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Todo iniciante na psicanálise (ainda hoje é assim, certo?), provavelmente, se assusta
com as dificuldades que lhe aparecerão ao interpretar as associações do paciente e
cuidar da reprodução do reprimido. Mas logo aprende atribuir pouco valor a essas
dificuldades e convence-se de que as únicas dificuldades importantes se referem ao
manejo da transferência.
Entre as situações que nela se apresentam, Freud destaca uma bem definida e o faz
por sua frequência ser importante tanto seus aspectos reais quanto por seu interesse
teórico.
Uma paciente que dá a entender por sinais inequívocos, ou afirma
diretamente que se apaixonou pelo médico que a analisa como qualquer
outra mortal
o Esta situação tem aspectos dolorosos, cômicos e sérios. É
determinada por tantos fatores diversos e complicados que se faz
necessária uma discussão sobre o assunto.
o Deparamos sempre com o dever da discrição médica, mas que não
tem serventia na nossa ciência, pois se não aclararmos esta
situação transferencial pode-se atrasar por uma década o avanço da
técnica.
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Esse fato, que sem dúvida acontece constantemente, é um
dos fundamentos da teoria psicanalítica, o qual permite duas
avaliações:
Uma do ponto de vista médico que analisa.
Outra do ponto de vista do paciente que necessita da
análise.
Vejamos que:
Para o médico é sempre bom lembrar.
Significa um valioso esclarecimento e um bem útil, quanto a uma possível
contratransferência que pode estar presente em sua própria mente.
Ele deve reconhecer que, o enamoramento da paciente é induzido pela
situação analítica, não pode ser atribuído aos encantos de sua pessoa. Não há
motivo para ele ter orgulho de uma tal “conquista”, como seria chamada fora da
análise.
O interesse da doente é que deve prevalecer. Ela deve escolher seguir ou não com o
analista. A diferença será apenas que um tal enamoramento, destinado a permanecer
não expresso e não analisado, nunca prestará, no tratamento da paciente, a
contribuição que a psicanálise extrairia dela.
É insensato pensar que, como regra, toda paciente deve se apaixonar pelo analista
para que a análise progrida. Com isso o analista retira do fenômeno a convincente
característica da espontaneidade e cria para si mesmo obstáculos de difícil superação.
Tenhamos em mente
A suspeita de que tudo o que interfere na continuação do tratamento pode ser
uma manifestação de resistência;
A resistência tem enorme participação no surgimento dessa impetuosa
solicitação de amor;
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Desaparecem os indícios de uma transferência afetuosa, a boa acolhida que a
paciente dava às explicações analíticas, a excepcional compreensão e elevada
inteligência que demonstrava.
A doente fica sem compreensão (insight), parece absorvida em suas
exigências amorosas.
E tal mudança ocorre, em geral, num momento em se está tentando que ela
admita ou recorde uma parte especialmente dolorosa e fortemente reprimida
de sua vida.
Então a resistência começa a utilizar seu amor para estorvar a continuação do
tratamento, para desviar todo o interesse do trabalho e pôr o analista em
situação constrangedora.
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até conseguirmos guiar a relação para uma rota mais tranquila e pô-la em um
nível mais elevado.
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Logo, a gratificação dos anseios amorosos da paciente é tão funesta para a
análise quanto a supressão deles.
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o Ela expressa, assim, uma resistência sob o disfarce de estar
enamorada do analista e, além disso, não se incomoda em levá-lo ao
que as pessoas chamam de “beco sem saída”;
o Se ele a recusar — como o compelem o dever e a compreensão—, ela
poderá se fazer de desprezada e, por vingança e por raiva, furtar-se ao
tratamento nas mãos dele, como faz agora graças ao amor ostensivo.
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Resumindo:
Não temos o direito de recusar o caráter de amor “genuíno” à paixão que
surge no tratamento analítico;
Se ela parece pouco normal, isto se explica pelo fato de que, também a paixão
fora da análise, lembra antes os fenômenos psíquicos anormais do que os
normais;
Mas de todo modo, há alguns traços que garantem uma posição especial ao
amor de transferência:
o Em primeiro lugar, é provocado pela situação analítica;
o Em segundo, é bastante intensificado pela resistência que domina
tal situação;
o Em terceiro, carece enormemente de consideração pela realidade:
É menos sensato;
Menos preocupado com as consequências;
Mais cego na avaliação da pessoa amada do que costumamos
admitir para uma paixão normal;
Mas não devemos nos esquecer que são esses traços desviantes da
norma que constituem o essencial de uma paixão.
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Sem dúvida o amor sexual é uma das principais coisas da vida, e a união de
satisfação física e psíquica, no gozo do amor, é uma de seus pontos
culminantes. Todas as pessoas, exceto alguns esquisitos fanáticos, sabem
disso e conduzem suas vidas desse modo. Apenas na ciência há pudor demais
para admiti-lo.
É penoso para o homem fazer o papel de quem recusa e rejeita, quando uma
mulher solicita o amor, e, apesar da neurose e da resistência, há um fascínio
incomparável numa nobre mulher que confessa a sua paixão.
Não é o desejo cruamente sensual da paciente que produz a tentação no
analista. Isso desperta antes repulsa e pede tolerância dele para ser admitido
como fenômeno natural;
São talvez os desejos mais sutis da mulher, inibidos na meta, que trazem o
perigo de fazê-lo esquecer a técnica e a missão médica em troca de uma bela
vivência;
Mas ceder continua fora de questão para o analista. Por mais que ele valorize
o amor, tem que apreciar mais ainda a oportunidade de ajudar a paciente a
passar por um estágio decisivo de sua vida;
Ela deve aprender com ele:
o A superar o princípio do prazer;
o A renunciar a uma satisfação próxima, por ser essa inaceitável
socialmente, por uma mais distante, talvez incerta, mas psicológica e
socialmente inatacável.
Para atingir tal superação ela deve ser conduzida pelo período primevo de
seu desenvolvimento psíquico, e por essa via conquistar aquele aumento
de liberdade psíquica, e por esse caminho adquirir a parte adicional de
liberdade mental que distingue a atividade psíquica consciente — no
sentido sistemático — da inconsciente.
O psicanalista sabe que trabalha com forças altamente explosivas e que precisa
avançar com a cautela e escrupulosidade de um químico.
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Mas é subestimar grosseiramente as psiconeuroses, quanto a sua origem e a sua
importância prática, crer que essas doenças seriam derrotadas com remediozinhos
pequenos e inofensivos.
Não, na prática médica sempre haverá lugar para o ferrum e para o ignis [fogo], ao
lado da medicina [e seus medicamentos]. E do mesmo modo será imprescindível a
psicanálise estritamente regulada e forte, que não receie em manipular os mais
perigosos impulsos psíquicos e dominá-los para o bem do paciente.