Você está na página 1de 317

Copyright © novembro de 2022| 1° edição.

Título — O CASAMENTO DO CANALHA — Romance Adulto

Não é autorizada a cópia, distribuição comercial, republicações,


total ou parcial em qualquer meio sem autorização explicita da
autora.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS, RESPEITE!

A Violação dos direitos autorais é crime estabelecida na lei n°.


9610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal.
Edição digital | criado no Brasil

Quer conversar diretamente comigo? Será um imenso prazer!

REDES SOCIAIS
Mayaracarvalhoautora@gmail.com
https://www.instagram.com/mayaracarvalhoescritora/

NÃO ESQUEÇAM DE AVALIAR, É IMPORTANTE!


SINOPSE
Antônio González é um solteirão estreitamente contra a casamentos e
relacionamentos sérios. Um empresário de renome no ramo de shoppings
centers, acostumado a frequentar clubes de sexo e aos trinta e sete anos,
vive o seu melhor momento.
Só não contava que aquelas férias no caribe há cinco anos geraria
consequências: Ele era pai, de uma garotinha, sua cópia fiel, que sequer
sabia que existia e junto com a surpresa, teria o ultimato em ter que casar
com a mãe dela, Vanessa Versailles, — uma empresária em ascensão e
herdeira de um fazendeiro bruto à moda antiga — por livre e espontânea
pressão. Embora seja quinze anos mais nova, é obstinada o suficiente para
ir até o fim em qualquer situação para mostrar que é dona de si e para
proteger sua filha.
Ele prometeu a si mesmo a fazer tudo o que estivesse ao seu alcance
para não consumar o casamento e odiar a mulher que roubou sua liberdade
enquanto não consegue o divórcio, mas não esperava ser traído pelo desejo
visceral que sua oponente desbocada de cabelos cacheados despertaria e
nem o furacão que as duas novas hóspedes em seu apartamento, de um
homem tipicamente solteiro trariam para sua vida!
Eles prometeram que jamais consumariam o casamento forçado,
mas aguentarão a tensão sexual gritante enquanto dividem a mesma
cama?
Atenção! Esse livro pode conter gatilhos sobre gravidez precoce,
negligência familiar e eu não compactuo com nenhuma possível
problemática apresentada ao decorrer nem romantizo.
Olá!
O livro do nosso Tony estar uma montanha russa de emoções, se
preparem para gargalhar e ficar com coração quentinho em várias versões
dele, mas tome cuidado, ele é expert em te envolver e seduzir ao ponto de te
levar para cama e te prender madrugada a fio sem que nem perceba,
tamanha endorfina que ele te proporciona. Não é à toa que é conhecido
como um grande canalha e ele afirma com orgulho! hahahah
Espero que deguste sem moderação, use e abuse do canalhão gostoso
favorito, e é extremamente recomendável separar os paninhos para vários
locais! (Depois não diga que não avisei!) hahaha
Preparada para ser uma das meninas e ser consumida por ele? E o
melhor de tudo, ver o belo cretino de pneus arriados?
Se a resposta for sim, se joga agora!

Boa leitura, um beijo!


Mayara Carvalho
Eu acho que sim
Você diz que não
Resolve esse impasse
E assuma pra gente, essa louca paixão
Me abraça e me beija
Que eu tomo conta de você
IMPASSE | MARÍLIA MENDONÇA
1
ANTÔNIO GONZÁLEZ
— Sim, mais tarde, gatinha. Me espera com sua amiga na suíte sete!
Encaro a cidade movimentada aqui de cima e sorrio de uma forma
sacana, com o telefone na orelha, cheio de intenções e mil e uma
promessas. Giro minha poltrona de um lado ao outro, mal podendo aguardar
para a diversão de logo mais. Dois toques em minha porta antecedem a
entrada tímida da metade do corpo de Luana, minha assistente pessoal atual,
já que Beatriz decidiu se aposentar mês passado. Elas têm alternado até que
a sua substituta pegue o ritmo. Mas não reclamo, a atual é tão eficiente
quanto Beatriz, além de ser uma baita gostosa. Belo upgrade para os olhos!
— Senhor González, desculpa atrapalhar. Há um homem na portaria
exigindo falar em particular e com certa urgência.
Giro a cadeira para frente e inclino o tronco, para encontrar a loira à
porta; encerro o telefonema, pondo o celular sobre a mesa.
— É cliente? Tem hora marcada? — Estranho, já que não há reuniões
por agora.
— Não, senhor. Ele se apresentou como Jorge Versailles e afirmou
que vem tratar de assuntos de interesse pessoal.
Franzo o cenho ainda mais atônito, não conheço ninguém com esse
nome, e como não é um cliente querendo fechar negócios, declino a visita.
Não tenho tempo para lidar com mistérios, se for realmente urgente, dará
um jeito de me ligar depois.
— Pode mandar avisar que não é do meu interesse.
Ela concorda, obediente, e sai, eu acompanho o vislumbre das suas
pernas e bumbum na calça social, não evitando fazer diferente. Não me
envolvo com minhas subordinadas, mas não vou fingir que não vejo tal
beleza.
Não misturo relações pessoais com profissionais. Nem é tanto pela
regra da empresa, mas sim porque conviver com quem eu fodo não é algo
que eu aprecie. Gosto de ser livre e odeio qualquer coisa que se aproxime
de um relacionamento mais íntimo que não seja entre quatro paredes;
tampouco aceito me sentir vigiado.
E eu odeio esse termo: compromisso!
Foder e trabalhar juntos? Sem chances, qual será o próximo absurdo?
Ir à minha casa? Ter um jantar romântico? Nada disso! Gosto muito da
minha vida de solteiro exatamente como ela é. Não vou casar para descobrir
que como estou é melhor.
Mulher fixa só dá prejuízo e decepção, isso quando não fode sua vida
inteira e leva tudo, até mesmo a vontade de viver.
Só saio para comer com mulheres quando elas são o prato principal. E
não pense que sou um canalha por isso, me vejo apenas como um cara
prático e sincero. Nos meus pensamentos, posso falar sobre tudo sem tabus,
pulo qualquer papel que homens geralmente se submetem a interpretar em
primeiros encontros, totalmente desconfortáveis por fingir que se importam
com a profissão da mulher ou com seus sonhos de vida, quando na verdade
querem fodê-la. E as mulheres fazem o papel de ingênuas, como se não
soubessem nossas verdadeiras intenções; além disso, elas também desejam
a mesma coisa e com a mesma intensidade que nós até, e estão ali por
vontade própria, mas se fingem de desentendidas para não soarem
indecentes ou fáceis demais, quando é justamente dessas que eu geralmente
gosto. Sem enrolações, totalmente seguras dos próprios desejos, sabem bem
o que querem e não perdem tempo com essas normas, até porque não faz
diferença alguma para mim se é nutricionista ou analista quando está nua à
minha frente.
E não existe isso de príncipe encantado, nem mesmo os que parecem
se aproximar disso. Todo homem pensa como eu, até mesmo aqueles que
fingem preferir enxergar primeiro a beleza interior e sua feminilidade
poética, em vez de admitir que querem logo uma bunda gostosa no próprio
colo, e esses são os mais perigosos que os cafajestes assumidos como eu,
que dizem as coisas sem rodeios. A diferença é que preferem fazer círculos
e teatros, as tratando minimamente bem apenas para terminarem a noite se
dando bem, mesmo que por gratidão.
Todas as garotas com quem me relaciono entram no jogo cientes dos
meus termos. Diferentemente desse tipo de homem, eu não minto acerca
das minhas reais intenções, não prometo casamento a nenhuma delas. O
clube de sexo que sou sócio é para isso, para putarias de todos os tipos, para
ser tratado como um deus devasso, tão pior quanto Zeus. Compenso esse
meu lado não romântico tratando todas elas muito bem, oferecendo fodas
bem sacanas e bons presentes, mas fora do clube, cada um segue sua vida
como achar que deve, sem amarras, cobranças, dor de cabeça ou discussão
de relação. O único sentimento que estou disposto a sentir e proporcionar é
tesão e prazer.
Nada além!
Em minha vida inteira, isso funcionou para mim, e não faço questão
que mude. Felizmente, estou há trinta e sete anos intocado por
relacionamentos sérios, e sendo um dos melhores executivos do meu ramo,
pretendo permanecer assim o restante do meu tempo, jamais abandonarei
minha vida perfeitamente hedonista.
Volto ao computador, preciso finalizar os contratos de serviços das
novas empresas subsidiárias e enviar para o e-mail de Augusto, CEO e dono
do prédio inteiro, além de meu melhor amigo. Atualmente vem trabalhando
de casa, tem vindo apenas para reuniões presenciais marcadas previamente
poucas vezes na semana, para poder dar suporte à sua mulher e à filha que
nasceu há alguns meses; além disso, seu filho acabou de vencer uma doença
séria, o que me fez não poder negar seu pedido de estar mais perto da
família para cuidar deles com mais atenção, diminuindo assim o ritmo de
trabalho.
Diferentemente de mim, que sou estritamente contra qualquer tipo de
relacionamento, Augusto só sabe viver na monogamia e foi mais uma vez
posto na coleira. Parece que essa é a vocação dele, e fico feliz em vê-lo bem
nesse estilo de vida, enquanto no meu caso, prefiro ser de todas, viver
minha vida livremente. Nossas funções de daddy são totalmente diferentes e
ambos somos felizes com nossas babies.
Sou o diretor de operações e segundo no comando da maior
administradora de shoppings do Brasil, acompanho as operações comerciais
e atualmente estou sendo o seu substituto à frente das decisões do próximo
mais completo centro comercial da América Latina. Meu mais novo
investimento será inaugurado já no começo do próximo ano, se a obra
continuar no ritmo atual.
Eu trabalho aqui há tantos anos, garantindo que tudo esteja
funcionando perfeitamente, que não é uma dificuldade assumir certas
funções, por mais complexas que possam ser. Conheço a empresa com a
palma da minha mão, é como se fosse minha, lidero tudo aqui com muita
facilidade e gosto de me manter ocupado, assim como adoro a vida que
minha posição no ramo me proporciona.
Minha meta é terminar a vida como Hugh Hefner, o fundador da boa
e velha Playboy, mas sem toda a sujeira e polêmicas. Eu me imagino
facilmente em uma mansão com as minhas meninas, aproveitando todos os
prazeres da carne, já que vale tudo entre quatro paredes. Enquanto minha
aposentadoria não chega, em minhas folgas vivo feito um rei, assim como
ele, festas extravagantes, luxo e sempre em companhia de mulheres mais
jovens que adoram uma boa putaria com alguém que sabe fazer, como eu.
A vida é muito curta para me render a uma mulher apenas, é um
desperdício sem sentido. Ao saberem dos meios em que circulo, cheio de
luxo e luxúria, além de ser um cara desimpedido, o que mais aparece é
gatinha querendo passar um tempo comigo. E faço questão de não rejeitar
nenhuma delas. Sou benevolente.
Seria quase um crime um homem como eu ter dona, jamais trocaria
minha vida de putaria madrugada a fio por qualquer outra. Ainda há muita
mulher para que eu possa fazer feliz!
Se isso é ser canalha, como muitas já me chamaram, sou o maior
deles e com muito orgulho!
— Senhor, o homem está lá embaixo ainda e parece irredutível, disse
que só sai quando tiver a conversa.
Minha assistente reaparece, incerta quanto a me repassar o recado.
— Mas quem é esse homem, afinal? — exaspero, ficando irritado
com mais essa interrupção.
— Jorge Versailles, se apresentou como dono das fazendas do mesmo
sobrenome e disse que realmente exige conversar com o senhor, e com
urgência.
— Mande-o entrar de uma vez! — ordeno, querendo que nada mais
atrapalhe meu turno.
Olho no relógio, vendo que está quase na hora de encerrar o dia;
preciso concluir aqui para encontrar as garotas. A melhor parte do trabalho
árduo é descansar, no meu caso, me divertir com minhas meninas.
Seja lá quem seja esse homem, terá de ser breve e objetivo, porque
não atendo sem hora marcada, para isso que existe agenda.
Independentemente de quem seja, isso não o torna especial aqui dentro para
exigir falar comigo quase no final do meu horário, ainda mais sendo esse
nosso primeiro contato.
Péssimo empresário, por sinal, seja lá qual for sua proposta ou
assunto, a resposta será não!
Não demora muito para que dois homens apareçam de uma só vez,
passando pela porta do meu escritório como se fôssemos velhos conhecidos,
sequer esperam ser anunciados. Já enraivecido, interrompo minha
assinatura no papel e largo a caneta em cima das minhas anotações.
Suspendendo o olhar duro, travando o queixo, realmente irritado.
Luana chega logo após, nervosa e com medo de perder o emprego
pela falta de educação alheia.
— Senhor, eles não quiseram esperar… — ela gagueja, apreensiva.
— Está tudo bem, Luana, pode finalizar seu trabalho e ir.
Levanto da cadeira, ajeitando a manga da minha camisa social, diante
dos dois homens à minha frente, de pele negra e olhos escuros, braços fortes
cruzados diante de mim, como se já quisessem me intimidar de alguma
forma. Parecem ser pai e filho, e as fisionomias não parecem muito boas.
A minha também não é tão distinta; o território é meu, me devem
respeito acima de qualquer coisa.
— Antônio Gonzalez. Qual o assunto?
Faço a volta à mesa e aperto a mão do mais velho, que embora pareça
ter certa idade, barba agrisalhada e pele castigada pelo sol, se mantém
conservado. Ele faz questão de cumprimentar com firmeza, e faço o mesmo
com o mais novo, que chuto ter menos de trinta. O homem se veste como se
morasse no velho oeste, é nítido que é o típico bruto fazendeiro ostentando
o belo cinto cowboy segurando uns jeans lavados e botas, fora o chapéu
marrom na cabeça, ainda que estejamos na cidade grande.
— Jorge Versailles, e esse é meu filho, Mariano. O assunto, senhor
Antônio, é casamento.
Franzo as sobrancelhas meio catatônico e em seguida gargalho, sem
entender que diabos ele está falando.
— Porra, negão, que história é essa? Geralmente, as mulheres quem
tentam me propor isso. Estou lisonjeado, mas não é a minha praia, cara!
Cruzo os braços, encostando o quadril na ponta da minha mesa, ainda
rindo de forma cínica, tamanha a situação. Esperava tudo menos isso!
— Olha, cabra, você não venha de gracinhas não, certo, que a
situação não está das melhores! — O homem se irrita, tentando avançar pra
cima de mim, mas o filho intervém. — Você vai casar é com minha filha!
Mantendo os braços cruzados, estalo a língua em negação, disposto a
colocar esses dois loucos simplesmente para fora. Não tenho tempo a perder
dessa forma!
— Olha… Senhor Versailles, certo? Não acha que querer vender sua
filha a mim não é uma ideia muito estranha? Não estamos mais no outro
século, se não reparou. Se ela for maior de idade, acredito que pode tomar
as próprias decisões, e se for menor, o senhor está cometendo um crime!
A fisionomia do homem se agrava, me encarando ultrajado, com as
narinas inflamadas como um touro bravo.
— González, não faça minha filha ser viúva antes do casório… O
senhor a conheceu há cinco anos em uma viagem, Vanessa estava
comemorando o aniversário dela!
Eu me imponho com o semblante mais severo e braços cruzados,
disposto a colocá-los para fora de uma vez, meu tempo vale ouro para
gastar com esses malucos que acham que podem entrar aqui, me
desrespeitar e me ameaçar dessa forma.
— Não a conheço nem me envolvo com menores de idade. Mas,
ainda assim, se eu fosse casar com toda mulher que eu me envolvesse, me
chamaria Fábio Júnior… — Arqueio as sobrancelhas, tentando fazê-lo
entender que as coisas não são como antigamente, com aquela conversa de
honra e coisa e tal. E pelo que me lembro, não tirei a virgindade de Vanessa
alguma, todas as garotas que deitaram em minha cama foram parar lá com
total consentimento, mas jamais me deitei com menores de idade.
Tenho muito a perder para me arriscar dessa forma. Dezoito anos para
cima e com concordância, para não ter problema. Então se sequer fui o
primeiro dessa garota, e como não fico com menores de idade, não tem o
porquê ele sequer cogitar algo tão antiquado nessa altura do campeonato.
— Mas com minha filha vai! O senhor a engravidou e deixou à toa
como uma desfrutável, ficamos todos esses anos o procurando para assumir
suas responsabilidades, e minha filha não é dessas moças com quem está
acostumado, não, vai ter que registrar a criança e casar, lidar com suas
responsabilidades!
Recebo aquela notícia com surpresa, mas também com descrença. O
sorriso irônico que até então mantinha no rosto se esvai. Não engravidei
ninguém, me protejo e muito para que isso nunca aconteça!
— Com certeza não sou eu. Fora de cogitação! — afirmo, convicto.
— Se procura o pai dessa criança há tantos anos, talvez seja outro, não é
mesmo? Nunca tive nada com sua filha, sequer sei de quem estão falando.
Sinto muito, mas só posso desejar boa sorte na busca. Precisamos encerrar
essa conversa!
Olho o relógio, para apressá-los, e cruzo os braços, me impondo.
Não lembro de nenhuma Vanessa, a rotatividade aqui é alta, e com
certeza eu não engravidei mulher alguma, isso seria um total absurdo. Todas
as minhas garotas sabem que minha regra é clara: sexo só com proteção.
Nunca quis brincar com a sorte. E quanto a isso, sou muito severo!
Se quer dar um golpe, que dê em um trouxa!
— Então vamos nos ver na justiça para saber quem fala a verdade.
Ela o procurou assim que descobriu a gravidez, só que nunca te encontrou,
já que se conheceram no Caribe. Ela era menor de idade, ambos hospedados
no hotel Hyatt Ziva. Pensei em primeiro conversar com o senhor, mas, pelo
visto, vamos ter que fazer esse reconhecimento de paternidade
judicialmente!
Jorge se impõe, quase como uma ameaça, cruzando os braços e me
pondo contra a parede novamente, incisivo.
Engulo em seco, percebendo que as informações coincidem.
Eu realmente estive alguns anos atrás no Caribe e me hospedei nesse
hotel, mas isso não comprova absolutamente nada. Mesmo se for alguma
coincidência, e eu realmente tiver me relacionado com a filha dele, até
porque eu mal me lembro muito da maioria das noites, de tão bêbado que
ficava nas festas, não sou pai dessa criança, não há como ser. Além disso,
eu nunca transaria com uma menor.
São apenas coincidências muito fortes. Vendo que o assunto é
realmente sério, tento pensar com clareza diante de tal situação. São
acusações bastante graves!
— Calma lá. Eu nem sei quem é sua filha.
O homem, que estava até então calado, me entrega o celular com a
fotografia da geradora desse caos, a mulher que não sabe quem é o pai do
próprio filho. Reconheço alguns dos seus traços, flashes da noite em que eu
a vi cheia de olhares gulosos para mim vem à mente. Se Jorge soubesse o
que aconteceu naquele dia, estaria com a fisionomia bem pior. A garota era
um furacão, atrevida demais e toda cheia de si, não mencionou o fato que
tinha dezessete anos, era mulherão demais para que eu desconfiasse.
— Tá sorrindo por que, homem? O que está pensando? — Jorge,
irritado, tenta avançar sobre mim novamente, e eu me assusto, mas ele é
novamente interrompido pelo filho.
— Onde está sua filha? Preciso conversar com ela primeiro.
Olho mais uma vez no relógio, irritado e impaciente, notando que
meu horário já deveria ter sido finalizado. Levarei trabalho para casa hoje e
mais problemas pra resolver.
Antes de qualquer coisa, preciso conversar com essa Vanessa,
entender o que está havendo e saber por que ela acha que justamente eu sou
o pai. Se essa criança for mesmo um herdeiro meu, preciso tirar a história a
limpo com a mãe e sanar qualquer mal-entendido, que eu espero
profundamente que seja o caso aqui.
— Uma hora dessas estar no prédio. Fica a algumas quadras daqui —
o tal Mariano, avisa.
— Preciso do endereço agora mesmo!
Extremamente nervoso, bato o pé no chão, mal ficando parado no
lugar.
Eu sequer sei o que pensar com tamanha novidade sendo revelada tão
repentinamente. Só a possibilidade de ser pai, ainda mais de um filho
perdido, já nascido, assim, do nada, vindo de uma desconhecida, me
desnorteia completamente. Tal fato mudará completamente a porra da
minha vida que tanto prezo!
2
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Irritado por ter desmarcado a porra do meu compromisso com as
garotas, paro o carro em frente ao prédio em que ela estaria. Não é tão longe
das torres onde trabalho, como informado, mas por ser horário de pico
numa cidade grande, peguei a porra de um engarrafamento. Espero que ela
ainda esteja aqui para que não tenha vindo em vão.
É um prédio pequeno de aluguéis de salas comerciais, e por não ser
mais horário comercial, não há porteiro ou coisa do tipo, apenas um
interfone antigo do lado de fora. Pressiono o botão do seu andar, a fim de
falar com ela para liberar a entrada, assim poderemos conversar de uma
vez. Quero e necessito resolver isso hoje, para voltar a ter paz!
— Pois não?
Escuto sua voz melodiosa e rouca do outro lado, bastante
despreocupada para quem quer fazer da minha vida um inferno.
— Vanessa? É Antônio, precisamos conversar!
Ela não me responde, mas a trava do portão eletrônico sendo liberada
é a resposta que preciso. Agitado, rapidamente subo os lances de escada
sem querer esperar elevador algum vir até mim, e pelo que o irmão dela me
falou, seu escritório fica em uma das salas no terceiro de cinco andares.
Na porta indicada, do prédio velho e já vazio, avisto a placa dourada
com o nome da empresa:
Vinícola Versailles
Diretora Executiva: Vanessa Versailles
Sisudo, bato na maldita porta e escuto um resmungo vindo de lá. Giro
a maçaneta, vendo que está destrancada; a primeira coisa que eu vejo ao
entrar é a mulher de costas, sua bunda bem na minha direção, em uma calça
jeans justíssima, na pontinha dos pés, em cima de uma escada de alumínio
que deve ser do próprio prédio, brigando com uma das lâmpadas do teto
que está falhando.
No chão, noto seus saltos altos finos, e em torno da sala
desorganizada, diversas caixas em cima das outras, amontoadas, como se
tivesse acabado de ter uma mudança.
Pura imagem do caos.
Surpreso pela recepção, mas querendo não perder o foco, limpo a
garganta para que chame sua atenção; ela gira a cabeça e volta sua atenção
para mim, mas ao tentar descer, a escada fecha, a fazendo se desequilibrar
para trás. Vejo sua cabeleira cacheada quase no nível do quadril voar
enquanto seu grito fino de susto toma a sala. Num gesto rápido e
involuntário de puro reflexo, tento agarrar aquela estabanada antes que caia
de cara no chão.
Desengonçado, consigo evitar a queda, a amparando em meus braços.
Nesse momento, sinto a quentura do seu corpo contra meu peito, a escada
segue seu rumo, fazendo um barulho alto ao despencar no piso. Ela se
encolhe ainda mais com o barulho, me segurando pela camisa. Em seguida,
raspa suas unhas de tigresa na minha pele. Sua respiração rápida escapa
entrecortada e quente contra meu peito, me arrepiando de uma forma
estranha, como se reconhecesse o toque e essa aproximação de corpos,
mesmo que sem a minha permissão.
Ela afasta o rosto do meu peito e abre os olhos castanhos, cor de
avelã, expressivos, quase como duas pedras de ônix brilhante, com uma
malícia natural estampada por dentro. Mira diretamente meus olhos verdes,
trocando olhares de forma profunda e intensa, o que traz um formigamento
por todo o meu corpo, me pinicando a ponto de me incomodar. É um
momento incomum, em que sinto a atmosfera de raiva cristalina, que estive
alimentando no caminho até aqui, se perder, mudando para algo mais
quente e provocativo. São faíscas sendo despertada na porra da minha nuca
e entre as pernas, uma fisgada bem no pau, ao encarar seus lábios
totalmente convidativos, pintados com um batom vermelho vivo que
contrasta com o bronze brilhante das suas bochechas.
Eu a vejo engolir em seco, sequer pisca, mantém o olhar fixo em meu
rosto de um jeito acentuado e tão ávido, que me pega desprevenido.
Algumas lembranças de putarias surgem em mais flashes rápidos e
indecentes da noite que fodemos como dois selvagens. As imagens vêm à
mente de forma voraz e sórdida, me engolindo por inteiro só pelo fato de
nós estarmos dessa forma. É como se eu sentisse de forma viva a sensação
de estar dentro dela, que sinto abafado com o despertar do perigo de uma
simples encarada me causou.
Inferno! Não estava preparado para o impacto fodido que é ter essa
mulher pertinho assim.
Não posso esquecer quem ela é e o que vim resolver aqui. A raiva
volta à tona imediatamente, de modo que sou jogado para realidade
novamente, preciso lidar com esse problema novamente. Eu a coloco de
volta no chão, de pé, não querendo manter contato físico, como se ela ainda
fosse menor de idade. Passo as mãos nos cabelos, para me alinhar e manter
as mãos ocupadas. Vanessa, nitidamente desorientada, limpa a mão no
quadril e mantém as mãos para trás, dentro do bolso do jeans.
Sua expressão rapidamente demonstra muito bem que não está
satisfeita ao me ver aqui, seu queixo está travado, olhar afiado em minha
direção parece dizer que está desconfiada e arisca.
Lembro bem dela no Caribe, jamais esqueceria da mulher que me
chamou atenção justamente por conta da pele estonteante, do belo bronze e
de um fio-dental rosa. Seu corpo atualmente é ainda mais curvilíneo e firme
que o das minhas memórias. Lembro que me fez a proposta mais sacana
que poderia receber naquela festa: meia-noite seria seu aniversário, e ela me
queria como presente. Jamais saberia que ela ainda tinha dezessete quando
fomos para o seu quarto. Nessa história, eu fui ludibriado!
Momentaneamente me sinto desconcertado ao encará-la depois desses
anos todos, então cruzo os braços, a fim de me impor, mostrar indiferença
quanto a essas recordações inconvenientes, preciso manter distância. Até
porque foi por causa daquele dia que vim aqui hoje, tendo de lidar com um
problema que não esperava viver nunca na minha vida.
— Pelo jeito, meu pai realmente foi até você! — Ela parece
desgostosa e aborrecida com a própria constatação.
— Sim, e vim até aqui apenas para avisar, seja lá qual for o plano de
vocês, que não vou cair. Se não sabe quem é o pai do seu filho, não serei o
otário que vai assumir e muito menos casar. Sem chances, garota!
Direto, deixo claro com palavras retas, em um tom duro e decidido, o
recado. Sou um homem vivido, sei que existem golpes de diversos tipos por
aí. Ela pode ser nova, mas também é muito esperta. E até que demorou para
acontecer comigo uma tentativa dessas. Seja lá qual for a intenção dessa
família ao vir até a mim achando que vão me pescar, podem ter certeza que
estão bem enganados.
Absolutamente enganados.
Sem que eu espere, recebo um tapa estalado no rosto. Possesso, fecho
os punhos para me conter, mordo as bochechas com respiração mais curta e
rápida. Estou realmente enraivecido e incrédulo por essa completamente
alucinada ter feito isso, ela realmente não sabe com quem está lidando para
agir dessa maneira. Vanessa parece ainda mais irritada, aproximando as
sobrancelhas dos olhos e pondo as mãos na cintura, para se impor também.
Ela se aproxima de mim, e ainda que seja uma mulher alta, não é páreo para
minha altura.
Mas ela se intimida? De forma alguma!
— Primeiro, se dependesse de mim, ninguém iria atrás de você, assim
como não fui há dois meses quando descobri seu paradeiro. E segundo, não
fale comigo dessa forma, porque a conversa não será civilizada. Se sua
tentativa é resolver dessa forma, dê meia volta, eu até prefiro! — Ela aponta
o indicador para mim, contando o que tem para falar. — Se você não está
vendo, aqui é meu local de trabalho, não preciso dar um golpe em babaca
feito você!
— Não há o que resolver, você nem sabe se realmente sou o pai,
estávamos bêbados! Sem contar que como te engravidaria com apenas uma
foda, Vanessa? — Mostro o absurdo que ela quer que eu acredite, mas ela
apenas semicerra os olhos para mim, estalando a língua em discordância.
Filho é algo muito sério para estarmos discutindo dessa forma tão
incoerente. Se ela quer virar subcelebridade, garantir uma pensão e ter uma
vida fácil me envolvendo em polêmicas, está enganada, não vou dar
munição, mas sim cortar o mal pela raiz de uma vez.
— Demos duas. Na mesma noite. — Ela faz um gesto com as mãos,
minimizado após me corrigir. — Mas não vem ao caso, o fato é que eu
engravidei, sim, e a criança é sua, acredite ou não. Na real, nem me
importo. Bêbados ou não, eu lembro bem com quem eu transei naquela
noite, como eu saberia que você tem a porra de um beijo tatuado na virilha?
E caso não lembre, eu beijei lá!
Suspiro, irritado com tamanha bagunça.
— Só estou dizendo, que se esse filho realmente fosse meu, teria me
procurado antes. Por que justo agora, Vanessa? Cinco anos para ter certeza
de que sou eu? — Com o tom de voz mais baixo, mas não isento da raiva
cristalina e frustração que me queima, a acuso de volta.
Conveniente da parte dela descobrir que sou supostamente o pai desse
filho justamente quando saiu na Forbes no começo do mês a minha
entrevista sobre investimentos. Isso sem contar o fato de eu ter me tornado
um dos acionistas do maior shopping center da América Latina. Exatamente
nesse momento, seu pai surge me forçando um casamento repentino sem
quaisquer precedentes. Talvez tenha sido até mesmo por causa dessa edição
da revista que tenham me visto e lembrado que já foi uma na minha cama.
— Deve ser porque você mentiu sobre seu nome, não é? Te procurei
desde que soube que engravidei naquela viagem, mas adivinha? O homem
que era o pai da minha bebê sumiu na manhã seguinte, sem rastros, como
um canalha, antes que eu acordasse, como se eu fosse uma prostituta. Mas
se você achar que não é verdade, tudo bem, Antônio, eu realmente não me
importo, nem era para saber. Minha filha continua muito bem sem você
nesses anos inteirinhos!
Ela demonstra raiva e repúdio quanto a nossa pós-foda, sendo que foi
ela quem quis que eu passasse a noite com ela, e assim eu fiz. O que mais
queria? Buquê de flores? Que eu perdesse meu voo? Meu checkout
precisava ser feito e a vida tinha de seguir!
— Se não for meu, vou descobrir e te processar!
Independentemente se transamos ou não naquela noite, não significa
que tenha sido eu a ter engravidado. Estou irredutível, preciso enxergar
qualquer inconsistência nas suas afirmações tão convictas para mostrar que
está errada. Não dá para confiar assim em mulher, cacheada ainda por cima.
Se ela enrola até mesmo o próprio cabelo, é mais que óbvio que pode muito
bem fazer o mesmo comigo.
— A resposta vai ser a mesma, Pedro, mas faça da forma que achar
melhor, só lembre que há uma criança no meio disso.
Ela dá de ombros, com a fisionomia enraivecida pela minha ameaça,
mencionando o nome que provavelmente me apresentei de forma irônica.
Cruza os braços, se apoiando na mesa. Eu tenho o costume de não contar
muito sobre mim e minha vida justamente para não chamar atenção de
golpistas. Assim consigo evitar que tenham acesso a minha vida e não fica
mulher na porta do meu trabalho enchendo meu saco. Além disso, não
descobrem quem eu sou, afinal não sou celebridade, mas sou rico. Não vivi
esses anos todos na vida que levo sem tomar prejuízos à toa, sei muito bem
o tipo de gente que eles são, esperando apenas uma oportunidade de se dar
bem.
Mas a sua convicção me desnorteia e me faz hesitar. Vanessa não
parece estar blefando, ainda assim pode muito bem ser a porra de um golpe.
Não posso tomar qualquer decisão assim de cabeça quente. Preciso ser
racional, agir friamente, principalmente quando o problema envolve uma
criança e possivelmente a justiça, porque tanto um escândalo de paternidade
não assumida, quanto o de ter transando com ela quando ainda era menor de
idade, poderá ser suficiente para gerar uma grande polêmica. Não sei o que
pretendem fazer para chamar atenção da mídia, e com o shopping prestes a
inaugurar, qualquer deslize meu ou de qualquer executivo do alto escalão
do nosso império pode acarretar uma desvalorização terrível nas ações.
E sem a minha reputação preservada há anos, não sou porra nenhuma!
— A conversa ainda não acabou!
Deixo avisado, sem ter mais como retrucar. Estou de mãos atadas no
momento, então saio enraivecido, sem conseguir pensar com a clareza
necessária sobre como vou me inserir no problema para saná-lo o mais
rápido possível. Por conta disso e mais outros motivos, odeio
relacionamentos de qualquer grau. A mulher que me envolvi anos atrás por
apenas uma noite de repente aparece para bagunçar tudo e ainda pode foder
com todos os pilares da minha boa vida em um estalar de dedos.
Que sufoco da porra!

VANESSA VERSAILLES
O ar dos meus pulmões sai junto da porta sendo batida com força pelo
homem que acabou de sair com passos duros. Transbordando raiva, como
se estivesse prestes a explodir de frustração, grito para dentro como uma
avalanche. Eu me apoio na ponta da mesa, suspirando e inspirando forte,
tentando retomar a porra do controle antes que comece agir de forma
irracional e mande tudo para o inferno.
Se ele quer saber, também não estou feliz com seu retorno à minha
vida.
Transtornada seria a palavra que melhor me define no momento, por
meu pai sempre fazer o que quer, passando por cima de todas as minhas
negativas. Por ter ido até esse babaca para falar o que bem quis em meu
nome, quando eu expressei efusivamente que não era para ir e que deixasse
as coisas como estão.
Eu estou administrando como posso!
A pior parte, descobrir a gravidez e lidar com uma recém-nascida e o
puerpério sem apoio, já passei, mas agora, anos depois, já estou acostumada
a me virar sozinha para criar minha filha, que está muito bem sem ele.
Ainda mais agora, que conheci o imenso imbecil que é, ao já chegar me
ofendendo. Teve a coragem de me acusar de golpista e interesseira,
duvidando de mim daquela forma estúpida quando nem fui eu quem foi
atrás dele impondo qualquer coisa. Não me deu nem a oportunidade de
introduzir o assunto delicado e lidar com o problema como dois adultos que
somos!
Nada me enraivece mais que colocarem palavras em minha boca,
como se eu quisesse seu maldito dinheiro. Eu trabalho e muito para
sustentar meus luxos, para ser exemplo para minha filha, que dependerá
apenas de si para ser o que quiser.
Meu pai não deveria trazer esse sujeito para minha vida sem meu
consentimento, não percebe, cabeça-dura que é, que existe algo muito mais
valioso em jogo que minha maldita reputação. Como se eu me importasse
com os olhares de julgamento da droga da cidade onde nasci e cresci. Pior
ainda, trazê-lo para a vida da minha filha, a sua única neta, sem mensurar o
peso que isso pode acarretar. Ele parece se importar mais com o que seus
fiéis pensam a pensar com sensatez a respeito da situação.
Jamais imaginei que nosso reencontro fosse acontecer um dia, ainda
mais dessa forma tão tempestuosa. Se ele não aceitou muito bem o fato de
nossa noite inconsequente ter gerado uma criança, que o impacto daquele
dia foi grande, imagina para mim, que tinha apenas dezoito anos e não sabia
o paradeiro do pai. Sem contar ter de lidar com um pai tradicional demais e
pastor de uma igreja conservadora, em uma cidade em que todos me
conheciam. Meu pai não aceitou de forma alguma a filha caçula estar
naquela situação, o que me fez escutar diariamente quão burra fui por ter
caído em uma cilada dessas, mesmo que viver aquilo não tivesse sido uma
escolha minha.
Eu ganhei a viagem como presente de dezoito anos, mas engravidei
antes da data, que era naquela semana.
A porta é aberta novamente, me tirando dos devaneios, dessa vez é
minha pequena vindo até a mim sorridente; toda a carga que esteve nas
minhas costas se esvai quando Serena pula no meu colo, cheia de afeto. Eu
amasso minha fadinha carinhosa de quatro aninhos, cada vez mais esperta.
Passei o dia morrendo de saudades, já que estamos em uma rotina nova. Ela
começou a frequentar uma escola próxima daqui, para que eu possa me
estabelecer na cidade antes de procurar um bom colégio para ela. Serena
precisou sair do anterior para ficar perto de mim, já que passei a trabalhar
aqui. Mal tive tempo de organizar tudo, mudei essa semana para esse prédio
para poder lidar com a marca de espumantes que tenho planos de ascensão,
e Antônio ressurge.
Era tudo que eu precisava, depois de um dia desgastante e
sobrecarregado, é desse abraço gostoso. Quero analisar tudo com calma e
resolver as pendências, já que minha vinda para cá se deu justamente para
isso, preciso pôr minha vida em ordem o quanto antes.
— Eu a busquei como pediu. — Papai examina o interior da sala
bagunçada, em seu tom há um leve toque de recriminação por eu ter sido
teimosa em alugar a sala. — Espero que ao menos tenha resolvido a
situação com o pai da menina.
— Não resolvemos nada, e eu falei que não fosse atrás dele. Por que
insiste tanto nesse assunto? — retruco incomodada.
— Porque filha minha não será mãe solteira. Por exemplo, agora, se
ela tivesse pai, não precisaria de mim para buscá-la e lidar com seu caos,
Vanessa!
Joga na minha cara o favor, ainda que eu evite ao máximo requisitar
sua ajuda diretamente. Eu tenho muita dificuldade em pedir amparo, porque
sempre fico refém do que as pessoas fizeram por mim. No final, meu pai é o
rei disso, sempre faz questão de me lembrar que não sou tão independente
assim dele, mesmo que eu insista em não pedir ajuda.
Meu pai ama a neta, não tenho dúvidas, mas não há uma rede de
apoio, ainda que viva presente na minha vida e debaixo do mesmo teto. A
responsabilidade de Serena é integralmente minha e de mais ninguém,
soube disso desde o primeiro momento, então tudo sobre ela sou eu quem
resolvo.
Suspiro contrariada, não querendo explodir; esse assunto me satura
desde que vi dois risquinhos no teste de farmácia. Minha filha se tornou a
única pauta da família, e não quero que essa conversa siga na frente dela.
Essa maldita pressão que ele está colocando em cima de mim sem
necessidade me enraivece demais. Meu pai me trata como criança,
querendo que eu siga a vida à sua maneira, porém não se dispõe a oferecer
nenhum apoio, me deixando sozinha para lidar com tudo. Não reclamo de
lidar com as consequências dos meus erros, afinal a filha é minha, tenho de
conciliar meu trabalho com Serena, mas não preciso de problemas extras.
Sem contar que eu quero crescer profissionalmente, o que faz a culpa de
talvez estar negligenciando minha filha ser pior que qualquer jornada dupla.
— Agradeço a ajuda de ter buscado minha filha enquanto estive
ocupada. E vamos conversar em casa, te encontro lá — imponho minhas
opiniões e limites, cortando o assunto, realmente não quero expor Serena a
isso. Respiro para me controlar, já que ela está quietinha no meu colo. Ela é
pequena demais para um conflito desses, e não quero passar minhas
emoções negativas a ela. Isso não é assunto para se debater com criança por
perto, até porque sempre acabamos nos desentendendo e elevando a voz, o
que a deixa confusa e agitada por não gostar de me ver nervosa.
Quero preservar as relações familiares, não quero que ache que o avô
é ruim porque grita comigo.
— Por que não vai agora conosco? — Ele quer saber.
— Vou ficar mais um pouco. Não se preocupe, não vou fugir.
Embora essa seja minha maior vontade. Se houvesse uma forma, já
teria feito isso há muito tempo. Meu olhar de aviso deixa claro que não
quero conversar agora, e ele, contrariado, cede e vai embora.
Provavelmente Mariano o espera impaciente lá embaixo, no carro.
Sem nem um pingo de humor interno, sorrio para minha filha, que
mantém o rosto encaixado na curva do meu pescoço, matando as saudades,
toda manhosa, ou talvez esteja assustada pelas nossas vozes enraivecidas.
Acaricio seus cabelos macios e cacheados feito os meus, mostrando que
está tudo bem.
Odeio tanto essa maldita situação!
— Tá triste, mamãe? — ela questiona, preocupada e curiosa, me
segurando pelas bochechas com suas duas mãozinhas gordinhas e macias
para que eu a encare sem vacilar. Serena parece perceber meu semblante
cansado, mesmo comigo mascarando. — Quer minha boneca para brincar?
Serena é a criança mais benevolente que conheço, e ela mal sabe que
só de estar aqui juntinho a mim é melhor que qualquer boneca que possa me
emprestar. Tão pequena, ela é meu maior alicerce. Quando me tornei mãe,
meu maior medo era de não dar conta, hoje morro de orgulho da criança
que ela está se tornando a cada dia. A melhor garotinha do mundo!
— Não, minha pequena. Tá com fome? — questiono, carinhosa, e
baixinho, beijando sua têmpora. — Vamos jantar juntas? Uma noite das
meninas, para matar as saudades, que tal? — proponho, tentando compensá-
la pela minha ausência durante o dia, que foi tão corrido, que eu mal
aproveitei minha pequena. Ultimamente, somente nos finais de semana
tenho conseguido fazer diferente. São sacrifícios para o bem do nosso
futuro.
Seus olhos verdes iguaizinhos aos do cretino do pai dela, que nunca
me deixaram esquecê-lo, se iluminam. Como se não bastasse, a garota ainda
me saiu com vários traços marcantes dele, mostrando que a teoria de que
sentir ranço de alguém na gravidez faz a criança nascer parecida é verdade,
mas tratei de transformá-la em uma miniatura minha em personalidade, isso
que importa.
— Oba! Melhor mamãe!
Ela sorri abertamente concordando, se alegrando com tão pouco, e
dessa vez eu retribuo com mais sinceridade, fazendo cócegas na sua barriga.
Minha filha se contorce em meu colo, dobrando a gargalhada fofa. Mas a
angústia e a culpa de talvez não ser uma boa mãe para ela, ao menos não
tanto como gostaria me invadem como avalanche me remexe inteirinha, me
sinto imponente e com vontade de chorar com esse tanto de incerteza que
minha vida é, e o que irá me esperar quando chegar em casa e encarar o
problema de frente.
Sinto que essa história mal começou e já estou exausta de tanto!
3
VANESSA VERSAILLES
Com minha filha feliz, bem alimentada e adormecida em cima da
minha cama, beijo sua bochecha. Ajoelhada diante da cama, velo seu sono
singelo e manhoso. Até a acordaria para tomar banho, mas prefiro um pé
sujo que uma criança acordada querendo tagarelar depois do horário de
dormir.
Suspiro, sabendo que meu dia não vai terminar calmo e gostoso como
foi nosso jantar de garotas, com direito a brinde com suco de uva verde,
nosso favorito, como duas ladys que somos. Sigo pelo corredor do casarão
agora silencioso, onde só meu pai já se encontra. Ele está em seu escritório
me esperando, para que nós possamos conversar, como me prometeu. E sei
que vai ser estressante antes mesmo de começar. Tudo que eu quero é
resolver esse impasse sem gerar mais problema e trauma para minha
pequena.
Com dois toques na porta, anuncio minha chegada, ele está sentado
diante do seu computador, lidando com os assuntos da fazenda. Tudo que eu
gostaria é de um banho quente e descansar, para fazer tudo igual amanhã
cedinho. Daqui da fazenda para a cidade, onde montei o escritório, gasto
praticamente uma hora e meia, o que me faz levar minha filha ainda
adormecida no carro quando o sol ainda está nascendo.
Seu olhar é silencioso, embora denso, parece vigiar cada ação minha,
demonstrando que não será um assunto calmo. Seu humor não parece ser
dos melhores, e o meu também não está lá essas coisas.
— Antes de dizer qualquer coisa, preciso frisar mais uma vez que não
gostei de ter ido atrás dele, pai. Eu disse que era para esquecer o assunto, eu
estou me virando bem sozinha. Agora vou ter de lidar com mais problemas
desnecessários que o colocar em nossas vidas logicamente vai trazer!
Demonstro claramente minhas chateações por ter feito o que eu
implorei para não fazer. Se dependesse de mim, o pai de Serena jamais
saberia a existência dela. Com o nosso reencontro, tive a certeza de que o
mais apropriado é que ele não entre na vida dela. Sei que não é um assunto
fácil de engolir, ter de repente uma desconhecida dizendo que tem um elo
eterno por causa de uma criança com seu sangue, mesmo assim não justifica
sua postura em me acusar de interesseira. Isso eu não admito, ainda mais
com aquela grosseria acusatória, sem nem ter me deixado explicar. Me
desprezar e me acusar de qualquer coisa, eu supero, mas fazer isso
envolvendo a minha filha, não.
— Fiz o que você deveria ter feito, te disse que se não fosse até ele,
eu iria, Vanessa. Você foi avisada desde o começo, disse que quando ele
fosse localizado, iria casar. Não tem por que ficar ofendida — meu pai
retruca, firme.
— Não vou casar com ninguém só porque quer, o senhor não pode
mandar na minha vida dessa forma. Eu sei cuidar da Serena muito bem.
Eu me imponho, resistindo à pressão que ele põe no assunto. Eu me
sento na poltrona oposta a sua e prendo meu cabelo em um coque alto, para
pensar com clareza.
— Debaixo do meu teto, vai ter que me obedecer. A garota vai ser
bastarda o restante da vida?!
— Minha filha não é bastarda, meu pai, nunca mais repita isso! — Eu
me aborreço. Odeio que ele se refira a ela dessa forma.
Nossa relação é conflituosa, temos visões completamente diferentes a
respeito de muitos assuntos, mas eu sempre estou cedendo aqui e ali e
relevando em prol da família, por minha filha principalmente. Mas quanto a
esse assunto, chega a ser abuso, é interferência demais.
— O assunto é um só, Vanessa. Ou você casa ou vai embora da minha
casa. Uma coisa é não saber onde o homem está, agora que sabe não quer?
É escolha sua!
— Como? — Franzo o cenho, atônita, imóvel e descrente.
Acho que indignada é a melhor definição de como estou me sentindo.
Ele já me ameaçou outras vezes com esse assunto, mas nunca me importei
muito, jamais pensei que reencontraria o pai de Serena.
— Você escolhe, minha filha, ou casa como deve com o pai da
menina ou então esqueça a vinícola e toda a sua herança, porque não vou
ficar sustentando seu vexame de estar assim solta sem compromissos. Não
cansa de ser a vergonha da nossa família?
Engulo em seco as palavras tão duras vindas dele, essa não é a
primeira vez que esse sentimento de não ser boa o suficiente me atinge. A
maternidade nunca é fácil, principalmente para alguém que cuida da criança
sozinha, e não me arrependo nem um pouco das escolhas que fiz, mas isso
não torna tudo menos assustador ou difícil.
— Só o senhor se envergonha de mim porque eu e minha filha temos
muito orgulho da mulher que eu sou. — Eu me defendo, sentindo as
lágrimas teimosas arderem meus olhos frente a imposições tão duras. Nem
parece que sou sua filha como Mariano é.
Se ele não está satisfeito com minhas atitudes, eu também não estou
com as dele.
— Mulher? Você nem deveria ser chamada assim, vivendo desse
jeito, sem ninguém tendo coragem de te assumir, sem honra ou orgulho.
Você se tornou um fracasso, Vanessa, e ainda quer que a menina tenha o
mesmo destino pelo visto! Entenda, se não casar com o pai da sua filha, vai
viver sozinha o resto da vida, ninguém vai assumir mulher de segunda mão.
Se é para ter filha desfrutável, eu prefiro não ter!
Sempre fui subjugada fora de casa por esses motivos, por ter
engravidado cedo e criado minha filha sozinha, mas escutar tais palavras
dentro da minha casa, vindas da minha família, machuca ainda mais. Fala
tanto de honra da família, mas não o vejo interferir dessa forma tão
inconveniente na vida de Mariano, que cada dia está com uma garota
diferente saindo do quarto. Eu nunca terceirizei meus problemas para que
ele ache que tenha de resolver como quiser.
— Você está se ouvindo, meu pai? Não vê o nível de absurdo que está
cometendo em me obrigar a casar com um homem que não conheço? O
risco que pode ser, isso chega a ser abominável! Casamento é um grande
absurdo, não tem como simplesmente eu e Antônio casarmos e fingirmos
que somos um casal apaixonado, sequer nos conhecemos. Além disso, há
uma criança em torno dessa pressão toda. E eu não me importo em não
casar, entenda de uma vez por todas!
Tento trazê-lo para realidade. Papai não é um homem ruim, mamãe
morreu cedo, então ele nos criou com rigidez, sozinho, sempre me cobrou
muito mais para que eu fosse um exemplo. Era a filha perfeita do pastor, e
quando apareci grávida, foi uma grande polêmica. Eu nem mesmo podia
sair de casa quando a barriga começou a apontar, mesmo ainda que usasse
roupas largas. Meu pai tinha vergonha de mim e da minha gravidez.
Por outro lado, sempre me apoiou nos estudos, ainda que contrariado,
deixou que eu reativasse a vinícola da família que ele abandonou e levou à
falência quando decidiu ser pastor. Eu ainda era criança quando decidiu
manter apenas uma parte do vinhedo, e lá foi meu escape, ver como andava
a produção das videiras. Por mais que eu ame minha filha, a experiência da
gravidez foi solitária e horrível, de modo que foi para o vinhedo que eu
corria todo dia para tomar sol e passar o tempo sem olhares julgadores. Lá
era uma região abandonada, o que funcionava para mim, que vivia por um
fio de surtar. Foi nesse local que nasceu meu sonho de reestruturar a marca
de espumantes que tento teimosamente restabelecer. Agora, com Serena
frequentando uma escola, finalmente tudo está saindo do papel. E não
poderia ser diferente; como uma boa descendente de franceses, o interesse
por espumantes é quase natural.
Mesmo que em outros pontos meu pai seja mais moderno, é
extremamente quadrado quando o assunto é relacionamento. Não aceita que
a filha seja uma mulher livre, sonhava que eu fosse casar virgem, e quando
eu fiquei grávida sem sequer saber quem era o pai, foi um terror. Nunca
desistiu de procurar o Pedro, que descobri na verdade se chamar Antônio.
Meu pai definiu que me faria casar com ele de qualquer forma, mas não
achei que tivesse coragem de cumprir a promessa. Mas pelo visto ele tem.
Embora não tenha me expulsado de casa, eu deixei de ser a garotinha
dele. Passou a controlar minha vida em certos aspectos, achando que eu não
saberia cuidar de mim porque tomei perdido de um babaca. Assumiu para si
que é questão de honra eu ser assumida. Ainda que eu não seja a filha que
ele queria que eu me tornasse, seguimos nossas vidas, comigo me
acostumando a não ser a menina dos olhos, tendo com o papel de ovelha
negra.
Acontece nas melhores famílias.
— Isso foi empecilho anos atrás? O pior vocês já fizeram. A escolha é
sua, casamento e vinhedo ou… Se não concordar, tem todo o direito de ir
embora e viver como quiser, já que é adulta.
Ele me põe contra parede mais uma vez, com seus malditos termos
antiquados, em uma ameaça cristalina. O casamento parece uma punição
dos meus erros de vida, e de fato é. Acha que filhos têm de crescer com pai
e mãe, e eu até concordo, mas quando o desejo é mútuo, o que não acontece
nesse caso. Só consigo pensar que eu sempre me virei muito bem com
Serena, mas que agora com Antônio provavelmente de volta à minha vida,
com meu pai insistindo em querer fazer as coisas do jeito dele, me casando
todo a qualquer custo, vou precisar ter muito cuidado com o que vou fazer.
Preciso garantir que minha filha não seja atingida no meio desse maldito
caos que eu gostaria de não estar vivendo, mas que fui inserida.
Ele sabe que o vinhedo é importante para mim, mesmo falido, me doo
ao projeto desde que Serena nasceu, na tentativa de construir algo. Quero
viver apenas da minha empresa e escapar dessa relação de dependência, até
porque eu preciso sustentar alguém além de mim. Meu pai usa esse ponto
para se impor, ameaça não passar a fazenda com o vinhedo para o meu
nome, minha garantia para que eu possa investir em algo meu. Esse
requisito de casar com aquele patife é impensado, mas sem isso ficarei
refém das suas ordens a vida inteira.
— Não posso seguir sua cartilha, pai, não tenho obrigação de cumprir
um absurdo desses porque o senhor acha que é o certo, apenas para ser bem
visto aos seus fiéis, servir de exemplo quando só quero viver como acho
melhor. Estamos falando da minha vida e de uma criança!
— Mas você pode viver dessa forma, só não tenho obrigação de
concordar e te sustentar, nem à sua filha. Meus termos são esses, Vanessa,
aceite se quiser.
— Você teria coragem de me expulsar com sua neta tão pequena só
porque eu não quero me casar com um desconhecido? — ressentida,
questiono. — Pai, eu não preciso de homem para nada, mas sim de uma
oportunidade que me permita crescer profissionalmente, e o senhor está me
tirando isso quando poderia me apoiar.
Eu me interessei pelos assuntos da fazenda desde criança. Meu irmão
pode ser o braço direito dele na maioria dos trabalhos braçais e ao
coordenar a peãozada, mas eu sempre o ajudei a cuidar da parte
burocrática. Meu pai confia mais em mim para lidar com valores do que em
meu irmão, mas de repente está disposto a me enxotar só porque não estou
casada. Isso é muito injusto.
E nem adianta implorar para Mariano convencê-lo do contrário,
aquele filho da puta sempre concorda com as loucuras do nosso pai, só se
importa com ele.
— Não. Estou te dando a oportunidade de mudar essa sua
mediocridade de vida, Vanessa. Você sabe que não vai ser a grande
empresária que acha que é tendo de fazer mamadeira em cada intervalo de
reunião. Ninguém dá crédito para uma mulher que sequer conseguiu casar,
mas tem um filho nos braços! Tanto que trancou a faculdade na metade por
falta de tempo. Você, sim, está afundando suas oportunidades de crescer e
ter uma vida. Não vê isso? Não conseguirá nada sendo quem é, e sua filha é
quem vai pagar por isso no futuro!
Suspiro, exausta e sobrecarregada por tantos problemas.
Meu pai sabe jogar na minha cara quão estagnada eu estou de um
jeito único. Eu tenho muito orgulho de mim mesma por manter meus
sonhos profissionais vivos, mesmo que esteja com uma criança nos braços.
Corro atrás do meu objetivo para poder dar um futuro à minha filha.
Entretanto, sei que há uma grande verdade no que ele diz, já que às vezes
me sinto mal vista, por mais ridículo que seja, quando descobrem que eu
sou mãe e solteira, ainda que eu não tenha pedido ajuda a ninguém para
criar a garota!
— Ainda assim, tudo é um absurdo. Pensa direito, pai, achando um
bom distribuidor, consigo fazer com que comece a ter lucros, restabelecer o
vinhedo. Então poderei voltar para a faculdade. Me faça um empréstimo,
nem faço questão do restante da fazenda, não me importo, mas não me
obrigue a isso. Eu prometo sumir daqui, assim nunca mais vai se
envergonhar de mim!
Suplico angustiada para que ele tenha algum tipo de clemência. Eu
não quero casar, nem com Antônio nem com ninguém. Serena é a minha
melhor companhia, sem dúvida, e eu só quero viver em paz, só nós duas,
comigo fazendo o que mais gosto na vida além de ser mãe: expandir meus
negócios. Todavia o poder para isso não está em minhas mãos, nunca
esteve, e agora minha casa de espumantes e minha herança dependem dos
próximos passos. Estou praticamente nas mãos de Antônio, que, como já vi,
está pulando fora pela segunda vez.
— É o certo, os termos são esses, só terá direito à sua herança e
manterá o vinhedo quando for uma mulher de família. Ou casa e toma juízo,
ou esquece todas as regalias que eu te dou para manter seu projeto! — ele
reforça o ultimato, sério.
Sinto o peso da ansiedade por precisar tomar uma decisão da minha
vida sendo pressionada, sem poder algum de lutar por um caminho justo. A
sentença vem de uma vez, sem que eu consiga ver uma saída. Tenho
vontade de apenas levantar e sair daqui com minha filha. Cansei de ser
controlada.
Estou entre a cruz e a espada, se Antônio se negar a casar e assumir a
criança, coisa que eu até prefiro, perco toda a minha renda, sou deserdada e
não tenho condições de dar continuidade aos meus projetos. Não sei o que
será do meu futuro e da minha filha, afinal mercado de trabalho para mulher
e mãe solo é tenebroso. Mas se de alguma forma absurda, que mal consigo
visualizar, nós nos casássemos, seria terrível. Antônio entrando na minha
vida e da minha filha sem que eu saiba quem de fato ele é, quais são seus
planos em relação a Serena, o que pretende com a descoberta da
paternidade. Minha única saída seria avançar com minha empresa mais
rápido e sair finalmente das garras do meu pai, que insiste em controlar
minha vida.
O problema é que eu não o quero na minha vida, quero viver apenas
com a minha filha, como sempre sonhei. Sei que minha filha merece ter um
pai, não posso impedir que tenha essa experiência. Não a quero ver triste
como no ano passado, quando não participou do Dia dos Pais no primeiro
ano do colégio, porque eu preferi não a levar para que ela não se sentisse
pior. Não queria que se sentisse excluída porque todos tinham pai e ela não,
mas foi como um punhal cravado em meu peito, me senti egoísta, chorei de
culpa em ainda não ter apresentando o próprio pai. Será que Antônio vai
querer cumprir o papel de pai?
Todos parecem ter escolhas, menos eu. Eu me sinto uma propriedade
prestes a ser trocada de dono.
— Tudo bem, me dê uma semana, pai, mas será do meu jeito. Não
quero mais que se intrometa e saiba que jamais o perdoarei por isso.
Olhando em seus olhos, mostro que estou muito magoada por estar
sendo tão duro comigo, quando tudo que eu precisava era de apoio. Eu me
sinto derrotada, me rendendo aos seus absurdos. Serena é minha única
prioridade no momento, se para garantir um futuro para ela terei que casar
com o canalha, farei o maldito sacrifício. O problema agora é convencê-lo
disso.

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Impaciente, mal presto atenção na reunião mensal com o pessoal do
executivo, que eu deveria estar ministrando. Como se o encontro ocorresse
em uma sala ao lado, e não diante de mim, tudo que falam parece sem
importância. Observo tudo sem enxergar absolutamente nada, escutando
apenas um zumbido de vozes distintas. Não compreendo porra nenhuma do
assunto, mesmo sendo importante que eu saiba do que se trata. Minha
cabeça está presa em um único tema, martelando sem freios de tal modo,
que mal dormi pensando nele, angustiado e perturbado, sem saber quais
atitudes ao certo tomar.
Eu me sinto perdido, atormentado e até mesmo claustrofóbico.
Não posso ignorar o assunto como gostaria, fingir que não existe,
porque se a criança realmente for minha, não quero negligenciá-la. Ainda
mais se realmente tiver sido concebida na viagem. Isso tem cerca de quatro
anos, quase a idade de Zé, meu afilhado, ou seja, na mesma época que
Augusto, mas diferentemente dele, estou sabendo da novidade só agora.
Tenho que dar absolutamente todo o suporte necessário que a situação
exige.
— Algo a acrescentar, Antônio? — o diretor administrativo
questiona, intrigado, ao finalizar sua pequena palestra.
Percebo que todos estão virados na minha direção esperando meu
posicionamento enquanto estive divagando sem entender do que falavam.
— Preciso que me enviem pelo e-mail o balanço dos seus setores, vou
conferir com mais calma.
Arrumo minha camisa social, desconfortável, querendo voltar aos
pensamentos que estão vagando dentro de mim. Não consigo me manter
atento como deveria, e como estou assumindo toda a função de Augusto,
nada é decidido sem mim. Preciso saber exatamente o que está
acontecendo, para poder repassar para ele os pormenores.
A situação está tão séria, que sequer consigo prestar atenção ao meu
trabalho. Mal descobri a possibilidade de que posso ser pai e já me sinto
mal, me sinto repleto de inconsistências e dilemas, eternos dilemas de como
devo agir estão afetando até mesmo o que sempre fiz com facilidade.
— Pelo visto a noite de ontem foi animada, o homem está dormindo
acordado! — Ítalo, o diretor comercial, faz piada e todos riem.
Minha inexpressividade e o semblante mais duro dá o recado
silencioso que só eles acharam graça, imediatamente o piadista fica sem
graça. Ainda que eu seja do grupo da farra, nunca escondi isso de ninguém,
jamais negligenciei meu trabalho. Não costumo dar tal tipo de liberdade,
ainda mais em uma reunião séria. Depois do trabalho, é outra história, mas
enquanto eu estiver na minha função, exijo o respeito necessário como
chefe. Sei muito bem separar as situações.
E dos meus problemas, cuido eu, não são da conta de ninguém.
— Reunião encerrada. Cumpram suas funções, que seus empregos
dependem disso — Mantenho meu tom como o olhar para todos que se
tocam e saem com seus tablets.
Sozinho na sala, apoio o queixo nos meus dedos entrelaçados,
pensativo, quase melancólico. Antes de qualquer atitude, preciso ter a
confirmação que a criança de fato é minha, e se for, vou cumprir o que tem
de ser feito. Só que casamento está fora de cogitação, isso está decretado.
Eu evito surpresas para que algo como isso não aconteça, mas não
fujo das minhas responsabilidades, e nesse caso não farei diferente.
Sem querer esperar horário de almoço, interrompo meu trabalho, que
mal foi iniciado, e com meu blazer e chave do carro na mão, passo em
disparada pelo corredor onde está Luana, minha assistente.
— Vou precisar sair, volto após o almoço.
Ansioso, dou dois tapas rápidos na sua mesa, avisando da minha
dispensa. Augusto entenderá minha falta hoje.
— O que eu faço com sua agenda? — Obviamente estranha minha
reação atípica, com a fisionomia confusa e a caneta na mão.
— Remarque as reuniões que puder para a parte da tarde ou para a
manhã seguinte.
Entro na cabine metálica, querendo acabar com essa tortura, preciso
ter respostas concretas. Preciso tomar as rédeas da situação antes que se
torne pior e insustentável. E tem de ser logo!
4
ANTÔNIO GONZÁLEZ
De volta ao prédio velho e agora movimentado onde Vanessa
trabalha, não preciso acionar o interfone do lado de fora, visto que há uma
recepcionista.
— Tenho reunião com Vanessa do terceiro andar.
Sem paciência, passo por ela. A imitação de recepcionista concorda,
atenta ao próprio celular, sem nem mesmo verificar se falo a verdade. A
porra do prédio não tem segurança alguma, Vanessa é ainda mais maluca do
que eu poderia imaginar ao se enfiar aqui dentro. Em seu andar novamente,
bato na porta sem intervalo, e ela rapidamente abre, com um semblante
confuso que se torna amargo quando vê que sou eu já a essa hora da manhã.
Pelo visto acabou de chegar.
— Quero resolver esse assunto, Vanessa, e precisa ser hoje. —
Adentro sua sala quando ela dá passagem. — Saiba que cumprirei todas as
minhas obrigações de pai, mas eu exijo um DNA antes, para ter certeza que
a criança é minha.
Chego feito um leão, com firmeza, sem dar tempo que ela raciocine
direito produzindo mentiras ou argumentos para manipulação. Eu me
imponho, pondo as mãos no bolso e mantendo um olhar firme, a postura
corporal dando um nítido sinal de dominação. Sou eu quem vai conduzir
essa conversa, vou mostrar a ela que não estarei em suas mãos e acatarei o
que disser. As coisas funcionam diferente comigo, caso ela ainda não saiba.
Preciso me resguardar antes de tudo. Não é só dizer que a criança é minha e
jogar as responsabilidades em meu colo.
Ela também se mantém de pé, não recuando, transmitindo
autoconfiança. Não parece nem um pouco passiva; calmamente cruza os
braços, arqueando as sobrancelhas para mim de maneira irônica.
O clima entre nós é tenso, estamos na defensiva. A situação é
estranha, porque somos dois desconhecidos tratando de um assunto
totalmente íntimo e complexo em que fomos mergulhados sem aviso.
— Que bom que voltou para que possamos solucionar as dúvidas
restantes, farei questão de mostrar o resultado positivo. — De forma
orgulhosa e incomodada, aceita minha condição. — Mas acredito que nem
vai precisar.
Ela sorri de lado, como se fosse uma piada interna, e não entendo, até
que ela me passa o próprio celular em que há uma foto dela com a criança
na proteção de tela. Eu sinto o conflito interno ao ver a foto, feliz e surpreso
por ver a garota pela primeira vez. Ela é a minha cara, mesmo que eu note
também os traços da mãe. Embora tenha olhos verdes como os meus, sua
pele é cor de oliva, os cabelos têm um tom escuro de dourado e são
cacheados, o que demonstra que claramente pode, sim, ser minha.
Mas isso ainda não é o suficiente, gosto de provas documentadas.
— Essa é a Serena. Convencido? — Ela põe o celular de volta no
bolso.
— Serena? Que nome é esse?
— Eu era fã de Gossip Girl na adolescência. — Ela dá de ombros, e
eu não peço que explique, mesmo não entendendo. — E porque eu queria
ser tenista quando criança. Mas se ainda quiser o DNA, não vou me
importar, é o tempo de resolvermos as coisas sobre o casamento.
Ela suspira, prendendo os lábios, que se tornam uma linha fina e
esbranquiçada. Volta à grande questão do casamento, como se fosse um
combo, venda casada. Insiste que tenho de casar com ela, quando eu não
quero, só porque possivelmente somos pais de uma criança.
— Não vai existir casamento, Vanessa. Eu vou assumir a criança e
vou dar todo o suporte necessário, uma boa mesada, mas será apenas isso!
— friso, diminuindo o tom, mas com mais autoridade, para ver se ela
compreende, já estou ficando irritado com a insistência. O mundo em que
eu vivo definitivamente não é assim como ela pensa, não é assim que as
coisas funcionam.
— Antônio, acha que ser pai é fazer um simples pagamento da
pensão? Pai é presença, suporte emocional, precisa participar da rotina dela,
não é apenas na certidão e pegar nos fins de semana, é fazer todo o papel
que lhe cabe. Porque se for para surgir na vida dela para depois sumir
novamente e fingir que a menina não existe, prefiro que ela nunca o
conheça, assim não vai se sentir rejeitada. A decepção será menor!
Ela muda a expressão, agora mostra um olhar mais sério e incisivo
diretamente para mim.
— O que mais você quer de mim? Eu já falei que vou assumir e dar o
suporte!
Gesticulo efusivamente assim como ela, notando que a conversa está
evoluindo rapidamente para uma discussão acalorada.
— Quero além do básico, Antônio. Se acha uma catástrofe ser
presente na vida dela, tente criar sozinho enquanto faz faculdade, lidando
com a responsabilidade que deveria ser dividida, sem saber onde está o
homem com quem ficou por uma noite e sumiu no dia seguinte. Enquanto
você vivia sua vida, Antônio, desimpedido, eu estava me fodendo,
aguentando tudo sozinha e sendo julgada, como ainda sou até hoje, então
não pense que fazer o mínimo é o suficiente! — Vanessa fala irritada, de
forma dura e firme, como se estivesse desabafando mais para o mundo do
que para mim. Atira sua raiva na minha cara, mostrando quão ofendida
ficou com minha imposição, e eu recuo um pouco, para equilibrar os
ânimos.
— Vanessa, eu não sabia que aquela noite resultaria em uma criança.
Se eu soubesse…
Ando de um lado a outro, frustrado com toda a situação, por não
conseguirmos entrar em um consenso sem brigar. Solto o ar profundamente,
percebendo que nossas vozes estão se elevando.
— Se soubesse o quê? Iria me propor o que está propondo agora? Pôr
seu nome em um pedaço de papel e achar que pensão substituiria suas
responsabilidades paternas diariamente? Minha filha merece mais, e não
suas migalhas, isso é a única coisa que não abro mão. Já que vai entrar na
vida dela, que faça as coisas direito, precisa ser pai integralmente, assim
aprenderá a realmente cuidar dela. Será sob minha supervisão, mas não vou
aliviar a responsabilidade. Não sabe cuidar? A gente vai aprendendo a fazer
isso acontecer juntos. O problema é: você quer aprender a ser um pai de
fato, Antônio?
Ela cruza os braços, parecendo irredutível. Que garotinha intragável
do caralho, me faz queimar de raiva em questão de segundos, me faz chegar
a níveis absurdos, e olha que mal tem idade para me enfrentar dessa forma.
Mas a mulher é petulante, só tenho vontade de mostrar que não costumo ser
tão paciente e flexível quanto estou sendo.
— Tudo bem, Vanessa, guarda compartilhada, acharemos uma rotina
que se encaixe para nós dois. Primeiro preciso do DNA, não adianta discutir
sem antes ter certeza que a filha é minha, tudo isso ainda pode ser em vão.
Se for, me comprometo com a menina, farei todo o meu papel de pai como
me cabe, mas nada de casamento ou qualquer golpe que queira dar, e ponto
final! Não pense que vai se beneficiar em um casamento vantajoso por
causa da criança, porque não vai! — reforço com um tom mais duro e sem
paciência para a loucura absurda que ela e o pai querem me enfiar por mero
capricho!
Volto para o primeiro problema, para só depois resolver o resto, não
decidirei nada sem o exame em mãos. Eu me aproximo mais, bem mais,
com o queixo travado de raiva, a mão coçando para agarrar seus cachos
escuros, a fim de reafirmar que comigo ela não vai se criar. Noto que ela se
apruma em uma postura ereta, duelando comigo com uma expressão
ofendida e descontente, mostrando que também não está intimidada.
Vanessa sustenta o olhar de baixo, já que sou maior, um olhar intenso e
corrosivo que me fita de maneira altiva, da mesma forma que antes, sem
baixar a guarda. Isso faz com que minha garganta imediatamente seque, o
corpo reagindo a ela. Nesse momento, percebo que as coisas não estão indo
como deveriam, em todos os sentidos, me deixando a um triz de cometer
uma grande loucura, de diversas formas.
Seu perfume apimentado invade meu olfato, me atinge como não
deveria, roubando qualquer raciocínio lógico; seus seios suspensos e
espremidos no meu tronco duro me desnorteiam, todas as minhas entranhas
pinicando ridiculamente com nosso contato tão próximo, me trazendo uma
sensação estranha. Parece haver uma fagulha provocante se alastrando sob
minha pele quando recebo sua respiração ofegante contra mim. Os lábios
próximos, mas sem se tocarem, são como um choque que esmaga tudo por
dentro, daqueles que paralisa com a mesma força capaz de tumultuar a vida
e explodir tudo como uma bomba atômica, estilhaçando tudo. Eu sequer me
reconheço agora.
A cretina ofega pela força da situação, como se estivéssemos
compartilhando exatamente a mesma voracidade confusa do reencontro.
Posso sentir sua boca macia pintada de vermelho raspando nos meus lábios,
e ela arfa de um jeito sensual, deliberadamente como se mal estivesse se
contendo.
O clima vai de um extremo ao outro, de envolvente tudo parece agora
perigoso. A infeliz tem uma beleza perigosa que mulheres da sua idade não
deveriam ter. Não é algo cândido, não é ingênuo, Vanessa soa sedutora e
fatal, como uma mulher que sabe o que o próprio corpo causa em um
homem e não se importa com isso. Ela parece saber que atenta o juízo até
mesmo do mais controlado dos homens, provocando um fascínio perigoso.
Perceber isso na conjuntura atual me deixa desorientado e desconfortável.
— Tá decretado, casamento é algo fora de questão! A minha
obrigação de pai farei, mas com você não tenho nenhuma!
Ponho o dedo polegar em cima dos seus lábios inchados, corpos tão
grudados, percebo sua pele arrepiar; essa cena chega a soar libidinosa, uma
atmosfera palpável de tão agressiva. Notando a energia densa que
produzimos quando juntos, um recebendo o descontrole do outro, dou o
veredito de forma fria. Ela olha para a minha boca enquanto vocifero e em
seguida novamente para meus olhos, com uma intensidade erótica que me
fode a ponto de quase perder a razão.
Desnorteado e trêmulo de raiva, desço descompassado pelas escadas
do prédio com mais rapidez e fúria do que antes, sem nem ter esperado o
maldito elevador. Estou transtornado demais para ficar parado depois do
que acabou de acontecer. Pior é o que poderia acontecer se eu cometesse
uma loucura que me arrependeria logo depois.
Um passo em falso, e tudo pode se tornar pior. É isso que ela quer de
mim, minha irracionalidade, mas não vou ser um brinquedinho dessa
garota, de novo não. A cretina conseguiu me fazer engolir em seco, quando
deveria apenas repeli-la. Mal me reconheço com tanta desordem de
pensamentos em relação a ela, essa mulher que não se intimida em
momento algum ou desvia dos meus olhos, claramente não se submetendo a
nada do que eu falo. Ela não se sente encurralada, o que é um sinal claro e
mais do que crítico de que tem alguma carta na manga para estar agindo
assim, de maneira tão impertinente. Esse detalhe me serve de alerta, essa
garota pode foder com tudo, como se tivesse a possibilidade de pegar minha
vida perfeita em suas mãos e jogar no ralo.
Abro os botões da camisa social, como se a roupa não fosse minha,
como se vestisse um número menor, de tão sufocado que me sinto. Tesão é
passageiro, tenho muito a zelar, infelizmente entendi isso do pior jeito.
Ela rouba a porra da minha racionalidade!
Ainda sinto o cheiro do seu perfume, como se estivesse impregnado
não só na mente como na minha roupa e pele. Do mesmo jeito, pareço
sentir a textura macia do seu corpo. Estou totalmente descontrolado e
enraivecido comigo mesmo, duelando internamente por causa dessa cretina
que vem me peitando como se soubesse realmente com quem está lidando.
Essa infeliz pode foder com minha vida, e pelo visto está prestes a
fazer isso. Tenho certeza de que usará todas as armas que puder, então não
vou me permitir ficar nas suas mãos. Ela não usará a criança para me ter
como sua marionete, se é isso que tem em mente. Se quer pescar um
relacionamento vantajoso comigo, filho não servirá de garantia de
casamento, muito menos ajudará a melhorar de vida, se beneficiando do
golpe de sorte de ter engravidado. Não duvido nada que tudo tenha sido de
caso pensado.
Sou um dos executivos mais conhecidos da última década, Augusto
pode ser bom em manipular as pessoas para elas fazerem o que deseja, mas
por trás de tudo isso, existem os meus movimentos sagazes em investir no
que poderia trazer o melhor retorno para gente. Se ele troveja e assusta, eu
sou menos impetuoso no modo de agir, tão implacável quanto, como um
tubarão. O mundo corporativo sabe, se eu adicionar uma empresa na nossa
gestão por meio de fusões ou sociedades, aos poucos o negócio se torna
uma holding referência no mercado. Estamos dispostos a tomar conta do
mercado ainda mais, e logicamente isso faz com que haja uma gama de
mulheres atrás de uma fatia da minha fortuna.
Sou homem de várias mulheres, mas sou seletivo, não me deslumbro
por isso. Jamais serei peão de mulher alguma, sei ser racional, controlar
meus impulsos. Se ela quer um escândalo, não terá. Apenas um, com meu
nome, já seria prato cheio para os urubus da mídia. A empresa mal se
recuperou das oscilações do mercado por toda a polêmica do Augusto, se eu
me enfiar em uma em tão pouco tempo, nosso prestígio tão bem construído
pode ser prejudicado.
Sem opção e não tendo cabeça para voltar ao prédio para me enfiar no
trabalho, por mais que seja necessário, é até mesmo uma maneira de
escapar e tentar não enlouquecer, recorro ao único homem que pode me
ajudar nessa, o único sujeito que poderá me aconselhar da melhor forma:
meu melhor amigo. O cara nasceu para cuidar de crianças, aposto que se
estivesse na situação que estou, estaria sorrindo abertamente feito um
bobão. O que mais quer é ter mais uma criança para o chamar de pai.
Ele vai ter de me ajudar a clarear a cabeça antes que eu faça algo de
errado e complique mais minha situação. Nesses assuntos de paternidade,
não sei absolutamente nada. Rapidamente volto ao meu carro, e mesmo
com a música alta, consigo escutar meus pensamentos brigarem entre si.
Está difícil me concentrar em algo quando tudo que eu penso é naquela
pequena infeliz e seus lábios inchados, sua pele brilhosa. É como se
Vanessa reluzisse naturalmente, o que me deixou perturbado. Eu fui
atingido por tão pouco para estar assim, angustiado. Acelero nas ruas menos
movimentadas que quando saí de casa.
No condomínio de Augusto, sigo direto até a cobertura. Pressiono
diversas vezes a campainha, passando a mão no rosto, suando frio, ainda
que eu já tenha me livrado do blazer há muito tempo. Imediatamente me
vejo dobrando as mangas da camisa.
Meu amigo aparece com sua filha recém-nascida nos braços a
ninando, uma expressão nitidamente cansada e confusa ao me ver parado na
sua porta logo pela manhã, quando eu deveria estar trabalhando.
— Não vai me dizer que colocou fogo nas torres para aparecer aqui
de repente!
Ele me dá espaço para entrar enquanto balança a neném, que
resmunga baixinho em um chorinho manhoso.
— Se fosse isso seria mais fácil de contornar!
Suspiro e me afundo no seu sofá, fechando os olhos a fim de
restabelecer o controle. Pelo silêncio da casa, Zé deve estar no colégio e
Margot dormindo.
— Tony…
Seu tom é de alerta, querendo saber o que está acontecendo. Nem me
dou o trabalho de abrir os olhos, respirando com pausas longas e digerindo
a situação.
— Não é com a empresa, eu realmente só preciso muito conversar
com você!
Adianto para acalmar o coração dele antes que sejamos nós dois
surtando.
— Está me assustando, cara, qual é! Parece até que engravidou
alguém.
Certeiro, ele ri da minha cara, que não deve estar das melhores, me
provocando com algo absurdo. Eu até gargalharia em outras situações, o
problema é que agora isso é a verdade. E ao ver meu silêncio sepulcral, ele
tira as conclusões por si só. Não demora para que eu tenha um copo de
uísque duplo com gelo e a mão do meu amigo nos meus ombros, num gesto
apoio que aceito imediatamente.
— É alguma das meninas do clube?
Ele me encara de forma urgente e fria, querendo saber do problema.
Se ele ficou embasbacado com a notícia repentina, imagine eu!
— Não, descobri que posso ter um filho perdido quase da idade do
Zé, e o pior, a criança é a minha cara, a coisa mais linda. Eu engravidei a
mãe quando ela era menor de idade, lá no Caribe. Apareceu ontem com a
notícia, e o pai dela é daqueles fazendeiros brutos, veio todo mandão
exigindo que nos casássemos, e a louca ainda assina embaixo. Estão me
obrigando a casar.
— Você é maluco, porra? Menor de idade? — É nítida a sua
reprovação, e reconheço que escorreguei feio.
— Eu não sabia, não dava para desconfiar que ela era menor de idade.
Foi ela quem veio até a mim, estava prestes a fazer dezoito na noite que
transamos.
Tomo um grande e longo gole da bebida, querendo que substitua o
amargor interno.
— Então ela é da idade da Má. Cara, você está fodido, porque isso
pode te causar uma polêmica sinistra! — Lamenta, não me poupando. — E
não terá defesa que justifique!
— Eu sei, fui amador demais em não ter percebido. Mas casar, eu
realmente não irei! — vocifero raivoso.
Bagunço meus cabelos curtos, a fim de aliviar esse terremoto interno.
Com essa mulher, eu agi feito um trouxa, praticamente fiz tudo que não
deveria, fui totalmente contrário às minhas regras. Na verdade, ela
dinamitou todas elas. A gente fodeu com ela sendo menor de idade, e sem
proteção. Vanessa engravidou e agora está tentando me arrastar para a porra
de um casamento! Absolutamente tudo que fugi minha vida inteira parece
ruir por causa de uma garota de vinte e dois anos!
— Mas independentemente da situação, se a criança for sua, assuma,
não vai querer perder mais dela. Ter um pai presente é importante demais, e
vê-la crescer é um privilégio que não vai querer negligenciar, é uma
experiência única. O problema com a mãe é outra história, não puna sua
filha, que é a única inocente nessa história toda! — Ele me alerta de forma
dura.
Augusto é apenas três anos mais velho que eu, mas age como se fosse
meu irmão mais velho, e as duas décadas de amizade nos permitem ter essa
relação. Concordo completamente, jamais misturaria os problemas, em
momento algum pensei em não assumir se de fato for minha filha.
E pensando em como farei tudo, disposto a marcar desde já o exame
de DNA para tirar a prova de uma vez, penso no que farei depois, se o teste
confirmar a paternidade daquela garotinha. Penso em como tudo vai mudar.
Só sei que mesmo recebendo a notícia de surpresa, darei o suporte
necessário, não sei muito bem como farei, mas tentarei ser um bom pai.
Meu pai foi um exemplo de paternidade, me criou sozinho, mesmo
afundado nos próprios problemas. Não me importo de ser um pai como ele,
meu problema seria se eu me tornasse um marido como ele. Seu Geraldo é
meu exemplo maior de que não se deve casar, então não pretendo repetir
seus erros, nem mesmo se estiver sob pressão.
Escuto a gargalhada de Augusto de forma repentina, viro o pescoço e
o observo de rabo de olho com a expressão carrancuda, querendo saber o
que ele está achando tão engraçado, porque a situação não está para isso.
— De que porra está rindo, Augusto?
— De você, fugiu tanto para nada. — Ele continua rindo, com a bebê
adormecida sumindo em seus braços. — E ainda pai de menina. Eu estou
me esbaldando em como o destino é filho da puta. Riu de mim com Má, e
agora tenho a oportunidade de fazer o mesmo com você. Eu preciso
conhecer a guerreira!
— Está engraçadinho depois que voltou a transar regularmente, né,
escroto? — Azedo, apoio o cotovelo na minha perna, alisando a barba.
— Casado! — Como um cachorro feliz na coleira, mostra o anel de
compromisso de forma orgulhosa, sendo que nem chegaram ao altar de fato.
— Futuramente descobrirá o que é isso, e não aceito não ser escolhido
como padrinho!
Nego efusivamente com a cabeça, dando um muxoxo em discórdia e
bebendo o restante do líquido de uma vez. Acho que Augusto bem
humorado é pior que o carrancudo de sempre.
— Jamais!
Eu me benzo para afastar suas pragas, arrepiado só com a maldita
possibilidade. Ainda sou muito jovem para destruir a vida dessa forma,
ainda que ela nunca tenha estado tão fora da linha como agora. Uma coisa é
certa: não casarei nem mesmo amarrado!
5
VANESSA VERSAILLES
Exausta depois de mais um dia longo tentando fazer minha vida
funcionar, abraço Serena, que já está adormecida e cheirando a talco, com
suas mãozinhas agarradas na minha blusa. As lágrimas quentes caem
teimosamente dos meus olhos em um choro silencioso. Eu sinto a todo
momento que não sou boa o suficiente para receber esse amor tão puro que
ela oferece a mim.
Hoje em especial me sinto um fracasso de pessoa, com os rumos que
nossa vida parece tomar. Eu me sinto uma grande golpista interesseira em
relação a Antônio agindo como meu pai e exigindo o que nem eu mesmo
quero cumprir. O que eu mais gostaria é que meus planos iniciais não
fossem anulados dessa forma.
Eu nunca liguei de estar só, pelo contrário, até me sentia muito bem
resolvendo meus problemas sem precisar de ninguém. Mas agora que sou
mãe, a sensação de solidão vem pesando. Estar sozinha com um bebê, que
terá o futuro definido por suas ações, e ver esse ser tão pequeno sem poder
escolher o que acha melhor é até mesmo cruel, o amor por ela compensa,
mas dói carregar toda a responsabilidade sozinha. Conviver com todo esse
medo e aflição sozinha é bem difícil sozinha.
Quero dar uma vida melhor e saudável para Serena, mesmo sabendo
que hoje ela receba o cuidado e atenção que toda criança merece. O lar do
meu pai não é pleno para ela, porque Serena continua tendo que presenciar
essas discussões, mesmo não tendo culpa alguma. Minha filha merece uma
infância mais saudável e livre dessa extrema cobrança, sem a carga de ser
perfeita e não poder escolher os próprios caminhos, porque meu pai
simplesmente escolheu viver uma vida de ser influenciador de pessoas.
Tudo que se faz na nossa família é motivo de julgamentos impiedosos nessa
cidade tão pequena, tudo acaba se parecendo um reality show.
Limpo as lágrimas antes que Serena acorde e me veja dessa forma,
embora ela seja a filha, quer cuidar de mim como se fosse minha mãe. É
bonitinho demais o jeito que me protege, mas não quero que tenha
preocupações comigo.
Eu me remexo desconfortável na cama, a calcinha úmida me irrita,
fruto de uma simples divagação acerca dos olhos vis de Antônio, que não
saem da minha cabeça desde essa manhã, quando esteve tão de pertinho,
que pude sentir o desnorteamento. Descobri o furacão que podemos ser
quando juntos, independentemente da situação. Aquele cretino precisava ter
o corpo tão firme? As mãos tão grandes e braços fortes, cobertos de
tatuagens por baixo da camisa social. E para piorar, a voz grave e muito
brava que me arrepiou como não deveria. O desgraçado não vale nada,
brigou comigo, me chamou de interesseira, e eu pensando na porra do seu
corpão forte duro e tatuado.
Maldito reencontro tumultuado que não está me deixando indiferente.
E tudo fica pior por ele ter sido ele o último homem com que eu transei. Eu
vivi como eremita desde que engravidei, é difícil começar um
relacionamento novo. Passou a ser duro acreditar que vai dar certo, sempre
fico com o pé atrás, tentando corrigir os erros que cometi. Tudo isso é
complicado.
Sair para transar casualmente? Só em meus sonhos. Todavia essa não
é minha prioridade no momento, e se chegar a acontecer, não será com ele
novamente, há erros que cometemos apenas uma vez e já entendemos que é
furada. Nem deveria ser cogitado primeiramente, tudo que quero desse
homem é distância.
Marcamos para amanhã o DNA, ele passou na empresa antes que eu
finalizasse o meu expediente, parece estar com pressa assim como eu.
Ainda que morar junto com ele seja um grande passo para minha
liberdade, não é o certo forçar um casamento. Infelizmente é minha única
saída, pelo menos há uma razão positiva para convivermos: estando junto
vou conseguir saber se poderei confiar minha pequena preciosidade em um
processo de guarda compartilhada. Não posso pensar só em mim e meu
desconforto de me submeter a isso, a coisa que mais importa no mundo é
minha bebê. Eu quero que ela tenha o direito de conhecer e viver com o pai,
não quero privá-la de nada, porque para ela não importa quais são meus
erros ou acertos, porque sabe que a minha dedicação é o que faz seu
olharzinho de admiração no qual não quero perder nunca.
Eu não vou prolongar isso, vou fazer o que meu pai quer, já que não
me ofereceu outra saída. Esse casamento será um sacrifício que farei por
um bem maior, mesmo que de forma temporária. Eu só vou me sentir
realizada no dia que conquistar meu objetivo e não ter de dar satisfações a
ninguém. Para isso, preciso conquistar minha independência, e isso é só
questão de tempo. A maioria das empresas que contatei para oferecer meus
produtos foram conservadoras demais, ainda mais no ramo de bebidas. Mãe
solo não é bem vista em lugar algum, assim, comigo estando casada,
conseguindo contratos e minha marca andando com as próprias pernas, fico
livre do meu pai e suas imposições descabidas.
Eu poderia contar a Antônio os motivos de precisar do casamento,
mas não quero que saiba, ele pode muito bem ir brigar com meu pai e meus
planos acabarão indo por água abaixo antes mesmo de os pôr em prática.
Senhor Jorge não pode sonhar que eu vou passar a perna nele, porque pode
até me forçar a casar, mas não pode me forçar a manter o casamento.
Mulher divorciada é mulher que não é nem do marido nem do pai, voltarei a
ser sozinha como fui desde sempre. É o caminho mais fácil para conseguir a
sonhada liberdade, e quando tiver minha herança e a vinícola for registrada
com meu nome, me divorciarei sem peso na consciência, o próprio Antônio
não vai se opor. Meu movimento não machucará ninguém.
Ao menos assim eu me consolo e conquisto o que tanto quero. Meu
destino é não ter nada nem ninguém para atrapalhar.
Serena se remexe ao meu lado, ronronando e se grudando a mim
novamente ao perceber que que me distanciei. Faço um carinho nas suas
bochechas, sorrindo toda boba por ela ser tão linda, enquanto tento afagar
meu próprio coração com essa nova saída. A única certeza que tenho é que
minha prioridade será sempre minha filha, o que preciso é que esteja
comigo, trazendo leveza aos meus furacões internos, curtindo sua infância
da forma mais leve possível.
O resto é mero detalhe.

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Uma semana depois…
Dois toques na minha porta desviam minha atenção. Suspendo o olhar
para assistir à entrada de Vanessa e toda sua autoconfiança, seu caminhar
com passos firmes e andar sensual em um salto finíssimo, como se a sala
fosse dela. Os cabelos cacheados soltos se movimentam junto com seu
quadril largo, é inevitável me arrumar na cadeira pela fisgada entre as
pernas, quase com a sensação de cueca apertada, como se eu não tivesse
controle sobre mim, o que já está começando a de fato me irritar. Ela mira
meus olhos, altiva, com nariz empinado, como se eu fosse seu alvo
específico. Eu me levanto, percebendo que nas suas mãos há o envelope
que eu presumo ser o resultado do teste. Nós não nos encontramos desde
então, não tive dias tranquilos como previa.
Ela se fez presente a todo instante, nem vigor para foder eu tive, de
tanta angústia e ansiedade pelo resultado, mas agora a espera finalmente
acabou. Ponho a mão no bolso, esperando que chegue até a mim, e assim
ela faz, parando diante a mim apenas com a minha mesa de madeira cheia
de papéis nos separando.
— Fui buscar, abra. — Ela joga em minha mesa, se impondo. — Se
preferir, pode conferir o lacre antes, para não achar que eu violei o
documento.
Ela cruza os braços, esperando que pegue o envelope. Irritado, apanho
o documento duelando olhares com ela, para finalmente saber os rumos que
nossa vida vai tomar. Se essa criança não for minha, é bom que ela se
prepare para o inferno que sua vida se transformará, até porque foi escolha
dela entrar na minha.
— Senhor… — Somos interrompidos pela minha assistente, ela
mantém o mesmo olhar preocupado da outra vez.
No último mês teve mais gente chegando de surpresa aqui para causar
tumulto que em qualquer ano.
— Tudo bem, Luana, não foi culpa sua a loucura que esse prédio se
tornou. — Já adiantando, a tranquilizando.
Só Deus sabe o que Vanessa fez para conseguir chegar até aqui sem
que eu fosse comunicado. Estou ficando com pena de Luana, com esse
pessoal vindo atrapalhar o trabalho dela, daqui a pouco está se demitindo
por não aguentar a pressão.
Vanessa arqueia as sobrancelhas para mim, entortando o pescoço em
um deboche claro frente a minha reclamação quando a mulher bate à porta
novamente.
Com os olhos semicerrados, travando o maxilar de tensão, rasgo o
envelope, querendo acabar com isso, já que ela veio aqui, no meio do meu
expediente, me desorientar. Nos últimos encontros, sempre acabamos nos
desentendendo. Eu recebi o e-mail, como ela, informando que o teste estava
pronto, só que eu havia decidido primeiro concluir minhas tarefas
acumuladas antes de ir buscar e me enfiar em mais um problema que exige
muito de mim, principalmente autocontrole.
Mas, pelo visto, não adiantou muito, o problema veio até a mim, de
vestido rosa de mangas compridas e quase sem decote, uma peça que
acentua suas curvas, principalmente a cintura fina, que antecede a bunda
indecente e as coxas grossas. Vanessa se veste de maneira elegante, pronta
para abalar as estruturas de qualquer homem. O fato é que odeio esse tipo
de temperamento vindo de uma mulher que é gostosa e toda curvilínea sem
fazer o menor esforço porque sei que ela pode acabar com minha vida,
foder meu juízo torna tudo bagunçado. Eu sou bastante racional, mas nem
um pouco cego.
Positivo. Eu realmente sou pai! No fundo, eu meio que já sabia, a
menina é uma fusão muito bem feita de nós dois, linda para caralho, só
como uma Gonzalez poderia ser.
Caralho, sinto como se um peso bem grande caísse sobre mim, sinto
até mesmo um vazio se misturando com a sensação de estar quase
explodindo com sensações indescritíveis. Sequer sei como assimilar o peso
dessa palavra tão pequena, mas com o poder enorme de ditar como será
minha vida.
Eu sou pai de uma criança que nem vi nascer e não faço a mínima
ideia de como manter viva. E agora?
Suspendo o olhar para Vanessa, que com os lábios em um biquinho e
cara de convencida, tranca mais ainda os braços cruzados, como se dissesse
silenciosamente: eu disse! É incrível como ela demonstra a personalidade
só com a porra de um olhar.
— Mais algum requisito para fazer o reconhecimento de paternidade
e lidar com a situação ou vai renegar e insistir em dizer que eu estou te
enganando? Agora com as provas não tem como inventar mais desculpas.
Ela se apoia na minha mesa e projeta o tronco para frente, o que me
dá o vislumbre da parte de cima, o volume dos seus seios. Sinto o desejo
travesso de pôr as mãos lá me atiçar como um diabinho em meus ombros. A
adrenalina da devassidão me faz recuar, há coisas mais importantes para
lidar aqui nessa relação já atravessada.
Temos que decidir como faremos as coisas funcionarem.
— Não, só queria algo que comprovasse. Como faremos para
compartilhar a guarda?
— Casando. Não é por mim, Antônio, mas por minha, agora nossa,
filha.
Gargalho de forma seca frente a sua tentativa de fingir altruísmo, mas
logo fico sério novamente.
— Ainda nisso, Vanessa? — Não me exalto, apenas imito seu gesto
de cruzar os braços. — Quando vai entender que casamento e filhos não são
um combo? Seja racional, eu estou me comprometendo a cuidar dela com
você, dar tudo do melhor, mas se insistir nisso, a adaptação vai ser pior.
Aceite minha oferta de uma vez e esqueça essa loucura de casamento,
porque não vai existir isso!
Ela, para minha surpresa, murcha os ombros, não revida
imediatamente como achei que faria, mas sua linguagem corporal continua
tensa e irritada. Impaciente e frustrada, eu poderia dizer. Preciso mostrar
desde o início que ela está lidando com um homem poderoso que pode
amassá-la como um trator se ousar querer duelar comigo, tentando impor
mais do que deveria e exigindo obrigações descabidas simplesmente porque
acha que eu devo.
— Sei que há muita coisa em jogo, mas em relação à minha filha é
diferente, não é apenas se comprometer. Para ela conviver com você, eu
primeiro tenho que saber quem é, só assim podemos pensar em uma guarda
compartilhada futuramente. Independente se é pai ou não, você ainda é um
desconhecido, estamos sendo apresentados somente agora. E só saberei
quem é de verdade com convivência, Antônio, eu quero te ver cuidando
dela sob a minha vista, numa rotina. Só aí verei se é capaz de cuidar dela.
Pode ir para um juiz, o que for, mas só entrego minha filha em uma guarda
compartilhada quando eu achar que Serena estará completamente segura. Se
para isso, a gente precisar viver sob o mesmo teto, nos suportando até que
você aprenda a ser pai, eu faço por ela.
Pelo visto minha tentativa de termos a primeira conversa civilizada
não vai existir. É o cúmulo do absurdo, não sou um homem que cede a
pressões facilmente, meu trabalho me treinou e muito a sempre agir
racionalmente independentemente da ocasião. Então Vanessa não vai tirar
nada de mim agindo dessa forma, não vai me enfiar em uma pressão
emocional e ceder ao que ela quer.
— Primeiro você exige que eu me comprometa, que cuide dela
integralmente, para depois dizer que não confia? Vai precisar se decidir!
Entenda que nada que você falar me fará subir em um altar com você, pode
espernear à vontade! — Cuspo minha raiva entredentes.
As coisas definitivamente não são assim, e quanto antes entender, mas
fácil e menos tempestuoso será lidar com tudo. Sabendo que teremos que
ajustar nossas rotinas para fazer acontecer, para cuidarmos juntos de um ser
inocente.
Ficamos trocando olhares duros e firmes, como se estivéssemos
negociando, o suficiente para mostrar que nenhum de nós dois vai recuar. A
diferença é que nunca perdi negociação alguma, quando entro no jogo, eu
ganho, simples assim.
Vanessa hesita, declinando algo na própria cabeça e estalando os
dedos, mas suspira, voltando a ser a mesma de sempre.
— Fazer o que eu estou te pedindo é a maior prova de amor que pode
dar à sua filha! — Ela me encara profundamente, como se houvesse mais
por trás de tais palavras.
Não entendo, mas também não questiono, porque Vanessa dá as
costas, me deixando ali sozinho com o ar de que esse assunto ainda vai me
irritar, e muito. Agora teremos de fazer parte da vida do outro para a
eternidade. Eu me jogo novamente na cadeira, exasperado e encarando
novamente o papel do resultado do exame, uma sentença que faz com que
meu coração pulse gelado.
Pego o documento e fecho o notebook, com grosseira, disposto a ir
embora trabalhar em casa, já que tenho intenções de beber para assimilar o
fato de ter caído uma criança de paraquedas na minha rotina, com uma mãe
temperamental, desaforada e barulhenta.
— Luana, vou terminar o restante do dia em home office — aviso
com meus objetos em mãos.
— O senhor está passando mal? Aconteceu algo?
Ela desliga o interfone, no qual estava se comunicando com alguém, e
se vira para mim, tentando entender porque finalizei o expediente algumas
horas antes. Minha situação deve estar tenebrosa, uma decadência, sem o
blazer e com a gravata frouxa. Minha vida deu um giro inesperado, mal tive
tempo de assimilar tudo, porque uma mulher com uma família louca está
querendo acabar comigo, nem sequer fodemos. Na verdade, fodemos, o
problema é justamente porque fodemos, mas nem posso levar muito em
consideração porque faz isso anos atrás. Só não imaginaria que as
consequências dessa noite foram as mais surpreendentes.
— Não, você pode finalizar o seu expediente assim que acabar suas
pendências, qualquer coisa me envia um e-mail.
Deixo avisada, afinal não tem por que ela ficar até o horário
tradicional se eu não estou aqui.
Sentado no meu Maserati, que até então era meu único filho, não dou
a partida imediatamente, apenas fico olhando para o horizonte do
estacionamento cheio, tentando assimilar o tipo de pai que serei, porque me
tornei um. Nunca fiz questão de ser pai justamente porque nunca me
imaginei sendo um. Eu vivo uma vida livre, desimpedido, saio e volta a
hora que quiser, não tenho nem cachorro para não me prender a nada. Faço
o que der na telha, então ter um filho é exatamente o oposto a essa minha
vida atual. Agora tenho que reformular tudo para recebê-la com cuidado e
atenção necessários.
Eu sei bem como a criação dos meus pais me refletem até hoje, tanto
em como devo seguir com minha vida, como também naquilo que não
quero ser. Agora é a minha vez de pesar cada ação, sem nem fazer ideia das
consequências, preciso me comprometer com as coisas que precisam ser
feitas, porque minhas ações atingirão diretamente uma criança inocente, e
isso está fodendo com o meu juízo.
Mal tenho ideia de como fiz o percurso até em casa, mas me vejo
descalço, de apenas calça social desabotoada e sem camisa, jogado no meu
sofá macio e diante do notebook aberto. Vejo na tela algumas planilhas que
não consigo decifrar o conteúdo e logo ao lado uma garrafa de conhaque.
Bebo diretamente do gargalo, querendo que todo esse álcool ingerido de
uma só vez me dê todas as respostas que preciso, mas só consigo enxergar
as coisas turvas.
Beber em meio ao expediente é o menor problema, o que acaba
comigo mesmo é a pretinha cacheada querendo me obrigar a um casamento,
mas ela não vai me vencer no cansaço, não vai me arrastar para essa grande
tortura de matrimônio. E foda-se o restante, esse é a única coisa que ela não
vai bagunçar nas regras que prometi a mim mesmo desde criança cumprir.
Eu ainda sou o dono da porra da minha vida!
6
ANTÔNIO GONZÁLEZ
A campainha toca insensatamente, me obrigando a abrir os olhos. Eu
me sinto atordoado, os olhos ardem imediatamente, me obrigando a fechar
novamente por conta da claridade e da pressão na nuca. Parece que estou
prestes a explodir, mal vi o dia amanhecer. Só tenho a sensação que acabei
de deitar, como se eu tivesse sido nocauteado.
Sequer sei que horas são.
Eu me sento no sofá todo babado, desorientado e segurando a cabeça,
tentando assimilar os primeiros segundos de consciência. Maldito conhaque
jogado no chão, a garrafa vazia junto de outras garrafas de cerveja. O
famigerado gosto amargo e a garganta seca soam como o sabor perfeito do
limbo.
A campanha contínua de forma chata a me obriga ser ágil para saber
logo que diabos de desespero é esse. Se não for o síndico avisando que é
incêndio ou precisando socorrer alguém, eu vou matar quem estiver do
outro lado da porta. Nem verifico no olho mágico, apenas abro e dou de
cara com Jorge e Mariano bem ali, com expressões nada boas.
— Que porra vocês querem aqui? — Eles me olham estranho, então
percebo que estou com o pijama do Patolino que a senhora que cuida da
minha casa mensalmente desde que eu era moleque me presenteou. Não
quis fazer desfeita e recusar, e pelo visto minha versão bêbada achou
coerente usar essa madrugada, justamente quando recebo uma visita
inconveniente logo pela manhã. — Estou sem roupa limpa, só para avisar
— eu me justifico de cara fechada, para manter a pose máscula,
independentemente das minhas vestimentas.
Vejo que Mariano dá um sorriso irônico, e eu já tenho vontade de
partir para a agressão. Será que um homem não pode ter paz dentro da
própria casa? Cruzo os braços, tentando me situar e me impor, querendo
entender como e por que vieram até a minha casa a uma hora dessas. Eu
não entendo e nem tenho mais paciência para essa família que
simplesmente chega até a mim com facilidade, mesmo a portaria tendo
segurança, como no prédio onde trabalho. Os Versailles vieram dispostos a
foder com minha vida e tirar minha paz de toda e qualquer forma, não é
possível!
— Custo acreditar que é com você que minha filha vai casar.
Inclusive viemos te buscar, vamos!
Eles me apressam, tentando me pegar pelo braço, e eu me esquivo
para trás, confuso e insultado pela insolência de acharem que vão me forçar
a esse maldito casório.
— Me buscar? Quando vão entender que não vão me forçar a fazer
isso? Saiam da minha casa!
Sorrio de lado, cético, com as mãos na cintura.
— Vamos, que Vanessa já está no cartório te esperando, a igreja não
aprova um relacionamento começado em pecado.
Rio, descrente e enraivecido, estupidamente colérico pelo que são
capazes de arquitetar, um casamento surpresa e forçado. Eles devem estar
querendo me levar ao limite.
— Não há relacionamento, muito menos casamento, eu já conversei
com sua filha e o assunto já foi finalizado!
Ordeno possesso, pronto para fechar a porta na cara deles, só quero
entrar no chuveiro gelado e ressuscitar. Não sei o que eles acham que estão
fazendo ou com quem estão lidando, mas essa palhaçada já chegou em um
nível que não quero mais ouvir, na verdade nunca quis. Eles não vão
simplesmente chegar aqui e fazerem o que bem quiserem, não devo nada
para ninguém, minha obrigação é com Serena, e nada mais.
Os homens se entreolham, e percebo que estão planejando algo contra
mim. Eu me preparo para sair no soco, mas sou pego de surpresa quando
Jorge estende a mão para mim, como se desistisse. Contrariado estendo a
minha, só para acabar com isso, mas em um movimento hábil, se
beneficiando da minha ressaca, algemam uma das minhas mãos, sou
enlaçado feito um bezerro indo para o abate.
— Estão loucos? Esqueçam a porra dessa história de uma vez e me
soltem, agora!
Alterado ordeno, enquanto tento me soltar, obviamente em vão, me
sentindo um cachorro valente transtornado por ter sido preso dessa forma.
— Antônio, minha filha vai casar com o senhor, vai, sim, respeitar a
honra dela. Na minha família as coisas são resolvidas assim!
— Não vou casar, caralho! Vou chamar a polícia!
— Chamar a polícia e dizer que engravidou minha filha quando ela
era menor de idade? O bom é que já está algemado!
O desgraçado do Jorge, o autor da armadilha, não se importa com
minha ameaça, e Mariano, o executor, sorri, brincando com o perigo. Tento
dar um soco firme na cara dele, mas eles conseguem prender minhas duas
mãos. Maldita bebida, não me sinto cem por cento sóbrio, e eles estão se
beneficiando disso. Pior dia para decidir beber até apagar!
— Jorge, vamos conversar sobre isso, deixa eu trocar de roupa
primeiro ao menos, me encontre no prédio!
Apelo à racionalidade, não crendo que estou realmente vivendo esse
tipo de situação, preciso controlar todo o furacão interno por estar lidando
com esse tipo de gente. Eu simplesmente não quero acreditar que Vanessa
foi capaz de mandar seus capangas aqui no meu apartamento me buscar à
força!
— Para fugir pelas janelas? Não, vai casar, e é agora, vai assim
mesmo!
Sua cabeça-dura me adoece de frustração, porque ele age como se não
me ouvisse.
Algemado e sem ter como me defender, me debato, quando eles me
arrastam de pijama do Patolino, parecendo nem um pouco adulto, rumo ao
cartório. Eu não posso casar dessa forma, na verdade, de forma alguma!

— Feliz, Vanessa?
Brado, ainda algemado, quando entro arrastado até onde Vanessa se
encontra com os braços cruzados e expressão carrancuda. Vejo seus traços
suavizando, Vanessa parece segurar o riso assim que percebe meus trajes,
ridiculamente vestido com pijama de Patolino. A desgraçada não está
vestida de noiva nem nada parecido, mas sim com um vestido preto de gola
alta e uma bolsa cheia de plumas de um rosa berrante à tiracolo.
A criança não está aqui, ao menos isso, não vai conhecer o pai nesse
constrangimento.
— Só para avisar que meus pijamas estavam sujos e esse foi presente
e o único que achei! Não tem como eu casar de qualquer forma, precisam
marcar com antecedência, não vou entregar meus documentos para isso! E
me soltem logo, porque eu não estou brincando!
Furioso e rindo arisco em triunfo pela legislação, sou segurado pelos
ombros, como se os dois homens fossem meus guarda-costas. Nesse
momento fico de pé diante dela. Eu pareço um bandido chegando na
delegacia sob policiamento, só que ainda mais transtornado por não poder
ligar para meus advogados ou qualquer outra pessoa, porque deixei meu
celular em casa. Mal trouxe minha carteira.
— Meu pai já havia marcado, pediu a dispensa de proclamas. Ele
planejou tudo isso, Antônio, tem seus documentos no dossiê quando
mandou o investigador te procurar. Não adianta, vamos acabar isso de uma
vez, por favor!
— Como se você não estivesse gostando desse planinho, não é? Isso é
invasão de privacidade, vai ter processo! — ameaço. — Só que tudo isso
aqui está sendo em vão, se eu não assinar, o plano de vocês não vinga!
Ainda furioso por toda essa situação patética, me viro para Jorge, em
um tom duro, de homem para homem. Ele pode mandar no gado dele e
caralho a quatro, mas não vai me forçar. Crio confusão ali, sem me importar
com curiosos ou possíveis manchetes se por acaso for reconhecido, mas
acho difícil, a vantagem de ser apenas rico e não famoso é essa.
— Você não tem escolha, ou casa ou vai preso por ter engravidado
uma menor de idade!
Tenta me intimidar, e que se foda, pelo visto sogro é tão ruim quanto
a fama de sogra. Absolutamente tudo que não queria era estar vivendo isso,
ainda mais contra a minha vontade. Eu sinto minha cabeça explodir de
ressaca, e só desejo que tudo isso seja um efeito colateral da bebida, tem de
ser apenas um pesadelo macabro.
— Eu não cometi crime algum, foi consentido e eu não sabia da
criança. Eu não sou moleque, Jorge, você está conversando com um
homem, porra!
Em uma medida desesperada, jogo tudo para o alto. Prefiro encarar
dez processos e mil polêmicas do que isso.
A mulher do cartório chega até a gente, interrompendo nosso
desentendimento. Ela me olha, estranhando a situação como todo mundo.
Estou ridículo com essa roupa!
— Vocês são os próximos… Esse é o noivo? Por favor, ele não pode
se casar dessa forma!
— Eu falei pra eles! — exasperado, reforço.
— O cartório não aceita camisas acima do cotovelo, e ele está
descalço. Vamos ter que remarcar.
A mulher me salva, e não consigo respirar aliviado porque a infeliz da
Vanessa nega com a cabeça efusivamente.
— Não, sabe que horas eu acordei para finalizar esse cabelo,
Antônio? Eu não aguento mais essa situação, meu pai não vai desistir disso.
Mariano, empresta a botina a ele, vamos acabar com isso de uma vez, pelo
amor!
Ela bate o pé no chão, suspirando profundamente exasperada. Eu a
fuzilo com o olhar, e ela entende muito bem que o que está fazendo não
haverá perdão, mesmo assim segue em frente, me desafiando.
Com os ânimos mais calmos após infinitas discussões, mas ainda
sendo forçado, vestido ridiculamente de pijama do Patolino, botinas de
cowboy e um blazer brega de Jorge, agora sem algemas, mas com Mariano
e Jorge na porta para que eu não escape, escuto a palhaçada da marcha
nupcial na salinha vazia que eles costumam fazer as pequenas cerimônias.
Nem toda a decoração e cores vivas para fingir que é um momento feliz são
suficientes para mascarar a infelicidade e a raiva que eu estou da mulher ao
meu lado que evita me olhar. Vanessa segue de cabeça baixa, mas próxima
o suficiente para que eu sinta seu perfume. Eu desprezo completamente essa
golpista desgraçada que está conseguindo fazer seu plano dar certo.
Fui do inferno a um inferno pior ainda de ontem para hoje, tudo
parece um horripilante pesadelo. Jamais imaginei casar, principalmente sob
essas circunstâncias, a mais incogitável. Eu me mantenho totalmente
indiferente, enquanto a mulher fala as baboseiras de sempre por cinco
minutos. Nesse momento eu só penso em jeitos de foder com a vida de cada
um deles por serem responsáveis por essa palhaçada, principalmente
Vanessa, que é mais baixa que imaginei. Serei impiedoso.
Acabo de declarar cada um deles como meus inimigos! Golpe baixo
da porra!
Rancoroso, aceito o casamento, ainda me obrigam a assinar a certidão
de casamento, o que mais soa como atestado de óbito, sob ameaça de que
eu posso ser preso por ter engravidado a infeliz ainda menor de idade. Faço
isso ainda por cima com essa roupa ridícula. Recebo a certidão junto da
nova certidão da menina, já que fiz o reconhecimento de paternidade.
Eu não consigo acreditar que estou vivendo isso, sério!
Não houve beijo, simplesmente virei e saí da sala, ignorando todos
ali, mas com o peso da aliança em meus dedos; até isso providenciaram.
Estamos definitivamente casados perante a lei, e o gosto amargo na minha
boca consegue ser ainda pior agora. Eu amo ter mulheres na minha vida,
não viveria sem elas, mas o que podem fazer para acabar com a vida de um
homem não está escrito!
— Antônio… — Vanessa vem rapidamente até a mim, tentando me
tocar, mas puxo meu braço antes que ela me alcance.
Eu me viro de vez, a encarando com repulsa e pura insatisfação. Se
ela soubesse a raiva que estou, fingiria que jamais me conheceu. Esse
casamento não vai funcionar, não existem relacionamentos aqui, está fadado
ao fracasso, um relacionamento falido, como todo o casamento. E se não
bastasse, vamos ter que conviver debaixo do mesmo teto. Farei o que tiver
ao meu alcance para forçá-la a pedir o divórcio e garantirei que sairá com
uma mão na frente e outra atrás.
Ela não conquistou um marido e sim um inimigo!
— Calada! — berro, apontando um dedo na sua cara. — Não quero
ouvir sua voz, Vanessa, escolheu o cara errado para dar o golpe!
Ela conseguiu me fazer marido dela, mas apenas no papel. Ela mal
pode esperar pelo inferno que sua vida se tornará de hoje em diante.

VANESSA VERSAILLES
Seguindo Antônio, que anda rápido sem nem olhar para trás,
atravesso o corredor de onde fica seu apartamento. É nítido a desavença no
ar, mesmo calados, como permanecemos em todo o percurso até aqui. Meu
pai ainda foi cínico o suficiente para nos parabenizar e desejar uma boa lua
de mel.
Parece piada! Ele passa de todos os limites e ainda acha que está tudo
bem. Jogou para mim a responsabilidade de resolver tudo e lidar com um
Antônio possesso, e com razão. Meu pai passou de todos os limites, onde já
se viu buscá-lo em casa e fazê-lo casar de pijama? O cara obviamente está
achando que tudo isso foi arquitetado por mim. Mal sabe que também soube
hoje pela manhã que iria casar, simples assim, porque o rei do mundo
decidiu assim.
E por mais que eu ame meu pai, ele acabou com quaisquer resquícios
de termos uma boa relação quando decidiu agir dessa forma, visando
apenas o próprio bem-estar. Quebrou todas as pontes entre nós, que já
estavam enfraquecidas desde a gravidez. Eu juro que não farei questão
alguma de manter qualquer contato na primeira oportunidade que encontrar
para escapar. Por ter me obrigado a isso, me expulsou de vez da sua vida e
deixou um buraco de mágoa.
Depois de tudo que aconteceu, não me sinto mais forte, mas sim mais
fragilizada. Ele não teve considerações para nada além das próprias
vontades, agora voltou para casa satisfeito, enquanto eu sigo com o mundo
desabando sobre a minha cabeça, sem saber o que esperar e tendo de dividir
o teto com Antônio e minha filha. Hesitante e com cautela, entro pela
primeira vez no apartamento tipicamente masculino de um homem devasso,
tem até mesmo um pôster de Pamela Anderson para a playboy no meio da
sala.
— Antônio…
Tento estabelecer uma conversa, já que Serena está na creche e virá
diretamente para cá, precisamos acertar como faremos quando ela chegar.
Ele se mantém indiferente, de costas para mim e já sem camisa, confortável
com a própria nudez. Vejo seus músculos firmes e tatuados, como se eu não
estivesse ali, servindo uísque, tudo com uma calma cirúrgica, o que me
deixa inquieta. Na situação que estou, tomaria também, uma dose dupla
bem forte.
— Antes de dizer qualquer coisa, deixo avisado que não foi porque
casou comigo que vou ser seu marido perfeito, porque não é isso que terá.
Não será um casamento romântico, aliás, não será um casamento. Você
fodeu minha vida, mas fique sabendo que não será um conto de fadas. Quer
um pai para sua filha e alguém que te assuma? Pronto, mas não espere nada
além disso, não serei jamais seu marido!
Frio e direto, cada palavra afiada que sai da sua boca demonstra
desprezo e repulsa. Eu me sinto ferida emocionalmente, mesmo sendo
totalmente inocente no meio de tudo isso. Ainda assim não o deixarei me
tratar dessa forma, como se eu não valesse nada. Se ele pensa que vai
chegar e fazer o que quer porque estou debaixo do seu teto, está muito
enganado. Vou fechar esse ciclo de frustrações de uma vez por todas, para
que tudo volte para seu lugar.
— Não estou aqui com a ilusão que irei te consertar ou qualquer coisa
do tipo, Antônio, nem ache que o casamento com você é meu sonho de
vida, porque não é! Não estou nem um pouco satisfeita em você estar na
minha vida dessa forma, meu pai exigiu isso de mim, não havia outra saída,
é por isso que estamos aqui, nada além.
Calma e categórica, me imponho, porque não vou ficar sendo tachada
de interesseira quando o que realmente quero é poder trabalhar e ganhar
meu próprio dinheiro. Porém também não posso contar tudo, nada pode
atrapalhar que minha herança chegue até a mim. Ele sorri com deboche,
como se não acreditasse em nada do que eu falo. Toma o uísque em um
grande gole e sem fazer caretas, a fisionomia do homem está tão acentuada
que parece até mesmo pesada. Cada um dos sentimentos nesse momento se
tornam nítidos, Antônio está com os nervos à flor da pele.
— Por que quis casar então? Não é maior de idade, por que fez o que
seu pai quis?
Ele sorri de lado vagarosamente e completamente impiedoso, soando
perverso, como se estivesse se divertindo com cada palavra nervosa que eu
disse. Com o copo próximo a boca, parece achar tudo uma grande mentira.
Ainda que eu esteja enraivecida, quase machucando a palma da mão por
causa da unha pressionando a carne, tento ficar o mais neutra possível,
alheia na verdade, mesmo não fugindo do seu olhar de forma alguma.
— Por causa da gravidez eu não pude tomar as rédeas da minha vida.
Meu pai me obrigou a isso, porque eu só terei controle total da empresa
quando eu for uma mulher casada. Após isso, eu, mais do que ninguém,
pretendo ser livre, Antônio. Se dependesse de mim, as coisas não seriam
dessa forma, mas se é a única forma de garantir um futuro que minha filha
merece ter, farei por ela. São os sacrifícios que precisam ser feitos por
alguém que depende de você, em breve aprenderá isso, ao menos eu assim
espero. Acha mesmo que estou aqui porque quero?
Conto uma verdade incompleta. Se eu disser sobre meus planos
pessoais agora, Antônio pode estragar tudo por capricho, como forma de
retaliação.
— Acha que eu acredito, Vanessa? Você está garantindo o futuro
dando golpe do baú em um casamento forçado, está se beneficiando da
sorte de ter engravidado de mim, e eu não duvido se isso foi premeditado!
Seu convencimento me enraivece, Antônio só quer olhar as coisas por
uma perspectiva em que sou uma golpista atrás do seu dinheiro, sendo que
há coisas mais profundas e importantes em torno de tudo que está
acontecendo, para além de apenas estar desesperada para casar com ele. Eu
só não me arrependo de ter transado com Antônio naquela noite, porque
tudo resultou na pequena Serena na minha vida.
— Não me importo se acredita ou não, Antônio. Não é como se você
fosse o homem dos meus sonhos, nem me contentaria com algo tão
mediano e básico, que se acha tanto. Então não perca seu tempo bancando o
narcisista gostosão que está aqui porque eu estou simplesmente apaixonada
por você, que de tão desesperada, essa foi a única forma de o ter só para
mim, porque eu não estou e nem me apaixonarei, se quer saber. Não faço
questão alguma de consumar esse casamento. Então, não ache que é o
centro do mundo, principalmente o meu, porque não é, eu tinha que estar
muito bêbada mesmo para ter transado com você naquela noite!
Digo tudo de uma vez com desgosto por tudo para ele se resumir ao
seu pau, como se Antônio fosse o centro do universo. Vejo a névoa de ter
seu ego pisado dessa forma desdenhosa trovejar diante dos seus olhos. Ele
me segura pelo pulso, me puxando contra si de maneira firme,
demonstrando dominância. Ofego em surpresa, com uma ridícula
taquicardia enquanto encaro o maldito.
— Vanessa, você não me desafie, garota, porque vai se dar mal, muito
mal. Mas vai ser interessante ver você implorar até eu ter o prazer de te
dizer não!
Rio, aliás, gargalho bem diante dele, que mantém a expressão dura,
contorcida, demonstrando que foi desafiado onde mais dói, no ego inflado.
Eu fiquei cinco anos em celibato, desde que me descobri grávida, e me
controlei muito bem, não serão poucos meses com ele que vão me deixar
desesperada como se estivesse no cio.
— Eu quero ver você conseguir isso… — Sopro a centímetros da sua
boca. — Não vou implorar, ainda mais sabendo que nem é tudo isso. Sequer
sinto tesão em você, imagine achar que eu te quero desesperadamente. Você
fazendo seu papel de pai para mim é o suficiente, Antônio, o restante é
completamente dispensável!
Sorrio, arisca pelo seu convencimento. Pisar em ego de homem
safado é meu hobby. Observar sua cara desnorteada ao perceber que nem
todas as mulheres desejam desesperadamente ir para sua cama, que seu pau
não é a chave-mestra das bocetas, é maravilhoso. Estou decidida a isso,
agora mais que nunca não vou cair na lábia desse cafajeste nem vou pra
cama com ele mais uma vez. Nunca mais na minha vida.
Sua mãozona se firma entre meus cabelos, entortando meu pescoço.
Prendo a respiração por ele ter vindo até a mim dessa forma implacável,
tomando conta de todo o ambiente. Eu sinto as pernas tremerem por
estarmos tão agarrados repentinamente, Antônio invade meu espaço pessoal
como se fosse dele. Eu sequer sei como reagir, tamanha rigidez do seu
tronco desnudo pressionando o meu. Fico imóvel, a respiração sai trêmula e
afobada, denunciando meu nervosismo por ele estar me puxando para si
com toda essa imponência. Antônio está me deixando inconvenientemente
úmida, ensopada no meio das pernas pela magnitude assustadora que impõe
sobre mim apenas com sua presença.
Antônio aproxima o rosto anguloso do meu, quase roçando nossos
lábios para me beijar, e eu ridiculamente espero pelo maldito beijo com um
misto de não querer e desejar devastadoramente. Mas ele para bem
pertinho, tremelicando todo o meu corpo, que parece em ebulição de tanta
ansiedade. Em seu olhar há um brilho canalha, um sorriso cretino no rosto,
extremamente cínico, como se estivesse por cima. Estala a língua, agindo
como se eu fosse uma criança e ele estar com doce na mão negando e se
divertindo pelo tormento que estar me causando só com uma ação atrevida.
— Pelo visto não é tão isenta de tesão assim, mas de mim não terá
nada, sua traíra, nunca vou tocar em você!
É taxativo com sua voz rude.
Ele me solta, sumindo pelos corredores do apartamento e me
deixando ali com o coração quase saindo na garganta.
— Canalha desgraçado, eu que não quero nada com você!
Berro para o corredor já vazio, nem sei se me ouviu. Respiro fundo,
transtornada por não ter reagido e o empurrado. Cafajeste narcisista
desgraçado, mas da próxima vez, caso houver, será diferente, não vou
deixar que saia como se tivesse vencido a batalha.
Pelo visto, nosso inferno particular ainda vai esquentar, e muito!
ANTÔNIO GONZÁLEZ

Saio do banheiro apenas de cueca enquanto seco meus cabelos. Dou


de cara com Vanessa ainda ali na sala, sentada no sofá, surpresa com meus
trajes. Coloco as mãos na cintura e suspendo as sobrancelhas. Achei que ela
já tivesse ido embora, seguindo sua rotina, afinal ainda é dia de semana. É
nítido seu olhar guloso, que para cima de mim, ainda que disfarce. Essa
mulher é orgulhosa demais para admitir o que nós dois sabemos, mas sua
indiferença ao falar aquilo mexeu demais com meu ego. Minha vontade era
de rasgar sua roupa ali mesmo e a fazer implorar pelo meu pau, só que não
pretendo fodê-la e me transformar em seu marido de fato, seria fácil demais
para ela, que é minha inimiga número um atualmente.
Ela vai ver isso tudo todo dia, desejar, querer ser consumida, mas
jamais será tocada. Minha raiva por ter acabado com minha vida se
sobressai a qualquer coisa, estou disposto a continuar a viver minha vida
como se ela não existisse, até porque esse casamento é pura mentira,
inexiste para mim.
— Mais tarde vou buscar a Serena e te peço, desde agora,
independente das nossas diferenças, que ela sempre seja nossa prioridade.
Se não for para você ser um pai de verdade ou se vai demonstrar a cada
segundo quão forçado está sendo para cumprir seu papel, prefiro que nem
se apresente como pai dela. Eu vou entender, juro, não quero te obrigar a
nada, até porque amor não se força nem se obriga, só não quero que minha
filha perceba que o pai dela, que ela tanto sonha em conhecer, não faz
questão de estar com ela ou que está presente porque foi forçado. Se não for
de coração e não estiver disposto, me fale agora, eu invento uma desculpa.
Digo que é um amigo, meu namorado, qualquer coisa que não seja o pai
dela, só não quero que ela saiba que o pai dela finalmente voltou e não faz
questão alguma de sua presença. Minha filha sempre receberá todo o
cuidado e atenção para crescer bem.
Mais mansa que minutos atrás, Vanessa avisa, mas seu queixinho
erguido continua intacto.
— Eu vou ser pai, Vanessa, eu me comprometi e vou cumprir. Quero
inclusive montar um quarto para ela — aviso, não dando o braço a torcer
em ter de falar com ela novamente.
Há um quarto vazio no meu apartamento, sempre ficou vazio porque
nunca soube como usá-lo, agora terei uma pequena e nova moradora para
ocupá-lo.
— Então estamos conversados. Ela gosta de roxo e ama a princesa
Tiana, não mencione esse nome ao menos que queira vê-la surtar e falar por
horas a fio sobre o assunto e te fazer assistir em loop o filme. — Vanessa ri
de lado, claramente ficando mais mansa quando fala de Serena.
Eu mal posso esperar para conhecê-la! Concordo com seus termos e
ficamos nos encarando, com o assunto finalizado, até que ela se levanta,
arrumando a bolsa nos ombros e indo em direção a porta, toda inabalável.
Suspiro profundamente para tentar pôr minha cabeça no lugar, porque sinto
raiva e desejo rasgarem minha pele de forma angustiante.
Vanessa vai me pagar como merece, não porque conseguiu me dar um
golpe, saindo com meu sobrenome junto ao seu, mas por me provocar. Não
era na raiva esmagadora que queimava cada centímetro da minha pele que
sentia por ela e pelo que me obrigou a fazer que mais me incomodava, e
sim a visceralidade no qual meu corpo exigia a filha da mãe de forma crua e
insensata a todo o segundo que estamos próximos.
7
VANESSA VERSAILLES
— É, irmã. Palmitou bonito! Além de tudo é loiro, as coisas foram
piores do que imaginei. Não deixe esse sujeito te algemar!
Mariano ri, tripudiando de mim como um perfeito irmão mais velho,
enquanto me ajuda a pôr as últimas malas no porta-malas da picape. Já que
fez questão de me ajudar a levar nossas coisas antes de buscar Serena, tive
de voltar. Aproveitei e me dei folga hoje do trabalho para resolver todas
essas pendências. Meu pai, não vi, deve estar em uma das fazendas, e
prefiro assim, não estou pronta para olhar na sua cara novamente. Acho que
não estarei tão cedo.
A minha discussão com Antônio na porta do cartório após o
casamento mostrou claramente como estão meus nervos, meu pai sempre
me coloca em mais problemas do que eu gostaria.
Mas vou precisar vê-lo mais vezes do que eu gostaria, pedi para que
nos encontrássemos amanhã para que possamos resolver essa pendência.
Fiz o que ele quis contra minha vontade, está na hora de fazer o que eu
quero, passar a vinícola e o vinhedo para o meu nome e liberar parte da
minha herança, assim poderei usar como investimento, finalmente botando
em prática tudo que eu desejo. Nos últimos três anos tudo caminhou com
passos de tartaruga, estudei o assunto e planejei cada passo, convencendo
meu pai a acreditar em meus planos profissionais. Só esse ano consegui
contratar um enólogo e estudar a situação das garrafas e barris que ficaram
abandonados fermentando a safra.
— Cala a boca, Mariano! Sai do armário de uma vez! — sacaneio,
indo para o banco do passageiro.
— Nunca estive. Gosto de mulher, porra!
Ele senta ao meu lado, assumindo a direção, para me levar;
passaremos primeiro na vinícola para ver como estão as coisas por lá antes
de voltar à cidade para buscar Serena na creche. Ela mal sabe que sua vida a
partir de hoje será outra. Infelizmente estou sem carro, embora tenha
carteira, digamos que faz parte do meu castigo por ter engravidado. Nada de
veículo próprio, meu pai acha que é liberdade demais, como se isso me
impedisse de sair e transar caso eu quisesse.
— Para reparar tanto no pai de Serena, acho que não é tão assim,
hein?
Cruzo os braços de forma cínica e suspiro, sentindo um frio na barriga
só de lembrar do quase beijo que eu não queria que acontecesse. Mas não
vou perder tempo com esse canalha, minha meta é arranjar um bom
contrato, e logo, para pôr em prática a ascensão da minha marca de
espumantes. É apenas com isso que quero me ocupar.
— Sei que minha relação com nosso pai não é das melhores, mas não
quero que ele adoeça. Como te escuta mais do que me escuta, vai ser mais
fácil, só promete que vai lembrá-lo de tomar os remédios de pressão? Não
gosta de tomar, é teimoso, quer ser o homem de ferro, então vive
esquecendo. Sem meus lembretes, ele pode negligenciar ainda mais a
questão. Fica de olho nele, por favor.
Peço, pondo a responsabilidade de cuidar da saúde do nosso pai em
meu irmão, já que não estarei mais presente, e Mariano concorda. Papai
quase já teve um AVC, então por conta disso, eu costumo aferir sua pressão
todo dia para saber a frequência. Mariano terá que fazer isso por ele e por
mim.
E quase com o sol se pondo, eu espero minha filha sair da creche para
contar a grande novidade. Coloco mais um item na minha lista mental
interminável, agora que estamos definitivamente na cidade, precisamos
escolher um bom colégio. A pequena surge no pátio, no meio de tantas
crianças que saem juntas, com sua inconfundível mochila da Tiana, que ela
cismou que a personagem é sua versão adulta. Eu tive de redobrar os
cuidados com ela e os sapos da fazenda depois dessa relação com o filme.
Ela parece me procurar com o olhar, sorri largo assim que me visualiza ali
de pé. Eu fico da mesma forma, curvando meu tronco e abrindo os braços
para recebê-la, enquanto Serena corre saltitante em minha direção.
Quero muito dar a notícia a ela, dizer que finalmente seu pai voltou
de uma viagem fictícia e que ela realizará seu sonho de conhecê-lo. Suas
perninhas curtas enroscam na minha cintura, Serena me abraça pelo
pescoço, e aproveito para aspirar seu cheirinho que tanto amo. No final das
contas, eu sou dependente de Serena tanto quanto ela é de mim.
— Eu estava morrendo de saudades, mamãe! — ela enfatiza, como se
não tivesse me visto pela manhã.
A verdade é que nós duas não estávamos aguentando de saudade, não
estamos acostumadas com essa separação frequente do último mês.
— Eu também, coração. Me abraça forte. — Ela aperta meu pescoço
com toda sua força infantil, e eu retribuo. — Mais forte! — peço, manhosa,
e ela tenta pôr mais força, enquanto eu sorrio extasiada, dando um afago
gostoso no seu cabelo e beijando sua bochecha. Serena, mais que
rapidamente, retribui o gesto. Eu abraço a minha bebê que transformou
minha vida e está ficando cada vez mais esperta, parece crescer rápido
demais. Ser mãe é o trabalho mais difícil e o melhor do mundo. Não sei
como é para outras pessoas, mas eu amo saber que tem uma pessoinha
dependente de mim, por mais apavorante que seja.
— Vamos ali? — questiono, andando com ela em meu colo.
Sem saber ao certo como abordar o assunto, como dizer que nossa
vida não será a mesma, vamos até uma sorveteria próxima. Precisamos ter
uma conversa de garotas. Enquanto Mariano se engraça com a atendente,
Serena me conta as novidades do seu dia.
— Tenho uma notícia, algo que você queria muito.
Inicio o assunto despretensiosamente, colocando meus cabelos atrás
da orelha, Serena me dá total atenção, comendo o restante do seu sorvete
com as duas mãozinhas. Vejo um franzir de sobrancelhas me dizendo que
minha filha está curiosa.
— O que, mamãe? — Tendo a pequena me encarando interessada,
toda lambuzada, sacudindo as perninhas que voam no banco, eu a puxo para
meu colo, ignorando a sujeira para ficarmos de frente.
— Seu pai, ele voltou de viagem e quer te conhecer. Você quer
encontrar com ele?
Solto um longo suspiro trêmulo, esperando sua reação. Serena de
repente arregala os olhos surpresa, pondo as mãos melecadas na bochecha,
de boca aberta, eufórica, mal se contendo. Ela está realmente delirando com
a notícia. Eu sorrio como a mãe babona que sou, vendo que é mais do que
óbvio que ela quer enfim conhecer o pai. Embora minha situação com
Antônio não seja boa, vou relevar tudo em prol desse lindo sorriso.
Enquanto Serena estiver feliz dessa forma, saberei lidar com a raiva que
aquele canalha me faz passar, farei o que tiver ao meu alcance para
preservar a felicidade dela.
Serena sempre teve curiosidade e desejo de ter um pai, de o conhecer.
Ela me perguntava diariamente quando ele voltaria de viagem, e eu estava
disposta a mentir para ela até que tivesse idade de entender a verdade,
porque eu contaria. Isso sempre foi algo que me fazia sentir mal, não tinha
como realizar esse seu sonho. Por isso, acho que tentei de todas as formas
compensar essa falta que eu sei que ela sentia. No fundo, eu nunca fiz
questão de procurar Antônio realmente, porque eu morria de medo de ele
rejeitar minha filha. Nunca quis casar com ele, muito menos me deixei
iludir, de fato era para ser apenas uma noite que nos uniu para sempre.
Assim, não fazer ideia de onde ele andava, precisando lidar com toda a
mágoa que eu senti ao descobrir que ele havia mentido o próprio nome e
que havia saído do quarto antes que eu acordasse, era menos angustiante do
que ele descobrir a existência de uma filha e renegá-la. Com certeza me
doeria bem mais, e eu jamais o perdoaria por fazer isso com ela. Meu
coração ficaria mais em paz em saber que ela não tem um pai que saiba da
sua existência, do que um que sabe e preferiu abrir mão de vê-la crescer e
de receber um amor tão genuíno. É mil vezes melhor não ter a presença de
um pai assim do que ser exposto a essas situações.
— Cadê ele, mamãe? — curiosa questiona, olhando ao redor. —
Vamos logo!
— Calma, vamos vê-lo agora!
Serena concorda feliz, sorrindo largo e babando minha bochecha ao
me dar um outro beijo. Eu aliso suas bochechas com ternura, tentando
preparar meu espírito para inseri-la na nossa nova vida. Sei que, ao menos
para mim, a vida vai se tornar um inferno, porque estou prestes a morar
debaixo do teto do inimigo que vai me importunar o quanto puder. Então,
para tentar manter minha paz, vou fingir que não me importo, até eu
realmente não me importar mais.
É por pouco tempo que terei de suportá-lo, afinal de contas. Eu
consigo! Tenho que conseguir!

ANTÔNIO GONZÁLEZ

Com um copo de uísque na mão e a camisa social arregaçada,


contemplo o quarto infantil parcialmente decorado para Serena. Liguei para
Augusto avisando sobre esse contratempo. O cretino primeiro gargalhou, se
vangloriando que sua praga pegou, e depois concordou em me dar folga.
Mas nem por isso meu dia deixou de ser menos atarefado, foi uma força-
tarefa de gente entrando e saindo do meu apartamento, para que pudesse
organizar tudo. Tive até mesmo ter que tirar o meu pôster da melhor capa
da playboy com a Pamela Anderson no meio da sala e esconder a imagem.
Mas valeu a pena, o quarto de Serena ficou bem bacana, considerando
que montaram tudo em apenas uma tarde, um dos benefícios de se ter
dinheiro. Eu não entendo nada de temas femininos, então apenas segui a
dica de Vanessa e repassei para a designer de interiores, para que ela
pudesse fazer o melhor nesse curto tempo. Olhando bem, acho que a
criança vai gostar.
Agora que sei da sua existência, tentarei oferecer a ela uma vida
confortável, ainda que não faça ideia de como isso funcionará. Não faço a
mínima ideia do que fazer, como lidar e cuidar de uma criança. Sempre fui
padrinho de Zé, mas sou apenas o tio legal que dá presentes e o diverte, sem
toda a responsabilidade de lidar com um pequeno ser humano que vai se
formar e se espelhar nos meus gestos, no adulto responsável. Isso é muito
assustador, aterrorizante, na verdade. Ser o herói de alguém, ou melhor, o
exemplo é algo que não esperava.
A campainha toca, me tirando do devaneio, sinto a mão suar, já
sabendo que se trata da chegada dela. Sigo para atender, e quando abro a
porta sou surpreendido por Mariano e o zelador do prédio chegando com
diversas malas gigantes que ocupam minha sala. Vejo um amontoado que
me deixa confuso, me questionando onde ela vai pôr tudo isso.
Rapidamente eles se despedem, deixando ali aquela confusão.
Não demora para que escute seus saltos ecoando no lobby do
corredor, nunca senti um frio tão gelado na minha espinha dessa maneira;
Vanessa aparece com semblante sério, e logo noto a criança nos braços, só
vejo os cabelos cacheados. Incerto se devo me aproximar, apenas ponho as
mãos no bolso, hesitante, e olha que eu não hesito nunca, porra!
Vanessa cochicha algo para ela e a põe no chão. A criança me olha
com curiosidade e mede olhar com a mãe, como se esperasse concordância
da parte dela. Eu a encaro pela primeira vez, tem a cor dos meus olhos, mas
os traços, principalmente a cor da pele e o rosto, são Vanessa. Serena tem o
formato dos olhos dela, mas verdes como os meus, os cabelos cacheados
dourados, mais escuros, em uma mistura de cores perfeitas de nós dois.
Eu me agacho para ficar quase do seu tamanho, e para minha
surpresa, ela corre até mim, sorridente, me abraçando de uma forma
bastante genuína e inocente. Apoiando a cabeça em meu ombro, sou pego
de surpresa com essa sensação nova que brota em meu peito, enquanto
retribuo o abraço gostoso. Meu peito está explodindo, o coração batendo
forte.
— Que saudade de você! — ela fala, cheia de ternura, como se já me
conhecesse e fosse apenas um reencontro com alguém que ela convivesse
desde sempre, e não um primeiro encontro. Sinto meu coração roubado
imediatamente por essa espontaneidade tão genuína. Porra, essa garotinha
mal chegou e me pôs em suas mãos!
— Oi, eu sou o Antônio, seu pai — eu me apresento, e ainda que eu
não fizesse ideia da sua existência, ver a garotinha aqui na minha frente
provoca uma enxurrada de energia que aquece o peito. Tais palavras saíram
com dificuldade, tamanha dose de emoção que eu sinto. Minha voz saiu até
mesmo travada, trêmula. Estou rendido pela emoção que ela me desperta ao
ver com meus próprios olhos que eu tenho uma filha realmente minha. Mal
consigo acreditar que essa pestinha diante de mim, sorrindo de um jeito tão
lindo, com um furinho na bochecha, é fruto de uma noite insana de
bebedeira com a louca da mãe dela.
— Eu sou a Serena. A gente é diferente, né?
Ela é inteligente e perspicaz, e nem um pouco tímida, percebe nossas
diferenças insignificantes ao me encarar com curiosidade. Serena parece
fascinada pelas tatuagens no meu braço quando passa a mão com cautela,
me conhecendo.
— Sim, você é mais bonita que eu. Mas nossos olhos são iguais!
Seu sorriso se alarga de um modo lindo, e seus olhos brilham pelo
elogio. É a coisinha mais fofa do mundo; sinto meu coração não cabendo no
peito, de um jeito que nunca senti em toda a minha vida ao olhar para uma
criança. É uma sensação diferente de todas as vividas antes. Só de saber que
ela é parte de mim, que essa menininha mais linda que eu já vi veio de mim,
meus olhos até mesmo ameaçam marear, tamanha explosão de sensações
esquisitas e efervescentes.
Serena, bastante animada, volta a me abraçar forte, toda saudosa.
— Tenho uma surpresa para você, pestinha.
Eu me recomponho desse momento, a pondo no chão e bagunçando
seus cabelos, que ela trata de arrumar rapidamente. Eu a ajudo a tirar a
mochila roxa das costas e sigo com ela agarrada na minha mão.
Caminhamos de forma apressada para que ela descubra a surpresa; Vanessa,
que até então se manteve calada e vigilante, apenas observando a situação,
parece trazer segurança à filha, que olha para ela a cada vez que se sente
incerta sobre o que deve responder. Abro a porta e deixo que ela entre
primeiro, e Serena atravessa o quarto correndo e girando para ver seu novo
quarto roxo, com os móveis todos combinados.
— Meu coração tá fortão!
Energética, levando a mão na boca e a outra no peito, surpresa como
uma mini-adulta. Chega a ser engraçado sua autenticidade. Ela vai
conhecendo cada pedacinho do quarto, e delira quando vê que há um grande
quadro na parede da tal princesa que a mãe disse que ela ama.
É uma satisfação da porra agradar uma criança!
Ela grita, animada, sacudindo os bracinhos, pulando no mesmo lugar,
mal se contendo. Eu rio orgulhoso, vendo que consegui alcançar meu
objetivo. O esforço e correria do dia valeram a pena. Ela se joga de vez em
cima de mim, agarrando minhas pernas, e eu a puxo para meu colo para
ficarmos na mesma altura.
— Eu vou contar para todo mundo! Brigada!
Com a criança sumindo em meus bíceps, eufórica pelo quartinho que
nem ainda está totalmente finalizado, eu a abraço com cuidado. Em
seguida, viro o olhar para Vanessa, que está próxima de mim, de braços
cruzados, sorrindo toda derretida e amorosa para a minha interação com a
criança. Nem parece a tinhosa que é.
E mesmo sendo cedo, acho que finalmente entendo os motivos de
Augusto ter feito o que fez por José. Por essa garotinha que acabo de
conhecer, eu faria o mesmo e farei de tudo para protegê-la de tudo de ruim
ao seu redor, só para ver esse sorrisinho mais vezes.
8
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Entro na suíte, disposto a descansar desse dia tumultuado, e vejo que
Vanessa e a sua bagunça já chegaram até o closet. A infeliz ignora minha
chegada, permanecendo diante do espelho tirando os acessórios que usou
durante o dia. Também a ignoro, passando de toalha, mas suas ações captam
minha atenção quando ela simplesmente se desmonta inteira bem diante dos
meus olhos.
A mulher puxa os cílios imensos dos olhos com tamanha intensidade,
que eu sinto os meus doerem em agonia. Em seguida, puxa uma grande
mecha de cabelos iguais aos seus, que sai inteira em suas mãos, e eu fico
assustado. Eu nem sabia que havia como tirar. O cabelo continua o mesmo,
só que menos volumoso. Intrigado, sem conseguir desviar, preso nesse
momento de dispersão, assisto até o final. Ela tira toda a pintura do rosto,
com os cabelos amarrados no alto da cabeça.
Vanessa de repente se vira para mim com uma fisionomia indiferente,
mas as sobrancelhas estão juntas, cismada com a plateia. Nesse momento,
trocamos olhares rápidos, mas Vanessa arqueia as sobrancelhas em
deboche, interrompendo a conexão. Ela entra no banheiro, e eu volto ao que
eu estava fazendo. A filha da mãe mesmo desmontada mantém a pose
firme, ainda que o rosto natural a deixe com uma fisionomia mais suave,
algo menos encrenqueira sem o olhar marcado que ela costuma usar.
É inegável que a beleza continua a mesma, pena que não vale um real.
Ali, no caos daquela mulher, com suas coisas misturadas às minhas
coisas, me dou conta que realmente minha vida não será a mesma. Deixo
sua bagunça ali e volto ao quarto, aproveitando o silêncio de Serena, que já
adormeceu, para pegar o meu notebook e separar alguns documentos
importantes para amanhã. Preciso recuperar o tempo perdido dessas últimas
semanas em que andei negligenciando minha função na empresa.
Vanessa surge com um baby-doll que deveria ser um atentado ao
pudor, as coxas grossas, o tecido mal cobrindo tudo, cheirando a banho; eu
brigo com meus olhos para não olhar sua bunda, mas é inevitável quando
ela para de costas bem na minha direção. Eu fecho a expressão por sua
pirraça, tentando ignorar. Primeiro dia do fodido casamento. Mal me casei,
e já não tenho uma foda para desestressar, nem no clube fui mais desde que
ela apareceu com as novidades, e agora essa mulher assim para mim…
Vanessa não está ajudando, me fazendo inevitavelmente imaginar que se
com roupa já é tudo isso, imagina de lingerie rendada.
Mas não vou cair no seu golpe mais uma vez, transar com ela uma
vez trouxe problemas o suficiente, mesmo que tenha gerado a coisa mais
fofa desse mundo.
— Tira os olhos, Antônio, não sou para o seu bico! — mal-humorada,
como se soubesse exatamente o que passou pela minha cabeça, ela rebate
decidida.
— Não vou tocar um dedo em você, Vanessa — reforço o que havia
dito anteriormente, cruzando os braços com orgulho.
Olho meu dedo com a aliança e sinto a raiva me atingir novamente,
na mesma proporção que senti quando foi colocada na minha mão. Esses
sentimentos remexendo tudo em mim, mas não vou tirar, quero alimentar
minha raiva todos os dias em que estivermos casados. Com esse anel no
dedo serei constantemente lembrado do meu propósito, vou ter sempre a
informação de que ela é uma inimiga, uma pessoa que eu preciso tirar da
minha vida o mais rápido possível.
Pretendo dar entrada no divórcio o quanto antes, só preciso convencê-
la. Vanessa precisa perceber que estar casada comigo é tenebroso, tenho que
forçá-la a querer se divorciar, já que pelo visto ela fez muita questão de
casar. Só a convencendo poderemos escapar de uma separação litigiosa que
vai durar mais do que deve. Se depender de mim, Vanessa sairá desse
casório sem um real, porque não vou deixar que acabe com minha vida e
me leve à rua da amargura.
— Você vai dormir aqui? — Ela franze as sobrancelhas, e eu arqueio
as minhas, cruzando os braços. — E eu? Vamos ter que dividir a cama?
Porra! Eu não pensei nisso.
Ela parece contrariada com a situação, e eu não me sinto diferente.
Também preferiria continuar dormindo sozinho, minha cama nunca recebeu
mulher alguma, não gosto de dividir meu espaço com ninguém nem dormir
junto. Isso é algo pessoal demais e traz intimidade, coisa que também odeio,
principalmente se for com ela. Só fodo com mulher no clube ou em
qualquer outro lugar, minha casa é meu lugar sagrado só meu, mas pelo
visto não será assim pelos próximos meses. Essa situação já está me
deixando de saco cheio.
— Claro que vou, essa é a minha cama e só tem essa. Onde você vai
dormir, não sei, mas tem o sofá! — devolvo com sarcasmo.
Dou de ombros, não querendo ter muito contato verbal com ela. Eu
me deito mais à vontade na cama, desligando o abajur, fechando os olhos e
dando o assunto por finalizado. Não há outro quarto disponível, o que tinha,
direcionei para Serena, e eu não vou sair daqui para deixá-la à vontade.
Vanessa que vá para sala, eu não vou arredar.
Sinto o colchão ao meu lado afundar, e ela parecendo impaciente,
deita ao meu lado; de pirraça, puxa o lençol, e eu puxo de volta, odiando
estarmos dessa forma tão próximos em uma mesma cama.
— O que você está fazendo? — Minha voz soa alarmada, exatamente
como me sinto.
Aborrecido, viro para ela, e esse é um péssimo gesto, pois ficamos
cara a cara. Consigo ver sua expressão ultrajada pelo abajur do seu lado,
que ainda está ligado. Sinto meu corpo tencionar vendo que foi uma
péssima ideia, pela proximidade de nossos rostos. Isso me desalinha
momentaneamente, quando percebo que estamos duelando olhares assim
tão próximos, se um de nós esticar o pescoço, gruda os lábios na boca do
outro. Seu olhar escuro parece afiado, o queixo elevado só me faz ter mais
vontade de agarrar seus cabelos da raiz.
— Eu não vou para o sofá, se quiser, vá você! — rapidamente retruca
baixinho e ácida. Seu tom é de puro desaforo.
Ficamos calados depois de um longo suspiro meu, frustrado pela sua
afronta, mas me nego a sair, ainda que eu ache que dividir a cama seja
terrível. Porém isso é um jogo, e eu não posso recuar. Sem esperar minha
resposta, ela vira as costas para mim, jogando sua bunda novamente na
minha direção. Eu rosno colérico, sentindo a pontada no meu pau. Tento
ignorar, para não cometer uma irracionalidade, e puxo novamente o lençol,
e mais uma vez Vanessa puxa de volta para ela.
E eu odeio a sensação de estarmos assim, juntos, odeio seu cheiro de
loção corporal, odeio que seu perfume não esteja ajudando nem um pouco.

Desperto assustado com um barulho de caos tenebroso, parece um


pesadelo horrível. Noto rapidamente ali, tranquilamente, Vanessa já
tomando banho e se arrumando, exalando um perfume apimentado. Com
coração aos solavancos, por ter sido acordado dessa forma, percebo que a
desgraçada estava escutando um podcast de true crime às seis da manhã,
como se fosse música clássica, enquanto se arruma. Meu inconsciente me
fez sonhar com as cenas descritas pelas narradoras. Vanessa vai me deixar
louco qualquer hora dessas, porque ela bagunçou toda a minha rotina, toda
a minha vida com ações simples, e ainda é o primeiro dia!
Mulher macabra da porra!
Irritado, levanto da cama, marchando até o banheiro, para não me
atrasar, mas ela se mantém indiferente. Depois de ter me assustado com
cílios de mentira grudados no boxe (juro que achei ser algum animal
peçonhento), sigo para cozinha, ainda furioso, já que não há tempo de tomar
café da manhã direito. Vou tomar apenas uma xícara de café. A casa sempre
silenciosa agora é preenchida por uma música berrante infantil tocando na
televisão, enquanto as duas fazem sua rotina matutina. As duas são
absolutamente espaçosas e nem um pouco acanhadas, eu fico sem saber
onde me encaixo nisso tudo. Aparentemente eu me tornei a visita aqui.
Minha pressa desacelera para ver a cena que me faz sorrir: Serena
também está arrumada, sentada no mármore, balançando os pés, enquanto
Vanessa dá o café dela na boca, para que ela não se suje, cantando a música
que toca na televisão.
— Bom dia! — Serena, com rostinho sonolento, me saúda, fazendo
um biquinho na minha direção para me beijar. Eu me aproximo e encosto a
bochecha. Beijo o topo da sua cabeça, sorrindo de lado e retribuindo seu
cumprimento.
Atarefados pela manhã, Vanessa segue a rotina dela e eu a minha de
forma individual. Minha atenção só se volta para ela quando, no elevador,
escuto seu telefone tocar e ela falar com alguém do outro lado da linha,
avisando que já estava descendo.
— Quem veio te buscar? — pergunto, vendo que há um carro prata
estacionado na frente do prédio. Noto um homem ao volante, mas não é o
irmão dela. Até onde eu sei, Vanessa não tem carro, não sei por qual
motivo, mas não tem, tanto que achei que teria de levá-la no prédio que
trabalha, já que meu escritório é próximo do seu trabalho, mas pelo visto ela
arranjou a própria carona. Mas quem seria esse homem vindo buscá-la?
— Herbert— diz sem muitas explicações, pegando Serena da minha
mão. Com a mochila da criança junto à sua bolsa, segue até o carro.
Feito um paspalho, eu a assisto colocar a criança na cadeirinha e
entrar cheia dos sorrisos, como se fosse uma mulher tranquila assim. Eu
vejo Vanessa sentar no banco do carona enquanto o homem fala alguma
coisa para ela. Juntos, saem dali sem nem olhar para trás. Enraivecido, com
a fúria tumultuando tudo em mim e fazendo meu sangue correr tão quente
quanto magma, eu me sinto um vulcão entrando em erupção. Tento
entender quem diabos é esse homem que tem uma cadeirinha preparada no
carro. Afinal, se ele tem, significa que não é a primeira vez que andam
juntos.
Seria amante dela?
Só a possibilidade me desnorteia por inteiro.
Desconcertado, bagunço os cabelos com essa maldita situação me
perturbando já a essa hora da manhã. Estou encucado, afinal ela não seria
tão cretina em me mostrar que tem alguém, sendo que mal me deu o golpe.
Só consigo pensar que pelo visto Vanessa é capaz de muita coisa, só espero
que não seja louca de ir tão longe. Ainda que não sejamos de fato marido e
mulher, já que não consumamos o matrimônio, não creio que seja corajosa
o suficiente para esfregar um homem na minha cara.
Ela me deve respeito, se quis me forçar a casar, vai ter de agir como
tal, não pode sair de caroninha com um homem qualquer.
Não posso acreditar que estou perturbado com esse acontecimento e
os possíveis motivos da relação entre os dois para ele dar carona a ela.
Porra, ela me deve uma explicação assim que chegar, e espero que seja
coerente, porque se eu for na sua empresa agora para tirar essa história a
limpo, que é a minha vontade, sei que agirei de maneira irracional!
Vanessa ainda vai me deixar louco, caralho!

VANESSA VERSAILLES
De braços cruzados, não aguentando mais ficar sentada e batendo os
saltos no chão, demonstro claramente minha descrença ao ver os papéis à
minha frente. Eu o espero repetir claramente, para me certificar de que não
ouvi errado.
— Você não vai fazer isso, meu pai! — nego com descrença.
— Vou, Vanessa, a titularidade da vinícola é sua, essa é a sua herança!
Sinto o mundo desabar diante da minha cabeça, não querendo crer
que meu pai está me condenando a isso.
— Então o senhor me força a porra de um casamento para depois me
deserdar? O combinado não foi esse, tive que casar como exigiu, não é justo
minha herança ser apenas a vinícola falida! — Contesto sua decisão, já
levemente perdida. — Eu acabei de sair de uma reunião com Herbert, ele
me falou que a maioria dos barris estão avinagrados, prontos para serem
descartados. Eu não tenho como iniciar uma produção nova sem
funcionários e sem dinheiro para investir. Não estou gerando receita ainda,
só gastando!
Tento fazer com que ele entenda a situação. Ele não pode dizer que a
vinícola e parte do vinhedo são a minha herança sendo que ambos estão
abandonados. Esse não foi o combinado, meu pai tem milhões de fazendas
espalhadas, pode muito bem cumprir o combinado. Ele me forçou a casar
falando que eu só teria direito a herança quando me casasse, e agora dizer
que eu tenho direito apenas a isso chega a ser maldade. Somos só Mariano e
eu como seus filhos, então meu irmão herdará tudo enquanto eu ficarei com
metade de uma das fazendas, uma propriedade que está abandonada há mais
de vinte anos!
— Não te deserdei, só que a vinícola e o vinhedo são a sua herança.
Já está casada, Vanessa, não posso mais te sustentar. Não era isso que
queria, sair da minha dependência e ter a vinícola? Pronto, estou te dando a
vinícola e a independência!
Meu pai não mostra remorso algum, não percebe que está fazendo
essa injustiça comigo. Ele de fato está me abandonando à própria sorte,
sendo que eu cumpri minha parte. Estou contrariada, ele me ludibriou, me
forçou a algo que não queria, me tirou de casa com a imposição que só
casada eu teria direito à minha herança, para no final das contas me entregar
a vinícola falida e dizer que é essa a minha herança? Eu sou sua filha tanto
quanto Mariano!
— E com Mariano, quando ele se casar, também será dessa forma ou
é só porque sou eu?
— São situações diferentes. Eu tenho que ter um sucessor, Mariano é
essa pessoa, que vai manter o sobrenome da família vivo. E sem contar que
ele não tem reputação manchada como a sua. Você é uma mulher casada
agora, Vanessa, deveria dar prioridade ao seu casamento e à sua família.
Seu marido é o provedor da casa, não precisa se desesperar!
— Eu não quero ser sustentada, eu quero ter minha vinícola, é pedir
demais?
Esbravejo, vendo que está tudo saindo diferente do que planejei.
— Meu problema, Vanessa, foi te criar muito solta, sempre fazendo
seus caprichos, e agora o que se tornou? Você tinha propósitos melhores na
vida, minha filha, e por causa de um erro, teve que trocar fraldas tão
precocemente. Lide com seus erros como a adulta independente que se diz
ser!
Quando meu pai fala assim, ele não só me ofende, ofende também
minha filha, jogando minha gravidez na minha cara, mesmo após esses anos
todos. Veio tentando a todo custo me obrigar a admitir que minha filha é um
empecilho para eu ser uma pessoa realizada, como se eu tivesse acabado
com sua e com a minha vida. Mas ele jamais irá me ouvir falar isso, porque
mesmo não estando pronta para ser mãe na época, por Serena eu me tornei
mãe, e jamais vou me arrepender das minhas escolhas, meu pai aceitando
ou não.
Só que ele não percebe que tocar sempre nesse assunto, falando dessa
forma da minha filha, como se ela fosse desimportante, e não sua neta, é
pior que qualquer ofensa que possa me fazer!
— Eu não me arrependo nem um pouco de ter feito a viagem, pai, eu
repetiria o que o senhor chama de erro, porque o meu deslize trouxe a
minha filha ao mundo, e eu jamais vou dizer que a não queria, porque é ela
quem me faz querer ser melhor!
Estou realmente revoltada. Não romantizo a maternidade solo, de
forma alguma, porque eu sei de cada sacrifício que faço, tudo em prol da
Serena e sei que no fim vale a pena. Eu poderia ser feliz se não tivesse
engravidado naquele momento, claro que poderia, mas a felicidade que
Serena me preenche é inigualável. Já desejei não ter sido mãe tão cedo, logo
quando eu descobri, até penso que gostaria que minha filha viesse
exatamente como é mas outro momento, quando minha vida não fosse essa
bagunça, porém sei que Serena só é desse jeitinho porque as coisas foram
como foram. Por isso, não suporto mais meu pai voltando a esse assunto,
sem aceitar que não tem como mudar os fatos! Eu sou mãe, sim, e ele tem
de lidar com isso, mas é cabeça-dura, sequer aceita de fato que tem uma
neta. Não se importa nem um pouco em criar um laço verdadeiro de avô
com ela.
Eu não estou pedindo nada absurdo, apenas o que foi acordado, casar
para receber a herança e poder seguir com a minha vida. Mas meu pai age o
tempo inteiro como se estivesse me punindo, dificultando minha vida. No
fim, acaba deixando a carga que eu carrego maior do que já é. Eu sinto que
deixei de ser sua filha no momento em que eu contei sobre o que ocorreu na
viagem, porque ele não faz questão alguma de disfarçar que ama e deposita
seus anseios em Mariano, o menino de ouro. Parece apenas me suportar,
vive desapontado comigo, mesmo que eu tente de toda forma conquistar
meu espaço. E quando dou um passo em direção a isso, ele age como se
quisesse se livrar de mim de toda e qualquer forma, já que minha vida foi
para um caminho totalmente diferente do que esperava. Imediatamente não
sirvo mais, nem mesmo para ser sua filha, e é assim que me sinto,
desprotegida e rejeitada. Pelo visto nunca terá espaço para mim na família.
Cansei de tentar fazer parte.
— Mariano, tenta pôr um pingo de juízo na cabeça dele, por favor —
suplico ao meu irmão, que permanece calado esse tempo inteiro. Já que
meu pai só ouve Mariano, que ele interceda por mim, porque mesmo que eu
grite as razões de tal injustiça, não valerá de nada. Meu pai não está
disposto a me ouvir e entender.
— Não vou me meter, Vanessa, ele já decidiu.
Mariano se nega a interceder a meu favor, agindo como se o problema
não envolvesse toda a família. Eu estou me fodendo sozinha, e o pior é que
o futuro de uma criança está em jogo.
— Você é um insentão do caralho! Não está se importando porque
não é você quem está passando por isso, porque tem seus direitos
garantidos! Há uma criança no meio disso tudo!
— Eu não sou o pai dela. Esses são problemas seus, Vanessa, você
que os resolva! Ninguém mandou engravidar cedo, agiu igual a uma puta
fácil, agora lide com o que procurou. Não queria a vinícola, tem a vinícola!
Vai viver na aba dele até quando? — Mariano retruca, pondo o dedo no meu
rosto. Eu dou um tapa em sua mão, furiosa. — Você agora já é casada,
deveria agradecer que conseguiu alguém que te assumisse mesmo sem
honra!
— Pelo menos eu tento viver minha vida, e você, que é um encostado
mimado e folgado! Eu quero ver se as fazendas vão prosperar sem as
minhas intervenções, Mariano, porque quem cuida de toda a parte
burocrática e dos contratos sempre fui eu!
Eu poderia dar o golpe, transferir documentações para meu nome ou
desviar dinheiro. Poderia pegar o dinheiro e ir embora com minha filha,
porque sou eu quem administra a contabilidade de praticamente todas as
fazendas desde o colegial, quando percebi que amava trabalhar com
números. Todavia sempre fui honesta e transparente, esperei a autorização
de meu pai, esperei que tomasse suas decisões, mesmo não concordando, e
no fim dá nisso. Ainda assim, não me arrependo de ter agido certo.
— Sou eu quem cuidará de hoje em diante, e vai ser ainda melhor! —
Com arrogância, ele rebate: — E nosso pai foi até tolerante te aceitando e te
sustentando até então, Vanessa. Você nos humilhou querendo ser
moderninha, nos obrigando a conviver com essa vergonha, jogou o nosso
sobrenome na lama e nunca nem se importou. Se fosse minha filha, nem te
daria abrigo!
Meu irmão, querendo se impor no grito, engrossa a voz, agindo como
o maldito egoísta que é. Mariano só enxerga o próprio umbigo, apoiando
todos os absurdos que nosso pai inventa, afinal ele sempre se beneficia. Eu
não duvido que haja dedo dele nesse absurdo, afinal, sem mim no caminho,
ele se torna sucessor de tudo. É nítido que está defendendo os próprios
interesses.
— E você, seu babaca, que é mais velho, está já com os trinta quase
batendo na porta, mas é um parasita que segue à risca o que ele quer? Você
tem medo de perder a herança e ter que trabalhar de verdade, em vez de só
dar ordens nas fazendas, isso se já não estiver planejando algo que só te
beneficie! Se fosse você no meu lugar, sem ter essa liberdade toda que
nosso pai te dá, não duraria uma semana de massacre, seu frouxo! — grito
também e chego ao meu limite.
Recebo um tapa no rosto pela ofensa, e cega de fúria, avanço nele
para descontar, mas meu pai se levanta, intercedendo, sabendo que as coisas
só podem se descontrolar ainda mais.
— Vanessa, me respeite e respeite seu irmão! E chega dessa história,
a herança eu deixo para quem quiser, a sua é essa e pronto! Viva a sua vida
com a sua família! — meu pai sentencia, e eu me apoio na mesa, golpeada,
aceitando a realidade das coisas, não há dúvidas de que não irá mudar. Os
dois já decidiram isso antes mesmo de virem até aqui, isso se já não estava
acordado entre eles antes do casamento, apenas enganaram a idiota aqui.
Afinal, Mariano é o seu filho favorito, o homem que vai carregar seu
sobrenome pelo resto da vida e que dará seguimento aos negócios. Nesse
cenário, sou apenas um empecilho que envergonhou a família, uma pedra
que precisava ser tirada do caminho com o prêmio de consolação, para que
tudo volte a ser como antes.
— Então por ter me casado perco meu lugar de sua filha? Meu sangue
deixa de ser seu porque eu estou vivendo em outra casa em um casamento
que o senhor me forçou?
Nenhum dos dois escondeu o desejo de me tirar da cidade após o
escândalo, sempre quiseram se livrar de mim, e pelo jeito conseguiram.
— Essa agora é a sua vida, aceite!
Meu pai não se importa nem um pouco com o meu desespero de
perceber que fui abandonada à deriva, em um casamento forçado, com uma
filha pequena para sustentar, tendo apenas uma vinícola falida como
herança. Eu estou sendo expulsa da família como se fosse insignificante,
apagada como um erro, como uma pessoa que não se encaixa mais ali e eles
não se importam de jogar fora.
— Chega, vocês dois, saiam daqui, por favor! Não quero saber de
mais nada! Já que não sou mais sua filha, então saiam os dois, finalizamos o
assunto. Minha herança é a vinícola e o vinhedo falidos, tudo bem, eu sou
casada e você não tem mais obrigações, então acabamos por aqui. Não devo
mais nada a vocês, e eu espero que nunca precisem de mim, nenhum dos
dois, porque eu farei por vocês o mesmo que fizeram por mim agora! —
explodo, não suportando mais toda a situação. Percebo que estou perdendo
o controle, e se eu começar a falar tudo que está engasgado na garganta
agora, que estou machucada, vou machucar bem mais. Se eu disser tudo que
acredito, minhas opiniões vão sair como facas, e eles vão se sentir
exatamente como eu estou me sentindo agora, magoados, e eu não quero ser
o tipo de pessoa que eles estão sendo para mim.
Meu pai se importa mais com os comentários da cidade do que com a
própria filha e neta, não tem como competir. Está sendo demasiadamente
injusto com esses termos, aparentemente preciso fazer milhões de coisas
absurdas para conseguir o mínimo de apoio para realizar meu sonho, que
ele está dificultando de todas as formas. A vinícola sempre esteve
abandonada, ninguém ligava para aquela parte da fazenda. Tudo que eu
gostaria era seu apoio, sempre desejei ter meu pai disposto a trabalhar
comigo assim como ele se dispõe a trabalhar com Mariano. Eu não sou uma
filha tão ruim para ser tratada dessa forma, aparentemente ter engravidado
cedo e ter assumido minhas consequências, seguindo em frente da melhor
forma que posso, é um erro inadmissível na família.
— Saiam, odeio os dois! — grito mais estridente, e eles finalmente
fazem o que peço, batendo a porta.
Desabo na cadeira, sentindo as primeiras lágrimas teimosas
começarem a cair. Sinto a frustração me tomar, junto com a vontade de
quebrar tudo. Eu me sinto realmente derrotada por mais essa rasteira da
minha própria família, sem ter o que fazer ou para onde ir. Com isso meus
planos foram por água abaixo. No final, não adiantou nada casar forçada.
Antônio vai pedir o divórcio a qualquer dia, isso se não já tiver dado
entrada, e sem a vinícola gerando lucros, viverei uma vida de incertezas.
Sou madura o suficiente para saber que tudo acontece como tem de
acontecer, mas permaneço ansiosa e metódica o bastante pra querer tudo pra
ontem e do meu jeito, principalmente nessa situação impossível de saber o
que esperar do futuro. Herbert, o enólogo, foi contratado para inspecionar
toda a vinícola, saber como está a validade e a situação das garrafas que
estão lá, para que possamos fazer uma boa reforma e iniciar a produção.
Seu relatório não foi nada acolhedor, me indicou a jogar a maioria das
garrafas fora. Eu não tenho como despachar a maior parte da produção para
um futuro cliente por estarem impróprias ao consumo, assim como não
posso fazer um novo investimento alto para repor o estoque, recomeçar do
zero, porque não há dinheiro para isso.
Ao menos, se eu conseguir um bom contrato de distribuição para as
garrafas restantes encalhadas, posso ter uma pequena autonomia, embora
ainda não seja como eu gostaria. Talvez seguir com apenas um funcionário,
além de mim, fazendo todo o resto do trabalho. A marca de espumantes
começará a andar com as próprias pernas. Tenho propósitos muito maiores
para o vinhedo, sonho em tornar esse espaço aberto para hospedagem, com
chalés. Os visitantes poderão ter a experiência enriquecedora que eu tive
quando estava grávida.
E nada me fará desistir do que realmente quero, não será isso que me
impedirá de manter meus sonhos, meu pai nunca quis que eu reativasse
aquela área da fazenda no final das contas. Por ser voltada para a produção
de bebida alcoólica, ele sempre jogou para escanteio, e agora finalmente
conseguiu me atrapalhar. Quer dizer, ao menos ele acha isso. É só questão
de tempo até meu vinhedo e produção de espumantes, que ainda se pode
considerar caseiros, serem considerados de pequena escala, expandindo e se
tornando um grande negócio. Sei que quanto mais me dedicar a isso, mais
espaço terei para alavancar na cidade, só preciso organizar os poucos
recursos que tenho. Minhas economias estão curtas para fazer o que precisa
ser feito, tenho que priorizar certas situações, principalmente a produção da
próxima safra, já que tem mais barris avinagrados que próprios para
consumo.
A única parte boa é que o clima que temos na região favorece a
produção de uvas, pelo menos isso tenho ao meu favor, assim como o solo
fértil, que oferece facilidade de mecanização, já que as terras lá tem longo
período sem chuva, assim é mais fácil controlar a irrigação e a absorção de
água pela planta, o que torna a uva mais adocicada, o ponto alto dos meu
espumantes. Espumantes requisitam uvas mais doces.
Eu vou ter que arriscar pôr tudo o que tenho nessa única produção,
para tentar alavancar a marca, enquanto eu tento despachar as garrafas que
ainda estão lá. Preciso fazer acontecer, e se eu falhar, não terei a quem
recorrer.
Olho ao redor da minha sala, limpando os olhos e vendo que o caos
daqui reflete o caos interno. Estou cheia de tempestades no peito, sem saber
como farei uma vinícola falida se tornar um grande negócio sem
investimentos. Suspiro, vendo a foto de Serena no meu desktop, a que
tiramos ontem. Minha filha com um sorriso repleto de sorvete me encara,
mas apenas consigo sorrir um tanto melancólica, batendo a caneta na mesa
e tentando acelerar meus pensamentos em busca de uma solução.
Ao menos há um pouco de felicidade nesse meu dia atormentado, ao
menos minha filha está sendo bem tratada na casa de Antônio. Meu maior
medo era ele não se importar, mas Antônio me surpreendeu e muito. Só o
fato de ter feito um quartinho só para ela, com o tema que Serena ama, com
direito a lençol da sua princesa favorita, e tudo isso em uma tarde só, para
poder recebê-la bem, fez com que a raiva que sinto por esse cretino
aliviasse um pouquinho.
Só a felicidade de Serena pelo gesto vale mais que qualquer coisa. O
esforço dele foi genuíno, Antônio queria agradá-la, desejava dar à filha o
próprio quarto com tudo que gosta. Serena sempre dormiu comigo, já que a
casa de meu pai sempre foi provisória para mim. E só nisso valeu a pena
estar debaixo do mesmo teto que ele, e ainda dividindo a mesma cama e
acordando com ele com as mãos no meu ventre, quase com os dedos no cós
da minha calcinha. Só espero que isso não se repita, porque foi
extremamente esquisito sentir seus dedos ali novamente. Preciso me manter
firme no meu propósito de não ceder a ele em qualquer circunstância.
Antônio já é convencido o suficiente.
9
ANTÔNIO GONZÁLEZ
No início da madrugada, atravesso o corredor silencioso da casa,
arrancando a camisa social e ignorando Vanessa sentada no tapete com o
notebook no colo e vários papéis em torno dela, ainda trabalhando. Tudo
que eu quero é um longo banho e deitar, mas passo primeiro no quartinho
de Serena adormecida para vê-la.
Eu nem tive como chegar mais cedo para encontrá-la acordada, então
assisto seu soninho calado, para não a despertar e apenas beijo sua testa
antes de sair do quarto com passos calmos. Assim que boto o pé fora do
quarto dou de cara com Vanessa de braços cruzados e expressão nem um
pouco boa para mim no meio do corredor. Eu tento me manter indiferente,
ainda que a minha raiva dela pela manhã tenha voltado com muito mais
intensidade.
— Antônio, meia-noite, sério que vai fazer esse joguinho, que vai agir
dessa forma?
Arqueio as sobrancelhas, cruzando os braços por ela já querer
satisfações, sendo que não me deu nenhuma quando entrou naquele carro
pela manhã. Sigo para a cozinha, pegando uma garrafa de cerveja na
geladeira, a fim de drenar a raiva, e Vanessa insistentemente vem atrás de
mim. Realmente já estamos casados, já quer até discutir a porra da relação!
— Você é quem quis casar, Vanessa, mas adivinha, será assim. Se está
insatisfeita, só pedir o divórcio. Aliás, vou dar entrada amanhã mesmo, já
que isso não é um casamento de verdade, um papel não me fará seu marido.
Se não entendeu ainda, não te devo satisfações! — rebato, feroz. Eu precisei
ficar até mais tarde, fazer hora extra para cumprir minha carga horária e
pendências da semana, mas a deixarei acreditar que estive com mulheres,
que é o que eu gostaria, quando na verdade nem no clube tive tempo de
passar.
— Eu sei que esse casamento não é o sonho de nossas vidas, mas não
vou me desgastar para ensinar um adulto suas obrigações. Até onde eu sei,
eu sou mãe de apenas uma criança, e ela tem quatro anos e te esperou para
dar boa noite. Mas você sequer atendeu minhas mensagens quando
perguntei onde estava!
— Não me cobre coisas quando também não me dá satisfações. Quem
é aquele homem que te deu carona?
Falamos baixinho porque estamos no corredor e não queremos
acordar a criança, e isso torna o momento ainda mais implícito e
conturbado.
— Agora se importa? Não somos casados, só no papel, você mesmo
acabou de falar, lembra? — rebate com ironia, então rosno colérico com a
resposta malcriada. Vanessa me dá as costas, mas eu seguro no seu braço,
puxando-a para mim, para que não fuja. Nossos corpos se chocam com
intensidade. Ter o corpo aquecido dessa cretina colado ao meu desnorteia
todos os meus pensamentos, principalmente quando ela me olha dessa
forma gulosa, com a respiração trêmula. Eu seguro no seu queixo,
aspirando o perfume do seu pescoço, só para ter certeza que ela treme por
mim, ainda que não admita. Gosto de perceber que está toda arrepiada.
— Eu exijo a porra de uma explicação! Quem é aquele homem,
Vanessa? — com a voz firme, quase rangendo os dentes de raiva, imponho.
— Não digo. — Teimosamente se nega e abre um sorriso convencido.
— Está com ciúmes, por acaso? Ou medo da concorrência?
Seus olhos escuros carregam intensidade, com um ar de tentação
neles chega a ser dissimulado. Nesse momento, sinto meu pau sacudir na
calça social. Vanessa não é o tipo de mulher que enverga para qualquer
homem, ela é dura na queda, e mesmo que possa estar tentada, não vai
admitir, é orgulhosa demais. Ela sabe que vou negar seu final feliz, porque
para mim isso não passará de um jogo no qual vou ganhar.
— Lógico que não, nenhum dos dois. Ninguém é páreo para mim!
Nego rapidamente. Mulher alguma me faz ciúmes, e não tenho medo
de concorrência. As mulheres que deitam na minha cama sempre querem
mais, não vou me preocupar, porque sei que não tenho concorrentes, seria
desleal com eles.
— Então por que se importa tanto com minha relação com Herbert?
Só de mencionar o nome desse sujeito meu sangue ferve, o que me
faz pressionar mais meu corpo contra o seu. Ela está me forçando a falar
que sou seu marido, que de alguma forma eu decrete isso e a reivindique
como minha, assim parecerá que ela ganhou essa discussão, que me tem nas
mãos, como se estivesse a disputando com qualquer panaca. Vanessa espera
que eu entre em contradição, já que prometi jamais ser seu marido, prometi
não tocar um dedo nela. Seu desejo de me fazer cair na cilada é nítido pela
sua expressão ansiosa em me fazer falar.
Ardilosa desgraçada, jamais vou admitir, porque isso não é um
casamento, mas sim uma briga de egos.
— Não me importo com nada que você faça. De qualquer forma, em
breve estaremos divorciados.
Eu a solto, exasperado, percebendo que nossos corpos estavam
aquecendo a pele do outro, já que estávamos com elas expostas. Vanessa
está tentando me fazer perder a cabeça só para pisar mais um pouco em
meu ego. Ela é minha esposa indesejada e não vou consumar esse
casamento, ainda que sinta a necessidade de mostrar pra essa mulher que
homem algum jamais irá fodê-la tão gostoso quanto eu.
Dou as costas, mas sua fala seguinte me faz parar e girar nos
calcanhares.
— Não se preocupe, Antônio, eu mais do que ninguém quero esse
divórcio, eu já falei que não é como se eu te amasse. Casei com você pela
minha herança, porque meu pai exigiu, só que eu fui enganada por ele. Eu
não quero tornar nossa vida um inferno enquanto eu estiver aqui, mas para
eu ir embora da sua vida, como nós dois desejamos, eu preciso apenas
restabelecer minha empresa. Agora adivinhe? Aparentemente eu só sou
digna de respeito e confiança se estiver com essa merda de aliança no dedo.
Então, quero fazer um acordo com você.
Ela cruza os braços, claramente possessa, o que torna seus seios
amplos. Eu me limito a olhar diretamente em seus olhos, cismado com o
que ela está aprontando, já que decidiu de repente despejar essa nova
informação para cima de mim, não devo confiar imediatamente.
— Que acordo?
Cruzo os braços também.
— Quero que a gente se suporte nos próximos meses, casados, sem
divórcio, sem essa picuinha, e eu te prometo que assim que eu conseguir um
bom contrato que possibilite reestruturar minha empresa, nos separamos de
forma amigável, sem litigioso. Eu não quero absolutamente nada seu,
seremos de fato um casal separado com guarda compartilhada da nossa
filha.
Semicerro os olhos, para saber se não há manipulação por trás disso,
já que eu mencionei o divórcio e ela de repente recuou, pouco, mas recuou.
A esmola está demais, e não estou com cabeça para lidar com isso agora.
— Depois conversamos sobre isso.
Encerro o assunto, indo para o chuveiro para esfriar o corpo e cabeça.

VANESSA VERSAILLES
No quarto, prestes a dormir, permaneço pensando se foi certo contar a
Antônio o meu problema com a herança. Mas se quer saber, não tenho nada
a perder, infelizmente preciso manter esse casamento até conseguir bons
contratos. Preciso convencer Antônio a não pedir o divórcio agora, senão eu
estou ferrada, é minha última alternativa.
E sequer sei o que ele vai decidir.
— O que está fazendo com esses travesseiros?
Escuto sua voz atrás de mim ao virar o pescoço vejo que ele está com
uma cueca boxer, e apenas isso, com a toalha em volta ao pescoço, nem um
pouco tímido. Pelo contrário, cruza os braços, se exibindo audacioso e
orgulhoso de si. Tento me manter indiferente, virando para frente
novamente, porque a língua eu até seguro, mas a expressão facial não
garanto tanto.
— Dividindo a cama.
Continuo o meu trabalho de fazer um forte com os travesseiros para
separar meu lado do seu. Não é porque temos que dividir a cama que
precisamos dormir agarrados.
— Está com medo de admitir que sente tesão em mim ficando perto?
Está com medo de não resistir? — Mantém seu tom insolente com um
sorriso de lado.
Antônio é convencido demais!
— Não se ache tanto, você nem é tudo isso! — arisca, elimino
qualquer possibilidade.
Rio despreocupada do seu convencimento, até que sinto o peso do seu
corpo rijo atrás de mim, aquecendo minhas costas. Essa é uma posição
perigosa, já que ele está apenas de cueca. Meu baby-doll não é uma barreira
eficaz, então conserto imediatamente a coluna, ficando ereta. Sou agarrada
pelos cabelos, não de forma brusca ou bruta, mas de uma maneira máscula e
um tanto safada. Eu me apoio pela cintura, para encaixar firme meu quadril
no seu, me obrigando a sentir seu pau espremido bem na minha bunda.
Rapidamente tento afastá-lo, mas isso só piora, pois acabei roçando mais
ainda nele, esfregando minha bunda ali. Isso me deixa de pernas trêmulas
enquanto o sinto endurecer e pulsar, fazendo pressão contra mim.
Engulo em seco, com os lábios da mesma forma e a mão suada, o
gemido parece tomar a garganta pelo impacto. Sinto o coração palpitar, e
entre as pernas também. A verdade é que esse desgraçado convencido não
deveria ser um filho da puta tão gostoso, com um maxilar bem marcado,
cheio de músculos duros e trabalhados, sem contar os desenhos em toda sua
pele. Além de tudo, o safado tinha que ser tatuado, o que o deixa mais sexy
e cretino. Confesso, Antônio tem ar de canalha safado e gostoso, e é
exatamente isso o que ele é.
— Eu duvido que qualquer outro homem tenha te pegado dessa
forma. Eu aposto que se eu te tocar, estará ensopada… Não precisa admitir,
eu já sei que quer sentir meu pau inteiro em você novamente, só não está
sabendo me pedir, mas será bom ouvir você tentar me convencer! —
baixinho, de pura provocação, diz bem perto do meu ouvido. Tão perto, que
seu magnetismo de homem mandão, exatamente o que ele é, toma conta de
mim. Antônio roça os lábios e a barba no meu pescoço, em uma provocação
safada e perversa. Ele deixa minha cabeça tombada, me mantendo firme
pelos cabelos junto ao seu tronco robusto, trazendo inquietude para todo o
meu corpo, principalmente entre minhas pernas, local que pinica e anseia
por algo além dos meus dedos há muito tempo.
Mas tudo seria fácil demais para ele, seria entregar a vitória em suas
mãos. Se eu declinar um por cento sequer da minha decisão de não dar
confiança a ele, posso colocar tudo em risco.
— Sabe o que está parecendo, Antônio? Que você me quer, mas está
usando a desculpa que sou eu quem quer. — Sustento o joguinho, rindo
com deleite, de olhos fechados absorvendo as sensações dessas carícias
gostosas, embora proibidas. Mesmo que esteja de costas, sinto a pele
arrepiar todinha. — Não fique achando que não percebo seus olhos em
mim, noite passada principalmente. Essa noite você me agarrou, mesmo que
não admita, até seu inconsciente parece estar expressando o que você
deseja. Será que sou eu de fato quem deseja um revival e não quer admitir?
Extremamente séria, voltando a colocar minha máscara de
indiferença, atravesso seu olhar, girando o corpo e cruzando os braços. Ele
pode ter vindo para cima como um galo de briga, com peito estufado e
cheio de confiança, como se fosse irresistível, mas não vou abaixar a cabeça
para homem safado.
Sim, ele é um desgraçado gostoso, não sou cega, e é por isso que tem
tanta autoconfiança de vir me agarrando dessa forma. Eu não passo de um
desafio para ele, quando se aproxima querendo se impor, me forçando a
desejá-lo. Antônio quer me fazer cair em uma armadilha, para que confirme
sua tese que eu o quero ardentemente, que é capaz de me fazer sentir tesão
por ele. Pena que eu jamais darei esse gostinho, estou fugindo, como o
diabo foge da cruz, de absolutamente qualquer coisa que possa perturbar
meu juízo e dificultar ainda mais a minha vida. E Antônio é uma dessas
coisas, porque se a gente acabar fodendo mais uma vez, sei que seu sorriso
convencido por ter conseguido novamente me levar para cama surgirá no
minuto seguinte. Ou, eu jamais te darei o gostinho de me dizer não.
— Até o final desse divórcio você vai implorar que eu te foda
gostoso…
Ele me segura pelo pescoço, tentando me dominar, exalando
virilidade, esfregando nossos lábios sem consumar o beijo. Eu apenas
sorrio, entrando no seu jogo de quem desarma quem primeiro. Aproximo
nossos lábios, fincando minhas unhas nas suas coisas, na pontinha do pé,
sentindo meu peito dar solavancos por estarmos brincando com o perigo
dessa forma tão imprudente. Percebo que ele também não é tão imune assim
a mim como tenta parecer.
— Ou seria você que quer tanto e não tem coragem de admitir? —
rebato desdenhosa, no mesmo tom de ironia. — Entre nós dois, não sou eu
quem parece sedento por uma boa foda e cheio de necessidade do toque!
Nós dois duelamos olhares sem abaixar a guarda, sorrindo como dois
cínicos que nós somos. Mantemos esse clima insensato, vendo o brilho
velado do tesão nos olhares, um provocando o outro ao limite. Arqueio as
sobrancelhas em desafio, e ele acena comedido, mas ainda parecendo
selvagem.
Percebo que silenciosamente firmamos uma ligação insana e nem um
pouco sensata, uma disputa entre quem vai ceder a quem primeiro, quem irá
implorar pelo outro. Tudo conosco tem de ser assim, conturbado e chocante.
E mal posso esperar para ter o gostinho de dizer não a Antônio, porque esse
casamento jamais será consumado!

Na primeira hora da manhã, atravesso na faixa em direção ao


quiosque onde Violeta me aguarda com Jasmine. As irmãs Braga, as
melhores negociadoras que conheço, estão conquistando o mundo das flores
com os produtos mais incríveis. Não digo isso só porque são minhas
amigas. Tive sorte de elas estarem hoje na cidade para tratar de negócios,
então marquei uma reunião informal, para batermos papo, já que estou
explorando todas as possíveis saídas para salvar minha vinícola.
Violeta é uma das minhas vizinhas na cidadezinha, eu a considero
uma amiga próxima, sempre nos víamos quando eu ia para o vinhedo
espairecer, já que uma das suas fazendas de flores fica do lado da minha.
Acabamos tendo muitos assuntos em comum. Conversamos bastante sobre
agronegócio. Ela sempre foi uma das poucas pessoas que me deram apoio
com a gravidez, eu estava sendo massacrada na cidade, mas ela não me
olhava como uma ladra de maridos, como todas achavam que eu era. Eu
tinha apenas engravidado sendo solteira, mas para aquele povo era vista
como atirada. Não poderia andar sozinha ou trocar duas palavras com
qualquer homem que fosse que o pessoal já chegava para marcar território.
Como se eu quisesse aquele bando de homem feio. Isso me machucou
muito na época, mas hoje já consigo rir do absurdo, junto com ela, que mais
do que ninguém sabe o que é ser vítima desse pessoal fofoqueiro.
Então liguei para Violeta ontem mesmo, para que pudéssemos pensar
juntas em uma solução. Vim para o encontro com o objetivo de perguntar se
conhecem alguém que tenha interesse nos espumantes, já que estou perdida
e sem saber por onde começar. Uma vez que elas já conquistaram até
mesmo o mercado internacional com seus arranjos, talvez quem compre
flores possa também comprar espumantes, e é isso que vim descobrir.
Chego até elas, e as duas me abraçam em um cumprimento afetuoso.
Embora não nos vejamos sempre, temos filhos com quase mesma idade e
negócios para lidar. Quando nos encontramos sempre há assunto. Assim
que terminamos de nos cumprimentar, me sento ao lado delas.
— Cadê minha florzinha? — Violeta pergunta por Serena, com seu
inconfundível chapéu de cowboy na cabeça. — Quero saber das fofocas, se
é verdade que estão dizendo que casou com o pai da menina!
— Acabei de deixá-la na creche, e sim, infelizmente. — Levanto a
mão com o anelar, vendo que a notícia já se espalhou. — Mas nem posso
considerar casamento, foi contra minha vontade, não temos de fato um
relacionamento. Mas não é dele que quero falar.
Dou de ombros, optando por não me lamentar nem focar muito nesse
assunto.
— Casamento forçado? Isso ainda existe? Van, uma coisa é certa, se
ele não te trata como rainha, procure outro trono para sentar! — Encaro a
expressão risonha de Violeta, que, direta e afiada, me aconselha, e
acabamos gargalhando, até sermos interrompidas pela chegada do
cafezinho. Dou uma bicada no café quente, querendo que a cafeína me dê a
energia necessária para o dia. Dormir diante de toda a situação com Antônio
foi um inferno. Fiquei inquieta e com um pouco de tesão com todas as
provocações, confesso. Foi um sono perturbado, fruto de todo aquele
desafio, que por sinal me fez ficar de olho na sua cueca estufada após tudo
se acalmar.
— O que quer de nós? — Jasmine, interessada, questiona.
Ponho meus cabelos para trás, me arrumando na cadeira e explico
toda a situação a elas, falo da vinícola falida e da cachorrada que meu pai e
Mariano fizeram. Conto de toda a briga que tivemos, até porque se eles
fizeram questão de espalhar sobre meu casamento, provavelmente usando
disso como um troféu conquistado pelo esforço deles, não se importarão
com a verdade sendo exposta. As duas obviamente ficam chocadas com
minha situação. E eu sempre contei como as coisas de fato aconteciam para
elas, nunca menti e não será agora que adoçaria a pílula.
— Olha, Van, eu não conheço muitos empresários internacionais do
ramo de bebidas e tudo mais — Jasmine, que é a presidente dos negócios da
família e que cuida de toda a parte burocrática, me situa, e imediatamente
sinto meus ombros caírem. — Todavia, temos um paralelo aqui, em todos
os eventos importantes sempre há bebidas e flores, então...
— Foi justamente o que pensei, geralmente pessoas que presenteiam
com flores também têm interesses em espumantes. — Entrego a elas uma
das garrafas da adega, para que experimentem e conheçam. — O rótulo
atual não é o definitivo. Estou focada na reestruturação da marca. Se é
minha, quero dar mais a minha cara…
— Sim, se o investimento valer a pena, podemos conversar sobre uma
colaboração, poderíamos montar uma cesta do dia dos namorados no ano
que vem, que tal? O perfume da Toulouse, espumante da Vinícola Versailles
e as flores da nossa casita das flores. Atualmente, só podemos te ajudar
nisso.
— Ótimo, até lá eu consigo financiar uma nova safra. Eu queria
mesmo um norte para os barris parados antes de eles avinagrarem e me
trazerem mais prejuízos. Preciso tirar a empresa do vermelho.
Bebericamos nossos cafés, enquanto pensamos em conjunto.
— Vou tentar te inserir no mercado com nossos clientes, mas não
prometo nada, tá? Vou fazer assim, tem como me enviar cem espumantes
baby, da sua melhor safra, com o rótulo novo, com tudo finalizado o mais
rápido possível?
— O que pretende, Jas? — Violeta pergunta, e eu tento entender
também o que ela está pensando, afinal está com sua cara de maquiavélica
bebendo seu café com calma.
— Marketing. O problema de Vanessa é não estar no mercado ainda,
certo? Eu vou viajar no final desse mês e terei de lidar com muita gente.
Vou apresentar seu espumante aos potenciais clientes que possam se
interessar. Quando chegar em casa vou experimentar inclusive. Sempre
estou tendo reuniões importantes, vou fazer questão de oferecê-los. Posso
oferecer essa mini garrafa com o seu cartão de visitas como cortesia, para
que conheçam, pode ser?
— Minha irmã é uma gêniazinha do caralho!
Entusiasmada, Violeta se anima com a possibilidade de poder me
ajudar. É nítido o orgulho que ela tem da irmã, e agora entendo o motivo de
confiar plenamente nela para gerir os negócios internacionais. Ainda que
seja a caçula, e apenas dois anos mais velha que eu, Jasmine consegue
desenrolar o problema com astúcia.
— Claro, é melhor até que minhas expectativas, vim só com uma
esperança. Se eu conseguir ao menos um cliente que pegue uma parte da
safra, já vai ter como financiar um novo lote. Enviarei as garrafas assim que
os novos rótulos estiverem prontos, queria até fazer uma festa de estreia da
marca, um coquetel para apresentar, mas meu pai fodeu todos os meus
planos, então terei que adiar e me livrar do que já tenho para começar do
meu jeito. E você, vai viajar para onde?
— Argentina, preciso fechar acordos para nos manter no mercado
internacional, os primeiros anos são decisivos. Estou me preparando para a
próxima conferência anual do setor floricultor, e Ajax Vasilakis mal perde
por esperar dessa vez. Minha revanche vai acontecer! — Sua fisionomia
passa de relaxada para algo mais firme e desgostoso.
Confusa, questiono com o olhar do que se trata, e Violeta nega com a
cabeça, fazendo pouco caso, não se dando o trabalho de me explicar,
mesmo que pareça ser algo bem sério para Jasmine.
— Quero até marcar uma reunião com Gael, já que ele é agrônomo,
quero que ele veja a situação do vinhedo.
— Claro! É só falar com ele!
— Obrigada pela ajuda, sério, estava me sentindo sem saída!
Sorrio, realmente grata pela amizade. Embora tenhamos de seguir
nossas vidas um tanto distantes, Violeta é o tipo de amiga que está sempre
disposta a ajudar, basta eu chamar. E sei que esse sentimento é recíproco,
estou sempre disponível para ela. Violeta retribui o sorriso como se não
fosse nada de mais. Só de me trazer essa nova possibilidade, sinto que não
estou no fim da linha antes de começar. Agora consigo respirar aliviada,
com esperança que as coisas ainda podem dar certo.
10
ANTÔNIO GONZÁLEZ
— Estou entrando com criança no recinto! — aviso em alto e bom
som, já com deboche, caso ele esteja se agarrando pelos cantos. Caminho
segurando a mão de Serena, que parece ansiosa para conhecer o Zé,
enquanto atravesso a porta da cobertura de Augusto. Como hoje é sábado,
decidi sair com ela para que meu amigo a conheça, além disso dei a Vanessa
a possibilidade de trabalhar, já que estava lá pilhada em cima de mil papéis.
Nós já tínhamos decidido assistir a um amistoso da seleção brasileira,
havíamos combinado de ir antes mesmo de toda a confusão. A minha vida
se tornou uma loucura nos últimos tempos, meu closet está cheio de botas
de salto e bolsas coloridas, sem contar os brinquedos espalhados e a música
repetitiva. Conviver com uma desconhecida e uma criança, sendo a
desconhecida é mãe da criança, que por um acaso é descobri ser minha
filha, está me deixando louco. Preciso voltar um pouco aos velhos tempos,
não me importando que Serena esteja comigo. É bom que ela já vá se
entrosando em meu mundo desde já.
Augusto aparece com Margot, e pelas bochechas coradas dela e a
expressão sisuda dele, sei que quase o pegamos no flagra. Eu alargo o
sorriso, tripudiando do meu amigo.
— Você é chato para caralho, hein? — Augusto me cumprimenta com
sua delicadeza.
— Olha a boca, não está vendo a garota?
Mantenho o bom humor, apontando para o pitoco de gente que segura
firme minhas mãos, incerta sobre esse ambiente novo. Margot
imediatamente bate os olhos nela e automaticamente sorri com o rosto
inteiro, vindo até ela e agachando até ficar na sua altura para cumprimentá-
la.
— Qual é seu nome, bonequinha? — Má pergunta de uma maneira
toda maternal.
Acanhada, Serena primeiro me olha, para saber se pode responder, e
eu dou permissão, caso queira cumprimentá-la. E assim ela faz, dando
beijinhos na bochecha e recuando até mim logo depois.
— Serena — ela responde como uma boa garotinha, e não seguro o
sorriso orgulhoso dessa pestinha.
— Ah, que lindo. O mesmo nome da menina da série que estou
assistindo, Gossip Girls — Margot divaga, alisando as bochechas dela.
— O nome dela é justamente por conta disso — respondo, ainda sem
entender que raio de série é essa, que pelo visto só as duas conhecem.
— Tio Tony!
José corre na minha direção, descendo as escadas, e pula em meu
colo, como sempre faz quando me vê. Eu adoro demais esse moleque,
nunca fui próximo de crianças, mas por Zé eu tenho um amor genuíno
desde que o vi pela primeira vez. Não é à toa que sou seu padrinho desde
que souberam da gravidez. Sei que o sentimento é recíproco, essa pestinha
toda vez que me vê gruda em mim que nem cola. Porém dessa vez Zé
arrasta minha filha para sala para que ela veja seu novo brinquedo. Eu sigo
para a cozinha com os adultos, querendo uma dose de uma bebida antes de
irmos.
— Como estão as coisas lá? — Augusto, debruçado na ilha da
cozinha, questiona interessado. — Como está o casamento do canalha?
Em seu tom, noto a ironia, mas ignoro a alfinetada.
— Confusão atrás de confusão, Vanessa me leva ao limite, tira minha
paz! — respondo amargurado. Sinto o conflito interno me agitar enquanto
bebo uma cerveja. Vejo que tanto Augusto quanto Margot estão com uma
expressão de riso, ela é de fato o par perfeito para ele, os dois são
sarcásticos e parecem claramente estar se divertindo com meu martírio.
Bagunço meus cabelos, exasperado, afinal Vanessa realmente está me
deixando louco com sua resistência e pretensão, com essa teimosia de não
admitir que me deseja. Eu quero ter esse gostinho, já que ela sapateou em
meu ego ao dizer que não sentia tesão em mim.
A noite retrasada não sai da minha mente, quando nos desafiamos, eu
quase cometi uma loucura ao sentir sua bunda encaixada. Pensei em a jogar
na cama, obrigá-la a implorar por mim, pagar por cada insulto, só que aí
seria eu quem pareceria desesperado, com o pau engatilhado, e ela viraria o
jogo. A desgraçada sabe como jogar. Preciso sempre ter em mente que
minha intenção não é essa, ela tem de vir até mim para que eu possa
desarmá-la, ser racional e dizer não.
Porque tudo se resume a isso, quem vai cair na tentação e quem vai
negar. Como já falei, é briga de ego, e nenhum dos dois vai querer perder. O
ponto delicado é o que Vanessa vem provocando. O tesão que nos envolveu
hoje pela manhã, quando eu acordei e a encontrei ainda adormecida e
tranquila com uma roupa minúscula, nem parecendo o furacão agitado de
sempre, foi duro de segurar.
E esse é um dos motivos também de achar conveniente sair de casa
com a Serena, o clima arisco e provocador é palpável no ar. Nunca pensei
que um dia seria um sacrifício ter uma mulher gostosa de roupa curta em
cima da cama, a ponto de eu preferir sair de casa para não agir pela emoção.
Eu realmente não sou mais o mesmo.
— Já que vão sair para o jogo, liga para ela, manda vir para cá. Eu
vou ficar sozinha aqui com Ká, pelo menos ela me faz companhia, e eu
quero conhecê-la!
— Te mando o número e você convida.
Estamos evitando todo tipo de contato que não seja em relação a
Serena.
Margot concorda, pegando o telefone para ligar para Vanessa. Sigo
para sala com Augusto, para pegar as crianças e sairmos antes que fique
tarde. Jamais pensaria que um dia sairia assim com Augusto, antes solteiros
e desimpedidos, agora cada um com sua cria, fazendo o que costumávamos
fazer desde moleque.
Abismado, assisto minha filha tão pequena dançar em frente a
televisão, tentando imitar os mesmos passos de dança de Zé, que se remexe
com graciosidade e com as mãos no joelho, numa coreografia sem sincronia
alguma, enquanto uma dançarina ensina como fazer.
— Se eu fosse você, pedia o DNA novamente, ela é muito fofa e
carismática para ser sua! — Augusto comenta com ironia.
— Cala a boca! Serena, não! — Alerto em um tom mais alto, e ela
para, num susto, na mesma hora. — Zé, o tio te ama demais, moleque, mas
desencosta da minha filha!
— A gente só estava dançando, tio, e ela é muito bonita! — José
segura nas mãos de Lena, a olhando com uma espécie de encanto. — A
gente vai casar, né, Lena?
Uma vertigem me atravessa, por esse moleque tá me dizendo um
absurdo desses, o fedelho mal saiu das fraldas, eu o vi nascer, e agora quer
me afrontar com cinco anos apenas. Carrego Serena, a protegendo dessa
miniatura de Augusto. Em resposta, meu amigo apenas gargalha, porque é o
filho dele dando em cima da minha pequena filha inocente.
— Augusto… pegue seu moleque afrontoso, senão eu o coloco de
cabeça para baixo!
— A filha de alguém vai te dar uma filha, e a sua filha vai ter que
crescer e o mundo vai estar diferente… E malandro igual a você, nesse
tempo vai ser bem mais inteligente… Eles estavam brincando, Antônio,
deixa de ser doido!
Ele tripudia despreocupado, recitando a música para mim, mas só
faço sinal de que estou de olho, e Zé ri sem medo algum. Minha filha ainda
é uma criança, não tem pretendentes nem nada do tipo. Há muita coisa
ainda para viver e crescer, não gosto nem de pensar em quando for adulta,
ainda não é o momento de enlouquecer com isso. Mas se for que nem eu na
adolescência ou tiver o temperamento da mãe, vou ter sérios problemas do
coração.
Sei que não há maldade neles, estavam apenas brincando, são
crianças, Zé falou de forma inocente, mas ficarei de olho nesse projeto de
homem safado desde já. Tem de cortar o mal pela raiz, minha filha não é
para o bico de um Santoro e nem de ninguém! Eu tinha que ser justamente
pai de menina mesmo!
— Pronto, chamei, Vanessa virá.
Margot surge com o telefone na mão para completar o caos, então nos
despedimos para eu tentar me divertir.
— Imagina essas duas a tarde inteira sozinhas. Estamos ferrados!
Comento ao lado de Augusto, imaginando o tanto de assunto que
surgirá, antes de atravessar a porta com Serena.
— Só se for você. Eu faço meu dever de casa direitinho!

VANESSA VERSAILLES
— Ah, eu conheci a Cecília Lohan em uma festa, é a mais velha
delas, né? Um doce! — Curiosa, com olhos azuis claríssimos, Margot
beberica o suco, prestando total atenção em mim. — Eu amo a perfumaria
dela!
— Isso, Violeta é a do meio e minha amiga, Jasmine, como vive
viajando, é bem difícil de encontrar. Cecília não conheço porque já não
morava lá, mas são incríveis, nas revistas de empreendedorismo feminino
elas estão sempre na capa nos últimos anos. Mas aquela lá, da revista
feminina, Scarlet Garcez, continua no topo desde que assumiu a direção. E
não seria diferente, a mulher não é conhecida como megera à toa.
Explico de onde conheço as irmãs Braga, já que o assunto acabou
caindo nelas, estamos falando justamente de empresas comandadas por
mulheres. Eu estava explicando sobre o meu negócio e tudo que o envolve,
já que Margot se interessou pelo assunto de como eu caí de paraquedas na
vida de Antônio com uma criança de quatro anos, com direito a casamento
e tudo mais.
— Eu ouvi dizer que aquela Miranda Moraes também estava
dominando a ala de calçados, são as amigas mais influentes do mercado,
acho que casar bêbada com toda a polêmica posterior deu certo para ela. E
você reclamando de ter casado com Tony.
Concordo, rindo com ela de tudo que saiu nas revistas nos últimos
tempos. Polêmica em cima de polêmica, o pessoal da nata empresarial é
viciado em viver!
— Uma coisa não anula a outra! Pelo menos o marido dela é
gatíssimo, pelo que vi nas revistas! Ela deu foi sorte! — comento a fofoca
inofensiva. — Quem se ferrou mesmo foi a CEO da Ostera, que tomou
aquele golpe, foi judiação demais!
Está sendo uma tarde de risos despreocupados e muita diversão leve,
Margot tem um humor ótimo, fiz bem eu aceitar o convite para espairecer,
já que eu estava em casa pilhada trabalhando. Sentia que estava me
afogando em incertezas. É engraçado que mesmo me divertindo, me sinta
estranha em não ter Serena aqui comigo. Sonhei com uma tarde só para
mim como essa, para apenas descansar e rir de bobagens, mas sem ela é
como se me faltasse algo. Estou com saudades, confesso.
Pelo menos acho que acabei de fazer uma ótima amiga.
Suspiro, me imaginando tendo sucesso na minha área. Vejo cada uma
dessas como pessoas a serem seguidas, completamente admiráveis. São
mulheres líderes do próprio segmento, todas bem-sucedidas
profissionalmente e pessoalmente. Isso me dá ânimo para sonhar com tornar
todas as minhas metas uma realidade, transformando o que é um sonho em
um grande projeto, quem sabe até mesmo ganhar a América Latina. Há
muito o que trilhar ainda, mas um sonho é um sonho.
— Mas afinal, qual é a diferença entre o seu espumante e um
champanhe? — Margot, confusa, questiona de repente, e sua bebê, de olhos
tão azuis quanto o mar, me olha com um sorriso banguela. Eu a trago para
meu colo, para matar as saudades de ter um negocinho desse tamanho nos
braços. Mesmo que eu prefira minha filha do tamanho que está agora,
conversando comigo e compreendendo o que falo, é impossível não se
derreter inteira por uma bebê desses balbuciando.
— Todo champagne é um espumante, mas nem todo espumante é um
champagne. Champagnes são desenvolvidos em apenas uma região do
mundo, a de Champagne, lá na França, e por isso só se considera
champanhe se for feito lá. Fora da região chamamos de espumante, mesmo
que seja o processo de fabricação similar. E só uma vinícola brasileira tem
licença de usar o termo no rótulo, mas eles têm uma linha superior. Mesmo
parâmetro de alta costura, que só existe lá, ninguém mais pode usar a
nomenclatura, por conta da exclusividade, entendeu?
Explico, brincando com as bochechas gordas da criança, que ri para
mim, toda fácil.
— Acho que sim. Mas porque não criar um segundo rótulo para essas
garrafas, não pode? — pensativa, Margot cruza os braços, se recostando
mais à vontade no estofado.
— Para quê? Geralmente espumante é considerado algo muito fino,
ninguém que se preze comprará um avinagrado, por mais barato que seja.
Quem aguenta beber algo com gosto de papelão molhado em vez de uva
adocicada, que é a nota dominante da bebida? Isso acabaria com minha
reputação antes mesmo de alavancar, por mais que eu avisasse no rótulo.
Seria mal visto.
Olho para o céu lá fora mais uma vez, vendo a chuva forte bater nas
janelas, preocupada com a demora de Antônio. Fico imaginando para onde
ele a arrastou, já que foram para um estádio de futebol pela manhã e já está
escurecendo. A criança não levou sequer um casaco, e só deus sabe com o
que está se alimentando nesse tempo.
Deixei que Antônio cuidasse dela hoje sem minha intervenção,
preciso saber como ele vai se sair, além disso precisava muito organizar a
parte burocrática da empresa. Como Jasmine e Violeta me deixaram sob
aviso, que poderiam conseguir um cliente para mim, decidi deixar as
propostas redigidas para apresentar ao cliente assim que entrarmos em
contato. Quero ser objetiva e prática. Mas só consigo pensar que já
escureceu e o tempo está feio.
— Mas não é para beber, mas sim para desperdiçar. Vai ter o ano-
novo daqui a alguns meses, muita gente gosta dessa tradição de se banhar
com a bebida. Você pode vender com essa intenção, afinal, cada garrafa
custa o mesmo, quer o comprador a beba ou não. Nunca vi ninguém fazer
isso, mas eu particularmente sempre tive pena de jogar fora a bebida dando
banho de espumante, e aposto que não sou a única. E a depender de como
fará, conseguirá se livrar delas e ainda obter lucro para financiar a nova
safra para o início do ano. Eu particularmente compraria, porque não seria
desperdício essa extravagância. Faz sentido o que eu falo ou estou
viajando?
Ela me encara com certa hesitação, mordendo os lábios. Sua sugestão
acende uma esperança que eu não estava tendo, pode dar muito certo se eu
conseguir executar como está na minha cabeça. Às vezes as mentes
brilhantes não estão em um escritório, nem sempre a solução de um
problema empresarial surge em uma sala repleta de executivos, mas sim em
um sofá, bebendo suco, enquanto a resolvedora do problema está em
puerpério.
— Faz muito sentido, Má, eu não pensei nessa possibilidade. Acho
que você acabou de livrar minha empresa de uma falência antes da própria
abertura. Tem um tato incrível para resoluções! Trabalha com marketing,
não é? — Eufórica e empolgada, me ajeito no sofá, vendo que a criança
cochila em meu peito. Margot sorri acanhada, mexendo nos cabelos.
Ela parece ter uma grande habilidade de observação, e seu conselho
pode ser uma ótima saída para me livrar dos espumantes e levantar algum
dinheiro em uma tacada só. Minha estreia pode ser feita exatamente nessa
situação, em uma edição exclusiva e limitada de espumantes para estourar e
desperdiçar.
— Ainda não, oficialmente, não tem como me dedicar aos estudos
cem por cento no momento, mas me interesso pelo assunto, tanto que
sempre ajudo Augusto. Ele fala que eu nasci para o ramo, mas eu só dou
ideias doidas. — Dá de ombros, rindo. — Vou entrar na faculdade quando
Ká estiver maiorzinha, não quero terceirizar os cuidados, sou muito
apegada a minha bebê ainda.
— Você é uma gênia, sério!
Amo perceber que estou rodeada de pessoas inteligentes. De repente,
escutamos a algazarra deles preencher o ambiente. Ouço Antônio imitar o
Patolino, revelando que seu pijama é fruto do seu gosto pelo personagem, e
a gargalhada de Serena se sobressaindo. Eu a vejo surgir sentada no ombro
do pai, sem camisa, já que está vestida com a dele, na tentativa em vão de
se proteger da chuva. O marido de Margot também aparece da mesma
forma, com o filho nas costas, molhando toda a sala.
Os quatro estão encharcados, mas todos têm sorrisos no rosto.
Antônio coloca Serena no chão, e ela vem correndo na minha direção, mal
cabendo em si de alegria pelas aventuras do dia.
— Mamãe, a gente se molhou um bocado! — gargalhando, Serena me
conta, com os cachos dourados desmanchados grudados no rosto. Mal para
no chão, querendo me contar cada parte do seu dia com o pai.
— E você se divertiu muito, coração?
Ela concorda, e é nítido pela sua fisionomia. Rapidamente surge uma
toalha para que eles se sequem. Entrego Ká para Margot, para poder cuidar
do meu pedacinho de gente ensopada antes que Serena adoeça.
— O que deu para essa menina comer o dia inteiro? — questiono
Antônio.
— Cachorro-quente. E bebeu suco com Zé. Quando ela queria outra
coisa, eu dava picolé.
Pela felicidade de Serena, eu relevo toda a loucura que foi o dia, até
porque ela não se importou nem um pouco. Gosto de saber que Antônio
está se esforçando para criar boas memórias com ela.
A taquicardia vem de fininho, quando passo tempo demais
observando Antônio sem camisa secar os cabelos na toalha. A visão dele
parece fazer meus músculos adormecerem. Engulo em seco, com o peito
arfante, vergonhosamente afetada pelo que está acontecendo. Acho que
estou perdendo o juízo por estar assim. Minha filha está bem ao lado e não
estamos sozinhos para ser insanos. Antônio percebe, pois para no meio do
caminho e me encara com seu maldito olhar convencido, me atiçando como
se estivesse me convidando a cair na tentação. Minha cara queima
imediatamente, mas reviro os olhos, lhe dando um fora.
No canto da sala, vejo Margot secar José e em seguida trocar um
selinho rápido com Augusto, por fim vejo os dois sorrirem um para o outro.
Acho muito bonito quem encontra alguém compatível para compartilhar a
vida desta forma.
— Vem, mamãe, beija ele também.
Denunciando que também viu, Serena me apressa, para que eu faça
igual. Minha filha claramente me coloca em sua saia justa, com sua eufórica
inocência.
— É, mamãe, beija primeiro! — Antônio reforça, pondo pressão,
claramente há um tom de desafio e ironia. O safado parece estar gostando
da situação e do meu desajuste.
Mas não vou cair na pressão, principalmente quando o meu
adversário é ele!
— Não, filhota, se ele quiser, que venha — desconverso, cruzando o
olhar com esse canalha irônico e dando uma bela indireta. — Vamos para
casa? Está tarde!
Não serei eu quem vai ceder. Antônio se mantém com uma expressão
divertida, como se eu estivesse blefando.
— Maternidade é solitária, Má, então quando quiser, me liga, vamos
sair juntas. Conheço pouco da capital, mas sei de bons lugares!
Eu me despeço de todos, agradecendo pelo dia gostoso que tivemos.
— Claro, vamos nos ver, sim, e não abaixa a cabeça para homem
safado, não, hein? Quando eles percebem que tem de obedecer durante o
dia para mandar à noite, a cabeça deles explode!
Margot me abraça, cochichando em meu ouvido, e gargalho do seu
conselho. Lanço um olhar novamente para o safado do Antônio, uma
promessa silenciosa de que ele ainda irá implorar por mim e eu negarei com
gosto!
11
ANTÔNIO GONZÁLEZ
— Bom, como faltam alguns meses para o ano acabar, o novo
shopping entrou na fase do trabalho de acabamento. Estive agora há pouco
com os arquitetos e em uma reunião com a construtora. O prazo foi
mantido, estão finalizando tudo. Esse não será só o mais completo centro
comercial, mas também o mais luxuoso. Assim, está na hora de planejar de
fato o anúncio da abertura… O que acha?
Augusto, na sua sala, em uma reunião particular, dita com satisfação
os planos do nosso começo de ano enquanto toma seu café.
— O Natal será a próxima festa lucrativa e a última do ano
praticamente, podemos espalhar os totens de publicidade. Temos que ver
com a equipe de marketing como eles farão, um coquetel de pré-
lançamento, só com a nata empresarial, me parece algo essencial.
Infelizmente não ficará pronto para essas festas, como era nosso plano
inicial, mesmo assim me mantenho otimista. Voltamos a ser consistentes
após sua polêmica ter passado. Muita gente está de olho em nosso capital
aberto. Prevejo que com o anúncio de lançamento, as ações da empresa vão
subir, teremos investidores surgindo de tudo quanto é canto!
Com as mãos entrelaçadas em cima da mesa, apresento meu ponto de
vista, essas possibilidades foram estudadas ao longo dos meses, levando em
conta todos os contratempos. Sempre busco pensar de forma estratégica e
efetiva, para que possamos elevar nossos lucros já no primeiro semestre
com esse novo empreendimento. As nossas expectativas estão altíssimas.
— Foi o que pensei. Eu não quero nada abaixo do que o maior evento
do ano. Quero parar a cidade com o pré-lançamento e com a abertura. Com
esse empreendimento cravo meu nome de vez como referência mundial no
setor. — Arrojado e ambicioso, ele mostra sua disposição para fazer
acontecer. — Mas temos muitas pendências que quero resolver hoje, a
gestão interna ainda não foi decidida. Quero uma reunião com todos os
nossos diretores, principalmente aqueles da área de recursos humanos, para
abrir o edital da equipe de manutenção. Quero decidir de perto sobre a
segurança. Dessa vez quero fazer diferente, vou falar com Rhael Rezende,
aquele filho da puta é o único que pode dar conta do trabalho, além de
confiar nele para esse trabalho.
— Vai pôr uma equipe de Rhael Rezende na segurança? É um
shopping ou um campo de guerra?
Eu me mostro surpreso com seus planos, afinal sabemos que o cara é
um militar reformado e dono de uma empresa de segurança no qual seus
serviços são de alta complexidade, principalmente lidando com condições
de insalubridade. Os trabalhos mais hardcore são seus favoritos, faz até
função particular de guarda-costas, com proteção especial, se for
necessário. Claro que para isso precisa ser muito bem remunerado.
— Não vou negligenciar na segurança e fechar com qualquer um. A
empresa de vigilância dele é competente e ativa, podemos nos tornar alvo
de invasão e roubo de grande escala. É muita loja de grife em um espaço
imenso, o peso de ser gestor de um shopping center com essa infraestrutura
é grande. Precisamos manter o padrão. Quero que ele monte uma equipe de
elite na área de vigilância e segurança. O preço dele vale a pena. As outras
que contatei, cobraram acima do mercado por sermos quem somos, mas não
são tão boas.
Concordo com seu ponto de vista, temos que ter uma equipe de
profissionais muito eficiente, gente com mais talento para o trabalho. Fazer
a gestão de qualquer negócio não é uma tarefa simples, principalmente de
um prédio que será o maior centro comercial da América Latina. Esse é o
mais ousado passo não só nas nossas carreiras, como também da empresa.
Investimos bilhões, então nada pode dar errado, temos que organizar o
melhor modelo de gestão, nos baseando no espaço físico e no fluxo de
pessoas que passarão por lá.
— Eu até pensei nisso, ter uma equipe administrativa mais próxima,
escolher a dedo os colaboradores, para alocar melhor nossos recursos. E
como somos autogestão, precisamos ver isso o quanto antes. Preciso te
falar, houve algumas desistências e algumas lojas vagaram, temos que
contatar quem está na lista de espera.
Anoto ao lado da lista os problemas que temos que solucionar ainda
nessa reunião, o bom é que com Augusto a resolução se torna dinâmica,
sempre temos uma intensa troca de ideias.
— Farei isso, há um evento empresarial, uma espécie de coquetel,
para receber um fodão russo no final dessa semana. Não irei por causa da
Má, não quero deixá-la sozinha. Você quer nos representar?
Batuca na mesa esperando minha resposta, e antes que eu responda,
meu telefone toca em cima da mesa. No visor, antes que eu desligue para
retomar meu trabalho, vejo que se trata do colégio de Serena. Acabei de
deixá-la lá no seu primeiro dia de aula na educação Infantil, é o mesmo
colégio que Zé.
— É do colégio de Serena. Vou atender.
Peço um segundo a Augusto, já que estou preocupado e não posso
ignorar minha filha. Já foi horrível deixá-la ali sozinha em um prédio tão
grande, senti como se nunca mais fosse vê-la, embora ela estivesse bastante
empolgada para conhecer tudo. Serena queria acompanhar Zé, e aquele
pestinha queria levar minha filha de mim. Eu estava com o coração
apertado, cheio de receios da minha filha não se habituar, chorar por causa
de todas essas mudanças e novidades. Até cogitei que pudesse sentir falta
da gente, enquanto Vanessa ria das minhas preocupações e da minha quase
desistência. Por um triz não a trouxe de volta para casa.
Por isso essa ligação assim de repente me deixa preocupado, talvez só
reforce que eu deveria adiar mais um pouco a ida de Serena para o colégio.
Vanessa me disse que Serena já frequentava a escola e estava acostumada,
parece que já sabe até mesmo contar até dez. Quando me disse isso, Serena
a corrigiu rapidamente, dizendo que era até onze!
Para mim é tudo novo e diferente!
— Vixi, tive um déjà-vu!
Augusto passa as mãos no cabelo, igualmente preocupado.
Atendo.
— Olá, senhor Gonzalez? Aqui é Eugênia, a diretora do colégio no
qual acabou de deixar sua filha. Liguei para comunicar que Serena
Versailles Gonzalez se queixou de dor no peito e cansaço respiratório. Ela
seria asmática? Ela está aqui na enfermaria fazendo uma nebulização, mas
gostaria que um responsável viesse buscá-la e a levasse ao hospital para
ter o acompanhamento devido.
Sem pensar duas vezes concordo, avisando que chegarei em questão
de minutos, disposta a levá-la no pronto-socorro o mais rápido possível.
Estou me sentindo culpado, já que ela tomou aquela chuva toda comigo
nesse final de semana. Vanessa não me alertou sobre ela ter algum problema
respiratório.
— Ela passou mal. Vou até lá saber o que aconteceu, pode ser?
Sem esperar sua resposta, ponho meu celular no bolso, pegando meu
paletó e desligando o tablet, já sem cabeça para falar sobre negócios.
— Fique tranquilo, Tony, cuida dela, que eu resolvo o resto aqui. Me
dê notícias!
Prontamente Augusto concorda, sendo meu amigo nessa hora. Eu me
despeço, correndo para minha sala, para buscar a chave do carro.
— Mas sobre a festa, eu vou, me mande uma mensagem com os
detalhes!
Apressado, com o telefone no ouvido, tento entrar em contato com
Vanessa enquanto sigo pelo corredor. Fora de área, porra!
Eu não sei nada sobre o estado de saúde de Serena, então não saberei
responder nenhuma das perguntas do pronto-socorro. Vou continuar
tentando entrar em contato com ela no caminho. Se não conseguir, passo lá,
e eu mesma a busco, já que Vanessa não tem carro.
No portão do colégio sou avisado que Vanessa já havia passado por lá
e levado a menina, sequer me avisou de sua decisão. Ligo para ela, e enfim
consigo informações sobre em qual hospital estão. Corro imediatamente
para encontrá-las, quero ver com meus próprios olhos a situação da
pequena. Não paro de me martirizar a cada segundo, preocupado de tudo
ser devido a chuva que tomamos.
Pelos corredores, atordoado e preocupado, procuro pela ala infantil, e
quando encontro, vejo algo que me faz ferver de raiva, quase como se eu
fosse explodir. Na sala de espera, Vanessa está de pé, se protegendo no frio
do ar-condicionado. Ao seu lado, conversando com ela está um homem, que
eu aposto ser o tal Herbert. O sujeito está aqui ocupando o meu lugar, e pelo
jeito que acaricia os ombros dela, vejo claramente que está se aproveitando
do momento. Vanessa parece estar alheia a tudo, contudo não parece
desconfortável, talvez ainda não tenha percebido os movimentos do sujeito.
— O pai de Serena chegou. Você pode ir! — eu me imponho, irritado.
— Cadê Serena, Vanessa?
Vanessa é muito baixa. Mesmo em uma situação como essas trouxe
esse sujeito. Ela nem se deu ao trabalho de me avisar, o próprio pai da
menina. Em compensação, o sujeito, ela fez questão de chamar.
— Vou ficar. — O sujeitinho me olha com uma fisionomia
contrariado, me desafiando. — Estou aqui apenas para ajudá-la!
— Que bonzinho você, né? — ironizo.
Travamos uma batalha de olhares severos.
Pelo visto, já deve saber quem eu sou. Olho de cima a baixo o cretino,
finalmente o reconhecendo. Percebo que não é páreo para mim em nada,
nem mesmo em altura, honestamente não sei o que Vanessa viu nesse
sujeito, não deve aguentar nem duas cavalgadas dela, nem se fizer mil
viagens. Seu caminhão quebraria no meio do caminho da primeira. Vanessa
percebendo a tensão instalada entre nós, que pode dar em briga no corredor
de um hospital infantil, pede para o infeliz para que ele vá, não antes de o
agradecer pela companhia. O sujeito, com o rabinho entre as pernas, acata,
mas não antes de tentar duelar olhares comigo. Mas sabe que um soco meu
o desmonta inteiro. Apenas aponto para a saída com o dedo.
— Por que esse homem está aqui, Vanessa? — exijo respostas quando
ficamos as sós
— Ah, Antônio, pelo amor de Deus! Estamos em um hospital, Serena
está sendo atendida e você está preocupado com isso? Em casa
conversamos, por favor!
Como se usasse uma faca afiada, ela corta o assunto e me dá um fora,
claramente sem paciência. Vanessa permanece sentada em uma cadeira
longe de mim, impaciente e balançando os pés. Noto que permanece
olhando fixamente para o corredor de atendimento e suspiro, contrariado.
— O que ela tem? É grave? Foi a chuva que tomou comigo? —
exasperado, passo a mão nos cabelos, recuando um pouco, também na
mesma situação que ela, me aproximando de forma teimosa.
— Pode ter sido, mas não se culpe. Serena é asmática, mas o caso
dela é moderado, deve estar com dificuldade a se habituar com a poluição
da cidade. Ela passou por algumas emoções novas, e tudo isso contribui. Eu
também esqueci a bombinha na fazenda. Já aconteceu outras vezes, é só
uma crise alérgica. Eles a levaram para fazer um raio x pulmonar agora há
pouco.
Vanessa põe para fora sua frustração e culpa. Eu sento ao seu lado,
aflito por estar passando por isso pela primeira vez, só espero que seja a
última. Estou fazendo meu papel de pai e pela primeira vez, que nesse
momento se resume a aguardarmos juntos notícias de Serena,
compartilhando apreensão. Ponho meu paletó nos seus ombros, vendo que
Vanessa parece tremer de frio em silêncio, apertando uma mão na outra e de
guarda baixa, vulnerável. Ela não recusa, inclusive apoia a cabeça em meu
ombro, enquanto sacode incansavelmente os pés. Incerto, a seguro pelo
ombro para mantê-la aquecida, nem parece a braba de sempre.
Vanessa solta um longo suspiro cansado, demonstrando tristeza. Eu
fico ali pensativo, me sentindo horrível com essa angústia que não passa,
imaginando quantas vezes ela já deve ter passado por isso, sozinha, fora as
outras situações. E eu sem saber que existia essa criança no mundo. Iria
perder mais uma vez se não chegasse nesse exato momento, mas dessa vez
por pura teimosia.
E ela ainda me deve explicações do motivo de ter feito isso.
— Por que não a levou para um hospital especializado?
— Serena perdeu o plano de saúde, meu pai se ausentou de todas as
responsabilidades no que diz respeito a nós duas… Mas não se preocupe,
aqui ela também está recebendo o tratamento, em breve será liberada para
irmos embora. Se quiser, pode voltar para o trabalho, eu fico com ela.
Sua fisionomia parece triste, vejo claramente que Vanessa está
desarmada. Ela me olha sem qualquer traço de cinismo. E agora, tão
próxima e sem as pedras em punho, com toda essa tensão que nos cerca,
tenho uma sensação estranha, pareço desestabilizado, parece que tudo está
correndo em desordem.
— Não, não vou a lugar algum sem ver minha filha e saber que está
bem — categórico, recuso. — Se me avisasse antes, eu já teria resolvido
isso.
— Obrigada, Antônio, por estar aqui.
Como se estivesse chorando por dentro, Vanessa me dá um olhar
quebrado que faz com que eu me sinta bem mal, mesmo que ela esteja
grata. Estico os lábios, me sentindo aliviado por poder estar aqui ao menos
dessa vez, ainda que não tenha engolido o fato dela não ter me avisado de
nada, nem mesmo que buscou a menina. E ainda veio com aquele
sujeitinho, isso está engasgado na garganta.
— Não estou fazendo nada além da minha obrigação.
Nesse momento, vejo minha filha vindo com um semblante abatido,
choroso, mas aparentemente bem, sem nenhum tipo de tubo conectado ao
corpo. Vejo quando ela se joga do colo da enfermeira para o de Vanessa.
— A moça feia me furou! — reclama, manhosa.
— Já passou, meu amor — Van a acalma.
A enfermeira ri da reação de Serena, e procuro saber o que deve ser
feito. Porém apenas nos entregam a receita do medicamento antes de nos
avisar que já podemos ir embora, para meu total alívio.

— Estou puto para caralho com o que você fez. Se a escola não
ligasse e eu não procurasse saber por você, sequer me ligaria para avisar!
Não tenho como ser presente se você me exclui, Vanessa.
Furioso, solto os botões da camisa social enquanto ando de um lado
para o outro, aproveitando que Serena está adormecida e medicada.
Estamos sozinhos no closet, por isso exijo a porra de uma explicação do
motivo daquele cara estar lá e ela não ter me ligado nem mesmo para avisar
que já tinha levado a menina ao hospital. Enquanto reclamo, vejo que
Vanessa tira suas joias da orelha pacificamente.
— Força do hábito, eu não estou acostumada a pedir ajuda. Tive que
aprender a me virar sozinha, antes e depois de ser mãe — contesta como
sempre, mas dessa vez não fala de forma afiada, mas sim frenética,
recostada na cômoda. Não é uma briga, só uma constatação. Eu entendo,
mas não deixo de ficar irritado, principalmente porque tinha outro em meu
lugar. Se ela não está acostumada a pedir ajuda, por que então aquele
homem estava lá?
— Vanessa, eu estou aqui, assumindo minhas responsabilidades com
a criança, caramba. Você tinha que ter me avisado, mas preferiu ir com
aquele sujeito! Isso é jogar baixo, até mesmo para você!
Cruzo os braços, soltando um longo suspiro e tentando me manter
racional para finalizar a maldita conversa.
— Eu sei, Antônio, não estou jogando na sua cara nem brigando com
você, é você quem está brigando comigo. Herbert foi comigo porque
estávamos em uma reunião, e eu fiquei tão desesperada, que aceitei a
carona. A gente pode ter qualquer desavença, mas eu jamais usaria a
menina para te atingir ou colocaria qualquer pessoa em seu papel, cujo
esforço em cumprir eu percebo em você. — Ela põe uma mão na cintura e
aponta a outra em minha direção, furiosa. Eu sinto sua raiva vir de dentro.
— Pensar nisso me ofende, entenda que nem tudo é para te alfinetar, não foi
uma provocação! Acha mesmo que com minha filha passando mal longe de
mim eu iria ter cabeça para pensar em levar Herbert só para te atingir?
A cada vez que ela fala o nome desse infeliz, mais raiva se acumula
nos meus músculos o tencionando e arranha minha garganta em incômodo
cristalino. Eu me sinto irracional perto dela, me sinto agindo feito um
maldito homem das cavernas. Eu me sinto impotente, e isso é uma porra!
— Ele estava fazendo o que com você? Vou perguntar pela última
vez! — sisudo, de queixo travado, replico.
— Primeiro, não te devo satisfações. E segundo, não era você quem
não se importa com nada que eu faço, por que está surtando agora? Que
diferença faz para você se a gente fode ou não?
A desgraçada é cirúrgica na tréplica, sempre usando minhas palavras
contra mim, mas dessa vez eu realmente não estou com paciência para isso,
para esse joguinho. Eu exijo saber quem é esse homem, e ponto final. Mais
um dia perturbado com essa proximidade dos dois, sem saber que diabos
eles tanto fazem, e eu vou cometer uma loucura!
— Não teste a minha paciência, Vanessa, não brinca comigo! —
berro, furioso, enquanto me aproximo mais dela. Ponho cada braço meu em
um lado da cômoda, fazendo com que ela fique ali no meio — Você vai me
deixar louco, porra, me tira do eixo!

VANESSA VERSAILLES
Claramente transtornado, sinto meu corpo espremido entre o de
Antônio e a ilha de joias do closet. E ali, duelamos olhares firmes,
recebendo os suspiros alterados um do outro. Nossos rostos estão próximos
de um jeito muito perigoso para minha sanidade, enquanto encaro seus
olhos verde-escuros.
Ele suspira de um jeito tão másculo, que o momento se torna erótico e
me arrepia imediatamente.
Não há como não ser diferente, com Antônio me segurando pela
nuca; ele me toma para si e me possui com ardor, porque não me beija
apenas. Antônio me possui, me toma para si em uma troca de prazer com a
boca, em um beijo duro, erótico, safado e faminto. Parece até mesmo uma
espécie de punição, demonstrando a desordem que se transformou com esse
beijo. Eu também não estou tão diferente assim, porque correspondo com a
mesma selvageria explícita. Ainda que a gente se odeie, é terrível perceber
que temos uma química ardente e absurda, absolutamente explosiva, mesmo
depois de todos esses anos.
O tipo de química que faz o encaixe ser surreal, a ponto de cometer
esse maldito erro parecer valer a pena. Sua mão possessiva agarra meus
cabelos antes de aprofundar o beijo. Meus lábios são esmagados pelos seus
no instante em que sua outra mão apalpa minha bunda com firmeza, como
se tivesse qualquer direito de fazer isso. É um gesto primitivo em cada uma
das suas nuances. Autêntico em todas as situações… Antônio González é
um safado, um metro e noventa de pura brutalidade, quase me sufocando
pela mão em meu pescoço, a outra permanece cravada na minha cintura, me
intimando como se eu fosse sua.
Com facilidade, sou suspensa e colocada sobre a cômoda em que
guardo os acessórios e que fica no meio do ambiente. Meus braços rodeiam
seu pescoço enquanto me apoio no local. Estou terrivelmente úmida ao ter
um corpo quente e másculo me possuindo dessa forma, tão cheia de ardor
que mal me reconheço. Tento de alguma forma aliviar a pressão, cruzando
as pernas, mas sou surpreendida por sua mão espalmada entre minhas
pernas, me impedindo de fazer isso e agitando meu ventre com uma carícia
safada bem ali por cima da calcinha, manipulando minha boceta faminta.
Agarro seu pulso, ofegante e quase sem ar por causa dos beijos, me
contorcendo inteira. Vejo que toda a minha razão simplesmente virou pó.
Basta estar próxima a Antônio para sentir o coração na boca. Quando ele
aumenta a velocidade da carícia, sinto tudo em mim remexer. Ele se
mantém concentrado no que está fazendo, beijando meu pescoço e
mordiscando o lóbulo da orelha. Antônio me mantém dominada pelos
cabelos, e o sentimento de que não deveria deixar que ele fizesse isso me
serve de tesão, umedecendo seus dedos que atrevidamente entram pela
minha calcinha. Seus dedos me invadem e não consigo evitar o gemido
mais alto, com tudo em mim remexendo inteira, se contraindo,
ridiculamente desejando que seus dedos fossem algo mais grosso e
expressivo como seu pau.
E odeio o fato de que com ele não consigo ser tão firme como
desejaria, Antônio sempre encontra um jeito de me desestabilizar e me
deixar em chamas. E agora estou exatamente nessa situação, ridiculamente
de pernas abertas em cima de um móvel, molhada e cheia de desejo por ele.
E sequer consigo censurá-lo. Ele é muito intenso e um tanto atrevido, por
isso que me deixa assim, dessa forma, sem reação!
Eu me contorço em seus dedos, e travando meus pés enquanto agarro
seus cabelos loiros macios, tento ter mais dele. Antônio, por sua vez,
continua empenhado nos beijos, que me sufocam, e na carícia, que me
enlouquece. É uma sensação delirante.
Porra, é muito bom!
Sua boca e barba contra minha pele me deixam cada vez mais
instável. Ele alterna entre movimentos lentos, moderados e rápidos entre
minhas pernas, e minha respiração se torna mais entrecortada. Eu me sinto
na borda, e antes que eu alcance o pico de todas as sensações, com o corpo
já tremendo, ele interrompe, descolando seus lábios febris do meus. Abro os
olhos, sem reação, os lábios e corpo formigando de forma passiva, nem
parece que sou eu. Eu o encaro novamente e vejo que Antônio ainda me
fita, ofegante.
— Considere uma amostra grátis do que nunca terá. Um a zero para
mim!
Com um sorriso cínico, faz chacota e minha dignidade foi encontrada
ali, nos lábios molhados dele, que chupava os dedos com meu melado,
erótico de tão safado, em uma fisionomia convencida.
— Você é um grande babaca! Eu não te suporto! — Elevo a voz, me
sentindo uma bagunça interminável com esse beijo e quase orgasmo
interrompido.
— Vai, cretina, mente novamente, diz que não sente tesão por mim,
que não desejaria que meus dedos fossem meu pau. Vai, fala.
Ele sussurra como um diabinho feito de pura tentação em meu
ouvido, me pressionando e se deleitando com a desordem evidente que me
transformei. Eu sequer consigo disfarçar o quanto estou afetada e
desorientada, como se estivesse dopada, entorpecida por Antônio. E olha
que só uma dose já foi capaz de me causar tudo isso, me deixando numa
bagunça interminável.
— Herbert é bem melhor! — Irritada com o que acabou de fazer, com
a voz trêmula, solto me sentindo uma cretina. Eu me solto dos seus braços,
irada por ter sido tão fraca.
Eu preciso pôr a cabeça no lugar.
— Eu duvido, mas pode ir atrás do sujeito para terminar o serviço. E
se por um acaso ele te fizer gozar, pense em mim e como comigo seria bem
melhor!
Ele continua sorrindo, mas percebo no seu tom de voz que há traços
de uma irritação severa pela minha resposta. Antônio parece rosnar
contrariado, mas sai cantando vitória pela segunda vez, com o pau
marcando na cueca e a calça social aberta, sem se importar de abotoar.
Provavelmente fui eu quem abriu no momento de insanidade, sendo que foi
ele quem cedeu e puxou o primeiro beijo. O problema é que o safado virou
o jogo, me impedindo de gozar em seus dedos.
Antônio me deixou na borda, se ele me tocasse mais uma única vez,
se colocasse a mão, eu gozaria fácil. Eu só não me toco, para finalizar,
porque estaria gozando para ele, então prefiro ficar assim, atordoada pelo
prazer interrompido, do que ir até o final e me sentir péssima em chegar ao
ápice, com o pensamento nesse canalha.
Trêmula e estarrecida, apoio o corpo de onde estava sentada até pouco
tempo atrás. Exaspero, irritada por ter caído na dele e cedido dessa forma.
Estou com tanta raiva desse filho da puta engenhoso… Antônio não engana
ninguém, só de bater os olhos nele se percebe o tipo de homem que é. Eu
deveria desconfiar desse sorriso canalha, desse olhar sacana. Com quase
dois metros de altura, é capaz de destruir uma mulher na cama. Quando o
conheci, percebi que não gosta de ser desafiado da forma que ando fazendo.
Seu desejo de esmagar sem dó nem piedade só para se afirmar como o
melhor é nítido.
Como acabou de fazer comigo.
12
VANESSA VERSAILLES
Com Serena sentadinha no sofá, enrolada em sua manta, toda
dengosa, levo nossos chás, escutando o barulhinho de chuva cair lá fora.
Nem eu nem Antônio voltamos para o trabalho hoje, preferimos ficar com
ela, caso se sinta mal novamente. Todavia nos evitamos de toda forma
possível, até mesmo conversar foi impossível pelo clima arisco e até mesmo
constrangedor. Depois do que aconteceu no closet, nossos humores ficaram
péssimos.
Com nossas xícaras em mãos, vejo o canalha passar por mim, olhando
de forma indiscreta para minha bunda. Limpo a garganta, chamando sua
atenção. Antônio suspende o olhar sem um traço de vergonha por ter sido
pego no flagra, apenas sorri de lado bem daquele jeito que eu odeio, como
se estivesse caçoando de mim sem. Nem se dá ao trabalho de parar de
andar, provavelmente vai voltar ao trabalho, já que está concluindo seu
horário em home office. Reviro os olhos, possessa, sentando ao lado de
minha filha, que agradece pela bebida quente com um beijo gostoso na
minha bochecha. Eu a vejo segurar a xícara com seus dedinhos pintados de
rosa, por causa do esmalte infantil.
Minha filha é extremamente vaidosa e ama combinar esmaltes
comigo.
Serena é a garota dos beijos e abraços, se pudesse ficaria grudada a
mim o dia inteiro, como agora. Ela me dá vários beijinhos de tão amorosa
que é. É incrível receber esse carinho, e se pudesse passava o dia inteiro
assim, mas temos metas incríveis para alcançar fora de casa.
— Você está gostando do seu pai? O que está achando de tudo?
Como duas amigas da mesma idade, conversamos enquanto tomamos
nosso chá em meio a esse temporal. Procuro saber como andam suas
emoções depois de tanta novidade. Morro de medo de sobrecarregar sua
cabecinha com o que anda acontecendo nas nossas vidas. Ela ama esses
momentos que a fazem se sentir adultinha.
— Aham, gosto muitão dele! — Minha filha mostra entusiasmo
quando fala, bebericando o chá logo em seguida.
O jeito que ela me encara, com os olhos verdes iguais aos de Antônio,
me faz sentir um gelado de inquietação no peito.
— É? E por que gosta? — pergunto, interessada em suas opiniões.
Antônio pode ser um canalha safado comigo, mas gosto de como está
se esforçando para ser um bom pai para a nossa filha. Ele é muito atencioso,
e só o fato de ter ficado comigo no hospital, ter demonstrando preocupação
com a menina e me apoiado, fez muita diferença. Senti pela primeira vez
que tinha com quem contar. Eu só não liguei para ele pedindo para me
encontrar lá justamente porque achei que estaria o incomodando, o tirando
do expediente por algo que eu estou acostumada a fazer sozinha. Eu aprendi
da pior forma que somente eu e mais ninguém deve lidar com essas
adversidades, para não parecer dramática. Eu me senti insegura de ligar e
atrapalhar, ainda não me acostumei com o fato de poder dividir o peso da
criação de uma criança com alguém.
— Ele gosta de mim, mamãe, eu tenho vontade de abraçar ele. E ele
sempre me abraça também, e me deu picolé!
Com seu jeitinho feliz, ela começa a contar como está sendo sua
experiência de ter um pai presente e as linguagens do amor que
compartilham. Acaricio suas bochechas, sorrindo com ternura, cheia de
vontade de amassá-las. Minha filha é dengosa e um tanto carente, porque
ela só tem a mim para lhe dar atenção, então quando surgiu outra pessoa
disposta a fazer isso, a ganhou facilmente. Isso me deixa feliz, mas também
triste por saber que poderia haver mais pessoas próximas dando atenção à
minha filha, mas elas simplesmente não quiseram estar por perto.
— E você, mamãe? Tá feliz? — Serena me questiona com sua voz
fina. Eu olho sua bochechinha gordinha.
Escutá-la falar me traz um sorriso besta nos lábios, fico mortinha de
orgulho da minha pestinha conversando comigo igual a gente grande,
desenvolvendo o assunto. Minha melhor companhia sem dúvidas! Só que
seu questionamento me traz sérias dúvidas internas.
— Sim. — Só o fato da minha filha estar feliz é suficiente para me
fazer feliz.
Ela não precisa saber dos problemas dos adultos.
Após finalizarmos o chá, ela continua dengosa em meu colo,
enquanto assistimos a um filme escolhido por ela. Permaneço acariciando
seus cabelos dourados macios, e logo me pego pensativa, lembrando do que
ocorreu no closet no final desta manhã. Eu sequer consegui assimilar aquilo
tudo.
Antônio não tinha o direito de ser isso tudo e me bagunçar dessa
forma. Não sei se me odeio ou o odeio mais por ter feito o que fez. Não
deveríamos ter nos beijado, ainda mais daquela forma tão… tão primitiva,
acendendo tudo o que estava adormecido por tantos anos. Estar ovulando
nunca foi tão difícil, o canalha está até mesmo se tornando tentador.
Todo o peso da minha vida acabou minando, e muito, meus
relacionamentos. Além disso, eu me sentia muito insegura, com medo que
engravidaria novamente, ainda que tomasse o cuidado de me proteger. Mas
o medo me desestimulou completamente. Não sei o que é transar
regularmente desde os dezoito anos. Se tentar contar nos dedos quantas
vezes eu pude ter um tempo para mim, sobra dedo. Mesmo com cansaço, há
tesão aqui aos montes para queimar, não me tornei frígida, só não era minha
prioridade. Mas ter a porra de um homem que atraente e inconveniente
debaixo do mesmo teto, sabendo que ele pode garantir um final feliz, está
me perturbando.
Estou simplesmente úmida sem ter nenhuma estimulação, só as
lembranças inconvenientes da foda insana que protagonizamos na jacuzzi
do Caribe é suficiente para me fazer juntar as coxas, inquieta. Entre minhas
pernas sinto uma inconvenientemente fisgada pelo pensamento importuno,
me odiando por estar pensando em sexo com meu marido canalha!
São tantos absurdos, que eu não consigo ignorar. Essa vontade é o que
vem tirando a porra da minha paz durante todo o dia!
Por fim, decido me obrigar a deixar esse assunto para lá, já fritou meu
cérebro o suficiente.
Não vamos consumar esse casamento, eu prometi a mim mesma que
seria uma punição para ele. O problema é que o jogo virou, parece que sou
a ser punida, me perdendo completamente no personagem ao fingir que não
há problema algum em torno de nós, só para ter meia hora de foda. Porém
aí estaria sendo exatamente o que ele quer que eu seja: mais uma
desesperada. Antônio fez tudo aquilo justamente para me deixar assim, com
ele na cabeça, pensando no que poderia ter sido.
Pai, afasta de mim essa vontade que O Senhor sabe muito bem qual
é!

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Do escritório de casa, repasso alguns relatórios para a planilha online,
preenchendo os valores de saída e entrada, mas sem perceber os rumos dos
meus pensamentos saem dos números e vão parar na mulher provocante a
qual estou dividindo a cama. Mesmo que eu tente me focar no trabalho, não
consigo parar de pensar na porra do beijo e da sua resposta logo em
seguida.
Herbert é bem melhor!
Ainda tripudia.
Nem por um caralho! A infeliz se desfez toda em meus dedos, gemeu
gostoso e só não gozou porque eu não deixei. Mentira para cima de mim,
não, eu sei que ela chegaria no ápice ali, que me desejou, cederia se eu
fosse mais longe. Mas essa teimosia em não reconhecer me deixa irritado,
com os joguinhos de palavras que ela sabe muito bem como fazer. Estou
enraivecido com essa porra, com Vanessa me desafiando, disposta a ir até o
fim com esse jogo de quem desestabiliza quem. Ela vem conseguindo
aguentar até o final, diferente de muitas mulheres que não resistiriam nem à
primeira provocação. Ela inaceitavelmente conseguiu me enlouquecer, por
isso perdi a cabeça ao beijá-la, queria dar uma lição. Até agora não sei de
onde tirei autocontrole para parar.
Seu gosto, que eu conheci quando cometi o erro de lamber dos meus
dedos, só me deu vontade de sentir direto da fonte. Mas agora mais do que
nunca quero vê-la implorar por mim, assumir que me deseja. Melhor ainda,
quero vê-la sentar em meu colo desnorteada, não aguentando mais de tesão.
É questão de honra, principalmente depois de ter me dito todas aquelas
coisas. Jamais cederei a ela.
Eu a estou levando ao limite, mesmo que para isso esteja indo junto
com ela, principalmente agora, que passamos o dia inteiro sozinhos. Serena
dormiu durante toda a tarde, e eu não paro de imaginar besteira quando bato
o olho nela.
Meu telefone toca, o nome no visor e me faz sorrir automaticamente.
— Daddy, esqueceu de mim ou está com outras? Estou com saudades,
vem aqui meu apartamento?
Sua voz propositalmente sensual já me instiga.
— Não, gatinha, são apenas problemas. Minha filha está doente, não
vou sair hoje.
— Filha? Você nunca me contou que tinha uma! E pensei que eu fosse
a sua favorita, chama uma babá e vem para cá, tenho ideias interessantes
para nós...
— Não posso. Deixa para depois, eu te ligo.
Eu me limito a essa resposta simples, não quero dar satisfação da
minha vida. Antes de desligar, rio comigo mesmo por estar dispensando
foda para ficar em casa passando vontade, chega a ser cômico. Eu
realmente não sou o mesmo, se contasse ao Antônio do início do ano o que
estou vivendo nos últimos tempos, ele gargalharia descrente de como não
estou tendo pulso firme. Eu me mantenho dessa forma ainda, mas não
gargalhando.
E isso me acende um alerta.
Está na hora desse Antônio voltar também, preciso resolver minha
vida em vez de focar nesse joguinho de picuinha, já que o divórcio não vai
sair de uma hora para outra, e não vou deixar a vida passar. Mas antes tenho
que conversar com Vanessa, saber se o que ela me falou outro dia sobre um
acordo é verdade ou se é mais algum tipo de golpe para me prender mais
um pouco e me convencer do contrário. Pelo que já notei, ela não mentiu,
ainda que possa ser uma boa mentirosa, ela realmente parece estar aqui
porque foi forçada. Todas as suas atitudes demonstram isso, parece ter
casado contra sua vontade, assim como eu, senão não estaria resistindo a
mim dessa forma, pelo contrário, faria o inverso, estaria desesperada
tentando me agradar para que eu a mantivesse aqui. Se realmente ela tiver
dito a verdade desde o começo, seu pai foi um filho da puta do caralho não
só comigo, mas com ela. Aí a raiva em relação a ele triplica, já que o infeliz
tirou até mesmo o plano de saúde da criança, sem nem esperar que eu
substituísse. Quer saber, vou saber se isso é verdade agora.
Está na hora de colocar a vida nos eixos de uma vez, e se é da minha
ajuda que ela precisa para decolar os próprios negócios para poder me dar o
divórcio sem dor de cabeça, é melhor tocar logo isso. Finalizo meu trabalho
sem nem ter terminado de preencher os relatórios fiscais, indo rapidamente
para o quarto. Quero encontrá-la acordada para saber direito sobre esse
acordo.
Encontro Vanessa com a porra de umas roupas que mostram as
malditas coxas grossas e a bunda volumosa que tenho vontade de acertar
um belo tapa, perturbando ainda mais o meu juízo. Vejo Serena toda fofa
em cima da cama, minha filha já adormecida, com o rosto enfiado no
pescoço da mãe, que me ignora propositalmente.
— Vanessa, é verdade aquilo do acordo que me falou? — Ela une as
sobrancelhas em confusão, mas concorda com a cabeça. — Eu aceito, vou
te ajudar a conseguir um contrato bom, mas terá que me dar o divórcio
como prometido.
— Claro, não precisa pedir duas vezes. Tudo que eu quero é minha
empresa decolando. — Com desdém, ela continua a acariciar os cabelos de
Serena.
— Então, se quer ser vista como profissional, tem de agir
profissionalmente. Aquele prédio que está instalada, esqueça. Aquilo parece
prédio de advogados safados. Quer um bom contrato, tem de fazer as
pessoas desejarem investir, e naquele lugar não vai atrair o tipo de pessoa
que precisa. Procure um lugar com uma localização mais atraente, um
espaço bem estruturado, isso passa mais confiança aos empresários mais
ricos.
Traço as estratégias de saída, decidindo ser o mentor do projeto e
colocando a mão na massa desde já, para quando acharmos um bom cliente
interessado, ele não fugir achando que é um golpe ou algo amador. A
empresa precisa demonstrar aquilo que é.
Se é apenas disso que ela precisa para o divórcio sair, vou garantir
que ela consiga o que quer o mais rápido possível. Serei a ajuda que quer
sem problema algum, para que nada nos impeça de chegar a esse ponto
final!
— Não sei se posso lidar com um investimento desses. Meu pai me
deu apenas a vinícola como herança, mais nada, o que tenho no caixa dá
somente para fazer os rótulos. Um prédio no centro, melhor localizado, é o
triplo do que eu pago naquela sala comercial pequena.
— Alugue uma melhor, eu pago a diferença. O investimento vale, traz
um melhor retorno.
Eu a deixo ali sem entender nada, preciso de uma dose de algo
alcoólico. Não me importo de pegar o trabalho, posso financiar seus
projetos, apoiarei o que estiver ao meu alcance para vê-la satisfeita com o
próprio trabalho, se é isso que tanto quer. Ela se casou comigo para isso, e
eu topo, até porque mulher independente é mulher que não precisa de
ninguém. E é isso que eu quero dela, que tenha a própria independência
para viver a vida da melhor forma, que se sinta realizada. Tendo a própria
carreira, não vai ficar grudada a mim. Cada um poderá seguir sua vida
como achar melhor.
Tudo pelo divórcio!
13
VANESSA VERSAILLES
Ao entrar em casa, sinto o cheiro do perfume forte de Antônio no ar.
Sem que eu espere, Serena pula nas minhas pernas, gargalhando por me
pegar desprevenida. Eu a puxo para meu colo, rindo da sua travessura, e a
encho de beijos. A vontade é só de matar a saudade dessa pestinha. Não fui
buscá-la no colégio porque precisei ir a uma reunião de emergência com
Herbert junto à prefeitura, por conta da regulamentação da Anvisa. Eu havia
entrado com um pedido para o alvará sanitário de funcionamento, já que o
antigo não é mais válido. Há muitos anos que tudo está parado, então o
rótulo da garrafa precisa ser aprovado pelo TBB.
O processo jurídico é complicado e bastante tedioso, mas é necessário
para ter uma vinícola de sucesso.
Eles farão uma visita à vinícola junto com a vigilância sanitária
municipal ainda esse mês e restabelecer o alvará da bebida. Quero garantir
que tudo está dentro dos parâmetros e atendendo aos critérios e normas do
produto para as bebidas entrarem em produção logo após esse registro.
Minha sorte é que as máquinas de envase semiautomáticas ainda estão lá, o
que falta é quem as manuseie e faça a inspeção diária.
Mas isso é um problema para resolver só depois da regulamentação.
Ainda que a empresa esteja cheia de pendências, estou otimista.
Decidi apostar minhas fichas nessa ideia de ter dois rótulos,
planejando o investimento para o final do ano, com serviço de marketing e
publicidade, quero fazer esse lançamento acontecer. Gostaria de uma festa
para apresentar a linha Brut, quero que saibam que também produzirei
bebidas com frescor e acidez ao paladar, além dessa edição comemorativa
de spray.
— Cadê seu pai?
Serena aponta para o corredor, sem tirar os olhos do desenho na
televisão. Eu a deixo no sofá de volta e sigo em direção ao quarto,
acompanhando o rastro do perfume. Eu o encontro no closet, em nosso
campo de batalha favorito, terminando de se arrumar. Franzo as
sobrancelhas em confusão, por ele estar dentro de um belo smoking azul-
marinho, nitidamente Dolce & Gabbana, ajustado em seus músculos. A
peça o deixa ainda maior, marcando o contorno dos seus bíceps.
Ele percebe minha presença, mas finge não estar me vendo. Antônio
continua abotoando o punho, enquanto mantém o celular no ouvido. Ele faz
questão de que eu escute que é algum tipo de encontro, provavelmente com
mulheres, enquanto me olha fixamente pelo espelho com um sorriso
cretino, talvez em uma tentativa de me fazer sentir que estou perdendo uma
oportunidade. Provavelmente levará alguma mulher como acompanhante,
pois avisa que já está saindo de casa.
Em uma espécie de “se você não quer, tem quem queira”, Antônio
segue se arrumando.
— Para onde você vai? — indago intrigada, não evitando a pergunta
nem mascarando meu incômodo.
— Um coquetel de boas-vindas a um oligarca russo. É um encontro
de trabalho, mas vou me divertir também, então não me espere essa noite, já
que você se divertiu essa tarde com o Herbert.
Ele não esconde o cinismo e a repulsa, a raiva nítida na voz pela
minha saída essa tarde, mesmo que eu tenha avisado que era por motivos de
trabalho. Como fui de carro com Herbert, Antônio assumiu como uma
provocação, agora parece tentar me dar o troco. Não concordo, mas como
não estou a fim de discutir, apenas aceno contrariada e desdenhosa.
— Que bom, porque vou me divertir mais um pouco quando você sair
— rebato, irônica, dando as costas.
Sou pega pelo pescoço, e num gesto rápido sou virada. Prendo a
respiração em choque, quando nossos corpos se chocam de forma dura.
Nesse momento sou invadida novamente pelo seu cheiro. Antônio muda
completamente a energia, antes parecia indiferente, mas agora tudo parece
denso. O clima saiu da água para o vinho, com Antônio rosnando e
queimando em fúria, não aceitando o fato de ter uma oponente à altura que
não cai tão fácil no seu jogo.
Nossas bocas estão perigosamente próximas, o que faz com que
permaneçamos nos olhando firme. Engulo em seco todo o misto de
sentimentos que estarmos juntos me proporciona; parados, nenhum dos dois
ousa se mexer. Sinto meus seios serem esmagados pelo seu peitoral duro, e
a fricção, ter a ciência dessa proximidade, isso tudo me inferniza. Tudo é
tão denso e visceral, o peso da sua mão na minha nuca, o olhar nublado pelo
desejo e o perigo do confronto interno tornam tudo ainda maior.
Minha garganta e os lábios parecem ressecados enquanto ofego
baixinho, me controlando para simplesmente não gemer ou morder os
lábios, ruindo todas as defesas que construí. Antônio aproxima nossos
lábios mais um pouco, a ponto de poder sentir o gosto da sua pele sem que
eu o toque, me atiçando. Ele quer que eu avance, e saber disso faz meu
coração acelerar a ponto de enfraquecer minhas pernas e aquecer meu corpo
por tamanha potência das simples ações desse homem. Sinto sua força
principalmente entre minhas pernas, as memórias do que sabemos sermos
capazes de fazer se apenas um de nós cedesse um pouco invadem minha
mente em alerta.
Sei que é isso que Antônio quer, esse é o seu maldito plano, quer
apenas me deixar perigosamente tentada, enfraquecida, para poder até
mesmo me manipular, mas não vai funcionar. O ódio que ainda sinto
fervilhar em minhas veias que me faz o odiar e me odiar por ter me
permitido ficar literalmente em suas mãos da outra vez me incendeia em
uma mistura de tesão e antipatia. E é isso que sustenta minha racionalidade.
Eu até acho que ele vai mesmo me beijar, por ter me aproximado mais
do seu rosto. Isso faz com que eu tenha uma taquicardia fina no peito, mas
seus olhos cínicos se fixam em mim com sagacidade. Sabendo que essa é a
única oportunidade de eu sair por cima, espalmo as mãos no seu peito
firme, virando o rosto.
— Vá, Antônio, me beije, mostre que é o que deseja, diz logo que não
suporta o fato de eu não ceder a você como gostaria que eu fizesse, só para
colocar a culpa em mim por me querer…. Mas não te julgo, se eu fosse
você, também me desejaria. — Sem aumentar o tom de voz, o desafio de
modo afiado.
Bem dissimulada, me imponho, bem próxima ao seu ouvido. Sinto
um pequeno sabor agridoce da vitória por ter evitado o beijo, assim mostro
que o safado não está tão em vantagem quando pensa. Agora quero saber
até onde ele vai. Sua fisionomia endurece, apertando mais minha nuca e me
forçando a encará-lo novamente. Uma ansiedade esquisita me consome.
Eu não cedi nem mesmo para meu pai, não será para ele que farei
isso. Antônio endurece a expressão, mas não me importo e mantendo meu
sorriso cretino, que sei que o faz fervilhar. Eu odeio o fato de estar desse
jeito, por estar arrepiada por causa do seu maldito corpo quente.
— É isso o que quer, Vanessa, que eu te devore com a boca
novamente? Que eu chupe sua boceta como te beijei nos lábios? Que te faça
gritar por tanto prazer, que não vai conseguir nem mesmo se levantar no dia
seguinte ou falar, de tão rouca? Eu aposto que ninguém nunca conseguiu te
fazer sentir o que sentiu com apenas meus dedos. Pense que essa noite
poderia ser você no meu pau, só não vai estar nele porque sou eu quem não
quer.
Quase colado em mim, me pressionando com seu corpo robusto,
Antônio me encara de cima a baixo, dos lábios para os olhos. Seu olhar
nublado de tesão me arrepia, as pupilas dilatadas junto a tais palavras ditas
com rouquidão fazem meu estômago revirar em uma inquietação, deixando
minha calcinha úmida sem que eu controle. Ele me solta com uma placidez
terrível, dando um tapa em minha bunda quando passa e saindo com
destreza, numa calma que só os piores dos canalhas teriam. Meu sangue
ferve imediatamente.
— Não é como se você fosse isso tudo, seu egomaníaco! Pretensioso!
— Ah, eu sou e como eu sou! Só me ligue caso aconteça qualquer
coisa com Serena. De resto, não me incomode, estarei muito ocupado. —
De forma audaciosa, ele canta vitória.
Seu perfume forte continua a tomar o ambiente como se ainda
estivesse aqui, quase como uma espécie de pirraça. Eu me odeio
duplamente ao notar que puxei o ar.
Desgraçado! E eu sou patética!
Eu o odeio, o temperamento e o convencimento. Não é mentira, eu
me irrito demais quando estamos perto um do outro, não à toa que sempre
acabamos brigando. Mas a porra da tensão sexual que tudo isso gera está
me enlouquecendo e me frustrando de uma forma que eu não consigo
simplesmente fingir não estar acontecendo. Essa convivência está sendo
pior do que eu imaginei, mas por motivos mais distintos do que esperava. Já
chegou no limite essa importunação carnal!
Meu telefone toca no meu bolso, atordoada, pego para atender.
É Violeta.
— Van, está a fim de ir a um coquetel hoje? Jas precisou viajar de
última hora, o convite dela tem direito a um acompanhante, quer? Sei que
está em cima da hora, a neném tá doentinha, mas a festa está começando
ainda, Jasmine acabou de me ligar avisando que não conseguirá vir de
toda forma. Acho que é uma oportunidade perfeita para mostrar seu
trabalho, terá toda a nata empresarial, coisa de elite mesmo, chuva de
acordos milionários. Te encontro lá?
— Claro, eu vou dar um jeito de ir!
Sorrio, vendo que pelo visto a festa que ela fala é a mesma que
Antônio foi. Violeta é minha fada-madrinha da vez, penso enquanto tento
organizar como farei para ir.
— Vou deixar os convites na portaria do seu prédio, mande o
endereço por mensagem. Não perca essa festa, porque acho que esse
encontro promete revolucionar o mundo empresarial!
— Eu vou, te encontro lá. Amiga, muito obrigada pela ajuda, eu não
sei como te agradecer tanto!
Entusiasmada com essa oportunidade, sinto uma pequena injeção de
ânimo. Estou realmente grata pela grande e única oportunidade de
apresentar minha vinícola a essas pessoas tão importantes. Quem sabe eu
não entre no mercado em grande estilo?
— Continue a produzir mais espumantes, eu e Jas bebemos a amostra
todinha quando chegamos em casa. É sucesso na certa!
Desligo com um sorriso no rosto, pensando na roupa que escolherei.
Quero chegar à altura do evento. Sigo até a sala, percebendo que Antônio
de fato já foi. Vejo minha filha sentada no sofá, o que me faz começar a
imaginar como farei para ir. Não quero perder essa oportunidade única,
então ligo para Margot para pedir ajuda. Mesmo que tenhamos nos
conhecido há pouco, ela é a única pessoa em que eu confiaria Serena,
mesmo que seja por poucas horas.
E já sei quem será meu acompanhante.
Mesmo que Herbert e eu não tenhamos esse tipo de relação que
Antônio acha que temos, gosto de fazê-lo achar que sim. Isso não me deixa
tão em desvantagem quando Antônio esfrega na minha cara que pode ter
mulheres a hora que bem entender. Ah, ele vai adorar me ver chegar, afinal
está indo acompanhado por outra. Não me orgulho disso, me sinto horrível
por agir dessa forma. Eu nunca fui assim, mas Antônio tira o pior de mim, e
essa é a arma que eu tenho no momento, a única coisa que o atinge.
Palavras com ele não bastam, se não apelar, vou ser atropelada
constantemente pelo seu convencimento.
Para um canalha como ele, descobrir que pode não ser o único é
minha forma de pisar em seu grandioso ego. E eu não me importo nem um
pouco em fazer isso. Faço isso para que ele saiba que os dois podem dar as
cartas nesse jogo.

ANTÔNIO GONZÁLEZ

Com a taça na mão, no salão da festa, onde o falatório e a música


estão altos, gargalho com Rhael Rezende, que tirou o colete à prova de
balas para vir aqui se divertir um pouco. Fez questão de mostrar que não
está desprotegido, sua vida nos últimos tempos foi uma loucura, é
simplesmente insano o jeito que ele leva a vida!
O oligarca russo se mantém rodeado de gente que tenta ter uma
migalha de atenção do homem, afinal, estamos falando do cara que integra
a seleta lista dos mais ricos do mundo, cotado para ser o segundo trilionário
da próxima década. É tão foda, que monopoliza o mercado econômico do
seu país. Ele veio ao Brasil atrás de novos investimentos, quer aumentar as
posses, então todos os empresários querem que ele entre nos negócios. Se
ele demonstrar um mínimo interesse em investir, as ações da empresa
subirão, tamanho poder de influência mundial que o cara tem.
Recentemente até surgiram boatos que também estaria envolvido com
negócios ilícitos, a fofoca dava conta de que muitas das suas empresas são
para lavagem de dinheiro. Mas, como falei, não passaram de boatos. Nada
foi comprovado, de modo que a importância dele só cresce!
Um exímio mestre dos investimentos, ele tem grandes participações
em empresas gigantes e até uma fábrica de vodca, que justamente está
patrocinando essa festa. É uma bebida muito boa, ouvir dizer que pretende
abrir uma filial aqui no país. O modelo de gestão dele vai impactar todo o
nosso jeito de fazer acordos, tenho certeza. Ainda não o abordei, senão serei
apenas mais um a implorar por atenção, e ele não parece muito à vontade
com essa idolatria em cima dele, claramente o homem também está a fim de
se divertir. Se veio até o Brasil, é porque viu potencial. Sei que ouviu falar
no nosso shopping, então vou ficar de olho para encontrar o melhor
momento para convidá-lo para uma conversa, que não será hoje. Vim
apenas para que ele saiba que estou aqui e, claro, para poder respirar em paz
longe do caos que Vanessa e eu nos tornamos quando estamos juntos.
Aquela infeliz ainda vai me enlouquecer. Ela faz com que eu entre em
colapso, com toda a confusão que trouxe para a minha vida. Eu já sei que
ela treme quando eu me aproximo, ela me deseja fervorosamente, então
quero apenas que admita verbalmente que sente tesão por mim, quando vem
fazendo questão de dizer o contrário. Quero ter o prazer de a ver subindo
pelas paredes, implorando que eu a foda gostoso como nenhum homem
jamais a comeu.
Perco a fala e o sorriso quando percebo a atmosfera do ambiente
mudar. Sinto minha nuca arrepiar quando algumas pessoas olham para uma
determinada direção. Sigo o olhar de todos, também curioso, e então vejo a
desgraçada ali, como uma maldita miragem. Sinto a raiva vir violentamente
ao ver quem é seu acompanhante.
Vanessa me procura com os olhos e sorri mais largo ao me ver, em
uma provocação silenciosa. Ela está com um vestido rosa forte, que
contrasta com sua pele reluzente e macia. Noto uma fenda enorme
mostrando a lateral da sua coxa torneada e grossa. Seus cabelos cacheados
caem nas costas, com uma parte presa no alto da cabeça, bem estilo mulher
fatal. Ela não passa despercebida em nada, nem se quisesse. Parece deixar
principalmente os homens da festa curiosos acerca de sua identidade, já que
não foi apresentada ainda a esse grupo de empresários.
Nunca divulguei informações do casamento, não fiz questão, afinal a
ideia desde o início é que o divórcio venha o mais breve possível.
Não quero polêmicas sobre minha vida pessoal, no máximo saberão
que eu tenho uma filha, porque não farei questão de esconder, mas também
não vou soltar a notícia por aí. Mas se depender da cretina, as coisas não
serão tão mornas assim. Ela chegou a fim de abalar, me abalar, pelo visto,
porque não paro de imaginar uma putaria do caralho depois de a ver vestida
desse jeito. É impossível conter a ideia de estar com tudo dentro dela.
Aperto minha taça a ponto dos dedos ficarem brancos, a tensão
tomando conta do meu corpo novamente. Só quero entender que diabos ela
está fazendo aqui. Eu a acompanho com o olhar para saber o que pretende e
a vejo sorrir e cumprimentar o pessoal do Lohan, eu nem sabia que eles se
conheciam, mas, pelo visto, se conhecem muito bem. As mulheres
interagem e se abraçam com intimidade e entusiasmo, como se fossem
grandes amigas.
E logo estão conversando e bebendo às gargalhadas, enquanto sigo
acompanhando de longe, irritado e tentando disfarçar. Tento manter uma
porra de conversa com velhos amigos, enquanto a vejo junto do paspalho
lado a lado. Faço de tudo para ignorar o fato de Vanessa estar a poucos
metros de mim nesse longo salão. Não me permito ser provocado e
consumido dessa forma por uma garota quinze anos mais nova que só quer
me atormentar. Quando ela nasceu, eu já havia vivido muita coisa. Meu
mundo já havia ruído, enfrentava a pior merda da minha vida quando ela
resolveu sair da mãe dela, para ela achar que vai me desequilibrar dessa
forma.
Dou um grande gole na minha bebida, vendo que precisarei de muito
mais doses para manter o controle do meu próprio corpo e mente.
Pelo visto minha festa se resumirá a isso, ficar vigiando essa infeliz
para saber o que diabos está fazendo aqui. Noto que o pessoal que ela tenta
se aproximar para ter uma conversa a esnoba, o que faz minha raiva
aumentar ainda mais, mas dessa vez não é dela, mas sim por estarem a
tratando dessa forma. São uns sujeitos arrogantes que não perdem o
precioso tempo com quem não tem um nome firmado no mercado ou
associado a alguém importante, e ela deveria saber disso. Veio
despreparada, mesmo que seja filha de um fazendeiro muito rico, não há
influência, seu sobrenome não é referência em nada ainda. Mesmo que a
família seja endinheirada, não há prestígio nesse meio, logo não vai
conseguir a atenção que busca. É tão engenhosa, mas me veio com o filho
da puta do Herbert, que não é porra nenhuma, e tudo isso só para me
afrontar, porque eu a fiz achar que viria com alguma mulher. Como se eu
precisasse desse tipo de muleta. O fato é que ela bateu forte ao esfregar o
maldito na minha cara em meio a uma festa em que sou totalmente
respeitado e admirado. De longe vejo os dois rindo juntos e se divertindo na
minha frente.
Mas isso não vai ficar assim!
Com passos duros, deixo a roda de amigos sozinho e vou até ela,
aproveitando que está mais afastada com o celular na mão. Vou ensinar a
essa garota que não é assim que as coisas serão. Eu simplesmente não
suporto esse desgraçado que ela trouxe, e não vou deixar que ela pise em
meu nome e na minha reputação dessa forma tão descarada se for montar
um escândalo.
— O que você está fazendo aqui? Cadê a Serena? Cadê sua aliança?
Questiono impaciente, me controlando para não perder o restinho de
controle que ainda me sobrou no meio de todos aqui. A vontade é de pegá-
la nos ombros e tirá-la daqui, ainda mais depois de ver que ela sequer está
com o anel. Seja lá o que essa maldita está pensando em aprontar, não vou
deixar. Eu tenho a porra de uma reputação a zelar, e ela não vai estragar isso
também.
— Com Margot, vou buscá-la no final da noite. E estou fazendo o
mesmo que você, me divertindo a trabalho. Não estou vendo a sua aliança
também, logo, aparentemente, não somos casados, não é mesmo? E não foi
ficando em casa que engravidei. — Com calma, ela desvia o olhar do
aparelho para mim, não se abalando nem um pouco.
— Vanessa… — Eu a alerto que é a última vez.
— Sou eu! Também vim me divertir, Antônio, faça o mesmo com sua
acompanhante!
Ela pisca com calma, com seus cílios imensos. Vanessa, além de
cínica, é dissimulada, parece ter essas características gravadas bem em seu
olhar escuro e reluzente. A desgraçada ainda vai me fazer ter um infarto de
tanta raiva, sinto até mesmo o terno me sufocar no colarinho.
— O que esse homem está fazendo aqui, porra?!
Rosno possesso, vendo que ela mantém a serenidade, como se não
estivesse fazendo da minha vida um grande inferno, principalmente essa
noite, que seria para eu relaxar do furacão que ela anda fazendo na minha
vida.
— Ainda não entendeu? Se quer tanto saber, ele faz o papel que não
quero que você faça, papel que, inclusive, faz bem melhor que você! —
Maquiavélica, ela sopra em meu rosto, a centímetros de mim.
Semicerro os olhos pela sua resposta malcriada. Eu a pego pelo
queixo, firme, e ela mantém o olhar divertido e os lábios travessos. Há
traços de cinismo em seu rosto, mas não sei dizer se está blefando ou não, o
que acaba sendo o estopim. Essa infeliz está testando meu autocontrole,
porra. Já está na hora de mostrar a essa cretina quem vai tomar as rédeas
das situações aqui, chega desse inferno, vou mostrar a ela que sou, sim, o
melhor, que homem algum me desbanca. Ficou sapateando no meu ego, me
levando ao limite, então conseguiu o que queria o trazendo para festa.
Quero ver repetir o que disse depois dessa noite.
Rio sem humor, fechando meus punhos para não fazer cena. Está foda
conviver com essa oscilação de ódio e tesão pela mesma mulher, com esses
sentimentos se entrelaçando. Ou eu estou com raiva dela, porque me faz
sentir tesão, ou estou com tesão em meio a uma discussão, como agora.
Eu a pego pela mão, a obrigando a vir comigo. Sigo com passos
rápidos e duros, com minha expressão fechada.
— Me solte, canalha, eu não saio com homens casados! Para onde
está me levando? — ela briga comigo, protestando, mas sem chamar
atenção. Vanessa me acompanha, mesmo que de má vontade, e eu só quero
calar sua boca carnuda.
Essa desgraçada está me obrigando a falar que sou seu marido.
Invado um dos lavabos, sem me importar de qual gênero é, nos trancando
ali dentro. Eu a vejo se apoiar na pia, ofegante, com faíscas saindo dos
olhos. Eu estou sentindo a mesma coisa que ela em querer que eu suma da
sua vida, mas Vanessa terá de lembrar que foi ela quem atravessou a minha
vida, que exigiu casamento e decidiu vir para minha casa, tornando tudo um
caos.
— Chega, Vanessa, não vai transformar minha vida profissional em
um circo!
Ela ofega, sequer tem voz para me desafiar como costuma fazer.
Firme, como um predador que sou, domino essa cretina arisca pela nuca e
queixo, para que me encare, ainda que se debata de forma selvagem
fincando as unhas na minha pele. Vanessa duela comigo, mas a prendo ali,
com meu corpo grudado no seu, chocando nossos lábios vorazmente e de
forma ardente. E ela retribui da forma mais insana possível, exigindo e
tomando tudo de mim.
Não é um beijo de paixão, nada dessas porras, é de prazer legítimo,
cru e visceral, daqueles que corrói por dentro. E isso me bagunça por
inteiro, porque as coisas precisam ser assim tão loucas? Eu simplesmente
me sinto colérico com essa infeliz, por ela sempre agir dessa forma, com
esse comportamento intransigente, mas dessa vez não passará batido!
Ponho a mão entre a fenda do vestido, percebendo que a infeliz, além
de estar arrepiada pelo meu toque, veio sem calcinha. Sigo meu caminho
entre suas pernas, só para confirmar o que já sabia, sua boceta quente está
gotejando por mim, em meus dedos, e é isso que mais me enraivece.
Vanessa é tão dura na queda, que sustenta a arrogância, mesmo gostando de
ser manipulada, age de forma pirracenta, só para apreciar o carinho. É bom
se preparar para o que virá logo em seguida, a vendo se abrir para mim,
ainda que esteja de pé sob um enorme salto fino e suas unhas afiadas vão
direito para meu pescoço, arranhando minha pele e não me importo, mostra
que o prazer aqui é legítimo.
Ela geme baixinho, num som rouco, é sensualidade pura. Mantenho
os olhos no seu rosto e na sua boca entreaberta. Como se estivesse
enfeitiçado, me sinto arder de ódio e tesão.
— Sabe o que acontece com as garotas malvadas? Elas são punidas!
E a surra vai ser com meu pau! — rosno, desabotoando minha calça social
enquanto sinto meu pau espremido aqui dentro. Eu o puxo para fora de vez,
pesado de tão duro. Ela vai ser muito bem comida, de um jeito que amanhã
não vai nem mesmo andar, senão irei enlouquecer de tão duro e a desejando
como estou!
— Até parece! Eu não quero olhar para sua cara!
Retruca trêmula, erguendo o maldito queixo e tentando me arranhar,
mas seguro seus pulsos, pondo acima da sua cabeça. Em seguida, dou mais
um beijo forte, para expelir essa tensão. Meu movimento a faz ceder,
fincando a unha mais firme na minha pele, quase como uma punição.
Apesar de muito nova, Vanessa me peita sem temer as consequências, e isso
me transtorna constantemente por não a ver jamais recuando, pelo
contrário, ela cresce para cima de mim de formas absurdas.
— Então fique de costas, devassa! Que aí você não me vê!
Giro seu corpo, a apoiando ali na pia do lavabo. Ajeito sua postura,
para que possa me receber sem cair dos saltos, e suspendo seu vestido.
Quero ter o prazer de me deslumbrar com sua bunda gostosa e macia.
Acerto uma tapa firme em suas carnes avantajadas, a trazendo para mim
logo após.
— Desgraçado!
Ela me xinga com profundidade, mas noto que é da boca para fora, só
para não ficar por baixo. Orgulhosa da cabeça aos pés!
Não ponho de imediato, dando a chance de ela sair, caso realmente
queira, mas passeio por entre suas pernas, só pirraçando, só para vê-la
perder o juízo e gemer de pura ansiedade, quero vê-la melar meu pau sem
nem mesmo estar dentro. Ela usa seu direito de livre arbítrio para se manter
ali, esperando pela invasão, que vem logo em seguida. Enrolo seus cabelos
nas minhas mãos, para ter mais apoio, enquanto seguro na sua cintura. Puxo
sua cabeça para trás, chupando seu pescoço, e ela chia manhosa, comigo
todo dentro e parado.
Volto e afundo meu pau no seu rabo abundante, e ela delira, me
sentindo pesado e enterrado na sua boceta quente que me engole com
vontade, porque ela pode falar o que for, mas me deseja com veemência.
Ela tenta me estapear, me agarrar com as unhas com raiva por estar
gostando. Noto que está sentindo prazer, ainda que tenha jurado que não
estaríamos nunca mais nessa situação. Acelero os movimentos, só para
maltratar, e ela se contorce, insana, sendo chicoteada pelas sensações que
emanam da boceta. Eu a vejo ofegando e se arrepiando, enquanto é
invadida cada vez mais rápido. Noto que Vanessa fecha os olhos toda vez
que me sente no fundo.
E eu vou sem pena, de forma dura, entrando inteiro e voltando, para
fazer de novo, e de novo. Eu a sinto espremer meu pau a cada vez que brigo
por espaço, se contraindo toda por dentro, gostando do fato que toda sua
lubrificação me permite deslizar com mais facilidade. Ela pode negar o
quanto quiser, mas isso confirma o que sempre pensei, que a hora que eu
decidisse fazer isso, ela me receberia da mesma forma de antes. Ela estará
sempre molhada para mim. Mantenho a pressão e a vejo fechar os olhos
conforme vai sendo invadida de uma maneira cada vez mais firme e
enérgica.
Quero que ela sinta prazer, do tipo que será inegável mentir depois!
Vanessa esmurra a pia no qual está apoiada, talvez querendo berrar,
mas evitando chamar atenção para o que estamos fazendo aqui. Eu puxo
seus cabelos na minha mão, para que ela veja pelo espelho como é ser
comida por um homem de verdade, e seguro no seu queixo. Quero que
mantenha os olhos vidrados nos meus, de costas, enquanto eu a como
gostoso, como ela jamais foi comida. Sorrio a cada murro que ela dá na pia,
e a cada gemido brutal em sincronia com meus movimentos, sem pena, em
uma satisfação e prazer do desafio ganho, em vê-la se render a mim, gemer
em meu pau contra a própria razão, mas cheia de vontade. Isso tem um
sabor muito mais gostoso de vitória do que se fosse em quaisquer outras
circunstâncias.
Vanessa enfim se rende a mim, ainda que não assuma, porque o tesão
é maior que qualquer recusa. E mesmo que ela aja com desdém, não tem
como negar o próprio corpo e a vontade de que eu a faça minha. A porra do
prazer do sexo insano que só nos dois fazemos é enlouquecedor!
Eu gosto muito de sexo, mas com ela, nesse momento, está mais
gostoso, porque há um tempero do desafio de dobrar essa teimosa. As
garotas do clube são sempre bem dispostas, fáceis, mas Vanessa não se
curva a mim, nunca se curvou, nem mesmo na primeira vez. A cretina me
desafiou a levá-la para cama e me perguntou se daria conta dela. Pelo visto,
ficou muito mais tinhosa depois desses anos. E agora estamos na mesma
sincronia e com a mesma fome que antes, com Vanessa sendo bem fodida e
gozando gostoso no meu pau, assim como no passado, me apertando por
dentro. Isso me leva à perdição, me deixando mais frenético e batendo meu
quadril contra sua bunda empinada para mim, querendo sentir mais dela, o
máximo que puder.
Sinto seus tremeliques, e firmo mais seus cabelos, me movendo de
um modo mais severo, para potencializar seu prazer. Acelero sem descanso,
e imediatamente a ouço arfar enquanto revira os olhinhos, tentando se
manter de pé agarrada à pia, ao chegar ao ápice.
Arrisco dizer o melhor da sua vida!
Ofegante, sinto que essa foda não tirou sequer um por cento da minha
raiva, pelo contrário, aumentou ainda mais. Percebo que a desejo
ardentemente, e que tudo foi melhor do que eu imaginei. Por isso cravo meu
pau de uma vez, ficando ali, nela, que grita em deleite, me recebendo todo
sem chiar, e não demora que eu a acompanhe da mesma forma violenta, a
marcando, de forma bruta e rude, como minha ainda que não seja, mas ao
menos que saiba e lembre como é que as coisas funcionam comigo, que
jamais será tão bem comida quanto está sendo agora.
Porra, essa cretina sabe bem como foder!
— Você joga duro, se faz de difícil, mas sei que gosta disso, de um
homem que te devore com apetite. Sabe que não é páreo para mim no fim
das contas, porque é um confronto desleal.
Eu a viro de frente, a segurando firme na cintura para não se
machucar. Vejo suas bochechas coradas de satisfação enquanto ouço
respiração acelerada, o que não a deixa tão bonita quanto antes,
reacendendo mais o desejo por ela e a vontade por um segundo round aqui
dentro mesmo, fazê-la gritar tanto de prazer, sem me importar com plateia,
mas sou egoísta, quero seus gemidos e lamúrias apenas para mim. Eu a
seguro pelo pescoço, a trazendo para mim. Aspiro seu perfume apimentado,
misturado com a fragrância de quem foi bem fodida. Eu a vejo se arrepiar
novamente com o beijo que deposito no local.
A desgraçada é bonita, bonita demais, e se somar isso ao gênio ruim,
o combo do desejo fica perigoso!
14
VANESSA VERSAILLES
Tentando pôr em ordem meus pensamentos, que flutuam sem destino,
sinto minha respiração totalmente bagunçada. Eu sequer sei o que sentir
após tudo que acabamos de fazer. É como se eu ainda estivesse entorpecida,
com dificuldade para assimilar e cair na real, compreender que de fato
transamos após todos esses anos.
Estou me odiando em um misto de satisfação por ter sido tão bom e
raiva por ter sido com ele. Eu definiria como furiosamente satisfeita. Só sei
que estou me odiando, tendo de lidar com um misto de satisfação, por ter
sido gostoso, e raiva, por ter acontecido justamente com Antônio. Estou
furiosamente satisfeita. Sexo após briga não deveria ser tão bom. Sequer
consegui formular uma resposta para rebater o seu desaforo ao achar que
saiu por cima.
O tesão humilha demais, em níveis absurdos!
E nesse pequeno espaço tentamos nos recompor, calados em um
clima bastante estranho. Nós dois parecemos querer deixar claro em cada
ação a raiva que compartilhamos quando a razão parece dar as caras
novamente. Cedemos ao outro quando prometemos que jamais chegaríamos
a isso. A questão é que ninguém venceu, pelo contrário, perdemos. Nenhum
dos dois tem algo para comemorar, agimos de forma errada, levamos o
outro ao penhasco e depois pulamos juntos.
Agora que atravessamos o limite que juramos não atravessar, como
ficará?
Eu covardemente estou com vontade de fugir, sequer consigo estar no
mesmo ambiente que ele sem querer derreter de frustração. Não tenho
desejo algum de olhar em sua cara cínica depois de Antônio ter agido da
forma que agiu, mas também não quero me olhar depois de ter aceitado e
me entregue de um jeito que não me orgulho. Estou com ódio da situação,
dele e de mim, porque não poderia ter sido tão bom. Posso até dizer que não
faria novamente, mas não posso dizer que me arrependo, porque
infelizmente, e honestamente, gostei. Gozei para ele como se não houvesse
muito a perder por nos arriscar dessa forma!
Não deveríamos ter ido tão longe com esse joguinho egocêntrico,
porque há uma criança no meio desse fogo cruzado. Preciso ter em mente
que eu não fui embora com Serena de um tormento para entrar em outro,
não posso submetê-la a discussões ou coisas parecidas diariamente.
Antônio parece sério demais, mas não tão atormentado quanto eu,
aparentemente. É como se não estivesse dimensionado de fato a loucura,
não percebesse que acabamos de consumar o maldito casamento nesse
banheiro de festa de gente importante. Fodemos como dois inconsequentes.
Enquanto fecha o próprio zíper de forma sexy, exalando virilidade por todos
os poros, eu sigo me odiando por ainda estar sentindo algum tipo de
atração. Eu preciso construir um muro de indiferença sobre esse
acontecimento para o bem da minha sanidade.
Sinceramente, deveria ser contra as leis da natureza ter essa espécie
de encaixe, esse tesão brutal por um sujeito que eu não deveria nem olhar
na cara. Nossa relação conturbada só dificulta mais a vida!
Se isso não é uma humilhação eu não sei o que é!
Acho que estragamos o começo da relação que estávamos prestes a
construir, um contato que nos permitiria fazer esse divórcio sair o mais
rápido possível. Agora bagunçou tudo. Nossa atitude pode ter tornado a
situação ainda mais difícil. Tudo que eu quero no momento é que Antônio
siga longe de mim, a máxima distância, até que eu ponha a cabeça no lugar
novamente!
Estou com raiva do tanto de tesão acumulado que foi despertado.
Disposta a ir embora poder ficar sozinha e refletir, saindo dessa
situação vexatória com o restante da dignidade que eu acho que ainda me
resta, vou em direção à porta, mas Antônio me segura pelo pulso, me
impedindo. Ele me encara de uma maneira totalmente impenetrável.
Trêmula, sequer consigo manter meu olhar no seu por muito tempo. por ter
suas mãos grandes e ágeis tocando em meu pulso, desconfortável, mesmo
que estivesse todo dentro de mim a minutos atrás sob minha permissão, e
ainda mesma mão que me estapeou na bunda, ainda consigo sentir todo o
fogo na minha pele se reacender com o simples toque.
— Antônio… — Minha voz sai menos firme do que eu gostaria, e me
odeio por não soar tão inteira quanto ele.
Seu rosto não demonstra qualquer sentimento, absolutamente nada.
Não identifico exatamente que tipo de energia ele me envia, como se tudo
isso fosse insignificante, enquanto eu estou me descabelando, me sentindo
novamente diante do mesmo desconhecido impossível de prever os
próximos passos.
— Depois, Vanessa. Precisamos voltar à festa.
Curto, ele contesta, não denunciando o tipo de emoção que o governa.
Apenas o silêncio fala por nós. Temos consciência que fizemos uma
besteira. Esse momento pode ter diminuído ainda mais a possibilidade de
diálogo, necessário pelo bem da boa convivência. E assim ficamos, nos
encarando sem dizer uma palavra sequer, como se nos entendêssemos por
telepatia, como se explicássemos ao outro cada sentimento e sensação
incômoda em mais um acordo silencioso. Precisaremos fingir que nada
disso aconteceu para não ter que enfrentar o peso das nossas escolhas agora,
com os sentimentos tão frescos.
Ergo meu queixo na sua direção, arrumando meus cabelos e
colocando a máscara da insensibilidade.
— Eu não vou ficar — anuncio, cravando meus pés no chão e
querendo explicações do motivo de ainda me segurar enquanto saímos do
lavabo.
Antônio tem a porra de uma dominância natural, por mais que eu
tenha me imposto, ele me atropela. Acabo me tornando mais passiva do que
gostaria. A verdade é que eu estou uma desordem absoluta!
— Como não? Vou te apresentar ao pessoal, acredito que foi para isso
que veio, não é? Vamos, que você tem homem!
Atordoada, aceito sua proposta, mesmo que esteja com receio das
pessoas sentirem o cheiro de foda em mim, pelo menos retoquei o perfume
antes de sair do banheiro. Eu o acompanho, me censurando por sentir uma
sensação gelada, que me queima como brasas, correndo no estômago pelo
jeito firme que falou. Eu me deixo ser levada por ele. Antônio entrelaça
nossas mãos, como se estivéssemos habituados a isso, porém mantém a
indiferença e distância em todos os gestos, mas a possessividade grita em
cada poro seu de forma voraz e intensa, magnético, bem como ele é por
inteiro, como se fizesse algum sentido tudo isso.
E é extremamente estranho estarmos dessa forma em público, como
se fossemos o que um pedaço de papel afirma: marido e mulher.
— Vi as pessoas te esnobando, não é assim que deve ser tratada,
ninguém destrata mulher minha. Enquanto estiver comigo, eu não vou
admitir esse descaso. Vou te apresentar a quem vale a pena!
Comenta com desgosto, enquanto me arrasta de volta ao salão
movimentado. Aparentemente ninguém sentiu nossa falta, tudo parece
como antes. Deixo que ele me conduza dessa vez, sem me permitir pensar
demais ou tentar entender o que aconteceu. Quero agarrar a oportunidade
do momento, porque confesso que estou muito perdida, me sentindo
estranha. Não imaginava que Antônio fosse tomar partido por mim, como
se de fato se importasse. Eu sei que não se importa.
Sem falarmos nada, sigo agindo o mais natural possível ao seu lado,
com mãos entrelaçadas, como se fôssemos um casal — pelo menos a gente
briga como se fosse um. No meio do caminho, ele pega uma bebida e a
bebe de uma só vez, entregando a taça vazia ao garçom. Para um bom
observador, um gesto como esse diz muito.
De longe, vejo Scarlet Garcez com uma taça de espumante nas mãos,
demonstra uma elegância ímpar ao conversar com quem eu reconheço ser
Miranda Moraes, a franja reta e os cabelos curtos escuros são seus traços
mais marcantes. As duas estão acompanhadas dos seus respectivos maridos.
De perto, ainda que eu não esteja tão próxima à dona da revista feminina
mais lida do país, a mulher parece ainda mais inacessível, porém muito
mais bonita que nas fotos. Os cabelos negros longos caem pelas costas a
deixando ainda mais séria. A única cor que ela usa está no scarpin vermelho
que combina com seu batom, destacando o vestido preto de corte reto que
realça o quadril desenhado, mesmo sendo esguia. Miranda vira o rosto
quando percebe nossa aproximação.
— González. — Ela acena com a cabeça em cumprimento, bem
sucinta, abrindo espaço na roda, e eu fico congelada.
Antônio, sendo conhecido de todos, cumprimenta com intimidade, o
sorriso firme no rosto demonstra sua confiança.
— Oi, Scarlet. Otávio, Mi e Dante… Quero que conheçam Vanessa
Versailles, minha mulher. Ela está estreando uma linha de espumantes que
será a nova sensação do mercado.
Ele me apresenta como se estivesse marcando território. De repente,
eu me tornei a mulher desse canalha? E não apenas mãe da sua filha? O
que está acontecendo?
As pessoas ficam tão confusas quanto eu pela apresentação, e logo
surgem as piadinhas dos homens, demonstrando descrença. Ele fala como
se já tivesse experimentado a bebida, tamanha convicção de sua
apresentação. Elas não me olham como se eu fosse nova demais para ter
metas tão ambiciosas, como meu pai sempre me olhava, mas sim parecem
acessíveis para que eu as cumprimente, me recepcionando muito bem.
Miranda é a única que me abraça, como se fôssemos velhas amigas,
Scarlet é mais comedida e me dá um aperto de mão. Totalmente diferente
das outras pessoas que tentei ter contato sozinha. Realmente, ou eu estava
tentando conversar com as pessoas erradas ou só o fato de ser mulher desse
canalha abrirá portas no mundo corporativo. Talvez só com Antônio ao meu
lado eu tenha a oportunidade de ser vista e crescer com meus méritos, ainda
que não concorde muito com esse fato.
Talvez seja a soma das duas coisas.
— Interessante! Adoraria conhecer esse produto tão bom! Olha,
Miranda, eu disse que a nova geração está vindo com tudo, acabei de
conhecer Cecília Lohan, nossa nova queridinha! — Scarlet comenta.
— Sim, as meninas são revolucionárias! — Miranda concorda. — E
eu amo espumantes!
— Obrigada! Prometo que mandarei um presskit para conhecerem
assim que ficarem prontos! Além da linha Brut para degustarem, também
teremos algo novo no mercado, será uma edição comemorativa de
lançamento, espumantes para spray, para que cada festa se torne única!
Agarrando a oportunidade, me adianto em oferecer uma amostra do
produto, deixando meu slogan de forma discreta para que conheçam e
saibam quem eu sou, afinal ter qualquer um deles como consumidores seria
incrível. Eles vivem promovendo festas da própria empresa e para pessoas
como eles. A minha bebida ser servida nesses coquetéis seria uma
visibilidade a ponto de elevar o patamar, porque vão despertar outros
consumidores desse nível.
— Garota, sabe, gostei de você, é disso que o mercado precisa, de
pessoas que reinventam! — Scarlet sorri, satisfeita. — Boa sorte, Vanessa,
espero te ver em uma página das minhas revistas brevemente, contando sua
história, ou quem sabe na próxima lista de empreendedoras de sucesso!
Eu também. Cordialmente a morena sorri, sugerindo que poderemos
fazer negócios mais para frente. Percebo que ela não parece tão
intimidadora e inacessível quanto as pessoas fazem ser, pelo menos não
tanto quanto achei, mesmo que ainda imponha sua presença confiante.
— Calma, megera, assim a menina se assusta! — O que julgo ser
marido dela comenta, com sorriso de ponta a ponta e a abraçando pela
cintura.
Concordo sorridente, agradecida pela boa recepção e percebendo que
ela já quer me fazer de cliente. Ela enxerga a oportunidade de fazer
negócios nos mínimos detalhes, não é à toa que está em uma posição de
destaque e é a precursora do empreendedorismo feminino da década.
Sempre é citada quando o assunto é mulher de negócios.
— Tchau, acredito no seu potencial.
Nós nos despedimos, e sendo da boca para fora ou não, sua fala me
acalenta. Eu sinto encorajada a seguir em frente. Receber um elogio desses
vindo de uma mulher boa no que faz e tendo fama de que não gosta de
muita gente é simplesmente incrível.
— Você casou com um dos melhores empresários do ramo, aproveite
a oportunidade de fazer dele seu escravo na contabilidade, afinal casamento
é para isso! — Miranda, em tom de humor, ri, me fazendo concordar.
O pessoal acompanha a risada, inclusive o marido, a personalidade
mostra bem o motivo de ter casado em Las Vegas. A mulher sorri,
acessível, com apenas uma taça nas mãos, mesmo que não esteja bêbada,
demonstrando ser cativante.
Mal sabe que tudo que eu quero de Antônio é o divórcio. Ele já me
mostrou bem o suficiente que pode fazer um baita estrago na minha vida,
que é capaz de colocá-la de cabeça para baixo com uma facilidade
impressionante, saindo como se nada tivesse acontecido. Realmente fui
boba ao achar que conseguiria duelar e sair ilesa ao lidar com um exímio
canalha dentro do seu próprio jogo.
Mas isso não significa que com esse deslize agirei de uma maneira
passiva, depositando o controle da minha vida em suas mãos. Nada disso,
vou tomar as rédeas de forma definitiva para que isso jamais se repita!

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Debaixo do chuveiro, tento organizar a cabeça, dar algum sentido
para a loucura que foi a festa. Enquanto isso, a causadora dos meus
questionamentos coloca Serena adormecida na própria cama. Obrigo meu
corpo a esfriar e a mente a esquecer o que aconteceu, preciso voltar a ser o
Antônio da minha vida inteira.
Inabalável e que sempre mantém o controle do jogo nas mãos.
Eu sou a porra de um homem vivido, sei muito sobre a vida,
principalmente quando se trata de relações pessoais e joguinhos, mas volta
e meia me vejo sendo levado pelas provocações e tentativas de sair por
cima, como se não fosse blindado a tudo isso. Para piorar, tudo por causa de
uma garota que mal passou dos vinte. Venho perdendo minha segurança e
minha postura impositiva, sendo guiado pelo tesão. E agora ainda descubro
que falamos a mesma língua da luxúria entre quatro paredes. Esse tesão me
dominou, roubando toda a minha sanidade e controle, a ponto de não deixar
nenhum espaço para razão. Não fui capaz de ser mais firme para não ceder
a ela.
A raiva que nutro por Vanessa só serve como gasolina para incendiar
meus desejos. E com isso esse sentimento confuso parece triplicar, me
fazendo queimar de ódio. Eu não estou sendo tão obstinado como a situação
exige. Mas se depender de mim, não agirei mais pela emoção, não vou ser
manipulado pelas suas provocações. Vou fazer o necessário para que
possamos acabar com tudo o quanto antes e eu possa voltar a viver em paz!
Com a toalha enrolada na cintura, saio do banheiro e esbarro na dita-
cuja. Nós nos encaramos sem vacilar, em um duelo de raiva, mas noto seus
olhos fazerem uma rápida varredura pelo meu corpo, provocando um rastro
de fogo em mim. Eu me contenho, encarando seu olhar vívido, já que não
deveria estar tão perturbado com um simples olhar.
Ela hesita minimamente, mas se recompõe com rapidez.
— Antônio… Temos que conversar. Aquilo foi um erro, e não quero
que se repita, nunca mais. — Vanessa me encara diretamente nos olhos,
com uma fisionomia fria e recebo seu olhar cismado e aborrecido.
— Também acho, foi um grande erro, Vanessa, não vamos mais fazer
esse joguinho.
É o que consigo falar, sendo taxativo, realmente concordando que isso
jamais poderá se repetir. É necessário interromper qualquer coisa que tenha
se iniciado antes que tudo se torne mais difícil. Precisamos lembrar que
ainda dividimos a mesma cama. O divórcio tem de ser a nossa prioridade,
para não perdemos tempo nisso. Discordamos em muitos pontos, mas
aparentemente é unânime a vontade de não querer o outro na própria vida.
Decretei meu ponto de vista desde o dia do casamento.
Nossos problemas já não são pequenos, não precisamos produzir mais
um.
Porém a devassidão que vejo em seu olhar diz o contrário. Vanessa
parece trôpega de tanto tesão, mesmo tentando não deixar aparente.
Silenciamos, ignorando a névoa sexual em torno de nós. Possivelmente essa
tensão sexual que pode ser sentida a metros de distância, de tão forte,
aquecendo o quarto com essa energia que nos prende ao outro,
principalmente agora depois de termos experimentado de forma tão
efervescente.
Tudo é excitante e tenso entre nós, então renegar com fervor acaba
sendo uma preliminar imprudente, uma combinação bastante insana.
Ignorando a certeza de que tudo isso não dará muito certo, percebo que
claramente perdi minha própria guerra de jamais tocar nela. Em um impulso
movido pelo desejo ardente, nossos lábios voltam a se chocar com pura
gana e desejo. Beijos molhados e febris, nossas línguas se entrelaçando
como se tudo ainda fosse pouco. E é!
Eu a trago para mais perto ao puxá-la pela bunda, apertando suas
carnes e engolindo seus gemidos. Suas unhas vão certeiras parar nas minhas
costas, intensificando o beijo faminto. Compartilhamos a luxúria mais crua
e decadente que se possa sentir por alguém que se odeia. O problema é que
temos passado mais tempo nos desejando do que deveríamos. Há entre nós
essa maldita química perturbadora.
Por que tem de ser tão gostoso?
É desejo misturado com raiva, daquelas que fervilham o sangue, a
ponto de querermos aplacar o tesão provocado com sexo, já que é aqui que
conseguimos ter sincronia. Lógico que claramente não aceitamos isso,
mesmo que seja pelo prazer que estejamos dando um tipo de trégua e
fazendo algum tipo de acerto de contas. Um cenário confuso demais para
que possamos explicar em poucas palavras, por isso seguimos com gemidos
ou silêncios profundos, a razão distante de nós!
Carrego a infeliz, sem os saltos, pelas coxas, e ela enrosca as pernas
na minha cintura. Eu a sustento pela bunda, caminhando até a ponta da
cama, onde sento com ela em meu colo. Faço questão de colocá-la em cima
do meu pau sem abandonar sua boca. Firmo seus cabelos cacheados entre
os meus dedos e enfim tenho esse mulherão, que é o motivo da minha
irracionalidade, encaixado em meu colo, me atiçando de forma maldosa,
maltratando meu pau com sua rebolada pirracenta de tão lenta, e se
esfregando em mim de maneira perigosa.
Chupo seu pescoço, apertando sua pele quente, inebriado pela
insanidade que ela me traz. Seu perfume apimentado me invade no mesmo
momento que sinto suas navalhas em forma de unha me arranhando.
Vanessa segue com seu rebolado perverso, e eu forço sua cintura para baixo
para que ela me sinta melhor. Isso a faz gemer com mais vontade, delirante.
Eu a puxo para mim, e ela me toma com seu beijo. Todo o fio de
autocontrole que eu pudesse ter se perde nessa turbulência partilhada.
Vanessa não hesita, sua mão já está fixa no nó da toalha, mas algo a
faz parar de imediato. Escutamos juntos o chamado de Serena, o que faz
Vanessa voltar à realidade. Ela até respira aliviada pela interrupção. Eu, por
outro lado, jogo meu tronco para trás da cama, sabendo que acabamos por
aqui.
Serena, você tinha que acordar agora?!
Vanessa não pula do meu colo imediatamente, como achei que faria,
pelo contrário, seu corpo se sobrepõe ao meu, me olhando de cima, com os
cabelos jogados para o lado, caindo nos nossos rostos. Sua fisionomia
parece decidida quando segura no meu queixo. Sua beleza é esmagadora e
repleta de sensualidade.
— Você está proibido de me tocar. — De forma firme, mas trêmula
pela adrenalina, ela dita como serão as coisas de hoje em diante. — Se
contente com apenas um deslize, isso é tudo que vai ter de mim, canalha!
A desgraçada tem a coragem de se despedir com um selinho rápido
nos meus lábios, limpando seu beijo com o polegar logo após e pedindo
segredo. Só aí ela pula do meu colo, me deixando ali duro de tesão e com
uma negativa firme. Sinto a raiva dessa ordinariazinha me invadir. Vanessa
segue agindo da mesma forma que antes, saindo por cima, mesmo que
tenha sentido o mesmo prazer que eu. Ela não esconde o desejo, mas o nega
veemente.
Bagunço os cabelos frustrado, irritado e possesso, odiando sentir que
estou nas mãos dessa mulher de alguma forma! Eu tenho que ter
autocontrole, porra!
Acho que dessa vez sou eu quem foi atropelado, só que com mais
sutileza. Esse é um aviso explícito de que ela tomou o controle da situação,
manipulando mais uma vez meu bom senso ao mostrar que ainda segue
firme e forte. E eu agora a desejo, tudo porque provoquei para que
chegássemos a isso. Infelizmente inventei de engravidar a mulher mais
competitiva e impiedosa que existe.
Eu tenho todos os motivos para odiá-la, mas só sinto a porra de um
desejo tão forte que me sinto perdido, irracional. Eu desejo essa maldita
infeliz que me faz agir de uma forma que jamais agi com mulher alguma.
Nunca precisei reafirmar meu lugar, mas com Vanessa preciso me esforçar
para conter essa sensação de desordem e inconsistência e fazendo pagar
com a língua no momento que eu falo, que eu não consigo simplesmente
ignorar ou entender, mas que me incomoda na mesma proporção da energia
no qual eu a cobiço!
15
ANTÔNIO GONZÁLEZ
— Senhor Ricci, o novo shopping também é um empreendimento que
está em um nível acima do mercado, os valores são proporcionais. E se
quer pôr suas lojas nos melhores pontos das praças de alimentação, em
pisos estratégicos, uma no térreo, onde o volume é maior que os demais, e
a outra no andar superior, próximo à sala de cinema, é claro que o preço
será diferente para cada lugar do mapa. Estamos falando de um
empreendimento com uma enorme estrutura. O que o fez achar que a tabela
seria a mesma dos outros shoppings? Se acha que seus negócios não estão
no padrão do empreendimento, temos shoppings de menor escala que
podem caber no seu orçamento.
Encaro o homem à minha frente, tentando negociar e encontrar uma
saída para a sua realidade financeira. Percebo sua fisionomia contrariada,
sem ter como retrucar, mesmo que ainda acredite ter razão. Para um bom
negócio fluir, a regra é simples: investir para receber. É proporcional, se
quer pagar pouco, não vai faturar um absurdo. Pena que não o posso chamar
de panaca por não entender algo tão óbvio.
Suspiro profundamente, ficando irritado com a indecisão que se
estende há horas, me prendendo a uma reunião maçante por uma tarde
inteira sem que possamos chegar a um acordo definitivo. No fim, acabamos
voltando sempre para o mesmo assunto. Mesmo cansado, retomo a postura,
me forçando a ser gentil e profissional.
Senhor Ricci é franqueado de uma rede de cafeterias bastante
conhecida e já tem diversos pontos na cidade. Assim, se deseja abocanhar
um dos melhores pontos no shopping que estamos para inaugurar, onde o
volume de público é maior que os demais e consequentemente as chances
de venda serão acima da média, é óbvio que haverá um preço
personalizado. Ele precisará pagar, ou então terá de desistir do absurdo de
querer a loja por uma pechincha.
Se fosse para ter os preços antigos, estaríamos abrindo um shopping
igual a todos os outros que inauguramos anteriormente.
Vejo meu celular vibrando em cima da mesa, o visor mostrando ser
uma chamada de Vanessa.
Estranho a ligação no meio da tarde, já que ela não é de me telefonar,
ainda mais no meio do expediente. Nós não nos falamos além do
necessário, tentando ignorar todo o furacão da nossa já tão tumultuada
relação passivo-agressiva, principalmente quando estamos na frente de
Serena. Nesses momentos ficamos ocupados demais fingindo que o outro
não está presente no mesmo cômodo. Para ser honesto, tenho preferido
dessa forma, afastados, sem nos falar ou olhar, já que demonstramos que
somos suscetíveis a fazer grandes besteiras toda vez que ficamos juntos e
sozinhos. Mas é nítido o climão pinicando no ar, mostrando claramente
quanto nós passamos dos limites e que ainda estamos totalmente
desajustados. Inferno de tesão que não me ajuda a agir racionalmente. E
para piorar a convivência só vem ficando mais difícil.
Pelo visto nada não vai melhorar tão cedo, já que a infeliz da Vanessa
continua de queixo erguido, como se tivesse controlando a situação ao me
deixar na vontade no quarto. Anda como se fosse a vencedora por eu ter
cedido primeiro que ela. A cada dia vem dando um jeito de parecer estar
por cima a qualquer custo, o que logicamente me faz só ter vontade de
colocá-la debaixo de mim e fazer seus olhinhos revirarem. Só como
punição por causa dessa sua pirraça, nada além disso.
A sorte dela é que estamos atarefados. Depois da festa em que foi
apresentada a muita gente, recebeu ligações de interessados em seu produto.
Eu também precisei dar conta do restante das pendências da inauguração do
shopping, então nosso tempo de convivência e os possíveis atritos se
reduziram bastante. Quando não é ela que está trabalhando após Serena
dormir, sou eu quem estou no escritório. Quando saio do trabalho, ela já
está dormindo. Melhor assim do que cometendo uma loucura maior. Nosso
desencontro tem sido tão grande, que nem tive oportunidade de contar que
achei uma boa sala para alugar, basta apenas que ela aprove.
Sigo firme com minha promessa de ajudá-la a alavancar seus
negócios para que possamos nos divorciar de uma vez e acabar com esse
tormento que minha vida se tornou. Não aguento mais desejar alguém que
eu não devo!
— Não, eu quero nesse! É a primeira loja que abrirei no shopping e
quero vender bem! — Bento Ricci me chama para a realidade com sua
chatice.
A ligação cai sem que eu pudesse atender, e isso me desconcerta
inteiro. Eu me ajeito na cadeira, inquieto e preocupado, não tenho ideia do
motivo de estar tentando falar comigo uma hora dessas.
— Se quer um desempenho acima da média, tem de pagar acima da
média. Se preferir, há pontos menores que possam interessá-lo com um
valor melhor que esses apresentados. Mas tenha ciência que um shopping
maior atrai mais público, é mais gente circulando diariamente pelos
espaços. O investimento retornará bem rapidamente. Se quer agarrar a
oportunidade única, agarre-a agora, são as últimas lojas do catálogo do
leilão, há pessoas na fila que já demonstraram interesse. Essa é a minha
melhor proposta, analise as condições, mas se pensar demais, pode não
conseguir. Não reservamos, pois há uma data limite para assinar o
contrato. Esses prazos não são negociáveis pois precisamos começar as
obras até a inauguração, caso o senhor queira ter as lojas prontas na
abertura.
Dou o ultimato e finalizo a reunião, tendo que organizar ainda quais
são as demais lojas próximas a ele para apresentar aos outros interessados.
Nesse ramo, precisamos selecionar o espaço de acordo com a capacidade de
investimento do cliente, sempre buscando marcas diversas para o espaço,
afinal, não há praça de alimentação que se sustente só com cafeterias.
Com a tela fechada, pego meu celular e ligo rapidamente para
Vanessa, para entender o que está havendo. Nem sequer presto atenção na
planilha aberta.
Ela não demora a atender, como se estivesse esperando que eu
retornasse.
— Estava em reunião, o que aconteceu?
— Tem como buscar Serena no colégio agora? Um possível cliente
marcou para esse momento, não pude dizer não para a oportunidade.
Sua voz parece incerta, como se estivesse arrependida de ter me
ligado. Eu giro minha cadeira para ver a cidade movimentada lá embaixo.
— Agora? Eu ainda estou no trabalho.
Olho no relógio, estranhando. Percebo que ainda há assuntos
pendentes a resolver. Isso tudo tinha que ser resolvido hoje até o expediente
acabar, não posso abandonar na metade.
— Eu sei, eu imaginei que pudesse estar ocupado mesmo, desculpa. É
que essa é minha única chance de falar com esse cliente, pensei que você
remarcar ou atrasar seu trabalho para buscá-la no colégio soaria menos
antiprofissional do que eu. Mas se não tiver como, está tudo bem, eu tento
remarcar aqui.
Ela se apressa a justificar, falando feito uma matraca e quase não
esperando o que eu tenho a dizer. Vanessa tenta resolver sozinha o problema
que a fez ligar para mim para que resolvêssemos juntos. Normalmente é
Vanessa quem a pega na escola, porque consegue sair mais cedo. Depois ela
volta para o trabalho e eu busco as duas lá ou vão direto para casa sozinhas,
porém isso não significa que eu não possa assumir a tarefa quando ela não
puder.
— Não precisa se desculpar, Vanessa, eu a trago para cá.
Colocando nossas diferenças de lado quando se trata da menina, a
tranquilizo, vendo que tenho meia hora até a próxima reunião começar, logo
tenho tempo de buscá-la e voltar. Como precisei negligenciar meu trabalho
por esse tempo, não posso remarcar mais uma vez as reuniões.
— Obrigada, de verdade, me salvou! Prometo que a busco assim que
finalizar aqui.
Ela respira aliviada do outro lado da linha.
— Não se preocupe, faça sua reunião tranquilamente.
Compreendendo a situação, dou uma pausa no trabalho e finalizamos
a ligação.
Após avisar da minha breve saída para Luana, que precisa de um
aumento urgente, para contornar qualquer outro contratempo, sigo para
buscar minha pestinha, que terá de ficar algumas horas comigo. Reflito
sobre como Vanessa ainda se vê como a única responsável por Serena. Seu
jeito de falar ao telefone fez parecer que estivesse me pedindo um grande
favor, quando essa também é minha obrigação. Serena é responsabilidade
nossa, dos dois. Combinamos de ser Vanessa a buscar somente porque ela
sai mais cedo que eu, não porque seja uma função exclusivamente sua.
Mais uma vez me pego pensativo sobre quantas vezes ela precisou desse
tipo de apoio e não encontrou. Inevitavelmente me sinto culpado de não ter
acompanhado a criança desde o seu nascimento. Pelo menos, Serena agora
tem a mim, e farei de tudo para cumprir meu papel de pai, mesmo tentando
entender ainda onde eu me encaixo na rotina das duas. Eu me sinto ainda
incerto em muitas coisas, não sei direito o que posso fazer para ajudar em
vez de atrapalhar.
Nossa rotina com Serena ainda está se ajustando.
As duas vivem grudadas, sei que é assim que estão acostumadas a
viver. Preciso que entendam que elas têm a mim agora, independentemente
do futuro divórcio, continuarei pai de Serena. Fico me perguntando se
Vanessa não tem hobbies ou coisas do tipo.
Busco minha pestinha na escola, e ela estranha minha presença ali em
vez da mãe. Mesmo assim, pula em meu colo feliz como sempre.
— Vou te levar para meu trabalho, quer conhecer?
Pergunto enquanto prendo o cinto de segurança da sua cadeirinha.
— Oba! — ela concorda efusivamente, batendo palmas, toda
empolgada.
Para Serena, tudo é uma eterna festa. Enquanto seguimos viagem, ela
conta o que fez durante o dia, parecendo até gente grande.
Com Serena em meu colo, subimos para o andar em que eu trabalho.
Aproveito para explicar o que vamos fazer aqui e que em breve vamos nos
encontrar com Vanessa.
— E cadê os palhaços que me falou uma vez que trabalhava com
você, hein, eu não estou vendo. Cadê eles?
Curiosa, ela pergunta olhando ao redor com as sobrancelhas ralas
unidas. Rapidamente tapo a boca da criança quando passamos por um dos
colaboradores. Peço que guarde segredo, e ela ri, baixinho, abafando com a
mão, concordando, como se realmente estivesse entendendo a saia justa que
me causaria se alguém escutasse.
Língua afiada como a da mãe!
Chegamos no meu andar e apresento minha filha a Luana, minha
secretária, que sorri amigavelmente e surpresa por eu ter essa pestinha
como filha. Quase ninguém do meu círculo sabe sobre ela, e até prefiro que
se mantenha dessa forma para não a expor muito.
— Oi, Serena! Você gosta de canetinhas? — ele tenta interagir.
— Gosto… Ele é meu e da minha mãe, sabia?
Com ciúmes da minha secretária, que está próxima a mim me
orientando sobre a próxima reunião, Serena me abraça pelo pescoço,
mostrando como as coisas são com ela. Fico surpreso pela sua
espontaneidade, e preciso segurar a risada com essa pérola da minha filha.
Luana concorda com ela, rindo junto comigo das peripécias dessa criança
cativante.
Fico na torcida para que o tempo passe devagar para que eu possa
curtir minha pequena mais um pouquinho desse tamanho. Estou amarradão
nessa pestinha!

Dirigindo em direção ao prédio de Vanessa, onde ela já me espera


para irmos até a nova sala para seu escritório, gargalho ao ver pelo
retrovisor minha filha passando um batom transparente nos lábios e
deixando sua boca brilhante. Ela é toda vaidosa, e o detalhe melhor são suas
perninhas voando no banco, dobradas pelo calcanhar com um sapatinho
rosa cheio de lantejoula, minúsculo. Embora a menina tenha muitos traços
meus, Vanessa pariu a porra do próprio clone. Serena é muito parecida com
a mãe, em cada ação, na mania de acordar já ouvindo música alta, no modo
de colocar os cabelos cacheados atrás da orelha a todo o momento. As duas
são iguais até mesmo no jeito de se comunicar, gesticulando com ênfase, a
diferença é que minha filha é menos aterrorizante, e só porque ela é fofa e
eu posso trazer para meus braços a hora que eu quiser.
Sem contar que ela brilhou nessas poucas horas no meu trabalho;
onde chega, faz amizade. Serena é toda fofa e cativante com seus
questionamentos e curiosidade, parece estar sempre de olho em quem
chegava perto de mim. Eu nunca ri e gostei tanto de ter uma ciumenta na
minha cola querendo atenção só para si. Passei mais tempo rabiscando com
ela nos intervalos de uma reunião e outra do que organizando as pautas
restantes. De toda forma, posso fazer isso amanhã, já que não tenho ela aqui
todo dia querendo saber sobre o que é meu trabalho ou tentando me
ajudando com seus dedinhos na hora de contar até onze. Serena parece
gostar de números, igual a mãe dela.
De repente, quando estou parado no semáforo, meu sorriso congela;
sinto tudo ruir por dentro, como fosse algo muito pesado caindo sobre o
corpo. Sinto o estômago gelar quando vejo, do outro lado da rua, em meio
de uma grande multidão, aquela mulher que não via há trinta anos, mal
conseguindo acreditar no que estou vendo. Ela pelo visto também me
reconhece, pois olha com curiosidade e com o mesmo espanto que eu.
Congelada, mira meu para-brisa, como se não acreditasse no que está
vendo.
Nem eu estou acreditando também.
Eu a reconheceria independentemente dos anos, mesmo estando com
uma fisionomia castigada pela idade e roupas completamente diferentes do
padrão que costumava usar na época das minhas lembranças. Eu a
reconheceria porque foi dela que herdei os cabelos loiros que também estão
na cabeça da criança sentada no banco traseiro. A buzina dos outros carros
produz um eco ensurdecedor. De repente me sinto desnorteado e sem
ciência exata de onde exatamente estou.
— Tem que andar! — Serena me avisa em alerta.
Sem tirar os olhos da mulher diante daquela multidão, percebo sua
intenção de vir até a mim. Acelero, saindo disparado. Sinto que estou
hiperventilando, sufocado por essa maldita visão que gostaria que fosse
uma miragem. Sua aparição me atormenta, trazendo à tona sentimentos
estranhos à tona, sentimentos que não achei mais que existiam em mim.

VANESSA VERSAILLES
— Sério que é essa a sala?
Embasbacada e até mesmo descrente, dou um giro de trezentos e
sessenta graus no ambiente arejado e totalmente clean. A sala fica em um
prédio bem bacana e bem localizado e tem uma vista ótima para vários
prédios vizinhos do centro da cidade. O espaço já vem mobiliado, com tudo
em couro branco; tem até uma antessala com poltronas, tudo de alto nível.
Já imagino até mesmo o brasão da empresa em uma das paredes e
uma adega de vidro para demonstração.
— Gostou? Se sim, é sua — com as mãos no bolso, um pouco atrás
de mim, Antônio afirma. Ele gira o corpo, voltando sua atenção para mim.
E num ímpeto de animação, por notar que aos poucos meus sonhos vão se
tornando realidade, pulo em seu colo, o abraçando forte e agradecendo pelo
grande apoio. Eu afasto o rosto, estranhando sua reação, ou a falta dela,
nem mesmo retribui o abraço, ficando no mesmo lugar, como se fosse um
pedaço de gelo impenetrável. Antônio nem parece de fato estar aqui,
divagando por todo esse tempo que chegamos, bem distante.
Noto que não demonstra metade da satisfação que estou sentindo, e
isso é estranho. Antônio, ainda que tente soar inabalável em tudo, é sempre
muito transparente em relação a suas emoções. De tesão à raiva, ele
transpira sentimento, traz à superfície tudo que está sentido. Então estar
assim apático é algo incomum, porque é como se não estivesse sentindo
nada, e Antônio é tudo, menos insensível.
Tentando decifrá-lo, franzo as sobrancelhas e o encaro, ainda
envolvidos em uma aura só nossa, nessa mistura de tensão sexual com
resistências, querendo saber o que está havendo.
— Aconteceu algo? — Eu me aproximo mais, preocupada, me
sentindo constrangida e até mesmo culpada. Será que está desse jeito por
que pedi que buscasse Serena hoje?
— Não.
— Obrigada por ter ficado com Serena hoje… — Tento amenizar o
clima.
Nesse momento, pareço tomar ciência de que nossos corpos estão
colados e fico arrepiada instantaneamente.
— Não precisa agradecer, Vanessa, se por um acaso você quiser sair,
não precisa arrastar Serena o tempo inteiro. Eu posso ficar com ela sozinho.
Não hesite, a garota é tão filha minha quanto sua — responde firme e
aparentemente tranquilo, mas em seus olhos há um tormento mascarado.
— Eu sei, é que fico insegura de atrapalhar.
Estico os lábios, dando um sorriso amarelo, envergonhada, e nos
calamos novamente. Sem nos mover, mantemos a posição extremamente
atrativa e paralisante.
Ali, como se estivéssemos sozinhos no ambiente e grudados por um
magnetismo inexplicável, trocamos todos os tipos de olhares. Antônio me
encara tão firme, que arrepia até meu estômago, trazendo à tona a tensão
crescente. Antônio mira meus lábios e em seguida volta para os meus olhos,
me fazendo engolir em seco, sem saber o que esperar da sua próxima ação.
Nossos corpos estão tão juntos e tão quentes, que parecem uma mistura de
fogo e gasolina.
Antônio também está sentindo a confusão que somos, parece palpável
a energia que estamos enviando um ao outro. Nós nos falamos bem mais
por olhares do que por palavras, porque sempre acabamos nos
desentendendo. Já pela nossa interação com os olhares conseguimos
transmitir exatamente o que queremos, o outro parecendo compreender
perfeitamente o que desejamos comunicar. Porém dessa vez não consigo
decifrar com exatidão o que se passa na mente dele. E mesmo com os lábios
próximos, Antônio não move um músculo fácil sequer, como se não
pudesse ser afetado em nada. E isso é mais um ponto esquisito. Ele desvia o
olhar do meu, mirando o céu lá fora e repelindo qualquer interação. Seu
gesto confirma que algo não está certo, que algo está silenciosamente o
angustiando, algo muito sério.
Antônio jamais foge de qualquer duelo de olhares, então essas
atitudes soam ambíguas. É como se ele não estivesse aqui realmente, ou que
tivesse sido substituído por outra pessoa, porque claramente não é o homem
de sempre, mas ele não parece disposto a compartilhar.
Não fez nem mesmo uma provocação sequer para reafirmar o seu
grande ego.
O clima rapidamente se torna embaraçoso e estranho, então desvio o
olhar, na tentativa de neutralizar o constrangimento. Nesse momento
percebo que seguimos na mesma posição de antes, seu desdém a negar o
quase beijo também não passa despercebido. Meu corpo esmaece por
completo com sua indiferença. Sua postura segue séria, estranha, não diz
uma palavra sequer, nem um xingamento ou ironia, algo que costuma soltar
só para me provocar. Seu silêncio me desnorteia mais que qualquer uma das
nossas brigas.
Absolutamente nada. E nada grita mais alto que um silêncio inóspito,
Antônio definitivamente não está em seu estado normal!
E isso é pior do que lidar com as grosserias de antes, me deixa mais
frustrada e perdida, porque eu não faço ideia do que ele está pensando e em
que pé está nossa relação agora. Eu sabia que as coisas mudariam após a
festa, mas não imaginava que seria para esse nível de embaraço, nos
tornando completos desconhecidos. Tiro minhas mãos do seu pescoço, me
afastando, e ajeito minha roupa, com as bochechas pegando fogo. Fico
envergonhada por saber que eu estava pronta para esse beijo, até mesmo
desejei, mas ele não fez questão alguma de dar um passo sequer, e pior, não
é joguinho, Antônio realmente não quis e ponto.
E eu também deveria não querer.
Eu me afasto, para escapar dessa névoa áspera e desagradável que se
formou entre nós, preciso pensar com clareza e ficar com Serena, que está
próxima a nós. Todas as situações que nos envolvem são tão imprecisas que
me deixam um tanto confusa, sem entender o que realmente está se
passando. Eu tinha que ficar feliz por finalmente estarmos respeitando uma
distância segura, mas só consigo me sentir estranha.
Mais que nunca eu quero que tudo dê certo para que possa ir embora
da sua vida o mais rápido possível O melhor a se fazer é focar no trabalho e
me manter afastada, para que esse divórcio saia o quanto antes e sem mais
problemas!
16
VANESSA VERSAILLES
— Isso, um segundo rótulo dos espumantes da Vinícola Versailles em
garrafas rehoboam e standard, quinhentas unidades, mas especifiquem que
é edição limitada e comemorativa. E mais duzentas garrafas para
espumante baby, com o primeiro rótulo.
Centrada, finalizo a ligação com a gerente de vendas da fábrica de
embalagem de vidro que fornecerá a quantidade necessária para a nova
edição dos espumantes. Tenho planos de envasar os espumantes em garrafas
de tamanhos diferentes, uma tradicional e outra maior, já que é algo
comemorativo e a intenção é estourar. Nesse caso, ofertaremos em
quantidade maior para ter uma melhor experiência.
Eu consegui o registro e regulamentação dos rótulos, e já estou
planejando criar toda uma estratégia de marketing de estreia para o Ano-
novo, para começar com o pé direito. Fiz algumas reuniões com possíveis
clientes essa semana e acho que finalmente estou em um bom momento da
minha vida profissional, sinto que é possível e que está mais perto que
imagino de realizar aquilo que planejei por quatro anos.
Olho ao redor da minha nova sala, que aos poucos está ficando do
jeitinho que sonhei. Eu me sinto verdadeiramente satisfeita com o que vejo.
Às vezes nem acredito que esse é o meu escritório, quero muito que chegue
o dia em que vou sentir que meus esforços foram válidos. Sinto que estou
me encaminhando para isso. Tenho muito o que fazer e comemorar, irei
inclusive voltar à fazenda assim que tiver um tempo, preciso buscar
algumas garrafas para deixar aqui e servir nas reuniões, pois as que eu
trouxe estão quase acabando. Preciso conversar com Gael, marido de
Violeta e engenheiro agrônomo, para saber como está o estado das videiras,
para não comprometer o sabor das futuras safras.
Estou trabalhando com afinco para organizar a linha de produção.
Preciso saber como farei para transferir as bebidas dos barris para as
garrafas que estão em produção. Serei assertiva com os investimentos, para
não perder tempo e dinheiro.
Meu telefone toca novamente, como se tivesse apenas esperando a
outra ligação ser encerrada. Noto que o número é de alguém que não está na
agenda de contatos. Tem até mais chamadas perdidas do mesmo número.
Atendo, estranhando a insistência.
— Oi, falo com Vanessa Versailles?
Uma mulher do outro lado da linha questiona em voz calma e
profissional, captando minha total atenção.
— Sim, é ela, quem gostaria?
— Aqui é a socorrista da SAMU e seu número estava registrado como
contato de emergência do celular do seu pai…
— O que houve com ele? Como ele está?
Preocupada e já com a cabeça pulsando em ritmo frenético sinto o
peito disparar pela notícia. Levanto tonta da cadeira, com a descarga de
adrenalina correndo solta. Estou trêmula de cima a baixo, o coração na boca
com o inesperado, sem saber qual é a real situação.
— Senhor Jorge está recebendo auxílio no momento e seu quadro é
fruto de uma emergência hipertensiva, a pressão está sendo controlada.
Estamos encaminhando seu pai para o hospital regional para concluir o
atendimento, não é grave, mas por ele ter mais de cinquenta anos, é bom
que tenha um acompanhante. Poderia vir?
— Claro! Chego aí em instantes!
Finalizo a ligação com o coração a mil e extremamente preocupada.
Desligo tudo e em seguida jogo tudo que preciso na bolsa, finalizando meu
expediente pela metade, indo às pressas para o hospital que ele está sendo
transferido. Peço um carro de aplicativo enquanto estou no elevador.
Independentemente de termos brigado e eu prometer que se eles
precisassem de mim daria as costas, não consigo ser tão indiferente dessa
forma diante de todos os problemas e dificuldades. Eu ia me sentir pior se
agisse de maneira mesquinha, assim como eles agiram comigo, mesmo que
mereçam minha indiferença.
Porém se estão requisitando minha presença, é porque pode ser grave,
e eu quero saber o que aconteceu, já que ligaram para mim em vez de
Mariano, que está mais perto. Lembro que eu o fiz prometer que cuidaria do
nosso pai.
Enquanto espero o carro chegar, reorganizo toda a minha rotina,
equilibrando os compromissos como um malabarista. Mando mensagem
para Antônio, para que busque Serena hoje novamente. Essa será a terceira
vez essa semana, e sua confirmação vem em segundos, sem questionar.
Mesmo nossa relação estando meio estremecida após nossa foda na festa e
o quase segundo round em casa, seguimos evitando o outro a todo custo de
forma racional. Com sua frieza dos últimos dias, foi até mais fácil. Antônio
segue esquisito e pensativo, como se estivesse incomodado com algo muito
sério. Eu apenas observo de longe para ver até onde ele vai, mas me sinto
mal com esse caos que segue existindo mesmo que a gente tente evitar de
toda forma. Em alguns momentos, me sinto até mesmo usada, ainda que
tudo tenha sido consentindo. Após ter conseguido o que queria, age como
se eu não existisse. Eu não esperava flores nem declarações, não estamos
aqui para esse tipo de romance meloso, mas Antônio foi grosseiro e até
mesmo rude ao me tratar desse modo descartável. Nos últimos dias, nem na
minha cara olha, sequer tenta estabelecer uma linha de conexão.
E o pior é a tensão sexual traiçoeira e insistente que sigo sentindo,
mas cooperamos pela boa convivência, cada um em seu canto. Ele sabe que
minha rotina virou de ponta-cabeça nos últimos dias, então essa aparente
calmaria é algo que só tenho a agradecer.
Ainda não me acostumei a pedir ajuda, é esquisito, mas Antônio vem
fazendo questão de se incluir mais na rotina de Serena, e eu estou
aprendendo a inseri-lo mais, deixar que faça algumas coisas que eu assumia
integralmente antes. Estamos escalonando as obrigações. Hoje acabou
sendo mais um desses dias que não poderei assumir meu compromisso, mas
que por sorte poderei contar com Antônio. Com certeza não terei tempo de
ir e voltar antes do horário de buscá-la.
No hospital regional, vou atrás de meu pai, querendo saber que diabos
aconteceu para vir parar aqui. Paro uma médica de coque apertado e cabelos
castanhos que passa pelo corredor atrás de informações. Ela libera minha
passagem para os quartos quando eu digo por qual paciente procuro,
enquanto me explica o que ocorreu com ele.
— Foi apenas um pico de pressão, já administramos a mediação e a
pressão arterial está normalizada, mas o senhor Jorge corre o risco de ter
outras crises como essa se continuar a abusar do sódio e não controlar os
níveis de estresse. Ele pode até mesmo perder a visão do lado esquerdo, que
já se encontra comprometida. No pior cenário, há o risco de um ataque
cardíaco ou insuficiência cardíaca.
Ela me deixa ciente do que ocorreu, e eu aceno em concordância,
sabendo que ele é teimoso e normalmente contesta as ordens médicas.
— Ele come tudo com o triplo de sal que deveria, sempre chamei
atenção sobre isso, mas agora que não estamos morando juntos, não posso
mais controlar. Pedi para meu irmão fazer isso por mim… se for necessário
até contrato uma enfermeira para acompanhá-lo.
Justifico, andando lado a lado com a médica, até que paramos no
corredor, em frente a seu quarto.
— Converse com seu irmão, seria importante alguém auxiliá-lo a
tomar a medicação todos os dias. Como ele mora sozinho e você relata esse
tipo de comportamento, o senhor Jorge pode acabar agravando o próprio
quadro. Enfermeira de acompanhamento é uma boa opção.
Não tenho tempo de corrigir a informação de que meu pai não mora
sozinho, porque ela logo pede licença para atender outro paciente. Abro a
porta, para vê-lo com meus próprios olhos, e o encontro deitado no leito, de
cara emburrada e braços cruzados, pensativo, tomando soro. Bem típico
dele. Odeia hospitais, e mesmo tendo essa cara de machão, morre de medo
de agulhas.
— Pai? O que o senhor aprontou?
Entro no ambiente asséptico, preocupada e chateada pela situação.
Não é legal vê-lo dessa forma. Meu pai suspende o olhar, e nesse momento
vejo que está mergulhado em uma tristeza como eu nunca vi. Extremamente
abatido, sua fisionomia demonstra que tem mais nessa história.
— Você veio, Van!
Carinhoso como presenciei em raríssimas vezes, ele parece feliz e
surpreso por eu estar aqui.
— Claro, não o deixaria sozinho, família é família. O senhor pode ter
esquecido, mas continuo sendo sua filha. Cadê o bastardo do Mariano, que
não está te acompanhando?
Beijo sua testa e olho ao redor, irritada pela irresponsabilidade de
Mariano. Se ele tiver na farra ou em qualquer chopada da agronomia, ou de
ressaca em casa, teremos uma nova briga, e muito séria, uma pior do que
todas que já tivemos. Porque nada justifica que eu cheguei ao hospital
primeiro que ele. Só consigo pensar que o que eu mais pedi foi que cuidasse
da pressão de papai.
— É, minha filha, bela lição que me deu agora. A ovelha negra da
família é justamente quem está aqui preocupada no momento de
necessidade. Mariano foi embora faz um mês, me tomou algumas
propriedades e saiu de casa. Está morando na cidade vizinha sozinho.
— Hã?
Confusa, zonza, tento me situar, entender o que aconteceu nesses
meses em que eu fiquei sem notícias deles.
— Mariano estava negligenciando as fazendas, tendo atitudes que não
me orgulhavam. Tirando dinheiro do caixa sem minha permissão e sequer
comprava ração para os rebanhos ou fazia os pagamentos. Se tornou
autoritário, descobri até mesmo que ele suspendeu o plano de saúde das
duas, sabendo que Serena é asmática e não pode ficar sem
acompanhamento. A gente acabou brigando, e ele foi embora de casa, fez
exatamente o que você falou, me passou a perna. Levou metade das
fazendas com ele, como herança, e ele mesmo que escolheu quais queria,
disse que não iria ser meu enfermeiro e não deixaria de viver por minha
causa. — É nítida a profunda tristeza que ele fala, Mariano era seu menino
de ouro.
Eu posso dizer que estou desapontada, mas não surpresa. Não
querendo ser maldosa, arrisco dizer que é até mesmo previsível, porque
Mariano sempre se mostrou ambicioso. Só papai não enxergava, ou fingia
não ver. O problema da nossa casa era que as responsabilidades maiores
sempre eram confiadas a mim, mas o reconhecimento sempre era de
Mariano pelo mínimo. Sem mim para contornar tudo, foi por água abaixo.
— Talvez eu seja a ovelha negra porque fui a única que sempre falava
a verdade ao senhor. Por que não me ligou antes, meu pai?
Suspiro, vendo o caos que se instalou na família assim que dei as
costas. Ele nem precisa responder para eu saber a resposta, é orgulhoso
demais para me pedir ajuda, talvez seja esse motivo de nunca termos nos
dado muito bem. Somos iguais nisso, no fim das contas. Pedir ajuda é a
mesma coisa que sofrer com tortura.
— Mas fico feliz que tenha vindo, Vanessa, assim posso me
desculpar. Eu nunca soube lidar com sua personalidade e sua sede de viver
coisas fora da minha realidade o tempo inteiro. Cresci em outros tempos, e
sempre te criei sozinho, sua mãe fez e faz muita falta para abordar certos
assuntos. Fiz o que podia, como achava certo, pedia conselhos ao seu irmão
se eu estava exagerando, já que tinham idades similares. Seu irmão dizia
que se eu afrouxasse mais, acabaria fazendo exatamente o que ele fez. No
final é que hoje quem está aqui comigo é você. A consciência pesou quando
te deixei ali no cartório, hesitei se deveria ter feito aquilo, mas eu me
convencia que era o que deveria, que era o que você precisava, era o que eu
precisava para não sentir que errei como pai., Só agora vejo que fui injusto.
No fim eu achei que era necessário que não ficasse mal falada, mas não foi
direito. Eu estava mais preocupado comigo, de sentir que fiz o bem que
realmente estar te fazendo bem. Por isso quero reparar meu erro.
Eu me surpreendo ainda mais com esse comportamento tão incomum,
meu pai admitindo seus erros e me pedindo desculpas é novidade. E para
ser mais incomum, vejo que seu pedido é sincero.
— Reconhecer é o primeiro passo, meu pai, e a mamãe sabe que suas
intenções eram as melhores para nos criar. — Sorrio tranquila, mostrando
que está tudo bem. Não tapa o buraco que criou em nossa relação, mas ao
menos ameniza a mágoa que nutri em ter sido injustiçada todos esses anos.
Já aceitei que não teremos a melhor relação pai e filha, só um clima
tranquilo para mim é o suficiente. Sento na pontinha do seu leito, e ele faz
questão de me segurar pelos dedos, como eu fazia com ele antigamente.
Ficamos em silêncio por poucos segundos, até meu pai voltar a me encarar.
— Sabe, Van, nunca consegui aceitar que não é mais minha garotinha,
que já era uma mulher prestes a ser mãe… Eu tentei entender quais eram
esses os planos que haviam sido traçados para você, só que não conseguia
mais te enxergar como aquela menininha de sempre. Foi um grande impacto
para mim, não sabia mais como te tratar, nem como enxergar a menina
como minha neta, me aproximar, porque eu só a via como a causadora dos
seus fracassos, sendo que era meu dever de pai te acolher em qualquer
circunstância e te proteger de quem te ofendia, não ser o primeiro e apontar
o dedo. Eu sentia raiva porque tudo era diferente do que eu imaginei para
você. Queria que concluísse sua faculdade de economia e tantas outras
coisas, Van… e descontava em quem estava tão sozinha, te punia, te
culpava por não comprimir minhas expectativas, como se isso sanasse o que
eu estava sentindo. Te culpava não ser o que eu esperava e isso nunca
passava, e eu pegava cada vez mais pesado, desnorteado com a frustração,
sendo o que precisávamos é que fossemos uma família, e eu um avô
presente.
Meu pai parece amargurado e realmente arrependido, mas alimentar
as mágoas só faz mal para nós dois.
— Eu sei de tudo isso, nem precisava falar. Acho que, como mãe,
entendo um pouco seu modo de agir, ainda que não concorde com a
severidade das atitudes. Eu realmente não te perdoei pelo que fez, o senhor
tratou a mim e minha filha muito mal, nos deixou a deriva com um
desconhecido que poderia ser um maníaco, mas não há como refazer esse
passado tumultuado, mas podemos tentar melhorar as coisas se estiver
disposto a isso.
Tento demonstrar que está tudo bem, não querendo estender o assunto
por conta da sua delicada situação. Não precisamos fazer justo agora sua
pressão arterial subir. Escutá-lo pela primeira vez falar sobre o que sente,
nesse momento tão vulnerável, é bonito demais. Eu esperei por essa
conversa desde que os dois palitinhos no teste de gravidez surgiram, mas
ela nunca veio. O silêncio se estendeu, os gritos e ofensas também. Para
nossa felicidade, nunca é tarde para tentar novamente, discutir tudo isso
abertamente agora com a cabeça no lugar.
— E eu quero fazer as coisas diferentes agora, ser um avô presente
para Serena... Eu não sei quando vou morrer, Vanessa, ficar sozinho naquela
casa sabendo que eu expulsei a única pessoa que estar hoje aqui cuidando
de mim me fez repensar muita coisa, e pretendo usar esse restante de vida
para ser melhor. Pode se divorciar, filha. Eu vou te passar as outras fazendas
frutíferas como deveria ser, essa é a sua herança. Volte para casa, eu até
mesmo mando reformar o casarão do vinhedo para que more lá com a
pequena, como sempre quis. Vai precisar ficar por perto mesmo, para
acompanhar a linha de produção em vez de ir e voltar. O que acha?
Ele beija minha testa e espera pela minha resposta. Eu sequer sei o
que responder tamanha surpresa.
— Eu… preciso ver um cliente primeiro, não sei se devo voltar. —
Sou honesta, mesmo que esteja balançada. — E teremos tempo para
conviver e melhorar as coisas, o senhor irá viver muito ainda, minha filha
amará ter o avô por perto.
— Quer continuar com ele? Se acertaram?
— Não, mas… Já passou dá hora de eu trilhar meu caminho
sozinha.... Deixa esse assunto para lá, pai, não quero voltar para a fazenda.
— Mais firme, decido de modo irredutível, sem nem assimilar direito se
deveria fazer isso, afinal meu pai está me oferecendo exatamente tudo que
eu sempre quis. O problema é que não tem mais o brilho que teria antes,
nem sei exatamente os motivos.
17
ANTÔNIO GONZÁLEZ
— Mais chocolate!
— Não joga!
Tarde demais.
Serena, sentada na ilha e com a suavidade de um elefante, joga o
restante das gotas de chocolate, fazendo a massa na assadeira salpicar nos
dois. Ela gargalha logo em seguida pela melequeira que causou na cozinha,
que já estava bagunçada, e nas nossas roupas. Nunca vi tanta farinha de
trigo espalhada em toda a minha vida, tudo porque eu, justo eu, que sempre
comi em restaurantes e fast-food, fui obrigado por essa carinha fofa que me
faz de marionete a fazer um bolo de chocolate. Ela estava querendo muito
comer bolo, e antes que ela chorasse pela demora de Vanessa, decidi me
aventurar na cozinha. Cacei uma receita na internet, para tentarmos fazer
sua vontade, e Serena assumiu o papel de louro José, matraqueando com
sua voz fina sem parar, imitando o que a mulher do tutorial falava em tom
de brincadeira.
Decidi me aventurar nessa tarefa junto com ela, para tentar fugir dos
meus próprios pensamentos, ocupar a cabeça um pouco. Desde que
encontrei aquela mulher no semáforo, me sinto desconectado da minha
própria realidade, afogado em lembranças incômodas. Como consequência,
minha relação com Vanessa está se tornando cada vez mais oscilante. Ela se
afastou e se fechou completamente, criou um muro entre nós. É nítido seu
incômodo com minha presença. Sei que vacilei por estar mais distante e
frio, de fato a evitando para poder tentar organizar minha cabeça de uma
vez após impacto. Estou tentando fazer com que isso não me afete tanto,
porque tudo aquilo precisa continuar insignificante.
Esse assunto já me fez mal demais para reviver justamente nessa
etapa da minha vida, com tudo já sólido. Se foram trinta anos, não quero
que isso bagunce ainda mais minha rotina, azedando o clima com Vanessa.
Não quero que isso se torne um empecilho a mais agora que estamos
construindo uma relação com Serena. Não posso deixar mais alguma coisa
atingir a menina, que é muito esperta e logo perceberá que não estamos no
nosso melhor momento. E está me incomodando o clima inóspito, sendo
que precisamos conviver bem pela nossa filha. Preciso voltar a ter controle
da porra toda, ter pulso firme e parar com essa situação, porque as coisas só
estão virando uma maldita bola de neve de problemas, e não quero trazer
isso para dentro de casa. Prefiro que isso não torne um empecilho a mais
para construímos uma relação por Serena. Isso não pode atingir a menina,
que é muito esperta e logo perceberá que não estamos no nosso melhor
momento.
— Falta colocar no forno para ficar bom — explico, melecando a
ponta do seu nariz com a massa de bolo, enquanto minha filha come a
massa crua, toda lambuzada.
Nesse momento, vemos a maçaneta sendo girada, desviando nossa
atenção. Vanessa surge com feições cansadas, talvez até preocupada. Eu a
vejo se livrando dos saltos, enquanto vem na nossa direção. É nítido no
semblante uma certa tristeza. Ela novamente mal me encara, não sei se é
por causa da nossa relação esquisita ou se tem alguma outra coisa
acontecendo.
Vanessa definitivamente não me parece muito bem.
— O que estão aprontando aí, sujos desse jeito?!
Vanessa questiona com curiosidade, percebendo a bagunça. Ela beija
a testa da filha, afagando os cabelos soltos. Serena arrancou o penteado
assim que chegou em casa, e eu não soube amarrar seus cabelos sem que
escorregassem ou ela chiasse que estava puxando forte.
— O meu papai está fazendo bolo para mim.
Conta com euforia, rindo, e eu paro o que estou fazendo, olhando
surpreso para Vanessa, que também demonstra a mesma reação. Ela está
paralisada e com os olhos arregalados, sem poder acreditar no que a nossa
filha falou.
— O seu o quê? — pergunto, já sentindo os olhos arderem.
Serena ainda não havia me chamado de pai, sempre se referia de outra
forma. Eu também nunca cobrei que fizesse, deixei que me chamasse
quando achasse melhor, preferi que se acostumasse comigo primeiro. E,
porra, escutar isso me traz uma sensação que eu jamais pensei que teria em
toda minha vida. Eu já vivi coisas boas para caralho, mas nada sequer se
compara com algo tão simples e tão emocionante.
Desde que essa menina apareceu de paraquedas bagunçando toda
minha vida, arrebatando meu coração de imediato, meu lado sensível
aflorou completamente.
— Você, papai — explica com naturalidade, sem se dar conta.
Eu sorrio largo, sentindo os olhos marejados por escutá-la repetir.
Sem me conter de euforia, deixo a assadeira de lado e pego a pestinha
adorável no colo, jogando para cima e a fazendo gargalhar alto. Encho meu
peito de com suas risadas e beijo seu rosto repetidas vezes, querendo
mergulhar cada vez mais fundo nesse riso coletivo bem no meio da cozinha
bagunçada.
Ser chamado de pai é bom para caramba! Estou adorando toda essa
novidade, muito mais que imaginei!

Velando o sono da minha pequenininha, que está abraçada à sua


princesa de pelúcia e parece tão indefesa. Sinto os olhos marejaram
novamente, não deixando de imaginar quando ela estiver maior e quiser ir
embora para longe de mim. Penso até mesmo quando aparecer um safado
que quiser fazer isso, me tirar minha pestinha. Só posso esperar que ela siga
cabendo em meus braços por muitos anos.
Serena está se tornando a cada dia uma criança mais linda e
inteligente, e eu já estou até mesmo tirando foto de arco-íris no céu, para
mostrar à minha filha quando voltar do colégio. Como sei que ela gosta,
fiquei todo babão. Jamais pensei que ser pai me tornaria um homem
completamente diferente. Essa criança acaba totalmente com minha
postura!
Espero de verdade que minha filha não seja como eu na adolescência,
que seja caseira e quietinha. Infelizmente sei que a fruta não cai longe do
pé, e bonita do jeito que me saiu e desenrolada para se comunicar como a
mãe, não faltarão pretendentes. Até mesmo Zé, o menino que vi crescer e
tenho tanto apreço, já entrou na fila, me desafiando desde já. Vou ter de dar
conta de expulsar todos eles e protegê-la. Serei o pai chato com muito
orgulho!
— Qual é o motivo de estar chorando agora, Antônio? — Vanessa
questiona, como se não estivesse acreditando.
Ela não entende meus dilemas!
— Vanessa, e se ela arranjar um canalha? — Miro seus olhos, a vendo
encostada de braços cruzados no batente da porta.
Ela prende os lábios, pondo os dedos no osso do nariz, seu risinho
baixo vem logo em seguida. Noto que vem puro cinismo pra cima de mim.
— Igual a mim? Bom, acho que ela se sairá melhor do que eu, terá
seu DNA e saberá se defender muito bem, terá um bom professor. Vem,
deixa nossa filha dormir!
A infeliz me provoca, mexe com minhas certezas. Vanessa está se
divertindo com algo que claramente me preocupa. Sei que para ela isso soa
como o maldito gosto doce do “estou adorando tudo isso!”

VANESSA VERSAILLES
Sigo na frente pelo corredor, rindo de Antônio, e confesso que estou
achando isso tudo muito fofo, vê-lo se entrosar dessa forma com a menina,
todo atencioso, tem sido bem bacana. Acho que posso dizer que sou
palmiteira sim, porque homem que sabe ser pai é a coisa mais linda que
existe, fica até mesmo mais atraente.
Antônio nasceu para ser pai de menina.
Só pode ser isso, já que está até chorando por um futuro hipotético.
Para desviar minha atenção e até mesmo aliviar o clima pesado que estou
mergulhada, quero apenas dormir e torcer para que o dia de amanhã seja
infinitamente melhor. A conversa com meu pai continua entalada na
garganta, não consigo simplesmente ignorar o maldito incômodo da sua
proposta. Voltar para a fazenda me traria mais benefícios e estabilidade,
poderia cuidar do vinhedo de pertinho e deixar o casarão exatamente como
eu imaginei, mas tem Serena e Antônio, fiz tanta questão que assumisse seu
dever de pai, coisa que está fazendo, que não quero romper essa conexão
que estão construindo. É mudança demais na cabeça da minha filha em tão
pouco tempo, além disso não quero sair da cidade grande, local com mais
possibilidades de negócio e de construir minha carreira como eu quero.
— Vanessa, espera!
Antônio, apressado, me segura pelo braço com suavidade, mas com
firmeza, apenas para me parar. Eu giro o corpo, tensa, cruzando os braços
para construir algum tipo de distância. Ainda estou chateada e mal-
humorada, além de exausta, então definitivamente não estou afim de
briguinhas. Engulo em seco quando seu corpo forte, largo e tatuado
parcialmente desnudo gruda no meu, nossos olhares se encontram sem a
possibilidade de desviar. Só sua presença imponente me toma por inteiro de
um jeito devastador. Nós vínhamos tentando ficar longe um do outro
principalmente para não fazermos besteiras. Para mim foi um esforço
descomunal, maior que eu achei, para não ceder à tentação e à tensão sexual
que nos ronda insistentemente.
Odeio Antônio e todo seu maldito magnetismo que me atrai, mesmo
quando eu insisto em não querer mais aproximações!
— Van, obrigado.
Van. Desde quando nos tratamos por apelidos?
— Pelo que, homem?
— Por ter me feito pai. Sei que as coisas não estão fáceis agora, que
nunca foram, mas obrigado por isso. Estou feliz para caramba com essa
pestinha!
Suas palavras me pegam de surpresa, eu me sinto totalmente boba
com a sua pequena declaração espontânea e genuína. Entretanto
rapidamente me censuro, sequer sei como responder a isso.
Antônio se aproxima ainda mais, mantendo meu braço em torno da
sua mãozona tatuada. O toque, o simples e maldito toque dele me produz
uma bagunça terrível, e eu odeio perceber que quando se trata de Antônio,
não sou tão imune e indiferente como gostaria. Mesmo tentando manter o
máximo de restrições, ele quebra com facilidade todas as minhas barreiras,
me deixando assim, cheia de desordem por causa de um simples toque e por
invadir meu espaço pessoal.
Antônio me encara de cima por eu ser menor, noto que nossos rostos
estão próximos, a ponto de eu achar invasivo. Nenhum dos dois diz
qualquer coisa, mas também não nos afastamos. Nosso olhar nos conecta, e
isso me afeta de uma forma que nunca vou entender. Sequer consigo ser fria
como deveria, e gostaria, ele consegue me deixar inquieta e com a
respiração entrecortada.
Basta estarmos no mesmo ambiente, trocar um olhar, e pronto, a
tentação silenciosa aparece, pinica. Nossos sentimentos são viscerais e
confusos, me deixam sem saber o que fazer. Eu realmente não sei se quero
que isso continue!
Arfo, tentando normalizar meu corpo, enquanto encaro seus olhos
verdes ardentes e intensos, que seguem presos nos meus. A pele arrepia
absurdamente, a boca começando a formigar, assim como a minha barriga,
que revira de forma angustiante. Percebo que Antônio está se aproximando,
compenetrado, com a intenção de me beijar.
Automaticamente assumo uma postura tensa, desviando o rosto e me
afastando, não querendo bagunçar mais as coisas. Preciso novamente
reconstruir o muro entre nós. Vou evitá-lo ao máximo, para não me
envolver ainda mais nessa situação embaraçosa. Maldito, primeiro ele age
de modo frio, se afastando, me evitando, depois simplesmente vem todo
tranquilo, querendo me beijar, como se nada tivesse acontecido e ainda acha
que vou ceder?
A resposta é não, senão depois disso tudo voltará a ser ainda mais
esquisito. Vamos nos desentender novamente, porque é só isso que sabemos
fazer.
Dou as costas, seguindo pelo corredor com o coração na boca e as
pernas trêmulas, não querendo ter mais um problema para administrar, os
atuais já são suficientes. Antônio, dessa vez, não vem atrás. Voltando ao
quarto, deito no meu lado da cama, de costas para o dele, e suspiro, para
tentar me manter sã a todo custo.
Não demora para que Antônio também deite ao meu lado, no escuro.
Sinto minha respiração voltar a ficar acelerada, o sentimento tentando
passar despercebido como elefante na sala. Só me resta então tentar me
concentrar no sono. Nem somos casados de verdade, mas temos os típicos
problemas do matrimônio. A intenção desse casamento era conseguir
arrumar um pouco minha vida, mas a sensação que eu tenho é que
bagunçou ainda mais.
— Vem cá, não gosto desse clima entre a gente.
Com chateação, Antônio me puxa para o meio da cama pela cintura,
também se aproximando. Ele me prende em uma conchinha desnecessária,
me deixando de costas para seu corpão quente, másculo e cheiroso depois
do banho.
— Não, Antônio, desencosta.
Tento sair, voltar para o meu lugar, descompassada, mas sua mão
pesada na minha cintura me firma ali.
— Não quero brigar, Vanessa. Não precisa de toda essa braveza o
tempo inteiro para mostrar que é firme, tá? Tem como ser foda sem tudo
isso!
— O problema, meu querido, é que se eu for mais suave, todos
entenderão como um convite explícito para algo a mais, inclusive você. Não
vou ficar grudada aqui, feito um casalzinho, depois de você ter passado
todo esse tempo distante, agindo como se eu fosse uma vadia que já o
satisfez!
Também chateada, demonstro o que ele me fez sentir com seu jeito de
agir nos últimos dias. Não é como se eu esperasse uma declaração de amor
romântica, mas achava que ao menos ele fosse encarar o problema em vez
de evitar, o tornando ainda mais incômodo. Antônio gira meu corpo, para
ficarmos de frente, me obrigando a encará-lo. Ele sempre conversa olhando
nos olhos, e é direto no que quer, e por isso que me arrepio todas as vezes,
porque sua presença extravasa segurança e domínio!
— Eu sei, eu mereço essa bronca. Só queria te pedir desculpas por
estar afastado esses dias, não foi por causa disso. Eu não fujo das situações,
nem foi proposital fazer você se sentir dessa forma, podemos ter quaisquer
diferenças, mas eu jamais te trataria dessa forma, não sou esse tipo de
homem, Vanessa. Andei com alguns problemas, e não quero que isso
dificulte nossa convivência ainda mais, muito menos da Serena. Eu prezo
demais um lar saudável para ela, odeio ficar brigado.
Antônio não é rude, como se tivesse brigando comigo ou discutindo,
ele fala baixinho, no escuro do quarto, ainda me mantendo agarrada. Nesse
momento sinto meu estômago gelar. Ele realmente parece querer apenas
conversar e acertar as coisas, então baixo um pouco mais a guarda, para que
possamos acertar a situação.
— Tudo bem, eu também estou com alguns problemas, pode ter
contribuído para agir assim. — Dou um muxoxo, frustrada com a vida em
si, nada parece certo ou no lugar.
— Quer conversar?
Pergunta com a voz grave próximo ao meu ouvido, de um jeito
extremamente erótico. Odeio o fato de Antônio ser assim sem se esforçar.
— Não, você quer?
— Também não.
Voltamos a ficar em silêncio no escuro do quarto. Antônio se remexe
na cama novamente, e eu me mantenho olhando para o teto escuro, sem
saber o que fazer com minha própria vida. Eu me sinto ridiculamente
acolhida como poucas vezes na vida, ali nos seus braços. Eu não me afasto,
e ele também não me solta.
— Recebi uma proposta boa para ser fornecedora. Ela é uma chefe de
cozinha e dona de uma rede de restaurantes, um deles com duas estrelas
Michelin, lá em Saint Tropez. Parece que vai abrir um dos restaurantes no
novo shopping e te conhece. Por ela ser franco-brasileira, quer pôr na carta
um espumante também franco-brasileiro, pela temática deste novo
estabelecimento. Você deve imaginar pelo meu sobrenome que tenho
ascendência francesa, então… Ela provou o espumante e gostou bastante,
mas quer uma reunião comigo junto a suas administradoras, para saber se
vale a pena financeiramente incluir sem que isso afete as finanças. Se eu
conseguir essa cliente, vou começar já com o pé na porta, vai ser um passo
e tanto na minha carreira inicial!
Conto um dos motivos de estar preocupada, esse não é meu principal
problema, mas aparentemente o mais incômodo e urgente no momento.
— Por que não está feliz? — indaga, confuso.
— Precisaria ir a uma reunião junto com as sócias dela no final dessa
semana, seria apenas um dia, só que é em outro estado, onde ela concentra
os negócios. Não posso ir, tem a Serena…
— Eu fico com ela, Vanessa, não cogite perder essa oportunidade.
— Tem certeza? Eu não sei se é uma boa ideia… — pondero,
pensativa.
— Tenho, é também uma oportunidade de passar mais tempo com ela
sozinho. Use isso como um teste para a guarda compartilhada. — Antônio
me encoraja, passando segurança, e eu acabo cedendo, me dando essa
chance para não perder a grande oportunidade. Antônio mostrou mais de
uma vez que realmente quer ser pai em tempo integral, e essa é uma boa
chance para passar um tempo sozinho sem a minha interferência. — Ainda
desafetos?
Seu tom é brincalhão, reacendendo a faísca antiga da desavença que
somos viciados em cultuar por pura insensatez. Suspendo o olhar para o seu
rosto, só para ver o riso cínico. Eu tento me manter firme, mas a esticadinha
de lábios para o lado, odiando que esse miserável provocador saiba como
mexer comigo, me trai.
— Sempre desafetos!
É dessa forma que suspendemos a bandeira branca, do nosso jeitinho,
agridoce.
18
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Puxando os cachinhos e enrolando o dedo neles, vejo Vanessa sentada
no tapete da sala e pernas cruzadas, trabalhando concentrada com o
notebook no colo. Ela parece irritada e sequer percebe minha aproximação.
Noto que está em torno de vários papéis espalhados. Ela não nota a sacola
grande nas minhas mãos até que eu ponho em cima do teclado, tapando a
tela. Vanessa suspende o olhar, curiosa e surpresa.
— O que é isso? — Sua fisionomia demonstra a confusão.
— Abra, é seu.
Aguardo ela abrir o laço da sacola preta, roubando toda sua atenção
do trabalho. Ela deixa o notebook de lado, e tira de dentro da minha
surpresa uma caixa com sandálias de salto fino com a inicial da grife YSL
em dourado. Com o salto nas mãos, olha para mim com a expressão
chocada, olhos arregalados e brilhantes, boca entreaberta coberta pela mão.
— Antônio… Por que me deu um Yves?
— É sua primeira reunião, o segredo é você chegar como se já
dominasse o mercado. Sua filha aprovou.
Cometi o grande equívoco de levar Serena para o shopping depois do
colégio para passearmos e gastar tempo, só não sabia que tinha uma mini
patricinha gastadeira dentro de casa. Além de ter escolhido esse sapato
caríssimo para mãe, escolheu um vestido de grife para si, mostrando que o
bom gosto para roupas caras é de família. Eu estou ferrado quando chegar
na adolescência. Mas Serena fez uma carrinha tão fofa e uma voz dengosa
pedindo o presente, que foi uma tortura emocional do cacete, era impossível
negar.
Valeu a pena pelo sorriso que ela ficou quando seguiu arrastando a
sacola quase do seu tamanho pela casa. O vestidinho ficou lindo nela!
— Muito obrigada, sério! Eu amei! — mansa, como nunca foi,
Vanessa agradece. — É tão terapêutico ganhar presentes!
Sorrio, vendo sua euforia ao experimentar o calçado. Nunca fui
podólatra, jamais pensei que sentiria tesão em pés com saltos, mesmo que
ame ver uma mulher com eles e nada mais, mas tinha certeza que esses
sapatos ficariam ótimos nela assim que bati os olhos. Agora tenho certeza
que fiz certo em trazer.
Eu paro atrás dela, de pé mesmo, fazendo uma massagem nos seus
ombros tensos, para que relaxe um pouco. Vanessa se contorce, respirando
fundo e recebendo o carinho. Vanessa anda atarefada com a preparação para
o encontro de amanhã. Ela embarcará pela manhã cedinho então já deveria
estar dormindo, eu estou tentando fazer tudo que posso para ela não perder
tempo, mas é metódica e pilhada, quer organizar tudo nos mínimos
detalhes, para fazer tudo dar certo nessa reunião. Fiz questão de pôr Serena
para dormir, acho que nossa filha se cansou mais pelas vezes que pedi para
ela me chamar de papai do que por causa das brincadeiras no colégio.
Percebo Vanessa se arrepiando quando acaricio seu pescoço
vagarosamente com as pontas dos meus dedos. Noto sua respiração
desordenada, como tudo em nossa vida desde então, já estando afetada.
Imediatamente sinto o perfume apimentado do seu pescoço. Nós dois
estamos cientes que queremos o outro fora das nossas vidas, como marido e
mulher, é só nos aproximarmos que toda a eletricidade surge.
— Estou com receio dos meus esforços serem à toa, que a vinícola
acabe não dando certo… E se os sócios dela não gostarem de mim porque
eu ser quem sou? Você sabe, muito nova, com filha... podem achar que não
dou conta de algo dessa responsabilidade, ainda mais o meu negócio sendo
espumantes, há certos ceticismos. Geralmente homens só começa acreditar
no potencial feminino quando veem os resultados!
Baixinho, suspirando, ela começa a desabafar. Nem sei se está ciente
do que fala, se quer conversar realmente comigo ou se é a massagem que a
está fazendo soltar tudo sozinha. Vanessa fala das preocupações em voz alta
enquanto vou descendo a massagem para o vão dos seus seios, percebendo
seus arrepios mais intensos pela carícia ousada. Percebo seu movimento de
entortar o pescoço, e me dando mais acesso.
— Eu acho que ninguém liga para a opinião da gente. E é por isso que
primeiro vocês resolvem e depois comunicam. Então não deve se preocupar
tanto. Seu espumante fará sucesso, acredite, e se eles não quiserem, eles
quem vão perder.
Dou minha opinião, a trazendo para mais perto de mim, quase
encaixando seu quadril no meu. Já estou cheio de tesão, e pelo seu
descompasso, sei que também está. Prometemos a nós mesmo ficarmos
com as mãos longe um do outro, mas é bem difícil quando estamos assim, a
sós com a casa silenciosa.
— Estou nervosa demais! — reclama, manhosa. — Me sinto perdida.
Com firmeza, a viro de frente, a dominando pelo pescoço. Vanessa
segura na minha cintura, me encarando com o tipo de olhar faceiro que não
precisa de nenhuma explicação.
— Vem cá, pretinha. Senta gostoso em mim, que te relaxo.
Percebo como a chamei sem querer, deixando escapar sem nem
mesmo pensar. Ela também nota, se retraindo momentaneamente, mas nós
dois ignoramos para não criar climão e estragar o momento. Eu a trago para
o meu colo, quando sento no sofá, e a puxo para mim. E Vanessa vem,
montando em mim. Afasto seus cabelos do pescoço, para que eu tenha
acesso, deixando que ela rebole no próprio ritmo, maltratando meu pau, me
instigando, afoita com a sua pele toda arrepiada pelos meus beijos.
O tesão e a raiva são os pilares da nossa relação, é inegável, e os dois
sempre vêm acompanhados de insensatez. Às vezes, custo a acreditar que
temos uma filha juntos. É uma combinação muito caótica, e eu espero que
Serena jamais nos veja no meio de nenhum desses sentimentos.

VANESSA VERSAILLES
Seus lábios chupam os meus em um duelo de tesão cru e visceral,
parecemos nos tornar selvagens com um simples beijo. A mãozona de
Antônio segura mais forte meus cabelos, me puxando para o penhasco, me
tomando inteira para si, para além da sanidade. Ofegante e cheia de desejo
arranco sua camisa, contemplando a porra da gostosura desse corpo. Suas
tatuagens espalhadas em toda a pele. Antônio segura na minha nuca
enquanto passo a língua da clavícula até atrás da sua orelha, mal me
reconheço de tanto tesão.
Sua respiração audível se torna um estímulo a mais para o meu corpo
já sensível e úmido. Sinto seu pau duro entre minhas pernas, bem embaixo
da minha boceta carente, onde ele fez questão de me roçar para que eu o
sentisse, mantendo suas mãos grandes na minha bunda.
— Isso é tão errado, Antônio… — Entre gemidos, sentindo seus
beijos no pescoço, tento manter o último fio de razão que ainda me resta.
Finco minhas unhas com força na sua pele, sem ser cuidadosa,
querendo ter sua pele em toda parte do meu corpo. Noto que seus arrepios
correspondem ao meu toque. Cada carícia e estímulo seus parecem
perfeitamente orquestrados para me enlouquecer.
— Eu sei — ofegante, também concorda.
Mas não nos desgrudamos.
Antônio, sem paciência, rasga minha calcinha, se beneficiando do
meu baby-doll ser um vestido. Ele solta um gemido viril, estapeando minha
bunda quando vê que estou praticamente implorando para ele me foder, de
tão melada que estou. Eu me sinto entorpecida de tesão, que parece tomar
conta da situação. Faminto, Antônio me domina pelos cabelos, com
fisionomia dura e os seus cabelos revoltos se torna uma imagem erótica,
todo mandão, me pondo como quer. E eu ajo como a submissa que nunca
fui.
Pelo jeito nossa preliminar favorita é ficar próximos, basta apenas
isso para acender o clima e estarmos prontos para um se acabar no outro.
O cretino entra pulsante, me encaixando de vez e me agarrando ali no
seu colo. Antônio me prende no lugar para que eu não escorregue; suas
pernas longas o permitem elevar o quadril contra o meu, me apertando pela
cintura deslizando com facilidade, me fazendo quicar forte no seu colo.
Ouço o barulho excitante dos nossos corpos se chocando e consigo sentir
exatamente cada centímetro seu pau me invadir com vontade, o que me
deixa com a garganta seca e mal aguentando ficar de olhos abertos.
Sequer trocamos qualquer palavra, é desejo vivo, bruto e impulsivo.
Visceral!
Seu pau largo reivindica seu espaço a cada vez que entra, me fazendo
delirar e arranhando a pele de Antônio. Eu o marco com minhas unhas,
enquanto ele investe cada vez mais bruto e faminto, me segurando com
mais firmeza pela cintura. Antônio é o tipo que devora, que exige tudo de
mim porque dá tudo de si para que a foda não seja menos do que incrível
para ambos. Finco a unha no seu braço e avanço para sua boca, agarrando
seu pescoço. Eu o beijo com vontade para abafar mais meus gemidos que
escapam a cada arremetida. Antônio me fode com vontade, retribuindo o
beijo animalesco. Somos dois desesperados quando quico no seu colo, em
um ritmo frenético, sem pudores.
Quanto ao desejo, somos completamente compatíveis!
— Está sentindo deslizar gostoso também, safada?
Ofegante, Antônio me atiça ainda mais, me segurando pela bunda, me
forçando a sentir tudo a cada vez que eu sento de forma vigorosa.
Eu sinto o peso de cada arremetida que vem sem dó nem pena de
mim. Deliro de tanto tesão, me movendo junto e me beneficiando da
posição em ficar por cima e o sentir melhor. Antônio acaba comigo, me
agarrando contra seu corpo, em um aperto firme e forte. Em seguida,
estapeia minha bunda, me dando apenas a opção de sentir prazer. Os
arrepios e vibrações percorrem meu corpo enquanto nós dois nos perdemos.
Puxo seus cabelos, em pura desordem de tão gostoso, me jogando de vez
nas sensações indescritíveis. Preciso abafar meus gemidos em seu pescoço.
Chupo sua pele, mordo, fora de mim, apenas para sentir o gosto que tem,
cheia de necessidade desses impulsos nem um pouco racionais, em um
ápice fervoroso, toda marcada de apertões.
Sou uma verdadeira fraude, brando horrores sobre me impor, mas fico
com as pernas bambas quando um homem me pega assim másculo e bruto,
bem mandão mesmo, machão. Pelo menos é só na cama, fora dela eu
respondo no soco.
— Aguenta outra? Ainda não gozei — ele propõe, ainda dentro de
mim. — Você não durou nadinha.
Tesão acumulado tem disso, e não é como se fosse difícil esse maldito
me fazer gozar. Só com uma olhada ele já me deixa pronta.
— Confesso que estive em celibato — ofegante e destruída no seu
peito suado, admito baixinho. — Mas quero ficar por baixo, prefiro.
Nada mais gostoso que um corpão quente por cima, o dele
principalmente.
— Desde quando?
Antônio inverte nossas posições, me colocando com as costas no sofá
e me abrindo novamente para si. Prendo as pernas em seu quadril,
percebendo sua pirraça. Ele vai devagar, passeando o pau entre minhas
carnes encharcadas, começando a me esquentar novamente, se enterrando
todo e tirando só para fazer de novo, pulsando dentro de mim, rígido o
suficiente para acabar comigo em dois tempos. E visão dele por cima, com
os cabelos revoltos, ofegante, suado e tatuado, todo dentro de mim só torna
tudo ainda mais gostoso.
— Desde que Serena nasceu, não consegui me envolver com mais
ninguém, não havia tempo e nem disposição. Muita burocracia.
Me pegando pelo pescoço, de frente, Antônio aproxima nossos lábios,
quase em um beijo, mais em um roçar. Noto que há um traço cínico no
sorriso quando eu abro a boca esperando pelo beijo, e ele passa o polegar
nos meus lábios. Faço questão de chupar olhando diretamente para ele,
eriçada e envolvida em toda sua aura safada.
— Confessa que na verdade ninguém te despertou tanto tesão, aquele
que valha a pena depois de eu te comer gostoso, admite, porra! — ele rosna,
exigindo uma resposta, o que me causa um maldito arrepio, antes de me
tomar novamente para si em um beijo arrebatador. Antônio me possui pelos
lábios do jeito que só ele consegue, levando novamente tudo de mim. Odeio
que ele saiba exatamente o que eu gosto com tanta facilidade!
Antônio é um exímio cafajeste, com todas as letras. O pior de se
envolver com homens como ele é que depois não dá para aceitar menos do
que proporciona. Os desgraçados não tem a fama em vão, sabem
exatamente como enlouquecer, e dificilmente encontrará alguém que faz tão
gostoso quanto. Por isso são tão convencidos. Simplesmente porque se
garantem!
Inferno!

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Com Serena em meu colo, acenamos para Vanessa, que está
extremamente gostosa de blazer, vestido e os saltos que a presenteei. Ela vai
em direção ao portão de embarque para pegar seu voo que sairá em poucos
minutos. Parece que está indo para cadeira elétrica, por ter que deixar
Serena sozinha comigo. Ela de repente volta correndo, arrastando a mala de
rodinha e diminuindo toda a distância entre nós. Abraça e beija Serena
diversas vezes, para matar a saudades que ainda não existem.
— Tem certeza que consegue ficar com ela sozinho, Antônio? —
Vanessa põe seus olhos em mim, incerta.
— Já disse que sim, Vanessa. Vá em paz, que eu dou conta, vai perder
o voo!
Concordo, rindo da sua inquietude, então a tranquilizo pela milésima
vez. Desde que acordou, vem repetindo essa pergunta, se certificando que
está tudo bem. Já pensou em desistir da viagem umas dez vezes, mas não
deixei. Passei a manhã a convencendo que tinha que ir. Até aqui ela mostra
bastante resistência de se afastar de Serena, mesmo que por pouco mais de
vinte e quatro horas.
Ela já está sofrendo antecipadamente por só ver a menina amanhã à
noite, depois do colégio.
— É, mamãe, vai logo!
Serena sai do enlace da mãe ursa, voltando para meu colo. Ela
permanece com sua máquina fotográfica digital minúscula em dois tons de
rosa nas mãos. Vanessa deu a ela essa manhã para poder registrar tudo que
chamar sua atenção, assim quando voltar, Serena poderá contar o que era
cada foto daquelas. A menina está doida, empolgada e eufórica para que ela
embarque, para poder enfim começar a tirar fotos. É o jeito que Vanessa
achou para fazer essa distância entre as duas ser menos frustrante e de
quebra deixar a menina entretida, já que é a primeira vez que Serena ficará
sem ela. Não sabemos como será sua reação, mas pelo visto será uma
grande novidade divertida.
— Puxa saco do seu pai! — Puxa a bochecha da menina, que
gargalha comigo.
— Que culpa eu tenho por ser adorado onde passo? — ironizo.
— Cuida da minha filha, canalha, e me ligue!
Avisa mais uma vez, reforçando o alerta, e eu concordo. Ela amassa a
menina já impaciente de tanto aperto, até finalmente dar as costas, mas eu a
pego rapidamente pelo pescoço, em um ato impensado, e a beijo de forma
casta na frente de Serena.
— Que fofinho! — Serena vibra, com as mãozinhas na bochecha,
rindo. — De novo! Beija ela de novo, papai!
Tenta juntar nossas cabeças, mas Vanessa se esquiva, rindo
envergonhada pela primeira vez. Noto suas bochechas coradas, mas
Vanessa tenta disfarçar arrumando os cabelos atrás da orelha, toda tímida,
enquanto eu rio adorando ver seu desajuste.
— Volta com o contrato!
Desnorteada, ela concorda, atônita com a minha ação. Nem eu entendi
o motivo de ter agido impulsivo assim. Ela corre para passar pelo scanner
corporal e seguir para a sala de embarque, e eu sigo com Serena de volta
para a saída para continuarmos nossa rotina, quando a perdemos de vista.
Assim que eu sento no carro, meu celular vibra no bolso. Abro para
ver a mensagem de Vanessa.
“Ainda há tempo de não embarcar, tem certeza que consegue ficar
com ela sozinho?’’ ✓✓
“Tenho, Vanessa, vai ser fácil, vá para sua reunião em paz que dou
conta!’’ ✓✓
A resposta vem em segundos, não sei como ela escreve tão rápido
com as unhas tão grandes.
“Qualquer coisa me liga, não importa a hora, não esqueça! Se ela
chorar ou sentir falta de ar, a bombinha está na mochila!’’ ✓✓
— Sua mãe, Serena, é doida! — aviso e a observo pelo retrovisor,
rindo. — Manda um áudio para ela avisando que ficará bem para ver se ela
embarca de uma vez.
Entrego o celular a Serena, que já sabe mexer muito bem. Minha filha
faz o que eu falei entre risos e ainda me dedura dizendo que eu chamei
Vanessa de doida. Saio logo com o carro, senão é capaz dela aparecer se
jogando no capô, avisando que não irá mais. Pelo que estou percebendo
quem está sofrendo por essa breve separação é Vanessa, não Serena.
Sigo pela calçada, levando Serena pela mão em direção ao colégio
logo em frente. Vejo vários estudantes como ela, que conta animada,
saltitante, o que pretende fotografar para mostrar à mãe quando voltar.
— Papai, sabia que a mamãe me dá sorvete todo dia? — Serena,
segurando na minha mão e saltitando com a mochila nas costas, toda astuta,
tenta me passar a perna, achando que não conheço sua rotina.
— Não dá nada, que eu sei!
Toco no seu nariz, e ela põe a mãozinha na boca, gargalhando
engraçado, por ter sido pega no pulo e não ter conseguido me enganar. Não
consigo evitar a risada por sua tentativa de trambicagem. Uma bela
trapaceira mirim, isso sim!
De repente, sinto meu corpo esmorecer quando vejo mais à frente a
mulher do semáforo novamente, andando com um carrinho de feira em
minha direção. Passa apressada para diminuir a distância entre nós. Nesse
momento, algumas memórias assombrosas castigam meu estômago,
recriando uma péssima sensação de reviver o Antônio de anos atrás, um
Antônio que abomino. Percebendo que ela quer se aproximar por alguma
razão, então carrego Serena no colo, para que eu ande no meu ritmo e não
no dela. Antes que a mulher possa descobrir que minha filha estuda aqui
perto pelo fardamento, saio disparado para o outro lado da rua. Aproveito o
movimento do horário para me misturar.
Espero que ela volte a desaparecer da mesma forma que fez quando
eu tinha oito anos, sem rastros ou qualquer aviso, porque não estou a fim de
a ter atormentando minha vida após tantos anos. Da primeira vez, já fez
estragos suficientes.
19
ANTÔNIO GONZÁLEZ
No final da tarde, antes de entrar no colégio de Serena para buscá-la,
escuto um tumulto e uma movimentação anormal atrás dos portões. O pátio
está cheio de crianças, como de costume e várias vans escolares estão na
porta. Antes que eu entenda o que está havendo lá dentro, Serena corre até
mim, esbaforida, agarrando minhas pernas, amedrontada com algo. Ela está
cheia de adrenalina e assustada, o que me deixa espantado.
— Papai, papai, o moço disse que eu não posso brincar com o Enzo
porque sou nojenta. É verdade?
— Ele quem? Quem disse isso?
Eu a trago para meu colo, para entender direito a história, e vejo ali
próximo um homem segurando a mão de uma criança sem se importar com
a brutalidade de estar sacudindo o menino enquanto esbraveja com a
diretora do colégio cheio de autoridade. Ele está praticamente a
intimidando, sem sequer ter a educação de perceber que aqui não é sua casa.
Eu me aproximo com minha filha nos braços, afinal ela está envolvida de
alguma forma e quero resolver qualquer coisa que ela possa ter feito.
— Não admito que um colégio desse nível esteja ofertando bolsas,
para chegar a ponto de ter esses tipinhos estudando com meu filho. Na
minha época, esse povinho estava no zoológico e não no meio de gente! Eu
não a quero com meu filho novamente!
Eu o escuto aos berros, o homem cospe as palavras com visível nojo,
indignado, e logo percebo qual é o grande problema aqui. Volto a olhar para
Serena, que está com a fisionomia triste, me segurando firme pela camisa.
Ainda que esteja em meus braços, sendo protegida, sinto meu sangue ferver
como nunca. Quero esmurrar a cara desse salafrário como uma pessoa
irracional, para que isso jamais aconteça mais uma vez.
— Por que ele não gosta de mim? Eu não fiz nada, papai!
Serena tenta me explicar, toda culpada, como se estivesse alguma
culpa, e isso é uma perversidade sem tamanho. Ela só tem quatro anos e
sequer sabe o que fez de errado para terem a tratado mal, já que
aparentemente estava apenas brincando. Seus olhos caídos e os cantos da
boquinha virados para baixo demonstram o que está sentindo. Escutar
minha filha choramingar por algo que não compreende totalmente, mas que
a magoou nitidamente, é de sangrar a alma, ainda mais por tal motivo.
E não deixo de pensar em Vanessa também, que com certeza deve ter
passado por esses tipos de coisas em algum momento da vida, mesmo sendo
filha de fazendeiro com muitas propriedades. Minha filha, nem estando no
melhor colégio da cidade, passou isenta por isso, imagina ela. Ainda que
não nos conhecêssemos há muito tempo, me sinto enraivecido por não ter
estado lá para protegê-la também quando precisou.
Talvez seja um dos seus receios, quando ela me contou que não sabia
se fechariam negócios por ela ser quem é.
Mas comigo não tem diálogo para isso. Se ele não quer que minha
filha toque no dele por ele ser um filho da puta racista, quero ver o que
pensa da minha mão branca socando a cara dele em um murro inesquecível,
com o mesmo peso da sua estupidez, para aprender a respeitar.
— Não é verdade, pequena, você é incrível, nunca deixe ninguém
falar que não!
Estendo a palma da minha mão para ela, que bate com a sua
minúscula mãozinha, enquanto limpa as lágrimas com a outra mão. Eu a
deixo no chão, me certificando que ficará bem ali, enquanto vou
rapidamente em direção ao cara que ainda discute com Eugênia. Eu o
empurro sem aviso prévio, para que possamos conversar de homem para
homem. Meu jeito de resolver esse assunto é um só, e conversa não vai
adiantar. Ele está grandinho demais para não ter entendido antes, então faço
questão de mostrar a esses tipos de babaca a não mexer mais com minha
filha ou qualquer outra criança.
— Eu sou o pai da criança que chamou de nojenta. — Eu me
aproximo mais, explodindo de ódio, mas ele parece atônito, provavelmente
me reconhecendo. — Mas o único aqui que me faz ter repulsa é você!
— Antônio… Não sabia que era sua filha. Adotou quando?
Quando de forma confusa tenta pedir desculpas da boca para fora,
nego com a cabeça, o interrompendo. Não quero escutar essa balela,
principalmente dele achar que a menina seria adotada, sendo que ela é a
minha cara!
— E faz diferença ser ou não ser? Continua sendo uma criança de
quatro anos!
Com a indignação entalada na garganta e sentindo a raiva consumir
todo meu corpo como fogo, estou pronto para explodir e dar um soco
pesado, apenas um só, que carregue toda essa ebulição. Acerto sua cara em
um aviso, em um golpe forte e certeiro que gera um barulho oco de pura
dor. Ele cambaleia para trás, pondo a mão no rosto vermelho.
Teve sorte que não quebrei o nariz.
— Fale qualquer merda à minha filha novamente, e vai parar na UTI,
filho da puta!
Percebo que Eugênia aparece para me segurar, na tentativa de conter a
briga. Não estendo o assunto, tendo respeito por ser um ambiente escolar,
com crianças pequenas, todas assustadas, inclusive o filho dele. E há os
outros responsáveis que viram parte da briga. Se bem que eu nem ligo, que
se fodam. Pego Serena, que está apavorada no cantinho, e ela se refugia no
meu pescoço, me agarrando forte. Sinto seu coração bombeando de forma
violenta. Caminho disposto a ir embora, revoltado com a situação. Só quero
tirar minha filha de uma vez desse lugar para acalmá-la e finalizar o
tumulto. Nenhuma dessas crianças merece ver dois adultos partirem para
violência. Se ele for sensato, não virá atrás de mim, porque apenas um soco
não foi o suficiente para aplacar minha raiva e revolta.
— Senhor González… — Eugênia tenta acompanhar meus passos.
Beijo Serena repetidas vezes, a segurando firme nos meus braços,
toda encolhida, para protegê-la de toda essa merda. E enquanto eu estiver
vivo, isso jamais acontecerá novamente. E se acontecer, meus dois punhos
estão aqui, sedentos para que ela jamais passe por isso novamente.
— Eugênia, tome as medidas cabíveis, já que é dona disso aqui. Não
quero nota de repúdio, nem nada disso, faça o que tem de ser feito para ele
ser punido. Se não quiser que eu tome minhas próprias iniciativas e apareça
aqui amanhã com polícia e o caralho todo!
De forma dura, dou meu recado para que isso não passe batido, pois é
inadmissível!

Sabe o momento em que eu disse que seria totalmente fácil cuidar de


Serena por um dia inteiro sem qualquer ajuda?
Eu estava completamente errado. A criança está aos berros, toda
dengosa. Nada parece agradá-la. Já bagunçou os brinquedos, nenhum
desenho segura sua atenção e mesmo quase chegando no horário de dormir,
parece não desacelerar. Está sendo uma verdadeira maratona que estou
tentando contornar de todas as maneiras em vão. Sei que é falta da mãe,
está estranhando a mudança da rotina por ter apenas eu hoje. E não a julgo,
também está sendo diferente para mim. Até mesmo na hora do banho foi
um tumulto, não parava quieta, para vesti-la pareceu que estava tentando
desarmar uma bomba. Eu deixei que ela escolhesse o próprio pijama para
que ficasse feliz, mesmo que esteja com uma combinação esquisita de
peças.
Seus cabelos, não consegui pentear, ela mesma prendeu do jeito dela
e eu também deixei, só para que ela não chorasse.
O verdadeiro caos.
Ela estava tristinha desde que chegou do colégio e fiz de tudo para
deixá-la com um humor melhor. Jantamos pizza, para que ela ficasse feliz,
de barriga cheia e dormisse com facilidade.
— Diga o que você quer, filha, qualquer coisa, que eu faço —
imploro para a criança em meu colo, que continua choramingando de
saudades, não me dizendo o que eu tenho que fazer para que ela fique feliz.
Mas nada faz efeito.
Serena sempre foi boazinha comigo em todas as vezes, mas parece
que combinou com Vanessa para que me desse o máximo de trabalho
possível, para que eu ligue pedindo socorro, desesperado. Não farei isso, se
eu disse que sou capaz de cuidar, serei. Se eu ligar avisando que a menina
está dessa forma por falta dela, capaz de Vanessa vir de patinete hoje
mesmo.
Ela me mandou mil mensagens a cada cinco minutos praticamente,
desde a hora que embarcou. Quer saber da menina o tempo todo, então a
tranquilizei avisando que tudo estava sob controle. Assim não será a uma
hora dessas que vou ligar dizendo o inverso. Daqui a pouco, Serena se
acostuma comigo, só precisamos de tempo para isso. Quero cuidar dela sem
interferência, até porque futuramente não pretendo ligar para Vanessa a
cada cinco minutos.
— Papai, quero mingau — pede, com os olhinhos molhados,
bocejando, e sei que está quase no seu limite de sono.
— Claro, seu papai faz.
Concordo, adorando ser chamado assim, mesmo sem fazer ideia como
é que se prepara. Vanessa é quem sempre deixava pronto, e eu entregava o
copo a Serena antes de dormir ou no meio da noite, quando ela dormia mais
cedo. Mas sei que se essa menina não tomar esse copo de mingau, não
dormirá. Para entretê-la e fazê-la se acalmar enquanto não providencio,
lembro do seu desenho favorito e recorro a ele, colocando o filme da Tiana.
Eu a deito no sofá com sua mantinha, e ela não protesta, voltando a ser a
menina boazinha de sempre.
Tirando a maquiagem do meu rosto e sabendo que Vanessa vai surtar
quando ver a bagunça que fizemos na parte dela do closet, pois até isso
deixei que Serena fizesse comigo, na tentativa de agradar, em uma medida
desesperada, confesso, ligo para o único que pode me dizer como faz o
mingau da menina e podermos descansar desse dia tumultuado.
E não demora para ele atender.
— Cara, preciso da sua ajuda. Estou sozinho com Serena, como é que
faz mingau, pelo amor do Pai? — imploro.
Escuto a maldita gargalhada em deboche. Ele mais que ninguém está
amando toda essa minha decadência. Nem nos meus melhores sonhos
imaginaria tal situação. Eu ri dele com Margot, agora é sua vez de rir de
mim. Como dizem, quem ri por último ri melhor.
Estão se divertindo com essa situação mais do que qualquer um, eles
se merecem mesmo!
E após ser salvo por Augusto, mesmo tendo que engolir suas ironias e
fazendo seu momento de diversão da noite, entrego a bebida à menina, que
se mantém confortável no sofá assistindo ao filme de dois sapos falantes
como se fosse a primeira vez. Sento ao seu lado para descansar a mente e
ter esse momento mais tranquilo com ela, enquanto a vejo repetir as falas
baixinho.
Podemos ver que minha filha é maluca!
No final do filme, olho para minha filha já adormecida em meu colo,
mergulhada em um sono profundo e gostoso. Eu sequer percebi quando caiu
no sono, fiquei fissurado no filme, querendo saber se eles voltariam a ser
humanos, e me peguei com olhos úmidos no final. Porra, ela conseguiu
realizar o sonho de criança de ter um restaurante de sucesso, como seu pai
queria!
Ainda bem que estou sozinho com Serena, espero que ninguém nunca
saiba que isso aconteceu. Essa criança está me fazendo queimar a língua de
tantas maneiras, que nem sei mais o que pode acontecer. Ela me quebra
completamente!
Com cuidado, a pego no colo, sorrindo apaixonado por essa pestinha
que virou minha vida de ponta a cabeça. Os cabelinhos cacheados como os
de Vanessa, só que dourados como o meu, e a pele tão coradinha e as
bochechinhas a torna ainda mais linda, seus traços infantis, mas tão
característicos, são uma fusão muito bem feita de nós dois. Nunca pensei
me apaixonar por ninguém, mas pelo visto meu coração foi arrebatado por
essa menina bem rápido. Diferente das outras pessoas que passaram pela
minha vida e tentaram ser o centro das minhas atenções, eu a desejo muito e
sei que só terei a ganhar. Agora tenho alguém por quem lutar e defender,
pelo tanto de amor que me faz sentir e que eu nem sabia que poderia existir.
Não imagino mais a vida sem essa pestinha adorável de tão
apaixonante!
Quero e estou tentando ser o melhor exemplo de pai para ela, para
amenizar a falta nos primeiros anos, porque é isso que ficará na sua
lembrança. Ela guardará nossos momentos, bons ou ruins, e é por isso que
me esforço tanto para preencher qualquer lacuna, e isso inclui permanecer
neutro em relação à mãe dela, independente do que somos e do nosso
futuro. A regra é não envolver de forma alguma nossa filha em qualquer
desavença. Estou tentando manter o clima mais amigável no limite do
possível justamente por isso, porque uma coisa que eu aprendi na vida é que
relação de pai e filho é sagrada, as lembranças permanecem por toda a vida.
Jamais quero que minha filha vivencie certas situações que vivenciei
na minha infância. Inevitavelmente penso na mulher do semáforo, que de
repente voltou à minha vida. Penso em como seria tudo diferente se ela não
tivesse ido embora. Mas não adianta pensar, não tem como mudar o
passado, e ela não faz parte da minha vida.
Suspiro, sabendo que esse assunto ainda me chateia. Levanto do sofá
com a pestinha nos braços, seguindo em direção ao corredor vazio. Sinto a
casa silenciosa demais com só ela e eu aqui, é estranho demais Vanessa não
estar aqui também ocupando o ambiente comigo. Mesmo que eu tenha
morado sozinho minha vida inteira praticamente, nesses poucos meses aqui
se tornou uma rotina vê-la todo dia, enchendo meu saco com suas manias
chatas e barulhos característicos de estalar a língua, quando está distraída,
encher o café de açúcar como se fosse mel, o que me dá nos nervos todas as
vezes. O problema é que é diferente demais não a ter aqui, mesmo que só
por hoje. É monótono, chega até mesmo a ser chato e vazio, como se algo
estivesse fora de ordem, incompleto e até mesmo a casa estivesse com falta
dela. Nada está a mesma coisa, vejam só, a lua está feia.
E eu nunca fui de reparar a lua.
Ao menos tenho agora um indício de como será quando o divórcio
sair. Acredito que falte bem pouco para termos a guarda compartilhada, já
que tudo que ela precisa é um contrato para que isso aconteça, e ela foi lá
para conquistar.
Meu estômago gela de um jeito esquisito quanto chego a essa
conclusão, sabendo que daqui a poucos meses minha vida será a mesma de
antes. Tal pensamento dá lugar a uma inquietação dentro de mim. Pensar no
rumo da minha própria vida causa uma confusão de sensações. Não consigo
assimilar direito meu futuro, sinto até mesmo temor ao imaginar esse
momento, antes mesmo de acontecer de fato.
Como se soubesse que pensava nela, Vanessa manda mensagem, e só
de ler seu nome, sinto um peso ainda mais estranho no peito.
“Como estão as coisas aí?’’ ✓✓
“Estamos bem’’ ✓✓
“Não gostei do tom dessa mensagem, aconteceu alguma coisa?’’
✓✓
Como se fosse uma bruxa disfarçada com uma intuição muito forte ou
uma pessoa que me conhece como a palma da sua mão, Vanessa percebe em
uma simples mensagem que eu estou insosso. Porque me sinto exatamente
dessa forma, cheio de dilemas, em uma oscilação sufocante de pequenas
crises, me fazendo ter questionamentos internos antes inexistentes, desde
que aquela maldita mulher ressurgiu, após trinta anos.
Vanessa não espera minha resposta, faz uma chamada de vídeo em
vez de enviar outra mensagem.
— Cadê a minha filha, canalha?
De coque no alto da cabeça retirando a maquiagem, ela questiona,
curiosa. Abro um sorriso automaticamente.
— Onde você gostaria de estar. Nos meus braços.
Viro a câmera para que ela veja a menina adormecida, provocando-a
só para vê-la revirar os olhos. E é exatamente o que faz, me fazendo rir
ainda mais.
— Tadinho, além de tudo é iludido. Liguei para me certificar que
estava bem. Agora vou dormir para amanhã chegar logo, estou mortinha de
saudades!
— Já, Vanessa? Me viu pela manhã.
Pisco um olho, mudando o sentido da sua frase. Sigo jogando com
nossa dinâmica passiva-agressiva de ser. Um provocando o outro em toda e
qualquer situação, como se tivéssemos a relação mais amena do mundo. Ela
cruza os braços, arqueando uma das sobrancelhas com ironia e desdém.
— Se toca, cretino! Boa noite!
Mostrando que sua mania favorita é me esnobar e acabar com minha
diversão sem um pingo de respeito, ela se despede, desligando logo em
seguida. Eu me pego sorrindo enquanto encaro o celular. Noto a sensação
de leveza que me percorre só porque ela falou comigo, mudando o clima
apático, e ao perceber isso, rapidamente volto à fisionomia séria, retraído,
evitando pensar em qualquer outra coisa que não seja Vanessa, que, mesmo
de longe, tem algum tipo de influência sobre mim, se faz presente e notável.
Não sei se isso deveria estar acontecendo a esse ponto, já que andei
esquecendo que ela é minha desafeta antes de qualquer coisa.
Tudo anda tão embaralhado, que estou mentalmente confuso, eu não
me sinto eu mesmo e sinto saudade do velho Antônio de sempre, de quando
tudo era descomplicado. Quero isso de volta, apenas para garantir que
continuo o mesmo o homem de sempre, que ama e se satisfaz com a própria
liberdade, vive de forma independente sem preocupações. O homem de
encontros casuais, que ficou com mulheres distintas por muitos anos e se
mantém íntegro às suas próprias promessas de ser o que sempre foi. A única
mudança que quero manter na minha vida é ter Serena nela. Disso, jamais
abrirei mão!
20
VANESSA VERSAILLES
Arrasto minha mala para dentro do prédio, cheia de novidades para
contar e morrendo de saudades, quando vejo algo inconfundível no
playground do condomínio, já é final da tarde e o espaço está bem pouco
movimentado.
Antônio brinca com Serena na gangorra. Só que é ela quem o
empurra, como se o pai não tivesse quase dois metros de altura e trinta e
tantos anos. Eles parecem se divertir juntos, ela gargalha tão gostoso, que
acabo rindo junto, vendo Serena tentando fazer Antônio se mover com
todas as suas forças, sem sucesso. Imagino que ele provavelmente a trouxe
para cá para passear e gastar energia, não é qualquer um que consegue ficar
trancafiado muito tempo com ela em casa. Só de estarem vivos, fico
aliviada: jurava que encontraria a casa pegando fogo ou que ele me ligaria
desesperado, mas nada disso aconteceu, e eu estou satisfeita.
Surpresa acima de tudo.
Minha filha me enxerga de longe e abre seu sorrisão e os braços,
gritando e correndo na minha direção, fazendo com que Antônio olhe para
trás. A pequena pula em mim feito um bicho-preguiça, só que eufórica, e eu
solto tudo que carregava para abraçá-la apertado, precisando dessa recarga
de energia que só minha filha me proporciona. Vinte e quatro horas nunca
passaram tão devagar, ainda que tenha sido um dia produtivo e cheio de
coisas para resolver. A saudade bateu forte, tanto em mim quanto nela, a
julgar por esse abraço.
— Mamãe, que saudade! O papai faz mingau ruim! — Ela já vem se
queixando enquanto se aninha mais em mim, toda elétrica, e eu gargalho.
— E ele esqueceu de colocar a Tiana na minha mochila hoje!
— Já vai fazer fofoca? E você tomou todo! — Antônio nos alcança,
se defendendo e pegando minha mala ao meu lado para subirmos. Os dois
me contam como foi a experiência de ficarem a sós, sem mim
intermediando o contato nas últimas horas.
— Eu estava com fome! — ela argumenta, se defendendo também.
Claramente ambos têm idades mentais similares, só não sei se Serena
é uma mini-adulta ou se Antônio é quem tem quatro anos. As duas
sugestões são bem prováveis.
— Pelo jeito, as coisas aqui foram ótimas! — averiguo, bem-
humorada, afastando a mão ávida de Serena do painel do elevador e
beijando sua bochecha repetidas vezes.
— Eu disse que tirava de letra.
Recostado na cabine metálica, de braços cruzados, Antônio, com seu
grande ego, faz parecer que foi a coisa mais fácil do mundo.
— Não quis chorar nenhuma vez, Antônio? — pergunto com
descrença, mesmo sabendo que ele não vai admitir. — Sua expressão diz o
contrário, me diz que alguma coisa aconteceu enquanto estive fora.
Rio, vendo seu cansaço. Provavelmente Serena deu uma canseira
nele. Noto que seu sorriso murcha, e ele muda de comportamento, ficando
um pouco tenso e desviando o olhar do meu. Porém, logo disfarça com
rapidez, saindo pela tangente antes mesmo que eu questione se realmente
aconteceu algo que eu precise me preocupar. Antônio parece estranho e
inquieto com algo, mas nem adianta perguntar, ele é do tipo que se fecha, é
reservado quanto aos sentimentos. Antônio não admite intromissões nos
seus problemas e gosta de lidar sozinho com tudo, do seu jeito. Isso cria um
muro entre nós, reforçando que eu não devo me aproximar quando ele fica
mentalmente recluso.
Ele anda bastante esquisito ultimamente, isso é inegável, e eu não
faço ideia do que pode ser. Antônio vem me deixando completamente
confusa com sua oscilação brusca de humor.
— Não, eu disse que me sairia muito bem. Conta a ela, filha, com
quem você gosta mais de ficar...
— Papai, você é legal, mas eu gosto mais da mamãe, seu mingau é
ruim! — Ela mostra a realidade dos fatos, de forma clara.
Gargalho mais alto, mal me contendo pelo passa-fora que tomou.
Minha filha que me acompanha, tirando sarro do próprio pai, enquanto
aponta para ele e sua cara de tacho. Antônio tenta manter a postura altiva,
mas acaba rindo quando percebe que não tem argumentos para rebater uma
criança de quatro anos. Isso derruba toda sua marra.
— Você é falsa, Serena, estava amando ficar comigo!
Serena, sorrateira, estende os braços para ele, indo para seu colo para
tapeá-lo, e ele cai direitinho.
— Papai, eu gosto, mas eu gosto mais do mingau da mamãe!
Ela desata a gargalhar, debochando, e eu acabo achando graça dela
rindo de si mesma. Parece que pari um tio do pavê.
— Moral para quê? — Antônio nega com a cabeça, não resistindo ao
senso de humor da menina e sua risada engraçada. — Como foram as coisas
por lá, Van?
Sua atenção se volta para mim, e sinto um gelo na espinha.
Desajeitada, cruzo os braços, envergonhada por ele estar me tratando por
apelidos e me chamando assim com uma certa frequência.
— Foi uma boa negociação, positiva para ambas, e já assinei o
contrato. Mas depois te conto os detalhes, no momento estou morrendo de
fome e de saudades da minha filha!
Sorrio abertamente, vendo a interação dos dois tão unidos, juntinhos,
amando essa amizade que construíram. Sinto um quentinho no peito, uma
felicidade genuína em estar de volta em casa.

— Ao sucesso da vinícola Versailles!


Giro a cabeça, percebendo a presença de Antônio. Está descalço, a
casa silenciosa com Serena já dormindo após tomar meu mingau, que ela
implorou que eu fizesse. Ele estoura a garrafa de espumante da minha
marca para que possamos comemorar no melhor estilo. Está com um sorriso
de orelha a orelha, cabeça para o lado e taça suspensa, como se fosse
Antônio quem tivesse conquistado o negócio.
Quando cheguei, vi que ambos haviam preparado o jantar para mim,
me mimando, e agora isso? Desse jeito, fico mal-acostumada!
— Ao contrato assinado! — Aceitando o brinde, beberico sem parar
de olhá-lo por cima da taça. — Todos gostaram muito do rótulo, querem o
produto para o mais breve possível. Estou preocupada de ter dado sorte e as
coisas acabarem não saindo como penso.
Suspiro de olhos fechados, recostada na sacada do quarto,
aproveitando a brisa. Ainda não consigo comemorar esse passo tão
significativo. Antônio se junta a mim, encostando seu corpo quente, duro e
resistente nas minhas costas. Ele dá um beijo na minha nuca, me
arrepiando. Mesmo assim, me mantenho pensativa a respeito das próximas
decisões da vida. Tento expulsar a insegurança de não saber se as coisas
realmente vão dar certo, se tudo isso é um alarme falso. Eu me sinto a um
passo de realizar meu maior sonho, mas estou com muito medo!
Meu corpo é girado pelos ombros, e quando abro os olhos, o vejo de
baixo para cima. Dou de cara com esse homem imenso, que impõe presença
com tão pouco. Ele me encara com profundidade, a ponto de fazer meu
estômago se agitar e revirar.
— Você não é sortuda. É competente, e sei que fará o seu melhor com
essa oportunidade. Cadê a mulher decidida que eu conheço?
Antônio fala com convicção, sem nem mesmo hesitar. Ele fica
simplesmente muito gostoso quando resolve ser desse jeito, me falando
essas coisas e me passando toda essa rede de proteção e segurança, mesmo
não tendo obrigação. Simplesmente me excita a crença dele em mim.
— Não me olhe desse jeito pidão, Vanessa, se não quer que eu te foda
aqui e agora — Antônio me alerta com sua voz grave, bastante erótica.
Percebo que meus pensamentos transparecem em minha face e engulo em
seco, com o pé da barriga se contorcendo.
— E quem disse que eu quero que você me foda?
Arqueio as sobrancelhas, deixando no ar o desafio, desdenhando.
Passeio com o dedo deliberadamente na borda da taça e me deixo ser
envolvida pelo momento. Antônio, que adora um desafio, me olha daquele
jeito que me fará pagar com a língua; sorrio, atiçada com a aura devassa que
sempre surge entre a gente.
O desgraçado, de forma bruta, me agarra pelos cabelos, todo mandão,
escorregando os dedos ágeis por entre minhas pernas, para dentro da minha
calcinha, e percebendo que já estou encharcada. Ele faz um carinho gostoso
enquanto mantém o sorriso firme e quase sádico para mim, o olhar lascivo
mostrando que há muito por trás disso. Ele me vê ofegar, abrindo mais as
pernas enfraquecidas, me sinto buscando por mais.
— Como eu já esperava, sua boceta diz o contrário do que você fala.
E eu vou fodê-la com minha boca.
Ele roça os lábios quentes nos meus, rasgando as laterais da minha
calcinha com um gesto bruto. O tecido cai entre minhas pernas.
— A-aqui, na sacada?
— Está com medo de que, cretina? — provoca, mordiscando minha
mandíbula, beijando meu pescoço, me eriçando.
O clima de duelo entre nós sempre está presente e acaba
intensificando toda a tensão sexual.
— Não estou com medo, acho que você esqueceu que a gente já
fodeu em uma jacuzzi no Caribe, né?
Estou insegura de sermos vistos por alguém, mesmo estando em um
andar bem alto. Odeio seu cinismo, então o seguro pelos ombros, sorrindo,
decidida. Faço pressão para que ele desça para me chupar, e Antônio,
obediente, desce sorrindo. Sinto tudo revirar em mim, cheia de comichões
entre as pernas, excitada pela aventura de receber um oral ao ar livre. Nesse
momento, jogo a porra da razão para qualquer outro lugar, como sempre
acontece quando estamos no mesmo ambiente.
Antônio é um homem viril e cheiroso, envolvente e sedutor, o que me
deixa extremamente atiçada. Ele faz com que tudo aflore em mim sem que
eu consiga me conter. Antônio me deixa tão entorpecida, é como se eu
estivesse inebriada por ele, tremendo de tanto tesão. Tudo parece correto,
não consigo deter esse sentimento que está me dominando e me deixando à
mercê. Estou sempre de mãos atadas e boceta úmida, de tão promíscua que
são as sensações que me causa.
É como se eu estivesse sempre na palma das suas grandes mãos.
Quanto mais o renego, mais meu corpo se rende às suas malditas investidas!
Sufoco um gemido, estremecida, quando sua língua entra em contato
com minhas carnes quentes e úmidas, em uma chupada generosa que treme
tudo. Ele me apoia firme pela bunda, agarrando minhas carnes com força e
pondo minha coxa em seu ombro, para ter mais acesso a mim. Ofego,
trêmula, com as pernas vacilantes, sentindo sua língua quente e molhada
atingir os lugares certos, maltratando minha boceta. Agarro seus cabelos
firmes pela raiz, sem ser cuidadosa e sem deixar de rebolar na sua boca,
querendo e sentindo necessidade de mais. Sinto fagulhas se espalhando pelo
meu corpo, e já estou totalmente entregue, arqueando as costas a cada golpe
da sua língua. Eu me sustento com força no ferro da sacada, sobressaltando
a cada vez que ele atinge um ponto específico. Estou toda eriçada com
Antônio me chupando com fome, em um prazer tórrido!
Antônio não faz nada meia-boca, ele se lambuza entre minhas pernas,
chupa, me mordisca levemente, só para em seguida acariciar com a língua,
me torturando gostoso. Ele se mantém implacável, me chupando com
determinação. Sente um prazer genuíno em ter a língua molhada e macia
me dando um prazer absoluto. Ele usa minhas reações para ir mais certeiro
no lugar onde sou mais sensível. Fecho os olhos e aproveito cada sensação
maravilhosa que me proporciona com a boca, até que começo a me
contorcer em espasmos curtos, puxando e repuxando seus cabelos com
força. Porém Antônio interrompe, me deixando ali por um triz.
— No meu pau, cretina, é no meu pau que eu quero que você goze
gostoso! — determina, com os lábios lambuzados do tesão que escorria
entre minhas pernas. Sua sugestão faz todo o meu corpo tremer de pura e
sincera ansiedade.
Antônio abre o zíper do próprio short, o contorno do seu pau é nítido
na cueca boxer. Seus olhos fulminantes me encaram, me puxando
novamente daquele jeito possessivo. Suas mãos fortes na minha pele
arrepiada são o prenúncio de um beijo tórrido, entrelaçando nossas línguas
de modo ávido. Sinto meu próprio gosto, sendo consumida pela luxúria que
só Antônio consegue me envolver.
O devasso me agarra pelas pernas, cheio de intenções comigo, e eu
enrosco minhas pernas na sua cintura, sendo espremida por ele na parede do
outro lado da sacada com ferocidade. Eu o agarro pelo pescoço, o puxando
para mim em um beijo bruto e faminto. E ele corresponde com a mesma
sede, esquecendo todas as promessas de não fazermos mais isso, com a
mesma selvageria, chupando minha língua, deixando aflorar todos os
sentimentos carnais, mesmo que sem envolvimento afetivo algum.
Nessa posição, ele escorrega para dentro com vontade, e o sinto me
invadir com profundidade e rapidez, dando solavancos em meu corpo a
cada investida. Antônio entra e sai com ferocidade, e eu me agarro em seu
corpo. Estamos atracados para quem quiser nos ver, tornando tudo mais
excitante. Eu me sinto ser consumida por ele cada vez mais, como se
quisesse me atormentar. Eu rio em puro deleite, sendo a grande safada que
ele me faz ser. Antônio é implacável, me fodendo gostoso, como se
estivesse descarregando qualquer incômodo em mim, pois age de forma
energética e insana. Minhas costas batem na parede de forma cada vez mais
forte, elevando a violência com que nossos corpos requisitam o outro.
Quase deliro sem ar, de tão intenso que ele se move.
Eu não questiono, apenas aproveito, querendo que minha consciência
pare de gritar, que seja tomada por Antônio, nem que seja
momentaneamente, porque também estou em completa desordem. Há
muitas coisas pendentes que precisaremos enfrentar sem hesitação, mas
agora estou em absoluto descontrole, assim como ele. Só de pensar quão
inconsistente pode se tornar esse futuro se um simples exame mostrar dois
palitinhos em vez de um, já sinto um bolo na garganta. Não tive coragem de
fazer o teste até agora.
Usamos o corpo do outro como rota de fuga, e isso é um acordo
silencioso que nem discutimos mais. Odeio sentir essa sensação que
Antônio impõe, de que é o único capaz de me reverter os meus tormentos e
trazer de volta a calmaria, como se estar com ele me anestesiasse.
Tony decide nos levar para dentro, e caímos juntos na cama, tornando
tudo ainda mais intenso. Comigo por baixo, sua mão vai para meu pescoço,
e ele consegue ter mais controle para me foder com mais intensidade, de
modo mais selvagem, erótico e caótico em um sexo intenso que fizemos.
Tento sufocar mais os gemidos que me escapam a cada vez que o sinto todo
dentro de mim. Finco as unhas sem dó no seu pulso, mal aguentando tudo
que ele é, no ápice do tesão, como se estivesse me punindo por algo.
Uma punição gostosa demais para que eu reclame, para que tente
entender o motivo que o levou a estar dessa forma.
— Deixe que saibam que está sendo bem fodida! — ofegante pelos
movimentos, Antônio me atiça com sua voz rouca, me fazendo sentir mais
prazer e me levando a arranhar suas costas suadas. Sou dominada pelo seu
corpo enorme e por sua possessividade, as peles ardentes uma colada à
outra. Tudo é tão intenso com ele, que sequer sei como explicar. Esqueço
tudo que há ao nosso redor. É um frenesi tão bom, que estou desejando não
sair desse momento tão cedo. Não quero encarar toda a realidade que nos
espera, prefiro só focar no prazer que Antônio me proporciona.
Gemo satisfeita, só que em seu ouvido, a cada vez que sinto bater até
o fundo e voltar com firmeza, indo novamente do mesmo jeito, de forma
perfeita, deliciosa. Até que me acabo ali, presa em seus braços,
praticamente sem ar e cheia de pequenos furacões na corrente sanguínea.
Encarando-o no fundo dos seus olhos, buscando algo que nem sei o
que é, mas que parece ser necessário, chegamos ao ápice quase que ao
mesmo tempo, como dois insanos, marcando o outro como conseguimos.
Queremos nos tornar apenas um a todo e qualquer custo, em uma espécie de
dependência e desespero mútuo. Eu tenho vontade até mesmo de chorar,
sinto o peito cheio de incertezas a ponto de explodir.
A perfeita imagem do desespero e de um pandemônio.
Sem forças, me mantenho ali, repousando a cabeça em seu peito largo
e suado, ofegante, com o rosto no seu pescoço, e aspirando seu cheiro
másculo. Sinto seu abraço forte me segurando possessivamente, tão
impactado quanto eu pelo modo como nos incendiamos. Sinto algo próximo
a proteção e acolhimento, o que há muito tempo eu não sentia.
É como se fôssemos naturalmente um do outro, mesmo que seja um
completo absurdo pensar dessa forma.
— Eu odeio o fato de a gente transar tão gostoso! — Ele fala sério,
rosnando.
E sabe o que é pior?
— É recíproco, odeio ainda mais ter que admitir isso também, deveria
ser ruim! — inconformada, concordo plenamente.
— Deveria, cretina, deveria. Já percebeu que a insensatez é nosso
combustível?
— Te odeio por isso também... — Antônio mantém a mão na minha
bunda, apertando para sentir as carnes. Respiro fundo antes de soltar a
novidade: — Dei entrada no divórcio essa manhã, com processo de guarda
compartilhada e tudo como combinamos. O advogado vai preparar a
papelada para assinarmos assim que ficar pronto — anuncio de uma só vez,
de olhos fechados e garganta seca, sem esperar um momento adequado para
informá-lo. Prendo a respiração para esperar sua resposta. É o que
queremos, e eu sempre cumpro minhas promessas. Não hesitei em fazer o
pedido assim que conquistei o primeiro cliente bom, mas é tão estranho
anunciar isso, ainda mais estando nessa situação de pós-foda
enlouquecedora. Percebo a linguagem corporal de Antônio mudar. Ele
permanece em silêncio por breves segundos antes de suspirar.
— A noite não poderia acabar melhor! — ele solta com aparente
satisfação, voltando a se calar em seguida.
O clima se torna o oposto daquele que estávamos, e eu concordo por
alto com suas afirmações, forçando um sorriso e me sentindo estranha só de
pensar em como será quando esse momento chegar. Afinal, tudo isso aqui é
temporário, nenhum de nós quer prolongar essa situação, temos planos em
que o outro não se encaixa. Vou ter finalmente a vida que tanto sonhei e
lutei, e ele também terá sua vida de volta, como tanto preza!
Tudo está saindo exatamente como planejamos, mas por que estou
com um frio angustiante na barriga e uma queimação no peito ao pensar
no grande dia de assinar esses malditos papéis?
21
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Com o pensamento andando na velocidade em que o carro corre na
rodovia, tento complementar as lacunas que eu mesmo abri sobre a porra do
meu futuro. Justo eu, que sempre vivi o momento sem me preocupar com
nada. A aliança reluzente em meu dedo traz mais peso que antes. A notícia
de que o divórcio já foi solicitado e que poderá sair a qualquer momento,
por se tratar de um processo consensual e amigável, me deixou dessa forma,
inconsistente, sem saber o que sentir, uma confusão ambulante. Tento
organizar essa nova etapa na minha vida com a guarda compartilhada, em
como será minha relação já tão tumultuada com Vanessa, quando
estivermos de fato separados e seguirmos a vida em caminhos distintos.
Deveria ser o pontapé inicial para tornar as coisas mais fáceis e
calmas, mas me sinto mais atormentado e inquieto do que antes. Sinto até
mesmo um amargor terrível, como se eu tivesse levado um soco muito forte
no estômago, desde que ela noticiou o que eu tanto queria ouvir. Não
consigo ainda assimilar que isso vai realmente acontecer muito em breve.
Meu único conforto vem do fato de eu manter a minha promessa de ser o
Antônio que não é de mulher alguma e que não se rende a ninguém, porque
isso jamais acontecerá comigo um dia. Isso tudo foi apenas um pequeno
desvio no percurso.
— Herbert é apenas meu enólogo, não é amante, nada disso, nunca
tivemos nada. — Vanessa chama minha atenção, se remexendo no banco.
— Por que está me contando isso de repente? — questiono intrigado,
olhando de soslaio, ainda que em sinta uma espécie... de alívio?
Afinal, Vanessa me atormentou, e muito, insinuando coisas entre os
dois. Por que então está esclarecendo tudo assim, sem que eu tenha
perguntado?
— Ele virá para a inspeção, não quero desavenças nem brigas
desnecessárias na frente de Serena.
— Mesmo se fosse, não ligo para seus relacionamentos, Vanessa. —
Tentando soar impassível, decreto isso para nós dois, odiando saber que
terei de lidar com a presença desse maldito. — E não houve nada porque
você ainda não quis, ele está esperando uma oportunidade apenas.
Vanessa me encara com confusão nos olhos, meio contrariada.
Rapidamente vejo o bico nascendo, mas não retruca, apenas suspira e solta
um muxoxo, voltando a entortar a cabeça para o lado da janela aberta.
Claramente não gostou da minha resposta. O silêncio prossegue, afinal
Serena dormiu assim que chegamos na rodovia. Ignoro a reação de Vanessa
e continuo a prestar atenção no trânsito, e ela volta para seus próprios
pensamentos.
O que eu fiz de errado agora?
Não entendo, quando eu mostrava incômodo pela amizade dela com o
panaca, era motivo de briga, agora que eu não demonstrei tanto, ela também
fica brava. Estou apenas tentando manter as coisas como deveriam ter sido
desde o início, fazer as coisas certas ao menos nessa reta final. Precisamos
ser indiferentes um ao outro, apenas o pai e a mãe de Serena, sem a aura de
briga ou confusão. Temos de manter uma distância saudável para uma
melhor convivência. É o melhor a se fazer. Reconheço que não foi o
casamento que ela esperava, mas quero que as coisas terminem da melhor
forma possível. Ainda conviveremos de alguma maneira pelo bem da nossa
filha.
Leio a placa sinalizando a entrada do município onde ela mora e vejo
as fazendas em um lado da rodovia, mostrando que deixamos a cidade para
trás há muito tempo. Decidimos sair de casa cedo para visitar a vinícola, e
além de trazê-la para sua reunião com agrônomo, já que há um bom
primeiro cliente com negócio fechado, também queria conhecer de perto
seu projeto de vida, ver os barris de fermentação e garrafas prontas para
rotulagem na vinícola Versailles. Quero ajudá-la, caso precise.
Antes de qualquer coisa, quero garantir que tudo ficará alinhado, me
certificar de que sairá dentro do nosso plano, para quando esse divórcio sair,
não haver mais pendências. Quero que Vanessa esteja plena e com a
empresa em perfeito funcionamento.
Assim que paramos o carro no meio do nada, Vanessa desce para abrir
a porteira da fazenda, vejo seu sobrenome escrito em uma placa. Serena vai
junto, corre campo a fora, sem nem esperar que o veículo entre na
propriedade, pela vasta terra verde cheia de videiras. Nem parecia que
estava adormecida dez minutos atrás.
O lugar é muito bonito e bem arborizado. Muito verde, muita relva e
uma fina estrada de terra seca no meio por onde nós passamos, bem coisa
de fazenda mesmo. Só há uma propriedade, um rancho antigo que parece
abandonado, largo, com um celeiro de madeira ao lado e um galpão enorme
logo mais atrás, que é onde deixo o carro.
— Esse é o meu paraíso! Serena ama esse lugar desde que nasceu,
sempre que venho, ela faz questão de me acompanhar.
Com nítido orgulho, Vanessa olha as terras e em seguida faz como a
filha, sai correndo ao ar livre, com os cabelos esvoaçando plantação
adentro. Rio quando percebo que aqui ela não parece tão feroz, mesmo que
mantenha a ousadia e sensualidade. Sem outra opção, ando na direção em
que as duas foram, tentando acompanhar a animação. Enquanto, conheço o
ambiente, sinto o cheiro inebriante da fruta em todos os lugares. É como se
fosse um pedacinho do paraíso em forma de fazenda.
Chego na parte da plantação e vejo as videiras enfileiradas a perder de
vista no horizonte, não demoro a encontrar as duas já com cachos de uvas
nas mãos, comendo com vontade, de boca cheia, parecem a mesma pessoa
com idades diferentes. Vanessa fez o próprio clone, treinou a menina para
ser sua cópia, nada vai tirar isso da minha cabeça.
As duas são muito garotas do campo pelo visto, mesmo que Van
pareça mais uma típica mulher da cidade na maior parte do tempo. Uma
verdadeira camaleoa, extremamente vaidosa, com roupas exageradas de
plumas, maquiagem bem marcada, mesmo que não precise de muito esforço
para ficar bonita. Vanessa gosta de ostentar certos luxos, mas também
anseia por conhecimento e independência e corre atrás de ter tudo o que
quer. É uma mulher que põe a mão na terra se precisar, sem besteiras.
Gosto de todas essas camadas que me apresenta dia após dia.
— Vem, papai, vem comer também! — Serena me inclui.
— Experimente. O espumante só pode ser produzido com três tipos
de uva. Essa é a chardonnay, é com ela que fazemos a linha brut, para quem
gosta de vinhos e espumantes que não são tão doces, pois tem um final
ainda seco. — Vanessa empurra algumas uvas na minha boca com toda a
sua delicadeza.
— Muito bom! — concordo, ainda mastigando, pegando um cacho só
para mim.
— Uvas viníferas costumam ser mais doces, com casca mais espessa
e grãos pequenos — ela me explica com naturalidade, e percebo que
Vanessa realmente ama o que faz, se sente bem aqui. — O engenheiro
chegou!
Ela me deixa para trás, ainda acelerada, indo de encontro ao homem
com aparência de fazendeiro, com direito até a chapéu para proteger do sol
quente. Ele vem acompanhado de um garotinho que se veste de maneira
similar, com botinas. E se eu for bom de memória, tenho a vaga lembrança
de que ele estava na festa do russo, junto com os Lohan, acho que são
parentes. De forma amigável, eles se cumprimentam, e o garotinho, que
julgo ser filho dele, pula no colo de Vanessa, mostrando que são bons
conhecidos.
— Cadê a Vivi, Gael? Pensei que ela viria com você, estou com
saudades da minha amiga.
— A mamãe foi na cidade, tia Van. — Quem responde é a criança.
— Então você manda um beijo para ela, Max?
O menino acena em concordância, e ela, sorrindo, o põe no chão. O
garotinho abraça Serena em cumprimento, conversando como se fossem
gente grande. Com certa frieza, mostrando seu incômodo, Vanessa me
apresenta ao homem dizendo “esse é o pai de Serena’’; parece indiferente a
olhada que dou. Em seguida, segue para as plantações novamente, para não
perder tempo, e eu acompanho logo atrás, ouvindo os dois falando sobre as
plantas.
É só isso que sou, pai de Serena, mas por que fiquei tão bravo?
— Por enquanto, nossa produção é pequena, mas o objetivo é
aumentar gradativamente — ela explica para ele, os dois analisando o
entorno. Sua expressão corporal fria mostra que Vanessa ainda está
chateada comigo e não quer muito papo.
— Eu não entendo muito sobre a produção do espumante. Em relação
ao solo areno-argiloso, está bem fértil e bem drenado, não há pragas. Mas
se não for feita a poda, tende a produzir cada vez menos cachos. Esse é o
único ponto de atenção... É proposital esse nível de drenagem no solo?
— É, estamos fazendo desse jeito porque o rendimento é baixo, o
foco é na concentração de açúcares e sabores. A quantidade de açúcar é
fundamental para permitir uma boa fermentação natural, para a conversão
do açúcar em álcool, sem necessidade de aditivos. Minha meta é fazer o
mais natural possível, para o sabor ser característico da fruta predominar no
espumante.
— Então, se continuar nessa atenção constante em irrigar sempre, a
safra será muito boa.
Ele concorda, comendo mais da fruta doce, assim como todo mundo.
Serena e Max se mantêm soltos, próximos de nós, mastigando a todo o
momento. Voltamos a andar, enquanto eles pontuam algumas coisas. Fico
como espectador, para não atrapalhar, já que não tenho nada a acrescentar
nessa etapa do processo. Com uma espécie de satisfação, a assisto trabalhar,
desenrolando o assunto com segurança e conhecimento a respeito de todo o
processo. É nítido como Vanessa brilha fazendo o que ama, reluz quando
abre a boca para falar qualquer coisa sobre seus espumantes. Às vezes acho
que ela nem percebe isso. Até mesmo seu sorriso se torna mais bonito, só
reforçando que fiz certo em decidir ajudá-la a conquistar esse sonho.
O engenheiro agrônomo não demora a ir embora, nos deixando
sozinhos em um clima bastante tenso, após ter feito o seu trabalho de
inspeção. Vanessa segue pondo um muro de frieza entre nós, ainda na
plantação. Faz questão de incluir Serena no momento, explicando as coisas
para que a menina possa sentir o amor de Vanessa por esse lugar. Eu até tiro
os óculos de sol para ver melhor a interação das duas.
Vanessa ainda vai brilhar e muito no que está se propondo a criar.
Às vezes, eu esqueço que ela tem tão pouca idade, porque o que vejo
à minha frente é um mulherão obstinado, com um futuro brilhante que vai
chegar bem rápido. E que bom que seja ela a mãe da minha filha. Com
tantos erros, esse foi o maior acerto: ter um ótimo exemplo, para Serena.
Espero que a menina tenha essa mesma garra para lutar pelos seus sonhos.
Não há como ser diferente.
A cretina suspende o olhar para mim após colocar uma florzinha atrás
da orelha, assim como sua miniatura, e me flagra a encarando. Sua
fisionomia fica confusa, então ela une as sobrancelhas em um tom
debochado.
— Você está olhando esquisito para mim.
Vanessa desvia o olhar do meu, e só aí percebo que estava olhando
demais para ela, talvez como um maníaco tarado. Ela era a única coisa que
meus olhos conseguiam enxergar, então pigarreio, voltando a ficar mais
sério. Eu me aproximo, decidido, ignorando o sentimento que aflorava
enquanto me mantinha absorto.
Porém, seu jeito de olhar fode meu juízo.
Em um ímpeto de desejo, a trago para mim pela cintura para um beijo
gostoso, na frente de Serena, entrelaçando nossas línguas de forma firme.
Eu a beijo do modo intenso que aprecio, a pegando de surpresa. Mas ela
retribui com a mesma avidez, porém de um jeito que me impacta por
inteiro. Sua mão vai para meus cabelos, agarrando forte com suas unhas
afiadas. É tão abrasador, que ela ofega desnorteada quando nos separamos,
sem ar, mesmo querendo mais.
Vanessa me deixa simplesmente irracional, caralho!
Ficamos nos encarando em silêncio por alguns segundos, ambos
presos pela proximidade dos rostos, como se fôssemos recomeçar o beijo a
qualquer momento. Eu me sinto entorpecido desse sentimento que só nós
dois compartilhamos, mas sua fisionomia rapidamente parece irritada, e ela
se afasta dos meus braços.
— Porra, Antônio, o que você acha que está fazendo?
— Matando a vontade.
— Você sabe que não pode. E se não se importa comigo, por que fez
isso? Só porque Herbert chegou? Eu já te expliquei que não temos nada,
não precisa agir dessa forma, como se eu fosse sua! — Com a respiração
trêmula, ela acusa, entendendo tudo errado. — Acho melhor a gente manter
distância hoje, fazer o que temos que fazer e pronto, por favor!
Vanessa não espera minha justificativa, irritada, foge de mim, e meu
humor azeda de vez quando me viro e vejo o desgraçado do Herbert se
aproximar, estragando meu dia. Fico tenso logo; pelo jeito, estraguei o dele
também. Sua expressão fecha quando me vê, e eu sorrio de braços cruzados.
Nós nos limitamos a um aceno breve de puro desgosto como forma de
cumprimento.
Mesmo que não tenha sido intencional, espero que ele tenha visto o
beijo. Suspendo as sobrancelhas para me certificar que o sujeito viu, e pela
sua expressão descontente, fica óbvio que é o caso. E isso não poderia ser
mais satisfatório. E isso é ridículo, me prestar a esse papel!
Herbert sabe que eu sei que ele a quer, e mesmo que Vanessa tenha
dito que nunca tiveram nada, sei que ele está apenas esperando a
oportunidade para dar o bote. Devo respeitar a autoestima dele em querê-la,
em achar que dá conta, já que claramente há uma desproporção aqui.
Aquela infeliz é mulher demais para ele, um foguete entre quatro paredes,
eu duvido que ele saiba o que fazer com um mulherão desses na cama. Ter
uma mulher dessas e não saber como a satisfazer é puro desperdício.
Não quero nem pensar em Vanessa na cama com esse desgraçado em
qualquer circunstância, porque a raiva cresce em mim de forma
desproporcional, ainda que não tenhamos nada. Espero que esse filho da
mãe vá embora o quanto antes e mantenha as garrinhas bem longe dela,
senão vou desrespeitar o pedido de Vanessa sobre não ter briga na frente de
Serena.
Achando que eu fiz de propósito, Vanessa segue me ignorando. Põe
um muro de frieza entre nós. Anda na frente como se eu nem estivesse aqui,
indo em direção ao grande galpão próximo ao casarão. Deixamos o carro
próximo dali, e o filho da puta a segue, grudado nela feito carrapato, o que
me deixa enfurecido.
Sim, eu me incomodo pela amizade e pelo entrosamento dos dois de
um jeito que nem eu compreendo. Odeio sentir que a aproximação dela com
esse fulano me tira do eixo com tanta facilidade, sendo que não deveria ser
da minha conta!
Exasperado, aprumo minha postura e cabelos, acompanhando a
conversa de trabalho dos dois.
— E o e-commerce, Vanessa?
Ridiculamente querendo me entrosar para não ficar de lado, como se
estivesse em uma competição pela sua atenção e odiando os dois de
conversinha bem na minha frente, me faço presente, mesmo percebendo sua
fisionomia feroz. Chego mais perto do seu corpo, deixando que ela fique no
meio de nós dois. Quero empurrar o babaca para bem longe, incomodado,
me sentindo possessivo como nunca antes em relação a mulher alguma. Eu
me vejo agindo como se ela fosse algo a mais na minha vida.
Tudo em mim grita posse, berra “é minha” quando se trata de
Vanessa, sendo que nunca, nunca mesmo, me importei com nada disso.
Cansei de dividir mulheres no clube, mas com Vanessa não é a mesma
coisa. Eu não gosto sequer de imaginar qualquer filho da puta com ela,
porque nenhum a merece, caralho!
— Plano para a nova safra… Essa de agora, acho que será desperdício
custear e-commerce sem ter um nome no mercado.
Ela me responde, mas só por educação, demonstrando impaciência.
Seguro em seu braço, visto que não gostei nem um pouco dessa situação, e
isso a força a parar de andar e olhar para mim. Vanessa suspira, cruzando os
braços. Nunca vi tanta determinação e rigidez em uma mulher tão pequena,
totalmente marrenta. Tenho vontade de dar uma lição por ser assim tão
atrevida. Uma lição que a deixará bamba de tão bem fodida que será se eu a
pegar como tenho vontade.
Estou me sentindo ridículo nessa situação, marcando território em
cima dela, espantando pretendentes e tentando me convencer de que quero
apenas protegê-la das intenções desse babaca, quando eu sei que ela sabe se
virar muito bem. Eu nem deveria me importar com o que faz, mas, pelo
visto, de algum modo, é o que está acontecendo.
— Não quis soar grosso mais cedo, só queria dizer que não iria brigar
por conta disso. — Exasperado, passo a mão nos cabelos. — Não gosto
dessas situações, Vanessa.
É a primeira vez que eu tenho de conviver com alguém,
especificamente uma mulher, antes não tinha isso de vida a dois, ou melhor,
a três. Está tudo tão desarranjado, que me sinto pressionado para manter as
coisas no trilho a todo o momento pelo bem de Serena.
— Tudo bem, Antônio.
Ela acena comedida, não dando muito ênfase no assunto, mas sei que
esse tudo bem não significa que de fato está tudo bem.
— E só te beijei porque senti vontade, eu gosto de te ver trabalhando,
fica gostosa falando sobre uvas — garanto. — Não foi por causa dele...
Embora eu tenha gostado do que ele viu, foi um bônus.
— Cala a boca, canalha!
Ela prende o sorriso, ruborizada, ajeitando os cabelos atrás da orelha.
Vanessa dá passos largos à minha frente para abrir o galpão onde fica a
fábrica, a vinícola.
Acabo rindo por ela ter ficado acanhada com minha resposta franca.
Concluo que fui perdoado, ou ao menos ela abaixou mais o muro entre nós.
Vanessa tem o poder de me quebrar completamente só com um pouquinho
de indiferença. Eu estou chateado, confesso, não necessariamente com ela.
Digamos que ela faz parte do problema; estou incomodado com tanta coisa,
que nem sei nomear exatamente o que é. Ficar nessa picuinha só tem
tornado as coisas piores, me tirado do eixo. Vivemos nos desentendendo por
besteiras. Eu não deveria nem mesmo me importar com o que ela acha ou
pensa de mim, mas eu também não deveria tantas outras coisas...
Nunca me importei com nada disso, mas pelo visto Van conseguiu
quebrar mais essa barreira em mim. Estou aceitando o jeito como ela impõe
isso sobre mim sem abrir a boca enquanto sinto a porra da necessidade de
deixá-la feliz a todo custo, mesmo não sabendo o que me motiva tanto a
fazer isso, o que me causa tanta satisfação.
A infeliz me desmistifica, porra!

VANESSA VERSAILLES
Com o coração a galope, trancada no banheiro, me vejo pela segunda
vez na mesma situação, fazendo um teste de gravidez que pode novamente
transformar minha vida já tão bagunçada em algo pior. É como se eu
levasse uma rasteira. Ansiosa, minhas unhas tamborilam no mármore da
pia, enquanto permaneço atenta aos resultados. Sinto meu coração bater de
forma desordenada, assim como minha cabeça pulsa rápido, as pernas
parecem enfraquecer. É como se pudesse ter uma síncope a qualquer
segundo, sem saber o que esperar do futuro.
Quando os primeiros sinais apareceram, sutis como os de Serena... Eu
percebi rápido que havia algo de errado comigo, e isso me acendeu um
alerta, principalmente na viagem, quando enjoei após comer minha comida
favorita. Percebi quão irresponsável eu e Antônio fomos em todas as vezes
que transamos, inconsequentes. Principalmente naquele dia da festa; uma
briga de ego pode resultar em uma mudança drástica na minha vida, em
mais uma. Não dá mais para evitar o inevitável, o divórcio já foi
documentado, preciso pensar agora em como sairei disso ilesa. Espero que
minhas desconfianças não se concretizem, para que eu volte a ficar com o
coração em paz e saia daqui apenas com meras lembranças.
Dois palitos vermelhos nos três testes que comprei gritam de forma
ensurdecedora que as coisas não serão tão fáceis assim.
22
VANESSA VERSAILLES
Desnorteada e sem conseguir enxergar com nitidez um palmo à minha
frente por causa das lágrimas, saio do banheiro andando bamba, querendo
me refugiar debaixo do lençol. Eu me sinto desamparada e enlouquecida
com essa descoberta. Parece que voltei para cinco anos atrás, na mesma
situação, me sentindo a mesma garota assustada. No fim, nada mudou, é
como se fosse um ciclo sem fim de déjà-vus. Logo chegará mais uma
criança ao mundo por conta da nossa irresponsabilidade, por agirmos no
calor do momento!
Extremamente assertivos. Não deveríamos ser tão férteis, caralho!
Às vezes, tudo que eu queria é que as coisas não tivessem todo esse
peso. Acho que é pedir demais ter uma vida menos atormentada. Sinto
meus olhos arderem, e as vistas embaçam em um choro forte que vem de
dentro, do mais profundo sentimento de incerteza. Eu me sinto caindo de
um penhasco em uma realidade desesperadora e sufocante: estou
novamente grávida e do mesmo homem. Com o divórcio que ele tanto faz
questão batendo na porta, é como se o chão debaixo de mim ruísse. Só
consigo chorar.
Acabo trombando em Antônio, que me ampara contra seus músculos
firmes para que eu não me machuque.
— Van, por que está chorando?
Aparentemente preocupado, alarmado, na verdade, ele segura com as
duas mãos minha mandíbula, tentando entender o motivo da minha
decadência. Sua pergunta faz com que eu me debulhe ainda mais em
lágrimas de desespero, sem saber o que vai acontecer diante disso. Sinto
uma maldita pressão no peito, a sensação que tudo está desmoronando
sobre mim. Eu não consigo contornar a tempo de tudo ruir de vez.
— Por favor, me abraça bem forte, até eu não sentir mais o meu
corpo… Eu preciso muito disso!
Afundo a cabeça em seu peito, desabando, sem conseguir assimilar
direito meu futuro. Estou em estado de choque, afinal agora serão duas
crianças para proteger e cuidar, e meu sonho terá de ser pausado mais uma
vez. Antônio se compadece, fazendo o que eu peço, me dando refúgio em
seus braços. Ele me abraça com firmeza e me carrega em seu colo como se
eu fosse a coisa mais preciosa do mundo, e eu me deixo ser levada até a
cama macia. Sinto o contato com minha pele e seu corpão me esquenta, me
amassa e despedaçada, me mantendo colada à sua pele.
— Van, eu estou preocupado. Calma, pretinha!
Pretinha. Novamente me chama pelo apelido afetuoso, mas finjo que
não percebi. Ele nota minha tentativa e pigarreia, nitidamente
desconfortável por estar desse jeito comigo.
Não entendo como funciona a cabeça de Antônio: ele me afasta,
mostra que me quer longe, que mal vê a hora de eu ir embora da sua vida,
mas me mantém por perto como se me quisesse aqui ao seu lado. Antônio
acaricia meus cabelos, deixando que eu o use de porto seguro, como se ele
fosse meu, como se estivesse de fato se importando com o que eu acho ou
sinto.
Eu nem consigo responder por quais motivos estou assim, sequer sei
o que esperar da sua reação com a descoberta. Falta coragem para contar
que seremos pais de mais uma criança, porque nem eu estou aceitando o
fato ainda.
Em posição fetal, choro com todas as incertezas entaladas na
garganta, sem saber o que fazer, apenas com vontade de gritar. Eu me sinto
desconfortável na minha própria alma, totalmente despedaçada. E ele fica
aqui, sem saber dos motivos que me deixam assim. Antônio me mantém
contra seu peito, quase me sufocando, tamanha pressão que faz para que
nossos corpos permaneçam grudados.
Agarro em seus braços, querendo sentir que ele está aqui, sob as
minhas digitais, e enterro mais minha cabeça em seu pescoço, como uma
garotinha assustada — que é como eu me sinto agora. É disso que eu
preciso apenas, me sentir acolhida. Não consigo deixar de pensar que… que
é exatamente aqui que eu desejo ficar, com ele e nossos dois filhos, e tudo
faz sentido de repente.
O terremoto interno que andei sentindo é porque eu não quero esse
divórcio, eu desejo ficar juntinho dele, criando nossas crianças e sendo
felizes. É isso que eu quero do fundo do meu peito, a ponto de doer.
Como se fosse vital!
Estou rendida aos encantos do meu marido canalha, alguém que jurei
nunca querer nada. Mas não sei é recíproco, Antônio é ambíguo em muitas
das suas atitudes. Age como se me quisesse por perto, ao mesmo tempo que
tenta me afastar. Eu sei que sente essa magnitude que paira sobre a gente
desde o primeiro segundo. Isso é tão forte, que me falta ar, nos deixa reféns
um do outro e tão bagunçados, que não há palavras que possam definir.
Falta arranjar forças para entender o que está havendo, então repelimos o
outro por questão de sanidade, e é fato que deveríamos fazer isso. Concordo
de forma racional, mas quando vem a parte sentimental, nos queremos
desesperadamente. Nesses momentos apelamos totalmente para insensatez e
fingimento, só para não ter que enfrentar o que vem depois.
Ainda que juntos sejamos o próprio tormento, é nos braços dele que
eu estou buscando conforto, e ele me acolhe como sua. Aqui eu sinto que
estou segura, mesmo que a gente insista em agir como se tudo isso fosse
insignificante.
É triste que nada disso pareça ter importância para ele, porque o
divórcio vai acontecer quer que eu queira, quer não, e por mais amargor que
me cause pensar nisso agora, preciso seguir até o fim, porque o ponto final
dessa história nunca foi um mistério ou segredo para nós dois.
Ou talvez esse bebê repentino possa ser o destino mostrando que
ainda há uma chance de as coisas serem diferentes.

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Aos poucos, o choro forte de Vanessa cessa. Ela molhou toda a minha
camisa, mas não me importo. Noto haver um intervalo maior entre os
soluços e a respiração já está mais calma. Eu me mantenho em silêncio,
esperando que seja lá o que tenha a deixado dessa forma passe. Continuo
fazendo o carinho em seus cabelos, até que ela se acalma totalmente. Com
cuidado, me afasto para tomar um ar e alguma bebida forte.
— Fica aqui, por favor...
Seus dedos agarram os meus, me interceptando e me puxando de
volta para perto. Seus olhos buscam os meus quando abaixo o rosto na sua
direção, e Vanessa automaticamente sobe o dela, para nos encararmos, me
requisitando com uma profundidade no olhar como jamais vi. Acabo
cedendo, voltando a ficar ao seu lado. Eu a abraço mais forte, a mantendo
em meus braços; quero protegê-la do que está lhe fazendo mal. Percebo que
estou gostando dessa sensação de tê-la aqui comigo dessa forma tão
próxima.
Seu coração bate violentamente contra o meu, que está no mesmo
compasso. É nesse momento que caio na real, mergulho em um buraco
escuro e assustador ao me dar conta da realidade: sentirei falta desses
nossos momentos mais amenos, mesmo sendo raros.
Ela une nossas mãos, entrelaçando os dedos com força e acariciando
minha palma com o polegar, como se soubesse como eu me sinto. Ficamos
em silêncio mais uma vez, daquele jeito tão íntimo que nunca tive com
mulher alguma, porque intimidade para mim não é transar, mas sim o que
acontece quando não estamos fazendo isso.
Seu perfume apimentado atinge meu olfato e me deixa mais
perturbado que antes, de várias outras formas além da sexual. Eu me sinto
enfeitiçado por essa infeliz, que me faz de marionete sem esforço.
Olho para baixo novamente e percebo que ela permanece me olhando
da mesma maneira de antes, sem desviar o rosto. Dou um sorriso forçado,
tentando entender por que essa mulher tão nova e pequena me deixa dessa
forma, tão desalinhado, a ponto de sequer me reconhecer. Vanessa fica em
silêncio, parece compreender exatamente meu inferno particular; o clima de
velório é tenebroso entre a gente.
A cada vez que Vanessa me encara, eu vejo uma espécie de aflição
nos seus olhos antes sempre vívidos, e isso me destrói completamente por
dentro, mesmo que eu não saiba os motivos de tanto sofrimento. Não
consigo deixá-la ir, mesmo que na minha cabeça, e me sentir tranquilo com
isso. O nó na garganta não passa, nem conseguimos comemorar ou rir da
notícia do divórcio. Um clima se instalou após ela contar que deu entrada,
um clima bastante pesado; é como se estivéssemos nos perdendo, mesmo
que nós nunca tivéssemos de fato sido um do outro e nem quiséssemos nada
disso.
As coisas parecem ser simples, estão acontecendo como queríamos e
como deveriam, mas só na teoria, porque na realidade é tudo uma grande
confusão do caralho, não estou dando conta de lidar com tudo isso sem
sentir a cabeça doer.
Não consigo odiar Vanessa tanto quanto pretendia, confesso. Acho até
que isso se tornou um ponto positivo, as coisas serão mais amenas no final,
e isso me alivia, porque é isso que eu quero, pela boa convivência com
Serena. Só que também sinto minha garganta áspera. Mesmo não tendo sido
de fato o que eu poderia chamar de um casamento, haverá a separação e
todos os protocolos, e isso cria um vazio dentro de mim. Acho até que
sentirei falta dela quando for embora. Eu me acostumei com sua presença
de alguma forma absurda após tanta loucura. Nem dá para imaginar as
coisas aqui sem Vanessa; um misto de sentimentos me sufoca.
Engulo em seco, pensando na tamanha profundidade de sentimentos
que pesam em meu peito. Tenho uma sensação horrível de derrota por algo
que deveria me deixar feliz, mas não consigo de fato me contagiar, por mais
que eu tente me convencer que está tudo bem. Perceber que teremos de
seguir separados é doloroso de uma forma como não pensei ser possível. Eu
me sinto devastado pelo divórcio, mesmo que venha de um casamento
inexistente com alguém que eu não quis casar.
Quão absurdo isso parece ser? Quão enlouquecedor tudo pode ser na
cabeça de um homem como eu, que nunca viveu nada parecido?
Os pensamentos fazem gelar o estômago e formigar meus membros.
Tenho ciência de que Vanessa ainda está aqui comigo, grudadinha me
olhando. Nesse momento só consigo apertar mais em meus braços. Penso
em qual caminho estou seguindo: torcer para que os documentos do
divórcio demorem só um pouquinho, para a manter mais tempo em meus
braços e conseguir me tranquilizar com tudo.
Isso tem de ser cortado o quanto antes, para não se tornar uma bola de
neve de ilusões. Manter o divórcio e Vanessa afastada até que eu volte a ser
quem sou, volte a ser íntegro às minhas suas próprias promessas, é o certo a
ser feito. É absurda demais toda a complexidade dessa situação: não
consigo nem mesmo aceitar o porquê de estar tão perturbado com tudo,
simplesmente não faz sentido!
Nem deveria estar pensando nisso mais, é algo que já está decretado.
Eu definitivamente não vou e nem quero ser assim, eu já vi como essa
história termina dentro da minha própria casa, e não foi um final bonito e
inspirador que eu deseje repetir, pelo contrário, me mostrou que vida a dois
só acaba com o ser humano da forma mais cruel possível. Depositar a
própria felicidade em outra pessoa que jurou amor eterno, mas virou as
costas sem dó nem piedade, esquecendo que havia uma criança no meio
disso tudo, que só queria apenas a mãe presente.
Será o melhor e mais sensato para nós dois, e ponto final, porque eu
quero que seja dessa forma. Seguirei com isso até o meu último dia, com o
coração intacto, não serei de mulher nenhuma, para não definhar em
desgosto por algo que não serve para mim. Vi acontecer com meu pai: ele
colocou a vontade de viver e o próprio coração nas mãos daquela mulher,
que optou por esmagá-lo. Embora não tenha se matado, escolheu parar de
viver, se entregou à própria sorte, a bel prazer do destino em vez de traçá-lo.
Foi um fraco em não ter dado a volta por cima. A simples falta, causada
pelo abandono, ceifou a própria vida.
Eu, por outro lado, ainda posso decidir qual será meu destino. Prefiro
recusar essa vida, jamais ser como ele, em ficar dependente de alguém por
qualquer motivo que seja.
23
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Sozinho no elevador do prédio e aliviado por estar indo embora pela
primeira vez na vida, me mantenho pensativo sobre Vanessa. Ela ocupou
minha cabeça durante toda a madrugada de forma perturbadora, minha
mente não parou de trabalhar nem quando eu entrei em estado de letargia
por causa da infeliz dona dos meus tormentos. Como se não fosse o furacão
que é normalmente, Vanessa seguiu grudada a mim na cama a madrugada
inteira. Estou com o corpo moído, não posso dizer que dormi, muito menos
descansei. Nem dormi nem fiquei completamente acordado.
Está sendo um dia quente, e eu me senti gelado todo esse tempo, com
zero foco, é como se eu estivesse flutuando, o peito parecendo pesar
toneladas. Sinto uma angústia terrível da qual eu não consigo me livrar.
Necessito mais do que nunca pôr a vida em ordem antes que o divórcio
aconteça. Preciso sentir que eu ainda mantenho o controle da minha vida e
dos meus sentimentos acima de qualquer coisa. Está decretado.
Mas ainda estou preocupado com ela em casa sozinha. Vanessa não
estava se sentindo muito bem para ir trabalhar, optamos por Serena fazer
companhia a ela. Hoje fiquei além do meu horário resolvendo pendências,
então estou agitado para voltar para lá e ver como estão sem mim. O senso
de cuidado e responsabilidade grita por elas.
No hall já quase vazio, encontro a mulher que me atormenta desde
que decidiu rondar a porra da minha vida, levantando às pressas da cadeira.
Sentindo cada músculo do meu corpo tenso, ignoro sua presença. Sido com
passos rápidos e duros em direção ao pátio do estacionamento, enquanto ela
me chama e tenta me seguir. Fico irritado com tamanha ousadia de estar
aqui, no prédio em que eu trabalho, inclusive fora do horário comercial. A
desgraçada me stalkeou a ponto de me encontrar.
Ela tanto sabe que eu não atenderia, que nem pediu para avisar que
estava aqui.
Mas ela me alcança quando estou próximo do meu veículo, a raiva
aumenta, tornando a situação pior. É latente a possibilidade de a coisa
azedar só por estarmos tão perto, cara a cara. Mesmo eu sendo bem maior
depois de trinta anos, cerro os punhos, não conseguindo me manter parado
ou controlar minhas emoções. Estou atordoado, sentindo como se estivesse
prestes a entrar em erupção.
— Que porra você está fazendo aqui? — cuspo as palavras com um
desgosto cristalino. — Vai embora do meu trabalho!
Impaciente, fico fora de mim, sufocado só com esse reencontro que
surge na pior hora possível. Em um momento tão difícil me vejo diante
dessa mulher com feições envelhecidas, cabelos grisalhos e roupas simples,
mas que tem o mesmo olhar e cheiro de sempre, como se o tempo não
tivesse passado. Isso traz à tona o Antônio que lutei para que deixasse de
existir, aquela pessoa que sinto vergonha de ter sido um dia, que sentiu a
falta dela a ponto de chorar por muitas madrugadas.
— Filhotinho... Sou eu, sua mãe!
Ela se aproxima ainda mais, parecendo emocionada, tentando tocar
em meu rosto, admirada. Eu me esquivo, dando dois passos para trás e
repelindo seu toque ou qualquer contato. Tudo que eu mais desejo no
momento é que ela apenas suma novamente, vá embora da minha vida e
nunca mais apareça.
Nunca mais!
— Não me toque, não sou seu filho, Adelaide, não somos nada!
Nada!
Transtornado, minha voz sai carregada pelos sentimentos que me
habitam. Sinto a ferida aberta novamente ou talvez agora consigo perceber
que nunca foi fechada totalmente. Tudo vem com a mesma intensidade do
dia em que ela se foi sem nenhuma consideração, nem por meu pai nem por
mim. Sumiu no mundo sem a gente. E eu me odeio ainda mais por sentir o
maldito choro atravessado repleto de rancor e raiva. Sentimentos que
queimam como brasas meu coração, quando a escuto me chamar como
antes. Como se o tempo não tivesse passado. Percebo que me sinto como o
maldito garotinho ridículo de antes só de olhar para cara dela. Nesse
momento, sou atingido pelas malditas lembranças, que me enfraquecem e
me levam ao limite. Quero gritar, de tanta turbulência, para que a garganta
doa bem mais que a cabeça, para que essa pressão que eu sinto espremendo
meu peito vá embora de vez!
“Ela foi embora, Antônio, ela nos deixou e não nos ama mais...
Engole esse choro!”
Se essa mulher soubesse como anda a minha vida e que toda essa
merda que eu ando me questionando é exclusivamente por conta dela, pelas
merdas que ela produziu e jogou em cima de mim, jamais atravessaria meu
caminho novamente. Eu só preciso que ela se afaste e nada mais, para que
eu consiga ter certeza de que o homem que eu sou hoje nada tem a ver com
aquele moleque desamparado que ela deixou para trás.
— Eu sei que não falamos há muito tempo, mas só queria te ver,
Antônio, sonhei em te reencontrar. Em ser sua mãe, saber como anda, te dar
conselhos sobre a vida, acompanhar de pertinho esse grande homem que se
tornou... Eu te vi com aquela garotinha, é sua filha, não é? Muito parecida
com você!
Ela tenta estabelecer um tipo de conversa, sorrindo largo. Eu, por
outro lado, suspiro, abrindo alguns botões da minha camisa, sufocado,
odiando essa toxidade disfarçada de casualidade, como se tivesse ido passar
um simples final de semana fora e não sumido por trinta anos. Ela tenta me
tocar novamente, e dessa vez eu seguro seu punho, não deixando. Eu a solto
logo em seguida e a afasto, quando sinto a textura familiar da sua pele.
Aquela mesma mão já me acarinhou diversas vezes, como se me amasse.
— Minha vida não é da sua conta! Tarde demais para querer ser
minha mãe, não é? E me tornei isso não graças a você. Se eu quiser
conselhos sobre a vida, eu não perguntaria a uma pessoa desprezível que
afundou o próprio casamento, e sim a alguém cuja opinião me importa! —
Cuspo a mágoa, tentando ser indiferente, sem sucesso.
— Eu sonhei tanto com esse dia, Antônio, não me trate dessa forma.
Se soubesse o que aconteceu... Eu sei que seu pai não te contou a verdade,
levando em conta como está me tratando.
Sua fisionomia se torna severa, como se estivesse repreendendo um
garotinho, e não a porra de um homem feito, que, por sinal, ela não criou.
Eu rio sem humor, me perguntando por que ainda estou aqui. Minha vida já
está confusa o bastante para ainda dar ouvidos a essa mulher.
— Você merece que eu te trate pior, Adelaide. Achou que seria
recebida de braços abertos, sendo que foi você quem deu as costas, quem
preferiu o mundo à sua família? Ele não precisou me contar nada porque eu
sempre estive ali, vendo tudo!
— Não foi bem assim, eu não sei o que seu pai falou, mas certamente
não foi a verdade.
— Acha que vou acreditar em você em vez do homem que ficou
comigo, hum? Quer saber, Adelaide, vá embora, suma como trinta anos
atrás. Não apareça nunca mais aqui, volte para o buraco em que esteve em
todo esse tempo. Eu te desejo que colha tudo o que plantou!
De forma grosseira, aponto para rua, travando o maxilar para conter a
raiva que nesse momento é o combustível que alimenta o meu corpo. Não
quero contato com ela, esse assunto ainda me fere profundamente. Ela
achou mesmo que eu a receberia com felicidade, que eu estaria esperando
todos esses anos? Por que apareceu agora depois de velha? Enjoou da vida
da qual fugiu e achou que pagando de mãe arrependida apagaria o passado e
voltaria a viver nos padrões Gonzalez? Eu não me importo o suficiente com
nenhuma dessas perguntas, porque assim que eu entrar nesse carro, apagarei
qualquer lembrança dela.
Adelaide suspira, não gostando da minha atitude, e eu me mantenho
sério. Nós nos encaramos, em um nítido confronto de ressentimentos, mas
quanto a isso, não me importo nem um pouco.
— Pelo visto seu pai se foi, mas fez questão de te fazer uma cópia
dele. Eu olho para você e enxergo ele, exatamente igual. Ele teve o cuidado
de te criar igualzinho, até no jeito de me tratar! — com desgosto, ela rebate,
lamentando a minha conduta.
Sua acusação me desmonta por inteiro, como se tivesse levado um
soco no estômago. Até mesmo minha respiração fica difícil. As malditas
palavras me impactam. Há muito mais por trás dessa acusação, muito mais
do que somente ser parecido no jeito: significa que eu posso ser como ele
em muitas outras coisas, principalmente em me tornar um idiota dependente
de alguém, sendo que nunca quis nada disso.
Eu não sou! Eu não aceito!
— Não sou igual àquele babaca fraco, tá entendendo? Eu não serei,
por nem um segundo, igual ao meu pai! — Seguro no seu punho,
explodindo dolorosamente a ponto de minha garganta arranhar. Esse é o
estopim para tudo, esse é o momento em que me sinto partido em dois. Pela
segunda vez, ela me desmorona por inteiro, mas dessa vez é muito pior,
porque eu me sinto desconectado da realidade, como se não tivesse
aprendido nada com o passado, me vejo duvidando de todas as minhas
conclusões.
Percebo que ela está assustada com minha reação exagerada, estou
fora de mim. Eu a solto, transtornado, e ela tenta me amparar, mas eu nego,
me afastando, a deixando sozinha no estacionamento, sem mais
explicações. Entro em meu carro, esmurrando a buzina desativada de forma
grosseira. Jogo para fora um pouco da minha raiva misturada com tristeza,
meus órgãos se revirando por dentro. Apoio a testa no volante, não
querendo que isso seja verdade.
Não pode ser verdade.
Adelaide está redondamente errada, tem de estar, ela não me conhece!
Essa mulher não poderia proferir essas malditas palavras, não tem o
direito de me comparar com meu pai no pior momento da minha vida,
quando estou tentando afastar toda e qualquer semelhança dele. Venho
lutando para não ter de reconhecer que tudo que ando sentindo e renegando
é justamente porque estou agindo como ele.
Eu… eu me sinto totalmente vulnerável, possivelmente caí na
armadilha que sempre evitei. Talvez eu posso estar... estou terrivelmente
caído, golpeado, nocauteado, com a porra dos pneus arriados pela cretina de
cabelos cacheados e olhar afiado, que a uma hora dessas tá na minha casa.
A cretina que me causou uma preocupação terrível durante todo o dia
quanto a sua saúde e estabilidade emocional. Aquela maldita infeliz que
veio de intrusa na minha vida e jogou tudo para o alto. Se isso não é um
sinal mais que claro que eu me importo com ela bem mais do que admito,
eu não sei mais qual pode ser!
Mas ainda assim eu posso fazer diferente, isso não significa
absolutamente nada. Ainda sou o dono do meu próprio destino, porque eu
sou mais forte que meu pai, jamais serei como ele. Vou provar a mim
mesmo afastando de vez Vanessa da minha vida. Só assim sentirei que sou
eu mesmo, capaz de manter minha indiferença por qualquer mulher, só
assim serei capaz de saber que nada aqui mudou.
Hoje.
E vai ser agora!

VANESSA VERSAILLES
O barulho na cozinha me faz despertar assustada e zonza depois de
um cochilo. Preocupada com a demora de Antônio, ando pelo corredor, que
está escuro como a casa silenciosa. Eu o encontro na sala, descalço e sem a
camisa social, apenas com a calça e uma long neck na mão, sentado no sofá
e olhando para frente, absorto nos próprios pensamentos como se estivesse
enxergando algo no breu do cômodo.
— Antônio? Está tudo bem?
Ele não me responde, acho que sequer me ouviu. Chamo mais uma
vez, até que Antônio parece voltar para o mundo real. Sua fisionomia não
está das melhores, o olhar parece quebrado. Ele me encara por longos
segundos, mais do que o normal. A sensação que tenho é que tudo está
desmoronando sobre nossas cabeças, que estamos atravessando um dos
nossos momentos mais difíceis da vida. Junto a isso, vem uma criança, mais
uma.
Hoje eu não tive forças para fazer nada além de me refugiar debaixo
de um edredom, o excesso de pensamentos me paralisando, mas ao mesmo
tempo me acelerando por dentro, sem me permitir sair do lugar. Pedi que o
destino me desse aquilo que só eu posso ir atrás, o caminho que eu deveria
seguir sobre meu futuro.
— Aconteceu alguma coisa? — pergunto mais uma vez, incerta se
devo me aproximar mais, e ele nega com a cabeça, passando a mão no rosto
de forma exasperada, silencioso como nunca.
— Venha, senta aqui. — Ele bate no lugar vago do sofá, e eu
obedeço, permanecendo calada e o observando com cautela. — Vanessa,
pensei em você abrir uma loja oficial dos seus espumantes no shopping, sua
marca pode começar a ser conhecida lá. O lançamento será bem
movimentado. O que acha?
Confusa com o assunto, reflito brevemente. Antônio parece sério
demais ao me falar isso, com o olhar distante, ainda que estejamos com os
rostos virados para o outro.
— Não tenho dinheiro para isso, Antônio, estou recuperando a
vinícola do buraco, fazendo meu nome no mercado… É uma aposta alta,
mas não sei se é um bom momento. Tenho que ver antes o estoque das
garrafas, para quando é a nova safra...
— Se importa de eu financiar no primeiro ano? Seria algo para
Serena, uma segurança para você enquanto constrói sua reputação.
Colocaremos no nome dela o investimento, digamos que a loja será dela. Eu
invisto com o dinheiro, e você no material, entende? Na estreia desta loja,
faremos uma festa para degustação como você preferir. Há tempo suficiente
para você regulamentar todo o vinhedo. Depois disso, acredito que haverá
muito mais clientes. Estrear uma casa de espumantes num shopping dessa
magnitude é para quem sabe para o que veio... Próximo ao shopping há um
prédio residencial muito bom, fica perto daqui e do centro onde fica seu
escritório; pensei em comprar uma casa para que você não fique no aluguel.
Posso ver com a imobiliária uma visita e você escolhe a que melhor te
atende.
Ele despeja tudo isso para cima de mim, traçando os planos para meu
futuro de forma objetiva, e eu tento entender sua urgência em resolver tudo
de uma vez só.
— Entendo, mas deixa só eu me organizar primeiro, nem sei se há
garrafa ou produção para tudo isso... Por que, por que diabos está sendo
solícito, me ajudando tanto, Antônio? — tento esclarecer essa sua afobação
repentina.
— Porque você é a mãe da minha filha independentemente das nossas
diferenças, Vanessa. Se eu quero que ela tenha uma vida boa, precisamos
colaborar um com o outro. Estou apenas cumprindo meu papel de pai ao
ajudar a mãe dela, afinal somos os pais daquela pestinha! E também se é do
seu sucesso que precisamos para o divórcio acontecer de forma plena, assim
farei para que consiga — esclarece de forma decidida.
O tom da conversa se torna um tanto diferente do que eu imaginava
no início. Novamente sinto a frieza dele, como se quisesse me afastar. Sei
que isso não é novidade, ainda assim o jeito como age e fala me magoa de
certa forma. Com sua nítida ansiedade para que esse divórcio aconteça logo,
mostra uma espécie de repulsa à minha presença, mostra que fará de tudo
para que eu vá embora de uma vez, sem chance de prorrogação, tanto que já
está se adiantando em resolver tudo com antecedência. A fisionomia com a
qual me encara demonstra exatamente essas coisas todas.
— Você quer tanto assim esse divórcio? — pergunto, magoada e
cheia de ressentimentos.
— É o que queremos, não é? Eu tenho regras na minha vida, Vanessa,
nada de casamentos ou relacionamentos. Nasci para ser solteiro e gosto de
ser assim. O casamento foi só um erro no percurso, mas tudo voltará a ser
como antes. Só estou ajustando tudo para que esse antes chegue da melhor
forma possível...
Um erro, ele nos reduziu, reduziu tudo que a gente viveu a um
simples e maldito erro. Eu não sei o que está havendo para Antônio ter
ficado assim de repente, tão afastado e até mesmo grosseiro. Só sei que isso
está me magoando profundamente.
— Sim, um erro no percurso, apenas isso. — Com amargor, garanto,
vendo que isso já se estendeu bem mais do que deveria. Além disso, agora
preciso ter mais atenção ainda quanto aos meus próximos passos. —
Esquece que te perguntei isso!
Chateada, me levanto para sair dali, sem saber como vou contar que
estou grávida novamente e que o queria na minha vida, quando claramente
Antônio não me quer por perto. Pelo visto, Antônio me suporta apenas por
causa de Serena, não há brechas para qualquer coisa além disso. Sua mão
me pega pelo pulso, não me deixando ir. Viro o rosto, não conseguindo
disfarçar quão apática eu me sinto com tudo isso.
— Por que eu acho que há algo por trás dessa sua pergunta, Vanessa?
Ele se levanta também, ficando diante de mim. Eu o encaro bem no
fundo dos seus olhos, de um jeito que jamais olhei, sentindo meu coração a
galopes. Minha vida se divide entre antes e depois de ser mãe. Serena pode
até ser pequena, mas me ensinou e muito como ser forte, por ela,
independentemente das circunstâncias. Assim como esse bebê que virá está
me ensinando um pouco mais sobre resiliência.
E eu preciso saber, afinal, qual será o rumo da minha história.
— Nem mesmo, Antônio, um segundo filho te faria repensar essa sua
regra? Diz pra mim que também sente algo pelo nosso fim, que isso não é
fruto da minha imaginação, que há um sentimento que vem crescendo entre
nós e que é forte demais para negarmos!
Seu olhar muda para incredulidade. Ele encara minha barriga, que não
tem nenhum traço evidente da nova gestação. Em seguida, se volta para
meu rosto. Ele vê quando limpo meus olhos com os dedos, expulsando as
lágrimas teimosas que caem pela bochecha. É visível na expressão séria o
choque pela notícia. Antônio parece transtornado demais para falar
qualquer coisa, mas nem precisa de muito para saber exatamente o que está
passando na sua cabeça agora. Sua postura corporal ao se afastar
brevemente de mim, dando dois passos para trás, declinando, é a resposta
que eu precisava.
Ele não nos quer.
24
ANTÔNIO GONZÁLEZ
— V-Você...
Com a garganta áspera e voz falhando, mal consigo completar a frase.
Sinto meu estômago se revirando, como se algo muito pesado estivesse
caindo por dentro, se espatifando em mil pedacinhos. Estou incrédulo,
sentindo de repente a onda vindo para cima de mim, crescendo em uma
progressão gigantesca. Passo as mãos nos cabelos, quase arrancando-os, e
sinto como se estivesse sendo engolido. Mal consigo respirar.
Pai? Eu serei pai de novo de um filho com ela? Eu sequer sei o que
sentir e o que fazer, flutuo sem destino. A situação se tornou ainda mais
inconstante.
— Antônio, você quer me dar essa loja ou quer garantir que o
divórcio acontecerá? Se for a segunda opção, não há necessidade, meu pai
quer me devolver as outras fazendas, e eu vou seguir minha vida como foi
acordado desde o início... — de forma fria, Vanessa esclarece, com rosto
contorcido e olhos marejados.
E isso me deixa destruído, completamente acabado. Quero abraçá-la,
mas não posso fazer isso.
— Seu pai? Mas vocês não haviam brigado, ele até te deserdou! Ao
menos foi isso que me contou, era o motivo para não nos divorciarmos
naquela época. Quando isso mudou? — confuso, acuso a incoerência
presente em sua fala. Uma névoa escura cobre meus pensamentos, não
deixando que eu pense com a clareza necessária. Esta chuva de novas
informações cai em mim como bombas.
— Sim, mas acabamos nos acertando. Não pense que eu te enganei
para ficar casada mais tempo, porque não é o caso... Ele quer fazer as coisas
do jeito certo dessa vez, e eu também. Já passou da hora da minha vida
andar para frente! — ela se defende. — Mas isso não é a pauta aqui: eu
quero saber, Antônio, se você nos quer na sua vida, como uma família.
Lembro as palavras da Adelaide, sobre eu ser como meu pai, e me
sinto um derrotado ao perceber que ela está certa. Não sou tão diferente
dele, mesmo eu lutando arduamente para não me afastar da imagem que eu
tinha dele, mas filho de peixe, peixinho é, e eu preciso me blindar desse
sentimento tão forte e confuso que Vanessa me causa, antes que tudo
desande ainda mais.
Eu simplesmente não posso me deixar cair nessa ilusão de
casamentos e família, porque não existe final feliz, pelo contrário, só fim
trágico!
— Não posso. Eu prometo que amarei e cuidarei desse filho como
faço com Serena, ambos terão todo meu amor, mas não posso te prometer
nada além disso, Vanessa. Não me peça mais que isso, porque eu não posso
dar.
Tento soar descomplicado, mesmo sentindo a dor se entranhar na
carne por precisar fazer isso, afastá-la, quando o que eu mais desejo é a ter
por perto, principalmente agora, com uma nova criança chegando. Quero
compensar tudo que não pude fazer com Serena, mas agindo de forma
racional pelo bem de todos, sem dar um tiro no meu próprio pé. Eu vou
estar por perto fazendo meu papel de cuidar deles, mas quero blindar meu
coração de qualquer outro contratempo.
Eu só… eu só preciso me sentir no controle das minhas próprias
emoções novamente.
— Você não pode ou não quer? — ela contra-ataca, com olhos ainda
marejados, as lágrimas quase escorrendo pelas bochechas. Vanessa está se
contendo com firmeza, mas com as sobrancelhas baixas, e isso me faz
hesitar.
Não quero mentir, mas não tenho forças para falar completamente os
meus motivos, de como estou fodido da cabeça, com o coração
desenfreado, tendo de tomar decisões difíceis nas piores circunstâncias. Fiz
de tudo para não a magoar, mas descobrir que há uma reciprocidade torna
tudo mais difícil. Vanessa nega com a cabeça, desistindo de esperar minha
resposta verbal.
É complicado demais verbalizar, não consigo administrar nem
esclarecer certos sentimentos, porque eu nunca lidei com eles!
— Foi o que eu pensei. E independentemente do meu sucesso, o
divórcio acontecerá, isso é inquestionável. Repito: o acordo está de pé, não
quero nada seu, dispenso até mesmo essa loja.
Decepcionada, ela balança a cabeça, conformada. Seu olhar quebrado
fode meu juízo, mas não existe isso de eu querer ou não, eu não posso, não
nasci para isso, jamais vou deixar de ser o pai dos filhos dela, mas não
quero ser seu marido. Não quero isso de correr o risco de ser rejeitado por
ela ou de descobrimos que não era bem isso que queríamos bem quando
estivermos envolvidos demais.
Isso definitivamente não deveria estar acontecendo, porra!
Vanessa dá as costas, sumindo pelos corredores, e escuto a porta do
quarto bater. O silêncio grita, o choro vem na garganta, então tomo outra
golada generosa da cerveja, para tentar me manter firme e conter meus
impulsos.
— As duas coisas, eu não posso nem mesmo querer isso.
Tento me consolar falando sozinho. Sim, eu estou derrotado, me perdi
no meu próprio jogo de não me apaixonar, já estou me sentindo no fundo do
poço sem nem existir um relacionamento. Não quero ficar para descobrir
quão pior isso pode ser. Eu não fui feito para isso e nem quero, jamais
apostaria minha vida, que esteve dando certo até então, em algo que está
fadado ao fracasso.
“Tony, meu filho, é isso que acontece quando deixamos as mulheres
entrarem na nossa vida, elas acabam com você de alguma forma, fodem
com a sua vida! Seja mais esperto que eu, não caia nessa, olha o exemplo
da sua mãe, acabou com minha vida, nos deixou, aquela desgraçada
interesseira!”
Baixinho, escuto o som do choro abafado de Vanessa vindo do quarto,
dou mais outra golada na minha bebida, querendo entorpecer meu corpo a
ponto de não sentir mais nada, nem mesmo minha pulsação latejando na
têmpora ou meu cérebro acelerado, consumido pelas decisões que julgo
serem as mais certas, ainda que pareçam difíceis. Percebo que ando muito
melancólico e que Vanessa se tornou parte de mim: arrancá-la da minha
vida se tornou doloroso demais, como se não houvesse como viver sem ela.
É sufocante só de pensar nessa infeliz longe de mim. Eu tentei me blindar
de todas as formas, mas não adiantou de nada. Eu segui o mesmo caminho
que ele sem nem mesmo estar vivendo um casamento de verdade. Virei um
fraco, amargurado e deprimido porque caí na cilada de me apaixonar, nem
sequer me aventurarei tão profundamente.
A verdade é que me deixei levar por Vanessa. Ainda que a razão
sempre gritasse para me manter longe, a insensatez gritava mais alto,
sempre era mais ruidosa e dominante, mais forte que nós dois. Mentirosa
também, dizendo que aquela seria a última vez, que era coisa de momento,
quando Vanessa e eu sempre buscávamos um ao outro de forma
desesperadora, como se estarmos juntos fosse algo imprescindível.
Mas está feito, e eu não vou voltar atrás, tem que ser assim! Vi minha
família acabar por causa de um casamento fodido quando eu mal tinha dez
anos. A promessa que fiz no leito de morte do meu pai será cumprida até
chegar a minha vez de ir embora. Manterei meu juramento até o fim.
Quanto aos meus filhos, não quero depositar nenhuma dessas dores
neles. Não quero jamais que Serena se sinta culpada por criar um elo eterno
entre duas pessoas que não deveriam estar na vida uma da outra, como
aconteceu comigo. Pais são as primeiras referências na vida de um ser
humano, de como ser ou não ser. Como pai, o bem-estar deles é mais
importante do que qualquer coisa. Não posso me aventurar em algo sabendo
que minha filha pode viver o inferno que vivi, simplesmente porque dois
adultos decidiram acabar com o próprio relacionamento, esquecendo que
havia uma criança no meio daquilo tudo. Os dois merecem muito mais do
que uma infância tumultuada e cheia de mudanças bruscas.
Nenhuma criança no mundo deveria passar por isso, procurar pela
mãe pela manhã e descobrir que ela foi embora, que não voltaria mais
porque não o amava, porque achou que a vida seria melhor se estivesse
sozinha. Nenhuma criança deveria ter que ver o pai definhar por anos diante
dos próprios olhos sem poder fazer muito. É horrível se sentir sozinho e
abandonado o restante da vida. Me afastar para que isso não aconteça com
meus filhos é o maior ato de amor que farei por eles.
Meus sentimentos são menos importantes. Pode estar doendo agora,
que tudo foi cortado pela raiz, mas no futuro veremos que foi o melhor a ser
feito. Seremos uma família de toda forma, estaremos na vida do outro para
sempre, mas estarei resguardado de uma aventura fadada ao fracasso que
optei por participar no calor do momento.
Casamento ou relacionamento feliz não existe, e se existe, não é para
todos. Não sou um desses privilegiados. Pretendo viver o restante da minha
vida sozinho. Ainda assim, ainda que eu pense nisso tudo, sei que posso
muito bem acordar amanhã e perceber que tudo isso foi uma confusão
temporária da minha cabeça. Hoje estou frustrado, com vontade de explodir
e até mesmo chorar aos berros, botar para fora o sentimento tumultuado que
vem lá do âmago, berrar até ficar rouco. Não me importo com as
consequências, contanto que o terremoto que sinto de forma visceral em
meu peito desapareça, só quero conseguir lidar com mais essa bagunça na
minha vida.
Estou aqui, catatônico, na minha sala de estar, querendo apenas sumir,
fugir da minha própria pele. Só quero sentir que sou o Antônio de sempre, o
mesmo homem que gosta de ser sozinho. Sempre fui um homem decidido,
mais racional do que sentimental, alguém que lida com qualquer problema
sem se perder, mas essa situação quebrou minhas pernas completamente.
Há uma emoção pulsante que me rasga o peito e que eu desconhecia até
então.
Não consigo me render a isso, não posso me permitir amar alguém tão
intensamente como acho que sou capaz de amá-la. É o mesmo que ver o
passado se repetir no futuro. É uma postura que me limita, é, mas viver na
pele os efeitos colaterais de conviver com um homem sofrendo por amor,
uma pessoa do seu próprio sangue, seu genitor, te faz descartar quaisquer
possibilidades dessas na vida. Eu não estou disposto a me jogar na roleta-
russa do casamento, nesse mergulho sem garantias.
Antes um sofrimento por não ter acontecido do que um sofrimento
por algo que deu errado, por perceber tarde demais que não era para ter
acontecido.

VANESSA VERSAILLES
Sentindo uma pressão no peito e um aperto na garganta, tento cessar o
turbilhão de dor no peito, mas esse sentimento é pior que qualquer coisa.
Não aguento mais essa sensação de viver em um eterno limbo, de
insuficiência, de que nada vai dar certo, de ter e não ter ao mesmo tempo.
Meu pai tem razão, minha vida é medíocre; e pior, dessa vez Antônio não
está desaparecido, está bem aqui, no outro cômodo, mas optou por não
sermos uma família. E essa sensação é parecida com o medo que senti
quando ele voltou à minha vida: receio da rejeição.
Ele mostrou que decidiu sobre tudo sem mim, então está na hora de
eu fazer o mesmo. Sem querer ficar aqui me lamentando por algo que não
quis que desse certo, limpo minhas lágrimas com muito custo, precisando
decidir meu futuro sem esperar o melhor momento para que as coisas
aconteçam.
Não deixe o escuro te atormentar, siga em frente e seja corajosa.
Era o que minha mãe sempre dizia para mim, porque eu não gostava
de dormir sozinha, tinha medo do vazio e do silêncio do meu quarto. Suas
palavras acolhedoras se encaixam perfeitamente nesse momento. Sinto tanta
saudade dela; sei que minha vida não seria essa bagunça se ela estivesse ao
meu lado. Minha mãe saberia perfeitamente como me acalmar agora, teria
um plano incrível de super-heroína pronto para ser posto em prática.
Foi por causa dela que eu quis seguir com a gestação de Serena. Sei
que ela também engravidou cedo, e não desistiu de mim. Uma pena que o
câncer a tenha levado antes de me ver aprender a identificar os tipos de
espumantes e descobrir que o escuro não era tão apavorante quanto o peso
da sua falta. Nas minhas lembranças, ela sempre estava com uma taça de
espumante entre os dedos, ouvindo jazz pela casa, cheia de sorrisos. Era
serena demais, refinada e gentil, mesmo que amasse correr pelas fazendas
como faço hoje. Sua presença trazia calmaria.
Acho que, no final das contas, eu quero tanto que a vinícola dê certo
porque assim retomo lembranças dela, nem tanto pelo dinheiro, afinal seria
mais fácil não peitar meu pai e viver sob suas asas o restante da vida.
Porém, gerenciar essa marca nos aproxima. Durante a primeira gravidez, eu
corria para lá, era e sempre será meu porto seguro, meu ponto de paz,
porque era como se ela estivesse mais perto de mim. Ter o vinhedo ativo é
muito mais que um sonho realizado, me faz ter a sensação de estar no lugar
dela, comigo sendo a mãe em vez da filha. Tento fazer com que minha
pequena se sinta especial e única ao meu lado, quero que tenhamos uma
relação gostosa, como minha mãe fazia. Serena gostar do vinhedo, querer
estar ali em meio às uvas, curiosa com o que estou fazendo, é uma honra
para mim.
E sei que se minha mãe estivesse aqui, me daria um ótimo conselho
sobre não parar no primeiro ou no vigésimo obstáculo, não me intimidar
pelas dificuldades. Diria quão preciosa eu sou e me lembraria de que, se ela
conseguiu ser forte e otimista até o último dia de vida, já carequinha e
pálida, aguentando tudo aquilo sem deixar de acreditar, fazendo de cada dia
da sua vida um momento inesquecível, eu também sou capaz de lidar com
meus problemas. Sigo seu exemplo à risca em tudo que aparece pelo
caminho. Agora não será diferente. Preciso ser um exemplo para minha
filha, para os meus filhos, como ela foi e é para mim até hoje.
Não vou esperar que Antônio dê seu golpe de misericórdia, que me
coloque para fora, já que demonstrou com clareza que não me quer mais
por perto. Sei o momento de sair e sei também que mereço bem mais do
que um homem que hesita em me querer em sua vida, ainda que o coração
doa demais pelas coisas estarem acontecendo dessa forma. A falta da
resposta dele também é uma resposta, porque o sim é inconfundível e claro,
não deixa dúvidas. Mas com Antônio qualquer coisa parece complicada, e
eu estou cansada de complicações, farta. Só quero algo tranquilo e
recíproco.
Eu sei que tudo saiu exatamente como deveria, de acordo com o
combinado, mas me parece muito errado. Eu jamais pensei que meu
coração acabasse entrando no jogo e que ainda por cima fosse amassado.
Culpa minha por querer algo que nunca existiu, por achar que haveria
chances de tudo ser diferente.
As decepções já são a minha despedida, e não pretendo nem mesmo
esperar o divórcio sair para ir embora daqui. Ele já deixou claro que fomos
um erro, e está na hora de eu criar meu futuro para que, quando essa criança
nascer, eu seja uma mãe menos devastada e bagunçada. Quero estar bem
para criar um ambiente lindo para que Serena seja uma irmã mais velha
incrível!
Limpando meus olhos pela última vez, tento normalizar minha voz
enquanto procuro o nome na agenda do meu celular. Faço a ligação
ignorando o horário, sem saber se serei atendida, mas não posso esperar
amanhecer para saber qual será meu destino.
No terceiro toque, a chamada é atendida, para meu completo alívio.
— Pai, como o senhor está? Deixa eu te perguntar... aquela proposta
que me fez, ainda está de pé?
Eu vou me recompor. Fui destruída e me reconstruí tantas vezes
nesses anos, que essa vez é apenas mais uma na lista.
25
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Letárgico por ter ido trabalhar sem um descanso digno, pela segunda
vez seguida, e desejando um longo banho, paro por um segundo e encaro o
visor do elevador que indica o meu andar. Falta proatividade para dar um
passo e mais outro até meu apartamento. Não sei como encarar Vanessa
depois de ontem à noite. Trabalhei até mais tarde, sem coragem de voltar,
tentando organizar meus pensamentos para poder repassar minhas
conclusões a elas. Terminei o expediente sem saber como agir diante desse
clima, que provavelmente vai durar até que os papéis saiam.
Não deixo que o elevador feche as portas novamente; sigo pelo
corredor vazio até minha porta, dando um longo suspiro enquanto destranco
a porta. Hoje nós não nos vimos, acabei dormindo no sofá. Nem vi a hora
passar, acordei atrasado, cheio de ressaca, só notei que Vanessa já havia ido
trabalhar e levado Serena para o colégio.
A casa está escura e silenciosa, nem mesmo Serena vem me receber
com seus sustos. Não a vejo acordada desde ontem pela noite, minha
pestinha.
— Vanessa? — chamo, estranhando o silêncio da casa, porém não
obtenho resposta.
Ando pelo apartamento procurando as duas, mas o silêncio reina.
Abro a porta do quarto, e Serena não está lá. Sigo para o meu, para ver se as
duas estão dormindo juntas. Nesse momento sinto o corpo se agitar e gelar
quando vejo somente o escuro e o vazio. A cama está intocada, do mesmo
jeito que estava pela manhã.
— Vanessa? — ainda mais alarmado, chamo mais alto, escutando o
grande eco da minha voz.
Agitado, sem querer crer que ela fez isso, invado o closet, abrindo
todas as portas e vendo que ela levou suas coisas, não há nem mesmo um
par de botas, saltos ou bolsas, maquiagens espalhadas pelo balcão. O seu
caos que preenchia tudo isso aqui. O golpe vem forte quando a conclusão
óbvia se forma.
Ela foi embora.
Mas não era isso que eu queria? A minha vida de volta? Então por
que me sinto vazio como esse closet?
Vanessa se mudou em horário comercial, após eu ter saído para
trabalhar, o que me leva a crer que planejou tudo isso antes. Foi embora
sem me avisar, como se nada tivesse acontecido. Nem sei para onde foi, ela
simplesmente partiu.
Mas foi escolha minha não a querer na minha vida, agora tenho de
sustentar minhas atitudes, mesmo não concordando por ela ter feito as
coisas dessa forma. Transtornado, suspiro profundamente com as mãos na
cintura, diante desse vazio que de repente se tornou assustador. Não
experimento a sensação de ter dado um ponto final como dois adultos, algo
que aconteceria cedo ou tarde, mas sim a porra de um abandono.
No espelho, há um pedaço de papal preso com um imã de sapo, com
certeza de Serena. Nem tinha visto antes, de tão cego que estava. Eu o
arranco e leio o bilhete com letras finas e longas, sem saber se sinto raiva
dela ou de mim mesmo, um sentimento que vem misturado com a porra de
uma tristeza.
“Não quis esperar os papéis para que o fim definitivo chegasse. Meu
advogado entrará em contato para combinarmos a guarda compartilhada
de Serena, enquanto isso, caso queira buscá-la no colégio ou passar algum
final de semana, basta me avisar. Eu estou cumprindo o meu combinado de
te dar o divórcio sem querer nada em troca, peço que, por favor, cuide da
nossa filha com sua vida enquanto eu não estiver por perto e que ela jamais
deixe de ser nossa maior prioridade, mesmo sem relacionamento. Até o dia
da assinatura do documento!”
Amasso essa porra de bilhete, me sentindo sem ar. Saio com passos
duros, em uma mistura de sentimentos agonizantes. Apanho o celular para
enviar uma mensagem.
“Cadê Serena? Dormiu? Se ela estiver acordada, me retorne, quero
falar com ela. E precisamos conversar!”
A mensagem é entregue, mas tem algumas horas que ela não abre o
aplicativo. Pelo horário, muito provavelmente minha filha já foi dormir, e
sem me ver. Isso é uma merda. Sem querer ficar sozinho aqui nesse
apartamento, pego as chaves novamente no balcão, sabendo exatamente
para onde preciso ir.

Na rua escura, porém movimentada, dirijo até ver a fachada discreta,


mas com letras em neon, do clube onde sou sócio. Eu me remexo no banco,
batucando no volante, tentando dar um jeito nos meus pensamentos
acelerados. Precisei vir para me reconhecer, sair e curtir minhas meninas
sem discussões e dores de cabeças. Se esse é o primeiro dia da minha antiga
vida de volta, farei o que sempre fazia, voltarei a ser o de sempre: sair,
beber e curtir minhas meninas sem grilos.
Estou com muita raiva de Vanessa; na verdade, estou me obrigando a
ter raiva dela, para que não sobre espaço para outro sentimento. Por isso
quero me afogar em qualquer outra coisa que não sejam esses percalços
todos.
Estaciono o carro e me pego parado, encarando o nome conhecido,
por alguns minutos. Sei que receberei tratamento VIP assim que eu colocar
meus pés lá dentro e reativar minha sociedade. Mas de repente me pego
pensando se devo entrar. Sinto como se estivesse fazendo algo de errado,
mesmo sendo um homem desimpedido. Nunca tive tanta crise existencial
como nos últimos tempos. Percebo que não tenho clima para putarias, por
mais que eu quisesse ter, estou chateado e me sentindo no fundo do poço.
Quero beber até esquecer meu nome, só para não me manter refém dos
meus pensamentos inconvenientes.
Desanimado, volto para a pista principal, decidindo não entrar aqui
hoje, então sigo para o único lugar que me resta, para recorrer à única
pessoa que vai me aguentar nessa lamúria infernal e que pode me ajudar
agora. Como de costume, entro direto para a cobertura em que Augusto
mora, já que tenho acesso livre ao elevador, sem me importar com o
horário. Toco a campainha sem hesitar, e ele atende com irritação,
estranhando minha presença. Logo sua expressão se torna nitidamente
confusa, já que nos vimos há poucas horas no trabalho.
— Vanessa foi embora, e eu preciso beber! — solto as palavras com
amargura e a garganta seca, e sua expressão suaviza. Ele entende por que
minha situação está tão degradante; o que eu sinto por dentro está refletido
na minha cara.
Ele me dá espaço para entrar, e encontro Margot ninando a bebê nos
braços. Eu me vejo ali, parado, pensando que daqui a alguns meses será
Vanessa desse mesmo jeito. A vontade de presenciar isso todos os dias é
quase sufocante.
— O divórcio já saiu? — ele me tira do transe.
— Ainda não... A desgraçada saiu de casa pelas minhas costas, e o
pior nem é isso, ela está grávida novamente, e eu não pude pedir para ficar
quando ela me perguntou se eu a queria como família… — lamento a
situação, exasperado, e logo uma dose de bebida chega até a mim. A garrafa
é posta perto, Augusto sabe que o assunto é sério e que vou precisar de
muitas doses para poder desenrolar o assunto.
Só tenho a agradecer pelo amigo que tenho, amigo para todas as
horas. Dessa vez, invertemos os papéis; está rolando algo que nunca pensei
que aconteceria. Dessa vez, serei eu o confortado por causa de assuntos
amorosos, por um coração partido. Acho que posso considerar assim. Quer
dizer, nem sei se posso chamar dessa forma, já que nunca tive meu coração
partido na vida, além de ter sido eu quem optou por esse caminho. Nunca
senti algo tão forte por ninguém, mas acho que a dor é exatamente essa que
sinto ao ver que ela foi embora.
E não vai voltar.
— Não pôde ou não quis? — Augusto faz a mesma pergunta que
Vanessa me fez, e tudo em mim se remexe novamente. — O que está
esperando para ir atrás dela e consertar esse erro?
— Não posso, fiz o que tinha que ser feito para não depender
emocionalmente de ninguém.
Conto a eles sobre Adelaide, a conversa que tivemos, sobre Vanessa e
o que aconteceu ontem à noite. Falo da nossa discussão, todo o tumulto que
se gerou depois disso. Detalho o giro que minha vida deu, como estou
perdido por ter deixado que as coisas chegassem a esse ponto, como me
sinto quebrado, no fundo do poço, melhor, no subsolo, porque aquela
maluca mexeu comigo de um jeito, que mal foi embora, já sinto a ausência
dela. Só consigo sentir vontade de ir atrás dela e agir de um jeito sórdido: a
botar em meus joelhos e estapear sua bunda.
— Isso não é dependência emocional, amigo, é a porra do amor. Você
está apaixonado e vai ter que engolir, querendo ou não. E não é tomando
decisões impulsivas que terá o controle da sua vida de volta! — Augusto
me censura, forçando um brinde antes de beber a sua dose.
— O que queria que eu fizesse? Não posso deixar Vanessa na minha
vida, você sabe da história dos meus pais! — contra-ataco, me defendendo.
— Sem contar que isso é fase, vai passar, eu vou reverter a situação!
Tem que passar!
— Preciso quebrar suas expectativas, Antônio, você não está com o
controle de mais nada. Levou uma queda, sim, e ponto final, não há como
ter controle sobre isso. Simplesmente acontece, e quando a gente percebe,
já é tarde. Não estou brigando, meu amigo, só estou tentando pôr juízo na
sua cabeça. Nem todas as mulheres do mundo são como sua mãe, nem todas
vão fazer o mesmo que ela. Porém, é você quem está agindo como ela.
— Agindo como ela? — Rio, enraivecido por sua acusação
descabida.
— Sim, abandonando quem você ama por um capricho. A diferença é
que você faz isso para se proteger, porque tem medo de se relacionar. Ao
menos é o que eu penso.
Exasperado, tomo outro grande gole da minha bebida, absorvendo o
sabor e vendo que a conversa será mais difícil do que achei. Se só esse
início já está incômodo o suficiente, imagina o restante?!
— Eu quero mais do que um fim fodido como aquele que meu pai
teve. Eu serei um pai presente, não vou fugir das minhas obrigações, e é por
amar demais minha filha que não vou me enfiar em um casamento
fracassado, consequentemente trazendo mais sofrimentos para as crianças...
Repasso mais uma vez os motivos por trás da decisão, em um tom
mais baixo, sacudindo o gelo no copo quase vazio novamente.
— Se está tão convicto dessa decisão, então tira a aliança, para de
choramingar e volta para o clube agora mesmo!
Ele aponta para meu dedo, e nesse momento encaro o acessório
reluzente que não tive coragem de tirar ainda. Estou agindo feito um
maldito cão castrado mesmo não tendo coleira, porque só de pensar em
jogar fora ou atirar o anel pela janela, meu peito pesa, o que me deixa ainda
pior. Encaro seu rosto, vendo traços de convencimento em um sorriso
infame. Augusto está sendo o maldito bastardo que ajuda, mas pode ter
certeza, não é gratuito. Ele gosta de me ver assim.
— Não fode, Augusto. E sua praga de querer me ver dessa forma um
dia me pegou direitinho, desgraçado!
— Sabe, cara, eu também nunca quis ser como meu pai, é meu maior
medo até hoje. Você viu de perto o que foi quando Zé nasceu. Eu prometi a
mim mesmo que seria melhor, então usei a oportunidade que me surgiu para
fazer diferente. Você pode fazer igual, resta saber se está disposto a não ser
como ele. Mostre a si mesmo a referência de como não ser!
— Não tente me convencer, Augusto, o que está feito está feito.
Casamento é algo fracassado, é algo o qual eu não vou me sujeitar.
Amargurado, balanço meus pés, impaciente, tentando me convencer
que o que eu fiz foi o mais certo.
— Só vai ser fracassado se deixar fracassar, e isso já está fazendo.
Estar casado não significa ser automaticamente infeliz. Pelo seu ponto de
vista, eu estou com a Má em um tipo de relacionamento que você julga
trazer infelicidade, mas quem está sofrendo aqui não sou eu. — Ele aponta
para si, com Margot e a bebê perto, e depois para mim, sozinho, arrasado
com um copo de bebida nas mãos, mostrando a vasta diferença. Travo o
maxilar, enraivecido.
Augusto não me poupa das suas opiniões reais ditas em um rompante,
eu sequer tenho como rebater. Quem diria... eu, um cara experiente
gostando justamente daquela infeliz. Estou genuinamente rendido,
ridiculamente enfeitiçado por aquela mulher, de tal jeito que não sei nem
mesmo como agir.
— Se quer saber minha opinião, você está sendo um grande canalha,
Tony, não estando do lado dela quando Vanessa claramente precisa de você
e quer que estejam juntos. Proteger seus sentimentos, se ausentar de algo
que os dois deveriam enfrentar juntos, fugir em vez de ficar e
consequentemente magoar outras pessoas, nada disso nunca será a melhor
opção. Se é assim que acha que vai proteger seus filhos, está escolhendo a
maneira mais dolorosa. Sempre existe uma forma melhor, por mais difícil
que seja. — Margot, que até então estava calada, se pronuncia, fazendo com
que eu pare de mirar o chão e olhe para ela ninando a criança já
adormecida. — Também já tive problemas com a minha mãe e sei o peso
disso, mas atualmente eu, como mãe de duas crianças, nem cogitaria a
possibilidade de abandonar meus filhos dessa forma que contou. Como
alguém que quer ver os dois felizes, vejo a sua dificuldade em aceitar algo
bastante óbvio. Vejo também que está relutando exclusivamente por conta
do seu passado, que agora retornou para explicar as coisas. Acho que para
chegar ao ponto de sua mãe ter feito o que fez e agora querer consertar as
coisas, pode ser que exista algo maior por trás. Você deveria escutá-la antes
de decretar seu futuro para sempre. Tenta tirar esse peso do peito, essa
cegueira que está vendando seus olhos, afinal você era apenas uma criança
quando tudo aconteceu. Você, adulto, pode estar minando suas chances de
ficar com a mulher da sua vida por conta de um trauma. E se você se
preocupa tanto com seus filhos como diz, pense que Serena pode achar
normal ser abandonada por amor, porque o pai dela fez isso com a mãe. Sua
filha vai crescer como você cresceu e vai tirar as conclusões dela dessa
situação. Não seja sua mãe na história dela, quebre o ciclo como eu quebrei
o meu e Augusto quebrou o dele.
Cirúrgica e lúcida, Margot enxerga tudo melhor por estar do lado de
fora da situação, com isso me força a ir ao limite, como se desse um chute
no cachorro morto. Eu sempre fui muito seguro e bem resolvido, mas ela
está me encorajando a fazer exatamente o oposto de tudo o que estava
fazendo.
— Má pode ter razão. Se ela voltou, algum motivo há. Tire o restante
da semana para pôr a cabeça no lugar, pensa em tudo de cabeça fria e
resolva sua vida. Eu lido com a empresa.
Assim como Vanessa, Margot e Antônio me fazem refletir e até
mesmo questionar aquilo que eu tinha certeza de que era o certo. Ambos
botaram uma pulga atrás da minha orelha, e agora não tenho mais certeza
de absolutamente mais nada.

VANESSA VERSAILLES
Vejo as métricas primárias que a equipe de publicidade e marketing
me encaminhou via e-mail, sobre a ação publicitária da minha empresa. A
propaganda é relacionada à estreia do espumante comemorativo de spray, já
em veiculação. O ano-novo será em breve, quero que as pessoas saibam
sobre o espumante o quanto antes. Quando eu lancei essa nova ideia no
mercado, com data definida, surgiram pessoas interessadas. Já mandei
produzir os press kits para mandar para quem mais importa.
Estou cheia de ideias e expectativas a respeito desse lançamento. Não
há nada mais gostoso do que fazer grandes planos e correr atrás enquanto se
trabalha com afinco. Ainda mais agora, que meu pai e eu estamos em paz.
Ele está fazendo questão de me ajudar, tanto que tomou a responsabilidade
para si de montar a equipe de operários que vão lidar com a vinícola e a
produção: uma para envasar e outra, composta de lavradores independentes,
para cuidar das videiras.
Ele me propôs mais uma vez que eu voltasse a morar na fazenda, e eu
neguei, mas aceitei reformar o casarão para que eu possa ter uma jornada
dupla com mais conforto. Preciso ficar de olhos bem abertos a cada etapa
do processo, sem perder de vista que tenho uma vida aqui na cidade.
A vida é uma só, e vem repleta de possibilidades, então estou
tentando fazer o melhor com o que eu tenho.
Mesmo com minha vida pessoal uma bagunça, estou tentando
canalizar ao máximo minha atenção no meu trabalho, sem que isso custe a
saúde do bebê que virá ou que deixe evidente minha fragilidade para minha
filhinha, que precisa de atenção especial agora. Eu me preocupo muito em
como sua cabecinha assimilará as novidades. Ela anda bem dengosa, não
aceitou muito bem o fato de termos ido dormir noite passada no nosso
antigo quarto da fazenda, e não em seu quarto da Tiana.
Meus pensamentos são interrompidos pelo interfone tocando. É
Margot pedindo para subir; mesmo que confusa, libero sua entrada. Não
demora para que ela apareça na porta de minha sala, sozinha, sem a bebê
feliz, como de costume. Ela dá uma olhada em meu escritório — não
pretendo mudar daqui agora. Com os papéis de transferência das fazendas
assinados, tenho agora uma herança digna e o orçamento mais folgado.
— Má, se veio aqui me falar de Antônio, peço que saia. Gosto muito
de você, então não me obrigue a ser grossa. Não quero ouvir nada dele.
Estou tentando fingir que esse assunto não existe.
Entramos no escritório, e eu espero mostrar que não estou muito bem
para falar sobre isso. O que realmente quero é me sentir inteira, e não falar
dessas coisas é o melhor que posso fazer.
— Não vim aqui falar dele. Vim conversar com você, te fazer
companhia, tomar um café e conversar. Antônio tem Augusto como rede de
apoio, então nada mais justo que eu vir aqui te apoiar.
Ela me oferece um sorriso otimista. Recosto o quadril na quina da
mesa e encaro seus olhos azuis cristalinos, que deixam claro que ela está
falando a verdade. Meus ombros murcham, e eu assinto.
— Então escolheram um lado? — desconfiada, resisto um pouco.
— Não necessariamente, mas eles são amigos, então achei que talvez
você também precisasse de uma amiga pra desabafar. — Dá de ombros,
cruzando os braços logo em seguida. — Você me falou que maternidade é
um estado solitário, e quis vir pra mostrar que não precisa ser sempre assim.
Não estou aqui para coletar informações, nada disso, só para ser um ombro
amigo para que possa chorar. Sei que às vezes a gente esquece que precisa
ser acalentada em vez de ser sempre a que acalenta.
Sua voz acolhedora me faz ceder. Eu ainda me sinto despedaçada,
então perco a pose de durona lidando com maestria com a situação
devastadora de ser rejeitada pelo homem que descobri amar justo quando
soube de uma segunda gravidez. Sinto os olhos arderem, e mesmo que eu os
abane com a mão para me manter firme, caio no choro quando Margot abre
os braços me chamando. Aceito o gesto de carinho, me sentindo um pouco
mais amparada do que na noite passada, sozinha com meu travesseiro.
Desabo em lágrimas grossas e dolorosas.
— Sabe, Van, acredite: a cada vez que a gente quebra, melhores e
mais fortes nos tornamos. Os dias cinza só vêm para mostrar que o colorido
é muito mais incrível do que a gente lembra.
Eu assinto, mesmo me sentindo extremamente cinza.
Odeio a sensação de coisas inacabadas, machuca mais que uma
despedida formal, porque não houve um adeus, um ponto final, nem
reticências. É como se a mágoa das coisas não ditas estivesse entalada na
garganta, me sufocando, e isso dói demais.
— Ei, mamãe, que choro triste é esse? Há uma criança vindo aí,
temos motivos para sorrir também.
Sorrio em meio às lágrimas. Margot é a primeira a comemorar, até
porque não contei a ninguém ainda, nem mesmo a meu pai. A ficha ainda
não caiu, então sequer me permiti ficar feliz ou sonhadora com esse bebê.
Ando me sentindo tão fragilizada ultimamente, que é como se eu estivesse
falhando em tudo que me propus a fazer. Não consigo me sentir tão feliz
com o que está dando certo, minhas energias foram drenadas
completamente. Infelizmente sequer posso me dar ao luxo de sofrer, porque
minha vida não vai parar enquanto eu decido ficar deitada debaixo do
edredom. Minha filha depende de mim, tem outra criança vindo, e é por
elas que eu preciso limpar o rosto e seguir firme.
— Eu estou sobrecarregada, Má. Por que as coisas que mais amamos
são as que mais nos causam dor?
Tento cessar o choro, limpando as lágrimas e me sentindo um
pouquinho mais leve.
— Nada do que está acontecendo agora será em vão. Talvez,
momentaneamente, seja bom esse afastamento, deixar que ele sinta sua
falta, e assim compreenda o espaço que você tem na vida dele. Se te
consola de alguma forma, ele não está tão melhor que você com toda essa
situação. Eles são mais velhos, mas desmontam bem mais rápido que a
gente. Depois nós que somos complicadas. Mas acredite, o que for para ser
seu será!
26
VANESSA VERSAILLES
— Ah, mãe, qual é a surpresa? — Serena questiona ao meu lado, me
segurando pelos dedos, enquanto andamos pelo extenso corredor que leva
ao apartamento alugado para ser nossa nova moradia. Margot acabou vindo
comigo essa manhã, praticamente dedicou o dia inteiro a mim, até mesmo
me ajudou a escolher qual é o melhor andar. O dia foi um pouco menos
difícil que o anterior por conta dela, e não tive palavras para agradecer o
apoio.
— Se eu contar, vai perder a graça, curiosa!
Destranco a porta da nossa nova moradia, tentando manter o tom
otimista, e deixo que ela entre primeiro. Embora seja mobiliado, não há
muita personalidade. Pretendo cuidar disso com ela, para que a situação
difícil se torne divertida.
— Essa é a nossa casinha... A gente pode decorar como você quiser,
que tal?
Eu me agacho para ficar da altura dela, ver de perto suas reações
confusas. Serena até faz uma careta de desaprovação.
— Eu gosto da casa do papai, por que a gente não volta para lá, mãe?
— Põe as mãos na cintura, inconformada. — Eu gosto mais de lá!
Eu também.
— Mas você vai poder ir para lá a hora que quiser, seu pai vem te
buscar e ficará quantos dias quiser com ele! — Abro um sorriso para
tranquilizá-la e trazer otimismo à situação.
— Mas e você? Papai não sabe fazer mingau. — Suas sobrancelhas
caem. — Vamos voltar para lá, mamãe, por favor, nós duas!
Suas mãozinhas se unem, como se estivesse pedindo clemência, e
meu coração se parte em mais pedacinhos do que eu pensei que seria
possível. Seu olhar triste dizendo que quer as coisas como estavam me faz
engolir o choro. Estou tão inconformada quanto ela, porque de fato Serena
era feliz naquela casa, e eu também me sentia bem lá. Naquela relação, por
mais complicada que fosse, sempre acabávamos nos entendendo quando
Antônio e eu esquecíamos por alguns momentos nossa situação.
— Por que está triste, mamãe? O vovô quem brigou? — Perspicaz,
atenta a mim tanto quanto estou a ela, percebe que não estou no meu melhor
momento.
Nego com a cabeça, fazendo mais esforço ainda para prender o choro.
Rapidamente limpo a lágrima que teima em escorrer, para que ela não
perceba.
— Não, meu amor, seu avô não brigou comigo, mamãe só não está se
sentindo muito bem, só isso, mas vai passar. Eu sei que você prefere lá, mas
eu prometo que aqui também será incrível. E você terá duas casas! —
amenizo, tentando não trazer o tormento de uma relação complicada que
nem eu compreendo direito para sua cabecinha. Serena agarra minha
bochecha com as duas mãozinhas, me encarando de forma direta, os olhos
tão verdes quanto os do dito-cujo. Esses olhos fazem com que eu não o
esqueça mesmo que esteja longe.
— Vai ter que tomar remédio ruim então. — Ela sorri, tentando ser
aquela que dá as cartas, achando que eu serei obrigada a tomar remédio em
vez dela. — Eu gosto mais da gente lá, com o papai, mas vou cuidar de
você aqui, tá bem?
Minha filha, com o coração mais puro que existe, mostra que o que
torna uma pessoa grande não é o tamanho, e sim a sensibilidade e que me
apoiará em todas as circunstâncias, mesmo não estando muito feliz com
minhas escolhas, e me abraça. Agarro esse pedacinho de gente em meus
braços, tão pequenininha, mas responsável por me fazer aguentar coisas que
sempre achei que me quebrariam. A sensação do seu abraço, como se
quisesse me proteger e confortar, me faz pensar que consigo carregar o
mundo nas costas sem sentir dor ou cansaço. Dei sorte de ter uma filha
como ela, espero que, como irmã mais velha, seja tão incrível quanto é
como filha.
Pretendo contar a novidade a Serena assim que a poeira baixar, um
assunto por vez. Não há clima para noticiar que estou grávida novamente
justamente agora, que não estou morando na mesma casa que Antônio.
— Tá bem. Obrigada por existir na minha vida! — agradeço, sentindo
o abraço mais gostoso do mundo.
Mesmo com tudo que Antônio me fez, esse foi o melhor presente de
aniversário de toda a minha vida, é o maior motivo de eu não me arrepender
de nada quando se trata de nós dois. Não quero de forma alguma que essa
mudança de rotina seja traumática para ela, pretendo engolir meus próprios
sentimentos e deixar de lado minha dor para que Tony e eu tenhamos uma
relação minimamente amigável e ela não se sinta desamparada.
— Mamãe, vamos tomar sorvete? Aí você fica feliz comigo!
— O sorvete é para que eu fique feliz ou porque você quer comer
um?
Ela ri com a mãozinha na boca, como se tivesse sido pega no flagra, e
nesse momento consigo gargalhar. Topo sua proposta, afinal não há
problema que resista a um sorvete com essa companhia maravilhosa.

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Cheio de inquietação, arrumo a camisa na altura dos antebraços, para
soar alinhado, enquanto aguardo Vanessa abrir a porta.
É a primeira vez que vamos nos encarar depois do acontecido. Foram
dois dias, mas parece ter passado uma eternidade. Estou estranhamente
agitado por reencontrá-la, mesmo que seja apenas para deixar Serena
comigo essa noite. Mandei mensagem, e Vanessa não se opôs, logo me deu
o endereço do seu novo apartamento.
Ao menos nisso estamos em concordância.
Quero dedicar um tempo a Serena e consequentemente aliviar um
pouco o estresse gerado por tudo. Não quero que ela pense que foi
abandonada por mim só porque a mãe e eu não estamos mais juntos. Estou
fazendo o que eu queria que minha mãe tivesse feito por mim.
Serena é a única capaz de melhorar meu humor de cão. Fui
dispensado da empresa e passei o dia inteiro em casa, enfurnado. Quero
usar esse tempo para assistirmos aos seus filmes favoritos. Torço por uma
noite de alívio em meio a essa desordem.
A porta é aberta. Perco o ar, e o estômago dá cambalhotas quando
Vanessa surge com seus cabelos presos no alto da cabeça, como de costume,
e pés no chão.
Perco mais tempo que o necessário encarando seus lábios carnudos e
olhando as curvas capazes de roubar o fôlego de qualquer ser humano.
Mesmo que sua fisionomia esteja severa ao notar minha encarada e ela
revire os olhos, continua estupidamente linda. Vanessa me deixa sozinho na
porta e entra na própria sala, me ignorando completamente. Percebo, a
contragosto, que mesmo que tenhamos nos afastado, o sentimento e as
sensações que me causa se mantêm na mesma intensidade. Eu me sinto
preso a ela sem nem mesmo estarmos nos tocando. Por isso, tento fingir
uma tranquilidade inexistente.
— Serena já vem, foi procurar uma boneca no meio da bagunça.
— Vanessa.
Em um ímpeto, seguro no seu braço, a puxando para mim, confuso e
inconformado. Quero corrigir as coisas, ou ao menos amenizar. Nem sei ao
certo o que dizer. Vanessa gira o corpo, colidindo contra o meu, e ficamos
próximos demais. Ela espalma a mão no meu peito, tentando manter
distância entre nós, mas me olhando de forma faceira. Ela é menor que eu, e
quando encaro seus olhos, ela não foge, se mantém tão próxima. Nesse
momento percebo sua respiração ofegante como se soubesse e sentisse de
forma cristalina a minha própria desordem.
Eu me sinto enraivecido por ela ter ido embora, mesmo que minhas
ações tenham levado a isso. Às vezes, sinto que o que desejo e o que
preciso não estão se alinhando. Sinto uma grande ansiedade correr nas
veias, de forma tão desesperadora, que cada partícula do meu corpo parece
reverberar. Essa aproximação tão voraz, com seus seios praticamente
espremidos no meu tronco duro, me deixa energizado.
Seu olhar é uma mistura de desejo e raiva e me atinge de uma forma
tão intensa e séria, que eu me arrepio e me desalinho. Vanessa é uma
explosão que me atinge em cheio. Agarro seus cabelos na nuca, segurando
possessivamente, sem ter tempo para raciocinar; sem perceber agarro sua
cintura. Dou uma puxada firme, eliminando qualquer espaço entre nós, e
nossos lábios se chocam de forma dura. Passo para ela o furacão que está
me fazendo sentir em um beijo impetuoso e imprudente, o tesão fervoroso
mostrando que a gente ainda se encaixa. E Vanessa, mesmo resistindo nos
primeiros segundos, cede, retribuindo de forma urgente e totalmente
profunda. Ela parece sedenta quando finca suas longas unhas nos meus
ombros. Vanessa leva tudo de mim de forma erótica, como se quisesse se
livrar da raiva com o tesão que sentimos nesse beijo insensato.
Continuamos os mesmos.
Chupo seus lábios, escutando seus gemidos baixinhos, que eu engulo
enquanto aperto mais na sua cintura. Deixo nossos corpos pressionados um
no outro, em um atrito desesperador. Meu desejo ardentemente é dar uma
lição nessa mulher, sem nem saber por qual motivo eu estou com tanta
raiva. No meio dessa sensação sufocante, a racionalidade e a emoção gritam
coisas distintas.
— Mãe, eu acho que achei! — Serena se faz presente com sua voz no
outro cômodo.
Vanessa repentinamente cessa o beijo, voltando a esfriar e tirando
minhas mãos dela de forma grosseira. Solto o ar dos pulmões e volto à
realidade crua.
Silenciosos, exceto pela respiração acelerada, nos miramos
completamente afetados, tentando odiar o outro, mas apenas sentindo um
tesão cada vez maior. Respiro fundo, tentando em vão controlar o meu
desejo impetuoso por essa pequena ordinária que fode meu juízo de várias
maneiras e me fulmina de pura fúria.
— Que merda você estava fazendo, Antônio? Acha que é assim, me
expulsa da sua vida e acha que pode vir e simplesmente me beijar como se
quisesse algo comigo, seu canalha desgraçado?! — Tremendo de raiva e
controlando o tom de voz, o que torna tudo mais intenso, Vanessa me acusa
enquanto limpa a boca com a mão.
Sinto meu sangue ferver por ela ter tanto controle sobre mim ainda.
Essa mulher sequestrou meu raciocínio e minha razão, até mesmo meu
autocontrole. Eu só quero beijá-la, a possuir com ardor, fazer o que meu
corpo implora, a ponto de um beijo devastador ser o suficiente para me
deixar a um fio de fodê-la de modo bruto. Odeio perceber que não estou
imune, por mais que lute contra isso com todas as minhas forças.
Simplesmente esse encontro não produz o efeito que eu esperava.
Tento retomar meu autocontrole, minha racionalidade.
— Minha intenção não foi dar qualquer sinal de algo a mais enquanto
estávamos morando juntos. Eu já disse mil vezes que casamentos não é para
mim, Vanessa. E respondendo sua pergunta daquele dia, eu não posso nem
quero ter uma relação como deseja, porque minha vida não foi feita para
isso. Há muitas coisas que não são para mim, e você é uma delas! —
Confuso, tento pôr o ponto final de forma firme e menos tumultuada.
Tento tocar em seu rosto de forma terna, odiando me sentir tão
vulnerável, mas ela se esquiva com ira, repelindo meu toque. Eu suspiro
aborrecido. Cada vez que estamos próximos, a racionalidade vai pelos ares,
e com isso acabamos indo de um extremo ao outro com a mesma
intensidade, agindo como dois loucos! Nada se acerta, pelo contrário, se
desordena ainda mais. Eu sequer me reconheço quando estou perto dela.
Vanessa me faz agir de tantas maneiras distintas que... porra!
— Qual a novidade aqui, hein, continua covarde o suficiente para agir
dessa forma tão canalha? Disso já sei desde a primeira vez que me falou
que não me quer. E essa é a última vez que me beija, se não me quer na sua
vida, não tem por que ficar fazendo essas coisas. Se quer uma mulher para
te satisfazer sem se comprometer, vá para seus clubes, onde há exatamente
esse tipo que combina com você: as que não se importam em ter tão pouco
de um homem!
Suspiro longamente, tentando manter o autocontrole, não deixar
transparecer quão enraivecido e perturbado estou. Ainda estou sentindo seu
gosto nos meus lábios enquanto escuto os desaforos afiados.
— Não é covardia, Vanessa, você também nunca quis esse casamento.
Não sou só eu o errado aqui, somos iguais, no fim das contas. Eu estou
apenas cumprindo o que sempre esteve acordado. E foi você a impetuosa
que decidiu misturar tudo, querendo algo que eu nunca te prometi e indo
embora daquela forma, sem nem mesmo me avisar. Eu nunca falei que era
para você ir embora, fiquei como o errado da história só por estar seguindo
o combinado! — rebato, irascível, esclarecendo as acusações descabidas. O
peso de tudo caiu só em mim, como se todo o peso da minha consciência
não fosse o suficiente. As coisas que deveriam ser fáceis se tornaram um
tanto conturbadas porque nós dois fizemos o que não deveríamos ter feito lá
no começo. Nós dois erramos!
— Queria que eu esperasse até você me colocar para fora, que me
enxotasse? Você deveria me conhecer o suficiente para saber que jamais me
sujeitaria a isso. Eu não tenho medo de me relacionar nem sou travada
emocionalmente, Antônio, e é isso que nos difere. Porque eu quero, sim, me
casar um dia, ter uma família com tudo que eu mereço, com um homem que
não tenha medo de me amar, que me queira na própria vida com convicção.
Um homem que pense que eu sou suficiente, que não tenha dúvidas do que
sente por mim, nem que reduza o que a gente viveu a um erro. Eu não tenho
medo de estar só, Antônio, mas sim de ser mal amada. Passei por muita
coisa nessa vida para sofrer por alguém com essas atitudes, uma pessoa que
acha que lá fora aproveitará melhor, como acabou de falar. Alguém que
acha que não estou à sua altura. Realmente, eu mereço mais que isso, e já
entendi que você não é o homem para me dar o que mereço. Não tem por
que querer reviver o que já foi resolvido. Se quer viver assim, viva, pouco
me importa, eu sou nova, tenho toda uma vida pela frente para viver amores
correspondidos. Chega de querer me machucar com esse assunto! — de
forma seca e afiada, Vanessa finaliza o assunto, me deixando cheio de
rancor e aflição.
Eu me sinto no ápice do fracasso, com a alma consumida, de mãos
atadas. Ela entendeu errado o que eu quis dizer. Ficamos um olhando para o
outro, ambos magoados e sem saber como prosseguir a partir daqui. Não
tenho tempo de rebater, porque Serena aparece correndo e pulando em meu
colo. Vanessa se afasta brevemente, suspirando alto, com a mão na testa,
exasperada.
— Mamãe, eu vou ficar com papai para ele não ficar sozinho hoje,
mas, oh, fique com minha boneca, tá bem? Amanhã você me dá.
Serena estende a princesa Tiana para a mãe, que muda de fisionomia
no mesmo momento, mostrando uma expressão amorosa. Minha filha tenta
contornar a situação, como se devesse, com os pais agora separados, dar
atenção igual aos dois. Embora isso seja fofo, também é triste.
Essa é a nossa vida de divorciados!
— Pode levar se quiser, eu vou ficar bem — Van a tranquiliza.
— Vai me buscar amanhã na escola?
— Você quer que eu vá? — ela questiona, e a menina assente.
Nesse primeiro momento, vamos deixar que Serena crie sua própria
rotina, escolha que dia quer dormir na casa de quem, até se acostumar,
afinal não há dia certo da semana para sentir saudades de um de nós dois.
Dessa forma, vamos nos ajustando. Assim também fica bem mais fácil
decidir sobre como será a guarda compartilhada. Como Vanessa escolheu
um apartamento perto do meu, podemos estar por perto em todos os dias da
semana.
— Eu queria que a mamãe fosse com a gente agora, né, papai? Fala
com ela, pai! — Serena, dengosa, nos põe em uma saia justa.
— Sua mãe vai precisar trabalhar, e a gente vai se divertir muitão!
Agora se despede dela!
Saio pela tangente, amenizando a situação e mudando a atenção da
sua pergunta. Vanessa suspira aliviada por eu ter contornado a situação.
As coisas seriam bem mais fáceis se nós não tivéssemos essa química
absurda, avassaladora, mesmo com tantas diferenças. Honestamente, tudo
seria bem melhor para nós dois se o que sentimos não existisse, porque esse
sentimento que passamos a nutrir complicou completamente nossos planos.
27
VANESSA VERSAILLES
Sozinha, parada no meio do apartamento bagunçado pela mudança,
tento organizar as coisas. Aproveito que Serena acabou de sair com Antônio
e não perco tempo pensando demais em bobagem. Tudo que eu desejo
nesse momento é um espumante gelado para me dar ânimo e quebrar o
efeito que ele me causou com a porra de um simples beijo e, depois, com a
característica discussão acalorada.
Acho que, dessa vez, caso não tenha ficado claro antes, dei um ponto
final nessa história, que nem deveria ter acontecido.
Antônio jamais consegue passar despercebido para mim, ele sempre
me causa algo fervoroso, seja ódio ou tesão. Ele é o tipo de homem que
toma o que quer para si, independentemente das consequências,
simplesmente porque está acostumado a isso, a fazer qualquer pessoa ceder
aos seus charmes irresistíveis e à sua magnitude, que aniquila qualquer
coerência.
Ele até mesmo me fez quebrar a promessa que fiz no auge da minha
raiva: jamais o deixaria me tocar. Tinha decidido que ele seria somente o
passado e que daria um gelo nele. Mas Antônio simplesmente apareceu e
me derreteu com uma facilidade que me faz querer explodir inconformada.
Consigo xingá-lo mentalmente com ferocidade pela sua falta de
noção, na mesma proporção que posso sentir seus toques como se fossem
reais. Engulo em seco, lembrando do peitoral largo contra o meu corpo e
suas mãos firmes e pesadas em minha cintura, a boca me devorando. Sinto a
maldita fisgada entre as pernas, causada por minha mente fértil e sensível.
Inconvenientemente, fico pensando no que poderia ter acontecido se não
tivéssemos sido interrompidos. Acho que acabaríamos transando aqui
mesmo se estivéssemos sozinhos.
Estou com raiva de mim por ser tão fraca e suscetível a cometer esse
tipo de erro, e com raiva de Antônio acima de qualquer coisa, por ele ser
tão... tão ele. Além de ter me bagunçado inteira e me afastado, porque não
me quer na sua vida, simplesmente apareceu aqui, quando eu ainda estou
arrumando a bagunça que o seu furacão causou em mim. Parece que veio só
para mostrar que ainda pode fazer de novo, e de novo. Até porque eu
simplesmente deixo que faça. A razão some no mesmo momento em que
meu ar foge quando Antônio me pega dessa forma, fazendo eu me sentir
como se eu fosse sua. Depois vem jogar na minha cara o que eu já sei: que
não me quer.
Eu não deveria estar sofrendo por causa disso, mas a porra do meu
coração parece não conseguir ficar sincronizado com a racionalidade, e eu o
odeio por me causar tudo isso. Mesmo que eu mande, obrigue o sentimento
ir embora, lute com unhas e dentes, a maldita química mostra que não será
tão fácil assim. No meio de tanta confusão, sempre achamos brechas para
sermos inconsequentes mais uma vez. Mesmo que os dois saibam que
quando o momento de prazer passar, estaremos do jeito que estou agora:
fora de mim de tanta ira.
Raiva deveria ser mais do que o suficiente para neutralizar o desejo
que ele me suscita. Mas meus hormônios estão traiçoeiros, me fazendo agir
de um jeito que não me orgulho. Só pode ter sido isso que me fez gostar
daquele maldito beijo e desejar aquele maldito homem, dono dos meus
tormentos e desejos. Sou uma vergonha para mim mesma por ainda estar
dessa forma depois de tudo que aconteceu.
A campainha toca, me assustando e me tirando dos devaneios.
Pensando no que Antônio pode ter esquecido de levar para Serena, passo as
mãos nos cabelos, me esforçando para parecer inabalável. Por mais que eu
esteja um caco, jamais demonstrarei isso a ele. Atendo a porta, e para minha
total surpresa — meus ombros até murcham de decepção —, quem está
parado na soleira é Herbert, com uma pasta transparente parecendo pesada
em mãos, cheia de vários documentos.
— Herbert, o que está fazendo aqui a uma hora dessas? — insatisfeita
pela sua visita inesperada questiono.
— Desculpa o horário, vim trazer documentos para você assinar e
liberar a produção-teste do próximo espumante. Aqui estão todos os
balanços desde o início das pesquisas.
Com lábios esticados em incerteza e uma das mãos na nuca, ele
estende a pasta. Contrariada, dou espaço para Herbert entrar, ainda que eu
não esteja com cabeça para falar de trabalho agora. Herbert quer ser um
bom funcionário, é proativo e eficiente, e eu reconheço sua boa vontade em
me ajudar até mesmo na administração, mas falar o tempo inteiro sobre a
vinícola e os processos do espumante que estamos desenvolvendo é algo
que acaba se tornando inconveniente em certos momentos.
Às vezes, eu preciso de um momento de sossego antes de saltar dos
problemas matrimoniais para os profissionais, além de equilibrar a vida
materna sem descanso. Agora seria o momento em que eu poderia fazer
isso, mas pelo visto é muito otimismo da minha parte. Estou impaciente e
mal-humorada, e não é culpa dele, mas, caramba, eu realmente não estou
com cabeça para ler qualquer linha sobre o processo do espumante, não
quando o beijo recém-recebido, que me deixou de pernas bambas, ainda
está me atormentando, me deixando aérea.
— Poderia ter deixado isso para amanhã, é muito tarde. — De forma
gentil, estendo a mão para que ele me entregue a pasta.
— Cadê Serena? — Ele se aproxima enquanto eu dou uma olhada nos
papéis, para saber o que é tão urgente que não pode esperar algumas horas.
— Antônio a levou para dormir com ele hoje. — Desvio minha
atenção para ele, que ronda minha sala com os olhos.
— Então teve problemas no paraíso? Está até mesmo sozinha em
outro apartamento. Pelo visto, dessa vez foi bem sério...
Percebo que há traços de cinismo em sua voz ao questionar como
anda meu relacionamento.
Sorrateiramente, ele vem se aproximando de mim, tentando me
segurar no ombro por trás. Eu me esquivo, girando o corpo, estranhando seu
comportamento nem um pouco costumeiro.
— Como? — em dúvida sobre suas intenções, indago.
— Ele não te merece, Vanessa. Que bom que se livrou desse cara,
merece alguém bem melhor!
Herbert não demonstra quaisquer traços de constrangimento ao falar
comigo dessa forma, pondo as mãos no bolso da calça e me fitando de
forma séria. Arqueio as sobrancelhas pela liberdade não concedida.
— E desde quando temos intimidade para você falar sobre minha vida
pessoal, Herbert? Somos amigos porque o trabalho exige parceria, não
confunda as coisas.
Eu o faço se mancar, o pondo no seu lugar, caso tenha esquecido qual
é. Nunca gostei que nem minha família se metesse dessa forma na minha
vida, quem dirá Herbert, que trabalha comigo há poucos meses.
— Me deixe assumir sua filha, Van. Serei um pai incrível para ela. E
temos muito mais a ver do que aquele convencido lá!
E ele continua bastante confortável com sua inconveniência. Atônita e
sem saber como reagir diante da sua falta de noção, solto uma risada
forçada e nervosa, repleta de puro cinismo. Minha fisionomia logo volta a
algo mais firme e severo quando percebo que ele está falando sério e que
não é uma pegadinha fora de hora. Herbert teimosamente tenta tocar no
meu braço de novo, se aproximando de mim, e eu recuo, não permitindo
que ele invada qualquer espaço pessoal.
— Chega, está tudo muito estranho aqui. Vou facilitar as coisas aqui
para você. Minha filha tem pai, e não estou à procura de homem. Eu nunca
nem te vi como algo a mais! Não estou gostando do seu comportamento
agora, se contente com sua posição de amigo, porque amizade é o máximo
que teremos. Por favor, saia, antes que eu me irrite de verdade! — Com
firmeza, fecho a pasta, a deixando de lado e apontando para a porta.
Herbert nega com a cabeça, indignado, demonstrando puro desgosto
por conta do papel de Antônio em minha vida. Parece estar completamente
fora de si.
— Então eu tratei você e sua filha bem, ouvi seus desabafos sobre o
trabalho e sobre seu pai, esperei seu tempo, enquanto você fodia com outro
à toa? Para agora dizer que não quer nada comigo, sendo que vivia se
insinuando para mim, me deixava ficar perto, me tocando. Até mesmo vivia
sorrindo para mim! Vai me dizer que me quer só como amigo e nunca me
viu como algo mais?
Realmente confusa com sua ira por minha negativa, tento acalmar os
ânimos, já que ele está exaltado. Nunca houve sequer um sinal que desse
oportunidade para ele entender nossa relação dessa forma. Assim, procuro a
forma mais didática para que ele entenda que não há a menor chance de
existir qualquer coisa entre nós, que nunca houve.
— Esse é o conceito de amizade. Conversar, rir e apoiar o outro,
independentemente de com quem estamos transando. Se isso para você
significa se insinuar, claramente você nunca se relacionou com mulheres.
Eu nunca te enxerguei com outros olhos, você é quem se iludiu sozinho,
porque nunca dei sinais de algo diferente, Herbert — com voz mais baixa,
esclareço o que pelo visto ainda não ficou claro.
Mesmo que eu tenha usado seu nome para deixar Antônio
desequilibrado em nossas discussões, isso aconteceu em um ambiente em
que Herbert não estava. Entre nós dois nunca houve nada, eu nem mesmo
mencionava Antônio e nossos problemas conjugais porque isso não lhe
dizia respeito. Jamais dei qualquer esperança para algo além de uma
amizade, sempre demonstrei que gostava dele e estava grata por Herbert
estar sempre por perto, tanto como funcionário quanto como amigo, por rir
de bobagens no meio do expediente e tudo mais. Mas só. O problema é que
a amizade dele tinha fins sexuais. Eu não tapeei ninguém, ele, sim, me
tapeou, achando que me tratando desse jeito me convenceria de um
romance futuro.
— Pelo visto, você gosta mesmo de ser tratada mal, né? Em vez de
escolher um homem melhor, que te tratará como merece, quer ficar com ele
só porque é rico!
O desgraçado me pega pelo cotovelo de forma impetuosa, tentando se
sobrepor a mim por meio da força. Estou catatônica pelo seu
comportamento rude. Ele nunca se dirigiu a mim dessa forma desrespeitosa.
Tento me soltar, com o maxilar travado, irritada por suas atitudes. Ele
ultrapassou o limite do ridículo, e para mim tudo pode já ir acabando por
aqui. No fim, Antônio estava certo, Herbert estava esperando apenas a
oportunidade de se atirar para cima de mim.
— O homem seria você? Acorda para vida, não fale o que não sabe. E
não me ofenda! — Elevo um pouco o tom da minha voz, forçando para que
me solte. — E eu já falei para ir embora!
— Não vai ser tão fácil assim, vai ter que me dar ao menos um beijo!
Acha que não conheço sua história, garota, para agir como uma santinha
ofendida?
Aperta mais meu cotovelo, me trazendo para mais perto dele. Começo
a me sentir nervosa por ele negar meu pedido. Sua fisionomia se torna
tenebrosa, totalmente diferente daquela que estou acostumada. Eu mal o
reconheço, percebo que aquele homem gentil e calmo que era o filho
estudado que entendia tudo sobre vinhedos de um dos amigos do meu pai,
apresentado a mim por ele mesmo, por isso eu confiava tanto em Herbert,
era pura farsa. Bastou achar uma oportunidade para colocar as garrinhas
para fora. Nem hesitou, só porque estou novamente solteira. Para ele, me
tornei de domínio público.
De repente, Herbert se tornou um desconhecido e uma ameaça.
— Me solta! Vá embora!
Tento duelar com ele, obviamente como o sujeito é mais forte, é
inútil. O medo e a irritação transbordam em minha voz quando vejo que as
coisas podem sair do controle. Sinto meu estômago revirar completamente,
não sei se de nojo pelo que planeja fazer ou pela carga emocional, somada
ao enjoo de gravidez, por ter sido sacudida. Talvez seja tudo junto. Eu
vomito de uma só vez nos seus pés, o fazendo recuar com repulsa. Congelo
no lugar, sem saber o que ele fará, se vai descontar me dando um soco ou
algo assim.
Rapidamente pego a pasta pesada que estava próxima a mim e a
coloco entre nós, como forma de proteger minha barriga caso ele tente agir
com violência; Seguro com firmeza, planejando usar de arma e arremessar
na sua cabeça caso seja necessário.
— Se der mais um passo, você está fodido. Não cometa um erro que
não poderá aguentar as consequências. Se for esperto, vai engolir seu ego e
sair daqui, e nunca mais vai voltar. Você está demitido. Não apareça mais!
Trêmula, me vejo diante de um cachorro bravo que poderá me atacar
a qualquer segundo. Tento não deixar transparecer meu medo, estudando
cada passo seu, ainda que meu coração esteja estupidamente acelerado.
Sinto vontade de vomitar mais uma vez de tanto estresse, de tanta
insegurança.
Herbert, com repulsa pelo vômito na própria roupa, porém colérico,
age com sensatez pela primeira vez na noite, desistindo do que estava
planejando. Ele me dirige um último olhar severo, saindo e deixando o
rastro de vômito por onde passa. Bate a porta com tanta força, que
praticamente estremece o prédio inteiro.
Uma vez sozinha novamente, e com a cabeça pulsando enquanto tento
acalmar os pensamentos ruins sobre o que poderia ter acontecido, solto o ar
dos pulmões. Poderia ter sido pior, dessa vez eu tive sorte.
Instantaneamente lembro de Antônio e do jeito como me acolhe
quando preciso. Dessa vez, resolverei tudo sozinha.

ANTÔNIO GONZÁLEZ
— Levanta, Antônio!
Eu me sobressalto pela voz de trovão de Augusto soando
repentinamente.
Dor de cabeça, vertigem, enjoo e boca seca são os principais sintomas
de ressaca, e os sinto antes mesmo de me levantar do sofá. É a segunda
noite que eu repito esse ciclo. Desde quando deixei Serena no colégio, sinto
como se tivesse sido atropelado quando vi o desgraçado do Herbert
entrando com o carro no prédio de Vanessa enquanto eu estava saindo com
minha filha.
Ambos sozinhos no apartamento dela. Só de pensar no que aconteceu,
me sinto angustiado. E um pateta por estar assim. No final das contas, tudo
só reforça que eu agi corretamente ao não me enfiar em um relacionamento.
Dias atrás, ela me queria como família, agora já está com aquele babaca no
apartamento com ela. Ou seja, o final seria o mesmo, eu aqui no meu
apartamento sozinho, a diferença é que eu me antecipei.
Isso significa que a porra do amor ou qualquer uma dessas balelas que
tentam enfiar goela abaixo de todo mundo não existem para mim!
— Me deixa em paz, caralho! — Zonzo, com a cabeça pesando
toneladas, tento sentar no sofá. Nesse momento, sinto que o efeito da bebida
não passou muito bem.
Por que eu estou vendo dois Augustos de fisionomias sérias e braços
cruzados diante de mim?
— Chega dessa lamúria, acabou seu tempo de sofrer. Levanta, eu não
aguento esse sofrimento, não, sério. Chega, acorda para a vida. Acha que
vai fazer seus filhos felizes estando infeliz e bebendo para esquecer as
coisas? Acha que Vanessa conseguirá ser uma mãe completa estando
infeliz, convivendo com o homem que ama mas não retribui? É isso que
acha que é uma vida saudável para vocês dois e as crianças?
Desorientado e com os membros do corpo pesados, engulo em seco, a
garganta áspera de tão seca. Tento limpar o rosto e enxergar as coisas com
mais nitidez. Recosto a cabeça no sofá. A claridade chega de uma só vez
para mim quando Augusto abre as cortinas sem minha permissão. Meus
olhos ardem e lacrimejam. Filho da...!
Quando foi que eu achei uma boa ideia permitir que Augusto tivesse
acesso livre à minha casa?
— Não vou a lugar algum! — Com dificuldade de falar, caio
novamente no sofá, morto de sono, mas Augusto me sacode novamente. —
Porra, você é chato para caralho!
Quero ficar apenas mais uns dias no meu apartamento, sozinho e
bebendo, até que esse vírus maldito do amor passe e eu volte à minha rotina
em pleno vigor. Por ora, estou apenas existindo, comendo comida
industrializada e enchendo a cara nesse apartamento vazio demais,
assimilando que a desgraçada me deu o maior golpe de todos, o de
misericórdia, colocando aquele paspalho no apartamento.
Eu sabia que aconteceria cedo ou tarde, mas sinto que desci mais
alguns metros no fundo do poço, e está doendo demais. O pior de tudo é a
ironia da vida. Quando a gente não quer se envolver é exatamente o
momento em que acontecem as coisas mais intensas. Sentimentos reais não
passam rápido, não como eu gostaria, e eu sinto tanta saudade daquela
infeliz, que o corpo dói.
Ou talvez seja apenas gripe.
— Você está péssimo, Tony. — Com tom bem-humorado, Augusto dá
um tapinha nas minhas costas.
— Ah, vai à merda. Acha que não sei, porra?
— Você bêbado consegue ser ainda mais insuportável e boca suja.
Sua casa parece um cativeiro, de tão escuro, sem contar a quantidade de
lixo e garrafas no chão. Quando eu te dei a semana para organizar sua vida,
não foi para isso! E a cura para isso nós sabemos qual é. Acorda, toma um
banho, faz a barba e vá buscar sua mulher, caramba — ele ordena de forma
decidida, como se eu fosse José, seu filho. Em seguida, me entrega um
grande copo de água geladinha. Eu salivaria por ela se não estivesse com a
boca tão ressecada.
— Então me demita! Vá embora e me deixe em paz. O ciclo para
qualquer vírus passar é de cinco e sete dias, e eu estou no meu quinto. Mais
dois dias, ele vai embora!
Saturado e aborrecido pela sua insistência descabida, olho feio, mas
Augusto solta uma gargalhada como se toda a situação fosse muito
engraçada.
— Está rindo de quê? Tá achando engraçado me ver no fundo do
poço, Augusto?
— Não, estou achando engraçado é que você sempre foi todo putão,
mas bastou apenas um chá bem dado, que quebrou o fodão no meio, ficou
até sem rumo! — Ele gargalha da minha situação, e eu não acho graça
alguma dessa merda. — Vai ficar teimando e sendo infeliz porque não quer
arriscar a felicidade? Contraditório, não? Não pense que vai ser feliz com
outras mulheres, porque não vai. Nem todas elas juntas vão te fazer bem
como Vanessa te faz, porque você não está procurando ou sentindo falta
delas. O pior sentimento é o arrependimento. Pode ser tarde demais quando
perceber que quantidade vale menos que qualidade, e eu não vou deixar
você fazer a maior burrada da sua vida, assim como não deixou que eu
fizesse quando quis abrir mão do que me fazia bem. Não fique achando que
fazendo isso vai proteger seus filhos, porque não vai. Eu sou seu amigo,
cara, não vou deixar que se acabe dessa forma por teimosia. Pega meu
exemplo, de que tentar agir contra a maré só fode com tudo. Levanta o rabo
daí e vai atrás dela! — Com a voz mais amena, ele senta na mesa de centro
diante de mim e me aconselha.
Coço os olhos, sentindo os dois arderem. Não faço a mínima ideia de
por onde começar a arrumar a minha vida, organizar tudo o que fugiu do
controle e me tirou da zona de conforto. Tudo era mais fácil quando eu
conseguia deitar e levantar de camas distintas sem pensar em como seria ter
a mesma pessoa por perto mais vezes durante o dia. Ou como seria querer
ligar só para ouvir a voz dela porque senti necessidade de a ouvir.
Hoje estou sentindo falta até das brigas por coisas bobas, discussões
que me tiravam do sério, e isso só porque ela estava aqui comigo,
preenchendo esses cômodos vazios com seus podcasts de assassinato ou as
músicas barulhentas da minha filha, que cantava mais alto que a televisão.
Eu me sinto realmente muito mal, e beber se tornou a única saída. Eu
mesmo pulei nesse buraco ao ter me acostumado e apegado no que era
temporário, feito um fracassado que nunca me permiti ser.
— Mesmo se eu tentasse reverter a situação, Vanessa não me quer
mais — atormentado, digo em um fiapo de voz.
— Ela quer o homem que a ama, não esse bêbado que foge do que
deseja porque está com medo de encarar um relacionamento. Está sendo um
fujão que nunca foi. Sofrendo, você já está por negar o que todos nós já
sabemos. Você conseguiria se sentir bem hoje se Vanessa avisasse que está
saindo com uma nova pessoa? Prefere perder a garota a lutar contra seus
sentimentos ruins. Evitar dar espaço aos bons sentimentos é a coisa mais
burra que você vai fazer. Honre seus culhões!
Augusto me dá um sacode para realidade.
— Eu já perdi, ela já conheceu esse cara. Eu vi o desgraçado do
Herbert, o tal enólogo que trabalha com ela, subir quando eu e Serena
descemos. A gente tinha discutido, ela jogou na minha cara que era nova e
recomeçaria com sua vida, aposto que ele já deu o bote. Eu sabia, cara, que
eles ainda iriam ter algo! Ela correu para aquele paspalho, o homem
claramente tem ejaculação precoce, a cara dele não nega!
Sinto a raiva e o gosto amargo que vêm com a imagem dos dois
passando a noite juntos. Mal consigo pensar em outro homem recebendo
seus beijos, a fazendo gemer. Sou incapaz de lidar com a possibilidade de
ter outro nome que não seja o meu saindo da sua boca quando estiver no
ápice do prazer.
— Então vai declarar a derrota assim, deixar seu lugar ser ocupado
por um homem com ejaculação precoce? Deixar esse cara criar seus filhos?
Ninguém esquece ninguém dessa forma tão rápido, talvez nem tenha
acontecido nada e você está sofrendo por antecipação. Levanta, Antônio, já
te dei tempo o suficiente para sofrer essa dor de corno sem necessidade.
Deixa de pessimismo, vai primeiro atrás da sua mãe, converse com ela e
deixe o passado ir, independentemente do que ela disser. Assim poderá
refazer sua vida e ter uma família sem essa carga que carrega desde
moleque. Eu não vou deixar que jogue sua vida na lata de lixo dessa forma.
Vou retribuir o favor que fez para mim meses atrás. Eu te levarei até ela!
Eu não sei se deveria escutar aquela mulher depois de tudo...
28
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Não sei se deveria, mas vim.
Depois de procurá-la nos lugares próximos aos nossos encontros,
consegui descobrir o endereço dela. Ela mora em um bairro um pouco
distante do centro, de classe baixa, bastante humilde, com casas parecidas e
pintadas de cores distintas. Porém é uma rua charmosa e pouco
movimentada. Noto que desperta curiosidade aos moradores meu carro
grande e de luxo naquele local. Encontro sua casa pelo número que me foi
dado por uma feirante que julgo ser sua amiga.
— Vai lá, te espero aqui — Augusto me incentiva quando vê que fico
tempo demais parado, encarando a casa.
Concordo, soltando o ar dos pulmões e tomando coragem. Desço do
carro para colocar a história a limpo, não faço a mínima ideia do que
esperar. É a primeira vez que estou vindo de encontro ao meu passado, um
passado de sofrimentos terríveis. Entretanto não nego que haja curiosidade
em mim, quero saber qual seria sua justificativa por ter feito o que fez.
Decidido, atravesso o pequeno jardim e bato na porta de madeira, esperando
que atenda.
Não demora para que a pequena senhora apareça, com os cabelos, de
um tom entre o loiro e o grisalho, presos para trás. Os olhos tão verdes
quantos os meus me fazem ter a impressão de que nem um ano se passou,
mesmo que sua pele esteja enrugada e flácida, castigada pelo tempo e sol.
Sua fisionomia demonstra surpresa, impressionada pela minha presença.
Nesse momento, só consigo passar as mãos suadas na calça.
— Tony... — Desconcertada e segurando firme na porta, sequer sabe
como reagir.
— Podemos conversar?
Tento me manter indiferente e firme, mascarando a incerteza que me
toma por estar aqui para escutar essa mulher. Enfim vou saber os motivos
que a levaram embora. Ela concorda efusivamente, agora com satisfação,
dando espaço para que eu entre na sua humilde residência. A casa parece
arrumada, nada diferente do que eu imaginava, com decoração colorida. Em
uma parede, próximo à televisão, há uma foto minha com ela em um dos
meus aniversários em um porta-retrato. Parecíamos felizes.
— Senta, está com fome? Parece que eu estava adivinhando que viria,
fiz bolo de milho, era seu favorito. — Ligeiramente nervosa e
entusiasmada, ela atropela as palavras, sem saber como agir. Limpa as mãos
molhadas em um avental enquanto nego, querendo ser o mais breve
possível. Mesmo que eu tenha vindo mergulhar no meu passado, comer
meu bolo favorito feito por ela trará mais carga emocional do que eu estou
disposto a aguentar hoje.
— Por que nos abandonou, Adelaide? E por qual razão apareceu de
repente na empresa querendo falar comigo? O que quer comigo depois de
tantos anos? — Com as mãos no bolso, vou direto ao assunto.
— Prefiro que sente. — Aponta para o sofá, e acabo obedecendo. Ela
senta ao meu lado, toda tensa, de coluna ereta. — Eu não te abandonei
porque eu quis, fui obrigada a ir embora.
— Obrigada? Meu pai não foi mais meu pai depois que você nos
abandonou. Ele sofreu, eu sofri, você fodeu com a vida de todo mundo e
vem dizer que foi obrigada a ir? — Eu me exalto, descontente com sua
justificativa descabida, mas suspiro, para tentar pôr um fim a isso de uma
vez, acabar com esse passado entreaberto.
— Não, Tony, seu pai já era daquela forma que você presenciou bem
antes da minha saída, eu é que não deixava que você visse o pior dele — ela
rebate, me calando. — Ele era um bom pai, só não era um bom marido. Era
um militar extremamente problemático que achava que podia tudo porque o
Estado deu a ele esse poder. Você não via as nossas brigas porque eu nunca
deixei que me visse apanhando ou visse meus machucados ou me pegasse
chorando pelo que ele fazia comigo. Eu aguentava tudo para não te atingir,
mas você não faz ideia quão difícil foi te dar adeus naquela noite, te deixar
adormecido sem poder te levar naquele momento. Meu plano sempre foi te
buscar assim que pudesse.
Desnorteado, tento me levantar, sufocado com sua confissão tão cruel.
Mas ela segura nas minhas mãos, para que eu me contenha e escute tudo.
Ao encarar seu rosto novamente, é notória a tristeza em seu olhar, daquele
tipo que rouba o brilho de quem sofreu muito na vida, e eu sinto pena. O
sentimento de a ver sofrendo ainda me comove, porque as coisas não eram
fáceis, eu já sabia, mas conseguiram ficar piores. Se meu pai fazia isso,
praticava violência doméstica, não haveria motivos para ficar daquele jeito,
tão fora de si, quando ela partiu. Porque ele não a amava, ou talvez seja
porque ele queria um saco de pancadas em tempo integral. E eu sequer pude
defendê-la. Nesse momento, me sinto impotente, e é uma droga esse
sentimento de insuficiência, como se estivesse de mãos atadas. Eu me sinto
tomado pelo remorso!
— Por que não foi para polícia e o denunciou, Adelaide? Se não quis
mais meu pai, eu ainda era seu filho, uma criança que precisava da mãe.
Uma criança que teve que se criar sozinha! Por que não me levou com você
ou foi me buscar?! Você só pensou em si! — indignado, esbravejo minha
maior mágoa, porque ela pode não ter dado certo com meu pai, mas eu
continuava sendo seu filho. Continuava sendo a criança que chorou por
muitas noites por se sentir rejeitado, sozinho no quarto, tendo que aguentar
o pai na sua pior fase. Eu não podia chorar no colo de ninguém, porque ele
sempre exigiu, de maneira rígida, que eu tivesse uma postura masculina, e
homens não podiam chorar ou ter emoções, mesmo que eu o visse chorando
em meio à bebedeira!
Acho que, no final das contas, eu sentia mais por ela ter me deixado
com ele do que abandonado a casa e o casamento.
— As coisas não são assim, meu filho, não existia lei a favor da
mulher mais de trinta anos atrás. Era uma época em que éramos propriedade
do marido, que podia nos corrigir se achasse necessário. Eu era dona de
casa, ele nunca me deixou trabalhar, dizia que eu tinha de cuidar de você.
Eu era totalmente dependente dele, então aguentei por muitos anos, era
minha única escolha. Não ache que pensei só em mim quando fui embora,
que não foi um sacrifício ter te deixando com ele. Foi sobrevivência, ou era
isso ou você iria passar fome comigo na rua. Se eu não escapasse naquela
noite, com toda certeza estaria morta. — Sua voz começa a embargar, e
vejo que está tomada pela emoção. Sua dor é nítida quando começa a
reviver esse passado tão difícil. Eu também sinto o momento, minha
vontade de chorar se torna mais forte ao escutar tantos absurdos cometidos
dentro da minha própria casa sem que eu me desse conta. Só desejo abraçá-
la, mas não sei se devo. — Eu pensei que você, estando com ele, estaria a
salvo, que eu sumir poderia dar a você uma infância menos tumultuada.
Achei que teria paz e que ele cuidaria de você. Eu me senti culpada por
muitos anos, mas nunca quis que o relacionamento de marido e mulher
afetasse o de pai e filho. Pensei em te reencontrar quando completou a
maioridade, mas você tinha acabado de perdê-lo, seria informação demais
se eu aparecesse. Te procurei anos depois, na nossa antiga casa, mas você
não morava mais lá. Esses desencontros se estenderam por anos, então
quando te vi no semáforo, interpretei como uma segunda chance. A
verdade, Tony, é que o que matou seu pai foi a mesma coisa que me fez ir
embora: ele tinha um coração duro e amargo, não dava valor à própria
família. A diferença é que se eu continuasse lá com ele, eu estaria morta
também. Eu preferi sair daquele conforto em que vivíamos para continuar
viva. Hoje sou feirante, tenho uma vida bem mais digna do que se tivesse
ficado com ele, acredite. Vivendo com pouco nesta casa, estou mais feliz
que naquele casarão que nós morávamos!
Acho que a dor da fome deve ter sido menor do que ter aguentado
meu pai. Eu me tornei o saco de pancadas dele quando ela se foi. Eu achei
que era porque ela havia ido embora, que ele tinha se tornado aquilo porque
foi deixado pela mulher que amava, mas que não o valorizou. Ele sempre
me fez achar que nossa vida perfeita ruiu quando minha mãe foi embora
porque todas as mulheres fazem isso, principalmente se eu permitisse me
apaixonar e que uma mulher entrasse de forma definitiva em minha vida.
E eu cresci acreditando nessa mentira. Odiando minha mãe por ter
acabado com o que era tão bom, não me permitindo passar mais que poucas
noites com qualquer mulher. Evitei qualquer tipo de intimidade que pudesse
soar como um relacionamento além de sexual.
Ficamos em um profundo silêncio, absorvendo o inferno narrado. O
bolo na garganta faz com que eu me sinta pior do que quando entrei.
Escutar essas barbaridades faz meu estômago revirar, uma violência
cometida pelo homem que eu sempre coloquei como vítima. Travo o
maxilar para aguentar até o final, mirando um ponto específico para não
desabar.
— Eu amava seu pai, Antônio, amava tanto, que eu fiquei dez anos
com ele, tentando consertá-lo, tentando me enganar que era uma fase e que
ele me amava. Disse a mim mesma que seu pai só estava passando por
turbulências, mas ele era aquilo ali. Na noite que eu fugi, ele atirou em
mim, para me matar, mas a arma estava descarregada, porque eu sempre a
desarmava com medo que ele matasse a todos nós. Eu sempre apanhava por
isso, mas sabia que enquanto eu fizesse isso, nós estaríamos seguros. Eu
pensei que, indo embora, ele se acalmaria.
Tento conter o maldito choro, porque imagino a dor que ela está
sentindo. Eu passei quase os mesmos anos dessa forma, com medo do meu
pai atentar contra a minha ou contra a própria vida. Eu fui emancipado aos
dezesseis, porque ele já não era considerado capaz de responder pelos
próprios atos por conta da bebida, tanto que foi exonerado da corporação.
Foi aí que tudo desandou de vez, o inferno se tornou mais insuportável, e eu
tive que tomar rédeas de tudo de forma legal. Cansei de tirá-lo de
delegacias por desacato ou briga, e sempre ele queria descontar em mim,
até que aprendi a me defender. Jamais me orgulharei do soco que tive de dar
nele em uma das nossas brigas para que ele não atirasse em mim.
E com o ressentimento que havia em mim por tudo que havia
passado, eu jurei, prometi a mim mesmo, no leito de morte dele, que jamais
me casaria e jamais seria como ele. Não iria me permitir ter filhos que
acabassem passando por tudo isso. Acho que no fim, enxergando as coisas
como foram de verdade, a vida triste que teve foi apenas carma de tudo que
fez com quem o amava.
— Desculpa não ter te defendido dele e por ter passado por tudo isso
sozinha.
Estou envergonhado e derrotado, minha voz sai embargada.
Adelaide limpa as lágrimas dos meus olhos de forma terna, e eu deixo
que se aproxime e me toque. É reconfortante quando ponho minha mão por
cima da dela. Meu pai foi um verdadeiro monstro, eu sequer fazia ideia. Ele
sempre me fez acreditar que ela foi embora porque não nos amava, porque
era ruim e egoísta. Dizia que minha mãe havia trocado nosso amor pela
farra, tanto que eu nunca fiz questão de procurá-la. Eu a excluí da minha
vida, quando na verdade ele era o problema, sempre foi ele quem não soube
cuidar da própria família, nos usando todos como saco de pancadas. Minhas
primeiras tatuagens inclusive foram feitas para cobrir cicatrizes das nossas
brigas, até que peguei gosto pelo desenho e cobri o corpo por gostar.
— Ah, meu menino, não se culpe, você era apenas uma criança.
De forma terna, ela me acalenta, e me sinto ainda mais vulnerável e
fraco.
— Eu... eu não fazia ideia que também viveu esse horror, eu cresci
acreditando em uma versão totalmente diferente. Isso me atormentou por
tantos anos, que me fez descrente do amor. Tive medo de me tornar como
ele, porque eu vi minha mãe acabar com a vida do meu pai depois de me
abandonar. Perdi até mesmo a mulher da minha vida por receio que o
destino repetisse essa história. É como se eu tivesse me tornado um sujeito
como ele, mesmo lutando para não ser!
Adelaide se aproxima um pouco mais, pegando nas minhas mãos.
Estou me sentindo derrotado demais por ter tratado mal uma sobrevivente
daquele inferno, uma sobrevivente como eu.
— Sabe, filho, o medo de não ser igual é o primeiro passo para não
ser igual. Só de estar aqui mostra que não quer ser como ele. E peço a você:
não deixe que meu relacionamento com seu pai dite como será sua vida.
Veja isso como uma lição para que não cometa os nossos erros, para que
faça melhor. Não deseje ser infeliz porque seu pai e eu fomos, dessa forma
só vai estender o sofrimento a dois casais fracassados em vez de um. Você,
mais que ninguém, merece ser feliz. Não compare nossas experiências, são
circunstâncias diferentes. Seu pai e eu não somos exemplo de nada, nosso
casamento é uma exceção. Você é inteligente demais para sofrer por amor
antes de experimentar o sentimento mais terno do mundo. Cuide da sua
família, Tony, você merece isso, ter com quem contar... — ela me consola
enquanto alisa minhas mãos, mas me mantenho calado. — Sei que tem
medo, mas, filho costuma seguir bons exemplos e não o que dizemos a ele
para fazer. Você é a prova viva disso. Aquela garotinha linda que vi pode
estar se sentindo como você se sentiu a vida inteira, e ela merece saber que
pode ser amada da mesma forma que a mãe dela foi por você. Dê essa
chance a si de fazer diferente, não faça como seu pai, aceitando a derrota
sem lutar. Não deixe o ego falar mais alto, admita que você também pode
errar.
Eu me levanto, limpando dos olhos qualquer lágrima inconveniente,
encerrando a conversa. Ouvi o suficiente, e ainda que eu tenha escutado
coisas pesadas, me sinto um pouco mais aliviado por termos colocado tudo
em pratos limpos. Sei agora que querer alguém em sua vida não é
penitência nem sofrimento, a menos que você não saiba como cuidar dessa
pessoa.
— Obrigado, Adelaide, me desculpa pelo jeito que te trarei aquele
dia. Apareça na empresa quando quiser, só falar que é minha mãe para ter
passe livre.
Ofereço um sorriso constrangido e todo o dinheiro que havia na
minha carteira para ajudá-la, caso haja necessidade, e ela nitidamente
chorando sorri em meio às lágrimas. Num ímpeto, ela me abraça cheia de
afeto, e eu retribuo, acolhendo a mulher pequena que chora e me agarra
com firmeza. Acabo cedendo à emoção também. Beijo sua cabeça diversas
vezes, sentindo o cheiro familiar. Percebo que a sensação de a ter por perto
continua a mesma, e olha que última vez que fizemos isso, eu cabia em seu
colo.
É como se um grande peso tivesse saído das minhas costas.
E com essa repentina paz, vem o otimismo de que as coisas ainda
possam começar a dar certo, sem esse fantasma do meu passado. Penso em
Vanessa e se temos chances após as minhas recusas em aceitar que ela é a
mulher certa para mim. Eu me sinto energizado e pronto para organizar
minha vida, nossa vida juntos, disposto a seguir os conselhos da minha mãe
e não cometer os erros do meu pai. Eu fiquei com tanto receio de ser como
ele, que estraguei tudo agindo como se estivesse protegendo todo mundo.
Afastei todos da minha vida, exatamente como Adelaide precisou fazer, só
que nesse caso não adiantou muita coisa.
Eu me machuquei e a machuquei.
Acho que a falta de uma família na minha vida me deixou dessa
forma, sem muita base para lidar com a felicidade, e por isso sinto tanto a
falta de Vanessa e Serena. Querendo ou não, elas são a minha família, são
as mulheres que amo demais, mesmo com o jeito desarranjado que
entramos na vida uns dos outros.
Não quero perdê-las como meu pai perdeu a mim e a minha mãe,
jamais quero ser como ele, machucar quem só queria me fazer bem. Mesmo
ainda receoso de tudo, com certas correntes insistindo em me aprisionar,
lutarei por elas e as trarei de volta para a minha vida e para nossa casa, de
onde não deveriam ter saído. Eu me apaixonei por aquela infeliz de cabelos
cacheados e sorriso faceiro, então, se for para seguirmos caminhos
diferentes no futuro, e espero que isso não aconteça, quero primeiro ter
certeza que tentamos o máximo, nos entregando por inteiro a esse
sentimento.

— Como assim não posso subir? — indignado, com um buquê em


mãos, questiono a recepcionista do prédio onde fica o escritório de Vanessa.
— Dona Vanessa não pode atender ao senhor... — constrangida, ela
me comunica, e eu a encaro de volta com pura descrença. — Mandou avisar
que estava ocupada, pediu para que mandasse mensagem caso fosse muito
urgente.
— Obrigado.
Contrariado, dou um aceno, saindo do prédio e me sentindo
encolerizado por essa tinhosa ter me dado um banho de água fria. Decido
enviar uma mensagem. Não vou desistir tão fácil assim de reconquistá-la.
Porém não faço a mínima ideia do que falar quando encontrar com
ela, como me abrir, como revelar os motivos de a ter rejeitado naquela
noite. Preciso contar sobre meu passado e tudo mais e então convencê-la a
ficar comigo. Do jeito que é orgulhosa, terei que ser bem convincente. Pelo
menos tenho fé que dará certo.
“Van, precisamos conversar, me deixa subir...’”
No mesmo segundo, ela visualiza e logo aparece: digitando...
“Se não for sobre Serena, eu não quero saber, vai pro inferno!”
Mostrando que seu humor não está dos melhores comigo, ela se
mantém irredutível. Eu suspiro, jogando o buquê de flores secas, que achei
que iria gostar mais, na primeira lata de lixo que encontro, atraindo olhares
de alguns curiosos.
Estou exasperado, sinto pura frustração por ter escolhido a dedo a
mulher que me enlouquece de diversos sentidos. Mas mesmo com esse
maldito contratempo, que só serve para atrasar nosso final feliz, não vou
desistir de dobrar essa encrenqueira. Depois disso, darei uma lição que ela
jamais vai esquecer, só por ter me colocado na palma da sua mão com tanta
facilidade.
Ou eu não me chamo Antônio González!
29
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Batucando a caneta na minha mesa de escritório, me mantenho imerso
aos meus próprios pensamentos agridoces sobre Vanessa e todo o caos que
ela me causa. Perdi a manhã inteira sem conseguir produzir ou me
concentrar. Na cabeça só há reflexões sobre o que eu posso fazer para
reverter essa merda toda e fazê-la me ouvir. Mesmo depois de mais dois
dias, ela se mantém irredutível, teimosa, ignorando absolutamente todas as
minhas tentativas de reaproximação. Eu tinha certeza que alguma delas
daria certo.
Mas se fosse fácil e simples, não seria Vanessa. Obviamente com ela
tudo é o inverso do esperado, tumultuado, um furacão em qualquer ação.
Ela gosta de me abalar, de me desconcertar, como se fosse particularmente
divertido me ver enlouquecer. Inclusive ontem recebemos o ofício com a
data de assinatura do divórcio, que será na próxima segunda-feira. Eu tenho
apenas dois dias, um final de semana, quarenta e oito horas, e apenas uma
chance para convencê-la a não prosseguirmos com esse acordo pós-nupcial
e ficarmos juntos. É como se um relógio estivesse aqui na minha mesa.
Estou impaciente, cada segundo conta é precioso.
A tinhosa não quer me ver de forma alguma, e minha insistência em
falar com ela a fez achar que é sobre o divórcio. Nós dois nos falamos
apenas por mensagens, conversamos sobre Serena e o bebê, que terá a
primeira consulta de pré-natal. Faço questão de ir, afinal em breve seremos
de fato um casal.
Porém, na sua última mensagem acerca do divórcio, ela escreveu em
caixa alta que não pretendia prolongar a situação e que me daria o que eu
tanto queria, assinaria sem querer nada em troca, como decidimos lá no
início. Desbocada do jeito que é, ainda mandou emojis do dedo do meio e
olhinhos revirando.
A cretina nega minha entrada no seu trabalho para conversarmos, o
que nos impede de ficarmos a sós. Ela cortou todo tipo de contato que
julgue desnecessário, afinal nós dois sabemos que agiremos
irracionalmente, como da última vez. E, honestamente, cansei desse lenga-
lenga, que já se estendeu demais, vou parar de tentar achar um jeito
mirabolante de fazer Vanessa me escutar e serei mais incisivo, para que ela
entenda de uma vez por todas que a quero comigo, e ponto final.
Vou pegar aquela mulher para mim, sem direito a negativas!
Com a cidade agitada no horário de pico, barulhenta como meus
pensamentos, finalizo o expediente e corro atrás do meu prejuízo; nada é
mais importante que me acertar com Vanessa. Com meu paletó e o coração
nas mãos, sigo para a sua casa. Ela vai ter de liberar minha entrada, preciso
ver minha filha de qualquer forma. Sinto saudades todo dia e sei que é
recíproco. Ver a menina dia sim e dia não não é vida!
Com o peito apertado e me sentindo pressionado — Vanessa tem esse
poder, de me tirar do eixo —, dirijo ansioso, odiando o maldito
congestionamento. Estou indo com a cara e a coragem, sem flores,
chocolates ou quaisquer outros presentes, com a roupa que vim trabalhar,
sem nada além da vontade de fazer dar certo.
No seu prédio, mais um empecilho: fui avisado pelo porteiro que ela
não está no apartamento desde o início da tarde, que tinha descido com a
criança e um senhor, com bolsas nas mãos, e partiram juntos em um carro.
Logo deduzi que poderia ser o pai dela. Ela me comunicou que esse final de
semana queria ficar com Serena e se divertir um pouco com a criança. Eu só
não sabia que iriam para a fazenda do pai dela.
Meus ombros murcham de pura frustração. Nada está ao meu favor.
Vanessa tinha de complicar mais a situação viajando justo hoje!
Sabendo que ela está incomunicável e que esperar até segunda-feira,
justamente o dia da conclusão do divórcio, será a mesma coisa que jogar
minhas chances no ralo, olho no relógio. Quando chegar na fazenda, já será
tarde da noite.
Mais uma vez retomo minha maratona de penar para chegar até ela,
agora em direção à cidade vizinha, sem ter ideia de onde é a casa de Jorge
— afinal tudo que conheci lá foi o vinhedo, e havia mais plantações do que
casas — ou garantias de que tudo dará certo. Só posso contar com minha
intuição.
Corro para o carro novamente, sabendo que o tempo está se esvaindo.
Vou atrás daquela infeliz, vou pegá-la nos ombros e mostrar que sou a porra
do seu homem e que ela estar proibida de sair da minha vida novamente!
Eu não vou desistir tão fácil, vou lutar pelas duas!

VANESSA VERSAILLES
Estou me sentindo minimamente em paz no meu lugar favorito da
vida. Observo a escuridão do vinhedo da janela do quarto, que precisa de
uma boa reforma, mas ainda consegue ser o melhor lugar para descansar.
Aqui me sinto acolhida. Decidi sair da cidade para poder ter um tempo
quietinha, organizar meus pensamentos. Preciso de um respiro desde o que
aconteceu com Herbert, recarregar minhas energias e tentar equilibrar os
hormônios, que estão dando as caras com um pouco mais de desordem.
Além disso, é necessário me preparar para o fato de que o próximo dia útil
será marcado pela assinatura que determinará o fim oficial da minha
história com Antônio.
Ainda que ela não tenha chegado a existir de fato...
Então, sobrecarregada como estava, não hesitei em ligar para meu pai
pedindo para vir me buscar. Juntei o útil ao agradável, podemos passar um
tempo juntos, para ele se aproximar da neta e corrigir a má impressão que
Serena tem dele, e de quebra eu posso ver de perto a produção das uvas.
Tanto que fiz questão de ficar aqui, no casarão do vinhedo, como eu fazia
na gravidez de Serena, em vez de voltar ao nosso antigo quarto. Até porque
Serena não se sente muito bem lá, então podemos ficar aqui, a sós. Com
isso temos um momento divertido de mãe e filha, como eu tinha com minha
mãe, enquanto planejo a nova etapa das nossas vidas.
Meu pai está ansiosíssimo para começar uma reforma aqui.
Ele ficou ciente do que Herbert fez e não pensou duas vezes em
comunicar ao próprio amigo e pai dele sobre suas atitudes questionáveis.
Como delegado da cidade, ele o prendeu, não oficialmente, mas como uma
forma de tirá-lo de circulação enquanto eu estiver por aqui. Também fez
isso para que o filho pudesse refletir sobre as burradas que poderia ter
cometido ao não respeitar uma negativa. Ele me deixou à vontade, caso eu
quisesse prestar queixa formal, e assim eu fiz. Pedi também uma medida
protetiva, pois moro sozinha com minha filha e não vou pagar para ver.
Uma única vez foi o suficiente para crer que ele seria capaz de fazer algo
pior.
E agora tenho mais uma pendência a resolver: achar um enólogo,
preferencialmente mulher. Vou atrasar um pouquinho uma nova linha de
espumantes, mas nada muito desesperador, estou dentro do cronograma.
Com minha filha adormecida, exausta de tanto correr por aí, saio da
sacada do segundo quarto com minha xícara morna de chá. No caminho
pego a máquina fotográfica que dei a ela no dia em que viajei. Saio na
ponta dos pés para não a acordar. Serena praticamente não desgrudou da
câmera, virou seu novo hobby fotografar tudo que vê pela frente, mas eu
ainda não parei para ver nenhuma das suas peripécias, nem mesmo as que
tiramos hoje no vinhedo.
No silêncio reconfortante, sozinha no quarto, vou passando as fotos
de hoje até as mais antigas, rindo das suas imagens desfocadas e tortas.
Algumas são só borrões, mas são engraçadas pelas suas tentativas de
autorretrato. Tem foto do casarão, das uvas, do seu pé com sapato de
lantejoula. Ela também fotografou sua boneca da princesa Tiana e tirou até
mesmo uma minha enquanto eu estava distraída conversando com meu pai
dentro do carro, quando estávamos vindo para cá. A cada foto solto uma
risada nova, até que vem a vontade de chorar quando chego nas fotos do dia
em que viajei, fotos dela com Antônio, outras apenas de Antônio sozinho,
maquiado, batom todo fora da boca e com os cabelos cheios de presilhas.
Descobri por que todas as minhas coisas estavam fora do lugar naquele dia.
Tem até mesmo uma fotografia dela com meus saltos, tirada por ele,
mostrando que fizeram a festa na minha parte do closet enquanto estive
fora.
Choro em meio ao riso, com os hormônios lá no alto, amando ver essa
interação gostosa dos dois, uma conexão que me surpreende, confesso.
Ponho minha mão na barriga ainda sem não evidente, desejando que esse
bebê que está se desenvolvendo aqui seja amado e possa ter essa mesma
sorte. Mesmo com todos nossos desencontros e meus erros na vida, acertei
no pai para meus filhos, isso é inegável.
E eu queria tanto, mas tanto, que fôssemos uma linda família feliz
juntos, daquelas bem clichê mesmo. Como desejei que tudo fosse diferente
entre nós, que nossas fases de vida estivessem sincronizadas, para que essa
felicidade estampada no rosto dos dois fosse rotina em nosso lar.
Seria uma casa amorosa, criaríamos nossas crianças juntinhos,
ensinando a elas quão gostoso é amar. Eu ainda imagino nós dois tomando
um café da manhã na sacada da vinícola vendo nossos filhos brincando em
meio à plantação. Esse é um desejo tão forte, que é como se eu me
maltratasse só de imaginar. A assinatura do divórcio está logo ali, eu não
deveria desejar ter uma família com um homem que já mostrou que não me
quer. Isso é uma droga, não poder e nem conseguir arrancar certos
sentimentos inconvenientes e viscerais do peito. Mas é culpa minha ter
criado expectativas infundadas. Eu me apeguei, me apaixonei por um
homem que sempre deixou claro desde o nosso reencontro que nunca me
quis em sua vida.
— Tony, por que você tinha que ser tão canalha e preferir a farra a
uma família incrível que poderíamos ter juntos?!
Coração traiçoeiro que insiste em querer quem não deve!

ANTÔNIO GONZÁLEZ
Apressado, saio do carro diante do casarão escuro. A estrada está
parcialmente iluminada pelos postes bem distantes um do outro.
Ponho as mãos na cintura, pensando no que fazer se Vanessa não
estiver aqui, no que farei para encontrá-la. Está tarde demais, e não quero
ter vindo à toa. Eu poderia ligar para ela, mas tenho certeza que Vanessa
não vai me atender.
— Vanessa! — chamo com as duas mãos ao redor da boca. —
Vanessa!
Espero alguns segundos, para ver se haverá alguma resposta, mas o
casarão se mantém escuro. Ela não tem carro, não há nenhum veículo aqui
estacionado, então não tenho como saber se veio para cá ou não.
— Vanessa! Aparece!
Repito o ciclo, a chamando mais alto, para ver se me escuta melhor,
até que literalmente uma luz de esperança se acende, vem de um cômodo no
primeiro andar. Se for Herbert, eu juro que eu o derrubo lá de cima. Mas é
Vanessa que surge, confusa, se debruçando na sacada, vestida em um robe.
A imagem é sensual, de tão despretensiosa, é como se estivéssemos
dentro de uma pintura do romantismo. Ela lá em cima com roupas de
dormir, e eu aqui embaixo, feito um louco apaixonado e desesperado pela
sua atenção.
No que eu me tornei, tendo pensamentos líricos em torno de uma
mulher?
— Ah, não, Antônio, de novo? O quê…? O que está fazendo aqui e a
uma hora dessas? Eu não te avisei que ficaria com Serena esse final de
semana? — Desconcertada com minha presença ali, ela tenta entender.
— Eu amo minha filha, mas eu vim por você, Vanessa, por favor,
desce! — digo, olhando para cima.
Ela some da sacada, apagando as luzes do casarão, e quando acho que
não vai descer, surge no térreo, saindo da casa e vindo em minha direção.
Os cabelos soltos esvoaçam com o vento forte dessas bandas. Ela abraça o
próprio corpo, diminuindo a nossa distância, que já durou tempo demais. A
cena se torna estupidamente sensual, a cretina não deveria ser tão linda.
Sua expressão não está das melhores, parece totalmente insatisfeita
em me ver aqui. Se a conheço bem, está disposta a me mandar para o raio
que o parta o mais breve possível.
— Me diz, Antônio, o que seria tão urgente para vir até aqui a uma
hora dessas para tirar meu sossego, o que não pode esperar até segunda-
feira? — Descontente, ela gesticula efusivamente. — Se for para me dizer
sobre o divórcio e que aceitará qualquer acordo para me tirar da sua vida, eu
já entendi, e vou repetir mais uma vez que não quero nada seu. Não vou
mudar de opinião na hora. Chega dessa história e desse assunto, pelo amor!
Só queria saber mesmo qual foi a mulher que te fez tão descrente do amor,
de uma vida a dois! Aliás, se quer saber, não me importo. Espero que seja
feliz, porque eu também tentarei ser. Agora, por favor, vá embora. Até
segunda! — Ela desata a mostrar suas opiniões de forma impaciente,
nitidamente ressentida. A mágoa pelo que eu fiz está na superfície. Ela tem
razão, eu sei. Seu pavio curtíssimo só reforça o quanto me quer longe daqui,
e eu deixo que fale tudo que quer para que isso não se torne uma briga.
Até que percebo que ela está disposta a dar as costas sem nem me dar
a chance de falar. Não a deixo ir, não dessa vez, a pego pela mão, a trazendo
para mim mais uma vez. Eu a prendo em meus braços, pois é aqui o seu
lugar.
Minha ação ousada a pega desprevenida, e suas feições se tornam
mais severas, feito uma onça arisca, mesmo que tenha ficado calada
brevemente me encarando. Sei que está doida para me xingar novamente.
Retribuo o olhar com profundidade, sentindo o peito pinicar. Eu não faço a
mínima ideia de como convencê-la, nem do que falar para fazer com que
essa turrona me aceite de volta. Em nossa última briga, ela deixou claro que
as coisas não serão tão fáceis, então só vou saber se arriscar. Talvez o
melhor jeito seja ser sincero, nada menos que isso.
Suspiro longamente, ficando nervoso, mas decidido a falar o que eu
sinto olhando diretamente nos seus olhos, para que não haja nenhum traço
suspeito em minhas palavras.
— Foi a minha mãe. Na verdade, o meu pai, Vanessa. Cresci
acreditando que o amor machuca, que o amor destrói, e que casamento não
era para mim. Não quero ser como ele, não quero perder a grande
oportunidade de ser feliz com a mulher da minha vida por não saber lidar
com meus próprios sentimentos — com a voz baixa, pausadamente, quase
rouco pela garganta seca, abro meu coração sem reservas para a única
mulher que foi capaz de me fazer querer sentir exatamente o que estou
sentindo.
Ela une as sobrancelhas, confusa, mas seu biquinho ressentido se
mantém.
— Está me dizendo que veio até aqui para me contar que decidiu
abdicar da própria felicidade com medo de sofrer por causa dos seus pais?
Não somos ninguém além de nós mesmos, Antônio. É nobre da sua parte
vir se justificar, agradeço, mas isso não muda muita coisa, o divórcio vai
acontecer na segunda-feira. Para mim, dói mais saber que você escolheu
não querer sentir algo por mim. Faça o que quiser da própria vida, porque
eu vou viver a minha. Como falei quando te reencontrei, você ser o pai de
Serena para mim é o suficiente, o resto é dispensável!
Com desgosto, ela resiste, magoada, com olhinhos magoados,
tentando se soltar de mim para voltar ao casarão. Eu a mantenho firme,
sentindo seu cheiro de pimenta. Com o polegar, limpo uma lágrima teimosa
dos seus olhos. Vanessa tem pouca idade, mas dá aula de vida, mesmo
parecendo tão vulnerável, se mostra uma mulher forte, corajosa, até mais
que eu, confesso. Resiste até mesmo quando quer desabar, e eu odeio ter
sido o causador dos seus sofrimentos quando sei que fica mais linda
sorrindo.
Sim, Vanessa me pôs na coleira, e tudo que eu mais quero é que ela
me mantenha aqui.
— Van, entenda, eu vim aqui porque quero ser melhor que isso. Para
mim não é o suficiente, Vanessa, sem você, nada é suficiente. Eu quero
consertar meus erros e te ter na minha vida! — esbravejo de forma visceral
para que não reste dúvidas. — Quebrei todas as minhas regras por você, e
não quero ser só o pai dos seus filhos, Vanessa, eu quero ser a porra do seu
homem. Porque, garota, parece que desde sempre estou apaixonado por
você e estou fracassando em tudo. Em te amar, em te proteger, em ser o
homem que você merece. O que sinto me consome, me devora, me sufoca,
e com ou sem o nosso segundo bebê, com ou sem o divórcio, eu perceberia
isso. Eu sou completamente louco por você, insano, doente, e eu te amo
tanto, que tenho medo de me entregar e depois perder você. Tanto, que
preferi não te ter, porque eu sei que, se existir a possibilidade de você ir
embora, garota, eu não serei o mesmo homem. Se você entrar na minha
vida é para sempre, porra, porque minha vida sem você é completamente
sem graça. Você me enfeitiçou, cretina, me fez ir a nocaute no meu próprio
jogo, e eu preciso de você para que tudo volte a ter sentido!
De coração limpo e peito aberto, transbordando por ela, miro
diretamente em seus olhos, estudando suas reações de susto e ceticismo. Ela
leva as mãos à boca, e noto que em seus olhos castanhos, tão expressivos e
fumegantes, se forma um pequeno rio de pequenas gotículas que os
inundam. Sorrio, confirmando com um aceno que falei a verdade.
É a única coisa que tenho certeza atualmente.
— Eu te amo, porra! Te amo, te amo e te amo! — falo em alto e bom
som para que qualquer pessoa no mundo possa ouvir, caso ainda restem
dúvidas. Em seguida, pego Vanessa em meus braços e continuo: — Quer
que eu grite mais alto? Vanessa Versailles, você desperta em mim
sentimentos que nunca tive, você me tem por inteiro, e eu te quero para
sempre na minha vida! Você me enfeitiçou e me estragou para qualquer
outra mulher. Eu me sinto um castrado falando isso, mas eu não me importo
de ser um castrado, contudo que eu seja feliz com você!
— Vai acordar nossa filha! — Com a voz embargada, atônita pela
minha loucura, é a única coisa que fala.
— Eu quero mais que ela veja os pais dela felizes, Vanessa! E eu
quero rasgar aquele divórcio e te mostrar que nunca falei tão sério em toda
a minha vida. Quero casar com você, agora, de verdade, aqui mesmo, para
que sejamos felizes. Temos tudo que precisamos para que isso aconteça, sei
o que quero: eu quero você na minha vida. Jamais vou te abandonar, basta
apenas que nos deixe ter essa chance, preta. Sou eu que te pergunto agora:
você me quer na sua vida como uma família? — em um ímpeto, com
urgência, deixando pela primeira vez que meus sentimentos me guiem,
pergunto o que o coração grita para saber.
Dentre todas as certezas da minha vida, a maior de todas é essa, que é
com Vanessa que eu quero ficar. Estou cheio de expectativas enquanto
encaro os olhos cismados e descrentes de Vanessa. Ela parece confusa com
tantas informações sendo jogadas sobre ela. Aguardo a resposta que
decidirá nossa vida, se aceitará criar nossos filhos em um lar como o que
nunca tive, como tem que ser!
30
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Parado, mergulhado em expectativas, rio por dentro das ironias da
vida. Vanessa correu para pôr o primeiro vestido que encontrou nas suas
coisas, é vaidosa demais para casar do jeito que estava, mesmo que
estivesse linda de robe.
Pelo menos não estou vestido com aquela droga de roupa do Patolino,
como da outra vez, quando fui pego desprevenido.
Trinta e sete anos me esquivando de qualquer tipo de intimidade com
qualquer mulher, e logo eu, quem diria, estou casando de livre e espontânea
vontade, por decisão minha, de uma forma simples e informal, apenas para
reafirmar o nosso compromisso, já que somos legalmente casados e nossa
assinatura dos documentos do cartório não foi bacana.
Quero que o momento de hoje seja uma boa memória para nós três. É
como um marco, um novo capítulo das nossas vidas. Serena estará conosco
dessa vez, até me ajudou a organizar tudo às pressas, aqui dentro mesmo da
vinícola rústica, mas sofisticada, em meio ao corredor dos barris de
espumantes fermentando. Não é nada elaborado, mas é tudo que
precisamos.
Aguardo Vanessa na escada do casarão que dá acesso ao subsolo da
vinícola e perco o ar quando ela surge lá no topo, com um largo sorriso,
estupidamente linda, de vestido bege de alcinhas, acima dos joelhos, com
um decote que mais parece um corpete e uma fenda que se abre
timidamente nas suas coxas grossas, modelado seu corpo curvilíneo. Os
cabelos cacheados se mantêm presos no alto da cabeça, mas há alguns fios
saindo de um jeito bonito.
Gostosa para caralho!
Nas suas mãos em vez de um buquê, há a mãozinha nossa filha, que
está vestida com sua fantasia de Tiana, com direito até mesmo a uma coroa.
Ela está muito animada para fazer parte do momento. A flor mais bonita!
Ambas descem as escadas ao meu encontro, e a mão de Vanessa
encontra a minha. Beijo seus dedos. Vanessa me faz desejar ter tudo aquilo
que vai na contramão do que eu achei que precisava para ser feliz.
— Prometo que um dia ainda casaremos na igreja, como você merece.
— Para mim, assim já está perfeito, Antônio. — Com os olhos
brilhando, ela sorri abertamente.
Serena passa por nós, correndo para outra extremidade do corredor,
para nos aguardar, fazendo a sonoplastia da marcha nupcial com a boca,
mas a sério, enquanto Vanessa e eu gargalhamos com sua euforia. Andamos
sem cerimônia até nossa filha. Ela tomou a responsabilidade para si de nos
casar, disse que sabe como fazer, já que viu em um dos seus filmes
favoritos, e deixamos que fizesse. A intenção aqui é que as coisas sejam
como têm que ser, que tornemos o momento único para todos nós.
Não somos comuns, então se o casamento fosse, não estaria tão à
nossa cara como agora. Ela e eu, nossa filha e os espumantes, isso tudo é o
que somos. Seremos felizes dessa forma.
Fizemos tudo rapidamente, na surpresa, mas não é assim que tudo
aconteceu entre nós, sem planos? Foi tudo cheio de momentos aleatórios, de
sustos e rasteiras da vida, mas no fim valeu a pena, não foi? Então que
assim seja aqui também!
Chegamos até Serena, que está amando a nova brincadeira em plena
madrugada, e viramos frente a frente, ajoelhados para que possamos ficar
na altura dela.
— Papai, mamãe, eu quero que fiquem juntos com Serena para
sempre, não é, gente?! Aceitam?
Serena mostra os dois mindinhos, um para mim e um para Vanessa,
para que possamos fazer uma promessa. Selamos o acordo, nos
comprometendo. Rimos mais uma vez pela cerimônia feita por ela, direta,
com toda sua doçura. Eu me derreto pela minha pestinha se achando a
juíza-de-paz, toda charmosa. Talvez tenha herdado da mãe esse poder de me
deixar dessa forma por ela.
E quer saber? Eu sou um castrado do caralho, porque mesmo tendo
ciência disso, estou feliz como nunca antes.
— Vanessa, prometo que nossos filhos serão nossa prioridade para
sempre. Eu não quero te machucar, só peço que faça o mesmo comigo. A
forma como sou seu, ninguém nunca chegou perto, então eu aceito e quero
que a gente viva isso para o restante das nossas vidas! — digo, a segurando
pela cintura e acariciando sua barriga já ficando evidente, a morada do
nosso bebê que em breve chegará para que tudo fique completo.
— Eu aceito toda a felicidade que virá a partir de hoje e prometo
cuidar dos nossos bens mais preciosos. Para sempre!
Sua voz sai embargada. Ela está sendo uma manteiga derretida que
nunca vi na vida. Vanessa sorri em meio ao choro dengoso e conclui seus
votos, concordando com os termos que Serena expôs, com a mão em cima
da minha em sua barriga.
Ponho a aliança de ouro branco em cima da que ela já usa, como uma
renovação de votos. Comprei no dia em que fiz as pazes com minha mãe, e
desse dia em diante a caixinha de veludo nunca saiu do meu bolso.
— Papai e mamãe para sempre.
Como se tivesse em uma coroação, Serena nos dá a bênção com a
varinha de plástico, em uma mistura lúdica de todos os seus desenhos
animados, nos unindo para sempre. Ela mesma comemora o próprio feito.
— Beija logo ela, papai!
Vanessa me encara tão terna, que ponho minha mão em suas
bochechas, sentindo seu rosto se inclinando contra minha palma. Serena
impaciente junta nossas cabeças para que o beijo aconteça de uma vez.
Puxo Vanessa para mim com firmeza, e ela me agarra pelo pescoço,
colando nossos lábios de um jeito forte e saudoso, entrelaçando nossas
línguas com ferocidade, cheia de energia. Chupo seus lábios macios e sua
língua ávida e quente, acompanhando meu desejo por ela. Ainda assim, essa
não é um por cento da indecência que quero com ela.
— E foram felizes para sempre!
Com um toque de magia infantil, minha filha nos abençoa.
Serena aplaude nossa reconciliação, adorando nos ver bem
novamente. Nós nos separamos sem ar, comedidos, rindo, cúmplices.
Percebo seu olhar de tesão quando deixo um beijo no seu pescoço, com mil
e uma promessas do que ainda pretendo fazer com ela. Vanessa se derrete
todinha, sua pele arrepia grudada à minha a denunciando. Ela está
entendendo bem o que eu quero, reconhecendo os sentimentos que nos
atormentavam e hoje nos atiçam.
Levanto, ajudando Vanessa a fazer o mesmo, e carrego minha filha no
colo. Ela abraça os dois de uma vez, compartilhando a felicidade do casal.
Vanessa suspende o olhar para mim, e eu logo percebo sobre o que ela quer
falar. Comedido, aceno, já que não há momento perfeito para isso.
— Serena, temos uma boa surpresa para você! — Vanessa sorri de
forma maternal para a menina, que está toda ouvidos, curiosa. — Mamãe
está esperando um bebezinho que vai brincar muito com você.
Esperamos sua reação, que não demora a vir: ela puxa o ar de forma
dramática, mostrando surpresa, colocando as mãos nas bochechas,
esfuziante com a notícia. Abre o sorriso mais lindo que pode, a ponto de as
bochechas gordas deixarem os olhinhos miúdos.
— Esse é o melhor dia da minha vida! — ela declara, toda expressiva,
abraçando a gente mais uma vez. — Se for menina, pode ser a Lottie, e
menino, o sapo, né, mamãe?! Eu sou a Tiana, cheguei primeiro!
Rimos junto com ela de sua imposição, entusiasmados com a notícia.
Fazemos um sanduíche de Serena, nos abraçando, os três, e curtindo o
nosso melhor momento. Nós nos balançamos em harmonia.
— Isso conseguiu ser muito melhor do que eu imaginei!
Van parece satisfeita, e eu concordo. Com cada uma pendurada em
um dos meus braços, tiro Vanessa do chão, nos girando, enquanto ouço a
gargalhada de ambas preenchendo o ambiente.
Tão bom morrer de amor e continuar vivendo!
Não tem como garantir que vamos ficar na vida um do outro para
sempre nem que o amor nunca vai diminuir por parte de um de nós dois.
Apenas espero que isso nunca aconteça, e sei que, enquanto estivermos
juntos, será nossa melhor fase, o famoso eterno enquanto dure. Há coisas
que a gente não controla, mas há outras que dependem da gente para dar
certo. Se depender de mim, será infinito.
VANESSA VERSAILLES
Encarando o anel reluzente que foi posto em meu dedo minutos atrás,
sorrio, tão leve e satisfeita, que é como se eu flutuasse. Estou em êxtase,
como se tudo fosse um sonho que, honestamente, não faço questão de
acordar nunca!
Antônio está decidido a não desistir da gente, mesmo quando tudo se
encaminhava para um desfecho. Quando demonstra que tem medo de me
perder, consegue me deixar ainda mais bamba e rendida por ele. Aliso as
bochechas gordas de Serena, adormecida, e tiro a coroa da fantasia que está
presa em seus cachinhos. Ela ficou tão elétrica com tudo, que o pouquinho
da bateria que havia recarregado no cochilo não demorou a acabar, e ela
apagou.
Eu me sinto tão grata por Serena existir. Se não fosse sua chegada
surpresa em minha vida, lá nos meus dezoito anos, muita coisa não teria
vindo até a mim, nem mesmo o próprio Antônio. Tenho completa certeza
que a mulher que sou hoje foi moldada pela experiência de a ter ao meu
lado, por sua presença, assim como toda a minha felicidade. Disso nunca
tive dúvidas.
A noite foi excepcionalmente surpreendente e memorável, cada
pedacinho dela. Esse momento foi tão nosso, tão único e especial, que me
sinto em um clichê de romance digno de cinema.
— Vanessa.
Escuto a voz grave do meu agora oficialmente marido.
— Sou eu, mais conhecida como a domadora do canalha!
Convencida, sorrio brincalhona, girando a cabeça para encontrá-lo na
soleira da porta, sem camisa e com a calça social aberta, todo gostoso e
másculo com suas tatuagens e músculos à mostra. Isso sem contar o sorriso
torto, que me bagunça inteira. Deixo minha filha ali adormecida, e como se
houvesse um ímã entre Antônio e eu, vou ao seu encontro.
Ele pega na palma da minha mão, que some sob a sua mão, máscula;
entrelaçamos nossos dedos. Em seguida, me puxa firme pela cintura, e
ofego com a sensação de nossos corpos grudadinhos; aspiro o cheiro
gostoso do seu pescoço, inebriada, escutando seu suspiro acentuado
próximo ao meu ouvido.
Tão bom não ter culpa por desejá-lo tanto… Sei que todas as nossas
tempestades foram exclusivamente por conta disso, nunca soubemos
disfarçar ou aceitar essa eletricidade profunda que nos envolve desde
sempre.
De mãos dadas, amando esse contato, Antônio me guia pelo corredor,
e eu apenas o sigo. Com nítida surpresa, paro na soleira da porta do meu
quarto, vendo que ele preparou para nossa noite, enquanto eu estava com
Serena, nosso ninho, com vista para o vinhedo. Trouxe até mesmo um balde
com espumantes.
— Nossa noite precisa de um bom espumante. — Aponta sua escolha.
— Eu não estou podendo beber.
De forma suave, Tony solta meus cabelos, que caem pelas costas, e os
joga para o lado, afastando os fios do meu pescoço e tornando a curva livre.
Sinto sua barba pinicar minha pele aquecida pela sua proximidade.
— Quem disse que é para você beber? Senhora Vanessa Versailles
González, bem-vinda à nossa grande noite! — sussurra por trás, em meu
ouvido, e me tremo todinha, inquieta e perturbada, perdendo o ar, tamanha
intensidade de sua promessa. Meu novo sobrenome se torna um deleite de
ser ouvido da sua boca, tenho orgulho do que somos agora de forma
definitiva.
Cheio de apetite, Antônio gira meu corpo e me puxa para si, com as
mãos espalmadas nas minhas costas, não me dando chance alguma de fuga
— não que eu queira arredar o pé daqui. Não reprimo o gemido, tamanha
ansiedade que sinto entre as pernas, pelo tesão cru que Antônio me causa
por seu jeito de me olhar, tão devasso, até mesmo impiedoso. Antônio,
umedece os próprios lábios antes de me tomar para si em um beijo erótico e
faminto. É audacioso e ganancioso, e eu retribuo com o mesmo ímpeto. Mal
posso esperar para o ter todo em mim, da forma mais promíscua possível; a
excitação está batendo no teto.
Caminhados atracados um no outro, comigo de costas, agarrada a seu
braço sólido, sem muito norte; sou dominada por trás, com ele ditando o
ritmo que quer o beijo. É másculo, um beijo forte, línguas entrelaçadas do
jeito mais devasso que conseguimos ser, cheios de volúpia. Repletos de
energia, impomos nossos desejos, enlouquecidos para um ser logo do outro,
agora sem reservas. Meus lábios são chupados de tal modo, que fico bamba
e pegando fogo.
Dominada com firmeza pelos cabelos, sorrio, lasciva, gostando das
suas ideias para essa noite. Minhas digitais deslizam pelo seu corpo firme,
indo direto para o cós aberto da calça, achando o caminho da cueca e
tocando a pele quente. Chego a ponto de sentir um arrepio na espinha
quando o encontro pulsante na minha palma. Faço uma carícia
despretensiosa em seu pau pesado de tão inchado, vendo seu desalinho ao
firmar mais a mão na minha nuca, ofegando de modo satisfeito. Agarrada
pelo pescoço, por sua mão pesada, Tony rosna, me trazendo mais para perto
ainda, para me beijar com mais força e vontade, nem um pouco cuidadoso.
Estamos no auge da vontade canal que nosso encontro sempre nos causa. É
um desejo que me deixa refém da vontade de sermos apenas um. Esfrego
meus lábios nos seus, querendo suprir o que nos consome de forma mais
profunda e até mesmo violenta.
Sem pensar demais ou ter qualquer medo, porque esse é o nosso
lugar, onde tudo é permitido, porque nos permitimos ser.
Meu vestido é retirado do corpo de forma astuta, e Antônio, ao me ver
de peças íntimas... O desgraçado mordisca meu queixo, maldoso,
prendendo meu lábio inferior com seus dentes e passando a língua para
aplacar a dor. Vejo que especificamente hoje sua ideia é me enlouquecer,
me deixar na palma da sua mão. Minhas pernas enroscam na sua cintura
quando ele me puxa para o seu colo. Antônio está sentado na ponta da
cama, me deixando em cima do seu pau firme, que roça em mim de forma
descarada. Isso facilita seus próximos passos. Inquieta, não evito me
esfregar, absorvendo o contato gostoso demais, tentador, sentindo os
espasmos por dentro e o desejando tanto, que é desconfortável não me
sentir preenchida. Mas ele não parece estar tão desnorteado quanto eu,
mesmo que esteja com a cueca estufada, forçando mais o contato comigo
em seu colo. Tony se mantém sob controle.
Mal consigo engolir meus gemidos baixos, de tão entorpecida de
tesão. Não consigo pensar em nada além do que ele vai fazer comigo.
Quero sentir o gosto e a textura da sua pele, e todas as sensações que essa
noite poderá nos proporcionar. Mordisco seu lóbulo, vendo sua reação, o
eriçar dos pelinhos do corpo, e me contorço, soltando uma respiração
pesada quando seus dedos deslizam sobre minhas costas de forma leve, mas
intensa. É como se fosse uma espécie de tortura gostosa.
— Quero você...
Com os olhos nublados e as pupilas dilatadas, peço, sem fôlego, todos
os hormônios em ebulição enquanto arranho suas costas, como fez comigo.
Tony passa os lábios tentadoramente nos meus, e mordisco seu queixo forte,
em meio à nossa aura provocante.
— Hoje eu vou te venerar, safada, porque é minha, você é minha,
porra! — bruto, Tony me reivindica mais uma vez, com todas as suas
exigências, de uma forma absolutamente sensual, invertendo nossas
posições e repousando minhas costas no colchão.
Eu o puxo para cima de mim com as pernas. Seu polegar vai até meus
lábios, me acarinhando, os olhos cínicos e brilhantes descendo de forma
perversa por meu corpo. Ele me deixa tremendo todinha, trazendo arrepios
fumegantes onde sua mão máscula percorre.
Antônio se afasta brevemente apenas para voltar com o espumante
nas mãos, com os cabelos desordenados e a cueca marcada libidinosamente.
Tudo grita tesão e luxúria. O sentimento que nos envolve e que nos prende
ao momento é palpável. Eu me sento, sensível ao menor dos estímulos.
Estamos imersos em um clima quente e gostoso, assim como meu homem.
Tony estoura o lacre da bebida, dando início de fato à nossa festa.
Toma um grande gole da própria garrafa, beijando rapidamente meus lábios
para que eu sinta o sabor em seu beijo, mas sem beber diretamente.
— Sabia que há boas utilidades para um espumante além da
tradicional?
Rouco e sensual em uma falsa serenidade, sobe na cama, me pondo
entre suas pernas e me deixando ansiosa para saber o que ele quer aprontar.
Tony derrama um pouco do líquido em meu pescoço, e estremeço inteira,
respirando trêmula quando ele, como um predador, deixa a garrafa de lado e
começa a passar a língua quente. O contraste na minha pele sensível fria
pela bebida é um estímulo e tanto. Ele o faz suavemente, provocando
arrepios e comichões em toda a minha boceta, que goteja por ele, carente,
quando eu percebo onde isso vai parar.
Os seus toques são suaves, mas firmes, o que torna tudo bastante
frenético. Antônio me faz sentir cada partícula da sua pele entrando em
contato com a minha. Sua mão grande segura meus cabelos com firmeza, e
eu tento de alguma forma aliviar todo o tumulto que me causa, cruzando as
pernas, em vão. Estou pegando fogo pelos estímulos ousados e gostosos.
Antônio passa a língua, sorvendo cada gota da bebida, não
desperdiçando nada e fazendo de mim sua taça. Estou doida para sentir seus
dedos em contato com minhas pernas, estou cheia de sede dele, fome, ardor
que queima como o próprio fogo. Desejá-lo é algo tão intenso, que me
arranca o fôlego.
Tony arranca meu sutiã, deixando meus seios livres e os admirando.
Ofego, trêmula, fora de mim, de tão conectada a ele. É como se o mundo
parasse de girar para que esse momento não passe, como se tudo estivesse
inerte, menos nós dois e tudo que habita em nossos peitos. Sentimentos que
se agitam repetidas vezes, na velocidade da luz. A única coisa que tenho
certeza é de que não quero que essa noite acabe tão cedo!
Ele pega a garrafa novamente, deixando escorrer dessa vez entre
meus seios, e o líquido frio arrepia minha pele ainda mais, escorre para
minha barriga e me contorço delirando, travando os dedinhos dos pés. Meu
corpo trêmulo de tanto prazer e satisfação, mal consigo ficar de olhos
abertos. Zonza, busco por Tony e finco minhas unhas em suas costas, como
apoio e guia, em puro instinto, tentando ter mais dele.
Antônio joga mais um pouco, me lambuzando com a bebida. Espera
escorrer para baixo, até perto da minha calcinha, e retoma de onde parou, de
cima, me lambendo sem dó, proporcionando todo tipo de desejo em mim.
Tudo aflora de forma mais carregada possível, e permaneço desejando
senti-lo me preencher inteira. Suas mãos entram no conjunto, para me
enlouquecer, fazendo uma massagem propositalmente erótica e provocante
na parte externa da minha coxa. Ele não toca onde realmente quero, o local
onde todas as sensações vão me despertar, e parece satisfeito com meu
descontrole.
Antônio se mantém firme, sendo o dominador da situação, o macho
experiente que sabe como enlouquecer uma mulher, com o controle de
quem sabe muito bem o que deve ser feito. Cada ação sua grita posse. Ele
passa a língua quente entre meus seios sensíveis, maltratando, lambendo
cada gotícula de forma lenta, pirracenta, sem chegar de fato no mamilo
intumescido. A mim, só resta a opção de sentir prazer.
Ele coloca um na boca, sugando, depois faz a mesma coisa com o
outro, acariciando os dois simultaneamente, bebendo o líquido na minha
pele estimulada pela sua barba. Vai descendo pelo vão, em direção ao
umbigo, e eu me contraio, ansiosa, sentindo pequenos choques, atordoada
pelos sentimentos à flor da pele. Ele me deixa um chupão, e faz de novo,
me marcando como sua e me deixando mais ensopada. Solto suspiros do
fundo da garganta, fincando as unhas na sua pele. Estou agitada, desejando
que ele me foda do jeito que só ele sabe.
Meu marido rasga minha calcinha e rosna ao me contemplar
inteiramente nua para si, com a boceta tão molhada, que nem precisa de
líquido algum para continuar a tortura. Eu desço a mão para me tocar,
necessitada de uma carícia, mas ele não deixa, querendo me ver fora de
mim. Antônio se inebria com o desejo que escorre. Ele agarra com firmeza
as minhas coxas, me abrindo, e passa a língua de ponta a ponta, antes de me
abocanhar com ganância e luxúria de uma só vez, sugando não só a bebida
que escorreu até lá, como também meus fluidos de desejo. Eu agarro os
lençóis, me debatendo, sem me impedir de rebolar na sua boca. Quero e
preciso de mais, ter bem mais dele, e reviro os olhos em deleite, não
aguentando tamanha pressão.
É como se meu coração estivesse batendo aqui embaixo, de tão
palpitante que estou!
Tony beija toda a área como se fosse minha boca, sem pena ou
rodeios. Faz tudo faminto, é um devasso no sentido mais cru que pode
existir, erótico, tirando meu fôlego e juízo. Ele alterna língua e dedos, com
uma calma e vontade que eu não consigo nem reagir, como se estivesse me
degustando entre movimentos lentos e moderados e sucções.
Agarro seus cabelos, quando meu corpo é tomado por espasmos
violentos, em um momento de prazer que me deixa sem saber como
respirar.
Mesmo com o coração bombeando forte, Antônio não espera que eu
recobre a sensatez. Ele me puxa de vez pelas coxas, mais para a ponta da
cama, e eu apenas vou deslizando com facilidade para onde me direciona.
Gememos juntos com o contato direto do seu pau em minha entrada. A
fricção é enlouquecedora, sei que só depende dele para me fazer de fato sua
nesta noite. Eu o desejo mais do que qualquer coisa, como se fosse vital. É
tão intenso, que chega a arder.
Olho para Antônio, que me devolve o olhar nublado, me devorando
em uma promessa silenciosa: as coisas não terminaram ainda. Fico entregue
ao sentir o peso do seu pau em cima das minhas carnes úmidas, e só
consigo choramingar, o sentindo serpenteando de ponta a ponta enquanto
me faz gotejar por ele.
Antônio entra de uma só vez, grosso, pulsante, exigindo ser
acomodado, e eu suspiro de pura satisfação em ter cada centímetro da sua
larga espessura dentro de mim. Eu me contraio, o sugando, me sentindo
cheia. Tony rosna de forma brutal e viril, envolto nesse prazer mútuo
enquanto enrosco novamente minhas pernas em seu quadril. Puxo meu
homem para cima de mim, querendo sentir também a quentura e o peso do
seu corpo sobre o meu, o agarrando para um beijo fogoso.
Antônio choca nossos corpos a cada arrematada, sem piedade,
sabendo que é assim que eu gosto e sendo o canalha que sempre foi. Ele me
fode com energia, me chicoteando forte e me invadindo com intensidade,
forte e gostoso, exigindo tudo de mim. Eu correspondo à altura, o agarrando
pelo pescoço e avançando para sua boca. Rebolo, cheia de fome, querendo
sentir tudo enquanto sou bem fodida. Antônio desliza com facilidade, indo
cada vez mais fundo. Sai apenas para entrar novamente, de novo, e de novo,
repetindo o gesto de forma insaciável e meticulosa na minha boceta
sensível. Deliro, arranhando com as pontas das minhas unhas suas costas
largas, e escuto seu grunhido em forma de gemido. É perfeito experimentar
sua pele quente sobre a minha.
Estamos suados, nos esbarrando a cada contato, tornando a libido
mais aflorada em mim. É tudo urgente e desesperador, quanto mais tenho
dele, mais eu acho pouco!
— Eu sabia que você ia acabar sendo seduzida — provoca, ofegante,
sendo o cretino de sempre e reacendendo a nossa aposta, Antônio quer sair
por cima de todo jeito.
Ele nunca vai superar que ganhei seu próprio jogo de provocações,
mesmo que ambos tenham saído vitoriosos.
— Não sei se reparou, eu estava de lingerie combinando. Foi você
quem me convenceu ou eu quem decidi ceder? Aceita que foi domado! —
entre um gemido e outro, solto de volta, extasiada.
Fico por baixo, o sentindo todo enterrado em mim como pirraça.
Antônio é másculo em todas as suas ações viris, que às vezes podem soar
rudes, mas eu gosto de como ele me toma para si, me mostra que sou sua. É
com ferocidade e cuidado, do jeito que tem que ser. Somos dois insanos
quando experimentamos um ao outro de forma tão potente, fico
completamente alucinada. Desgraçado!
— Bem-vinda à sua vida a partir de hoje. Toda noite será assim,
mulher minha é tratada dessa forma!
Ele segura na minha cintura com firmeza, me apoiando, e suga um
dos meus mamilos enquanto dita como quer me enlouquecer, o que atrasa
minha resposta. Eu sorrio de pura satisfação.
— Posso lidar com isso facilmente.
Antônio fita meus olhos sem quebrar o contato. Eu me sinto
aprisionada a esse momento único, sabendo que estamos vivendo nosso
felizes para sempre. Quem diria que o canalha se tornaria um marido
apaixonado após ser adestrado? Entrelaço nossos dedos, para nunca mais
nos soltar, enquanto ele me faz sua cada vez mais forte, me fodendo com
fome. Aqui, somos nós mesmos em nossa essência. Chegamos quase juntos
ao nosso ápice em mil e um níveis, em uma foda nada amorosa, porém
cuidadosa, como só ele sabe fazer.
Quem diria que me enfiar em um casamento com o canalha resultaria
nesse momento, uma lição de que não existe um caminho único na vida.
Mesmo que tenhamos errado algumas entradas no início do percurso,
fizemos nossas escolhas e buscamos outros caminhos, alguns sem saídas,
outros incríveis.
Tudo entre a gente foi surpreendente, só que agora sinto como se
fôssemos inabaláveis. Seremos eternos nesse lugar, juntos e apaixonados,
no nosso ninho de amor, onde qualquer outro sentimento amoroso poderá
nascer, porque escolhemos trilhar os caminhos da vida na companhia um do
outro.
Para sempre.
epílogo
ANTÔNIO GONZÁLEZ
Ao lado de Vanessa, a abraçando pelos ombros, orgulhoso, com nossa
filha segurando meus dedos, a assisto apresentar a própria marca de
espumantes para o pessoal do alto escalão. É a inauguração da sua primeira
filial no shopping center e também o lançamento da sua marca oficialmente.
Foram longos meses trabalhando na construção da loja de bebidas
escondido. Porém, cismada do jeito que é, Vanessa me colocou contra
parede, e eu acabei contando antes da hora. Fui obrigado a trazê-la aqui
ainda na etapa da construção. Ela deixou tudo do jeitinho que queria para
que a estreia fosse um sucesso.
A correria valeu a pena, ela está feliz, e o ambiente e todo o evento
ficaram lindos!
Nem mesmo a gravidez avançada, já estamos na contagem regressiva
para o bebê nascer, a fez parar em casa e não prestigiar a abertura, ainda que
eu tenha tentado convencê-la a remarcar para o pós-puerpério. Ela está
andando feito um pinguizinho, a grávida mais linda que poderia existir.
Mesmo assim, Vanessa foi firme em querer comparecer, me obrigando a
armar toda uma força-tarefa para que ela pudesse vir com segurança,
porque tinha de ser hoje essa estreia, no dia do seu aniversário, data que
marca, consequentemente, seis anos que nos conhecemos. Seis anos que
nossas vidas foram entrelaçadas. Não pude negar esse desejo.
E hoje estamos aqui, à espera do nosso segundo bebê. A vida é
realmente muito engenhosa.
Todos os nossos conhecidos e amigos vieram prestigiá-la, inclusive
seu pai e minha mãe. Os dois estão se aproximando da nossa família:
queremos fazer com que Serena e nosso pequeno tenham uma base familiar
terna e amorosa.
Descobrimos que será um forte menino, e ainda que não houvesse
preferência, não pude deixar de sorrir aliviado quando soube, sabendo que
haverá um amigo e aliado para cuidar das minhas garotas e alguém para
proteger Serena dos urubus, incluindo o safado do Zé. que eu vi nascer,
apadrinhei, mas mesmo assim permanece rondando minha filha. Eles vêm
criando uma amizade forte que me deixa cismado. Eu já me vejo de cabelos
brancos daqui a alguns anos com toda essa aproximação. Se meu filho
chutar os pretendentes da irmã como faz com a barriga de Vanessa, não
terei muitas dores de cabeça.
Yan Versailles González será o nome do nosso menino, que poderá vir
ao mundo a qualquer momento. Mal posso esperar para pegá-lo no colo.
Van grávida está a coisa mais linda que pode existir, o barrigão a faz
reluzir. Está toda manhosa e dengosa, os hormônios que me enlouquecem
de mil formas diferentes todo dia parecem encontrar um jeito novo de
causar reações nela. Acima de tudo, eles a deixam faminta em vários níveis.
Por ela, transaríamos em todos os momentos até o bebê nascer. Andou a
gravidez toda chorando e comendo nos intervalos, me fazendo de seu servo
sem piedade alguma. Ela inclusive me fez sair de madrugada em busca de
comidas incomuns para o horário, simplesmente porque sentiu desejo. A
última foi algodão-doce, e eu tive de ir de ponta a ponta da cidade, porque
ela tinha que comer aquilo urgentemente. Ela e Serena de madrugada se
empanturraram, minha filha está amando os desejos da mãe, afinal não há
mais hora certa para comer doce.
Eu estou pagando todos os meus pecados com ela, e sinto que todas
as mulheres com quem não quis nada além de sexo estão se refastelando
pelas voltas que o mundo deu. Vanessa me colocou em suas mãos sem
esforço, só com sua manha, então acabo fazendo tudo que me pede. Tudo o
que mais quero é viver a experiência de ser pai presente desde o primeiro
momento e fazer o que não pude fazer por Serena, compensar Vanessa pela
primeira gravidez, que não foi sua melhor experiência.
— Sonhos foram feitos para serem realizados. Obrigada por estarem
aqui comemorando comigo essa nova conquista!
Vanessa estende a taça com água no ar, fazendo um brinde à essa
nova etapa, e as pessoas aplaudem, inclusive eu.
Os convidados seguem para a área de degustação logo em seguida,
parecem estar bem satisfeitos com a bebida. Os pedidos de parcerias e
fornecimento estão em um ritmo excelente para uma empresa nova. Aos
poucos, Vanessa está construindo o próprio nome no mercado.
A estreia oficial dos espumantes, na virada do ano, foi tão bem
recebida, que saiu matéria sobre a reintrodução de algo já existente no
mercado. Vanessa aparece em uma matéria de destaque na própria NOVAC,
revista de Scarlet, que também está aqui prestigiando o evento junto com
seu marido, Otávio. Vanessa quase caiu para trás quando viu a menção na
revista feminina mais lida do país.
— Do que está sorrindo tanto, doido?
Vanessa suspende o olhar para mim, me fitando com curiosidade.
— Feliz de tudo estar como deveria. Só falta nosso moleque para tudo
ficar ainda melhor!
Beijo de forma casta seus lábios e faço um carinho cuidadoso em sua
barriga. Estou viciado em alisar Vanessa.
De repente, ela fica imóvel, os olhos castanhos arregalados, e sinto
uma enxurrada de líquido morno cair sobre meus pés. Fico confuso quando
ela aperta meu pulso com força.
— Ele te ouviu, ele quer vir hoje! — Van me comunica com um largo
sorriso no rosto, duas avelãs brilhando nos olhos.
Agora sinto que sou eu quem estou grávido, de tão nervoso que estou.
Chegou o momento de conhecer meu filho e entrar em uma sala de parto.
Tenho até mesmo vertigem com o impacto da notícia, mal controlo meu
sorriso bobo.
Ela me tornou um homem assim quando se trata das crianças.
Nervoso e sentindo meu sangue fugir do corpo, tento raciocinar. A
preparação que fiz para esse grande dia simplesmente evaporou da minha
cabeça. Com cuidado, a coloco sentada na primeira cadeira que encontro, a
tirando de perto da poça, para que não se acidente.
— Vou ligar para seu obstetra, ok?
Ela concorda, e faço tudo rapidamente, com o coração desenfreado.
Vanessa está entrando em trabalho de parto, o quadro poderá evoluir rápido,
então quero que ela tenha o parto mais calmo e tranquilo que eu puder
proporcionar. Assim que me autorizam levá-la para a maternidade, me
agacho próximo a Vanessa, que se mantém tranquila, mas faz uma caretinha
mostrando que começou a sentir os primeiros desconfortos. Ela morde os
lábios. Acho que estou mais desesperado que ela, porque estou trêmulo da
cabeça aos pés, coçando a barba repetidas vezes para ocupar minhas mãos
suadas. Enquanto isso, Vanessa parece plena.
— Tony, calma, as contrações mal começaram.
Vanessa ri do meu nervosismo, e não consigo entender qual é a graça
em um momento tão desesperador, caramba.
Volto ao pequeno palco para avisar a todos que o dia só está ficando
mais incrível e que a festa continuará sem a nossa presença.
— Gente, comunicado importante... — Apanho o microfone,
chamando a atenção de todos. — Vanessa está em trabalho de parto e
iremos à maternidade. Aproveitem a festa e façam dessa uma noite um
momento tão inesquecível quanto será para gente, com nosso filho
chegando ao mundo!
Sorrindo de nervoso, vejo as pessoas fazerem expressões surpresas, e
logo o burburinho se estende. Muitos nos mandam boas energias.
Procuro por Serena com o olhar, ela está junto de Zé, que vem na
nossa direção com Margot e Augusto. Os dois parecem levemente
preocupados, assim como os nossos pais. Todos nos amparam e nos ajudam
a levá-la até o carro.
— Não deixe o safado do seu filho perto da minha bebê, o irmão dela
está vindo! — dou o aviso para Augusto quando faço a volta para o banco
do motorista. O filho da mãe apenas cruza os braços, rindo de mim, é um
bastardo!
Vanessa parece se desalinhar aos poucos, desconfortável e inquieta.
Só poderia ser meu filho e de Vanessa para querer vir ao mundo em meio a
uma festa!
Após horas de trabalho de parto e aflição da minha parte ao lado de
Vanessa, finalmente o grande momento chega. Minha mão é esmagada a
cada contração forte, quando ela empurra o bebê para fora de acordo com as
ordens do obstetra. Aliso sua face avermelhada e suada pelo esforço e tento
me controlar, me conter para não berrar junto de puro nervoso. Preciso
passar a segurança que ela necessita.
Minha mão é novamente esmagada com o grito mais forte e
ensurdecedor que Vanessa já deu, contraindo o rosto e apertando os olhos.
Chega a ser dolorido para mim vê-la dessa forma. Meu coração tenta pular
pela boca, e eu engulo em seco, sentindo um misto de emoções viscerais e
urgentes quando o choro potente do nosso bebê ecoa na sala. Ele mostra que
nasceu forte e saudável, e exatamente no dia do aniversário dela, o que
torna a felicidade ainda mais viva em mim.
Com as mãos trêmulas, todo choroso, corto o cordão umbilical, e meu
filho vai para o peito de Vanessa, que o abraça, chorando de pura emoção.
A cena faz meus olhos marejarem também, um momento cheio de amor que
me deixa sorrindo à toa.
Eu amo a minha vida para caralho!
Estou mais feliz do que achei que estaria nesse momento, é surreal, é
muito além das minhas expectativas poder ver um filho meu vir ao mundo.
— Mais uma vez você me deu o melhor presente de aniversário que
eu poderia ter em toda minha vida, Tony.
Chorosa com o bebê no peito, Vanessa sorri. Está cansada e suada,
mas cheia de convicção. Está tão linda, que beijo sua testa, agraciado com a
sorte que tive em tê-los como família. Ofereço meu dedo para o bebê
segurar.
— Eu quem agradeço por me mostrar o que eu precisava para ser
feliz, preta.
Sentindo a sensação plena de que finalmente tudo está no lugar, beijo
de forma casta seus lábios. Com Vanessa, aprendi a grande verdade:
casamento só machuca as pessoas quando não se sabe como amar. Quando
não se reconhece os próprios erros e não se sabe administrar a sorte de estar
junto. E dá, sim, para ser feliz mesmo que aconteçam imprevistos na vida
ou mesmo que nem tudo saia como planejado. Tudo só depende de como
lidamos com as coisas que acontecem.
Vanessa é um furacão na minha vida, uma pessoa que colocou tudo no
seu devido lugar, e eu mergulharia nesse furacão todas as vezes que fossem
necessárias.
Chega uma hora que o coração quer ter casa e morada, e Vanessa se
tornou isso tudo para mim. No fim, minha vida ficou mais completa por a
ter no fim do dia, por ter minha cama sempre ocupada por uma pessoa que
vale a pena. A vida arranja as maneiras mais esquisitas de te tirar da zona
de conforto e te fazer refletir sobre sua existência, sobre suas escolhas,
mostrando que nem sempre compreendemos aquilo que precisamos e que as
melhores coisas vêm em momentos improváveis.
Hugh Hefner perdeu seu melhor sucessor. O canalha foi domado, me
rendi completamente à monogamia, até porque um homem sem uma preta
cacheada doida, orgulhosa, dona da razão e com poder para bagunçar tudo e
acabar com sua vida se quiser é apenas um menino. Se não for assim, a vida
não tem graça alguma!
Obrigado por chegar até aqui!

Espero que tenha gostado da história, foi um romance tempestuoso e intenso e gostoso de ler.
E espero que a experiência tenha sido tão boa quanto foi para mim escrevê-la!

Um beijo e até a próxima!


NÃO ESQUEÇA DE AVALIAR POSITIVAMENTE E ME SEGUIR NO
INSTAGRAM!
Para acompanhar as novidades e garantir uma vaga para sorteio de vale presente a ser gasto
aqui na amazon!

PARA ENTRAR EM CONTATO COMIGO, ACESSE MINHAS


REDES SOCIAIS; SERÁ UM PRAZER IMENSO TE CONHECER!
Instagram • Facebook • Pinterest
Compartilhe, recomende esse ebook e deixe sua avaliação, é importante e faz com que mais
pessoas alcance essa história e me incentiva a produzir cada vez mais!

CONHEÇA MEUS OUTROS TÍTULOS TAMBÉM


DISPONÍVEIS!
MAIS LIVROS

Você também pode gostar