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Cap 5 – Conceitualização de caso em Terapia Cognitiva Sexual

Retirado do livro Terapia Cognitiva Sexual de autoria do professor Antonio


Carvalho

Conceitualização Cognitiva Sexual

A avaliação da queixa sexual é o ponto de partida Terapia Cognitiva


Sexual. Nesse sentido, uma ampla compreensão dos aspectos que
influenciam o comportamento e o funcionamento sexual daquele paciente
ou daquele casal, abarcando todos os pontos que a literatura propõe
como relevantes, precisa ser realizada antes de iniciar uma proposta de
intervenção terapêutica. Nas TCCs, conceitualizar o caso significa traçar
um panorama de como o cliente funciona em termos cognitivos,
comportamentais e emocionais e, a partir disso, propor a forma mais eficaz
de intervenção. A aplicação correta desse recurso psicoterápico
pressupõe, além do domínio da técnica, uma base sólida de
conhecimento dos pressupostos e da teoria subjacente (Neufeld &
Cavenage, 2010). A conceitualização de caso é um processo no qual
terapeuta e cliente participam visando, inicialmente, descrever e, em
seguida, explicar as dificuldades apresentadas pelo cliente (Kuyken,
Padesky & Dudley, 2010).

Existem duas abordagens principais para realização da


conceitualização cognitiva, sendo uma baseada em modelos para
transtornos específicos e outra em modelos gerais de funcionamento
(Kuyken, Padesky, Dudley, & Kuyken, 2008). Ambos os modelos podem
ser utilizados concomitantemente com um mesmo cliente, uma vez que o
modelo geral se refere ao entendimento global do modelo cognitivo,
enquanto a conceitualização cognitiva para transtornos específicos busca
explicar o funcionamento do paciente de acordo com os sintomas e
dificuldades que se repetem dentre as pessoas com características de
uma mesma psicopatologia. Apesar de a conceitualização cognitiva ser
única e específica para cada cliente, uma gama de modelos teóricos para
o funcionamento cognitivo dos transtornos pode ser encontrada na
literatura. Para a adequada realização da conceitualização cognitiva
sexual, é fundamental que o clínico conheça profundamente não apenas
os modelos cognitivistas, contextuais e comportamentais de atuação, mas
os modelos teóricos explicativos de conceitualização e avaliação das
queixas sexuais disponíveis na literatura.

De acordo com Rangé (2004), é importante garantir que a


conceitualização atenda aos seguintes critérios: ter utilidade, ser
simples, teoricamente coerente, oferecer explicações sobre
comportamentos passados, encontrar sentido nos comportamentos
presentes e ter capacidade para predizer comportamentos futuros.
Dessa forma, a conceitualização cognitiva sexual é uma habilidade
terapêutica fundamental para os terapeutas interessados em trabalhar
com as questões da sexualidade em sua prática clínica. Além disso, a
conceitualização de caso é uma proposta de adesão do cliente à terapia,
uma vez que após a concretização da mesma, observa-se um aumento
da motivação e da compreensão de todo o processo psicoterápico por
parte do cliente e do terapeuta. A conceitualização cognitiva sexual visa
descrever os problemas do cliente em uma linguagem construtiva,
ajudando-o a compreender a lógica da manutenção de seus problemas
(Kuyken et al., 2010).

Conceitualizar a queixa em termos cognitivo-sexuais é fundamental


na determinação do caminho mais eficiente e efetivo para a realização do
tratamento, pois auxiliará na escolha das metas que serão trabalhadas e
das intervenções terapêuticas a serem realizadas, evitando o erro de
resumir o tratamento à aplicação de técnicas cognitivas e
comportamentais, que não alcançarão os resultados esperados. A
conceitualização cognitiva sexual é, portanto, assim como a
conceitualização cognitiva nas TCCs, o fio condutor que ligará todas as
intervenções à história e ao processo psicoterápico daquele cliente
(Neufeld & Cavenage, 2010). Esta também nos permitirá compreender e
melhor planejar outros aspectos fundamentais no tratamento, como a
relação terapêutica que precisa ser estabelecida, os entraves à adesão e
as repercussões da queixa sexual nos demais aspectos individuais e do
casal. É essencial também ressaltar a natureza cíclica em o sistema de
crenças opera e sua relação com a queixa apresentada.

Para compreendermos a sexualidade, precisamos pensar em seus


quatro pilares: sexo biológico, identidade sexual, papel sexual e
orientação sexual. Nossa cultura privilegia a diferença sexual como sendo
a base dos demais aspectos da sexualidade. Antigamente, o sexo
biológico determinava toda a sexualidade do indivíduo, com a identidade
sexual, os papéis de gênero, o papel sexual e a própria orientação sexual
devendo seguir as normas culturalmente aceitas para as pessoas que
nasceram com aquele sexo biológico. Hoje sabemos que a sexualidade
não é determinada biologicamente ou dada pela natureza. É decorrente
de um processo de aprendizagem que se inicia a partir dos significados
atribuídos ao sexo biológico, sendo um termo abstrato usado para falar
dos atributos, qualidades e capacidades que associamos aos desejos e
prazeres sexuais.

A concepção atual, portanto, é de que estes aspectos podem ser


entendidos separadamente e que não precisam mais ser determinados
pela biologia. Gênero se refere à percepção social das diferenças
biológicas entre os sexos e suas repercussões. Ser portador de uma
dupla de cromossomos XX ou XY é determinado na concepção, ser
homem ou ser mulher, por outro lado, é uma categorização realizada
pela cultura. As conexões entre desejo, comportamento e o modo como
as pessoas se percebem também são fruto das convenções,
contingências e constrangimentos sociais. Dessa forma, o pensamento
categorial (homem x mulher, homossexual x heterossexual etc) acaba
sendo pouco útil clinicamente na abordagem da queixa sexual. O
entendimento do paciente em questão dentro de um contínuo destes
aspectos possivelmente fornecerá elementos mais compatíveis com a
realidade de cada indivíduo, permitindo uma intervenção mais eficaz e
voltada para as reais necessidades do caso.

A identidade sexual ou identidade de gênero é o que o indivíduo


acredita ser; um processo de construção psicológica que envolve o sexo
biológico, a noção de gênero e o comportamento social. Este é um tema
que vem sendo bastante discutido nos últimos tempos, na medida em que
avançam as pesquisas sobre a formação da identidade sexual e a suas
diferentes apresentações, com repercussões inclusive na nova
classificação do DSM-V (APA, 2013). Para um garoto, por exemplo,
acreditar que é homem, é preciso que ele saiba que é do sexo masculino,
se reconhecer como homem e saber como um homem deve agir no
contexto sociocultural em que está inserido. Gênero e sexualidade
funcionam, então, como um princípio de organização e de hierarquização
do mundo ao nosso redor que toma por base as diferenças percebidas
entre os sexos.

Na cultura ocidental, costumamos associar a sexualidade ao


gênero ou seja, as identidades sexuais deveriam ser coerentes com
determinados papéis sexuais. O exercício da feminilidade e da
masculinidade dependem das orientações sociais recebidas. Os papéis
sexuais definem, assim, o comportamento e as atividades realizadas por
homens e mulheres na sociedade, mas também no exercício da própria
sexualidade, com os papéis sexuais feminino e masculino representando
uma postura mais ativa ou mais passiva em relação ao sexo, as
expectativas de atuação e vivências sexuais de cada um e as ideias
vigentes sobre a sexualidade masculina e feminina dentro daquele
contexto sócio- histórico em que o paciente vive.

O conceito de Duplo Padrão Sexual foi criado por Reiss em 1964,


para se referir a um conjunto de normas sociais que determinam a prática
de comportamentos sexuais diferenciados para cada um dos gêneros:
liberal para os homens e repressor para as mulheres (Schwartz & Reiss,
1995). As transformações iniciadas desde o século XX e que se
acentuam no século XXI afetaram o modo de constituição das
identidades masculinas e femininas trazendo uma indefinição do que se
espera dos homens e das mulheres. Os atuais processos sociais que
interferem nas subjetividades proporcionam, cada vez mais, a
possibilidade de diferentes experiências do masculino e do feminino na
esfera da sexualidade. De acordo com Hawton (1985), a liberação sexual
fez com que as mulheres migrassem de um padrão sexual repressor
para outro, que se aproxima do masculino: ao mesmo tempo liberal e
exigente. A flexibilidade trouxe ainda, do ponto de vista social, mas com
importantes repercussões clínicas, a necessidade reformulação das
categorias de entendimento existentes anteriormente e o aumento das
queixas relacionadas aos significados que os pacientes atribuem a esta
indefinição. Outro reflexo importante desse movimento de flexibilização
é uma necessidade cada vez maior de movimentos sociais que buscam
respaldar e proteger os indivíduos quanto às suas escolhas relacionadas
à sexualidade.

O que define a orientação sexual é a direção da atração sexual e


não o comportamento. Ou seja, fazer sexo com alguém não determina a
orientação sexual daquela pessoa, da mesma forma que sentir-se atraído
por alguém, mesmo sem realizar o ato, é um dado importante para
compreender a orientação sexual daquele paciente. Entretanto, a
orientação sexual não precisa ser vista como uma característica
estanque, imutável daquele indivíduo, podendo variar no contínuo
homossexual-heterossexual ao longo das etapas da vida de uma pessoa.
Além disso, é importante considerar também as diferentes nuances da
atração. Por exemplo, é possível que alguém se sinta atraído por pessoas
do sexo oposto, mas que possa se excitar ao fantasiar situações sexuais
com pessoas do mesmo sexo. Da mesma maneira, é possível se
apaixonar por alguém do mesmo sexo e continuar se sentindo atraído por
alguns indivíduos do sexo oposto.
Na Terapia Cognitiva Sexual, é importante ainda o entendimento
do comportamento sexual de forma ampla, não necessariamente restrita
ao coito, incluindo também outras situações sexuais, como a
masturbação, fantasias, sonhos, a atenção automática a estímulos
sexuais etc. Assim, ao nos depararmos com a queixa sexual do paciente
no consultório, é preciso investigar como esta se insere na sexualidade do
sujeito, considerando todos os aspectos mencionados acima.

Ao avaliarmos a queixa sexual, especificamente, alguns pontos


precisam ser esclarecidos

1. Cronologia da aquisição: verificar se a queixa esteve presente


ao longo da história sexual daquele paciente ou se foi adquirida a partir
de um determinado momento. Neste segundo caso, é importante
compreender qual o contexto em que foi desencadeada.
2. As circunstâncias em que ocorre: verificar se a queixa ocorre
em todas as situações sexuais ou apenas em algumas, com todos os
parceiros com quem o indivíduo se relaciona (situacional ou
generalizada) ou se há aspectos específicos deste momento de vida ou
da parceria atual.
3. Etiologia: considerar os aspectos psicológicos e fisiológicos
relacionados à queixa. A tentativa de categorização da queixa como
sendo de etiologia psicológica ou física é, na realidade, pouco útil do
ponto de vista clínico. Considerando que o funcionamento sexual passa
pela fisiologia, mas também pela atribuição de significado, pelo
comportamento e pela vivência emocional, faz mais sentido considerar
como estes aspectos interagem, ao invés de tentar determinar qual foi o
real fator “causador”. Além disso, a intervenção, seja ela medicamentosa
ou psicoterapêutica, precisa levar em consideração também esta
relação, de modo a promover um tratamento eficaz. Assim, um olhar
multidisciplinar tanto sobre o diagnóstico quanto sobre o tratamento da
queixa sexual é preferível em detrimento da dicotomia biológico-
psicológico.
4.
5. Grau de sofrimento pessoal: o sofrimento e o impacto da
disfunção ou da queixa na vida do indivíduo devem ser levados em
consideração no momento da avaliação, inclusive atuando sobre a
necessidade ou não de tratamento. Nesse ponto, é importante
considerar também as repercussões na relação conjugal.
Na pesquisa Mosaico 2.0 da sexualidade dos brasileiros, para
95,3% dos entrevistados, homens e mulheres, o sexo é importante ou
muito importante para harmonia do casal. Nesta pesquisa, aparece
também um impacto do novo padrão sexual sobre o aumento tanto da
prevalência da queixa sexual feminina quanto do grau de sofrimento. De
acordo com a autora, fato de a mulher se mostrar mais insatisfeita quanto
à vida sexual pode estar relacionado ao fato de as mulheres terem
expectativas mais altas hoje do que tinham anteriormente. Numa pesquisa
anterior, o Estudo da Vida Sexual do Brasileiro (EVSB), as pessoas com
dificuldades sexuais relataram prejuízo do amor próprio/autoestima
(39,2% das mulheres e 37,8% dos homens), no relacionamento com o
parceiro (39,2% das mulheres e 30% dos homens), no trabalho (12,8%
das mulheres e 17,6% dos homens), nos momentos de lazer (6,4% das
mulheres e 9% dos homens), no relacionamento com os filhos (5,7% das
mulheres e 5,1% dos homens) e no relacionamento social (5,4% das
mulheres e 8,1% dos homens). Apenas 23,3% das mulheres e 20% dos
homens não alegaram qualquer tipo de repercussão da dificuldade sexual
em outras áreas da sua vida (Abdo, 2004).

6. Parceria: neste ponto, é importante avaliar o relacionamento


de uma forma mais ampla, verificando se dificuldades de relacionais
podem estar interferindo da queixa sexual, bem como o impacto da
queixa no vínculo. Além disso, a adequabilidade do estímulo realizado
nas situações sexuais deste casal precisam ser investigados para
determinar se trata de uma disfunção sexual ou uma dificuldade de
adaptação deste casal à estimulação que seria adequada para o bom
funcionamento sexual de ambas as partes.
A conceitualização cognitiva sexual geralmente começa a ser
trabalhada em níveis mais descritivos, quando os problemas são
apresentados de maneira detalhada. Em seguida, trabalha-se em nível
explanatório, buscando encontrar uma compreensão sobre a
manutenção dos sintomas. Havendo necessidade, procura-se uma
explicação histórica da participação dos fatores predisponentes e
protetores no desenvolvimento das dificuldades, conforme o modelo
sugerido por Kuyken et al. (2010). Em uma lógica cognitivo-
comportamental, é importante também compreender não apenas os
fatores e padrões relacionados à queixa sexual, mas como o paciente
aprendeu a fazer sexo, os comportamentos sexuais pregressos e atuais,
as crenças construídas a partir destas vivências e sua relação com os
padrões comportamentais atuais, as percepções acerca da sexualidade
dos pais e familiares, valores, crenças e regras expressas ou veladas,
aspectos culturais e religiosos, as possibilidades de expressão da
sexualidade, as experiências de sucesso e insucesso e significados
atribuídos, as crenças sobre relacionamentos sexuais e amorosos,
papéis sexuais e de gênero e modelos de conjugalidade, a relação do
indivíduo com corpo e autoimagem corporal, os mitos e crenças sexuais,
bem como as estratégias e recursos de enfrentamento utilizados.

Figura - Percepções do paciente sobre a própria sexualidade

Considerando que o paciente está inserido em um contexto sócio histórico,


é preciso investigar também crenças e valores morais e religiosos, a
identificação do indivíduo com esses padrões e seu possível impacto na
sexualidade, crenças que podem estar relacionadas ao aparecimento de
noções como culpa, pecado, honra, moral na vivência da sexualidade, os
papéis sociais, sexuais e de gênero daquele grupo social, bem como a
identificação das pressões reais de adequação que o paciente pode sofrer
para poder continuar pertencendo àquele contexto, como, por exemplo, no
caso de pacientes cuja religião não permite o divórcio, ou práticas sexuais
sem fins reprodutivos etc. É essencial ressaltar aqui, que a avaliação destes
aspectos tem como função compreender seu impacto funcional na queixa
sexual do indivíduo. Não é função do terapeuta discutir tais os valores dos
pacientes do ponto de vista do conteúdo, sendo clinicamente útil apenas
compreender, junto com o paciente, como estes padrões se relacionam com
a queixa apresentada, podendo então, conjuntamente, pensar em metas
terapêuticas que sejam úteis e realistas, considerando o contexto em que
ocorrem. Figura – Psicologia da queixa sexual
A história da queixa também precisa ser compreendida,
principalmente levantando as estratégias anteriores utilizadas, tanto pelo
paciente como pelo casal, para lidar com o problema, as acomodações
realizadas por eles na dinâmica sexual do casal, bem como tratamentos
anteriores e as percepções sobre seus resultados. O terapeuta deve ainda
pedir exemplos concretos de situações em que a queixa tenha aparecido,
bem como exemplos de situações de sucesso sexual, de modo a
compreender que fatores podem estar relacionados a estas situações.
Precisamos verificar também o entendimento que o paciente e seu
parceiro fazem do problema, que significados estes atribuem, o que eles
consideram como causa do problema, as metacognições e crenças sobre
o problema sexual enfrentado por eles, uma vez que isso impacta
diretamente não apenas o grau de sofrimento vivenciado, mas também a
adesão ao tratamento, direcionando a melhor maneira de apresentar a
proposta terapêutica.

Além da história individual de cada paciente e da queixa sexual,


sempre que possível, é importante compreender a história sexual do
casal: como foram as primeiras experiências sexuais dessa parceria, as
crenças de cada um e sua relação com os padrões comportamentais
atuais, as possibilidades de expressão da sexualidade no casal, as
experiências de sucesso e insucesso sexual, significados e
consequências da disfunção para a dinâmica do casal, comportamentos
sexuais pregressos e atuais desta parceria, o impacto de elementos

externos como contracepção, rotina, filhos, estressores e conflitos e os


recursos ou estratégias de acomodação utilizada (padrões, hábitos e
jogos sexuais).

Terminada a etapa inicial da avaliação da queixa sexual, na


TERAPIA COGNITIVA SEXUAL, incluímos uma segunda etapa, em que
o terapeuta busca compreender o problema do ponto de vista cognitivo e
como este se insere na conceitualização cognitiva geral do paciente. A
conceitualização de cognitiva sexual doravante proposta inova, portanto,
ao integrar os elementos centrais dos principais modelos teóricos
vigentes, propiciando uma base sólida de sustentação para a prática
terapêutica, da mesma forma que a conceitualização cognitiva atua nas
TCCs. Da mesma forma como se observa nas TCCs, um entendimento
profundo desta conceitualização é o que permitirá o delineamento das
intervenções de forma a alcançar maior eficácia. Consideramos assim,
não apenas a avaliação detalhada do caso, conforme vimos acima, mas
a construção de uma conceitualização cognitiva sexual, o ponto de partida
e condição sine qua non da prática clínica em TERAPIA COGNITIVA
SEXUAL.

Na conceitualização cognitiva sexual, propomos como eixo central


a identificação da tríade cognitiva sexual do paciente, abarcando as
crenças sobre o que, para aquela pessoa, seria a sexualidade normal ou
ideal, as crenças sobre a sexualidade do parceiro e os autoesquemas
sexuais centrais do paciente.

Figura – Tríade cognitiva sexual

Paralelo ao entendimento da conceitualização cognitiva de Beck


(1995), desta tríade seriam derivadas as crenças sexuais, suposições
condicionais e as regras que orientam o comportamento sexual, tanto do
paciente ao longo da vida quanto no relacionamento atual. Os mitos e
crenças sexuais que se encaixariam, portanto, no nível das crenças
intermediárias.

Diversos estudos apontam para a importância dos mitos sexuais


tanto no aparecimento das disfunções sexuais, quanto para sua
manutenção, bem como como fatores intervenientes no tratamento.
Muitas queixas sexuais decorrem da falta ou distorção de informações
acerca do funcionamento sexual. Vários mitos sexuais surgem e se
mantém, ainda, em função de constructos ideológicos de uma
determinada época. Para a utilização adequada das técnicas de
reestruturação cognitiva é fundamental que o profissional tenha em mente
como essas crenças dominam o imaginário de seus pacientes e as
relações funcionais destas com a queixa apresentada. Na medida em que
atuam como estruturas cognitivas intermediárias, os mitos sexuais são o
filtro através do qual o indivíduo interpreta a sua performance sexual.

Crenças relacionadas à performance sexual alimentam os


principais transtornos sexuais. A busca pelo prazer tendo como
referência a ereção e o orgasmo domina o Zeitgeist atual. Usando esse
esquema de pensamento, o indivíduo, durante o ato, fica preocupado em
se observar e em se avaliar, colocando-se em um papel de espectador
e juiz da própria experiência sexual, dividindo sua capacidade de atenção
com os estímulos sexuais necessários a um bom desempenho sexual. Se
observarmos atentamente, veremos que as crenças atuais giram em
torno de uma busca por desempenho focada basicamente em respostas
fisiológicas, como desejo sexual intenso, uma boa ereção para o homem
e orgasmos múltiplos para a mulher. Tais crenças trazem o paciente à
TERAPIA COGNITIVA SEXUAL com metas terapêuticas, muitas vezes,
excessivamente específicas, rígidas e disfuncionais. Dessa forma,
frequentemente o trabalho com a tríade cognitiva sexual do paciente se
inicia já nas primeiras sessões, em que o terapeuta precisará reformular,
colaborativamente, com o paciente, metas terapêuticas que de fato
modifiquem seu funcionamento sexual inadequado (veja uma discussão
detalhada sobre os mitos sexuais no capítulo 6).

Contudo, mais do que o quanto os pacientes acreditam nesses


mitos, na perspectiva da TERAPIA COGNITIVA SEXUAL, a relação
destes com as crenças centrais gerais e a tríade cognitiva sexual do
paciente é fundamental. A psicoeducação e a reestruturação dessas,
proposta como um dos principais pilares da intervenção da TERAPIA
COGNITIVA SEXUAL, apenas será possível a partir do entendimento da
relação funcional que estas estabelecem com as crenças centrais gerais
do paciente, bem como com sua tríade cognitiva sexual.

A partir do papel que o funcionamento sexual desempenha no


sistema cognitivo do paciente, podemos melhor compreender o impacto
que a queixa sexual tem nas crenças centrais gerais, sobre os outros e
também no autoesquema sexual do indivíduo. Esse entendimento nos
permite, ademais, compreender a função das estratégias
comportamentais (padrões sexuais, recursos de enfrentamento e
dinâmica interacional do casal) que pretendemos modificar em terapia.

É importante também considerar as metacognições e os esquemas


emocionais ativados no contexto da queixa sexual e sua relação com as
cognições nucleares. Assim, um paciente masculino com disfunção erétil
que entende a experiência da ansiedade na situação sexual como uma
evidência da sua inadequação como homem, possivelmente teria seu
autoesquema sexual reforçado por uma intervenção clínica que tivesse
como base a lógica da dessensibilização sistemática e a reestruturação
cognitiva visando reduzir a ansiedade, sem que fossem abordadas suas
metacognições e esquemas emocionais e sua relação com a
conceitualização cognitiva sexual do sujeito (Hirata, 2014).

Figura – Elementos da conceitualização cognitiva sexual


Por exemplo, se uma paciente feminina com baixo desejo sexual
entende que se engajar em situações sexuais na ausência de desejo
espontâneo significaria mais um momento de sua vida em que suas
necessidades emocionais e afetivas não estariam sendo atendidas, e que
isso consistiria numa desconsideração por parte do parceiro,
possivelmente uma intervenção no nível da psicoeducação sobre os
mecanismos do desejo sexual feminino seguido de técnicas de
reestruturação cognitiva e foco sensorial, sem considerar a ativação dos
conteúdos de privação emocional e abuso em um nível mais profundo,
teria sua eficácia diminuída.

Por último, numa lógica comportamental, as consequências das


estratégias comportamentais utilizadas pelos pacientes para lidar com
suas crenças sexuais centrais e intermediárias desempenham um papel
importante na manutenção do problema sexual apresentado. Assim, é
fundamental que o clínico possa não apenas compreender, mas também
compartilhar com o paciente como as crenças disfuncionais determinam
padrões comportamentos sexuais que afastam o paciente da satisfação
sexual alcançada, bem como seu papel na etiologia e na manutenção das
disfunções sexuais presentes.
Exemplo de caso:

O casal buscou terapia com a queixa de disfunção erétil do marido. Ele


tinha 35 anos e ela, 33, e estavam juntos há 15 anos, casados há quatro.
Eles se conheceram através de amigos em comum, durante a faculdade
de engenharia. Atualmente trabalham, respectivamente, nas áreas de
petróleo e transportes. À época, ele tinha tido poucas experiências
sexuais, uma com uma colega e as demais com profissionais do sexo, e
ela era virgem em função de sua crença religiosa (católica). Assim, ao
longo dos anos de namoro, eles não tiveram relações sexuais envolvendo
penetração, apenas carícias mútuas e masturbação do pênis dele. A
primeira tentativa de penetração se deu após o pedido de noivado, há
oito anos. Nesta ocasião, o casal relata que a experiência para ela foi
incômoda, mas que isso foi atribuído ao fato de ela ser virgem e de não
estar confortável com a ideia de fazer sexo antes do casamento. As
tentativas seguintes foram mais ou menos incômodas e, por isso, não
muito frequentes. Nessa época, a solução encontrada por eles foi
realizar penetração anal, sexo oral e carícias mútuas. Com o casamento
e a vontade de ter filhos, retomaram a penetração vaginal, fazendo uso
de lubrificantes. Ao ser perguntada pelo terapeuta, a esposa relata que
tem prazer nas situações sexuais com o marido, mas que não está certa
se já experimentou um orgasmo. Além disso, ela admite preferir os
momentos que não envolvem penetração vaginal, que permanecem
incômodos para ela, apesar do uso do lubrificante artificial. Por isso, nos
encontros sexuais deles, a estratégia adotada é apenas fazer
penetração vaginal momentos antes da ejaculação. Ao longo de todo
esse tempo, ambos consideram que a função erétil dele esteve
preservada, bem como o desejo por ela, a capacidade de ter orgasmo e
ejacular. O problema surgiu há oito meses, a partir do momento em que
eles decidiram iniciar as tentativas de engravidar e ela se engajou em
estratégias visando tornar a penetração mais agradável para si. Nesse
intuito, com a ajuda de amigas, buscou ampliar seu contato com
estímulos sexuais, lendo livros eróticos, e se matriculou em um curso de
massagem sensual. Ela considera que sua mudança de postura foi o
desencadeante das dificuldades dele com ereção. O episódio mais
marcante para ambos foi um dia em que ela comprou uma lingerie e
propôs realizar nele a massagem sensual que havia aprendido no curso.
Apesar de as carícias preliminares terem ocorrido normalmente, após a
massagem, ele perdeu a ereção e interrompeu a relação, por considerar
impossível tentar a penetração naquela situação. Ela não soube como
reagir e concordou em tentarem novamente outro dia. Ele diz não
compreender o que está acontecendo, já que sempre quis ter uma vida
sexual mais interessante e que os movimentos dela nesse sentido o
agradam. A partir daí, a ereção dele ocorre em algumas situações, mas
raramente se mantém de modo a permitir que ele ejacule dentro da
vagina dela. Essas situações em que a ereção esteve presente, em sua
maioria, cursam com o uso de um medicamento inibidor da
fosfodiesterase, prescrito pelo clínico geral que acompanha a família.
Apesar de estar se sentindo mais confortável sexualmente, ela ainda
refere um nível de dor suportável nessas tentativas. Entretanto, a dúvida
sobre se ele vai ou não apresentar ereção e se esta será possível é o
principal motivo de estresse deles, tornando ansiogênicos os momentos
em que eles tentam ter relações sexuais. Em função disso, ele passou a
evitá-la. Ela relata ainda ter percebido que quando ele a procura a
probabilidade de ter ereção é maior do que quando ela o procura, tendo
decidido, por isso, deixar que ele inicie a situação sexual. O objetivo
terapêutico principal de ambos é retomar a vida sexual com penetração
para poder engravidar. Eles também querem ter mais prazer sexual e,
principalmente da parte dele, compreender o que está acontecendo.

O terapeuta terminou a entrevista inicial explicando que o mais


indicado, nesse caso, é a terapia cognitiva sexual do casal e que, para
isso, teria que traçar, junto com eles, um panorama de como eles
funcionam individualmente e como casal a respeito de sexo. A opção do
terapeuta foi realizar todas as entrevistas de avaliação em conjunto.

Figura: Avaliação de caso em Terapia Cognitiva Sexual – exemplo


Conclusões

O exemplo de caso acima ilustra como uma conceitualização de


caso ampla e sistemática pode nos ajudar a compreender as nuances
clinicamente importantes da queixa apresentada, facilitando o
estabelecimento de metas terapêuticas objetivas e o planejamento de
intervenções eficazes. A conceitualização vai, portanto, além da simples
avaliação normalmente realizada, ao envolver não apenas o
levantamento de dados importantes da história individual, do casal e do
problema e as estratégias utilizadas, mas também os aspectos
cognitivos e metacognitivos neste implicados. Dessa forma, a
conceitualização cognitiva sexual é descritiva, mas também fornece um
modelo explicativo da relação existente entre o sistema de crenças dos
membros do casal ou do paciente e os padrões de comportamento e
funcionamento sexual que compõem a queixa.

Além de consistir no ponto de partida para a intervenção, a


conceitualização é uma poderosa ferramenta terapêutica em si.
Consoante com as demais abordagens cognitivo comportamentais, na
TERAPIA COGNITIVA SEXUAL, o estilo colaborativo do setting
terapêutico exige que paciente(s) e terapeuta compartilhem e construam
conjuntamente a lógica que vai embasar o processo terapêutico. O
esquema de conceitualização proposto se torna, portanto, uma
ferramenta que permite que todos visualizem os dados coletados e as
hipóteses clínicas acerca da relação entre estes e a disfunção,
favorecendo o feedback do(s) paciente(s) sobre a mesma e permitindo
também, intervenções psicoeducativas. Ainda, quando tratamos do casal,
a construção coletiva da conceitualização ao longo o processo terapêutico
e as discussões envolvidas em sua confecção e por esta suscitadas
podem auxiliar no aprofundamento do autoconhecimento e do
conhecimento sobre os aspectos importantes da sexualidade do parceiro,
assim como do funcionamento sexual do casal. Mais adiante, é possível
também utilizá-la para aperfeiçoar as habilidades comunicativas do casal,
gerando jogos sexuais mais interessantes para ambos.

Da mesma forma como ocorre nas demais TCCs, a


conceitualização se desenvolve em um processo dinâmico, iniciado nas
primeiras entrevistas de avaliação, e que se atualiza no decorrer da
terapia, na medida em que novos elementos vão sendo incorporados. Na
medida em que o processo terapêutico avança, os pacientes também vão
podendo aprofundar seu nível de compreensão das relações existentes
entre seus diferentes níveis de cognição e o problema vivenciado.
Portanto, ao propor um esquema próprio de conceitualização
sistematizada de caso clínico, a TERAPIA COGNITIVA SEXUAL
desponta como uma intervenção terapêutica que não somente insere os
componentes cognitivos na compreensão do caso, mas promove uma
adequada articulação teórico-prática destes elementos terapêuticos, em
uma intervenção integrada e eficaz.
Referências:

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