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entre o normal e o patológico que deriva da ampliação do conceito de sexualidade, do
qual a genitalidade torna-se apenas uma das possibilidades.
Antes de apresentar seu texto principal sobre a ampliação do conceito de
sexualidade, Três ensaios de teoria sexual, gostaria de fazer um pequeno percurso pelos
inícios de sua obra mapeando a entrada desse conceito.
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Prosseguiremos, então, o nosso percurso tecendo algumas considerações sobre o
Trieb freudiano.
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Chico Buarque de Hollanda O que será (À flor da pele)
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Conjunto de 5 artigos – As pulsões e seus destinos, O recalque, O inconsciente, Suplemento
metapsicológico à teoria dos sonhos, Luto e melancolia - em que Freud apresenta, de forma sistemática,
os conceitos fundamentais da Psicanálise que dão sustentação à clínica psicanalítica e constroem a
identidade epistemológica desta teoria
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comportamentos inatos, imutáveis, hereditários, adaptativos e comuns em cada espécie
animal.
A noção de impulso sexual, ao contrário, tem como a sua grande característica
não ter um objeto fixo para buscar satisfação e sim, variável e contingente. Pode tanto
investir, para a sua obtenção de prazer, partes do corpo (autoerotismo), quanto o próprio
eu (narcisismo) ou os objetos da fantasia e os objetos externos. Pode até mesmo ter a
sua energia desviada da realização direta da satisfação sexual, através da sublimação,
para investir outros campos como a criação artística ou o trabalho.
A título de exemplo podemos pensar em um cirurgião que utiliza os seus
impulsos sádicos em prol do cuidado de seu paciente ou um ceramista que molda a
argila como derivação dos seus impulsos anais. Ou, até mesmo um psicanalista, que
desvia a sua curiosidade voyeurista para a escuta de seus analisantes.
Esse texto nos convida, então, a pensar sobre a capacidade simbólica e criativa
de todo ser humano que nos permite buscar construir os caminhos possíveis para dar
conta das intensidades e dos enigmas inerentes a um corpo, que por estar imantado pela
presença do outro e pelo campo da linguagem, já não é regido pelo instinto biológico e,
sim, transformado pelo psíquico e pelo campo da cultura. Corpo, esse, não mais
pensado enquanto apenas um organismo e, sim, enquanto um corpo erógeno.
A partir dos Três ensaios Freud procura responder de onde se originam esses
impulsos que partem do corpo e são capturados pelo aparelho psíquico.
Apresenta dois caminhos distintos: um deles considera o impulso enquanto de
origem endógena e o outro, que trará consequências muito significativas ao resto de sua
obra e de autores pós-freudianos, colocará a fonte do impulso como originada a partir da
relação do bebê com o outro cuidador. É assim que Freud nos brinda com um dos mais
belos parágrafos de seus Três ensaios:
Haverá quem talvez resista a identificar com o amor sexual os sentimentos
ternos e o apreço da criança por quem dela cuida, só que eu acho que uma
investigação psicológica mais precisa poderá estabelecer essa identidade acima
de qualquer dúvida. A relação da criança com a pessoa que dela cuida é-lhe
uma fonte de excitação e satisfação sexuais que flui sem cessar das zonas
erógenas, sobretudo porque essa pessoa, via de regra a mãe, considera a criança
com sentimentos que provêm de sua vida sexual, acariciando-a, beijando-a,
acalentando-a e tomando-a de modo bem claro como substituta de um objeto
sexual de plena validade. A mãe provavelmente se assustaria se lhe
esclarecêssemos que, com todas as suas ternuras, ela desperta o impulso sexual
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do filho e prepara sua posterior intensidade...aliás, se a mãe compreendesse
mais a respeito do elevado significado dos impulsos para o conjunto da vida
psíquica, para todas as realizações éticas e psíquicas, ela se pouparia todas as
autorecriminações mesmo após o esclarecimento. Ela apenas cumpre sua tarefa
quando ensina a criança a amar”. (FREUD, 1905, p. 75)
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Garcia-Roza, L. A. – Freud e o inconsciente, Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004
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Freud reencontra nesse ensaio uma certa concepção biológica da sexualidade,
muito contrastante a toda abertura e plasticidade com a qual nos convidou a pensar em
seu ensaio anterior.
Para adentrar a leitura deste texto complexo também é importante saber que foi a
obra que Freud mais modificou ao longo da vida, sem, porém, se propor a reescrevê-la
numa síntese coerente. Preferiu acrescentar novos parágrafos e notas de rodapé à
medida que o texto foi recebendo novas edições em 1910, 1915, 1920 e, finalmente a
última, em 1924.
Nestas, inclui, quase como enxertos, os novos desenvolvimentos teóricos que
trabalhou em textos posteriores como por exemplo: as fases do desenvolvimento da
organização sexual: oral, anal e fálica; o narcisismo e a evolução progressiva para a
primazia do genital.
Se por um lado a retomada desse texto, ao longo de tantos anos, mostra-nos o
quanto Freud o considerava um eixo importante de sua obra por outro lado, à medida
que adentramos a sua leitura, temos a sensação de dialogar com vários Freuds, que nem
sempre se harmonizam, se complementam chegando até mesmo a se contradizerem.
Apenas nas notas de rodapé percebemos as datas dos acréscimos sendo que no
corpo do texto nem sempre nos damos conta do ano em que determinadas considerações
foram incluídas o que nos causa a impressão de que esse escrito contém inúmeras obras,
com diferentes orientações, costuradas num único texto feito uma colcha de patchwork.
Acompanhando a nossa metáfora podemos dizer que estes retalhos são
costurados a um tecido de base que sustenta o feitio da colcha, ou seja, o texto inicial de
1905. O psicanalista francês Jean Laplanche sugere a importância de acompanhar essa
primeira edição para extrair dela toda a sua potência disruptiva em relação ao que era
pensado como sexualidade até então.
Ali encontramos a sexualidade infantil como a grande descoberta freudiana, que
nos fala de um sexual ampliado além dos limites da diferença entre os sexos, além do
sexuado (desenvolvimentos esses que serão acrescentados nas edições posteriores,
conforme comentado), ligado à noção de apoio, às zonas erógenas, ao autoerotismo e à
pulsão parcial que busca incessantemente o prazer sem conhecer apaziguamento.
Freud descreve esta sexualidade enquanto perversa polimorfa, buscando a
satisfação de forma anárquica e autoerótica, demonstrando o quanto somos habitados
por uma plasticidade que foge a qualquer possibilidade de ser encaixada em uma
normatividade mas, ao contrário, aponta para os percursos do desejo enquanto
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múltiplos, singulares, marcados pelas vicissitudes dos encontros e desencontros da
história de cada sujeito.
Descreve também outra importante característica que nos diferencia dos animais,
ou seja, que a sexualidade humana nasce em dois tempos: está presente desde o
nascimento sob a forma de autoerotismo e investimento nas pessoas que nos proveram
dos cuidados iniciais (geralmente a mãe e o pai ou qualquer pessoa responsável por
esses cuidados), para depois ser submetida ao recalque e retornar com novas
intensidades implementadas pela entrada na puberdade, com sua prontidão para o
encontro com os objetos amorosos, após um intervalo chamado por Freud de latência.
Parece-me muito importante enfatizar aqui o aspecto mais subversivo dos Três
Ensaios, qual seja, a descrição do que Freud considera ser a sexualidade infantil
pensada como um manancial que compõe os conteúdos inconscientes, eternamente
vivos, pulsantes, criadores tanto de sintomas a partir do retorno do recalcado, quanto das
realizações do desejo na fantasia, nos sonhos e nos atos falhos. Pensada tanto como
fonte de movimentos em direção ao amor ou à violência quanto possibilitadora de
realizações sublimatórias a partir do que o campo da cultura nos oferece.
Ao acompanhar as considerações freudianas do texto inicial de 1905, menos
desenvolvimentistas e normativas em relação aos adendos que acrescenta em suas
sucessivas edições, nada na sexualidade humana nos faz pensar em um equilíbrio a ser
alcançado, em impulsos domados e organizados ao redor de um instinto reencontrado.
Muito pelo contrário, nesses Três ensaios reconhecemos as moções impulsivas que
habitam esse estrangeiro, em nós, nomeado por Freud de inconsciente, fontes de
inspiração que ao construir os seus caminhos de deriva levam o ser humano tanto para
as suas realizações mais sublimes e à possibilidade de amar quanto, também, às
realizações mais nefastas.
Reconhecer a importância e atualidade desses aspectos do texto permite-nos
estar à altura do nosso tempo histórico e, enquanto psicanalistas, podermos contribuir
com um olhar e uma escuta em que corpos e desejos que não se encaixam na
cisheteronormatividade deixem de estar submetidos a práticas sociais de apagamento,
opressão e patologização.
Por fim me junto a tantos autores que reconhecem a importância da leitura
cuidadosa dos Três Ensaios para recuperar o legado ético que Freud inaugura em sua
clínica que aponta para uma escuta da singularidade da construção dos percursos
desejantes de cada um de nós!
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São Paulo, 15 de agosto de 2021
AMARAL, Mônica Guimarães Teixeira do. O três ensaios... Psicologia USP, São
Paulo, v.6, n. 2, 1995, p. 63-84