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SINOPSE

Uma vingança. Dois corações feridos. A grande dúvida: Perdoar ou


amar?

João Patacho conseguiu um dos maiores cargos na tradicional e

poderosa Guedes Engenharia. Ele juntamente com o seu irmão, nutrem um


ódio imensurável do dono da empresa por causa da dor que fora causada a
eles no passado.

O frio plano de vingança, meticulosamente calculado para tomar o


poder da empresa como um jeito de se fazer justiça, tinha como principal
peça, conseguir se casar com a única herdeira legítima do chefe, não
importando os meios e as armas necessárias.

Amora Guedes acaba de chegar da Europa sem muitos sonhos ou


planos, sentindo-se marionete de seus pais poderosos, entretanto, ao colidir

com o almejante a CEO de olhos azuis cintilantes e espírito rebelde, ela volta
a sorrir e a sentir uma fagulha do que é a felicidade.

Para João, que estudou os passos da menina por longos anos, parecia
fácil conquistar e fazer de Amora mais uma peça de sua calculada vingança.
Ele tinha uma ideia totalmente errada sobre quem realmente era e o que sente
a pequena bailarina, que não se mostrou tão fútil como ele imaginava.
Para Amora, naqueles olhos azuis-cintilantes encontrava-se o grande
amor que jamais imaginou ser capaz de viver.

Permanecer com o ódio ou perdoar? Será que João saberá escolher o


certo a se fazer quando perceber que a bailarina no fundo é tão diferente dos
pais? Mais que isso, será que o coração de Amora sobreviverá intacto até lá?

Obs: Possui linguagem crua de teor sexual.


Copyright © 2021, Ly Albuquerque

Revisão: Raquel Moreno


Ly Albuquerque
Presa Ao CEO
1ª Ed.

Rio de Janeiro, 2021

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.


Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou


por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos
xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor.

A violação de direitos autorais é crime previsto na lei nº. 9.610, de 19


de fevereiro de 1998.

Esta é uma obra de ficção.


Todos os direitos desta edição reservados à autora.
Sumário

SINOPSE
Copyright © 2021, Ly Albuquerque
Sumário
Epígrafe
AVISO DA AUTORA
Prólogo
O Começo da Vingança
O Encontro
O Quebra-Cabeça
As Peças
A Montagem
O Jogo
A Dúvida
O Encanto
A Entrega
O Pesadelo
A movimentação
A Intervenção
O Acordo
A Ilegítima
A Dança
A Promessa
O Pedido
O Almoço
A Desconfiança
A Teia
O Presente
A Irmandade
As Escolhas
A Mudança
O Recomeço
O Plural
A Antecipação
As Surpresas
A Ruína
O Poder
O Ímã
O Amor que merece
A Marca
EPÍLOGO
Jasmine e Jonas
Redes Sociais
Epígrafe

Não há nada que esteja menos sob o nosso domínio que o coração, e,

longe de podermos comandá-lo, somos forçados a obedecer-lhe.

Jean-Jacques Rousseau
AVISO DA AUTORA

O livro contém descrições eróticas explícitas, cenas gráficas de


violência verbal, linguajar indevido. Se você curte uma leitura polêmica e

quente, então seja bem-vindo a conhecer o meu trabalho.


Prólogo

João

“Ela só aceita dançar para você!”

As palavras ecoam na minha cabeça e só aumentam a minha angústia, a


minha dúvida:
Quem é a sensual dançarina que anda bagunçando os meus
pensamentos?

Ela pega uma cadeira e coloca no centro da sala, acuado eu me sento, é

surpreendente como enquanto estou com ela, não penso na minha vingança,
não tenho as sensações ruins que me assombram.

Ajeito o meu paletó do terno e desaperto o nó da gravata enquanto


vejo-a ligar o som, a luz precária da pequena sala deixa tudo mais excitante.

No primeiro gemido da cantora, vejo a mulher de short jeans preto e


top cravejado em pedrarias prateadas ir ao chão diante de mim, a encaro
através do grande espelho que ocupa toda a larga parede, seus joelhos tocam

o chão cor de madeira, seu pescoço gira pra trás fazendo subir seus seios
sensualmente, ela impulsiona o corpo para frente abrindo as pernas e
olhando-me intensa através do espelho, sua máscara preta cobre quase todo o
rosto, tento somente segurar o seu olhar, mesmo que a penumbra dificulte ver

a cor das suas íris, porém o meu corpo não sai imune ao encare, sua bunda se
levanta e é empinada em minha direção, engulo a seco.

“My body is your party, baby


Meu corpo é sua festa, amor
Nobody's invited but you, baby
Ninguém está convidado além de você
I can go slow now

Eu posso ir devagar agora


Tell me what you want
Diga-me o que quer (...)”

Quando ela se levanta, só piora a minha situação, ainda de costas para


mim, ela rebola com as mãos para o alto, tira o prendedor e os cabelos cor de
rosa caem como cascata em sua coluna, através do espelho vejo o segurança
nos encarando da janela, mas a mão da dançarina misteriosa rouba-me a
atenção quando começa a acariciar o próprio corpo me olhando através do

espelho. E, nessa altura, é como se o mundo parasse.

“You can't keep your hands off me


Você não consegue tirar as mãos de mim

Touch me right, yeah, rub my body


Me toque do jeito certo, sim, esfregue meu corpo
Your body is my party
Seu corpo é minha festa (...)”

Ela caminha até mim no ritmo lento e sexy da música, o pé tocando o


chão a cada batida, os olhos pregados em mim, devassa, rebola na minha
frente ainda de pé fechando os olhos e tocando o próprio corpo, e eu

acompanho com o olhar cada lugar que suas mãos tocam, a cintura exposta,
os quadris firmes, a lateral de seu corpo, os seios pequenos e aparentemente
macios, o pescoço com a pele alva, e me excito desconfortável nessa cadeira,
mas fico ligado, completamente enfeitiçado nela.

“I'm doing this little dance for you


Estou fazendo essa dancinha para você
You got me so excited
Você me deixou tão excitada

Now it's just me and you


Agora, somos só eu e você
Your body is my party
Seu corpo é minha festa (...)”

Mais um passo e ela passa a mão no meu rosto, suas unhas arranham de
leve, seguro o ar dos meus pulmões reprimindo um gemido, o toque é sútil,
mas já me deixa sedento por mais.
Vai para a parte de trás da minha cadeira e a observo pelo espelho, ela
puxa o meu cabelo da nuca para trás em sua direção e se abaixa angulando a
altura e colando nossos rostos, as bocas rentes, chego a sentir o seu suspiro,
ela geme na minha boca, tão excitada quanto eu, porra!

Quando se dá conta que eu senti o seu gemido, ela solta os meus


cabelos com brusquidão, seguindo a melodia sensual.
Ela fica de frente para mim e levanta a perna esquerda e a coloca em
meu quadril, encaixa a outra e assim monta sentada em meu colo, solto um
palavrão preso na garganta e repreendo a ação instintiva da minha mão de
tocar a sua bunda, nos encaramos por um segundo e a desejo tanto. É
proibido tocar a dançarina, ordem do segurança.

Ela logo sai do meu colo e fica de pé dando as costas para mim, ouve o
meu lamúrio, logo ela desce seu tronco acariciando as pernas e coloca a
bunda redondinha na minha cara bem empinada.
Eu definitivamente desfaço o nó da gravata, sinto-me arder, as mãos em

chamas de vontade de tocá-la.

A dançarina se vira para mim e encara as minhas pernas abertas e então


no espaço rente a minha virilha ela coloca os dois pés e sobe na cadeira,
rebola e agacha o peitoral passando os seios em meu rosto, dá um pulo caindo
sentada em mim com as pernas abertas e joga o seu tronco para trás
resvalando os cabelos cor de rosa no chão, por instinto seguro a sua lombar
mantendo-a presa ao meu corpo.

Reparo que ela evita encostar na minha virilha o que agradeço


internamente, porque estou completamente duro.

Sua mão se fecha em meu pescoço e recebo uma lambida sua em minha
bochecha, quando decido deixar a porra do autocontrole de lado, ela se
levanta e sem olhar para trás, vai embora da sala.
— Preciso da sala desocupada em um minuto. — Grita o segurança, e

eu fico ainda sentado, respiração descompassada, irritado, excitado.

Por que ela só aceita dançar para mim com tantos homens aqui?

Quem é essa mulher?

E no momento em que não a tenho mais sob o meu domínio, os


pensamentos surgem como uma avalanche: revanche, olho por olho, dente
por dente.

Eu farei com que todos paguem pelo que fizeram com os meus pais,
pelo que fizeram comigo.

Algumas pessoas merecem perdão, mas a família Guedes merece


vingança.
O Começo da Vingança
“Quando chegar o momento, esse meu sofrimento vou cobrar com
juros, juro.”

Apesar de Você, Chico Buarque

João Patacho

O suor pinga causando ardência nos meus olhos. Meus músculos


tremulam, um lamúrio de pura dor foge do fundo da minha garganta, vou até
o meu limite e quando o alcanço, tenho o insano prazer de ultrapassá-lo, não
me permito fracassar, levanto novamente o peso e solto um gemido profundo.
Dor.

— Ei, João! Está ótimo por hoje, cara. — Ouço o grito do meu
personal, ele está se aproximando, ouço cada um de seus passos enquanto
seguro a barra.

Sempre que tenho pesadelos sobre o meu passado eu saio de órbita,


com o tempo, aprendi a deixar ir, e então só tenho duas opções: ou me afogo
em trabalho, ou na academia.

— João, já chega!

Álvaro tira a barra com cem quilos de cada lado de cima de mim,
respiro com dificuldade me levantando do banco, o meu corpo fervilhando,
meu pulso acelerado, minhas pernas vibram, perco o controle do meu corpo,
mas tenho uma certeza: preciso de mais.

Ainda está muito vívido o rosto da minha mãe sem vida, o sangue
jorrando, se eu fechar os olhos consigo sentir o cheiro de carne apodrecida
quando encontramos o corpo do meu pai, os olhos arregalados, eu preciso
deixar ir. O terror psicológico que os policiais me fizeram, eu preciso deixar

ir.

— Qual o próximo? — Pergunto com a voz esganiçada, mal consigo


controlar a tremedeira nas mãos, o meu corpo inteiro me pede para parar.

— Por hoje é só.

— Preciso de mais, Álvaro.

— Não, por hoje é só. — O rosto taciturno me encara, o vinco na testa


deixando claro a sua censura.

— Porra! — Vou até o saco de boxe e disparo alguns socos.

— João, você treinou por três horas hoje, essa semana inteira você tem
ficado por mais de duas horas aqui, vai acabar tendo alguma lesão, vá para
casa, descanse.

— Eu te pago bem pela hora. — Cuspo as palavras tentando controlar a


minha respiração ofegante e vejo o seu rosto se transformar diante de mim, as
sobrancelhas sobressaltadas, os olhos apertados, a mandíbula tensa e então o
dedo em riste aponta para a minha cara.

— Paga muito bem sim! Mas não o suficiente para acabar com toda a

minha carreira, vá para casa ou então eu vou te jogar para fora da academia
sem tomar nenhum cuidado com a sua cara de modelo. — Esbraveja e decido
recuar.

O meu personal é um ex-lutador de MMA, o homem é um conjunto de


músculos e uma cara assustadora com cicatrizes, o seu percentual de gordura
é quase inexistente, o histórico de vitórias extenso e além de ser um bom
amigo, não vou entrar em seu radar, devemos saber em qual luta podemos
entrar e principalmente quando devemos recuar de um embate.

Paro os socos e estabilizo o saco de pancadas, colo minhas mãos nos


joelhos e respiro fundo, desritmado, o corpo inteiro molhado, meus cabelos

encharcados de suor, a camiseta grudada em meu abdômen.

— Está bem. — Ergo as mãos em rendição e ele me dá as costas como


resposta.

Irritado, pego a minha garrafa preta de dois litros e despejo no rosto a


água fresca.

Meus passos largos até o armário são firmes no piso de borracha


antiderrapante, dou uma olhada ao redor reparando na decoração em tons
pretos sendo quebrada pelo roxo dos armários de aço, abro o cadeado e retiro

a minha mala que sempre carrego comigo.

Optei em malhar na rua atrás da Guedes Engenharia, já que passo mais


horas trabalhando do que em minha casa, e por vezes malho de manhã antes
de começar o horário comercial, fujo no horário do almoço e a noite quando

saio da empresa, questão de logística, e necessidade de fugir da minha


própria mente.

Vou até o vestiário vazio — a esta hora da noite — e retiro a camiseta


colada no meu corpo, ofego olhando ao redor do cômodo de paredes com
textura de cimento e vasculho com o olhar se possui alguém nas cabines com
portas em inox e não vejo qualquer outra pessoa, o que é raridade em uma
academia no centro do Rio de Janeiro.

Eu sei o que está me fazendo voltar a ter os pesados e de forma tão

intensa e real: A proximidade com a família Guedes.

O convívio cada vez maior com o meu chefe tem ativado todos os meus
gatilhos, o homem mandou matar os meus pais, seus capangas me torturaram
quando eu tinha apenas 5 anos, diferente do meu irmão mais velho, eu não
consigo sair imune aos nossos encontros.

Tiro o par de tênis e a bermuda junto da cueca de forma mecânica.


Quando entro no chuveiro solto um gemido rouco com o contato da água
gelada na minha pele quente após tanto esforço físico, o choque térmico

quebra a minha linha de raciocínio.

Relembro todas as informações que colhi sobre o meu alvo principal:

“Amora Guedes, é a filha de Amélia e Rodolfo Guedes, uma menina


que tem ao seus pés tudo o que uma mulher pode sonhar: dinheiro oriundo de

uma família poderosa geração a geração, fama, uma beleza padrão: loira, o
tom de mel dos seus olhos quase verdes de tão claros, corpo curvilíneo
aparentemente bem esculpido devido a toda a sua vida de bailarina clássica,
assim como foi a sua mãe.”

— Deus, a vida dessa menina me parece um tédio — sopro para fora


enquanto relembro as informações.

Sou praticamente um especialista sobre a vida dessa garota, conheço


tudo sobre ela.

A filha de Rodolfo Guedes passou os últimos dois anos em um


intercâmbio em Londres, segundo as fotos que nosso detetive nos
encaminhou, ela frequentou uma escola de balé contemporâneo, o que
diverge da informação que a mãe dela dá a imprensa de que a menina atua
como bailarina clássica, pois, nesses dois anos ela nem sequer pisou em
alguma escola clássica, uma pequena mentirosa, afinal, o fruto nunca cai
longe da árvore, e levando em conta quem a gerou, não tem como Amora
Guedes ser um fruto puro, é completamente tomado de podridão.

Enquanto isso, nós crescemos dentro da empresa da família Guedes, e


agora está chegando o momento em que nos encontraremos pessoalmente, e
eu não poderia ficar mais ansioso, é o verdadeiro pontapé em nossos planos.

Ela é totalmente desinteressante, mas ainda assim vou manipular sua

mente até que vire a minha esposa, até que perca todos que a amam como eu
perdi um dia.

Esfrego o shampoo em meus cabelos castanhos claros e relembro da


reunião nada agradável que tive hoje pela manhã com o meu irmão mais
velho e Cadu, nosso amigo.

— Seria ótimo se você fosse à recepção de boas-vindas à Amora


Guedes hoje, na casa de Rodolfo, será para os mais íntimos e eu fui
convidado, te levo e você terá a oportunidade de se mostrar para a herdeira

da Guedes Engenharia.

— Não vai dar, tenho mais o que fazer. — Falo com nítido desprezo, eu
sei que faz parte dos planos que eu me envolva com ela, e eu concordei com
isso, já que possuo os meus interesses, mas prefiro espairecer e encontrá-la de
fato na recepção que seu pai dará aos amigos no fim de semana.

— João…
— Não adianta, Jonas, o seu irmão só tem olhos para a Filipa.

— Cala a sua boca, Cadu! — Fico furioso com a sua intriga.

Filipa é um assunto que eu não queria tratar com o meu irmão mais
velho.

— A menina de cabelo azul, piercings e tatuagens que era sua amiga

da faculdade? — pergunta em claro desdém e afirmo com a cabeça.

— Particularmente eu acho excelente, use-a, as mulheres adoram um


desafio, se Amora souber que há uma mulher no seu caminho, certamente vai
batalhar para ter a sua atenção. — Cadu incita.

— Isso é ridículo! Eu não vou usar a Filipa em nossos planos, ela não
tem que entrar nisso.

— Ridículo? Nos dê licença, Cadu.

— Boa sorte! — Cadu zomba, ambos sabemos que estou prestes a

receber uma das broncas do Jonas.

— Não comece… — Defendo-me

— Qual é o seu grau de envolvimento com essa tal de Filipa?

— Não é nada importante. — Confesso logo para evitar maiores


dramas.

— Excelente, eu não me importo que você fique com as duas ao mesmo


tempo, desde que isso não interfira nos nossos planos, e você sabe que não

vou tolerar que nada nos atrapalhe, não sabe?!

— Eu também não quero interferências tanto quanto você, ou acaso se


esquece que eu quero essa vingança mais do que qualquer outra pessoa
nesse mundo?! Eu quero todos eles na merda, Jonas, quero todos os
membros da família Guedes na sarjeta, não vou medir escrúpulos para que

isso aconteça.

Fecho o chuveiro e seco o meu corpo com a toalha preta. Eu vou


conquistar Amora Guedes, custe o que custar, eu ainda tenho dentro de mim
o garoto de cinco anos que foi o primeiro a encontrar o corpo morto e
esfaqueado do pai e lhe jurou em silêncio que nunca iria recuar, eu vou até o
fim.

Ao contrário do Jonas, eu não quero justiça somente pelo que o pai dela
causou a nós. Não busco justiça, estou atrás de vingança. Olho por olho.

Em meu celular chega a mensagem de Cadu:

Estamos na casa do velho Guedes, não vá se atrasar.

Hoje começa mais um passo importante em nosso plano, meu primeiro


encontro com a minha presa, e eu nunca me atrasaria, já esperei demais, eu
serei a sua ruína, Amora Guedes.
O Encontro

Amora Guedes

Honestamente, odeio essas recepções dadas pelo meu pai para os seus

companheiros de trabalho. Consegui enrolá-lo por mais de um mês dizendo


precisar voltar a órbita após tanto tempo longe do Brasil, mas hoje não
consegui fugir de toda essa coisa pomposa e polida.

Enquanto caminho em direção à sala que está com as indigestas visitas


encaro-me através do grande espelho de dois metros de altura em meio ao
extenso corredor, e acabo sorrindo por gostar do que vejo.

Sou fissurada por moda, eu gosto de ser versátil, meu vestido longo é
branco e justinho demarcando as minhas curvas, um recorte que expõe a

minha cintura em toda a lateral, o colo fechado onde escondo o meu colar de
família, e um decote no alto da minha coxa esquerda que vai até os meus pés

expondo a sandália preta de tiras, uma autêntica Louboutin[1] que comprei em


Londres.

Meus cabelos loiros presos em um rabo de cavalo baixo para dar total
destaque aos brincos escandalosos e longilíneos de diamantes que reluzem
em minhas orelhas, quarenta pedras de diamantes! Sorrio com a lembrança,

definitivamente esse par de brincos é o meu queridinho, principalmente

porque fui eu que os comprei, com o dinheiro da minha dança, da minha arte,
pela primeira vez na vida eu suei para ter o meu dinheiro e me dar algo fruto
do meu trabalho.

Vejo papai saindo de seu quarto, vou até ele que me sorri docemente,

seu semblante sempre é de cansaço e estresse, mas hoje ele aparenta


relaxamento, aproveito o bom momento e tento descontrair, vou até ele e
ajeito sua gravata listrada vinho e azul-marinho, meu pai de forma
concludente gosta de cores e estampas.

— Deslumbrante! — O elogio vem após sua checagem em todo o meu


look.

— Obrigada, diga-me, o que posso esperar dessa noite, Rodolfo


Guedes?! — Implico o chamando pelo nome, o que o faz repuxar os lábios

em nítido desagrado.

— Teremos os sócios da empresa que você já conhece. Ah! Algo muito


importante minha filha, hoje teremos aqui o meu futuro sucessor, Jonas
Patacho, espero que seja receptiva, seria de bom-tom que vocês tivessem um
romance. — Reviro os olhos com a sua falta de sutileza e tiro as mãos de sua
gravata agora ajustada.
— Eu nunca me envolveria com um homem simplesmente porque é de
sua vontade, meu pai. Além disso, pelas descrições que o senhor me fez nas

ligações, Jonas me parece um tédio.

— Também terá o Otávio, ele tem interesse em você desde a


adolescência, e é de boa família.

Ao ouvir o nome de Otávio eu faço uma careta, ele é praticamente uma

cópia do meu pai, viciado em trabalho, números, rosto duro e anguloso,


barbudo, nada a ver comigo.

— Desista, pai.

Nesses anos em que estive em Londres, meu pai sempre comentava de


um jovem aprendiz que crescia dia após dia na empresa, do quanto ele era de
agradável aparência, sempre tentando de forma sútil me fazer ter algum tipo
de interesse, o que nunca aconteceu.

Enquanto morei sozinha na Europa, eu vivi um sonho, apesar da vida

monótona, frequentar a escola de inglês, cuidar da própria casa, cozinhar a


própria comida, também tive momentos épicos, dancei em alguns musicais,
conheci pessoas com a mente aberta, homem era o último dos meus
pensamentos.

Minha mãe sai de seu quarto impecável em seu terninho feminino, um


pretinho básico, diferente de mim, mamãe não se arrisca nos looks, opta
sempre pelo mais discreto possível, parece que ela tem gosto em ser invisível.
Não entendo como ela e meu pai se casaram, são completos opostos, nos

gostos, na visão de mundo, na vida.

— Não acredita que precisa perder uns quilos, Amora?

— Não. Minha saúde está em equilíbrio, mãe.

— Você sabe que prejudica a fluidez no balé, ainda mais agora que está
de volta ao Rio de Janeiro... — Corto-a, mordaz.

— Mãe, não começa, estou exausta, tenho treinado sem folga para dar
conta da apresentação que você me encaixou.

— Isso é excelente, a prática leva a perfeição, tem potencial para


alcançar tudo o que eu não alcancei, filha, ainda é tão jovem e já tão
premiada.

— Mãe, eu não quero falar sobre isso.

— Como não quer? Na sua idade eu só queria respirar balé, quem me


dera ter tido a minha mãe para conversar a respeito.

O balé, sempre o balé entre nós.

— Chega vocês duas, vamos descer e recepcionar os convidados, hoje


preciso que finjam ao menos que somos uma família feliz — Meu pai diz em
seu tom seco, sai e desce as escadas nos deixando a sós.
Minha mãe foi uma grande bailarina clássica, os vídeos e fotos que vejo
dela, no palco me fazem enxergar outra pessoa, nelas tenho o vislumbre de

uma mulher realizada, mas para a fusão dos negócios de sua família na época
era importante que se casasse com o meu pai, e ele não aceitou a ascensão
dela, vê-la na mídia provocava brigas desmedidas entre os dois, ainda lembro
de tudo, e então ela se desligou do balé, mas joga todo o peso do seu declínio

em mim.

— Jonas Patacho estará aqui, assim como Otávio Corte, todos os dois
são excelentes partidos, e me deixaria muito feliz se você lhes desse uma
maior atenção. — Fico quieta a observando, ainda é tão bonita, mas tão
sisuda, talvez, me casar com quem ela e meu pai queiram, me tornará igual a
ela no futuro, e isso é o que eu fujo. É doído pensar, mas a minha mãe é tudo
o que eu não quero ser. — Entenda, minha filha — A voz abranda — o seu
pai está envelhecendo, daqui a muito em breve ele passará o poder para o

rapaz, case-se com ele para que permaneça em família o poder da empresa.

— Eu não coloco a minha felicidade em jogo por poder nenhum, e não


pretendo me casar tão cedo, me dê licença, vou até o jardim tomar um ar
antes de começar o circo da família perfeita.

Desço as escadas observando os quadros que adornam a parede de pés


altos. Meu pai é um colecionador, eu acredito que, na verdade, ele está
entediado, já possui tudo o que quer, e isso é aterrorizante, afinal de contas eu
acredito que a vida seja sobre sonhar, qual a graça de viver uma vida que não

há mais o que almejar?

Papai apenas sobrevive, assim como a minha mãe, já não há o que ser
conquistado, então inventam-se coisas para colecionar, ao invés de acumular
bons momentos. Os melhores itens a serem colecionados não são palpáveis,

são sentidos.

Eu tenho muito o que conquistar, principalmente a minha liberdade.

Fujo da vista dos convidados indo para a área externa da casa, enxugo
uma lágrima solitária enquanto acaricio a pétala branca da orquídea, reparo
na piscina, a luz interna acesa na minha cor favorita, o dourado, como uma
boa leonina, gosto de me mostrar, gosto de vida. E agora que precisei voltar
para essa casa, sou um corpo morto sendo movido conforme as vontades dos
meus pais.

A bossa nova ressoa vindo do som interno da sala, meu pai gosta de
Chico Buarque e todas as canções que ele interpreta, diz que o lembra uma
parte boa de seu passado, presto atenção na melodia calma e envolvente, a
letra é gostosa de ouvir.
Eu sou sua alma gêmea

Sou sua fêmea

Seu par, sua irmã

Eu sou seu incesto

Sou perfeita porque

Igualzinha a você

Eu não presto

Eu não presto

Decido encarar essa noite entediante de cabeça erguida, giro o meu


corpo resoluta a voltar para dentro da casa, quando algo sólido tromba
comigo, primeiro o cheiro amadeirado me bate com tudo, tão marcante, que
me faz buscar diretamente o olhar de seu dono, e tento umedecer os meus
lábios, completamente aturdida com o tom de azul-celeste dos seus olhos,

empurro a bílis de volta para a minha garganta. Deixo o meu olhar cair por
seus lábios carnudos e rosados, a barba cerrada, e o porte musculoso que
possui.

Sua mão toca a minha cintura em um gesto de apoio, e encontramos os


olhares. Percebo que ele parece bravo ao me ver, algo o incomoda
nitidamente, as suas sobrancelhas estreitam, a mandíbula tensa, penso em
dizer algo, chego a abrir a boca, mas as palavras simplesmente fugiram. Ele

inclina um pouco a cabeça como um animal curioso, parece tão atordoado

quanto eu, na Europa vi muitos homens tão ou mais bonitos do que ele, então
qual a explicação para essa minha reação? Será a tal química que tanto se fala
por aí?

— Me perdoe, te machuquei? — A voz masculina rouca arranca-me do

torpor.

— Não, estou bem. — É o mais coerente que consigo falar.

— Precisa de companhia, senhorita?! — Oferece olhando ao redor,


talvez tenha se dado conta que estou reclusa aqui, praticamente escondida do
restante das pessoas.

Sou bandida

Sou solta na vida

E sob medida

Pros carinhos seus

Alguém aumenta o volume da música na sala, fazendo Chico Buarque


embalar a nossa estranha interação.
Encaminhe pros céus

Uma prece

E agradeça ao Senhor

Você tem o amor

Que merece.

Os olhos azuis encaram o meu penteado, e algo parece desagradá-lo,


por que ele é tão transparente e fácil de ler?

— Um pecado cabelos tão lindos estarem presos, eu tenho certeza que


você deve ficar extraordinária com os fios ao vento. — diz olhando-me, e
isso soa honesto.

Vagueio o meu olhar encontrando seu paletó esticado ao limite por

conta do seu bíceps, traja um terno all black[2], o que me demonstra ser um

homem com seu estilo próprio e que não se importa em divergir dos demais,
já que os homens aqui presentes nunca se arriscam a sair dos seus ternos
antiquados. Eu gosto disso.

— Obrigada pela dica. — Debocho.

— Perdoe-me, é que a conheço há tanto tempo por fotos, que acabei


supondo que temos esse tipo de liberdade. — Ele sorri e pai amado, o que é
essa covinha nos dois lados da bochecha?! Sim, um atentado ao pudor.

— Fotos? — Tento dar atenção ao que ele está falando, foco Amora.

— Seu pai. — Esclarece.

Reviro os meus olhos, e esse é o gatilho que me faz parar de cobiçá-lo,


sinto todo o encanto dissipar, decerto ele é apenas uma peça manipulável do

jogo do meu pai. Estreito os meus olhos o fuzilando.

— Guarde as suas dicas para quem as queria. — Disparo e rolo os


olhos em uma nítida encenação, estou abalada, mas não vou cair na ratoeira
lançada por meu pai, e vejo o tal sucessor puxa-saco sorrir, cínico! — Não o
conheço, mas devo lhe dizer, sou Amora Guedes, seu maior pesadelo, não
pense, Jonas Patacho, que terá um casamento arranjado comigo por que não
irá funcionar. Passar bem. — Abaixo o meu dedo em riste e viro-me de
costas.

— Espera, eu não sou...— A voz morreu assim que entro na sala de


casa o ignorando por completo.

Respiro fundo vitoriosa, pego uma taça de espumante, tomo um gole e


gosto das cócegas que as bolhas fazem em minha língua, amo o sabor
adocicado na superfície e o amargor ao fundo.

Meu pai se aproxima com um homem de expressão nada amigável ao


seu lado, e esse me parece a categoria de cara como o meu pai, semblante
sempre tenso, vinco na testa, e isso faz com que eu nem mesmo repare em

sua beleza, apesar dele a possuir de forma incontestável, algo nele me lembra
o rapaz que encontrei há pouco, talvez o tom de azul dos olhos ou o castanho-
claro dos cabelos...

— Deixe-me apresentá-los, este é Jonas Patacho. — Meus lábios

entreabrem, surpresa me tomando toda a face. — E esta é minha filha Amora,


espero que se deem bem. — Papai faz as apresentações.

— Espera, se você é o Jonas, então... — sou cortada e ao meu lado


toma a palavra o homem que estava no jardim com toda a sua reverência.

— João, sou o irmão caçula do Jonas — A voz surge divertida e viro-


me o encarando, ele ergue a mão para mim e sem jeito o cumprimento.

Assim que entrelaçamos as mãos, sinto a dele quente e macia, não

consigo ignorar o belo par de olhos, o azul é claro demais para o meu juízo,
fico praticamente hipnotizada.

— Prazer Amora, agora nos deem licença, vamos Rodolfo, me


apresente ao Julius — ouço a voz de Jonas ao fundo e percebo que ambos
saíram e que permanecemos de mãos dadas nos encarando.

João sorri, e me pergunto internamente o que posso dizer para desfazer


esse embaraço, entretanto ponho-me ereta, não preciso disso, esse é um dos
benefícios de ser a filha do chefe, soa esnobe, mas é a vida como ela é.

— Deixe-me fazer isso novamente, prazer, sou Amora. — Retiro minha


mão da sua e ele acena positivamente, fazendo-me reparar em sua barba
cerrada no tom castanho-claro como os seus cabelos que tenho certeza que
ficam escuros quando molhados.

— Presumo que posso retirar a parte que você é o meu pesadelo? —


Brinca e meneio a cabeça.

— Só depende de você — dou de ombros, seguido de um gole em


minha bebida fingindo não me importar.

— Eu acreditei que Amora Guedes fosse uma doce bailarina clássica,


não uma mulher de ameaças.

— Não se engane João, uma mulher com a criação como a minha pode
ter várias faces. — Jogo e vejo suas sobrancelhas dançarem em surpresa.

— Posso te acompanhar? Ainda tenho tempo até entrar em meu modo


homem de negócios. — Questiona pegando um copo de uísque puro com
gelo da bandeja do garçom.

— Pode, desde que não venha com um papo chato. — Corto.

Mas ele aparentemente aceita o desafio, dá um gole em sua bebida e


em seguida os olhos azuis cintilantes me encaram profundos.
— Feliz em estar de volta?

— Ah! Vamos lá João, eu esperava mais de um homem estiloso usando


um terno all black no meio de um bando de homens sem personalidade, não
me decepcione.

Faço um biquinho de desagrado e em seguida beberico o espumante

forjando a minha face mais inocente possível, vejo-o rasgar os lábios em um


sorriso presunçoso, ele está gostando da nossa interação, e eu apenas o estou
analisando, mas já gostei do que vi até agora.

— Certo, eu só estava testando. — Rimos. — Você que pediu por isso.


— O sorriso de canto de boca precede o seu modo cínico, gosto disso, do
quanto ele é reativo quando provocado. — Então me conte, o quão
desagradável é estar de volta ao Brasil, Amora?

Estalo a língua em meus lábios e lhe dou a minha total atenção, afirmo
com a cabeça aprovando a sua sinceridade.

— É totalmente sufocante. — Limito-me. — E você, me diga o quão


desagradável é trabalhar para o meu pai. — Gosto da sua risada genuína, leve
e rouca.

— Bem, eu realmente amo o meu trabalho.

— É uma boa resposta, mas não foi essa a minha pergunta.


— Tudo bem. — Ergue as mãos em rendição. — Eu não lido
diretamente com o seu pai.

— Você atua em qual área da empresa? — Deixo a curiosidade me


beliscar, quase não consigo crer que alguém divertido trabalha com o meu
pai, geralmente são todos tão enfadonhos.

— Comando a área de marketing da Guedes Engenharia, chefio toda a

equipe, e particularmente gosto do meu trabalho.

— Bem, com o conhecimento de causa que possuo sobre o meu pai, ele
não entende nada de marketing, então eu julgo que ele até fuja de você no dia
a dia corporativo.

Atiro e ele afirma balançando a cabeça, eu sorrio aprovando a sua


honestidade.

— Realmente, esse convívio eu deixo para o Jonas. Ser o irmão caçula


tem que ter as suas vantagens. — Brinca e me pego sorrindo acompanhando-

o.

Não tenho muitas amizades, as pessoas em geral só se aproximam de


mim por algum interesse implícito, mas o João tem uma presença que me
intriga, não consigo prever qual seria o seu ganho estando ao meu redor, ele
já ocupa um cargo de chefia, está fora do radar do meu pai, não há motivação
para estar ao meu redor.
— Me dê licença, vou roubar a minha filha alguns minutos. — A voz
da minha mãe ressoa ao meu lado fazendo-me encará-la, quase tenho vontade

de gritar em frustração.

— Fique à vontade, senhora Amélia. — João responde.

Ela caminha forçando-me a segui-la, quero o mais rápido possível

atender a sua demanda para voltar a conversar com a única pessoa


interessante no meio dessas vinte ou trinta pessoas aqui hoje.

— O que quer, mãe?!

— Você está dando atenção para o irmão errado, enquanto está aqui, o
Jonas está ali sozinho observando você e o irmão dele.

— Mãe, eu... — Ela fala por cima de mim, cortando-me.

— Amora, você está dando atenção ao irmão errado.

Olho para o Jonas com o seu terno mais do mesmo, a face taciturna, e

em seguida olho para o João, mais novo, semblante amigável, aparentemente


divertido, estiloso e trabalha com marketing, criatividade que é algo que julgo
como pura arte, e fica nítido para mim que estava empregando a minha
atenção para o irmão certo.
João Patacho

Eu já tinha me deparado com diversas fotos de Amora Guedes, mas


nada se compara a vê-la pessoalmente, sua beleza é praticamente absurda, eu
senti o impacto.

Gostei da sua língua afiada e da forma como revida, afinal seria


entediante demais lidar com uma presa que não luta.

A mulher é impossível de não ser notada, seu cheiro é marcante,


perfume feminino doce de bom gosto, os seus passos são firmes assim como
a postura ereta que deve ter conquistado após anos de dança clássica, o nariz
aristocrático, os olhos da cor do uísque que tenho em meu copo, ela exala
requinte.

Todos os homens e até as mulheres presentes a observam mesmo que

de esguelha, por isso que Rodolfo a cria em uma redoma, ela mexe
facilmente com o imaginário dos homens e a inveja das mulheres, não só pela
beleza, mas pela reverência, ela tem uma aura indescritível e sabe como jogar
isso a seu favor.

E o pai como a boa raposa que é, não a quer casando com qualquer
um, um homem poderoso como Rodolfo Guedes quer tirar vantagem de tudo
ao seu redor, inclusive sua filha.
Não vou mentir que fiquei tentado, principalmente agora que vejo-a
caminhar para longe de mim junto de sua mãe, seu cheiro romântico, com

uma nota floral, me deixou louco de vontade de levá-la até um canto dessa
casa e ver o que esse vestido elegantemente indecente está me tampando a
visão.

— Você a está olhando como um predador observa a sua presa, suaviza

isso. — Cadu se aproxima e comenta enquanto segura o seu copo de uísque.

— Não imaginava que pessoalmente ela fosse tão...

— Gostosa! Toda bonita e aparentemente submissa, eu gostaria de vê-


la selvagem em um quarto, já estou quase propondo a Jonas para tomar o seu
lugar no plano. — Sorri e lhe ignoro por completo, ele é um babaca, viro o
líquido do copo todo de uma vez, fazendo uma careta em seguida com o
gosto etílico.

A mãe dela a leva até Otávio Corte, um dos sócios de Rodolfo, um cara
que regula a idade comigo, e que segundo a rádio corredor, tem interesses
amorosos e políticos em Amora. Apesar de conversar com ele, os olhos dela
estão em mim, Otávio ri de algo junto de Amélia, mas a filha dela está alheia
à conversa, está presente lá de corpo, mas quer estar comigo. E eu gosto que
ela não desvia, encara-me, mesmo ainda conversando com outro homem, sua
atenção é minha.
Amora Guedes gosta de joguinhos de conquista, então vamos dar o
play, mas eu sou um mau perdedor.

— É difícil não percebê-la, a mulher é um monumento, bem diferente


da sua amiguinha de cabelo azul, franja moderninha cheia de piercings e
tatuagens, não é?! Dois estilos totalmente opostos.

— Cada uma tem uma finalidade na minha vida, Cadu. — Respondo


entredentes, não gosto da comparação.

— Sim, a Amora vai ser a sua esposa, e a Filipa... Você pretende usá-la
para sair da monotonia, não é?!

— Não vamos falar desse assunto aqui. — Respondo sem entregar


muito, a relação que possuo com a Filipa não é nada que o Cadu ou até
mesmo o Jonas entenderia, somos amigos acima de tudo, ela não é um
casinho meu como eles julgam.

— Essa é uma boa escolha. — Deduz, seus olhos azuis vasculhando ao


redor. — A mãe a afastou, você não vai atrás dela?

— Não. Amora Guedes tem tudo o que quer, lhe darei um pouco de
dificuldade, deixe que ela venha até mim.

— Estou te achando confiante demais, João.

Meu celular começa a vibrar em meu bolso, no visor o nome Filipa


brilha, olho ao redor e capturo os olhos cor de mel de Amora cativos em

mim. Isso é bom, eu impressionei a garota.

— Me dê licença.

Saio de perto de Cadu e vou para a área externa da casa, próximo à

piscina parece mais vazio, atendo depois que vistorio e constato que estou em
privacidade.

— It. A coisa, não é genial? — A voz rouca grita do outro lado da


linha.

— Filipa, eu estou em uma festa de trabalho, não posso falar agora.

— Por favor João, só concorde, eu sei que é genial.

— Eu não acho que It. A coisa, vai ficar bonito na sua pele, você
parece tão delicada como quem tatua uma flor-de-lótus... — corta-me em

uma gargalhada expressiva mediante a minha zombaria.

— Vai se ferrar, João.

— It. A coisa, é perfeito em você.

— Eu sei, já quero ver o que você desenhará — seu tom de voz


diminui, menos animação agora, parece insegura. — Você vem no meu
apartamento hoje ou vai para o de sempre, boate no Leblon?! Talvez eu lhe
apronte uma surpresa lá hoje à noite.

— Boate no Leblon?! Você está de brincadeira comigo! Estamos


falando da melhor e mais exclusiva casa para homens do Leblon, não o
reduza a isso — Ouço a sua risada do outro lado da linha— Definitivamente
pretendo ir hoje tomar uma bebida lá, e mais tarde seu apartamento, quero

que me faça pizza de sardinha. — Comento e ela bufa do outro lado da linha.

— Você é o único rico que eu conheço que gosta de pizza de sardinha,


pode deixar, eu farei.

Vejo o corpo curvilíneo de Amora vindo em minha direção, não sei há


quanto tempo ouviu a minha conversa, mas tenho a certeza que não disse
nada que me pusesse em prova.

Ela caminha com passos incertos, e observo o seu rosto, o jeito

angelical é cortado pelo delineado gatinho em preto o que dá ainda mais


destaque aos seus olhos.

— Até mais. — Encerro a conversa sem aguardar a resposta de Filipa.

— Te atrapalho? — A pergunta vem junto de seu olhar para o celular


em minhas mãos.

— Imagina, trabalhar para a Guedes é saber que se trabalha vinte e


quatro horas por dia, e que vai amar isso. — Dou-lhe um sorriso simpático.

— Você mora aqui pelo Leblon?

— Não, acabo de me mudar para a Barra da Tijuca, peguei uma


cobertura lá, para ficar mais perto do meu irmão, e também porque eu gosto
de praia, o barulho das ondas batendo me acalma.

— É preciso ter muita sensibilidade para reparar nas ondas batendo, já


descobri mais detalhes interessantes em você. — Comenta.

A menina não cogita a hipótese, porém, eu passei os últimos meses


juntando as peças sobre tudo ao seu redor, todas as pistas dadas pelo detetive,
fotos com amigas andando por Londres, talvez ela não saiba, mas está
sozinha no mundo, essas amigas queriam ser ela, e adoram depreciá-la.

Postagens públicas nas redes sociais que me entregaram seus gostos,


onde gosta de frequentar, os traços do seu temperamento, o quanto gasta com

roupas, sapatos, maquiagens, acredito que a sua compulsão por compras


esconda a extrema carência afetiva que possui.

Eu sou praticamente um especialista em Amora Guedes, mas deixo que


me analise, dou isso a ela.

— Você me descobriu, sou um homem sensível, não conte o meu


segredo a ninguém — brinco.

— Não foi difícil ligar os pontos, a Guedes melhorou muito o contato


com os clientes nas mídias sociais, e eu creio que devemos isso a você e o seu
marketing, um homem com tanta arte dentro de si não tem como ser um
ignorante.

Dou um passo à frente em sua direção nivelo nossos corpos, sutilmente


ergo o meu braço e com suavidade tateio o seu brinco que deve ter o valor de
um imóvel, e ela fica ligada a minha mão tão rente ao seu rosto, deixo que ela
anseie pelo meu toque esse é o ensaiado, em seguida retiro a minha mão
deixando-a frustrada, mas o que eu não contava era que o meu pau reagisse a
esse ínfimo contato. E isso me choca.

O pior é que as minhas mãos estão queimando de desejo para tocar a


sua pele acetinada.

Seu olhar encontra o meu e a palpitação em meu sexo me deixa louco,


olho para o copo em minha mão e em seguida para ela que tem o olhar
pregado em mim. Linda.

— Seus olhos têm a cor do meu uísque. — Deixo as palavras fugirem,


e que merda! Isso não estava no roteiro.

— Será que eles também conseguem te embriagar?


— Não sou de me afundar nas bebidas. — Tento responder com
cinismo, entretanto, a minha voz saiu mais rouca do que eu supus.

— Mas gosta de ir fundo no meu olhar, parece até ansiar por isso. —
Ela lambe os lábios e quase me leva a nocaute. — De qualquer forma,
realmente demora até qualquer pessoa perceber que possui um vício.

— Ainda estamos falando de bebida? — Digo e ela dá de ombros, uma


pequena sedutora.

Estragando por completo todo o meu planejamento, eu a toco uma


segunda vez, contudo agora eu preciso sentir a sua pele, levo a minha mão
por um segundo em sua bochecha, mas rapidamente me recomponho
deixando-a.

— Preciso entrar e interagir com alguns dos sócios, mas espero esbarrar
com você pelos arredores da empresa. — Tiro o meu cartão do paletó e lhe

estendo.

Nele, contém o meu número pessoal, ela o pega e sua mão resvala na
minha, fazendo o meu olhar vagar para o seu, ela puxa o cartão para si, e em
seguida ergue o queixo.

— É para eu te mandar mensagem?

— Se você não tiver achado o meu papo chato, sim... Vou ficar na
ansiedade para saber se a decepcionei.

Entrego-lhe uma piscadela e em seguida obrigo-me a virar de costas


voltando para a festa.

Converso com alguns dos sócios, lhes conto sobre algumas das minhas

ideias para a próxima campanha, mas a todo instante sinto o olhar da menina
em cima de mim.

Julgo que lhe dei atenção no ponto certo, o suficiente para saber que me
senti atraído, mas que ainda assim, não vou invadir o seu espaço.

Meu celular vibra em meu bolso e vejo que chegou uma mensagem de
“Amora”, o nome aparece porque eu obviamente já tinha o contato dela
salvo.

Como você sabe que sou bailarina clássica?

Sorrio presunçoso, ela está puxando assunto, seu interesse tão alto que
nem mesmo esperou que acabasse a festa para me dar um sinal, isso está fácil
demais.

O seu pai gaba-se desse fato o tempo todo.

Respondo e procuro por ela, a encontrando sorrindo junto de David,


um dos nossos engenheiros chefes, ele é um homem de boa aparência, cerro
os dentes irritado, certo, não tão fácil quanto presumi.

Preciso que Amora seja a minha marionete, portanto, só eu posso


mover as suas cordas.

Algo nele não tem um bom odor, em seu lugar eu não me aproximaria

dele além do convencional.

Digito e a vejo olhar a tela, em seguida vai para perto de David


enfrentando-me e faz exatamente o que eu lhe disse implicitamente para não
fazer, diz-lhe algo no ouvido, e quando ele vai respondê-la vejo-a tossir.

Acredito que deve ser algum problema no estômago, ou dente...

Mando-lhe escondendo uma risada e ela se afasta dele vindo ao meu


encontro, sua expressão divertida e ficamos lado a lado sem nos encarar,
ambos observando a festa.

— Você está fazendo com que a festa não seja um completo tédio como
é costumeiro, por que quer a minha atenção? — Sua voz é doce, fina, ainda
de menina, o que contrasta com o corpo de mulher pronta que possui. — Está
flertando comigo? Se for, saiba que eu não me relaciono com homens que
trabalham para o meu pai.

Gosto do sorriso zombeteiro que há em seus lábios, ela está jogando


comigo, e eu misteriosamente gosto disso.

— Digamos que eu estivesse flertando contigo, provavelmente eu a


levaria daqui na garupa da minha moto, pararíamos em um motel qualquer, e
no dia seguinte...— Paro a frase, enquanto assisto-a lamber os lábios tendo o
gosto de sua bebida, completamente entretida. — Seu pai ficaria sabendo que
seduzi a sua doce bailarina, e eu estaria no olho da rua, então não, eu não

estou flertando contigo.

Os olhos cor de uísque se arregalam, parecem acordar de um torpor,


sonda-me curiosa, ela parece incrédula perante a minha resposta.

— Digamos que você estivesse flertando comigo e eu estivesse


interessada. — Silencia semicerrando os olhos para mim. — O meu pai não
saberia, porque onipresente só Deus. — Zomba e nós rimos. — Você, assim
de terno, não me dá a ideia de ser um homem que anda de moto e entra em
um motel qualquer.

Dou um gole na minha água gaseificada e sorrio para Amora Guedes


corada à minha frente. Eu precisava de álcool agora, mas tive de me contentar
em somente um copo de uísque porque estou dirigindo.

— Você realmente não me conhece. — Pisco-lhe vendo-a sorrir.

— Então que ótimo que não estamos flertando. — A mordida em seus


lábios me diz o contrário, fico completamente ligado nela.
— Definitivamente não estamos flertando, até porque você é linda, mas
não faz o meu tipo. — Digo-lhe e isto realmente não é uma mentira, ela tem

tudo que menos me atrai em uma mulher, mas ainda assim me casarei com
ela, prioridades. — Me dê licença, deixe os adultos trabalharem. — Dou-lhe
uma piscadela.

Caminho para longe dela sem esperar uma resposta carregando um

sorriso confiante nos lábios, de imediato o meu celular vibra, o retiro do


bolso e leio:

E quem disse que você faz o meu tipo?

Dei-lhe algo para remoer. Mais uma peça se encaixando.


O Quebra-Cabeça

JOÃO

Eu tenho uma paixão por montar quebra-cabeça, a cada peça que


consigo juntar deixa-me ainda mais instigado a prosseguir, acredito que

venha daí a minha afeição em desvendar o que cada pessoa esconde, cada
peça que mantém virada para que ninguém veja, usando a jogada certa
qualquer ser humano pode ser manipulado, e eu gosto de testar, e mais ainda,
amo acertar a jogada.

Seguindo mais um ponto importante de todo o planejamento, avisto


Otto Montenegro, a Fera dos tribunais, que também é o advogado pessoal de
Rodolfo, o homem que trabalha há tantos anos com um ser humano como o
velho Guedes, já dá para saber que boa coisa não é.

Caminho até ele que bebe sozinho um uísque puro com gelo, já nos
esbarramos algumas vezes na boate em que frequento, e acabamos
desenvolvendo uma certa camaradagem, nada muito profundo, acredito que o
advogado desconfia até da própria sombra.

— E então, Otto, bom lhe ver. — O cumprimento e recebo um meio


sorriso do homem corpulento de pele morena.
— Como passa, João?

Aproximo-me dele, ficamos lado a lado e vasculho sorrateiramente ao


meu redor, falando baixo e lentamente para que só ele tenha acesso ao teor
dessa conversa.

— Ando preocupado, e suponho que você compartilha da minha

angústia.

— Ah, é?! E qual seria a questão?

— A menina. — Olho para Amora discretamente. — Se por acaso ela


assumir a Guedes, creio que pode ser uma pedra em nosso sapato.

— Em que sentido?

— Ela veio da Europa, é jovem demais, deve ter ideais diferentes dos
nossos, duvido muito que ela concorde com a sua maneira de resolver as
questões. — Digo com sutileza e ele ergue uma das sobrancelhas. — Sei que

o velho Guedes pretende casá-la com Otávio ou o meu irmão, Jonas, mas se
ainda assim ela quiser se rebelar e não casar, seria bom ter algo que assegura
que a empresa não caia em suas mãos.

— Estou começando a entender aonde quer chegar...

— E está interessado?

— Levemente interessado. — Diz com os olhos negros pregados em


mim.

— Bem, em seu lugar eu colocaria uma cláusula condicional, onde ela


só pode assumir a empresa caso esteja casada, é uma forma de que você
obtenha algum controle sobre a garota em caso de falecimento do velho
Guedes.

— Entendi o seu ponto.

— Passar bem, Otto.

— Até mais, João.

Mais um amontoado de peças montadas nesse quebra-cabeça.

— Mais uma noite neste bordel, já tivemos uma vida social mais
agitada. — Filipa reclama dando mais um gole em sua cerveja.

— Bordel não, casa de luxo para homens — zombo ouvindo o seu


resmungo.

Não demorei muito para ir embora do entediante jantar na casa do


velho Guedes, apenas segui a minha parte no plano, chamei a atenção da
enfadonha bailarina clássica, e vim me divertir.

A casa de prostituição é de Sérgio, um dos nossos amigos da época da


faculdade, é um negócio de sua família, e tanto eu quanto Filipa gostamos de
vir aqui beber, conversar, ver as meninas sempre muito bonitas, além dos

shows sempre muito sensuais, o lugar é de extremo bom gosto.

— Bem, está na hora da sua surpresa — olha o relógio e em seguida dá


o último gole esvaziando o copo.

— Me dê vinte minutos e em seguida... Aproveite. — Pisca e torço os


lábios em um sorriso sarcástico.

Ela se levanta deixando-me só na mesa, essa é a nossa coisa, ela sabe o


quanto o desconhecido me excita e Filipa gosta de me surpreender o tempo
todo, sem expectativas ou cobranças, eu gosto dessa leveza entre nós, da
nossa camaradagem.

Filipa possui a alma livre como a minha, por isso nos damos tão bem na
cama, imagino que o sexo com Amora seja completamente mecânico, tão

clássico e tradicional quanto ela, quase reviro os olhos com a entediante


imaginação, mas não vou ser hipócrita, a menina é linda, de um requinte
chocante.

Aproveito-me do fato de ter deixado a moto em casa e ter vindo de táxi,


para beber, tomo um uísque puro com gelo, a cor do líquido lembrando o
quão vívido são os seus olhos, o rosto delicado, a postura contida, eu gostaria
de vê-la dançar, apesar de achar balé uma grande besteira, me arrepia os
pelos imaginá-la em um tutu e um corpete colado ao corpo delicioso.

— Esta noite teremos um número extra, uma surpresa, a dançarina


misteriosa. — Anuncia a apresentadora.

De repente aplausos explodem no ambiente e meus olhos vão


diretamente para o palco, sorrio imaginando se tratar de Filipa, afinal por um

par de vezes ela já cantou em apresentações aqui no palco, dança é novidade,


mas esta é Filipa, mudanças e surpresas a todo momento.

Uma mulher de costas com os cabelos cor de rosa até a altura de seu
cóccix começa a rebolar bem lentamente, meus olhos vagueiam pelo corpo
escultural onde um macacão vermelho totalmente apertado lhe molda as
curvas, e para a minha surpresa quando vira de frente para a plateia o enorme
decote frontal expõe apenas o seu colo permitindo a minha imaginação ir
longe em relação aos seios.

Foco diretamente para o seu rosto, a curiosidade me tomando inteiro e


irrito-me ao perceber a máscara preta toda rendada que tampa metade de seu
rosto, pingentes da mesma cor estão presos na parte inferior da máscara
deixando quase impossível ver o formato da sua boca.

Mexido, eu me levanto, e caminho para mais próximo do palco, o som


começa a tocar nas caixas de som ecoando em todo o ambiente fechado e ela
começa a sua atuação sozinha com uma cadeira no centro do palco.
Intrigado, esqueço as pessoas ao redor, não existem mais os aplausos,
as risadas, as conversas, o tilintar dos copos, tudo é silenciado. Minha

atenção é inteiramente dela.

Senta na cadeira jogando os cabelos de um jeito totalmente sensual ao


ritmo de crazy in love, ela acaricia as costas da cadeira de cima a baixo
secando a minha garganta quando empina a bunda arrebitada e rebola com as

mãos presas no encosto do assento e me imagino por baixo do seu colo.

You got me looking, so crazy, my baby

Você me olha, tão louco, querido.

Beyoncé canta a melodia sensual enquanto a dançarina ergue-se e


lentamente gira a cadeira deixando-a de frente para a plateia, apoia a perna
esquerda na cadeira e acaricia todo o seu corpo me fazendo ofegar, insano

para fazer-lhe essa carícia.

I look and stare so deep in your eyes


Eu permaneço olhando no fundo dos seus olhos
I touch on you more and more every time
Eu te toco cada vez mais e mais
Fico completamente enfeitiçado em seu show, imaginando-me em um
quarto cumprindo cada uma das fantasias que Beyoncé canta e que essa

mulher da vida.

Got me hoping you'll save me right now, your kiss


Estou esperando que você vá me salvar agora, seu beijo
Got me hoping you'll save me right now

Espero que me salve agora


Looking so crazy in love's
Me deixando louca de amor

Acompanho-a com os olhos sair do palco, o segurança que é meu


conhecido permite que eu entre na parte privativa, e tento seguir pelo
caminho que a vi seguir enquanto saia do palco, e encontro com Sérgio e sua
cervejinha de garrafa em mãos.

— Oi! João, bom te ver cara, vi Filipa rondando por aí, estão
aprontando, né?! — sorri.

— Cadê a dançarina mascarada? — Jogo a pergunta sem nenhuma


sutileza.

— Ela quer discrição. Você sabe que a minha esposa é a responsável


pelas apresentações, eu não me meto muito nessas coisas, mas a galera
gostou, vou pedir a Sara que a peça para vir mais vezes.

— Sabe por onde ela está?

Ele sorri e dá mais um gole em sua cerveja.

— Ela não faz parte do casting, cara, ela não faz programa.

— Só quero saber quem é.

— Eu vou ver se a menina quer ter uma renda extra fazendo umas
danças particulares, deixarei que ela saiba que você é o primeiro na fila, te
aviso se conseguir. — Pisca e me ignora, já sei que não conseguirei arrancar
mais informações dele.

Encontro Filipa no local que me enviou as mensagens, e fico curioso,

mas sei que se o show de ontem tivesse sido protagonizado por ela, nunca me
contaria só para ter o prazer de me ver em dúvida, prefiro tentar desvendar
com as minhas próprias armas, jogando com ela.

— Cadê as suas tatuagens? — Pergunto atiçado.

— Fiz um ensaio de fotos para um amigo esta manhã, ele está


começando na fotografia e escondemos algumas com maquiagem, deixei para
me limpar quando chegasse em casa. — Diz colocando as jaquetas cobrindo
os braços.

A dançarina não tinha tatuagens aparentes.

— Pedi que você viesse comigo para me ajudar e também porque eu


tive um sonho ruim essa noite.

— Um sonho é apenas um sonho, Filipa.

— Não, ele foi muito real, João, uma mulher separava nós dois.

Reviro os olhos e sigo adiante ignorando o assunto por completo.

— Eu gosto dessa academia, dá para fazer um bom trabalho, Filipa. —


Comento olhando a estrutura e dando por encerrado esse assunto sem nexo.

— Eu sei, a dona quer realmente bombar esse lugar, dei-lhe algumas


ideias e ela foi bastante receptiva.

Logo cedo Filipa me arrastou para vistoriar uma academia recém-


inaugurada, ela foi contratada para cuidar do marketing do novo lugar, minha
amiga não teve muito sucesso após se formar na faculdade, ainda pega
poucos trabalhos na área, então dedica-se ao extremo quando consegue algo.

— Bem, o público-alvo aqui é o feminino então eu gosto dessa


decoração clean, dos tons amadeirados bem clarinhos, penso que faltam
alguns toques femininos como flores, algumas cores quentes, de repente na
logo da academia uma silhueta feminina...

— Ei! Excelentes ideias, João, justamente o que eu tinha em mente, que


tal uma silhueta de uma mulher bem magra com roupa de dança? — Sugere e
faço uma careta — a ideia é boa, afinal, o que se espera ao entrar em uma
academia?

— Filipa, aqui além da musculação, oferece vários estilos de dança,


pilates, o público que se matricula aqui não busca emagrecimento, e sim,
qualidade de vida, eu acho que uma silhueta de uma mulher real deixaria as
mulheres mais tentadas a conhecer o ambiente, a não se envergonhar por seus
corpos, é praticamente um tiro no alvo.

— Você é um gênio, por isso o chamei aqui, sabia iria me ajudar.

Olho ao redor gostando bastante da energia do lugar.

— Vá olhar ao redor, eu vou ter mais uma conversa com a dona e creio

que em... — Olha o relógio — Meia hora, já estarei pronta para ir colocar no
forno a sua pizza de sardinha.

— Ok.

Faço como me pediu, caminhando pelos corredores, tendo uma ideia e


outra. Pleno sábado à tarde e aqui estou ajudando-a, sei que a vida de
empreendedora iniciante não é fácil, então ajudo no que posso.
Caminho pelo corredor, e vejo a turma de balé infantil, observo através
do vidro, as salas são todas bem iguais, cores claras ornando com o chão de

madeira e uma parede inteiramente revestida com espelho, onde as mulheres


observam a professora e seus movimentos.

Caminho mais à frente e vejo um casal, o homem segura a mulher no


alto pela sua fina cintura e ela tem nos pés sapatilhas de ponta, reparo em sua

roupa, uma saia rosa-bebê transpassada, os cabelos loiros presos em um


coque alto.

Quando ele a aterrissa e os dois sorriem cúmplices, todos na sala


aplaudem e é quando ambos se abraçam que os olhos cor de mel encontram
os meus. Amora Guedes.

Ela vai até à caixa de som e dá pause, aproveito a deixa para entrar na
sala.

— Precisamos ensaiar o seu Grand ejeté — a mulher oriental com o


rosto enrugado a adverte segurando-a pelo braço, pelo visto não quer deixá-la
escapar.

— Estou exausta, Renata, não tenho condições musculares para dar um


grande salto agora. — Amora se desvencilha da mulher que me olha de forma
mordaz, escondo um sorriso de desdém.

— Todos estamos exaustos, querida, mas a repetição leva a perfeição.


— Pausa de dez minutos, minha mãe disse que tudo seria nos meus
termos, portanto... — Decreta e a mulher mais velha abre a boca para

protestar, mas Amora a encara. — Pausa de dez minutos, pessoal. — Repete


e vai em direção à sua bolsa jogada ao chão e em seguida vem em direção a
mim.

— Que surpresa vê-lo aqui.

— Eu vim ajudar uma amiga, ela está atuando no marketing daqui.

— Ah sim! Legal. — Olha-me em expectativa e então percebo que


estou muito focado em seus olhos e que demoro demais para fazer-lhe um
convite.

— Não conheço muito a área, mas quer procurar algo para comer?

— Um suco, pode ser? — Oferece e aceno em concordância. — Fica


aqui ao lado. Vou tirar minhas sapatilhas e vamos em um instante.

Definitivamente encontrá-la hoje não estava em meus planos. Vejo-a


sentar no chão e começar a desamarrar as sapatilhas, seus olhos se fecham
com rudez, a mandíbula tensa, e dá uma respirada profunda, o que me causa
curiosidade, mas neste momento sinto um toque em meu ombro.

— João, me perdoa, vou precisar de mais tempo em reunião. — Filipa


diz e viro-me para ela, dando as costas para Amora.
— Tá! Tudo bem, deixa a pizza para outro dia então.

— Imagina, me dá só mais uns minutinhos.

— Sério, vá se preocupar com o seu trabalho, se der, nos encontramos


mais tarde. — Ela morde a parte interna das bochechas completamente
desgostosa.

— Estou pronta, João — a voz surge nas minhas costas e vejo então
Amora com a sua bolsa de mão a tiracolo.

— Nossa! Oi! Barbie. — Filipa debocha e Amora a observa de baixo


para cima.

A reação de Filipa me causa grande espanto, por diversas vezes


dividimos uma mulher na cama, nunca houve ciúmes entre nós, mas a forma
que ela olha para Amora não possui nem um pouco de cordialidade.

— Não nos apresentamos. — A loira diz estendendo a mão.

— Não é necessário. — A ignora e vira para mim. — Vai me esperar,


João?

Fico completamente incrédulo, minha amiga nunca agiu dessa forma


com ninguém, Amora recolhe a mão um tanto quanto sem jeito pela
indelicadeza.

— Filipa, esta é Amora, uma amiga minha... — Corta-me.


— Eu sou sua amiga, você nunca citou esse nome para mim, então ela é
no máximo uma conhecida.

— Eu nunca permitiria que qualquer pessoa a tratasse desta forma,


então acalme-se, e fale direito com a Amora. — Falo ríspido e a mulher de
cabelos azuis olha-me semicerrado.

— Isso é ridículo. Vai me esperar ou não?

— Filipa, ridículo é como você está agindo, por que está agindo assim?
— Ela revira os olhos e dá um sorriso raivoso.

— Homens... Eu vou deixá-lo à vontade com a sua Barbie, passar bem.


— Sai da sala batendo a porta com toda a força.

— Ela espera que você vá atrás dela. — Amora diz ao meu lado.

— Se ela espera por isso é porque definitivamente não me conhece.

— Uau! O seu casinho... Ela é bem raivosa.

— Amora... — Repreendo.

— Agora entendi porque não faço o seu tipo... — O comentário vem


enquanto ela passa por mim.

— Filipa é somente minha amiga.

— Vai me dizer que vocês nunca transaram? — Pergunta olhando-me


de esguelha.

— Onde fica a lanchonete? — Desconverso e ela sorri sarcástica.

— Vamos lá.

Passa na minha frente e reparo na bunda empinada que está protegida


pela saia rodada, as pernas demarcadas através da meia-calça banca mostram

o quanto são bonitas, musculosas.

— Você trabalha aqui? — Pergunto.

— Não, essa escola é de uma menina que estudou balé comigo, me


cedeu uma sala para treinar a minha apresentação de amanhã, as alunas, no
entanto, tem gostado do que tem visto.

— É uma boa isca, uma bailarina que acaba de vir da Europa.

— Sim, acho que fiz uma boa impressão para as alunas já matriculadas
— sorri e me dá uma piscadela, me restando rir junto dela.

Caminhamos lado a lado e logo avisto a lanchonete que ela falou, a


frente amarela com várias frutas coloridas bem extravagantes. Passam por
nós duas meninas em seus shorts jeans curtinhos, tops e chinelos nos pés,
ambas falam sobre algo sorridentes olhando os seus celulares.
— Isso é algo que eu gosto no Rio de Janeiro, posso andar na rua até de
pijamas, não serei julgada. — Comenta Amora as observando também.

— É verdade, eu aprendi e agora até gosto de andar de chinelos para


todos os lugares.

— Você tem um sotaque diferente, você é de onde, João?

— Sou do sul, mas vim ainda adolescente para cá, então perdi a força
do sotaque.

— Eu sou carioca, e apesar de tudo, gosto daqui, exceto a sensação de


prisão que aqui me traz.

— Você acredita que sinto o mesmo?! — Confesso, e essa é uma


realidade, o Rio de Janeiro é um lugar gostoso de morar, mas também faz
ressoar a todo tempo o alerta de toda a minha vingança.

Entramos na lanchonete e Amora nem pede o cardápio.

— Dois sucos de morango com laranja, por favor. — Olha-me


envergonhada — é o meu favorito, espero que experimente e goste.

— Estou aberto a provar. — Digo a última palavra arrastada e vejo-a


desviar o olhar do meu, pegou o meu duplo sentido.

— E então o que achou da dança? — Pergunta olhando um ponto cego


fugindo do meu olhar, eu julgo que ela seja impulsiva, mas, ao mesmo tempo,
tenta se controlar a todo custo, uma eterna guerra interna.

— Bem, não vi quase nada, na verdade, cheguei no fim, mas o pouco


que vi, me assustei.

— Olha, eu realmente não sou nada atrativa para você — faz um


biquinho de nítido desagrado — apenas o assustei? — Caçoa e acabo rindo,

isso, siga o meu jogo, baby.

— Bem, de qualquer forma, eu acho que terei de ver mais


apresentações para ter certeza do que senti. — Jogo e agora é ela quem sorri.

— Tenho uma apresentação amanhã em um teatro, se tiver interessado


posso colocar seu nome na lista.

— Talvez eu esteja interessado em ir.

— Com a sua moto? — Pergunta sugestiva com os olhos fissurados em


mim.

— Definitivamente, sim.

— Se você for, seria bom levar um segundo capacete. — Tenta soar


sutil, mas dá uma risadinha no final.

— Não vejo motivos para isso, senhorita. — Instigo rindo junto dela
agora.
— É só uma dica.

Pego-me olhando para os seus lábios rosados, ajeito-me na cadeira


sentindo um desconforto, uma ansiedade em provar o gosto dela.

— Dica anotada, então.

— Você me confunde, diz que não tem interesse, mas flerta comigo.

— Eu não sou um homem de flerte — olho-a sério e levanto o seu


queixo com o meu indicador — o que eu quero, eu tomo para mim, de um
jeito ou de outro.

— Foi assim com a menina de cabelo azul? Você a tomou para si?!

— Ela é somente uma amiga. — Respondo sucinto e seus olhos rodam


nas órbitas.

O suco chega e ela dá palminhas em nítida animação.

— Estou viciada nesse suco. — Comenta e sorri para o garçom. —


Muito obrigada!

Dou um gole e aceno.

— Maravilhoso! — Falo dando mais um gole, acompanhando-a no


copo de 500ml que mais parece um copo de milk-shake.

— Eu te avisei.
Ela retira da bolsa uma cartela de analgésico e joga um comprimido na
boca, engolindo-o com o suco.

— Dor? — Pergunto, faz sentido agora a expressão facial enquanto ela


retirava as sapatilhas.

Amora recosta na cadeira e apenas fecha os olhos por um segundo os

reabrindo e me encarando.

— Estou totalmente dolorida, para essa apresentação tenho ensaiado


em demasia, meus músculos estão todos tensos, e quando chegar em casa
terei que ensaiar mais e vou aproveitar para gravar os meus passos, assistir
tudo para tentar encontrar os meus erros.

— Isso me soa cansativo, você não me parece animada com a


apresentação.

— Eu amo o balé, como um passatempo, não mais profissionalmente.

— Uau! Uma filha de bailarina clássica dizendo isso, não deve ser fácil
para a sua mãe.

— A vida é uma cadela, João! — Brinca e em seguida dá mais um gole


em seu suco. — Minha mãe praticamente morreu depois que abriu mão do
balé, e então eu tenho a oportunidade, e simplesmente não quero isso para
mim.
— Eu imagino o seu dilema — falo com sinceridade a observando, eu
sinto que mesmo tendo a estudado, ainda há muito o que descobrir sobre ela.

— E o seu pai, o que acha disso?

— Ele não se importa comigo, João, para o meu pai a minha única
utilidade é estar bem vestida e sorrindo para as fotos.

— Ele me pareceu um pai apaixonado, tem fotos suas em toda a sala


dele, na empresa. — Ela dá de ombros e mais um gole em seu suco.

— Eu desisti de tentar entendê-lo, você também devia fazê-lo.

— É um bom conselho. Voltando ao hipotético passeio de moto. —


Brinco. — Onde gostaria de conhecer?

— Bem, será domingo e você terá dispensado o seu casinho... Opa!


Quis dizer, a sua amiga — zomba — e talvez eu tenha gostado da sua
companhia e queira ser surpreendida.

Amora não gostou da minha companhia, ela gosta é do desafio de tentar


me conquistar, de me deixar aos seus pés como é com todo o resto da
humanidade que cruza o seu caminho, e ainda tem o bônus de ter me visto
juntamente com alguém que ela julga ser um caso meu, ela gosta da
competição, da dificuldade, eu dou isso a ela.

— Assim sendo, pode ser que eu te leve na minha casa para que
possamos tomar um vinho.

— Sua casa?! — Leva as mãos a boca fingindo espanto — Bem, se


você fosse qualquer outro homem eu teria temor desse convite, mas como
não sou o seu tipo, vou sim, sem nenhum medo de ser atacada. — Fala com
letargia a última palavra e eu aceno.

— Sendo atiçado na medida certa, qualquer ser humano pode atacar,


Amora Guedes. — Digo e ela simplesmente sorri, definitivamente essa garota
quer jogar comigo.

— Ainda estamos falando de um encontro hipotético, certo?

— Talvez.

O celular dela toca em sua bolsa, e quando o retira e vê o nome na tela


seus ombros enrijecem, olha para mim com uma nota de pesar cruzando o
rosto bonito.

— Tenho que voltar para o ensaio.

De repente me dá uma vontade de dizê-la que não precisa continuar


com essa dança idiota que a faz ficar dolorida, é nítido o seu desconforto só
de pensar em ter que voltar para o ensaio, é como se estivesse indo para ser
torturada.

— Deu tempo ao menos do remédio fazer efeito? — Pergunto com a


voz mais dura do que pretendia.

— E isso importa? Com dor ou sem dor, eu tenho que regressar. — Diz
chamando o garçom em um aceno. — Obrigada pela companhia, João.

— Pode deixar que eu pago. — Digo quando ela retira o seu cartão
black da carteira cor de rosa, pego-me atento que o tom de rosa da pequena

carteira é da mesma cor do cabelo da dançarina de ontem da boate, até seguro


um sorriso só de imaginar a hipótese totalmente descabida. — E obrigado
pela companhia, é sempre bom vê-la.

— Obrigada, na próxima vez eu pago então.

— Então esperarei ansioso pela próxima vez.

Assisto-a caminhar para fora do estabelecimento, e fico impressionado


mais uma vez com a sua beleza, e como confiou tão rapidamente em mim
para contar suas amarguras, talvez ela esteja desesperada para ser ouvida, e

não sei até onde pode ir para que lhe deem a devida e necessária atenção.

Pego o meu celular e disco para a Filipa que para a minha surpresa
atende no primeiro toque.

— Que porra foi aquela? — É o que consigo dizer, ouço uma


respiração profunda como resposta.

— Não sei, eu senti algo estranho quando vi você com essa garota.
— O que você está falando?

— Eu senti que ela vai distanciar nós dois, não me peça para explicar,
foi o que eu senti.

— Quanta besteira.

— Então se afasta dela.

— Eu não posso e não vou fazer isso.

— Por que não?

— Por motivos pessoais. — Uma nova respiração longa ressoa.

— Hoje vou precisar fazer uns trabalhos, nos vemos amanhã?

— Amanhã tenho um compromisso, Filipa.

— Com a Barbie, não é?!

— Você nunca se importou com quem me encontro assim como eu

nunca me meti nos seus encontros, não vamos mudar isso agora, certo?

— Tanto faz, João.

Ela desligou o telefone na minha cara, isso é tão infantil, não consigo
reconhecer a minha melhor amiga, será que foi por isso que ela começou a
fazer a tal dança na boate? Filipa quer me conquistar?
As Peças

JOÃO

A plateia silencia, as cortinas se abrem e então vejo no centro do palco

a minha presa: Amora Guedes.

Sou praticamente um especialista neste tema, estudei a menina nos


últimos meses com o mesmo afinco que usei para passar em cada uma das
provas que fiz durante a universidade.

A madeira escura do chão do palco reluz as velas do suntuoso lustre de


cristal no alto, a sapatilha de bailarina, o tutu, porém em seu corpete possui
um pequeno coração bordado brilhando com luz de led ao redor demarcando-
o, o coque baixo e no alto da cabeça uma singela coroa de flores, tudo

branco, puro.

A forma como dobra as mãos, a preocupação com a pose inicial, sua


delicadeza é nítida, a classe, e eu não poderia esperar menos, afinal, ela é uma
bailarina premiada, acostumada não só a competir, como a ganhar.

O que me causa espanto é que o combinado seria tê-la na Europa até o


ano que vem, mas ainda não sabemos o que motivou o seu regresso precoce,
sabemos que é algo familiar afinal, desde que chegou ao Rio de Janeiro seus

pais andam mais reclusos, e a prendendo também, mas hoje pretendo ter um
encontro a sós com a minha enfadonha e insossa futura esposa.

Olho por olho, dente por dente, e já que eu não poderia seguir a lei da
retaliação, eu quero que o assassino dos meus pais sofra tanto quanto eles
sofreram, quero que a filha dele tenha em seu coração a mesma dor que eu

possuo no meu, eu preciso feri-la, para que isso diminua a minha dor.

Quero marcá-la por toda a vida, assim como o seu pai me marcou por
toda a minha quando matou os meus pais. Lei de talião é o conjunto de leis
mais antigo da humanidade, baby.

Os primeiros e inconfundíveis acordes de “I Have Nothing” ressoam, o


que me causa espanto, afinal, imaginei que seria uma apresentação de balé
clássico, e geralmente são músicas instrumentais chatas pra caralho, e pessoas
fazendo passos sem nenhum sentido apenas para mostrar que sabem ficar na

ponta do pé, não é acerca disso que gira o balé?!

Vejo dona Amélia cochichar com o meu chefe, ambos sentados à


minha frente, reparo que a mãe da bailarina tem os lábios torcidos em nítido
desgosto, semicerro os olhos tentando decifrar o motivo da sua irritação, o
marido dá dois tapinhas em sua coxa tentando dar conforto, a velha raposa
está observando a filha, ele tenta desfrouxar o nó da gravata parece tão
incomodado quanto a sua mulher.

— Perdoem-me, esse número deve se tratar de alguma estripulia da


minha filha. — Rodolfo Guedes diz, e troco um olhar profundo com o meu
irmão, que não está dando a mínima para a apresentação, ele só veio
atendendo um pedido da raposa velha, Jonas apenas volta a dar atenção ao
seu celular.

Amora rouba a minha atenção, conforme as primeiras batidas da


música tocam, ela tenta dançar juntamente com o bailarino que também usa o
traje inteiro branco como o dela, mas sem leds.

No entanto, o que me chama a atenção na coreografia é que o homem


não a quer, vira-lhe as costas, e ela tenta segurá-lo tocando em sua coluna,
entretanto quando ele vira de volta encarando-a de forma ensaiada ele a
expulsa em um jogo de dança com os braços em uma postura tempestuosa, a
sacoleja e a joga de joelhos ao chão tudo no ritmo acelerado e exato das

batidas da canção.

Ele sai caminhando do palco pelo lado esquerdo e os holofotes vão para
cima de Amora e todos encaramos a bailarina de cabeça baixa no centro do
palco no exato momento em que a voz de Whitney Houston ecoa no
ambiente.
Share my life

Compartilhe da minha vida

Take me for what I am

Me aceite pelo que eu sou

'Cause I'll never change

Porque nunca mudarei

All my colors for you

Minhas cores por você…

Então um casal de bailarinos entra pelo lado esquerdo do palco onde o


par de Amora saiu, a outra bailarina tem a roupa igual a de Amora, porém,
sem os leds, pelo que entendi só ela os possui, e o casal dança em sincronia e
a loira se levanta e tenta acompanhá-los, entretanto os seus passos apesar de
parecidos, são propositalmente mais acelerados, ela é completamente

ignorada pelo par.

No lado direito do palco, entra mais um par em sincronia, os holofotes


os destacando, ambos dançam bem ensaiados com a melodia da música, se
tocam, acariciam, dão piruetas e a bailarina confia o seu corpo ao homem que
a segura na cintura e a ergue, quando a coloca no chão novamente os dois
tem a companhia de Amora que se desloca ao redor deles, mas novamente,
ela não consegue os acompanhar, e aparentemente desolada ela vai para o

meio do palco fazendo um solo de piruetas, lindo de ver o brilho girando, a

forma como consegue girar com apenas um pé a apoiando, o quão bonito é


vê-la na ponta do pé, quando percebo estou sorrindo e tenso por não saber o
que esperar da apresentação.

E então, mais um casal entra, agora os três casais se unem todos ao lado

esquerdo do palco, os homens atrás e as mulheres com seus braços delicados


em sincronia enquanto sobem e descem juntos em movimentos sutis, apenas
Amora fica sozinha no lado direito.

Todos fazem os mesmos movimentos, até mesmo a bailarina acuada e


solitária, em cada batida da música possui um passo marcado, quando ela dá
uma corridinha tentando entrar no espaço dos outros bailarinos todos param a
dança, deixam-na rodopiando sozinha por entre eles, e então ela para, e todos
começam a dançar. Remexo-me incomodado na cadeira.

Don't make me close one more door

Não me faça fechar mais uma porta

Ela rouba a minha atenção, e a vejo rodopiar e conforme a sua perna


gira na horizontal, os bailarinos vão ao chão, ela os acompanha jogando-se
para baixo atrasada, e quando se agacha por fim, um grupo de mais sete
bailarinos entra na parte direita do palco dando piruetas e preenchendo todo o
palco.

I don't wanna hurt anymore

Não quero machucar mais

Todo o balé faz alguns passos ao chão, e em seguida o grupo de seis

que estava junto de Amora antes, saem do palco deixando-a só com o novo
grupo.

Stay in my arms if you dare

Fique em meus braços se você se atrever...

Começa um número com giros e piruetas, não demora até que o outro
grupo retorne, reparo nos corpos fluidos, essas pessoas não têm ossos?

Amora tenta acompanhá-los, mas todos os grupos parecem organizados


demais para os seus passos afoitos.

Ela simplesmente não se encaixa em nada.

Fico hipnotizado com o número, quando o seu par a tem nos braços
novamente, bailam juntos de todos os outros e é incrível, giros, pernas sendo
erguidas, sincronia com as batidas da canção, pego-me respirando
descompassado enquanto acompanho, curioso se ela conseguirá adequar seus
passos com o dos outros, se alguém vai errar algum dos passos...
Mas quando de repente, perto do refrão, todos os casais se separaram e
se abaixam próximo ao canto direito do palco, exceto um dos homens que

permanece de pé, e vejo a loira na outra extremidade correndo em sua


direção, fico entusiasmado, meu pescoço erguendo-se para acompanhar
Amora correndo e dando um impulso subindo nas costas de um dos
bailarinos agachados e em seguida dá um pulo na coluna de outro, até que por

fim se joga em uma pose de nítida confiança, entrega total para o seu par, que
a segura, mas arranca um grito de toda a plateia no segundo seguinte quando
a joga ao chão no exato momento em que Whitney grita:

Don't make me close one more door

Não me faça fechar mais uma porta

Amora fica caída ao chão olhando o seu par que começa a dançar junto
de outra bailarina, ela se levanta e com as mãos separa os corpos do casal.

Stay in my arms if you dare

Fique em meus braços se você se atrever

Or must I imagine you there

Ou devo imaginar você ali?

Novamente o homem se desvencilhou dela, e por fim o balé se une em


um timing perfeito, todos dão repetidas e ornadas piruetas no ar, mãos e
pernas se movimentam ao mesmo tempo, parece que a bailarina finalmente

conseguiu os acompanhar.

No momento em que tenho esse pensamento, todo o corpo do balé se


abaixa fazendo seu número ao chão restando somente Amora de pé,
parecendo perdida, e os grupos dividem-se cada um em um lado do palco
deixando-a sozinha no meio levando as mãos à cabeça, me passa tanta dor,

solidão.

Don't you dare walk away from me

Não se atreva a ir para longe de mim

I have nothing, nothing, nothing

Não tenho nada, nada, nada

If I don't have you, you

Se eu não tiver você, você.

O número acaba com todos saindo a cada dois casais enquanto a


melodia se esvai gradualmente, e Amora os olhando, virando o rosto para
cada casal que sai de mãos dadas, no final resta apenas a loira com o coração
apagado pelo led, abaixando a cabeça, e a luz do holofote se apaga junto com
os últimos gemidos de Whitney Houston, e a plateia inteira se levanta e
estoura em aplausos.
Pego-me de pé, com o coração dando solavancos no peito, a respiração
errática, e um sorriso no rosto. A apresentação foi eletrizante, desfiz a

impressão arruinada de balé que possuía.

AMORA

Caminho em direção aos meus pais ainda na coxia, ajeito o nó do meu


robe de seda, mal saí do palco e eles já exigiram a minha presença, apenas
tirei o tutu e vim depressa ao encontro dos dois, espero que tenham gostado
da apresentação, ela tem um significado especial para mim.

Encontro-os de mãos dadas, minha mãe sempre elegante em suas


roupas apagadas, hoje mesmo usa um terninho bege.

— E então, gostaram? — Questiono, minha mãe possui a mandíbula

cerrada, o que faz o meu sorriso morrer aos poucos.

— Você é uma bailarina clássica, essa apresentação foi um disparate.


— Minha mãe diz completamente desgostosa, roubo um olhar para o meu pai
e ele nem sequer me encara, apenas olha ao redor como se procurasse por
alguém. — Toda a alta sociedade carioca aqui hoje para ver a minha pupila, e
você me vem com balé contemporâneo? Você nos envergonha.
Engulo a seco, fito as minhas mãos enquanto tomo um ar e controlo as
lágrimas de caírem.

— Eu ganhei um prêmio na Europa com essa apresentação, mãe, queria


que as pessoas aqui do meu país conhecessem. — Defendo-me, mas sei que é
inútil quando se trata do balé não existe meio-termo com a minha mãe.

— Na Europa você não tem um nome a zelar, mas aqui, você é Amora
Guedes, filha da Amélia Guedes que foi a primeira bailarina do Municipal.

— Há vinte anos. — Falo revirando os olhos com nítido desdém.

— É tradição, e tradições são feitas para serem respeitadas. — A voz da


minha mãe soa cruel, mas fala baixinho, ela jamais correria o risco de ser
ouvida pelos outros mostrando a sua verdadeira face. — A dança é a sua
missão, Amora, não desperdice.

A dança é a minha missão.

— Otávio vai levá-la para jantar hoje, seja uma boa menina.

— Com licença. — Uma voz masculina surge por trás de mim e vejo
João, ele tem um buquê de orquídeas brancas nas mãos e as entrega a mim.
— Parabéns pela apresentação, foi impecável.

Deixo cair uma lágrima que enxugo com destreza, seguro o buquê, e
quase não consigo olhá-lo. Mal posso crer que ele realmente veio.
— Minha filha é uma bailarina com muito potencial, senhor Patacho.
— Mamãe diz.

— Olha, eu já fui a uma porção de apresentações por aí, mas nenhuma


com tanto sentimento.

— Obrigada, João. — Sussurro para ele, minha voz ainda embargada.

— Ah! Finalmente, venha Amélia, preciso que conheça meu amigo do


tênis. — Ignorando-me por completo, meu pai segue para um de seus amigos,
sem me dar uma palavra sequer.

Olho para o João à minha frente, sei que está tentando soar gentil, mas
estou com raiva, sobretudo de mim, por ser tão insuficiente. Como dói não
atender as expectativas de alguém que amo.

— Se você também não gostou, não precisa... — corta-me.

— Amora, eu me conectei de forma surpreendente com a sua atuação,

eu não sei se era esta a mensagem que queria passar, até porque, eu nada
entendo sobre balé, mas entendi que a bailarina de alguma forma não se
encaixava em nenhum lugar — os olhos de cor azul parecem vivos, afoitos,
ele gesticula e sua voz aumenta a entonação — por mais que a bailarina
usasse roupas iguais os outros, por mais que tentasse dançar como os demais,
simplesmente não se encaixava, e para ser sincero eu me sinto assim na vida
muitas vezes. — Talvez sentindo que se excedeu em suas palavras, ele se cala
e olha-me profundamente, lentamente um sorriso surge em meus lábios. —
Não ria de mim, eu avisei que não entendo nada sobre dança.

Timidamente, ele coloca as mãos nos bolsos de seu terno e deixa cair
os olhos, eu gosto da sua sinceridade e como parece vulnerável em alguns
momentos.

— Você pode não entender de termos técnicos, mas tem muita


sensibilidade, João, entendeu perfeitamente todo o conceito da apresentação.

— É assim que se sente? — Olha-me enquanto sussurra a pergunta.

— Sozinha? Sim. — Olho para o buquê em minhas mãos, acaricio as


pétalas. — Eu levo a vida que muitos sonham, financeiramente falando nada
me falta, então eu não deveria me sentir completa? As pessoas dizem tanto
que o dinheiro é essencial, então, porque não está sendo para mim?

— Amora... — O interrompo ainda tendo os meus devaneios.

— Quando eu danço, me sinto viva, e é raro eu me sentir viva, João.

— Sua mãe deve estar orgulhosa do quão talentosa você é. — Ele diz e
eu apenas nego com a cabeça e aperto os meus olhos, tentando expurgar as
palavras duras que ela me deu, sinto a mão quente tocar meu ombro.

Hoje era para ser um dia tão especial, mostrar a todos uma coreografia
premiada e apenas se tornou um dia que eu já quero esquecer.
— Obrigada pelo apoio, de qualquer forma, são lindas flores. —
Assumo vestindo a minha carapuça doce, abro os olhos e dou-lhe um sorriso

fraco.

— Não é apoio, é a verdade. — Diz ainda acariciando o meu ombro.


Ele olha ao redor conferindo se possui olhos em nós, e em seguida dá um
passo em minha direção e cochicha em meu ouvido: — Você disse que gosta

de se sentir viva... Quer dar uma voltinha comigo?

— Você não está com a sua moto, está? — Um sorriso de canto de


boca lhe escapa e eu o acompanho sorrindo também.

— Talvez eu esteja. — Raspa o polegar em meus lábios e eu ofego


baixinho.

— Não é prudente andar de moto, sem o meu segurança. — Pondero


assistindo-o sorrir cinicamente.

— Não é nem um pouco prudente, senhorita Guedes.

E então fico dividida, o jantar maçante com Otávio ou um passeio de


moto nada convencional com João...

Viro-me para Otávio que ergue a taça de espumante em minha direção


e sorrio para ele, internamente peço desculpas pelo fora que vou lhe dar, mas
eu preciso de alguma diversão afinal.
— Eu vou trocar de roupa, e fugir de fininho, me encontra na saída? —
Recebo uma piscadinha como resposta de João e levemente excitada dou-lhe

as costas ficando repentinamente animada com a ideia.

— Você de saia torna tudo mais interessante, senhorita bailarina.

— Atenha-se a direção, eu preciso de tudo impecável embaixo do tutu.


— Brinco e ouço-o sorrir.

Meu vestido midi possui a saia longa e rodada, o que não será um

grande problema para montar em sua moto.

— Não vou te deixar cair da minha moto só porque você não faz o meu
tipo, porque particularmente acho sexy um hematoma na bunda. — Brinca e
eu acabo rindo dele.

Apesar de a nossa brincadeira de não fazer o tipo, sempre estamos nos


esgueirando ao redor um do outro.
— Preciso estar em casa até as duas da manhã antes que os seguranças
comecem as buscas pelo meu corpo por toda a cidade.

— Deus! Você é tão certinha. — Revira os olhos e dou de ombros


dando pouca importância a sua zombaria.

— Certo, como eu subo nessa coisa? — Meneio a cabeça enquanto ele

me cobre com o capacete. — É como montar em um cavalo? — Ele ri da


minha pergunta.

— Não precisa de uma performance para subir na moto, senhorita


bailarina, é algo instintivo, só tenho uma ressalva, em hipótese alguma me
solte.

— Certo.

Ele sobe na Kawasaki e coloca o seu capacete, ajusto o meu vestido


ombro a ombro coral, e subo atrás dele, seguro em sua cintura e deito a minha

cabeça em sua coluna.

Apoio os pés em um lugar que esquenta demais, então vasculho


rapidamente e encontro o pedal, onde apoio os pés ainda doloridos da minha
recente apresentação.

Nos movemos pelas ruas do centro, passamos por algumas poucas


pessoas de terno enclausuradas em suas vidas, imagino o quão doloroso seja
trabalhar aos domingos.

Conforme passamos por ruas desertas e escuras, fico desconfortável e


João aumenta a velocidade, até que passamos pela Igreja de Nossa Senhora
da Candelária, ele pega velocidade e eu o aperto com toda a minha força,
assustada.

Em determinado momento, ele vira para a direita e quase consigo sentir


o asfalto raspar a minha perna de tão inclinada que a moto fica, deixo um
grito preso na garganta.

Quando vira novamente nos colocando no Aterro do Flamengo o peso


dos nossos corpos me parece que fará a moto ceder e ir ao chão conforme nos
inclinamos.

Deus do céu!

Que adrenalina, estou arrepiada, o rosto corado com o vento gelado e

forte que bate em meu corpo, em meus ouvidos consigo sentir os meus pulsos
acelerados, os olhos arregalados atentos a cada um dos movimentos feitos,
não consigo definir se preciso gritar, chorar, sorrir, se quero que pare
imediatamente ou se preciso que vá ainda mais rápido.

Viva.

É assim que ele queria que eu me sentisse, e o desespero em nos manter


em segurança corre em minhas veias, o medo de nos acidentarmos, de
morrer, o instinto humano de sobrevivência pulsa por todo o meu corpo.

Eu devia pedi-lo para parar, mas não o faço, a vida inteira eu fui uma
boa garota, mas agora eu simplesmente não quero ser nada, não quero ser, e
sim sentir.

Simplesmente fecho os meus olhos e deixo-me ser levada, o cheiro


amadeirado de João me enchendo os sentidos, minhas mãos sentem o seu
abdômen firme por baixo de sua camisa social, apenas repouso a minha
cabeça em suas costas e sinto-o enrijecer, mas ficamos assim por todo o
trajeto.

Olho as praias de Botafogo, tudo fica ainda mais intenso, o mar


batendo, a lua cheia, as pessoas indo e vindo, e nós dois de telespectadores e
ainda assim em uma bolha só nossa.

Ele segue e para a moto na Urca, o lugar tem bastante pessoas de


diversificadas faixas etárias, a maioria sorri, bebe cerveja olhando para a
praia. Ele tira o capacete e com a cabeça de lado pergunta-me:

— E então, como foi a sua primeira vez? — O trocadilho não me


escapa, apenas sorrio e digo-lhe com sinceridade.

— Acho que eu vou vomitar.


Admito e ele gargalha pegando o meu capacete, nossos dedos se tocam
no processo, os dele estão quentes, os meus também, os aqueci em seu corpo,

mas bruscamente ele desfaz o contato, coloca os capacetes pendurados em


sua moto.

Ambos descemos e caminhamos lado a lado, tenho alguns fios fora do


lugar devido ao passeio, passo as mãos tentando consertar o caos.

— E então o que sentiu?

— Medo, muito medo. — Estranhamente, eu digo isso sorrindo.

— E isso não é bom?! — Questiona caminhando e forçando-me a


segui-lo.

Caminhamos em direção às pessoas aglomeradas, nos sentamos em


uma parte mais reservada da mureta.

— É por isso que gosta de moto? Gosta do medo?

— É por isso que gosta de dançar? Você desafia as leis da gravidade.


— Joga a pergunta para mim.

Sorrio presunçosa, gosto da sua provocação, penso um pouco e deduzo


que os nossos gostos se completam de alguma forma.

— Gosto de dançar pela liberdade, é onde posso me expressar sem ser


julgada, posso simplesmente ser eu e colocar tudo para fora.
— E você é muito boa nisso.

— Obrigada.

— Posso pedir bolinho de bacalhau? Os daqui são os melhores, os de


Portugal ficam no chinelo. — Sua animação me contagia e meneio a cabeça
em negativa.

— Você já foi a Portugal, João?

— E preciso?! Olha para isso, tenho praia, bebida, pessoas bonitas e um


bom bolinho de bacalhau. — Abro um grande sorriso, ele pisca para o
garçom que já deve conhecê-lo, pois, já anota o pedido sem sequer se
falarem.

— Então você é um apaixonado pelo Rio de Janeiro? Seu sotaque não é


daqui.

— Sou do sul, mas diferente do meu irmão, eu amo esta cidade, cada

canto.

— Eu não a explorei devidamente.

— Como não?! Você como dançarina tem tanto a conhecer.

— Ah, é?!

— Choro, samba de raiz, samba-rock, pagode, partido alto, essa cidade


não é para amadores. — Rimos. — Você devia conhecer de tudo um pouco
antes de se casar. — Outro trocadilho, mantenho os meus olhos no mar a

nossa frente. — Então, na rádio corredor da empresa só se fala disso, você e


Otávio...

— Ele é legal, simpático e de boa família...

— Isso não soa atraente. — Deduz e eu gargalho. — Eu odiaria se uma


mulher se referisse a mim como legal, simpático e de boa família.

Balanço a cabeça em negativa sem deixar de sorrir, aliás quando foi


que parei de sorrir desde que desci da moto dele?

— Otávio é segurança, ele se dá bem com o meu pai, parece ter afeição
por mim, e tem uma beleza agradável, talvez eu o ame com o tempo, com a
convivência. — As palavras mais tentam me convencer do que a João.

— Você merece mais do que isso.

— Diga-me, quais características uma mulher iria enumerar ao se


referir a você? Vamos lá, sabichão. — Zombo.

João vira-se para o mar, não me encara enquanto sussurra para que só
eu ouça as suas palavras, ele é tão incrível.

— Não fui criado para ser legal, simpático e muito menos ter boa
família. Não tenho sensibilidade nessas nuances da vida, sempre precisei ser
forte, mesmo em todos os momentos que o meu coração gostaria de saltar

pela boca. Por muito anos eu ouvi que, um homem deve ser homem, ter
honra, responsabilidade, dignidade, hombridade, mas neste momento da vida
me pego sentindo falta de ser um pouco bobo.

— Existe uma crônica da Clarice Lispector que se chama “Das

vantagens de ser bobo” eu o descobri em um dia entediada vagando pelo


YouTube, era a voz da Araci Balabanian interpretando, e nossa! Me bateu
com tudo, ouvi uma porção de outras vezes.

— Não consigo ver as vantagens de ser bobo. — Rimos.

— Ela viu, mas também citou as desvantagens.

— O que lembra da crônica?

— A primeira frase já começa com um “O bobo, por não se ocupar com

ambições, tem tempo para ver, ouvir e tocar o mundo.” Essa frase me fez ter
a plena consciência que eu sou totalmente boba.

— Me fala mais. — Ele pede entretido.

— Certo! “Desvantagem: pode receber uma punhalada de quem menos


espera. É uma das tristezas que o bobo não prevê. César terminou dizendo a
célebre frase: "Até tu, Brutus?" — Enceno e o vejo franzir o cenho. — “É
quase impossível evitar excesso de amor que o bobo provoca. É que só o
bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo.”

Ele aplaude e eu sorrio bobamente.

— A conversa flui tão bem entre nós, sente isso? — Pergunta e penso
por um segundo.

Minha boca fica seca, observo-o assim sob a luz da lua, tão másculo,
ele tem braços malhados e pelo que pude sentir pelo pouco que tateei
enquanto estava em sua garupa tem gominhos, seus lábios cor de rosa são
protuberantes e pego-me ansiando para saber o quão suaves podem ser em
contato com a minha pele.

Quando ele retorna o olhar para mim, esperando uma resposta apenas
aceno em concordância.

Talvez eu realmente quisesse ter um homem como esse em minha vida,

mas sei que o meu pai nunca permitiria uma relação dessa, é errado, e quanto
mais eu deduzo o quanto meu pai repudiaria esse envolvimento, mais sinto-
me tentada.

Ouvindo as primeiras notas de violão ao longe, um grupo de jovens está


reunido em volta de uma roda, um luau, de repente a bossa nova ressoa e os
ouvimos cantarolar:
Coisa linda

É mais que uma ideia louca

Ver-te ao alcance da boca

Eu nem posso acreditar

Fecho os meus olhos absorvendo o momento e sinto os olhos

vasculhando-me, apenas sinto.

— Você gosta de bossa nova.

— Eu amo a forma como o amor parece tão bonito, puro e visceral e,


ao mesmo tempo, me dá esperança, também me sinto triste, porque nunca
vou sentir nada assim tão forte.

— Por que não?

— O meu pai vai me forçar até ceder, e provavelmente eu vou me casar

quando e com quem ele quiser, e talvez a minha mãe tenha razão, os pais
sabem o que é melhor para os seus filhos.

Coisa linda
Lua, lua, lua, lua
Sol, palavra, dança nua
Pluma, tela, pétala

— Talvez, mas nem sempre queremos o melhor. — Ele empurra um


punhado do meu cabelo para trás da minha orelha e trocamos um olhar
significativo. — O melhor seria vir de carro, no entanto... — Corto-o.

— Foi intenso ter vindo de moto. — Mordo o lábio insegura, será que
usei as palavras certas?

Coisa linda
Desejar-te desde sempre
Ter-te agora, um dia é sempre
Uma alegria pra sempre

— Essa conclusão tinha tudo pra ser de Nietzsche, Habermas, mas


somos nós dois chegando a essa constatação barata.

— Barata e com um palavreado pobre. — Completo o fazendo rir.

— Eu acho que existe uma garota má em algum lugar aí dentro. —


Ergue o queixo em minha direção e sorrio.

— Descubra por si só.

Nossos bolinhos chegam, João trocando brincadeiras com o garçom


que sorri.

— E a senhora, o que quer beber?

Dou uma rápida olhada no cardápio, e opto por algo leve, as palavras
da minha mãe sobre a minha dieta latejando.

— Um suco de morango, por favor.


— Sente muita falta da Europa?

— Sinceramente não sinto que fui feliz lá, o que sinto falta é mais da
sensação que a Europa me traz, mesmo andando sempre com seguranças,
ainda tinha um resquício de liberdade, podia ter as minhas próprias opiniões.

— Você já tem vinte e cinco anos, talvez precise provar para si mesma

que não é um pássaro em uma gaiola.

O impacto das suas palavras recaem sobre mim como uma avalanche,
ele tem total razão, antes de provar para outros a minha capacidade, eu
preciso ser a primeira a confiar e acreditar em mim.

Assisto-o comer o bolinho e sorrio da sua satisfação estampada, provo


também e apesar de achar a massa com gosto de batata em demasia, acabo
gostando, entretanto, não chega aos pés de um legítimo bolinho de bacalhau,
mas eu nunca vou revelar isso ao João.

— Então você é o diretor do departamento de marketing da Guedes e


gosta de frequentar lugares singelos da cidade.

— Eu fui criado na miséria, Amora, não sou um homem de muitos


luxos, apesar de gostar de ter uma vida confortável, não me esqueço das
minhas raízes.

— Uau! Isso é realmente algo muito nobre.


— Não há nobreza nisso, é apenas como eu sou.

Coloco a minha mão sobre a sua e vejo-o erguê-la e levar aos lábios
depositando um beijo no dorso.

— É tão bonito o jeito que movimenta as mãos enquanto dança, tão


delicado.

— Chama-se Port. De Bras., a passagem dos braços de uma posição


para outra, e acredite em mim, para esse movimento bonito de mãos como
diz, eu preciso movimentar a minha cabeça, a extensão dos ombros, o
alongamento do pescoço, além das mãos e do olhar. — Olha-me incrédulo.
— Minha mãe diz que a sabedoria em saber conduzir bem os braços revelam
imediatamente se o bailarino veio de uma boa escola. — Reviro os olhos
quando lembro de suas falas carregadas de arrogância, e tenho uma ideia
louca que com toda certeza faria mamãe surtar se descobrisse. — Ei, João!
Quer me ver dançar de uma forma nem um pouco delicada? — Ofereço e os

olhos azuis intensos fitam os meus lábios.

— Seria interessante.

— Certo, então me encontre amanhã após o expediente.

— Onde?

— Sem pistas, será uma surpresa, senhor Patacho.


— Tudo bem, me permitirei ser surpreendido. — Tilinta nossos copos e
damos um último gole.

Ele olha para o relógio no pulso e diz com deboche:

— Está na hora da princesa voltar para o castelo, vamos?

— Vamos!
A Montagem

AMORA

Assim que a moto para em frente ao meu portão de casa eu sinto uma
nostalgia, é como se já tivesse sentindo a falta dele, tiro o meu capacete e sem
que João perceba dou uma fungada em sua roupa, tentando guardar na mente

o seu cheiro, para recordar mesmo quando estivermos distantes.

Desço da moto e ele também o faz em seguida, dá uma olhada para a


minha casa e respira fundo.

— Quer que eu vá com você encarar os leões?

— Não precisa, eu sei lidar com eles, na verdade, é provável que não
tenham ao menos sentido a minha falta, só os seguranças devem estar doidos.
— Coloco o capacete pendurado na moto, e volto a atenção para ele. — Essa

é uma das vantagens de ser invisível. — Brinco.

— Vá por mim, você é tudo menos invisível.

Decidida a implicar com ele, passeio os meus dedos pelo seu peitoral,
ele os acompanha com o olhar e então aproximo o meu corpo ao seu, nossas
bocas niveladas e ofego rente a ele que me olha de forma intensa.

— Eu acreditei que eu não fizesse o seu tipo.


— Corre sangue em minhas veias, senhorita doce bailarina, se
continuar me tocando... — A sua voz morre quando desço os meus dedos

para o seu quadril, serpenteio o cinto de sua calça.

— O que vai fazer se eu continuar te tocando?

— Amora...— Ele sussurra, mas permanece estático, desvencilhei-me

dele e lhe dou as costas indo em direção a minha casa.

— Fraco. — Disparo e então de imediato sinto a mão segurar a minha


nuca exposta, o corpo másculo me agarra por trás e o roçar de seu sexo duro
em minha bunda.

— Você não deve temer a minha ação, e sim, o meu silêncio. Não me
tente se não for lidar com as consequências.

— E se eu quiser lidar com as consequências? — Sussurro com os


olhos fechados, totalmente excitada.

— Não vai, você ainda é a menina que tem de chegar às duas da manhã
em casa. — Diz ele, semicerrando os olhos e encarando-me por um segundo,
talvez esperando que eu me defenda, mas o que posso dizer, afinal esta sou
eu, um fantoche dos meus pais.

— Boa noite, senhorita doce bailarina.

Eu fico imóvel vendo-o ir embora em sua moto, e mais do que nunca as


palavras de João ecoam na minha cabeça “talvez precise provar para si

mesma que não é um pássaro em uma gaiola.”

Vou para dentro de casa e como o premeditado, não há ninguém me


esperando nem mesmo para me dar uma bronca por sumir sem deixar rastro.

Subo as escadas, e já dentro do meu quarto tiro o meu vestido, ainda de

calcinha e sem sutiã, pego os meus fones via Bluetooth e coloco “Earned it”
no último volume, chuto fora as minhas sandálias e rapidamente entro em um
par de coturnos de salto de 10 centímetros.

Encaro-me no espelho da minha parede, solto os cabelos, e conforme a


batida começa eu serpenteio as mãos pelos meus quadris tocando-me, vaguei
o olhar pelo meu corpo seminu no espelho.

Não quero perfeição, nada de passos perfeitos, quero sentir.

You make it look like it's magic (oh, yeah)

Você faz parecer que é mágica (oh, yeah)

'Cause I see nobody, nobody but you, you, you

Porque eu não vejo mais ninguém, ninguém além de você, você, você...

Desço até o chão, encarando-me no espelho sem parar, na batida


sensual da música abro e fecho rapidamente a minha perna esquerda, dou
duas reboladas e giro o corpo ao mesmo tempo, em que elevo os braços
“você desafia a gravidade” lembro-me da frase que João disse.

Apoio-me com apenas a mão direita no chão enquanto com a outra,


gracejo fazendo o tal movimento delicado que João disse, rio.

Fecho os meus olhos e imagino ele por baixo de mim, e essa simples
fantasia faz os meus quadris se erguerem e abaixarem novamente, subindo e

descendo, subindo...

You know our love would be tragic (oh, yeah)

Você sabe que nosso amor seria trágico (oh, yeah)

Vou ao chão e passo a perna por trás, meu tronco se curva junto da
minha cabeça para o lado pronto, sai um cambré perfeito, eu amo a minha
flexibilidade e fluidez, o que é fruto de uma vida inteira de treinos.

Abro as pernas em um belíssimo grand écart, a minha abertura de


perna faria inveja a minha chata professora, pau mandada da minha mãe.
Reviro os olhos.

We said it wouldn't be love


Nós dissemos que isso não seria amor

But we felt the rush

Mas nós sentimos a emoção...

Deito-me no chão gelado, com a respiração descompassada, os

mamilos eriçados, e penso nele, em como queria o seu toque por todo o meu
corpo, em como eu queria ter deixado de lado as regras e ir junto com ele na
garupa de sua moto para onde for que ele quisesse me levar, mesmo que fosse
para um motel qualquer fazer as coisas que ele parece ser capaz.

E, ao mesmo tempo, surge uma rusga de preocupação, porque o meu


pai não permitiria a minha relação com o João, e sendo sincera, não sei se o
diretor estaria disposto a ir contra o mundo para ficar comigo, ninguém nunca
esteve antes.

Enquanto João contorna a frente do meu carro e entra no lado do


carona, eu reparo em seu look despojado conforme orientei na mensagem que

lhe enviei meia hora atrás, sua jaqueta preta de couro orna bem com a camisa

branca e calça jeans escura.

Passei o dia inteiro ensaiando para o meu próximo espetáculo, estou


completamente dolorida, mas queria muito vê-lo hoje, gosto das nossas
conversas, da mais rasa e divertida a mais profunda e que me desperta

sensações.

— Entra no carro e eu vou te vendar até que estejamos no lugar da


minha surpresa. — Mostro a venda preta no meu porta-luvas, as trouxe para
ver se ele entraria na brincadeira, mas a julgar pela carranca que ele sustenta,
não gostou foi é nada, o que me faz rir.

— Amora, o que você está aprontando? — Sua voz parece desconfiada,


ele aparenta medo, ou talvez eu o esteja lendo errado.

— Anda, João, entra no carro, eu confiei em andar na garupa da sua


moto. — Cruzo os braços e semicerro os olhos para ele.

— Tudo bem, eu entro, mas nada de vendas. — Ordena já entrando no


banco do carona.

Quando bate a porta seu rosto bonito repara em mim, os olhos azuis
celestes fixos no meu short destroyed curtinho, sobe para a minha camiseta
escrita “Hey DJ” com pedrarias pretas a estampando.
— Certo, cinto de segurança, senhor. — Brinco vendo-o revirar os
olhos, retira a jaqueta e passa a correia do cinto no peito.

Coloco o carro em marcha ré e arranco no sentido contrário, nos


colocando para fora da rua do seu prédio, mexo no celular ainda no console
do carro e ligo o som em um volume suave, e Beyoncé canta a versão remix
de Crazy in love, entretanto, João olha-me surpreso.

— Essa música...

— O que tem ela? — Pergunto com calmaria girando o volante para a


esquerda enquanto passo por uma rotatória.

— Eu a ouvi pela primeira vez nesta versão, dia desses.

— Onde? Em que lugar a ouviu? — Espio apreensiva através do


espelho retrovisor interno, os olhos azuis parecem confusos.

Troco a marcha após pisar no acelerador e dirijo apressada pela avenida

das Américas, de onde vim buscar o João.

— Nada de importante, apenas achei coincidência ouvi-la novamente


em um curto período.

— Imagina, João, é Beyoncé e é sexy, quem não ama a combinação?

— Você tem toda razão. Ei, você dirige bem, talvez eu deixe algum dia
você guiar a minha moto.
— Verdade? Olha, João, eu vou cobrar isso.

— Eu não dei datas. — Estala a língua e eu apenas sorrio, como é


costumeiro quando estou ao seu redor.

Cerca de quarenta minutos depois, e muitas das minhas músicas


sensuais da playlist das quais, João se interessou pela maioria o que me fez
rir, por fim estaciono na vaga de sempre, em frente a um portão qualquer.

— Esse é o meu lugar favorito da cidade.

— Amora, que lugar é este? — A pergunta soa enquanto ele olha


através das janelas, extremamente assustado.

Gargalho da sua incredulidade, João olha ao redor meio chocado talvez


com a simplicidade do lugar, o cheiro também não é dos melhores...

Desço do carro e ouço a sua porta bater, aciono o controle do


automóvel e sinto a sua presença ao meu lado.

— Repara no estilo das pessoas — sorrio bobamente — é o Viaduto de


Madureira, João. — gargalho de sua feição descrente. — Venha. — Estendo
a mão a ele apontando o queixo para atravessarmos a rua em direção a

bilheteria.

Os carros descem velozes pelo viaduto, dificultando a nossa travessia,


mais um par de pessoas nos rondam na tentativa de atravessar, a mão de João
segura a minha, quente e possessiva fazendo-me olhá-lo, ele tem o foco nos
carros, parece completamente alheio, ele realmente não tem interesse em

mim, talvez realmente só queira a minha amizade.

Quando o sinal fica vermelho conseguimos atravessar, mas a sua mão


não deixa a minha, reparo na nossa diferença de altura, afinal hoje estou de
all star, e a ausência de salto alto me traz o vislumbre do quanto pareço
pequena e frágil ladeando com o seu corpo musculoso.

Entramos na fila da bilheteria e o vejo retirar a carteira, mas paro com a


minha mão livre.

— O combinado é que no próximo encontro eu ia pagar, lembra?

— Na verdade, nos encontramos depois disso e você não pagou, então


me deve esse encontro e um próximo. — Brinca já guardando a carteira no
bolso traseiro da calça jeans.

— Tudo bem, senhor agiota, eu pago. — Rimos.

Assim que pego os ingressos simples de papel, passamos pela


segurança que tateia a minha bolsa e os meus seios e quadris, liberando a
minha entrada em seguida, com o canto do olhar vejo João ser revistado

também.

E olho ao redor, já sorrindo, o lugar é escuro e tem a aparência de um


galpão, todo fechado, e com um palco improvisado onde o DJ coloca o som
nas alturas com a sua mesa.

— Você tem noção do quanto está em risco neste lugar? — Sussurra


em meus ouvidos já segurando a minha mão em seguida.

— Imagina, João, aqui só uma coisa importa...

Saio de perto dele deixando a frase sem um fim, e imito os passos do


rapaz negro de cabelo repleto de tranças.

— Isso aí! Loira, agora cruza a perna esquerda, e gira! — Ele grita por
cima da música e o imito.

Divirto-me tentando acompanhar o grupo nos passos do Charme que


toca alto nas caixas de som, gargalho quando erro o passo e giro para o lado
oposto de todos, bato com o meu corpo em cima de outra menina que me
olha torto, levanto as mãos em rendição e ela retorna a dançar, sinto o olhar
de João queimar em mim, retribuo e vejo-o sorrindo e balançando a cabeça
em negativa enquanto possui uma cerveja de garrafa nas mãos.
Before You Walk Out Of My Life toca levando todos a loucura, grito e
assobios são ouvidos e posso não saber muito sobre a black music, mas sei

que esse é um clássico dos anos 80, sem saber nem um dos passos tento
novamente acompanhar a galera, mas essa tem a melodia mais rápida, exige
passos ágeis que não consigo pegar com facilidade, e encaro como um
desafio, me atrapalho com o jogo de pernas, e por fim, desisto de tentar

acompanhar a galera, vejo João conversando com uma garota.

Vou em sua direção, completamente suada e então o homem


subitamente sai de perto, João coloca a sua mão em minha cintura nua e eu
olho para o local e gosto do seu toque.

— Ela estava sutilmente dando em cima de mim, e eu disse estar aqui


com a minha garota, para não magoá-la. Então, seja a minha garota. — Ele
junta os nossos corpos, arrasta o seu nariz no meu pescoço me fazendo
arrepiar inteira. — Você tem um cheiro tão bom. — Sussurra enquanto fecho

os meus olhos, seguro em seu ombro ficando tonta de desejo, e então sua
boca mordisca o meu pescoço e deixo um gemido fugir dos meus lábios.

— Ei, você está fingindo bem demais. — As palavras soam fracas


enquanto o seu hálito quente atravessa os fios do meu cabelo, tê-lo entorno
do meu corpo é tão bom, que as minhas pálpebras tremem.

— Sim, você acha que ela está acreditando? — Pergunta com a voz
rouca em minha orelha e deixa uma lambida em meu lóbulo.

— Acho que precisamos ser mais convincentes. — Falo e o surpreendo


quando enfio os meus dedos em seus cabelos e forço um pouco a sua cabeça
para trás expondo o pescoço onde dou beijos molhados até subir pela sua
mandíbula.

Deslizo os meus braços pela cintura dele e o sinto ofegar baixinho,


nossos narizes se tocam, e João abre a boca como se fosse dizer algo, então
ele apenas diz com rispidez: — Vamos embora!? Seu horário de estar em
casa.

Respiro fundo, pareço não ter ar suficiente, quando nos desgrudamos


ainda está tudo lá, o local cheio de pessoas alheias a nossa bolha, o som alto,
a minha pulsação e também o latejar entre as pernas.

Assim que saímos do galpão, vemos a chuva de verão torrencial, e

enquanto João resmunga, eu corro em direção as gotas que tocam gélidas o


meu corpo, aos poucos os barulhos dos carros passando vão perdendo o
volume e a melodia suave de Before you walk out of my life faz com que eu
feche meus olhos e abra os braços sentindo um resquício de liberdade.

A melodia romântica deixa-me rendida, sinto João próximo a mim e


quando reabro meus olhos, ele também está na chuva junto comigo.

— Você é louca, viaduto de Madureira, não consigo acreditar que você


me trouxe aqui e agora está me fazendo tomar um banho de chuva — acusa-
me zombeteiro e dou um passo nos deixando muito colados.

— Supus que eu fosse apenas uma doce bailarina.

— Não posso dizer se é doce, afinal sequer provei o sabor.

Ele agarra a parte de trás do meu pescoço e puxa-me para si, cobrindo a

minha boca com a sua.

— João... — Sussurro quando os lábios pausam, em uma guerra


interna, enquanto a chuva aumenta, assim como a música romântica.

— Diga não, faça-me enxergar que não existe química entre nós, diga
que é invenção da minha cabeça, preciso de algo que me faça desistir de
beijar a filha de Rodolfo Guedes.

— Neste momento, eu não sou a filha dele, abra os olhos e diga-me,


você o vê em mim?

Obedece reabrindo os olhos azuis tão vivos, e delicado, ele apenas sela
nossos lábios enquanto juntos fechamos os olhos e então a magia acontece.

Meu coração quase salta do peito quando ele se move, sinto-me uma
adolescente dando o seu primeiro beijo. A língua massageia a minha de
forma lenta e sensual, é como se tivesse me fazendo um carinho, sem
afobação, realmente me provando. Começo a deslizar a minha língua o
beijando de volta enquanto o sinto mordiscar a carne do meu lábio inferior,

ele suspira quando sente o meu gemido que escapa sem que eu tenha

qualquer controle.

Sinto-me bater a coluna em algo sólido, talvez uma parede qualquer,


talvez o muro da casa de alguém. Seu par de mãos grandes seguram a minha
cintura trazendo-me mais para ele, possessivo e duro.

Não quero que esse momento acabe nunca, é deliciosa a forma como
sua língua saqueia a minha, exige, toma tudo de mim, suas mãos me apertam,
seu corpo muito rente, uma intensa fusão.

Ouvimos vozes ao fundo e duas pessoas passando por nós, acabamos


rindo nos lábios um do outro acerca da conversa que nos tem como
protagonistas.

— Que pouca-vergonha!

— Deixa eles, cada um caça um jeito de esquentar o corpo no frio,


vamos atrás de uma cachacinha para esquentar o nosso.

Deixando a sua boca eu olho para os dois transeuntes, dois mendigos


que riem e saem caminhando fugindo da chuva, enquanto nós dois estamos
ensopados.

João cola a sua testa na minha, e com a respiração superficial diz: —


Temos que levar a sua bunda bonita de bailarina para casa. — O desejo em
sua voz é evidente, e eu sorrio.

— Estou com frio. — Assumo assim que os meus lábios começam a


tremer.

— Vamos para o carro.

Nos desgrudamos e ele segura a minha mão, corremos juntos até o meu
carro, e ele estende a mão me pedindo a chave, o que o entrego de bom
grado, estou batendo os meus queixos de frio.

Sento-me no carona e o assisto se ajeitar no banco do motorista, tendo


dificuldade para ajustar o banco para o seu tamanho, ele tem ao menos vinte
centímetros a mais de perna que eu.

— Vamos para a minha casa, lá você toma um banho quente, secamos a


sua roupa na minha secadora e depois segue para a zona sul.

— Não consigo raciocinar de tanto frio. — Assumo fazendo-o sorrir.

Ele pega a jaqueta que deixou no banco traseiro e a joga em cima de


mim, seca e quente e acabo a usando como uma manta, consigo me aquecer
um pouco.

João dirige em alta velocidade pelas ruas agora desertas, afinal já passa
de uma da manhã, eu cochilo um pouco deixando o cansaço do dia me levar,
e não demora até que o carro esteja estacionando em seu condomínio.

Desço do carro no mesmo instante em que ele, entrego a sua jaqueta,


mas João a coloca pendurada em meus ombros, mantendo-me aquecida
enquanto vejo os seus lábios roxos, ele segura a minha mão e caminhamos
lado a lado até o elevador, onde ele seleciona a opção da cobertura.

Abraço-o já dentro do elevador, tentando lhe passar algum tipo de


calor, minhas mãos cercam a sua cintura e a minha cabeça deita no meio do
seu peitoral, e ele coloca as suas mãos geladas em minhas têmporas, ergue o
meu rosto e cola a sua boca em minha testa, e assim permanecemos até que a
porta reabra em seu andar.

O pequeno corredor até a sua porta possui um aparador e um espelho


pregado à parede, e nele vejo-me completamente caótica, o rímel escorrendo,
o batom borrado, e os cabelos que escovei e pranchei molhados e
bagunçados.

— Bem-vinda ao meu lar. — Ele diz abrindo a porta da cobertura e


esticando os braços para que eu entre primeiro.

Fico perdida, há tanto para ver aqui, tiro os meus coturnos sem salto
dos pés e os coloco no cantinho da entrada, já descalça caminho para o
interior.

Na parede da sala está repleta de quadros com desenhos em preto e


branco, desenhos completamente realistas, os que possuem rostos, parece
quase saltarem para fora do quadro, todos os projetos a mão.

— São incríveis. — Aponto com o queixo e ele coça o cabelo.

— São tatuagens, eu desenhei todos.

— Uau! Quanto talento, João.

— Eu sempre gostei de desenhar, fui me aperfeiçoando com o tempo.

— E você tem muitas tatuagens? Não possui nenhuma aparente.

— Não tenho, vivo sempre esperando o desenho ideal, e acabei não


tendo nenhuma. E você?

— Tenho um par de sapatilhas cor de rosa, tatuado nas minhas costelas,


que fiz escondida aos quinze anos. — Rimos. — Hoje em dias as acho sem
personalidade.

— Podemos cobri-la, pensarei em algo.

— Ótimo.

— Sala de estar, corredor, primeira porta quarto de hóspede, segunda


banheiro, em seguida meu quarto e a outra, escritório. — Aponta situando-me
enquanto olhamos para o corredor repleto de portas brancas.

— Certo.
— Entre no banheiro e me dê a sua roupa molhada, enquanto se
esquenta a colocarei na secadora. — Ordena entrando no corredor e o sigo.

— Tudo bem, senhor CEO mandão.

Fecho a porta atrás de mim, e retiro a minha roupa, ficando apenas em


meu sutiã e calcinha, pondero por um segundo se devo tirá-los e entregar-lhe,

mas por fim, decido que não seria prudente.

Abro metade da porta e dou-lhe o short jeans e o cropped.

— Cadê as suas lingeries, vai voltar com elas molhadas pra casa?
Anda, passa logo.

— E se eu estiver com uma calcinha grande e bege? — Provoco


segurando uma risada enquanto desabotoo o sutiã.

— Impossível, o seu short é minúsculo, não tem como a sua calcinha


ser grande.

— Ei! Você ficou medindo o comprimento do meu short? — Seguro o


meu sorriso lhe passando o meu sutiã branco rendado sem bojo, nossas mãos
se tocam no processo, mas ele as desconecta rapidamente.

— Para de besteira, eu também estou com frio aqui, não vou perder
tempo olhando. Calcinha, anda logo.

Deslizo os dedos pelo elástico da calcinha rendada sem costura,


envergonhada pela intimidade, mas passo para ele.

— Você não faz ideia do quanto a minha mente viaja imaginando você
completamente nua a apenas uma porta de distância.

As palavras são ditas de forma arrastada, eu penso se devia convidá-lo


para entrar no chuveiro comigo, mas descarto a ideia em seguida, não é o

momento para isso, sem respondê-lo, apenas fecho a porta e sigo em direção
ao box transparente de blindex.

Uso sua camisa preta de botão que me cobre até a altura da coxa, dobrei

as mangas expondo os meus braços e deixei alguns botões abertos na parte


superior.

Saio do banheiro e percorro o curto corredor, lentamente, viro a cabeça


para a sala e o encontro sentado no sofá tomando um copo de uísque,
descalço e apenas em uma calça jeans escura sem camisa, reparo que o seu
peitoral é trabalhado, cheio de gominhos, seu porte atlético destoa da maioria
dos homens barrigudos que trabalham por horas afinco na empresa da minha
família.

— Obrigada por colocar a minha roupa pra secar, é muito gentil da sua
parte.

Encosto no batente captando a sua atenção, e fico tímida porque

definitivamente, há olhos azuis profundos cavados em mim, eles deslizam


pelo meu corpo, como se a blusa grande fosse realmente um look
extremamente sexy, torço os meus cabelos selvagens pós-banho e retiro da
minha cabeça a ideia que ele está sentindo algum desejo por mim, eu
realmente não pareço tão atraente nesse momento.

— Mais vinte minutos e já estará seco. — Seus lábios ficam tensos e o


seu olhar não abandona o meu corpo.

Fico um pouco sem jeito, não conversamos sobre o beijo na chuva, de

repente foi só um impulso de momento, algo sem importância, mas ainda


assim tenho a necessidade de saber em que página estamos.

Como se estivesse lendo os meus pensamentos, ele dá um tapa em sua


coxa convidando-me para sentar no local, na verdade, ele quer saber se quero
mais, e não penso por muito tempo, quando dou por mim, estou sentando em
seu colo.

Passo os meus braços por seu pescoço, e ele pega na blusa que uso e
me puxa para ele, ajeita os meus joelhos em torno de si, e monto seu colo
vendo seus lábios entreabrirem abafando um gemido quando passa seu braço

pela minha cintura.

— Eu não faço o seu tipo e ainda assim você me beijou. — Zombo.

Olha para mim enquanto esfrega a sua virilha na minha

descaradamente.

— Você faz o tipo de qualquer pessoa nesse mundo, Amora. — O


hálito quente em minha orelha faz a minha pele formigar.

— Jura?!

— Pelo amor de Deus! Você com o cabelo selvagem em uma camisa


minha, é a coisa mais sensual que eu já toquei na vida.

— João, você sabe que não podemos... — Sussurro.

Roço a minha bochecha em sua barba cerrada, gostando da forma

como parece me arranhar e acariciar ao mesmo tempo. Ele não me toca,


apenas permanece com as mãos em minha cintura, eu estou por cima, ele
permite que eu tenha o controle da situação e isso é algo que me deixa segura
para explorar.

— É, não podemos, mas não vou ser hipócrita, seria delicioso poder. —
Um sorriso brinca em meus lábios com a sua confissão.
Sua calça jeans me esfrega através da minha virilha nua, seu pau
fazendo um atrito gostoso que me faz pulsar, respiro com dificuldade, e

acaricio o seu peitoral, toco sentindo os poucos pelos que possui, nos
entreolhamos e tomando a decisão, eu beijo a sua bochecha, e em seu ouvido
confesso:

— Me beije, não me faça implorar.

Ele rosna, seu peitoral duro e musculoso pressionando os meus seios e


a sua boca pairando sobre a minha, a mão grande me pega pela nuca
movendo-me para ele que mordisca o meu lábio inferior, ainda temos o olhar
trancado um no outro, não sei ele, mas eu não fecho os meus olhos porque
não quero perder nada, quero assistir a tudo o que ele consegue fazer com o
meu corpo.

Sua língua desliza pela minha boca e o calor se espalha pela minha
barriga até o interior das minhas pernas, eu gemo, completamente perdida em

sua boca, pego a parte de trás do seu pescoço e o trago para mim.

Ele move a mão abrindo alguns botões da camisa que uso e tira os
lábios dos meus.

— Seu peito roçando no meu está me deixando doido, seus mamilos


parecem muito tensos, quer a minha boca os acalmando, querida? — A voz
grossa faz com que os meus olhos rolem nas órbitas.
A mão desabotoa até a minha cintura e desliza pelos meus braços o
tecido.

Percebo que demora demais até que ele cumpra a sua promessa, então
reabro os meus olhos e o tenho fissurado olhando para os meus seios, e rio
dando-me conta do que ele parece ter gostado...
O Jogo

JOÃO

Piercing nos mamilos. Inacreditável.

Incrédulo, fico parado completamente abobalhado encarando a obra de

arte, as pequenas auréolas levemente rosadas, os mamilos protuberantes e


delicados com duas pequenas bolas de metal ornamentando.

— Não gostou? — A voz fina questiona, eu sinto o meu coração


palpitando forte contra o peito.

— Posso? — Pergunto de forma inaudível. — Vai doer se eu... —


Minha voz soa desesperada e a vejo sorrir.

— Não vai doer, na verdade, deixa mais sensível. — Diz olhando-me e


o meu pau pulsa tão forte fazendo-me remexer totalmente desconfortável.

Cubro o seu mamilo direito com a minha boca, sentindo o piercing e


brincando com ele usando a minha língua, levo o meu tempo divertindo-me
com o pequeno seio que mal cabe em minha mão, gosto do contraste do
quente de sua pele com o frio do metal.

Amora geme baixinho, o som vindo do fundo da sua garganta,


cadenciado, tão bonito o jeito que arqueia o pescoço, é quase como uma
dança, imagino que fazê-la gozar deve ser um espetáculo.

Tateio e brinco com o outro seio, e a mão dela aperta o meu cabelo, a
pressão demonstrando o quanto está com tesão, me deixa maluco.

Parto para o outro mamilo, devoro a sua pele, pisco com os olhos
abertos tentando gravar na mente ela assim, com os lábios entreabertos, olhos

fechados, gemendo o meu nome.

Desço a minha mão para a sua coxa, imagino que ela ainda seja virgem,
mas ainda assim dá para fazê-la gozar, e neste momento eu me pego
desesperado querendo conhecer todo o seu corpo.

Seguro os seus joelhos e abro mais as suas coxas, mas parecendo


despertar do encanto ela reabre os olhos, as mãos segurando os meus
antebraços.

— Melhor pararmos, João.

— Deixa eu te fazer um carinho. — Ofereço deixando uma trilha de


beijos em seu pescoço. — Beijar todo o seu corpo.

— Desculpa. — Diz com a voz trêmula, e fecha as pernas com rispidez.


— Desculpa, eu sei que vou parecer uma menina boba, mas eu não quero
isso.

Recua, mordendo o canto da boca.


— Ei! — Ergo o seu rosto com a ponta do meu indicar, faço com que
me encare, e há um olhar de pesar cruzando sua face. — Eu só ia... — Corta-

me.

— Eu sei que não pretendia me machucar, mas é que... — Respira


fundo. — Eu passei por algo esse ano que me deixou... Desculpa, é melhor eu
ir embora.

— Quer conversar sobre isso? — Ofereço, mas ela apenas nega.

Não me restando outra saída, assisto-a descer do meu colo.

— As minhas roupas? — Pergunta e ainda sem condições de dizer nada


coerente, aponto com o queixo para a área onde a minha secadora fica.

Pego o copo que larguei na mesa de apoio, e até o maldito uísque que
eu bebo me lembra ela, seus olhos. Maldição!

— João, eu sinto muito mesmo. — Diz aparecendo em meu campo de

visão abotoando o short me fazendo lembrar da sua calcinha branca de renda,


sem costura, tudo tão romântico e delicado como ela.

Levanto-me e vou até Amora, colo a minha boca em sua testa, acaricio
a sua bochecha. Ela é tão inocente em relação a sua beleza, o que me deixa
mais excitado em relação a ela é que a garota não tem a menor noção do
quanto é sexy.
— Está bem para dirigir?

— Sim, tudo bem. — Seu sorriso fraco me diz o contrário. — Eu...


Pode ficar tranquilo, eu não espero que me ligue depois de tudo. — Diz e eu
sorrio, como ela pode pressupor que não a quero?

— Amora, vá para a casa, coloque a cabeça no lugar, te darei o seu

tempo, mas saiba que eu vou sim, te ligar, e quero muito aproveitar mais
vezes aquele piercing.

Roço os nossos narizes e sinto-a relaxar.

— Boa noite, João Patacho.

— Boa noite, Amora. — Recuso-me a falar seu sobrenome, pelo bem


da minha sanidade.

Abro a porta deixando-a passar, mas estou inquieto, não consigo entrar
de volta, fico aqui parado, cimentado no chão a assistindo chamar o elevador,

reparando no jeito que faz um coque nos cabelos talvez preocupada com o
volume.

Quando o elevador chega, ela vira para mim, sorri sem mostrar os
dentes, e dá um passo para dentro, e então eu percebo que estava segurando o
ar em meus pulmões.

Então o elevador ao lado tem as portas abertas, e vejo Filipa sair


sorrindo para mim, e eu quase fecho a cara.

As pernas expostas com vários desenhos feitos a mão por mim, possui
uma saia de couro preta com um corpete da mesma cor, passa a mão em sua
franja azul e dou as costas sem convidá-la. O branco de renda de Amora,
contrastando com o preto de couro de Filipa, dois completos opostos, mas até
então, eu não gostava de renda e corpo que possui apenas uma tatuagem com

o desenho bobo de uma sapatilha, bailarina e voz fina, este homem de pau
duro por uma menina que representa tudo isso é uma nova versão minha
desconhecida e boba.

— Ei, já fui melhor recebida neste lar.

— Não sabia que estava a caminho.

— E desde quando eu tenho que avisar que estou vindo? Sou de casa,
queridinho. — Sorri nos trancando por dentro, e eu vou atrás de mais bebida.

— Você não tem me ligado, não sente a minha falta?

— Trabalho demais. — Minto, despejo mais um pouco de bebida em


meu copo.

— Jô! — Coloca as mãos em meu peitoral nu, roubando a minha


atenção com o apelido ridículo que ela sabe que eu detesto. Ondula os dedos
em meus mamilos como sabe que eu gosto, mas não sinto nada além de
desconforto. — Deixa eu te fazer relaxar.
— Filipa, hoje não. — A minha negativa soa como um desafio para ela
que finge não me ouvir e parte com o seu nariz em meu pescoço.

— Hum!?… Tem cheiro de perfume de mulher em você inteiro, porque


não me ligou e a dividiu comigo? — Sorri, e não me agrada nem um pouco a
forma como os meus músculos ficam tensos ao cogitar a ideia de ter alguém
entre mim e a minha bailarina, nunca! — Me conta, como ela era?

Fecho os olhos e os lábios carnudos e trêmulos de frio me vem à mente,


o beijo gostoso, entregue, a forma que ela sente tesão e não tenta esconder
isso, apenas se rende sem lutar.

— Ela podia passar as unhas em você como eu faço. — Filipa diz em


meus ouvidos.

As suas unhas raspando pela minha calça jeans, abrindo o meu cinto, e
ainda mantendo os olhos fechados lembro-me dela, Amora.

A garota devia estar aqui neste momento, com o seu rosto delicado
totalmente corado e suado como estava após dançar, contudo, desta vez, eu a
faria corar e suar, por cavalgar em mim, a noite inteira, o meu pau fica
imediatamente duro com o pensamento.

A boca quente em meu ouvido solta um gemido enquanto a mão


esfrega o meu pau por cima da calça, reúno os seus cabelos em minha mão e
a encurralo na parede amassando seus seios, procurando pelo piercing, doido
de tesão.

— Amora... — Deixo escapar um gemido quando a mão adentra a


minha cueca, mas assim que a minha voz sai, ela paralisa e eu reabro os
olhos.

Puta que pariu.

Os lábios de Filipa ficam tensos, os olhos embargam e ela me empurra


o peito.

— Porra! Desculpa. — É o máximo que consigo dizer, que embaraço.

— Não precisa falar nada, João. — Movimenta-se para longe de mim,


penso em impedi-la, mas eu realmente preciso ficar só, organizar a cabeça.

— Filipa, eu te avisei que não estava no clima.

— Uma coisa é não estar no clima, outra coisa é chamar o nome de


outra mulher enquanto está comigo, você pretendia foder comigo de olhos

fechados imaginando que sou outra? Não preciso disso, João, você é uma
foda boa, mas isso se encontra em outros lugares.

Apenas me calo, ela tem total razão, não queria magoá-la, antes mesmo
de sexo, somos amigos.

— Filipa! — Caminho até ela pensando no que dizer para me


desculpar, mas não surge nada, todos os estudos que fiz acerca de
gerenciamento de crises indo pro ralo.

Ela pega a sua bolsa em meu sofá e sai enfurecida, torço os meus
lábios e rasgo o meu olhar quando vejo a brusquidão que bate a minha porta,
fazendo o estrondo ressoar assim que a maçaneta bate na parede e volta
encontrando o batente e fechando-se sozinha.

— Merda!

Jogo-me no sofá, e o meu jeans incha ainda mais com o calor, abaixo a
mão e o seguro gemendo de dor, o massageio sentindo-o endurecer cada vez
mais, lembrando o quão gostoso é o seu gemido, a vozinha fina e a forma
como vem profundo de sua garganta, tão real e autêntica.

Minha mão direita trabalha na extensão do meu pau, deslizando pelas


veias saltadas, aumento o aperto ao redor, grunhindo em necessidade aperto a
almofada cravando a minha mão livre enquanto o seu cheiro doce me inebria

e me faz a imaginar subindo e descendo, empalando o meu pau enquanto


gememos junto.

Meu pau lateja, e minha mão aumenta o ritmo ao mesmo tempo que em
minha imaginação é Amora quem aumentou o seu sobe e desce no meu pau,
o calor enche a minha virilha, e eu gozo sujando a minha mão, a minha calça,
a cueca, o sofá.

Suspiro em busca de ar, a respiração errática, o corpo numa


infrequência, e no instante seguinte deito a cabeça derrotado no braço do
sofá.

Não acredito que acabei de gozar pensando na filha do homem que


destruiu a minha vida, definitivamente eu preciso de uma trepada urgente.

Pego o celular e jogo no google a crônica que Amora citou mais cedo,

preciso encontrar algum afago para o bobo que me sinto agora, leio por
completo, mas uma frase dele me chama a atenção e faz arrepiar.

“O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo não percebe que


venceu.”

— Fico realmente feliz que tenha vindo, hoje vou ficar até mais tarde
na empresa, e não teria tempo para ir no seu apartamento. — Digo a mulher

de cabelos azuis que possui um rosto irritadiço enquanto senta na cadeira em


frente à minha. — E eu queria mesmo me desculpar por ontem à noite.

— Eu vim lhe dizer, Patacho, que eu levei anos para construir a auto-
estima que possuo, para que você a coloque em prova. E saiba que, nenhuma
mulher merece estar com um cara que está com a cabeça em outra.

— Você tem toda razão. — Assumo e ela revira os olhos.


— Agora que eu já te dei o sermão, me leve para beber hoje à noite,
boate do Sérgio, e terei uma surpresa para você espairecer.

— Me parece uma boa ideia. — Sorrio lentamente.

Um olhar me atrai como um ímã, e então olhando para fora da minha


sala, vejo Amora Guedes falar com a minha secretária enquanto me fuzila

com os olhos cor de uísque, e não demora até que o meu telefone corporativo
a minha mesa toque.

— Oi, Flávia!

— A senhora Amora Guedes, senhor.

— Certo, já vou atendê-la.

Filipa olha para fora e tem a mesma visão que a minha e bufa
contrariada.

— Ela vai esperar, João, eu vim te ver, e sou sua amiga.

— Filipa, ela é a filha do meu chefe, não posso fazê-la esperar. —


Assumo, o que não deixa de ser uma meia verdade, no entanto.

— Mas que merda! Tudo bem, hoje à noite, e quero você com a sua
cabeça no lugar certo.

Sorrio para ela e meneio a cabeça positivamente, levanto e lhe dou as


costas seguindo até a porta, e sinto que demora até que Filipa esteja
caminhando na trilha dos meus passos.

— Comporte-se. — Advirto enquanto seguro a porta aberta, e ela revira


os olhos.

— Tenha um bom dia. — Ela me diz e em seguida se vira para Amora.

— Oi, Barbi! — Provoca e me dá a língua na sequência fazendo-me bufar.

Sai cumprimentando a minha secretária e chamo Amora com um aceno


de cabeça, ela parece tensa, e entra na minha sala olhando tudo ao redor, na
minha parede com listras grossas em preto e branco, na parede atrás da minha
mesa que é inteiramente preta com o escrito em colorido “A consciência nos
torna covardes”. Em seguida ela olha para mim e sorri.

— É Hamlet. — Refere-se a frase e concordo. — Esse andar diverge de


toda a empresa, tem cor, parece que há vida aqui.

— Esse foi o meu ideal desde que assumi a chefia desse setor, deixá-lo
mais leve.

Vou até a minha mesa de forma mecânica e aperto o botão que faz com
que as persianas das minhas janelas caiam e nos dê privacidade.

— É incrível, João. — Diz e me aproximo dela limitando o seu espaço,


seguro o seu rosto em minhas mãos e aprecio o vestido vermelho e justo que
usa, os cabelos soltos como eu gosto, os lábios ainda mais rosados com o
batom. Linda.

— Quer que eu peça um café para nós? — Pergunto com a voz mais
rouca do que pretendia, agora que sei o que ela esconde por baixo das suas
roupas estilosas e provocantes, não consigo controlar o meu desejo.

— Não precisa, eu não vou demorar, apenas vim me desculpar mais


uma vez por ontem.

— Não precisa se desculpar, está tudo bem, mesmo. — Ergo o seu


rosto e chupo o seu lábio inferior sentindo o gosto adocicado do seu batom.

— João... — Ofega e o meu pau já dá sinal de necessidade. — Eu


queria muito te sentir ontem, mas eu tenho medo, e em seguida tenho
vergonha por ser tão medrosa.

— Está tudo bem, se você realmente me quiser, eu posso ser paciente.

— Os olhos cor de mel parecem confusos, mas não lhe dou tempo para
pensar, usando a arma certa qualquer ser humano pode ser manipulado. —
Você quer deixar acontecer? — Pergunto unindo os nossos corpos.

— Quero, eu não sei aonde isso vai nos levar, mas eu quero isso. —
Diz com a voz fininha.

Sobe na ponta dos pés nivelando as nossas alturas, desliza a língua para
a minha boca e a sugo com sofreguidão, eu nunca quis uma mulher com tanta
fome.

Sabendo que a porra da câmera de vigilância está ligada, tomo um


segundo de consciência e me desvencilho do seu beijo.

— Aqui não, Amora. — Aponto a câmera com o olhar e ela assente.

— Tudo bem, vou esperar que me ligue, então.

— Então ligarei assim que sair da minha sala. — Rebato e ela sorri.

— Até mais, João. — Morde os lábios e sai da minha sala sem esperar
pela minha resposta.

Fico de pé, com o pau duro em pleno horário de expediente a vendo


sair, quando consigo rodear a minha mesa, o papel com colagens de jornal
está acima dela, “Dançarina mascarada hoje, no lugar de sempre”.

Como não vi Filipa colocar isso aqui?

Talvez seja porque ainda estou excitado, mas gosto de imaginar que
seja Amora a dançarina sensual mascarada, rio em negativa, com essa ideia
descabida.
A Dúvida

JOÃO

Durante todo o dia Amora não me atendeu, a chamada sempre cai na


caixa postal com a irritante mensagem gravada em sua voz “Oi! Aqui é

Amora, estou ensaiando no momento, tente mais tarde”.

Rosno com a mensagem que o meu irmão mais velho me envia “soube
que Amora esteve em sua sala hoje, isso é excelente para os nossos planos”.

Meus ombros doem sobrecarregados com todas as preocupações, penso


que terei ao menos a apresentação da dançarina mascarada totalmente sensual
para me dar uma dose de excitação.

— Não adianta você me trazer para beber e ficar a noite inteira sem

falar nada, o que está rolando, João? — Filipa chama a minha atenção
bufando.

— Nada, só tive um dia de merda.

— Estou te achando muito pensativo... E você e a Barbie que estava


pensando enquanto eu te tocava, estão mesmo evoluindo a relação? Ou é só
trabalho como você tentou mostrar para mim.
— Você quer a verdade, ou que eu te iluda? — Jogo a pergunta e ela
sorri com o seu Gin em mãos.

— Vamos lá, diga a verdade, eu suporto.

— Estamos sim, evoluindo a relação, e no que depender de mim, não


vai demorar até que estejamos publicamente juntos.

Conto apenas a parte que me convém, deixo de fora tudo que arquitetei
para ficar com Amora, me casar com ela, assim como a minha sede de
vingança.

— Ai, João! Sério?! — Dá um tapa na mesa e sua careta deixa clara a


sua insatisfação. — Ela não faz seu tipo.

Eu gargalho, porque realmente foi o que eu disse a Amora em um


primeiro momento.

— Ela parece frágil e fútil, mas é apenas uma mulher desabrochando,

ainda um pouco inexperiente em relação à vida, o que não me choca tendo


em vista a redoma que a família a criou, mas ainda assim uma mulher
incrível.

— Uau! — Ela diz, seu olhar cravado em mim, o rosto cético, dá um


gole em sua bebida e novamente me encara. — Seus olhos brilharam
enquanto você falava da insossa, quer dizer, da Barbie bailarina boboca, quer
dizer, da bailarina. — Ela ri divertindo-se da minha revirada de olhos. —
Estou brincando, afinal, qual a graça de se ter um amigo e não tirar sarro da

paquerinha dele.

— Você faz mais do que tirar sarro, Filipa, você não teve maturidade
para cumprimentá-la.

— Au! Essa doeu.

— É apenas a verdade.

— Certo, promete que não vai deixar que ela nos afaste?

— No momento, eu vejo só você nos afastando, porque cada vez que


faz piadas de péssimo gosto acerca de Amora, sinto-me decepcionado
contigo, e não é porque estou ficando com a Amora, é porque você é mulher,
e está debochando e tentando diminuir outra mulher.

— João, credo, falando assim eu me pareço um monstro.

— Que bom que você chegou à conclusão sozinha.

— Nossa, você está com um humor de cão, hoje. — Bufa descontente.


— Arrume alguém para passar a noite, porque eu estou dando o fora, estou
cansada de assistir caras legais sempre indo atrás de meninas fúteis só porque
possuem corpo padrão, exausta!

Ela se levanta e caminha para fora da mesa, levo as duas mãos ao rosto,
massageio a testa, a cabeça fervilhando, estou irritado e cansado, e não paro
de pensar na forma como Amora saiu da minha casa e a sua falta de contato,

não é bom sinal.

Já parei para refletir se passei do ponto, se acelerei demais, porém, não


consigo entender, eu presumo que ela seja virgem, mas ainda assim, eu fui
cuidadoso.

Recebo uma mensagem de um número restrito

“Encontre-me no quarto 2” e em seguida um emoji com uma máscara.

Mas, se Filipa está chateada comigo, porque vai permanecer com a


surpresa?

Viro o restante da bebida, que desce ardendo em minha garganta, hoje


estou de táxi, a bebida é uma bem-vinda companheira. Pondero se vou
embora ou se dou essa oportunidade para Filipa, de repente ela se revela e eu

volte a sentir atração por ela, de repente esse teatrinho é exatamente o que eu
preciso para espairecer um pouco.

Levanto-me e caminho em direção aos lugares reservados, encontro


Sérgio, o dono da boate, conversando com o segurança.

— João, estava atrás de ti.

— E aí, Sérgio.
— A dançarina veio hoje só para você, sortudo,

— Do que está falando?

— Minha esposa fez o convite para ela dançar mais vezes aqui, e
avisou que você tinha interesse em receber a dança particular, e a mulher
disse não para apresentações públicas, mas ela só aceita dançar para você.

Sorrio para ele, e confesso que me mantenho cético, afinal, não deu
tempo de Filipa se arrumar com roupa para dançar, colocar a peruca e a
máscara, talvez, ela tenha pedido a alguma amiga para me distrair, afinal, já
compartilhamos mulheres.

— Está certo, Sérgio, assim sendo, vou lá aproveitar o meu privilégio.

Caminho pelo corredor em meio a penumbra, e percebo que possui um


segurança na porta do quarto 2, o homem de pele morena e traços nada
amigáveis encara-me e dá o seu veredito:

— É absolutamente proibido tocar na dançarina. — Aceno


positivamente e de forma nada cordial, ele abre a porta para que eu entre.

Vejo a mulher de costas para mim, o quarto sem móveis, possui apenas
uma cadeia no centro, e uma luz precária que mais pisca buscando força, do
que fica acesa.

“Ela só aceita dançar para você!”


As palavras ecoam na minha cabeça e só aumentam a minha angústia, a

minha dúvida:
Quem é a sensual dançarina que anda bagunçando os meus
pensamentos?

Ela pega uma cadeira e coloca no centro da sala, acuado eu me sento, é


surpreendente como enquanto estou com ela, não penso na minha vingança,
não tenho as sensações ruins que me assombram.

Ajeito o meu paletó do terno e desaperto o nó da gravata enquanto


vejo-a ligar o som, a luz precária da pequena sala deixa tudo mais excitante.

No primeiro gemido da cantora, vejo a mulher de short jeans preto e

top cravejado em pedrarias prateadas ir ao chão diante de mim, a encaro


através do grande espelho que ocupa toda a larga parede, seus joelhos tocam
o chão cor de madeira, seu pescoço gira pra trás fazendo subir seus seios
sensualmente, ela impulsiona o corpo para frente abrindo as pernas e
olhando-me intensa através do espelho, sua máscara preta cobre quase todo o
rosto, tento somente segurar o seu olhar, mesmo que a penumbra dificulte ver
a cor das suas íris, porém o meu corpo não sai imune ao encare, sua bunda se
levanta e é empinada em minha direção, engulo a seco.

“My body is your party, baby


Meu corpo é sua festa, amor
Nobody's invited but you, baby
Ninguém está convidado além de você

I can go slow now


Eu posso ir devagar agora
Tell me what you want
Diga-me o que quer (...)”

Quando ela se levanta, só piora a minha situação, ainda de costas para


mim, ela rebola com as mãos para o alto, tira o prendedor e os cabelos cor de
rosa caem como cascata em sua coluna, através do espelho vejo o segurança

nos encarando da janela, mas a mão da dançarina misteriosa rouba-me a


atenção quando começa a acariciar o próprio corpo me olhando através do
espelho. E, nessa altura, é como se o mundo parasse.

“You can't keep your hands off me


Você não consegue tirar as mãos de mim
Touch me right, yeah, rub my body
Me toque do jeito certo, sim, esfregue meu corpo
Your body is my party

Seu corpo é minha festa (...)”

Ela caminha até mim no ritmo lento e sexy da música, o pé tocando o


chão a cada batida, os olhos pregados em mim, devassa, rebola na minha

frente ainda de pé fechando os olhos e tocando o próprio corpo, e eu


acompanho com o olhar cada lugar que suas mãos tocam, a cintura exposta,
os quadris firmes, a lateral de seu corpo, os seios pequenos e aparentemente
macios, o pescoço com a pele alva, e me excito desconfortável nessa cadeira,
mas fico ligado, completamente enfeitiçado nela.

“I'm doing this little dance for you


Estou fazendo essa dancinha para você

You got me so excited


Você me deixou tão excitada
Now it's just me and you
Agora, somos só eu e você
Your body is my party
Seu corpo é minha festa (...)”
Mais um passo e ela passa a mão no meu rosto, suas unhas arranham de
leve, seguro o ar dos meus pulmões reprimindo um gemido, o toque é sútil,

mas já me deixa sedento por mais.


Vai para a parte de trás da minha cadeira e a observo pelo espelho, ela
puxa o meu cabelo da nuca para trás em sua direção e se abaixa angulando a
altura e colando nossos rostos, as bocas rentes, chego a sentir o seu suspiro,

ela geme na minha boca, tão excitada quanto eu, porra!

Quando se dá conta que eu senti o seu gemido, ela solta os meus


cabelos com brusquidão, seguindo a melodia sensual.
Ela fica de frente para mim e levanta a perna esquerda e a coloca em
meu quadril, encaixa a outra e assim monta sentada em meu colo, solto um
palavrão preso na garganta e repreendo a ação instintiva da minha mão de
tocar a sua bunda, nos encaramos por um segundo e a desejo tanto. É

proibido tocar a dançarina, ordem do segurança.

Ela logo sai do meu colo e fica de pé dando as costas para mim, ouve o
meu lamúrio, logo ela desce seu tronco acariciando as pernas e coloca a
bunda redondinha na minha cara bem empinada.
Eu definitivamente desfaço o nó da gravata, sinto-me arder, as mãos em
chamas de vontade de tocá-la.
A dançarina se vira para mim e encara as minhas pernas abertas e então

no espaço rente a minha virilha ela coloca os dois pés e sobe na cadeira,
rebola e agacha o peitoral passando os seios em meu rosto, dá um pulo caindo
sentada em mim com as pernas abertas e joga o seu tronco para trás
resvalando os cabelos cor de rosa no chão, por instinto seguro a sua lombar

mantendo-a presa ao meu corpo.

Reparo que ela evita encostar na minha virilha o que agradeço


internamente, porque estou completamente duro.

Sua mão se fecha em meu pescoço e recebo uma lambida sua em minha
bochecha, quando decido deixar a porra do autocontrole de lado, ela se
levanta e sem olhar para trás, vai embora da sala.

— Preciso da sala desocupada em um minuto. — Grita o segurança, e


eu fico ainda sentado, respiração descompassada, irritado, excitado.

Por que ela só aceita dançar para mim com tantos homens aqui?

Quem é essa mulher?


E no momento em que não a tenho mais sob o meu domínio, os

pensamentos surgem como uma avalanche: revanche, olho por olho, dente
por dente.

Eu farei com que todos paguem pelo que fizeram com os meus pais,

pelo que fizeram comigo.

Algumas pessoas merecem perdão, mas a família Guedes merece


vingança.

Recomposto, levanto-me e entro na fila para pagar a minha comanda,


hoje a casa noturna está cheio devido a um jogo de futebol, os jogadores de
ambos os times estão tendo seu momento aqui hoje, e enchendo os bolsos
nada vazios de Sérgio e sua família.

Demora cerca de dez minutos até que eu consiga pagar a minha conta e
sair da boate cheia, já na porta procurando por um táxi, o meu celular toca me
fazendo franzir o cenho quando vejo o nome de Amora brilhar na tela.

— Amora?! Está tudo bem? — Questiono assustado, como resposta


ouço um suspiro do outro lado da linha.

— Sim, é que... Meus pais estão fora da cidade, e eu estou aqui em casa
sozinha e cansada, me desculpa ter te ligado, são quase duas da manhã, não

sei onde estava com a cabeça de pensar que você poderia vir aqui.

— Eu estou a três ruas da sua casa, estava tomando uma bebida com a
Filipa que também mora aqui no Leblon.

— Então fique aí com ela, vai ser melhor. Desculpe-me por te ligado.

— Apresso-me em cortá-la.

— Passei o dia todo te ligando, Amora, estava preocupado contigo. E,


na verdade, eu e Filipa brigamos e ela me deixou aqui sozinho, eu já estou
indo para a casa de qualquer forma, quer que eu passe aí?

Demora até que ela responda, dez segundos para ser exato, dez
segundos que mantenho presa a minha respiração, que possuo esperança em
dar prosseguimento aos planos, dez segundos até ouvir sua voz fina de
menina cansada do outro lado da linha.

— Sim, vou avisar na portaria para que te liberem.

— Tudo bem.

Parece que definitivamente nada com essa garota acontece dentro do


roteiro que premeditei.
— Aqui em cima, última porta do corredor! — A voz de Amora ecoa
assim que passo para dentro da sala de entrada da mansão.

Subo as escadas de dois em dois degraus e quando encontro a porta que


ela me cantou, gosto da decoração boa parte branca com toques em rosa em

um móvel ou outro.

— Hum! É perigosa uma arma dessa em mãos tão inocentes. —


Galanteio assim que passo para dentro da sua sala e vejo-a com uma taça de
vinho nas mãos.

— Comecei a tomar agora, me acompanha?

— Não, amanhã eu trabalho. — Dou uma olhada rápida pelo seu corpo,
o pijama de cetim azul-bebê possui renda branca nas laterais, a parte de cima
só tampa metade da barriga, e a de baixo deixa escapar grande parte da polpa

da sua bunda. — Você está linda.

— João, não alimente o leão que habita em mim. — Faz o trocadilho


com o seu signo, já vi por várias vezes em suas redes sociais que ela leva essa
bobagem de astrologia a sério.

Sentada na cadeira branca suspensa presa apenas com um gancho no


teto, ela balança com letargia, no som ambiente Tim Maia divaga sobre amor
em Sozinho enquanto Amora faz um escalda-pés.

— Gostei dessa versão, só a conhecia através do Caetano Veloso.

— Eu também, mas Caetano disse “e a de Tim Maia é arrasadora”


precisei tirar as minhas conclusões e não poderia concordar mais.

— O que arrumou nesses pés, senhorita bailarina?!

— Eu faço umas besteiras da pesada, João.

— Imagino. — Debocho. — Não conferir se o sinal está vermelho não


me parece uma besteira da grande. — Acabo rindo e ela meneia a cabeça
negativamente.

Pego a toalha que está jogada em sua escrivaninha, e sento-me à beira


da sua cama, de frente para ela, retiro um dos seus pés da água e o seco,
massageando-o com suavidade no processo.

Amora fecha os olhos e possui a boca entreaberta soltando arquejos,

gostando do que as minhas mãos fazem.

— Está trabalhando em um novo espetáculo?

— Não, entretanto fiz um teste e recebi o convite para ser bailarina


solista em uma tradicional escola de balé clássico — Ao ver a minha careta
de confusão ela explica melhor — é um dos cargos mais importantes e mais
almejados por uma bailarina.
— Acreditei que não quisesse mais dançar balé clássico.

— E não quero.

— Então, porque vai se sacrificar por algo que não quer fazer?

— A questão é, o que eu quero fazer? — Olha-me profundamente. —


Sempre que a minha mãe diz que a dança é a minha missão, eu sinto o

coração palpitar, ela tem razão, a fluidez que possuo muitos bailarinos com
mais anos de estradas não tem, eu sou realmente boa e fora da curva.

— Não entendo muito, mas dança não se restringe ao balé, quer dizer,
porque não tentar algo novo?

— Eu tenho vinte e cinco anos, João. Ou seja, quase trinta, e é patético


que eu não saiba o que quero fazer da vida.

— Ter vinte e cinco significa que você tem vinte e cinco. — Elucido e
a assisto revirar os olhos. — E ter trinta anos não significa nada, não existe

uma idade limite para se saber o que quer profissionalmente, você pode
descobrir isso aos três ou aos noventa e cinco anos.

Ela silencia, retiro o seu pé esquerdo da água e o seco o massageando


assim como fiz com o direito.

— E, se eu gostar de um estilo de dança que os meus pais nunca se


orgulhariam. — Devaneia em um fio de voz. — Sinto-me em um precipício,
e que viverei eternamente lutando para sair dele.

— Precipício não me parece um lugar para se fazer morada.

— Eu preciso sair disso, não é?! — Retira o pé do meu colo e se


levanta saindo da cadeira onde estava, quando levanta seu corpo escultural
faz a minha mente nublar os pensamentos, mas não se demora até sentar ao

meu lado em sua cama. — A vida diariamente me coloca à prova e eu tenho


que decidir rapidamente, e no próximo passo, serei um pássaro enjaulado ou
um leão?

— Parece uma escolha fácil.

— Parece, não é? — Amora coloca a taça de vinho ainda cheia em sua


mesa de cabeceira e volta a sua atenção para mim. — Obrigada por vir, pela
massagem, por me ouvir...

— Não precisa agradecer. — Seguro o seu rosto em minhas mãos. —

Eu também tenho vinte e cinco anos, e às vezes também tenho ansiedades,


mas espero que em meio a tanta pressa, atrasos que acalmem, nos encontrem.

— Eu gosto tanto de estar ao seu redor, João. Você, nós, é tudo tão
intenso que por vezes eu sinto que poderia tatuar cada uma das frases que
soltamos em nossas conversas profundas, se eu escrevesse cada uma das falas
rasas que temos, sublinharia tudo, você é esclarecedor e forte como um
poema.
— Você é uma frase das mais belas e marcantes, daquelas que a gente
posta nas redes sociais, que marca a vida em antes e depois de saber da

existência. — Complemento e a vejo sorrir.

De onde surgiram essas palavras doces que saíram da minha boca?


Antes que eu comece a me preocupar com o que disse, tenho Amora colando
os lábios nos meus, e isso é muito bom para o meu corpo, e excelente para a

nossa vingança.

Afundo a minha boca na dela, chupo a sua língua provando o vinho que
ela tomava ainda há pouco, beijo-a com força, sinto-a montar no meu colo e
os seus braços finos ao redor do meu pescoço, quanto circundo a sua cintura
com as minhas mãos a pele nua e quente me faz perder o fôlego enquanto
Amora deixa escapar um gemido que se perde em minha garganta.

Seu cheiro de banho recém-tomado, a forma entregue como me beija e


geme, o quanto a sua boceta se esfrega no meu jeans e os mamilos tocam a

minha pele... Isso precisa parar, tenho que me certificar que eu estou jogando
com ela, e não o contrário.

Desfaço o nosso beijo e vejo-a corada e ofegante, sonda-me curiosa e


tomo o meu tempo tentando acalmar o meu corpo.

— João, eu fiz algo errado?

— Não. — Apresso-me em responder, então os seus lábios vão para o


meu pescoço, dificultando o meu raciocínio lógico — Escuta. — Seguro o
seu rosto em minhas mãos e a tiro de sua missão em meu pescoço. — Eu

preciso saber até onde posso ir contigo.

— João... — Seu pequeno suspiro deixa-me ainda mais curioso acerca


do que ela me esconde.

— Da última vez algo a assustou, e eu não faço ideia do que seja, então
até que eu saiba do que se trata, preciso saber até onde podemos ir.

— É que, é difícil para mim, confiar. — Sussurra e permaneço atento a


ela que está retraída.

— Em que sentido? O que não quer que eu faça?

— Não sei, João. Eu gosto do jeito que você me toca, eu sei que não vai
me machucar, mas ainda assim eu tenho medo.

Ergo o seu rosto, ela me parece perdida e eu estou cada vez mais

intrigado.

— O que a deixou com medo? Quer me contar?

— Eu tenho vergonha, é que... Foi algo tão bobo.

— Eu quero saber, me conte.

— Foi esse ano, eu pedi para voltar da Europa porque durante uma
festa na casa de uma amiga em Dublim, eu fiquei embriagada e beijei um
menino. — Respira fundo e assinto, acaricio o seu rosto tentando dar-lhe um

impulso. — Eu era virgem, e ele me encurralou em uma parede e começou a


colocar o dedo na minha genitália. — Assim que ela fala a minha mão aperta
o lençol, minhas narinas inflam e a minha respiração fica presa. — Eu
comecei a sentir dor, e pedi que ele parasse, eu sei parar as coisas que não

quero, mas eu não estava tão consciente, tentei empurrá-lo, mas o álcool me
tirou a força, e... — Deixa cair uma lágrima — Ele não parou com o dedo até
que viu o sangue. — Engole a seco com os olhos fixos na parede a sua frente.
— Então ele se assustou e me deixou lá, sozinha, sangrando, e eu me senti
uma idiota, por ter perdido a virgindade desse jeito, eu vim pro Brasil para
tentar me limpar da culpa, tentar esquecer o que aconteceu. Eu sei que é algo
bobo, mas eu fico nervosa com toques mais íntimos.

— Isso definitivamente não é algo bobo, Amora, mexeu com a sua

confiança, com a sua sexualidade.

— Sim, eu comprei um vibrador, um bullet, ele é usado apenas para a


área do clitóris, sem penetração, julguei que seria um bom primeiro passo,
mas não soube usar, fiquei um pouco agoniada.

— Onde ele está? — Pergunto vasculhando o quarto com o meu olhar.

— O quê? Não, eu não vou usá-lo contigo. — Incredulidade assume em


sua voz.

— Por que não? Vamos tentar.

Ela prende o lábio inferior entre os dentes, olha para os lados


ponderando, beijo o seu ombro, suas omoplatas e sussurro em seu ouvido
vendo-a arrepiar.

— Eu lamento muito pelo que aconteceu, mas quero te fazer gozar, no


teu tempo, eu sou um homem paciente, vou te contar como vai ser. — Giro
os nossos corpos a deitando na cama e ficando por cima. — Vamos nos beijar
até que a sua calcinha esteja insuportavelmente molhada, eu vou tirar a sua
roupa porque você vai implorar por isso, e em seguida, não vou tocar na sua
boceta, vou colocar o vibrador sortudo, não vou mentir, talvez eu coloque a
minha língua... — Ofereço e ela ofega em minhas mãos. — Mas, a hora que
quiser parar, me avise. — Ela agarra os meus cabelos e fecha as pernas ao
redor do meu quadril. — Agora diga, onde está o vibrador?

Suas mãos trêmulas tateiam a segunda gaveta da sua mesa de cabeceira


e então entrega-me a cápsula rosa do formato parecido de um batom e o
deixo ao nosso lado na cama, esquecido.

Chupo o seu pescoço sem a menor cautela, e os gemidos enchem o


ambiente, suas unhas arranham a minha coluna e eu fico totalmente
arrepiado, envolvido, meu pau dolorido entre as pernas, e só consigo pensar,
que hoje ele não é o protagonista, foi mal amigão, a noite é dela.

Cubro a sua boca com a minha, ela faminta mordisca meus lábios,
também chupa a minha língua me fazendo deixar fugir um gemido que ela
engole. É ela quem desvencilha o lábio do meu e retira a blusa do seu pijama,
os seios pálidos encaram-me, os mamilos duros e o brilho metálico dos seus
piercings fazendo a minha boca aguar.

Sua cabeça cai para trás assim que a minha boca desce pelo seu
pescoço até os seios mais lindos que já vi na vida. Eu lambo e belisco os
mamilos, e ignoro os seus gemidos altos, estou louco por ela, completamente
insano, eu poderia gozar nas calças apenas mamando esses seios que mais
parecem uma obra de arte.

— Tira. — Pede levantando a bunda e fazendo menção ao pequeno


short que usa.

Deixo uma trilha de beijos por sua barriga até chegar ao cós do seu
shortinho, eu o desço pelos seus quadris e tateio buscando pela sua calcinha
para tirar junto, mas quando olho para baixo vejo a boceta nua com pelos
loiros aparados em um tom mais escuro que o de seus cabelos, e por Deus,
que mulher linda.

Minhas pálpebras tremulam, as minhas mãos ardem de desejo de tocar


a boceta delicada à minha frente. Livro-a do short e a encaro.
— Sem calcinha, é?! — Rosno as palavras e desesperada com os olhos
fechados ela assente. — Como você é linda, Amora.

— Você está demorando para cumprir a sua promessa. — Reclama


com a voz embargada de desejo.

— Deixe-me levar o meu tempo. — Dou um tapa leve em sua nádega

direita e ela sorri.

Morto de inveja do vibrador emborrachado, o pego na cama e o ligo, de


imediato o zunido “bzzz” invade o quarto, percebo que esse possui a vibração
contínua, talvez por isso ela tenha se machucado ao manusear.

— O clitóris é muito sensível, e o bullet possui a vibração muito


intensa, portanto. — Instruo abrindo as suas pernas, encosto o vibrador pela
lateral um pouco mais abaixo do clitóris, ela ofega e começa a relaxar o corpo
tenso, movo o bullet de um lado a outro sem esfregar, e Amora geme de

forma baixinha e contida, mas segurando os lençóis com as mãos firmes.


Então eu baixo o meu olhar para a boceta rosada e delicada a minha frente, a
lubrificação aumentando cada vez mais e o meu instinto animal me fazendo
imaginar o quão escorregadio e fácil o meu pau deslizaria para dentro dela.

Pauso o meu pensamento e volto a atenção para ela, completamente


aberta para os meus olhos, deixo o bullet parado alguns minutos no clitóris
sem friccionar demais, e ela tem os olhos pregados em mim, os revira quando
está perto de gozar e para dar-lhe um impulso, coloco a minha língua na

entrada da sua vagina e brinco por ali molhando ainda mais e a estimulando o

que a faz tremular o corpo inteiro em um orgasmo.

— Oh!? João... — Geme sem controle do próprio corpo, balança as


pernas e tenta fechar as coxas.

Deixo um beijo em seu clitóris e a olho, a respiração curta e rasa


percorrendo todo o corpo, e nos entreolhamos, ela sorri e eu a acompanho,
subindo pelo seu corpo trazendo-a para mim.

— E então?

— Uau! Isso foi incrível.

— Você gostou mesmo? Ficou confortável?

— Em um primeiro momento tive receio, por conta dos meus pelos,


dos meus cheiros... — Corto-a.

— Você é perfeita, completamente bonita, estou fodido aqui.

— Por quê?

— Porque agora que tive um gosto, não consigo retroceder, eu sei que
iremos com calma, no seu tempo, mas eu quero ter você.

— Mesmo sabendo da forma boba que perdi a minha virgindade com


aquele menino você quer?

— Que menino? Do que está falando? — Brinco.

Ela descontrai um pouco, mas em seguida os seus olhos arregalam.

— Oh!? Eu devia, você sabe, retribuir...

— Você vai retribuir sim, mas no dia que estiver pronta para me

receber por inteiro nesse seu corpinho delicioso, minha bailarina dos olhos de
uísque. — Dou um beijo na ponta do seu nariz e me levanto. — Agora vou
embora, e te deixar descansar.

— Vou dormir levinha. — Diz acariciando o meu rosto. — Quando eu


te vejo de novo?

— Minha casa, amanhã à noite, jantar.

— Certo.

— Não atrase a sua bunda bonita de bailarina. — Ela gargalha com a


provocação.

Levanto-me da cama vendo-a nua se escondendo com o lençol, eu rio


bobo, já vi tudo o que ela quer esconder, tanto o seu corpo quanto a sua alma.

Saio da casa um tanto atordoado, relembro que quando iniciamos todo


o plano de vingança, o ponto-chave para fazer o pedido de casamento a
Amora, seria quando ela estivesse disposta a ir contra o querer do pai e me
escolher, mas agora que a conheço de forma mais profunda, temo que esse

dia nunca chegue, a menina não parece nem um pouco disposta a ir contra a
família, nem para lutar por ela, imagina por mim.

O que dificulta a minha vida, mas eu gosto de uma boa dose de desafio.
O Encanto

JOÃO

— Bom dia, a que devo a honra? — Debocho assim que vejo o meu
irmão sentado na minha cadeira, em minha sala.

Jonas é cinco anos mais velho que eu, sempre se sentiu responsável por
mim, ele acha que é o meu pai em vários momentos, mas eu o respeito, o
admiro, e apesar de nos parecermos fisicamente, nossas personalidades são
opostas, eu sou mais sensível, desenho, gosto de andar de moto, sou mais
inconsequente, enquanto ele é calculista e frio.

Penso que a nossa diferença se dê por diversos motivos, o principal


deles é que após a morte dos nossos pais, Jonas precisou me criar, já que a
nossa família adotiva não facilitou em nada a nossa vida, talvez ele tenha

pena de mim pelo que sabe que eu vi...

— Eu trouxe café, imagino que esteja com sono. — Fala girando de um


lado a outro na minha cadeira do jeito que sabe que me irrita.

Pego o copo do Starbucks e dou duas palmadas em seu ombro


tacitamente o expulsando da minha cadeira.
Para ele jogar essa isca, é porque sabe de alguma coisa e quer esfregar
na minha cara.

— Eu me sinto ótimo, na verdade, mas obrigado pelo café, é sempre


bom receber um carinho. — A minha provocação paira no ar e de pé ele
semicerra os olhos azuis como os meus, arqueia a sobrancelha e dá a volta em
minha mesa.

Olhar para ele é quase como me ver no futuro, mais velho, em uma
versão um pouco menos musculosa, já que ele não é tão fã de academia
quanto eu.

— Engraçado, ontem eu passei em seu apartamento por três vezes, a


última vez era por volta da uma da manhã, e o porteiro me disse que você não
estava em casa, o que me causou espanto, já que se tratava de uma segunda-
feira.

Ergo as sobrancelhas e beberico o cappuccino, sem lhe dar uma


palavra sequer.

— Eu espero profundamente que você não me faça interferir nesse seu


romance com a menina do cabelo azul.

— Você acha que eu estava com ela?

— Nós viemos do sul com um propósito, João. Existem pessoas em


risco de vida enquanto você foge da missão que planejamos.

— Eu estava com a Amora ontem. Pode cortar a sua bronca.

Assim que assumo, vejo-o sentar na cadeira em frente à minha mesa,


olha para o seu relógio de pulso como é o seu hábito e me analisa com
cautela.

— Como está indo a aproximação?

— Estamos bem, quer dizer, a menina tem os seus problemas e


particularmente a acho ainda muito frágil para ir contra o pai.

— Do pai dela eu cuido, a raposa cada vez mais está criando um afinco
por mim, na hora certa, farei com que ele te aceite como genro.

— Conto contigo para isso, então.

— Foque em manter a filhinha dele feliz.

— Hoje a levarei para a minha casa, para jantar.

Ele sorri e ajeita a gravata.

— Que notícia excelente. Você a estudou, João, sabe tudo sobre ela,
não será tão difícil conquistá-la, é como um desses quebra-cabeças que você
vive montando.

Antes de conhecer Amora de fato eu também pensava como o meu


irmão, mas no dia em que nos conhecemos ela me disse que poderia ter várias

faces, e agora eu entendo o que ela quis dizer com isso, porque sinto que

ainda tenho muito a descobrir acerca da doce bailarina dos olhos cor de
uísque.

— Mulheres nunca são fáceis de se conquistar, meu irmão.

Ele bufa descrente, se levanta e está pronto para dar fim a este assunto
que foi o único que o fez vir aqui em minha sala.

— Mulheres jovens demais, como é o caso da Amora, não precisam de


muito trabalho para serem conquistadas, João. — Fala com desdém. — Bom
jantar, crianças!

Ele sai da minha sala e bufo impaciente.

AMORA

— Cruza, vai, perna esquerda, mais uma! — Os gritos da professora


ecoam mais altos que os da música clássica.

Quase não consigo crer que aceitei ter aulas com a professora que
minha mãe vem me empurrando goela abaixo. O corpo exaurido, a
musculatura tensa, só consigo pensar no analgésico que possuo em minha
bolsa.

— Atenção! Amora, você está muito dispersa hoje. — Grita parando o


som, o restante do corpo de balé encara-me, decerto enraivecidos que por
conta do meu erro, a carrasca nos fará recomeçar a coreografia. — Vá beber
uma água, e volte com a suavidade de um cisne.

— Sim, senhora. — Falo, entredentes, não posso desmoralizar a


professora em frente a todo o corpo de balé, seria um tremendo desrespeito,
então a xingo apenas em pensamento. Vaca!

Caminho apressadamente para fora da sala, passo as mãos em minhas


têmporas, estou completamente cansada, porque me dividir entre o que eu
amo dançar e o que tenho a obrigação, está sobrecarregando o meu corpo e
ainda mais a minha mente.

Sento no banco de madeira em frente a uma sala onde meninas de no


máximo cinco anos iniciam no balé, sorrio lembrando-me que fui uma
criança extremamente tímida, e não ajudava o fato de ser apresentada em toda
escola de balé como a filha de uma das primeiras bailarinas do Municipal,
todos os olhos sempre estiveram em mim, o que me retraia ainda mais.

Hoje em dia considero-me uma mulher adulta sem muitos amigos,


tenho um conhecido ou outro, mas sempre mantenho tudo muito raso, tenho
muita dificuldade em me expressar, o que foi diferente com João. Desde a

nossa primeira conversa, me senti à vontade, porque ele é sábio, divertido,

sensível e de alguma forma eu me enxergo nele, talvez ele seja tudo o que eu
queria ser.

— Oi! Barbie. — A voz melódica e sarcástica surge ao meu lado.

A mulher de cabelos azuis e franja super curta que foi sucesso na


década de oitenta, entra em meu campo de visão.

Enquanto eu uso a minha sapatilha de ponta e trajes de bailarina rosa-


bebê, ela possui coturno nos pés, uma calça colada ao corpo preta da mesma
cor da sua jaqueta. E só consigo reparar que somos completos contrastes.

— Não entendo, nunca fomos apresentadas, e você sempre está no


ataque.

— Eu conheço o João, ele só está levando um tempo com você, ele não

é do tipo que se apaixona.

Algo que aprendi com a soberba do meu pai e vendo-o lidar por toda
uma vida com funcionários é a não permitir excessos de liberdade, e neste
momento, de fúria, eu o vejo em mim.

— Olha, já que você me deu um conselho, eu vou te dar um também.


— Digo dando um passo em direção a ela e devolvo-lhe o mesmo olhar de
desprezo. — A minha relação com o João, não lhe diz respeito, fique fora
disso e esqueça de mim, porque sendo franca, eu sequer me lembro da sua

existência.

Vou para longe dela, encho a minha garrafa com água e enquanto
vasculho a bolsa a procura do analgésico, o meu celular toca, o retiro da
minha pequena Gucci e sorrio ao ver o nome de João.

— Oi, diretor!

— Dormiu bem? — Sua voz rouca me fazendo lembrar do momento


íntimo que dividimos ontem, roçando as minhas pernas com o devaneio.

— Nas nuvens. — Respondo risonha não deixando passar o rosnado


dele do outro lado da linha.

Encontro a cartela com o remédio e o tomo junto com a água.

— Está por onde?

— Na aula de balé, exatamente indo ao banheiro molhar um pouco o


rosto, e você?

— Na minha sala, estou no meio do expediente pensando em você. —


Entrega e eu gosto de saber. — Quer que eu vá te buscar para o jantar?

Entro no banheiro e molho o rosto deixando fugir um arquejo a


garganta, tão cansada...
— Não precisa, levarei a minha bunda bonita de bailarina no meu
carro. — Ambos sorrimos. — Pensou em mim? — Deixo a pergunta fugir,

mas em seguida pigarreio e fico constrangida. — Ignora a minha pergunta.

— Eu mais do que pensei... — Ouço o barulho de uma porta se


fechando seguido de passos apressados. — Digamos que eu demorei mais
tempo que o habitual no banho. — O grunhido da cadeira ecoa, e o imagino

sentado em sua sala relaxado e pensando em mim, essa é uma cena boa para
se imaginar.

— Ah, é?! E me conta, porque esse banho foi demorado, senhor


Patacho?

— Porque justamente quando entrei na água, me lembrei que ia perder


o cheiro e o gosto da mulher mais doce que eu já provei.

— Conte-me mais, acerca desse banho. — Digo isso como uma

adolescente envergonhada, coloco um punhado de fiapos de cabelos que


escaparam do meu coque alto atrás da orelha e rio bobamente.

— Eu simplesmente fechei os meus olhos e imaginei que você estava


naquele maldito box comigo.

— E o que eu fazia? — Engulo a seco, a voz falhando devido ao latejar


em meu sexo, minha pulsação acelerando, as pálpebras se fecham me
transportando para a sua fantasia. Seguro fortemente o mármore da bancada
da pia.

— Você enterrava o rosto em meu pescoço enquanto as suas mãos


roçavam a minha barriga, você estava tão provocadora, minha doce bailarina.

— Mais... — Sussurro.

— Por que não se toca enquanto eu te conto? — Oferece e olho ao

redor, estou sozinha no banheiro, teria apenas que entrar em uma dessas
cabines privativas com vaso sanitário, a ideia me parece tentadora, mas seria
arriscado, e se alguém me ouvir?

— João...

— É só colocar o seu corpete de lado junto da calcinha e se tocar, eu


vou te dar todos os detalhes.

Não resisto, com o corpo inteiro arrepiado, entro em uma das cabines,
tranco a porta branca e sento-me sob o vaso tampado, incrédula e muito

excitada, eu sigo a sua instrução.

— Posso?

— S-sim.

Meus olhos se fecham e meu clitóris lateja na mesma hora em que seu
timbre rouco e baixinho fala pausadamente cada palavra, me fazendo arder e
sentir cada detalhe de seu desejo.
— Eu contra-ataquei e te inclinei na parede fria do box, mordi o seu
lábio inferior e levei a minha mão por dentro das suas pernas, passei o meu

indicador na entrada da sua boceta para pegar um pouco de lubrificação, e em


seguida, esfreguei lentamente o seu clitóris de forma circular— Faço
exatamente do jeito que ele diz, e um gemido escapa da minha garganta,
quase fico sem forças para segurar o celular no ouvido.

E consigo nos imaginar de pé, agarrados, nos tocando e mordiscando


enquanto o barulho da água caindo nos embala.

— Você consegue me sentir duro e pronto para entrar em você, Amora?


Sente o quanto estou latejando de tesão?

— Sim...

Aumento a pressão em meus dedos, a necessidade de senti-lo dentro de


mim é pungente, de saber o seu tamanho, a sua grossura, o quão quente vai

ser quando estiver totalmente dentro de mim.

Meus lábios estão entreabertos, os mamilos roçando duramente contra


o tecido da minha roupa, mas só a voz de João me mantém cativa.

— Eu aperto a sua bunda enquanto deixo um chupão em seu pescoço


que vai levar dias para sumir, impaciente, eu a ergo e entro inteiro de uma
vez, e por Deus, como você é apertada. Aaaah! — Sua voz falha, ele também
está se tocando? — Não conseguimos conter os nossos gemidos e estou com
tanta vontade de você que meto fundo e áspero, e você gosta disso, não gosta,
Amora?

Os dedos cada vez mais ágeis em meu clitóris, meus dedos dos pés
torcem, o orgasmo vindo suave, só consigo deixar que venha.

— Eu gosto disso, João.

— Estou te fodendo tão gostoso, de pé no chuveiro, e você fica com as


pernas abertas, quietinha me recebendo porque sabe que só eu vou te comer
desse jeito insano e nem um pouco delicado.

Eu desmorono, deixo o celular cair da minha mão diretamente para o


chão, enquanto todo o meu corpo estremece, os joelhos enfraquecidos e a
mente turva.

— Amora! A professora mandou que voltasse imediatamente para a


aula. Até que enfim te achei. — Grita uma das meninas da minha turma.

Fico alguns minutos controlando a respiração, completamente tonta,


totalmente pegajosa e molhada entre as pernas. Levanto-me do vaso, pego o
celular e nervosamente vou até à pia, lavo a minha mão dando ênfase no dedo
médio que usei para me masturbar, e em seguida olho a tela do meu celular
com a seguinte mensagem:

Jantar às oito na minha casa, não se atrase. Traga o vibrador.


Endireito a minha postura, respiro fundo, olho ao redor e tenho a
confirmação que estou sozinha no banheiro e envio uma resposta para ele:

Não vou levar o bullet, não será necessário.

João

Coloco a playlist de Amora para tocar, a melodia sensual de “Body


party” ecoa na minha sala, e eu lembro da dançarina ontem rebolando em
meu colo e em minha noite terminando na cama de Amora Guedes.

Levo a taça com vinho tinto a boca tomando um gole, é da mesma


marca que ela tomava ontem em seu quarto. Vistorio a mesa, o risoto pronto,
as orquídeas que comprei na floricultura antes de vir, todos os detalhes bem
orquestrados.

Tento me convencer que preciso que tudo saia perfeito para que eu
possa seguir com o planejamento, com a nossa vingança, mas, além disso,
quero que ela tenha uma boa lembrança da sua primeira vez, já que ficou tão
marcada negativamente com o cara europeu.

Checo novamente o celular, e ela está atrasada dez minutos, penso em


ligar, mas o meu interfone toca.
— Pois não.

— Amora Guedes, senhor.

— Pode liberar.

Procuro pela minha camiseta preta e a encontro jogada no sofá, não


seria de bom tom recebê-la apenas em minha calça jeans, embora seja uma

excelente ideia pular o jantar e levá-la diretamente para a minha cama.

Abaixo um pouco o som, calculando que será um bom-tom para que


não atrapalhe a nossa conversa, tomo mais um gole do vinho e faço uma
anotação mental que guardei camisinhas em minha mesa de cabeceira,
comprei extras para a nossa noite.

Acompanho com o olhar a porta se movimentar já que a mantive


aberta, primeiro capturo as sandálias brancas de salto com tiras amarradas a
sua panturrilha, as pernas nuas até as coxas onde um vestidinho justo

vermelho de um ombro cobre o seu corpo escultural, hoje ela não usa o seu
colar que é passado por todos os de sua tradicional família, e dou graças por
isso.

Nos lábios um batom laranjinha assim como a cor das maçãs de seu
rosto e os cabelos soltos como eu gosto.

Sorrio gostando do que vejo, ergo a taça a ela que sorri para mim,
corando um pouco, seu rosto tão inocente, nem parece que é a safada que me
fez gozar no meio do horário do expediente.

— Acho que eu preciso de uma taça dessa.

Vou até ela e colo os meus lábios em sua testa, inalo um pouco do seu
cheiro adocicado, e seguro a sua mão notando que está gelada.

— Está dirigindo?

— Não, vim de táxi. Quando papai está fora, consigo enganar os


seguranças, agora mesmo eles devem acreditar que estou em casa.

Levo a minha taça até os seus lábios vendo-a provar do vinho, seus
olhos não deixam os meus.

— Chegou bem?

— Um pouquinho de trânsito. — Responde um pouco nervosa, decido


recuar.

— Queria te dizer que cozinhei esse belo prato, mas pedi que o meu
restaurante favorito viesse entregar.

Ela sorri e vai até a minha pequena mesa redonda de quatro cadeiras,
abre as panelas de inox e inspira a fumaça que levanta.

— O cheiro está incrível.


— Queria ter cozinhado, mas as coisas ficaram apertadas na empresa e
já saí no laço para o horário do nosso jantar, só deu tempo de lhe trazer essas

orquídeas e tomar um banho. — Coço a cabeça sem jeito e ela acaricia as


pétalas, encantada.

— Na minha apresentação do balé, você me deu um buquê de


orquídeas.

— É que, a primeira vez em que eu te vi, você estava tateando uma


orquídea branca no jardim da sua casa, fiquei com a lembrança, e a pureza e
requinte dessa flor têm a ver contigo.

Seu sorriso abre largamente e ela vem até mim, dando-me um beijo
demorado na bochecha, não permito que recue, seguro o seu rosto em minhas
mãos e deixo um selinho, chupando o seu lábio inferior por fim. E, quando a
toco é como se fios elétricos estivessem ligados sob a minha pele, a forma
como o seu corpo delicado encaixa no meu e me faz sentir como o seu

protetor, me choca, porque não é isso que sou, meu papel nesse jogo é de seu
algoz.

— Vamos jantar? — Digo, já separando os nossos corpos.

— Sirva-me, senhor Patacho.

Começo a destampar as panelas e ela corre o olhar pelas fotografias em


meu aparador espelhado.
— Que fofura, João, você parecia sujinho. — Dá risada enquanto eu
coloco um punhado de risoto no prato branco.

— Eu vivia sujo, fui uma criança do mato, carrego cicatrizes até hoje
por conta dessas estripulias.

— Eu não tenho um machucado sequer, minha mãe não me deixava

bem mesmo andar de bicicletas, céus, eu era louca para andar de bicicleta.

— É sério?

— Sim, ela dizia que para ser uma bailarina eu preciso respirar o balé,
então praticamente cresci em meio a estúdios, tutus e sapatilhas. — Revira os
olhos tocando o próximo retrato. — É o seu pai? — A pergunta faz a colher
cair da minha mão diretamente para mesa, sujando e me fazendo praguejar
baixinho.

— Vem comer.

— Você e o Jonas se parecem com ele. Embora os olhos e o formato da


boca sejam idênticos aos da sua mãe, é nítido que eles são seus pais, vocês se
parecem, sei lá, talvez no jeito.

A pulsação no meu pescoço latejando, eu devia ter escondido essas


fotos, vê-la olhando as fotos dos meus pais, justamente ela que é a filha do
mandante que fez com que eles perdessem a vida, é demais para mim.
— Como eles são, João?

— São mortos, é isso que eles são. Vem jantar. — A minha voz sai
mais alta e ríspida do que pretendia e isso a faz enrijecer a musculatura.

— Desculpe, eu não sabia.

— Você não tinha como saber. — Arrasto a cadeira para ela que

caminha em minha direção e ao invés de se sentar, leva as suas mãos as


minhas têmporas. — Não me olhe assim, não sou um coitado por ser órfão.

— Eu não acho isso, João. Na verdade, até te admiro mais, na verdade,


é mais do que admirar, me identifico, porque tenho os meus gozando de
saúde, mas por dentro estão tão mortos quanto quem repousa embaixo da
terra.

— Eu não gosto de falar dos meus pais.

— Tudo bem, então vamos provar a comida do seu restaurante favorito.

— Sorri e rouba-me um selinho, passando por mim e sentando em seu lugar.

Beberica o vinho sem qualquer menção de que vá levar a boca o que


coloquei em seu prato.

— Não vai comer?

— É que você colocou muito risoto— fala incerta e semicerro os meus


olhos, completamente impaciente.
— Coloquei apenas duas colheres. Coma!

Revira os olhos com a ordem, mas obedece sem reclamar, seu rosto se
contorce em pura satisfação enquanto degusta o risoto de camarão e ergo a
minha taça de vinho brindando junto a sua.

— Isso é maravilhoso!

— Eu sei, conheço os melhores lugares para comer nesta cidade. Sou


extremamente caseiro, então o melhor programinha é pegar algo bom para
comer e alguma série de ação na TV.

— Ou então sair para beber em lugares de índole duvidosa junto com a


Filipa. — Ela diz e a comida paralisa em minha mandíbula. — No dia em que
te liguei, o barulho ao fundo entregou que não estava em um lugar
requintado. — Conserta e apena assinto.

— Também é um bom programa a se fazer, ou era, estamos um pouco

estremecidos.

— Por minha causa, não é?! Eu a encontrei hoje na academia, e ela me


disse que você não era do tipo que se apaixona.

— Não acredito que ela tenha feito esse papel, me desculpa por isso.

— Não precisa se desculpar, afinal ela que fez a burrada e não você,
além do mais, a coloquei em seu devido lugar.
— Então a bailarina tem garras?

— Eu sou filha de Rodolfo Guedes, algum gênio ruim eu tenho que ter
escondido em algum lugar. — Sorri, mas eu apenas encaro o meu prato.

Jantamos entre sorrisos e muita empolgação enquanto lhe conto sobre


algumas ideias que tive junto da minha equipe para a próxima campanha da

Guedes, em dado momento ela gargalha quando lhe conto um slogan idiota e
é como se o mundo parasse, vê-la sorrir é tão raro e ainda assim tão precioso.

— E então, como foi a aula? — Pergunto comendo a sobremesa de


pêssego que veio junto do jantar, jogo-me no sofá e ela me acompanhada
sentando ao meu lado.

— Boa, no entanto, precisei me ausentar alegando uma forte dor


muscular após a minha ida ao banheiro. — Diz lentamente cada uma das
palavras para eu entender que está falando acerca da nossa ligação.

— Sei como é, também precisei desmarcar um compromisso para


tomar um segundo banho no dia. — Confesso e trocamos um olhar cúmplice
e ela cora um pouco.

A sala está em uma penumbra calculada, já que decidimos ver um


filminho, eu a deixo escolher e reviro os meus olhos quando escolhe um
maldito romance envolvendo dança. Eu detesto romances.
— Pode ser esse?

— Excelente escolha. — Apesar das palavras, minha voz soa


desgostosa, o que a faz me dar a língua.

Coloco o vidro com a minha sobremesa na mesa de centro e roubo a


sua atenção quando seguro o seu rosto em minhas mãos.

— Ei, o filme!

— Amora, essa tática é mais velha que o mundo.

— Qual?

— Dizer que vamos ver um filme, mas, na verdade dar uns amassos. —
Concluo e um sorriso estica em seus lábios. Também se desfaz da sua taça
com sobremesa e se vira para mim.

— Está bem, então vamos ao amasso.

Meu peito subindo e descendo, a respiração ofegante, eu passei a porra


do dia todo pensando nessa garota, desejando-a, e finalmente agora a tenho
em minhas mãos.

Confesso que estou em uma miríade de sentimentos, eu terei de fazê-la


sofrer, mas não consigo me sentir feliz com a ideia, como eu costumava me
sentir quando traçamos todo o plano, agora sou um emaranhado de medo e
tesão, turbulência e muita necessidade.
— Conseguiu se tocar, mais cedo? — Pergunto e a sua respiração faz
cócegas em minha bochecha conforme eu pairo mais perto, cercando-a no

meu sofá preto de couro.

— Sim, eu não tive medo como das outras vezes, não tive flashes com
lembranças turvas daquela noite. Desta vez, foi gostoso e profundo.

Ela arrasta suas unhas pelo meu abdômen fracamente protegido pela
camiseta, e o meu coração bate agitado no peito que chega doer. Eu sei que é
errado, agora que possuo conhecimento do seu trauma, tenho a dimensão do
quanto essa primeira vez será importante para ela, e estou roubando isso já
que só estou aqui ao seu lado por conta de toda a vingança.

Eu realmente estou aqui agora com ela por conta da vingança?

Minha cabeça parece girar com a provocação e com a falta de resposta.

Mesmo errado, eu não estou disposto a deixá-la ter esse momento com

outro cara, eu organizei para que tudo fosse perfeito, e mesmo sendo uma
mentira, quero que tenhamos um momento verdadeiro de entrega.

Minha pele afunda quando as suas unhas deslizam pelos meus


músculos.

— Eu estive pensando, você já me viu nua, mas eu só te vi no máximo


sem camisa.
— Estou empenhado em nos colocar em pé de igualdade esta noite,
senhorita doce bailarina.

Esmago os seus lábios tendo o gosto do pêssego em minha boca


enquanto chupo a sua língua, ela geme e o desejo mergulha do meu peito
direto para o meio das minhas pernas, sinto a sua mão pequena acariciar a
minha coxa, ela quer isso tanto quanto eu.

E com toda certeza a darei tudo.


A Entrega

AMORA

Acaricio lentamente a parte interna de sua coxa, e surpreendo-me, João


leva os meus joelhos para ladearem suas pernas, fico montada por cima dele,
o meu vestido tubinho mal cobrindo a minha bunda, que ele segura com as
mãos cheias cada lado das minhas nádegas, aperta e mede, inclino o meu
pescoço não suportando a sua intensidade, e ele aproveita a minha
vulnerabilidade para me dar o chupão que prometeu na ligação, só consigo
cravar as minhas unhas apoiando-me em seus ombros.

Contorço-me sentindo o quão duro ele está, fico louca atrás da fricção,
rebolo em seu colo e ele estanca, por um segundo, mas em seguida mordisca

o meu queixo, seu hálito quente pairando sobre a minha pele me deixa fora de
órbita.

A ardência entre as minhas pernas é crescente, a adrenalina do


momento tão proibido me faz gemer, mas João cobre a minha boca, exige
tudo de mim, eu mal consigo respirar, estou em brasas.

Seguro a sua nuca e o beijo de volta com tanto fervor, roço em sua
ereção, e a sua mão aperta a minha cintura, eu o quero tanto que dói todo o
meu corpo, seus dedos deslizam pelas minhas coxas subindo o meu vestido,

enquanto a sua língua quente é exigente e não abandona a minha boca, cada
parte do meu corpo que ele toca no processo de tirar o vestido por cima
parece pegar fogo. Quando a peça vai ao chão, ele rosna mostrando os dentes

enquanto olha para os meus seios sem sutiã.

— Eu trouxe outra calcinha na bolsa, como medida de proteção.

— Então se despeça dessa aqui.

— Por quê? — Não consigo terminar a pergunta, pois, no meio da frase


ele está rasgando a renda.

— Essa calcinha é delicada como você, e eu sou muito bruto para


ambas.

— Também vai me rasgar? — Sussurro a pergunta sentindo-o dedilhar


os meus mamilos.

— Porra. Sim, a noite inteira.

Ele nos levanta e me encurrala na parede de sua sala, coloco os meus


dedos nos passadores da sua calça jeans, enquanto o vejo retirar a camiseta.

Lambo do seu pescoço passando pelos mamilos rosados e desço por


todo o seu peitoral musculoso, firme, gostoso, quando chego no seu umbigo
olho para ele e o vejo engolir a seco.
— Amora, por favor, quero fazer isso de um jeito romântico. Porra.

— Não é romântico assim? — Ronrono abrindo o seu jeans, e assim

que abaixo a sua calça, o volume em sua boxer preta me deixa ofegante, tão
grande quanto nos filmes pornôs que ouvia as meninas cochicharem dizendo
ser raridade se ver por aí.

João tem um sorriso presunçoso nos lábios. Desço a sua cueca e encaro

o pau duro, lindo, rosado, repleto de veias, e tento levá-lo inteiro em minha
boca, mas é demais para suportar, abro os lábios ao máximo o recebendo e
sentindo a sua carne quente, o líquido pré-sêmen gotejando da sua glande,
seu gosto almiscarado de homem feito me enchendo os sentidos.

— Amora... — Ele sussurra fraco, ergue o meu corpo pondo-me de pé.

— O que foi? Não estava bom?

— Pelo amor de Deus, eu estou no limite aqui. — Seu rubor entrega o


quão forçado está para não ceder. — Eu quero tanto você, tanto — sussurra

em meus ouvidos. — Prenda as suas pernas em meus quadris, vou levar a sua
bunda bonita de bailarina para o meu quarto.

Sorrio e dificulto a sua vida, ele me leva em seu colo sem descolar
nossas bocas, assim que abre a porta do quarto ele solta as minhas pernas
fazendo com que eu fique de pé, resmungando.

— Eu queria que fosse tudo perfeito na sua primeira vez, porque essa é
a sua primeira vez. — Diz acendendo a luz do interruptor, e viro-me para a
direção da sua cama onde vejo os lençóis brancos, as pétalas vermelhas

espalhadas pela cama e as velas espalhadas pelo quarto dando um ar


totalmente romântico ao quarto e os meus olhos cintilam, pisco uma lágrima
e o encaro.

— Você que fez isso?

— Cada detalhe.

— João... Uau!

— Não quero pressioná-la, mas eu quero você, Amora, mesmo. Sei que
acabou de chegar da Europa e que provavelmente, não quer se relacionar com
ninguém, e até entendo isso... — Corto-o.

— João, você quer namorar comigo? — A frase sai dos meus lábios
como uma mescla de pergunta curiosa com pedido.

— Ei, você roubou o meu pedido. — Fecho os meus olhos, parece que
estou vivendo um sonho, será que o universo realmente voltou a lembrar que
eu existo, que eu preciso de felicidade? Porque definitivamente um homem
que prepara algo como isso, é a minha felicidade.

— Você quer namorar comigo? — Pergunto mais confiante dessa vez e


ele molha os lábios e cola os nossos corpos.

— Posso responder após fazer um test drive? — Caçoa me roubando


um selinho em seguida.

— Que canalha!

— Estou brincando. Namorar você é o que eu mais quero.

— Obrigada por tudo isso, é realmente muito especial.

— Eu queria que fosse especial e romântico.

— Um pedido de namoro feito com os dois nus, é realmente muito


romântico.

— Precisamos resolver esse problema da nossa nudez.

João caminha até a sua cama de casal e me estende a mão.

— Tem certeza que quer fazer isso?

— Essa é a única certeza que eu tenho.

Respondo caminhando ao seu encontro, fico de pé observando ele


sentando com a sua boca fechando em meus mamilos, agarro os seus cabelos

com firmeza e gemo o seu nome, para ter certeza que estou mesmo vivendo
esse momento.

— João...

— Deite nesta cama, abra bem as pernas e dê a sua boceta o que ela
quer.

Um gemido escapa do fundo da minha garganta e sou massa de


manobra, o jeito bruto que me deita em sua cama, como se realmente tivesse

a necessidade de me possuir.

Espalha as minhas pernas e se agacha dando um beijo em meu clitóris,


o lambendo em seguida, seus olhos não deixam os meus, e Deus! Isso é tão
bom.

Sinto-me embriagada enquanto os meus gemidos perdem o controle

enquanto João me lambe por inteiro, do meu clitóris até o meu ânus,
marcando território, deixando notório para mim que tomará tudo, que sou
inteiramente dele, e amo o quanto isso soa animalesco e instintivo.

Sua língua sobe e desce em meu clitóris mantendo-se rígida enquanto o


seu indicador brinca com a minha entrada totalmente lubrificada.

— João, por favor...

Ele tateia a gaveta da sua mesa de cabeceira e retira o preservativo de


dentro, rasga o papel com os dentes e relaxo o meu corpo crendo que a parte

dolorida aconteceu naquela noite fatídica.

João nivela nossos corpos, beija-me misturando os nossos sabores,


espalha as minhas pernas ainda mais abertas ao seu redor e a sua mão guia a
ponta do seu pau para dentro do meu calor úmido, sinto-o entrar
vagarosamente e ofego, amando a sensação de tê-lo me rasgando e
preenchendo, dor no raso, e muito desejo no mais profundo.
Agarra o meu quadril e empurra de vez para dentro, e sinto algo em
meu interior romper, seu corpo estremece, ele trinca os dentes enquanto

arqueio o meu pescoço para trás, o encaro com os lábios entreabertos, e ouço
os seus gemidos desconexos.

— Amora, você é tão apertada, quase não consigo suportar.

Entra mais fundo e eu seguro a sua cintura, nossos olhos não se

perdem, até mesmo os beijos trocados são olho no olho.

— Estou completamente hipnotizado com o seu corpo abaixo do meu.

— João, você é tão gostoso...

Ele se inclina, chupa o meu seio, sua língua brincando com o meu
piercing, aumenta o ritmo das estocadas, e os meus gemidos secos ecoam
pelo quarto. Dor, desejo, paixão, entrega, está tudo aqui.

Subindo, ele beija a minha boca e engole cada um dos meus gemidos,

seguro os seus cabelos e arranho as suas costas erguendo os meus quadris


para senti-lo cada vez mais fundo e rápido dentro de mim, eu sorrio quando o
vejo gozar, perdendo o controle, as mãos afundando em meus quadris, sua
pelve contraída, o pau cravado dentro de mim.

Colo as nossas testas e pela primeira vez o seu olhar foge do meu, as
pálpebras são fechadas e demoram tempo demais para reabrir, silencio e
deixo que ele tenha o seu momento, ainda semirrígido dentro de mim.
— Doeu muito? — Pergunta ainda de olhos fechados.

— Muito, mas doeria muito mais se eu não tivesse me permitido. —

Entrego e me incomoda que ele não me olhe, parece culpado. — Ei, João! —
Levo as minhas mãos as suas pálpebras forçando-as a abrirem. — Eu quero
esses olhos azuis cintilantes em mim.

— Me perdoa?

— Pelo o quê? Ei, foi incrível, mesmo.

Creio que ele esteja confuso por ser o meu primeiro cara, mas eu
escolhi isso, eu quis. Roço a minha bochecha em sua barba por fazer, e ele
cautelosamente desgruda nossos corpos, parecendo um tanto abatido.

— Uau! Sangue. — Digo vistoriando o lençol. — Desculpa por sujar.


— Ele sai da cama e já de pé, se desfaz da camisinha e mantém-se de costas
para mim, olhando para fora da janela.

— Não tem problema.

— Você quer que eu vá embora?

— Não, por favor. Eu só não te ofereço de dormirmos juntos porque


tenho pesadelo às vezes, posso assustá-la, mas eu durmo no quarto de
hóspedes.

— Ei, vem cá. — Aponto para a cama e ele segue a minha ordem,
sinto-o afundar o colchão. — Eu não vou ficar assustada, e duvido muito que
tenha pesadelos depois de uma noite tão boa. Feche os olhos e pense em
mim, em nós.

Recosto a cabeça em seu peitoral, e ele nos deita juntos na cama, me


faz cafuné e eu sorrio sentindo o seu corpo sob o meu.

Nunca fui tão feliz, nunca me senti tão amada.

Será que a felicidade finalmente se lembrou de mim?

Fecho os olhos entregando-me ao sono com um sorriso radiante nos


lábios.
O Pesadelo

JOÃO

— Quem foi o mandante dos tiros? — outro policial questiona,

enquanto o atirador guarda a arma.

— Rodolfo Guedes. — A resposta ecoa em meus ouvidos, o nome que


eu sei que nunca mais vou esquecer.

— E as crianças? O que fazemos com os meninos? — Eles agora


olham para nós, o meu irmão está chorando enquanto eu só consigo tremer,
de bater o queixo.

— Nada, são só crianças. O que podem fazer contra um empresário


poderoso? O trauma nem vai deixá-los viver uma vida normal — o homem de

barriga protuberante que atirou em minha mãe, ela me pediu que fosse um
bom menino e não gritasse, mas como eu poderia ficar calado? Quando eu
comecei a chorar, ele se irritou, por minha culpa ele atirou na minha mãe.
Minha culpa.

— O que faremos com o corpo dela? — um terceiro policial pergunta,


nervoso.
— Faremos com que entre para as estatísticas — zomba, e eu estou
com medo, queria que a minha mãe cantasse para mim, só ela sabe me

acalmar.

Nosso barraco está silencioso. Olho para o corpo frio da minha mãe. A
pele, o rosto, o sangue... Eu acabei de completar cinco anos e estava
esperando que na próxima semana mamãe me fizesse um bolo, e, agora eles

me levaram tudo. Permaneço sentado agarrado às minhas pernas curtas,


Jonas meu irmão, me encara, os olhinhos da mesma cor que os meus estão
assustados, ele também viu tudo.

— Nós vamos pegá-lo. Vamos nos vingar — promete abraçando o


corpo frio, sem vida de minha mãe.

Meu corpo está molhado de suor, arregalo os olhos e a minha boca


entreabre soltando um grito silencioso, ergo bruscamente a coluna e então me
dou conta, estou deitado, na minha cama, não tenho mais cinco anos.

A respiração completamente ofegante e me vem o embrulho no


estômago, ao meu lado Amora ofega, e a minha visão fica turva. Maldita
crise!

Levanto-me com cautela para não acordá-la, e vou até o meu banheiro
da suíte e me tranco, as lágrimas enchem os meus olhos e tudo desmorona, a
dor em meu peito, as lembranças, a dor, o cheiro do sangue, da pólvora, o
barulho do disparo, Deus!
Molho o rosto abrindo a torneira da pia e lembro-me do conselho da
psicóloga que fui uma única vez por pressão de Filipa, respira, sempre lembre

de controlar a respiração.

Puxo o ar com toda a minha força pelo nariz, e conto até cinco, sinto os
meus pulmões inflarem, para em seguira liberar o ar pela boca. Relaxo a
musculatura, movimento os ombros enquanto prossigo com o meu exercício

de respiração.

Contido, dou graças que dessa vez não gritei, poderia tê-la acordado.

Molho a minha nuca e consigo ter controle do meu corpo, a angústia se


esvai, e começo a ter a exata noção do que aconteceu, conforme o
premeditado eu tirei a virgindade da Amora, estamos namorando, e agora o
próximo passo vai ser lidar diretamente com o pai dela, que é o protagonista
dos meus maiores pesadelos mesmo quando eu sequer sabia como era o seu
rosto.

Toco a maçaneta e tomo uma respiração profunda, falta menos do que


antes, penso.

Amora dorme de bruços agarrada com os cabelos loiros espalhados


pelo travesseiro branco, e é estranha a forma que ao olhá-la não sinto que é a
filha do meu inimigo, que é a garotinha de Rodolfo Guedes, é a minha
bailarina que enquanto dançava não se enturmava, a menina vulnerável que
chorava enquanto levava uma bronca dos pais por uma banalidade, aquela
que segurou na minha cintura e confiou a sua vida enquanto andou de moto
pela primeira vez e agora é a mulher que entregou corpo para mim, sem

reservas. Minha. Não dele. É assim que a vejo, e isso é totalmente


controverso.

Nos conhecemos há tão pouco tempo, mas estive por tanto tempo
estudando os seus passos que é como se ela sempre existisse na minha vida.

Ela se movimenta na cama e suas mãos pairam acima do lençol, as


unhas em um rosa-bebê que é típico dela. O lençol destampa os seus seios e
eu sorrio vendo o piercing, que é o meu objeto de fissura, bem exposto para
os meus olhos, caminho até o meu celular e certifico-me do horário, bem
adiantado para o trabalho, mas sei que vou perder o treino da manhã na
academia, porém, que se dane, eu preciso ter mais um tempo com ela.

Sento-me à beira da cama e a beijo com delicadeza, por sua bochecha


passando pela orelha e um selinho demorado em sua boca.

— Ei, você sumiu, quer seu espaço e que eu vá embora? — Ela geme
arqueando o corpo de encontro com os meus lábios que seguem a beijando e
mordiscando.

— Só estava no banheiro. Agora sou o seu namorado, e saiba que eu


nunca tive uma namorada antes, então vou precisar que me ensine sobre essas
coisas.

Ela geme quando a minha língua rígida balança os seus mamilos, desço
para os seus quadris.

— Eu também nunca tive um namorado, quer dizer... — Olha para o

lado incerta e semicerro os meus olhos cessando a minha exploração pelo seu
corpo.

— Diga, quem é o meu adversário? — Falo, em um tom desconfiado


enquanto me deito ao seu lado.

— Ian, o meu namoradinho da pré-escola, nós andávamos para cima e


para baixo de mãos dadas — Diz brincando.

Dou risada.

— Bem, Ian, eu lamento muito, mas eu roubei a sua garota para mim.

Subo de volta para os seios, mas ela me dá o bote, desprevenido ela


gira os nossos corpos ficando por cima de mim, montando em meu colo, e
fico em estado de alerta, afinal, estamos nus, sem qualquer proteção.

— E eu só posso agradecer.

Desliza os dedos pelo meu abdômen traçando cada um dos meus


músculos bem definidos.

— Você é tão bonito. — Agacha a coluna sussurrando em meu ouvido:


— e tão gostoso.

— Amora. — Rosno, agarrando a sua coxa, sentindo o meu pau


endurecer completamente.

— Você me fez gozar tantas vezes, tão hábil. — Seus olhar incerto me
analisa. — Me ensina a te fazer gozar também.

Arrasta as unhas pelo meu quadril, e fecho os olhos por alguns

segundos, ponderando o quanto é delicioso tê-la me tocando.

A mão delicada segura o meu pau e o acaricia para cima e para baixo,
em um ritmo lento e angustiante. Ponho a minha mão por cima da sua e a
faço apertar mais, pressionar com rapidez e friccionar dando atenção a

glande.

Reabro os meus olhos tendo a vista de seus cabelos desgrenhados, os


lábios cor de rosa inchados e os olhos inteiramente atentos para baixo, onde
ela me acaricia, coloco a mão em sua nuca e a puxo para mim, colando as
nossas testas, ela faz aquela coisa de roçar a bochecha na minha barba por
fazer e eu fico doido sentindo a suavidade da sua pele.

— Eu quero colocar a boca, pode? — O sussurro me faz tencionar, isso


lá é pedido que se faça a um homem?

Recosto na cabeceira e aceno positivamente, dando-lhe acesso, e


consciente que não vou demorar a gozar, já que desde o momento em que saí
do banheiro, estou desesperado para ter a atenção da minha garota.

Ela desce deixando beijos pelo meu corpo, respiro fundo observando a
forma como os seus olhos encaram os meus, o seu sorriso sedutor nos lábios
que eu beijei o quanto quis, sua pele acetinada com um hematoma ou outro
que eu causei enquanto a fazia minha, e ela amou isso. É aqui que o sexo
começa, nessa simples troca de olhares.

Agarro um punhado dos cabelos loiros em minhas mãos e a deixo

consciente que a estou dominando. Safada, ela molha os lábios com a língua.

— Eu acho tão bonitas essas veias. — Sussurra.

E, em seguida abraça apenas meu pau com a boca quente e molhada,


meus olhos vacilam, por um segundo os fecho, o corpo amansando e ficando

elétrico na mesma proporção. A língua rígida serpenteia pelas veias saltadas,


desce até as minhas bolas e eu gemo profundamente, minhas mãos perdendo
a força ao redor do seu cabelo, e ela percebendo o quanto me afeta, brinca
com o meu tesão, olhando-me enquanto desce até o meu períneo, contorço-
me sob os seus lábios, e rosno puxando-a para o meu pau, sentindo-me
ridículo por estar quase gozando sem que ela tenha a sua experiência
completa.

Sorrindo, ela puxa o prepúcio e suga delicadamente a minha glande,

lambendo e lubrificando o lugar, meus gemidos saem insanos, e pela forma


como ela leva o seu dedo ao clitóris, percebo que os meus gemidos a excitam.

Ergo a minha pelve enfiando o meu pau fundo em sua garganta, ela
aumenta o ritmo da sua carícia em seu clitóris, e começa a ofegar, o que faz
meu pau vibra junto com as suas cordas vocais, sinto o palato roçando, me
arrepio inteiro, praguejo, o corpo inteiro dominado, intoxicado por ela...

— Amora... — Grito, agarro os lençóis, estoco, a sinto me levar fundo,


gemer, se acariciar, e reabro os olhos vendo a cortina de fios loiros
espalhados pelas minhas coxas, quando os olhos da cor de uísque encaram os

meus, é o meu fim. Gozo sem qualquer controle do meu corpo, apenas deixo
ir.

Mantenho os olhos fechados com brusquidão, e sorrio com a respiração


ofegante, ela suga todo o meu fluido, e a sinto engatinhando e vindo até mim,

reabro os olhos e estamos os dois sorrindo e ofegantes, ela está corada,


também gozou, somos cúmplices em mais essa.

— Fui bem?

— Você ainda vai me matar. — A voz sai entrecortada e recebo um


beijo na bochecha, o celular desperta lembrando-me, que já estou em cima da
hora para ir para a empresa. — Infelizmente, preciso ir trabalhar, mas você
pode ficar aqui se quiser, seria delicioso vê-la aqui quando chegasse à noite.
— Beijo a sua testa, e analiso que até então nada me animava mais do que o

trabalho ou a academia, principalmente após um pesadelo, mas neste


momento eu trocaria os dois, para ficar o dia inteiro com ela.

— Obrigada pelo convite, mas tenho que ir, meus pais voltam hoje à
tarde, tenho ensaio, enfim, mais um dia entediante.

— Por falar em seus pais, preciso ir conversar com eles, sobre o nosso
namoro.

— Deixa eu conversar com eles, primeiro.


— Tudo bem. Como queira. Preciso tomar um banho, vou deixar para
tomar café na empresa, estou realmente em cima da hora, o que é uma droga,

já que eu devia ter feito uma mesa de café da manhã bonita para você.

— Se tivesse feito, seria um desastre, eu não faço o desjejum tão cedo


assim, geralmente é perto do horário do almoço, então está tudo bem.

Levanto-me deixando-a só na cama, tomo uma ducha rápida, quando

saio da minha suíte, ela entra tendo o seu tempo, enquanto escolho o meu
terno e o visto.

Saindo do meu closet, a observo com o vestido deliciosamente


indecente em que ela veio ao meu encontro ontem, os cabelos molhados com
o cheiro do meu xampu, e os lábios e as maçãs do rosto em tons levemente
rosados.

Vem até mim, e une os nossos lábios, minhas mãos formigando para
tocá-la, seguro a sua nuca e aprofundo o nosso beijo. Foda-se que vou me

atrasar, eu quero mais.

— Obrigada, foi realmente uma noite memorável.

— Pelo que depender de mim, vou te proporcionar muitas outras. —


Seu sorriso bobo rasgando os lábios.

— Bem, então eu já vou, podemos nos ver no mesmo horário de hoje?

Eu devia negar, afinal, não fui ao treino pela manhã, e estou cansado
para pular o almoço malhando, o ideal seria malhar à noite.
— Mesmo horário. — Confirmo, ela é a minha prioridade, quer dizer,
não ela, o plano, a vingança.

Sugo o seu lábio inferior e chupo a sua língua adocicada com o gosto
do meu enxaguante bucal, reconhecer os meus cheiros nela é algo tão
animalesco, deixa-me totalmente possessivo.

O meu celular volta a despertar, este é o momento que eu devia bater o

meu ponto, e ainda estou em casa.

— Merda! Realmente tenho que ir.

— Vamos!

— Você está bem para dirigir? Quer que eu te deixe em casa?

— Estou ótima.

Seguro a sua mão e nos conduzo para fora, ao passar pelo sofá pego a
minha pasta que possui o meu notebook, alguns esboços sobre o budget da
próxima campanha, nele comecei a grifar partes que preciso conversar com o

meu irmão sobre o orçamento ínfimo que a empresa disponibilizou.

Peço o elevador ouvindo a tranca da minha fechadura eletrônica de casa


ser acionada, e quando as portas do elevador se abrem, reparo em meu cabelo
ainda molhado, e no terno combinando cinza e grafite com a camisa preta
dando uma certa elegância. Aproveito a oportunidade para agarrar a sua
cintura fina trazendo-a para mim, e ela cheira a minha roupa.

— Quero gravar o seu perfume durante todo o dia.


Beijo o alto da sua cabeça, e quando as portas do elevador reabrem, dou
de cara com Cadu, o seu sorriso cresce lentamente quando seu olhar percorre

Amora, e o meu coração martela no peito, a constante lembrança que tudo é


apenas uma armação.

— Bom dia! — Ele diz.

Amora parece alheia ao meu lado, decerto não se recorda de tê-lo visto

em sua casa no jantar.

— Bom dia, Cadu. — Respondo entredentes. — O que faz aqui?

— Estou te ligando desde ontem e você não atende, nosso personal me


ligou preocupado, decidi vim checar se está tudo bem. — Seu olhar vai
diretamente para a loira ao meu lado. — Senhorita Guedes, como vai?!

— Eu lhe conheço?

— Sou Carlos Eduardo Alhambra, diretor do setor jurídico da Guedes


Engenharia. — Apresenta-se e os olhos dela arregalam, sabendo que agora a

nossa relação não é mais só nossa.

— Prazer. — Ambos trocam um rápido aperto de mãos. — Bem, eu


preciso ir.

— Me avise quando chegar em casa. — Digo, depositando um beijo em


sua testa.

— Certo.

Seu corpo se desvencilha do meu, e a sensação de vazio me acomete.


Vejo-a caminhar para a rua em frente ao meu condomínio onde estacionou

seu carro e Cadu me sorri, corto-o assim que ele movimenta os lábios.

— Eu definitivamente não quero falar sobre isso antes de tomar um


café. — Defendo-me, e sem mais palavras, caminho para longe dele
deixando-o só, e vou em direção a minha garagem, onde entro sozinho em
meu carro e assumo a postura de homem de negócios.

Cresci com o ideal que a família é algo sagrado, para proteger, mas
esqueço-me completamente da sabedoria milenar quando tenho Jonas e Cadu,
que são tudo o que posso chamar de família, invadindo a minha sala, já sei
que Cadu deu com a língua nos dentes com tudo o que viu para o meu irmão.
Eu mal sentei a bunda em minha cadeira e já tenho os dois em meu encalço.

Jonas antes de se sentar, aperta o botão em minha mesa para baixar a


persiana da minha janela e nos dar privacidade, eu apenas assopro o café que
pedi a minha secretária que me garantisse enquanto estava a caminho da
empresa.

Olho de um para o outro a minha frente, e decido cruzar o caminho


mais difícil, me fazer de desentendido. Por mais que o combinado tenha sido
estarmos sempre por dentro de tudo que acontece em relação ao plano, eu não
me sinto confortável em expor a minha vida íntima e de Amora com

ninguém, é algo inexplicável, é só nosso.

— Você precisa aumentar o orçamento para a próxima campanha,


tenho que encomendar uma pesquisa de público... — Corta-me.

— Vamos lá, João, você sabe que estamos todos atolados de trabalho,

não nos faça perder tempo e dê detalhes sobre o motivo de você e Amora
estarem de cabelos molhados saindo da sua cobertura pela manhã.

É Cadu quem incita, com o seu sorriso sarcástico nos lábios, o homem
de pele bronzeada e olhos azuis é o mais brincalhão entre nós, talvez seja
porque a sua vida não foi mudada tão dramaticamente com os desmandos de
Rodolfo.

— O que precisam saber é que ela me pediu em namoro.

— Excelente! — Jonas diz, mas seu olhar perspicaz me analisa feito

águia, ele me conhece demais, percebeu que estou em um conflito interno,


mas tento disfarçar, não quero que ele me ache fraco, eu me odiaria se
desapontasse o meu irmão.

— Ela disse que vai falar com o pai a sós, neste primeiro momento.

— Isso é ótimo, o Otto solicitou uma reunião a portas fechadas com o


velho Guedes, creio que vá dar a ideia da alteração do testamento. — Cadu
confidencia, e creio que ele tenha razão.
— Os nossos planos estão caminhando bem, provavelmente o Rodolfo
será contra essa relação de vocês dois, e eu creio que isso só fará com que

Amora fique ainda mais apaixonada, o que é maravilhoso. Vamos ganhando


tempo, já estou com acesso às provas de sonegação de imposto, e começando
a montar o dossiê que comprova a lavagem de dinheiro e uso de laranjas, só
preciso de tempo. — Jonas conclui.

Fico quieto observando os dois confabularem cada passo que precisa


ser dado, passos esses que eu sei de trás para frente, que um dia arquitetei
junto com os dois, mas agora que conheço de fato a bailarina frágil e carente,
meu instinto de proteção está totalmente ligado, e sim, eu ainda odeio a
família dela e o que representa, mas não consigo odiar Amora Guedes.

O meu silêncio durante a conversa é alvo das preocupações do meu


irmão, que não tira os olhos de mim por nenhum instante, eu julgo que a
minha apatia fale mais alto do que as suas vozes animadas por estar tudo

caminhando bem.

— Irmão. — Jonas chama, tirando-me do estado de torpor. — Eu sei


que ela é uma mulher bonita, porém mantenha firme em sua cabeça o foco,
João. Essa menina nem mesmo olharia para você se ainda fosse o cara
lutando por terras e dignidade. Ela não está atraída por você, e sim, pelo
homem que a injustiça do pai dela moldou. — Ele se levanta e ajeita a
gravata — só ocupamos este lugar na empresa, e temos essa condição social
porque fomos movidos pelo ódio que sentimos pela família dela. Certifique-

se que somos nós brincando com eles, e não o contrário.

Jonas tem razão, se Rodolfo não tivesse mandado matar os meus pais,
certamente nós teríamos um destino bem diferente, e é muito provável que o
meu destino nunca cruzasse com o de Amora.

Aceno positivamente e deixo que saiam, minha cabeça lotada de

pensamentos, os ombros pesados e é como se passasse diante dos meus olhos


o dissipar da leveza que sentia enquanto estava com ela em meus braços.
A movimentação

AMORA

Clico em enviar para a mensagem que acabei de enviar para o


celular de João avisando que cheguei bem em casa, e neste momento

vejo que o segurança do meu pai, Elton, que é um senhor de meia


idade que me trata com muito carinho, me dedurou já que meus pais já
estão próximos de casa.
Fecho a porta da sala por trás de mim, e entro na mansão que de
repente soa silenciosa e solitária demais, reparo na parede, mais
especificamente nos quadros que papai coleciona, e me parece tudo tão
frio, sorrio ao lembrar dos quadros de João, todos com tanta história,
ele quem os desenhou, cada rabisco é um desenho que está marcado na
pele de alguém, é algo tão profundo e significativo.

Em um dos quadros de papai reluz a minha imagem, e percebo


que possuo marcas aparentes da noite de ontem, e preciso escondê-las,
afinal, seria um grande interrogatório isso na vista dos meus pais.
Já em meu quarto, relembro a noite em que João esteve aqui e
fez com que o meu prazer fosse maior do que as lembranças terríveis
da noite que me deixou abalada e insegura. Ele realmente deu um novo
significado ao prazer, para mim.
A forma paciente como me tocou, acariciou, me senti venerada,

como algo valioso e frágil em suas mãos, os beijos sempre tão


intensos, tudo está acontecendo tão rápido e forte entre nós.

O cascalho crepita sob os pneus, o barulho do motor cada vez

mais próximo, corro até a janela do meu quarto e os vejo chegar, quase
seguro um suspiro desolado, de pura insatisfação, e me condeno afinal
de contas eles são os meus pais, eu devia ficar feliz com o retorno de
ambos, mas não é essa a verdade.
Vou até o meu closet, e troco a minha roupa, me recusando a
tomar outro banho ou lavar os cabelos, quero ter o cheiro de João em
meu corpo a maior parte do meu dia.
Com o sorriso ainda nos lábios, retiro o vestido que usei em

nosso encontro, e coloco uma calça jeans e uma blusa mais fechada, já
que possuo alguns chupões e marcas de mão pelo corpo, resultado de
uma noite muito quente.
Desço as escadas, vendo os meus pais entrando pela porta
principal, forço um sorriso, entretanto sou totalmente ignorada
enquanto vejo-os sentar no sofá.
— Fizeram boa viagem? — Tento.
Mamãe suspira aparentemente entediada.
— O de sempre, seu pai trabalhou e eu fiquei no hotel, fui em

um dos eventos e posei para as fotos, nada de novo. Aliás. — Olha


para o relógio em seu pulso. — Você não devia estar em sua aula de
balé?
Assim que a pergunta surge, a frase de João me sacode “Você já

tem vinte e cinco anos, talvez precise provar para si mesma que não é
um pássaro em uma gaiola.”
Respiro fundo e tomo a minha decisão, é hora de começar a sair
da gaiola.
— Eu decidi dar um tempo no balé, mamãe, preciso descansar a
minha mente... — Corta-me.
— Amora, minha filha, você não tem mais cinco anos de idade,
para de querer chamar a nossa atenção como uma rebelde, essa pausa

só vai atrapalhar a sua trajetória como bailarina, a dança é a sua


missão.
É incrível a forma como ela não me ouve, não se importa com o
meu bem-estar, eu sei que a minha mãe quer o melhor para mim, o
problema é que ela acha que eu preciso viver de onde ela parou.
— Eu acredito que a dança seja a minha missão, mas não o balé,
eu quero realmente me encontrar.
— Então se encontre praticando o balé, porque nele você
realmente tem futuro. — Altera o seu tom, a tensão na sala é quase

palpável.
Menos de um minuto que estão em casa e já muda toda a minha
energia.
— O futuro que a senhora abriu mão, não é, mamãe?!

— Enquanto vocês brigam, eu vou até o escritório de Otto, tenho


uma reunião hoje, por favor, se comportem. — Ele diz, já se
levantando.
— Papai, espere, eu preciso lhe dizer algo. — Temendo que ele
saiba por terceiros, creio que seja melhor que eu lhe conte de uma vez
sobre a minha relação com o João, ainda mais depois de um dos
funcionários ter nos visto. — Estou namorando.
— Ah sim, eu soube pelos seguranças que o Patacho esteve aqui

em minha ausência, fico feliz que estejam se entendendo.


— Fica? Mesmo? — Minha testa franzida deixa nítida a minha
confusão.
— Mas é claro, filha! Vocês foram feitos um para o outro.
— Não esperava receber o seu apoio, papai. — Sorrio, e dou
dois passos em direção a ele. — O pedi em namoro, e ele aceitou.
— Excelente, mande que ele venha jantar conosco hoje à noite.
— Olha para o relógio de pulso, aparenta impaciência, mas isso é
costumeiro, papai sempre parece entediado quando não está

trabalhando. — Amélia, cuide dos detalhes deste jantar, agora deixe-


me ir.

Ele deposita um beijo em minha bochecha e ergo as minhas


sobrancelhas sentindo-me completamente surpresa. Ouço o resmungo da

minha mãe por trás de mim, e antes que voltemos a brigar por conta do balé,
eu caminho voltando para o meu quarto, onde pretendo passar o dia
descansando os meus músculos após o dia intenso de ontem.

— Estou ligando para saber se preciso ir com um colete à prova


de balas por baixo da roupa. — A voz de João automaticamente me faz
sorrir.

— Sem colete à prova de balas, bobo.


— Terno e gravata, camiseta e regata ou um samba-canção e
chinelo?
— Terno e gravata é formal demais, camiseta e regata é forçar
uma intimidade que ainda não se tem, e samba-canção, definitivamente
só para os meus olhos.
— Vejam só, a minha namorada é ciumenta.
— Fala isso de novo, me chama de sua namorada.
— Minha namorada, minha garota, a futura mãe das minhas

filhas.
— Filhas?
— Sim, eu quero ser pai de meninas, você topa?
— Não que isso esteja dentro do nosso controle. — Rimos. —

Mas eu até que topo gerar as suas meninas, senhor Patacho.

Fechando os olhos, por um segundo eu consigo imaginar uma


casa com João sentado no chão desenhando junto com menininhas que
tenham o olhar azul cintilante como o seu.
— Então tudo bem, dentro de meia hora estarei em seus braços
bonitos e delicados de bailarina. — Diz e quase deixo escapar um
suspiro.

— Ficarei ansiosa pela sua mão na minha nuca me puxando para


você, amo a forma nada delicada como faz isso.
Ficamos ainda alguns segundos na linha, não quero desligar, e
sinto que ele também não, ofegamos juntos e então ele diz:
— Certo, até já.
Desliga e ainda fico por um tempo com o celular colado a orelha,
é incrível como ele consegue melhorar o meu dia, o meu humor, a
briga com a minha mãe perdeu a importância, a minha indecisão em
relação ao futuro parece banal, João é o meu bálsamo, meu ponto de

paz, a pessoa que me levanta mesmo sem ter essa pretensão.


Animada, começo a me maquiar e arrumar para o jantar, deixo
os meus lábios vivos com o batom vermelho e sinto-me despojada e
elegante em meu macacão longo em salmão, suas mangas não tão

longas cobrem apenas um pouco abaixo dos meus ombros e gosto de


sua modelagem justinha dando destaque a minha cintura onde um
pequeno laço no lado esquerdo demarca a minha silhueta.
Uma rasteirinha nos pés, e uso o anel espalhafatoso em formato
de um sol, que foi da minha avô, papai possui apego as joias antigas da
família e ama quando as uso, e hoje eu preciso agradá-lo, penso em um
rabo de cavalo para deixar à mostra o pequeno decote na nuca, mas
João gosta dos meus cabelos ao vento como ele já insinuou, então

prendo-os, mas deixo uns fios soltos e desgrenhados na frente e


laterais, assim agrado os meus meninos, e também me sinto satisfeita.
Dois toques em meu celular me despertam para olhar o visor,
nele João avisa-me que está dentro do meu condomínio.
Deixo o aparelho de lado, e saio do quarto, apesar da nossa casa
possuir elevador para se locomover entre os seis andares, eu opto em
usar as escadas, por ser mais saudável já que o meu quarto e o meu
estúdio ficam no segundo andar da casa.
Vejo os cabelos loiros de mamãe amarrados em um coque alto,

seus olhos negros encaram-me e reparam toda a minha roupa


parecendo satisfeitos.
A mesa de dez lugares possui prataria fina adornando-a, os
quatro lugares milimetricamente planejados, um grande arranjo ao

centro da mesa com flores frescas e tons de amarelo e azul ornando


com a louça. Sempre muito requinte, e isso começa a me incomodar,
afinal, é simplesmente um jantar para que conheçam o meu namorado,
não um jantar empresarial, mas opto em pensar que talvez seja uma
forma de demonstrar que realmente se importam em impressionar o
meu namorado, um carinho em mim de forma velada, e esse
pensamento é confortável, me contento com ele.
Papai aparece saindo das portas do elevador, tenho convicção

que devia estar no quinto andar, o seu lugar de paz, o estúdio onde
ouve seus discos de vinil, verdadeiras preciosidades como ele mesmo
diz, e mantém a sua biblioteca, ele é um amante de leitura,
principalmente poesias.
— Ele está atrasado um minuto, preciso ensiná-lo sobre
pontualidade. — Debocha papai e vou até ele acariciando o seu suéter
estampado com figuras geométricas ornando com a calça de linha
marrom, ele realmente ama cores, a única sobriedade está nas mangas
longas brancas da blusa social que ele usa por baixo.

— Não faça brincadeiras maldosas, se comporte. — Alerto e o


vejo revirar os olhos.
A campainha toca e me adianto indo até a porta, respiro fundo, e
giro a maçaneta, encontrando-o sorridente para mim, em suas mãos

uma garrafa de vinho, e sua blusa branca social com os primeiros


botões aberto, como a peça está por dentro da calça, o cinto marrom
chama a atenção seguido da calça cinza bem clarinho e o tênis tão
branco quanto a blusa, Deus! O estilo e bom gosto desse homem orna
tanto com o meu.

— O colete à prova de balas está escondido por baixo desse


decote? — Eu implico abrindo a porta e dando-lhe passagem.

— Garota esperta. — Caçoa beijando a minha testa e entrando na


sala.
— Jonas, não te vi na empresa hoje. — Papai diz e se vira para
nós, seu sorriso morrendo lentamente nos lábios. — Cadê o seu irmão?
— Papai, não convidamos o Jonas para o jantar, apenas o João.
— Mas você disse que estava namorando o... Patacho. Eu deduzi
que era o Jonas.
— Pensou errado. — Olho semicerrado para ele. — Mas não
seja indelicado, cumprimente o João.

— Amora, custava você ter escolhido o rapaz que eu queria para


você?
Meu queixo treme, estou envergonhada e sentindo uma grande
frustração, penso em repreendê-lo, mas João toma a minha frente.

— Rodolfo, eu agradeço o convite para o jantar. — Diz,


ignorando por completo a confusão que meu pai quer causar. — Eu e
Amora nos conectamos nos últimos dias, e pode contar com o meu
empenho para fazê-la feliz.
— O seu irmão sabe da relação de vocês?
— Sim, ele sabe, e faz muito gosto, inclusive quer devolver o
jantar na casa dele, vocês serão todos bem-vindos.
— Hum... Olha rapaz, vou ser sincero, eu quero a minha filha

casada com o seu irmão. — Ele o corta.


— Isso não será possível, senhor. Eu vou ser o namorado, noivo
e marido de Amora Guedes, serei o pai das filhas dela. — Pisca para
mim. — E não vou deixar brecha para que ninguém roube o meu lugar.
Meus lábios entreabrem, minha feição se transformando em puro
choque, gosto da sua valentia, mesmo o meu pai sendo o seu chefe,
João não se acovardou.
— Não pense, por um momento sequer, que terá vantagens na
empresa por namorar a minha filha.

— Querido, mas é claro que o namorado de Amora deve ter


vantagens e regalias na empresa, afinal, se tornará um membro da
nossa família, pare de tentar assustar o rapaz, nossa menina cresceu e
já faz as suas escolhas, como pais só nos resta apoiá-la e ficar por

perto. — Mamãe intervém.


Ela vai até João e pega a sua garrafa de vinho.
— Este é o favorito de Amora, vamos tomar uma taça antes do
jantar? — Sugere e meu pai parece ponderar se fica conosco ou não.
— Vou ouvir os meus discos de vinil, fiquem à vontade para
jantar sem mim, e vocês — aponta de mim a João. — Não tem o meu
apoio, mas prometo não interferir.
Caminha para o elevador, e solto o ar que mantinha preso aos

meus pulmões.
— Obrigada pelo apoio, mamãe.
— Mãe é para essas coisas, querida.
Sentamos à mesa, e ainda sinto-me tensa pelo embate, quase não
creio que o meu pai fez tamanho alarde por conta do meu namoro.
— Então a senhora foi bailarina?
— A melhor.
— Verdade?! Ainda dança?
— Não mais, logo depois que casei precisei aposentar as

sapatilhas. — Brinca.
— Eu lamento. Vendo a sua filha dançar, só consigo imaginá-la
tão boa quanto.
— Se você olhar as minhas fotos quando jovem, vai ver a

Amora, temos muitas semelhanças físicas.


— Não só físicas, mamãe, a senhora sempre foi vaidosa como eu
e apaixonada pela dança.
— Sem dúvidas, o balé era o meu refúgio, era o lugar que eu
sabia que podia voar.
— Como a senhora conseguiu abandonar algo que tanto ama?
— Precisei ser esposa, meu jovem, quando se casa com um
homem poderoso como o meu marido, não dá para ter outra profissão a

não ser a mulher que ele precisa.


— Esta me soa como uma decisão difícil.
— Não, eu não tinha escolha, na hora foi fácil seguir, o difícil
vem com o tempo, o difícil é todo dia.
O jantar acontece de forma leve, mamãe conta sobre algumas
apresentações de sua carreira e ele ouve tudo atentamente, gosto de ver
a interação entre os dois, quando ele conta a ela sobre algumas de suas
estripulias na infância, ela sorri genuinamente, e me dou conta que
fazia tempo que não ouvia o som de sua gargalhada, mas esse é o

efeito João Patacho sobre as pessoas.


A Intervenção

AMORA

Com o passar das horas, João decide ir embora, eu aproveito sua ida ao
banheiro para agradecer a minha mãe pelo apoio.

— Mamãe, obrigada por ficar.

— Eu fiquei, e vou te ajudar com o seu pai.

— Jura?!

— Sim. — Olha-me sorrindo. — Amanhã, a sua aula é às nove da


manhã.

O sorriso em meus lábios morre lentamente, nas entrelinhas ela deixa


claro que a sua ajuda tem o preço, e eu vou ter que pagar.

— Não se atrase.

Vou ter que voltar a ter aula com a professora enfadonha e de balé

clássico que a minha mãe julga como a melhor, vou ter que me submeter aos
ensaios intermináveis, a busca pelos passos perfeitos, tudo isso para que ela
me ajude a ter a aprovação do meu pai, ela fez a escolha dela, e está me
empurrando para fazer a minha.

Assinto, engolindo a seco, me permitindo ser emaranhada em sua teia


de persuasão, e João retorna do banheiro.

— Obrigado pela recepção, dona Amélia.


— Eu peço perdão pelo meu marido, vou conversar com ele, como
você mesmo disse, um dia será pai, e vai entender os sentimentos do meu

marido.

— Não precisa se desculpar, eu realmente entendo e deixarei que ele


leve o seu tempo para me aceitar, porque serei definitivo na vida de Amora.

Pelo canto dos olhos observo a minha mãe caminhar para fora da sala

nos deixando a sós, e só consigo dar atenção a João, que me beija a testa
aproximando nossos corpos.

Acaricio seu peitoral robusto por cima da blusa social, inspiro o seu
cheiro, quero tanto ter mais tempo com ele, esquecer o caos que é a minha
família, o meu lar.

— Posso ir para a sua casa? — Peço e o vejo olhar ao redor.

— Amora, isso não vai te complicar com o seu pai?

— Ele nem vai perceber que não estive em casa.

— Tudo bem, então vamos levar esse corpo lindo de bailarina para a
minha casa.

— Bobo.

Segura a minha mão e apenas deixo-me ser guiada para fora com ele,
tenho roupa no armário da escola de dança, posso ir da casa de João
diretamente para lá.

Cavalheiro, ele abre a porta do carona para mim, e assim que me sento
no banco é como se o meu pulmão de fato começasse a trabalhar, a respiração

fluída, os ombros mais relaxados, a cabeça deita no encosto, fecho os olhos

por alguns segundos e o silêncio no interior do carro finda com a batida da


porta do lado de João, o observo, metódico engatando a marcha, dá um
sorriso de canto de boca sentindo o meu olhar, solta o freio e pisa no
acelerador levando-me para longe da mansão que a cada dia sinto-me menos

moradora.

— Desculpa pelo fiasco de jantar. O meu pai em algum momento vai


acabar aceitando a nossa relação.

— Eu não preciso da aprovação de ninguém além da sua. Está disposta


a lutar contra o mundo por mim?

— Sim.

Choca-me a rapidez com que as palavras fogem da minha boca, mas o


meu coração e a razão estão caminhando juntos, estou perdidamente

apaixonada por João Patacho, e a minha razão grita o quanto preciso sair da
teia dos meus pais.

— Nosso amor é só nosso. — Pega a minha mão e a leva aos lábios


beijando-a no dorso.

Nosso amor é só nosso.


— De quem é esse desenho? — Questiono assim que entro em seu
apartamento, no sofá tem uma folha envelhecida com um desenho infantil.

— Foi por causa desse que eu comecei a desenhar.

Sento-me no sofá e giro o pedaço de papel, parece um bolo com velas.

— Jura? Me conta a história.

— Minha mãe sempre amou aniversários, principalmente os meus e os


de Jonas, ela fazia o bolo da meia noite, e ela nos acordava para cantar
parabéns na véspera do aniversário, e também tinha o do dia mesmo, tudo
muito simples, mas nunca nos deixava sem.

— Seus olhos brilham ao falar dela.

— Minha mãe era carinhosa, contava histórias, assoprava o meu

machucado enquanto me medicava, tinha uma risada espalhafatosa e ainda


assim a mais doce do mundo.

— Que especial, João.

— No meu aniversário de seis anos, nós tínhamos perdido nossos pais


há pouco menos de um mês, uma família nos adotou, mais por obrigação do
que por amor propriamente. Era o meu aniversário e eu não tive bolo,
parabéns, e ninguém além do Jonas se lembrou.
— Eu sinto muito.

Consigo imaginar um menino tristonho de olhos azuis cintilantes,

amedrontado e com um futuro incerto, sofrendo pela negligência, e lamento


tanto que ele tenha passado por tudo isso.

— E então o meu irmão pegou uma folha e desenhou esse bolo, me fez
soprar essas velas que ele mesmo fez a mão, e a partir dali, eu entendi que

desenhando eu podia ter tudo o que queria, e nunca mais parei, vivo
rabiscando, na maioria das vezes para sair do mundo real.

— A forma como você descreve a sua mãe, me lembra a sua


personalidade.

— Sim, Jonas sempre diz que eu puxei para a mamãe, enquanto ele é
um líder nato e totalmente racional como era o nosso pai, mas não conte a
ninguém. — Sussurra como se me contasse um segredo — ele é tão
carinhoso e protetor quanto ela era, mas se faz de durão.

Gargalho, não consigo imaginar o sempre taciturno Jonas Patacho com


essas características de jeito algum.

— Eu gostaria de ter um irmão ou uma irmã, pra dividir a vida, ser um


amigo, escudeiro.

— Eu não sei o que teria sido de mim se não fosse o Jonas, e acho que
ele diria o mesmo em relação a mim.

Olho mais uma vez para o desenho tão significativo, e me questiono


internamente por qual motivo estava em seu sofá, provavelmente ele o estava
olhando antes de ir para a minha casa, será que visitar os meus pais o fez

lembrar da relação que possuía com os seus pais?

— Está quieta... Pensou em mim hoje? — Pergunta colocando um


punhado de fios soltos atrás da minha orelha.

— Mas é claro que pensei, é tudo o que faço, e você, por acaso lembrou

da sua namorada?

— Como esquecer? — Sussurra em meu ouvido e os pelos do meu


corpo inteiro se arrepiam com a sensação deliciosa de ter seus lábios quentes
em um lugar tão sensível.

Sua mão vem para a minha coxa, e ele desce cheirando o meu pescoço
deixando-me alerta.

— Não consigo tirar da minha cabeça os seus beijos, o som dos seus
gemidos, os piercings e a sensação de aperto da sua boceta tão doce,

definitivamente estou completamente viciado, bastou apenas uma dose para


me entorpecer.

— João... — Deixo um gemido escapar e ele não perde tempo


capturando os meus lábios.

Seu beijo é necessitado, ansioso, e correspondo porque padeço da


mesma fome, de nos conectar, me sentir viva.

A mão boba acaricia meus seios por cima do tecido da roupa e ele
rosna quando percebe que estou sem sutiã.

— Mas então, mocinha, vai fazer um espetáculo para mim hoje? — Sua

voz sedutora me atrai como um ímã, a mão grande testa o movimento de


entrelaçar seus dedos nos meus. — Devo interpretar essa mordidinha nos
lábios como o meu ingresso?

— Só se a sua cama for o meu palco. — Falo sedutora, eu o quero tanto

agora.

— Um espetáculo desse não dá para só assistir, minha bailarina.

Mordisco o seu pescoço enquanto ele nos leva até seu quarto, seguro
em seus cabelos sentindo a textura fina e o seu cheiro másculo, limpo, a pele
avermelhada pelo meu atrevimento em sugá-lo, e quase não posso suportar a
ansiedade de sentir toda a sua masculinidade enquanto está por cima me
tomando como quer.

— Você faz o espetáculo em minha cama, mas antes, preciso ter acesso

a área vip, abra as pernas! — Ordena com a voz rouca, pondo-me de pé e


desafivelando com pressa o meu macacão, levando-o ao chão, um rosnado
foge de sua garganta quando seus olhos vasculham o meu corpo,
praticamente nu com exceção da calcinha de renda, delicada como a última
que ele destruiu com as mãos grandes, brutas e apressadas.

Ajoelho-me em frente a ele que passa as mãos em meu cabelo preso,


segura com firmeza em meu rabo de cavalo, nossos olhares trancados, minhas
mãos correm pela sua coxa subindo até chegar em seu cinto, desafivelo com
uma calma encenada.

— Essa é a sinfonia do meu tesão. — Digo-lhe enquanto juntos


ouvimos o seu zíper descer.

Puxo a calça mais para baixo junto da cueca e João se desfaz da sua
blusa, beijo a sua coxa e a virilha, ele é todo tão robusto, músculos

extremamente firmes, um homem lindo.

Minha cabeça sobe e desce conforme mergulho o seu pau em minha


garganta, completamente envolvida ouvindo os gemidos másculos, a forma
como se ampara na parede, demonstrando que o deixei de pernas bambas.

Deslizo os olhos para cima e o encontro com a cabeça inclinada para


cima, os olhos fechados, seu abdômen definido subindo em descendo com
rapidez, a respiração totalmente em descompasso.

A mão firme em meu cabelo forçando-me a levá-lo por inteiro, o som

do melado da minha saliva mesclado com o seu pré-semen deixa tudo mais
intenso.

— Amora... Vem aqui, me deixa sentir a sua boceta ao meu redor ou eu


vou enlouquecer. — O sussurro vem junto da sua pegada bruta erguendo-me
de pé. — Merda, não posso rasgar essa, né?!

— Não. — Falo de forma nada convincente, mas desta vez eu não


tenho outra calcinha aqui.
Coloca-me de quatro na cama, e meus olhos se fecham lentamente
conforme sinto a sua boca me provando lá embaixo, a língua subir e descer

em meu clitóris, tomando do jeito que ele quer, agarro os lençóis e apenas
permito e sinto. Viva. É assim que me sinto, completamente viva.

Quanto mais eu gemo o seu nome em desespero, mais rápido ele


esfrega o meu clitóris com a sua língua rígida, instintivamente meus quadris

ondulam, meus pulmões se enchem de novo e de novo, o corpo inteiro


implorando pra gozar.

O sangue corre, o calor inunda a minha virilha, e eu gozo, deixando a


minha cabeça cair na cama, meus braços perderam a força para me amparar.

A respiração rasa e rápida, e vejo-o pelo canto do olho vasculhar a


mesa de cabeceira, retirando a camisinha da gaveta.

— João, você está limpo? Eu queria te sentir, sem barreiras entre nós.

— Amora... — Repreende.

— Eu tomo injeção, para não menstruar por conta do balé.

Ele pondera, seu olhar vagueia da camisinha para mim, vejo a sua
relutância e estranho, se estamos namorando, porque ele está tão preocupado?

— Não confia em mim, ou não confia em você, para dar esse passo? —
O seu silêncio é ensurdecedor, com lágrimas nos olhos, levanto-me da cama,
já pronta para ir embora, mas ele me segura o braço sem aplicar força.

— Espera. É que eu nunca fiz sem proteção, mas se quer experimentar,


vamos tentar.

— Não precisa fazer algo que não está a fim. — Respondo a

contragosto e o vejo sorrir e me encurralar na parede.

— Não pirraça, senão eu vou ser obrigado a deixar marcas nessa bunda
bonita de bailarina, e não vai ser nada agradável que todos vejam que por
baixo do tutu, a delicada bailarina foi tratada como uma puta na cama.

— João...

Seus braços colados a parede estão ladeando a minha cabeça, seguro


em sua nuca e a trago para mim em um beijo molhado, que quase engole os
meus lábios, faminto, seu dente crava em meu lábio, fere, o beijo é voraz, e
eu gemo em sua boca. Ele ergue a minha perna e a levanto ainda mais
pendurando-a em seu ombro, e ele geme excitado com a minha flexibilidade.

Esfrega seu pau em minha entrada, colocando apenas a cabecinha e


tirando, me fazendo revirar os olhos, arranhá-lo em desespero a cada vez que

ameaça a entrar, mas não cumpre.

— Pede. — Diz em seu tom cínico colado em meu ouvido.

— Faz fundo, forte, seja meu.

Peço e sua mandíbula tenciona, pega-me no colo e nos leva para a sua
cama, onde me deposita com cautela e desliza para dentro de mim, seguro em
seu ombro enquanto ele empurra os quadris profundamente dentro de mim.

Agarra o meu queixo e faz com que eu me perca em um beijo duro e


áspero, e de forma estranha, o sentimento que possuo é que ele odeia o
quanto ama tudo isso, nós.

Tão certo.

Seu pau desliza para fora e volta, as pelves se chocando repetidamente,


profundo, gostoso.

— Amora, esse seu cheiro, seu gemido, me deixa doido.

Eu desço a minha cabeça, ficamos testa com testa enquanto ele me fode
e faz parecer que o mundo lá fora é pequeno e irrelevante.

Em um giro ele me coloca por cima, cola as mãos em minhas coxas e


ao invés de subir e descer, eu apenas rebolo com seu pau inteiro cravado em
mim, pra frente e para trás, e esse movimento bate em algum ponto que faz
tudo mais intenso, sinto as mãos de João me apertando, mas só consigo dar
atenção ao prazer insano que estou sentindo, os olhos fechados, a boca
entreaberta gemendo enlouquecidamente e as mãos beliscando os meus

mamilos, esta sou eu cavando um orgasmo delicioso.

— Linda! Como você fica bem se satisfazendo no meu pau.

A frase dita com a voz rouca e o semblante de dor, é o fim da minha


linha. Meu corpo inteiro treme, o orgasmo explode fazendo-me gritar
esganiçado, a boceta palpitar, o corpo inteiro enfraquecer, caindo em um
estado de encantamento, e João me segura, ampara, e goza rosnando e
deixando cada gota do seu prazer dentro de mim.
Caímos exaustos na cama, ofegantes e sorridentes, apaixonados e
cúmplices.

O nosso amor é só nosso.

Gritos desesperados soam ao longe, minhas pálpebras falham na


primeira tentativa de abri-las, na segunda vez obtenho sucesso, mas está tudo
escuro, tateio a cama e então as lembranças vêm feito uma avalanche, eu e
João transamos, em seguida ele me limpou e me deu uma de suas blusas
sociais para vestir e caímos exaustos em uma conchinha gostosa onde o seu
cheiro foi o mais poderoso sonífero para mim.

— Não! Mãe! Mãe! — Os gritos de João tiram-me do torpor, encontro


o seu corpo ao lado do meu na cama, acendo o abajur e o encaro, de olhos
fechados, o corpo inteiro molhado de suor, retiro o lençol de seu abdômen,
acaricio o seu rosto na vã tentativa de tirá-lo desse sonho angustiante.

— João, acorda!

— Eu vou te matar, e ninguém nunca vai desconfiar que fui eu! — Os


gritos são profundos, altos, em seu rosto caem lágrimas.

— João! É um pesadelo, acorde! — Falo e me jogo por cima dele,

sentindo a respiração acelerada, seus olhos azuis abrem vagarosamente e ele


parece se situar muito aos poucos.

— Foi tão real, tão real. — Diz, e me agarra para si.

— Sonhos são apenas sonhos, acabou, agora você está aqui e é meu.

Aos poucos ele vai relaxando por baixo de mim, seguro o seu rosto em
minhas mãos e enxugo as lágrimas, faço um cafuné em sua cabeça.

O sol está nascendo, assim como a minha preocupação com João, as


coisas que disse, a ameaça de assassinato para quem era? Minha testa franze,
mas jogo para fora a curiosidade porque foi apenas um pesadelo sem sentido.

— Vou beber um copo d’água. — Ele diz, e saio de cima dando-lhe


passagem.

E por fim, acabo pegando no sono novamente, esperando por ele que

não voltou mais para a cama.

Assim que a porta dos elevadores se abrem para fora do condomínio de


João, um dos seguranças do meu pai aparece em meu campo de visão,
fazendo o meu sorriso morrer lentamente.

Acordei sozinha na cama, João deixou-me um bilhete explicando que

não quis me acordar, mas teve que sair para trabalhar, na mesa um café da
manhã que a sua funcionária deixou servido gentilmente e me arrumei com
calma para ir a aula de balé.

— Bom dia, senhorita Guedes.

— Olá Elton, o que faz aqui?

— O seu pai me pediu que a buscasse e levasse imediatamente até a


empresa.

Engulo a seco, então papai deu por minha falta, e ainda por cima fez
com que o segurança viesse me buscar, coisa boa não há de ser.

— Onde ele está? Na empresa? — Questiono, porque o conhecendo sei


que esse é o único lugar possível, e tenho o segurança acenando
positivamente. — Pode ir na frente, te sigo logo atrás.

— Perdão, senhorita, mas a ordem é que venha em meu carro.

Olho para fora do condomínio e não vejo o meu Crossfox, franzo o


cenho, não acredito que o meu pai está me tirando o carro.

Vou para fora completamente irritada, sigo com Elton para o seu carro,
bato a porta com toda a força, talvez bater em algo faça dissipar a raiva e
descontrole que sinto agora.

Ontem mesmo ele disse que não aprovava a minha relação, mas que
ainda assim, não iria interferir, e me tirar o carro, me aterrorizar com essa

ordem de vê-lo imediatamente, com toda certeza se trata de uma intervenção,

e eu não vou deixar barato.


O Acordo

AMORA

— Cadê o meu carro? — Esbravejo totalmente fora de mim.

Invado a sala do meu pai, nem mesmo dei tempo da secretária me

anunciar. Vejo-o sentado analisando um papel, e ele semicerra os olhos


demonstrando o desagrado pelo meu mau comportamento.

— Bom dia, filha. — O cinismo exalando de sua voz.

— Cadê o meu carro?

Caminho para perto de sua mesa, minhas mãos trêmulas, a testa


franzida, eu detesto esse jogo de gato e rato que o meu pai ama fazer.

— Você por acaso comprou um? Porque pelo que eu sei, o carro que
você dirige é meu. Assim como as joias que possui, as roupas, os sapatos,

tudo que você tem é meu.

Seus olhos cor de mel fitam-me, em um sugestivo desafio, mas eu sinto


o sangue correr quente por minhas veias, estou farta do seu controle.

— Não, não é seu dinheiro, é da nossa família, a Guedes Engenharia


sustenta a todos nós, e você gostando ou não, um dia tudo isso aqui será meu,
portanto, vamos cortar a parte burocrática, e diga, aonde está o meu carro.

— Você vai ficar um tempo andando com motorista.


— Por quê?

Bate com os dedos na bochecha, se aconchega em sua cadeira e com

uma tranquilidade calculada, diz:

— Porque eu quero.

Seu olhar enfrenta o meu, meu pai sempre foi manipulador, isso não é
nenhuma novidade para mim, mas dois podem jogar esse jogo.

— Então eu não devo nunca mais acreditar nas suas palavras, afinal
ontem você prometeu que não ia interferir no meu relacionamento e hoje me
castiga como se eu fosse uma criança precisando de punição.

— Sim, eu disse, fiz juras antes de saber que você estava dormindo fora
de casa, se esfregando sem nenhum pudor com o meu funcionário, por acaso
acha que a reputação de uma empresa se encontra no lixo? — Sua voz altera,
ele agora está por um fio.

— Faça-me o favor, pai. Se fosse o Jonas, você não se importaria que

eu me esfregasse e muito menos com a reputação da empresa.

— Eu tenho certeza, que esse tempo sem carro lhe fará refletir sobre as
suas escolhas, minha filha.

Respiro fundo e o encaro, o seu sorriso zombeteiro parece gostar da


minha fúria.

— Tudo bem, mas saiba que eu não vou andar com o seu motorista ou
os seus carros, faça bom proveito das suas conquistas.
As sobrancelhas sobressaltam, as rugas que envelhecem o seu rosto são
mais visíveis, e sua mão desafrouxando o colarinho, mostra o quão

incomodado ficou com a minha recusa.

— Amora, deixa de ser boba, você não pode andar sem proteção por aí.

Sua voz fica cada vez mais longe a cada passo que dou saindo de sua
sala.

Se há algo que aprendi com os meus pais, é sempre ter um trunfo, uma
carta na manga, e neste momento eu possuo, e sim, vou jogar sujo com isso.

O meu celular vibra e enquanto aguardo o elevador vejo a mensagem


de minha mãe alertando-me que estou atrasada para a aula de balé. Bufo
completamente impaciente, e ligo para ela que não demora a me atender.

— Eu achei que nós tínhamos um acordo. — Atira as palavras assim


que ouço a sua voz do outro lado da linha.

— Também achei, mamãe, mas estou agora no centro da cidade

procurando um táxi porque o meu pai me tomou o carro. Ou seja, se você não
cumpre com a sua parte, eu também não cumpro com a minha.

— Por Deus! Não acredito que Rodolfo lhe tomou o carro, aquele
cabeça dura.

— Pois é. O elevador chegou, vou perder o sinal, enquanto volto para


casa, vá pensando em uma solução, porque estou falando mais sério do que
nunca, se ele não me der paz com o João eu largo o balé. — Ameaço.
— Nem pensar em largar o balé, Amora, você sabe muito bem o quanto
eu gostaria de ter continuado, você herdou o meu talento e não irá

desperdiça-lo. Quanto ao seu pai, apenas deixa comigo.

— Mãe, não vai adiantar, ele não vai dar trégua, está reticente.

— Espera, Amora! Eu vou propor uma viagem, para a nossa casa em


Portugal, assim passamos um tempo fora e você aproveita para se dedicar a

escola de dança.

Troco o peso de um perna para outro, pondero, a ideia da minha mãe é


boa, mas totalmente lunática, ele nunca me deixaria só com o João agora que
está decidido a nos prejudicar e ainda tem a empresa.

— Ele não vai aceitar viajar, papai é totalmente viciado em trabalho. —


Nego, enquanto seguro a porta do elevador que devido a minha demora já ia
se fechar.

— Ele vai, seu pai me deve muita coisa, tem o rabo preso comigo, ele

vai ter que acatar o meu pedido. Pode contar com isso. Vá para a sua aula,
ainda hoje ele vai anunciar essa viagem.

Minha mãe desliga, e entro no elevador, completamente perdida, para


que o meu pai aceite esse pedido da minha mãe, ela deve possui um trunfo
muito forte nas mangas, não consigo imaginar o que seria, mas algo
realmente grave ao ponto de fazê-lo abrir mão de tudo que julga de valor.

O que será que os dois me escondem?


JOÃO

— Como assim viagem?

— Também não sei, o fato é que a raposa voltou do almoço dizendo

que precisará passar um tempo na Europa com a esposa, parecia contrariado e


irritado. Eles viajam daqui a duas semanas.

— Será que devemos nos preocupar? — Cadu fala olhando ao redor


como se estivesse desconfiado.

— Eu creio que não, julgo que seja um problema extraconjugal, mas


seria prudente, que João tentasse tirar algo de Amora.

A simples menção do nome dela deixa-me em estado de alerta.

— Posso tentar, entretanto, ela não parece ter uma boa relação com os
pais.

— Com a saída repentina, ele vai me nomear o CEO interino, e com


isso, teremos mais autonomia dentro da empresa.

— Excelente! João, você sabe o que precisa fazer, não sabe?!

Sim, eu sei. Começar a colocar na cabeça de Amora que estou


desesperado para me casar com ela, fazer com que a nossa relação corra, e
isso me incomoda, e não entendo o motivo, já que esse sempre foi o plano.
Ajeito a minha gravata, e levanto-me acenando positivamente.

Pego o meu celular e disco para Amora, que não demora a atender, sua

voz soa ofegante e animada.

— Oi, João, foi ruim acordar sem você. — Sua voz manhosa me faz
sorrir, sem dúvidas não foi uma boa sensação sair para trabalhar sabendo que
estava em minha cama, sabendo do que é capaz de fazer com o meu corpo.

— Estou ligando para saber se comeu, se chegou bem no ensaio.

— Belisquei uma coisa ou outra da sua mesa de café da manhã. —


Entrega e eu respiro fundo, detesto a forma como ela quase não se alimenta.
— Demorou a me ligar.

— Você me disse que iria pro ensaio, não queria ser inconveniente.

— Está certo. Escuta, tenho uma notícia boa. — Ouço a professora


chamá-la ao fundo, pela respiração profunda, a imagino revirando os olhos.
— A minha mãe deu carta branca para que você vá lá em casa aos fins de

semana, pra gente namorar, disse que o papai não será um problema.

Fico surpreso que Amora se contente com tão pouco que os pais lhe
dão, um namoro aos fins de semana, a tratam como se ainda fosse uma
adolescente, estão a controlando, a mantendo na gaiola, e ela sequer enxerga
isso.

— Certo. — O meu tom de voz não disfarça o descontentamento.

— Mas pode ficar tranquilo, durante a semana, eu vou fugir pra sua
cobertura, para te dar mais espetáculos. — Fala sedutora e arrastado a última
palavra, e me pego sorrindo.

— Isso sim é uma boa notícia. — A sua risada explode do outro lado da
linha. — Por falar em notícia, aqui na empresa só se fala dos seus pais, que
loucura uma Eurotrip marcada em cima da hora?!

— Minha mãe obrigou o papai a ir, não sei o que ela fez ou falou para

conseguir esta proeza, decerto o chantageou com algo, ela é boa nisso. — Diz
pausadamente, parece remoer algo. — Eles possuem uma casa em Portugal,
devem ficar por lá, afinal desde que a compraram, há cinco anos, só foram até
lá por duas vezes.

Novamente a professora a grita, desta vez ela dá o prazo de dez


segundos cronometrados, e eu gemo em frustração.

— Te vejo à noite? — Corro para perguntar.

— Não, ensaio, desculpa.

Ajeito as abotoaduras do meu terno, frustrado driblando o meu mau


gênio porque me irrita saber que ela está se submetendo a algo que já não a
faz feliz.

— Você acabou com o meu dia, então. — Entrego.

— Lide com isso, e o principal, sinta muito a minha falta.

— Impossível não sentir.

O sorriso, o gemido, o olhar da cor de uísque, as mãos delicadas, a


postura ereta, os piercings nos mamilos, os cabelos ao vento. Realmente, é

impossível não sentir.

E mais uma vez, não consigo dar fim a ligação, nós dois silenciamos,
sabemos que temos de dar fim, e me bate uma nostalgia, uma agonia no peito,
uma saudade genuína dos nossos momentos a dois. Saudade dela. Eu sou
posso estar muito louco.

— Eu te ligo à noite. — As palavras fogem da minha boca antes


mesmo que eu calcule se devo ou não.

— Vou esperar ansiosamente.

Pego-me com um sorriso nos lábios após a sua resposta e em um


rompante eu desligo, assustado enquanto noto que não consigo manter a
porra do roteiro quando se trata dessa garota, eu só preciso seduzi-la, e isso é
algo fácil, afinal ela é carente de atenção, totalmente negligenciada de afeto,
mas o que não entra na minha cabeça é o fato do meu instinto protetor se

ativar ao redor dela, até porque desde o princípio do plano eu não sou quem a
protege, sou quem a jogará aos lobos.

Passo as mãos em minhas têmporas, céus! O que está acontecendo


comigo? Nunca fiquei tão ligado por uma mulher antes.
Duas semanas depois

Ainda tem pipas por toda a parte no céu de Ipanema, percebo através

do retrovisor da minha moto, ao mesmo tempo em que tenho os braços de


Amora que circundam a minha cintura. Eu gosto da sensação de poder que
me cerca enquanto piloto a moto com ela colada em mim.

Com o entardecer, os pescadores já dividem espaço com as prostitutas

em Copacabana, paramos no semáforo e aproveito os segundos paralisados


para acariciar suas pequenas mãos macias, e ela retribui entrelaçando os
nossos dedos, pego-me sorrindo, meio bobo como um adolescente que vive o
primeiro amor, a diferença é que não sou adolescente, e não sei identificar o
meu sentimento por ela, mas definitivamente é a primeira vez que me sinto
assim.

No Leblon, os jogadores de vôlei já começam a agitar o torneio da


madrugada. As peculiaridades da orla carioca entre o horário comercial e a

aurora fazem do Rio de Janeiro a única cidade do mundo que poderia usar
como marketing em campanhas hoteleiras frases como: Há utilização das
praias vinte e quatro horas.

Ou, a praia que nunca dorme.

A combinação do poente, a vista para orla e o saxofone de um artista de


rua qualquer, faz Ipanema ter um encanto especial, a bossa nova ressoa e
sentindo a música penetrar o meu sistema, sinto-me quase um carioca da
gema que gosta de boemia.

Passamos próximo a galera praticando cooper e andando de bicicleta na

ciclovia, e nos quiosques há gente bebendo e dando boas gargalhadas.

Sentamos no calçadão do Arpoador, resolvi de última hora trazê-la para


um passeio, temos nos visto tão pouco nas últimas duas semanas que
passaram, hoje o silêncio do meu apartamento me incomodou, a liguei e

intimei a vir comigo, sem rumo, e ela veio, porque é tão inconsequente
quanto eu.

Nos entreolhamos e ela dá um sorriso tímido e um violeiro rouba a


atenção dela enquanto embala a noite dos demais enamorados, e tenho
Amora olhando para ele e cantarolando baixinho “o mundo é um moinho” o
acompanhando.

Ouça-me bem, amor

Preste atenção, o mundo é um moinho

Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho

Vai reduzir as ilusões a pó(...)

— Esta canção é tão linda. — Fecha os olhos a sentindo, tenho vontade


de trazê-la para os meus braços, mas ao mesmo tempo, eu gosto de vê-la
usando a minha jaqueta de couro com os cabelos voando desgrenhados pelo
vento que sopra as madeixas loiras em seu rosto bonito corado.

— Cartola sempre é tocante, mas, digamos que não é a melhor canção


para tocar ao redor de apaixonados. — Confesso e rimos.

Preste atenção, querida

De cada amor tu herdarás só o cinismo

Quando notares estás à beira do abismo

Abismo que cavaste com os teus pés(...)

— Esse trecho, lembra-me muito o jeito durão do meu pai de


aconselhar. — Fita as suas mãos. — Amanhã os meus pais viajam, ficarão
três meses fora do país, e não posso dizer que sentirei a falta deles, porque
mesmo presentes existe um abismo entre nós, simplesmente não me encaixo
no formato deles de amar, de demonstrar afeto ou preocupação.

— Eu sinto muito que se sinta assim.

— Eles dizem se preocupar com o meu futuro, os dois querem cada um


a sua maneira que eu corresponda ao futuro que sonharam para mim. Mamãe

me quer no balé, papai quer que eu case com quem ele julga ser merecedor de
carregar o nosso sobrenome. E no meio disso, tem eu, que nem mesmo sei o
que quero, a única certeza que possuo é você. Principalmente quando diz que
vou ser a mãe das suas filhas, eu sinto isso tão forte, é quase uma certeza que
isso realmente vai acontecer. Você sente isso, João, um futuro comigo?

— Eu não acredito em futuro, o futuro é o que estamos vivendo agora,


a última palavra que eu disse, já faz parte do passado. Então sim, eu vejo,
vivo e sinto um futuro contigo.

Levo as suas mãos aos meus lábios e deposito um beijo, a fragrância

doce e única do seu perfume deixo tudo mais autêntico, o batom rosa clarinho
nos lábios entregam que ainda não a beijei, e só não o fiz porque detesto o
clima sempre tenso em sua casa, Rodolfo Guedes realmente não me aceita, e
apesar de não falar nada, seus olhares dizem tudo, o quanto sou indesejado na

sua casa, na vida da sua filha.

— Essa é uma boa maneira de ver a vida — dá de ombros— apesar de


soar imediatista.

Toco o seu rosto colocando um punhado do seu cabelo para trás da


orelha, minhas mãos queimando de vontade de tocá-la.

— Imediatista? Minha doce bailarina dos olhos cor de uísque, o


amanhã pode nem mesmo chegar, o futuro é agora, o presente é agora e o
passado também.

— Eu gosto da forma como você sempre me dá uma nova perspectiva


sobre a vida, eu aprendo tanto contigo, João.

— Acredite, estando ao seu redor eu aprendo muito também,


principalmente sobre os meus sentimentos.

— Eu nunca senti por ninguém o que sinto por você, João.

— E esse é um sentimento bom? Preciso saber, porque tenho a mesma


sensação.
— Eu acho que é o que chamam de amor, porque eu penso em você,
em nós, a maior parte do dia, essas duas semanas em que só consegui te ver

aos fins de semana e de forma tão corrida, sem tempo para que tenhamos um
momento a sós, as nossas conversas banais que sempre são profundas, a dor
da saudade foi quase física. — Ela vem para os meus braços, deita a cabeça
em meu ombro e juntos vislumbramos a névoa da maresia que agora com o

anoitecer fica mais densa, o pôr do sol nas pedras do Arpoador é realmente
apaixonante como um dia cantou Cazuza.

— Eu te amo. — Testa as palavras, e não me assusto que elas saiam


com facilidade. Amora ergue a cabeça olhando-me, e repete demonstrando
que realmente é o que está em seu coração. — Eu te amo. É mais difícil
pensar sobre isso, falar é a parte mais fácil, acredite.

A declaração dela não me pega de surpresa, porque era assim que devia
ser, o armado era realmente ela me amar, mas ainda assim está aqui o meu

coração acelerado ouvindo o seu desabafo. Eu precisava ser o homem que a


toma, mas falhei nessa missão, fui o homem que a ensina, que fala sobre a
vida com a leveza que se divaga em uma mesa de bar, e ela se apaixonou, eu
me apaixonei.

Neste momento, tudo se mistura, a vingança, o meu coração, a dor de


pensar em perdê-la, e a fé de um futuro em que possamos estar juntos sem
planejamentos ou dor, vivendo apenas o imediatismo.
E com esse devaneio e ainda mergulhando em seu feitiço eu lhe digo:

— Eu também te amo.

Ela sorri e fica ainda mais linda soprando-me juras de amor, com
sinceridade, acrescento: — Não sei como ou quando, mas eu te amo.

E aqui começou a minha ruína. Porque assim como água e óleo não se
misturam, o amor e o ódio não são bons parceiros.
A Ilegítima

JOÃO

— É incrível, como apenas dez minutos olhando o mar e dando


beijinhos me fizeram bem. — Ela diz descendo da minha moto.

Olho para a frente da sua casa, a mansão de sua família possui mais de
800 metros quadrados, e seis andares, além de todos os bens que possuem,
que foram herdados e Rodolfo não usufrui, mas também não abre mão de
possuir.

— Eu precisava te ver, nem que fosse só um pouco.

— Não quer entrar e jantar conosco?

— Não, hoje é a despedida dos seus pais, e não quero causar incômodo,

seu pai não gosta de mim e respeito isso, hoje é o momento dele.

— Tudo bem, mas amanhã eu vou dormir na sua cobertura. — Provoca


passando as mãos nos botões da minha camisa social.

— Vai com toda certeza, ou eu levaria esse corpinho gostoso. —


Seguro a sua bunda, apalpando com vontade o jeans do seu shortinho curto
jeans, seu corpo cola ao meu e ela retira a minha jaqueta preta que a protegeu
do vento, sua regata fina deixa ver a textura dos seus piercings nos mamilos,
e a minha boca começa a aguar ao recordar que já fazem duas semanas que
não tenho essa obra de arte em meus lábios.

— Ei! O meu rosto está aqui em cima, amigão. — Zomba tirando a


minha atenção dos seus seios, dou um leve aperto nas duas polpas da sua
bunda e ela morde os lábios.

— Deixa-me olhar para onde quiser, sou um homem negligenciado.

— Tadinho.

— Não tenho piercings para pôr na boca, calcinhas de renda para


rasgar, boceta apertada para foder o quanto quero, estou muito abandonado.

— Também estou sofrendo, Patacho. Não tenho gominhos para


arranhar— arrasta suas unhas em meu peitoral— ou veias para tatear, e muito
menos— sussurra em meus ouvidos: — ou um pau gostoso entrando e
saindo de dentro de mim.

Deixo escapar um gemido, totalmente excitado, chupo o seu lábio e


beijo-a voraz, apertando a bunda durinha e trazendo o corpo quente para o
meu, ela por sua vez, levanta uma de suas pernas roçando o joelho em minha
coxa. Desespero nos tomando.

— Merda! Não tem nenhum ponto cego neste quintal para que a gente
possa entrar e dar uma rapidinha? — Falo ainda rente à sua boca.

— Não, não tem. — Seus olhos ainda estão fechados e a boca molhada
do nosso beijo.

As portas do portão se abrem e Rodolfo Guedes sai, em um roupão de

seda estampado em azul-marinho e chinelo de couro nos pés com uma visível
careta olhando diretamente para nós.

— Amora, entre! Está na hora do jantar. — Grita com as mãos nas


cadeiras.

Solto o ar preso em meus pulmões, incrédulo que o meu chefe veio no


portão buscar a sua filha das minhas garras, tão astuto.

— Então, até amanhã.

— Até. — Respondo entredentes.

Deixo-a ir, irritado, de pau duro e completamente frustrado vendo o


sorriso nos lábios de Rodolfo, ele pensa que ganhou, que Amora o escolheu,
mas o que talvez ele tenha esquecido é não precisa fazer barulho para causar

destruição, na minha calmaria, eu a farei se rebelar contra ele. E não vou


precisar mover muitas peças, Amora já possui uma relação conturbada com o
pai, quanto mais ele se colocar contra a nossa relação, mas a deles ficará por
um fio.

Do portão ela se vira para mim e acena, o semblante triste e abatido, ela
não é uma princesa, mas definitivamente precisa ser salva do jogo de
manipulação dos seus pais.
Os planos caminham bem, hoje Rodolfo finalmente viaja, deixando o
meu caminho com Amora um pouco mais livre, embora eu imagine que ele
vá redobrar a segurança ao redor dela.

Hoje também temos um coquetel para nomear Jonas como o CEO


interino, tudo está indo muito bem, excelente até demais.

Tenho Amora ao meu lado roubando-me um beijo no pescoço,


enquanto o seu pai pediu para ter um momento a sós com o meu irmão antes
da nomeação.

— Se comporte, o seu pai ainda não viajou para que possamos fazer a
festa. — Brinco retirando a sua mão boba da minha coxa.

Trago-a para dentro da minha sala e abaixo a persiana nos dando

privacidade, penso em trancar a porta e foder com ela em cima da minha


mesa, o que seria uma péssima ideia com o pai dela rondando a empresa em
seu último dia aqui, preciso controlar o meu pau.

Sento em minha cadeira e a tenho em meu colo, me pediu para trazê-la


hoje para a empresa de moto, para passarmos um tempo juntos já que o seu
ensaio hoje será somente à tarde, e eu não pensei duas vezes em furar com o
meu personal trainer para tê-la em minha garupa.
— Duas semanas presa na rotina insana de ensaios, hoje à noite você
não me escapa, João Patacho. — Sussurra em meus ouvidos e o meu corpo

traidor, se arrepia.

— E quem disse que eu quero escapar?

Sua boca cola na minha e antes que possamos aprofundar o beijo, o


meu celular toca, o nome de Jonas brilhando na tela, atendo-o desinteressado,

mas algo em seu tom de voz me faz ficar alarmado, eu conheço o meu irmão
e sei pelo seu timbre quando algo está errado.

— João, estou transtornado, Rodolfo acaba de me fazer uma revelação.


— Diz, no momento em que Amora rebola em meu colo, provocando-me e
encaixando a boceta em minha ereção, seguro um gemido lembrando de
Jonas e algum problema que precisamos resolver, mas é tudo confuso agora.

— Diga de uma vez. — Minha voz sai rouca, afinal, com a viagem
repentina de Rodolfo, todos estamos sobrecarregados, duas malditas semanas

sem sexo e estou quase grunhindo de necessidade de Amora que não facilita a
minha vida e agora rebola de um jeito lento nos encaixando e o meu pau
ficando cada vez mais duro...

— Rodolfo Guedes tem uma filha ilegítima.

— O quê? — O meu grito assusta Amora, que se levanta do meu colo


com a mão no peito, e as sobrancelhas franzidas, faço um sinal com o meu
indicador lhe pedindo um momento, e ela revira os olhos e sai da minha sala
resignada dizendo algo sobre arrumar um café. — Jonas, o que está me
dizendo?!

— Rodolfo Guedes acaba de me dizer que possui uma filha mais nova
que Amora, a garota tem dezenove anos, ou seja... — Corto-o completamente
afoito.

— Ela é fruto de uma traição. Que bomba.

— E não para por aí, a menina trabalha aqui na Guedes.

— Trabalha? Mas não tem mulheres no alto escalão da empresa. —


Reflito lembrando em todos do nosso convívio, no cargo de gerência para
cima não existem mulheres no comando.

— Exatamente. — Estala a língua. — Ela é do telemarketing.

— Assalariada? — Minha voz soa chocada e Jonas confirma. — Se eu

não estivesse sentado, teria caído.

— Eu sei, tive a mesma reação, irmão.

— Certo, o que faremos?

— Precisamos de informações da garota, estou indo agora tomar um


café da manhã para em seguida dar o meu discurso de posse do cargo de CEO
interino, apure o que conseguir para mim.
— Ok.

— O nome dela é Jasmine Cerqueira, e Rodolfo garantiu que ela não

sabe a respeito da paternidade, mas se tratando da raposa, não podemos


confiar.

— Certo.

Mal desligo o telefone e começo a tirar as minhas conclusões, mais


uma filha significa mais alguém para ter o poder na empresa quando
conseguirmos colocar Rodolfo Guedes na cadeia, é um risco muito grande,
precisamos nos aproximar dela, e provavelmente Jonas ou Cadu terão que
seduzi-la, conquistar a sua confiança, mesmo tendo menos tempo para se
preparar para isso.

Já estou digitando ávido pelo sistema de recursos humanos da empresa,


buscando os registros da menina quando Amora retorna para a minha sala
com um copo de café feito pela máquina na minha recepção, a olhando

lembro-me de sua fala semanas atrás sobre querer ter um irmão e achar bonita
a conexão, e a encaro com um sorriso simpático. Ela com toda certeza ficaria
feliz com a novidade. Uma irmã. Será que ela faria pouco caso por ser fruto
de uma traição?

— Você não para de trabalhar nunca? — Reclama vindo para o meu


colo. — Por que está me olhando assim?
— Assim como? — Tento relaxar a musculatura, mas ainda estou
assustado com a novidade.

— Com cara de bobo — faz uma careta e eu sorrio enquanto a assisto


assoprar o café no pequeno copo de isopor.

— Eu fico com cara de bobo sempre que estou perto de você, nunca
reparou? — Desconverso e roubo-lhe um selinho.

Eu ainda não sei o que fazer com os meus sentimentos, tenho


consciência do meu amor por ela, mas odeio o seu pai e tudo o que ele
representa na minha vida.

Eu não conseguiria nunca conviver com ele, assim como, não me vejo
mais sem Amora, porém ela ainda tem muita dependência emocional dos
pais, mesmo que eles sejam pais decadentes.

Pelos três toques na janela, já sei que é Cadu esperando-me na


recepção, ele não invadiria a minha sala mesmo tendo passe livre quando

estou com a persiana abaixada.

— Tenho que ir, te deixar trabalhar e talvez... — Morde o lóbulo da


minha orelha. — Comprar algo especial para a nossa noite.

— Assim eu não vou conseguir trabalhar.

Seguro a sua nuca e trazendo-a para mim, colo as nossas testas e beijo
todo o seu rosto, sua boca, pergunto-me internamente se quando ela souber
que só me aproximei porque fazia parte de um plano para derrubar a sua
família, ela irá me perdoar, se vai continuar me olhando com ternura, se ainda

vai querer preparar uma noite especial para nós dois.

— Eu te amo. — Sussurra despedindo-se, ouvir as suas juras de amor


me faz queimar, tanto de alegria quanto de dor.

— Se cuida.

— Diga que me ama, Patacho, preciso ouvir para ter um dia bom.

— Eu te amo, minha bailarina dos olhos de uísque. — Seu sorriso


ilumina todo o rosto e ela se levanta ajeitando a calça de cintura alta cor de
vinho, a seda da peça em contraste com a malha de sua blusa branca, levanta
do meu colo com a sandália de salto alto fino rangendo no chão e os cabelos
jogados para o lado parecem ainda mais brilhosos pela manhã. Linda.

— Peça ao Cadu para entrar.

Sopra um beijo para mim da porta e sorrio bobamente, já com saudade


de sentir o seu cheiro.

— Bom dia, senhorita Guedes. — Ouço a voz do meu amigo, próximo


a minha porta e Amora deve apenas ter acenado.

Assim que ele entra, passa a chave na porta e as mãos nos cabelos
escuros, pálido.

— Puta que pariu! Uma bastarda!


Recosto na cadeira, não chegamos à hora do almoço e já sinto a cabeça
latejar de dor, de cansaço mental.

— Pois é, o velho Guedes não para de surpreender.

— Conhecendo o Jonas, sei que ele não gosta de mulheres muito novas,
eu posso seduzi-la, se ela parecer com Amora, eu o farei com muito mais
empenho. — Gargalha e me mantenho sisudo. — Conte-me João, como é

foder aquela boceta aristocrata?

— Deixa de ser babaca, Cadu.

— Qual é?! Rodolfo é um merda, mas aparentemente ele fez algo


bonito que gosta de receber o pau de um sem-terra. — Gargalha e eu me
levanto.

— Sai da minha sala! — A voz sai mais alta do que pretendia, ele
arregala os olhos assustado e eu tenho as mãos fechadas em punhos. —
Preciso ligar para o Jonas, temos assuntos a tratar antes do discurso dele de

posse. — Acrescento.

— Está bem. Mantenha-me informado.

Assinto ainda irritado e ele sente a minha energia mudar, olha


novamente para mim parecendo incrédulo que eu não tenha achado graça de
suas falas desrespeitosas.

Bufo irritado e olho novamente para o meu computador que já possui


informações da menina no sistema, disco para Jonas que não demora a me
atender.

— Oi, João.

— Oi, Jonas. O que faremos com a ilegítima? Cadu se ofereceu para


casar-se com ela se for neces...

Ele me corta, na sua voz uma nota mais grossa que o habitual, ele está

nervoso, o meu irmão mais velho não suporta que nada saia do seu controle, e
esta definitivamente é uma situação de crise.

— Deixa o Cadu fora disto, João. Eu não o quero perto de nenhuma


das irmãs Guedes. Não podemos dar a ele este poder. Todas as ações serão
executadas por nós, os Patacho.

— O que pretende fazer? — pergunto, mas eu o conheço e sei que


talvez ele esteja em um conflito interno, pois nenhum de nós é dado a
relacionamentos, mas o Jonas é ainda mais difícil de lidar. Então, um

casamento nunca esteve em seus planos, mas as coisas mudam.

— Tudo o que eu puder, mas o fato é que preciso de mais informações


sobre a menina.

— Estou com os dados dela abertos na tela do meu computador.

— Ótimo! Estou passando pela recepção. Irei direto à sua sala para
averiguarmos — diz e ouço vozes e passos ao seu redor.

No sistema o login de Jasmine fica verde acusando que a menina deu


entrada na empresa, dou alguns cliques procurando-a pelo sistema.

— O crachá dela acaba de ser passado na catraca de acesso ao elevador

dois. Se está na recepção, dá uma corridinha que a alcança — Deduro e ele


desliga o celular de imediato para ir atrás da garota.

A encontro na câmera e a vejo ajeitar os cabelos... Cacheados. Jasmine


Cerqueira é negra. Amora tem uma irmã negra.

A câmera não possui som, mas eu vejo Jonas segurar a porta do


elevador e levar um susto ao vê-la assim como eu, não consigo ver o rosto da
menina por ela estar de costas, gostaria de saber se possui semelhanças com
Amora, e só consigo me perguntar qual seria a reação da minha bailarina ao
descobrir essa irmã.

Fecho a câmera rapidamente assim que um dos meus funcionários entra


em minha sala.

— Boa tarde, senhor! O discurso do seu irmão com as alterações que o

senhor pediu. — Balança o pedaço de papel. — Quer que eu leve para ele?

— Não precisa, eu mesmo o faço.

Levanto-me e ajeito as minhas abotoaduras, estou em um terno


tradicional hoje, já que sairemos todos os diretores na fotografia que
anunciará meu irmão como o CEO interino.

Essa conquista não é só de Jonas, mas também minha e de Cadu, que o


ajudamos com trabalho duro a entrar na empresa e se destacar, o plano
sempre foi que ele fosse muito próximo a Rodolfo para colher provas contra
ele enquanto Cadu consegue mexer nos processos que beneficiam o nosso

povo e eu conquisto Amora para que consigamos ter poder supremo após a
prisão de Rodolfo. O plano parece perfeito, até aparecer essa filha ilegítima, e
até eu nutrir sentimentos por Amora.

— Filipa?! Realmente o dia não para de surpreender. — Falo ao ver a


mulher de cabelos azuis entrando na minha sala.

— Ei, Jô... — Reviro os olhos, detesto apelidos e ela sabe disso, chama
só para me irritar. — Posso? — Aponta para a cadeira a minha frente e aceno
positivamente.

— Filipa, estou em um dia de merda, então por favor, seja breve.

— Ei, tudo bem. Calma.

Ela levanta e dá a volta na mesa, começa a massagear os meus ombros


e resmungo sentindo dor nos primeiros toques.

— Tudo duro, você realmente devia procurar um massagista semanal,


essa coluna tensa ainda vai te matar, João.

— Estou bem, não tenho tempo para estas besteiras.


— Assim como a psicóloga, a minha amiga disse que você só foi em
uma sessão e não voltou mais.

— Filipa... — Corta-me.

— Já sei, dia de merda. — Fala bufando e continua seu trabalho em


minhas costas. — Só vim me desculpar pelos últimos acontecimentos, eu
fiquei com ciúmes, sabe, você é meu amigo e eu temo perder a sua atenção,

me comportei mal e quero, de verdade me desculpar, eu sou taurina, o ciúme


me rege.

Rio da sua constatação, e ela retira as mãos do meu ombro, dá a volta


na mesa e senta à minha frente.

— Eu só queria dizer que sinto a sua falta, da sua amizade.

— Estou namorando com a Amora. — Digo de uma vez e vejo os seus


lábios entreabrirem, em completo e nítido choque.

— Você sempre foi tão frio com mulheres, João. Bem, enfim,

parabéns?

Meneio a cabeça e sorrio.

— Eu realmente estou gostando de Amora, ela é a minha namorada e


você a minha amiga, não quero que sejam melhores amigas, mas exijo
respeito de ambas as partes.

— Está certo, entendi

— Obrigado por refletir sobre as suas atitudes.


Ela parece ainda surpresa com a notícia, e sai da minha sala um tanto
abalada, mas não estou com saco para lidar com esse tipo de drama, não após

tanta coisa acontecer ao meu redor.


A Dança

AMORA

Faço a posição da borboletinha que aprendi ainda quando era baby


class, sentada puxo os braços para alongar na frente, sem curvar o meu

tronco, inclinado mantendo o alinhamento da minha coluna, puxo o ar, relaxo


o braço, ombro para baixo, abdômen ativo, e começo a alongar. Preocupo-me
me manter o pescoço alongado olhando levemente para baixo, nem muito
para baixo muito menos para cima.

— O que está fazendo? — A voz da amiga de João quebra a minha


concentração.

— Alongando, cuidando dos meus músculos para suportarem as mais


de oito horas de ensaio que lidarão hoje.

— Uau! Isso parece doloroso. — Diz, apesar dos meus olhos fechados,
sinto os seus passos próximos a mim. — Hoje eu vi o João.

— Que bom pra você. — Respondo seca.

Tento contar os trinta segundos mentalmente, focar no meu exercício,


mas imaginar os dois juntos me deixa dispersa, afinal ele sempre disse que eu
não fazia o seu tipo, e sempre foi amigo dela. Mas, tiro esse pensamento da
minha cabeça, porque se ele está comigo é porque ele escolheu.

— Prometo que vou pegar leve, mas aviso de antemão, tenho o humor

ácido.

Fico em completo silêncio. 1,2,3,4...

— Você não me parece ter marcas pelo corpo, então o João não pratica

o sadomasoquismo contigo, é uma pena, o lado dominador dele é incrível.

João nunca me falou sobre nada disso. Abro os meus olhos, e a encaro,
ela está sorrindo.

— Você tinha que ver a sua cara, sério! — Gargalha e relaxo um


pouco.

Desfaço a posição e estico as pernas enquanto apoio a coluna na


parede, e ela vem e senta ao meu lado no chão. Seus coturnos marron
estirados no chão ao lado dos meus pés protegidos com a sapatilha de ponta,

uso uma meia-calça branca enquanto Filipa tem as pernas expostas,


totalmente tatuada, alguns desenhos reconheço, estão expostos na parede da
sala de João.

— Ele não faz essas coisas, né?

— João?! — Ri — Não, eu só queria ter a sua atenção. Desculpa, pela


forma com te tratei, eu estava, na verdade, ainda estou morrendo de ciúmes.

— Ciúmes de amiga ou de amante?


— Escuta, nós transamos sim algumas vezes. — Minha respiração
paralisa um pouco com a admissão, mesmo que fosse óbvio. — Mas, somos

amigos, e eu nunca tive sentimentos amorosos com ele, e acredito que ele
também não nutriu nada disso por mim, era amizade e um pega o outro de
diversão, apenas isso.

— Certo.

— Mas quero que saiba, eu respeito a relação de vocês, vou me afastar


porque sei que nesse primeiro momento vocês dois precisam se conhecer, e
forçar uma barra com a minha presença não é algo legal.

— Obrigada por vir me falar essas coisas.

— O João é um cara muito legal, com um passado muito fodido, cuida


bem dele, tá?

Assinto e a assisto se levantar e sair da sala, creio que a menção do


passado dele se deva a morte dos pais, o que ele é totalmente fechado a me

contar.

E me pergunto internamente se algum dia, ele vai me contar a respeito.

Ainda sem carro, sou obrigada a pegar um táxi para casa, está bem
próximo do horário que os meus pais precisam sair para o aeroporto, como
sempre a aula de balé levou mais tempo que o premeditado.

Abro a porta do veículo amarelo, estamos a poucas ruas da minha casa


então oriento o taxista fazendo uma careta quando me sento no banco
traseiro. O corpo inteiro dolorido. Eu amo dançar, também gosto do balé, mas

essa busca incessante pelo movimento perfeito está me torturando,


principalmente porque já são mais de vinte anos nessa busca, eu quero apenas
dançar, me expressar, me achar sensual, sem me preocupar com perfeição.

Estou farta de falhar, a todo momento eu quero ser a filha perfeita, a

bailarina perfeita, a mentirosa perfeita, mas hoje, nada mais faz sentido,
porque eu estou falhando em absolutamente tudo e me machucando junto de
todos a minha volta.

Tiro um punhado de dinheiro da minha carteira e entrego um pouco a


mais do exigido pelo taxímetro ao homem de cabeça branca que me dá um
sorriso simpático. Minha mãe diz que a dança é a minha missão, e eu até
concordo, entretanto, sinto que não é só isso, há algo maior dentro de mim,
mas não sei o que é.

Desço do táxi e dou uma corridinha para dentro da casa, meus pais
discutem sobre algo na sala, sequer percebem a minha presença.

— Eu já fiz a sua vontade, agora me dê paz, Amélia! — Ele se exalta e


ela parece disposta a retrucar, mas então seus olhos cruzam com os meus.

— Até que enfim, Amora. Já estamos de partida.

— Levei mais tempo do que pretendia, perdoem o atraso. — Caminho


até ela e a beijo na bochecha. — Façam boa viagem, avisem-me quando
chegarem.

— Se cuida, não esquece de se hidratar, alongar e trabalhar bem a sua


força muscular, não se atrase ou falte as aulas, respeite a sua dieta e durma
bem. — Enumera enquanto vasculha por algo em sua bolsa, penso que vá me
entregar o terço que era de sua mãe e ela acredita que seja para proteção. —

Aqui, achei, minha manteiga de cacau, meus lábios secos estão me matando.
— Diz, e desapontada, porém, nem um pouco surpresa, mudo o olhar para o
meu pai.

— Filha, qualquer coisa me liga, saiba que a sua segurança será


redobrada. — Tira do bolso a chave do meu carro e a balança em minha
frente. — Não a quero andando de táxi, e muito menos sem proteção. Use
com sabedoria.

Pego a chave em sua mão e dou-lhe um abraço de urso.

— Obrigada, papai.

— Não faça nada que possa se arrepender.

— Certo. — Recebo seu beijo em minha testa e nos desvencilhamos.

— Vamos, Amélia.

— Fica com Deus, querida. — Mamãe fala enquanto passa por mim, e
os dois saem de casa de mãos dadas, como se não estivessem discutindo de
forma acalorada ainda há pouco.

Suspiro resignada, e olho o celular, nele possui uma mensagem de

João, desmarcando o jantar de hoje devido uma reunião de emergência no


trabalho, e já que terei a noite só para mim, penso em ter o meu momento de
paz.

JOÃO

— Olha quem finalmente chegou! — Cadu avisa sorridente apontando


para mim.

Acabei de chegar na boate no Leblon, lugar onde meu irmão e Cadu

decidiram usar para conversarmos a respeito do andamento dos nossos


planos, a garçonete traz a bebida dos dois em sua lingerie provocante
fazendo-me lembrar que tive de abrir mão da minha noite com Amora para
vir ficar com esses dois.

— Demorou, irmão — Jonas reclama e olho ao redor, o ambiente pela


primeira vez me incomodando.
— Uma taça de vinho tinto, por favor. O melhor que tiver — peço à
garçonete, e, por fim, me sento ao lado de Cadu, que se ajeita me dando

espaço no pequeno sofá de canto com a luz precária. — Faço o meu melhor,
irmão. Amora, agora que os pais foram viajar, está como imaginamos, mais
carente.

Entrego, porém acabo omitindo que eu estava preparando um jantar

para nós dois essa noite, quase gemo em frustração ao pensar na noite
incrível que deixei de lado para estar aqui.

— Certo. Tomar uma bebida com a gente e foder com uma destas
mulheres te fará bem — incentiva Jonas e desafrouxo a minha gravata, fico
irritado com a sua ideia, ele está me testando, já sentiu que algo mudou
dentro de mim, e quer saber até que ponto estou disposto a continuar com a
nossa vingança, mas não posso lhe responder algo que ainda não está claro
dentro de mim, coço a testa num gesto de impaciência.

— Não estou a fim, Jonas. Estou exausto! — retruco e Cadu cai na


gargalhada.

— Fala sério, Jonas, o cara tem Amora Guedes na cama, que outra
mulher mais ele pode querer? — Cadu tira sarro ao mesmo tempo em que dá
tapinhas no meu ombro, e lhe devolvo uma olhadela bem mal-humorada, a
cada dia que passa detesto mais as suas piadas.

— João, você sabe que...


Corto a bronca de Jonas, já estou por um fio aqui:

— Sim, Jonas, eu sei. Vamos apenas curtir a noite, ok? Já temos cargas

demais sobre as nossas costas. Então, pelo menos aqui, ajam como homens
normais — irrito-me e o vejo engolir suas palavras junto do gole que dá em
seu uísque.

Quando o meu vinho é servido, percebo o quanto Jonas me avalia. Ele é

astuto, já percebeu que as coisas fugiram do seu controle até mesmo a


descoberta dessa filha ilegítima é algo que atrasa os nossos planos e sinto-me
cada dia mais com a necessidade de seguir com a vida, dar fim a todo o ódio
e amargura que possuo, tentar conquistar Amora lhe mostrando como era a
minha vida antes da devastação causada por seu pai.

Só quero prender Rodolfo Guedes e ficar logo livre, o imediatismo


grita em meus sistemas, e essa irmã de Amora à essa altura do campeonato,
só irá nos atrasar.

— E como foi o encontro com a ilegítima? — Pergunto quase soando


desesperado.

— Mais difícil do que eu previa. Terei de ser bem mais ardiloso.

— Qual é, Jonas? O detetive, em 24 horas, descobriu que a menina era


organizadora de Saraus na comunidade e só neste ano já foi em vários
tributos à Bossa Nova. Estamos lidando com uma adolescente, romântica e
provavelmente virgem. Você só tem que ser o príncipe dos Contos de Fada
que a levará no bico — Cadu sugere e eu sorrio sarcástico, aproveitando o
ensejo para fazer a nossa zoeira de brother.

— Esse é o problema, Cadu. Você já imaginou o Jonas agindo como


um príncipe? Ele é o cara mais gelado que conhecemos.

Ambos gargalhamos olhando para Jonas que apenas volta a golear o


uísque sem nos dar importância.

— Ótima sugestão, Cadu. Preciso me aprofundar nos gostos dela. —


Ele diz.

— Quero só ver Jonas Patacho, Coração Gelado[3], todo derretido por


uma virgem — Cadu tira sarro e beberica sua bebida.

Eu apenas sorrio, o meu irmão é mais fechado do que eu, introvertido,


mas definitivamente essa menina não tem chance, temos boa aparência, e na
adolescência tivemos a nossa boa dose de mulheres em nossa cama.

— Isto nunca irá acontecer. — Jonas decreta parecendo raivoso.

E entendo o seu temperamento. Odiamos o pai dessas meninas e toda a


covardia que ele fez a nossa família, ao nosso povo. Mas, ao se tratar de
manipulação de pessoas, tudo muda de figura.

— Não subestime as virgens, Jonas. A última com a qual me relacionei


me fez chorar de fazer beicinho. — Cadu faz um bico dramatizando para nos
dar uma ideia da cena de seu choro e faz com que tanto eu quanto meu irmão
caíamos na gargalhada.

— Cadu, ao contrário de mim, você é muito sensível — respondo, e ele

dá de ombros.

O meu vinho é servido e dou uma golada, deixando o álcool entrar em


meu sistema, dia de merda, noite pior ainda. Cadu olha ao redor, decerto
procurando por alguma mulher que o agrade.

Lembro-me do relatório enviado pelo detetive que dizia que a filha


ilegítima de Rodolfo mora em uma favela, me pareceu jovem demais, e só
consigo me perguntar se Amora ou a mãe sabem da existência dessa garota e
ignoram ou se ela é realmente o segredinho de Rodolfo.

— Irmão, cuidado. Ela parece ser uma boa menina. O fato dela morar
em uma comunidade demonstra que cresceu longe de toda aquela sujeira. —
Confesso.

— Preciso averiguar as informações, João. Para mim, é muito

contraditório que ela seja filha do Rodolfo e viva em condições precárias.


Algo não se encaixa. — Jonas entrega e me mantenho pensativo sobre este
quebra-cabeça, o observo tomar outro gole do seu uísque. — A mãe dela é,
no mínimo, uma interesseira. Por isto se envolveu e engravidou de um
homem casado da alta sociedade. Então, por que não tirou proveito? Por que
aceitar que a filha, sendo uma das herdeiras de Rodolfo, trabalhe em um dos
cargos de menor salário da empresa? Preciso ganhar espaço com Jasmine
para entender que tipo de arranjo foi feito.

— E como pretende fazer isto já que a menina se mostrou relutante? —

Pergunto, e ele vislumbra as mulheres ao redor, deixando-me sem respostas.

— Uau, olha que gracinha no palco! — Cadu alerta — Piercing nos


mamilos, essa é novidade. — Com a sua fala quase deixo o vinho em meu
copo cair em minha roupa.

Olho para o palco e lá está a mulher misteriosa, que eu julgava ser


Filipa ou uma de suas amigas, a peruca rosa, a máscara preta rendada lhe
tampando todo o rosto, e dessa vez uma blusa transparente que mostra
parcialmente os seus seios, mas reluzem ambos os piercings prateados
idênticos aos de Amora, por conta do jogo de luzes não dá para ver com
nitidez a cor de seu mamilo.

Levanto-me completamente insano.

— João, aonde vai?

— Deixe-o, deve ter encontrado algum mulher atraente.

Desligo-me da conversa entre os dois com a meta de sair do lugar mais


reservado que Cadu nos reservou, abandono o enorme sofá — meia lua — e a
minha vista dói quando saio da parca iluminação que sai de um pendente
sobre a mesinha de madeira que fica no centro, para a parte mais “badalada”
da boate onde as luzes são em maior quantidade.

Aproximo-me do palco, e vejo a mulher que semanas atrás paguei para


dançar somente para mim, em meu colo, e eu mesmo de máscara e peruca, eu
agora conheço esse corpo até do avesso, já toquei, melei, medi com as mãos

cada parte dela, a reconheceria até em um lugar mais escuro que este.

Agora tudo faz sentido, por isso a dançarina só aceitou dançar para
mim, porque ela já me conhecia.

E agora faz sentindo o desabafo de Amora, o motivo pelo qual ela falou

baixinho:

“— E, se eu gostar de um estilo de dança que os meus pais nunca se


orgulhariam. — Devaneia em um fio de voz. — Sinto-me em um precipício, e
que viverei eternamente lutando para sair dele.”

Porque de fato, Rodolfo e Amélia nunca aceitariam vê-la dançando tão


exposta se já a repudiaram por dançar balé contemporâneo ao invés do
clássico, imagina dançar algo tão sensual.

No entanto, eu fico embasbacado vendo-a dançar em cima de um salto

fino tão alto me soa perigoso, entretanto a segurança com a qual ela se
movimenta me faz relaxar, com uma legging preta justa as pernas finas e
definidas, a forma como movimenta o seu corpo ao som do rap “All the time”
tão flexível, o jeito que se acaricia, a forma como se aceita no palco é lindo,
apesar dos mamilos à mostra, não é vulgar, eles não são os protagonistas, são
mero detalhe, ela brilha, é pura arte.
Sorrio bobamente, e por mais que eu saiba que existe uma multidão de
homens olhando e desejando, essa mulher é minha.

Seu olhar encontra o meu no momento em que a música acaba, e ela


paralisa me olhando enquanto a multidão explode em aplausos, seus lábios
entreabertos em completo choque, ela se deu conta que agora eu sei do seu
segredinho sujo.

Sorrio genuinamente e a aplaudo, sua barriga exposta pela


transparência da blusa sobe e desce profundamente denunciando a sua
respiração ofegante após a apresentação, mas ao passo que a aplaudo, seus
ombros relaxam, ela se curva no palco agradecendo os aplausos e sai em
seguida.

Apresso-me indo em direção ao segurança que me nega a entrada.

— Eu sou amigo do dono daqui. — Esbravejo, mas o cara não amolece.


— Chama aí o Sérgio.

— Nada feito, rapaz. A regra é dia de casa cheia, só entra para a área
privativa com agendamento prévio.

Rosno insatisfeito e caminho para fora da boate que hoje está lotada,
esbarro nas pessoas, o lugar tem um jogo de luzes que prejudica a minha
visão, empurro um corpo a minha frente e ouço o cara me xingar, antes de
sair tem a fila da comanda, e fico irritado, o tempo contra mim.
A Promessa

AMORA

Entro no meu condomínio ainda assusta, tiro as mãos do volante com o


carro ainda em movimento enquanto tiro a lace cor de rosa, deixo o cabelo

preso na redinha, e jogo os fios rosa no banco do carona ao lado da máscara


preta rendada.

Aperto o controle do portão automático de casa, piso descalça no


acelerados já que tirei os saltos finos para conseguir dirigir, e assim que
ultrapasso para dentro do quintal, a moto de João emparelha ao lado da porta
do motorista do meu carro.

Puta merda.

Meu coração tamborila no peito, eu realmente fui pega, ele vai

certamente terminar comigo.

Dá dois toque no vidro do carro, e não me resta outra alternativa a não


ser encarar a verdade, que eu menti, ou melhor, omiti por todo esse tempo
que eu era a dançarina sensual, uma brincadeira que começou com a função
de me tirar do tédio de voltar a morar no Brasil sendo controlada por meus
pais e virou uma paixão desenfreada.

Abro a porta do carro e desço, sinto a grama gelada abaixo dos meus
pés descalços, quase não consigo ouvi-lo sobre o som de toda a minha
respiração ofegante, não quero perdê-lo. Não quero parar de dançar. Não
quero viver sem o João. Mas não quero virar a minha mãe que abriu mão do
amor pela dança por um homem e vive amargamente dia após dia a dor dessa

escolha.

Nos encaramos e engulo a seco, ele me olha de cima a baixo

completamente impassível, e os meus olhos pesam tentando conter as


lágrimas.

— Amora... — Diz, ainda olhando para o meu corpo, ele também


respira com dificuldade.

— João, eu preciso te explicar. — Corta-me e coloca o seu indicador


calando-me os lábios.

— Eu gosto de mistérios, mas a partir de hoje eu quero fazer parte, se é


o que te faz feliz, então me mande mensagens anônimas e me leve com você,

quero sempre ser o primeiro da plateia.

Uma lágrima cai dos meus olhos, descrente, é totalmente fora da curva
o seu apoio, a forma como não me julga e mesmo que eu não tenha dito nada,
ele entende que é o que me faz feliz.

— Agora, vamos entrar, e eu vou tirar a sua roupa, e você vai provar
que é minha, mesmo diante de uma multidão, você só dança para mim.

Agarro o seu pescoço e ele se agacha pegando as minhas coxas, me


colocando em seu colo e nos leva para o interior da casa assim grudados.

É algo que eu nunca senti na vida, eu sinto que o pertenço porque João

me aceita e se orgulha de quem eu sou, não julga ou me faz escolher, eu


posso ter ele e ainda assim ter todo o resto que me faz feliz, e eu não sabia
que o amor pode ser assim.

Assim que fecha a porta do meu quarto, sussurra em meu ouvido: —

Esse vai ser o nosso segredinho sujo.

Sorrio e o beijo com verdadeira paixão, ele despeja as minhas pernas no


chão, ele tira a pequena rede do meu cabelo fazendo com que meus fios loiros
caiam feito cascata pelo meu ombro e João os venera. Tateio o seu rosto com
as minhas mãos, sentindo a aspereza da sua barba por fazer, seu olhar azul-
cintilante cravado em mim.

— Minha doce bailarina, minha dançarina sensual, eu amo todas as


suas versões, porra! — Seu hálito quente move os fios do meu cabelo, isso é

tão bom, nós dois juntos, minhas pálpebras tremem.

— Meu homem de negócios, meu motoqueiro inconsequente, meu


desenhista sensível e talentoso, eu amo todas as suas versões.

Nossas bocas se fundem, consomem, João mordisca a carne do meu


lábio inferior, coloca a mão em minha barriga descendo lentamente para
dentro da minha legging avançando para o V entre as minhas pernas.

Seus beijos vacilam quando encontra o meu clitóris e o massageia


lentamente, com delicadeza, pega um pouco de lubrificação da minha entrada
e retorna para o meu clitóris, ele suspira e uso a folga para deixar os meus

gemidos ecoarem no quarto. Ele morde o meu lábio inferior e sorrindo puxa-
me para ele.

A sua mão grande massageia a minha boceta enquanto a outra sai do


meu rosto para agarrar e medir o meu peito.

— João. — Eu gemo.

— Duas malditas semanas sem tomar o meu uísque favorito. — Diz,


fazendo referência ao meu olhar. — Não se pode acostumar uma pessoa com
algo bom e tirar assim na marra.

— Eu sou sua, tome, pega pra você.

Ele retira a minha blusa subindo o tecido, ergo os braços para ajudá-lo,
mordisca, morde e chupa o meu pescoço, os meus ombros, enquanto
permanece amassando os meus seios, quase não consigo manter os olhos

abertos, bêbada de tanto desejo.

— Eu posso chupar o quanto quiser, porque essa obra de arte é minha.


— Diz, tateando os meus piercings que são o objeto de veneração dele.

— Sim, é seu.

Encontro a sua ereção através da calça social e a massageio lentamente.

— E essa obra de arte aqui, é minha.

— Porra, sim.
Seus dedos deslizam sob a cintura da minha calça e sinto-o puxá-la
para baixo levando a minha calcinha no processo, seguro os seus cabelos

enquanto ele puxa a minha perna para o lado e beija molhado a minha boceta,
envolve o braço sob a minha coxa esquerda e me segura enquanto eu arqueio
e me contorço, gemendo duramente enquanto sua língua rígida faz loucura
em meu clitóris.

Minha barriga sobe e desce, reviro os quadris em seus dois dedos que
agora me penetram, eu tremo, a respiração curta e rasa, os dedos dos pés
revirando, está tão perto, tão perto.

— Ah! Meu Deus! — Digo prestes a chorar, as lágrimas caem e só


consigo sentir, tudo de uma vez, o orgasmo me atinge como um caminhão
descompensado, estou totalmente fora de mim.

— Diga-me, como você quer ser fodida, hoje? Na cama como uma boa
garota ou de pé, com a cara colada a parede como uma garota má que sai

escondida na madrugada para ir a um puteiro, diga-me?!

Giro colando a minha frente na parede e virando a minha bunda para


ele que rosna e dispara dois tapas ardidos que me fazem gemer, fecho os
olhos enquanto ele molha o seu pau com a saliva e reabro quando ele começa
a encaixar a carne dura e pulsante dentro de mim.

Segura os meus cabelos em um rabo de cavalo e vira o meu rosto para o


espelho em minha penteadeira, e lá eu me vejo completamente nua, pequena
e João com o seu um metro e oitenta de muitos músculos por trás de mim,
totalmente vestido, com a calça aberta cavando fundo o seu pau em mim,

segurando os meus cabelos e literalmente me montando, insano, a fúria


estampada em seu rosto, o suor em sua testa, a forma viril que a sua pelve
soca a minha, e a sensação deliciosa que é tê-lo enterrado até as bolas.

— Que gostoso, João, não pare. — Agarro a sua cintura com uma das

minhas mãos cravando as minhas unhas nele. — Não pare. Não pare.

— Porra, Amora — murmura jogando a cabeça para trás — porra.

Sinto a minha boceta contrair, mais um orgasmo me acertando, meu


corpo tensiona e estremeço, solto um grito e João rosna atrás de mim
aumentando o seu ritmo, entra de novo, e de novo, e de novo, e fecha os
olhos se amparando a parede que meu rosto está colando, urrando e me
enchendo com o seu sêmen.

— Nós vamos fazer isso a noite inteira.

Dá o seu veredito e eu sorrio cúmplice.

Dormimos após a nossa terceira transa, um pouco mais contidos, na


minha cama que rangeu pela falta de costume de receber esse tipo de
tratamento. Acordei com o grito dolorido de João, acendo a luz do abajur e o
meu namorado está ao meu lado tendo novamente um pesadelo, seu rosto está

suado, corado, ele segura os lençóis de forma brusca, e novamente grita.

— Não! Eu vou te matar, seu desgraçado e ninguém nunca vai saber


que fui eu.

Seu rosto se transforma, fica quase irreconhecível tomado pela ira,

engulo a seco um pouco assustada e tento sacolejar o seu corpo nu.

— João, volte para mim, é só um pesadelo, meu amor. — Falo por três
vezes e consigo que ele abra os olhos, e quando o faz as lágrimas caem, e me
rasga o peito vê-lo sofrer.

— Quem é a pessoa a quem você faz juras de morte em seu sonho,


João? Conversa comigo, meu amor. — Peço e ele se levanta da cama indo
para o banheiro da minha suíte, bate a porta aplicando muita força e me
levanto indo até ele.

No banheiro ele apoia as mãos na pia e olha para o chão, ainda tenta
acalmar o seu próprio corpo. Vou até ele e abro a bica, deixo a água jorrar e
molho a minha mão passando em sua testa, tirando o suor.

— Eu odeio te ver sofrer, meu amor, quem é a pessoa que te causou


tanta dor?

— Eu não quero falar disso. Não insista. — Fala ríspido.

Passo por baixo dos seus braços e me enfio por entre ele e o mármore,
sentindo a sua pele quente na minha, nós dois nus. Ergo o seu rosto e o forço
a olhar para mim, os seus olhos estão vermelhos e marejados. Dor.

— Tem a ver com a morte dos seus pais?

— Não ouse falar dos meus pais, Amora. — Grita e me assusto.

— João, calma.

— Eu já te disse que não quero falar sobre isso, mas que merda! Se

você quer mais sexo essa não é a hora.

— Não seja babaca comigo, você não é assim, você não é isso, está
machucado e quer me ferir, mas eu não vou deixar. — Falo e ele me abraça
em seguida, circundo a sua cintura abraçando-o de volta.

— Eu vi tudo. — Ele diz ainda me abraçando, não me permitindo ver o


seu rosto, apenas sinto o seu peitoral vibrar com um soluço profundo. — Eu
vi cada uma das trinta facadas que o meu pai levou, eu assisti tudo, eu estava
escondido, ele me escondeu na mata, ele me salvou e eu não pude salvá-lo.

— João... — As lágrimas molham o meu rosto e ele me segura firme,


quase não consigo respirar, mas deixo que tenha o seu momento.

— Ele me fez jurar que não ia interferir, então fiquei quieto, escondido
vendo tudo. Covarde.

— Não, você era uma criança, meu amor, uma criança assustada.

— As pessoas procuraram o corpo do meu pai por dias, e eu sabia onde


estava, mas não falei, eu tinha fé que se eu não os levasse lá, isso podia ter
sido um devaneio, minha cabeça que imaginou tudo. Ele fedia quando foi

encontrado, e a culpa foi minha.

— Não, não foi. — Minha voz sai em um fio. — Quem o matou, está
preso?

— Nunca foi preso.

Ele por fim me solta, molha o rosto e fala saindo do banheiro: — mas

ele vai ser preso e eu vou destruí-lo, nem que seja a última coisa que eu faço
na vida.

Suas palavras me causam um calafrio, e ele sai do banheiro deixando-


me só.
O Pedido

JOÃO

Passei o resto da noite em claro, olho através da janela do quarto de


Amora, o sol nascendo, quero tirá-la daqui e levá-la para a minha casa, mas

ela dorme colada em meu peitoral dando respiradas tão profundas, que não
consigo acordá-la.

Eu já não suporto estes pesadelos, mas tenho certeza que no dia em que
tudo se concretizar eu nunca mais vou tê-los, é como se os meus pais
surgissem em sonho para me lembrar com constância o que realmente
importa.

E amar a filha do homem que mandou matar os meus pais


definitivamente não é algo que importa.

— Bom dia, amor. — Sua voz soa ainda rouca após o sono, com as

minhas divagações não a percebi acordar.

— Bom dia. — Respondo um pouco ríspido, ainda estou confuso.

— João, eu quero agradecer por ter dividido comigo uma parte tão
delicada da sua vida, imagino o quanto deve ser difícil lidar com essa dor. —
Beija o meu peitoral, e ergue a cabeça olhando-me, o rosto ainda amassado,
os cabelos desgrenhados, linda. — E quero também agradecer por não me
julgar, às vezes eu acho que você nasceu para ser meu, e nas outras vezes, eu

tenho certeza. — Sorri e levo a minha mão ao seu rosto pequeno, como um
filhotinho ela esgueira para receber mais do meu afago.

Olho para o seu pescoço e vejo o pequeno colar com o símbolo da sua
família, e lembro do meu pai morto, a raiva me engolfa, é o momento crucial,
preciso me casar com Amora, para deter a sua porcentagem na empresa, vou

sugerir, com sutileza, tenho pressa, quero seguir a minha vida.

— Eu não quero ter você só quando os seus pais permitirem. — Digo


de uma vez e a vejo respirar fundo. — Eles são uma rocha entre nós.

— Eu sei, João, mas é que até que eu tenha a minha independência


financeira... — Corto-a.

— Case-se comigo. — Seus lábios entreabrem surpresos. — Quando o


seu pai chegar, vamos dar entrada no processo civil, você mora na minha
cobertura comigo.

— Você realmente quer isso, João? Porque, pode parecer


inconsequente, mas eu quero. Realmente quero ser sua para sempre, eu sei
que nunca mais vou construir com alguém o que nós temos desde um
primeiro momento.

— Eu quero. — Sorrio, pego a sua mão direita e beijo o dedo anelar. —


Cuidarei que tenha um anel meu nesse dedo, e cuidarei mais ainda que não
ele não demore a trocar de mão.
— Eu te amo, João.

— Eu te amo, Amora.

Alguns dias depois

Jonas entra em sua sala, onde jogo sinuca com Cadu, meu irmão possui
uma mesa em sua mansão, além de tomarmos uísque, na nossa noite de caras,
decidi vim após dias com Amora em meu sistema, dormindo juntos, vendo
filmes, fodendo, ouvindo a sua risada e lhe roubando beijos.

— Não atendeu o telefone. Fiquei preocupado, irmão. — Falo, ao ver


seu semblante surpreso, realmente não tenho sido presente.

— Estava ocupado, João.

— Ocupado com a ilegítima? — Cadu pergunta fazendo uma jogada


onde, por pouco, não encaçapa a bola branca, assim se suicidando no jogo.

Todos soltamos um "Uhhh".

— Sim. Eu estava com a Jasmine.

Ambos percebemos o desconforto do meu irmão ao chamá-la de


ilegítima, algo está mudando.

— E então? — Cadu se interessa enquanto Jonas abre uma garrafa de


uísque e se serve, fico calado observando o meu irmão, ele está inquieto, algo
está o incomodando.

— Tudo indo conforme o planejado. É só o que precisam saber —

informa e Cadu sorri com um charuto cubano na boca.

— Jonããão, nos conte como é o fogo daquela coisinha linda. —


Pressiona o nosso amigo, percebendo também que há algo errado, esse é o
modo Cadu de tentar tirar o que precisa.

— Cadu, você é detestável — devolve Jonas e ele gargalha.

— Dei a cartada final — digo recebendo a atenção dos dois — Disse a


Amora que a quero o quanto antes como minha esposa e ela aceitou.
Aguardaremos os pais dela voltarem de viagem para darmos entrada nos
papéis do casamento no civil.

Jonas se joga no sofá, sua reação indiferente não é a que eu esperava.

— Precisamos fazer com que Amora e Jasmine se conheçam. Plantar


na mente de Amora que Jasmine possa ser sua irmã.

— Acho arriscado, Jonas — eu alerto. — Jasmine só precisa saber do


poder que tem nas mãos quando confiar sua vida a você. — E, em seguida,
arregalo os olhos, ele já está neste ponto com a menina? — Você já a
conquistou a este ponto? — pergunto na cara dura.

— É questão de tempo. Pouquíssimo tempo, meu irmão.

Se levanta do sofá, dá a última golada no uísque, e, após a minha


jogada em que faço Cadu perder, Jonas tira o taco da mão de Cadu e mata
todas as bolas, uma por uma, o que nos impressiona, já que ele sempre finge
não ligar para sinuca. Pelo visto todo ser humano guarda os seus segredos.

— Vou dormir. Nada de som alto — ordena e nos deixa na sala a sós.

AMORA

Após o pedido de casamento de João, algo mudou dentro de mim, eu


não sei o que quero ser da vida, mas sei o que não quero ser, e
definitivamente não quero ser uma esposa modelo como a minha mãe.

João sempre fala do irmão com tanto carinho, que decidi tentar me
aproximar de Jonas, e também não quero depender do meu marido, como é o
que todos esperam que eu faça quando me casar.

Quero surpreender o meu pai, quando ele chegar de viagem quero que
ele saiba da minha intenção de estagiar e aprender mais sobre a empresa, já
que tudo isso é nosso por gerações, quero dar continuidade.

Dou duas batidinhas de leve na porta, e não demoro a ouvir a voz de


Jonas:

— Entre.

— Bom dia, cunhadinho. — Brinco, vendo-o sentado poderoso em sua


cadeira, ele é sério e impassível como o meu pai, por isso os dois se dão tão
bem, quase reviro os olhos.
— Amora. Como vai? — Fala forçando uma simpatia que realmente
não lhe cabe, enquanto Cadu apenas nos observa, não gosto dele de graça.

— Vou bem. Vim aqui te pedir um favor.

Digo e ele faz uma carranca. Realmente vou ter trabalho para
conquistar o irmão mais velho de João.

— Claro. Até dois. Será um prazer. — Encena um sorriso forçado,

decido acabar logo com essa interação bizarra de uma vez.

— Este final de semana será o projeto trimestral "Almoçando com a


presidência" e soube por João — Minto, eu fui no site da empresa pesquisar
sobre o que está rolando, mas não quero que ele sinta o meu interesse. — Que
será no Jockey Club Brasileiro, meu lugar predileto, e que, além de vocês
dois, o Cadu também estará presente. Pois bem. Gostaria de aproveitar esta
oportunidade para estreitarmos nossos laços. Seu irmão e eu nos amamos, ele
te ama e eu quero que sejamos uma família.

Ele sorri, mas agora de um jeito genuíno, como se algo maquinasse em


sua mente.

— É realmente muito gentil de sua parte, Amora, querer que


aproveitemos esta ocasião para estarmos todos juntos. Claro que pode ir. Será
um prazer.

— Que ótimo. Obrigada. Vou indo. E, mais uma vez, obrigada. Com
licença.
De forma sorrateira, tenho ido à empresa todos os dias, uso o elevador
privativo para não causar burburinho, e dou sempre a desculpa a João que só
passei para vê-lo, quando na verdade me tranco na sala de meu pai, e sua
secretária tem me contado como funciona a gerência da Guedes Engenharia.

O telefone da mesa de papai toca enquanto eu analiso o contrato dos


demais sócios da empresa, para começar a entender melhor como tudo
funciona.

— Diga, Evelin.

— Senhora, é o seu pai na linha.

— Então pelo visto fui descoberta. — Rio. — Pode passar.

— O que você está fazendo na minha sala?

— O que você está fazendo olhando as câmeras de vigilância? Mamãe

vai odiar saber que está de olho na empresa quando devia estar de férias. —
Falo divertida ouvindo o seu resmungo.

— Amora, saia da empresa, ou eu vou mandar os seguranças te tirarem


daí.

— Papai, estou apenas conhecendo tudo... — Corta-me.

— Para quê? Vai para o seu balé.


— Eu consigo conciliar os dois, meu pai. Agora, quero aprender sobre
o negócio da nossa família.

— A Guedes Engenharia não é um dos seus caprichos, sua mimada! —


Altera a sua voz. — É uma empresa séria, que eu trabalho com muito afinco
para deixar nas mãos de uma lunática como você.

— Você não me dá crédito, pai.

— Ninguém nunca vai te dar, Amora, você não tem garra, não tem
sangue quente, é como a sua mãe, obediente, submissa e qualquer um pode
tirar o que quiser de você, como esse João está fazendo. Você nunca será uma
líder, ou alguém como eu, que comanda um império. Você é fraca e comum,
como a sua mãe.

A ligação fica muda, minhas mãos tremem com as ofensas, então é isso
que ele pensa de mim?

— Saia. Da. Minha. Sala. Agora! — Pontua.

Levanto-me e tudo passa como um borrão, quase não consigo controlar


as lágrimas. Fraca e comum. Caminho para o elevador privativo, clico no
térreo e tudo parece girar ao meu redor. Como a sua mãe. Fraca e comum.

As portas se abrem e vejo as pessoas na recepção sorrindo, alguns


funcionários animados, alheios ao que ouvi da boca do meu pai, a pessoa que
mais devia me incentivar na vida. Caminho saindo para a rua em busca do
meu carro.

Obediente.

Submissa.

Nunca será uma líder.

Quando ergo o meu rosto para respirar fundo controlando as

lágrimas, dou um encontrão com um corpo firme, e com a velocidade que


caminhava acabo desequilibrando e caindo.

Mas o corpo que trombou com o meu permanece de pé, firme.

Fraca e comum, é o que eu sou.

— Perdão! — A voz feminina diz e estende a mão para mim, ela está
com pena de mim.

— Não preciso de sua ajuda. — Levanto-me do chão, e bufo limpando


a roupa.

Algumas pessoas diminuem os passos e nos olham, me deixando

enraivecida. Reparo na menina de pele escura e cabelos cacheados, ela tem os


olhos bonitos cor de mel, linda e forte, ela possui o crachá da Guedes no
pescoço.

— Jasmine Cerqueira. Olha por onde anda. Você derrubou a dona da


empresa em que trabalha.

Digo, as palavras do meu pai ainda rondando a minha cabeça quando


disse que as pessoas nunca me darão crédito, a menina parece tudo, menos

assustada com a minha ameaça velada, porque eu realmente não imponho

nada.

Submissa.

Fraca.

— Me desculpe, foi sem querer. Machucou? — Pergunta, a sua voz

entregando que é mais jovem que eu, e ainda assim não me teme.

— Não é da sua conta. Me chamo Amora Guedes. Guarde bem este


nome, porque marquei o seu.

Caminho em direção ao estacionamento sem ver a sua reação, sem


passar mais atestado para o meu pai, sem me machucar mais percebendo o
quanto ele tem razão no que diz.

Quando piso em casa totalmente desestruturada, chega a mensagem do


meu pai, ele pede perdão com a justificativa de que brigou com a mamãe e

descontou em mim, mas agora não adianta, o estrago já está feito dentro de
mim.
O Almoço

JOÃO

Amora tem me evitado durante esta semana, ela se afogou de vez no


balé, tem ensaiado por horas a fio, quando a ligo sempre está exausta, e mais

arisca, pretendo checá-la, assim que sair da casa do meu irmão, precisamos
deixar tudo em sincronia para o almoço de amanhã, onde as irmãs Guedes
vão se conhecer e confesso que estou curioso para saber como as duas vão se
comportar.

— Jonas, que horas pretende sair de casa amanhã?

— Mais cedo, tenho que passar no Vidigal e buscar Jasmine.

— Por que você vai buscá-la? A empresa paga um táxi para o


funcionário nestes almoços.

— Eu sei, eu sei. — Dá de ombros. — Vou buscá-la pelo mesmo


motivo que você vive ao redor de Amora. — Faço uma careta. — Confiança,
preciso estar perto da menina o quanto puder.

Jonas tem estado muito ao redor da tal Jasmine, o meu temor é que ele
perca a cabeça assim como eu faço alguns momentos com a Amora. Aí seria
o fim do nosso plano.

— Estou ansioso, Jonas, para ver como a favelada vai se comportar


num almoço em que a conta é o valor do salário dela — Cadu esnoba
bebendo um gole de uísque enquanto me espera dar a minha tacada.

— Provavelmente da mesma forma que nós, ou já esqueceu das suas


origens? Que eu me lembre, ninguém aqui nasceu numa família rica — Meu
irmão rebate e vejo o largo sorriso na boca de Cadu se desfazer.

— João, está sabendo o que o seu sogro anda aprontando? — Cadu

muda o assunto, nego com a cabeça, tenho feito um novo curso sobre gestão,
afinal, assim que eu me casar com a Amora, e derrubarmos Rodolfo, vou
assumir o cargo de CEO da Guedes junto do meu irmão.

— Em vez de se preocupar com a viagem com a sua adorável esposa,


ele está nos socando de trabalho, a última que ele aprontou foi me enviar um
e-mail solicitando que eu apresente um recurso no processo das terras do Sul.

— Desgraçado! — Esbravejo. — As terras estavam descuidadas e


improdutivas, ele só quer por puro ego ferido.

— Fica tranquilo, com a foto das filhas juntas nas redes sociais da
Guedes, a raposa vai se esquecer por um bom tempo a respeito do processo e
do nosso povo. — Cadu diz animado.

E eu pretendo mensurar através da reação de Amora se ela conhece


essa irmã ou não.

— O papo está bom, mas preciso checar a Amora.

— Me dá uma carona na sua garupa, João? Prometo não te encoxar. —


Cadu zomba e lhe mostro o meu dedo médio o fazendo rir.

— Você é um babaca.

Rio saindo da casa e deixando os dois. Sigo de moto para o Leblon,


para ver a minha bailarina, chegarei de surpresa para que não invente mais
desculpas para não me ver.

Conforme saio do condomínio de Jonas, vejo Cadu passar ao meu lado

em seu carro, ele buzina zombeteiro e deixo que me ultrapasse.

Ele é um mal necessário, com a morte dos nossos pais, a família


Alhambra nos adotou, com isso, Cadu que era filho único, ganhou a mim e
Jonas como irmãos o que ele não gostou nem um pouco sequer, sempre nos
rejeitou como irmãos, dizendo a todos que éramos apenas seus amigos.

Ele só aceitou participar do nosso plano visando o dinheiro, já que ele


sempre passou dificuldade financeira em sua família, e nós precisamos dele
por ser advogado, foi um bem-bolado.

Enquanto piloto, relembro a infância pobre que tivemos, nada foi fácil,
e se tornou ainda pior após a morte dos nossos pais, apenas o Jonas sabe o
que eu vi, acho que por isso ele sempre me protegeu tanto, dividir o que
passei com a Amora foi um erro, mas eu me senti mais leve compartilhando
isso com alguém, e ela não me julgou ou perdeu o interesse por mim após ver
a minha fraqueza.

O segurança libera a minha entrada, após falar com a minha garota.


Toco a campainha e ela não demora a abrir a porta, fazendo o meu
sorriso morrer ao vê-la tão pálida com olheiras profundas, seus cabelos

presos em um coque alto, e veste um pijama de estampas que não conversam


entre si, e isso não orna com ela. Amora é extremamente vaidosa.

— O que houve? — Pergunto segurando o seu rosto em minhas mãos e


ela deixa cair uma lágrima.

— Eu sou um peso morto, João

— Ei. — Sussurro invadindo a casa e a forço a me olhar segurando o


seu rosto. — Que besteira.

— É, eu não sou durona como o meu pai, você mesmo fala que eu sou
doce, é isso.

— Amora, você está dizendo coisas sem sentido.

— Eu queria ser durona, mas eu sou uma fraca, é isso.

— Amor, eu não sei de onde tirou isso.

— Você me acha forte? Durona? — Faço uma careta e ela se


desvencilha de mim. — Tá vendo.

— Amora, qual o problema de não ser nada disso? Você foi criada no
mundo ideal, nunca passou por uma dificuldade na vida, geralmente a nossa
força é medida nas adversidades e você até hoje não teve nenhuma, e não tem
problema algum, na verdade, devia ser assim para todo mundo.

— Eu sou um fracasso, João.


— Você é uma bailarina premiada, tanto no Brasil quanto na Europa,
meu amor, você é tudo menos um fracasso. Amora, nem tudo se ganha no

grito ou na ignorância como o seu pai, no seu jeitinho, na sua fragilidade


você pode conquistar muito mais, você me conquistou.

Ela me abraça apertado, emaranho as minhas mãos em seus cabelos, e


inalo o seu cheiro doce.

— Quer deitar e descansar um pouco? — Ofereço.

— Só se no pacote tiver um cafuné. — Fala com a voz fininha, tão tola


querendo se moldar a algo que o seu pai, um ser totalmente repugnante, é.
Rodolfo definitivamente não é um exemplo a ser seguido, e entendo a
confusão em sua cabeça, porque ela nunca chegará aos pés dele, e graças a
Deus por isso.

— Eu nunca te negaria isso. Vamos levar a sua bunda bonita de


bailarina para cima, para uma sessão de cafuné.

Deitamos em sua cama que eu particularmente detesto, na verdade, não


gosto de nada desta casa, e cumprindo a minha promessa, faço cafuné
esfregando as minhas mãos em seus cabelos.

— João, você acha que o meu pai vai ficar feliz com o nosso noivado?

— Acho que feliz ele não fica, mas ainda assim ele vai querer tomar a
frente e produzir uma grande festa de noivado.

— Onde você pensa em fazer a festa de casamento?


— Não sei, amor. Qualquer lugar para mim está excelente para que eu
coloque o meu anel no seu dedo. — Digo e vejo os olhos lutarem contra o

sono.

— Estou tão cansada, João. A tristeza não me deixou dormir por todos
esses dias.

— Feche os olhos, relaxe, eu estou aqui pra te proteger, e amar e

enaltecer cada uma das suas fragilidades. — Ela sorri fechando os olhos. —
Durma.

E, internamente a culpa me toma por prometer protegê-la, afinal, serei


eu a destruir a sua família.

AMORA

Mudo o peso de uma perna para outra, passo a mão pelo meu terninho
branco com listras pretas, João me apressou tanto para vir, e chegamos no
horário exato que foi marcado o almoço, o top preto que uso por baixo do
blazer me apertando um pouco, estou ganhando peso, decerto isso aconteceu
nesses dias em que estive no fundo do poço.
João e Cadu conversam cordiais a minha volta, e de longe Jonas chega
pontual com a funcionária contemplada para este almoço pago pela Guedes.

A menina de pele escura está usando uma flor cor de marsala em seus
cachos e um vestido branco com o comprimento na altura dos joelhos, que
enaltece a cor negra de sua pele e realça as curvas do seu quadril, é diferente
do meu estilo, porém ergo as sobrancelhas em aprovação pelo seu bom gosto.

Meu cunhado se aproxima de nós e percebo que o rosto da menina é


familiar para mim.

— Olá, bom dia a todos. Esta é a senhorita Jasmine Cerqueira, que foi
escolhida e nos dará o prazer de sua companhia no almoço de hoje. — Jonas
faz as apresentações e então eu lembro. Jasmine Cerqueira.

Reparo que ela empalidece assim que me olha, reconhecendo-me.

— Você?! — Eu pergunto, incrédula, só pode ser uma brincadeira do


destino. — É você mesma?

— Vocês se conhecem? — é João quem pergunta para mim e


sutilmente enlaça a minha cintura.

Jonas se coloca a frente da menina roubando a minha atenção.

— Infelizmente, sim. Essa maluca me jogou no chão a poucos metros


de distância da entrada principal da empresa. E me jogou de propósito —
acuso e ouvimos a voz de Jasmine, que eleva a cabeça sobre o ombro
esquerdo de Jonas para se defender:
— De propósito coisa nenhuma. Eu estava distraída digitando uma
mensagem no celular. Foi sem querer e te pedi desculpas assim que percebi o

que tinha acontecido, mas você, além de sem educação, me ameaçou.

João tensiona ao meu redor.

— Ora, ora. Mais que mal-entendido, não é mesmo? Lamento que isto
tenha acontecido, mas vamos passar uma borracha em cima deste assunto,

que, diga-se de passagem, é uma bobeira. Afinal de contas, ninguém se


machucou, não é, Amora? — João pergunta olhando para mim, e detesto a
forma como ele faz toda essa situação parecer esdrúxula — Ok. Prazer em te
conhecer, Jasmine. — Ele estende a mão para ela que, me encara, pega e
aperta a mão do meu noivo rapidamente, como se João tivesse alguma doença
contagiosa. — Vamos, Amora, cumprimente a Jasmine. Lembre-se de que
você está aqui para estreitar os laços com Jonas. Logo, não irá querer chateá-
lo, certo? — Ele cochicha no meu ouvido, e de má vontade e me sentindo

patética, estendo a mão a moça.

— Olá, Jasmine Cerqueira, é um prazer revê-la.

A tal Jasmine ergue o queixo, me encara e aperta minha mão.

— Bem. Como eu ia dizendo, esta é a senhorita Jasmine Cerqueira,


trabalha no nosso Setor de Telemarketing, foi a escolhida e nos dará o prazer
de sua companhia no almoço de hoje. — Jonas toma o ar e se vira para
Jasmine. — Senhorita Jasmine, este é o diretor do Setor de Marketing da
empresa, João Patacho; aquele é Carlos Eduardo Alhambra, diretor do Setor
Jurídico e ela é Amora Guedes, filha do Rodolfo Guedes. — Pigarreia. —

Jasmine, o João é meu irmão caçula. — Sorri dando um tabefe no peitoral de


João, que também sorri. — Amora é sua namorada e o Cadu... Bom, dele não
precisamos falar — zomba e ela sorri um pouco menos tensa.

— Isto mesmo. Não falem de mim. Só vim comer de graça — defende-

se Cadu, nos fazendo rir. — Feitas as apresentações, será que podemos pegar
nossa reserva? Estou faminto — Cadu pergunta e João é quem vai falar com
a hostess, uma linda ruiva, que em seguida nos guia até a mesa.

Em um primeiro momento, gosto de ver a interação entre os caras, é a


primeira vez que os vejo juntos e mais descontraídos, espero que consigamos
manter bons laços após o meu casamento, sei que faria bem ao João que eu
me desse bem com as pessoas que ele ama.

Nossa mesa fica em um local privilegiado, de onde temos a vista das

pistas em que acontecem as corridas de cavalos.

A princípio, o clima não é nada amistoso. Jonas está sentado na cadeira


posta na ponta da mesa, de frente para a pista. No seu lado esquerdo estão
sentados Jasmine e Cadu, e no seu lado direito eu e João. Ou seja, estou
frente a frente com a menina, e gosto da curiosidade que vejo em seu olhar
castanho-claro esverdeado.

— Vamos todos de espumante? — João pergunta e assentimos. Ele


pede ao garçom, que não demora a nos servir, enche nossas taças de
Espumante Chandon Réserve Brut – Wine e anota o pedido que eu faço, amo

esse lugar, já vim almoçar aqui por diversas vezes com os meus pais.

— Aproveito para propor um brinde a João e Amora, pois recentemente


soube que ficarão noivos em breve — Jonas ergue a sua taça, acho gentil de
sua parte, e fico encabulada por saber que João falou de mim para o seu

irmão — e assumo que estou emocionado em ver meu irmãozinho alçando


voo. Cuide bem do meu menino, Amora.

Todos riem, o que deixa o clima mais amistoso.

— Aos futuros noivos! — Cadu enuncia e assim formalizamos o


brinde. Quando finda-se o tim-tim, decido me pronunciar:

— Tenho certeza de que quando voltar de viagem, meu pai fará questão
de dar uma enorme festa de noivado. Então, este é o primeiro de muitos
brindes.

— Não vejo a hora, amor — João reforça e dá um selinho na frente de


todos, fico corada com a atenção em demasia, só estou acostumada a ter
holofotes sob mim quando estou no palco, nunca os tenho fora dele.

— Quando será o casamento? — Cadu pergunta. — Estou louco para


comer bem-casados. — Penso por um instante. Mais uma vez me pronuncio:

— Muito em breve. Só preciso ver se este Jockey ou o Copacabana


Palace estará disponível para a data escolhida. Apesar que, como meu pai está
enlouquecido com sua mais nova aquisição, não duvido que ele sugira que
façamos nossa festa naquela fazenda.

Com a menção da fazenda, João retira a sua mão da minha,


parece nervoso, talvez ele não goste de ideia, precisaremos discutir mais tarde
com calma, deduzo.

Logo os dadinhos de tapioca e queijo coalho com pimenta pedidos por

mim nos são servidos. Todos parecem gostar da entradinha.

— Como eu já havia te falado, meu amor, o que menos importa é o


local. O que mais importa é que tenha o meu sobrenome e seja minha para
sempre — João diz isto olhando para mim um pouco mais contido, mas em
seu olhar encontro tanta ternura e verdade que quase me belisco para
descobrir se ele é real.

— Oh, eles são tão fofos. — Ouço Jasmine suspirar a minha frente.

— Sim, eles são. Formam um casal adorável — Jonas diz, e fico feliz

que esteja aprovando o bem que faço na vida de seu irmão, no fim das contas,
foi uma boa ideia ter vindo.

— Já tinha vindo ao Jockey, Jasmine? — Cadu sonda.

— Não e estou muito interessada em toda esta estrutura, que faz


parecer que estamos em uma pequena cidade.

— O terreno aqui no Jockey Club Brasileiro se estende por seiscentos e


quarenta metros quadrados e o clube já atravessa mais de oito décadas. Além
dos restaurantes e grandes eventos pelos diversos salões, ainda abriga até
hoje o hipódromo e o maior evento de corridas de cavalos do país, o GP do

Brasil — Jonas é quem orienta, quase reviro os meus olhos, até a sua didática
lembra o meu pai.

— Caramba, Jonas! Você conhece bem o lugar. — A menina diz


impressionada e reparo que os dois tem um olhar cúmplice um com o outro,

meneio a cabeça tirando de mim esse julgamento, só posso estar procurando


pelo em ovo.

— Sou sócio do Jockey, Jasmine. Aliás, todos nós aqui somos.

— Meu pai tem camarote aqui, mas raramente usamos. Quando quiser
vir a algum evento, me avise — ofereço, até hoje não sei para que o meu pai
mantém esse camarote se nunca o usamos.

— Gosto da vista para o Cristo Redentor — confesso encostando a


cabeça no ombro de João, que me acaricia o rosto e beija a minha mão, como

um verdadeiro homem apaixonado que é.

— Bem, sobre ter uma bela vista, não tenho do que reclamar. Onde
moro sou privilegiada por ter uma belíssima vista da minha janela — gaba-se
Jasmine.

— Jura?! E onde você mora? — Minhas sobrancelhas sobressaltam, a


curiosidade me beliscando.

— No Morro do Vidigal. Pense numa vista incrível da orla da Zona Sul


e um pôr do sol de tirar o fôlego... É lá. — Ela diz.

As vezes que fui escondida no viaduto de Madureira, foram as únicas

vezes que lidei com pessoas que moravam em favelas, e todas essas pessoas
em geral, eram descontraídas e animadas, diferente de Jasmine que me parece
mais formal e contida.

— Jamais imaginei que você morasse num morro.

Jasmine sorri.

— Por quê?

— Você é... Diferente — digo e olho para a sua roupa de marca, e a


correntinha de ouro em seu pescoço, embora o pingente esteja preso em sua
roupa não me permitindo ver o seu tamanho.

— É mesmo? Diferente como? Me diga.

— Acho que não há diferenças. Somos todos iguais, morando ou não


num morro — Cadu interrompe.

— Você acha, Cadu? Acha mesmo que eu sou como vocês que moram
em bairros seguros ou condomínios fechados rodeados por seguranças? —
Sua voz jovial faz a provocação e entendo o seu ponto. As vezes que estive
em Madureira pude notar a enorme diferença entre lá e a zona sul, desde o
visual do lugar até a cultura das pessoas, não parece que estamos na mesma
cidade.

Ele dá um leve aceno de cabeça reafirmando o que acabara de dizer.


— Se vocês estiverem no quintal de vocês e de repente verem um carro
de polícia passando lentamente, o que fazem?

Acredito que eu não ia nem mesmo perceber o carro de polícia passar


por mim, é algo costumeiro principalmente no Leblon, que é um lugar com
alto índice de assalto.

— Ficamos felizes. A presença da polícia é sinal de que estamos

protegidos.

Jasmine sorri e dá uma ajeitadinha em seus cachos.

— Quando eu tô com os meus amigos, como estamos agora aqui, no


quintal da minha casa lá no Morro e um carro da polícia passa devagar, sabe
o que eu penso, Cadu? Em me jogar no chão. — Todos sentados em volta da
mesa param e a observam com muita atenção. — Viu? Na realidade, não
somos iguais. A sua perspectiva e o seu olhar sobre o mundo são diferentes
dos meus. — Ela sorri. — Enquanto você se sente protegido pela presença da

polícia; eu me sinto desprotegida. Fico morrendo de medo de perder a minha


vida por ser atingida dentro da minha casa por uma bala que estava
endereçada a alguém, que não era eu. E veja bem, não culpo a polícia, e sim o
Estado em si e de forma ampla, porque eu sou cidadã na hora de pagar
impostos, mas não sou cidadã quando cobro o meu direito à segurança
conforme rege a lei.

— Que absurdo — João diz chocado após ouvir o que Jasmine disse.
— E quanto a segurança pública e a garantia de ir e vir com segurança? É
dever do Estado. Não deveríamos exigir mais deles?

— João, quando vocês, que moram no asfalto, apelam para a Política


Nacional de Segurança Pública, nós que moramos no Morro nos arrepiamos
dos pés à cabeça. Temos medo deste apelo, pois para nós, moradores do
Morro, significa caveirões entrando, helicóptero sobrevoando e todos os que

estão dentro dos dois atirando. Isto é o resumo do que Segurança Pública
significa para nós, os favelados. Fica evidente nossa falta de privilégios,
porque os favelados não estão inseridos no direito fundamental previsto pela
Constituição, na prática. As vidas dos favelados não têm valor para o Estado.
Somos fuzilados como se fôssemos os inimigos, por isso fiz a analogia sobre
como cada um aqui enxerga a segurança, não pela instituição da polícia em
si, mas sim, por toda uma estrutura pronta para nos aniquilar, e quando um de
nós perde a vida, ninguém sente ou faz qualquer coisa. Até já ouvi gente de

fora da comunidade dizer que “para os moradores é normal, pois eles já estão
acostumados”. Só que eu nunca vou me acostumar, porque ver um dos nossos
morrendo não é algo com que a gente se acostume — ela conclui e a olho
deslumbrada, que conversa gostosa, enriquecedora, talvez seja esse um sinal
divino para que eu continue a me inteirar sobre a empresa, veja quanta
preciosidade tem em Jasmine, assim como ela, devem ter muitos funcionários
ricos de valor.
— De fato, nunca pensei por esta perspectiva, Jasmine, porque o foco
sempre são as disputas entre policiais e criminosos, sem deixar margem para

reflexão sobre os que vivem lá e não são criminosos. — Confesso.

— Sabe, Amora, a favela é uma potência — Jasmine gesticula pouco,


mas fala de um jeito tão apaixonado que continua a prender a nossa atenção.
— Além da alta concentração de pessoas por metro quadrado, temos a

diversidade cultural. Há pessoas que moram ali que vieram de outros estados
brasileiros e até de outros países. Tem gente de tudo quanto é raça, cor,
credo, religião, orientação sexual. Favela é o resumo do nosso país. —
Atenta, esqueço-me até de meu espumante, que está sobre a mesa, e
mantenho os olhos cativos em Jasmine. — Só no Rio de Janeiro temos em
média dois milhões de pessoas morando em favelas. Pessoas que, mesmo
com um salário mínimo num país que tem o imposto mais caro do planeta,
estão consumindo e se tornaram para as empresas que reconhecem aquele

público um potencial financeiro.

— Mesmo assim precisam de ajuda — Cadu diz e Jasmine balança a


cabeça incrédula com a fala dele.

— Ajuda? Nós resolvemos problemas diariamente. A maioria das


coisas que as pessoas do asfalto dizem ter criado já existia na favela anos
atrás. — Ela sorri, ajeita um cacho que tampa seus belos olhos, e tem algo
nela que me soa familiar. — O mototáxi, a Lan House, a tia que vende
quentinha que vocês chamam de marmitex, a do carrinho de lanches que

vocês chamam de Food Truck. O Pedro, meu vizinho, a mãe dele é mãe solo

e criou e sustentou três filhos, dois estão na faculdade, com um carrinho de


lanches que ela vendia. Quer abrir um Food Truck? Ela pode te ajudar. Ela é
só mais um caso de sucesso desvalorizado pelo povo do asfalto, que de cara
feia nem bem nos olham e já dizem: "Temos que ajudar esse povo." Sendo

que nós temos soluções para muitas coisas, somos nós que podemos ajudar.
Não queremos e nem precisamos de caridade, mas, sim, de apoio, incentivo.

Cadu está calado. Touché. Jasmine o pegou.

— A favela é uma riqueza cultural, histórica, e se passassem a enxergar


os pontos positivos, perceberiam o nosso potencial.

— Na minha sala de aula na universidade tem um aluno morador da


favela, cotista, e ele sempre tira as melhores notas — eu conto, lembrando da
faculdade de administração que tranquei antes de ir para a Europa espairecer.

— Pois é, Amora! Mas sempre nos julgam como incapazes.

— É maravilhoso poder ouvir o seu depoimento, Jasmine — Cadu tenta


novamente.

— Não dei um depoimento, Cadu. Isto é um relato da minha realidade:


a favela. Eu sou uma favelada — afirma, sutilmente criticando o uso da
palavra "depoimento", e entendo a sua revolta afinal, a palavra é usada para
documentar algo que tenha acontecido a outrem, quando ela faz, na verdade,
um relato do que vive desde que se entende por gente. Ele, como advogado,
sabe a diferença e parece ter prazer em instigá-la. Um babaca, e eu tenho

vontade de afastá-lo de Jasmine.

— Li algo diferente sobre o que você diz, um artigo científico de


Harvard sobre favelas e...

— Cadu, não me leve a mal, mas o cara de Harvard não sabe, não

entende nada da favela. E me incomoda que o que ele escreve seja chamado
de científico e o que eu digo, como moradora de uma favela no Morro do
Vidigal, seja chamado de depoimento. Quem mora e vive os dramas de lá sou
eu. Então, mais cientificamente comprovado do que o meu re-la-to não tem.

— Onde você mora é pacificado, não é? — Eu pergunto ignorando


Cadu ou qualquer pessoa a nossa volta, quero saber mais dela, de sua vida.

— É.

— E como funciona?

— Todos os idealizadores das ditas UPP's estão presos. A polícia foi


abandonada dentro da favela, tendo que criar uma nova forma, um novo
sistema, afinal, não houve preparo. Em resumo, vivemos um caos.

— Você não diz nada, Jonas? — Cadu faz uma provocação a Jonas que
olha para a menina com mais admiração do que já o vi olhar para o meu pai,
o que me faz franzir o cenho.

— Jasmine nos deu aulas de sociologia, antropologia e direitos básicos,


Cadu, e não sei você, mas eu aprendo ouvindo e não falando — rebate e volta
o seu olhar para ela, que esbanja um largo sorriso de satisfação. Algo está

rolando ou prestes a rolar entre esses dois.

— E, Jasmine! O que você acha que nós, quanto sociedade, podemos


fazer para tentar melhorar a situação dentro do Morro? — Pergunto ainda
curiosa a respeito dela.

— Pensa-se pequeno quando a única visão de mundo que você tem é a


que foi imposta pela sociedade. Então, pra começar, melhorar o ensino. Os
estudos trazem perspectivas e sonhos. O dinheiro que a Secretaria de
Segurança Pública gasta em armamentos poderia ser repassado para as
Secretarias da Cultura, Educação e Saneamento Básico investirem no Morro.

— Então, você diz para pararem com as invasões, é isto? — Meus


olhos vidrados na menina, quero realmente aprender, a vontade que eu tenho
é de pegar a menina no colo e livrá-la de todas as dores do mundo, essa

empatia talvez seja por me colocar no lugar dela, não consigo imaginar o que
já deve ter passado na vida.

— Parar com as invasões?! Não! Mas, mudar os invasores e suas


armas. — Movimento os olhos de um lado para o outro, tentando entender o
que ela acabara de dizer e então Jasmine completa: — Que o Morro seja
invadido por professores com seus cadernos; bailarinas com suas sapatilhas;
grafiteiros com seus sprays e a CEDAE com caminhões cheios de tubos e
ferramentas para acabar com o esgoto a céu aberto. — Vejo Jasmine respirar

fundo. E na minha cabeça ecoa bailarina com suas sapatilhas. Será que com a

minha dança eu realmente posso causar a mudança na vida de alguém? E


então sinto arrepio que minha mãe me causa sempre que diz: a dança é a sua
missão. Agora faço o link, realmente posso ajudar? Ela fala mais um pouco e
fico afoita, não pode ser tudo coincidência, alguma coisa o destino quer me

dizer com esse encontro.

— Nossa! Você abriu meus olhos, me deu uma visão totalmente nova
— Confesso.

— Independente de qual a posição de cada um, precisamos sempre


conversar sobre este assunto, para que, quem sabe num futuro próximo,
tenhamos grandes melhorias por ajudarmos uns aos outros.

— Você é tão interessante, Jasmine — Digo sorridente, suas falas e


experiências enriqueceram as minhas, foi uma troca realmente muito boa. —

Torço para que você vá muito longe.

— Eu existo, porque resisto. E enquanto eu não for atingida por uma


"bala perdida", continuaremos conquistando nosso lugar e puxando outros
para também terem o seu nos espaços elitistas. Meu amigo Pedro está indo
para a Europa, eu ingressei na universidade... E por aí vai.

— Eu realmente gostei de você e agora me sinto envergonhada pelo


modo como agi e a tratei naquele dia. Eu estava mal e acabei descontando em
você. Me perdoe.

Despejei na menina toda a merda que o meu pai me disse, realmente fui

uma megera.

— Vamos recomeçar, tá bom? Muito prazer, Amora. Sou Jasmine


Cerqueira. — Ela estende a mão acima da mesa e eu sorrio, animada.

— Sou Amora Guedes e o prazer é todo meu, Jasmine.

Apertamos as mãos.

Falamos de banalidades como gostos musicais, corridas de cavalo, e até


sorrio da zoeira dos homens sobre perdas e ganhos na mesa de sinuca na casa
do Jonas. O clima ficou mais ameno e, neste momento, vejo todos sorrirem
enquanto Cadu reclama do jeito, segundo ele, ditador de Jonas.

Penso em retomar o meu plano de me enturmar acerca da empresa, vou


passar por cima da ordem do meu pai, e talvez Jasmine possa me ajudar nessa
missão com a sua maturidade.

— Jasmine, me conta um pouco sobre o seu trabalho no telemarketing


da empresa. — Peço, talvez eu possa lhe subir de cargo para trabalhar
diretamente para mim, pondero.

— Bem, somos o principal canal de interação entre a empresa e o


cliente. Dependendo da qualidade do nosso atendimento no pós-venda, o
cliente decide se será fidelizado ou não a Guedes, afinal, hoje em dia existem
várias construtoras no mercado, o diferencial está em como e quão ágil o seu
negócio é capaz de gerenciar crises, e é aí que entramos.

— Eu analisei os resultados de Jasmine e são excelentes. Os clientes a

avaliam muito bem na hora de dar a nota de satisfação ao fim da ligação, e


não possui faltas nem atrasos. Realmente uma funcionária exemplar.

A menina fica encabulada, realmente está rolando algo entre ela e


Jonas.

Assim que todos terminam a refeição, o fotógrafo freelance, contratado


para fazer alguns trabalhos para o marketing da empresa, chega e nos
cumprimenta. Ele nos direciona ao melhor ângulo e luz do restaurante, que
possui bastante espaço aberto e belas flores na decoração. Nos juntamos para
tirar uma foto que irá para o site da empresa, como é feito em todos os
almoços neste projeto, conforme eu vi no site. O fotógrafo angula a câmera
profissional enquanto nos ajeitamos todos de pé de costas para a bela vista
das pistas de corrida de cavalos.

— Amora, fique ao lado de Jasmine. É bom que, como futura herdeira,


você apareça engajada nos projetos da empresa — diz Cadu e vou sorrindo,
gosto da sua sugestão, vou para o lado direito de Jasmine e a abraço de lado
de forma carinhosa, ela retribui e então Jonas fica ao seu lado esquerdo,
enquanto João está ao meu lado e junto de Cadu.

Estamos caminhando para irmos embora e decido segurar o braço de


Jasmine e caminhar colada a ela na frente dos rapazes que seguem
conversando entre eles.

— Jasmine, me perdoe pela forma como te tratei antes. Eu gostei muito

de conhecer você hoje. Sinto que é mais jovem que eu, todavia, com muito
mais vivência, conteúdo. Gostei muito da forma como me fez olhar sob uma
nova perspectiva, como eu enxerguei a sua vida, a sua luta.

— Peço desculpas também, Amora, não se deve andar pela rua

fissurada no celular como fiz. Eu realmente poderia tê-la machucado, e aceito


as suas desculpas. Todos temos dias ruins.

— Eu tinha brigado com o meu pai naquele dia. Ele implica muito com
o João. — Sinto vontade de me justificar, para que entenda que eu realmente
não queria maltratá-la, apenas havia transbordado, sussurro: — Na verdade,
ele queria mesmo é ter o Jonas como genro, sempre cutuca o meu namorado e
isso me deixa muito frustrada.

— Sinto muito.

— Sabe, eu não tenho muitos amigos... — Olho para o chão


envergonhada —, mas amei a forma inteligente como você falou, me fez
sentir o seu drama. Por vezes, eu sinto que quero fazer mais pelas pessoas,
mas não sei o que fazer, por onde começar, os meus pais sempre me
protegeram das mazelas da vida, vivem em uma bolha e não me encaixo ali.

— Posso te ajudar. — Segura em minhas mãos e olho para ela, porém


com a caminhada o seu pingente desgrudou da roupa e agora está aparente,
ela fala algo sobre projetos sociais, mas só consigo dar atenção ao seu decote.

— Onde arranjou isso? — questiono segurando o pingente do seu colar.

— Estava preso escondido em seu decote lá no restaurante, mas agora com a


caminhada se soltou e estou vendo o pingente.

— Minha mãe me deu de presente de dezoito anos. Eu quase não uso,


mas como eu vinha para um lugar chique, quis colocar um ouro para me

enturmar — brinca, mas eu permaneço séria segurando e analisando a peça.

— Olha isso. — Retiro de dentro da minha blusa o colar com o


pingente redondo em um desenho abstrato de tom alaranjado idêntico ao dela.

— Será que estava em promoção? — brinca sem dar importância, mas


eu paro a caminhada e a obriga a também não seguir o percurso.

— Este símbolo do pingente... É o brasão da minha família paterna.


Todos os membros possuem esse colar por gerações, o meu pai brinca que
isso marca o Pedigree da família Guedes. — Olho pensativa para o horizonte,

porque ela ter esse colar só pode ter um significado... — Não entendo como
ele foi parar em suas mãos.

— Também não faço ideia. Vou questionar a minha mãe, mas sei lá,
alguém pode ter revendido e assim chegou nas mãos dela.

— Não tem como, Jasmine, meu pai é filho único e os pais dele, meus
avós, também eram filhos únicos. Não tenho primos ou tios, meus avós já são
falecidos desde a minha infância. Eu e meu pai somos os únicos vivos da
linha sucessória da nossa família. Entende a gravidade disto?

Ela é minha parente ilegítima, talvez uma prima...

— Algum engano aconteceu, Amora, tenho certeza. — Uma ideia a


atinge e ela leva as mãos à boca. — Você acha que pode ser fruto de roubo?
De repente alguém roubou e revendeu para a minha mãe?

— Não, impossível. Nunca soube de um caso onde alguém da família

tenha perdido o seu colar. — Olho-a com intensidade, preciso desvendar esse
enigma. — Como são os seus pais? — pergunto de sobrancelhas arqueadas.

— Não tenho pai, só mãe, e ela é maravilhosa. Você ia amar conhecê-la


— diz e fito algum ponto cego por trás de mim. Ela não tem pai... Isso só
confirma as minhas suspeitas, se o vovô pulou a cerca, então além de
Jasmine, tem mais algum parente perdido que é seu pai ou mãe... Ou então...
Não, meu pai nunca trairia a minha mãe.

— Jura?! Por quê? Ela é divertida? — mudo o assunto, porém, há uma

ruga de preocupação em minha testa.

— Tem a mente mais jovem e aberta que eu, todas as minhas amigas a
amam, uma peça.

Definitivamente eu preciso conhecer a mãe dela, vai ser algo


esclarecedor e pontual.

— Me leva para conhecê-la? Quero também ir lá no Vidigal ver essa


vista tão bonita que você disse.
— Eu te levo. Podemos fazer uma trilha. Lá em cima no morro tem
vários barzinhos com uma vista incrível e com essas comidas metidas a besta

que vocês gostam. O que acha?

— Eu vou lá ainda essa semana, fechou? — Ergo a mão para ela

— Fechado. — Gruda a mão na minha, e sorrimos. Gostei da garota.


Trocamos nossos números de telefone.

— Vamos, amor? — João se aproxima e vou para perto dele, que


segura sua mão.

— Vamos. Nos falamos, Jasmine — confirma e seguimos para o lado


oposto ao deles no estacionamento, seguindo para onde João guardou a sua
moto.
A Desconfiança

AMORA

Inventei uma desculpa qualquer para que João fosse embora após me
deixar em casa, disse que precisava descansar, e agora aqui estou eu,
desligando o circuito interno de câmeras da casa e vasculhando o escritório

do meu pai.

Deve ter alguma prova do parentesco que Jasmine possui conosco.


Vasculho as gavetas, encontro a minha certidão de nascimento, a de
casamento dos meus pais, a escritura desta casa e a cópia de um processo, o
que me chama a atenção é que nele tem a palavras “terras”, lembro-me do
desconforto de João no almoço quando citei sobre a aquisição de novas terras
de papai.

Folheio, lendo e devorando linha a linha, é como se um quebra-cabeças

se formasse em cada estrofe, jogo algumas palavras no Google, alguns termos


procuro esclarecimento no Youtube.

Em suma, o que entendi é que meu pai possui terras herdadas no sul do
país que não está exercendo qualquer utilidade, simplesmente parada lá por
anos a fio. E isso vai contra a Constituição Federal que determina que toda
terra precisa ter função social, ou seja, ela precisa ser usada para algo, ter
alguma finalidade.

Por outro lado, um grupo de pessoas entrou com o processo no

judiciário requerendo a desapropriação das terras de papai, são famílias que


não possuem um lar ou um emprego e que se propuseram a fertilizar o solo
para gerar renda para essas pessoas.

No entanto, se temos uma propriedade sem utilidade e várias famílias

sem lar e perspectiva... Tanto do ponto de vista econômico quanto do ponto


de vista do que é justo, seria mais benéfico que a propriedade de terra ociosa
fosse redistribuída para essas famílias. Penso.

Com essa mudança, teríamos uma propriedade produtiva e também


várias famílias produzindo. Passo mais páginas do processo e começo a
entender a questão. Meu pai alegou que tem planos de utilizar as terras para
uso da Guedes Engenharia.

— Que mentira deslavada! — Falo indignada, a área é rural, e até eu

que não sou a pessoa mais atualizada, sei que a Guedes só constrói prédios
em zonas urbanas.

Provavelmente ele não quer usar as terras para nada, mas também não
quer perdê-las, típico do meu pai. Bufo inconformada.

Isso soa tão injusto, são famílias que estão precisando de um lar, talvez
contenham crianças, idosos.

Recosto na cadeira com a minha cabeça latejando e com a certeza


dentro do meu peito que eu quero me tornar o que a Guedes precisa, eu
realmente quero assumir um cargo na empresa, mesmo que eu tenha que

passar por cima dos desmandos do meu pai.

Pego o celular e envio uma mensagem para o João, pedindo-lhe que


peça a Jonas mais um encontro com Jasmine, e não demora para que o meu
noivo responda dizendo que ambos toparam, nosso encontro será amanhã, um

almoço na casa de Jonas. Excelente.

O celular toca, o número do meu pai na tela, respiro fundo, pronta para
confrontá-lo.

— Por que o circuito de câmeras da nossa casa está desligado? —


Grita, será possível que ele não entende o significado da palavra curtir?! Ele
nunca sai da posição de controle.

— Ótimo que tenha começado a ligação com uma pergunta, porque eu


também tenho uma. — Irrito-me. — Hoje conheci uma funcionária da

Guedes, o nome dela é Jasmine, e ela tem o colar com o brasão da nossa
família. Como isso é possível?

A ligação fica muda, se não fosse pela respiração ofegante ao fundo, eu


checaria se o celular travou.

— Pai? — Empurro.

— A mãe dela foi sua professora particular quando pequena, dei de


presente pelo serviço prestado.
— Justamente o colar com o brasão da família? O senhor sempre foi
vaidoso e orgulhoso quanto a isso.

— Tenho que sair agora com sua mãe. Ligue as câmeras. — Desliga e
me deixa ainda mais com a pulga atrás da orelha.

— Sua marca preferida, meu irmão, trouxe já gelada. — João diz ao


irmão assim que o encontramos na área externa de sua casa, próximo a
piscina e comandando a churrasqueira.

— Até que enfim me agradando hein, João. Venha sempre, Amora. Só


assim para que eu tenha uma mordomia. — Zomba o irmão mais velho
fazendo o meu noivo revirar os olhos.

— Jasmine, você já chegou, que bom! — Falo animada, vendo-a sair da

parte interna da casa.

— Cheguei cedinho.

— Trouxe uma sobremesa, estou me arriscando na cozinha, é algo


básico, mas torço para que tenha ficado bom. Um doce com abacaxi e creme
de leite. — Confesso deixando a travessa em cima da bancada branca em
mármore.
— Tenho certeza que ficou bom, e também o melhor tempero é a fome,
como diz a minha mãe. — Jasmine brinca e eu relaxo um pouco.

— Bem meninas, estão preparadas para comer o melhor churrasco de


suas vidas? — instiga Jonas.

— Ah é? Quem o fará? — Pergunto, escondendo o meu sorriso


enquanto vejo a presunção estampada em sua face.

— O gaúcho aqui. Se preparem para viver essa experiência. — Diz,


apontando para o avental que o reveste.

— Jonas, eu não sabia que você era tão divertido, onde estava
escondido esse tempo todo? — Pergunto sentando na banqueta alta próxima a
bancada da área gourmet.

— Não se iluda, amor. O Jonas é um azedume, sabe lá Deus, o motivo


desse bom-humor. — implica João e o observo guardar as cervejas e
sobremesas no freezer, pisco para Jasmine que fica de pé me observando.

Jonas nos serve cerveja gelada enquanto o meu noivo vai ao banheiro
se trocar, aproveito o momento a sós com Jasmine ambas sentadas nas
cadeiras próximas a piscina, embaixo de um grande guarda-sol, e Jonas está
um pouco mais distante, na churrasqueira.

— Jasmine você tem namorado? — Pergunto enquanto Jasmine


beberica a cerveja ainda na garrafa.

— Não tenho.
— Sei como é. Eu achava que era o Cadu que tivesse a fim de você,
não esperava que fosse o Jonas. — levo as mãos a boca, uma percepção me

atingindo — Deus! Será que os dois a querem? Terá que decidir Jasmine. —
Brinco e a vejo fazer uma careta. — Bem, se for o Jonas, você será a minha
concunhada o que vai ser bem legal, mas não quero me meter nessa escolha.

Jasmine gargalha e em seguida dá um gole em sua cerveja.

— Amora, você tem a mente fértil, de onde tirou isso? Está louca.

— Eu vi o jeito que o Cadu te olhou ontem no almoço, se ele pudesse


lhe tirava aquele vestido todinho. — Jogo e vejo Jasmine revirar os olhos.

— E o Jonas? Algum olhar diferente? — pergunta interessada e eu


sorrio, ela mordeu a isca.

— Certo, então, temos um escolhido.

— Nada a ver, Amora. Ele é meu chefe. — Ela desvia o olhar, e bingo,
ela tá muito a fim dele.

— Relaxa, eu sou discreta. — dou uma risadinha de contentamento. —


Bem, o Jonas é mais difícil de decifrar, mas ele parece querer te impressionar
a todo tempo.

— Você viaja, Amora. — Coloca um punhado dos seus cachos para


trás da orelha, e eu gosto de provocá-la.

— Eu entendo de coisas do amor. — brinco. — Jasmine, perguntei ao


meu pai no telefone sobre a sua corrente, ele disse que sua mãe trabalhou
para ele no passado, e ele a deu o cordão com o pingente como forma de

agradecer ao trabalho prestado.

— Engraçado, ela nunca comentou que trabalhou para a sua família,


que estranho.

As minhas pálpebras tremem, tem algo de muito errado em toda essa


história.

— Ele disse que ela me deu aulas quando pequena, me lembro de algo
bem longe em minha mente.

Só ficam mais embaralhadas as peças deste quebra-cabeça.

— Bem, eu te falei que era algum mal-entendido, depois eu pergunto a


ela com calma. Vou colocar meu biquíni, preciso pegar um sol.

Jasmine vai para o banheiro externo sem dar muita importância ao


assunto, me aproximo de Jonas o sondando.

— Eu não vou contar pro meu pai do envolvimento de vocês. —

Confesso e os olhos azuis como os de João, me fitam, totalmente impassíveis.

— Não entendo. — Mente, e semicerro os olhos.

— O vestido que ela está usando, é original, eu conheço a marca e sei


que seria impossível ela comprar com o salário que ganha, não sou boba. —
Falo de um vez, e ele volta a olhar para a churrasqueira.

Não afirma, muito menos nega.

— Jonas, espero que a trate bem, a conheci ontem, mas senti algo tão
bom e forte vindo de Jasmine, uma vontade de cuidar dela, por favor a trate
bem.

— Eu farei. — assume de vez.

— Está certo, vou colocar o meu biquíni também.

Nunca imaginei que pudesse me divertir tanto com pessoas tão


diferentes de mim. Estamos todos sentados na parte rasa da piscina. Os
homens usam shorts de banho, enquanto nós, as meninas, pegamos sol com
nossos pequenos biquínis. João gargalha olhando para mim, que gesticulo e
tento me concentrar.

— Vamos, Amora, não é possível que nunca tenha soltado uma


mentirinha na vida — zomba Jasmine e eu bufo, jamais vou expor os meus

segredos.

— Nunca, não que eu lembre.

— Já sim, amor, esqueceu? — João troca um olhar cúmplice comigo e


fico vermelha, Jasmine gargalha ao nosso redor.

— Viu, se mentiu uma vez, já é perita, vai! — incentiva ela.

Depois de algumas cervejas, estamos relaxando e usamos algumas


brincadeiras sugeridas por Jasmine, uma delas se chama uma mentira e duas
verdades, e somos todos péssimos no jogo e essa é a graça da coisa.

Volto a gargalhar e sou acompanhada por todos, não lembro quando me


diverti tanto. Quando controlo o fôlego após as mentiras que Jasmine contou,
é a vez de Jonas.

— Eu já dormi no meio de uma reunião importante.

— Mentira! Você tremeu o olho — Jasmine grita e Jonas sorri.

— O que meu olho tem a ver? — Ele pergunta, dou um gole em minha
cerveja de garrafa gostando do entrosamento dos dois.

— Linguagem corporal, sei capturar. Manda mais — ela brinca.

— Irei em uma gafieira hoje. E eu tenho uma Ferrari — fala as demais


afirmações e ela fecha os olhos irritada percebendo que perdeu.

— Você não tem uma Ferrari. — Eu e João dizemos em uníssono e o


meu cunhado acena positivamente. Yes!

Não tinha nenhuma Ferrari na garagem quando estacionamos, no


entanto, gafieira não orna com o estilo de Jonas, que curioso.

— Pois é, capturou mal — caçoa da menina que tem um bico nos


lábios. — A mentira é que tenho uma Ferrari. — Percebendo a nossa
curiosidade, ele acrescenta. — Acreditam que irei com Jasmine em uma
gafieira hoje?

— Como é lá, Jasmine? — Pergunto totalmente interessada, lembro da


conversa que tive com João sobre desbravar os estilos musicais da cidade.

— Bem, o samba de gafieira é uma dança de salão, a principal


característica do estilo é a atitude do dançarino em relação à parceira, sempre
a conduzindo com proteção, elegância e malandragem. A que iremos é a que
a minha mãe frequenta. Fica no centro do Rio, especificamente na Lapa.

— Quero ir, João. — Decreto, além da curiosidade em conhecer o


lugar, quero passar mais tempo ao redor de Jasmine.

— Olha o que você me arruma, Jonas?! — reclama o meu noivo, e lhe


sopro um beijo.

— Vamos todos. Assim ganho um apoio moral. — Todos riem das


palavras de Jonas.

Nos servimos da carne, que realmente é maravilhosa, e Jonas gaba-se a


cada elogio a mais que fazemos.

Almoçamos entre muitas risadas e descontração, tento ser cuidadosa


com João, ainda culpada por tê-lo dispensado ontem. Monto o prato dele e o
entrego e o seu olhar surpreso e apaixonado me faz perceber que ele gosta de
ser cuidado e mimado.

Preparei uma sobremesa, que aprendi quando morei sozinha na Europa


e todos dizem estar incrível, o que me faz relaxar, já que até então eu era a
única a provar minhas receitas.
A Teia

AMORA

Ouço a milésima reclamação de João acerca da minha demora em me


arrumar.

A casa de Jonas é na Barra da Tijuca, então não quisemos ir ao Leblon

pegar uma nova roupa para mim, apenas fui ao shopping e comprei algo
básico, para a nossa noitada inesperada.

João entra no banheiro já pronto e bufa ao me ver ainda de toalha.

— Será que essa roupa realmente está boa? — Faço uma careta
olhando para a roupa estirada em sua cama, fiz uma maquiagem básica de
acordo com o que eu tinha na bolsa, e deixei os cabelos soltos. — Espera vou
enviar uma foto a Jasmine.

— Vamos logo, amor. — Pede agarrando a minha cintura, ele cheira o

meu pescoço e rosna em seguida. — Eu amo sentir o cheiro do meu sabonete


na sua pele. — Passa a boca pelas minhas costas, segurando a minha cintura
com as duas mãos, colando a minha bunda em sua ereção. — Meu irmão vai
entender se nos atrasarmos um pouquinho, só uma rapidinha...

— João... — Tento repreendê-lo, mas a minha voz sai em um fio.

Ele me empurra por trás, puxa a toalha jogando-a no chão, sua mão
grande agarra os meus cabelos da nuca e puxa e vira a minha cabeça para o
lado, seguro-me na bancada da pia, ele é tão bruto e eu gosto tanto assim,
João mordisca o meu pescoço e sobe até a minha orelha, onde sussurra:

— Posso ver a sua bunda com a marca da minha mão? — Pede e


assinto, totalmente inconsequente.

Ele se afasta um pouco e dá um tapa estalado, eu gemo e reviro os


olhos.

— Apoia o joelho na bancada, mantenha a perna aberta para mim. —


Diz.

Sigo a sua instrução.

— João, o Jonas vai ficar chateado se atrasarmos...

— Querida, ele e Jasmine devem estar agora fazendo o mesmo que nós,
relaxa! — Meus lábios entreabrem, em choque! Mas, não tenho tempo para
rebater, porque logo tenho João agachado massageando o meu clitóris com a
ponta da sua língua me lambendo e provando.

Meus quadris ondulam em busca de acalmar o tesão que me toma,


meus mamilos endurecem quando sua língua aumenta a velocidade, arqueio o
pescoço para trás, mordo o canto da minha boca tentando controlar os
gemidos altos.

João se levanta, e me vira para ele, quase grito frustrada, eu estava


quase gozando.

— Não, só no meu pau. — Alerta, lendo os meus pensamentos.


Lambe o meu mamilo e roça o seu dente no meu piercing, fazendo-me
suspirar.

— Vem cá. — Puxa-me pela mão, e nos leva ao quarto, ele senta e me
olha com um sorriso nos lábios — me monta.

Coloco as minhas pernas sobre as suas, enquanto as mãos brutas


amparam a minha cintura, pincelo seu pau duro feito pedra na minha entrada,

e quando desço, eu o sinto me rasgar e tomar por inteiro. Ambos temos os


lábios entreabertos.

— Puta que pariu!

Ele geme.

Sobe uma das mãos para o meu pescoço, onde o aperta de levinho,
sinto a sua pelve impulsionar, socando seu pau inteiro dentro de mim, é tão
gostoso. Beija a minha boca feroz, me movo para cima e para baixo nele, ao
mesmo tempo em que ele me bombeia fundo.

— Eu não vejo a hora de ter essa boceta para mim todos os dias.

— Ai, João! — Sussurro. — Vai, mais fundo.

— Safada! — Recebo outro tapa em minha bunda.

O celular toca na cabeceira, mas João não se importa, soca fundo,


nossos sexos melados em uma melodia deliciosa.

— Eu vou gozar... — Confesso, o corpo inteiro sensível e ligado.

— Gostosa, goza pra mim, aperta o meu pau com essa boceta pequena.
Os espamos surgem sem que eu tenha controle, apenas me entrego e ao
longe, ouço a voz de João praguejar, ele me fazendo transbordar com o seu

sêmen.

Quando ele nos desconecta, coloca-me deitada de bruços na cama e


tateia a minha bunda sorrindo.

— Tem a marca da minha mão. — Sua voz soa rouca. — Em breve,

meu pau também vai entrar aqui.

Dá o seu veredito e levo os meus minutos para me recompor.

Em certo ponto na Lapa, nosso caminho cruza com o de Jonas, que


possui Jasmine no carona, ambos também se atrasaram como nós e me
questiono o que estariam fazendo, embora eu tenha as minhas suposições.

Permanecemos atrás de Jonas e vez ou outra os carros ficam lado a

lado, de forma divertida os homens buzinam um para o outro em nítida


brincadeira e descontração.

Quando estacionamos próximo à gafieira, o casal não tem qualquer


pudor, andam de mãos dadas a nossa frente, eu dou uma cutucada em João e
sorrio apontando para eles, e meu noivo dá de ombros mostrando que não
está surpreso, será que ele percebeu algo durante o churrasco ou no almoço
da empresa?

Vejo uma senhora com o mesmo tom de pele de Jasmine, cabelos

cacheados, lábios vermelhos com um batom o demarcando, uma blusa justa


estampada, e saia rodada até as canelas, ela regula idade com os meus pais.

Sorri ao ver Jasmine, mas então os seus olhos vão diretamente para a
mão da menina grudada a de Jonas, e, em seguida, ela o observa. Percebo a

postura do homem ao meu lado mudar. Deve ser o nervosismo por conhecer a
futura sogra, rio discretamente ao lado de João.

— Saudades, filha. Ainda mora comigo? — pergunta abraçando a


menina. — Ele é uma graça, eu também ficaria sumida uns dias — sussurra
no ouvido da filha e eu sorrio gostando dela.

— Deixa eu te apresentar as pessoas. Esse é o Jonas — diz e ela sorri


estendendo a mão a ele, que a pega para cumprimentá-la.

— É um prazer, senhora Simone, estava ansioso para conhecê-la.

— Não estava mais ansioso do que eu.

Aperto a mão de João, e ele está sério, quase carrancudo, só eu estou


achando um barato todo esse embaraço?

— Esse aqui é o irmão do Jonas, o João, e aquela é a namorada dele,


Amora.

Ela olha para o João primeiramente, mas quando os seus olhos pousam
em mim, seu sorriso se fecha imediatamente. Ela pisca por alguns instantes e
apenas acena com a cabeça para nós, toda a sua simpatia se foi.

— Vamos todos entrar, Camila já está lá dentro segurando uma mesa

para nós — diz parecendo preocupada e franzo o cenho sem entender o


motivo, lembro da história do colar, do que meu pai contou e Jasmine
contradisse, algo não se encaixa.

Entramos na gafieira, e eu ainda estou curiosa acerca dessa história.

Na entrada, tem uma escada toda em madeira que dá acesso ao grande


salão. Em seu fundo, há um palco onde o grupo canta animado os
instrumentos de batuque.

Meus olhos vão diretamente para o cantor que está olhando para nós,
especificamente com os olhos pregados na mãe de Jasmine.

— Amora, esta é a Camila, minha melhor amiga.

— Olá, prazer. — Apertamos as mãos, a mulher de pele negra é


radiante, daquele tipo de pessoa que carrega simpatia por todos os poros, seu

sorriso é aberto e as mãos apertam forte.

— Essa é Ana, uma amiga querida — Camila apresenta a mulher tão


alta quanto Jonas, corpo voluptuoso, em roupas justas que mostram suas
curvas fora do padrão, mas seu rosto maquiado, seu estilo descolado e o
decote dão a entender que ela é uma mulher vaidosa e segura, que não se
deixa abater pelos padrões estéticos de magreza.

— Se é amiga de Camila, logo é minha amiga também.


Ana quando olha para Camila, ambas parecem cúmplices, devem se
gostar muito. O cabelo cacheado de Ana vai até a cintura, emoldurando o

rosto de pele clara, as bochechas ficam rubras quando ela olha para Camila.

Sentamos todos na mesa e pedimos cerveja enquanto curtimos o samba.

— E então, tem loira no samba. — A Camila mexe comigo.

— Confesso que dança de salão não é o meu forte, mas vamos lá. —

Opto em não falar acerca do balé, ou do meu amor pela dança, hoje quero
apenas ser uma aprendiz comum.

— Isso aí, garotas medrosas não fazem história. — Ela diz e sorrio
simpática gostando do conselho.

Dona Simone gargalha de algo que Camila diz, e todas as duas tem
uma energia incrível, me pego sorrindo mesmo sem entender o que foi dito
por conta do som alto, mas o barulho de suas risadas, já me diverte.

— O cara não valia nada, tia, só queria me iludir — Camila conclui a

conversa.

— Eu sempre avisei à Jasmine. Homem é só para se divertir, nada


mais.

— Mãe! — A menina repreende a mãe e ela olha para Jonas sorridente.

— Desculpa, meu filho, nada pessoal — brinca e ele entra na onda


rindo também. — Licença, vou me divertir, meninos. — Ela se levanta e vai
conversar com o grupo de senhoras que acabam de chegar, as amigas dela, e
tão logo cada uma está com seus pares bailando pelo salão.

— Não vai me tirar para dançar, João? Estou exausta de esperar. —

Falo alto, o intimando mesmo.

— Amora, não sabemos dançar isso, não invente.

— Parece fácil, João, anda, vamos.

Levanto-me e ele, não restando opção, vem atrás, fazendo todos da

mesa se divertirem às suas custas.

De relance vejo Ana acariciando a mão de Camila em cima da mesa,


mas a música que começa a tocar me desperta a atenção.

"Tudo fica mais bonito quando você está por perto

Você me levou ao delírio por isso eu confesso

Os seus beijos são ardentes."

Tentamos imitar os casais ao nosso redor que dançam colados, e João


não tem qualquer molejo, começamos com o básico dois pra lá dois pra cá,
mas João pisa no meu pé, coça a cabeça nervoso e eu jogo a cabeça para trás
em uma gargalhada que me rouba o fôlego.

"Quando você se aproxima o meu corpo sente


Os seus beijos são ardentes

Quando você se aproxima o meu corpo sente."

De relance, vejo Jonas e Jasmine tentando dançar, mas o me foco volta


para João que me segura a mandíbula e rouba-me um beijo.

— Você me faz muito feliz, sabia? — Diz.

— Não mais do que você me faz.

"Balança o mais forte alicerce que tem neste mundo

O cupido me flechou

Foi no bloco Olodum que encontrei meu amor

Vem pra cá deusa do amor."

Gosto da melodia suave e dançante, abraço João e fecho os meus olhos,


nossa vida de casados me parece um sonho bom, espero que tenhamos muitos
dias como este.

Teimosa, eu o obrigo a dançar comigo todas as músicas cantadas pela


banda, conseguimos acertar alguns passos, e os que erramos são motivo de
gargalhada entre nós.

O corpo suado de João faz a sua blusa social branca colar no peitoral,
enquanto eu tenho as bochechas coradas por todo o esforço.

— Vou ao banheiro. — Sussurro no ouvido de João, e assim que nos


desvencilhamos, uma senhora de cabelos brancos vai para os braços dele que
coça a cabeça, sem jeito de negar.

Eu rio, e vejo dona Simone dançar junto de Jonas, dou uma corridinha e

vou até o banheiro singelo que possui seis cabines, vou para a última no
fundo que parece um pouco mais robusta.

Assim que termino o xixi, vejo pés do lado de fora em frente a minha
cabine, abaixo a minha minissaia e reconheço a voz, dona Simone.

— Até que enfim me atendeu... — Ela se cala por um segundo e em


seguida a voz parece exaltada. — Por que a sua filha está andando junto com
a minha? Não foi esse o nosso combinado.

Estanco no lugar, paro a minha mão que ia apertar a descarga, fico em


silêncio e atenta a sua conversa suspeita.

— Você tem que voltar dessa merda de viagem. O mundo está


desabando.

De repente, um barulho de porta se abrindo, é Jasmine.

— O que está acontecendo, mãe?

— Nada, minha riqueza, só estava tentando falar com um amigo de


trabalho, mas caiu na caixa postal.

Ela mentiu. Deus, definitivamente há muita coisa oculta nessa história.


Sua filha perto da minha. Nosso combinado. Viagem. Tudo tão turvo.

— Por que disse que o mundo está desabando? O que está escondendo,
mãe? — Jasmine confronta, sinto-me uma intrusa aqui nesta cabine.
— Já disse que não é nada, apenas problemas profissionais, nada que
você tenha que se preocupar.

— Não me convenceu, mas vou te dar paz.

— Gostou do meu crush? — Dona Simone brinca, e acabo rindo da


gíria juvenil.

— Ele parece ser gente boa, me ensinou alguns passos de dança de

salão.

— Ele é um excelente condutor. — Sinto o trocadilho em sua voz, a


mãe de Jasmine é um barato.

— E Jonas? Vi vocês conversando, você não fez interrogatório, não,


né?!

— Não, confio na criação que te dei. Sei que não se envolveria com
algo errado, entretanto, você nunca me apresentou um alguém antes. Precisei
conferir de perto e joguei uma letra para ele ver que sou uma leoa.

— Ai, já vai você assustar o homem.

— Venha, vamos curtir nossa noite. Em casa conversamos melhor.

Elas saem do banheiro e espero um tempo para sair também. Antes, eu


envio uma mensagem para o meu pai.

Papai, o senhor possui muitas explicações a me dar, aguardo o seu


retorno.

Saio do banheiro e vasculho o salão com o olhar a procura de João e


surpreendo-me ao ver Jonas e Jasmine dançando agarrados, se beijando.

— Está passando mal? Demorou muito no banheiro. — João questiona.

Ele aparece com uma lata de refrigerante na mão, eu a pego, não tomo
esse tipo de coisa no dia-a-dia devido a minha dieta regrada, aliás, toda a
minha alimentação do dia foi atípica, mas neste momento, tenho a boca seca,
tentando digerir tudo.

Seu olhar azul segue o meu e vê o casal, ele sorri e dá de ombros.

— Seu irmão é muito velho pra ela. — Reclamo.

— Eles estão tendo um momento, quem sabe no que pode dar. Venha,
preciso te mostrar o giro que aprendi. — Fala entusiasmado e eu sorrio.
O Presente

JOÃO

Desde que saiu do banheiro da gafieira, Amora olha o celular de minuto


em minuto, depois que chegamos em minha casa tentei namorar novamente,

mas ela me disse que estava cansada, enviou mais algumas mensagens, e
desconversou quando perguntei do que se tratava.

Agora que ela pegou no sono, fiz algo realmente horrível. Pegue o
celular e me tranquei em meu banheiro, a senha de seu aparelho é o desenho
de um “J” já a vi fazendo diversas vezes.

Desbloqueio a tela e entro em seu aplicativo de mensagens


instantâneas, e as últimas foram enviadas para Jasmine e para Rodolfo.

Clico na conversa com Jasmine, e vejo que ela enviou uma foto sua

perguntando a respeito da roupa para ir a gafieira, e a outra mensagem foi


agora pela madrugada.

Aproveite a noite com sabedoria, boa escolha.

Jasmine a respondeu com um emoji envergonhado e em seguida Amora


a enviou outros sorrindo. Clico na mensagem que ela mandou para Rodolfo e
fico completamente incrédulo com a sua revolta.
O seu silêncio fala mais alto que a sua mentira, saiba meu pai que eu
vou cavar até descobrir como o colar com o brasão da nossa família foi

parar no colo de Jasmine, qual a sua ligação com a mãe dela, e quando eu
descobrir o senhor não vai mais me parar, eu vou lhe mostrar a minha força.

Sorrio gostando muito da valentia que usou para falar com o velho
Guedes que visualizou, porém, a deixou sem respostas. A minha menina

também gosta de montar um quebra-cabeça.

Eu vou dar isso a ela, ainda não sei como, mas vou dar de bandeja para
Amora a descoberta de sua irmã.

Saio do banheiro com suavidade nos pés e calculando cada movimento


para não acordá-la. Bloqueio a tela do aparelho e o deixo no mesmo lugar que
o peguei.

Deito ao seu lado e admiro o seu rosto bonito e sereno repousando, ela
teve coragem de enfrentar o pai, será que entenderia os meus motivos para

buscar vingança? Será que ficaria contra o mundo para ficar ao meu lado?

Acaricio as suas bochechas, e determino internamente, uma vez


casados, eu nunca lhe darei o divórcio, ela é minha, mesmo que me odeie
quando descobrir todo o plano.
Acordei sem Amora ao meu lado, ela disse por mensagem que foi até a
antiga faculdade destrancar seu curso de administração, não sei qual foi o

gatilho que a fez despertar para isso, visto que, ela estava totalmente perdida
sobre o rumo que tomaria na vida, mas envio uma mensagem a apoiando.

Termino de dar o nó em minha gravata e já tenho Cadu logo cedo me


ligando.

— Você não vai acreditar no que eu acabo de descobrir.

— Diga logo, Cadu.

— É fofoca quente, muito quente, João. — Gargalha e tomo mais um


gole do café expresso que acabei de passar.

— Só acredito ouvindo.

— Jonas, acabo de sair da casa dele, é oficial, o velho Guedes nasceu


para produzir bocetas para os irmãos Patacho. — Ri em alto e bom som.

— Do que está falando?

— A virgindade da bastarda já era. Cheguei na casa de Jonas e os


encontrei dormindo juntinhos, com o lençol sujo de sangue, a prova que o
nosso plano vai de vento em polpa. — No mesmo instante, o barulho de
uma segunda ligação ecoa, no visor o nome de Jonas, já vi que o dia de hoje
promete.

— Espere um instante na linha, Cadu.


— Bom dia, irmão. — A voz de Jonas invade o meu sistema, pela
forma como ele e Jasmine estavam grudados e expostos ontem, eu imaginava

que faltava pouco para que ficassem juntos, mas desde que ele começou a se
envolver com essa menina, não reconheço mais o meu irmão, e acho que ele
também se sente assim comigo desde o meu início com a Amora.

— Bom dia, Jonas, o Cadu me disse sobre a virgindade de Jasmine.

Isso é excelente para os nossos planos. — Jogo as palavras para sentir a sua
reação, e ele rosna, está puto.

— João, não pretendo usá-la nesse sentido… — começa a explicar,


porém, eu o interrompo, eu preciso despejar em cima dele a verdade nua e
crua, assim como, ele sempre fez comigo.

— É ruim, não é?! Você acha que eu gosto de usar a Amora? De fazer
amor com ela sabendo que quero ferrar com o pai dela? Acha que não me
sinto sujo, traidor?! — acuso e ele fica em silêncio. — Pois é, não temos

escolhas, Jonas, eu fiz e agora será você a fazer. Não demore a tomar uma
atitude.

Fica sem palavras, pois ele sempre me encorajou a usar Amora, sem se
preocupar com os meus sentimentos. Astuto, ele opta em mudar de assunto.

— Vou passar o dia com ela hoje. Está tudo ajustado na empresa,
minha secretária me passará os trabalhos urgentes por e-mail, mas...

Corto-o:
— Já sei. Precisa que eu fique de olho em tudo. — Respiro fundo,
resignado. — Tudo bem, mas quando daremos o próximo passo?

— Vou ver, João — responde de má vontade e desliga, claramente


fugindo.

Regresso para a ligação e tenho uma excelente ideia, e armo tudo com
o Cadu. Pela primeira vez eu vou passar por cima de uma ordem do Jonas, e é

para favorecer a Amora, que já ama tanto essa irmã.

Amora

Abandonei a faculdade de Administração faltando apenas a entrega do


trabalho de conclusão de curso para entregar, agora mais do que nunca, quero
ter o meu diploma em mão, vou me empenhar nisso, de fato eu quero um
lugar na empresa.

Assim que eu chego em casa, o segurança que fica em nosso portão me

pede um momento, paro o carro ao lado dele e abaixo o vidro.

— Bom dia, dona Amora.

— Bom dia, como vai?

— Tudo bem, é só que um dos funcionários do seu pai passou aqui e


deixou essas cartas que segundo ele é coisa pessoal, pediu que eu entregasse
em mãos a senhora.

— Qual o nome do funcionário?


— Agora a senhora me pegou, ficamos de prosa e nem mesmo
perguntei. — Eu rio da sua confusão, o senhor Januário é aquele tipo de

pessoa que se você der “bom dia” ele conta a vida dele inteira.

— Tudo bem, pode me dar, eu coloco no escritório de papai. Estou


atrasada para um compromisso, tenha um bom dia.

— Bom dia, senhora.

Pego o envelope e o jogo sem qualquer interesse no banco do carona.

Estaciono o carro e reparo que o jardim anda muito bem cuidado, a


orquídea que toquei no dia em que vi João pela primeira vez já dobrou de
tamanho.

Penso nele e na forma brusca que saí de sua casa pela manhã sem me
despedir, dou a ré com o carro, e decido ir até a empresa lhe contar sobre o
meu regresso definitivo à faculdade e os meus planos futuros.

Saio do condomínio e resmungo com o trânsito a minha frente, ligo na

minha playlist e sacudo um pouco o corpo ouvindo Charme e relembrando a


noite que levei João ao Viaduto de Madureira, o nosso primeiro beijo na
chuva, o amasso que demos em seu apartamento logo em seguida, tantas
lembranças boas, que passado bonito construímos, e caminhamos para um
futuro ainda mais intenso e divertido, porque nada com ele é linear ou
monótono.

Assim que estaciono na vaga destinada à presidência na Guedes


Engenharia, antes de descer do carro decido pegar a carta na mão e levar a

secretária do meu pai, para que ela averigue se é algo importante ou deva ter
alguma providência, pego o meu celular na outra mão e vejo que possui
notificações, entretida eu desbloqueio a tela, no aplicativo de mensagens
mamãe me felicita pelo regresso à faculdade, eles já descobriram no espaço
de tempo de menos de uma hora em que fui à faculdade e vim para a Guedes,
definitivamente eles não sabem se desligar do mundo durante uma viagem
para descansar. No final da mensagem, ela diz que o meu pai pretende voltar
até a próxima semana ao Brasil. Imaginei que ele faria isso, isso só confirma
a minha suspeita que era com ele que Simone falava ontem na gafieira.

Olho ao redor do estacionamento meio escuro no subsolo do prédio, e


confirmo que estou só, olho rapidamente a mensagem da minha amiga, que
dividiu casa comigo por um tempo na Irlanda, me convidando para a sua
boate, ela quer a minha dançarina sensual essa noite, mordo os lábios

pensativa, será que João iria gostar? Ela, depois que chegou ao Brasil, um
ano antes de mim, se casou com o dono de uma boate de prostituição, uma
boate de luxo frequentada pelo mais alto escalão da sociedade.

Apoio o envelope de carta em cima da minha coxa para digitar


declinando do convite, mas calculo errado, a carta escorrega para o meu
carpete, resmungo e me abaixo para pegá-la, assim tiro os meus olhos do
telefone e bato direto no nome do destinatário, está cravado “Aluna Jasmine
Cerqueira”.

Por que a carta de renovação de matrícula da faculdade de Jasmine veio

parar aqui na minha casa?

Totalmente curiosa eu rasgo o envelope, e fico surpresa, a faculdade


dela é paga da mesma forma que a minha era, em nome de papai, porque se
fosse em nome da Guedes, ele teria que prestar contas para os sócios, ele me

explicou isso na época. Ele paga a faculdade dela.

Ela tem o cordão com o brasão da nossa família. A mãe dela ligou para
ele ontem no banheiro, só pode ter sido, eles possuem algum acordo e ela não
ficou feliz em me ver com a filha, ela me reconheceu de imediato por isso o
seu sorriso e simpatia morreram ao me ver.

Meu Deus! Tudo se encaixa.

Os olhos da Jasmine são da cor dos meus, castanho-claro esveardeado,


dando uma tonalidade de mel, o seu tom de pele é escuro, mas é bem mais

claro em comparação ao de sua mãe. Jasmine gosta de estampas, é


inteligente, líder, como o meu pai.

Ela é filha do meu pai.

Ela é minha irmã.

Trêmula, eu disco para o telefone do financeiro da faculdade de


Jasmine, o número no rodapé da carta.

— Bom dia, me chamo Jasmine Cerqueira, e gostaria de saber se a


minha renovação de matrícula ainda está cadastrada em débito automático,

pretendo alterar.

— Me confirma o seu CPF e data de nascimento, por favor. — Repuxo


os lábios por um instante, olho a carta e tem apenas o CPF dela com alguns
dígitos tampados.

— Pode ser os dados do responsável pelo pagamento? É porque estou

com os dados dele agora em mãos, os meus eu tenho que procurar, sabe como
é bolsa de mulher. — Dou um riso nervoso.

— Tudo bem, pode ser sim.

Abro o meu porta-luvas, nele possui um contrato social da empresa, o


possuo desde que comecei a me inteirar mais sobre a Guedes, olho os dados
do meu pai e confirmo tudo para a menina na linha.

— Claro. Localizei seu cadastro, e está sim em débito automático,


deseja mudar para qual meio de pagamento?

— Quer saber, vou esperar mais um tempinho para alterar, mas


obrigada pelo atendimento.

Termino a ligação, e caminho de um lado a outro do escritório. Decido


não ficar só nessa agonia. Disco pra Jasmine.

— Oi, Amora...

— Jasmine, está podendo falar agora? Está sozinha?

— Sim, estou podendo falar, sim. — Parece pensativa. — Estou


sozinha, sim, pode falar.

— Jasmine, eu acho que descobri o motivo da sua mãe ter lhe dado o

cordão da minha família. — Ela silencia. — Porque você é um membro.


Você é uma Guedes.

— Não pode ser possível, Amora. — Gagueja.

— Jasmine, acabo de receber uma carta da sua faculdade em minha

casa. Achei estranho algo com o seu nome estar endereçado para a minha
casa e as empregadas receberem. Curiosa, claro, eu a abri. Vi que a
responsabilidade pelo pagamento da sua mensalidade não é da Guedes
Engenharia, e sim, do meu pai.

— Impossível, Amora. Minha mãe me arrumou uma bolsa.

— Eu liguei para a sua faculdade e confirmei, Jasmine, o meu pai


coloca tanto a sua quanto a minha mensalidade em nome dele, porque pela
empresa, ele precisa prestar conta aos sócios, então, misteriosamente, ele

paga sua mensalidade como pessoa física, o que é ainda mais estranho e sem
sentido, não acha?

Ela fica sem palavras, deve saber dessa história tão pouco quanto eu, já
que agiu com tanta naturalidade quando a confrontei acerca do colar, ela
realmente não sabia a importância da peça, e ontem na gafieira, ficou confusa
igual a mim com o rompante de sua mãe.

— Jasmine, você está pensando o mesmo que eu? Veja bem, você não
tem pai, você tem a medalha com o brasão da minha família, tem olhos cor de
mel como os meus e do meu pai, Deus! Parando para analisar, você tem todo
o jeito do meu pai, a inteligência, o poder de captar a atenção das pessoas,
liderança. Você é filha dele.

— Amora... Eu…

Corto-a:

— Façamos o seguinte! Não conta isso para ninguém. Vamos fazer o


DNA, o meu pai retorna até esse fim de semana. Vamos ser sorrateiras.

— Está certo.

— Eu vou marcar tudo e te aviso. — Aviso.

Desço do carro guardando o envelope em minha bolsa de mão, e


caminho para dentro do prédio espelhado e onipotente na aréa portuária do
Rio, a sede da Guedes Engenharia, o lugar que estou habituada a ir e vir
desde que me entendo por gente.

Alguns funcionários me cumprimentam, a maioria não sabe muito a


respeito da minha vida, então possuem um certo temor a meu respeito.

Uso o elevador privativo e vou até a sala de João, encontrando ele e


Filipa sorrindo, através do vidro. O meu olhar parece um imã porque atrai os
dois, fazendo o sorriso dela morrer nos lábios.

Mantenho-me parada na recepção e a funcionária de João parece


confusa.
— Diga a ele que Amora o espera.

— Sim, senhora.

Ela telefona para a sala dele, e Filipa lhe diz algo, que ele nega com a
cabeça, o olhar dela encontra o meu, pura ira transparecendo.

Levanta parecendo inconformada e lhe diz meia dúzias de palavras.


Quando sai de sua sala, sequer me cumprimenta, passa feito uma forte

ventania.

João meneia a cabeça a observando escorado na porta, me chama com o


dedo indicador e sorrio indo ao seu encontro.

— Ei, bom dia, minha doce bailarina dos olhos cor de uísque.

— Bom dia, meu dançarino profissional de gafieira. — Instigo


recebendo uma gargalhada genuína dele que me puxa para dentro da sua sala.
— Preciso falar com você, na verdade, preciso de um conselho.

Ele caminha até a sua mesa e aperta o botão que abaixa a sua persiana

nos dando privacidade, dá a volta em sua mesa e me convida para sentar em


seu colo.

Obedeço-o sentando e ajeitando a minha ombro a ombro com babado


branca de poá, reparo que a minha saia plissada combina com a gravata azul-
marinho de João.

Recebo o seu beijo no dorso da minha mão, e ele dedilha os meus


quatro anéis de prata e ouro branco que estão em meu dedo anelar.
— Diga-me, do que precisa a minha futura esposa? — Sorrio com a
menção do nosso casamento.

— Primeiramente, preciso te dizer que o meu pai deve retornar ao


Brasil até a próxima semana, ainda quer mesmo encará-lo e ser o meu noivo?

— Mais do que tudo, meu amor. — Diz, beijando agora a palma da


minha mão, eu amo o seu jeito carinhoso.

Respiro fundo, tomando coragem, preciso realmente de um conselho,


um norte.

— Estou com uma desconfiança — olho para ele. — De que Jasmine é


minha irmã, somente por parte de pai. — A forma impassível dele demonstra
que sabe mais sobre isso, e me choca.

— E o que pretende fazer acerca dessa dúvida?

— Quero, quer dizer, queremos as duas fazer o exame de DNA, mas o


meu pai não está no país para que possamos colher amostra.

— O seu material genético vai servir. — Ergo as sobrancelhas


digerindo a informação. — Se forem mesmo fazer o exame, marque no nome
de Jasmine, se vazar o seu nome, a mídia inteira ficará sabendo em minutos.

— Certo, estas são boas dicas, mas pela forma como você não
demonstrou nenhuma surpresa, quer dizer que você sabe de algo, não é?!

— Talvez eu saiba. — Diz, coloca um fio que fugiu do meu rabo de


cavalo por trás da minha orelha. — Mas este é um assunto de família, e eu
ainda sou um intruso.

— Está certo, entendo o seu ponto.

— E se ela for mesmo a sua irmã?

— Vai ser a notícia mais feliz da minha vida. — Sorrio e ele me


acompanha. — Ela é incrível e tem muito a me ensinar, olhando friamente,
ela tem muito mais coisas em comum com o meu pai, os gostos pessoais dela

são como os dele, até o Jonas os dois gostam em comum. — Divago e João
ri. — Enfim, será uma notícia boa.

— Fico muito feliz por você, ter um irmão é ter alguém para confiar a
vida, mesmo que às vezes você tenha vontade de matá-lo com as próprias
mãos. — Brinca. — Aconteça o que acontecer, se apegue a ela, Amora,
talvez ela seja a única pessoa no mundo em que você poderá confiar.

— Credo, João! Eu até me arrepiei aqui. Por que diz isso?

— Nada, meu amor, apenas guarde as minhas palavras. — Dá duas

palmadinhas em minha coxa. — Agora preciso expulsar a sua bunda bonita


de bailarina da minha sala, meu irmão não vem hoje, o que significa que eu
terei que cumprir a sua agenda.

Bufo, inconformada.

— Sim, esta é a parte que eu disse que dá vontade de matar com as


próprias mãos. — Revira os olhos e confirmo sorrindo.

Ainda sem acreditar que vou ganhar uma irmã.


A Irmandade

Dois dias depois

JOÃO

Fiz com que Cadu fosse até a faculdade de Jasmine e entregasse a


correspondência nas mãos de Amora sem despertar desconfianças para nós,

por uma lado fiquei feliz, porque Amora está radiante por ganhar Jasmine
como irmã. Por outro lado, o Jonas me deu uma bronca daquelas.

Ele se apaixonou pela garota e quer protegê-la, mas agora é muito tarde
para regressar, a partir do momento que tanto eu quanto ele entramos na vida
das filhas de Rodolfo, o caminho se tornou sem volta.

Manipulamos, seduzimos, estudamos as suas nuances, os gostos, por


mais genuíno que tenha sido a conquista, não foi natural, porque Amora
realmente não faz o tipo de mulher que eu tentaria conquistar, assim como

Jasmine não é o tipo de Jonas. Em um mundo normal, no máximo nós


olharíamos para elas e íamos achar bonitas, mas não partiríamos para cima
como fizemos, e olha que ambas deram trabalho para chegarem em nossa
cama. Outro fator que ambos odiamos, a dificuldade, temos tendência a nos
interessarmos por mulheres independentes e descomplicadas, tá tudo errado,
distorcido.

Com o regresso da faculdade, Amora tem se dedicado além do que eu


esperava, tem feito cursos de extensão, ela não fala o motivo de estar tão

estudiosa e focada, eu julgo que seja por conta das palavras duras que seu pai

proferiu contra ela, deve querer impressioná-lo, e acho isso ótimo, a minha

garota tem muito potencial.

A porta da minha sala é aberta, e levanto o rosto para reclamar já que


pedi privacidade para analisar um contrato, e o choque me toma por inteiro,

Rodolfo Guedes em carne e osso a minha frente.

Levanto-me ajeitando o terno e ele vem até mim, ergue a mão e a pego
cumprimentando-o.

— Bem-vindo de volta, senhor.

— Quero saber o que andaram fazendo na minha ausência, não me


deram prejuízos, né? — Brinca.

Ainda não.

— Imagina, senhor. — Dou um sorriso amarelo.

— Eu acho que a questão são os músculos.

— Não entendo, senhor.

— Amora, eu acho que ela não escolheu o Jonas por conta dos
músculos, você tem mais. — Rio incrédulo.

— Acho que não foi esse o critério, senhor. — Ele semicerra os olhos e
leva os dedos a boca.

— Eu não sei o motivo, mas eu não consigo gostar de você, João. —


Diz, olhando-me profundamente.

Talvez seja porque, toda noite antes de dormir eu prometo te matar com

a mesma crueldade que mandou usarem com os meus pais.

— Está tudo bem, não gostar de mim, só preciso da aprovação de


Amora.

— Entenda bem, você é um diretor excelente, aumentou em cem por

cento os lucros da empresa com as suas ideias e propostas, profissionalmente,


você é extraordinário, mas não consigo, eu tenho os dois pés atrás com você.

— Terá que mudar essa impressão, porque muito em breve eu farei de


Amora a minha esposa.

— Como eu já disse, não vou interferir.

— Excelente.

— Vim aqui para convidá-lo, para jantar em minha casa hoje.

— Eu irei.

Ele acena positivamente e sai a passos lentos olhando tudo ao redor,


minhas mãos estão fechadas em punhos, a bile em minha garganta incomoda,
o ar falha em meus pulmões. Eu o odeio tanto.

Pego o meu celular e o coloco em meu paletó, fecho as abas do meu


computador, coloco o contrato que eu analisava na gaveta e passo a chave.

Levanto-me e vejo o seu elevador descer para o térreo, peço o ao lado,


e coloco no andar do meu irmão.
Quando as portas se abrem, vejo Cadu entrando na sala de Jonas, e dou
uma corridinha o alcançando.

— A raposa está de volta. — Falo fechando a porta.


— Sim, ele antecipou o regresso a pedido da filha. Ponha isso na sua
conta com Cadu — responde Jonas, de má vontade.
— Jonas, isso não é bom. Vamos ter que adiantar tudo, o casamento, o

registro da ilegítima. Que merda! — Falo nervosamente.


— Na próxima vez que decidir se unir ao Cadu, lembre-se disso. A
minha vontade era deixar que vocês dois cuidassem de tudo sozinhos. O meu
desejo era não mover uma palha para ajudar, mas infelizmente sou um
homem leal e tem gente que precisa de nós.
— Ele te falou do jantar? — Pergunto e Cadu nega, enquanto Jonas
confirma.
— Sim, óbvio. — Jonas está me dando um gelo, mas eu sou insistente,

sento na cadeira de frente para ele.


— Comprei um par de alianças para a Amora. Acha que devo levar
hoje? — Pergunto.
— Não, primeiro, peça ao pai dela a permissão para o casamento.
Decerto ele vai querer fazer alguma comemoração de noivado, afinal, isso o
colocará na mídia, algo que é sempre bom para os negócios.
— Certo.
— Leve flores para a sua sogra e alguma bebida cara para o Rodolfo —
aconselha ríspido.

— E Jasmine, como está? — Pergunto querendo quebrar o gelo entre


nós.
— Abalada, me pediu um tempo para resolver problemas pessoais.
Mais um item para colocar na sua conta com Cadu.

— E o que você fará?


— Vou atrás dela, assim que acabar essa droga de jantar. E nem me
lembre mais sobre isso que a vontade que me dá é de te dar uns tapas.
— Jonas, me desculpa. — Peço, embora eu não esteja arrependido, a
felicidade da Amora é a minha recompensa.
Meu irmão revira os olhos e foca em seu computador, sem nos dar
atenção. Olha para o celular e bufa, irritado. Deve estar esperando mensagens
de Jasmine que lhe pediu um tempo como acabou de dizer.

— Vocês precisam entender que eu não sou a porra de um inimigo.


Estamos todos do mesmo lado. Parem de fazer burrada. — Fala alterado,
nitidamente descontando em nós a sua frustração.
Lembro quando eu disse a Amora que às vezes dá vontade de matar um
irmão, acho que esse é o sentimento de Jonas por mim agora. Escondo um
sorriso.
— Você parecia enfeitiçado por ela, queríamos que voltasse a enxergar.
— Falo.
— Vocês são dois idiotas! — Ele grita fora de si, e eu rio.

Nossos celulares tocam e juntos temos acesso a uma mensagem do


detetive. Várias imagens nos são enviadas e clico nelas para baixá-las.
— Jonas... — Recomeço a briga tentando me explicar e ele recosta na
cadeira resignado.

— Está feito — decreta.


Nas imagens, Jasmine e Amora saem de um laboratório que faz exame
de DNA. Com certeza foram levar material genético para a coleta do exame.
Sinto-me vitorioso por dar esse presente à minha bailarina, enquanto
Jonas olha para o teto, totalmente chateado ainda comigo.

AMORA

— Obrigada por vir me buscar, foi muito gentil da sua parte. —


Jasmine diz, sentando no banco do carona do meu carro.

Hoje é o dia que vou até o Vidigal conhecer melhor a ONG sem fins
lucrativos, me ofereci como voluntária, pretendo abrir aulas para danças
sensuais.

Jasmine me pediu que viesse buscá-la na saída da empresa, já que ela


trabalha aqui em um cargo assalariado, o que não tem nenhum cabimento, já
que ela será uma das herdeiras da empresa, deve ter seu tempo aprendendo
sobre o andamento do negócio, e não atendendo clientes insatisfeitos.

— Está com o endereço aí no GPS? — Pergunta passando a correia do


cinto de segurança por seu peitoral.

— Sim, senhora.

Espaçosa, ela coloca a sua playlist em meu carro, e eu sorrio quando

começa a tocar Chico Buarque, ela é muito filha do meu pai mesmo.

— Como está a sua relação com a sua mãe? — Pergunto, pois, ela tem
reclamado comigo a respeito através de mensagens.

— Péssima! Ela cismou de implicar com o Jonas.

— Papai também não gosta do João.

— É tão exaustivo.

— Sim. — O celular vibra no bolso frontal da minha calça jeans. —


Chegou alguma mensagem, veja para mim, Jasmine.

— Certo, mas se for de João eu não vou ver, já pensou é um nudes? —


Brinca.

— Nós não trocamos nudez, pode ficar tranquila.

— E se for um texto sexual? — Pergunta zombeteira enquanto puxa o


meu Iphone. — Mensagem da sua mãe. — Clica e forja uma voz fina, o que
me causa gargalhadas. — Filha, chegamos em casa, cadê você? Daremos um
jantar com os irmãos Patacho para comemorar nossa volta, não se atrase.
— Hum, seu queridinho estará lá em casa. — Alfineto.

— Ele não é meu queridinho.

— Vocês dois, o que está rolando?

— É... Complicado.

— Sei. — Dou de ombros.

Paramos no semáforo e a observo cantarolar no meu carro, nossas

diferenças são gritantes, Jasmine é baixinha, cabelos cacheados volumosos,


regata branca e saia até a coxa estampada em azul marinho com grandes
flores vermelhas e uma rasteirinha no pé.

Eu tenho o cabelo liso, fininho e ralo, gosto de tons sóbrios para roupas
em um estilo bem romântico e fluido, e nos pés tenho saltos deixando-me
ainda mais alta.

Mas esta é uma comparação boba, afinal, João e Jonas foram criados
juntos e são completos opostos, mesmo usando roupas sociais, os dois

conseguem imprimir as suas personalidades e discrepância de estilos.

— Quando sairmos lá da ONG, o que acha de jantar lá em casa? Peço


ao motorista para deixá-la em casa depois.

— Não sei se é uma boa ideia.

— Vamos, Jasmine! Jonas e João estarão lá, e no mais os meus pais


dormem cedo, podemos ficar na beira da piscina depois, jogando conversa
fora.
— Você vai ficar do meu lado? — Pergunta no momento em que o
carro de trás buzina irritado com a minha falta de atenção ao semáforo que

está aberto.

— Querida, eu nunca mais pretendo sair do seu lado. — Confesso e do


canto do meu olho a vejo sorrir. Sempre de bem com a vida, nisso ela difere
do meu pai. Relembro da gargalhada gostosa de sua mãe... É, isso herdou

dela.

Analiso o espaço da sala, não é tão grande quanto imaginei, mas vou ter
que ser criativa.

— Quantas alunas se inscreveram? — Jasmine pergunta.

— Trinta. — O rapaz contabiliza na prancheta e ergo os olhos,


totalmente surpresa. — A grande maioria são meninas em situação de
prostituição, talvez essa seja uma chance para muitas de deixar de trabalhar
na rua para buscar uma vaga em casas de show ou até dando aula em escolas

de dança.

Engulo a seco com a minha responsabilidade, mas aceno positivamente.


A dança é a sua missão. Lembro da frase da minha mãe, talvez a minha
missão seja como a dança, totalmente plural.

A coleta para o teste de investigação de parentesco foi bem rápido e


tranquilo, no dia, ficamos apenas uma hora antes da coleta sem comer, e um
esfregaço com algo semelhante a um cotonete no lado interno da boca, foi

colhida a amostra da nossa saliva para obtenção das células bucais que estão
presentes na mucosa. E desde então, não nos desgrudamos mais.

A ida até minha casa se tornou uma tortura já que o trânsito na zona sul
em horário de volta pra casa é caótico. Enquanto permanecemos paradas, eu

rio de Jasmine contando de dona Simone com o seu crush.

— Ela está totalmente apaixonada, mas não vai admitir.

— Ele parecia encantado por ela, naquele dia da gafieira.

— Ela dormiu fora de casa dia desses, eu estava preocupada e enviei


mensagem, pois ela me mandou uma foto dela bebendo champagne na
hidromassagem. — Confessa e eu gargalho jogando a cabeça para trás. —
Disse que se eu continuasse a incomodando ia mandar foto no cavalinho do
motel.

— A sua mãe é um barato, Jasmine.

— Ela é uma adolescente, eu é que sou mãe dela. — Meneia a cabeça.


— E a sua mãe, como é?

— O completo oposto da sua.

— Em que sentido?

— Todos. — Olho para o horizonte, o trânsito um pouco mais fluído.


— Minha mãe é séria demais, eu quase não a vejo sorrir, e o seu esporte
favorito é planejar a minha vida segundo a sua doutrina própria, na verdade,
ela quer que eu seja tudo que ela não conseguiu ser.

— Isso deve ser um fardo pesado.

— Já sofri muito por isso, mas agora eu me sinto mais segura, sei o que
quero pra minha vida, e também sei o que não quero. — Falo vendo o
porteiro liberar a minha entrada no condomínio.

— Uau! Essa casa parece enorme.

— E é! Meu pai gosta de ostentar, mesmo que ele não use nada desta
casa além de seu quarto, escritório e quartinho de som.

— O tamanho da piscina! — Exclama deslumbrada quando estaciono o


carro na garagem.

— Ninguém entra nessa piscina há pelo menos três anos, isso sem
contar os dois anos que estive fora do país, que acredito que também não
tenha ninguém entrado. — Olho para ela. — Tudo uma grande miragem,

entende?! — Ela acena positivamente. — Venha, vamos entrar.

Abro a porta principal da casa e entro sorridente, segurando o braço da


minha irmã.

— Boa noite, gente, trouxe uma amiga para o jantar.

Quatro cabeças se viram para nós, e sinto Jasmine ficar tímida. Mas eu
não a largo, não a soltarei nunca.

— Jasmine. — Apresento.
Olho para João, que está pálido, meu pai desfez o sorriso dos lábios, ele
sabe que estou cavando. Jonas olha para ela esperançoso, quase dando na

cara o quão apaixonado está, e somente a minha mãe parece alheia a tudo.

Todos se levantam para nos receber.

— Você já conheceu o João e o Jonas no almoço da empresa, mas


aquela é minha mãe, dona Amélia. — Aponto para a minha mãe ao lado de

Jonas, que avalia Jasmine dos pés à cabeça e dá um sorriso amarelo, nada
contente, e a minha irmã retribui com um leve aceno de cabeça. — E esse
aqui é o meu pai, Rodolfo.

— Prazer, senhor. — Ela diz fitando o chão.

— Como vai?! — ele diz sem jeito.

— Amor, trouxe um presente para a sua mãe pelo regresso, mas não
aguentei não trazer para você também. — João tira do bolso duas pequenas
caixinhas e entrega a mim e a mamãe, ambas sorrimos em contentamento.

Eu, quando vejo a pequena gargantilha com uma máscara de pingente, agarro
o pescoço dele e dou-lhe um selinho. O nosso segredo.

— Obrigada, amor. — Já coloco a joia de imediato e a minha mãe


agradece mais contida.

— Jasmine, como se conheceram? Ela é filha de alguns dos nossos


amigos? Não me recordo — pergunta a mulher loira com suas roupas
clássicas para um jantar informal.
— Não, mãe. Nos conhecemos no almoço com a presidência. Eu fui de
intrusa e lá fizemos amizade.

— Na verdade, nos conhecemos antes, em um dia ruim — Jasmine diz


e nós duas sorrimos, cúmplices.

— Como assim? — pergunta mamãe.

— Eu estava distraída ao telefone.

— E eu andando de cabeça baixa. Demos um encontrão e eu caí, em


frente à empresa — completo.

— Se machucou, filha? — Pergunta aflita.

— Não foi nada, mas destratei a Jas, e logo depois nos conhecemos
melhor e ficamos amigas.

— Ah, sim — dona Amélia diz nitidamente descontente com a


amizade. Meu pai está quieto, observando a tudo.

— Gostou da casa, Jasmine? Sei que faz faculdade de design de

interiores — Jonas puxa assunto e ela dá um sorriso falso.

— Sem dúvidas, os quadros são um charme, aquele azul ali ao fundo


me lembrou o quadro Sol sobre paisagem.

— Papai ama quadros, é um colecionador. Eu não entendo nada, para


mim é tudo mais do mesmo. — Comento e o poderoso Rodolfo olha pra
Jasmine com curiosidade. Eles tem muitos gostos iguais, fico feliz em
proporcionar este encontro.
— O que sabe desse quadro? — ele pergunta dando total atenção a ela.

— Que é de Antônio Bandeira, um pintor cearense. A obra foi

comprada em um leilão em 2010, por um comprador anônimo.

— Eu que comprei. É original.

— Uau! Excelente gosto. Foi realmente uma bela aquisição. — Olha


deslumbrada para a peça, que para mim, é sem graça como todas as outras.

— Como você entende tanto de quadros?

— Estudei um pouco sobre em uma matéria curricular do meu curso,


História da Arte. Acabei me interessando sobre obras de artistas nacionais, e
este quadro em específico está em nossa história como um dos quadros
nacionais mais caros.

Sorrio pela forma segura com que ela fala, a inteligência, o jeito que
demonstra ter convicção no que diz. É uma mulher deslumbrante, eu ganhei
uma irmã incrível, a olho apaixonada.

— Você parece gostar muito da sua faculdade, eu também tinha esse


brilho nos olhos quando iniciei a minha — João diz.

— O meu amor pelo design vem desde muito cedo, sempre rabisquei
paredes de casa quando pequena — ela sorri com a lembrança. — Trocava
móveis de lugares, ficava observando as obras nas casas das pessoas e
gostava de ver cada dia algo novo se modificando. Fui crescendo e
reciclando, lixando e pintando móveis, enfim, só tive a certeza do que eu
gostava de verdade.

— Com o senhor também foi assim, pai?! Quando cursou arquitetura?

— pergunto e ele reflete, sua testa franze, os dedos cintilam nos lábios para
escolher bem as palavras certas.

— Meu pai era um carrasco, minha filha. Não tinha essa de paixão, eu
tinha que dar continuidade na linhagem da família de arquitetos. Não tive

escolha. A sorte foi que pelo caminho, eu fui me identificando.

— Com licença, senhores, o jantar está pronto. — A nossa funcionária


avisa.

— Vamos todos comer, então. Coloque mais um prato para a convidada


de Amora na mesa.

— Sim, senhora.

Guio Jas para a mesa ainda agarrada ao braço dela e cochicho: — O


Jonas não para de babar em você.

— E o João está doido para te levar daqui e te ver usando só uma


máscara igual essa do seu cordão. — Responde e levo a mão ao coração
encenando um choque, o que a faz rir baixinho.

Caminhamos todos até a mesa de jantar de dez lugares. Minha mãe


religiosamente senta-se ao lado direito do marido, que está ao centro, sento-
me ao lado dela, com Jasmine do outro lado. De frente para nós, sentam
Jonas e João, cada um cara a cara com a sua pretendente, sorrio com o
pensamento.

João dá uma tossida e enquanto a mesa é servida, puxa o comentário:

— Rodolfo, ao fim do jantar, se não estiver muito cansado, eu gostaria


de ter uma conversa a sós contigo. — Ele fala me olhando profundamente,
vai falar do nosso noivado, ele realmente leva isso a sério. Mordo o canto da
boca ansiosa.

— Tudo bem, já sei que quer a mão da minha filha. Eu,


particularmente, prefiro o Jonas. Sinto falta da época em que os pais que
escolhiam os pretendentes para as filhas.

— Pai, que grosseria! — repreendo.

Olho para Jasmine e ela fita o prato. Não consigo identificar o que
passa em sua mente, que imbróglio. Papai gargalha sentindo o clima tenso na
mesa.

— Estou brincando, filha! Os jovens de hoje em dia levam tudo a ferro

e fogo. Pois, saiba, João, se a minha filha quer casar contigo, assim irá
acontecer, mas os aspectos legais teremos de tratar a sós, realmente.

— Pai! — Levo a mão a testa tentando tampar meu rosto de tanta


vergonha.

— Amora, você ainda é uma criança, preciso proteger o nosso


patrimônio.

Respiro fundo, fico totalmente envergonhada, a minha mãe olha


indignada para o marido. João tem a mandíbula travada e eu nem ouso olhar
para a minha irmã.

— Assim você ofende o João — Eu falo semicerrando os olhos para o


meu pai que dá de ombros.

— Amora, querida, fique tranquila. Meu irmão e eu somos homens de


negócios, assim como o seu pai, e sabemos como funcionam essas partes

burocráticas. Não é nenhum insulto, é a vida adulta como ela é, mas Rodolfo
e João lidarão com isso depois, só os dois. — Jonas intervém.

Porém, estou farta de deixar que os outros decidam a minha vida.

— Negativo! Eu estarei presente, faço questão. — Assumo não dando


brecha para discussão.

— Amora! — Meu pai fala em um tom raivoso.

— É assim que vai ser. — Rebato, totalmente cansada de seus


desmandos.

— Tenho certeza de que seu pai não irá se incomodar em permitir a sua
presença. Se quiser, eu também participo e chamo Cadu, que é advogado,
mas agora vamos comer, pois esse ravioli parece incrível. — Jonas fala.

Durante o jantar, o clima não é dos melhores. Jasmine está tensa ao


meu lado, a vejo comer sem muito gosto. Mamãe comenta que a massa foi
trazida da Itália e Jonas e João tecem um ou outro elogio para que não se
ouça apenas o barulho dos talheres riscando a cerâmica. Papai está silencioso,
o que acho ótimo, e também me dá medo.

Quando é servida a sobremesa, vejo que é a minha favorita,

cheesecake.

— Nossa, que doce bonito. — Jasmine elogia.

— É o meu favorito, prove! — Falo entusiasmada e a sirvo, percebo


que as pessoas em geral gostam desse tipo de mimo.

Ela dá uma colherada junto comigo e faz um careta, passa o


guardanapo de pano nos lábios e força o doce a descer em sua garganta.

— Você não gostou! — Eu explodo em uma risada. Ela é


extremamente transparente.

— Não gostei, francamente, mas não é de todo ruim — tenta consertar


e nos faz rir, exceto o casal mais velho na mesa.

— Você não sabe o que é bom, querida, esse cheesecake é receita da


minha família. — Mamãe alfineta, se sentindo ofendida, quanta besteira.

— Me desculpa a indelicadeza, dona Amélia, mas, entenda, não é só


porque a senhora gosta que significa que é bom. Assim como não é só porque
eu não gostei que é ruim. As pessoas possuem gostos, preferências, e isso não
necessariamente significa "não saber o que é bom".

Minha mãe revira os olhos e eu sorrio de lado. Jasmine não é o tipo de


mulher que abaixa a cabeça com facilidade, e isso me fascina e inspira.

— O assunto está ótimo, mas já vou para casa. Preciso descansar,


afinal, amanhã ainda é dia de trabalho — Jonas diz...

— Antes eu queria falar contigo, Jonas. Vamos até meu escritório. —

Papai o intimida e ele olha para o relógio em seu pulso nitidamente


desgostoso.

Sussurra algo para o meu noivo, que concorda com a cabeça, e se


levanta pedindo licença a todos da mesa seguindo com papai.

Ao fim do jantar, Jonas levou Jasmine embora e João decidiu ficar mais
um pouco comigo, agora sozinhos na sala me jogo em seus braços recebendo
um cafuné.

— Nossa! Quanta tensão. — Relaxo com o seu carinho.

— Agora está tudo bem, amor.

— Desculpa pelo o que meu pai falou, e saiba, que vamos nos casar
com total divisão de bens.

— Amora, isso não é prudente.

— Não confia em mim? Tem medo que eu roube os seus bens? —


Provoco e ele expira forte.

— Depois lidamos com isso, deixa eu sentir o seu cheiro, tenho sentido
a sua falta. — Pega o meu rosto em suas mãos e cola os lábios em minha
testa. — Eu sou tão dependente de você, dos seus olhares em mim.

— Eu também, amor. — Confesso.

— Quando você vai dormir lá em casa? — Sussurra. — Estou com


saudades do seu espetáculo.

— Não sei, tem a faculdade, os cursos de extensão, o projeto na ONG,

e amanhã sai o resultado do DNA, provavelmente será o caos nesta casa. —


Um bocejo escapa dos meus lábios, efeito das carícias de João.

— Está certo. É bom, então que você descanse.

— Sim. — Falo com as pálpebras pesadas. — O seu cafuné é tão bom,

estou quase indo.

— Durma, amor, depois te levo até o seu quarto no colo.

Fecho os olhos e me rendo ao sono, o que eu não podia imaginar é que


seria a minha última noite tendo a sorte de uma vida tranquila.
As Escolhas

AMORA

O barulho agonizante, martelando na minha cabeça, testo abrir os


olhos, entretanto as pálpebras ainda estão pesadas, e então a percepção me

atinge, o resultado do exame. Os meus olhos se arregalam.

Tateio a minha mesa de cabeceira, e encontro o celular, seguro com


firmeza nas mãos enquanto ainda bocejo, completamente sonolenta, ainda
não está na hora combinada para liberação do resultado.

Levanto-me da cama que João realmente me colocou ontem, sem que


eu despertasse, tomo um banho demorado, ainda nervosa, pego as primeiras
peças de roupa que vejo, porque preciso ver o resultado junto de João.

— Bom dia! — Papai saúda assim que me vê descendo as escadas, ele

e a minha mãe tomam café na mesa posta.

— Bom dia? Depois do fiasco que o senhor aprontou ontem, só pode


ser deboche.

— Eu aprontei? Apenas estava cuidando de você, ingrata.

— De mim não, como foi a palavra que o senhor usou? — Puxo na


memória. — Do patrimônio, não de mim.
— Dá no mesmo, minha filha. Precisa entender que você é o seu
patrimônio, não tem como escapar disso.

— Tanto sei disso, que em breve vou me formar, e assumir a


presidência da empresa quando o senhor se aposentar.

— Besteira, meu sucessor é o Jonas, até mesmo o João eu acredito na


competência.

— Confia nos dois e me descredibiliza. — Solto o ar fortemente,


incrédula. — Com licença, estou irritada até mesmo para fazer a boa
vizinhança.

Caminho para fora e ouço quando ele diz para uma das funcionárias: —
Liga para o Otto, e diga-lhe que mudei de ideia em relação a cláusula.

Não sei do que se trata o assunto que ele tratará com o seu advogado,
porém me incomoda que a todo instante meu pai só pense em trabalho?

— O resultado já está disponível.

— Ai, João, abra você e me diga. — Falo aflita andando de um lado a


outro de sua sala, a minha mão colada ao peito sentindo as batidas fortes do
meu coração.

Ele sorri, tira os olhos de mim e os direciona a tela do computador.


— Onde estão os dados de login? — Pergunta e retiro da pequena bolsa
de mão o papel com as informações, e passo para João com a mão ainda

trêmula.

Caminho de um lado a outro, inspiro fundo, expiro.

— Anda, João. — Apresso ele que se levanta e vem até mim, seu
sorriso aberto me faz sorrir também. — Diga algo. — Peço.

— Você acaba de ganhar um dos maiores presentes que a vida poderia


te dar, uma parceira para dividir a vida. Como dizem as crianças: você foi
promovida a irmã mais velha. Positivo!

— Ah, meu Deus! — O abraço tão emocionada. — Jasmine é minha


irmã.

— Sim!

— Preciso ir até ela, temos que conversar, entender como tudo


aconteceu.

— Se me permite um conselho, vão com calma, conversem entre vocês


duas primeiro e decidam juntas como farão isso.

— Você tem razão.

— Jonas está vindo para a empresa e a trazendo consigo.

— Vou descer, quero encontrá-la ainda na recepção.

— Boa sorte.
A poucos passos de mim na recepção está Jasmine, com olhos
assustados e sua roupa estampada.

Seus olhos cor de mel pousam em mim e as sobrancelhas sobressaltam.

Caminho nervosamente na sua direção. Confesso estar nervosa, pois,


provavelmente ela já sabe do resultado do exame e não sei como enxerga esse
positivo.

— Jasmine, podemos conversar? Vamos até a sala do meu... — Paro de


falar, demonstrando que de fato já estou a par do resultado. — Vamos para a
sala do papai. Ele não virá hoje, teremos privacidade.

Concorda com a cabeça.

Segue comigo para o elevador direcionado para a presidência.


Caminhamos lado a lado e isso basta para que ela consiga passar pela

segurança sem questionamentos, mas reparo os olhares curiosos sobre nós.

Quando as portas se abrem, percebo que ela tem os olhos ao redor da


decoração do andar. Pisos de mármores enormes dão uma amplitude no
corredor milimetricamente ocupado por móveis em tons de madeira bruta.
Um lindo jardim de inverno protegido por uma enorme porta de vidro fica ao
lado da bancada, onde fica a secretária executiva, conforme descreve a
pequena placa prateada à frente da mesa da mulher loira em um fino terninho.

— Evelin, como vai? — pergunto.

Os olhos azuis se erguem desprendendo a atenção a tela do computador


branco à sua frente e um sorriso se forma em seus lábios.

— Senhorita Amora, vou bem. Como tem passado? — pergunta,


porém, seus olhos pousam em Jasmine, questionadores.

— Vou bem também. Preciso de privacidade para ter uma conversa,


usarei a sala de papai. Por favor, se assegure que não seremos interrompidas.

— Pode deixar.

Seguro a mão da minha irmã e sigo junto dela. Entramos na sala


enorme. Enquanto passo o trinco na porta, Jasmine observa a estante que
pega de uma ponta a outra da parede e contém livros diversos.

Um barulho de interruptor ecoa no ambiente e ela se vira. Observa-me


abaixar um pequeno botão próximo a porta.

— Estou desligando as câmeras. Agora, sim, estamos totalmente a sós.

Desajeitada, coloca um cacho atrás da orelha.

— Eu acordei tarde hoje, só agora vi o resultado do exame. Você já o


viu? — digo sentando-me no sofá preto que combina com o restante da
decoração. Bato a minha mão ao lado para que se junte a mim, ela o faz de
forma mecânica.

— S-sim. — A resposta sai em um fio de voz.


— Como conseguiu vir trabalhar, Jasmine? Ou veio fazer outra coisa?

— Vim trabalhar. Eu precisava não pensar sobre isso um pouco. Estou

um verdadeiro caos, Amora. — Abaixa o rosto e fita as próprias mãos.

Sobreponho a minha mão na dela, roubando a sua atenção e a olho


totalmente apaixonada.

— Estou muito feliz, Jasmine. Sempre me senti tão sozinha no mundo,

agora, nesta altura da vida, descubro que tenho você e sua inteligência,
doçura, responsabilidade. Estou radiante com a descoberta.

Algumas lágrimas caem de meu rosto e vou até ela de braços abertos. O
coração batendo forte no peito. Quero tanto que ela também esteja aberta para
mim e meus defeitos e qualidades.

— Eu sempre quis ter irmãos — assume e me abraça.

Assim que os nossos braços se encaixam, sinto algo molhado em meu


ombro, ela também está emocionada. Neste exato momento, não importam as

mágoas e diferenças. Eu a ganhei para a minha vida. Minha irmã caçula, eu


sou responsável por aconselhar alguém, escondo o sorriso com a preocupação
besta porque em verdade, eu mais aprendo com ela do que ensino.

— Eu sou a mais velha, dá para acreditar? — Sorrio enquanto nos


soltamos e nos conectamos uma para a outra. Agora percebo os nossos olhos
cor de mel, até mesmo no formato são idênticos.

— Não mesmo, quase não posso crer — caçoa.


Mas, apesar de toda a aura de paixão que exalamos, é necessário
conversarmos a respeito das peças soltas desta descoberta.

— Sua mãe, a minha, nosso pai, meu Deus! Temos tanto a resolver. —
Estalo os dedos e a olho nervosamente.

— Eu vou conversar com a minha mãe hoje. Preciso de respostas.


Tenho muitas perguntas a serem feitas e darei a ela a oportunidade de ser a

primeira a me contar a minha verdadeira história.

— Eu imagino o quanto deve estar confusa. Também me sinto perdida


agora. Depois que você conversar com ela, me avise. Vamos juntas conversar
com o meu pai. O que acha?

Concorda ainda letárgica.

E eu tento imaginar como iniciar esta conversa com a minha mãe, que
me pareceu alheia sobre a identidade de Jasmine, porém, acredito que minha
mãe não seja inocente como um todo, visto que, ela tem algum álibi contra o

meu pai que o fez sair do país imediatamente após a ordem, ou chantagem,
dela.

Resta-me saber até que ponto ela sabe de tudo. Jasmine tagarela
tirando-me do torpor:

— Conte-me sobre morar na Europa.

— Eu tinha uma vida tão pacata quanto tenho aqui no Brasil, a


diferença é que não tinha os meus pais me despejando ordens. Não que eles
não fizessem, mas eu tinha um pouco mais de controle da minha vida.

— Espero que consiga se libertar.

— Eu vou conseguir, Jasmine, eu vou conseguir.

Deixei Jasmine no andar de Jonas, e vim para casa, decidi colher de


minha mãe o que ela sabe da história, quero jogar limpo com ela antes
mesmo de falar com o meu pai.

Encontro-a sozinha em seu quarto, terminando de fazer ondas nas


pontas dos cabelos loiros com baby liss.

— A sua professora me enviou mensagem questionando o motivo do


seu sumiço nas aulas de balé.

— Eu desisti, mãe. Neste momento, o balé está em último plano na

minha vida.

— Isso é um absurdo.

— Se a senhora ama tanto o balé, pois vá atrás de uma professora, a


senhora ainda está em forma para subir em uma sapatilha de ponta, e eu sei
que usa o meu estúdio para treinar vez em quando, já peguei uma garrafa
d’água esquecida lá vez ou outra.
Ela abre a boca e fecha em seguida, sem argumentos.

— Eu estou farta, a partir de agora eu farei o que eu sentir no meu

coração, e não mais a vontade de vocês.

— Você é muito imatura.

— Não vim aqui para brigarmos, vim te fazer uma pergunta.

— Diga lá. — Fala, ainda de pé para o espelho ela muda o peso de uma

perna para a outra, impaciente esperando o tempo do aparelho enrolar o


punhado de cabelo que colocou.

— Hoje eu descobri que tenho uma irmã. — Atiro as palavras, e ela


deixa o baby liss enroscar em seus cabelos. Caminho até ela e a ajudo a
desenrolar tudo.

Sento em sua cama queen e dou duas batidinhas ao meu lado a


convidando para sentar.

— Venha, me deixe te contar tudo, e em seguida você me diz o que

sabe. — Assente.

— Como descobriu essa irmã?

— Jasmine, a menina que veio aqui jantar, ela tinha o colar com o
brasão da nossa família, e nem mesmo a senhora que é casada com papai o
possui, então eu desconfiei e cavei até saber a verdade. — Ouve atenta. —
Mas, agora quero saber até aonde a senhora tem o conhecimento de tudo.

— A mãe dela, Simone, eu a conheci.


— Ela foi amante do papai?

— A história deles dois começou antes que eu entrasse na vida do seu

pai. Eu sinto que mesmo sendo casada com ele no papel, eu é que fui a
amante, a intrusa.

— Como assim, mãe?!

— Simone era bolsista da faculdade mais cara do Rio de janeiro e

cursava Pedagogia. Rodolfo era rico, de família elitista, cursava Arquitetura,


não existia a menor possibilidade da poderosa família Guedes aceitar a
Simone como membro.

— Pelo tom de pele ou pela condição financeira? — Pergunto com um


nó formando em minha garganta.

— Os dois, querida, a sua avô me contou que quando Rodolfo


apresentou Simone para a família, foi motivo de zombaria entre os pais dele.

— Quanta podridão! A dona Simone me parece uma mulher incrível.

— Seguro as lágrimas e acaricio a minha testa, uma dor me atingindo por


toda a carga emocional.

— Eu era a bailarina do Municipal, queria seguir carreira, nada me


fazia mais feliz do que o balé. Mas, por conta dos negócios da família, nossos
pais acharam por bem nos casar.

— Mamãe, vocês podiam ter se negado!

— Podíamos, mas eu não tinha coragem de enfrentar os meus pais, de


gritar e fazer valer a minha vontade. — Ela diz e me acerta em cheio, porque
é exatamente o meu sentimento. — E o Rodolfo, tentou lutar contra os pais,

namorando escondido com ela, mas eles eram mais espertos, deram a ele o
cargo que queria na empresa, e Rodolfo acreditou que poderia ter tudo, o
poder, ser casado comigo e também ter Simone, e isso até funcionou por
bastante tempo, mas então eu descobri a traição.

— Mãe, você os separou?

— Sim, eu fiz com que ela soubesse que era a outra, achei que com isso
eu ia me sentir realmente a esposa de Rodolfo. Mesmo quando ela descobriu
e o descartou, ele continuou a amando, me traindo com outras mulheres,
buscava nas outras qualquer semelhança física dela.

— Meu Deus!

— Amora, eu era jovem, abri mão de tudo para ser a esposa que ele
precisava, nem mesmo filhos eu queria ter, nunca esteve nos planos, mas

ainda assim tive você para fazer a vontade dele. E a gravidez foi um trauma,
tive diabetes gestacional, vivia me furando com insulina, indo a médicos,
placenta descolando, repouso absoluto, internação. Você nasceu e ficou uns
dias em observação e eu, lá contigo, sozinha. Ele nunca esteve ao meu lado, o
cordão com o brasão da família que foi dado a Rodolfo pelo pai dele para que
presenteasse a esposa, foi dado a ela, a Simone. O seu pai nunca me deu nem
que fosse uma cópia do colar, ele nunca me viu como esposa, nunca me
amou, eu fui a que tampou o buraco.

— Mãe...

— Você entende?! Eu vim pro mundo para ser infeliz, por isso eu tenho
tanto desespero em mudar a sua história, Amora. Não quero nunca que você
seja como eu, coadjuvante da própria vida.

— Mãe… — sussurro, deixando cair uma lágrima por ver a tristeza

dela ao relembrar. Até seu tom de voz exala dor, melancolia. — A dona
Simone foi tão vítima quanto a senhora, papai não merece vocês.

Ela abaixa a cabeça e seguro sua mão. Solta um soluço, o choro preso
na garganta.

— Quando eu soube a profissão de Simone, a contratei para ser sua


professora particular. Ela veio, e demonstrou que realmente não sabia quem
eu era ou com quem era casada. — Confessa. — Na primeira semana, te deu
aula pela manhã. De forma calculada, eu forjei um encontro dos dois a minha

frente. De um dia para o outro, a pedi que desse aula à tarde naquele dia
específico, e ela foi. E, em algum momento, o Rodolfo entrou na casa. Ela
nos viu no exato momento em que ele me dava um dos seus selinhos frios.

Deixa escapar uma lágrima, e fecho os meus olhos com pesar.

— Ele a cumprimentou quando a viu. Com a cara mais lavada do


mundo, disse: "Prazer, Rodolfo." E lhe estendeu a mão.

Eu engulo a bile, minhas mãos trêmulas, o estômago revirado com uma


azia pulsante, mas ela continua, desabafa, se derrama.

— Ela foi embora para não mais voltar, e eu fiquei aqui com os restos

que ela deixou, o resquício de alegria e compaixão que o seu pai tinha, foi
embora da vida dele, junto dela.

— Quando a senhora soube de Jasmine?

— Simone o procurou quando a menina fez dezoito anos, queria que a

filha fizesse uma boa faculdade, trabalhasse, e nós fizemos um arranjo como
é, mas em nenhum momento eu soube o nome da menina ou vi foto, não quis
me inteirar, porque para mim, essa garota é a representação do quão frustrado
é o meu casamento, ela é a imagem do quanto errei em minhas escolhas.

— Mãe, não dê esse peso a Jasmine, a senhora fez as suas escolhas


erradas porque assim é a vida, a gente erra, mas sempre dá pra consertar.

— Já passou muito tempo.

— O passado é a última palavra que eu proferi, o futuro é agora. —

Parafraseio João. — Sempre dá tempo de mudar, mãe.

Ela se levanta, enxuga as lágrimas e veste a sua carapuça inabalável,


está ali, na forma como ergue o queixo, no jeito entojado de olhar, ela vestiu
isso por tempo demais para abandonar agora.

— Eu tenho um chá beneficente para ir, me acompanha? — Muda o


assunto abruptamente dando como encerrado o seu desabafo e momento de
fragilidade.
— Definitivamente não. — Falo entredentes. — Obrigada pela atenção,
foi esclarecedor.

E agora eu entendo, que o caminho entre ser feliz ou infeliz está na


decisão errada que a gente toma, mas principalmente na nossa inércia.
A Mudança

JOÃO

— Cadu, você não pode demorar, Amora me enviou mensagem há


pouco, ela está a caminho.

— Você e seu irmão só tem tempo para essas garotas agora.

— Não empurra, Cadu. Estou completamente exausto! Passei o dia


cuidando do meu trabalho e dando conta do de Jonas, ainda lidei com os
dramas da família Guedes que Amora tem colocado no meu colo. Então se
quer despejar amarguras, deixe-me começar. — Resmungo completamente
jogado no sofá, enquanto ele se senta ao me lado.

— Eu fui atrás do Jonas, e acredite em mim, ele não quer levar o


combinado pra frente. — Dedura e eu bufo totalmente irritado. — Recebi as

futuras publicações em meu e-mail, amanhã será publicado que não


apresentamos recurso ao processo das terras de Rodolfo. Se prepara que o
homem virá com tudo para cima de nós. Dei a ideia a Jonas de instigar a
bastarda a ir atrás de Rodolfo reclamar a paternidade, com o perigo iminente,
ele não vai se importar com a perda do processo das terras.

— É uma boa ideia.

— É excelente, mas o Jonas não quer colocar a favelada na jogada. —


Usa o termo de forma pejorativa.

— A Jasmine. — Corrijo. — O nome dela é Jasmine.

— Que seja. — Fala com desdém. — João, se não tirarem a atenção do


velho, ele vai vir para cima de mim e de Jonas, e você sabe o quanto ele é
perigoso.

— Eu vou falar com a Amora.

— Falar não, você vai mandar, é urgente, caralho! O nosso traseiro está
em jogo.

— Deixa comigo, Cadu, se acalme. — Peço olhando para um ponto


cego, sem encará-lo, estou realmente sem paciência.

— Estou farto disso, vocês dois vivem desanimados, mais unidos do


que nunca com essas mulheres.

— Olha só, eu vou até o fim, não se preocupe em relação a isso, eu vou
até o fim. — Asseguro e ele me observa, pondera se pode realmente confiar,

mas por fim ele acena positivamente.

Amora aparece na porta, engulo a seco questionando-me o que ela


ouviu.

Pelo sorriso que me direciona, entendo que nada grave. Dou um tapa no
peitoral de Cadu, para que ele se toque que está na hora de partir, ele por sua
vez respira fundo, irritado.

— Boa noite, senhorita Guedes. — Ela apenas assente entrando em


minha casa.

Caminha vindo até mim, e se senta em minha coxa.

— Preciso de muito cafuné hoje, saí de casa sem dar nenhuma


explicação, eu simplesmente preciso de você.

— Eu fico feliz que tenha vindo para mim, porque também preciso da
minha mulher, hoje. — Confesso e cheiro o seu pescoço inalando a

fragrância doce, passo a mão no pingente do colar em seu pescoço, a


máscara, ela sorri entendendo o meu pedido silencioso, quero mais uma noite
de adrenalina com a minha dançarina mascarada.

— Quero você. Me faz esquecer tudo.

— Quer me dar essa bocetinha doce, é?! Vem cá, deixa eu cuidar de
você, te fazer gozar. — Sussurro em seu ouvido e vejo sua pele arrepiar,
afoita, segura a minha camiseta e lambe o pedaço do meu ombro exposto.

— Por favor, mostre o quanto me deseja e também o quanto me ama,

João. Quero me sentir amada. — Soa desesperada, e seguro o seu rosto em


minhas mãos.

— Você é a mulher da minha vida, eu sou para sempre o seu homem,


até que a morte nos separe.

— Promete, João? — Pede com o lábio colado no meu.

— Prometo. Eu te pertenço, meu amor, eu sou todo seu, todo


embriagado por você, pelo uísque dos seus olhos, pelo doce da tua pele, pelo
melado que escorre da sua boceta que é só minha. — Seguro a sua nuca e
colo nossas testas. — Estou totalmente embriagado por você.

Pego-a no colo e a levo para a minha suíte, para provar a ela o quão
intenso e profundo é o meu amor, fazemos amor. Amora por cima de mim,
esfrega e me leva inteiro para dentro da sua boceta quente e tão molhada.

Suas costas arqueiam e os cabelos loiros escorregam tampando os seus

seios, eu toco os fios deixando à minha vista os mamilos que são a minha
perdição, a obra de arte, eu sou a porra de um dependente desta mulher, o
sexo nunca foi tão incrível.

Seguro o seu quadril com as duas mãos enquanto ela me monta e geme
sem se preocupar com nada além do seu tesão, do nosso desejo.

— Isso, amor, me fode, engole tudo. — Sussurro.

Movimenta os quadris para frente e pra trás, suavemente, com o meu


pau enterrado até as bolas.

— Oh, João você é tão gostoso! — Ela murmura — Eu te amo tanto.

Seguro seus peitos medindo-os na palma da minha mão, o encaixe


perfeito, Amora sobe e desce no meu pau e prendo a respiração, serpenteio a
mão por todo o seu corpo escultural e pequeno, ela me fode tão bem.
Gozamos juntos, os meus jatos de sêmen todos dentro dela, suas unhas
cravadas nos meus ombros, e eu sei que faremos isso por toda a noite.
— Vamos, agora é a hora em que você dá um pitaco na minha vida. —
Ela fala apreensiva.

Amora me contou toda a conversa com a sua mãe acerca da descoberta

da paternidade de Jasmine.

— O meu pai é um monstro, João. Fez duas mulheres sofrerem. — Diz.

Sim, ele é um monstro baby, e não só por isso.

— Eu acho que vocês duas precisam dar a ele o direito de defesa —


Calculo lembrando o plano de Cadu. — Vá até Jasmine, busque-a agora cedo
e vão até o Rodolfo antes dele ir para a empresa, tenham essa conversa em
casa, com tranquilidade.

— Você tem razão, não há motivos para fugirmos desse embate.

— Quer uma carona? Eu tenho o endereço de Jasmine.

— Não precisa, estou de carro, me manda o endereço que vou eu


mesma buscá-la.

— Tudo bem.

AMORA
Estaciono o carro no beco estreito, são várias casas inacabadas, no
reboco, totalmente grudadas, imagino a falta de privacidade.

Desço do carro e vejo que João não me mandou o número da casa, até
penso em ligar para ele, mas me dou conta que nenhuma das casas tem
número em seus muros, seria inútil.

Uma mulher de meia idade varre a sua singela calçada com tintura nos

cabelos e uma sacola de plástico os embalando. A caixa de som em seu


portão tocando um louvor.

— Boa tarde! — Chamo a sua atenção, e ela sorri simpática. — Com


licença, a senhora sabe me dizer qual destas casas é a de Jasmine?

— Claro! Ela é filha da Simone, é aquela ali.

— Obrigada.

— Nada. ANDA LUCAS! — A mulher praticamente berra mirando


dentro do seu portão, e sigo o meu caminho.

Desenhado no muro branco de Jasmine possui o busto de uma mulher


negra. A pintura dos cabelos é composta por folhas e flores que se juntam a
vegetação natural que inspirou o desenho.

As folhas e flores são do quintal da casa. O portãozinho antigo de ferro


com arabescos, que eu abri com facilidade, foi pintado de azul-turquesa. O
jardim é bem-cuidado, com esculturas de barro e de anões.

Na minúscula varanda de ladrilhos brancos com arabescos amarelos


tem "A carranca", uma escultura antropomórfica com uma aparência mal-
humorada e uma cara feia.

Em cima do parapeito baixo uma namoradeira boneca me olha de


esguelha. A escultura é uma mulher negra, com grossos lábios pintados de
batom vermelho, cabelo black power e olhos bem vivos. Muito linda. Até as
unhas da escultura estão pintadas. Julgo ser "coisas de Jasmine".

Dou um riso.

Os seios da escultura estão cobertos por um bustiê com decote coração


e estampa floral, lembrando o gosto da minha irmã.

De frente para a porta, percebo que ela foi pintada com a mesma cor do
portãozinho. Jasmine pensou em tudo nos mínimos detalhes... Será uma
excelente profissional. Mais uma semelhança com o nosso pai.

Bato na porta e ela abre, piso dentro e chamo por ela que sai de uma
porta do pequeno barraco parecendo aflita.

— Amora, que surpresa!

— Desculpa vir sem avisar.

— Imagina, quer se sentar? Não sei fazer café tão bom quanto o da
minha mãe, mas... — Corto-a.

— Eu conversei com o João, e ele me incentivou a vir te buscar para


lidarmos com o papai. Não adianta adiar essa conversa, sabe?! Ele também
me deu o seu endereço, creio que pegou nos dados da empresa.
— Conversei ontem com a minha mãe e ouvi a sua versão, agora
preciso ouvir a dele, mas não é fácil.

— E como foi a versão dela?

— Te conto pelo caminho, pode ser?

— Então você vai comigo? — Fico surpresa com a sua decisão.

— Vou. Já estamos dezenove anos atrasados de ter essa conversa.

— Estarei lá contigo, Jasmine. Vamos juntas. — Asseguro.

— Juntas.

Entramos juntas na mansão, seguro o braço de Jasmine. Ainda estou


tocada que a história que a mãe a contou bate com a da minha mãe. Dona
Simone protegeu a filha da ira da minha família, se não foram capazes de
aceitá-la como esposa do meu pai, não consigo imaginar o que poderiam ter

feito contra Jasmine.

Quando ela começa a tremer, eu a seguro mais forte. Nos olhamos e


sorrimos. Já a amo tanto. Minha irmã.

A porta é aberta e na sala vejo minha mãe.

Ela olha Jasmine de cima a baixo, com repulsa. Meu corpo inteiro
retesa, mamãe precisa mudar o seu pensamento, arrumar outra pessoa para
culpar por suas merdas.

Ela olha para minha mão colada à de Jasmine.

— Onde o papai está? — Pergunto.

— Seu pai está no escritório. O que quer falar com ele junto dessa
menina?

— Depois a gente conversa, mãe. Licença.

Caminho firmemente, as sandálias gastas de Jasmine derrapando pelo


imenso piso de mármore branco da casa.

Bato à porta do escritório e enquanto aguardamos a resposta para


entrar, ela analisa o corredor que possui diversas fotos da nossa família em
viagem para vários países e até para a Disney. Paris, China e Índia são alguns
deles. Todos estão com roupas pesadas de frio na Itália.

Com a demora, dou mais um toque e uma voz firme nos manda entrar.

Assim que adentro pela porta, dou de cara com uma enorme mesa de

madeira maciça, escura, herança de família. Um material antigo e caro.

— Pai, precisamos falar contigo. — Falo, recebendo o seu olhar


semicerrado.

Coloco a pasta com o exame de DNA em sua mesa. Ele a abre e não
leva cinco segundos encarando o papel.

— O que querem? — Diz, grosseiro.


— Como assim, pai? O senhor deve satisfação à Jasmine, à mim, à
minha mãe.

— Sente-se, Jasmine — finalmente ele diz, concordando com a cabeça,


a menina obedece e sento ao lado dela. — Olha, eu quero saber quais são as
suas intenções, menina — diz e reparo nele mais detalhadamente.

Papai tem a pele clara como a minha, o rosto envelhecido e tomado de

rugas. Os olhos cor de mel como os nossos fitam a menina com astúcia.

— Eu... Bem, acabo de saber sobre a paternidade. — Olha para as mãos


em seu colo. Respira fundo para criar coragem, acaricio o seu braço dando-
lhe força e ela continua. — E é um choque, eu nunca tive um pai. Ele nunca
teve um rosto para mim, e eu quero saber como soube de mim e o porquê de
não ter se apresentado — diz.

— Eu só soube da sua existência no ano passado. Desde então, sua mãe


me proibiu de qualquer movimentação, o que foi um alívio para mim. Foi

bom te ter sob o meu domínio durante esse tempo.

Olho para ele desentendida.

— Fico feliz que tenha gostado de me conhecer, mas não pretendo


assumi-la. Se é para isso que envenenou a minha filha, pode dar meia volta
— diz para ela que tem a boca aberta em choque.

— Pai, que covardia! A Jasmine é sua filha tanto quanto eu. —


Levanto-me e aponto um dedo em sua direção. Os olhos dele pousam de mim
para ela, um sorriso cínico cobre os seus lábios.

— Amora, vá por mim, filha, eu conheço esse tipo de gente. — Sinto

tanta frieza vindo de seu olhar que os meus ombros caem. — Não me entenda
mal, Jasmine, não deixarei faltar nada para você. Se cooperar comigo, te dou
tudo que precisar, mas não vou colocar o meu nome em sua certidão. Seria
um escândalo ruim para os meus negócios, e já aviso de antemão, se entrar na

justiça para que eu a reconheça, eu compro todos os advogados que contratar


contra mim e também cuidarei para que nada vaze na mídia, e, claro, terá que
esquecer seu trabalho também.

Uma lágrima cai dos meus olhos, eu sinto a rejeição como se fosse
comigo, porque podia ser eu no lugar de Jasmine.

— Pai, que decepção! Você é um lixo de ser humano — Disparo. Ele


me ignora.

— Mas se cooperar, podemos negociar. Diga-me de quanto precisa por


mês e cuidarei para que seja depositado. — Oferece.

Vejo a cena como se estivesse em um filme de terror, Jasmine levanta


da cadeira, deixa cair uma lágrima, porém, a seca rapidamente. Papai se
levanta também, os dois tem quase a mesma altura, mas ela possui alguns
centímetros a mais.

— Eu nunca precisei de um pai, nunca me fez falta, e agora mais do


que nunca, tenho muito orgulho do “pai desconhecido” que consta na minha
certidão. Engula o seu dinheiro, Rodolfo, pois eu não estou à venda.

— Tão orgulhosa quanto a sua mãe. — Ele debocha.

— Puxei muito de você, mas as virtudes são todas dela, ainda bem.

— Você devia pensar melhor, Jasmine, o orgulho não trouxe nada para
Simone. Veja a vida medíocre que levam.

— A vida que levamos? — Meneia a cabeça e faz uma autoanálise. —


Minha mãe é uma mulher livre, sai, dança, é feliz. Nós duas nos amamos,
somos amigas antes de sermos mãe e filha. Estamos as duas sempre sorrindo,
de bem com a vida, não precisamos de muito pra viver. Você tem tudo que o
dinheiro pode comprar, mas eu vi a interação, ou melhor, a ausência dela no
jantar, as fotos das viagens em família não têm um sorriso, não encontrei uma
risada que seja nas fotografias. Amora é solitária, carente de mãe, de pai, de
amigos. Sua esposa não sorri, parece sempre estar doente, apática. Me diga:

qual foi o último momento feliz da sua vida?

Ele fica em silêncio, apenas a observando.

— Diga-me — grita e ele nada diz. — Seu dinheiro, poder e status não
compram tudo, Rodolfo, e sobre a minha mãe... Bem, você perdeu uma
mulher incrível, enganou e ludibriou alguém que está cheia de algo que você
não tem: honestidade. Eu sinto muito por você.

Seguro a mão dela, lhe dando o meu apoio.


— Ah, pode ficar tranquilo. Não entrarei na justiça, não preciso de
nada. Sou feliz, vivo bem, tenho uma mãe que me ama, guerreira. Não

precisamos de você e seu dinheiro. Hoje eu entendo porque ela me escondeu


de você. Minha mãe fez um excelente trabalho. Me dê licença.

Ela sai do escritório deixando-me a sós com ele.

— O que ainda quer aqui? Tenho que ir para a empresa trabalhar.

— Pai, vá atrás da Jasmine, e peça perdão, ou então também vai me


perder como filha.

— Me poupe! Eu não vou assumir uma filha favelada.

— Então, a partir de hoje, quando alguém te perguntar se você tem


filhos, negue. Porque eu me considero a partir de agora, sem pai. Porque
qualquer relação precisa de respeito e admiração, e eu perdi totalmente as
duas por você.

— Ah é, então saia da minha casa.

— Não precisa pedir duas vezes, Rodolfo. — Suas narinas dilatam.

— Eu vou te tomar o carro, cancelar os seus cartões, se quer bancar a


menina mimada, vou te tratar como uma.

Pego a bolsa que tenho no ombro, abro o zíper, e tiro a minha carteira
de dentro, um a um, quebro todos os quatro cartões que possuo.

A chave do carro, jogo no chão.

— Faça bom proveito, Rodolfo.


E saio, totalmente desnorteada sem ter para onde ir.
O Recomeço

AMORA

— Amora! Pelo amor de Deus, volta para casa comigo. — Minha mãe
aparece entrando na lanchonete próxima ao nosso condomínio, liguei para ela
e dei a minha localização.

Senta ao meu lado empurrando a mala de rodinha.

— Ele quem fez a sua mala, mandou eu te entregar, seu pai está
furioso.

— Ótimo, eu também estou furiosa.

— Filha, coloca a cabeça no lugar, o que o seu pai poderia fazer?

— O certo?! — Debocho. — Me admira você o apoiar, poderíamos ser


nós duas no lugar delas.

— Amora, seria uma humilhação muito grande para mim, você não se

coloca no meu lugar? — Ela se exalta.

— A senhora só pode estar brincando, mãe. — Nego com veemência.

— Amora, eu larguei o que eu mais amava na vida por Rodolfo, abri


mão da minha alegria, da minha autenticidade, da dança que movia a minha
vida, em troca de obter a família perfeita, o marido ideal, e agora está tudo
ruindo.
— A Jasmine e a mãe dela não têm culpa. Larga o meu pai, recomeça.

— Eu arranquei cada parte de mim para preencher todas as partes dele,

eu paguei caro para manter a família perfeita, portanto, ele tem que cumprir a
parte dele, ele tem que ficar comigo até a morte, ele tem que forjar que somos
a família perfeita, porque eu paguei com a vida por isso, eu paguei. — Seus
olhos estão marejados. — E ele tem que me dá tudo o que prometeu, porque

o preço foi alto demais.

— Estou indo embora, eu não me encaixo nessa perfeição, eu não estou


à venda, eu não negocio a minha felicidade, eu não leiloo a minha vida, e não
permitido que ninguém me roube a autenticidade, que me façam escolher
entre o que eu sou e uma perfeição que não existe. — Respiro fundo. — Eu te
desejo sorte, torço para que algum dia você se escolha, você opte pela sua
felicidade, porque ela não pode estar à mercê de ninguém, tomara que
enxergue isso antes que seja tarde demais.

— Volte para casa comigo, filha. Seu pai diz que você não vai durar
uma semana longe dele e suas intervenções, e ele tem razão.

— Avise ao meu pai que eu não sou você.

Eu nego com a cabeça, passo por ela e pego a mala, saio da lanchonete
ainda com a cabeça cheia.
— Amora?! — A voz de Jasmine sai trêmula quando me vê, seus olhos

fitam a enorme mala de rodinhas nas minhas mãos.

— Eu espero que possa dar abrigo para uma mulher sem um teto,
cartão de crédito ou apoio familiar — digo, e ela sorri, abre a porta para dar
passagem para mim.

— O que aconteceu? — Pergunta.

— Eu saí de casa. Meu pai disse que se eu fosse embora, ele iria
cancelar todos os meus cartões, então eu quebrei todos na frente dele. —
Assumo.

— Amora, você não tinha que ter feito isso. Que louca! — adverte,
emocionada.

— Devia, sim, bem feito para aquele desgraçado — dona Simone fala
aproximando-se de nós.

Lembro-me da noite da gafieira, ela nitidamente não gosta de mim, e


querendo ou não a casa é dela, talvez tenha sido um erro ter vindo para cá.

— Dona Simone, me desculpa bater aqui na sua porta, mas eu não tinha
para onde ir. Pedi um táxi e paguei com uns trocados que eu ainda tinha. Eu
podia ter ido para a casa do João, mas só me veio Jasmine à cabeça. — Eu
gesticulo muito, estou nervosa, temendo a reação dela, se me colocar para
fora eu não tenho dinheiro para me locomover, e também não tenho mais
carro. Ela toma a palavra me acalmando:

— Fez bem de ter vindo para cá. A casa é pequena, humilde até demais,
mas se é para se juntar contra Rodolfo, você é bem-vinda aqui.

— Mãe! — repreende Jasmine, porém, todas acabamos sorrindo.

— Ele disse que eu não duraria uma semana longe dele. Estou pronta

para provar o contrário. — Assumo.

— Olhe para mim. Durei a vida inteira longe dele. Você é capaz. —
Jasmine segura em minha mão e ainda estou trêmula.

— Eu vou falar com o João. Quero ir amanhã mesmo em um cartório


dar entrada no nosso casamento civil. Quero seguir a minha vida sem os
desmandos do meu pai.

— Menina, não faça nada por impulso que depois possa se arrepender.

— Não se preocupa, dona Simone. O João me ama. — Eu sento no

chão divagando e olho para Jasmine. — Você aceita ser a nossa madrinha?
Quer dizer, em verdade, será nossa testemunha, é assim que funciona no
casamento civil. O João convidará o Jonas. — Sorrio e ela concorda.

— Será uma honra.

— E sua mãe? Como agiu?

— Da pior forma, dona Simone. Simplesmente ficou do lado do meu


pai, o que me causou tamanha revolta, porque ela sempre foi uma mãe
ausente, até mesmo narcisista, mas eu esperava apoio dela.

— É mau-caráter igual ao marido... — bufa as palavras.

— Mãe, cuidado com o que diz, afinal, com erros e acertos são os
únicos pais que Amora tem. — Jasmine repreende.

— Olha, menina, desculpa o meu jeito. Não sou de meias palavras,


você pode amá-los, respeitá-los até, porque para mim pai e mãe são sagrados,

mas não precisa conviver em um meio que a adoece, que a diminui, entende
isso? — Encara-me e as palavras duras e sinceras me fazem chorar,
entretanto, concordo. — Portanto, força, minha filha, força.

— Jasmine, não importa o quanto o meu... Quer dizer, nosso pai seja
um traste, você é a minha irmã, e isso nunca vai mudar. — Garanto a ela que
senta no chão ao meu lado.

— Valeu a pena passar por tudo isso só para ter você na minha vida,
irmã — confessa, abraçando-me.

— Sim, você veio me abrir os olhos. Me despertar para a vida, irmã —


digo dentro do seu abraço e vejo ao fundo dona Simone secar rapidamente as
lágrimas, em uma falha tentativa de esconder as emoções.

— Venha, vou te mostrar o nosso quartinho, para você descansar se


quiser.

Levanto-me seguindo Jasmine, seco o meu rosto e damos poucos


passos pelo barraco.
Observo o quarto simples de porta sanfonada, as duas camas de
solteira, creio que ela divide o quarto com a mãe. Acho graça da parede

metade para cima na cor branca e na metade para baixo em tom rosa claro, o
toque de cor com certeza tem dedo de Jasmine. Os móveis do quarto parecem
todos antigos, toda a casa possui móveis aparentemente reaproveitados.

Coloco a mala no cantinho, e retiro meia dúzia de roupas, uma ducha

quente vai me acalmar.

— Eu queria tomar um banho.

— Claro, venha. — Para por um instante e olha-me mordendo os


lábios. — Você toma banho quente ou frio?

— Quente. Alguém realmente gosta de tomar banho frio? — Questiono


e ela dá de ombros.

Dona Simone da cozinha me alerta:

— Nosso chuveiro está queimado, ainda não tivemos dinheiro para

chamar o seu Chico pra consertar, ele agora não aceita mais fiado. Vem cá.

Vou até ela, fico ao seu lado na cozinha apertada.

— Essa panela aqui é só pra esquentar água. — Pega uma caixinha de


fósforo, que eu nem sabia que ainda vende fósforo, pois a maioria dos fogões
já possuem acendimento automático, ou não? — Deixa ferver e depois joga
naquele balde ali. — Aponta para o balde no canto da cozinha.

— Mãe, a Amora nunca deve ter tomado banho desse jeito.


— Para tudo se tem uma primeira vez. Está ótimo. — Garanto.

Jasmine me mostra o minúsculo banheiro que tem na casa, e tranco a

porta sanfonada, reparo que este cômodo nos prova que vários corpos
ocupam, sim, o mesmo espaço, já que o lugar apertado tem vaso sanitário,
cesto para roupas sujas, um armário e pasmem: uma máquina de lavar roupas.

Tudo dentro de um minúsculo cômodo abafado e que me dá a

impressão de que não vou caber aqui. Abro a cortina de plástico com estampa
de onça, abro o chuveiro e a água gelada cai sobre o balde, coloco a mão para
testar a temperatura, e reprimo um grito esganiçado. Realmente gelada.

Sorrio, apesar da simplicidade da casa, eu fui tão recebida, que fico


realmente feliz por ter vindo, com o pote de margarina, jogo a água no meu
corpo, passo um pouco de frio, e foi difícil lavar os cabelos, mas no final das
contas, estou limpa, isso é o que importa.

Coloco uma roupinha folgada de dormir pensando em ficar mais à

vontade, mas quando saio do banheiro ouço um falatório, acho que a casa
está com visitas, viro a cabeça para sala. Reconheço a amiga de Jasmine, o
demais falatório são nos vizinhos, e realmente a mistura de sons e pessoas
com paredes tão coladas, dá a impressão de tumulto.

— Vem ficar conosco, Amora.

Atendo o chamado de Jasmine, e sento-me no sofá, arrancando risadas


das suas, afundo um pouco, sentei justamente na parte com defeito, um
pequeno buraco tampado com a capa vermelha de sofá, rio junto e recebo a
ajuda de Jasmine, colocando-me ao seu lado.

— Ei, eu me matriculei para as suas aulas na ONG.

— Jura?! Espero que goste.

— Eu já sei um pouco de pole dance, quero mais é o certificado e


aprimorar as técnicas, quero parar de fazer programas. — Confessa e ergo as

sobrancelhas e ela ri da minha reação.

— Entenda, eu não tenho julgamentos, apenas é uma surpresa. — Ela


concorda. — Acho que você vai gostar das aulas, preparei muita coisa boa,
técnicas que trouxe da Europa.

— Uau! Então não mesmo perder as aulas.

— Estou ansiosa para começar, será a minha primeira vez dando aula.

— Vai tirar de letra, o pessoal daqui da comunidade é bem tranquilo, e


divertido, creio que fará boas amizades com as alunas. — Conta e fico

interessada.

De repente uma voz no microfone me faz semicerrar os olhos. — Será


que é permitido algo tão alto em área residencial?

— Amora, estamos na favela, minha amiga, cada casa tem a sua lei. —
Camila diz.

— E até que horas vai isso? — Pergunto com uma careta.

— Hoje é a noite do culto da vigília, então será por toda a noite. —


Entreabro os lábios surpresa com a naturalidade com que Jasmine diz, o

barulho é ensurdecedor.

— Com o tempo você acostuma com essa barulheira toda. — Camila


diz, enquanto olha para a televisão.

— Camila, no horário da aula, você pode vir me buscar? Vim com


Jasmine da outra vez, mas subimos de moto, não lembro bem o trajeto.

— Claro, conta comigo.

— Visita para você, Amora. — Dona Simone grita da cozinha


americana.

Viro o meu olhar encontrando o de João em seu terno e gravata que me


observa da porta, ouço as meninas zombarem por nosso olhar romântico,
apenas dou a língua.

Caminho até ele e praticamente me jogo em seus braços.

— Arrumem uma cama! — Jasmine implica enquanto dou um selinho

nele.

— O homem deste tamanho não cabe nas camas daqui de casa— rio em
seus lábios ouvindo dona Simone.

— Vem cá. — Saio com ele para o pequeno quintal, e fecho a porta por
trás de mim.

— Amora, por que não me ligou?

— Estava com a cabeça cheia.


— Busque a sua mala, vamos para a minha casa.

— Eu quero ficar aqui, João.

— É sério? Você tem onde dormir aqui?

— Não vi camas disponíveis. — Mordo os lábios, pensativa. — Mas


tenho certeza que darão um jeito.

— Amor, aqui não é seguro, seu pai é um empresário poderoso, se

alguém descobre quem você é, pode tentar te sequestrar, você não está segura
aqui.

— Eu estou bem, e eu quero passar um tempo com a minha irmã, com a


dona Simone, eu quero muito isso.

— E quanto a nós?

— Eu quero adiantar nosso casamento, João, tenho pensado muito no


que você me disse, o futuro é agora, e eu quero ter o meu futuro com você, se
ainda me quiser assim, sem bens ou família apoiando, eu quero dar entrada

no nosso casamento civil.

— É claro que eu quero, vamos ao final dessa semana dar entrada no


civil, quero você na minha casa em segurança.

— Eu estou bem, tomei banho de balde, hoje. — Sorrio com a


lembrança divertida. — Você já tomou?

— Já. — Ele sorri, cheira o meu pescoço circundando a minha cintura.


— Estou com saudade, vamos para casa comigo essa noite.
— João, não me atente, por favor.

O barulho da serra mármore do vizinho nos faz estremecer.

— É, parece que a favela nunca dorme. — Comento.

— Promete que vai me ligar se precisar de qualquer coisa?

— No momento só preciso de carinho e orientação e creio que você e


aquelas duas mulheres fortes me darão.

— Eu te amo, e estou muito orgulhoso que sem medir as consequências


você tenha enfrentando o seu pai.

— Ele foi uma pessoa horrível, não sei nomear, porque um homem que
renega a própria filha, não existe nome ofensivo o suficiente que o defina.

— Já passou, meu amor. — Ele beija a minha testa. — Vamos nos


casar, e eu vou te fazer feliz. — Garante e eu o abraço forte.

— Eu te amo, João. Obrigada por me apoiar.

— Eu sempre vou ser o seu apoio, sempre.

Talvez seja intuição, mas essa frase fica martelando a minha cabeça, é
como se o meu subconsciente quisesse me alertar que ainda não tenho a
proporção do significado desta frase de João.
O Plural

AMORA

Passei a noite dormindo no sofá da casa de Jasmine, tanto ela quanto


Simone fizeram questão de me oferecer suas camas para que eu dormisse,
mas não fazia nenhum sentido na minha cabeça tirá-las do seu conforto sendo

eu a intrusa em suas vidas.

Passei a noite ouvindo o culto de vigília, a vizinha brigando com os


filhos que não saiam da internet, até sorri na hora em que ela desligou o
aparelho do wi-fi da tomada, as crianças foram até a mãe desesperadas, e ela
por fim venceu, todos os três dormiram.

— Bom dia! — Cumprimento a minha irmã que sai do banheiro ainda


sonolenta, na contramão da nossa cara amassada, Simone já está com a pele
exalando a fragrância do seu hidratante, os lábios vermelhos com batom e

uma grande flor amarela entre os seus cachos.

— Mãe, hoje é dia de pagar o aluguel. — Ela alerta enquanto me dá um


beijo na testa de bom dia.

— Sim, senhora, já deixei o dinheiro em cima da geladeira — a mãe


responde.

Imagino a dificuldade que deve ser cuidar da casa, Jasmine ainda é tão
jovem para se preocupar com as contas, e internamente a raiva que sinto pela
negligência do meu pai só aumenta.

— Digam que tem café, eu trouxe mortadela e pão. — Camila fala

animada entrando na casa, ela ainda veste uma roupa escandalosamente curta
e maquiagem pesada.

— Bom dia, Camila. — Cumprimento.

— Na verdade, ainda é boa noite. — Boceja. — Ainda não dormi.

— Café está coando.

— Tia, a senhora precisa comprar uma cafeteira elétrica é muito mais


rápido.

— Mas aí perde toda a experiência, café bom é o coado... — Jasmine


corta a mãe, completando a sua fala: — e tomá-lo na xícara de porcelana, já
sabemos.

Gosto de assistir a interação entre elas, ocupo o quarto lugar na mesa de


pés de aço, não sou de tomar café da manhã, mas quero estar por perto,

observar todas elas, aprender que para ser feliz se precisa de tão pouco.

— Amora, animada para a primeira aula?

— Sim.

— Vou até a Guedes hoje, pedir a minha demissão.

— Sinto muito, Jasmine — fito as minhas mãos.

— Não sinta, vai ficar tudo bem.


Elas tomam o café animadas e falantes, dona Simone me obriga a
comer com elas, não me restando opção, e tive de lhe dar razão, o seu café é

maravilhoso.

Camila me guia até a sede da ONG onde darei a primeira aula como
voluntária hoje, durante o caminho eu reparo em tudo buscando gravar na
memória o trajeto, mas as vielas extremamente estreitas mais se parecem com

um labirinto.

Na parte alta do morro tem muitas escadas, e imagino a dificuldade de


quem mora nestes lugares, imagino a dificuldade que seja para fazer
mudança, passar uma cama de casal, geladeira, deve precisar de muita gente
para carregar tudo, subindo as escadas e uma equipe de engenheiros para
calcular onde e como passar cada coisa por cada beco, além de cuidar para
que não pegue nos fios todos expostos, a quantidade é absurda, assim como
os canos.

— Camila, como é feita a entrega dos Correios por aqui?

— Não é feita, geralmente eu coloco o endereço de outra pessoa,


porque aqui as casas não tem números, é praticamente impossível.

O bairro do Vidigal fica em uma das áreas mais nobres do Rio de


Janeiro, entre os bairros do Leblon onde eu morei por toda a vida com os
meus pais e São Conrado, porém o bairro possui favelas emergentes,
incluindo o Morro do Vidigal, que conta com uma vista deslumbrante para o
mar.

— Como faz para passar móveis aqui? — Deixo a curiosidade me

beliscar assim que entramos em uma viela em que não conseguimos passar as
duas lado a lado devido à pouca largura.

— Mudança é praticamente um evento aqui na favela, na minha


movimentei quase a rua em que moro inteira.

— Imagino o incômodo.

— Que nada! — Para e olha para mim. — Aqui todo mundo passa
perrengue e muita dificuldade, e isso nos une, então não há incômodo, é
vizinha passando o olho nas crianças que passam o dia sozinhas em casa
porque a mão trabalha fora e não tem com quem deixar, é a reunião dos
vizinhos para bater uma laje no final de semana, é a ajuda na mudança. Aqui
tem muito barulho, o tempo todo, esgoto a céu aberto. — Aponta para a vala
que passamos. — pobreza — seu queixo direciona para as casas ao redor em

sua maioria inacabadas, no reboco. — Mas, você aprende a palavra empatia à


força, morar aqui é exercitar diariamente a sua empatia, a sua capacidade de
ajudar o outro e saber que nunca vai estar só quando precisar ser ajudada.

Assinto positivamente.

O uso do mototáxi é impressionante, mas tem uma razão de ser, é a


forma mais ágil de se locomover levando em consideração toda a geografia
do lugar, além do preço popular.
É como Jasmine disse, a favela é uma potência financeira, em dez
minutos de caminhada com Camila já passei por diversas barbearias, salões

de cabelereiro, manicures, lanches de todos os tipos e gostos, e sem contar


que lá no alto do Vidigal possuem restaurantes mais elitizados focados nos
turistas que vêm conhecer as trilhas ou a vista daqui. É totalmente
democrático. Sem contar que em cada laje possui uma antena de TV a cabo,

de telefonia, as pessoas passam por nós com seus celulares assistindo a


vídeos. As pessoas aqui consomem muito e são muito numerosas, o que
pressupõe que o lugar é uma potência financeira.

Assim que chegamos na ONG que fica em um galpão de um dos


moradores daqui, conversamos um pouco sobre a falta de políticas públicas,
como a própria comunidade precisa se ajudar, principalmente para tentar
trazer cultura para os jovens.

As minhas aulas rapidamente esgotaram as vagas, conforme as alunas

de variadas idades vão chegando, puxam conversa comigo, muitas querem


reacender o casamento, outras redescobrir a sensualidade e voltar a se achar
bonita, algumas em busca de uma oportunidade de trabalho, cada história de
vida que ouço mais fascinante que a outra. E agora realmente faz sentido, a
dança é a minha missão, devolver autoestima e dar uma nova perspectiva
para essas mulheres, é uma das minhas missões.
— Eu te disse que aqui é vazio, poucas pessoas conhecem essa praia.

— Jasmine diz.

Já estou tirando o meu vestido, e me jogando na água, mergulhando e


sentindo o gelado na minha pele, o sal na minha boca, estou vivendo
momentos tão preciosos nesses dias morando com a minha irmã.

João tem razão, viver com urgência de ser feliz, de agir focando
unicamente no agora é incrível.

Avisto Jasmine e Camila também se desfazendo de suas roupas ficando


em seus biquínis, ambas correm disputando corrida vindo em minha direção,
o que me faz rir, a leveza de todos que me cercam é notável, e me deixa leve
também, porque algo que senti é que o meio em que vivemos dita muito o
ritmo da nossa vida.

Olho para o céu aberto, o sol forte de mais de quarenta e dois graus que

nos obrigou a vir para a praia já que ficar em casa estava insuportável por
conta do teto de telha que esquenta ainda mais.

Viemos de bicicleta, as meninas já possuem as suas, e uma vizinha nos


emprestou uma para mim, justamente eu que nunca tinha andado de bike fora
do quintal de casa, na infância mamãe nunca deixou por medo que eu me
machucasse, afinal, bailarinas não se machucam, e na adolescência eu não
tinha tempo para mais nada que não fosse treinar para me tornar uma
bailarina clássica premiada.

No final da tarde, pouco antes do pôr do sol, pedalamos pela avenida

Niemeyer, pela ciclovia na orla passamos por Ipanema, Copacabana,


Arpoador, Leme. A sensação de liberdade enquanto pedalo é latente, em dado
momento confio de pedalar tirando as mãos do guidão da bicicleta.

“Pegue velocidade e aí abra os braços e fecha os olhos, é como voar”

esta foi a dica de João quando lhe contei que hoje andaria de bicicleta na rua
pela primeira vez na vida.

Sigo a sua instrução, deixando as meninas para trás. Pedalo de forma


ágil, e ainda apreensiva fecho os olhos, sorrio largo gostando da sensação,
solto as minhas mãos da direção da bicicleta e abro os braços como a Rose do
Titanic, a maresia mesclada ao vento forte no meu rosto, os cabelos voando,
o corpo leve, realmente é como voar. Mordo os lábios deixando a paranoia
invadir a minha mente, e se eu cair? Abro uma fresta dos olhos com medo da

queda, mas o fecho logo em seguida, porque olhar perde a graça, o medo de
cair é o que nos movimenta.

— Senhora, eu já disse que a ordem é expressa. — Ouço a discussão do


lado de fora da casa.
Jasmine saiu há pouco para resolver tudo referente a sua rescisão com a
Guedes, e eu estou transcrevendo uma parte do meu TCC que precisa de

atenção. A voz de dona Simone se altera, e caminho para fora.

— Mande o Rodolfo enfiar essa ordem expressa bem no... — Eu a


corto, vendo um dos seguranças do meu pai abrindo o seu portão e invadindo
a casa.

— O que está acontecendo?

— Esse homem topetudo aqui, quer invadir a minha casa para te levar
de volta para casa seguindo a ordem de Rodolfo.

— Pois diga ao meu pai que eu só vou embora se ele vier aqui pedir
perdão a Jasmine.

— Senhorita... — Ele está por um fio.

— É a minha condição. — Falo sem retroceder.

— Pegue-a na força. — Com a mandíbula cerrada, ele dá a ordem ao

outro homem.

Dona Simone não perde tempo, se agacha e usa o seu balde com água
para molhar os dois, pensando rápido eu pego a mangueira no chão e
continuo molhando os dois.

— Saiam da minha casa, e avisem ao seu chefe que se ele ousar


encostar em Jasmine ou em Amora é comigo que ele vai se ver, e eu não sou
uma boa visita.
Os homens saem encharcados para fora do quintal, e passada a
adrenalina eu tenho a respiração ofegante, as mãos trêmulas.

— É isso aí, garota! Bate aqui! — Ela ergue a mão em minha direção e
batemos as palmas das mãos abertas.

Amada, defendida, apoiada e importante, é como todos que escolhi para


estarem a minha volta me fazem sentir.
A Antecipação

João

Seguro a cintura fina e trago o seu corpo para o meu, Amora roça a
bunda no meu pau, que está duro desde o momento em que cheguei nesta
varandinha e a vi molhando as plantas.

— Depois que nos casarmos vamos tirar todo esse atraso. — Sussurro
em seu ouvido.

Ela dá uma risadinha, não suporto mais ter que vir na casa de Jasmine
para ver a minha garota, dentro da casa não há privacidade, e aqui no quintal
muito menos, a rua vive movimentada, e Amora se recusa ainda a sair
comigo para ficarmos a sós, tanto ela quanto Jasmine estão fazendo greve de
sexo, o humor de Jonas está cada dia pior, talvez juntar as irmãs não tenha
sido uma ideia tão boa, ironizo.

— João, tem poucos dias que não transamos.

— Pois para mim parece uma eternidade. — Reclamo. — Amanhã


vamos dar a entrada no nosso casamento e quero me casar o quanto antes,
preciso ter você todo dia depois do trabalho — mordisco o seu pescoço — e
antes também.

O carro de Jonas estaciona em frente ao portão, e a julgar pela forma


que ele e Jasmine pulam para fora sorridentes, devem ter transado, só eu
estou na seca aqui, gemo frustrado.

Vamos todos para dentro da casa, a mãe de Jasmine faz pipoca

enquanto nos jogamos no sofá.

A casa é simples, mas todos são acolhedores, eu aproveito o momento


de paz, porque com o adiantamento do meu casamento com Amora, logo será
feita a prisão de Rodolfo Guedes, de preferência no dia seguinte ao nosso

casamento, quero logo me resolver com ela, lhe contar como planejamos toda
a vingança, fazê-la entender que sim, armei para me casar com ela, mas me
apaixonei perdidamente pelo caminho.

— Camila! Quem é vivo sempre aparece! — Jasmine zomba.

— Isso porque tem menos de dois dias que Camila não aparece aqui —
Amora cochicha para mim. Gosto de vê-la em sintonia com as pessoas daqui,
sempre a achei tão solitária, ela agora ri mais, se arrisca mais, é palpável o
seu amadurecimento.

Camila entra junto da menina que levou na gafieira, de mãos dadas.

— Eu vim hoje com a Ana, a minha namorada. Podemos entrar? — diz


insegura e vejo a boca de Jasmine abrir em choque. Dona Simone larga a
panela de pipoca no fogão e olha para ambas. Cadu comentou comigo que
Camila é prostituta, inclusive elogiou a performance da mulher, mas cortei o
assunto, ao contrário dele, eu não tenho prazer em saber a respeito da vida
sexual de outras pessoas.
— Camila… Quando você começou a namorar?

Eu bem que tinha reparado no carinho entre elas na gafieira, mas não

tenho nada a ver com quem cada um escolhe para amar, nunca me tornaria
ditador de relacionamento alheio.

— A Ana acaba de sair de um casamento com um homem abusivo, nos


conhecemos em um programa pago por ele, que a obrigou a participar, e

desde então conversamos. Ela ficou lá em casa enquanto se divorciava e


fomos nos apaixonando de forma inesperada — conta da porta, a namorada
fitando o chão, sem jeito.

— Entrem, minhas filhas. Preciso comprar um sofá maior, não para de


surgir gente nessa casa — Dona Simone diz, as acolhendo, e acabo sorrindo.

— Pelo visto só a senhora vai ficar de vela — implica Amora com a


dona Simone que começa a dividir os potes com a pipoca.

— Eu tenho os meus contatinhos, Amora, mas no momento... — reflete

— estou de boa.

Gargalhamos com o uso das gírias, ela é realmente um barato, a risada


de Amora me afaga o coração, como eu a amo e gosto de vê-la assim feliz.

Ana e Camila se ajeitam no sofá enquanto eu tenho Amora sentada em


meu colo, Jonas e Jasmine também permanecem agarradinhos.

— E aí, vamos jogar duas verdades e uma mentira? — pergunta


Camila.
— Minha filha, dados todos os últimos acontecimentos... — Ela olha
para todos nós — é impossível acertar o que é mentira e o que é verdade. Eu

acredito em qualquer coisa que me disserem. — Dona Simone nos faz rir, não
podemos tirar a razão do que ela disse.

— E então, patricinha, como será esse casamento aí? — Camila instiga


e eu sorrio.

— Será com um juiz de paz, faremos no jardim da mansão de Jonas e


você e Ana serão muito bem-vindas.

— Darei um almoço após a cerimônia civil — completa o meu irmão,


eu e Jonas que organizamos tudo, com menos pessoas possível em um lugar
que temos controle, tememos alguma tramoia de Rodolfo.

— E vai ter comida metida a besta? — Camila faz uma careta.

— Churrasco! — Jonas revela e ouço a risada de Jasmine.

— O de Jonas é o melhor — afirma, apaixonada, e ele dá um selinho

casto em seus lábios, meu irmão fica irreconhecível perto de Jasmine,


totalmente rendido, eu consigo me controlar melhor perto de Amora,
francamente.

— Imagino... — Camila insinua implicando com a amiga e todos


rimos, um clima gostoso de descontração.

— Além de todos nós aqui, terá a mais só o Cadu, ou seja, uma


cerimônia bem íntima.
— É, Amora, você está excluindo mesmo a sua família.

— Sim, Camila, e eu creio que o meu pai irá ter um enfarto — fala

divertida e por mais que eu saiba que ela está sofrendo pela ausência, é nítido
que está vivendo uma fase tão boa da sua vida em que não cabe espaço para
os dois e sua falta de apoio. — Mas quer saber o que descobri? Família a
gente também escolhe. O que vocês têm feito por mim é mais que qualquer

outro familiar já fez.

— Já pararam para pensar que serão irmãs e também concunhadas? —


a namorada de Camila deduz.

— Verdade. Parece que a sina do meu pai foi fabricar mulheres para a
família Patacho. — Deduz Amora brincalhona nos arrancando sorrisos.

— Pipoca, crianças! — Dona Simone começa a dividir os potes no


mesmo momento em que começa o culto de vigília da igrejinha a poucas
casas daqui, e a vizinha grita mandando os filhos tomarem banho.

A confusão de vozes, deixo escapar uma risada vendo Camila imitar o


grito da vizinha, ela é boa em imitação. Jasmine olha doce e apaixonada para
Jonas que retribui, Amora está segura em meu colo, eu inalo o seu cheiro, a
simplicidade da casa, a leveza que a vida parece ter olhando por essa
perspectiva. É como um sonho, mas que eu sei que tem data certa para se
tornar um grande pesadelo.
DIA SEGUINTE

— É bom vir aqui e a ilegítima não estar. — Cadu fala animado,


enquanto eu me mantenho quieto, conheço o Jonas, para ele ter nos chamado
até sua casa, com toda certeza não é porque quer ter uma noite de caras.

— Eu chamei a você e a João para um comunicado.

Sirvo-me de uísque puro, sento no sofá claro de sua mansão e dou uma
golada generosa, sei que os dias que virão não serão nada fáceis.

— Eu vou pedir a Jasmine em casamento — diz e eu quase cuspo o


meu uísque enquanto Cadu tem os olhos arregalados sobre ele.

— Jonas, você ficou louco? O Rodolfo não quer ver a Jasmine nem
pintada de ouro.

— Cadu, nós já temos provas suficientes para conseguirmos prender


Rodolfo, e com o casamento de João e Amora, teremos o poder necessário

para findar os processos em aberto das terras do nosso povo — diz sob o
nosso olhar atento. — Sei que após a prisão de Rodolfo, você vai lutar pelo
perdão de Amora, João, vai tentar fazer seu casamento dar certo porque você
a ama. — Me mantenho inerte, apenas meneio a cabeça, porque sim, eu vou
lutar pelo meu casamento. — E eu também pretendo levar adiante a minha
vida com Jasmine.
— E vocês acham mesmo que elas irão perdoá-los? Caiam na real.
João, você será o responsável pela prisão do pai dela, por mais que a Amora

esteja com raiva do coroa agora, ainda assim é o pai dela. E a Jasmine, Jonas,
ao saber que você a ludibriou para conseguir sua confiança, para usá-la como
peça nessa vingança... Elas irão odiar vocês.

— Amora e Jasmine entenderão nossas causas. Elas já provaram que

são engajadas com o justo, mas não entendo a sua preocupação, Cadu. —
Meu irmã ergue as sobrancelhas, e eu também fico incomodado com a falta
de fé de Cadu, parece que ele torce contra os nossos relacionamentos.

— Eu fico me perguntando: o que eu ganho com tudo isso? Vocês


viverão felizes para sempre e eu? Me excluem de suas vidas, ou acham que
não sei que andam fazendo programas em família? Onde eu fico nessa
história? — O questionamento o faz se levantar, e começo a identificar o
prelúdio da situação.

Levanto-me também o seguindo, de onde Cadu tirou tamanha


amargura? Ele só queria dinheiro desde o princípio, e conseguiu, tem
investimentos, um bom imóvel, tudo fruto de seu trabalho na Guedes que nós
o ajudamos a entrar e crescer.

— Cadu, o nosso foco era conseguir as terras para o nosso povo e


prender Rodolfo para que ele sirva de exemplo para os demais poderosos, que
acham que se resolvem as coisas com sangue derramado. — Jonas também se
levanta e os dois ficam frente a frente, se encarando.

— Mas tudo mudou, Jonas, com isso vocês ganharam boas mulheres,

vivem os dois de segredinhos e eu fiquei de lado. Ajudei vocês e agora saio


de mãos abanando.

Que porra é essa?

— Cadu, você é o Diretor Jurídico da Guedes, mora na Zona Sul,

comprou carro do ano, tem um currículo impecável. O que mais você quer?

— É fácil para você me dizer isso, afinal, está com Jasmine, uma
mulher linda, gostosa, novinha...

— Cadu, não me provoque.

— É a porra da verdade, Jonas! Era para eu ter ficado com a Jasmine.


Hoje enxergo com clareza, você não a queria por ser muito nova. Devia ser
eu comendo-a. Eu!

Vejo a ira de Jonas, vou deixá-lo dar ao menos um soco, era o que eu

faria se fosse a minha mulher.

— Seu filho da puta! — Como o previsto, Jonas dá um soco no rosto


dele, tão forte que o faz virá-lo para a esquerda.

Pronto, agora volto a razão, fomos todos criados juntos, não podemos
perder a cabeça, eu seguro os braços do meu irmão.

— Se controla, Jonas — grito e vejo Cadu nos olhar com o sangue


escorrendo de seu nariz.
Há puro ódio e inveja exalando de seus poros. Ele nunca aceitou bem a
minha relação com o meu irmão, sempre tentou ficar entre nós, o que é

controverso porque nunca nos considerou como seus irmãos.

— Prefere aquela mulher do que o seu irmão de luta? Saiba que esse
soco vai custar muito caro, Jonas Patacho.

Com o Jonas mais calmo, eu sigo atrás de Cadu, o seguro pelo ombro

ainda no quintal.

— Vai a merda, João!

— Está no fim, Cadu, falta pouco agora, não vamos enlouquecer agora.

— Vocês dois perderam a cabeça por causa de boceta, tomara que elas
nunca perdoem vocês por tê-las usado como marionetes.

Ele sai puto em direção ao seu carro, deixo que ele tenha o seu tempo,
apesar da raiva, eu julgo que ele não nos prejudicaria porque estaria indo para
o ralo também, mas dada as reviravoltas, já não sei de mais nada.

Conforme chegamos ao cartório para dar entrada em nosso casamento,


esperamos em uma fila a nossa vez. Amora usa o colar de diamante que te dei
com o pingente de máscara, eu já encomendei as nossas alianças do
casamento, estou tão ansioso.
— Então seremos testemunhas dessa loucura aqui — zomba Jasmine e
recebe uma cutucada divertida da irmã.

— Mais respeito, eu que sou a mais velha. — Amora dá a língua como


resposta e ela revira os olhos.

Nossos irmãos cochicham entre si e tento me manter frio a Amora que


me atenta abraçando-me, estou muito sensível com saudade dela, tomá-la em

meus braços.

— Já volto. Não saia daqui. — Jonas fala rígido.

— Jonas, aonde você vai?

O cartório está lotado, tento desviar das pessoas, e, em dado momento,


o perco de vista.

Quando regressa para a parte interna, sussurra para mim:

— Vou subornar alguém daqui para que possamos furar fila. Estamos
sendo observados. Precisamos sair daqui o quanto antes.

Eu apenas assinto com a cabeça.

Eu sei que a partir de agora os pesadelos começarão a se tornar cada


vez mais reais.

Após o flagra de seu capanga no cartório no dia em que fomos para dar
entrada na documentação do casamento, Rodolfo tirou folga por uns dias da

empresa e não sabemos de seu paradeiro, o detetive particular ainda não

localizou nada.

Jonas já foi até sua casa, porém, dona Amélia avisou que ele viajou e
ela não possuía notícias, o que nos deixou angustiados.

Entrei em contato com o delegado da Polícia Federal que está cuidando

em sigilo do caso, mas ele não quis me dar nenhuma notícia, disse apenas que
está tudo sob controle.
As Surpresas

AMORA

— O que acha? — Mostro a Jasmine o vestido reto todo branquinho de


renda, amanhã é o meu casamento no civil, combinamos de depois da minha

formatura nos casarmos no religioso com uma grande festa, e eu não poderia
estar mais ansiosa.

— Perfeito, você será a noiva mais linda do planeta terra.

— Ele é simples, entretanto muito elegante. — digo rodopiando


apaixonada.

— E combinou totalmente com você, não adianta Amora, qualquer


coisa que vista nesse corpinho exala riqueza. — elogia e eu sorrio de forma
ampla.

Dona Simone fez questão de me dar o vestido de presente, uma


costureira aqui da favela que o confeccionou, dona Odaléia, em tempo
recorde.

Andei de ônibus com Jasmine para irmos ao Saara comprar os tecidos


de meu vestido de casamento, e foi divertido, quer dizer, eu já andei algumas
vezes em translados do aeroporto, mas desta vez foi diferente porque o
ônibus estava sujo com muita poeira, os bancos soltos e bem cheio, chegamos
a conseguir sentar, mas não permaneci nem dois minutos, logo entrou uma

menina mais jovem que Jasmine com um bebê no colo e eu não pensei duas

vezes antes de lhe ceder o meu lugar.

João tenta me dar dinheiro, mas eu nunca aceitei, tenho roupas mais do
que suficientes, e para viver aqui não preciso de mais nada, dona Simone me

ensinou a usar a máquina de lavar e também a passar roupas, confesso que


não gostei das tarefas, mas foi bom ver que as roupas não aparecem limpas e
passadas magicamente no armário.

— Eu amei, ficou do jeitinho da foto que mandei a ela.

— Ela é realmente muito talentosa, tem a mão boa... — A voz de


Jasmine morre lentamente, e viro para ela preocupada, vejo em suas mãos
uma embalagem de pílula do dia seguinte, o remédio está intacto.

— O que foi? — Questiono.

— Eu e Jonas não nos prevenimos uma única vez e ele me comprou


isso, caramba! Me esqueci completamente de tomar.

— Faz quanto tempo?

— Duas semanas.

— Está sentindo algo diferente? — sondo.

— Nada, quer dizer, um pouco de sono excessivo porém levando em


consideração tudo que está acontecendo em minha vida julgo que seja uma
defesa natural do corpo, desligar.

— Hum... Certo, e a menstruação? Está em dia? — A pergunta faz com

que ela arregale os olhos.

Abre o aplicativo no celular que controla o ciclo, e eu vou até ela


pousando os olhos na tela enquanto a vejo fazer mentalmente a conta.

Olho pálida para mim e eu faço um “O” com os lábios, atraso de três

dias.

— Calma, não se desespera, vamos comprar um exame, nada de surtar


antes do necessário. — concorda.

— É normal o atraso quando se está sob forte estresse, é isso, está tudo
sob controle... Minha mãe vai me matar. — constata.

— Sem precipitação, Jasmine.

— Amora, esse banheiro é apertado.

— Eu sei, mas não quero perder nenhum detalhe. — Digo e ela bufa
indignada.

— Não consigo baixar meu short para sentar no vaso com você aqui. —
reclama.

E então eu vou para dentro do box que possui uma cortina


emborrachada com estampa de fundo do mar.
— Pronto.

Ela senta no vaso, mas não ouço nenhum barulho de xixi.

— Anda logo, Jasmine.

— Se me apressar que não consigo mesmo.

Não quis esperar do lado de fora do banheiro de jeito nenhum. Ela ri


quando coloco a cabeça para fora da cortina da cortina do box esse foi o jeito

que encontramos para que ela tivesse um mínimo de privacidade. Olho-a


entusiasmada assim que ouço o barulho do xixi.

— E aí?

— Tem que esperar um minuto, lembra? — diz e eu reviro os olhos,


lemos a bula uma porção de vezes.

Assim que ela coloca o pote cheio em cima da bancada, eu saio do box,
enquanto ela se limpa, já insiro o pequeno canudo dentro do pote com a
urina, estou tão nervosa quanto ela.

— Jasmine, dois pauzinhos rosa é o que mesmo? — pergunto enquanto


ela ergue o short.

— É positivo, meu Deus! Amora, que excesso de falta de intimidade,


acabamos de dividir o banheiro isso é demais para mim. — sorri, mas logo
ela me vê pálida. — O que foi?

— Jasmine, em menos de dez segundos que enfiei isso aqui já deu os


dois pausinhos.
Encosta em mim e constata as duas listras rosas bem fortes, pego a
caixa do teste e releio.

— Grávida. Meu Deus! — Afirmo.

— Fala baixo, Amora, minha mãe não pode ouvir isso.

— E você pretende esconder dela durante os nove meses por acaso? —


Sussurro.

— Minha mãe vai me matar.

— Sim, ela vai, conta depois do meu casamento assim já não estarei
aqui. — Ofereço.

— Covardona. — zomba e nós rimos.

— Parabéns, imagina o Jonas papai que gracinha. — Minhas palavras


fazem seus olhos marejarem, abatidos. — Jasmine, não fica triste, o que você
vai fazer?

— Preciso digerir tudo isso.

Abraço-a, eu sei que ela e Jonas se entenderão, já se amam tanto. Mas


uma certeza eu tenho, eu serei a melhor tia do mundo.

O jardim de Jonas está enfeitado com flores brancas, que formam um


portal lindo e adornam o ambiente, dando um ar romântico ao lugar.

O juiz de paz já está de pé no altar improvisado.


João realmente pensou em tudo, uma decoração pautada na
simplicidade sem perder a beleza.

Cadu está sentado no banco de madeira e minha mãe se junta a ele.


João está no altar junto com o irmão e o juiz de paz.

— Boa sorte. Vou lá para o altar — Jasmine me fala.

— Espera! Eu sei que não é um casamento tradicional, mas entra de

mãos dadas comigo? Você é o único membro da minha família aqui presente.
— Meus olhos estão aflitos, eu ia entrar sozinha, afinal é só o casamento
civil, mas agora, entrar com ela faz todo o sentido.

— Entro!

Aceno para Camila, que dá play no som e assim passamos juntas pelo
portal.

"Se eu não te amasse tanto assim

Talvez perdesse os sonhos

Dentro de mim

E vivesse na escuridão"

— Se eu não te amasse tanto assim, jura, Amora?! — zomba em meu


ouvido e recebo uma cutucada, embora ela esteja sorrindo e olhando para o
João.

— É a nossa música.

Escolhi essa porque a letra faz todo sentido, a forma como eu vivia na
escuridão, e o João foi a luz que me guiou para a vida feliz que eu tenho hoje,
que me motivou a seguir os meus sonhos.

Recebo um beijo dele na testa, e o juiz de paz inicia a cerimônia


singela, mas eu só consigo reparar na beleza de João, com a sua camisa social
azul clarinho com botões abertos, o paletó cinza, e a calça social branca,
estiloso como sempre.

Minha maquiagem é leve, foi Camila quem fez, deixei os cabelos soltos
do jeito que ele gosta. João segura firme em minha mão e trocamos um olhar
profundo, deito a cabeça em seu ombro, e ficamos assim colados até a hora
dos votos.

— João, você surgiu em minha vida de repente e transformou tudo, deu


sentido a tudo. Eu te amo pelo que é, por como me trata, pelo seu amor
incondicional, e te prometo ser fiel e leal.

Todos aplaudem, e coloco a aliança dourada em seu dedo anelar da

mão esquerda.

— Amora, esse dia significa muito para mim. Esse é o marco do início
da nossa família. Eu quero sempre ser o que você precisa. Te prometo ser
sempre quem irá te proteger e zelar por ti.

Coloca a aliança em meu dedo e olho para o céu, tentando conter as


lágrimas, estou casando com o homem que eu amo.

Nossos irmãos, assim como nós, assinam a papelada necessária, no


caso deles sendo as nossas testemunhas.

Dona Simone tira fotos nossas a todo instante, além do fotógrafo

profissional contratado.

— É com grande alegria que pela autoridade a mim delegado, Eu,


Afonso Santos, juiz de Paz, declaro que vocês estão casados. Pode beijar a
noiva.

Recebemos os aplausos das poucas pessoas aqui presentes, eu fecho os


olhos e recebo o beijo quente do meu marido que suga o meu lábio inferior
no processo, dei uma canseira nele fazendo-o esperar nosso casamento para
voltarmos a transar.

Recebemos uma chuva de arroz conforme manda a tradição e logo


todos estão unidos para o brinde, tudo sendo captado pela lente ágil do
fotógrafo.

Um bolo branquinho, em formato espiral com flores rosas bem

clarinhas, fica lindo na mesa solitária redonda e dourada disposta no jardim,


tudo simples, assim como o meu amor por João, simplesmente é.
A Ruína

AMORA

— Só mais um passo para frente. — João orienta.

Sorridente, eu sigo a sua instrução, ele me vendou durante todo o


trajeto, disse que tinha uma surpresa.

— Espero que goste, amor. — Ele diz e retira a venda preta dos meus
olhos, e fico encantada olhando para o quarto em tons de madeira, com uma
hidro bem ao centro, está ligada e possui pétalas de rosa e espuma dentro, a
cama de casal tem um cesta de queijos e vinhos, perfeito.

— Uau!

— Você gostou?

— Eu amei. É lindo.

— Esse é o começo de uma vida inteira te amando. — Segura o meu


rosto em suas mãos e rouba-me um selinho demorado. — Só espera um
instante, preciso ir até a recepção buscar meu documento do check-in, eu
estava com pressa para te fazer logo a surpresa.

— Tá, não demore.


— Prometo que não.

Caminho pelo quarto observando os detalhes, e apesar de ter várias

lingeries novas que ganhei de presente das minhas alunas, eu quero que João
tire o meu vestido de noiva. Meu celular toca em minha bolsa de mão.

Estranho o fato de ser Jasmine a me ligar, estávamos juntas ainda há


pouco, penso em não atender, mas aí me lembro que pode ter a ver com a

descoberta de Jonas sobre o bebê.

— Amora, você está com o João?

— Sim, chegamos agora em um hotel muito lindo. Ele reservou para a


nossa noite de núpcias. A vista da janela é deslumbrante, Jasmine, parece que
estou em um sonho. — Falo enquanto abro a cortina, vejo a orla de Ipanema
ao meus pés.

— Passa o telefone para ele, agora.

— Por que, Jasmine?

— Depois te falo. Passa para ele. Preciso falar muito urgente com o
João — sussurra com a sua voz exalando tensão.

— Que aflição. Me deixa ir até a porta ver se ele já está no andar. Ele
estava na recepção.

Caminho, os saltos batendo na madeira enquanto saio do quarto e abro


a porta. O meu marido caminha já desafrouxando a gravata, mas o seu sorriso
esvai quando vê em meu rosto estampada a aflição.
— O que foi, meu amor?

— É Jasmine, ela quer falar com você, parece grave.

Sem perder tempo lhe passo o telefone, mas o coloco no viva-voz


porque a curiosidade está me beliscando.

— Jasmine? O que aconteceu? — Ele pergunta, mas só ouvimos a


respiração pesada dela. — Jasmine, você está aí? Por favor, fale comigo —

pergunta João.

— E-estou — responde gaguejando.

— Jasmine, o que foi? É o Jonas? Fala comigo. — João fala alterado, e


ouvimos um soluço fugir da garganta dela, eu começo a me tremer
entendendo que está acontecendo algo de muito grave.

— Jasmine, o que está acontecendo? — Grito quase tirando o celular da


mão de João.

— Ele está em perigo, João. O Rodolfo descobriu o plano de vocês. Ele

vai matar o Jonas. Não deixa isso acontecer, pelo amor de Deus.

— Porra! — esbraveja.

— O meu pai vai matar o Jonas? Como isso é possível, que plano é
esse que ela citou?

— Onde eles estão? — João me ignora.

— Na sala, na casa de Jonas.

Ele desliga o telefone


— João! O que está acontecendo? — Seguro pelo paletó.

— Eu preciso salvar a vida do meu irmão, me espere aqui, eu já volto e

te conto tudo.

— João... Por favor, me diga!

Nossos olhares se trancam, e em seu semblante eu enxergo tanta dor,


meu corpo inteiro fica trêmulo, a garganta seca, engulo a bile.

— João...

— Eu te amo, e vou lutar pelo seu perdão nem que seja a última coisa
que eu faça na vida.

— Por que está me dizendo isso? — A minha visão fica turva.

Ele me dá as costas como resposta e sai do quarto.


O Poder

AMORA

— O que é isso? — Grito assim que abro a porta do quarto de hotel e

me deparo com dois agentes da Polícia Federal.

— Senhora Amora Guedes, perdoe a intromissão, mas nós


precisávamos checar se a senhora está bem.

— O que é isso, do que estão falando. Cadê o João? — Levo as minhas


mãos ao peito, o coração descompassado.

— O senhor João Patacho está nos ajudando em uma missão.

— O quê? — Questiono, sentando na cama tentando me acalmar do

susto.

— Fica calma, senhora, vamos explicá-la. — Um dos agentes diz


calmamente. — Precisamos que se mantenha calma, para que possamos
explicá-la tudo, porque falhamos ao não impedir que João se aproxima-se
além do combinado.

— Eu não entendo.
— Jonas e João Patacho, são filhos de líderes de um acampamento
sem-terra, no sul do país.

Fico boquiaberta, eu não sabia que os pais deles eram líderes.

— Os pais dele estão mortos. — Deduzo, tentando puxar na memória.

— Sim, estão.

— Ele me disse que foram assassinados, brutalmente.

— Sim, eles foram, e as terras pelas quais eles morreram lutando ainda
está em processo no judiciário.

Fecho os meus olhos começando a juntar as peças, o processo que eu vi


no escritório do meu pai. As lágrimas começam a cair dos meus olhos sem
qualquer controle.

— Quem matou os pais deles? — Pergunto em um fio de voz.

— Nunca foi realmente provado quem os executou, mas eles tem a

prova de quem foi o mandante do crime, através da confissão do próprio.

Um soluço foge dos meus lábios.

“O Rodolfo vai matar o Jonas” lembro de Jasmine ao telefone, balanço


a cabeça em negativa.

— O mandante. Quem foi o mandante? — Faço a pergunta já sabendo


a resposta, ou melhor, não querendo ouvi-la.
— Rodolfo Guedes.

Levanto, e começo a caminhar pelo quarto.

— Eu lamento muito, senhora, o combinado era que somente os


agentes se envolveriam no caso, mas quando vimos, os irmãos Patacho já
estavam infiltrados na empresa, se relacionando com a família Guedes, nós
realmente falhamos em não impedir.

— Eles só entraram na Guedes para provar que foi o meu pai?

— Na verdade, eles conseguiram colher várias provas contra o seu pai,


por tentativa de assassinato a Jonas hoje, o assassinato do Cadu que morreu
carbonizado em seu carro— levo as mãos a boca, pobre rapaz. — Lavagem
de dinheiro, sonegação de impostos, e ainda será réu em alguns casos de
assassinatos a líderes do movimento do MST, que estavam em acampamento
em sua propriedade ociosa.

— Então ele se casou comigo para conseguir se aproximar do meu pai?

— Eu sinto muito, senhora. Agora com o seu casamento, Rodolfo


preso, Jonas sendo o autor das acusações... O João se torna diretamente o
CEO da Guedes Engenharia.

— Poder. Foi isso que o fez se casar comigo.

— Provavelmente, agora o caminho está livre para que ele possa enfim
assentar as famílias, dar-lhe o direito as terras.
Levo as mãos à cabeça, totalmente desnorteada.

— Para onde a senhora quer uma carona? — Questiona. — João

passará a noite prestando queixa.

Olho para o quarto, a decoração romântica que nunca vamos usufruir, o


futuro sonhado que nunca vai chegar, e digo ao policial o único lugar que eu
entendo como o meu lar.

— Morro do Vidigal, por favor.

Quando salto do carro, entro em casa lentamente, destruída. Assim que


abro a porta da sala, dona Simone abre os braços para mim, ela também já
sabe. Corro até ela e enfim me sinto livre para desabar.

— Minha filha, coloca para fora, depois você se acalma e vamos


recomeçar. — Aconselha.

— Tem espaço para mais uma aí? — É a voz de Jasmine.

Erguemos os braços para ela, que se senta no chão, ficando aos nossos
pés.

— Aqueles crápulas me enganaram. Como a minha intuição deixou


passar isso? — questiona dona Simone acariciando os meus cabelos.

— Ele não teve a hombridade de me contar. Teve que ser um agente da


federal — Digo entre soluços.

— Oh, minha filha, que sofrimento, meu Deus do céu! Quando a gente

acha que não pode piorar... — As palavras da mulher mais velha tocam-me.

— Mãe, preciso te contar algo. — Jasmine diz, e então me lembro da


gravidez.

— Jasmine, não faça isso.

— Preciso dizer, Amora. — Encara a mãe, que está apreensiva. —


Talvez a senhora me coloque para fora de casa, mas...

Corta-me:

— Não, Jasmine, você não... — A voz morre em seus lábios.

— Sim, estou grávida.

— Do crápula? — A pergunta deve ter sido ouvida até mesmo por


quem mora em bairros vizinhos.

— Sim, do crápula. — Sorri enfraquecida. — Ele não sabe, eu ia contar

hoje, mas... — Respira fundo.

— Que burra, Jasmine, não acredito que você foi burra desse jeito. —
Levanta e caminha pela sala. — Eu sempre te alertei tanto.

Ela abaixa a cabeça e apenas espera pelo sermão. Deixo umas lágrimas
caírem em silêncio, quanta dor.

— Filha. — Agacha e a encara. — Como você pôde achar que eu te


colocaria para fora de casa?
— A senhora sempre foi rígida e ...

— Jasmine, você fez burrada. Um filho é uma benção, sim, mas em

nossas condições financeiras... — Silencia e respira fundo. Fecho os meus


olhos, em completa desesperança, nem mesmo sei o que será da Guedes após
todo esse escândalo estourar. — Ouça. Olha para mim, filha. — Obedece,
ainda inconsolável. — Essa criança vai matar muitos dos seus sonhos ou

torná-los mais lentos de se realizar, mas você tem a mim para tudo nesta vida,
minha filha. Vamos juntas fazer dar certo.

— Mãe...

Soluço e jogo-me no chão abraçando as duas, juntando as nossas dores.

— Não chorem, minhas riquezas, a mamãe tá aqui. Vai ficar tudo bem.

Choro copiosamente, fui usada em um plano frio de vingança, o amor


de João, suas palavras doces, o incentivo que sempre me deu, tudo mentira
para me seduzir.

E o ódio que eu sinto ainda assim não é maior do que a decepção, que é
ainda mais devastadora.

— Jasmine, como você descobriu? — Pergunto a minha irmã que


possui os olhos vermelhos e lábios trêmulos.

— Eu vi tudo, Amora. Eu estava na sala de câmeras da casa de Jonas, e


vi tudo diante dos meus olhos. — Fecho os meus olhos atenta a sua
confissão, não consigo mensurar a sua dor. — Cléber, um mendigo que
ficava na porta da Guedes Engenharia e se tonrou um amigo, me enviou a

gravação, eu descobri que na verdade ele era um agente federal disfarçado,

como uma forma de me pedir desculpas, me enviou a gravação, recebi


enquanto vinha para cá, mas não tive cabeça para pensar sobre o que fazer
com isso. Eu tenho a gravação, quer ver?

Antes que eu consiga de fato pesar os prós e contras, já estou sacudindo

a cabeça positivamente.

— Você tem certeza que quer ver? — Jasmine adverte.

— Por favor, eu preciso.

Passa-me o seu celular, respiro fundo, mas esqueço de expirar enquanto


clico no play.

Na cena, o meu cunhando ainda usa o terno que estava em meu


casamento, e o meu pai entra na sala de Jonas, com uma arma em punho, eu
deixo escapar um soluço, o meu pai, o homem que me criou, vê-lo armado e

saber tudo o que ele já fez de ruim para tantas pessoas, dói o meu peito de
forma profunda.

— Sabe o que são esses papéis em cima do sofá? — Meu pai é quem
diz.

— Não faço ideia, Rodolfo. Abaixe essa arma para conversarmos —


Jonas pede com as mãos ao alto. — É algo importante referente à empresa?

— Exatamente, muito importante.


— Do que se trata?

— Da sua vida. Aqui eu tenho um relatório detalhado de toda a sua

vida.

Jonas empalidece e me choco com a sua expressão de desespero,


aumento o som do celular de Jasmine e ando sem rumo pela casa
milagrosamente silenciosa, olhando fissurada o celular antigo em minha mão.

— O que tem aí, Rodolfo?

— Eu subestimei você. Nunca poderia imaginar que me trairia desta


forma, e olha que já lidei com gente de caráter ruim, mas você tinha a minha
total confiança, Jonas — fala sacolejando a arma. — Eu devia supor que teria
uma revanche, mas você fez tudo de forma calculada. Eu nunca ia imaginar.
Só consegui descobrir sobre você porque fui eu mesmo à procura da sua
história.

Jonas senta no sofá de forma letárgica sob a atenção de Rodolfo, que

está em um momento de pura histeria

— Me diga, Rodolfo, o que descobriu sobre mim? — questiona o


encarando sentado e com as mãos já abaixadas, então percebo a sua atitude.
Jonas está ganhando tempo, talvez esperando por um milagre, já que neste
momento todos já tinham ido embora da pequena festa.

— Sabe o que diz aqui? Que você se chama Jonas Patacho, e é filho de
Iuna Gonçalves Pereira e Josivaldo Pereira de Araújo Patacho, que foram
líderes de um assentamento em uma das minhas terras no sul do país, mas
ambos eram conhecidos como Iuna e Josivaldo Pereira. — Fico presa na cena

dos dois. Presto atenção em cada palavra dita, na forma como Jonas fica
atento ouvindo a tudo. Lembro-me de João falando-me da personalidade de
seus pais e o que ele e o irmão tem de diferenças e similiradaes, — Você e
seu irmão foram adotados pelos pais de Carlos Eduardo Alhambra, e, então,

passaram a se chamar legalmente Jonas e João Alhambra, mas após a


maioridade, você e João solicitaram e tiveram o pedido de retificação
atendido em juízo, para ter nos documento o sobrenome dos papais mortos.
— Paraliso no lugar, como o meu pai tem a coragem de debochar de algo tão
trágico quanto duas crianças órfãs.

— Como você teve acesso a esse processo? Ele é sigiloso. — Vejo


Jonas se exaltar, a testa vincada com uma ruga de preocupação o entrega.
Alhambra... Lembro-me do almoço com a presidência. Jonas apresentou

Cadu como Carlos Eduardo Alhambra.

— Jonas, não há nada nesse mundo que fique oculto aos meus olhos.
Eu sou como Deus. — Gargalha o meu pai e fico incrédula com o
desconforto de Jonas e sobre todo o seu processo de adoção, deve ter sido
tudo tão difícil para ele e João.

— Você compra a tudo e a todos para ter acesso ao que precisa saber,
não é?! Isso o faz viver na impunidade, sempre tive retratos dos meus pais ao
seu redor, porém, mandou matá-los sem nem mesmo ver seus rostos, nunca

se importou, poder exala de você, Rodolfo, mas alguém precisa pará-lo, e

esse alguém serei eu.

— Você precisa comer muito feijão com arroz para me ameaçar, garoto
— zomba.

Jonas vê dois homens encapuzados, estando um na porta que dá acesso

à cozinha e o outro na porta de entrada da sala. Ele sabe que está rendido.

O celular de Jasmine trava e eu grito em frustração, preciso reiniciar o


aparelho e o faço contando cada segundo, ofegante com o coração
martelando no peito, a cabeça doendo após tanto estresse, ainda estou em
meu vestido de noiva, inacreditável!

Quando o aparelho liga por completo, deslizo o dedo na tela colocando


no momento exato em que parei.

— Eu mandei matar os seus pais porque eles foram pedras em meu

caminho.

Ouvir o meu pai assumir ser mandante de um crime bárbaro, cruel me


parte ao meio, principalmente vendo a sua postura soberba, o jeito que ele
olha para o Jonas, a forma familiar com que ele maneja a arma em suas mãos,
definitivamente não é o homem que eu conheci por toda a vida, quantas faces
pode ter uma pessoa?
— Rodolfo, as terras são herança da sua família. Estavam lá
improdutivas, você nunca teve planos para usá-las. Por que não as deixar para

quem realmente precisa? Meus pais e o meu povo começaram a produzir,


cuidaram do solo, fizeram as terras férteis...

— O meu pai foi um crápula, mas ele me deixou tudo que era dele, são
muitos bens. — Rodopia a arma entre seus dedos demonstrando certa

intimidade com o artefato, papai sempre andou com seguranças, mas eu


acreditava que era por conta da sua classe social, o poder que possui na
empresa, nunca imaginei que também seria por medo de receber de volta a
maldade que exalou. — Inclusive essas terras. Eu realmente não tenho
ambição em fazer nada nelas, mas é herança de família, de uma família que
nunca me amou, que sempre me tratou como alguém que nasceu unicamente
para dar seguimento a linhagem, então, tudo que eles me deixaram, eu faço
questão de ter, porque todo esse poder me custou muito desamor.

— Não se paga o mal com o mal, Rodolfo. Você derramou muito


sangue inocente por conta de uma busca incessante de poder. Matar famílias
não fará com que a sua volte atrás e o ame. Eu mesmo perdi o amor dos meu
pais pela sua ferida que não cicatrizou, isso é justo? Comigo, com o João,
Cadu, com a Jasmine?

Rodolfo titubeia e retrocede um passo.

— Não tente me persuadir! Ainda nem cheguei na melhor parte do


relatório. Fiquei surpreso quando vi que três adolescentes sem eira nem beira

vieram do Sul para o Rio de Janeiro. Tem aqui o contrato feito com a

imobiliária. Imagino que tenha sido difícil dividir uma quitinete com outros
dois marmanjos. Que vida fodida.

— Vim com Cadu e João para o Rio de Janeiro para estudar, fazer
faculdade.

— Pare de mentir. Vocês vieram alimentados com a sede de se vingar


de mim. Eu matei um a um os líderes que foram surgindo nas minhas terras
após os seus pais, e ficando impune de todas as acusações, então, vocês
decidiram fazer justiça com as próprias mãos. Eu devia ter previsto essa
porra. — Jonas apenas o encara sem nada dizer e fico ainda mais chocada que
ele sequer nega. — Começou a faculdade e depois a estagiar na minha
empresa. Como fez para se aproximar de mim? Anda, me conte, afinal, você
sabe que não sairá vivo dessa conversa de qualquer forma. Ao menos me

forneça uma história interessante que compense todo o transtorno que a sua
brincadeira de justiceiro me custou.

— Entrei na empresa com o meu esforço. Sempre fui estudioso e


dedicado. Já admitido, eu te seguia pelos corredores, conversava com os
funcionários que o cercavam, sabia tudo da sua personalidade e o principal,
sabia das suas falhas como gestor. Me tornei o tipo de pessoa que você
precisava que eu fosse, contido, com ideias inovadoras e trabalhava de forma
sobre-humana e cumpria os prazos muito antes de qualquer outra pessoa,

afinal, eu tinha João e Cadu por trás me ajudando.

Paro escorada em uma das paredes da casa, Simone está no sofá


mirando um ponto cego, mas ouvindo a toda a conversa, enquanto Jasmine
chora baixinho sentada no chão.

— Inteligente. Muito safo. — Rodolfo vai até o móvel de bebidas de

Jonas, dando as costas a ele e pega um charuto. Jonas permanece inerte,


afinal, está sob a mira da arma de outros dois homens. — O seu parceiro
Cadu já teve o que merecia. Após me procurar para me contar muitos dos
seus segredos, eu mandei metralhar o carro dele. Está morto.

Lembro-me do agente federal contando-me da morte de Cadu.

Volto minha atenção ao celular.

— Veja só, eu sempre o quis como genro e você se envolveu com a


minha filha caçula. Eu recebi fotos de vocês dois — diz e eu empurro a bile.

— O plano era que somente o João se envolvesse com a Amora para


que pudéssemos ter o controle da empresa quando você estivesse preso,
assim nós conseguiríamos dar fim aos processos das suas terras. — Confessa
o Jonas e realmente, foi como aconteceu, com e exceção da traição de Cadu e
sua morte, tudo deu certo para o meu marido e o seu irmão.

— Mas aí eu te contei da minha bastarda e você achou que ela pudesse


ser um empecilho e não pensou duas vezes antes de ir correndo até ela e a
fazer me enfrentar. — A forma desrespeitosa como ele se dirige a minha irmã
me faz arrepiar, ela quietinha ouvindo a tudo novamente.

Jonas concorda com ele e uma lágrima cai do meu olhar. Tudo mentira,
o meu pai, o meu marido e o seu amor, Jonas e Jasmine, tudo uma utopia, a
única sinceridade em minha vida é o amor da minha irmã.

— E qual era o plano após descobrirem que eu não ia registrá-la e que

ela é uma covarde que não me enfrentaria?

— Descartá-la. Esse era o plano.

Rodolfo ri das palavras proferidas por Jonas e meu coração se quebra


em mil pedaços.

— E por que não a largou? Eu vi as fotos de vocês juntos.

— Eu me apaixonei. Jasmine é a melhor pessoa que passou pela minha


vida. É uma lástima que a tenha preterido. Ela é incrível — diz e o meu pai
gargalha.

— Um sem-terra e uma favelada. Vocês são o casal perfeito, dois


perdedores, fracassados, mas acaba aqui o seu plano. Os meus seguranças
irão levá-lo daqui direto para a minha fazenda. Vou te enterrar vivo, Jonas.
Você não merece nem mesmo que meus seguranças sujem as mãos o
matando. Não valeu de nada toda a sua vingança.

— É difícil matar um Patacho, Rodolfo, tenha isso em mente. — Jonas


levanta-se e caminha até ele. — E sabe, terá, sim, muito valor, pois você será
preso e enfim me sentirei vingado. Os fins justificam os meios, Rodolfo
Guedes.

— Você acha mesmo que ficarei preso, Jonas? Eu sou rico! Tenho
acesso aos melhores advogados do país, e você? O que tem?

Vejo na televisão através da câmera que vigia o quintal um homem


adentrar na casa. Noto que o conheço de algum lugar. Franzo a testa e vou

para mais perto tentando ver melhor o seu rosto.

Homens com o uniforme da Polícia Federal adentram a casa e rendem


dois encapuzados na parte externa de forma silenciosa e contida.

Quando o homem que parece ser o comandante da operação gesticula


ordens aos seus homens, consigo vê-lo melhor.

Arrumado, limpo, cabelo penteado, com uniforme da polícia Federal,


ali está o Clebão! Um mendigo muito querido pelos funcionários da Guedes,
ele sempre estava ali pela porta, realmente esta foi uma grande operação,

deduzo.

— Adeus, Jonas. Chega de conversa. Você foi a maior decepção que


tive na vida. Saiba que não me agrada em nada fazer isso. Dê lembrança aos
seus pais, e fique tranquilo, o seu irmão em breve irá te fazer companhia,
juntamente com o seu outro comparsa.

E então o celular fica com a tela preta, é o fim do vídeo.

— O que aconteceu? — Pergunto, o meu corpo inteiro tremendo.


— Os agentes da federal invadiram a casa e trocaram tiros com os
capangas de Rodolfo, conseguiram prendê-lo, e me tiraram do quartinho de

câmeras.

— Essa história toda é pior do que eu poderia imaginar. — Comenta


dona Simone. — Por causa de Rodolfo esses meninos comeram o pão que o
diabo amassou, mas isso não justifica usarem vocês duas, que são tão

inocentes quanto eles dois eram.

Entrego o celular a Jasmine, a minha garganta seca, preciso me livrar


desse vestido, tomar um banho quente, de bacia já que o chuveiro queimou
novamente, e pôr a minha cabeça no lugar.

Quantas mentiras e manipulações, todos os homens a minha volta


mentiram para mim, e eu já não sei em quem ou no que posso confiar ou me
agarrar.

Dois dias de muito choro e cama ouvindo os meus desabafos, dois dias
desde toda a descoberta, e hoje o João foi nomeado CEO interino da Guedes,
isso até que seja feita uma votação.

— Amora, a sua mãe está em nossa sala, ela quer falar com você. —
Jasmine diz e levanto-me do colchonete que compramos logo após eu me
mudar para cá.

Do jeito que a minha mãe é orgulhosa, somente algo muito grave pode

ter feito com que viesse aqui, na casa de Simone.

Levanto-me letárgica, calço os chinelos, e olho-me no espelho, possuo


olheiras que me marcam o rosto, o olho inchado, os cabelos presos e
desgrenhados após dois dias sem lavar ou pentear. Estou um caos.

Minha mãe destoa da sala, do ambiente inteiro, seu colar de pérolas, o


terninho bege, em meio a tanta cor e estampa que há neste lar.

— Amora, podemos falar a sós? — Inquire olhando ao redor.

Simone está atrás de sua pequena bancada da cozinha, lavando louça,


mas parece atenta a minha mãe, e obviamente, levo mamãe para o quintal,
afinal a casa é delas.

— Querida, você precisa resolver as coisas.

— Do que está falando, mãe?

— Amora, o seu pai está preso por culpa do seu marido, e ele está
cuidando da nossa empresa agora, ele pode ferrar com tudo, ele tem esse
poder agora, e a Guedes é a nossa única renda, já que vários bens do seu pai
estão congelados.

— Mãe, eu não estou com cabeça para isso.


— Mas precisa estar, Amora, eu não tenho como pagar os empregados,
as contas da casa, nem mandá-los embora eu posso, porque como pagaria a

rescisão?

Respiro fundo, o efeito cascata nos atingindo.

— Se não se preocupa com as famílias que ficarão sem emprego, ao


menos pense que tanto você quanto a menina — aponta com o queixo para

dentro da casa — ambas ficarão sem concluir a faculdade.

— O que eu posso fazer?

— Volte para casa e me ajude a lidar com tudo, a mídia, a situação


financeira. Vá até a empresa, converse com o Otto, ele é o advogado de
confiança do seu pai, e veja o que pode fazer para colocar um freio em João.

— Mãe... — Pondero — não estou com a cabeça boa neste momento


para lidar com tantas coisas.

— Ninguém está, minha filha, mas precisamos lidar com isso, Amora,
nós movimentamos com a Guedes milhares de famílias no país todo, não
temos tempo para chorar, precisamos agir, e não só por nós, mas por todos
que dependem da nossa família, da nossa empresa. Então, enxuga a lágrima,
se maquia e se arruma e vamos para a guerra.
“Amora, você não tem garra, não tem sangue quente, é como a sua
mãe, obediente, submissa e qualquer um pode tirar o que quiser de você,

como esse João está fazendo. Você nunca será uma líder, ou alguém como
eu, que comanda um império. Você é fraca e comum, como a sua mãe.”

As palavras do meu pai hoje não me cabem mais, porque tanto eu


quanto a minha mãe estamos lidando bravamente com o buraco em que ele
nos jogou.

— A senhora já pode entrar. — A secretária diz.

Levanto-me ajeitando a minha calça longa de seda em lilás, meus saltos


finos tocam o chão enquanto caminho firme e segura, minha blusa branca não

aparece tanto por conta do blazer que uso ornando com a minha calça, por
fora bem vestida e de nariz em pé, por dentro sou uma total destruição.

— Oi, Otto, bom dia. — Direciono-me ao advogado pessoal de meu


pai, que está por enquanto atuando na empresa após a morte de Cadu, que
após dedurar os irmãos, teve um destino trágico, mais uma vítima do meu
pai, sabe-se lá quantas mais tiveram.
— Estou surpreso em vê-la aqui. — O homem moreno confessa, ele
possui uma aura sombria, um olhar desconfiado, sem conta a sua altura

intimidante.

— Eu quero saber como faço para me candidatar ao cargo que foi dado
a João Patacho.

— Senhora, o seu marido...

Corrijo:

— João, chame-o de João.

— Certo. — Olha-me desconfiado, afinal a história da vingança não


vazou em sua totalidade, apenas os crimes cometidos por meu pai, mas a
honra de Jonas e João permanece intacta. — Ele é mais preparado para o
cargo.

— Não foi isso que eu perguntei, Otto.

— Na próxima semana terá a reunião urgente com o conselho,

conseguirei que a deixem participar e você mostra o seu potencial.

— Está certo. — Ergo o queixo, segura. Conversarei com a secretaria


do meu pai, ela vai me dar as coordenadas.

— Com licença. Amora! — João entra na sala e o meu corpo inteiro


fica rígido.

— Peça que esse senhor saia daqui, Otto. — Falo trêmula.

— Vocês dois precisam resolver esse cabo de guerra, pelo bem da


empresa. Com licença, tenho trabalho a fazer. — Ele sai da sala nos deixando
a sós, e por mais que soe grosseiro, ele tem razão.

— Amora, você não me atende, dona Simone não me deixou te ver.

Levanto-me e passo por ele querendo sair da sala, mas João me segura
o braço.

— Amor, fale comigo. — Fecho os meus olhos, porque ouvi-lo me

chamar de amor, dói demais.

— Me deixa seguir a minha vida, João. Me passa o cargo de


presidência, me dê o divórcio, coopere comigo, é o mínimo.

— Desculpa, mas eu não posso fazer nada disso.

— O quê?!

— Eu preciso que você espere, se aprimore para assumir a presidência,


a Guedes vai passar por uma turbulência após esse escândalo, e vai precisar
de alguém mais experiente.

— E você se importa? — Atiro. — A ideia não era essa? Ferrar com a


empresa da minha família.

— É claro que eu me importo, afinal aqui é o seu futuro, a sua renda. E


não, o plano era prender o seu pai e conseguir assentar o meu povo.

— E casar comigo. — Enfrento.

— Sim, casar contigo fazia parte do plano, para que eu pudesse fazer o
que estou fazendo agora, facilitar o processo do Acampamento, tem muitas
famílias em risco, precisando da propriedade para gerar renda, dignidade. —
Ele se aproxima e segura o meu rosto em suas mãos. — O plano parecia

simples, mas aí eu me apaixonei por você, eu te amo.

— Quem ama não mente, não usa, isso que você sente por mim pode
ser tudo, menos amor. Você riu de mim? Do quão fácil eu caí na sua lábia.

— Amor...

— Contou para os seus comparsas como foi fácil me levar para a cama?

— Para com isso, Amora! — Se exalta.

— Diga! Vamos lá, eu aguento.

— Eu comecei sim encarando tudo como um jogo, achando que quanto


antes eu a conquistasse, mais rápido eu daria fim aos nossos planos, passei
quase a vida toda esperando para vingar a morte dos meus pais. Mas então,
começamos a nos encontrar, a conversar e eu não sei como ou onde, mas eu
me apaixonei.

— E ainda assim não me contou, não desistiu.

— Não, eu não contei e não desisti, porque eu precisava ir até o fim, eu


precisava parar o seu pai, e eu não podia confiar em você, porque mesmo que
ele seja um monstro, é o seu pai, e seria um fardo pesado demais para você
carregar, ter que escolher entre eu ou ele.

— No final o seu plano deu certo. Minha família está inteira destruída,
tanto os meus pais quanto Jasmine. Eu estou quebrada, e sabe o que é pior de
tudo? É que eu não consigo te odiar. — Confesso. — Me afaga saber que

você está vingado, feliz, tem noção do quanto isso é contraditório?! Porque

para que você seja feliz foi necessário a minha destruição.

— Amora, eu te amo. Como posso estar feliz? Eu não queria que as


coisas fosse dessa forma, eu juro.

— Não fala de amor— aponto o dedo em riste para ele — porque neste

momento eu me odeio por ainda te amar, por ter me permitido te amar, eu


quero arrancar do meu peito tudo que sinto por você.

— Não, você vai me amar pra sempre.

— Você fez o mesmo que os meus pais, me usou para que de uma
forma ou e outra eu fizesse a sua vontade, tirou proveito de mim, me
subestimou e eu estou cansada, eu quero matar essa Amora, acabou. Todo
mundo quer me machucar.

— Não diga isso. — Ele cola as nossas testas, seus olhos fechados, a

testa franzida.

— Te amar dói, é uma dor física, visceral. Você me trouxe a vida, e


agora me matou, você é a minha maior dor e ainda assim, eu quero te tirar pra
dançar, João.

— Amor...

— Você me destrói e ainda assim eu quero ir ao seu encontro para que


me reconstrua, eu sou um emaranhado de contradição.

— Confia em mim, deixe-me consertar toda essa bagunça.

— Nunca. Eu nunca mais vou confiar em você ou em qualquer outra


pessoa, nunca mais.

Desvencilho-me dele e saio de sua sala, convicta de que a nossa história

realmente chegou ao fim, e que uma parte de mim que realmente era frágil se
estilhaçou, e esse é um caminho sem volta.
O Ímã

AMORA

— Irmã, não faça nada que possa se arrepender. — Jasmine adverte no


telefone.

Decidi voltar para a casa dos meus pais, preciso ajudar a minha mãe a
lidar com todas as mudanças bruscas de vida, principalmente a imprensa a
perseguindo a todo custo querendo uma nota. A Guedes Engenharia não sai
dos noticiários.

— Eu vou ser calculista, Jasmine. Contratei a Evelin, que foi secretária


executiva do meu pai, e ela vai me auxiliar, eu vou na reunião do conselho e
vou convencê-los de que sou melhor, que estou pronta.

— Não é melhor viver o seu luto em paz, digerir o fim dessa relação?

— Não, definitivamente eu quero o João fora da minha vida, porque só


assim eu vou conseguir caminhar, e preciso cuidar da empresa, não tenho
escolha.

— Amora, não se transforme no mal que nos causaram, você realmente


quer assumir a empresa ou só quer afrontar o João?

O questionamento de Jasmine é válido, estou em uma miríade de


sentimentos, estou ferida e quero feri-lo, mesmo sabendo o quanto isso é

errado. Na próxima semana é a reunião com o conselho, lá eu preciso

demonstrar o quanto estou pronta, e eu sei que as minhas chances são quase
nulas levando em consideração que João já trabalha na empresa, enquanto eu
nunca trabalhei na vida.

— Como está o bebê? Vai contar quando para o Jonas? — Atiro as

perguntas e ela silencia. — Tá vendo, irmã, estamos as duas lidando com as


nossas dores da pior forma possível.

— Minha mãe diz que vai passar.

— A minha também, e elas são exemplos vivos do vendaval que um


homem pode causar na vida de uma mulher. — Acrescento.

— Eu tenho vergonha de dizer, mas eu morro de saudade do Jonas.


Você me entende?

— Eu sinto falta do cafuné que o João faz, ele sabe tocar em um ponto

exato na minha cabeça que me faz dormir de imediato, é bem no topo, sabe?!
— Sorrio — talvez seja porque ele tem dedos grandes e longos e eu uma
cabeça pequena e cabelos mais ralos, então consegue abranger toda a minha
cabeça. — Jasmine ri. — A forma como ele me puxa pela nuca e me cola
nele, sinto saudade da voz dele falando da minha bunda de bailarina, o cheiro
que só ele tem de roupa limpa, os nossos passeios de moto, as suas palavras
encorajadoras, às vezes eu tenho medo de me imaginar a vida toda sem ele.

— Amora, eu fui ver o Rodolfo hoje.

— Você é louca, Jasmine.

— Eu precisava dizer a ele tudo que estava engasgada. E ele disse umas
coisas que me deixaram cismada.

— Como o quê?

— Ele está certo da sua impunidade, porém está abatido pelo mal que
causou aos meninos, e o principal, me fez prometer que cuidaria de mim e
também da minha mãe, a chamou de a “mulher dos meus olhos.”

— Definitivamente a história de Rodolfo e Simone é de um grande


amor que não era pra ser, e agora estamos revivendo tudo isso.

— Eu senti que foi uma despedida.

— Espero que seja, porque você não deve vê-lo, o nosso pai não nos

merece, e eu tenho vergonha de ser filha dele.

— Você tem toda razão.

— Tirei todas as fotos dele desta casa, minha mãe achou absurdo e as
guardou para ela.

— Dona Amélia o ama demais, não é?!

— Não sei até que ponto é amor por ele ou falta de amor próprio.
Em momento algum eu cogitei a ideia de ver o meu pai na cadeira, e
ele só tem um bom advogado por conta da minha mãe, porque por mim, ele

ficaria preso pagando por tudo o que cometeu, não tem perdão para o tanto de
ameaças, mortes e desgraça que causou.

O celular tem o novo som em minha orelha, vejo que se trata de uma
chamada de Otto. Despeço-me de Jasmine e atendo o advogado do meu pai,

esperançosa que ele tenha mudado de ideia em relação ao apoio a mim com
os demais sócios.

— Oi, Otto.

— Amora, acabo de ser notificado que o seu pai foi encontrado morto
em sua cela.

— Como assim morto?

— Enforcado.

Fecho os olhos, descrença me tomando por inteiro, eu nunca mais tive


paz, um dia tranquilo, porque ou estou pensando em João e em nossos
momentos e me culpando por lembrar dele ou estou lidando com uma nova
desgraça.

— Otto, como assim ele foi enforcado?

— Ele se matou, Amora.

— Como ele pôde fazer isso comigo, com a minha mãe? Como ele foi
tão covarde, no momento mais difícil ele abandona o barco, nos deixa a
deriva, como ele pôde? — Questiono em meio as lágrimas, meu corpo inteiro

tremendo, a minha dor é palpável.

— Eu sinto muito, vou cuidar de tudo em relação a liberação do corpo e


o velório, mas infelizmente a mídia vai ficar ainda mais instigada com esse
caso.

— Tudo bem, Otto. — Caminho até a cozinha e tomo um calmante


natural, eu preciso apagar, me abduzir do mundo. — Otto, ligue e avise a
minha mãe, não estou em condições.

No meio da madrugada, eu sinto o cheiro dele, João. Ainda estou


sonolenta, mas o seu cafuné me faz relaxar o corpo, seu corpo esquenta o
meu, me aninho ao seu corpo, e resmungo ainda embriagada do remédio.

— Shiii... Deixe-me cuidar de você, meu amor, vai ficar tudo bem,
você é forte e durona e vai lidar bem com mais essa. — Seu sussurro parece

longe, e quando acordo pela manhã eu não sei se foi o efeito colateral do
remédio ou se de fato ele esteve aqui.

Mas quando olho para a minha mesa de cabeceira e vejo uma das suas
gravatas, uma lágrima cai dos meus olhos, e eu fico com raiva por ele ter
vindo, por ter me acalmado, ter me tocado e feito cafuné, e mesmo com tanta
raiva, eu pego a sua gravata e a levo ao meu nariz, ainda tem o seu cheiro
nela.

Um emaranhado de contradição é o que sou.

— Isso é um absurdo, menina você acabou de enterrar o seu pai, devia


estar em casa vivendo o luto.

— Senhor, o enterro do meu pai já ocorreu há uma semana, e já me


sinto pronta para esta reunião. — Rebato.

Os membros do conselho e acionistas da empresa são em sua grande


maioria homens da idade do meu pai, tradicionais e aparentemente pouco
dispostos a sequer me ouvir.

Eu trouxe várias propostas para a minha gestão, mas ainda não

conseguir expor nenhuma, porque ele me cortam a todo tempo, conversam


entre si enquanto eu falo, simplesmente não me dão voz.

— Vocês receberam no e-mail as minhas propostas para a gestão? —


Ninguém sequer me olha, conversando entre eles, aumento um pouco o meu
timbre. — Alguém tem alguma dúvida em relação ao... — Paro, quando os
meus olhos encontram os azuis-cintilantes de João, ele é o único a me dar
atenção, a me olhar.

— SAIAM TODOS! — Ele grita e o silêncio enfim impera na sala de

reunião. — Intervalo de cinco minutos, podem ir. — Ele ordena e o


obedecem, fecho os meus olhos descrente, não sei imperar assim, não gosto
de gritos.

Levanto-me engolindo a seco, e caminho para fora da sala, mas João se

coloca como uma parede a minha frente.

— Não quero falar com você, saia da minha frente.

— Amora, eu preciso que você respire de forma consciente. — Fala e


toca os meus ombros os massageando — agora relaxa a musculatura.

— Para com isso. — Tiro as suas mãos de mim e retrocedo um passo.

— Sempre que se sentir nervosa se lembra de respirar consciente, bem


fundo, isso vai te manter calma.

— Dispenso o seu conselho. Deixe-me passar. — O enfrento erguendo


o meu queixo.

— Não permita que eles falem todos ao mesmo tempo ao seu redor, dê
atenção a cada demanda por vez, só assim eles vão te dar algum crédito.

— Eles vão me atacar e me engolir, eu me preparei para isso à toa.

— Ataque é veneno, e só faz efeito se você engolir, você sabe que está
pronta para assumir a empresa, e quando você se conhece, e está segura,

ninguém te ofende, não permita que te tirem o crédito, eu acredito em você.

Engulo a seco, ele se aproxima e pressiona a sua boca em minha testa.

— Vamos, amor, respira. Quando você estiver totalmente pronta, eu


vou renunciar cargo, só estou na presidência por você, esperando que esteja
totalmente preparada para assumir.

— Por que está me ajudando?

— Porque eu te amo, e porque eu acredito no seu potencial. Agora,


respira!

Sigo a instrução e me acalma de forma substancial, quando os homens


regressam, sinto-me muito mais segura, e usando as dicas que João me deu,
consigo ter atenção de todos, eles decidiram que o João permanece como
CEO até que seja lido o testamento do meu pai, como a maioria aqui era
amigo pessoal dele, querem saber qual era a sua vontade para segui-la, mas

conforme eu pedi, eles acataram em supervisionar todas as ordens dadas por


João no exercício de sua função, portanto, não ganhei essa batalha, mas ele
também não teve êxito.

E a cada dia que passa aumenta a minha raiva de João por ter jogado
com os meus sentimentos, por seguir do meu lado mesmo que eu não o
queira, por saber exatamente quando preciso dele, por termos essa conexão e
química que me deixa consciente que nunca mais terei esse magnetismo com
mais ninguém na vida, o que construímos é único.

Para a minha surpresa, para a leitura do testamento de papai além de


Jasmine e Simone, ao fundo também estão os irmãos Patacho em seus ternos
caros. Jonas fulmina Pedro, a amigo de Jasmine que veio junto dela dar-lhe
apoio, assim como a minha mãe fuzila Simone.

— O que aqueles trastes estão fazendo aqui? — Simone fala em alto e


bom som se referindo ao meu marido e seu irmão.

— Mãe, por favor, não vá fazer uma cena — pede Jasmine.

— Eu não sei o que é pior, eles ou você aqui. Quem chamou essa
concubina, Amora? — Minha mãe diz, levantando-se e se dirigindo à dona

Simone.

— Amélia, entenda que Rodolfo está morto, entretanto, a morte não


melhora a ninguém. O homem era um mau-caráter, enganou a nós duas,
matou os pais desses meninos e fez mais outras tantas coisas ruins! Tire esse
luto! Aquele crápula não merece um segundo dessa sua tristeza estampada.

— Respeite a memória do meu marido.


— Como queira — desdenha a mulher com uma flor nos cabelos. —
Que horas podemos ir embora? Eu tenho muita mágoa do Rodolfo, mas ele

extrapolou os limites por me fazer passar por esse circo de horrores —


reclama, se sentando.

— Já entrei com o pedido de anulação do meu casamento com o João


— comento.

— Força, Amora, estou tão quebrada quanto você, mas vamos


conseguir superar.

Dou um abraço apertado na minha irmã e meus olhos chocam-se com o


olhar azul-cintilante de João. Apenas viro o meu rosto e fujo dele.

Otto entra na sala e se apresenta. Não presto atenção, pois, João não
para de me observar.

— Do montante do patrimônio do falecido, descontou-se as dívidas e


demais despesas. Assim sendo, foi calculada a herança líquida e é este valor

que servirá de base. Desse valor, 50% é reservado para os herdeiros


necessários, Senhora Amélia Guedes, cônjuge do falecido e Senhora Amora
Guedes Patacho, filha legítima.

Papai foi um idiota, perdeu a oportunidade de conhecer uma filha


incrível.

— Em relação à Amora Guedes foi acrescido uma cláusula condicional.


— Todos ficamos chocados com a revelação. — A senhora só poderá assumir
a empresa caso esteja casada, se não, todo o controle da diretoria ficará a
cargo de Jonas Patacho junto dos demais sócios.

— O meu pai só podia estar louco! Que machista! Eu não acredito


nisso — me exalto e a minha mãe me segura.

— Calma, vamos recorrer. Fica calma.

— Que patético! — reclama Simone olhando de cara amarrada para

Jonas e João. — 'Bora, doutor, anda com isso porque eu tenho hora para
chegar no trabalho. Sou assalariada, bato ponto! Tenho vida boa, não — ela
diz alto.

— Bem, os outros 50% dos bens estão designados 25% para cada uma
das senhoritas Cerqueira. A senhorita Jasmine Cerqueira e a senhorita
Simone Cerqueira. Isso abrange terrenos, joias da família Guedes e alguns
investimentos.

— Isso é um absurdo! É um ultraje que essa concubina e a sua filha

herdem as joias que foram da minha sogra — agora é a minha mãe que faz
uma cena, quanto constrangimento.

— O senhor já acabou? Vamos, minha filha, chega disso! Não


queremos nada que está nesse papel. Criei minha filha sozinha, sem esse
encosto e joia de família. Não é agora, com ele morto, que vamos precisar
dessas migalhas. Vamos embora, Jasmine. — Simone levanta, decidida,
saindo da sala feito um furacão.
— Jasmine, eu não compactuo com o pensamento da minha mãe. Você
sabe — digo. — Vamos assumir juntas a presidência da empresa?

— Não, Amora, eu quero seguir o meu caminho. Sei que você fará dar
certo. É muito competente.

— Eu vou recorrer a essa decisão...

Sou cortada pela voz de Jonas:

— Para conseguir a nulidade dessa cláusula, você vai levar anos, até lá,
já terá ruído o patrimônio do seu pai.

— O que quer? Que ela continue casada com o seu irmão? Vocês não
cansaram de nos usar? Ainda não pagamos o suficiente? — Jasmine cospe as
palavras e João é quem rebate:

— Nós não queremos o dinheiro de vocês. Nunca foi essa a nossa


intenção. Só precisávamos dos terrenos que é de direito do nosso povo e de
Rodolfo preso pagando pelo que cometeu. E sobre Amora, revogue o pedido

de divórcio. Seguimos nossas vidas, mas você pode permanecer casada no


papel para assumir o seu direito de filha — explica de forma cautelosa.

— O que acha, Jas? — Pergunto.

— Acho que deve consultar um advogado. Esses dois aí não são de


confiança.

Jasmine caminha tendo Jonas atrás dela, enquanto João vem até mim.

— Amora, se quer mesmo assumir a Guedes precisa focar as suas


energias em estudar e se qualificar agora, esqueça essa ideia de acabar com o
casamento, o melhor é deixar tudo como está.

— Essa cláusula, tem dedo seu nela? — Pergunto ele olha para o chão,
está aí a minha confirmação, como pude ser tão burra?

— Sim, eu a sugeri a Otto porque sabia que me casaria contigo desde o


início do plano, era um jeito de conseguirmos estar na presidência da

empresa.

Abro a boca, assustada com o tanto de articulação que foi preciso. E


aqui é o nosso fim, os ombros de João caem, ele sabe que essa foi a gota
d’água.

— Eu vou abdicar do cargo de CEO da Guedes, vou abrir um negócio


com o Jonas, em São Paulo, uma empresa com o nosso nome, no ramo de
construção predial comercial, portanto, você se tornará a mais nova CEO da
empresa da sua família. Mas saiba, quando precisar de mim, eu largo tudo e

venho aqui.

Fico quieta, não quero que ele vá, mas sei que depois de tudo, estou
machucada demais.

— Voe alto, você tem asas e está pronta para encarar o céu, eu acredito
no seu potencial, minha doce bailarina dos olhos de uísque.

Dou as costas para ele, indo embora e tento digerir tudo. Porque agora
mais do que nunca estou totalmente presa a ele, a esse casamento já que não
confio em Jonas e muito menos em João para manter a empresa.

JOÃO

Um mês depois

— Você sabe as regras, não pode tocar a dançarina — o segurança na


porta me diz, e hoje cansado de lutar, eu coloco um punhado de notas em seu
bolso frontal da blusa social, dois tapinhas e um olhar severo.

— Vá tomar um café, deixe-me resolver novos termos com ela —


suborno e ele dá de ombros.

— Se ela não te aceitar, eu entro lá e chuto o seu traseiro.

— Se ela gemer, você sai e nos deixa a sós. — Fazemos o nosso

acordo.

Entro no ambiente escuro, meia luz, e o som começa, em um shortinho


jeans do tamanho da palma da minha mão, que deixa metade da bunda dela
de fora, entra com a sua máscara e a peruca cor de rosa, e eu não poderia
estar mais afoito.

Ela precisa de mim, sente falta do meu afeto e da forma como a


encorajo, mas nunca teria coragem de vir até mim como Amora, então

começou a me mandar mensagem como a dançarina sensual, me convidou

para ser o seu segredinho sujo, e eu larguei tudo para vir pra ela, sei que está
sendo difícil o seu começo na Guedes Engenharia, mesmo de longe eu sei, eu
cuido dela.

Levanto-me e enxergo a confusão em seu olhar, puxo a sua nuca

colando nossos corpos e a conduzo lentamente, dois pra lá dois pra cá.

“Você é a minha maior dor e ainda assim eu quero te tirar pra dançar”

Até então os convites são somente para assistir a sua dança, sem que eu
a toque, apenas ela se esfrega em mim, e sente o meu cheiro sem culpas, mas
hoje decidi arriscar algo a mais.

Imaginei que fosse me repelir, mas ela segura a minha blusa social e a
cheira, eu beijo as suas bochechas testando com cautela o quão permissiva ela
está em relação ao meu toque, e surpreendentemente ela me beija a boca.

Um beijo desesperado, que retribuo assim que me recupero do choque


inicial, chupo a sua língua, sinto o seu gosto, desfaço o botão do seu short,
abaixo o seu zíper, ela acaricia a minha ereção por cima da calça social, e não
há espaço para mais nada que não seja a nossa necessidade, um desejo
irracional, movidos pelo tesão nos rendemos.

Ela abre a minha calça no mesmo desespero que o meu, enfio a mão
para dentro da sua calcinha, a boceta delicada está transbordando desejo,
totalmente molhada sob a minha mão.

Esfrego o seu clitóris e ela arqueia o pescoço, não deixando outra opção
do que dar-lhe um chupão, marcando-a como minha, gemendo no processo,
eu a quero tanto que o meu corpo inteiro dói.

Abaixo o seu short junto da calcinha, e a coloco sentada na mesa de

perna aberta, coloco o meu pau para fora, dou uma lubrificada com a minha
própria saliva para que deslize por inteiro dentro dela.

Sequer cogito a ideia de instigá-la pincelando em sua entrada, eu meto


tudo de uma vez, com medo de que ela mude de ideia, com medo de ser
repelido e morrendo de tesão.

Eu rosno quando vejo os seus lábios entreabertos, a bocetinha pulsando


ao redor do meu pau, é demais para nós dois, levo o meu tempo ondulando o
meu quadril e capturando a sua boca para mim, quando ela geme, eu começo

a estocar, começo lento, mas de repente a porra da música acaba e resta


apenas os nossos gemidos no quarto, o barulho dos sexos molhados
deslizando, os beijos, as pelves socando, e a sinto gozar me permitindo ir
junto, completamente insano.

E, por mais que esse ato seja moralmente errado, as coisas são como
são, ela é minha e sempre virá para mim, assim como eu sou dela e nunca
conseguirei ter outra mulher em minha vida.

Sua mão me afasta, ela desce da mesa, e levanta o short.

— Amor, venha comigo, vamos pra um motel terminar juntos essa


noite, ou pra minha cobertura. — Peço sendo totalmente ignorado. — Fala
comigo, porra! — Explodo vendo a sua relutância em me escutar.

Ela sai do quarto, sem olhar para trás, levando o meu coração e o meu
sêmen consigo, duas coisas que só ela teve e terá acesso para todo o sempre.

Em meu celular apita a mensagem do número restrito.

Próxima quarta, mesmo horário, mesmo lugar.

Eu praguejo, ela está me dando migalhas e eu aceito todas, porque sou


a porra de um necessitado do mais ínfimo contato com ela, e me odeio por
isso, o que me tornei?

AMORA

Durante quase 5 anos eu o encontrei mascarada, transei com João


religiosamente as quartas-feiras, e ele toda semana fazia a ponte aérea apenas
para ter dez ou vinte minutos comigo, mas ninguém sabe da nossa fraqueza,
da nossa entrega, guardei o meu marido como o meu segredinho sujo, peguei
a minha pior dor e tirei para dançar, porque esta sou eu, a cada encontro

nosso eu me sinto mais inteira, e quando saio de cada um deles, totalmente

despedaçada.

Mas recentemente tomei a mais importante das decisões, enfim estou


pronta para recomeçar.

Enviei para o endereço de João em São Paulo, que consegui por

intermédio dos advogados e enviei a peruca e a máscara, estou


definitivamente enterrando a parte de mim que sempre corre para ele, chega
de cultuar o que me rasga o peito.

“Por amor eu te liberto,

Por amor eu me escolhi,

Entre continuar nos machucando

Ou satisfazer as nossas dores

Eu fiz uma escolha

A partir daqui

Eu sigo só.”

E não foi fácil escrever essa carta, muito menos me desfazer da parte de
mim que ainda ardia, que ainda tinha esperança e calor, mas não consigo
mais, preciso esquecer João, preciso esquecer o que passou, tenho que seguir
em frente e trilhar um novo caminho.

Achei que seria fácil, porém as mais de duzentas ligações dele que

deixei de atender, fizeram doer a cada rejeição, a cada omissão, que amor é
esse que mesmo depois de tudo ainda me machuca e ao mesmo tempo me faz
implorar internamente que ele venha até mim.

E é como um soco no estômago ver nos jornais a notícia de que a

empresa de João está vindo para o Rio de Janeiro, ele está de volta.

Não sei se é só trabalho, ou se ele de fato ainda tem interesse em mim,


e isso me causa arrepios.

— Tia Amora, meu herói favorito é o homem de ferro. — A voz do


meu sobrinho tira-me do torpor.

— Jonatan, ontem eu comprei o boneco do homem-aranha super caro


porque era o seu favorito. — Sorrio da contradição, e ele dá de ombros, o
menino é todo parecido com Jonas, a minha irmã tem um lembrete diário da

sua omissão.

— Mamãe diz que mudanças são sempre bem-vindas.

— Está certo, a sua mãe é muito sábia. — Ironizo.

Saio da piscina, deixando-o sob a supervisão de Camila, desde que


voltei a morar na mansão da família, isso aqui não foi o mesmo, sempre
fazemos almoços, usamos a piscina, nos divertimos pra valer, com exceção
da minha mãe que nunca participa, principalmente quando Simone vem.

— Ei! O que acha disso? — Jasmine pergunta mostrando-me a notícia

que também me tirou o rumo, a volta deles.

— Eu acho que é a oportunidade ideal para você contar ao Jonas que


ele é pai.

— Amora... E se ele rejeitar o meu filho? Jonas sempre deixou claro


que não queria ter filhos, pegou no meu pé para que eu tomasse a pílula do
dia seguinte.

— Minha irmã, ele não querer filhos não anula o fato que ele já o
possui. — Olhamos para o menininho que é o nosso grande amor, a nossa
força para buscar dias melhores quando só a dor nos enchia o coração. —
Deixe-o saber, e se ele não quiser conhecer o Jonatan, então seguimos a vida
como já está.

— É que, vai ser dolorido demais se ele rejeitar a nós dois, entende?

— Entendo, mas você precisa enfrentar isso, de verdade.

— Você tem razão, eu vou procurar o Jonas. — Fala insegura. — E


você, pronta para ver o João?

Fujo o olhar do dela, nunca contei a ninguém sobre os nossos encontros


nada convencionais.

— Definitivamente não, e também não acho que ele vá me procurar, eu


vi fotos dele com Filipa, ela viajou até ele em São Paulo, ela que postou, eles
estavam abraçados, devem ter voltado a transar. — Falo com uma careta

estampada.

Ver essas fotos foi como levar um soco no estômago, e a partir delas,
eu decidi não mais encontrar o João, sim, por ciúmes, não o quero em minha
vida, mas também não quero que ninguém o possua. Eu sou patética.

— Eu acho que assim que ele pisar nesta cidade ele vai te procurar, e
digo ainda mais, a tal Filipa pode até tentar, mas o João é louco por você, a
prova viva disso é o casamento de vocês, que nenhum dos dois pediu o
divórcio.

— Não pedimos por conta da empresa.

— E você foi atrás de revogar a cláusula do testamento de Rodolfo? —


Com um sorriso nos lábios ela me acerta em cheio, fico apenas calada,
porque não, eu não fui atrás de resolver. — Tá vendo, é cômodo colocar a

culpa no falecido, vocês estão presos nesse casamento porque querem estar,
simples assim.

— Esse assunto está muito profundo para um almoço de domingo. —


Floreio mudando o assunto e ela sorri.

— Está certo, nós duas somos uma tragédia se tratando de sentimentos.

— O que temos de boas profissionais nos falta em traquejo para


homens, principalmente os da linhagem Patacho — brinco levantando-me e
voltando para a piscina, aproveitando o meu sobrinho que tem a cor dos olhos

no mesmo tom do homem que eu amo.


O Amor que merece

AMORA

No meio do expediente recebo uma mensagem de Jasmine, e fico


nervosa por ela, sempre achei que independente do ocorrido ela tinha que lhe

contar do filho, mas acredito que após a rejeição do meu pai e a descoberta
que Jonas só a quis por conta da vingança a deixou muito ferida, consigo
entender o lado dela.

“Jonas acaba de descobrir sobre o nosso filho, nos trombamos em um


elevador, nós brigamos e dissemos coisas horríveis um para o outro, ele está
indo me deixar em casa, estou tão confusa.”

Não penso duas vezes, ligo para Evelin, a minha secretária e mando
que desmarque toda a minha agenda do dia.

Assim que eu chego na porta da casa de Jasmine no morro,


cumprimento a vizinha, ela agora tem os filhos já adolescentes, eu empreguei
o mais velho na Guedes, parece que o menino agora tomou gosto por banhos
sem que a mãe precise gritar.

Olho o meu celular e vejo a mensagem de Jasmine:

"Amora, seu marido está no carro."


"Ele não vai ter a ousadia de descer do carro e falar comigo." Envio
um emoji vermelho de raiva e respiro fundo.

"Me espere dentro de casa, a chave está embaixo do tapete. Eu


despisto os dois."

Quando o carro para em frente à casa, eu os espero no portão como


Jasmine pediu que não fizesse. João me vê e se mexe no banco, já fazem duas

semanas que não sinto o seu toque, o meu corpo inteiro arrepia.

João desce do carro, as coisas começando a sair do controle enquanto


ele caminha na minha direção.

Jonas acompanha o irmão com o meu sobrinho no colo.

Respiro fundo, vê-los aqui nesta casa é como lembrar de um passado


bom, mas preciso lembrar que não volta mais.

— Titia Amora — meu sobrinho grita levantando as mãozinhas em


comemoração, mas nem cogita a ideia de descer do colo de Jonas.

— Oi, meu amorzinho. — O beijo na bochecha.

— Amora, você teve contato comigo por todos esses anos e sequer me
contou do meu sobrinho — João diz ofendido e eu olho de soslaio para ele.

— Jonatan, entra, vai pegando sua coleção de carro para mostrar ao seu
pai — Jasmine pede sabendo que a coisa vai ficar feia por aqui.

— Eba! Já volto — diz, beijando o pai na bochecha e ri quando


encosta a boca na barba. Acho fofo os dois. Jonas o coloca no chão e ele
entra na casa alvoroçado.

— Eu não tenho nada a ver com as merdas que vocês fizeram. Aliás, só
falo contigo através do meu advogado. Por que está me direcionando a
palavra? — Atiro as palavras, porque em nossos encontros eu apenas me dou
a ele, não entrego mais nada além do meu corpo.

— Por acaso não está me escondendo um filho também, né?! — Ele

fala ainda nervoso e eu sinto vontade de lhe estapear.

— Como você é um babaca, João.

— É o DNA, irmã — Jasmine fala alimentando a raiva de Jonas, que


rosna de pé ao lado dela.

— Me deixem trocar uma conversa com ela — João pede e olho para a
minha irmã, e fico indecisa sem saber o que fazer, na empresa eu sou a
presidente, eu tomo as decisões sem precisar de conselhos, na vida aprendi a
ser forte, mas quando se trata do meu marido... Eu viro a Amora insegura e

frágil do passado, maldita sina.

— Vamos, Jonas, meu filho deve estar explodindo de ansiedade. —


Jasmine decide por mim, que fico calada, no fundo querendo ter esse
momento com ele também. — E vocês dois, nada de escândalo na minha
porta. — Ela fala entrando e levando consigo o Jonas.

— Os anos te fizeram bem. Está ainda mais linda. — João corteja, já


que só me encontrava mascarada.
Ele continua o mesmo, lindo, musculoso, gostoso e com uma pegada
que me tira do rumo.

— O que quer, João?

— Você. — Diz na lata, se aproxima e me segura pela cintura,


trazendo-me para ele, sou uma massa de manobra em suas mãos. — Eu
deixei que tivesse o seu tempo, que crescesse, amadurecesse, mas agora eu

estou de volta na sua vida, para ser o seu marido.

— Você só pode estar de brincadeira. — Rio incrédula. — Vá ficar


com a sua amiga de cabelos azuis e me deixa em paz, porque também estou
curtindo as novidades. — Minto e ele rosna e me segura o queixo, deixando
as nossas bocas niveladas.

— Você é a minha esposa, não aceito que curta ninguém além de mim,
se quer transar você tem a mim, porra!

— Me solta, João.

— Nunca, eu nunca vou te soltar.

Inconsequente, ele suga o meu lábio inferior, segura os meus cabelos da


nuca e me envolve em um beijo ardente, duas semanas sem ele e já estou
caindo em sua lábia de sedução.

Empurro o seu peitoral e dou um tapa em sua cara, ele toca o lugar e
me olha furioso.

— Eu não sou mais a menina boba que cai na sua lábia, aquela Amora
você enterrou, me deixa em paz!

Vou para dentro da casa me despedir de Jasmine, porque não consigo

ainda dividir o mesmo espaço que João.

Entro transtornada na casa. Vou para perto da minha irmã ao fundo na


cozinha americana, e João entra em seguida, ficando perto do irmão e do
sobrinho, que não para de falar.

— João é um idiota. — Falo ainda ofegante.

— Que beijão, hein?! — Cutuca o meu braço apontando para a janela


que lhe deu uma vista panorâmica do nosso encontro.

— Eu sou muito burra por ter me deixado levar, não é?! Por fora, a
Amora grande empresária, por dentro, a pastel que foi usada e novamente se
sente atraída pelo traste — resmungo e ela sorri.

— Ao menos você pode evitar de vê-lo. Poderia ser pior. Olhe para
mim, que além de ter uma xerox dentro de casa, agora vou ter que lidar com a

original. — Aponta com o queixo para os dois, que brincam sentados no sofá
da casa.

— Eu já vou embora, irmã, não consigo ficar no mesmo ambiente que


João. É demais para mim.

Dirijo completamente estressada, buzino, reclamo, sou a motorista mais


estressada da cidade hoje, e essa irritação tem nome, sobrenome e um beijo
gostoso.
Quando chego na Guedes, o meu pior pesadelo está aqui, ele segura a
porta do elevador privativo entrando junto comigo, e eu bufo ficando ainda

mais irritada.

— Vai ter reunião do conselho hoje, e eu como seu marido também sou
acionista, então acho bom que apresente bons resultados ou então eu vou te
estapear a bunda do jeito que você gosta.

— Idiota! — Xingo, mas o meu corpo traidor se arrepia com as


lembranças.

— Janta comigo hoje? Um encontro para conversarmos.

— Pois saiba que eu prefiro me encontrar com o apocalipse do que com


você.

— Eu sou o seu marido, Amora, você devia ser mais simpática. Caçoa.

— Eu até me esqueço que sou casada, é só um maldito papel.

Ele pega a minha mão, e giro o meu rosto em sua direção lhe dando a

minha total atenção gira a aliança atestando a minha mentira, e em seguida


mostra-me que também usa a sua.

— Juntos ou distantes, você é minha e eu sou seu.

Fico calada, e viro para a frente mirando a porta de metal, o elevador


nunca demorou tanto a chegar em meu andar.

— Novamente eu vou te dizer, eu voltei para o Rio de Janeiro para te


mostrar que nós funcionamos juntos, que eu mereço o seu perdão e que você
não precisa ter medo ou raiva por me amar.

— João, deixa os nossos dramas para fora da empresa.

— Então janta comigo hoje.

— Jantar não, o máximo que posso fazer é deixar que vá me ver dançar
no meu projeto social lá no morro do Vidigal, hoje tem apresentação de Jazz
da turma jovem. — Cedo, porque realmente quero que ele veja o que

construí, porque João sempre me deu força.

Um sorriso cruza em seus lábios, e ele acena positivamente.

— Estarei lá.

As portas se abrem e eu saio, dando-lhe as costas como resposta, mas


ele fala por trás de mim:

— Levarei a minha moto e dois capacetes, é só um aviso.

Quantos anos não ando por aí sem rumo na garupa de sua moto, mordo
os lábios com a saudade bagunçando o meu peito.

A vida só pode gostar de me enlouquecer.

— Senhora, os membros já estão todos lhe esperando na sala de


reunião.

— Certo, Evelin, obrigada.

Vou até a minha sala que era a de meu pai, fiz toda uma reforma,
Jasmine que é a melhor designer de interiores, quem assinou a mágica da
transformação, de uma sala escura em tons de madeira, para uma sala branca

com toques de itens de decoração em rosa, a minha cor favorita. E em minha

mesa, escrito em dourado CEO AMORA GUEDES, está aí um item que eu


gostaria de esfregar na cara do meu pai, que a filha fraca e submissa foi a que
reergueu o seu império.

Pego o notebook em minha mesa e levo para a sala de reuniões e tento

ignorar o fato de que realmente João está aqui.

Não há nenhuma justificativa para a presença dele aqui hoje, senão me


cercar e enlouquecer, e intimamente, eu gosto de saber disso.

— Boa tarde, senhores! — Cumprimento, e ele tem o olhar azul


cravado em mim.

Caminho até Diogo que está no lugar de seu pai após a morte do
mesmo. Ele regula idade comigo, já andou me jogando charme algumas
vezes e apesar de achar o homem lindo com o seu sorriso branquinho

contrastando com a pele negra, não é ele que faz o meu coração bater forte,
nos tornamos amigos de bar.

— Chopp hoje, Amora?

— Vou passar, deixa pra próxima. — Sempre simpática eu respondo.

— Está marcado então. — Pisco para ele e no canto do meu olho vejo
João ficar vermelho.

Seguro a minha vontade de rir, que ele tenha um gosto do que senti
quando o vi junto de Filipa em São Paulo.

— Vamos começar então, senhores?! — Jogo o meu cabelo para o lado

dando-lhe um pouco de volume, meu tubinho preto caiu bem em meu corpo
já que o meu marido não para de encarar o meu decote. — Vamos ao balanço
do semestre, serei rápida, afinal os números estão excelentes, e isso que
importa, não é?! — Gracejo e eles riem, puxando o meu saco, já que eu

reergui e tornei ainda mais poderosa essa empresa que estava fadada ao
fracasso, eu limpei toda a sujeira que o meu pai deixou.

E durante a reunião eu vejo os olhos do meu marido brilharem quando


me vê segura, respondendo a dúvidas, ouvindo sugestões, sendo uma
verdadeira mulher de negócios depois de tanto estudar e me preparar como
ele tanto pediu, porque ele sempre foi o meu maior incentivador. Ao fim da
reunião ele tem um sorriso largo e orgulhoso nos lábios e eu retribuo
timidamente, daria tudo pelo seu cafuné agora.

Ele passa por mim e deixa um beijo na minha bochecha, eu fecho os


olhos sedenta por mais, porém não posso dar ao meu corpo o que a minha
mente diz que é errado.
— Nossa aquele cara é um gato, olha só os músculos, diretora. — As
adolescentes do projeto comentam comigo e viro-me, vendo João
vasculhando o lugar cheio de pais de alunos.

— É mesmo, ele é bonitão? — Pergunto e elas sorriem.

— Nossa, um gato!

— Eu pegava fácil. — A outra diz e eu gargalho.

— É o meu marido, se controlem. — Falo e todas arregalam os olhos e


eu sorrio. — Vão se aquecer. — Ordeno.

Caminho olhando para ele que procura alguém com o seu olhar, as
meninas tem razão, ele é lindo!

Quando os olhos azuis pousam em mim, ele sorri largamente e a minha


vontade é de agarrá-lo, sempre fomos o estilo de casal grudento, que se
abraça e precisa se tocar o tempo todo, e eu sinto muita falta dos seus braços,
dele por inteiro.
— Ei! Foi difícil de achar aqui pelo GPS.

— Você devia ter usado o GPS mais potente daqui, os moradores. —

Ele ri. — É sério, eu sou conhecida como Amora irmã da Jasmine que é filha
da Simone da rua C. — rimos.

— Você está linda, rosa combina com você. — Elogia o meu macacão
longo.

— Obrigada.

— Combina tanto que foi por isso que Deus fez as suas partes mais
delicadas em rosa. — Sussurra em meu ouvido e eu me arrepio inteira.

— João... — Advirto e ele sorri, cínico.

As apresentações iniciam e é Camila quem anuncia as turmas, somos


sócias, mas eu deixo tudo nas mãos dela e de sua esposa Ana, apenas curto a
parte boa, a Guedes já me toma muito tempo.

Meus olhos brilham vendo o avanço das turmas, meninos e meninas

que antes não tinham uma perspectiva de futuro, hoje tem na dança uma
esperança de dias melhores.

Jasmine também aparece com o nosso pequeno Jonatan, ele vem até
nós e dá um beijinho, mas logo em seguida corre com o grupo de crianças
aqui presentes.

— Ele está crescendo tão rápido. — Lamento.

— Precisamos correr com a produção das nossas meninas, para que


Jonatan ainda consiga brincar com as primas.

— O que está dizendo, João?

— Você prometeu que me daria as minhas filhas, lembra? — Fala e eu


nego com a cabeça, fito um ponto cego, pensativa porque o que mais me
pergunto em todos esses anos separados é sobre como teria sido a nossa vida
sem toda essa vingança. — Eu ainda tenho a certeza que você será a mãe das

minhas filhas. — Diz convicto e viro para o palco o ignorando, mas as


palavras reverberando dentro de mim.

João testa ficar por trás de mim, e eu deixo, ele circunda a minha
cintura e cola os nossos corpos, seguro um gemido na garganta, sinto o seu
pau endurecer e caramba, apenas duas semanas sem tê-lo dentro de mim e
estou em brasas.

— Vai vir na garupa da minha moto? Andar sem rumo, mas sabendo
que o trajeto final é a minha cama onde você dá o seu espetáculo e eu tenho o

acesso ao melhor lugar. — Sussurra em meu ouvido e estremeço, paixão me


tomando por inteiro.

— Amora, bom te ver, filha. — Dona Simone aparece e olha para João
semicerrando os olhos. — Você e Jasmine não tem juízo. — Repreende
vendo João agarrado comigo, penso em me desvencilhar, mas ele me segura
firme.

— Juízo para que, dona Simone? Eu sou o marido de Amora, e Jonas o


pai do filho de Jasmine, as coisas são como são.

— Para de se meter, Simone. — O marido dela cochicha, os dois se

juntaram de fato depois da morte de papai, acho que Simone enfim se sentiu
livre para recomeçar, e o cantor da gafieira já estava mega apaixonado, ela
faz um bico que me faz segurar a risada, encrenqueira que só ela.

— Esses irmãos devem ter um chá muito do bom pra deixar essas

meninas sem juízo desse jeito, viu?! — Ela reclama saindo de perto de nós.

Assistimos agarrados a cada uma das apresentações, conto-lhe sobre as


instalações, sobre como funciona todo o projeto e ele ouve a tudo atento, faz
perguntas inteligentes, interessadas, a conversa flui tão bem entre nós.

— João, eu agradeço que tenha vindo, mas eu não vou voltar contigo,
estou de carro, e sendo sincera, não sei ainda o que eu quero, portanto não
acho justo te dar falsas esperanças.

— Amor, você sabe exatamente o que quer, o seu corpo sabe, o seu

coração sabe, mas tudo bem, você quer que eu trabalhe mais um pouco?! Eu
farei, minha bailarina, mas desistir de você e do nosso casamento nunca.

Rouba-me um selinho rápido que me faz lamentar por não ter


demorado só mais um pouco. E ele vai embora, fazendo os meus olhos
marejarem, porque tudo o que eu queria era ir junto com ele, ceder, mas o
que faço com o meu coração em frangalhos por todas as armações que ele fez
as minhas costas no passado?
— Eu lamento senhora, mas o meu cliente disse que só assina o

contrato de compra e venda se a senhora for até ele pedir. — A advogada de


João fala e eu quase grito em frustração.

Ter me casado em total divisão de bens foi o meu erro, passo as mãos
nos cabelos, irritada.

— Me passa o endereço que o seu cliente quer que eu vá.

A advogada tem um sorriso na voz, não duvido nada que ele esteja ao
lado dela lhe dando a ordem. Preciso vender um imóvel para injetar dinheiro
em mais um dos meus projetos sociais no Vidigal, mas para isso, preciso da
assinatura de João, até então, nossos advogados que cuidavam entre si dessas

questões judiciais, mas agora João resolveu me tirar do sério com essas
exigências descabidas.

— Enviei para o seu e-mail, senhora Patacho. — A advogada fala, com


toda certeza a mando dele, o que me faz morder os lábios de raiva.

— Avisa ao seu cliente que essa é a primeira e última exigência que ele
faz, eu não vou ficar olhando mais para a cara de mentiroso dele. Passar bem.
JOÃO

— Eu achei que ela ia me xingar. — Falo colocando o telefone da


advogada no gancho, e ela ri.

— Eu achei que ela ia atravessar o telefone e me estapear quando a

chamei de senhora Patacho. — Rimos os dois.

— É só uma fase ruim. — Comento e ela revira os olhos.

— Fase ruim? Ela te odeia.

— Ódio também é sentimento, e enquanto ela sente algo, posso


trabalhar isso, só não poderia lidar com a indiferença dela.

— Está certo, eu admiro o seu otimismo, boa sorte para lidar com a
esposa. — Brinca e apenas olho-me no espelho, estou pronto para isso.

Não demora muito até que ela esteja em seu terninho social entrando

pela porta da casa do meu irmão, eu quis um território neutro para


conversarmos.

Tenho muito a lhe dizer, mas ela já chega jogando o envelope pardo
para mim.

— Assina logo, estou com pressa. — Fala parada na porta.

Caminho para dentro da sala e sento no sofá, abro o envelope com


cautela olhando a escritura.

— Eu vou ler cada uma das cláusulas, minha advogada me orientou a

não assinar nada sem ler. — Falo a observando pelo canto do olho.

Amora bufa e entra na casa, convicta que não vou facilitar sua vida, e
senta à minha frente mirando um ponto cego.

— Por que parou com os nossos encontros? — Pergunto e ela olha ao

redor, preocupada que alguém tenha ouvido. — Às quartas-feiras era o único


dia feliz para mim, porque eu sabia que ia te ver, sentir teu cheiro, tê-la ao
meu redor.

— João, assina isso.

— Responda-me.

— Porque eu quis, porque isso é errado, e eu cansei de errar.

— Eu sou o seu marido, não há nada errado aqui.

— Você é o meu marido no papel somente.

— Você está permitindo que as suas cicatrizes te guiem, mas algo que
aprendi com tudo isso, é que existem outros meios, há o coração, a alma, a
intuição, um mundo de multiplicidade de caminhos.

— Eu não quero ouvir suas palavras. — Eleva a voz e fica de pé me


encarando, e também levanto, quero deixar tudo esclarecido entre nós de uma
vez por todas.
— Mas vai ouvir!

— Tudo bem, o que vem agora, deixa-me pensar... Já sei, vai dizer que

não vive sem mim, é isso? — Dissimula.

— Eu não preciso de você. — Digo e ela respira fundo, me olhando


enraivecida. — Eu preciso fazer meus exames de rotina, preciso de um
armário novo e preciso mandar lavar o carro. Mas de você eu não preciso.

Dou dois passos em direção a ela e jogo a merda do envelope na mesa


de centro.

— Mas eu quero você. Um diabético não deseja a insulina. Eu não


adoro meu remédio que a psiquiatra passou para cuidar dos meus pesadelos,
mas tenho que tomar todos os dias. Dele eu preciso. E um diabético precisa
da insulina. Ambos por não termos opção. Eu não preciso que você me olhe
apaixonada de um jeito que ninguém nunca me olhou, nem que você me
agarre, me cheire desesperada quase implorando para que o nosso momento

nunca acabe, muito menos preciso que crave as unhas no meu ombro sempre
que eu entro bruto em você. Mas eu quero que você me olhe, me agarre e
cheire e me possua desse jeito. Pra sempre.

Engole a seco e a encurralo na parede.

— A minha vida sem você não seria impossível. Dizer que eu preciso
de você seria minimizar tudo o que você é na minha vida. Seria como dizer
que eu preciso de um remédio ou de mobílias novas. Eu te amo e você me
ama, e viver esse amor não é uma questão de necessidade. É uma questão de

liberdade, de paz de espírito. A paz de espírito que você me traz a cada


encontro nosso, aqueles minutos em que deixamos claro um para o outro que
não existe ninguém entre nós, nunca vai existir. Não preciso viver esse amor.
Mas eu quero. Assim como quero você loucamente. — Abro o meu coração e

deixo cair umas lágrimas no processo, não tem como não se derramar, eu
simplesmente transbordei.

— Você não se arrepende de nada, não é?!

— Não, eu não me arrependo, porque nós não podíamos contar com


ajuda externa, você sabe quantos líderes do MST são mortos por ano? Os
mandantes e executores sempre saem impunes, então nós fizemos o que
podíamos para prender ao menos um criminoso, derrubar Rodolfo Guedes foi
um favor a humanidade, e ter você foi a recompensa mais doce que a vida me

deu.

— Se não existisse a vingança você não teria investido em mim, não


é?! Eu nunca fiz o seu tipo.

— Dizer que me arrependo seria renegar a nossa história, tirar o valor


dela, porque eu sofri quando te perdi, mas sofreria muito mais se não tivesse
te conhecido, você diz que eu te fiz voltar a vida, e você é o meu sonho bom,
depois de uma vida inteira de pesadelos.

— João... — Sussurra emocionada, tanto quanto eu.

— Eu te amo, me deixa te fazer feliz, me dá uma chance, escolha o


nosso amor, o nosso casamento.

— Eu não posso...

— Você já provou o quanto me odeia, agora seja a minha esposa, e


demonstre o quanto também me ama. — Sussurro em seu ouvido. — Não
escolha como a sua mãe, vivendo uma vida de mentira, escolha a sua
felicidade, ela está comigo, meu amor.

Seguro o seu rosto pequeno em minhas mãos, e ela fecha os olhos


ponderando.

— Eu tenho que anular esse casamento, pedir o divórcio.

— Nunca, você nunca vai conseguir fazer isso, está presa a mim porque

me ama.

— Você transou com a Filipa quando ela esteve em São Paulo? —


Pergunta e agora tudo faz sentido, ela acabou com os nossos encontros por
ciúmes.

— Por que eu faria isso?! — Defendo-me— Desde que pus os olhos em


você naquele jantar tedioso, eu nunca mais tive outra mulher que não fosse
você.
Reabre os olhos cor de uísque e olha-me meio perdida, não sei qual
passo seguir com ela, estou me expondo mesmo sabendo que as chances dela

me perdoar são quase nulas, mas não existe vitória sem batalha.

— Eu vou te beijar, e se você não quiser isso, pode me negar agora. —


Alerto e ela fecha os olhos, minhas pálpebras cedem, e colo os nossos lábios.

Beijo-a tirando cada peça da sua roupa, sem pressa, degustando a sua

pele, acariciando os seus mamilos, beijando e chupando cada parte do seu


corpo, mostrando o quanto a venero, o tamanho do meu amor.

Coloco-a por cima de mim, com a sua boceta na minha boca, safada ela
se agacha e suga o meu pau e assim ficamos em um sessenta e nove
delicioso. Lambo o seu clitóris matando a saudade de ter o seu gosto de
mulher na minha boca, quando ela me chupa engolindo tudo eu quase não
posso suportar de vontade de gozar na garganta dela, da minha mulher.

Cuidando para não me envergonhar, pego o seu corpo gostoso e a

coloco de quatro no sofá, entrando de uma só vez todo babado, a sensação,


textura e aperto são incríveis, os sexos melados, a fricção cada vez mais
acelerada ao passo que bombeio para dentro dela e Amora rebola me
incentivando a ir fundo.

Gozamos completamente rendidos, e ela se levanta do sofá.

— Você já me usou um dia, e agora sou eu que uso as pessoas. —


Olha-me com um desdém encenado, ela ainda está confusa e quer me ferir,
no fundo eu bem que mereço. — Foi gostoso, mas já tive homens melhores.

— Mente e sai da sala me fazendo bufar.

Porra de mulher difícil!


A Marca

JOÃO

— Você bebendo em dia de semana? Que milagre! — implica o meu


irmão.

Quantas vezes eu cuidei de Jonas bêbado sofrendo por Jasmine, agora


que ele se descobriu pai está mais responsável, enquanto eu me permiti ir
para o fundo do poço. Talvez eu tenha usado as palavras erradas, mas fui
sincero, abri o meu coração, não quis enganá-la.

— Preciso te confessar algo, afinal, essa merda de casa é cheia de


câmeras — digo tomando coragem e ele senta ao meu lado.

— O que vai dizer? Melhor eu ouvir isso alcoolizado? Me dê um gole


desse uísque — provoca e desanimado apenas passo o meu copo para ele. —

Eita, esse é um dezoito anos, belezura!

— Amora veio aqui hoje. — Engulo a seco.

— Por quê?

— Ela precisava que eu assinasse uns papéis da empresa. Eu dificultei e


disse que só o faria se ela viesse ao meu encontro.

Sorri e toma mais um gole no uísque.

— Essa jogada é velha, irmão — caçoa.


— A de morar junto só por causa do filho é mais velha ainda, não
acha? — respondo de mau humor, sem nenhuma paciência para o seu bom

humor, e o filho da puta gargalha às minhas custas.

— Desembucha. Qual câmera eu vejo esse filme pornô? — Cutuca o


meu braço e decido tirar uma onda com a cara dele.

— A da sala, transamos nesse sofá. — Aponto com o olhar para onde

ele está sentado.

— Porra, João! — reclama numa nítida implicância de caras.

— Inclusive, gozei aí, passa a mão e veja se não tá suja sua bunda. —
Agora sou eu que gargalho vendo a cara dele de revolta, tudo brincadeira,
porque Amora levou consigo cada gota do meu gozo, meu corpo arrepia só
de lembrar a sensação de gozar dentro da minha mulher, tão certo.

Recebo um tapa na cabeça do meu irmão enquanto se levanta e senta na


poltrona.

Ambos sorrimos.

— Se as coisas estão indo assim tão bem, por que está bebendo?

— Não estão indo bem, aquela Amora que eu conheci está morta. Ela
jogou na minha cara que só me usou, disse até que já teve homens melhores
que eu na cama. Porra, eu devia ser o primeiro e único a tocá-la. Ela foi
embora levando a assinatura e a minha dignidade junto. — Confesso.

Embora eu ache que nunca houve outro homem em sua vida, ela se
encontrava comigo toda semana, tudo bem que era só um dia na semana e vez
ou outra ela não mandava mensagem, então não nos víamos o que me

deixava maluco, quando recebi em casa a sua máscara e a peruca junto do


bilhete, eu perdi o celular, porque o joguei na parede, completamente fora de
mim ao cogitar a hipótese de tê-la perdido para sempre, então não pensei
duas vezes, vamos abrir uma filial aqui no Rio de Janeiro, eu vou

reconquistar a minha mulher.

— Irmão, ela quer se vingar, te xingar, magoar, deixe-a fazê-lo. Em


algum momento vocês irão se acertar.

— Como ela pôde transar comigo e não sentir nada? Dizer que não
significou nada para ela? — Pergunto, isso realmente doeu no meu ego.

— Ao menos ela disse isso na sua cara, a Jasmine finge que nunca
aconteceu. É como se ela nunca tivesse ido ao meu quarto de hotel e se dado
para mim. Não tocamos mais no assunto, simples assim.

— O Rodolfo deve tá no túmulo rindo da gente — caçoo e ele ri, o


observo tão desmotivado quanto eu. — E você e Jasmine? Morando juntos é
mais fácil de tentar algo.

Bem, ao menos um de nós deve ter algum avanço com esses mulheres
complicadas.

— Que nada. Nós só estamos juntos por conta do Jonatan, nada mais.
— Eu rio em deboche. — Eu não vou tentar nada.
— Por quê? Não a ama? — Faço a provocação, eu sei que ele quer
tentar, meu irmão sofreu tanto quanto eu.

— Porque não a mereço. Já fiz muito mal a ela. É melhor retirar o meu
time de campo.

— Então você vai dar ela de bandeja pro tal de Pedro? — Instigo
mexendo no ponto certo, ele morre de ciúmes do amigo de Jasmine.

— Não foi isso que eu disse.

Gargalho. Vem até mim e pega o meu copo. Dá um novo gole na


bebida, pela sua careta, o álcool desce rasgando.

— Veja bem, eu não a quero com nenhum homem — deduz enquanto


senta na sua poltrona ouvindo a minha gargalhada.

— Você tá sem coragem de chegar nela, mas também não quer que
ninguém chegue. Que covarde, Jonas — jogo as palavras em sua cara e ele
fica sem reação.

Com uma ressaca enorme após beber afogando as mágoas com o Jonas
ontem, um banho gelado e café forte me deixaram revigorado, Filipa mudou-
se para os Estados Unidos investindo na carreira de publicidade, após mais
uma recusa de minha parte em ficar com ela, acho que ela finalmente caiu em
si, principalmente quando soube que voltei para o Rio de Janeiro atrás de
Amora.

Decidi vir na Guedes Engenharia, não vou desistir fácil, e preciso


cercar a minha esposa o quanto puder, mostrá-la que estou realmente dentro
da sua vida.

Assisto Amora caminhando ao lado de Otávio em direção à sala dela os

dois sorriem de algo e semicerro os meus olhos, ele apoia a mão no ombro
dela, e eu fico puto, será que ela já esteve na cama dele?

Sem medir as consequências vou até os dois, que me olham surpresos.

— Oi amor, vim te visitar. — Falo e dou-lhe um selinho vendo o


quanto fica surpresa.

— Oi João, não sabia que estava na cidade. — Otávio fala sem jeito,
lembro-me muito bem que Rodolfo o queria como marido de Amora, mas eu
passei a sua frente e deixarei bem claro para ele que ainda estou no páreo.

— Amora não te contou? — Ele nega. — É porque ela anda muito


ocupada, marido de volta, sabe como é. — Pisco a ele insinuando coisas. —
E você, casou, Otávio?

— Não. — Responde sem jeito, ele quer a minha mulher, eu reconheço


o olhar de cobiça que ele lança para ela. — Achei que vocês estivessem
separados.
— Estamos.

— Nunca estivemos.

Respondemos em uníssono eu e Amora, e ele engole a seco.

— Sabe, Otávio, eu e a minha esposa temos uma relação complicada, é


difícil de explicar, mas é nossa, só cabemos os dois nesse casamento

recheado de reviravoltas, e eu não sei das duas intenções, porque no passado


você a quis, mas independente do momento complicado que estamos, ela é a
minha mulher e sempre virá para os meus braços.

— João. — Ela repreende.

— Estou te dizendo isso, meu caro, porque eu gosto de tudo como se


deve, aprendi a duras penas que a sinceridade sempre é o melhor caminho,
então eu sei que você a quer, mas ela é casada comigo por vontade própria.

— O que eu vejo é que Amora está carente, porque sempre me liga,

você devia cuidar melhor da sua mulher.

— Otávio, eu te ligo para falar de trabalho e além do mais achei que


fosse um amigo, como está sendo babaca. — Ela reclama.

— Babaca é você de voltar para ele, que vai te magoar de novo.

— Desde quando eu lhe dei liberdade para opinar na minha vida? Que
decepção, Otávio! — Ela balança a cabeça em negativa. — Saia da minha
empresa!
Ele ajeita o paletó do terno e incrédulo, segue para os elevadores.

— E você também pode ir junto dele. — Aponta para mim, meu sorriso

a deixou irritada.

— Eu quero conversar.

— Sem conversas, João.

Caminho para dentro da sua sala, ela entra atrás de mim enfurecida.

— Eu quero que me diga o que sente por mim. — Pisca desentendida.


— Eu quero saber se tenho chance ou não.

— O que eu sinto por você oscila, é bagunçado, sei que é definitivo,


mas não é linear, a única certeza que possuo, é que não consigo me desligar.

— Olha isso.

Começo a tirar o meu blazer e ela olha ao redor.

— O que está fazendo? — Caminha até a porta a fechando, eu desfaço

cada um dos meus botões da blusa social. — Vista a sua roupa, João! —
Grita e eu sorrio.

Quando me vejo livre da blusa, viro de costas para ela que silencia por
completo.

— Sou eu? — Pergunta em um fio de voz.

— Sim.
— Por que estou segurando um pássaro?

— Porque você é como um, aparentemente delicado, bonito aos olhos,

parece frágil, mas voa alto.

Desenhei essa tatuagem assim que me mudei para São Paulo, com
realismo tenho o rosto de Amora, os cabelos esvoaçando e ela olhando para
um passarinho que pousou em seu dedo, um desenho que pega grande parte

das minhas costas.

— Por que fez isso? Você é louco, João.

— Louco porque eu desenhei o seu rosto?! — Sorrio— você está


impregnada dentro de mim, eu só coloquei para fora o que transborda por
dentro, a primeira e única tatuagem que tenho, marquei na pele o que tenho
em meu coração.

Ela toca os traços da tatuagem e fecho os meus olhos sentindo os seus


dedos tatearem a minha coluna delicadamente, até que ela vem para a minha

frente e com os olhos marejados, diz:

— Você não me ensinou a voar, João, porque isso estava no meu


instinto, preso dentro de mim e iria transcender a qualquer momento. — Já
me preparo para que me despeje mais das suas amarguras — mas você foi a
pessoa que me mostrou o quão fácil é bater as asas, a infinidade do céu, se
hoje sou livre e alcei voos tão altos, é porque sempre soube que o teria ao
meu lado em qualquer pouso. — Paraliso com a sua fala. — Você tem razão
no que disse a Otávio, nós nunca estivemos separados, porque você sempre

foi o meu apoio, sempre soube que podia contar contigo, quando as coisas
estavam ruins eu te mandava mensagem e você largava tudo em São Paulo
para vir para mim, aquilo que fazíamos não era só sexo, era conexão, amparo,
afago, apoio, apego emocional era o meu porto seguro.

— Amora, eu fiz e faria tudo de novo, largaria mão de tudo mais mil
vezes por você, por poucos minutos que sejam.

— Será que deixei passar muito tempo? Será que já não é tarde demais,
João? — Pergunta aparentando confusão.

— Não cabe tarde demais em um grande amor, eu ainda estou aqui


vivendo o futuro o contigo. — Estendo a minha mão — quer viver o agora
comigo?

Ela não titubeia, me dá a sua mão e agarro trazendo-a para mim, os dois

nos abraçamos fortes.

— Eu te amo tanto, João.

— Obrigado por escolher o nosso amor. — Beijo o alto da sua cabeça.

O nosso futuro feliz é agora.


AMORA

Resolvi jogar para o alto todas as minhas convicções, não vou passar
uma borracha no passado, longe disso, mas aprender com ele. Eu e João
estamos juntos, decidi me dar uma chance de ser feliz com o homem que eu
amo e louca e insanamente também é apaixonado por mim, espero que me
entenda e não me julgue irmã, mas entre ser feliz e ter razão, eu me escolhi.

Beijos, Amora.

Envio a mensagem para Jasmine, e quando o elevador abre as portas,

João tampa os meus olhos.

— Venha, só mais cinco passos e você poderá abrir os olhos. — Ele


diz, eu rio do seu entusiasmo. — Prontinho, pode abrir.

Olho ansiosa para a suíte ao redor, meu corpo inteiro arrepia, é o quarto
que ele alugou para a nossa noite de núpcias, e está com a mesma decoração.
Ele pega o celular em minha mão e o desliga.

— Vamos viver essa história como tem que ser. — Caminha vindo para
mim, jogando os nossos celulares desligados na poltrona. — Só nós dois
desligados do mundo e vivendo o nosso amor.

— Isso me soa tão bom. — Assinto passando as mãos pelos seus


cabelos.

— Apesar da necessidade, eu vou te amar por toda a noite, durante a


semana, eu vou me mudar para a sua casa, e nós vamos planejar o casamento

no religioso, você vai parar com a injeção e vamos ter uma filha chamada
Carolina, só para começar, depois se você quiser podemos ter mais. — Ele
fala e eu sorrio de orelha a orelha, ele não esqueceu nenhum dos nossos
planos e sonhos.

— Por que Carolina? — Pergunto achando graça da sua decisão.

— Sempre gostei desse nome. — Coça a cabeça.

— Eu quero tudo isso, João. — Assumo. — Vivi tanto tempo


imaginando como poderia ter sido a nossa história.

— Então é assim que será, meu amor. Vamos viver a cada dia o nosso
agora, o nosso futuro.
EPÍLOGO

JOÃO

Cinco, seis, sete e oito...

A cortina é aberta e Amora está no meio do palco, um espelho do seu


tamanho está as suas costas, e a batida começa, envolvente e sensual.

Sacolejo a nossa filha caçula — cujo o nome homenageia a minha mão


Iuna — que dorme serena em meu colo, enquanto Simone segura a nossa
mais velha no colo, ela diz que é a avó das nossas filhas também, o que faz
dona Amélia bufar toda vez.

Amora com o vestido justo rosa com as saias fluidas dança em frente ao
espelho, a coreografia é toda conceitual, Amora aumenta a sua sensualidade a

cada passo de frente para o espelho, é como se nos mostrasse a sua evolução
pessoal, o espelho representa a sua autoanálise, e eu amo a forma conceitual
com a qual ela gosta de se expressar.

Olha pra mim

E vê se vale a pena pisar

Já percebi
Que tu gosta dos cara correm atrás

Ela retira a peruca e a joga no chão do palco enquanto rodopia.

Mas eu tô aqui

Parece que uma chance vai nos ligar

Mas se desligar

Fio desencapado pode machucar

Solta os cabelos, enquanto curva o pescoço e o acaricia apertando de


leve, sensual e delicada, sim, essa é ela.

Sinta, só consigo me expressar pra você

Através da BATIDA

Ela coloca as duas mãos no busto e intensa, faz o peito pulsar como um
coração.
Viva, quando eu falo o teu nome

É parte mais bonita rima

Sinta, só consigo me expressar pra você

Através da BATIDA

Viva, quando eu falo o teu nome

É parte mais bonita rima

Retira a máscara e a joga para o lado oposto ao da peruca, ondulando os


quadris em seguida, misturando passos de balé, funk, jazz, senta na cadeira, e
se acaricia, a dança inteira é plural como ela, sem limites ou rótulos.

(...)

Fomos por lados opostos

Mas a Rota é uma só

Eu ando meio atrasado

Acho que o tempo passou

A gente tinha hora marcada

E o despertador falhou
— É a mamãe! — Nossa filha mais velha aponta para o palco e eu
sorrio, as nossas duas filhas parecem comigo, para a raiva de Amora e

Jasmine que dizem que a genética dos Patacho é forte demais, já que o casal
de filhos do meu irmão também se parecem com ele.

— É ela, filha. — Respondo a Carolina e olho para o palco em seguida.

A minha menina, a minha mulher, a CEO poderosa que reergue a

empresa, a bailarina delicada com a voz fina, a mãe das minhas filhas.

A plateia explode em aplausos, a apresentação de final de ano da


companhia de dança que Amora abriu em sociedade com Camila é um
sucesso, ela fechou o evento com chave de ouro. Assim que a batida para, ela
tem os cabelos desgrenhados, o rosto corado, e a respiração ofegante.

Sopra um beijo para mim e faço com as mãos a simulação de o pegar e


levá-lo ao peito. Engravidamos no mês seguinte que decidimos voltar, Amora
calculou errado a data da injeção, então provavelmente eu a engravidei na

casa de Jonas, e isso é motivo da zoação de irmãos até hoje.

— Vocês são tão fofos! — Jasmine fala ao meu lado, eu e Amora ainda
grávidos fomos padrinhos do casamento dos nossos irmãos e eles também
grávidos foram padrinhos dos nossos dois casamentos.

Mas eu sequer a olho, porque só consigo dar atenção a Amora. Sempre


serei o primeiro da plateia a aplaudindo, e ela nunca me negará os seus
espetáculos

A Minha doce bailarina dos olhos da cor de uísque.

FIM
Jasmine e Jonas

CLICA AQUI para ser redirecionado para o livro com a história do Jonas e
da Jasmine, que se chama A Vingança do CEO, e também é livro único.
Sinopse

Jonas Patacho acaba de se tornar CEO interino da Guedes Engenharia.

Ele é o homem de confiança do velho e poderoso Rodolfo Guedes, que o tem


como um filho, mas os irmãos Patacho, na verdade, nutrem um ódio
imensurável de Rodolfo por causa da dor que fora causada a eles no passado.

O frio plano de vingança, meticulosamente calculado para tomar de


Rodolfo o poder da empresa como um jeito de se fazer justiça, ia bem até
descobrirem sobre a jovem e doce Jasmine. Filha ilegítima de Rodolfo.

Jasmine, uma mulher de dezenove anos de idade, é moradora do Morro


do Vidigal, e, apesar de amar o movimento Bossa Nova, aprendeu com a mãe

que o amor te deixa em um barraco alugado e com um filho para criar. Por
isto, blindou-se deste sentimento de todas as formas.

Para Jonas, parecia fácil conquistar e fazer de Jasmine mais uma peça
de sua calculada vingança. Para Jasmine, naqueles olhos azul-profundo
encontrava-se o grande amor prometido nas músicas que ouvia e nos poemas
que lia.
Pode o amor mudar um futuro sentenciado?

Obs: Possui linguagem crua de teor sexual.


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[1]
Linha de sapatos principalmente femininos de origem francesa, sua marca registrada é a sola vermelha.

[2]
Um look que traz apenas peças pretas.
[3]
Coração Gelado é um feiticeiro arqui-inimigo e vilão principal do desenho Ursinhos
Carinhosos.

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