado só de saber que ela fizera uma escolha melhor
que a minha.

Merda. Fiquei com uma ereção que quase estourou meu zíper só de pensar
que a Srta. Westbrook poderia ser melhor que eu na Bolsa de Valores. Peguei
meu casaco, torcendo que ele escondesse minha situação, e fui até a casa de
Lena antes do horário combinado.

***

A noite com Lena foi um fiasco. Gozamos apenas uma vez, e eu


simplesmente perdi o interesse. Tudo porque não conseguia parar de pensar na
vizinha. Eu tinha que conhecê-la pessoalmente o quanto antes, passar alguns dias
comendo-a enlouquecidamente, e tirar aquilo do sistema.

Assim que cheguei ao corredor do nosso andar, escutei um som de televisão.


Aproximei o ouvido da porta dela para tentar descobrir o que ela estava
assistindo. Sim, em questão de meras semanas eu havia me transformado em um
stalker.

Em poucos segundos, identifiquei o programa que estava passando: era o


noticiário noturno da BBC, um dos meus favoritos, porque eles falavam das
bolsas de valores de Nova Iorque e de Londres.

De repente, ouvi um grito, e algo se espatifando no chão.

— Srta. Westbrook? Está se sentindo bem? — Perguntei pela porta de cofre.

Ela não respondeu. Passei alguns segundos na dúvida se deveria ou não


insistir. Ela podia ter caído e estar desacordada. Poderia ter se acidentado
seriamente. Enquanto considerava minhas opções, vi um bilhete passar por
debaixo da porta.

Agora quem está bisbilhotando a vida alheia?

A resposta dela naquela escrita elegante trouxe um sorriso aos meus lábios.
Inteligente e com um humor ácido. A cada nova interação, eu gostava mais dela.

— Se precisar de alguma coisa, é só avisar.

Especialmente se essa coisa fosse muito sexo.

Afastei-me de sua porta e entrei no meu apartamento, já me sentindo melhor


com a noite. Não havia sido um total desperdício, no fim das contas. E ela tinha
feito uma brincadeira, o que era ótimo sinal.

Qual era a merda do meu problema? A mulher me mandava um bilhete e eu


já achava que estava perto de comê-la? Desde quando eu ficava mais satisfeito
com uma frase escrita do que com uma transa?

Joguei-me no sofá e liguei a televisão. Sempre que não podia assistir ao


programa da BBC, eu o gravava, e mal podia esperar para descobrir que notícia a
havia assustado tanto. Talvez, algo sobre uma empresa em que ela havia
investido.

Acelerei o vídeo até a parte que estava passando quando eu cheguei. Não
tinha nada a ver com a bolsa de valores. Era uma notícia de um cara que tinha
fugido do hospital psiquiátrico onde Carly fazia residência. Provavelmente, outra
coisa a havia assustado.

Mandei uma mensagem para Carly, perguntando se estava tudo bem com ela,
e sobre a identidade do paciente, já que o noticiário não passou aquela
informação. Estava esperando pela resposta dela, quando o meu interfone tocou.
O que era agora? Atendi meio puto, meio curioso, mas jamais imaginei quem
seria a pessoa do outro lado da linha.

— Sr. Rider?

Puta que o pariu. Era ela. Consegui reconhecer sua voz apenas por causa do
grito que ouvi mais cedo.

***

— Posso ajudá-la com algo, Srta. Westbrook? — Torci para que ela dissesse
que estava me esperando nua em seu apartamento.

A esperança era a porra de uma sobrevivente.

— Na verdade, queria saber se seguiu meu conselho sobre a LogMed — seu


tom era sarcástico.

Ela devia saber que eu não havia investido na companhia que ela sugerira.

— Sabe que não, Rapunzel — sem querer, usei o apelido que havia criado
para ela, já que não sabia qual era seu nome.

— Rapunzel? — Ela questionou, a risada clara em sua voz.

— A princesa que não deixava sua torre — expliquei.

— Pelo jeito, a Rapunzel aqui entende melhor de investimentos que o


solteiro mais cobiçado de Wall Street.

Ah, então ela estava interessada. Por que outro motivo saberia aquilo ao meu
respeito?

— Vejo que tem feito pesquisas a meu respeito...

A Forbes tinha feito uma reportagem sobre a nossa firma e os sócios um ano
atrás. Claro que, como nem eu ou Jack éramos casados, eles fizeram questão de
salientar como éramos partidos desejáveis.

— O Google tem suas serventias... Porteiros também...

— Pena que não consegui descobrir nada quando investiguei você.

Eu tinha feito a minha própria investigação nas últimas semanas.


Aparentemente, nem mesmo os porteiros conheciam seu primeiro nome, e havia
centenas de mulheres com o sobrenome Westbrook no estado de Nova York.
Falar com os corretores que haviam me vendido a cobertura tampouco surtiu
efeito: eles não tinham ideia de quem era a proprietária da Cobertura 3. Isso ou
simplesmente fingiram não saber.

— E por que deseja saber sobre mim?

— Curiosidade — e atração. — Gostaria de entender como sabia da Log


Med — e de levá-la para a minha cama.

— Deve ter seus processos para escolher seus investimentos, Sr. Rider. Eu
tenho os meus.

— Faz parte do seu processo não sair de casa?

Ela ficou muda do outro lado. Merda! Ainda não era hora de fazer aquela
pergunta. O problema era que a questão andava coçando a minha garganta desde
que eu conversara com o Joe.

Não consegui tirar uma palavra sequer de Karl, nem quando lhe ofereci uma
nota de cinquenta, então teria que entender as razões para ela se prender em seu
apartamento da boca da própria.

Depois do que pareceram horas, ela finalmente comentou, em um sussurro:

— Coisas ruins acontecem lá fora.

Foi assim, com uma frase, com cinco palavras, que eu compreendi: algo
muito sério acontecera a ela. Sério o bastante para fazê-la se trancar em seu
apartamento.

— Há quanto tempo não sai do seu apartamento?

Eu sabia que fazia no mínimo três anos. Ela fez outra pausa antes de
responder:

— Cinco anos.

Puta que o pariu.

— Srta. Westbrook, eu...


— Obrigada por oferecer ajuda — ela me interrompeu e desligou.

Continuava pensando nela quando fui dormir. A Srta. Westbrook não era só
inteligente. Ela tinha a voz mais feminina e sexy que eu já escutara na vida.

***
4
Carly

“There's a fire starting in my heart


Reaching a fever pitch and it's bringing me out the dark
Finally I can see you crystal clear”

“Há um fogo surgindo no meu coração
Alcançando-me de forma febril e me tirando da escuridão
Finalmente, eu posso te ver claramente”

(Rolling in the Deep, Adele)

Eu estava na metade do meu plantão de vinte e quatro horas, então passaria a


noite inteira no hospital. Acabara de acompanhar a visita do juiz Flynn ao seu
filho, que era um dos pacientes mais antigos (e mais complicados) da área VIP;
Robert.

Em geral, eu gostava do meu trabalho, sentia-me bem em ajudar pessoas que


lutavam com doenças que afetavam suas mentes, muitas vezes fazendo-as ver
coisas que não estavam lá. Havia muito preconceito social contra pacientes
psiquiátricos, mas a verdade era que a grande maioria deles não era um risco
para ninguém, além deles mesmos. Muitos, inclusive, levavam vidas normais se
tomassem as devidas precauções.

Robert Flynn, entretanto, era uma exceção.

Eu achava que ele pertencia ao setor de segurança máxima, onde ficavam


nossos pacientes com maior potencial de violência. Seu pai, todavia, não
permitia, e não tinha qualquer pudor em usar sua influência judicial e política
para garantir que Robert fosse tratado como se fosse o paciente mais calmo e
adorável do hospital.

Hoje, por exemplo, fiquei muito incomodada quando seu pai exigiu ficar a
sós com ele. Ia contra todas as nossas regras. Porém, como meu diretor sempre
nos lembrava, a área VIP praticamente sustentava o St. Patrick, então todos os
seus pacientes eram exceções, não a regra.

Javier, que estava do lado de fora da sala de visitas, notou meu incômodo
quando eu deixei pai e filho a sós. Ele parecia notar tudo o que se passava
comigo. Devo admitir que era difícil manter a concentração no meu trabalho
quando ele estava por perto.

Eu conseguia sentir seu olhar sobre mim, percebia-o me encarando, me


analisando, observando cada um dos meus passos. Uma vez, no refeitório, um
paciente conseguiu pegar uma faca da cozinha, e veio correndo em minha
direção. Javier o parou antes dele sequer chegar perto de mim, como se ele já
estivesse me vigiando.

Quando o juiz Flynn finalmente foi embora, o turno de Javier estava no fim.
Chegava a ser ridículo como eu já havia decorado seus horários, apesar dele
estar trabalhando no hospital havia poucas semanas.

— Precisa de mim, Dra. Rider?

Ele me perguntava aquilo o tempo inteiro. Não parecia nada demais: uma
pergunta inocente e natural de um funcionário para uma das médicas de seu
departamento.

Era a forma como ele fazia a questão: o tom de sua voz, rouca e cheia de
segundas intenções; seu olhar, que viajava pelo meu corpo como se me
imaginasse sem roupa; seus lábios, que se curvavam em um sorriso preguiçoso e
sensual.

— N-não. — Como uma completa idiota, eu sempre gaguejava quando ele


falava comigo daquele jeito.

— Sabe se já abriram vaga de segurança em outro departamento? — outra


pergunta que ele repetia quase que diariamente.

— Não. — Meu tom foi mais firme daquela vez, mas minhas bochechas
ardendo com uma mistura de desejo e vergonha entregaram o que se passava na
minha cabeça.

— Que pena. Estava louco para saber se a doutora ia querer companhia para
o fim de semana.

Ai, merda. As pernas ficaram bambas, o pulmão parou de funcionar, um bolo


se formou na garganta. Aí ele riu; aquele sorriso malicioso, de homem sedutor
que sabe que pode comer a mulher que desejar. Gostoso desgraçado.

Tentando evitar mais um segundo sequer em sua presença, fugi para o


banheiro feminino. Apenas para escutar as médicas falando sobre Javier.

***

— O segurança novo é um gato... — Brenda, a médica que cuidava do setor


onde ficavam os pacientes com depressão aguda, comentou no instante que eu
entrei no banheiro.

Eu gostava da Brenda, apenas detestava a amiguinha dela no hospital: a Dra.


Melissa Tyler, que, além de arrogante, era daquele tipo de pessoa que mostrava o
decote para ser promovida.

Felizmente, nenhuma das duas me viu, então caminhei até a fileira de


armários onde ficava o meu. Queria tomar um remédio para dor de cabeça.
Poderiam inventar um remédio para diminuir o tesão, né? A vida seria bem mais
fácil...

— Pena que não dá para apresentar para a família — Melissa replicou, como
sempre venenosa.

— Como assim, Mel?

Pobre Brenda. Ela era tão inocente. Tinha uma alma pura e, por isso, não
enxergava como a de Melissa era podre e cheia de preconceitos.

— Ah, Brenda, quando nossos pais pagaram a nossa faculdade de medicina,


nos imaginaram casadas com um cirurgião ou um grande advogado, né?

Não aguentei.

— Acho que os pais de Brenda iriam preferir vê-la feliz.

Brenda, que tinha ficado claramente incomodada com as palavras cruéis de


Melissa, sorriu em minha direção.

— Pois eu acho que mulheres como nós merecem coisa melhor do que um
segurança porto-riquenho.

Vaca venenosa.

Estava prestes a perguntar se uma mulher que abria as pernas para pelo
menos três médicos do hospital não tinha nada melhor para fazer – ou alguém
para quem se oferecer –, quando outra voz me surpreendeu.

— Pois eu acho que você está é recalcada porque o meu primo não te deu
nenhum mole — Jessica disse secamente, saindo de um dos cubículos e
caminhando lentamente até a pia.

— Como se eu quisesse a atenção dele... — ela encarou Jessica pelo espelho,


seus olhos maldosos demonstrando irritação e nojo, como se Jessica sequer
devesse se dirigir a ela por ser uma enfermeira.

Minha amiga, no entanto, não era facilmente intimidada. Nem mesmo por
uma cobra venenosa.

— Não foi você quem começou a enviar mensagens para ele no meio da
noite? — Eu e Brenda precisamos segurar a risada. Se tinha algo que Melissa
valorizava, era o próprio ego. — E também notei que seus decotes têm sido bem
mais ousados nos últimos dias...

— Com licença, estou atrasada — Melissa deixou o banheiro praticamente


cuspindo fogo. Brenda saiu logo depois dela.

— Falando no meu primo, ele veio me perguntar de você, Carly.

Senti como se uma corrente elétrica tivesse passado pelo meu corpo.
— O que ele queria saber? — Claro que tentei soar casual. Óbvio que não
consegui.

O rosto de Jessica iluminou-se com um de seus sorrisos animados. Ela


acabara de se tornar nossa cúpida oficial, eu podia sentir.

— Ele estava louco para saber se você era solteira, sobre os seus gostos,
coisas assim...

— E o que você disse?

Merda! Mais uma vez, não consegui disfarçar meu interesse na conversa
deles a meu respeito.

— Pelo jeito, não é só ele que está interessado.

— Shhh! Somos do mesmo departamento, Jess! Sabe que podemos ser


demitidos só de ouvirem rumores!

— Ontem, nós saímos para beber no lugar favorito dele, a Casa Latina.
Depois que ele ficou alto, começou a falar da entrevista de emprego...

— Ai, merda.

Era a última coisa que eu desejava: alguém sabendo daquele desastre.


Especialmente se esse alguém fosse a prima de Javier e a minha melhor amiga
no hospital. Se eu desconfiava que ela iria tentar nos juntar, agora era certo.

— Não se preocupe, eu não vou contar para ninguém. Mas claro que vou te
zoar pelos próximos dez anos.

— Ai, merda.

— É casado? Malha muito? — ela me imitou. — Envolvimento romântico


entre dois funcionários do mesmo departamento é terminantemente proibido...

Não resisti: gargalhei junto com ela, apesar de saber que estava
completamente ferrada. A cada dia que passava, ficava mais difícil manter a
postura profissional perto do primo dela.
O pior era que a atração estava crescendo por conta da personalidade dele
também. Javier não era apenas gato e gostoso: ele era muito simpático com todos
os funcionários, desde os diretores aos faxineiros; ele era incrivelmente gentil
com os pacientes, mesmo os casos mais complicados, e ele era discreto em
relação às mulheres.

Eu detestava homens que ficavam dando em cima de todas, como alguns dos
médicos mais metidos faziam.

— Pelo menos, hoje ele não está mais aqui para me distrair.

— Engraçado, ele fala o mesmo de você. Veio me dizer, no outro dia, que
está louco para saber qual é o seu perfume, para ele poder esparramar na
almofada dele.

— Chance, da Chanel — respondi de imediato, e logo percebi a minha


estupidez.

— Nossa, alguém está realmente interessada.

— Cala a boca, Jess — eu disse, rindo e morrendo de vergonha ao mesmo


tempo.

— Opa! Assédio moral aqui no banheiro!

Saímos juntas, às gargalhadas. Por sorte, o banheiro com nossos armários


ficava em uma ala mais afastada do hospital, onde apenas funcionários podiam
entrar. O bipe da Jessica tocou, e ela saiu correndo na frente, enquanto fui pegar
uma água no refeitório.

Estava caminhando pelo corredor, quando braços se fecharam ao meu redor e


me puxaram para um pequeno cômodo onde os faxineiros guardavam produtos
de limpeza. Por um segundo, quase morri de medo, achando que um dos
pacientes tinha entrado na nossa ala; no instante seguinte, reconheci o cheiro
delicioso de Javier.

***
5
Carly

“Nobody said it was easy


It's such a shame for us to part
Nobody said it was easy
No one ever said it would be this hard
Oh take me back to the start”

“Ninguém disse que era fácil
É uma pena nos separarmos
Ninguém disse que era fácil
Ninguém disse que seria tão difícil
Oh, leve-me de volta ao início”

(The Scientist, Coldplay)

— Precisava ficar a sós com você, Carly.


A expressão “doutora” tinha ido embora, juntamente com a formalidade. Ele
não estava mais no horário dele de trabalho; eu, por outro lado, estava! De
qualquer forma, estávamos no hospital, e se fôssemos pegos...

Então por que eu não me afastava dele? Merda, eu precisaria convencê-lo a


me deixar ir, senão eu não conseguiria fazê-lo sozinha.

— Preciso voltar para o meu posto, Javier. O seu plantão já terminou. O meu,
não.
— Sei que está no seu intervalo.

Como nosso hospital não tinha emergência, não era sempre que tínhamos
plantões dobrados de vinte e quatro horas. No entanto, às vezes era necessário
mais médicos do que o normal, quando havia novas admissões, por exemplo.

Nesses casos, nós tínhamos um intervalo de descanso de uma hora entre um


plantão de doze horas e o seguinte.

— Mesmo assim...

— Eu ouvi a conversa que a doutora teve com a minha prima — ele me


interrompeu, sussurrando no meu ouvido.

Meu quadril juntou-se ao dele, e inclinei a cabeça para o lado, oferecendo-


lhe meu pescoço. Juro que foi uma reação do meu corpo, sobre a qual não tive
qualquer controle.

Agora, minhas costas estavam coladas ao fronte dele, e seus braços


apertaram ainda mais a minha cintura. Senti seu nariz inspirando atrás da minha
orelha, onde eu passava perfume.

Eu tinha que fazer alguma coisa. E rápido. Precisava usar algum argumento
elaborado e inquestionável para acabarmos com aquele absurdo agora mesmo.

— E?

Foi tudo o que eu consegui dizer. Sim, anos e anos de faculdade para sequer
conseguir formar uma frase numa hora daquelas.

— Saia comigo este final de semana, Carlita — o apelido carinhoso me


deixou molhada. — Ninguém precisa saber.

Seus lábios brincaram com a minha pele, e senti-a queimando onde ele me
tocava. Era difícil pensar com aquela boca me provocando, as mãos me
segurando firme, o corpo musculoso contra o meu.

E sem contar a ereção dele pulsando contra as minhas costas.

Não, não e não! Eu tinha que salvar nossos empregos, já que ele não parecia
preocupado o suficiente com eles.

— Alguém pode nos pegar no flagra a qualquer instante, Javier!

A resposta dele foi levantar meu quadril, para que a minha bunda ficasse na
altura do gigante acordado dele. Nossa, ele era bem proporcional...

— Se eu perder o emprego, vai ter valido a pena. Pelo menos, vou tê-la na
minha cama.

— Você está muito metido, Javier.

— E a doutora é muito gostosa.

Porra, ele estava me matando. Mesmo. As mãos gigantes dele invadiram meu
jaleco. Eu usava uma camiseta de algodão por baixo, com um top confortável,
para eu aguentar o longo plantão.

Seus dedos ágeis encontraram a barra da blusa e passaram por baixo. Soltei
um gemido nada discreto quando senti sua mão quente sobre a minha pele, e
quase tive um orgasmo quando eles chegaram aos meus seios.

— Javi... Para... — eu arfei de um jeito que implorava para ele não parar.

— Quer que eu pare, doutora? É por isso que está esfregando sua bundinha
gostosa no meu pau?

Sim, admito que estava esfregando mesmo; empinando também, e


pressionando-a contra o quadril dele. Pois é, não tinha qualquer moral para pedir
que ele parasse.

As mãos dele eram bastante experientes, reparei quando ele começou a


massagear meus mamilos, que ficaram duros sob seu toque mágico. Ele os
apertava o suficiente para deixá-los levemente doloridos, em um movimento
sensual e irresistível, no limite entre o prazer e a dor.

— Hum... — virei a cabeça para trás, encostando-a no seu ombro.

— Um final de semana — ele puxou meu lóbulo entre seus dentes, enquanto
continuava me enlouquecendo com seus dedos especializados em deixar uma
mulher muito molhada. — É tudo o que eu peço.

— E se depois você quiser outro?

Do que eu estava falando? O que estávamos fazendo já era arriscado demais.


Agora, passar um final de semana inteiro com Javier?

O problema era que a parte racional do meu cérebro estava sendo esmagada
pela parte que queria acabar com as teias de aranha lá embaixo. Afinal de contas,
nos últimos anos, além de muito seletiva com os homens, eu não tinha tempo
para praticamente nada, em meio a estudos, a residência e o novo apê.

— Claro que eu vou querer mais, doutora — ele sussurrou. — Aí eu vou


pedir de novo... E depois peço de novo... Quando você se der conta, estarei
dentro de você em todas as suas noites livres, Carlita...

Foi quando escutei um som abafado do lado de fora, e me toquei que


estávamos nos pegando em um armário de produtos de limpeza do meu local de
trabalho.

Finalmente, consegui afastar-me um pouco os nossos corpos, e pude respirar


de novo.

— Alguém está do lado de fora, Javier.

— Foda-se — ele me puxou para junto dele de novo, e tornou a atacar meu
pescoço e meus seios.

Fui salva de transar com o segurança gostoso em um armário minúsculo pelo


toque do meu celular.

— Merda. Uma emergência no setor VIP.

— Precisa de ajuda? — ele questionou, seu tom ficando sério e profissional.

Eu precisava de muita ajuda dele. Mas não era no hospital, e sim na minha
cama. Claro que não diria aquilo em voz alta.

— Não, obrigada. É melhor ir embora.


Ele me virou em sua direção e puxou o cordão que ligava a luz do armário.
Encarou-me intensamente por alguns segundos, durante os quais eu considerei
seriamente me jogar em cima dele. Finalmente, deu dois passos para trás e disse:

— Depois falamos sobre o final de semana.

Não era uma questão ou um convite: era um aviso.

Mal podia esperar que o final de semana chegasse.

***

Quando subi para o andar VIP, fui surpreendida por um verdadeiro


pandemônio. Os pacientes estavam agitados, gritando de seus quartos, e os três
enfermeiros de plantão, incluindo Jess, estavam agachados, em volta de alguém
desmaiado no meio do corredor da ala.

Havia sangue no chão. Bastante sangue.

— O que aconteceu? — perguntei aos enfermeiros.

Quando eles se moveram para falar comigo, vi que a pessoa estirada no chão
era Mike, o segurança que tinha ficado no lugar de Javier. Mãos pressionavam
um tecido sobre a lateral de seu pescoço, que estava encharcado de sangue.

— Cuidado! — Jess gritou enquanto eu corria na direção deles para ajudá-


los.

— Ele tem uma faca! — Leo, o outro enfermeiro, avisou.

Quem tinha uma faca? Logo eu descobriria a resposta para esta questão da
pior forma possível. Senti um braço me puxando para trás, uma lâmina fria
pressionando meu queixo.

— Não! — Jessica berrou. — Robert, por favor, não a machuque!

Robert Flynn. Como ele tinha conseguido uma faca? Nem mesmo nós, da
equipe médica, andávamos com qualquer objeto cortante exatamente para evitar
este tipo de situação.
— Robert — Jim, o terceiro enfermeiro, levantou-se devagar, um molho de
chaves em sua mão. — Pode levar as chaves. Mas deixe a Dra. Rider ir, por
favor.

— Preciso libertar o mundo do seu fim. O Apocalipse está chegando — ele


sussurrou ao meu lado, seu hálito tocando minha pele, fazendo-a formigar de
medo, me deixando enjoada.

Como eu tinha medo daquele homem, de tudo a respeito dele. Agora, minha
vida dependia da decisão que ele tomaria a seguir.

— Sim, Robert. E a Dra. Rider não sabe nada a respeito do Apocalipse —


Jim tentou acalmá-lo, entrando em sua fantasia.

Ao longo dos anos, Robert havia se tornado um fanático religioso. Somando-


se isso à sua esquizofrenia paranoide, ele se tornou uma pessoa que distingue
aqueles ao seu redor de duas formas: servos do demônio ou servos de Deus. Por
sorte, ele me classificou como o segundo, senão eu já estaria estirada no chão,
sangrando como o pobre Mike.

— Tome, Robert. — Jim jogou as chaves no chão, que deslizaram até os pés
do meu pior paciente.

Senti a pressão da lâmina diminuindo contra meu pescoço e, em seguida, ele


agachou-se, pegou as chaves, e ordenou que todos nós déssemos nossos
celulares para ele. Em seguida, deixou a ala e nos trancou dentro dela.

— Jim, consegue quebrar a porta de acesso aos medicamentos?

Todas as alas tinham uma salinha onde guardávamos alguns kits de primeiros
socorros e remédios mais básicos para os pacientes. Precisava de um kit para
ajudar Mike. E precisávamos alertar o hospital que Robert estava armado.

Jim derrubou a porta com um chute.

— O que vamos fazer? — Jessica questionou.

— Tem um interfone nesta sala — nós nunca os usávamos, pois tínhamos


nossos bipes, celulares e os telefones das salas de segurança, aos quais não
tínhamos acesso agora. — Vou ajudar o Mike. Jim, avise a quem conseguir sobre
Robert e peça para chamarem uma mabulância.

— Acha que alguém conseguirá pará-lo?

— Não — respondi com firmeza. Ele era um homem com muito ódio e
agressividade acumulada, era esperto, e estava no hospital havia anos, então o
conhecia melhor do que a maior parte da equipe. Não era mera coincidência ele
ter nos atacado menos de uma hora depois do turno diurno terminar. Ele sabia
que haveria poucas pessoas para interceptá-lo à noite. — Porém, vamos tentar
garantir que ele não machuque outra pessoa em sua fuga.

***

Já eram quase três da manhã quando, enfim, o diretor da ala VIP e o pai de
Robert decidiram parar as buscas. Eles retomariam com uma equipe formada por
alguns detetives particulares contratados pelo hospital e algumas pessoas de
confiança do pai de Robert.

Em sua fuga, ele tinha machucado outras duas pessoas: a recepcionista e


outro segurança. Felizmente, nenhum dos ferimentos tinha sido sério como o de
Mike, que perdeu bastante sangue até conseguirmos estabilizá-lo.

Outra péssima notícia: aparentemente, alguém havia contado para a mídia


sobre a fuga, porque Levi tinha me enviado uma mensagem perguntando quem
era o paciente foragido.

— Como ele arranjou uma faca? — o juiz se dirigiu a mim e aos três
enfermeiros que estavam na ala VIP no momento do ataque em um tom
acusatório.

— Não sabemos — repliquei friamente. Se ele não insistisse tanto para o


filho ser tratado na ala VIP, ao invés da ala de segurança máxima, não estaríamos
nesta situação. — Ninguém aqui anda com qualquer tipo de arma, nem mesmo
os seguranças.

— Alguém de fora deve ter conseguido entrar! — Mais uma vez, aquele tom
indicando que devíamos ter errado de alguma forma.

Notei Jim e Leo encolhendo-se. O juiz era um homem ameaçador: um


babaca que usava sua influência de forma antiética. Jessica, assim como eu,
parecia muito mais irritada do que temerosa.

— A única pessoa que o visitou esta semana foi o senhor, juiz Flynn —
devolvi seu tom acusatório.

— Está dizendo que eu dei uma faca ao meu filho esquizofrênico? — Ele
ficou imediatamente vermelho de raiva.

Meu diretor, como sempre um puxa-saco, interveio:

— Claro que não, peço desculpas e...

— O Sr. Flynn é muito esperto — interrompi-o, a despeito de ser meu chefe.


Não levaria a culpa por algo que desconfiava ter sido um erro do pai do paciente.
— Pode tê-la pego sem o senhor perceber. Deu falta de algum objeto?

Apesar de enfurecido, ele começou a revirar os bolsos de sua calça social e


do paletó.

— Claro que não e... Merda — ele pareceu dar falta de alguma coisa.

Merda, mesmo.

— O que foi? — Meu diretor enfim percebeu que isso poderia ser uma falha
de segurança do próprio juiz e que, portanto, havia uma chance ínfima não
sermos processados.

Claro que ele estava mais preocupado com processos do que com seus
funcionários que foram atacados. Ele sequer havia me perguntado sobre Mike
quando chegou no hospital naquela noite.

— Eu sempre ando com o meu chaveiro. Tem um canivete suíço nele.

Tive que respirar fundo para não esbofetear aquele imbecil e o meu chefe. Eu
tinha avisado. Tantas vezes. Não era certo o juiz poder entrar no hospital sem ter
seus pertences verificados.

E quem pagava o pato por aquele erro dos dois era o pobre Mike. Fiz uma
nota mental para falar com o Jack sobre um advogado para o Mike. Ele tinha um
irmão que era excelente advogado, devia conhecer alguém que pudesse ajudar.
— Mistério revelado — finalmente disse, sem conseguir tirar o ódio da voz.
Os três enfermeiros que me acompanhavam também pareciam estar prestes a
cuspir fogo. — Seu erro quase custou muitas vidas aqui neste hospital, Juiz
Flynn. Mike, nosso segurança, está hospitalizado, perdeu bastante sangue.

Leo e Jim, agora não mais amedrontados pelo juiz desgraçado, deram alguns
passos à frente, formando uma muralha sufocante em volta dele.

— Eu sinto muito, não percebi — sua voz ficou levemente trêmula.

Bem feito. O desgraçado tinha que ser mais humilde em suas decisões.

— Acho melhor irem embora — o diretor sugeriu, tentando apaziguar os


ânimos. — Estão cansados. Eu termino com o Sr. Flynn. Terão os próximos dias
de folga.

Sabíamos muito bem o que o diretor estava fazendo. Ele estava nos dando
alguns dias de férias extras pagas como um “cala boca”. Eu aceitaria aqueles
dias de merecido descanso, claro. Mas isso não significava necessariamente que
eu deixaria de processá-lo por ter arriscado a minha vida.

Quando me virei para sair da ala VIP, os enfermeiros me seguiram.


Estávamos cobertos de sangue, cansados e devastados como um canivete tinha
gerado tanto sofrimento. Entretanto, estávamos todos vivos, então poderia ter
sido bem pior.

— Quer tomar alguma coisa? — Jessica me perguntou enquanto tomávamos


banho no banheiro das funcionárias.

Eram três da manhã e, ainda assim, não estava pronta para ficar sozinha.

— Quero tomar tudo e mais alguma coisa, Jess.

***
6
Carly

“I don't care what they say


I'm in love with you
They try to pull me away, but they don't know the truth
My heart's crippled by the vein, that I keep on closing
You cut me open and I Keep bleeding, keep, keep bleeding love”

“Eu não me importo com o que eles dizem

Estou apaixonada por você

Eles tentam me afastar, mas não sabem a verdade

Meu coração está aleijado pela veia que eu continuo fechando

Você me corta e eu

Continuo sangrando, continuo sangrando amor”

(Bleeding Love, Leona Lewis)

Sim, eu estava bêbada.


Sim, eu estava fula da vida.
E não, eu não estava nada preparada para dar de cara com Javier ao voltar
para casa. Ele estava nos degraus do prédio de três andares onde eu morava.

Mesmo no meu estado de embriaguez, eu sabia o que aquilo significava:


Javier descobriu o que se passara no St. Patrick.

— Estou te esperando há quase uma hora — ele reclamou enquanto eu subia


os degraus cambaleando.

Olhei para o céu: estava começando a clarear. Eu tinha passado o que sobrara
da minha noite tomando todas com Jessica.

— E eu te pedi para esperar, por acaso? Eu te convidei para vir à minha


casa? — Como dito anteriormente, eu não estava de bom humor. Longe disso. —
Por sinal, como sabe onde eu moro?

— Queria saber se estava bem. Jess me contou...

— Estou perfeita — interrompi-o.

Ele me puxou pelo braço, quase me fazendo cair pelos degraus.

— Está bêbada — ele afirmou.

— Você acha? Pois eu quero continuar bebendo.

— São quase sete da manhã.

— E?

Cara, eu devia estar muito mal, porque comecei a ver tudo dobrado. Havia
dois Javiers na minha frente. Se um já era difícil de resistir...

— Por que você não é gay, Ricky?

— Primeiro, meu nome é Javier, e segundo, do que está falando?

— Você poderia ser gay...

— Quê?
— Seria tudo mais fácil...

Senti meu corpo inclinando para a frente. Nossos rostos se aproximando.


Nossas respirações misturando-se. O inevitável finalmente aconteceria. Ou era
isso que eu achava.

Quando nossos lábios estavam praticamente se tocando, eu o senti. Subindo


pela minha garganta, ainda mais implacável que meu desejo de, enfim, beijá-lo.

Eu vomitei todo o vinho que havia tomado com Jessica na calçada, nos pés
de Javier.

***

Acordei com uma dor de cabeça insuportável, a boca seca e os olhos


pesados. Nem precisava me lembrar do que havia se passado antes de apagar
para saber que eu estava de ressaca.

Devagar, levantei-me da cama e fui para o banheiro. Engoli dois


comprimidos de remédio para dor de cabeça e lavei o rosto. Em seguida, ainda
sem coragem de me olhar no espelho, escovei os dentes, sentindo-me mais
humana com um hálito que não seria mais capaz de acordar os mortos e matar os
vivos.

Por último, dei-me conta do mico que eu havia passado naquela mesma
manhã. Nossa, eu tinha vomitado no Javier, ele tinha subido comigo no colo, e
eu tinha apagado antes mesmo de chegar à cama.

Irritada comigo mesma, abri os olhos. Foi quando eu vi. Eu não estava
usando a minha camiseta coberta de vômito. Na realidade, eu não estava usando
muito, apenas calcinha e sutiã. E sequer era o conjunto que eu tinha vestido
ontem, eu tinha certeza.

O que significava que o safado do Javier tinha se aproveitado de mim.

Escutei alguém caminhando no meu apartamento, então concluí que o


desgraçado ainda estava aqui. Saí do banheiro como estava, para ver uma
bandeja de café-da-manhã sobre a minha cama, e um Javier bem sexy me
olhando dos pés à cabeça.
Daquela vez, eu não ia cair na lábia dele.

— Que merda está acontecendo aqui?

Sim, minha mãe tinha me criado para ser uma dama, mas a pobre coitada não
conseguiu.

— Eu achei que você ia querer um café e algo para comer quando acordasse
— ele justificou devagar, como se não compreendesse a razão da minha fúria. —
Usei o que tinha na sua geladeira.

Coloquei as mãos na cintura e inflei o peito. Os olhos dele voaram para os


meus seios, mas eu continuei firme e forte.

— Você se aproveita de uma mulher bêbada e ainda acha que vai compensar
com uma merda de café?

Ele deu alguns passos em minha direção, esticando o braço para me tocar. Eu
recuei. A mão dele ficou alguns segundos no ar, depois caiu ao lado do seu
corpo.

— Acha que eu me aproveitei de você? — Havia ofensa em sua voz. Eu não


achava nada, eu tinha certeza! — Você se lembra do que aconteceu esta manhã?

— Sim — se ele achava que se safaria desta fazendo o jogo da amnésia,


estava muito enganado. Eu me lembrava claramente de tudo. Exceto pelo
período em que eu estava apagada, claro. — Cheguei em casa bêbada e
vulnerável. E você estava me esperando, como um lobo espera sua presa.

— Você vomitou nos meus pés, Carly.

— E você acha que justifica você ter se aproveitado de mim depois que eu
desmaiei no seu colo? — aproximei-me dele, pressionando meu indicador contra
seu peitoral.

Seu peitoral largo e musculoso, diga-se de passagem. Ele usava uma


camiseta apertada, daquelas “mamãe, tô forte”, que lhe caía muito bem. As
tatuagens em seus braços estavam visíveis, e senti um desejo inexplicável de
lamber cada uma delas, até alcançar seu pescoço, sua jugular, seus lábios...
Hum...
Do que estávamos falando mesmo?

— Na verdade, você desmaiou nos degraus do seu prédio — ah, sim.


Brigávamos sobre a minha bebedeira e o fato de que ele havia se aproveitado de
mim. — Quase bateu a cabeça, eu te peguei a tempo. E eu nunca me aproveitaria
de você ou de nenhuma mulher naquele estado.

Ele segurou a minha mão, tirando o indicador do seu peito. Daquela vez, eu
não me afastei. Estávamos a um passo de distância.

— Eu estou de calcinha e sutiã — anunciei.

— Eu notei — ele aproximou-se alguns centímetros, depois de passar longos


segundos me analisando.

— Com uma calcinha e sutiã que eu não vestia ontem.

Um sorriso safado surgiu em seus lábios. Ai, meu senhor.

— Também notei — ele inclinou a cabeça para a frente; senti seu bafo
quente contra meus lábios, seu cheiro másculo deixando minhas pernas pesadas
e trêmulas.

— E eu estou de banho tomado — continuei argumentando, apesar de sentir


que havia perdido aquela batalha. Porém, precisava saber exatamente o que
havia acontecido. — Estou cheirosa e tudo.

O desgraçado colocou o nariz contra meu pescoço e inspirou profundamente.


Em seguida, sussurrou no meu ouvido:

— Também reparei nisso.

Coloquei as palmas das mãos no seu abdômen, tentando afastá-lo um pouco


de mim. Eu detestava quando me distraíam enquanto eu estava no meio de uma
discussão, especialmente uma que se referia à minha dignidade como mulher!

— Quem foi que me trocou, porra? A merda do Gasparzinho?

— Você realmente não se lembra? — Seus olhos escuros encararam os meus,


e uma linha de preocupação surgiu entre seus olhos.
— Pode me recordar? Precisarei falar com a polícia logo em seguida.

— Se está achando que eu tirei a sua roupa, está completamente enganada.


Eu só tirei o seu casaco e seus sapatos, que estavam encharcados com seu
vômito.

— E o resto?

Não sei se foi para me irritar, ou se foi um gesto inconsciente, mas aquele
sorriso de homem sem-vergonha prestes a fazer alguma safadeza retornou aos
seus lábios.

— Você tirou o resto da roupa — ele comentou, os braços contornando a


minha cintura. — Na minha frente.

— Mentira! — Acusei, mas havia uma lembrança longínqua que começava a


se formar em minha mente confusa. — Eu desmaiei quando você me carregou!

— Você acordou, e começou a se despir na minha frente — ele me puxou em


sua direção, e nossos corpos se colidiram. Precisei inclinar a cabeça para trás
para continuar a encará-lo. — Eu tentei te parar, mas você disse que queria ficar
nua, molhada e cheirosa para o Ricky Martin.

— Ai, merda — de repente, lembrei-me de ter dito aquela frase.

Não havia sido um sonho? Merda! Se eu tinha dito aquilo mesmo para ele,
então eu também tinha feito outras coisas...

— Eu me contive enquanto você tirava a roupa, mas notei que você mal
ficava em pé, então preparei sua banheira e te ajudei a se preparar para o Ricky
Martin.

— Puta que o pariu.

Ele tinha me visto pelada. Agora eu conseguia ver a cena claramente. Eu


tinha pedido que ele me esfregasse lá embaixo e tudo. Por sorte, ele não tinha me
obedecido.

— Eu tentei colocar pijama em você também, mas você não deixou. Insistiu
em usar apenas calcinha e sutiã e queria que fosse de renda.
— Ai, meu senhor.

Eu tinha comprado o conjunto que estava usando algumas semanas antes,


pensando no Javier. Em particular, eu tinha imaginado em como ele ia arrancar
minha calcinha de renda com os dentes.

— Você é bastante falante quando está bêbada. E assanhada também.

— Como é que é?

— Tentou me agarrar e começou a me chamar de Ricky Martin. Eu sei que


você é fã dele, mas você sabe que ele não curte mulher, né?

Ai, meu santo protetor de bêbadas sem noção, por favor não me deixe
desmaiar de novo. Ou pior, vomitar novamente no Javier.

— Minha cabeça está girando.

— E você ainda está de calcinha e sutiã, Carlita — ele puxou uma das alças,
aproximando-me dele de novo, seus olhos grudados nos meus lábios. — Já foi
difícil resistir enquanto você tentava tirar a minha calça.

— Se resistiu antes, pode resistir agora.

— Eu não resisti, não exatamente — ele admitiu. — Enquanto desabotoava o


meu cinto, você desmaiou de novo.

O que dizer depois disso?

— Pode por favor fingir que nada disso aconteceu?

— Ainda está bêbada?

— Claro que não!

As mãos dele agarraram a minha bunda, e ele esfregou seu quadril no meu,
fazendo que eu sentisse sua ereção sem qualquer pudor. Nossa, como ele era
grande...

— Posso esquecer o que se passou esta manhã, mas certamente não vou
deixar você se esquecer do que vamos fazer daqui em diante.
Como assim? Antes que eu pudesse perguntar de que merda ele estava
falando, ele abafou a minha pergunta – e todo o meu autocontrole – com um
beijo.

***

Os lábios dele eram macios, mas não havia qualquer gentileza naquele beijo.
Era um ato desesperado, como se uma barragem tivesse acabado de ruir,
deixando passar milhões e milhões de litros de água.

Como se eu fosse tão leve quanto uma pluma, ele me levantou, ainda me
segurando pela bunda, e minhas pernas abraçaram seu quadril automaticamente,
como se aquele já fosse um ritual só nosso.

Não havia carreira naquele momento, ou regras de trabalho, ou o paciente


foragido; havíamos eu, Javier, e nossa necessidade quase que biológica de nos
unirmos. Gemi de tesão apenas de pensar em todas as coisas que desejava fazer
com ele, de expectativa para tê-lo dentro de mim.

Meu quadril movimentou-se para cima e para baixo, em um ritmo frenético,


e senti a ereção dele pulsando ainda mais forte, ficando mais dura, mais
insistente.

— Calma, doutora, ainda estou de calça — ele sussurrou na minha boca, e


voltou a me invadir com a língua.

Nossa, como eu queria aquela língua experiente dele em outros lugares.


Preferencialmente, em locais abaixo da minha cintura. Porém, teria que ficar
para outro momento, porque eu queria outra coisa agora dentro de mim. E o
quanto antes.

— Vamos logo, porra! — reclamei, e ele gargalhou contra os meus lábios.

— Não era você que estava toda preocupada com a sua carreira?

Desgraçado!

— Quer que eu desista ou o quê?

Ele me jogou na cama, arrancou a minha calcinha — não com os dentes,


como eu havia imaginado, mas, ainda assim, foi sexy pra cacete — e enfiou um
dedo grosso e gigante lá dentro.

Eu uivei de prazer. Sim. Uivei. Como uma cadela no cio. Apertei o dedo dele
dentro de mim, e ele riu, uma gargalhada rouca e cheia de segundas intenções,
como se ele soubesse que eu estava na mão dele. Literalmente.

— Você? Desistir? Do jeito que está molhada? Vou ter dificuldade é de sair
de você, doutora, não de entrar.

Puta que o pariu, o gostoso arrogante tinha razão.

Em tempo recorde ele tirou a roupa, e mal tive tempo de apreciar o corpo
delicioso dele, quando ele se deitou sobre mim, separou bem as minhas coxas e,
encarando-me intensamente, deixando claro que eu, a partir daquele momento,
seria marcada por ele de forma irreversível, enterrou-se dentro de mim.

Eu gozei. Imediatamente. Intensamente. Enlouquecidamente.

Certamente todos os meus vizinhos (e alguns pedestres que passavam pela


minha rua naquele momento) escutaram que a Dra. Carly Rider estava, enfim, de
volta à ativa.

Javier não diminuiu o ritmo de suas estocadas depois que parei de


convulsionar; o oposto ocorreu, na realidade. Assim que eu parei de me
contorcer e de apertá-lo, ele continuou com ainda mais desespero, e gozei uma
segunda vez, junto com ele.

Nos dois dias seguintes, ele apenas permitiu que eu deixasse a cama para
tomar banho e comer. E, apesar de ter gozado naquelas quarenta e oito horas
mais do que em anos de relacionamentos, assim que ele deixou o apartamento
para fazer seu plantão no hospital, eu já estava sedenta por ele.

Mal podia esperar pela nossa próxima folga juntos.

***
7
Levi

“What a wicked game to play, to make me feel this way.


What a wicked thing to do, to let me dream of you.
What a wicked thing to say, you never felt that way.
What a wicked thing to do, to make me dream of you”

“Que jogo perverso de se jogar, me fazer sentir assim
Que coisa perversa de se fazer, permitir que eu sonhe com você
Que coisa perversa para se dizer, você nunca se sentiu assim
Que coisa perversa de se fazer, me obrigar a sonhar com você”

(Wicked Game, Chris Isaak)

Uma nova rotina rapidamente surgiu após a ligação de Rapunzel.


Por um lado, eu continuava acordando no mesmo horário de sempre,
malhava diariamente, ficava no escritório as horas de costume, e chegava do
trabalho antes das nove, a tempo de assistir o noticiário da BBC, comer alguma
coisa, e voltar a trabalhar até meia-noite, quando ia dormir.

Entretanto, durante aqueles sessenta minutos do programa da BBC, eu não


mais assistia sozinho, e sim na companhia da minha vizinha misteriosa. Bem,
quase em sua companhia.

Ela me ligava assim que eu trancava a porta do meu apartamento, e


comentávamos sobre as notícias do dia, em especial, aquelas relacionadas ao
nosso ramo de trabalho. Nunca mais mencionei o fato dela não sair de casa.

— O outono é a minha estação favorita em Nova Iorque — ela comentou


uma noite, quando eu estava morando no prédio há quase três meses.

Naquele período, as folhas douradas do outono haviam começado a cair, e as


temperaturas amenas começavam a dar lugar ao frio úmido nova-iorquino.
Estávamos no início de novembro. Em algumas semanas, o inverno começaria
de vez.

— Eu também adoro. Pelo menos uma vez por semana corro no Central
Park.

Era raro termos conversas que não estivessem diretamente relacionadas com
investimentos. Nos últimos dias, entretanto, ela vinha soltando informações
pessoais. Ontem, por exemplo, ela tinha contado que se formara em economia e
tinha um mestrado em Administração de Empresas. Estudou tudo, é claro, à
distância.

Esperava que aquilo significasse que ela estava começando a confiar em


mim.

— É uma das coisas de que eu mais sinto falta lá de fora. Do outono no


Central Park.

Ficamos em silêncio por alguns segundos. Eu não queria forçar a minha


sorte: poderia dizer algo que a fizesse se afastar de novo.

— Acho que deveria investir na Patch’s — ela mudou de assunto de repente.

— Patch’s? Estava pensando na Clean Energy — comentei, como se não


tivesse percebido a mudança abrupta no seu humor.

— Então invista nas duas — ela rebateu. — Mas saiba que a Patch’s vai dar
mais dinheiro.

Aquela era a terceira vez que ela fazia uma de suas previsões. Nas duas
primeiras, eu preferi apostar as fichas nas minhas próprias avaliações. Daquela
vez, eu seguiria o conselho dela. Não poderia ser arrogante o bastante a ponto de
deixar de ganhar dinheiro para os meus investidores.
Ainda assim, não fui capaz de lhe contar as minhas intenções. Eu era
competitivo pra caralho, não queria jogar a toalha e admitir que ela era melhor.

— Vamos ver, Rapunzel — comentei. — Boa noite.

— Boa noite, Príncipe de Manhattan.

Como acontecia todas as noites, eu precisei me aliviar depois de falar com


ela. Minha mão já estava cheia de calos, e eu não visitava nenhuma das minhas
parceiras de trepadas naquelas longas semanas solitárias.

A verdade era que eu sentia mais prazer ouvindo a voz rouca e


deliciosamente sensual da Srta. Westbrook do que transando com qualquer
mulher. Ela era inteligente, engraçada e muito irônica.

Uma vez, eu bati punheta enquanto ela me dava um sermão por ser um
babaca arrogante que não fazia os investimentos que ela sugeria. Foi a melhor
gozada do ano. Mal imaginava como seria quando eu estivesse dentro dela.

Acabei adormecendo enquanto pensava em como ela seria, em como nos


divertiríamos se ela aceitasse uma visita minha no meio da noite. Eu havia
sugerido aquilo uma vez, três semanas antes. A resposta dela foi bater o telefone
na minha cara e colocar uma música clássica nas alturas na suíte dela, que
dividia parede com a minha.

Só de saber que ela dormia a uma parede de distância já me deixava


excitado, duro. Algumas vezes, eu conseguia até mesmo escutá-la caminhando
pelo quarto. Imaginava-a nua, molhada de um banho, e exposta para mim.

Puta que me pariu, eu estava enlouquecendo.

Jamais havia sentido uma atração daquelas por ninguém, nem mesmo por
Lara. Talvez fosse o fato dela ser a primeira mulher que se recusava a transar
comigo. Porra, ela se recusava a me ver pessoalmente!

Ao fechar os olhos, escutei a voz profunda de Ray Charles do outro lado da


parede. Sim, mesmo prédio de rico de uma acústica de merda. Apenas as paredes
que davam para o corredor central eram bem isoladas.

Aquela era outra nova rotina nossa: ela começou a colocar músicas em sua
suíte à noite, e me perguntava se eu aprovava sua escolha no dia seguinte.

Adormeci pensando em todas as coisas que eu faria com ela ao som de jazz.

***

Abri os olhos no meio da noite. Não conseguia ver nada em meu quarto, mas
sabia que ela estava ali. Nua. Molhada. Pronta para mim.

Estreitei os olhos, tentando forçá-los a se adaptarem mais rapidamente à


escuridão. Vi apenas uma forma sem rosto. Uma forma com uma voz sexy e
feminina:

— Eu preciso de você, Levi.

— Também preciso de você, Rapunzel — repliquei, já sentindo o pau ficando


duro.

Ela aproximou-se da cama, tirando o lençol que me cobria, arrancando a


cueca samba-canção que eu vestia. Ajoelhou-se na cama, separou as minhas
pernas, e me abocanhou, engolindo-me por inteiro logo de primeira.

— Caralho! — Gritei, agarrando seus cabelos sedosos, movimentando sua


cabeça para cima e para baixo.

Em poucos segundos, eu já estava perto de explodir na boca dela. Não, eu


não queria gozar ainda. Queria me enterrar dentro dela e sair em uma ou duas
semanas. Ela pareceu sentir que eu estava praticamente no ápice, pois afastou a
boca do meu pau, e posicionou seu quadril sobre ele.

— Senta em mim — implorei.

Ela gargalhou com o pedido, ao mesmo tempo em que descia o quadril.


Minha cabeça encostou na abertura dela, aí a desgraçada se afastou. Encostou
de novo, e se afastou mais uma vez.

Toda vez que eu tentava segurá-la pela cintura, para poder enterrar meu pau
na boceta dela, ela batia nas minhas mãos e se afastava. Então, eu deixei que
ela me guiasse. Eu deixei que ela me torturasse. Mas eu estava chegando
perigosamente no limite.
— Eu quero gozar dentro de você, Rapunzel — consegui dizer, entre
gemidos.

Ela parou quando eu disse aquilo, e sentou-se de vez, enterrando-me dentro


dela, fazendo seus músculos contraírem-se em volta de mim.

Sem rodeios, sem meio termo.

Gozei. Litros e litros de sêmen invadiram o corpo dela.

— RAPUNZEL!

Gritei, antes de acordar.

***

Meu primeiro pensamento foi que aquele tinha sido o sonho mais real da
minha vida. Porra, meu lençol estava encharcado de suor, e, ao sentir algo
molhado entre as minhas pernas, eu me dei conta de que tinha gozado!

Sem me tocar, sem nenhuma mulher naquela cama, eu tinha chegado ao


ápice só de sonhar com a maldita mulher que se recusava a deixar seu
apartamento, ou de deixar que eu entrasse.

Meu segundo pensamento foi: eu tinha gritado Rapunzel em voz alta?

A resposta veio alguns segundos mais tarde, quando escutei um som abafado
de um risinho do outro lado da parede.

Caralho, puta que o pariu, merda!

A risada aumentou, o que significava que eu também tinha xingado em voz


alta. Bati três vezes na parede.

— Vou reclamar com o síndico! — avisei. — Você está atrapalhando o meu


sono!

Ela gargalhou ainda mais alto, e não consegui resisti e sorri também, que
nem um imbecil.

— Estou atrapalhando seu sono ou seu sonho, Sr. Rider?


Porra, que vontade de invadir o apartamento dela e fazer tudo que eu tinha
sonhado.

— Nossa, o sonho deve ter sido bom mesmo, Sr. Rider — ela comentou
sarcasticamente.

Eu tinha dito aquilo também em voz alta? Merda, o que estava acontecendo
comigo?

Ela estava acontecendo.

Irritei-me com o pensamento. Não deveria deixar uma mulher me atingir


daquele jeito, mesmo uma tão inteligente e interessante como a Srta. Não Digo
Meu Nome Westbrook.

Saí da cama, tomei uma ducha fria e fui trabalhar no meu escritório. Bem
longe da parede que dividia com ela.

***
8
Levi

“If you're lost you can look and you will find me
Time after time
If you fall I will catch you, I will be waiting
Time after time”

“Se você estiver perdido você pode procurar e vai me encontrar,
Vez após vez
Se você cair eu vou te pegar, eu vou estar esperando,
Vez após vez”

(Time After Time, Cindy Lauper)

Em duas semanas, as ações da Patch’s deram mais dinheiro do que eu tinha


conseguido em meses com outros investimentos bastante lucrativos. Mais uma
vez, tivemos clientes satisfeitos, nos indicando outros amigos milionários que
mal podiam esperar para nos entregar suas fortunas.

Por mais ricos que nossos clientes fossem, uma coisa era certa: eles nunca
eram ricos o bastante.

Deve ter sido a primeira vez que eu saí do trabalho antes das sete da noite, de
tão animado que estava para falar com Rapunzel. Ela ainda não sabia que eu
tinha seguido o conselho dela, e eu queria preparar uma surpresa.

Fiz uma parada estratégica no caminho de casa para conseguir preparar o


presente que daria a ela. Acabei me sujando no processo, mas pouco importava.
Eu estava louco para ouvir sua voz quando ela soubesse o que eu tinha feito.

Estava assoviando quando cheguei ao prédio. Assoviando! E uma música


romântica do Elvis Presley. Disse a mim mesmo que era animação por ter
conseguido ganhar tanto dinheiro.

Sim, sempre fui bom em mentiras, especialmente quando elas eram dirigidas
a mim mesmo.

Fiquei impaciente ao aguardar enquanto o elevador elegante – porém antigo


– do prédio subia até o último andar. Chegando lá, bati contra a porta de aço que
já se tornara mais familiar que a minha própria.

— O que foi? — A voz sensual questionou do outro lado.

— Vim agradecer. Meus clientes ficaram muito satisfeitos com os resultados


da Patch’s.

Ela deve ter ficado muito surpresa com a notícia de que eu investira na
empresa que ela havia sugerido, pois abriu a fenda retangular que ficava na
altura dos seus olhos.

Pela primeira vez, eu vi uma parte de seu rosto; e aquilo já foi suficiente para
me deixar excitado. Ela tinha olhos castanhos. Da cor de chocolate. Redondos,
grandes, encantadores.

Logo me imaginei enterrando-me fundo nela enquanto encarava aqueles


olhos cheios de desejo.

— Oi, Rapunzel — minha voz saiu rouca. Merda, ela com certeza saberia no
que eu estava pensando.

Os cantos de seus belos olhos enrugaram-se, indicando que ela estava


sorrindo.

— Olá, Levi — eu tinha pedido a ela que me chamasse pelo primeiro nome
alguns dias antes.

Ela continuava se recusando a me dizer qual era o dela.


Havia pouca luz no apartamento dela, então pude ver muito pouco. Além dos
seus olhos, notei que seus cabelos eram lisos. Eles pareciam claros, mas não
tinha certeza: podia ser efeito da luz bruxuleante que parecia vir de sua lareira.

— Eu trouxe uma surpresa para você — minha voz estava levemente


trêmula, mas não era de nervosismo, era de tesão mesmo.

— Surpresa? — os olhos dela brilharam, quase me fazendo gozar na calça.

Caralho, se eu já não conseguia tirar esta mulher da cabeça só de ouvir sua


voz sexy, o que eu faria agora, que tinha visto aqueles olhos de feiticeira?

— Vou deixar aqui, tá?

Sabia que ela não abriria a porta. Eu estava quase lá, mas ainda não tinha
chegado naquele ponto do relacionamento. Eu dizia a mim mesmo que estava
me esforçando daquele jeito porque valeria a pena levá-la para a cama e que era
só isso.

A gente transaria muito e, quem sabe, se eu fosse muito sortudo, ela se


tornaria uma das minhas amigas de cama.

Deixei a minha surpresa, que estava em um saco de lixo preto, à sua porta.
Entrei no meu apartamento e fui checar pelo olho mágico. Talvez eu conseguisse
vê-la saindo no corredor para pegar o presente.

O que vi, entretanto, foi um braço muito pálido agarrar o saco e puxá-lo para
dentro antes que eu pudesse ver alguma coisa. Segundos depois, meu telefone
tocou.

— Nossa, o embrulho está péssimo — ela comentou.

— O que importa é o conteúdo, Rapunzel.

Assim que abriu o saco, ela gritou. Largou o telefone, mas o deixou fora do
gancho, então pude ouvi-la gritando de alegria pela casa enquanto devia estar
esvaziando o saco.

Era a última semana de novembro. Em poucos dias, o outono acabaria.


Como ela não aproveitaria sua estação favorita lá fora, eu decidi trazê-la para
dentro. Tinha passado uma hora recolhendo as folhas mais bonitas do Central
Park. Folhas douradas, laranjas, amarelas. Folhas de outono.

Eu estava sujo, teria que lavar meu terno novo a seco, mas nada importava:
eu tinha sido recompensado ao ouvir o som de sua voz cheia de alegria.

Deviam ter se passado ao menos dez minutos até ela pegar o telefone de
novo. Eu não tinha me importado nem um pouco: ouvi-la cantarolando e
brincando com as folhas de outono tinha sido um dos sons mais prazerosos que
eu já escutara.

— Desculpa! Esqueci que você estava na linha!

— Acho que você gostou do presente, Rapunzel... — não consegui tirar a


risada da voz.

— Gostei? Eu amei! Foi o melhor presente que já recebi, Levi! — Ela


praticamente berrou de animação. — Ah! E meu nome é Amanda.

Ela finalizou e desligou.

Amanda.

Sim, passar uma hora me sujando no parque tinha valido muito a pena.

***

Naquela noite, eu nem reclamei quando ela colocou música nas alturas. Na
realidade, deve ter sido a primeira noite em muitos anos que eu continuei
assistindo televisão depois de terminar o noticiário.

Comecei a assistir a um filme de ação, um dos milhares de Missão


Impossível do Tom Cruise, quando o telefone tocou.

— Eu amei muito o seu presente! — Amanda repetiu do outro lado da linha.

— Já entendi que está agradecida — respondi, rindo.

Era a quinta vez que ela me ligava para dizer aquilo. Não que eu me
importasse. Todas as garotas com quem eu saía gostavam de joias, buquês de
flores elaborados, e jantares em restaurantes exclusivos.

Amanda, que devia ter no mínimo dez vezes mais dinheiro do que eu, mal
podia se controlar por causa de folhas de outono. Eu gostava das prioridades
dela.

— Eu estou te atrapalhando, não é?

— Jamais, Amanda.

Ela deu uma risadinha e desligou. Era cômico como uma mulher inteligente,
independente, e isolada estava alegre como uma criancinha de cinco anos em
noite de Natal.

De repente, eu tive uma ideia. Eu poderia aproveitar aquele bom humor de


Amanda. Ela tinha comentado comigo que era apaixonada pela lasanha à
bolonhesa de um restaurante italiano na esquina com a Quinta Avenida. Eu
poderia comprar seu prato favorito e convencê-la a me deixar entrar na sua casa
para jantarmos juntos.

Vesti calça e casaco de moletom, peguei a carteira e saí antes que pudesse
mudar de ideia. Era meio de semana e quase meia-noite: o restaurante não
demoraria muito para fechar.

Subi a Madison Avenue até chegar à rua 91. Virei a esquerda nela para
chegar à Quinta Avenida. Eu já estava na quadra do restaurante, quando senti
que alguém me observava.

Olhei para trás: havia apenas um cara do outro lado da rua, com um
sobretudo preto e um boné que escondia seu rosto. Ele estava cabisbaixo e não
parecia nem um pouco interessado em mim, então voltei a caminhar
tranquilamente.

Alguns segundos depois, quando eu estava a poucos passos do italiano,


escutei alguém se aproximando rapidamente. Antes que eu pudesse reagir, senti
um objeto afiado entrando na minha lateral direita, na altura das costelas, e uma
voz sinistra sussurrou em meu ouvido:

— Você é um dos servos do demônio.


Tentei segurar o braço do homem, mas já era tarde; a faca que ele havia
usado para me perfurar já tinha saído, e ele havia se afastado. Caí na calçada,
tentando segurar o sangue que derramava da ferida.

Suspendi a cabeça por um momento, apenas para ver quem era o meu
agressor. Era o homem de sobretudo e boné.

Pessoas rapidamente acumularam-se à minha volta e senti uma dor aguda


quando uma pressão foi feita sobre a minha ferida. Minhas mãos foram para o
chão, que estava molhado com um líquido pegajoso.

Sangue. O meu sangue.

— Já chamamos uma ambulância, senhor! — Um rapaz com sotaque italiano


me disse, e notei que ele usava um avental por cima da camisa e calça sociais.

Ironicamente, eu havia sido salvo por um dos funcionários do restaurante


para o qual eu me dirigia.

Sabia que precisava me manter acordado: minha irmã Carly me ensinara que
o mais importante, numa hora de merda daquelas, era ficar consciente. No
entanto, o cansaço foi mais forte, e me entreguei à escuridão antes de me dar
conta do que estava acontecendo.

***
9
Carly

“And I'd give up forever to touch you


'Cause I know that you feel me somehow
You're the closest to heaven that I'll ever be
And I don't want to go home right now”

“E eu desistiria da eternidade para tocá-la
Porque eu sei que você me sente de alguma forma
Você é o mais próximo do paraíso em que chegarei
E eu não quero ir para casa agora”

(Iris, Goo Goo Dolls)

Vinte dias e quatro folgas depois, e nada.


Eu estava me sentindo uma completa idiota: eu tinha feito de tudo e mais um
pouco com o Javier nos dois dias que passamos sob os lençóis, apenas para ele
fazer o que babacas geralmente faziam: fingir que nada havia acontecido entre
nós.

— Sabia que deveria ter ficado longe dele.

Meus instintos diziam isso: ele era sexy demais para ser um bom moço.
Deveria ter seguido meu plano inicial e me insinuado para o Dr. Davis, quem,
por sinal, tinha perdido todo o brilho depois que eu fui apresentada à vasta
experiência de Javier na cama.
— Javi gosta de você, eu tenho certeza — Jessica insistiu pela centésima
vez.

— Ele nem contou para você da gente, Jess!

E eu sabia que aquilo era um forte indício de que ele tinha me sacaneado
mesmo. Desde então, ele me tratava com um profissionalismo cordial, porém
distante, e eu havia notado que ele ficava especialmente formal quando a Dra.
Peitos de Fora (ela mesmo, Melissa) estava por perto.

Ele com certeza estava sob os lençóis dela agora.

— Claro que não! Ele detesta a Dra. Tyler! — Jess jurou.

Nossa, eu tinha feito aquele comentário em voz alta? Estava ficando meio
obcecada com essa história de Javier. O melhor que eu tinha a fazer era aceitar a
derrota e seguir em frente, desta vez sendo criteriosa de verdade em relação aos
homens.

— Poderia ir hoje comigo à Casa Latina. Javier vai estar lá, e tenho certeza
de que vai adorar te ver fora do hospital.

— Preciso ir, Jess — não queria brigar com a Jessica, principalmente por
causa do babaca do primo dela.

Ela devia ter seus motivos para duvidar das razões por trás do que ele fizera
comigo (pura babaquice, na minha opinião), porém, ele era família, então a
opinião de Jessica a seu respeito era, no mínimo, enviesada.

— Depois conversamos mais sobre esse assunto — ela comentou em tom de


ameaça.

Dias antes, quando eu admiti que tinha transado com o primo dela nas
principais posições do kama sutra (além de algumas outras criadas pelo próprio
Javier), para ser posteriormente ignorada por ele, ela implorou para conversar
com ele, entender o que estava acontecendo.

Ela tinha certeza que ele teria uma explicação plausível para sua mudança de
atitude. E tinha mesmo: ele já tinha me usado e agora estava me descartando.
Jessica, entretanto, não conseguia enxergar aquela verdade tão óbvia.
Eu estava perdida em meus devaneios emeus planos de vingança contra
Javier quando esbarrei em alguém. Alguém bastante cheiroso, diga-se de
passagem. Porém, seu cheiro era sofisticado e elegante, e faltava aquela
brutalidade máscula de Javier.

Era o Dr. Davis.

— Mil desculpas, estava distraída.

Afastei-me para passar em volta dele, quando senti uma mão segurando meu
pulso.

— Na realidade, eu estava à sua procura — ele me informou, seus olhos


verdes focados em mim.

Nós trabalhávamos em departamentos diferentes, que não tinham qualquer


relação. O que ele poderia querer comigo? Estranho...

— No que posso ajudá-lo, Dr. Davis?

— Pode me chamar de Richard, Carly.

Estranho ao quadrado. O Dr. Davis era bastante formal. Tipo, nem com o Dr.
Perry, que tinha sido seu professor e era amigo de seu pai de longa data, ele
conversava usando o primeiro nome.

— Claro, Richard — sorri discretamente para ele, tentando fingir que aquela
situação era normal. — Precisa de algo?

Ele passou as mãos pelos cabelos claros. Meses atrás, eu daria de tudo para
passar as mãos por aqueles cabelos, enquanto o beijava enlouquecidamente.
Agora, entretanto, apenas pensava em como preferia cabelos escuros e sedosos
como os de...

Maldito clone do Ricky Martin! Se ele não fosse primo da Jess, eu jogaria
uma praga em toda a sua família e seus descendentes!

O Dr. Davis, digo, Richard, limpou a garganta, e foi quando me dei conta de
que ele me encarava como se esperasse uma resposta. Merda, eu não tinha
escutado a pergunta dele!
— Perdão, Richard, estou no final de um plantão de vinte e quatro horas, e
foi bem cansativo... Não ouvi nada do que disse.

Não era exatamente mentira: desde a fuga de Robert Flynn, vínhamos


fazendo muitos plantões de vinte e quatro horas na ala VIP, para sempre haver
pelo menos dois médicos residentes no turno da noite.

— Pois é, era sobre isso que eu queria conversar.... — Sobre o meu plantão?
— Eu venho acompanhando os seus horários, e vejo que hoje é uma das poucas
noites em que teremos uma folga juntos. Então eu pensei que poderíamos sair
e....

Ele se interrompeu, provavelmente porque eu o estava encarando


boquiaberta, como um peixe morto. Eu estava fula da vida. Não, não era com
Richard. Era comigo mesma.

Como eu podia não sentir qualquer atração por aquele cara, que semanas
antes era meu sonho de consumo, por causa de um babaca que sequer se dera ao
trabalho de me mandar uma mensagem dizendo que não queria mais nada
comigo?

— Se estiver muito cansada...

— Vamos agora — interrompi-o. — Para a Casa Latina. Conhece o lugar?

Puta que o pariu. O que eu estava fazendo?

***

— Estou indo para a Casa Latina — anunciei com a voz trêmula.

— Que maravilha — Jess disse do outro lado da linha. — Eu sabia que você
ia mudar de ideia. Deixei um vestido pra você no seu armário.

— Estava pensando em ir com a roupa que estou vestindo mesmo — que era,
basicamente, meu uniforme habitual: jeans e camiseta.

— Não, Carly! Tem que ir caliente! O Javi vai adorar o vestido que eu
escolhi para você!
Mal sabia ela que não estava indo para seduzir seu primo, e sim para deixá-lo
azedo de ciúme. Estava rezando para que o pau dele caísse de raiva quando me
visse com o médico mais gato do hospital.

E, de quebra, eu conheceria Richard melhor. Quem sabe o que aconteceria?


A atração que eu sentia por ele poderia ressurgir das cinzas.

— O Richard me chamou para sair.

— O Dr. Gostoso do Texas? — Ela estava estupefata.

E era para estar mesmo: Richard era um médico discreto, que não dava
qualquer corda para as funcionárias do hospital, nem mesmo para Dra. Melissa
Peitos de Fora Tyler, que vivia se jogando para cima dele.

— Pois é...

Ela gargalhou alto.

— O Javi vai morrer! Use o vestido! — Ela ordenou, e desligou o telefone.

Quando abri o meu armário no vestiário feminino, entendi o que Jessica quis
dizer a respeito do vestido.

Não, nem ferrando eu vestiria aquilo. Nem mesmo para impressionar Javier.

***

Sim, eu acabei vestindo o vestido me-come-na-pista-de-dança que a Jessica


tinha me emprestado.

Não, ele não era vulgar. Mas chegava bem no limite. Era azul marinho,
contrastando com os meus olhos e minha pele pálida.

Ele batia no meio das minhas coxas e tinha um decote em V discreto. Porém,
ele era justo nos lugares certos, revelando as minhas curvas e me deixando bem
sensual, eu tinha de admitir.

Deixei os cabelos soltos, que caíram nas minhas costas, e maquiei os olhos,
para ficarem ainda mais evidentes.
Eu tive certeza de que o vestido da Jessica me vestiu bem quando Richard
me viu; os olhos dele quase soltaram do crânio. Ele ficou em silêncio, tentando
se controlar para não me encarar muito, enquanto esperávamos pelo táxi.

— Já ouvi falar dessa Casa Latina, estava curioso para conhecê-la. —


Richard comentou no táxi. Ele parecia verdadeiramente animado. — Fica no
Harlem Latino, não é?

Ele ganhou vários pontos por não demonstrar qualquer preconceito pela
região. Em geral, o pessoal das partes mais ricas de Manhattan torcia o nariz
para o Harlem. Eu mesma, quando cheguei em Nova Iorque, tinha meus
preconceitos. Até a Jessica me apresentar a várias partes legais do bairro.

Continuamos conversando sobre nosso lugares favoritos de Nova Iorque, e


eu descobri que Richard, como eu havia previsto meses antes, era um cara bem
interessante. Quem sabe, ele me ajudaria a desmembrar, tacar fogo e enterrar
todas as minhas lembranças com Javier?

— A Jessica estará lá — comentei quando estávamos chegando ao nosso


destino.

— Ela é enfermeira no seu setor, não é? — Confirmei com a cabeça. — Ela


parece ser muito divertida.

Mais pontos para Richard. Ele não era um daqueles metidos que achavam
ruim fazer amizade com funcionários do hospital que não fossem médicos.

— O primo dela também estará lá. Ele trabalha como segurança no setor
VIP.

Ele franziu o cenho, como se tentando se recordar de quem seria.

— Ah, é o cara que me olha estranho — ele comentou, sorrindo. — Acho


que ele não gosta de mim.

Se não gostava antes, agora ia odiá-lo, pensei. Pelo menos, era isso que eu
esperava. Não era que eu estivesse saindo com Richard apenas para irritar Javier.
Porém, vê-lo bufando de ódio seria um bônus. Um belo bônus.

Richard me ajudou a sair do táxi e, como um perfeito cavalheiro, fingiu não


notar minhas pernas enquanto eu ajeitava o vestido.

— Está linda — ele mencionou enquanto entrávamos na Casa Latina,


segurando a minha mão.

***

A primeira pessoa que vi na Casa Latina foi Jessica. Não era surpresa: ela
usava um vestido vermelho, e veio correndo em nossa direção assim que
pusemos os pés lá dentro. Entretanto, ao invés de um sorriso de boas-vindas,
fomos recebidos por uma face pálida e olhos esbugalhados.

— Dr. Davis, que bom que chegou! — Jessica estava esbaforida, mas havia
algo de estranho naquela cena.

— O que houve?

— Uma paciente sua, a Lisa. Ela rejeitou um dos novos remédios que o
senhor receitou.

Desgraçada.

Eu entendi exatamente o que ela estava fazendo. O Dr. Davis era conhecido
por ser um médico excessivamente atencioso com seus pacientes. Para piorar, ele
ainda não confiava muito no médico que fazia os plantões noturnos na ala dele,
então era bastante comum ele retornar ao St. Patrick pelo menor dos problemas.

Ou seja: Jessica sabia muito bem que, ao falar que uma de suas pacientes
teve qualquer problema, ele não hesitaria em retornar ao hospital. Ele sequer
ligaria para verificar se o plantonista já havia resolvido o problema: Richard era
daqueles médicos que precisava ver tudo com os próprios olhos.

— Carly, você se importaria se eu passasse no hospital para verificar como


Lisa está? — ele parecia aflito e, se eu não tivesse jurado salvar pessoas, ao
invés de matá-las, era possível que Jessica se tornasse vítima de assassinato.

Ela tinha me colocado em uma situação impossível: como eu diria “não”


quando ele queria cuidar de uma paciente?

— Pode ir, Richard — comentei entredentes, ao mesmo tempo em que


Jessica o puxava para o lado de fora, parecendo bem menos assustada do que
estava quando chegamos.

— Vamos, Dr. Davis, eu vou ajudá-lo a conseguir um táxi — ouvi-a dizendo


enquanto os dois se afastavam.

Ainda estava xingando Jessica mentalmente de centenas de nomes, e


formulando o sermão que ela receberia quando retornasse, quando senti alguém
me segurando pelo ombro.

— Boa noite, princesa — um moreno bastante atraente com um sotaque


charmoso e um sorriso sensual me disse. — Quer dançar?

O que eu queria mesmo era afogar minhas mágoas na tequila por causa do
meu encontro sabotado pela minha suposta amiga.

— Ah, na verdade...

— Quer ganhar uma fratura no nariz, Carlos? — Ouvi uma voz rouca atrás
de mim, e uma mão familiar me segurou de forma possessiva pelo ombro.

Nem precisei me virar para saber quem era: Javier.

***
10
Carly

“Oh, won't you stay with me?


'Cause you're all I need
This ain't love, it's clear to see
But, darling, stay with me”

“Oh, você não vai ficar comigo?
Porque você é tudo de que eu preciso
Isso não é amor, é fácil de enxergar
Mas, querida, fique comigo”

(Stay with me, Sam Smith)

— Não. Toca. Nela.


Assim que o viu, Carlos deu meia dúzia de passos para trás, o sorriso
evaporando de seu rosto, as mãos se levantando de forma protetora com as
palmas viradas para a gente.

— Foi mal, cara, não sabia que ela estava com você.

Usei o calcanhar para pisar no pé de Javier, que me soltou com um grito de


dor.

— Não estou com este idiota.

— Ah, é?
Tentei me afastar dele, mas Javier se recuperou antes que eu me movesse,
desta vez segurando-me pela cintura.

— Ela é minha — ele avisou para Carlos e para mim.

Tentei dar outro pisão em seu pé, mas ele já esperava o movimento, então
conseguiu se safar. Aí eu dei o golpe que Levi me ensinou anos antes, para me
proteger de babacas safados: abaixei-me e dei uma cotovelada em suas partes
íntimas.

— O caralho que sou sua! — Gritei para ele, chamando a atenção do clube
inteiro.

Javier devia ser conhecido por essas bandas, porque as pessoas me olharam
como se eu fosse uma louca por atacá-lo daquele jeito. Algumas mulheres me
encaravam como se eu fosse uma completa idiota.

E eu tinha sido mesmo. Tinha deixado que ele me usasse e me jogasse fora
como uma merda de uma camisinha. Não mais!

— Ela tá praticamente cuspindo fogo, Javi — Carlos comentou, gargalhando.


Javier permanecia inclinado para a frente, segurando suas preciosidades. —
Cuidado para não se queimar.

— Ela está aqui — odiava quando as pessoas falavam de mim bem na minha
cara, como se eu não estivesse no recinto.

O sorriso havia retornado aos lábios de Carlos. Ele não chegava aos pés de
Javier (infelizmente), mas tampouco era de se jogar fora.

— Se algum dia enjoar dele...

— Quer ter o nariz fraturado e o pau cortado fora, Carlos?

— Tchau, princesa — Carlos disse com um sorriso amarelo, e foi embora


antes que eu pudesse me despedir também.

Tentei me afastar de novo; mais uma vez, fui interrompida pela mão de
Javier. Daquela vez, ele me segurou pelo pulso.
— Preciso falar contigo, Carly.

— E eu preciso ganhar na loteria.

Puxei a mão dele e continuei caminhando. Estava me comportando como


uma adolescente mimada, mas estava pouco me lixando: depois de semanas
sendo tratada como “doutora”, e tendo que me dirigir a ele como se não
houvesse nada de errado, eu poderia, enfim, demonstrar o quanto estava fula da
vida.

Depois de todos os lugares onde ele me beijou, lambeu e chupou, ele não
tinha a merda do direito de me chamar de “doutora” e fingir que era profissional!

Praticamente corri até o banheiro feminino e me fechei lá dentro. Decidi que


seria mais seguro ficar ali até Jessica voltar. Onde ela estava, por sinal? Foi
chamar o táxi aonde, em Miami?

Enquanto eu estava mandando uma mensagem bem desaforada para ela, a


porta se abriu com um baque. Javier entrou no banheiro e fechou a porta atrás
dele.

— Isso aqui é o banheiro feminino, seu neandertal!

— Eu disse que precisava falar contigo, Carlita — ele me agarra pelos


ombros.

— Pouco me importa!

— Eu preciso explicar algumas coisas.

— Foda-se!

— Já fodi, Carly.

Sem conseguir segurar o ódio, dei um tapa sonoro na cara dele, daqueles de
novela.

Sua bochecha morena ficou avermelhada onde eu bati, e seu rosto retornou
na direção do meu devagar, seus olhos escuros ficando ainda mais negros, suas
sobrancelhas juntando-se, seus lábios virando uma linha.
Ele me segurou pela nuca, e me jogou contra a porta.

— Já fodi — ele repetiu — e vou foder de novo.

***

Ele me prendeu entre a parede e seu corpo, rápido como uma onça. Um de
seus joelhos enfiou-se entre as minhas pernas, me suspendendo no ar. Tentei
empurrá-lo, mas ele agarrou as minhas mãos e as prendeu pelos pulsos acima da
minha cabeça com uma das suas.

Em seguida, seu rosto afundou-se no meu pescoço, e ele inspirou


profundamente.

— Soube que você está saindo com o médico almofadinha — ele sussurrou
no meu ouvido, mordiscando meu lóbulo.

— Sim, e ele é muito melhor de cama que você — menti.

Javier afastou-se de mim de repente, apenas o suficiente para subir o vestido,


puxar a minha calcinha até parti-la e me tocar lá.

— É por isso que você está pingando para mim, Carly? Porque o médico de
merda te satisfaz tão bem?

Queria negar, mas estava encharcada, então nem tinha como me defender da
acusação.

Foi quando ele introduziu um dedo em mim, enquanto o polegar encontrou


meu clitóris, esfregando-o com força. Gemi alto, virando a cabeça para trás,
latejando contra o dedo dele.

— Javi! — O grito fugiu da minha garganta: era um pedido, uma súplica.

— Você transou com ele, Carly? — Ele questionou.

— Não é da sua conta!

Um segundo dedo entrou em mim, ao mesmo tempo que alguém bateu à


porta do banheiro. Àquela altura, eu já nem me importava que estávamos
praticamente transando num banheiro de bar.

— Tá ocupado, porra! — ele berrou para a mulher que tentava entrar, e ela
deve ter reconhecido a voz dele, porque não insistiu. A seguir, afastou o rosto do
meu pescoço, e, enquanto enfiava os dedos bem fundo, disse: — Tudo a seu
respeito é da minha conta agora, Carly. Transou com ele?

— E se eu tiver transado? — Perguntei, e ele enfiou um terceiro dedo, me


deixando ainda mais molhada, arrepiada, e um pouco dolorida, aquela dor leve
que virava o mais puro prazer.

— Aí eu vou ter que te castigar — ele replicou, ainda me encarando, um


sorriso cínico curvando seus lábios.

Seus dedos me deixaram, e me senti uma idiota por desejar que eles
retornassem. Ele lambeu cada um deles, seus olhos negros me queimando.
Lentamente, desabotoou o cinto e abriu a calça jeans apenas com a mão livre.

— Nem pense — avisei. — Vou te chutar entre as pernas.

— Você vai é gozar no meu pau, Carly.

Sua crueza me excitou. Ele soltou as minhas mãos, mas estava com tanto
tesão que o segurei pelos ombros largos e musculosos, ao mesmo tempo em que
ele me suspendeu no colo, e se enterrou dentro de mim de uma vez.

— Javi! — Berrei de novo, chegando ao ápice rapidamente, como da


primeira vez que transamos.

— Me diz que você não deu pra ele, Carly — ele rosnou, me comendo com
força, sem esperar que eu parasse de convulsionar. — Você é minha!

— Não sou! — Gritei, mas minha voz saiu trêmula de prazer, e minhas
palavras apenas o fizeram se enterrar em mim ainda mais freneticamente.

Minhas pernas abraçaram a cintura dele, permitindo que ele se enterrasse


ainda mais fundo.

— É sim! Diga! — ele ordena.


— Nunca! — rebati, apertando o pau dele com meus músculos internos.

Ele explodiu dentro de mim, e foi apenas naquele momento que eu me dei
conta de que ele não tinha colocado camisinha, como na nossa primeira vez.
Assim que ele saiu, surgiu a preocupação e o arrependimento.

Merda, o que eu tinha feito? O que eu tinha deixado ele fazer?

Afastei-me dele e fui até um dos cubículos, para me limpar e para pensar em
como fugiria dali.

Ouvi meu celular tocando, mas eu tinha deixado a minha bolsa em cima da
pia. Nem ferrando eu sairia dali agora. Ainda não estava pronta para encará-lo.
Porra, nem estava pronta para me encarar no espelho!

— Toma, Carly — ele comentou, passando a bolsa por cima da porta. — Vou
te esperar do lado de fora. Realmente precisamos conversar.

— Alô — atendi o telefone, torcendo para que fosse a Jessica querendo saber
onde eu estava. Talvez, ela conseguisse me salvar do primo.

— Dra. Rider? Aqui é o Dr. Johnson, do Hospital Lennox Hill.

Meu coração quase parou. Eu não tinha qualquer relação com aquele
hospital, o que significava que alguém que tinha colocado meu nome como
contato de emergência estava internado lá. E só havia uma pessoa assim em
Nova Iorque.

— Levi? — Perguntei, já sabendo qual seria a resposta.

— Sim, Dra. Rider. Seu irmão foi internado aqui. Ele foi atacado esta noite.
Recebeu uma facada.

***
11
Levi
“Some day, when I'm awfully low
When the world is cold
I will feel a glow just thinking of you
And the way you look tonight.”

“Algum dia, quando eu estiver terrivelmente triste
Quando o mundo estiver frio
Eu sentirei um calor só de pensar em você
E no jeito que você está essa noite”

(The Way You Look Tonight, Frank Sinatra)

A primeira voz que eu escutei ao despertar foi uma das minhas favoritas no
mundo. Ela estava irritada: ou melhor, irada. Felizmente, não era comigo.

— Pouco me importa se precisam investigar, apenas vão falar com o meu


irmão quando eu e o médico dele autorizarmos! — Carly vociferou com algum
pobre coitado.

— Dra. Rider, entendo sua preocupação, mas quanto antes falarmos com o
seu irmão, maior é a probabilidade de encontrarmos o homem que fez isso com
ele e...

— Se fizer bem o seu trabalho, Detetive Walker, não precisará do


testemunho do meu irmão para encontrar esse bandido! Uma dúzia de pessoas no
restaurante viram o que aconteceu!
Puta que o pariu. Carly estava gritando daquele jeito com um detetive da
polícia de Nova Iorque? Ela queria ser presa ou o quê?

Tentei me mexer, mas tudo doeu. Literalmente tudo. Merda, eu estava


ferrado.

— Dra. Rider, quero apenas estar aqui quando seu irmão acordar e...

— Olha aqui, se ficar insistindo em falar com Levi quando ele acordar, então
serei forçada a chamar meu noivo, que é advogado!

Ela estava agora ameaçando o detetive? E com um noivo que nem sequer
existia?

— Mas, Dra. Rider...

— E eu lhe garanto que, se o meu noivo processar a delegacia, vocês vão


ficar sem orçamento para comprar uma caneta sequer por um ano!

Depois de muito esforço, consegui abrir os olhos e soltar um gemido alto.


Carly voltou-se para mim.

— Carly... — consegui dizer.

— Cale a boca, seu idiota! — Ela me deu um sermão. — Quer estourar seus
pontos?

Ao contrário do Detetive Walker, eu sabia que não tinha como vencer o


Furacão Carly. Calei-me, esperando-a expulsar o detetive do que era claramente
um quarto de hospital.

— Só assim para eu conseguir ver meu próprio irmão, quando ele está à
beira da morte!

À beira da morte? Ela estava exagerando, não? Eu estava me sentindo fraco e


com dor pelo corpo inteiro, como se tivesse sido atropelado por um caminhão,
além de pontadas agudas onde o homem misterioso me agrediu sem razão
aparente.

No entanto, eu não sentia como estivesse prestes a ver a luz no fim do túnel.
Carly deve ter visto o medo na minha face, porque ela fez questão de esclarecer:

— Você vai sobreviver, Levi. Mas vai ter que ficar algumas semanas de
repouso.

Semanas de repouso? Eu teria que ficar sem trabalhar algumas semanas?


Tentei conversar com Carly, mas, notando a minha agitação, ela chamou uma
enfermeira, que injetou algo no meu soro, me fazendo apagar de novo.

***

Na segunda vez em que despertei, apenas fiquei acordado tempo suficiente


para oferecer ao Detetive Walker a minha versão dos fatos, para ouvir Jack
falando como eu precisava descansar (enquanto Carly o encarava com olhar
ameaçador) e descobrir que eu havia passado a noite no hospital e voltaria para
casa no dia seguinte.

Aparentemente, apesar do ferimento ter sido grave, eu dei muita sorte. Perdi
bastante sangue, mas a faca não havia atingido nenhum órgão, então eu não
precisaria de nenhuma cirurgia, apenas de muito descanso.

Descanso. Eu detestava aquela palavra. Ela ia contra tudo o que eu vinha


fazendo nos últimos sete anos. O que eu faria o dia inteiro? Devo ter
demonstrado algum estresse, porque, depois de me analisar por alguns segundos,
a desgraçada da minha irmã me apagou de novo.

Porra, como eu estava arrependido de tê-la ajudado a pagar a faculdade de


medicina.

***

Quando acordei pela terceira vez, notei que eu não estava mais no quarto do
hospital. Estava em minha suíte do meu novo apartamento e, pela janela, percebi
que era dia.

— Adorei seu apartamento, Levi — Carly mencionou animadamente assim


que me viu desperto.

Ela estava vestida para ir ao trabalho. Carly tinha se especializado em


psiquiatria, e estava no terceiro ano de residência. Eu tinha certeza de que ela
seria contratada quando terminasse a residência: eles já haviam até mesmo a
transferido para a ala VIP, uma das mais concorridas para entrar.

— Tirei alguns dias de folga para cuidar de você, mas preciso voltar para o
plantão esta noite — ela informou.

— Tudo bem.

Seria bom ficar um pouco sozinho. Quem sabe eu conseguiria trabalhar um


pouco antes da Ditadora Carly retornar e me apagar de novo?

— Tudo bem, nada — ela apontou o indicador na minha cara. — A sua


vizinha vai ficar de olho em você. Acha que eu te deixaria sozinho, para ficar
trabalhando escondido?

Merda! Ela era insuportável.

Peraí. Ela tinha dito vizinha?

— Que vizinha?

Um sorriso malicioso surgiu em seus lábios.

— A Sra. Smith, seu safadinho — ela replicou, como se soubesse mais do


que deveria. — Não vai me perguntar da sua outra vizinha? A que ligou para cá
desesperada querendo saber do pobre Príncipe de Manhattan?

— Amanda perguntou por mim? — Tentei sentar, mas foi um erro.

Senti uma dor insuportável na ferida, e ainda recebi um puxão de orelha da


minha irmã.

— Sim. E a voz dela é bem sexy... — Carly sentou-se ao meu lado na cama
king size. — Pena que ela tenha agorafobia...

— Que porra é essa?

— Você já percebeu que ela não sai de casa... Provavelmente, foi


desencadeada por algum evento traumático... — Carly explicou. Pensar que uma
mulher jovem como Amanda já havia passado por alguma merda séria o bastante
para não permitir que ela saísse de casa me deixou incomodado. — De qualquer
forma, deixei sua chave com ela.

Aquela notícia me animou. Logo em seguida, percebi que não deveria


alimentar falsas esperanças.

— Ela não sai da cobertura há cinco anos, Carly — comentei.

— Sempre há uma primeira vez... — o sorriso dela alargou-se. — Quem


sabe, a vontade de ver seus olhos azuis e sedutores não a instiga a sair de casa?

Revirei os tais olhos azuis, e ela gargalhou.

— Duvido muito...

— Está interessado nela? — Carly arqueou uma sobrancelha.

Desde a história com Lara e o namorado de Carly, eu nunca mais havia me


envolvido emocionalmente com outra mulher. Carly sempre tentava arranjar
namoradas para mim, ela simplesmente não conseguia aceitar o fato de que eu
estava muito bem com minhas amigas de fodas.

Ou seja, independentemente do que eu dissesse a respeito de Amanda, era


provável que Carly já estivesse pensando em nosso enxoval e em como seriam
nossos filhos.

— Estou interessado em levá-la para a cama, se é isso que quer saber.

Ela apertou os olhos e analisou meu rosto por um longo momento.

— Não. Você quer acreditar nisso, mas acho que já se transformou em algo
mais.

Porra, ela não ia me deixar em paz?

— Você não tem que ir para o seu plantão?

— Sim, e volto só amanhã — ela explicou. Não era incomum Carly fazer
plantões de vinte e quatro horas. — Espero que, até lá, meu plano já tenha
começado a funcionar.
— Que plano? — Queria complementar com um “porra”, mas não tinha
energia para tirar minha irmã do sério naquela manhã.

— Ah, eu comentei com a sua vizinha que a Sra. Smith somente poderá ficar
contigo até hoje no final do dia.

— E daí? Jack pode ficar comigo também.

O sorriso que ela dirigiu a mim me deu calafrios.

— Ela não precisa saber disso. Na verdade, eu dei a entender que estava
bastante preocupada em deixar você sozinho a noite inteira.

Compreendi o plano dela. Pela primeira vez em muitos anos, eu e Carly


estávamos interessados no mesmo resultado. Tirando pelo detalhe que eu queria
arranjar uma nova parceira de foda e, ela, queria arrumar uma namorada para
mim.

— Muito esperta, você.

— Aprendi com o melhor, irmãozinho.

***

A Sra. Smith se mostrou uma companhia surpreendentemente agradável.


Depois de me dar um longo esporro por ter obrigado o babaca do nosso vizinho
a apenas entreter suas amigas (palavras dela, não minhas) em sua suíte, ela agora
tinha que passar boa parte do dia sem seu aparelho auditivo.

— Quer que ele seja mais discreto, Sra. Smith? — Perguntei na ocasião.

— Claro que sim.

Indiquei para que ela se aproximasse, como se eu estivesse prestes a revelar


um grande segredo.

— Então ameace de contar para seus pais sobre a maconha que ele passa o
dia fumando.

Ela gargalhou, e passou a me contar todas as fofocas do prédio. Foi assim


que eu descobri que ela era uma das poucas pessoas cuja entrada na Cobertura 3
Amanda permitia. Constatei também, para a minha grata surpresa, que a Sra.
Smith era uma amiga muito leal. Ela se recusou a falar sobre Amanda, sempre
mudando de assunto quando eu a mencionava.

Antes de deixar meu apartamento, ela me deu um remédio para dor. Não
queria tomá-lo, pois sabia que ele me deixaria sonolento. Não sei quanto tempo
havia se passado até eu escutar a porta batendo. E, logo em seguida, escutei-a
abrindo novamente.

— Sra. Smith? Esqueceu-se de alguma coisa?

Àquela altura, eu já estava quase apagando, e precisei lutar para manter as


pálpebras abertas.

Senti um perfume no ar, uma mistura de jasmim com algo cítrico, como
limão. Em seguida, vi um vulto se aproximando da cama. Já era noite, então
apenas consegui ver sombras, os contornos de um corpo feminino.
Definitivamente não era a Sra. Smith. Será que eu estava sonhando?

Senti o colchão afundar-se ao meu lado quando alguém se sentou ali. Uma
mão quente e delicada segurou a minha, e uma voz rouca e sensual sussurrou:

— Pode descansar, Levi. Eu vou ficar aqui com você.

Amanda. E era real, eu soube ao pinicar a minha perna.

— Vai ficar a noite inteira comigo?

— Sim.

— De roupa? — Valia a pena a tentativa.

— Sim — ela disse, rindo.

— Que pena... Acho que mereço um strip tease depois do que passei...

Ela me deu um peteleco no nariz.

— É isso que você merece por sair de casa tarde da noite. O que você estava
fazendo?

— Ia comprar um jantar para a gente no seu restaurante favorito.

Ela apertou a minha mão. Não sei se foi um gesto inconsciente, mas o que
ela fez a seguir não foi nada acidental. Para mim, foi quase erótico, apesar de
não ter sido sexual. Ela inclinou-se para a frente, seu rosto praticamente colado
ao meu, e consegui ver seus belhos olhos castanhos.

— Da próxima vez que quiser jantar comigo, é só pedir para entregarem na


minha casa — senti seu bafo quente contra a minha face.

Caralho. Ela tinha acabado de me convidar para jantar na casa dela? E desde
quando eu ficava excitado com um simples pedido de jantar? Desde Amanda,
pelo visto, porque nada com ela era simples.

— Quero agora — rebati, levantando um pouco a cabeça, roçando meus


lábios nos dela.

— Agora você não pode, Príncipe de Manhattan — ela não se afastou,


apenas apertou mais a minha mão, inclinou-se mais para perto de mim, e agora
eu senti seus seios encostando no meu peito. — Só quando melhorar.

— Quero melhorar logo.

— Então descanse, Levi.

A última coisa que eu desejava fazer, agora que ela finalmente estava ao meu
lado, ao meu alcance, era dormir. Entretanto, meu corpo ainda estava fraco para
reagir. Ela estava certa: eu precisava descansar.

Estranho era que eu não mais me importava em melhorar para retornar logo
ao trabalho. Ironicamente, eu não queria ficar saudável para sair da cama: queria
continuar nela, só que com Amanda.

***
12
Carly

“Easy come, easy go


That's just how you live
Oh take, take, take it all but you never give
Should've known you was trouble from the first kiss”

“O que vem fácil, vai fácil
É assim que você vive
Tira, tira, tira tudo, mas você nunca retribui
Devia saber que você era problema desde o primeiro beijo”

(Grenade, Bruno Mars)

Quatro dias longe do hospital.


Essa era uma das grandes vantagens em trabalhar no St. Patrick: o meu
diretor podia não ser a pessoa mais fofa do mundo, mas as políticas do hospital
eram muito humanas quando o assunto era família.

Eu sabia que devia ter sido difícil para o pessoal da ala VIP não poder contar
comigo, especialmente com Robert ainda desaparecido.

Desde o início, achei que o hospital deveria ter envolvido a polícia, apesar de
Robert não ser um paciente judicial; eles poderiam nos ajudar a descobrir seu
paradeiro mais rápido, antes que ele se machucasse ou machucasse alguém.

Por isso eu imaginei que alguma coisa bem séria deveria ter acontecido
enquanto eu estava fora; o Dr. Perry tinha enviado uma mensagem pedindo que
eu fosse fazer o plantão daquela noite.

Mais estranho ainda foi ser recebida pelo diretor da ala VIP assim que entrei
no hospital.

— Dra. Rider, que bom que pôde vir. Peço desculpas por afastá-la do seu
irmão. Como está Levi?

O Dr. Perry era um homem de quase sessenta anos, afrodescendente com


olhos negros e cabeços grisalhos. Ele tinha um sorriso gentil, e extremamente
educado com todos os funcionários e, muitas vez, um puxa-saco com os
familiares dos pacientes.

O que ele não parecia ser, todavia, era estressado. Contudo, ele claramente
estava agora, apesar de sua tentativa de parecer tranquilo e em seu habitual
estado de serenidade.

— Meu irmão está melhor, Dr. Perry. Está se sentindo bem?

Ele tirou um lenço do bolso do jaleco e secou a testa. O Dr. Perry suando?
Ele apenas fazia isso quando algum dos familiares da ala VIP estava insatisfeito
com os nossos serviços.

Tive um pressentimento de que aquilo estava relacionado ao juiz Flynn. Será


que ele tinha decidido nos processar?

— Tem um detetive que está a sua espera, Carly — devia ser sério mesmo,
para ele me chamar pelo primeiro nome no hospital.

Já tínhamos falado com a polícia várias vezes, quando antigos pacientes


faziam alguma besteira. Foi quando me dei conta de que... Não! Robert tinha
feito alguma coisa lá fora? Tinha machucado alguém?

— O que está acontecendo, Dr. Perry?

— O Sr. Flynn faleceu.

— Robert? — Sempre o julguei por alguém que machucaria os outros, não a


si próprio, porém, com esquizofrênicos paranoides que não estavam tomando
medicação, imprevistos poderiam acontecer.

— Não, Carly. É o juiz Flynn. Ele foi assassinado ontem à noite.

***

Passei quase duas horas com o detetive responsável pelo caso do juiz,
respondendo às suas questões, contando o máximo que eu podia sobre Robert.
Duas noites antes, eu descobri naquele interrogatório, o juiz havia aberto mão do
sigilo entre médico e paciente em relação a seu filho, avisando ao Dr. Perry que
ele envolveria a polícia nas buscas por Robert.

— Acha que o juiz Flynn decidiu incluir a polícia nas buscas por temer que o
filho fosse atrás dele? — O detetive perguntou.

Aquela questão me deixou arrepiada dos pés à cabeça. Ele estava dizendo o
que eu achava? Se fosse isso, as coisas estavam bem piores do que eu antevira.

— Está dizendo que Robert é suspeito pelo assassinato?

— Não posso divulgar isso, Dra. Rider, mas ele é uma pessoa de interesse no
caso. Então, preciso perguntar: acha que ele seria capaz disso?

Muitas pessoas tinham preconceitos sem qualquer fundamento a respeito de


pacientes psiquiátricos. Se alguém era esquizofrênico, ou bipolar, ou maníaco
depressivo, já o temiam, como se a doença fizesse dele um psicopata, o que era
uma grande mentira.

Porém, havia uma maldade em Robert que ia além de sua doença, e nem os
melhores tratamentos e medicamentos tiravam aquilo dele. Era um tipo de
escuridão em seu olhar, como se ele enxergasse todos à sua volta como inimigos,
mesmo aqueles que desejavam ajudá-lo.

— A maior parte dos nossos pacientes é inofensiva, jamais machucariam


ninguém, a não ser eles próprios — eu finalmente disse, ainda temendo
responder à questão do detetive.

— Mas Robert é diferente, não é, Dra. Rider? Ele não é como a maioria dos
pacientes do hospital, não é?
Eu detestava fazer aquilo: meu trabalho era cuidar dos meus pacientes,
protegê-los dos perigos externos, tentar, ao máximo, deixar suas mentes
saudáveis, para que eles pudessem ter a vida mais normal possível.

Jamais gostei de Robert como paciente ou pessoa, porém, todos os meus


valores, todos os meus anos de estudo, tudo que eu aprendera ia contra falar mal
de uma pessoa doente como ele para um policial.

— Eu sei que é difícil, doutora. Mas preciso da sua ajuda. O Dr. Perry contou
que você é a médica que passava mais tempo com ele.

— Robert não está tomando sua medicação. Então, em teoria, seria possível
que ele atacasse o pai em uma de suas crises — desembuchei, falando o mais
rápido possível antes que desistisse.

— Obrigado, doutora — ele colocou a mão sobre a minha. Em seguida,


notando meu nervosismo, me ofereceu um copo de água, e esperou calmamente
até que eu tomasse alguns goles e controlasse a tremedeira das minhas mãos. —
Pensa em alguém que ele poderia visitar? Alguém que ele desejaria machucar?

— Robert raramente conversava comigo, a não ser sobre a Bíblia — tomei


outro gole de água. Sentia-me traindo meu paciente, a confiança dele, mesmo
que fosse pouca. Forcei-me a continuar: isso era para encontrá-lo, para que
pudéssemos ajudá-lo, repeti para mim mesma. — Ele era bastante... Intenso
sobre a religião. Mas nunca mencionou nomes. E o pai dele nos passava muita
pouca informação sobre o passado de Robert.

— Estou tendo bastante dificuldade para encontrar registros sobre ele


também. E olha que o prefeito está nos ajudando bastante, já que o juiz era um
amigo antigo dele.

Ou seja: o juiz havia passado tanto tempo escondendo tudo o que podia sobre
o filho que agora, ironicamente, nem mesmo a polícia estava conseguindo achar
pistas para poder localizá-lo, como seu pai desejava.

— Soube que seu irmão sofreu um ataque. Falei com o detetive responsável,
que comentou desconfiar se tratar de um assalto mal sucedido — Muito mal
sucedido mesmo: o desgraçado sequer se deu ao trabalho de levar alguma coisa,
apenas machucou Levi. — Acha que pode ter sido algum tipo de retaliação de
Robert?
— Não faz muito sentido — comentei, depois de pensar durante alguns
segundos. — Não estou dizendo que Robert não tem nada contra os funcionários
deste hospital. Talvez tenha. Mas eu não via o Levi há alguns meses, desde que
ele se mudou para o novo apartamento. Não seria mais provável, se ele quisesse
se vingar de alguém daqui, que nos atacasse diretamente, ou, pelo menos, o
marido ou esposa de algum médico ou enfermeiro?

— Concordo, Dra. Rider. Mas precisava ter certeza.

O detetive fez mais algumas poucas perguntas, e me deu seu cartão, pedindo
que eu avisasse caso me lembrasse de alguma informação relevante sobre
Robert.

Antes que eu saísse da sala de reunião, ele comentou:

— Dra. Rider, não quero deixá-la ainda mais assustada, mas evite sair
sozinha do hospital, está bem?

— Acha que ele pode me atacar?

— A pessoa mais próxima dele está morta. E, até onde sabemos, você é a
segunda mais próxima.

***

Senti a bile subindo para a minha garganta quando saí da sala. Minha cabeça
estava latejando; parecia que tinha um bolo no estômago.

— Está bem, Carly? — Jess se aproximou de mim, seu primo logo atrás dela.

— Ela está pálida, precisa se sentar.

Sem pedir autorização ou sequer se preocupar com quem estava ao nosso


redor, Javier me pegou no colo e me levou para a sala de descanso dos
funcionários, colocando-me em uma das poltronas.

Ele tinha me mandado várias mensagens nos últimos dias, mas,


estranhamente, nunca do celular dele, e sim do de Jessica. Talvez para me
obrigar a respondê-lo. Ele insistia que precisava conversar comigo, como se isso
fosse consertar o fato dele não ter feito qualquer ligação nas semanas seguintes
ao nosso final de semana de kama sutra.

Acabei aceitando conversar com ele (afinal de contas, eu tinha bastante coisa
entalada na garganta), mas só quando eu saísse da casa do Levi.

— Tenho um amigo que é policial da delegacia responsável pela investigação


do assassinato do juiz Flynn — Javier explicou. — Ele me contou que não
encontraram um revólver registrado no nome do juiz.

— Acha que Robert está com uma arma? — aquilo era péssimo.
Verdadeiramente péssimo.

— A delegacia não tem certeza. Pode estar guardado em outro lugar que não
seu apartamento — ele admitiu. — Na dúvida, é melhor vocês sempre pedirem
para um dos seguranças de plantão as acompanharem até o metrô quando saírem.
Especialmente à noite.

Aproveitando que Jessica precisou sair para ver um paciente, Javier pegou
uma cadeira e a colocou em frente à poltrona onde eu estava, e sentou-se,
deixando nossos joelhos se tocarem.

— Precisamos conversar a sós — ele anunciou pela milésima vez. — Longe


daqui.

— Preciso é do meu espaço pessoal, Sr. Rodriguez — disse em tom de aviso.

Ele se inclinou para a frente, agarrando as minhas coxas e praticamente


colando o rosto no meu.

— Você precisa é do meu pau enterrado em você, doutora. Está muito tensa.

— Você comentou nas suas centenas mensagens de stalker que precisava


conversar comigo. Se é sobre isso que quer falar, acho melhor ligar para um
Disque Sexo. Ouvi dizer que eles são ótimos com conversas vulgares.

Ele inspirou profundamente, como se precisasse se conter perto de mim. Era


ele que se comportava como um machista babaca e ainda ficava impaciente?

— Comporte-se, Carlita.
— Ou o quê? Vai me atacar como fez na Casa Latina?

— Não preciso atacá-la, sabe muito bem disso. Basta um beijo ou um toque e
você já fica molhadinha para mim. Será que está agora? — As mãos dele
apertaram as partes internas das minhas coxas. Sim, eu já estava, mas morreria
antes de deixá-lo descobrir.

— Sobre o que quer falar?

— Aqui, não.

Ele era errado para mim de tantas formas, de tantas maneiras. Ainda assim,
eu o desejava enlouquecidamente, mesmo sabendo que nós não tínhamos
qualquer futuro.

Por outro lado, talvez eu desconsiderasse qualquer hipótese de um


relacionamento sério porque o considerava inadequado para mim. Será que eu
estava me tornando uma elitista arrogante como Melissa? Será que estava
descartando Javier porque ele era segurança e estrangeiro?

Não, eu não era a babaca aqui. Antes de mais nada, ele havia me descartado.

Porém, se ele não estava interessado, porque me olhava sempre com tanta
intensidade, mesmo quando se dirigia a mim com uma formalidade
irritantemente distante? Por que parecia estar sempre me observando, sempre
prestando atenção no que eu dizia e, nos últimos dias, me mandava tantas
mensagens?

Estava prestes a perguntar todas aquelas coisas para ele, quando a Dra.
Melissa Peitos de Fora Tyler entrou na sala de forma abrupta. O mais irritante
não foi a presença dela: foi a reação de Javier.

Assim que a viu, ele pulou da cadeira e se afastou o máximo que podia de
mim, plantando-se do lado oposto da sala.

— Boa noite, Carly — se eu achava que o plantão tinha começado uma


merda, agora tinha piorado. — Seu irmão está bem?

— Melhorando — não disfarcei a irritação.


Ela sempre deu em cima do Levi, desde que o conheceu em uma festa do
hospital dois anos antes. Eles tinham transado algumas vezes, mas ele se cansou
dela em pouco tempo: comentou que ela gostava mais dos relógios caros que ele
usava do que de outras coisas dele.

Meu irmão podia ser um galinha, mas jamais ficaria com uma mulher que
estava interessada no dinheiro dele.

— Oi, Javi — ela decidiu que não tinha mais nada de interessante para me
falar, então voltou sua atenção para ele.

Javi? Mas que porra...

— Olá, Dra. Tyler.

Ele estava nervoso. Tipo, muito nervoso. Como se não quisesse ter aquela
conversa na minha frente. E era precisamente por isso que eu estava louca para
saber o que Melissa diria a seguir.

— Tudo confirmado para amanhã depois do plantão?

— Sim, está — ele replicou, cabisbaixo.

Eles iam sair? Javier estava saindo com a Melissa? E me comendo em


banheiros de boates ao mesmo tempo? E me mandando mensagens preocupadas?
E tentando me seduzir na sala de descanso do meu local de trabalho?

De repente, a verdade me atingiu como um caminhão. Era por isso que ele
estava usando o celular da Jess para falar comigo. Não era por medo de eu não
responder se ele me mandasse mensagens pelo dele, e sim porque não queria que
sua nova conquista soubesse que ele ainda estava dando em cima de mim.

Pois ele nunca mais tocaria um dedo sequer nesta conquista aqui.

— Com licença — disse rispidamente, recebendo um largo sorriso vencedor


de Melissa, e um olhar de preocupação de Javier.

Saí da sala irada, mas, lá no fundo, eu queria que ele tivesse vindo atrás de
mim. Nesse meu mundo paralelo, ele deixaria a sala de descanso desesperado,
me agarraria enquanto eu dava um baita sermão nele, me contaria que era tudo
um engano, e nós faríamos as pazes no armário de limpeza, sem qualquer
dignidade e com muita paixão.

Não foi o que aconteceu. Ele não veio. Ele não mandou outras mensagens,
nem mesmo pelo celular da Jessica. Ele sequer me olhou no olho pelo restante
do plantão.

***
13
Levi

“I'm so in love with you


Whatever you want to do
Is all right with me
Cause you make me feel so brand new
And I want to spend my life with you”

“Eu estou tão apaixonado por você
O que quer que você queira fazer
Por mim está tudo certo
Pois você faz eu me sentir novinho em folha
E eu quero passer a minha vida com você”

(Let’s Stay Together, Al Green)

Sete dias em cima de uma merda de uma cama.


Bem, poderia ser pior. Muito pior. Eu poderia ter seguido a luz no fim do
túnel. A faca poderia ter danificado algum órgão e eu agora precisaria de um
novo. Ou, até mesmo, o lunático poderia ter atacado meu pau. Essa última
possibilidade me dava arrepios.

Apesar de saber que eu era muito sortudo por não ter tido nenhuma
consequência grave, estava puto da vida que tinha Amanda ao meu lado todas as
noites e, ainda assim, não podia fazer merda nenhuma a respeito.
Claro que ela tinha começado a me provocar. Eu não tinha ideia por que ela
fazia tanta questão de ficar na escuridão, de não me deixar vê-la direito, porque o
pouco que eu conseguia ver e sentir era bem agradável.

Na noite passada, eu consegui determinar que seus cabelos eram dourados.


Ela tinha entrado na minha suíte achando que eu estava dormindo, e veio
desligar a luz do abajur. Eu aproveitei para bisbilhotar.

Sua pele era de porcelana, linda, impecável. Os seios, redondos e bem


maiores do que eu havia previsto. Uma cintura fina dava a impressão de que ela
malhava na sua cobertura. Seus braços eram torneados, assim como suas coxas.

Ela era esguia e elegante, e eu tinha vontade de matar as pessoas


responsáveis por seu trauma. Carly, como era esperado, ficou amiga de Amanda
muito rápido. Ela mal a conhecia e a minha vizinha já tinha convidado Carly
para ir à sua casa.

Carly me contou que a agorafobia dela vinha se desenvolvendo desde que ela
era criança. Aparentemente, ela era muito frágil de saúde quando era mais nova,
então seus pais decidiram que ela teria aulas em casa. Isso já a deixou um tanto
medrosa com o “lado de fora”, já que era comum ela adoecer quando deixava a
proteção de sua casa.

Para piorar, sua mãe morreu quando ela era muito jovem, durante um assalto.
E sua tia, que cuidou dela depois que os pais faleceram, faleceu durante um
acidente de carro. Mortes trágicas, e “do lado de fora”, como ela repetira para
Carly.

No entanto, a gota d’água, segundo Carly, havia sido outro trauma. Minha
irmã era uma excelente psiquiatra, mas nem mesmo ela conseguira descobrir o
que se passara. Ainda.

No entanto, Carly já observava melhorias consideráveis em Amanda.


Segundo ela, o fato de Amanda deixar diariamente sua casa para vir até a minha
era um grande avanço.

Outro avanço aconteceu na minha relação com a Sra. Smith. Ela começou a
ler o jornal para mim, em particular, as notícias sobre a bolsa. Desde que eu lhe
desse dicas sobre ações em que ela deveria investir, ela aceitava ler durante horas
a fio. Assim, eu tinha muitos assuntos sobre os quais conversar com Amanda à
noite.

Quando eu conseguia ficar acordado mais de trinta minutos seguidos.

Esta manhã, Carly tinha diminuído a dosagem dos meus remédios, o que
significava que, não apenas eu estava melhorando, como também eu ficaria
menos sonolento à noite.

Mal consegui conter a ansiedade enquanto as horas passavam, aproximando-


me mais do horário de Amanda chegar. Puta que o pariu, a mulher estava me
transformando em um maldito adolescente. Eu tinha até mesmo convencido a
Sra. Smith a me dar um pouco de café antes de ir embora.

Escutei a Sra. Smith batendo a porta, e senti um grande alívio, porque isso
significava que ela logo seria substituída pela minha cuidadora favorita. Alguns
minutos mais tarde, ouvi o som de Amanda entrando no apartamento, e meu
amigo ficou logo duro.

Aquela seria a noite.

***

O clima do quarto estava perfeito. Tinha pedido à Sra. Smith que deixasse
apenas a luz do corredor acesa, para que Amanda ficasse bem confortável
comigo no quarto. Coloquei Frank Sinatra para tocar: ele sempre era uma ajuda
nessas horas.

Que mulher não ficava excitada ao som de Sinatra?

Finalmente, tinha uma garrafa do vinho favorito de Amanda na geladeira. Eu


esperava nem dar tempo de chegar à parte do vinho.

Amanda parou na soleira da porta, e foi como ver um anjo. A única fonte de
luz a iluminava por trás, dando a impressão de que emanava dela. Seus cabelos
dourados brilhavam sob a luz fraca, e consegui ver sua expressão: ela sorria.

Havia algo familiar nela, eu apenas não sabia exatamente o quê. Talvez, se
ela não estivesse sempre se escondendo nas sombras, eu conseguiria me lembrar
de onde a conhecia.
— Você parece o Bob de vez em quando — ela comentou de repente, o
sorriso ainda estampado no rosto.

Eu fiquei imediatamente sério.

— Bob?

Quem era esse cara? Eu ia acabar com a raça do desgraçado.

— Bob é um cachorro que vive aqui perto, na rua... Eu às vezes o vejo


passando. Ele gosta de dormir na lateral do prédio, onde fica protegido do vento.
Dá para vê-lo da minha varanda.

— Ah.

Eu tinha acabado se sentir ciúme de uma mulher com quem eu jamais havia
saído? Que eu nunca tinha beijado? Por causa de um cachorro? Que merda
estava acontecendo comigo?

— Eu compro ração para o Karl poder alimentá-lo todos os dias e, quando


está frio, ele esconde o Bob no subsolo do prédio.

Ela parecia realmente se preocupar com o cachorro.

— E por que você não o adota?

— Bob é um cachorro de grande porte, independente, Karl me diz que


sempre o vê passeando pelo Central Park... Comigo, ele ficaria preso.

— Porque você não sai de casa — complementei.

Seu sorriso dissolveu-se aos poucos, e uma tristeza apoderou-se dela.

— Irônico, não é? Eu adoraria me sentir segura lá fora, e eu sei que ele


adoraria ter um lugar para morar do lado de dentro.

A voz dela ficou embargada, e mais rouca do que de costume. Ela estava
emotiva falando daquilo, e eu precisava mudar o quanto antes de assunto.

— E como eu a faço pensar em um cachorro de rua?


— Você tem um ar independente, como o Bob. Mas é tão dengoso...

— Dengoso? De onde tirou isso? — Fingi ofensa, e ela riu.

— Nossa, fez até biquinho — ela comentou sorrindo, ao mesmo tempo em


que saía do quarto.

Não, não, não. Ela tinha que se aproximar, não se afastar de mim.

— Vai aonde? — perguntei. — Estou com dor!

— Nossa, como você não é dengoso...

— Juro! Nossa, senti uma pinçada aqui — apontei para o local onde tinha
recebido a facada.

Carly sempre falava em como tínhamos que ver o lado positivo das coisas.
Receber uma facada definitivamente não era agradável, mas ter uma enfermeira
como Amanda todas as noites...

— Onde exatamente sentiu dor? — ela ficou preocupada assim que apontei
para a região da ferida. Estava a dois passos da cama.

— Aqui — disse, sem conseguir tirar os olhos dos seus seios. — Chega mais
perto.

Ela inclinou-se na minha direção, e eu a agarrei pela cintura, aproximando


seu torso do meu.

— Oh!

— Agora eu vou mostrar para você o quanto eu sou diferente de Bob,


Amanda.

***

Assim que seu corpo colou-se ao meu, puxei-a pela nuca. Ela veio sem
resistência, sem queixas. Quando nossos lábios se tocaram, foi como um vulcão
entrando em erupção. Se bem que o vulcão entre minhas pernas estava perto da
explosão mesmo.
Seus lábios eram ainda mais macios do que eu imaginava, seu gosto, ainda
mais sensual do que os meus melhores sonhos. Merda, ela era perfeita. Assim
que senti seu gosto, sabia que não me satisfaria com apenas com um beijo. Ou
dez. Ou cem.

Eu mal a havia provado, e já estava viciado.

Nosso beijo se aprofundou ao mesmo tempo em que ela mudou de posição.


Amanda sentou-se sobre o meu quadril, uma coxa de cada lado da minha cintura,
unindo-nos ainda mais, e começou a se roçar na minha virilha.

— Que vontade de lamber cada pedacinho da sua pele, Mandy.

Explorei seus lábios, seu queixo, deixando mordidas e beijos ao longo do


caminho. Minhas mãos exploraram o corpo dela: era elegante e firme. Porra, ela
malhava muito mesmo em seu apartamento, era muito gostosa.

Minhas mãos fecharam-se em uma bunda redonda e perfeita, e eu a esfreguei


ainda mais forte contra o meu pau. Ela estava usando um vestido curto, de
alcinha e, graças a todos os deuses do sexo, fino e fácil de rasgar.

Enquanto uma das minhas mãos continuava auxiliando o quadril dela a


transar comigo por cima da minha calça de moletom, a outra foi explorar seus
seios. Usei minha língua para explorar seu corpo, para deixá-la arrepiada e
sensível ao meu toque. Quando a palma da minha mão espalmou-se sobre um
mamilo, senti-o duro sob meu toque, e tive certeza de que ela não usava sutiã.

Quanto menos, melhor.

Puxei a alcinha para baixo com facilidade, expondo um seio redondo e firme
aos meus olhos abençoados. Caralho, ela era linda. Afastei meus lábios de sua
pele apenas para admirar seu seio, e a mão dela foi automaticamente para ele.

— Nunca se esconda de mim, Mandy — sussurrei, olhando em seus olhos.


— Você é linda.

A mão dela caiu ao lado de seu corpo, e um sorriso tímido surgiu em seus
lábios.

— Você também dá pro gasto.


Caralho, como eu queria poder me virar no colchão, para poder prendê-la sob
meu corpo, e comê-la a noite inteira. Se eu fizesse isso, porém, estouraria todos
os meus pontos, e Carly me forçaria a ficar em um quarto de hospital o mês
inteiro.

Ao invés disso, eu baixei meus lábios para seu seio e o puxei entre meus
dentes, fazendo-a gritar alto.

— Só pro gasto? — Questionei, soprando o mamilo sensível.

— Serve para beijar também — ela arfou de volta, puxando minha cabeça
para o seio dela.

Claro que eu atendi ao seu pedido, e com prazer. Abocanhei seu seio,
puxando-o para a minha boca, enquanto a mão que estava em seu quadril
encontrou a calcinha sob a barra do vestido. Ela afastou um pouco a virilha da
minha, deixando suas intenções claras.

— Quer que eu toque a toque aqui, Mandy? — Afastei meus lábios do seio
perfeito dela apenas para perguntar.

— Por favor! — ela implorou, deixando-me ainda mais duro.

— Seu desejo é uma ordem.

Meus dedos experientes passaram por baixo da última camada que me


separava dela, e senti a umidade de Amanda entre meus dedos sortudos. Usei o
polegar para massagear seu clitóris, enquanto o indicador explorava sua entrada.

— Levi — ela arfou de forma incoerente. Estava perto do ápice, pude sentir
em sua voz.

Estava prestes a enfiar um dedo dentro dela, quando Amanda assustou-se


com algo. Eu estava tão entretido com sua boceta molhada e seu mamilo
delicioso que nem havia reparado no som de sirenes próximas até ela afastar o
corpo de mim.

— O que você está fazendo? — Perguntei, quando ela caminhou até a janela
do quarto e espiou o lado de fora. — Eu ainda não terminei.
Mal tinha começado, na verdade.

— Carros de polícia estão vindo para cá — ela respondeu, a apreensão clara


em sua voz sensual.

— E daí?

— Não gosto da polícia — ela replicou, e agora havia raiva em seu tom.

Era raro ela sentir raiva de alguma coisa. Apesar de ter um medo extremo
“do lado de fora”, ela parecia uma mulher sociável. Porém, ela ficou tão
incomodada com a presença da polícia em nosso prédio que notei seus ombros
ficando tensos. Será que o trauma pelo qual ela havia passado envolvia a polícia?

Ao invés de questioná-la a respeito, e arriscar deixá-la ainda mais estressada,


achei melhor tentar confortá-la.

— Algum rico deve ter perdido uma pulseira de diamantes ou algo assim,
Mandy — ela olhou para mim por cima do ombro, e aproveitei a atenção para
convidá-la de volta à cama a cama com um movimento do dedo que, momentos
antes, estava quase dentro dela.

— Eles não mandariam três carros de polícia e uma ambulância se fosse


apenas isso, Levi — ela rebateu, parecendo verdadeiramente preocupada. — E
se alguém foi atacado como você?

— Outro ataque? Neste bairro? Sei que é Nova Iorque, mas duvido muito.

Ela ignorou meu comentário e foi até a sala para usar o interfone. Não sei
com quem ela falou mas, ao retornar, sua voz estava trêmula. Ela estava longe
demais para eu ver as lágrimas em seus olhos, ou a expressão do seu rosto, mas
eu tinha certeza de que ela chorava.

— Falei com a Sra. Smith. Foi Joe, Levi. Ele levou uma facada enquanto saía
do trabalho — ela se interrompeu, como se não conseguisse continuar.

— O que houve com ele, Mandy? Eles o levaram para o hospital?

Ela balançou a cabeça em negativa.


— Não deu tempo. Ele morreu antes que chegassem.

***
14
Levi

“Baby, you're all that I want


When you're lyin' here in my arms
I'm findin' it hard to believe
We're in heaven”

“Baby, você é tudo o que eu quero
Quando você está aqui, deitada em meus braços
Eu acho isso difícil de acreditar
Estamos no paraíso”

(Heaven, Bryan Adams)

Nos últimos três dias, minha recuperação acelerou bastante. Eu ainda estava
proibido de sair de casa e trabalhar, porém, já conseguia me levantar sem ajuda e
caminhar — bem devagar — pelo apartamento.

Infelizmente, Carly não teve plantões de vinte e quatro horas nos últimos
dias, o que significava que ela vinha passando as noites comigo. Por isso,
Amanda não me visitou desde o nosso beijo.

Mal podia esperar para Carly ficar longe de novo. Ela estava me ajudando
muito a melhorar rápido, mas estava me atrapalhando em relação a Amanda.

Esta noite, entretanto, Carly tinha sido avisada que precisaria fazer plantão à
noite. Fingi ter ficado chateado por ela ter que ir embora, mas claro que ela não
acreditou.

— Apenas me prometa que vai ser cuidar — ela pediu.

— Claro que vou!

— E que não vai fazer nada com Amanda que possa abrir seus pontos.

— Isso eu não posso prometer.

Pelo contrário: estava pensando em apenas parar de fazer coisas com


Amanda se meus pontos abrissem.

Eu faria muito sexo com ela esta noite. Dos bons. Daqueles que a deixariam
dolorida e me deixariam ardido. Talvez, eu pudesse estrear as algemas que tinha
comprado meses atrás. Eram para usar com Lena, mas ela tinha perdido
completamente a graça.

Tive uma ideia de como seduzir Amanda de uma vez por todas quando Carly
mencionou que me ajudaria no banho. Era uma das poucas coisas que eu ainda
não conseguia fazer completamente sozinho. Em geral, era a Sra. Smith quem
me auxiliava nessas horas.

Nem preciso dizer que, além de muito paciente comigo, a Sra. Smith adorava
me despir para o banho. Eu fingia não notar: a vida dela era tão monótona
quanto aqueles romances chatos que mulheres adoravam, então ela merecia
alguma diversão no seu dia.

E eu sabia que tinha um corpo que fazia muito bem aos olhos femininos.

— Vai precisar de ajuda para sair do banho? — Carly perguntou, quando


relaxei na banheira da minha suíte. — Posso que a Sra. Smith venha em uns
cinco minutos.

Sempre que eu tomava banho de banheira, eu precisava que alguém fizesse


meu curativo de novo. Carly havia ensinado tanto a Sra. Smith quanto Amanda a
fazê-lo, mas claro que Amanda sempre dava desculpas para não ser aquela a me
dar banho.

Hoje seria diferente.


— Quero relaxar mais um pouco aqui, Carly — comentei, mantendo os olhos
fechados. — Pode ir. Amanda deve chegar em uns vinte minutos.

Eu estava certo do horário porque havia pedido a Carly para confirmá-lo com
Amanda pelo menos umas três vezes hoje.

— Sei, sei... — o tom dela estava cheio de escárnio. — Você acha que ela
não vai te resistir por causa desse seu corpinho malhado?

— Espero que não — respondi sinceramente, um sorriso contorcendo meus


lábios. — Malhar, no fim das contas, tem suas serventias.

— Ela é mais difícil de conquistar do que você imagina.

Abri os olhos para encará-la intensamente.

— Não, Carly. Ela não é difícil. Amanda é praticamente impossível.

— O pai do Jack fala a mesma coisa da mãe dele. — Nós dois gargalhamos.
Desde que nos mudamos para Nova Iorque, havíamos nos aproximado bastante
da família do Jack, que tinha praticamente nos adotado. — Ele diz que a Sra.
Holmes é o Everest dele. Talvez, Amanda seja o seu.

Revirei os olhos impacientemente e voltei a relaxar na banheira, fingindo que


considerava aquela ideia realmente ridícula. Porém, não era. Na realidade, a
metáfora se aplicava perfeitamente bem.

Eu devia ter ficado preocupado. Uma parte de mim de fato ficou. Porém,
uma outra parte, bem mais preponderante, estava acumulada e mal podia esperar
para explodir dentro de Amanda. Por isso, eu esqueci minhas dúvidas e esperei
até que ela chegasse.

***

— Eu devia saber que você estava aprontando alguma — a voz sensual veio
da porta do banheiro.

Eu ainda não tinha entendido o motivo por trás da resistência de Amanda em


aparecer para mim na luz, porque o pouco que eu via e pelo que passava a mão
era simplesmente perfeito.
Porém, se eu tinha que ficar na semiescuridão para estar perto dela, poderia
passar o resto da minha vida em uma caverna.

Resto da minha vida? Eu tinha pensado mesmo isso? Tentei expulsar o


pensamento idiota, ao mesmo tempo em que me deliciava com a visão das
curvas esbeltas de Amanda.

Não conseguia enxergar os detalhes dela, uma vez que apenas havia deixado
uma vela acesa no banheiro, entretanto, conseguia ver os contornos de seu corpo.
Apenas de ouvir aquela voz rouca e sentir a proximidade dela, meu amigo
despertou.

Que bom; eu queria mesmo impressionar Amanda.

— Não consigo sair sozinho da banheira ainda, Mandy. Sabe disso — eu me


fiz de inocente.

— Sei também que a Sra. Smith adora participar desta parte específica do
seu dia. Ela não para de falar nisso.

Foi quando eu ouvi. Na voz dela. Amanda tentou disfarçar, mas havia
curiosidade em saber se eu era tudo aquilo que a Sra. Smith vinha fofocando.
Mais do que isso: tinha desejo na voz dela também.

Seus olhos castanhos estavam escondidos sob sombras, mas consegui


distinguir um sorriso formando-se em seus belos lábios.

— Quer finalmente ver com seus próprios olhos do que ela tanto fala,
Mandy?

Seu sorriso alargou-se.

— E tem outro jeito?

Ela aproximou-se, seu rosto ficando mais visível à medida que a luz fraca da
vela atingia sua face. Puta que o pariu, ela era linda. E, agora que eu via melhor
suas feições delicadas e seu rosto anguloso, tinha a sensação de que já nos
conhecíamos de algum lugar.

Nem ferrando eu ia questioná-la onde já havíamos nos visto. Se ela não tinha
mencionado até agora, era porque não desejava falar no assunto. E hoje não era a
noite para falarmos de passado, e sim para aproveitarmos o presente.

Ela sentou-se em uma banqueta que eu deixava ao lado da banheira. Ela não
planejava que eu saísse agora; estava querendo alguma coisa antes. E, pela
carinha de safada dela, era alguma coisa muito indecente.

Ela afastou a espuma da superfície, mais especificamente, de cima da minha


virilha, e verificou o que havia sob a água. Neste caso, uma puta ereção.

— E então? — Perguntei, a rouquidão da minha voz entregando o meu tesão.


— É tudo o que a Sra. Smith prometeu?

Ela me olhou com cara de decepção. Porra, como assim? Dezenas de


mulheres já tinham visto o meu pau e nenhuma delas – nenhuma mesmo –
tinham feito cara de decepção. Carly tinha feito cara de nojo quando era criança,
mas só!

— Não consigo ver com a luz da vela — ela comentou, e senti-me aliviado.

Ela estava decepcionada por não conseguir me ver direito.

Estava prestes a sugerir que ela ligasse todas as luzes da casa – afinal de
contas, não era eu o tímido – quando ela abriu um outro sorriso safadinho e
colocou a mão sob a água. Em volta do meu pau.

— Mandy! — Gritei. Aí a desgraçada apertou a mão. — Porra!

— Nossa, é ainda maior do que a Sra. Smith descreveu...

— Ela nunca viu duro, Mandy. Fico assim especialmente para você.

Em resposta, a mão endiabrada dela moveu-se de cima para baixo, apertando


às vezes, outras vezes me soltando por alguns instantes, para me agarrar de novo.

Quando percebi que não conseguiria mais me controlar, segurei a mão dela:

— Mandy, estou amando o que você tá fazendo, mas não quero gozar na sua
mão.
Senti seu pulso acelerando sob meus dedos. Seus lábios partiram-se. Seus
olhos ficaram mais brilhantes. Não podia ver a coloração de sua pele, mas
imaginava que estivesse corada.

Eu estava mais do que pronto para o próximo passo. E, pela forma que ela
me encarava, Amanda também estava.

A água já havia esfriado há tempos, mas eu estava sentindo como se lava


estivesse passando pelas minhas veias. Devagar, com as mãos trêmulas e as
longas pernas inseguras, ela levantou-se. Mais uma vez, usava um de seus
vestidinhos de casa, que eram muito fáceis de tirar.

Minha boca salivou como as Cataratas do Niágara quando ela segurou a


barra do vestido e o puxou para cima, revelando coxas perfeitas, cintura fina e
seios redondos (que o sortudo aqui tinha chupado apenas dias antes)
parcialmente escondidos por um sutiã de renda.

Puta que o pariu, eu ia gozar antes dela sequer entrar na banheira.

Mais lentamente ainda, ela tirou o sutiã, revelando aqueles seios


maravilhosos que eu estava louco para experimentar de novo.

— Mandy, vem logo! — Implorei, sem conseguir mais me segurar. Eu


precisava entrar nela. Agora.

— Ainda falta a calcinha... — Sua voz rouca replicou, e perdi a merda da


paciência.

Sentei-me na banheira, ignorando a pequena pontada que senti na lateral do


abdômen, alcancei seu pulso fino e a puxei para mim. Surpresa com minha força,
ela se desequilibrou, caindo na banheira, fazendo metade da água transbordar.

Usando o pequeno espaço a meu favor, colei seu corpo junto ao meu,
esfregando a minha ereção contra a calcinha de renda dela, beijando-a como se
não nos víssemos há três anos, não três dias.

Tentando se ajeitar, ela me segurou pelos braços, apertando meus músculos,


sentindo-os contraindo-se sob seu toque. Seus dedos passaram pelos meus
cabelos molhados, pelos músculos do meu peitoral, enquanto meus dedos
afastaram sua calcinha e passaram a brincar na sua entrada.
— Levi! — ela arfou e começou a gemer enlouquecidamente.

Rasguei a calcinha, e comecei a fazer círculos com o polegar em seu clitóris,


enquanto nossos lábios continuavam se explorando mutuamente, e suas mãos
apertavam meus ombros.

Enfiei um dedo nela. Ela gritou junto comigo: estava molhada, apertada,
deliciosamente perfeita. Com esforço e paciência, consegui enfiar um segundo
dedo, e ela afastou-se um pouco do meu corpo, colocando uma de suas mãos
entre nós, segurando minha ereção de novo. Daquela vez, eu não iria interrompê-
la.

Gozamos juntos, um dos melhores da minha vida, e eu ainda nem estava


dentro dela, porra!

Como a água já tinha deixado a banheira havia tempos, depois de alguns


minutos recuperando a respiração, ela ligou o chuveiro, e sussurrou no meu
ouvido:

— Está cansado? — Pelo seu tom, ela estava torcendo que minha resposta
fosse não.

— Mal começamos, Mandy... — Sussurrei de volta, beijando seu pescoço,


deixando seus pelos eriçados.

— Então vamos continuar na sua cama?

Beijei-a longamente em resposta.

Ela me ajudou a levantar, limpou os rastros do que havíamos acabado de


fazer, e deixou a banheira, cobrindo-se com o meu roupão, o qual, em alguns
segundos, eu arrancaria do corpo perfeito dela, e estendeu uma toalha para mim.

Com o auxílio dela, deixei a banheira, encarando-a, tentando dizer para ela
tudo o que eu faria quando chegássemos à cama, quando um som a assustou.

— O que foi isso?

— Meu pau ficando duro de novo — repliquei, tentando trazê-la de volta


para o que estávamos fazendo.
Abri o laço de seu roupão e coloquei a mão por dentro, logo encontrando
mamilos duros e prontos para serem sugados.

Outro som estrondoso.

— Vou ver o que está acontecendo! — Ela avisou, afastando-se de mim,


fechando novamente o roupão.

— Deve ser o idiota do Parker chegando em casa bêbado com alguma amiga.

— Pode ser que sim, pode ser que não. Vou verificar — ela insistiu, já
caminhando rápido para longe de mim.

Se fosse o Parker e ele tivesse acabado de interromper o que provavelmente


seria a melhor foda da minha vida, eu ia quebrar o pau do desgraçado!

Quando enfim cheguei à sala, com minhas passadas lentas e dolorosas, vi a


forma de Amanda encostada na porta, provavelmente verificando o olho mágico.

Do nada, ela gritou.

— O que foi, Mandy?

— É a Sra. Smith! Ela está caída no corredor!

***
15
Levi

“When you are with me, I'm free


I'm careless, I believe
Above all the others we'll fly
This brings tears to my eyes
My sacrifice”

“Quando você está comigo, eu sou livre
Eu fico relaxado, eu acredito
Acima de todos os outros, nós voaremos
Isto traz lágrimas aos meus olhos
Meu sacrifício”

(My Sacrifice, Creed)

Três noites depois, e eu tinha uma boa notícia e uma péssima notícia.
A boa notícia era que a Sra. Smith estava viva e se recuperando bem. A
péssima notícia era que, desde que a encontrara no corredor apagada, Amanda
tinha voltado a ficar reclusa, e recusava-se a deixar seu apartamento novamente,
mesmo que apenas para cruzar o corredor e vir até o meu.

E eu estava enlouquecendo com a distância.

Claro que passei a noite passada inteira pensando em formas de incentivar


Amanda a me visitar de novo. Ela ainda não permitia que eu fosse ao seu
apartamento, apenas Carly, então o jeito era oferecer algo irresistível.

Minha primeira ideia, óbvio, foi tentar oferecer meu próprio corpo. Nas
últimas semanas, consegui o celular da Amanda, então enviei algumas fotos
bastante... Íntimas. Nada. Ela apenas me mandou um joinha de resposta.

Porra, meu corpo merecia mais do que um emoji de joinha, especialmente a


foto do meu pau duro.

Pelo menos, ela também enviou uma foto dela. O que apenas me serviu para
ficar ainda mais louco para vê-la.

Foi na noite passada que eu finalmente vi a luz. Na realidade, foi Jack quem
me deu a ideia, quando veio passar a noite na minha casa, já que a Sra. Smith
estava no hospital, e Carly tinha plantão.

Não apenas meu melhor amigo provou que amizades serviam para alguma
coisa além de falar merda, como ele foi essencial para o plano. Carly também:
ela ficou quase tão animada quanto eu.

Estava preparando uma nova surpresa para Amanda. E, daquela vez, ela não
resistiria. Era ainda melhor do que meu corpo. Sim, isso era possível.

Eu me sentia um adolescente chamando a garota mais gata da escola para ir


ao Baile de Formatura. Já tinha expulsado Jack de casa desde aquela manhã, e
Carly tinha ido horas antes para o hospital, ao final do dia.

O telefone tocou umas cinco vezes antes de Amanda atender.

— Ei, Rapunzel.

— Olá, Príncipe de Manhattan.

— Estou com saudade.

E era a verdade. Tentar provocá-la não tinha funcionado. Tampouco tentar


convencê-la com argumentos racionais. Então eu tentaria ser cem por cento
sincero.

— Das minhas dicas infalíveis sobre investimentos?


— Não, Mandy. De você.

— Para — ela pediu, mas seu tom indicava que ela queria mais.

Que ela queria meus lábios sobre os dela.

Minha mão sobre seu seio.

Meus dedos dentro dela.

— Estou com saudade do seu cheiro — continuei.

— Levi, não posso.

— Do seu gosto.

— Levi!

— E eu tenho uma surpresa.

— Uma surpresa?

Finalmente, ela pareceu mais concentrada em descobrir do que eu estava


falando do que interessada em arranjar desculpas para não me ver.

— Melhor que o outono do Central Park — eu comentei de forma arrogante.

— Impossível.

— Possível — era fato. Jack teve uma ideia ainda melhor do que a minha.
Claro que ela acreditaria que fui responsável por tudo. — Pode ser melhor do
que eu com investimentos, mas eu ganho de você em surpresas.

Ela ficou em silêncio por alguns momentos, então eu sussurrei.

— Vem.

Ela desligou o telefone.

***
Dez segundos depois, escutei alguém girando a chave na fechadura e abrindo
a porta do meu apartamento.

Sua surpresa foi recebê-la na porta, enquanto que eu a aguardava


esparramado no sofá, um sorriso vencedor no rosto.

— Não — ela disse, olhando para mim e para a sua surpresa.

— Sim.

— Não — ela repetiu, ainda sem acreditar no que eu tinha feito.

— Sim — levantei-me, e caminhei até ela. — Bob agora tem uma casa,
Mandy.

Queria dizer que eu tinha feito aquilo pelo cachorro. Claro, Bob era bem
simpático, e carinhoso também. Além de surpreendentemente educado. Porém,
foi por ela que fiz aquilo.

Ontem, quando comentei com Jack que Amanda precisava de companhia, e


sobre o cão que ela ajudava na rua, ele me deu um tapa na nuca e me chamou de
imbecil.

Porra, eu estava pensando em uma razão para Amanda me visitar


diariamente, e a resposta estava bem na minha cara.

Depois de Han Solo, o cão que tive quando era criança, eu jurei que jamais
teria outro. Eu sabia como era fácil se apegar a eles, e como era difícil perdê-los.
No entanto, por ela, eu iria me arriscar de novo.

Lembram-se da grande merda que eu fiz na minha vida? Pelo jeito, eu estava
prestes a repeti-la. Porém, daquela vez, não parecia que eu estava fazendo uma
merda. Parecia certo. Ela parecia certa para mim.

Precisava mudar o rumo dos meus pensamentos, e rápido.

Sobre Bob: Karl tinha me ajudado. Aparentemente, algum babaca tinha


abandonado o cachorro quando ele era um filhote, um ano atrás. Karl queria
mantê-lo, mas era muito alérgico.
Ainda assim, por insistência de Amanda, ele sempre alimentava o cão,
oferecia abrigo quando chovia ou estava muito frio, e até mesmo tinha levado o
Bob para uma veterinária lhe dar as vacinas necessárias.

E ele também tinha me ajudado com a surpresa. Tinha levado Jack até o local
favorito de Bob, depois tinha nos ajudado com a veterinária que havia atendido
Bob desde que ele era filhote. Depois de um longo banho e alguns exames, ele
estava pronto para vir à sua nova casa.

Agora, ele estava rolando no chão com a mãe que ele nem sabia que cuidara
dele sua vida inteira.

Eu nunca tinha visto Amanda tão feliz, nem mesmo quando ela gritou pela
casa dela durante horas por causa das folhas de outono.

De repente, ela parou de brincar com Bob.

— Mas... Você não pode passear com ele! — ela disse em tom acusatório.

Eu sabia o quanto Bob gostava de seus passeios no Central Park, então já


tinha me planejado.

Caminhei até eles, e Bob sentou-se imediatamente, enquanto que Amanda


levantou-se do chão, sem tirar a mão dele, como se não acreditasse que ele era
real.

— Carly e Jack vão me ajudar enquanto eu ainda não posso sair com ele. Já
falei com um passeador de confiança também — cocei as orelhas de Bob,
cruzando meus dedos com os dela. Puxei sua mão, e ela veio de encontro ao meu
corpo, exatamente onde ela pertencia. — E eu esperava que você me ajudasse.

Carly tinha me explicado que Amanda não começaria, do nada, a sair de


casa. Ela precisava ir aos poucos, e o mais importante era ter incentivos para
fazê-lo. Eu pretendia incentivá-la todas as noites para vir ao meu apartamento, e
Bob poderia ajudá-la a ir até o Central Park.

Porém, sua palidez repentina indicava que ela ainda não estava pronta para
deixar o prédio.

— Eu não saio de casa, você sabe!


— Você tem saído nos últimos tempos.

— Para vir ao seu apartamento. Por sua causa!

Segurei-a pela cintura, inclinando minha cabeça para frente, colando minha
testa na dela. Bob estava pulando em volta de nós: ele preferia quando a atenção
de Amanda estava focada nele.

Eu também, meu amigo. Nós teríamos que dividi-la. Ele seria o único macho
que eu deixaria chegar perto dela.

— Poderia passear de vez em quando no Central Park com ele... — sugeri, e


senti ela tremendo levemente.

— Eu já disse, Levi. Coisas ruins acontecem lá fora — ela inspirou


profundamente e fechou os olhos, apertando os braços em volta da minha
cintura. — Mamãe morreu em um assalto quando eu tinha seis anos. Meus tios
morreram em um acidente de carro quando eu tinha dezenove. E, quando eu
tinha dez, papai...

Ela se interrompeu, como se aquela lembrança fosse ainda pior que as outras.
Carly estava certa. Havia vários motivos para ela ter ficado isolada, mas um
evento tinha sido a razão para o copo dela transbordar de vez.

— O que tem o seu pai?

— Acha que o que aconteceu com a Sra. Smith tem relação com o homem
que atacou você e Joe? — Ela mudou de assunto abruptamente.

Bem, eu não insistiria mais. Poderia afastá-la ao invés de aproximá-la. Carly


sempre insistia neste ponto: eu tinha que dar espaço a ela, para que Amanda
confiasse em mim.

— Dificilmente — respondi, fingindo que já tinha esquecido o tema anterior.


— Foi uma triste coincidência.

— Não acredito muito em coincidências, Levi.

— Então foi a idade. A Sra. Smith já é bastante idosa, Mandy.


— O que Carly acha?

— Minha irmã não gosta de se pronunciar até ter todos os exames na mão.
Mas ela me garantiu que a Sra. Smith está estável.

Como a Sra. Smith tinha sido mais do que gentil ao cuidar de mim nas
últimas semanas, minha irmã garantiu que ela teria o melhor tratamento possível.
O que significava que ela estava importunando os médicos e enfermeiras do
hospital sem parar. Nenhum cuidado era bom o bastante, nenhum exame era
demais.

— Sim — Amanda concordou —, eu mesma falei com ela hoje.

— Viu? Não há com o que se preocupar.

Cobri suas bochechas com as mãos, aproximando meus lábios dos dela.
Antes que pudesse beijá-la, entretanto, ela saiu do meu abraço.

— Sempre há com o que se preocupar. E se a polícia quiser falar comigo?

Ela realmente detestava a polícia. Não como uma foragida, mas era como se
ela tivesse precisado da ajuda deles antes, e eles tinham se provado inúteis para
protegê-la. Eu podia apostar que tinha a ver com o que ocorrera ao pai dela.

— Por que iam querer? — puxei-a de volta para o meu abraço. — Eu disse
que fui eu quem vi a Sra. Smith no corredor. E, de qualquer modo, os porteiros já
devem ter dito que você não sai do apartamento há cinco anos.

— Mesmo assim, policiais são tão insistentes...

— Com boas testemunhas — eu a interrompi. Queria mudar logo o tom desta


conversa, e continuá-la na minha cama, com ela nua e eu entre as suas coxas. —
Você é uma péssima testemunha.

— Como eles podem saber?

— Carly conversou com eles sobre a sua... Condição.

Como se tivesse me ouvido pronunciar seu nome, Carly ligou para o meu
celular. A contragosto, soltei Amanda para pegar o aparelho e colocá-lo no modo
silencioso. Quando voltei a encarar Amanda, ela estava acariciando Bob, seus
ombros relaxados de novo, o sorriso de encantamento de volta em seu rosto.

Eu simplesmente não conseguia me lembrar de onde a conhecia, pensei,


analisando suas feições elegantes. Mesmo tentando se esconder nas sombras, era
visível que Amanda era lindíssima e não deveria ter qualquer motivo para se
envergonhar de sua aparência.

— Nem sei o que dizer sobre o Bob — ela enfim disse. — Nem sei como
agradecer.

— Ah, sabe sim — respondi, meu tom cheio de malícia.

***
16
Levi
“Every breath you take
Every move you make
Every bond you break
Every step you take
I'll be watching you”

“Todo suspiro que você der


Todo movimento que você fizer
Todo laço que você quebrar
Todo passo que você der
Eu estarei te observando”

(Every Breath You Take, The Police)

Ela não reclamou quando eu a guiei até meu quarto. Porém, ela quase me
chutou quando fechei a porta na cara do Bob.

— A hora do Bob acabou, Mandy. Agora, você é toda minha.

Uni nossos lábios antes que ela pudesse me dar outro sermão.

Eu ainda não podia carregá-la — ordens da Carly, minha empata foda oficial
— porém, já estava bem o bastante para ficar em cima dela. Gentilmente (ou
nem tão gentilmente assim), enquanto eu explorava sua boca, empurrei-a na
direção da minha cama.
Quando ela caiu no colchão, puxou-me junto com ela, e nós nos deitamos
num emaranhado de pernas e braços e mãos e lábios.

Hoje, ela não usava um de seus vestidinhos fáceis de tirar, e sim uma
camiseta simples com calça de moletom, provavelmente não esperava ter que vir
tão repentinamente.

Porém, se alguém imaginava que eu ficaria com menos tesão de vê-la tão
coberta, o efeito foi o oposto: eu senti uma necessidade ainda maior de arrancar
suas roupas para revelar suas pernas compridas e seus seios firmes.

Sentei-me sobre o quadril dela, e tirei minha camisa. Ela me encarou com
olhos famintos, e nem piscou quando eu arranquei sua calça velha e sua calcinha
de algodão juntas.

Separei seus joelhos e o caminho do paraíso revelou-se para mim. Minha


ereção estava a todo vapor, pulsando desesperadamente, mas eu me segurei.
Queria provocá-la um pouco por ter me deixado na seca nas últimas noites.

Tirei a minha calça e a cueca. Ela arregalou aqueles olhos de chocolate


enquanto analisava o meu pau e juro por tudo que é mais sagrado que lambeu os
lábios perfeitos. Puta que o pariu, ela queria que eu me enterrasse dentro dela
tanto quanto eu.

Mais um motivo para fazê-la esperar.

Comecei por seus pés. Seus pequenos e delicados pés. Chupei cada um dos
dedos, em seguida, fiz uma trilha de beijos do seu calcanhar até a parte interna
de sua coxa e, a partir daí, usei somente a minha língua.

— Levi! — Ela arfou quando minha língua chegou à sua virilha. — Por
favor...

— Por favor o quê, Mandy? — Questionei, sabendo exatamente o que ela


diria a seguir.

Ainda assim, eu queria ouvir as palavras daquela boquinha linda dela.

— Me chupa — ela disse, a voz ficando trêmula.


Levantei a cabeça para encará-la. Seu rosto estava corado, seus olhos,
praticamente pretos. Ela estava com a respiração entrecortada, expirando por
lábios inchados pelos nossos beijos.

Agora, eu beijaria outros lábios.

— Onde quer que eu a beije, Mandy?

— Aqui — ela colocou o dedo sobre a bocetinha dela, que já estava


pingando.

Caralho, meus últimos resquícios de autocontrole evaporaram naquele


instante. Enterrei minha cara nela, sentindo o cheiro dela, lambendo-a,
enterrando minha língua dentro dela.

Eu a chupei com força, sabendo que poderia causar um pouquinho de


incômodo, mas, pelos sons que estavam saindo dela, o prazer superava
infinitamente. Quando senti que ela estava chegando lá, enfiei um dedo nela,
enquanto minha língua se moveu para seu clitóris, explorando, brincando,
provocando.

— Levi! — Ela gritou, antes de apertar o dedo que estava dentro dela em
uma longa gozada.

Chegou a hora. Finalmente, porra!

Levantei-me de novo, mas apenas para procurar a camisinha. Pela força do


ápice de Amanda, ela levaria alguns segundos para se recuperar.

Abri a primeira gaveta do criado-mudo, e não tinha nada. Estranho. Fui até o
banheiro da suíte e olhei nos armários. Havia uma caixa vazia.

Ah, merda. Eu tinha parado de transar desde que comecei a falar com
Amanda, então não tive necessidade de repor o estoque de camisinhas.

Calculei: eu poderia quebrar o clima que eu tinha levado meses para criar.
Ou, poderíamos transar sem camisinha. Gostava infinitamente mais da segunda
alternativa.

Eu fazia exames regularmente, então sabia que estava limpo. E Amanda não
transava havia pelo menos cinco anos. Como eu sabia? Carly,
inconscientemente, havia me contado.

Amanda não saía do seu apartamento há mais de cinco anos, a não ser para
vir até o meu. Nenhum homem – a não ser Karl – entrara no seu apartamento
desde que ela se mudou. E nem ferrando ela e Karl tinham transado.

Ela poderia ficar grávida, mas, sinceramente, aquela possibilidade não me


assustou. O que, por sua vez, deveria ter me assustado. Mas o desejo era grande
demais para compreender o que aquilo significava.

— Levi? — Ela me chamou, abrindo os olhos, linda e perfeita na minha


cama.

Eu já estava pelado. Ela, não. Tirei sua camiseta e seu sutiã, notando, com
satisfação, que seu corpo ainda estava mole, que ela ainda não se recuperara por
completo.

Em seguida, subi em cima dela, encaixando-me entre suas coxas.

— O que vai fazer?

— Vou entrar em você, Mandy.

A resposta dela foi levantar o quadril.

Ela. Era. Perfeita.

Senti meu pau na entrada molhada dela, quando o impensável aconteceu. De


novo.

Nós fomos interrompidos.

Caralho, puta que o pariu, Desgraça. A campainha tocou. Havia alguém à


minha porta. Decidi ignorar quem quer que fosse.

—Você não vai atender? — ela sussurrou de repente, claramente sem


qualquer vontade de parar o que estávamos fazendo.

— Nem fodendo, Mandy.


Continuei entrando nela. Ela era tão apertada... Mesmo estando muito úmida,
eu sabia que teria que ser muito paciente, senão poderia machucá-la.

A merda da campainha tocou de novo.

— Pode ser importante.

— A única pessoa que me importa agora está bem aqui.

Minha tentativa de romantismo não colou. Ela levantou uma sobrancelha.

— Pode ser a sua irmã, Levi.

— Aí que eu não atendo mesmo.

Começaram a bater na porta. Porra, devia ser Carly mesmo, só ela pra ser tão
pentelha.

— Levi, estão insistindo.

— VAI EMBORA, CARALHO!

Talvez, assim Carly se tocasse. Porém, um segundo mais tarde eu descobriria


que não era a minha irmã.

— Sr. Rider, é o Detetive Walker.

Ah, merda.

***

Assim que eu ouvi o nome do detetive, sabia que a noite havia terminado
para a minha ereção. Nem ferrando a Amanda ia querer continuar qualquer coisa
com um detetive da polícia de Nova Iorque esperando na porta.

Como eu havia previsto, ela saiu da cama às pressas, e trancou-se no


banheiro.

— Mandy — chamei-a pela porta fechada. Tínhamos avançado bastante


naquela noite, apenas para retornar à nossa forma inicial de conversa —, vou
deixar a porta da suíte fechada enquanto converso com o detetive na sala. Não
precisa ficar aí no banheiro.

Ela não respondeu, mas eu fiz exatamente como havia prometido. Coloquei
uma camiseta e uma bermuda, deixei a suíte, fechando bem a porta atrás de mim,
fiz carinho atrás das orelhas de Bob enquanto passava lentamente pela sala, e dei
de cara com um detetive bastante abatido.

— Nossa, você está péssimo — comentei, e ganhei um sorriso amarelo em


resposta.

— Obrigado pelo elogio, Sr. Rider. Parece melhor.

— Não quero ser um babaca — ele levantou a sobrancelha, como se dissesse


“o que estava sendo até agora?” —, mas poderíamos ir direto ao ponto?

— O senhor e sua irmã são bem parecidos.

— Aconteceu alguma coisa com o caso? — Questionei, soando impaciente.

Porra, eu estava finalmente com a mulher mais maravilhosa que eu conheci


na vida bem na minha cama, pronta para mim, e o desgraçado estava estragando
tudo com aqueles comentários idiotas e a lerdeza em dizer logo que merda ele
estava fazendo aqui!

— Com outro caso, na realidade.

— Sei — se não era o meu caso, então o problema não era meu. Eu ia
expulsá-lo em dez segundos se ele não justificasse a presença dele no meu
apartamento.

— Por insistência da Srta. Rider, o hospital fez mais alguns exames na Sra.
Smith.

— Carly desconfiava que não era apenas uma anemia.

Ela achava que a Sra. Smith podia ter algo mais sério do que um problema
alimentício. Era provável: a Sra. Smith parecia ser saudável, mas algumas
doenças surgiam repentinamente na idade dela.

— E ela estava certa. Apenas errou o motivo. A Sra. Smith foi envenenada.
— Envenenada? — Que merda estava acontecendo com o mundo? A Sra.
Smith era um doce, jamais faria mal a ninguém. Além de fofocar e assistir
novelas, ela não fazia muita coisa. Talvez, ela tivesse feito fofoca da pessoa
errada... — Tem ideia de como ela foi envenenada?

— Sim. Às vezes a Sra. Smith encomenda cupcakes de uma padaria aqui


perto. Ela me disse que foi a única coisa que ela comeu nos últimos dias que não
foi ela mesma quem cozinhou.

— Quem da padaria poderia ter tentado envenená-la?

— Meu parceiro já foi falar com o proprietário. Aparentemente, ele


empregou um entregador novo na semana passada, mas ele demitiu o cara no
segundo dia de trabalho, porque ele importunava os fregueses.

Um agressor dando facadas e matando nas redondezas e um entregador


maluco? Este bairro não era tão tranquilo como me fizeram acreditar.

— Alguém consegue descrevê-lo?

— Pouco. Ele sempre estava de boné. Mas imagens da câmera de segurança


da padaria mostram que ele é bem parecido em estatura e porte com o homem
que o agrediu.

Não. Aquilo era muita coincidência. Eu já tinha achado bastante bizarro o


fato de Joe ser agredido e morto alguns dias depois de eu ser atacado perto de
casa. Agora, uma terceira pessoa relacionada ao nosso prédio tinha sido atacada?

Tudo bem que envenenamento era completamente diferente de agressões a


faca, porém, ainda assim, o fato da vítima ter sido a minha vizinha era, no
mínimo, suspeito.

— Acha que é a mesma pessoa que me atacou e matou Joe? Ele tem alguma
coisa contra os moradores deste prédio?

— Aparentemente, sim — O Detetive Walker coçou a cabeça; aqueles


crimes o estavam confundindo também. — Quando meu parceiro me contou
sobre o envenenamento, fui verificar melhor a caixa em que o cupcake chegou.
Foi quando vi a mensagem embaixo dela.
— Mensagem?

Ele me passou o celular, com a foto da caixa do cupcake. O que eu li nela me


deixou arrepiado dos pés à cabeça. Merda!

— Você é uma serva do demônio — o detetive leu a frase em voz alta. — O


agressor lhe disse algo bem parecido, não?

— Sim — na realidade, as frases eram praticamente idênticas.


Definitivamente era o mesmo cara. — Mas não faz sentido. Eu me mudei pro
prédio há poucos meses. Nem deu tempo de fazer inimigos.

— Talvez o cara esteja se vingando dos moradores daqui por causa de


alguma coisa que aconteceu a ele, e, como você é morador... — Aquela teoria
não era das melhores, e, pela expressão no rosto do detetive, ele tampouco
acreditava nela. Isso era pessoal: era como se ele me conhecesse bem, assim
como Joe e a Sra. Smith. — Não sei, não sei... Mas acho que estamos chegando
mais perto.

— Acha que foi ele também que matou Joe? — Eu tinha que ter certeza.

Se esse cara era capaz de matar... Bem, ele podia tentar acabar o serviço
comigo.

— Agora tenho quase certeza, Sr. Rider.

Puta merda. Precisava falar com o síndico: era melhor que ele aumentasse a
segurança do prédio. Não sabíamos qual era o objetivo do sujeito, mas ele era
claramente capaz de qualquer coisa.

— Por favor, me ligue assim que tiver novidades — pedi, enquanto o


detetive saía.

— Certamente. E, se tiver novas lembranças sobre a noite do seu ataque...

— Vou ligar imediatamente — garanti.

— Ah, e sabe da sua irmã? Tentei falar com ela e não consegui.

— Ela está de plantão.


— Entendi. Ela teve sorte, a Sra. Smith — ele comentou, enquanto chamava
o elevador. — O médico que está cuidando dela disse que ela teria morrido, se
tivesse comido o cupcake inteiro. Mas ela achou doce demais e deu só uma
mordida.

Acho que eu jamais chamaria isso de sorte, apenas de um azar um pouco


menos intenso, mas ele era policial. Devia ver coisas muito mais bizarras em seu
meio de trabalho.

Retornei para a minha suíte imediatamente, querendo conversar com


Amanda sobre suas teorias. Ela com certeza estava ouvindo a nossa conversa.

O que eu não esperava, entretanto, era deparar-me com ela aos prantos,
encolhida na minha cama, em posição fetal.

— Mandy? Por que está chorando?

Tentei me aproximar dela, mas Amanda pulou da cama e se afastou de mim,


como se tivesse medo de me contagiar com alguma doença fatal.

— Porque é tudo culpa minha. Tudo isso é por minha causa — ela disse, e
deixou meu apartamento correndo.

***
17
Carly

“You tell me that you’re sorry


Didn't think I'd turn around
And say
That it's too late to apologize
It's too late”

“Você me diz que sente muito,


Não imaginava que eu fosse me virar
E dizer
Que é tarde demais para pedir desculpas
É tarde demais”

(Apologize, OneRepublic & Timbaland)

Eu menti para o meu irmão. Não, não foi exatamente uma mentira. Foi mais
uma omissão. Eu sabia que ele mal podia esperar para se livrar de mim e mostrar
sua surpresa para Amanda (que foi adorável, por sinal. Ele era o único tolo da
Terra que não tinha se dado conta de que estava apaixonado).

Por isso, saí bem mais cedo do que precisava. Meu plantão começaria apenas
à meia-noite, e combinei de jantar com a Jess no West Village e pegaria algumas
roupas limpas no meu apartamento depois.
Jessica estava me esperando na porta do restaurante, e entramos juntas. Era
um lugar pequeno, porém muito agradável. Havia meia dúzia de mesas para
dois, cada uma coberta por toalhas com as cores da bandeira da Itália e uma
cesta de pães. Três casais estavam no local, em clima romântico.

A música ambiente era típica italiana, e o cheiro no ar era de abrir o apetite.

— Nossa, como descobriu este lugar?

— Ah, o dono é amigo do... — ela pareceu engolir as palavras. — De um


amigo.

Fiquei desconfiada com o nervosismo repentino dela.

— Sei... — Eu já imaginava que amigo era aquele. Provavelmente, era um


primo e clone do Ricky Martin. Bem, ainda assim, era um lugar adorável. Por
outro lado... — É bastante romântico também.

Aquilo estava cheirando a cilada. Concentrei meu olhar de desconfiança em


Jessica, que encolheu nitidamente, aumentando minha suspeita.

— É... — ela gaguejou, dirigindo-me um sorriso amarelo. — Vamos sentar


aqui?

Os olhos dela moviam-se de mim para a porta que dava acesso à cozinha.

— Para o que está olhando?

— Nada! — ela gritou, segurando meu rosto para que eu olhasse de volta
para ela.

— Boa noite, senhoritas — uma voz com um sotaque bastante sensual nos
desejou, servindo a entrada.

Não, o sotaque não era italiano. Era de um porto-riquenho que eu conhecia


muito bem.

— Não há nada mais de bom na minha noite. — Repliquei para Javier em


um falso tom gentil e voltei-me para Jessica, que estava praticamente chorando.
— Sabe muito bem que não estou falando com ele!
Eu tinha contado a ela toda a situação bizarra na sala de descanso. Assim
como eu, Jessica tinha ficado confusa. Porém, parecia que, mais uma vez, ela
estava disposta a acreditar nas desculpas esfarrapadas do primo, por mais
absurdas que pudessem ser.

— Fui eu quem pediu para a minha prima...

— Vá comer alguém no banheiro e me deixe conversar a sós com a minha


amiga!

Tentei manter o tom baixo, porém, ao notar que os três casais fregueses nos
encaravam horrorizados, considerei que não devia estar sendo tão discreta assim.

— Com licença — ele se afastou cabisbaixo.

— Explique-se — ordenei para a Jessica.

— Eu jamais arriscaria a nossa amizade por causa de homem, Carly. Nem


mesmo se esse homem for meu primo.

— Por que armou esta cilada para mim, então?

— Não é cilada. Ele precisa falar contigo.

— Mas...

— Escute-o. Isso é muito sério.

Inspirei fundo. Eu tinha de reconhecer que Jessica não era o tipo de mulher
que permitiria que um homem acabasse com qualquer amizade sua. Porém, não
confiava em Javier.

— Faça isso. Por mim. — Ai, que ódio quando o povo diz isso. Jessica sabia
que, por ela, eu faria praticamente qualquer coisa. — Se nunca mais quiser falar
com ele depois de hoje, eu vou apoiá-la.

Aceitando derrota, acenei para ela, que chamou seu primo com um
movimento de cabeça. Ele quase tropeçou ao retornar. Pelo menos, Javier
parecia tão ansioso quanto eu. Ele pegou uma cadeira e a posicionou entre a
minha e a de Jessica.
— Pode continuar aí, Jess — comentei friamente, quando a notei se
levantando.

Se ela achava que se safaria facilmente, estava muito enganada.

Eles se entreolharam, mas ela permaneceu em seu lugar. O clima estava tão
tenso que era quase palpável. Eu pressentia que más notícias estavam a caminho.

***

Javier me ofereceu um sorriso. Continuei séria como uma estátua.

— Obrigado por me dar uma chance — ele finalmente disse.

— Não estou dando nada para você — usei o termo com duplo sentido de
propósito: se ele achava que iria daqui para a minha cama (de novo), estava
muito enganado. — Que fique bem claro que estou fazendo isso pela Jess.

— Eu sei que não deveria ter agido da forma que fiz...

— Você acha? — Ele mal tinha começado e eu já estava me segurando para


não esganá-lo.

Odeio gente sonsa.

— Mas fui ameaçado, Carly — ele tentou segurar a minha mão, mas eu a
esbofeteei para longe.

— Sei, sei...

Um outro garçom (o verdadeiro, creio), trouxe água para nós três, além da
entrada. Depois de deixar os copos e a comida na mesa, continuou nos
encarando com expectativa, até Javier lhe dirigir um olhar ameaçador. O pobre
garçom fugiu imediatamente.

Quando os olhos de Javier retornaram para os meus, sua expressão suavizou.

— Fui ameaçado pela Dra. Melissa Taylor.

— Ela o ameaçou de esfregar os peitos na sua cara?


Carly cuspiu a água que estava em sua boca, enquanto que um dos casais
estava mais focado na nossa briga do que no jantar deles.

— Não foi assim, Carly. Eu tive que fazer tudo o que ela pediu.

Vi vermelho sangue só de imaginá-lo tocando Melissa como ele me tocava.


Por que eu estava sendo tão ridiculamente infantil? Não tínhamos um
relacionamento.

— Nossa, essa deve ser a pior desculpa que eu já ouvi na minha vida. E olha
que eu já tive um namorado que me traiu com a namorada do meu irmão.

— Como é que é? — Jessica e Javier questionaram em uníssono.

O casal fofoqueiro mal respirava, de tão concentrados no que eu dizia.

— Pois é. Levi pegou a namorada de joelhos com a cara enterrada na virilha


do meu namorado, se é que me entende — expliquei com meu sorriso mais doce
enquanto o garçom servia a entrada. De novo.

Ele estava arranjando uma desculpa para nos escutar, não era possível.
Enquanto isso, os outros dois casais do restaurante entraram para o time da
fofoca, e mal podiam conter a gargalhada. Pois é, desgraça no buraco dos outros
é refresco.

— Não há como não entender, Carly — Javier disse, entredentes, parecendo


ofendido com a minha comparação.

— E sabe o que meu ex me disse?

— O quê? — O garçom questionou, praticamente explodindo de curiosidade.

— Não tem outras mesas para servir, Mateo?

— Claro que não, Javi! — Ele replicou como se Javier fosse um completo
idiota. Eu tinha que concordar com o garçom. — Tá todo mundo querendo saber
o resto da história da sua gata.

Inclinei-me para o garçom esperto, e disse, em um sussurro que obrigou os


três casais a pararem até de respirar a fim de me escutarem.
— Meu ex me disse que ela estava examinando uma ferida na virilha dele e
acabou tropeçando...

Ouvi suspiros de choque das moças, e risinhos abafados dos rapazes. Uma
das namoradas não curtiu muito a graça que seu companheiro achou da minha
história; jogou o conteúdo de sua taça na cara dele e saiu do restaurante em
passadas que quase furaram o chão de tão furiosas.

Seu companheiro deixou algumas notas sobre a mesa e saiu correndo atrás
dela.

— Que cretino! — Mateo comentou, pegando uma cadeira para ele próprio
sentar.

— Pois é! — Jessica concordou, passando manteiga em um pão.

— Dos piores! — Uma das namoradas comentou, e acenei em sua direção,


agradecendo o apoio.

— Ai, meu senhor — Javier olhou para os céus, ficando cada vez mais
impaciente.

Pois ele iria ouvir.

— Na época, achei aquela a pior desculpa de todos os tempos, mas a sua


consegue ser ainda mais tosca. Meus parabéns.

— Não estou mentindo — o tom dele estava duro, o que me fez acreditar
nele. Só um pouquinho de nada.

— Humph — Mateo resmungou em descrença.

— Eu tenho como provar — ele disse lentamente, segurando uma faca como
se desejasse enterrá-la em Mateo.

Percebendo a irritação dele, Mateo escusou-se, dizendo que precisava servir


seus outros clientes. Há! Agora ele queria trabalhar.

— É melhor provar mesmo! — A mesma moça disse, piscando para mim.


Nossa, precisava trocar telefone com ela; adorava amigas com aquele
espírito! Antes que pudesse fazê-lo, Jessica moveu sua cadeira para conversar
com ela. O namorado parecia decepcionado; provavelmente, não teriam o jantar
romântico que ele havia planejado.

Teria pena dele, se não o tivesse flagrado olhando para as pernas da Jessica.
Nojento!

Javier pegou o celular no bolso, procurou por algo e me mostrou. Um


homem que deixava seu celular desbloqueado e à mercê de uma mulher? Bem,
mesmo eu tinha de admitir que o gesto merecia alguns pontos a seu favor.

Ele tinha deixado sua conversa com Melissa aberta, e, nas primeiras frases,
reparei que o tom dele era agressivo, sem um pingo sequer de clima romântico.

Xinguei Melissa de alguns nomes enquanto lia as mensagens; àquela altura,


o terceiro casal já havia se aproximado de nós, e Jessica contava para eles quem
era a Dra. Peitos de Fora.

Se eu já não ia com a cara dela, agora eu queria vê-la banhada em ácido.


Conforme Javier tinha dito, ela o havia proibido de falar comigo: se ele o fizesse,
ela iria levar alguns detalhes sobre a fuga de Robert aos jornais.

Isso poderia acabar com a minha carreira: de alguma forma, ela tinha
descoberto que o juiz Flynn tinha sido deixado sozinho no quarto com o pai, e
foi assim que ele tinha conseguido ter acesso a um canivete.

Ela provavelmente estava transando com o Dr. Perry também, era a única
explicação plausível para ela ter descoberto tantos detalhes sigilosos da ala VIP.
Aquela ali faria literalmente de tudo para ser promovida.

Independentemente da minha opinião sobre as exceções das regras de


segurança da ala VIP, se uma informação daquela vazasse, eu não conseguiria
emprego em nenhum hospital psiquiátrico no estado. E o conselho de diretores ia
preferir me culpar do que o Dr. Perry, que era um dos profissionais mais
respeitados da cidade.

— Por que ela está me ameaçando assim? — Eu sabia que ela não valia nem
o silicone dos peitos dela, mas eu jamais a havia prejudicado!
— Inveja, penso eu. — O pessoal do restaurante parecia concordar com
Javier. — Há boatos de que ela sempre quis trabalhar na área VIP, mas o Dr.
Perry escolheu você.

— Ainda não acho que a melhor solução foi me ignorar — Mateo e as


mulheres concordaram comigo, enquanto que os homens fizeram aquela cara de
“se ferrou, cara” para o Javier. Sério, aquela era a conversa mais bizarra de todos
os tempos. — Deveria ter me contado, para buscarmos uma solução juntos.

— É por isso que estou aqui agora — ele tocou a minha mão de novo.
Daquela vez, eu não a empurrei para longe.

— Vou conversar com o Dr. Perry.

Se havia alguém que poderia me ajudar, seria ele. Mal ou bem, a reputação
dele também estava em jogo. E eu ia deixar claro que não afundaria sozinha.

Não estava querendo fugir das minhas responsabilidades como médica,


porém, não achava justo pagar por algo que não havia sido decidido por mim.

Se o hospital achasse que eu merecia uma punição disciplinar pela minha


atuação, tudo bem. Eu mesma havia relatado a falta de segurança que
possibilitou a fuga de Robert, e a diretoria sabia sobre as “exceções” da ala VIP.

Porém, arruinar meus muitos anos de estudos, suor e esforço? Isso eu não
permitiria.

— Então me perdoa?

Até a música ambiente do restaurante foi desligada. Acho que os cozinheiros


também estavam escutando a conversa. Todos ao nosso redor grudaram seus
olhos em mim, e senti meu rosto esquentando para o que eu diria em seguida.

— Depende — repliquei, uma ideia brilhante brincando em minha mente.

Meu turno começaria apenas à meia-noite, no fim das contas.

— Do quê?

— Do que vamos fazer na próxima hora...


***
18
Carly

“You can't always get what you want


But if you try sometime you find
You get what you need”

“Você nem sempre consegue o que você quer


Mas se você tentar alguma vez, você vai perceber
Que você ganha o que precisa”

(You Can’t Always Get What You Want, The Rolling Stones)

Depois de Javier receber congratulações dos homens (Mateo chegou a dizer


“acaba com ela, Javi”), e as mulheres dizerem que aquela foi uma das cenas mais
fofas que viram (não sei o que elas acharam de fofo naquilo, mas tudo bem), Javi
praticamente me arrastou até o meu apartamento, que ficava a dois quarteirões
do restaurante, parando apenas para me beijar.

— E o Dr. Davis? Você ainda não me falou sobre ele... O que está rolando
entre vocês?

— Dr. Davis é passado — fiz questão de ser vaga, e ele apertou minha
bunda.

No. Meio. Da. Rua.


— O que rolou entre vocês nesse “passado”? — Ele insistiu, daquela vez,
seu braço deu a volta na minha cintura e sua mão safada ficou próxima ao meu
seio.

Não me afastei dele. Já estávamos entrando no prédio mesmo... Considerei


aquele gesto uma preliminar indiscreta, o que me deixava ainda mais excitada.

— Nada que seja da sua conta — usei meu tom mais meigo.

— Você já me fez pagar pela indiferença no hospital — ele comentou,


enquanto eu abria a porta da minha casa. — Não me faça enlouquecer com isso.

— Você mereceu.... — Ele me olhou com uma carinha de cachorro


abandonado. Desgraçado; ele era bom naquele jogo. Levei séculos para consegui
abrir a porcaria da porta. — Não rolou nada entre a gente...

O olhar de coitadinho imediatamente se transformou em um fatal.

— Pois agora é você quem vai pagar por todas as noites que eu não passei
dentro de você, Carlita — ele sussurrou em meu ouvido, e me pegou no colo,
fechando a porta com um chute.

Ele me colocou sentada em cima da pequena mesa de jantar, e me avaliou


com fome nos olhos.

— Tem ideia de como eu senti a sua falta? — Javier questionou, seus olhos
repousando sobre os meus lábios.

— E isso é culpa de quem?

Os olhos dele escureceram, e, famintos, passaram pelas minhas roupas. Hoje,


como eu havia planejado passar em casa antes de ir para o hospital, não usava
meu “básico”, composto de jeans e camiseta, e sim um vestido longo azul
escuro.

Sem novas palavras, ele me puxou para o chão, me virou de costas para ele,
de frente para a mesa. Segurou meus pulsos, plantando minhas mãos sobre a
superfície de vidro e, com um sussurro no meu ouvido, ele me deixou molhada e
pronta para ele:
— Se segure bem, porque eu não vou ser gentil.

Uma das mãos dele suspendeu minha saia, enquanto a outra arrancou a
minha calcinha; ele era cru, rude, másculo, não tinha nenhum dos atributos da
minha lista.

Já tinha passado da hora de eu queimar aquela merda daquela lista. Javi era
exatamente o que eu precisava.

Senti sua ereção se aproximando da minha abertura. Ele penetrou com força
ao mesmo tempo em que colocou seu polegar sobre o meu clitóris. Enquanto ele
me penetrava e saía em um ritmo cada vez mais frenético, meu clitóris movia-se
sobre seu dedo diabólico.

Nem preciso dizer que levei alguns segundos para gozar, gemendo alto,
gritando por seu nome. Menos de um minuto depois, foi a vez dele de se aliviar
dentro de mim, gritando também meu nome.

Os vizinhos ficariam desapontados em saber que estávamos de volta à


atividade. Eles ouviriam muitos grunhidos e gemidos nas noites seguintes, eu me
certificaria disso.

Javier saiu de dentro de mim, e logo senti a falta da nossa conexão. Suado,
sem camisa (nem tinha visto ele tirando), e com a calça arriada, ele jogou-se no
sofá. Despiu-se da calça e dos sapatos, ficando completamente exposto para
mim.

Apesar de der gozado por bastante tempo, fiquei surpresa ao ver que ele
ainda tinha uma ereção bastante impressionante. Fiquei com água na boca.

— Eu te disse que não seria gentil.

— E não foi — repliquei, sentindo espasmos de tesão só de falar do que


tínhamos acabado de fazer.

— Aquilo ali? — ele apontou para a mesa, com uma sobrancelha arqueada,
tocando-se, ficando mais duro ainda. Não conseguia tirar os olhos do pau dele.
— Ainda nem começamos, Carlita.

— Mas eu tenho que chegar no hospital à meia-noite.


— Eu sei — ele comentou com um sorriso arrebatador. — Ainda temos
quarenta e cinco minutos. Vem cá.

Bem, já que eu estava na chuva, ia me molhar logo... Caminhei lentamente


até ele, enquanto tirava o vestido, meus olhos trancados nos dele. Eu não usava
sutiã e, como ele havia arrancado a minha calcinha, estava agora tão nua quanto
ele.

Ele relaxou contra o apoio do sofá, e eu me sentei sobre ele, cada joelho de
um lado do quadril dele, minha abertura sobre sua ereção.

E aí o meu celular tocou.

— Se você atender o celular, vai pagar caro, doutora — ele disse em tom de
aviso.

Desci mais um pouco, sentindo sua cabeça latejante contra a minha entrada
úmida e já um pouco sensível.

— Eu nem pensaria nisso — puxei seu lábio inferior com os dentes, e ele
grunhiu em resposta.

Desci um pouquinho, deixando-o penetrar. Ele tentou subir o quadril, mas eu


me afastei.

— Não, não — balancei o indicador na cara dele. — Agora é a minha vez.

— Eu sou todo seu, Carly — ele me deu um beijo avassalador, sua língua
invadindo a minha boca com a mesma feracidade que ele havia me invadido
contra a mesa momentos antes. — Faça como quiser. O que quiser.

— Se segure bem, porque eu não vou ser gentil — repeti o que ele havia me
dito, e ele deu uma gargalhada rouca.

Sentei de uma vez, deixando-o se enterrar dentro de mim. Sim, eu não seria
gentil, pensei, começando a rebolar com ele dentro de mim.

***

A hora seguinte foi bastante proveitosa, devo admitir. Javier garantiu que
aproveitássemos cada segundo que passamos na companhia um do outro. Nem
mesmo quando estava tomando uma ducha para me preparar para o plantão
noturno ele me deixou sozinha. Ou sem gozar.

Sabe quando as coisas estão indo tão bem que a gente começa a desconfiar?
Eu tive a sensação de que algo ruim estava prestes a cair no meu colo e explodir
na minha cara quando, no meio de um beijo romântico a caminho do metrô, meu
celular tocou pela vigésima vez e eu vi que era o Detetive Walker.

Considerei não atender; entretanto, ele estava cuidando do caso do meu


irmão e da pobre Sra. Smith. Talvez tivesse novidades.

— Detetive?

— Finalmente atendeu! — ele parecia esbaforido.

Ah. Então era ele quem estava ligando sem parar? Provavelmente, o telefone
desconhecido que eu tinha visto antes era de sua sala na delegacia. Eu tinha
apenas seu celular salvo na minha lista de contatos.

— Eu estava... Ocupada — Javier mordiscou meu lóbulo, referindo-se a


quem havia me mantido tão ocupada na última hora. — O que houve?

— Estava certa sobre a Sra. Smith — ele informou. — Não foi anemia. Ela
foi envenenada.

Praticamente derrubei o celular quando ele disse aquilo. Javier ficou


imediatamente alarmado, e eu fiz um sinal para avisar que explicaria depois para
ele.

O detetive explicou sobre o envenenamento, e sua teoria de que a pessoa


responsável por aquela crueldade tinha também matado o porteiro do prédio e
ferido o meu irmão.

— Estou convicto de que os casos estão relacionados — ele finalizou. —


Acabei de ter uma conversa com o seu irmão: ele desconfia do mesmo.

Por um lado, eu sabia que era muita coincidência tantos ataques violentos
acontecerem naquele bairro, especialmente a três pessoas relacionadas a um
mesmo edifício. Por outro lado, estávamos em Manhattan, e Nova Iorque não era
exatamente conhecida por ser uma cidade pacífica.

— Como sabem que os casos estão relacionados? Como podem ter certeza
de que não se trata de uma trágica coincidência?

— O agressor disse apenas uma frase para o seu irmão. A mesma frase
estava na caixa onde o cupcake foi guardado.

Sim, Levi havia comentado que o agressor não havia exigido dinheiro ou
feito ameaça; ele apenas havia dito palavras incongruentes, porém, jamais
perguntei quais eram elas.

— Qual era a frase?

— “Você é o servo do demônio”.

Eu já tinha escutado aquela frase antes. Dezenas de vezes. Não, centenas.

— Ah, não.

Merda, merda, merda!

Senti meu sangue congelando, como se uma nevasca tivesse começado em


meu interior, dos meus dedos dos pés até o último fio de cabelo. Devo ter ficado
pálida, porque Javier franziu o cenho, me segurou no colo e sentou-se em uma
cadeira de cimento, comigo em seus braços.

Senti as lágrimas se formando em meus olhos, libertando-se, correndo pelo


meu rosto. No fim das contas, era culpa minha. Tudo aquilo. Toda aquela
desgraça.

— O que foi?

— Eu sei quem atacou o meu irmão — contei entre soluços.

— Quem foi?

— O meu paciente, Robert Flynn.

***
19
Carly

“Beware of pretty faces that you find


A pretty face can hide an evil mind
Ah, be careful what you say
Or you'll give yourself away
Odds are you won't live to see tomorrow”

“Cuidado com os rostos bonitos que você encontrar


Um belo rosto pode esconder uma mente maligna
Ah, tenha cuidado com o que você fala
Ou vai se entregar
É provável que você não viva para ver o amanhã”

(Secret Agent Man, Johnny Rivers)

Precisava desesperadamente falar com o meu irmão. Robert, para quem não o
conhecia, era um homem muito educado, gentil, e atraente. Ele sabia disfarçar
sua doença, sua paranoia, desde que mantivesse suas conversas rápidas e casuais.

Ademais, ele era o tipo de pessoa que conseguiria entrar neste prédio sem
levantar suspeitas. Se fosse mesmo ele quem tivesse matado o pai, isso
significava que ele estava com bastante dinheiro nas mãos (um amigo próximo
do juiz Flynn comentou com a polícia que ele guardava alguns milhares de
dólares em seu cofre), e com roupas elegantes que levara do pai.
Felizmente, o mesmo porteiro que havia me visto saindo mais cedo estava na
portaria quando eu retornei. Ele nem fez questão de ligar para meu irmão a fim
de avisar que eu estava subindo. Fez cara feia para o Javier, mas, quando viu que
estávamos de mãos dadas, não ousou tecer comentários preconceituosos.

Bom para ele.

Tinha ligado para o Dr. Perry no caminho até aqui, e avisado para ele tudo
que eu havia descoberto, além de exigir alguns esclarecimentos.

Claro que ele tinha me dado mais um plantão de folga: se ele já estava
preocupado com a reputação do hospital antes, agora ele se consideraria
vencedor se essa história não acabasse com sua carreira.

Egoísta de merda. Só pensava em sua maldita carreira, enquanto seu paciente


estava solto em Nova Iorque matando, esfaqueando e envenenando à vontade.

Saí correndo do elevador quando chegamos à cobertura, deixando Javier para


trás, e dei de cara com o meu irmão.

— Levi? — ele estava em frente à porta de Amanda, que, em teoria, deveria


estar no apartamento dele para ver o Bob. — O que está fazendo no corredor?

— Amanda saiu correndo depois que o detetive deixou a minha casa.

Aquilo explicou precisamente merda nenhuma. Caminhei até ele e o segurei


pelos braços, tentando trazer sua atenção para mim.

— É tudo minha culpa, Levi! Seu ferimento, a morte de Joe, a Sra. Smith!

Era melhor desembuchar de uma vez; a verdade era dolorosa demais para ir
soltando as informações aos poucos. Não, eu jamais tinha falado do meu irmão
para Robert. Ainda assim, ele tinha conseguido descobrir que ele era a pessoa
mais importante da minha vida.

Levi era um pentelho, um workaholic, e, muitas vezes, tão focado em ganhar


dinheiro que se esquecia de viver, mas ele era meu irmão, que havia me
protegido, cuidado de mim, se preocupado comigo quando nossos pais não
estavam por perto para fazê-lo.
— Estranho, Mandy disse a mesma coisa agora há pouco — Quê? Não, não,
não. A culpa era minha e eu não a dividiria com ninguém! — Por que acha que a
culpa é sua?

— Não acho que é minha culpa, tenho certeza! O seu agressor é Robert
Flynn, o paciente do hospital que fugiu.

Uma linha profunda surgiu entre as sobrancelhas de Levi. Seus olhos azuis
escureceram, seus lábios formaram uma linha. Ah, finalmente! Ele tinha
compreendido! Foi Levi quem me ligou para avisar que a fuga de Robert tinha
aparecido na TV.

— Talvez ele não tenha me atacado por sua causa, Carly.

Quando eu achava que ele finalmente começava a compreender, ele falava


uma besteira daquelas.

— Por que mais ele o atacaria, Levi? É muita coincidência!

— Não é coincidência. Mas acho que não foi por minha relação com você
que ele me atacou — ele não estava fazendo qualquer sentido. Ele estava ou não
concordando comigo, no fim das contas? — Acho que foi por causa da minha
relação com Amanda.

— Como assim? Amanda não sai de casa há pelo menos cinco anos!

— E há quanto tempo Robert está internado?

— Mais de dez anos.

Quando eu comecei a tratá-lo, três anos antes, ele já havia passado por dúzias
de médicos, e nenhum tinha conseguido ficar com ele mais de seis meses. Por
isso eu cheguei à conclusão de que ele tinha desenvolvido algum tipo de fixação
por mim quando me dei conta de que era o responsável pelo ataque a Levi.

Porém, Levi tinha um ponto: Amanda não saía de casa havia muitos anos,
porém, Robert também não deixava o hospital por um longo período. O que
significava que havia a possibilidade deles terem se conhecido antes da
internação dele e da agorafobia dela a deixar presa em casa.
— Acho que Amanda o conhece — Levi disse.

Levi era racional, apesar de que, com Amanda, ele não estava se
comportando como geralmente fazia. Ainda assim, se ele estava afirmando
aquilo, era porque tinha razões bem convincentes para tal.

Uma nova possibilidade surgiu em minha mente, fazendo meu sangue gelar:
e se Robert fosse a causa para a agorafobia de Amanda ter ficado tão extrema?
Ela me disse, em uma de nossas conversas, que teve vários problemas e traumas
ao longo dos anos, que a fizeram ter medo do “lá fora”.

Porém, em sua narrativa, ela tinha deixado um lapso temporal em branco,


recusando-se a me contar o que acontecera naquela época. E foi exatamente o
período no qual sua doença piorou, segundo ela.

De repente, eu soube o que precisava fazer. Precisava convencer Amanda a


falar comigo.

***

— Amanda, precisamos conversar — bati à porta de sua cobertura. — Não


sei o que Robert fez a você, mas eu era uma das psiquiatras dele. Posso ajudá-la!

Por alguns segundos, não ouvimos nada do outro lado, aí os olhos dela
apareceram em uma pequena abertura na porta.

Levi ficou tão ansioso que tentou me empurrar para o lado, mas eu o impedi.
Era melhor que eu falasse com ela agora.

— Não pode me ajudar! Tudo isso é minha culpa!

— Nada disso é sua culpa, Mandy — Levi comentou ao meu lado.

— Eu sou doente! Me deixe em paz! — Ela fechou a abertura, e eu dirigi um


olhar de aviso para Levi.

Ele precisava se controlar, porque ela estava muito assustada.

— Você não é doente, querida — disse em meu tom mais gentil. E eu


acreditava naquilo de coração. — Você está doente. Eu posso te ajudar. Eu e
Levi podemos protegê-la de Robert. Ele é o culpado de tudo isso; a doença dele,
para ser mais precisa. Não você.

— Vocês não entendem, ele é intocável — Mal conseguia escutá-la do outro


lado da porta de aço, ela estava praticamente sussurrando. — Ele é filho de um
juiz muito influente em Nova Iorque.

Para o bem ou para o mal, o juiz não estava mais entre nós para proteger
Robert. E era melhor que Amanda soubesse. Desta vez, Robert seria pego pela
polícia, e ficaria em uma instituição apropriada para uma pessoa agressiva e
violenta como ele.

— O juiz não pode fazer mais nada por ele, Amanda. Está morto. A polícia
agora busca por um assassino, não um paciente foragido.

— Se ele é perigoso, por que não estava em uma prisão psiquiátrica? — Levi
e seus comentários fora de hora.

Ia lhe dirigir um novo olhar de aviso, quando vi a tristeza em seus olhos.


Nossa, ele estava realmente apaixonado por Amanda. Era de cortar o coração;
ele queria ajudá-la, mesmo que isso lhe pusesse no caminho de um
esquizofrênico violento que não estava medicado.

Eu lhe daria um abraço se não estivéssemos em uma situação tão


complicada.

— Como Amanda disse, o pai dele é bem influente — eu expliquei


calmamente para o meu irmão. — A família inteira é.

— O que ele fez contigo, Mandy? — ele insistiu para a porta.

— Não posso...

Tive uma ideia que talvez fizesse Amanda abrir a porta.

— Vou lhe contar o que sei sobre ele e você complementa a história se
quiser, está bem? — Inspirei fundo. Estava prestes a dar informações sigilosas
sobre um paciente, mas era por um bom motivo. Era para ajudar outra pessoa
cuja doença estava consumindo sua vida. E eu tinha me tornado médica para
ajudar pessoas como Amanda. — Robert tem trinta e três anos, e sua mãe
faleceu no parto.

Expliquei para ela que, segundo o histórico de Robert, seu pai era um
homem frio e distante. Robert já apresentava sintomas de esquizofrenia desde a
adolescência, porém, o juiz Flynn os confundiu com problemas de hormônios e a
boa e velha adolescência.

Durante esse lapso temporal em que o pai foi negligente, a doença aflorou,
desenvolveu-se, e tomou a mente de Robert por completo. No início da fase
adulta, aos vinte anos, ele entrou para uma espécie de culto, e se tornou um
fanático religioso. Aproveitou que não mais morava com o pai, quando foi fazer
faculdade de tecnologia da informação, e passava os finais de semana em um
sítio de uma igreja muito radical.

Quando retornou a Nova Iorque, ele já havia se tornado outra pessoa. Falava
em perseguições, demônios, o Apocalipse. Estava fora de controle. O juiz passou
a mantê-lo a maior parte do tempo em casa. Ele saía raramente, apenas para
visitar seu psiquiatra, uma vez ao dia. E, em duas dessas saídas, ele foi
agressivo.

Eu não conhecia os detalhes, o Dr. Perry jurou que nem mesmo ele sabia o
que se passara, porém, deve ter sido sério, pois foi quando o juiz percebeu que,
ou internava seu filho, ou ele seria enviado à prisão.

Assim, decidiu que o melhor a fazer seria deixá-lo na instituição psiquiátrica


mais respeitada da cidade.

— Saia, Mandy — Levi implorou. Seu tom era de cortar o coração. —


Vamos conversar.

— Não posso.

Ela colocou música clássica nas alturas, nos bloqueando. Estava pensando no
que poderia fazer a seguir, quando Levi disse, assustado:

— Quem é você, porra?

Ele estava falando com Javier, claro.

***
No meio daquela confusão de proporções bíblicas, eu tinha esquecido
completamente de Javier. Fiquei sem palavras. Levi olhava de mim para o meu
segurança gostoso.

Finalmente, Javier percebeu que eu tinha ficado muda e decidiu falar:

— Estou aqui com a sua irmã.

— O que você é da minha irmã, exatamente? — ele continuou olhando de


mim para Javier, e era quase possível ver a fumaça saindo de sua cabeça,
enquanto ele imaginava por que eu estaria com o clone de Ricky Martin àquela
hora da noite.

— Namorado — Javier replicou com a maior tranquilidade do mundo.

— Não é, não! — Minha voz retornou como se fosse um milagre.

Ambos me olharam com braços cruzados e desconfiança nos olhos. De


repente, senti uma vontade desesperada de me juntar a Amanda na cobertura
dela.

— Nossa senhora! Assim eu infarto do coração, com uma beldade dessas no


meu prédio — algum idiota que eu jamais tinha visto comentou. Pelo menos, o
idiota tinha me salvado de uma conversa constrangedora.

Ele estava cambaleando de bêbado, sem camisa, com jeans velhos,


segurando uma garrafa quase vazia de vodca em uma mão, e uma loira peituda e
igualmente bêbada na outra.

— Quer ter o nariz fraturado? — Javier questionou, sua mão já se fechando


em um punho.

— Está com uma mulher e está dando em cima de outra? — Meu irmão
perguntou, incrédulo.

— Vá te catar, seu imbecil! — Eu repliquei, com toda a minha etiqueta de


dama da alta sociedade.

— Só queria conhecer a vizinha nova.


O bêbado (que eu imaginava ser o famoso vizinho de Levi, aquele que só
sabia transar e fumar maconha) levantou as mãos em sinal de desistência,
soltando a loira e a garrafa de vodca no processo. Ambas caíram estateladas no
chão.

— Ai, merda.

Aproveitando que Levi estaria ocupado com seu vizinho e a amiga dele nos
minutos seguintes, eu aproveitei para agarrar Javier pela mão e fugir.

— Onde está indo?

— Vou falar de novo com Dr. Perry. Precisamos descobrir uma maneira de
localizar Robert antes que ele machuque mais alguém.

— Quer que eu vá contigo? — ele parecia estar louco para livrar-se da


responsabilidade de levar o vizinho até sua cobertura.

— Não precisa, Levi. O Detetive Walker está indo para o St. Patrick para me
ajudar. Ele ficou de ligar para o detetive do caso do juiz Flynn também.

— E Amanda?

Ele estava nervoso, e eu sabia por quê. Agora que sabíamos haver uma
ligação entre ela e Robert, ela se tornaria uma pessoa de interesse para a polícia.

Bem, para a sorte dela, eu estava mais preocupada com a sua saúde mental
do que com um caso de polícia. Eles teriam que encontrar Robert
independentemente do histórico de Amanda com ele.

— Falar dela para a polícia pode piorar a situação — os ombros de Levi


relaxaram perceptivelmente quando eu disse aquilo. — Por enquanto, vou deixá-
la de fora.

— E o que eu faço, Carly?

— Não insista. Ela precisa de um tempo. Seja paciente.

Essa era a última coisa que ele queria escutar naquele momento.
***
20
Levi

“Well you only need the light when it's burning low
Only miss the sun when it starts to snow
Only know you love her when you let her go
Only know you've been high when you're feeling low
Only hate the road when you're missing home”

“Bem, você só precisa da luz quando ela está apagando


Só sente falta do sol quando começa a nevar
Só sabe que a ama quando a deixa ir
Só sabe que estava feliz quando se sente para baixo
Só odeia a estrada quando sente saudade de casa”

(Let Her Go, Passenger)

Tempo. Paciência.
Aquilo havia se tornado o meu mantra. Sempre que tinha vontade de socar a
porta de Amanda até machucar minhas mãos, quando desejava ligar e ligar e
ligar, até ela atender a merda do telefone, eu me lembrava das palavras de Carly.

Não insista. Ela precisa de tempo. Seja paciente.

Até quando, porra? Eu já estava me recuperando havia mais de duas


semanas. Agora, já tinha começado a trabalhar de novo, mesmo que de casa.
Também conseguia fazer tudo praticamente sozinho, então Carly não precisava
mais se revezar com Jack para ter alguém comigo vinte e quatro horas por dia.

Ainda assim, Carly me fazia companhia praticamente toda vez que não
estava de plantão. Às vezes, Amanda falava com ela pela porta. Hoje, ela até
deixou Carly entrar na cobertura dela, juntamente com Bob, onde ficaram
conversando por mais de duas horas.

Carly retornou com os olhos vermelhos, dizendo que Bob provavelmente


ficaria com Amanda até a manhã seguinte.

Porra, até o cachorro dormia com ela! Mas comigo? Ela não queria trocar
uma palavra sequer. Me dava vontade de quebrar a porra da parede que separava
nossos apartamentos, para eu atravessá-la, jogá-la na cama, entrar nela e não sair
nunca mais.

Javier, o não-sei-ainda-se-estão-namorando da minha irmã, disse que


ajudaria a furar a parede. Eu comecei a gostar da ideia dele ser meu futuro
cunhado a partir daquele momento. Entretanto, o Furacão Carly surgiu logo em
seguida.

Ela calou Javier com um olhar ameaçador e injetou algo no meu braço que
me fez apagar em segundos. Quando eu acordei, uma hora mais tarde, tive que
jurar que não tocaria na parede para ela me deixar em paz.

— Eu já disse, Levi — Carly insistiu. — Amanda precisa de...

— Tempo. E paciência. Eu sei — fiz biquinho.

— Falta pouco para ela voltar — Carly comentou, e revirei os olhos. Ela
estava dizendo aquilo havia dias. — Prometo. Você vai ver. Ela vai ter que vir
para deixar Bob contigo quando ele precisar passear, não é?

Senti meu corpo acordando com a possibilidade de vê-la.

— Ou vai me chamar para buscá-la em seu apartamento! — Completei,


animado.

— De uma forma ou de outra, você vai vê-la em algumas horas. Amanhã de


manhã no máximo.
Ela me deu um beijo no rosto, Javier me deu um tapa nas costas, e eles
saíram de mãos dadas, para irem ao plantão do hospital juntos.

Enquanto isso, eu fiquei sozinho, emburrado, e acumulado pra cacete. Porra,


quanto tempo mais minha Rapunzel me faria esperar? Quanto tempo mais eu
aguentaria esperar?

Quanto tempo fosse necessário, eu sabia que aquela era a verdadeira


resposta. Virei-me na cama e fui dormir, sentindo-me um pouquinho mais
esperançoso.

Tempo. Paciência. Amanda.

***

Senti o cheiro antes de sentir o calor emanando da sala.

Mas que porra... Eu não tinha acendido a lareira na noite passada, e tinha
certeza que ela estava apagada antes de eu dormir. Talvez, Jack tivesse passado
aqui em casa antes de ir para o escritório.

Contudo... Ainda estava escuro lá fora. Que horas eram? Olhei para o relógio
digital que ficava no criado mudo e vi que ainda eram três da manhã. Carly e
Javier estavam fazendo plantão no hospital, e Jack não tinha razão para aparecer
aqui no meio da noite. Então sobrava apenas...

Amanda!

Saí correndo da cama, e fui até a sala. Estava vazia. A lareira estava apagada.
Mas o cheiro de queimado estava forte pra cacete. Olhei pela janela. Havia
fumaça do lado de fora. Saí na varanda, e olhei para baixo.

Merda! Parecia que um apartamento alguns andares abaixo do meu estava


pegando fogo. Tínhamos que sair daqui. Agora.

E eu precisava pegar Amanda: ela não conseguiria ver o fogo da cobertura


dela, que ficava do lado oposto, e seria tarde demais quando ela se desse conta
do que estava acontecendo.

Saí do apartamento usando apenas uma samba canção, e comecei a tocar a


campainha dela. Nada. Achei melhor avisar ao meu vizinho bêbado, e ele
atendeu na terceira tentativa, completamente pelado.

Porra, o mundo seria melhor sem ele, não é? Ainda assim, senti-me na
obrigação de avisá-lo que ele deveria sair com a sua foda da noite o quanto
antes, ao mesmo tempo em que insistia para Amanda abrir a porta.

— O que está acontecendo? — Os olhos castanhos dela finalmente


apareceram pela pequena abertura na porta.

— Precisamos sair! — gritei para ela, já ficando desesperado.

Claro que ela foi olhar no mesmo instante em que meu vizinho saía correndo
do apartamento com a loira peituda, ambos pelados. Ele, sacudindo seu amigo;
ela, sacudindo suas gêmeas.

Puta que o pariu, eu seria perseguido por aquela visão grotesca pelo resto da
minha vida.

— Sério que você me tirou da cama para ver aquilo? — ela parecia enjoada.

Eu a compreendia.

— O prédio está pegando fogo, Mandy! Precisamos ir!

— Que desculpa absurda para me fazer sair, Levi! Incêndio é assunto sério!

Jura? Pois eu sabia muito bem! E não estava disposto a virar churrasco, nem
mesmo pela vista do Central Park. Tampouco estava disposto a deixar Amanda
para trás.

— Eu estou dizendo a verdade! Pegue o Bob e vamos logo!

— Se está dizendo a verdade, então por que o alarme de incêndio não soou?

Como se fosse um aviso do destino, o alarme finalmente tocou, quase


estourando meus tímpanos. Amanda fechou a abertura na porta, e eu quase fui à
loucura. Será que eu teria que quebrar a merda da parede dela mesmo?

Alguns segundos depois, enquanto eu planejava como fazer um buraco em


sua parede, já que eu não tinha qualquer chance contra sua porta de aço, ela
abriu a porta. Estava usando um pijama simples, um vestido de algodão curtinho,
e, mesmo no meio de uma situação de vida ou morte, eu tive uma ereção.

— Sério, Levi? — ela reclamou, olhando para a minha virilha.

— A culpa é de quem por me deixar na seca? — Ela revirou os olhos,


segurando a guia de Bob. Eu agarrei o cachorro no colo (que, por sinal, não era
nada leve), e a puxei pela guia. — Vamos!

Ela abriu a escada de incêndio, e imediatamente fiquei preocupado com o


vapor de calor. Se estava tão quente assim, era porque o fogo já estava se
alastrando, já tinha deixado o apartamento do terceiro andar.

Pelo menos, as luzes de emergência ainda estavam ligadas. Isto é, estavam


até o momento em que começamos a descer as escadas.

— Merda! — Gritei para a semiescuridão.

Ainda havia uma luz fraca, vindo de vários andares abaixo de nós, que
iluminava minimamente o caminho. Entretanto, não poderíamos arriscar correr
nas escadas e quebrar o pescoço, então teríamos que nos mover lentamente, com
bastante cuidado. Em, quanto mais demorávamos, maior nosso risco.

Devemos ter descido poucos andares, quando vimos o casal peladão subindo
de novo com celulares em suas mãos guiando o caminho. Pelo menos, a pouca
luminosidade escondia os detalhes de sua nudez. Nem tudo era ruim.

— O que aconteceu? — Questionei, já temendo a resposta.

— O fogo está chegando à escada. Não dá para descermos, tem muita


fumaça a partir do quarto andar.

***

Merda, puta que o pariu. Não podíamos usar a escada de incêndio porque,
ironicamente, o fogo tinha bloqueado a passagem.

— Oi, você é nova no prédio?


Não. N. Ã. O.

O vizinho trepa-tudo estava dando em cima da Amanda? E na escada de


incêndio? Fugindo do fogo? Pelado? Com uma peituda ao seu lado?

Era surreal demais para acreditar. Ainda assim, eu tinha que estabelecer
alguns limites: segurei-o pela nuca e o puxei na minha direção, com cuidado
para as partes íntimas dele não ficarem perto demais de mim.

— Quer que eu o derrube dessa escada, você caia no fogo, quebre o pescoço
e seu pau vire carvão?

— Que é isso, cara? Bastava ter dito que ia me jogar da escada e eu já teria
entendido o recado!

— Precisamos sair daqui! — Felizmente, Amanda me impediu de cumprir


minha ameaça. — Sabe em que andar estamos? — Ela me perguntou. Eu sabia
no que ela estava pensando.

Dependendo da altura em que estivéssemos, poderíamos sair na varanda de


um apartamento e tentar usar as árvores em frente ao nosso prédio. Eu tinha
pensado naquilo enquanto descíamos, para o caso da escada de incêndio não ser
mais segura.

— Não é seguro descer mais, se é isso que querem saber — o vizinho


respondeu.

— Então vamos ter que arriscar aqui mesmo — comentei, já tentando achar a
porta de acesso ao hall daquele andar.

— Como assim? — A loira peituda questionou.

— Vamos ter que pular da varanda, Stephanie.

— Meu nome é Star, seu imbecil!

Ai, merda. Estávamos correndo risco de morte e eu ainda ia ter que escutar à
merda da discussão deles.

O ambiente estava ficando insuportavelmente quente, o que significava que o


fogo estava subindo, na nossa direção. A fumaça já tinha chegado até nós, e
estava incomodando, senti a garganta ficando seca e comecei a tossir.

Felizmente, Amanda encontrou a porta, e pudemos ir até o hall. Bob escapou


do meu colo e ficou com Amanda, enquanto eu fechava a porta atrás de nós. Ela
atrasaria o fogo, pelo menos. Vi em uma placa ao lado do elevador que
estávamos no sétimo andar. Alto demais para sairmos pelas árvores.

— Nem acredito que eu deixei você comer o meu cú! — A amiga do meu
vizinho reclamou.

Caralho, não era possível que eu morreria acompanhado daqueles idiotas.


Não, eu me recusava. Não morreria com o Sr. Trepa-Tudo e a Sra. Dei-o-Cú-
para-um-Imbecil. Muito menos deixaria Mandy morrer.

— Está ouvindo? — Amanda perguntou, juntando o ouvido a uma das


portas. — Os bombeiros estão se aproximando.

Afastei-a da porta e a chutei. Estávamos em um apartamento que ficava na


mesma coluna da cobertura de Amanda, então, se tivéssemos sorte, daria para
sairmos na varanda sem risco.

Invadimos o apartamento vazio e fomos até o lado de fora. A varanda era


minúscula, mal cabíamos os cinco, mas estávamos livres do fogo e da fumaça,
por enquanto. Respirei aliviado, inspirando o ar limpo. Até olhar para baixo.

Não havia o que fazer. Se pulássemos nas árvores, a chance era praticamente
nula que sobreviveríamos. Muito menos com Bob no meu colo.

Ainda assim, o maluco do meu vizinho jogou-se da varanda em direção às


árvores. O idiota caiu em cima de uma copa, um galho batendo entre as suas
pernas. Hum. A peituda teve sua vingança. Em seguida, ele se desequilibrou, e
caiu com tudo no chão, soltando um uivo de dor.

Duas coisas muito boas aconteceram naquele momento: um, meu vizinho
maluco de fato sobreviveu. Dois: algumas pessoas que estavam na rua viram a
manobra arriscada dele e chamaram os bombeiros, que vieram em nossa direção.

Nós três começamos a gritar, tentando chamar a atenção dos bombeiros que
socorriam James. Por sorte, o barulho fez Bob latir também, então eles logo nos
viram.

Estava muito alto para a escada deles nos alcançarem, então eles
posicionaram um daqueles colchões infláveis de bombeiros abaixo de nós. Não
tínhamos muito tempo. Já sentia o calor chegando até nós. Teríamos que pular. E
logo.

Claro que a peituda – Star, não Stephanie – sequer nos esperou para pular.
Ela caiu no colchão, mas bem na ponta, quicou para cima, e caiu de cara no
asfalto. Deve ter se machucado sério, pelo gemido de dor que soltou.

— Pronta? — Perguntei a Amanda.

— Não — ela admitiu.

— Vamos juntos.

Passamos as pernas para o outro lado do parapeito, e nos seguramos.

— E o Bob? — O tom dela indicava, como eu imaginava, que ela não pularia
sem o Bob.

— Eu seguro o Bob. — Ela confirmou com a cabeça. Puxei-o pela guia e o


segurei com um braço. — Mire no centro do colchão — eu a instruí.

— Certo. No três? — Daquela vez, fui eu quem confirmou com a cabeça. —


Três, dois, um!

— Eu te amo, Mandy — disse, antes de pular para a escuridão.

***
21
Carly

“Feeling my way through the darkness


Guided by a beating heart
I can't tell where the journey will end
But I know where to start”

“Sinto o meu caminho em meio à escuridão


Guiado pela batida de um coração
Não sei dizer onde a jornada vai terminar
Mas sei por onde começar”

(Wake Me Up, Avicii)

O maldito Dr. Perry levou o meu plantão inteiro de doze horas para querer falar
comigo apenas no fim. Já deviam ser quase oito da manhã quando ele, enfim, me
chamou para a sua sala.

— Dra. Rider, soube que queria falar comigo — ele sequer olhou para mim
quando entrei em seu escritório espaçoso.

As salas dos diretores do hospital ficavam no mesmo andar da ala VIP, só


que do lado oposto. Eram todas com vistas impressionantes e decoração
impecável, como se a competência deles fosse medida pelo valor dos quadros
pendurados em suas paredes ou pelos tapetes antigos que decoravam seus pisos.
— Sim, Dr. Perry. Gostaria de mudar de departamento — fui direto ao ponto.

Estava cansada, impaciente e louca para ficar com Javier. Passaria algumas
horinhas com ele no meu apartamento antes de ir ficar com o Levi.

— Por que desejaria fazer isso?

— Motivos pessoais — repliquei simplesmente.

A verdade era que Javier e eu decidimos não mais quebrar as regras do


hospital. Como parecíamos não conseguir ficar longe (ou fora) um do outro, a
única solução era um dos dois pedirem transferência da área VIP.

Não havia vagas de segurança em outros departamentos, mas alguns


diretores tinham demonstrado interesse em me ter em suas equipes ao longo dos
meus três anos de residência no hospital.

— A Dra. Tyler me contou a respeito do seu... envolvimento com aquele


segurança porto-riquenho — ele falou de Javier como se ele tivesse a peste
negra.

— Claro que ela contou para o senhor — se eu tinha minhas suspeitas, agora
ele havia acabado de confirmar que era um dos muitos médicos do hospital que
estavam comendo a Melissa.

Ainda assim, não havia oferecido a ela a vaga na ala VIP. Ele não era burro a
esse ponto.

— Quer mesmo arriscar sua carreira por causa dele?

— O que eu quero ou não fazer com a minha carreira não é da sua conta, Dr.
Perry — ele estava prestes a vociferar alguma ofensa, mas eu fui mais rápida. —
Assim como não é da minha conta que o senhor transa com a Dra. Taylor nesta
sala sem sua esposa ou a diretoria saberem.

— Mas... Como...

— Por favor, preencha este formulário, porque desejo começar meu plantão
no departamento da Dra. Jones amanhã mesmo.
A Dra. Jones era especializada em tratamento de doenças psiquiátricas em
crianças e adolescentes. Ela era gentil, atenciosa e, principalmente, estava mais
preocupada com seus pacientes do que com o dinheiro que eles trariam para o
hospital.

— Tudo bem — ele limpou a garganta algumas vezes enquanto assinava os


papeis, ficando vermelho como um pimentão. Era de conhecimento público que
a esposa do Dr. Perry acabaria com a fortuna dele no divórcio se descobrisse
uma traição. — Aqui está.

Nem me despedi: peguei a folha assinada e saí de seu escritório, torcendo


para nunca precisar entrar nele de novo.

Estava a caminho da sala da Dra. Jones — quem, por sinal, não apenas sabia
do meu relacionamento com Javier, como não fizera qualquer comentário racista
a respeito dele —, quando o Dr. Davis me parou.

— Carly, podemos conversar?

Nós não havíamos nos falado direito desde a Casa Latina. Entre os cuidados
com Levi, as posições de kama sutra com Javier, e os meus plantões, no máximo
nos cruzávamos pelos corredores do St. Patrick.

— Claro, Richard — não queria dar qualquer abertura para ele me convidar
para sair de novo; todavia, tampouco desejava ser grosseira. Ele não tinha sido
nada além de extremamente cordial e cavalheiro comigo.

— Então... Eu acho que nosso encontro não deu muito certo...

— Não — repliquei, rindo. — Não deu.

— Queria saber se você ficaria ofendida se eu convidasse a sua amiga


Jessica para sair.

— Sério? — Senti meu rosto iluminando.

Eu estava livre para fazer o que bem entendesse com Javier e a Jessica ainda
ia sair com o médico mais desejado do hospital?

O St. Patrick estava ficando mais interessante a cada minuto... Mal podia ver
a cara da Dra. Melissa Peitos Pra Fora Tyler quando descobrisse.

— Sim — ele ficou vermelho de vergonha, muito fofo. — Novamente, se


não for incomodá-la.

Fiquei na ponta dos pés e dei um beijo na bochecha dele.

— Claro que não! Vá em frente!

Saí cantarolando para o banheiro feminino, e nem notei que estava sendo
vigiada.

***

Olhei para um relógio em frente ao banheiro: tinha combinado de encontrar o


Javier em frente ao hospital dentro de vinte minutos. Ia só tomar banho e trocar
de roupa.

Quando entrei no banheiro, uma chuva de médicas, enfermeiras e


funcionárias do turno diurno estavam saindo, prontas para começarem seu
plantão do dia.

Aproveitei o milagroso silêncio do ambiente e tirei a roupa, entrei em um dos


chuveiros e deixei a água quente relaxar meus músculos tensos. A polícia ainda
não tinha qualquer pista sobre Robert, e eu acreditava que ele somente seria
encontrado quando desejasse.

Ele era muito bom com computadores, conseguia hackear praticamente


qualquer coisa (uma das poucas medidas de segurança que seu pai exigiu foi
deixá-lo bem longe de qualquer computador), e tinha feito amigos em um culto
cujos seguidores estavam espalhados pelo país.

Ou seja: ele surgiria quando bem entendesse. Eu apenas torcia para que não
machucasse mais ninguém até lá. Aparentemente, até o FBI estava ajudando no
caso agora.

Estava perdida nos meus devaneios quando senti uma mão me tocar lá. Não
qualquer mão: aquela mão morna e deliciosa que eu já conhecia tão bem,
especialmente quando ela estava massageando meu clitóris.
— Javi, está louco? Para — claro que eu arfei, como se estivesse dizendo,
“enfia logo um dedo em mim!”.

No fundo, no fundo, eu queria que ele continuasse mesmo. Mas estávamos


no hospital, e eu tinha acabado de ter uma discussão com meu ex-diretor por
causa dele!

— Vou sair depois de castigá-la, doutora...

Nossa, não um castigo... Aqui, não... Não que os castigos de Javier não
fossem maravilhosos; da última vez que ele quis me punir, me cobriu com calda
de chocolate e lambeu meu corpo inteiro, dizendo que eu era seu sorvete de
creme.

— O que eu fiz desta vez?

Ele enfiou um dedo dentro de mim em resposta, ajoelhou-se atrás de mim e


lambeu o meu ânus. Ai. Meu. Ricky. Martin. Fiquei arrepiada só de imaginar o
que ele estava prestes a fazer.

Ele vinha brincando de fazermos sexo anal, mas sempre tive um certo
preconceito, além de muito, mas muito medo. Havia, por outro lado, uma
curiosidade bem sexual: algumas das minhas amigas diziam que gozavam bem
melhor durante o sexo anal. Mas o parceiro tinha que saber muito bem o que
estava fazendo, senão machucava.

E posso garantir que Javier sabia muito bem o que fazer na cama. Ou, neste
caso, no chuveiro.

— Acha que não te vi dando mole para o Dr. Texas, Carlita? — ele
questionou, enfiando a língua na abertura virgem, enquanto mexia o dedo dentro
da outra, o polegar massageando meu clitóris.

Sabe quando dizem que homens não eram bons em fazer diversas tarefas de
uma vez? Isso certamente não se aplicava a Javier, especialmente quando ele
estava me dando prazer.

— Javi... — Arfei. — Não é o que você está pensando.

O dedo dele saiu da minha vagina e enterrou-se em meu ânus. Gritei, no


limite entre a dor e o prazer.

— Fica quietinha, senão vão nos pegar em uma posição bem


comprometedora.

Senti um segundo dedo dele me sondando, me esticando por dentro, me


deixando mais acostumada com sua intrusão.

— Javi, sobre o Dr. Davis... — ele enfiou os dedos com força — Ah!

— Não ouse pronunciar o nome dele numa hora dessas, doutora — ele
sussurrou, tirando os dedos de vez, me chupando por trás.

Em seguida, ele levantou-se atrás de mim, uma mão segurando meus


cabelos, seu corpo me empurrando contra a parede do box.

— Javi...

— Abra mais as pernas — ele exigiu. Eu obedeci.

Não era uma mulher submissa; longe disso. Porém, na cama, adorava ser
controlada por Javier. Adorava como ele sussurrava putarias em espanhol
enquanto transávamos, quando dizia frases românticas em sua língua natal
depois de gozar em mim, como me seduzia nos lugares mais inusitados.

Como o banheiro feminino das funcionárias de um hospital psiquiátrico.

Aquilo poderia acabar com a minha carreira; talvez fosse por isso, pela
emoção, pelo risco de ser pega, que eu estava tão excitada.

Senti sua ereção, dura e pulsante, na minha entrada de trás. Ele mordiscou o
espaço entre meu pescoço e a minha orelha, sabendo que era um dos meus
pontos de fraqueza. Em geral, com pouco mais de umas lambidas e beijos ali, e
eu me derretia toda.

Ele se concentrou no meu ponto mais sensível para eu relaxar. Ele foi
entrando devagar, e saiu de novo, dizendo coisas sexuais e safadas no meu
ouvido, me chamando de nomes que me deixavam ainda mais molhada, ainda
mais pronta para ele.
Ele foi entrando e retirando, cada vez mais dentro, até que mergulhou de uma
vez dentro de mim, ao mesmo tempo em que a mão que segurava a minha
cintura foi para a minha intimidade e ele voltou a acariciar meu clitóris.

— Rebola essa bunda gostosa para mim, doutora.

E assim eu fiz. Ele rosnou, eu rebolei. Ele mordeu meu lóbulo, eu empurrei a
bunda para trás, enterrando-o ainda mais fundo. Cheguei ao ápice antes dele e,
assim como as revistas e os livros semipornográficos prometiam, foi bom, foi
dolorido, e foi absolutamente perfeito.

Assim que comecei a apertá-lo dentro de mim, ele também gozou, e foi forte,
ele passou longos segundos tendo espasmos com seu clímax.

— Doeu muito? — ele questionou no meu ouvido quando nossas respirações


voltaram ao normal, a água já ficando fria.

— Foi maravilhoso — admiti, apesar de sentir um pouco de ardência.

Infelizmente, esta parte também era verdade.

Ele me virou e me beijou com uma força animalesca, rosnando na minha


boca, agarrando a minha bunda e me levantando, para ficar da altura dele.

— Você é minha, doutora.

— Javi — lembrei-me do que estávamos falando antes. — O que aconteceu


com o Dr. Davis...

— Eu sei, ele quer sair com a Jess — o desgraçado me interrompeu.

— Se sabia, por que me castigou então?

— Você é tão perfeita que é difícil achar motivos para puni-la, doutora.
Então, eu aproveito todos, mesmo os falsos.

Ele me colocou no chão, e dei um tapa sonoro na bunda durinha dele.

— Desgraçado.

— Admita, você gosta dos meus castigos... — Aquele sorriso arrogante


estava estampado em seu rosto.

Ai, que ódio! Ele tinha razão.

— Vá logo embora antes que te vejam aqui!

Queria dizer que estava mais preocupada com o meu emprego do que com o
risco de uma das funcionárias flagrarem o meu gostoso pelado, mas.... Seria uma
grande mentira.

Enfim, ele saiu, e pude tomar o meu banho confortavelmente. Quando fui me
trocar, notei algumas ligações perdidas no meu celular, algumas delas do
Detetive Walker. Fiquei imediatamente tensa.

— Detetive Walker — ele atendeu no quarto toque.

— O que aconteceu?

— Ah, Dra. Rider. Não foi nada sério... — Ele estava me enrolando! —
Digo, seu irmão está bem...

— Fala logo!

— Houve um incêndio no prédio onde seu irmão mora, mas ele conseguiu
sair ileso, com a vizinha e um cachorro.

Ah, graças aos céus!

— Poderia falar com o Levi?

— Hã... Então...

Ah, merda. Merda ao cubo. Merda vezes um milhão. Então alguma coisa
tinha sim acontecido!

— Onde está o meu irmão, detetive?

— Ele não se machucou na queda, Dra. Rider — sim, isso ele já tinha me
dito. Eu sabia que não era tudo. — Mas ele desapareceu logo em seguida.

***
22
Levi

“Time stands still


Beauty in all she is
I will be brave
I will not let anything take away
What's standing in front of me
Every breath
Every hour has come to this”

“O tempo para
A beleza em tudo o que ela é
Serei corajoso
Não deixarei nada levar pra longe
O que está na minha frente
Cada suspiro
Cada momento chegou a isso”

(A Thousand Years, Christina Perri)

Cada vez que eu quicava no colchão de ar, com maior firmeza eu segurava
Amanda. Bob mal precisou de mim; rapidamente saiu do colchão, como se
tivéssemos descido de elevador.

Quando, enfim, nos equilibramos sobre a montanha de ar, e paramos de


pular, fomos puxados para baixo. Assim que nossos pés tocaram o chão, puxei
Amanda para os meus braços, e notei que ela tremia violentamente.

— Mandy? — ela não respondeu, apenas enterrou mais o rosto em meu


peito, como se quisesse se esconder com o meu corpo. — Mandy, você está
bem?

— Estamos lá fora — ela sussurrou, o desespero claro em sua voz. —


Estamos lá fora!

Eu estava com medo que isso acontecesse. Enquanto estávamos fugindo


pelas nossas vidas, ela não tinha travado. Entretanto, agora que a adrenalina
estava baixando, agora que o susto do incêndio estava passando, ela se deu conta
de que não estávamos mais no prédio.

— Não se preocupe, eu e Bob vamos te proteger.

Ele estava dando voltas em torno de nós, latindo para quem quer que se
aproximasse. Notei duas macas próximas a nós, supostamente levando James e
Star para ambulâncias que já os aguardavam.

Havia outras pessoas a alguns metros de distância, que, como nós, estavam
de pijamas e roupas de baixo. Parecia que nossos vizinhos que tinham
conseguido fugir do fogo, felizmente.

— E se ele estiver lá fora? Nós estamos lá fora!

Ela estava falando de Robert. Estava aterrorizada. O que aquele desgraçado


tinha feito a ela? Nunca desejei matar ninguém, não de verdade, mas senti,
naquele momento, um desejo irresistível de apertar o pescoço do filho da mãe
por deixar minha Mandy daquele jeito.

— Mandy, Robert não está aqui — sussurrei em seu ouvido, tentando


acalmá-la. Não funcionou; ela continuava tremendo muito, suas pequenas mãos
agarrando as minhas costas. — Eu estou aqui, Mandy. Nada vai acontecer a
você, eu prometo.

Precisava tirar ela da rua. Ela apenas ia se acalmar quando estivéssemos


dentro de algum apartamento de novo. Porém, eu sabia que o nosso prédio não
seria liberado tão cedo; isso se os bombeiros conseguissem salvá-lo. As chamas
ainda o consumiam, mas, pelo menos, o fogo estava parecendo diminuir aos
poucos.

— Vocês estão bem? — Um dos bombeiros perguntou quando Bob parou de


latir.

— Eu preciso de um telefone, é urgente! — tive uma ideia.

— Senhorita, está bem? — ele se dirigiu a Amanda que, em resposta,


encolheu ainda mais em meus braços.

— Ela está em choque, vou chamar o médico dela.

O bombeiro nos observou por alguns segundos e, parecendo satisfeito que


não estávamos machucados, ao menos não fisicamente, disse:

— Vamos para o caminhão, lá tem um telefone de emergência.

Disquei o telefone de Jack. Não queria usá-lo como mensageiro, mas eu não
sabia de cor o telefone da pessoa que eu acreditava poder nos ajudar.

— Quem é?

A voz sonolenta e irritadiça indicava que não apenas eu o havia acordado,


como também que ele devia ter bebido pra cacete e provavelmente teria uma
ressaca.

— Jack, sou eu — minha voz saiu cansada, quase irreconhecível.

— Está tudo bem, Levi? — O tom dele estava bem menos agressivo.

— Não, não está. Explico depois. Preciso que você ligue para Nathalie.

— A nossa cliente? — Fiz um som irritado de confirmação à pergunta


estúpida. A única outra Nathalie que nós dois conhecíamos tinha sido no colégio.
— Aquela que é dona de uma cadeia de hotéis?

Não, aquela que é dona de um puteiro, quis replicar, mas estava cansado
demais para fazer comentários cínicos. Achava que já estava cem por cento, mas
meu ferimento começava a latejar, provando que Carly estava certa quanto à
necessidade de eu continuar de repouso em casa.

— Sim, preciso da ajuda dela urgente. Diga que, se ela mandar um carro para
me buscar em dez minutos, trabalharemos para ela sem cobrar qualquer taxa
durante um ano.

— Cara, deve ser um puta favor mesmo.

— E é. Vou salvar a minha Rapunzel.

***

Exatos dez minutos depois da minha ligação para Jack, um carro preto SUV,
com janelas escuras, impossibilitando que enxergássemos seu interior, parou ao
lado do caminhão de bombeiros.

O motorista, um cara que devia ter mais de dois metros e pesar pelo menos
uns cento e vinte quilos, saiu do carro e se dirigiu a mim.

— Sr. Rider? — Confirmei com a cabeça. — Fui enviado pela Sra. Nathalie
Ward.

Sem mais delongas, entrei no carro, segurando Amanda no colo. Bob entrou
atrás de mim, sentando-se ao meu lado no banco de trás. O motorista fez cara
feia, mas não reclamou. Provavelmente, Nathalie havia ordenado que ele
atendesse a todos os meus pedidos, por mais absurdos que fossem.

Ela estava acostumada a clientes bizarros, então um cachorro e dois


passageiros seminus saindo de um prédio pegando fogo nem de perto devia ser a
situação mais bizarra que aquele homem havia presenciado.

Olhei para Amanda; mal tínhamos entrado no veículo, e ela já parecia menos
pálida. Seus olhos castanhos me encaravam, e ela me ofereceu um sorriso
mínimo de agradecimento. Merda, como ela era linda.

Dei um beijo em sua face, e sussurrei para ela que nós seríamos levados para
um local seguro. Seu corpo ainda tremia um pouco, mas bem menos do que
quando estávamos “lá fora”.

— Você foi muito corajosa, Mandy — sussurrei em seu ouvido, e uma


lágrima desceu pela sua bochecha.

E ela tinha sido mesmo: não tinha reclamado nenhuma vez sequer, apesar de
estar morrendo de medo. Não tinha hesitado em pular ao meu lado, não tinha se
desesperado quando precisei dela atenta e rápida para fugir do prédio.

E, mesmo enquanto estávamos cercados de estranhos, no meio da rua, ao


lado de carros e caminhões barulhentos, ela não fez nada, não reclamou de nada,
contentou-se em ficar em meus braços.

Não que eu fosse reclamar em tê-la perto de mim.

Tampouco me incomodava o fato de que ela estava confiando em mim por


completo. Carly tinha me dito que o essencial para ajudar Amanda era ter sua
completa confiança, que ela apenas iria “lá fora” com alguém em quem ela
acreditasse.

E ela sequer havia me perguntado quem era Nathalie quando pedi a Jack que
ligasse para ela: Amanda aceitou meu julgamento sem nenhuma pergunta.

Estava embalando Amanda como uma criança, e ela já estava até com os
olhos fechados, quando um telefone fixado entre os bancos da frente tocou, e o
motorista avisou que a ligação era para mim.

Peguei o telefone, mas deixei-o um pouco afastado da orelha para Amanda


também escutar a conversa.

— Meu querido, o que houve? — A voz gentil de Nathalie disse do outro


lado.

— Alguém tentou nos matar — não adiantava diminuir o que estava


acontecendo. Mesmo que não fosse Robert o responsável pelo incêndio (o que
eu achava pouco provável). — Uma pessoa que está muito doente.

— Meu Deus, que terrível!

— Preciso me esconder com uma amiga. E o meu cachorro — completei


quando Mandy me deu um beliscão na coxa. — Mas ninguém, absolutamente
ninguém além de nós pode saber para onde estamos indo. Esse cara tem
recursos, família poderosa.
— Conheço o tipo — ela suspirou. — Não se preocupe, meu querido. Vou
pedir ao meu motorista para deixá-los em um dos meus hotéis mais discretos.
Vou deixar a sua reserva em nome de um sobrinho meu. Ninguém saberá que é
você. Vou autorizar que usem nossa entrada especial.

— Entrada especial?

— Para celebridades, políticos e pessoas que não querem ser vistas. Não há
câmeras, para que nem mesmo meus funcionários saibam sua identidade.

Senti o corpo de Amanda relaxando em meus braços com a notícia. Eu


entendia bem por que ela estava aliviada que não haveria câmeras: Robert era
uma fera em computação, poderia hackear vídeos de segurança e nos localizar.

— Eu te devo uma, Nathalie — minha voz refletia o alívio que vi no rosto da


minha Rapunzel.

— Não se preocupe, querido. Com suas habilidades para investir, sei que vou
receber em dobro.

Desliguei o telefone, um sorriso contornando meus lábios. Ia dar tudo certo.


Ficaríamos bem. Enquanto a polícia procurasse por Robert, eu estaria preso em
um quarto de hotel com Amanda.

Sabe quando as pessoas perguntam quem você levaria se ficasse preso em


uma ilha deserta? Eu estava com a única pessoa com quem desejava ficar
isolado. À medida que eu ia relaxando, outro sentimento ia tomando conta de
mim, além do cansaço.

Desejo.

Analisei a curva de seu pescoço, sua pele de porcelana, a veia ali acelerando.
Desci o olhar para seus seios, seios que eu havia experimentado, e que mal podia
esperar para chupar de novo. Desci mais, para suas pernas longas e perfeitas,
pernas de modelo.

— Se fosse eu quem gerisse o dinheiro dela, Nathalie receberia em


quádruplo.

Meus olhos voltaram para os dela. Seus lábios carnudos estavam curvados
em um sorriso irônico, e seus olhos observavam a minha boca. Agora que ela
também havia se acalmado, estava com outras coisas em mente, pude notar.
Coisas bem safadas.

Porra, por que a merda do motorista não dirigia mais rápido?

— Vejo que está melhor — comentei.

— Obrigada, Levi — ela tocou meu rosto com as pontas dos dedos. Não era
um toque sexual, mas me deixou com uma ereção da porra mesmo assim.

— Quando chegar lá, você me agradece do jeito apropriado.

***

Quando Nathalie comentou que iríamos a um de seus hotéis mais discretos,


jamais imaginei que seria nos Hamptons. Dirigimos quase duas horas para
chegarmos até lá; por sorte, de madrugada, o trânsito estava muito bom.

Apesar do céu estar um pouco mais claro, ainda não havia amanhecido
quando chegamos no hotel butique de Nathalie. Era elegante, ainda mais do que
os de Manhattan.

Ficava em um terreno gigantesco à beira-mar, com um uma mansão


imponente em seu centro, uma piscina olímpica à sua frente, próxima à areia, e
algumas quadras de esportes atrás dela. Havia também vários chalés igualmente
elegantes ao seu redor, cada um rodeado por árvores e com uma hidromassagem
na varanda.

O motorista de confiança de Nathalie dirigiu pela estrada de terra do hotel


durante uns dez minutos, afastando-nos do prédio principal. Parou no que eu
acreditava que devia ser o último chalé da propriedade.

— O chalé está pronto para vocês — o motorista avisou. — Não precisam ir


à recepção.

— Obrigado — e estava agradecido mesmo.

Ir até a recepção poderia ser um risco: ainda estávamos próximos a Nova


Iorque, então eu podia ser reconhecido, esbarrar em alguém conhecido, ou algo
assim.

— A Sra. Ward ordenou que todas as refeições fossem deixadas no chalé.


Pode ligar diretamente para a cozinha e escolher o que vão comer.

— Perfeito — eu nem tinha pensado nisso, que bom que uma profissional
estava nos ajudando.

— Sobre roupas: solicitei ao concierge algumas que creio ser dos tamanhos
de vocês, porém, se não couberem, é só pedir que troquem.

Estava me sentindo o verdadeiro James Bond: chegando escondido em hotéis


com motoristas troncudos, e chalés com roupas que apareciam magicamente nos
armários.

Amanda estava apagada em meu colo; agradeci mais uma vez o motorista,
que me ajudou com Bob, avisando que o concierge também havia providenciado
o que precisaríamos para ele, e nos deixou.

A nossa casa pelos próximos dias tinha dois andares, com uma varanda em
volta do primeiro piso. Havia, no térreo, um espaço amplo, com cozinha, sala de
estar e jantar no mesmo espaço, além de um pequeno lavabo. A lareira ali já
estava acesa, deixando o ambiente com uma temperatura muito agradável.

Tudo era decorado de forma simples, porém elegante, a medida certa para se
passar alguns dias na praia com conforto e sofisticação. Carly morreria se viesse;
ela adorava decoração. Não parava de dizer como tinha deixado meu antigo
apartamento com a cara do de uma mulher famosa qualquer.

Bob dirigiu-se diretamente para uma almofada gigantesca que haviam


deixado no chão. Ao lado da almofada, havia um pote com ração e outro com
água. Porra, tinha que mencionar à Nathalie que o serviço aqui era impecável.
Eles tinham realmente pensado em tudo. E isso em menos de duas horas.

Subi as escadas de carvalho e dei de cara com uma suíte ampla, com uma
parede de vidro com vista para o oceano, e uma cama que fazia a minha king size
parecer de criança.

Coloquei minha Rapunzel no meio da cama, e observei por alguns momentos


seu peito subir e descer em um ritmo estável. Merda, fiquei excitado de novo.
Precisava de um banho e de uma boa noite de sono.

Amanhã, ela estaria mais do que apta para me agradecer, e continuaríamos de


onde havíamos parado da última vez que ela tinha fugido de mim.

Não mais. O lugar dela era ao meu lado, e eu a convenceria daquilo. No fim
das contas, seria bom passar uns dias longe de tudo e de todos.

Entrei no que achei ser o banheiro, mas era um closet impressionante.


Conforme o motorista comentou, ele estava repleto de roupas que poderiam nos
vestir pelo inverno inteiro. Peguei uma cueca e calça de moletom para dormir e
segui até o banheiro, que ficava depois do closet.

Ao entrar, uma nova surpresa: havia uma hidromassagem para duas pessoas,
ao lado de um chuveiro onde eu poderia brincar com Amanda assim que ela
acordasse. Seria divertido usar esse banheiro nos próximos dias.

Deixei a banheira encher enquanto escovava os dentes com uma das muitas
escovas que deixaram para nós. Entrei na água quente, deixando que ela
relaxasse meus músculos doloridos. Minha ferida ardeu um pouquinho, mas ela
já estava latejando bem menos que antes.

— Traidor — a voz rouca de Amanda quase me deu um ataque cardíaco. —


Ia aproveitar a banheira sem mim?

— Achei que estivesse dormindo, Mandy — comentei, enquanto ela caminhava


lentamente até mim, começando a se despir.

Puta que o pariu, ela estava de volta. E estava maravilhosa. Eu tinha deixado
apenas a luz do closet acesa, então podia ver seus contornos, e ela parecia um
anjo, iluminava por trás daquele jeito.

— Dormir? — Ela questionou, de calcinha e sutiã. Porra, como eu estava


duro. — Não antes de te agradecer do jeito apropriado, Levi.

***
23
Levi

“I want to hide the truth


I want to shelter you
But with the beast inside
There’s nowhere we can hide”

“Eu quero esconder a verdade


Eu quero acolher você
Mas com a fera aqui dentro
Não há onde nos escondermos”

(Demons, Imagine Dragons)

— Vem aqui, sua diabinha — implorei, enquanto ela ficava me provocando,


fingindo que ia tirar o sutiã, sem tirar.

— Se quiser, vai ter que me pegar.

Essa mulher seria o meu fim!

Levantei-me da banheira em um movimento brusco, ignorando a dor que


senti no abdômen, e alcancei seus pulsos. Encarei-a com maldade nos olhos.

— Nem pense, Levi — ela avisou, rindo de nervoso.

— Pensar? Já pensei demais, Mandy. Agora vou é fazer — repliquei, e a


puxei para a banheira.
Ambos caímos, a água jorrando para todos os lados, molhando o piso.
Estávamos deitados na banheira, ela em cima de mim, e de costas. A minha
ereção, esperta feito a porra, logo se alojou entre as nádegas redondas e perfeitas
de Amanda. Pena que ela ainda estava de calcinha, senão o encaixe seria
imediato.

Ela tentou se soltar de mim, e bateu com o cotovelo no meu estômago sem
querer.

— Ai! — Sim, eu jogava sujo. Estava fingindo que ela tinha batido na ferida.

Imediatamente, ela se virou na banheira, sentando-se no meu quadril,


exatamente na posição em que eu a queria. Ela estava respirando pela boca, e
seus olhos começaram a procurar minha ferida, que estava debaixo da pouca
água que restava na banheira.

Enquanto ela tentava verificar se tinha feito algum estrago (claro que não, a
única coisa que ela havia feito tinha sido me deixar ainda mais duro, remexendo-
se no meu quadril daquele jeito), notei que um de seus mamilos rosados havia se
soltado do sutiã durante a nossa guerra aquática e estava saltitando pertinho da
minha boca.

Ela, toda distraída, nem tinha reparado. Eu, sim. E nem ferrando ia deixar
uma oportunidade daquelas passar.

Abocanhei o mamilo fujão, e ela gritou, seu corpo se arqueando quase que
automaticamente, oferecendo-me ainda mais acesso ao seio. Chupei-o até sentir
o mamilo tocando o céu da minha boca, e cheguei ao paraíso.

Porra, como eu tinha sentido falta do gosto dela!

Entre seus gemidos e gritos de prazer, enquanto eu levantava o quadril,


esfregando meu pau entre as pernas dela, decidi que tinha me cansado da merda
da calcinha entre nós, e a arranquei.

Enfiei um dedo dentro dela, e porra, ela estava tão apertada, mas tão pronta
para mim ao mesmo tempo, que meu pau chegou a doer e tanto tesão. Enfiei um
segundo dedo, e passei a enfiá-los e tirá-los dela vigorosamente, ao mesmo
tempo em que passava minha atenção de um mamilo ao outro.
— Levi! — ela arfou, e começou a convulsionar, apertando meus dedos,
gozando com um vigor que fez suas costas arquearem ainda mais.

Depois de muitos segundos, ela caiu sobre mim, mole e satisfeita, e tirei os
dedos dela, acariciando seus cabelos.

— Mandy, você está pronta para mim?

Eu rezava para que ela dissesse sim. Não sabia o que faria se sua resposta
fosse negativa. Bateria punheta sem parar pelo próximo mês, provavelmente.

Porém, nos últimos dias, eu e Carly tínhamos chegado a uma conclusão que
deveria ter sido óbvia desde o início: do jeito que ela era isolada, era bem
provável que Amanda fosse virgem.

Ela vivia separada do mundo “lá fora”, então seria difícil ela ter tido um
relacionamento duradouro nos últimos anos. Ademais, como ela mesma havia
dito, sua agorafobia não era recente, e tinha passado por diversas fases.

E, por mais que eu a desejasse, não queria ser o primeiro dela por ser sua
única opção, e sim por ser a sua primeira opção, como ela era agora a minha.
Merda. Eu estava apaixonado. Não havia como fugir disso.

Se fosse para cometer esse erro de novo, eu estava feliz que era com uma
mulher como Amanda. Só restava saber se ela sentia o mesmo a meu respeito, se
eu era tão importante para ela quanto ela era para mim.

Ela me olhou com uma intensidade que quase me fez gozar na água mesmo,
fora dela.

— Eu nasci para ser sua, Levi — ela sussurrou, e eu perdi de vez o controle.

Nós nos levantamos juntos da banheira, mas eu saí primeiro. Eu a segurei


pela cintura e voltei a beijá-la; daquela vez, meu beijo foi lento, experimentando
cada milímetro de seus lábios, sentindo seu gosto na minha boca, invadindo sua
boca com a língua como eu queria me enfiar inteiro nela.

Minhas mãos escorregaram pela sua pele úmida e macia, até agarrarem
aquela bundinha deliciosa. Ela arfou nomes incongruentes, e me segurou mais
forte pelos ombros. Eu a levantei, e suas longas pernas fecharam-se em volta da
minha cintura.

Deslizei-a para baixo e para cima enquanto caminhava até o quarto, sentindo
meu pau escorregar em sua entrada úmida, e sair de novo. Nossos lábios não se
desgrudaram, e eu acabei tropeçando na cama e caindo com tudo, ela por baixo
de mim.

— Merda — exclamei. — Esqueci a camisinha.

Tentei me levantar, já irritado que teria que revirar a merda do chalé para
encontrar camisinha (isto é, se eles tivessem deixado algumas), mas ela enroscou
as pernas em volta de mim, me trancando entre elas.

— Não quero nada entre nós na minha primeira vez, Levi — ela sussurrou e
eu grunhi em resposta.

Isso mesmo: eu grunhi como um animal. Caralho, minha vontade era entrar
nela e nunca mais sair. Nós nem tínhamos transado e eu já estava viciado na
minha Rapunzel.

Ela levantou o quadril, posicionando-o bem no nível do meu pau. Nossos


olhos estavam focados um no outro, e eu entrei nela, centímetro a centímetro.
Puta que o pariu, ela era tão apertada.

— Eu te amo, Mandy — eu repeti o que havia dito no prédio.

— Engraçado como você só diz isso em momentos de desespero — ela riu, e


eu gargalhei e gemi de tesão ao mesmo tempo.

— Caralho, é porque eu sou desesperado por você, Mandy!

Completei a penetração, e ela mordeu meu ombro. O que minha diabinha fez
em seguida? Abriu ainda mais as pernas, enterrando-me ainda mais fundo nela.

— Caralho, Mandy, você é perfeita — eu arfei e a beijei duramente.

Não foi um beijo gentil; foi desesperado, como eu disse que me sentia em
relação a ela. Quando a senti relaxando, se acostumando comigo dentro dela,
voltei a mexer-me. Rapidamente, ela entrou no mesmo ritmo que eu, e, daquela
vez, gozamos juntos.
— Eu também te amo, meu Príncipe de Manhattan.

***

Bob começou a latir depois que nós paramos de fazer nossos sons
animalescos. O coitado tinha se segurado, mas devia estar apertado pra cacete,
porque, no meio de toda a confusão, ele ainda não tinha saído para fazer
necessidade.

Descobri que, além da almofada e das tigelas, haviam deixado também todos
os apetrechos de cachorros para conseguir passear com ele, até saquinhos
plásticos biodegradáveis.

Usei o bosque atrás da nossa cabine e, meia hora depois, estávamos de volta,
cada um com sua missão: Bob foi direto para a sua cama, onde apagou de
imediato, enquanto que eu voltei para a minha Rapunzel, que imediatamente se
enroscou no meu corpo, relaxando a cabeça no meu ombro.

— A hora chegou, Mandy.

Ela levantou a cabeça do meu ombro e me encarou, os olhos esbugalhados.

— Já? — ela olhou para o meu pau, e ele começou a ficar animado de novo.

— Não para isso, sua diabinha — eu a puxei para um beijo. — É hora de me


falar sobre Robert. O que ele fez a você.

Ela enterrou a cabeça no espaço entre meu pescoço e meu ombro.

— Não podíamos fingir mais um pouquinho que nosso mundo é perfeito? —


ela sussurrou, e ouvi choro em sua voz.

— Eu sei que é difícil, Mandy. Mas eu quero este homem fora da sua vida
para sempre. O que só vai acontecer quando ele for achado.

Amanda apenas se encolheu mais em meus braços.

— Não... Não, por favor... — o tom dela era de partir o coração. Caralho, era
melhor a polícia achar logo aquele filho da puta, porque, se eu o encontrasse
antes, não tinha ideia do que seria capaz.
Ele era um esquizofrênico paranoico? Pois eu era um apaixonado. Em uma
luta, eu estaria muito mais desesperado para acabar com a raça dele do que ele
com a minha.

Para mim, era uma questão de salvar a minha princesa e futura esposa (não
que eu fosse dizer isso a ela) e a boceta mais deliciosa da face da Terra, enquanto
que para ele, eu era apenas um servo do demônio.

— Mandy, preciso saber para ajudá-la — eu sussurrei em seu ouvido.

Ela inspirou fundo, e ficou calada. Achei que ela não diria mais nada, até ela
admitir:

— Meu nome é Amanda Warren. Sou filha de James Warren.

E, com aquela revelação, ela explicou tudo. Agora eu entendia por que ela
parecia tão familiar.

Durante quase uma década, James Warren foi o homem mais rico dos
Estados Unidos. Com sua morte, entretanto, ninguém soube ao certo o que
aconteceu com a sua fortuna.

Dizia-se que metade dela tinha ido para fundações e organizações sem fins
lucrativos de causas que ele apoiava. O resto, segundo esses boatos, teria ficado
com a sua única filha.

Amanda. A minha Amanda.

As circunstâncias de sua morte tinham sido bizarras e, à época, nem sua


família ou a empresa tinha feito qualquer pronunciamento oficial sobre a causa.
Eu apenas sabia que a filha tinha presenciado tudo.

— Vamos começar do começo — comentei quando ela ficou calada de novo.


— Como conheceu Robert?

— O juiz Flynn se mudou para o prédio onde vivíamos. Eu já tinha visto


Robert no elevador algumas vezes. Ele me olhava de um jeito esquisito, mas
jamais fez nada contra mim — ela começou a tremer levemente, então eu a
abracei mais forte e puxei o cobertor para cima da gente.
— Até ele começar a ouvir as vozes a seu respeito.

— Sim. Um dia, do nada, ele disse que eu era o demônio no elevador.

Merda. Ela era só uma criança. Que porra o juiz tinha na cabeça para deixar
o filho andar por Nova Iorque livremente? O rapaz precisava de internação
urgente, e tratamento.

Carly sempre dizia que o maior problema das doenças psiquiátricas não era a
doença em si, mas o preconceito. As pessoas preferiam viver na negação, como
o juiz Flynn tinha feito, e acabavam piorando a situação. Apenas buscavam
ajuda quando era tarde demais.

— Você estava sozinha no elevador?

— Não. O motorista de papai estava comigo. Robert esperou que saíssemos


do prédio e nos seguiu.

— E o que ele fez em seguida?

Senti lágrimas caindo no meu peito, e as sequei com as pontas dos dedos.
Dei um beijo em seu nariz, e comecei a embalá-la. Minha princesa, o que aquele
monstro tinha feito com ela?

— Robert esperou. Me seguiu até a escola, e esperou eu sair. Estava


chovendo naquele dia. O motorista, Liam, tinha estacionado o carro do lado
oposto da rua. Antes que ele chegasse até mim, eu vi Robert se aproximando.

Ela começou a soluçar. Levantei-me, fui até a cozinha pegar um copo d’água
para ela, e coloquei mais lenha na lareira. Quando eu voltei, ela me agarrou
como se eu a tivesse deixado havia horas.

— Eu nunca corri tanto na minha vida, Levi. Assim que o vi, saí correndo.
Passei três horas perdida em Nova Iorque, encharcada pela chuva. Depois de
muito tempo, Liam finalmente me encontrou e me levou para casa.

— O que seu pai fez quando soube?

— Ele reclamou com o juiz Flynn. Mas, como o filho não tinha, em teoria,
cometido nenhum crime, papai não pôde envolver a polícia. O que ele fez foi
contratar dois seguranças para me acompanharem.

— E a polícia?

— Eles foram ainda piores.

Segundo ela, Amanda, seu pai e um advogado foram diversas vezes à polícia
para tentar incentivá-los a investigar Robert Flynn. Ela foi submetida a
interrogatórios intermináveis, que não pegaram leve com ela por ser uma
criança, e tudo para nada. Desde então, Amanda deixou de ter qualquer
confiança em policiais.

— Foi nessa época que você saiu de novo da escola?

Ela tinha comentado comigo que, durante alguns períodos da sua vida, tinha
estudado em casa. Porém, foi depois da morte do pai que sua agorafobia piorou,
e agora eu entendia como isso estava relacionado ao aparecimento de Robert em
sua vida.

— Sim. Eu pedi a papai que voltasse a ter aulas em casa, como acontecia
quando eu era mais nova, e estava sempre doente. Papai deixou, acreditando que
isso fosse me proteger. Mas Robert era paciente.

Carly me explicou que quando esquizofrênicos estão em um estado de


paranoia, eles podem ficar bastante fixados em seu objetivo.

— O que aconteceu depois?

— Uns três meses depois do incidente em frente à minha escola, papai me


convenceu a me levar à uma peça da Broadway. Ele jurou que seríamos apenas
nós dois, ele havia fechado o teatro para a gente.

— Não foi suficiente — eu adivinhei.

— Não. Robert era muito esperto. Ele se disfarçou como funcionário de


limpeza.

— Desgraçado.

— Estávamos saindo do teatro, mas ainda do lado de dentro, quando ele


tentou me atacar. Papai se interpôs entre nós, e gritou que eu me escondesse. Foi
o que fiz. Passei um tempão escondida no banheiro feminino, escutando à
discussão deles dois, até tudo ficar em silêncio, de repente. Esperei um bom
tempo até os seguranças e a polícia me encontrarem.

— A polícia? E o seu pai?

— A briga com Robert o fez ter um ataque cardíaco. Ele morreu naquela
noite.

***
24
Levi

“When you are too in love to let it show


Oh but if you never try you'll never know
Just what you're worth
Lights will guide you home”

“Quando você está muito apaixonado para esquecer


Ah, mas se você nunca tentar, você nunca saberá
O quanto você vale
Luzes te guiarão até em casa”

(Fix You, Coldplay)

Nós conversamos, fizemos amor, conversamos mais, e fizemos mais amor.


Quando o sol começou a despontar no horizonte, pedi um café-da-manhã
completo à recepção, que o deixou na bancada da cozinha do chalé em menos de
vinte minutos.

Depois de estarmos saciados (de comida e de outras coisas), finalmente nos


deixamos ser embalados pelo sono. Ela adormeceu com a cabeça em meu peito,
as longas pernas enroscadas nas minhas, e uma das mãos na minha ferida, como
se quisesse protegê-la.

Dormi um sono profundo e sem sonhos, e acordei muitas horas mais tarde,
em outra posição. Ainda estávamos com os corpos colados um ao outro, porém,
agora, ela estava de costas para mim.

Meu pau, que parecia ter uma bússola que apontava firme e forte na direção
de Amanda, estava pulsando na bunda durinha dela, e uma das minhas mãos
estava sobre o seu seio.

Ela deve ter acordado no mesmo instante que eu, porque suas costas se
arquearam, empurrando o mamilo que virou uma pontinha contra a minha
palma, e empinando a bunda, provocando ainda mais o meu pau.

Quando eu me imaginava transando com Amanda, claro que eu sabia que


não enjoaria dela tão cedo. Eu já esperava que o tesão não seria aplacado em
apenas uma noite.

O que eu não imaginava, entretanto, era que iria desejá-la ainda mais toda
vez que fizéssemos amor, que ia precisar dela mesmo que estivesse dentro dela,
que eu ia me tornar mais seu a cada estocada, e ela, mais minha.

Meus dedos apertaram de leve o mamilo, que devia estar sensível e um


pouco dolorido de todas as brincadeiras daquela noite. Com a mão livre, afastei
os cabelos dourados de sua nuca, e passei a lambê-la ali, sabendo que era um de
seus pontos de maior vulnerabilidade.

Em uma noite, eu passei a conhecer mais o corpo de Amanda do que muitos


anos de relacionamentos com outras mulheres. Estava tão focado nela, tão atento
a cada uma de suas reações, que já sabia quais eram seus pontos fracos, o que a
deixava molhada, o que a fazia chegar ao ápice.

Em poucos minutos de brincadeira, ela já estava gemendo alto, já estava


rebolando com aquela bundinha gostosa contra o meu pau latejante, inclinando a
cabeça para me dar mais acesso ao seu pescoço.

— Levi, por favor... — caralho, como eu amava quando ela implorava


daquele jeito...

— Você está muito dolorida de antes, Mandy — repliquei em seu ouvido,


deixando seus pelos eriçados.

Nada me deixava mais excitado do que provocá-la.


— Levi, eu preciso... — ela insistiu, tentando capturar meu pau com a bunda,
enquanto eu afastava meu quadril dela, em uma brincadeira de gato e rato. — Eu
quero, por favor...

— Me diz o que você quer, Mandy.

— Eu quero o seu pau, Levi — ela arfou quando mordisquei seu pescoço, ao
mesmo tempo em que puxava o mamilo com os dedos.

— Onde você quer o meu pau, Mandy?

— Dentro de mim.

Entrei nela de uma vez; ela estava tão molhada, tão preparada para mim.
Caralho, como ela era apertadinha. Tínhamos passado a noite inteira fodendo
gostoso e, ainda assim, senti-a se esticando para acomodar a minha ereção.

— Ah!!! — ela gritou quando eu tirei o pau e o enterrei de novo. — Mais


forte, Levi! Mais fundo!

— Que garota gulosa — repliquei, e obedeci.

Levantei sua perna direita para ter mais acesso e a penetrei profundamente,
em movimentos lentos e controlados. Caralho, eu estava quase explodindo, mas
valia a pena deixá-la desesperada.

— Mais rápido, Levi! — ela insistiu, começando a ficar irritada, jogando o


quadril para trás, rebolando enlouquecidamente, fazendo meu pau dançar dentro
dela.

Enfiei com força, soltando um rosnado e virei a boca dela para beijá-la
profundamente, penetrando minha língua nela no mesmo ritmo em que dava
estocadas.

O braço que estava sob ela, massageando seus mamilos, desceu até seu
clitóris, enquanto eu arremetia mais forte, deixando-a no limite.

Ela começou a gozar um segundo antes que eu; despejei litros e litros de
sêmen dentro dela. Porra, se ela não estivesse tomando pílula, já estaria grávida
àquela altura. Porém, ela comentou que, por conta de problemas hormonais, ela
tomava pílula desde a adolescência.

O mais louco era que eu não fazia muita diferença. Mesmo que ela não
estivesse tomando, eu não me importava com o risco: pelo contrário, me dava
mais tesão só de pensar na possibilidade.

Seu corpo convulsionou com seu ápice para, em seguida, ficar


completamente mole, entregue, sem energia. Mas eu sabia que, dentro de pouco
tempo, ela já estaria pronta de novo. Minha Rapunzel gulosa.

***

— Nossa — ela comentou depois de alguns minutos, enquanto eu ainda


estava dentro dela, olhando para o relógio digital — são quase cinco da tarde!

Ah, por isso que meu estômago estava reclamando tanto.

— Quer comer o quê? — questionei, saindo dela para pegar o telefone do


meu criado mudo.

Ela fez um som de desapontamento antes de dizer:

— O que você quiser, Levi — diabinha. O tom dela era de apetite sexual.

Por sorte, eu estava com tanta fome por comida que deixaria aquela
provocação passar. Até depois de comermos, claro.

Pedi um filé mignon ao molho madeira, acompanhado de salada e purê de


batata. Depois de algumas mordidas, Amanda parou repentinamente de comer, e
me olhou com alarde.

— O que foi?

— Senti gosto de amendoim — estranho, não deveria ter amendoim no


molho. — E sou alérgica.

— Ah, merda!

Parei de comer imediatamente e liguei para a recepção. Ninguém atendeu.


Tentei de novo, e nada. Eram seis da tarde, então, teoricamente, o horário do
jantar ainda não havia começado. Além disso, estávamos no inverno, portanto,
era difícil que o hotel estivesse cheio.

Calculei meus riscos, mas tive certeza de que deveria sair correndo quando
olhei de novo para Amanda. Seus lábios estavam inchados.

— Vou conseguir remédio para você. Qual que você toma?

— Qualquer antialérgico serve — ela replicou, a pele em torno dos olhos


ficando avermelhada.

Corri até a recepção e, por sorte, havia apenas duas hóspedes, que estavam
sentadas em poltronas e perdidas em uma conversa. Toquei a campainha do
balcão e, minutos depois (que mais pareceram horas), uma mulher de meia idade
e com um sorriso gentil apareceu.

— Perdoe-me, senhor, a nossa recepcionista está doente, e fiquei sozinha


aqui.

— Não há problema.

Expliquei rapidamente o que aconteceu e ela me ofereceu três tipos


diferentes de antialérgicos. Quando retornei ao chalé, o rosto inteiro de Amanda
estava inchado, e ela estava se coçando.

Ela selecionou um dos remédios e o engoliu. Deitou-se no pequeno sofá, e


Bob logo plantou-se ao seu lado, preocupado com ela. Eu pedi outro prato – sem
amendoim daquela vez.

— Alguém te viu além da recepcionista?

Então ela ainda estava preocupada com a possibilidade de Robert nos


encontrar.

— Havia apenas duas mulheres na recepção, e elas estavam fofocando, nem


repararam em mim.

— Mulheres que não repararam no meu Príncipe de Manhattan? — ela abriu


um olho para me encarar. — Deviam ser cegas.
Eu ri, caminhei até ela e dei um beijo gentil em seus lábios.

— Sabe, eu já estou ficando com fome de outra coisa.... — ela sussurrou


para mim.

Porra, onde estava a comida? Felizmente, nossa refeição nova não tardou em
chegar, e aproveitamos nosso espaguete ao molho quatro queijos e um vinho
californiano que o hotel enviou de cortesia como pedido de desculpas.

Eles também mandaram bombons recheados de cereja, e assistir a Amanda


devorando-os foi uma das cenas mais eróticas da minha vida.

Depois do longo jantar, Amanda anunciou que tomaria uma chuveirada, mas
não permitiu que eu a seguisse: ordenou que eu fosse passear de novo com Bob
antes de voltar para a cama.

Ela deve ter visto a impaciência na minha expressão, porque mencionou:

— Não se preocupe: eu vou compensá-lo por ser um bom garoto.

Fiquei duro instantaneamente.

Praticamente arrastei o pobre do Bob para o lado de fora. Ele queria segui-la
(como o cachorro esperto que era), mas eu queria que ele fizesse logo
necessidade. Deixei-o um pouco solto, já que não havia ruas ou carros por perto,
sempre chamando por seu nome quando ele se afastava muito.

De repente, notei a mesma mulher da recepção aproximando-se do nosso


chalé. Quando me viu atrás da construção, dirigiu-se até mim, com um telefone
na mão.

Não era boa notícia. Eu tive certeza quando ela se aproximou e consegui ver
sua expressão sob a luz de um pequeno poste.

— Madame Nathalie deseja falar com o senhor — ela mencionou.

Coloquei o telefone no ouvido.

— Nathalie?
— Querido, vou pedir para um carro ir buscá-lo — fiquei preocupado.

— O que houve?

— Alguém postou sua localização no Instagram duas horas e meia atrás,


quando você estava na recepção.

Merda! As mulheres fofoqueiras. Mas como Nathalie já tinha conseguido


descobrir a postagem tão rápido?

— Eu pedi a um de meus homens que ficasse de olho na Internet, querido —


ela informou antes que eu perguntasse. — Não posso arriscar que meu guru de
Wall Street sofra qualquer ataque, não é mesmo?

Como sempre prática e eficiente, ela me informou que o mesmo motorista já


tinha deixado Manhattan e viria nos pegar. Nós agora ficaríamos em um hotel
fora do estado, a fim de garantir nossa segurança.

Eu não poderia estar mais agradecido. Entreguei o telefone à funcionária, e


chamei Bob para retornarmos ao chalé. Estávamos no meio do caminho, quando,
de repente, todas as luzes se apagaram.

— Que estranho.... Isso nunca aconteceu antes... — ela comentou.

A informação fez meu sangue gelar.

— Nunca tiveram queda de energia?

— Não assim... Madame Nathalie mandou instalar vários geradores aqui. Se


todas as luzes se apagaram, é porque o sistema inteiro foi desligado.

Robert. Só podia ser ele. Seria muita coincidência o sistema inteiro de um


hotel de luxo ser desligado pela primeira vez logo depois da minha foto ter sido
publicada por socialites com fumaça no lugar de cérebro.

— Chame a polícia! — pedi a ela, lhe dando a guia de Bob, e corri até
Amanda.

***
O chalé estava totalmente escuro; a única fonte de luz vinha das grandes
janelas. Porém, como já era noite e o céu estava nublado, não ajudava muito.

— Mandy? — Chamei-a, mas não escutei nada em resposta.

Com cuidado para não cair e partir o pescoço, subi as escadas. Olhei em
volta, mas não a vi na cama. Havia, no entanto, uma sombra no canto mais
afastado das janelas.

— Mandy? — repeti, mas a resposta dela veio atrás de mim.

— Cuidado, Levi! Ele está aqui!

Robert.

O aviso veio tarde demais. A sombra se mexeu, e um homem alto se


aproximou de mim, com uma arma na mão. Estava escuro demais para enxergar
a marca e modelo do revolver, mas eu apostava a minha vida que era aquele que
havia sido roubado da casa do juiz Flynn na noite em que foi assassinado.

— Olá, servo do demônio — a voz fria disse, e apontou o cano da arma


diretamente contra a minha cabeça.

***
25
Levi

“Fire away, fire away


You shoot me down but I won't fall
I am titanium”

“Atire, atire à vontade


Você atira em mim, mas não vou cair
Eu sou de titânio”

(Titanium, David Guetta)

Havia uma chance de sobreviver, calculei rapidamente: eu precisava distrair


Robert até a polícia chegar. Eu não sabia se os policiais dos Hamptons estariam
preparados para uma situação deste tipo, entretanto, era a única chance que
tínhamos.

— Por que acha que sou o servo do demônio?

— Era uma pergunta estúpida a se fazer a um esquizofrênico no meio de um


surto psicótico, mas se tinha um assunto que poderia distraí-lo, era esse.

— Porque está com ela! — ele apontou para Amanda, que estava sentada e
encolhida na porta do closet. Movimentei-me para ficar na frente dela, para que
ele não pudesse mirar nela. — Ela é o demônio.
— Por que acha isso?

— As vozes! — ele gritou, como se eu fosse um idiota por ainda não ter
compreendido. — As vozes me disseram que ela é o demônio!

Talvez fosse impressão, mas eu podia jurar que vi, pela janela da suíte, duas
formas se movimentando pelo jardim da frente. Na dúvida, não podia deixar
Robert vê-los, senão ele poderia se desesperar e atirar em nós.

— E como sabe que essas vozes não estão tentando te confundir?

— Quê? — a arma abaixou um pouco, me deixando levemente aliviado.

Carly tinha conversado comigo quando descobriu que era Robert quem tinha
me atacado. Ela havia me dado dicas do que eu poderia fazer se cruzasse com ele
de novo. Basicamente, ela havia dito para eu correr dele ou me esconder em
algum lugar.

Segundo ela, eu deveria, ao máximo, evitar fazer o que eu estava fazendo


agora.

Poderia deixá-lo mais agressivo, ela insistiu na ocasião. Bem, não havia
como me trancar no banheiro ou fugir dele enquanto ele estivesse segurando
aquela arma, então...

— Como sabe que as vozes não pertencem aos verdadeiros servos do


demônio?

— É você quem está tentando me confundir! — ele voltou a levantar o


revólver em minha direção.

Eu o havia levado ao limite. Vi isso na expressão de ódio em seu olhar, na


boca contorcida de raiva, no rosto vermelho de nervoso. Olhei de novo pela
janela: não conseguia enxergar quase nada, mas tinha a impressão de que não
havia ninguém lá fora.

Merda!

— Não, Robert. São as vozes — insisti, ficando verdadeiramente


desesperado. — Elas são o verdadeiro problema.
Deveria pedir a Amanda que corresse para o banheiro? Pelo menos um de
nós se salvaria. O problema era que, conhecendo-a como eu já a conhecia, ela se
recusaria a me deixar para trás.

E, para mim, era impossível fugir e não levar algumas balas no processo. Ele
estava a poucos passos de mim.

— Claro que não! — Ele berrou, balançando as mãos para todos os cantos.
Só faltava ele atirar por acidente. — As vozes sempre estiveram comigo!
Sempre acreditaram em mim!

Peraí. Foi dúvida que vi nos olhos dele? Talvez, as loucuras sem sentido que
eu estava dizendo estivessem começando a fazer efeito. Decidi continuar
naquela linha de pensamento.

— As vozes sempre mentiram para você, Robert. Elas te usaram.

— Não! Você é o mentiroso!

Apontou a arma para a minha cabeça, e começou a puxar o gatilho.

***

Eu já esperava morrer. Queria apenas ter conseguido ajudar Amanda.


Coloquei as mãos para trás, e apontei para a direção do banheiro, torcendo para
que ela me compreendesse e se refugiasse lá quando ele atirasse em mim.

De repente, uma sombra surgiu atrás de Robert, e pulou em cima dele ao


mesmo tempo em que puxou o gatilho e atirou.

No susto, caí para trás, e verifiquei se estava sangrando. Não estava. A bala
não havia me atingido. Amanda pulou em cima de mim, e alguém começou a
chutar as minhas pernas. Mas que porra...

— Seu imbecil! — A voz de Carly surgiu acima de mim. Ela continuou me


chutando.

— Ai! — exclamei, mas ela pegou um travesseiro e continuou me batendo


com ele.
— Ai é o caralho! Sabe há quanto tempo estou tentando te localizar? — Ela
parou apenas para se virar para Amanda, que, àquela altura, havia se afastado
novamente, encarando minha irmã com olhos arregalados. — Oi, Mandy!

— O-oi, Carly — ela gaguejou.

— Oi, pessoal — Javier disse com dificuldade. Olhei de soslaio para ele, que
ainda lutava com Robert. Pelo menos, a arma tinha caído da mão de Robert, mas
eu não sabia para onde ela tinha escorregado.

— Eu liguei para todo mundo que a gente conhece! — Carly voltou a me


bater com o travesseiro. — Te odeio!

— A-amor, preciso de ajuda! — Javier avisou.

Ela me dirigiu um olhar irritado e apontou para a briga. Imediatamente,


levantei-me e fui até eles.

— Não ouse ferir meu namorado, Robert! — Claro que ela não pediu que
seu paciente não me ferisse também.

— Namorado? — Questionei ironicamente.

Na última vez que eu perguntei o que estava rolando entre eles, ela tinha
praticamente cuspido na minha cara e me dito que não era nada sério.

— Achei que ainda não tivesse certeza... — Javier comentou, parecendo


esperançoso.

— Parabéns, Carly! — Amanda disse, levantando-se para lhe dar um abraço.

Robert nos olhava como se fôssemos nós que estivéssemos ouvindo vozes.

De repente, Carly agachou-se e começou a procurar por algo debaixo da


cama.

— Peguei a arma dele! — Carly avisou. — Robert, Javi não quer machucá-
lo, mas você precisa parar de se debater.

— Não! As vozes me mandaram matar o demônio!


— Robert, eu vou te ajudar, juro — o tom da minha irmã ficou mais calmo,
quase gentil. — Você não vai mais ouvir essas vozes.

De repente, percebi uma coisa: aquele cara à minha frente não era um
monstro. Ele tinha uma doença, que tomava conta de sua mente, enuviava sua
razão e seus sentidos. Porém, enquanto a doença de Amanda a fazia ter medo, a
dele o deixava agressivo.

Agora eu entendia a raiva que Carly nutria pelo pai de Robert: se ele tivesse
recebido o tratamento adequado desde o início, talvez a doença não tivesse se
tornado tão preponderante, talvez nada disso tivesse acontecido.

Finalmente, Robert parou de se debater, provavelmente por cansaço, e Javier


conseguiu imobilizá-lo, sem machucá-lo.

— Então, estamos namorando? — ele repetiu a pergunta, e senti uma


vontade inexplicável de rir com a expressão de Carly.

— Javi, podemos conversar melhor depois sobre o status do nosso


relacionamento? — depois, os olhos azuis voltaram-se para mim. — E Levi,
você entrou na minha lista de odiados! Vai ter que se redimir!

— Desculpa, Carly — Amanda pediu, cabisbaixa.

— Eu sei que a culpa foi dele, Mandy.

— Como sabe?

— Por que você é o imbecil, não ela — ela replicou, as mãos na cintura,
como fazia desde que tinha cinco anos de idade.

Felizmente, a conversa foi interrompida pela chegada dos policiais.

— Como sempre, vocês chegam depois que eu já resolvi tudo — minha


irmã, como sempre, parecia querer ser presa.

— Carly....

— É verdade! — Ela cruzou os braços. — Onde está o inútil do Detetive


Walker quando precisamos dele?
— Bem aqui — ele anunciou, chegando ao segundo andar, pálido e
descabelado.

— Eu te liguei assim que vi a postagem do Levi, mais de duas horas atrás!


Pode me explicar por que eu cheguei ao hotel antes de você? — Carly
questionou em tom acusatório.

— Então... — O detetive tentou explicar, mas foi interrompido.

— Vocês não têm aquelas merdas daquelas luzinhas exatamente para


poderem cortar o trânsito?

Puta que o pariu, ela não sabia parar?

— Bem...

— E você não estava ainda mais perto que eu dos Hamptons quando avisei
que tinha descoberto o paradeiro do meu irmão? — Ela o interrompeu uma
segunda vez.

O Detetive Walker ia para o céu. Se eu estivesse no lugar dele, Carly já


estaria amordaçada.

— Veja...

— Vejo, sim! Que nossos impostos estão indo para o ralo!

Naquele instante, as luzes retornaram. Os policiais já haviam algemado


Robert e o escoltavam para fora do chalé.

— Eu estava cuidando disso, Dra. Rider — o detetive apontou para as luzes


do cômodo.

— Da luz? De que merda a luz adiantaria já que meu irmão estaria morto a
essa altura?

— Se eu calá-la, você não a prende por desacato? — perguntei ao Detetive


Walker.

— Feito — ele replicou irritado, e saiu.


— Desacato é um crime ridículo! — ela gritou atrás dele. — Praticamente
ditatorial!

— Ainda assim, é crime passível de prisão, Carly — Javier a recordou.

Notei que Amanda voltou a ficar encolhida em um canto quando os policiais


chegaram, e fui abraçá-la. Sussurrei em seu ouvido:

— Você está segura, Mandy.

— Humph — Carly reclamou. — Graças a mim e ao meu namorado.

— Sr. Rider, queria avisar que o prédio já foi liberado — O Detetive Walker
avisou do andar de baixo. Nem ferrando ele voltaria aqui para cima, a fim de
evitar outro sermão do Furacão Carly. — O fogo não causou danos estruturais,
mas o prejuízo foi grande.

— Obrigado.

— Belo quarto este, não? — Javier olhou em volta, passando a mão pela
cintura de Carly, cuja expressão imediatamente suavizou.

— Podem ficar com ele.

— Obrigada — ela disse, meio a contragosto.

— Saí da sua lista de odiados?

— Ainda não, Levi — um sorriso mínimo surgiu em seus lábios. — Mas é


um bom começo...

***
Epílogo
6 meses depois…

“I know your heart is heavy from those nights


But just remember that you are a fighter
You never know just what tomorrow holds
And you’re stronger than you know”

“Sei que seu coração está pesado daquelas noites


Mas apenas lembre-se que você é um lutador
Você nunca sabe o que o amanhã guarda
E você é mais forte do que sabe”

(You’re Gonna Be Ok, Brian & Jenn Johnson)

CARLY

Os meus últimos seis meses foram mais agitados que os meus últimos seis
anos.

Robert acabou sendo internado em um presídio psiquiátrico pela morte do


pai e de Joe e os outros crimes que cometeu durante sua fuga. Isso não foi uma
grande surpresa. Porém, o testamento do juiz Flynn foi.

Nele, o juiz deixou uma quantia considerável para mim, a ser paga
mensalmente ao longo dos próximos dez anos. Ele desejava garantir que, no caso
de sua morte, eu cuidaria de seu filho, e os valores deveriam pagar minhas horas
de consulta. Deixe-me dizer: eram muitas, mas muitas horas mesmo.

Ou seja: continuei tratando Robert.

Ah, naquele período, Levi e Amanda tinham ficado noivos! E, daquela vez,
não houve quaisquer surpresas durante o pedido de casamento.

E o mais surpreendente: eu estava grávida! Sim, minhas posições em kama


sutra sem proteção com Javi tiveram sua consequência. Assim que descobriu,
ele trouxe suas malas para a minha casa e mudou-se sem considerar a minha
opinião primeiro.

Eu até queria reclamar e fazer um doce, mas a gravidez tinha me deixado


com um desejo que definitivamente não era de comida. Por exemplo, tínhamos
acabado de fazer amor duas vezes e eu já estava pronta – e sedenta – para outra.

Fui até o banheiro, onde ele estava e, silenciosamente, entrei no chuveiro.


Ele estava de frente para mim, a cabeça virada para trás e os olhos fechados,
enquanto ele lavava o shampoo.

Sem pensar duas vezes, ajoelhei-me e abocanhei o pau no qual eu estava


viciada.

— Ah! — ele arfou, agarrando meus cabelos. — Carlita, de novo?

Afastei-me um pouco dele e inclinei a cabeça para encará-lo. Apesar da


preocupação em sua voz, seus olhos brilhavam de desejo, e ele estava ficando
duro na minha mão.

— Sim, meu amor.

— Quer me matar?

— Quer que nosso filho nasça com a cara do seu pau, Javi?

Ele gargalhou sonoramente com aquilo. Voltei minha atenção para a ereção
latente.
— Carly, preciso ir para o trabalho.

— Em vinte minutos. Podemos fazer muito nesse tempo. — Uma


sobrancelha negra arqueou-se em descrença. Estávamos transando havia uma
hora. — Se brincarmos de novo, aceito colocar o nome do nosso filho de Juan.

— E Levi?

Tinha comentado com o meu irmão que talvez nosso filho teria o nome dele.
Frisa-se o “talvez”.

— Ele já vai ser padrinho! Eu tenho questões mais urgentes neste momento...

Voltei a chupá-lo, e quase gozei quando ouvi seu gemido alto.

— Ele... — Javi estava com dificuldade de falar, o que era ótimo. Menos
palavras, mais ação. — Vai ficar chateado, Carly...

— Aí a gente faz mais um bebê para chamá-lo de Levi.

— Gostei da sua ideia, meu amor.

Ele me puxou para cima, colou meu fronte colado ao vidro, com cuidado
para não machucar a barriga, e enterrou sua ereção dentro de mim.

Foram vinte minutos muito proveitosos...

***

LEVI

— Como assim, o nome dele não será mais Levi?

Eu tinha pressentido que Carly não tinha me ligado por um bom motivo.
Todavia, em nenhum momento, nem em meu pior pesadelo, eu teria imaginado
que ela havia mudado de ideia a respeito do nome do filho.

O pior era que eu tinha certeza de que a ideia não fora de Javier. Ah, não.
Todos sabiam que, em termos de nome, era ela quem dava as cartas.
— Ainda estou chateada por você ter sumido depois do incêndio sem dar
notícia!

— Mas já faz seis meses!

Não acreditava que ela ainda estava chateada comigo. No período desde o
incidente no hotel, eu havia me comportado como o irmão perfeito.

Tinha ajudado Javier na mudança para o apartamento de Carly (apenas


depois eu descobri que não havia sido combinado com ela), ajudei os dois a
encontrarem um imóvel maior para poderem se mudar quando o bebê chegasse,
e tinha dado vários presentes para o meu sobrinho.

Que deveria se chamar Levi.

— E você acha 6 meses muito? Eu quase morri de susto!

— Mas...

— Se reclamar mais, o primo de Javi será o padrinho!

— Só por cima do meu cadáver!

Desliguei, e dois pares de olhos me encaravam como se estivessem tentando


segurar a gargalhada.

— Agora que você terminou sua discussão muito urgente, podemos


continuar? — Jack questionou ironicamente.

A minha bela noiva, sabiamente, ficou calada.

Estávamos discutindo havia duas horas a respeito da nossa nova sócia:


Amanda. Queríamos que ela entrasse na firma: afinal de contas, ela era a
Princesa de Wall Street. Sim, eu finalmente admitia que ela era ainda melhor do
que eu.

Eu estava muito orgulhoso dos progressos dela nos últimos seis meses. Aos
poucos, ela começou a sair de casa.

Primeiro para passear dia ou outro com o Bob no Central Park. Depois,
começou a jantar comigo em seu restaurante italiano favorito uma vez por
semana. Por fim, nos últimos meses, estava vindo para reuniões quinzenais no
nosso escritório. Escritório que seria dela também.

Isto é, se chegássemos a um consenso sobre a porcentagem que ela teria na


sociedade.

— Onde estávamos? — questionei, ainda abalado pela notícia do nome do


meu sobrinho.

— Em vinte por cento — Jack replicou.

— Não — Amanda disse, e caminhou em minha direção, parando bem ao


meu lado, dirigindo-me um de seus olhares safados, que sempre me distraía. —
Eu quero um terço.

Caralho, se ela continuasse me olhando assim, eu daria a ela a minha parte da


sociedade, expulsaria Jack da sala de reunião e a comeria em cima da mesa de
quatro.

Não, meu desejo por ela não diminuiu nem um pouco desde que transamos
pela primeira vez. Muito pelo contrário. E, depois que ela passou a usar o anel de
noivado, sei lá, eu sentia uma necessidade inquietante de sempre deixá-la sem
absolutamente nada a não ser por ele.

Merda, fiquei duro. Sentei-me à mesa para esconder a situação. A conversa


estava meio tensa, então todos nós tínhamos ficado de pé mesmo.

— Vinte e cinco por cento — Jack tentou de novo, começando a ficar


preocupado, dando-se conta de que ele havia me perdido.

Foi mal, parceiro, mas não tinha como negociar com a ereção latente que eu
estava.

— Um terço — ela praticamente ronronou, usando a voz que ela fazia


quando eu estava enterrado nela.

Ah, mulher diabólica. Mal podia esperar para me casar com ela.

— Você só conhece essas duas palavras? — Questionei, a voz embargada de


desejo.

Ela aproximou os lábios do meu ouvido e sussurrou:

— Conheço outras duas. Sexo anal.

Merda, caralho, puta que o pariu.

A gente vinha conversando sobre aquilo havia meses, mas ainda não tinha
rolado. E só de pensar no cuzinho virgem dela... Ah, merda, meu pau estava
quase estourando a porra do zíper.

— Um terço! Fechado.

Levantei-me e fechei o paletó, esperando que ele disfarçasse toda a


movimentação na minha virilha. Peguei-a pela mão, ignorando a risada vindo de
Jack, e me dirigi à saída.

Eu e meu melhor amigo já tínhamos estipulado que daríamos um máximo de


trinta por cento para ela: apenas queríamos fazer jogo duro. No meu caso, foi
literal.

— Não íamos comemorar? — ele perguntou.

— Nós vamos — repliquei. — Sozinhos.

***

Três comemorações mais tarde....

A cada dia, eu tinha certeza de que não poderia desejar Amanda mais. No
entanto, ela sempre arranjava um jeito de me provar o contrário. Como naquela
manhã.

Foda perfeita. Quero dizer, fodas perfeitas.

Estávamos pelados e suados na cama, Bob reclamando do outro lado da


porta de nossa suíte, pedindo para entrar. Não se dependesse de mim. Ainda
havia algumas posições que eu queria testar com Amanda.
— Como conseguiu o contato de Dan Elliot? — ela questionou, analisando o
portfólio dele no meu laptop, sentada no colchão.

Isso era outra coisa que eu amava nela: ela era tão apaixonada por números e
investimentos quanto eu. O que significava que, entre transas maravilhosas,
conversávamos sobre trabalho com a maior naturalidade.

— Tenho meus segredos, Mandy.... — comentei, sem conseguir tirar os olhos


dos seios dela.

— Não vamos ser sócios? — Ela cruzou os braços sob os seios, empinando-
os mais. Nossa, que vontade de chupá-los...

Do que estávamos falando mesmo? Ela fazia esse tipo de coisa para me
distrair de propósito?

— Claro. Mas sócios têm seus segredinhos... — comentei em resposta,


puxando um mamilo rosado entre os dedos. Ela soltou um gemidinho muito
sensual, colocando o laptop em cima do criado mudo. — Por sinal, ouvi você
falando com a Carly sobre uma cliente famosa.

— Nossa, você está muito fofoqueiro mesmo...

— De qualquer forma — insisti, ignorando a provocação dela —, quem é


essa cliente famosa?

— Ela não é famosa. A filha que é.

Ela ia me fazer lutar para descobrir o nome, não era?

— E quem é essa filha?

— Jura que não vai mencionar nada para ninguém?

— Juro.

— E que não vai querer que ela se torne nossa cliente?

— Depende — por que ela achava que eu estava interessado?

Ela deitou-se, virou-se de costas para mim, e apontou para a bundinha


gostosa que eu acabara de experimentar. Porra, fiquei duro de novo.

— Você nunca mais vai ter isso aqui na sua vida — ela disse, olhando para
mim por cima do ombro.

— Juro pela vida do Bob que sua amiga famosa nunca se tornará nossa
cliente.

— Ei!

— Okay. Juro por tudo que é mais sagrado.

— É Isabelle Harper.

Não. Não era possível. Merda! Por que eu tinha jurado tão rápido? Olhei
para a bunda dela e me lembrei do motivo.

— Como é que é? Está falando da Belle Harper, a princesinha da América?

— Isso mesmo.

— Como a conhece?

Ela me dirigiu um sorriso malicioso.

— Tenho meus segredinhos também, Levi...

***

Fim
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LÁGRIMAS DE SANGUE
ANIMAIS NOTURNOS

LIVRO 1

Benjamin Black, um implacável promotor de Vermont, mal acredita quando um


crime terrível envolvendo um dos maiores assassinos em série dos Estados
Unidos ocorre na pacata cidade de Burlington. Para piorar, o principal suspeito
contrata como advogada Madison Price, a única pessoa que já conseguiu vencê-
lo nos tribunais, e a única mulher que ele já amou.

Os sentimentos reprimidos entre Ben e Maddy renascem à medida que


trabalham juntos no novo caso, e nenhum deles sabe se conseguirá resistir àquela
atração avassaladora, que pode se tornar fatal.
DISPONÍVEL NA AMAZON:

LÁGRIMAS DE DIAMANTE
Spin-off de Lágrimas de Sangue

As aparências enganam.
Quem não conhece Rebecca Mackenzie, acha que sua vida é perfeita. No
entanto, poucos sabem que seus privilégios vieram com sofrimentos e perdas
irreparáveis.
Agora, ela precisará ajudar uma das pessoas que mais ama no mundo, e contará
com a ajuda de um homem misterioso, o enigmático Charlie, que guarda
segredos do passado dos Mackenzie.

Enquanto Rebecca tenta descobrir quem é o homem por quem está se


apaixonando, Charlie luta com sentimentos contraditórios. Ela precisará decidir
se pode confiar nele; ele precisará escolher entre a vingança e o amor.
DISPONÍVEL NA AMAZON:

OS DIÁRIOS DE LADY CHARLOTTE


OS MISTÉRIOS DAS IRMÃS MORGAN

LIVRO 1

As histórias de Lady Charlotte Morgan eram lidas pelas damas da Europa e das
Américas, mas ninguém sabia quem era a famosa autora que se identificava
apenas como Lady M. Ela consegue manter-se anônima por muitos anos, até que
seu editor exige que ela se revele ao visitá-lo em sua propriedade na Escócia.
Naquele ambiente frio e longínquo, ela descobrirá um dom que desconhecia, e
segredos que podem ser fatais.

Deverá ela confiar em seus instintos ou no enigmático Lorde Devon?


TRECHO DE

LÁGRIMAS DE DIAMANTE

Prólogo

Dezenove anos antes...

Ela não sabia o que a havia acordado.


Era o meio da noite, Becky notou ao observar a janela do quarto. Estava
escuro lá fora, e os flocos de neve começavam a cair. Ainda era novembro e já
estava nevando? Fascinada que era pela neve, ela não resistiu; vestiu seu casaco
mais quente, colocou as botas e saiu pelo quintal da casa, cuja superfície já
estava branca.

Os pequenos flocos brilhavam enquanto faziam seu lento trajeto até o chão.
Era como se o céu estivesse chorando lágrimas de diamante, Becky pensou,
rindo. Sua mãe amava diamantes, mas ela preferia o brilho incolor da neve.

Não estava ventando, então a temperatura, apesar de fria, não estava


insuportável. Ainda não havia neve suficiente para fazer um boneco de neve,
mas conseguiu, mesmo assim, divertir-se com o oceano branco que se formara
em seu jardim. Correu por ele, afundando o pé no gelo, que mais parecia uma
grande nuvem macia. Deitou-se sobre a neve, fazendo a impressão de um anjo
sobre o solo.

Quando aproximou-se, aos tropeços, da casa da piscina, ela os ouviu. Os


sussurros, os gemidos, os gritos abafados. Imaginou se alguém teria se
machucado, ou se seus pais haviam recebido visitas sem avisá-la. Lentamente,
foi até a janela do único cômodo que parecia ter luz.
Pela primeira vez, viu seu pai sem roupas. Ele estava sobre uma mulher de
cabelos escuros, que também estava nua. Não podia ser sua mamãe, pois os
cabelos dela tinham o mesmo tom de ruivo que os seus. A mulher virou o rosto
em direção à janela, e ela a reconheceu; era a Sra. Hardy, que trabalhava no
escritório de seu pai.

Ela e seu marido, o Sr. Hardy, um dos principais diretores de seu pai, sempre
vinham para a sua casa. Eles tinham um filho, e Becky era deslumbrada por ele;
sempre que ele vinha, ela o admirava de longe, seu sorriso, seus olhos intensos, a
forma como falava com as meninas de sua idade. Ela o colocara no pedestal,
alguém que jamais estaria a seu alcance.

O casal na casa da piscina começou a rir, e ela tornou a observá-los. Becky


não sabia exatamente o que estavam fazendo, mas havia um sentimento
incômodo, de que, o que quer que fosse aquilo, era errado.

Ela correu para dentro de sua casa e acordou sua mamãe, aos prantos,
contando em detalhes tudo o que testemunhara.

***

Nove anos antes...

Ele tinha acabado de retornar de uma missão sangrenta, a qual fora, para dois
dos membros de seu time, fatal. O seu ombro, do qual os cirurgiões haviam
tirado pedaços de metal, estava latejando de dor, mas não aumentaria a dose
diária de seus remédios. Analgésicos em excesso deixavam sua mente nebulosa,
e detestava não estar completamente atento ao que acontecia à sua volta.

Há muitos anos não considerava uma cidade seu lar, mas Burlington, onde
ele nascera e crescera, o atraía cada vez mais. Jamais imaginara que gostaria de
novo do lugar, depois de tudo o que sua família havia passado ali, mas a verdade
era que, sempre que visitava o pai, sentia-se mais à vontade, tinha uma sensação
inexplicável de pertencimento. Talvez, em alguns anos, quando deixasse o
exército, aquela poderia se tornar sua casa de novo.

O pai teria uma surpresa quando o visse: ele não esperava Charlie, em
Vermont, antes do Dia de Ação de Graças, que seria apenas em alguns meses.
Charlie sorriu ao imaginar a animação do seu velho, que adorava sua companhia,
especialmente depois que se tornara viúvo. Era engraçado como as mesmas
coisas que destruíam uma família eram capazes de uni-la. Ele e seu pai haviam
se tornado melhores amigos pela perda, e haviam fortalecido seus laços por
conta do luto.

Ao passar por sua pizzaria favorita, Charlie estacionou o carro na primeira


vaga que encontrou, decidindo garantir logo o almoço. Enquanto caminhava até
o restaurante, um ponto vermelho do outro lado da rua chamou sua atenção.

Uma moça, que devia ter no máximo dezoito anos e parecia ligeiramente
familiar, dirigia um olhar assassino a um casal que caminhava à sua frente.
Charlie soube o que ia acontecer antes mesmo da moça começar a correr; a raiva
dela estava estampada em suas feições, no movimento de seu corpo, no azul dos
seus olhos.

Enquanto ela corria até o casal, seus cabelos vermelhos balançavam. Charlie
ficou surpreso com a agilidade da moça, já que usava saltos altos. A ruiva pulou
nas costas do rapaz, que deu um grito estridente de susto, e começou a golpeá-lo
com sua bolsa, a qual, para registro, era bem grande.

— Seu desgraçado! — ela gritou, enquanto alguns à sua volta observavam,


outros registravam o momento com seus celulares, e a moça com quem ele
estava discretamente se afastava da cena.

— Eu posso explicar, Becky! — disse o rapaz.

Charlie estava se divertindo ao assistir a ruiva, Becky, acabar com a raça do


homem, provavelmente um idiota que cometeu o terrível erro de trair a mulher
errada.

Geralmente, ele assistiria ao show e seguiria seu caminho, mas alguma força
inexorável o levou a atravessar a rua e puxar Becky para longe daquele que,
certamente, agora seria seu ex-namorado.

Mal sentindo o peso da moça, Charlie a carregou de volta para o outro lado
da rua segurando-a sobre um ombro, enquanto ela, ignorando-o por completo,
continuava a discutir com o rapaz:

— Vou acabar com sua raça, Rule!


O tal do Rule deveria ser muito burro mesmo, Charlie pensou, pois, além de
trair uma belezinha raivosa daquelas, ainda teve a audácia de questioná-la sobre
o desconhecido que a carregava; no caso, ele próprio:

— Quem é esse cara, Becky?

— Que cara? — Ela finalmente pareceu perceber que alguém a carregava.


Charlie imaginou que ela fosse chutá-lo, focar a raiva dela nele. Ao invés disso,
ela estreitou as costas um pouco mais no ombro de Charlie e gritou para Rule: —
Esse aqui é meu segurança, seu imbecil! Você acha, por acaso, que eu vou
quebrar minhas unhas para te esfolar vivo?

— S-segurança? — Rule parecia nervoso, e começou a se afastar. — Nós nos


falamos depois, Becky.

— Você não vai conseguir falar porcaria nenhuma quando eu enfiar meu
salto na sua garganta, seu filho da p...

— Agora já chega — Charlie finalmente interveio, colocando Becky no


chão. — O rapaz é um idiota, concordo com a senhorita, mas não há qualquer
razão para ofender a mãe dele. Afinal de contas, ela tem que aguentá-lo, e não
pode terminar com ele como a senhorita acabou de fazer.

Aquele comportamento fora bizarro; Charlie não se metia nos problemas dos
outros, e era ainda mais raro ele dizer mais que uma sentença de uma vez. No
entanto, algo naquela moça de cabelos de fogo o atraiu até ela, o fez interceder.

Porém, agora que a encarava de perto, com aqueles olhos que pareciam uma
tempestade se formando, notava que não havia sido uma boa ideia. Ele a
desejava, sim, aquele impulso quase magnético que o puxara até ela fora atração.
Ao mesmo tempo, algo alertava para o perigo que ela representava, algo familiar
e maligno, que fazia seu estômago embrulhar.

Nicholas Mackenzie, uma voz sussurrou em sua mente.

Sim, aquela era Rebecca Mackenzie, filha do maior desgraçado que jamais
pusera o pé na Terra. Por um momento, a atração que sentiu pela moça misturou-
se à sede de vingança. Seria uma doce forma de retaliar o miserável por tudo que
ele fizera.
Entretanto, ela era tão jovem e inocente, outra voz incomodou seus planos.
Ela não era culpada do que ocorrera. Bem, tampouco era Charlie, mas ele havia
pago, e caro, pelo erro dos outros. Talvez essa garota não fosse culpada, mas ela
era uma Mackenzie, no final das contas, e qualquer um sabia que gente daquela
família não prestava. Eles eram egocêntricos, frios e narcisistas.

Charlie continuou encarando-a, ainda indeciso sobre o que deveria fazer,


como deveria se comportar.

Mesmo com saltos, o topo da cabeça dela batia no ombro dele. A altura e o
porte dele, no entanto, não a afligiram. Ela colocou as mãos sobre a cintura, e
respondeu, no mesmo tom desaforado que usara com o ex-namorado:

— Olha aqui, Rambo, eu já tenho pai, não preciso que um troglodita me diga
o que fazer!

— Eu acabei de salvar suas unhas, Becky — ele respondeu sarcasticamente,


aproximando o rosto do dela. — Se não fosse por mim, elas já estariam
quebradas, enterradas na cara daquele seu namoradinho.

— Ele não é meu namorado! — Ela deu um pisão no pé dele, virou-se, e saiu
caminhando pela rua como se tivesse acabado de vencer o concurso de Miss
Universo.

Charlie a observou por um tempo, até que ela desse a volta no quarteirão e
ele a perdesse de vista. Graças aos céus, ela havia se afastado antes que ele
fizesse algo de que pudesse se arrepender. Já havia arrependimento demais
dentro dele, mágoa, ressentimento. Ele comprou a pizza e, ao retornar ao carro,
irritou-se ao notar que ainda sorria.

Becky daria muito trabalho a algum pobre coitado, um dia.

Mal sabia Charlie que o pobre coitado seria ele.

***

Capítulo 1
Becky
Apertei várias vezes o botão, como se o gesto fosse acelerar o elevador. Se eu
demorasse muito mais para deixar Burlington, teria que dirigir mais rápido do
que gostaria e, com a neve na estrada, aquilo seria um perigo para mim, para as
pessoas, para os animais e seres vivos que estivessem próximos ao meu carro.

Nunca fui acostumada a dirigir. Quando era mais nova, papai tinha um
motorista, e ele me levava para todo lugar. Em South Royalton, onde morei para
cursar Direito pela Universidade de Vermont, tampouco usei carro, pois vivia no
campus, e ia às aulas a pé. E, se precisava passar um final de semana em
Burlington com meus pais, sempre havia alguém para dar carona.

Ao me mudar para Nova Iorque, recusei-me a ter um carro. Primeiramente


porque enfrentar aquele trânsito insuportável todos os dias teria me levado à
depressão. Ademais, se havia algo que não faltava em Nova Iorque eram meios
de transporte, tanto públicos quanto privados. Uma vez, um cliente me deu uma
carona de helicóptero até meu escritório.

Por conta dessa minha falta de histórico na direção, quando retornei a


Burlington, um ano e meio antes, eu havia feito a autoescola de novo, mas aquilo
não tinha ajudado muito. No dia a dia, eu caminhava do meu apartamento até o
trabalho, pegava táxi para ir a bares e festas de amigos, evitava dirigir a todo
custo.

Hoje, no entanto, eu não poderia fugir do volante. Nada me faria perder a


festa de noivado de Maddy, uma amiga e colega advogada por quem eu tinha a
maior consideração. Quando comecei a faculdade, ela e Sam, seu sócio no
escritório de Direito Criminal que tinham em Burlington, estavam terminando.

O meu primeiro emprego foi como estagiária no escritório deles, onde fiquei
mais de um ano. Entretanto, eu não gostava muito daquela especialidade, então
eles me indicaram para uma firma muito badalada de Nova Iorque, que cuidava
de divórcios dos ricos e famosos. E, quando tive que retornar a Vermont, eles
tinham me apoiado na abertura do meu próprio escritório de advocacia na
cidade.

Enfim, depois do que pareceram horas, as portas do elevador finalmente se


abriram. Parecendo que havia adivinhado que eu estava prestes a sair, meu
celular tocou. Era a minha mãe. Entrei na cabine e apertei automaticamente o
botão da garagem, sem olhar de verdade para o painel, enquanto atendia à
chamada, torcendo que a ligação caísse; pressentia que viria bomba.

***

— Vai ter vários homens interessantes lá, com certeza! Você se arrumou
bem?

Sem um “bom dia”, um “olá”, ou mesmo um “você está viva”? Essa era
Victoria Mackenzie, senhoras e senhores, a minha querida mãe casamenteira.

Ela conhecera meu pai no primeiro ano de faculdade, foi amor à primeira
vista, e eles se casaram antes mesmo de terminarem a graduação. Papai cometera
vários erros com ela, um dos quais eu mesma havia testemunhado quando
criança, mas ela sempre o perdoava.

Se, por um lado, eu não conseguira perdoar meu namorado como ela fizera;
por outro, eu a compreendia; papai a olhava com tamanha admiração e amor que
era fácil, por vezes, esquecer que ele cometia erros. Ao todo, eles ficaram juntos
por trinta e quatro anos.

Meus pais haviam estabelecido um parâmetro impossível de ser alcançado,


tendo em vista que, aos vinte e sete anos, sem namorado ou vontade de encontrar
um, eu já era praticamente uma encalhada sem futuro aos olhos de Victoria
Mackenzie.

— Sim, mãe. Estou usando o vestido que você escolheu.

Ela tinha feito questão de comprar um vestido novo para eu usar em cada
evento até o casamento de Maddy. Para hoje, ela havia selecionado um vestido
vinho justo de mangas longas, que batia no meio das minhas coxas.

De nada adiantou eu dizer que estaria frio; ela alegou que a festa seria do
lado de dentro e, portanto, eu poderia expor minhas pernas.

— E veja se não dá uma de espertinha, viu? — Ela me lembrou. — Nenhum


homem quer saber que você o acha idiota.

— Se um homem não quiser que eu o ache um idiota, então ele não deveria
agir como tal — rebati, esquecendo como ela ficava quando eu dizia aquelas
coisas.
— Ai, meu pai eterno, juro que vou morrer sem netos! — ela esbravejou do
outro lado da linha. — Você, pelo menos, se deu ao trabalho de se depilar,
Rebecca Mackenzie?

O uso de nome e sobrenome não era bom sinal. Por sorte, não precisaria
mentir; já imaginando que ela faria aquela pergunta, eu tinha passado no salão de
beleza no dia anterior.

Jamais acreditei em sexo casual. Tampouco mamãe. Mas ela acreditava,


acima de tudo, em amor à primeira vista. E, a cada ano que eu passava sem
encontrar o homem da minha vida, ela acreditava mais que, quando eu o fizesse,
o processo deveria ser rápido.

Atualmente, ela defendia que, assim que eu o visse o homem certo (ela
alegava que eu teria certeza quando pusesse os olhos nele), eu deveria levá-lo
logo para a cama, ir até Vegas, casar-me com o cara e viver feliz para sempre
com ele. Tudo em menos de uma semana. Ah, e ela esperava a notícia de um
neto um mês depois, claro.

— Sim, mãe, eu me depilei. — Nossa, que conversa mais bizarra para uma
filha ter com a mãe em uma tarde fria de sábado.

Se bem que aquela conversa seria absurda independentemente do dia ou


horário em que ocorresse.

— Depilou a virilha também?

— Pelo amor, mãe! Se eu conhecer um cara hoje, vai querer que eu conte
para você também o tamanho do p...

— Você me respeite, Rebecca! — ela me interrompeu.

— Você que me respeite, Victoria Mackenzie!

Ela ia me fazer pagar por aquela discussão, eu tinha certeza, mas não
conseguia parar, minha mãe simplesmente me tirava do sério!

— Qual foi a depilação que você fez? — Ela retornou ao assunto


inconveniente.
A porcaria da ligação não ia cair justo daquela vez?

— Como assim, qual foi a depilação que eu fiz?

Foi quando eu ouvi um risinho abafado. Havia alguém comigo no elevador,


alguém que eu não tinha notado, porque entrei olhando para o celular, que nem
uma tonta.

Olhei para trás, e o vi; um cara alto e forte, com a maior cara de mal-
encarado, uma barba espessa e escura que escondia parte de seu rosto, cabelos
mantidos bem curtos, quase o deixando careca, e olhos verdes.

Não entendia essa moda dos homens de deixarem as barbas enormes,


praticamente tampando a cara inteira. Mas eu sabia que aquele cara não
mantinha a sua por causa da moda. Ah, não; ele realmente combinava com
aquele visual de vou-descer-o-cacete-em-todo-mundo.

E ele estava sorrindo. Um sorriso maroto, que não combinava em nada com
o visual de Duro de Matar dele.

— Boa tarde. — A voz do cara era rouca e profunda, como se ele não fosse
habituado a falar, o que contribuía com a impressão que tive dele.

— Ai, ai, Rebecca! Você me mata com essas perguntas! — minha mãe
continuou gritando no meu ouvido, enquanto o meu rosto pegava fogo. — Eu
quero saber se fez depilação francesa, triângulo das bermudas, brasileira... Ou
deixou lisinha mesmo?

Oh, céus! Ela tinha dito mesmo aquilo? E, pela cara do marmanjo à minha
frente, ele tinha ouvido cada palavra da minha mãe, que geralmente falava
berrando ao telefone.

— Preciso desligar, tem uma pessoa no elevador.

— Que pessoa? — minha mãe insistiu.

Foi o sorriso dele se alargando que acabou com o meu controle. Em um


momento, eu sentia as bochechas queimarem de vergonha; no segundo seguinte,
elas ardiam de raiva. Quem diabos ele achava que era para rir assim da minha
cara?
— É um idiota que jamais saberá como ficou a minha depilação — eu disse e
desliguei o celular.

As portas do elevador se abriram naquele exato segundo, e eu saí sem olhar


para trás. Ouvi o som da gargalhada do marmanjo babaca ecoando pela garagem
enquanto caminhava até o meu carro.

***

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