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Luciana Marques1
Após todos os movimentos que ao longo dos anos assistimos contra a patologização da
homossexualidade, e apesar de todo o esforço de Freud ao abordar o sujeito do inconsciente,
valorizando a pulsão e admitindo todas as variações possíveis à sexualidade humana;
encontramos, ainda hoje, uma retórica de argumentos psicanalíticos calcados no ideal da
heterossexualidade enquanto norma, que colaboram com a difusão do imaginário social da
complementaridade dos sexos.
Uma das principais reduções do conceito freudiano que alicerça uma série de outros
desvios é a tradução que James Strachey optou ao transcrever a Trieb freudiana como instinct na
tradução inglesa das obras completas de Freud. Sua desastrosa escolha do termo não só
favoreceu a biologização do conceito, como também reforçou a idéia do possível encontro com o
objeto ideal.
Esta organização, que afirma ser capaz de modificar a orientação sexual das pessoas com
base na teoria psicanalítica, assume a posição oficial de que a homossexualidade é um transtorno
que precisa ser tratado. Segundo Socarides, primeiro presidente da NARTH, “os homossexuais,
não importa o seu nível de adaptação e de funcionamento em outras áreas da vida, são
severamente deficientes na área mais vital: as relações interpessoais”; o que justifica seu
entendimento de que a orientação homossexual, não só precisa como deve ser modificada, já que
segundo ele, “o movimento gay é um destruidor dos direitos da sociedade”. (BERGGREN,
[20--?])
É lamentável que o conceito de pulsão ainda sofra tal reducionismo, uma vez que a
escolha de Freud pelo termo Trieb especifique-se por tratar de uma força poderosa e irresistível
que, exclusivamente ligada à sexualidade humana, impele. Caracterizada pela falta de objeto
determinado, a pulsão surge, com Freud, como um conceito único e sem correlatos. (HANS,
1996)
A pulsão é uma força constante (Konstant Kraft) cujo impulso parte de uma excitação
interna que tende à satisfação, através de um objeto inespecífico escolhido, tão somente, por
prestar-se com mais eficiência na contingência de uma dada situação.
É essa constância da força pulsional (Drang) que nos indica que este quantum de
excitação (Reiz) concernente a pulsão, não pode ser extinto e que, por sua vez, sua relação com
alvo (Ziel) acarreta na restrição de uma satisfação sempre parcial, devido à impossibilidade de
eliminação do estímulo vindo da fonte.
Este paradoxo da satisfação parcial, que nos remete à categoria do impossível do gozo
absoluto, é retomado por Lacan ao afirmar que o objeto nasce como perdido e irrecuperável,
embora você jure que esteve lá. (LACAN, 1964)
Das Ding – a Coisa que promete responder pela essência do sujeito – é o que se trata de
reencontrar; contudo, este objeto absoluto que tornaria possível a satisfação plena e a extinção da
falta, de fato, nunca esteve presente. Das Ding é a própria representificação da falta originária, é
o núcleo real do inconsciente, sem nome e sem imagem, e em torno do qual se estrutura a
linguagem, determinando que a cada encontro com o objeto privilegiado pela pulsão, a Coisa
seja sempre representada por “Outra coisa”. (LACAN, 1959)
Assim das Ding se caracteriza como velado; como ponto de não-saber sobre o sexual que
constitui a base da estrutura do sujeito falante e desvenda a posição de indiferenciação na qual o
sujeito surge.
Será então, a partir da eterna presentificação desta hiância entre os objetos pulsionais, que
o sujeito consegue obter, e a busca por das Ding, que o sujeito será relançado na cadeia
significante onde a falta se fará motor da própria estrutura do desejo enquanto promessa que
nunca será cumprida, pois a pulsão, ao apreender o objeto, apreende de algum modo que não é
justamente por aí que ela se satisfaz.
Portanto, o sujeito está fadado a uma falta originária. Não existindo objeto ideal capaz de
completá-lo, todo objeto será sempre inadequado, mantendo o caráter circular do percurso
pulsional que marca o sujeito de que trata a psicanálise: o sujeito do desejo.
Logo, a cada objeto que vem ocupar o vazio, revela-se o fato de não ser nele que a pulsão
encontrará a satisfação plena, marcando o impossível do reencontro e justificando a afirmativa
freudiana, fundamental para pensarmos toda e qualquer escolha do sujeito, seja homo ou
heterossexual: o objeto (Objekt) é o que há de mais variável na pulsão.
REFERÊNCIAS:
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