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Ficha formativa 75

Grupo I
A
FICHA
Lê com atenção o poema de Fernando Pessoa.
FORMATIVA
Ó sino da minha aldeia,
Dolente1 na tarde calma, COTAÇÕES
Cada tua badalada
Grupo I
Soa dentro da minha alma.
A
5 E é tão lento o teu soar, 1. 20 pontos
Tão como triste da vida, 2. 20 pontos
Que já a primeira pancada 3. 20 pontos
Tem o som de repetida.
B
Por mais que me tanjas2 perto 4. 20 pontos
10 Quando passo, sempre errante, 5. 20 pontos
És para mim como um sonho. 100 pontos
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua, PROFESSOR


Vibrante no céu aberto, 1 Dolente: doloroso, magoado, triste. Grupo I
2 Tanger: tocar (um instrumento musical). A
15 Sinto mais longe o passado,
1. O estímulo auditivo é o som das
Sinto a saudade mais perto.
badaladas do «sino». Esta cadência
Fernando Pessoa, op. cit., p. 42. «dolente» é intelectualizada («Cada
tua badalada / Soa dentro da minha
alma.», vv. 3-4), produzindo no eu líri-
1. Identifica o estímulo exterior que ativa o processo de intelectualização, explicitando o co tristeza («Tão como triste da vida»,
seu efeito sobre o sujeito lírico. v. 6) e conduzindo à evocação do pas-
sado e do sonho («Que já a primeira
2. Clarifica o sentido da penúltima estrofe. pancada / Tem o som de repetida.»,
vv. 7-8; «És para mim como um so-
3. Caracteriza o poema quanto à estrofe, métrica e rima. nho / Soas-me na alma distante.»,
vv. 11-12).
2. Esta estrofe sintetiza a temática
do poema. Através do pensamento,
B o passado e o presente; a realidade e
o sonho confluem na expressão poé-
Lê o seguinte excerto do Livro do Desassossego. tica. O sujeito lírico, «errante», pere-
grino da verdade e do sentido da vida,
conclui que, apesar da proximidade
Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo espacial e temporal do toque do si-
aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. A no («Por mais que me tanjas perto
Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram / Quando passo […]»,vv. 9-10), o seu
som transporta quer para o mundo
para leste desde que a da Alfândega cessa, toda a linha separada dos cais quedos – tudo onírico, quer para o passado («És pa-
5 isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes, na solidão do seu conjunto. ra mim como um sonho. / Soas-me na
Vivo uma era anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e alma distante.», vv. 11-12).
tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que 3. O poema é constituído por qua-
tro quadras, com rima cruzada nos
foram dele. Por ali arrasto, até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas versos pares e solto nos restantes.
ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias Os versos têm sete sílabas métricas
10 de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. (redondilha maior) – «Ó/ si/no/ da/ mi/
nha al/dei/a».
76 Unidade 1 // FERNANDO PESSOA

PROFESSOR
Grupo I Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas
B e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essência das coisas. Há
4. O sossego das tardes de verão pro- um destino igual, porque é abstrato, para os homens e para as coisas – uma designação
duz em Bernardo Soares a sensação
de estar naquele espaço numa época igualmente indiferente na álgebra do mistério.
anterior à sua, a época de Cesário 15 Mas há mais alguma coisa... Nessas horas lentas e vazias, sobe-me da alma à mente
Verde, suscitando-lhe prazer por con-
siderar sentir o mesmo que o poeta uma tristeza de todo o ser, a amargura de tudo ser ao mesmo tempo uma sensação
quando deambulava pelos mesmos minha e uma coisa externa, que não está em meu poder alterar. Ah, quantas vezes os
lugares, ou seja, sentir a sua perceção
da realidade, a essência das coisas, meus próprios sonhos se me erguem em coisas, não para me substituírem a realidade,
expressa nos seus versos. mas para me confessarem seus pares em eu os não querer, em me surgirem de fora,
5. A expressão do quotidiano da
cidade de Lisboa está presente na
20 como o elétrico que dá a volta na curva extrema da rua, ou a voz do apregoador noturno,
descrição do sossego que se faz sentir de não sei que coisa, que se destaca, toada árabe, como um repuxo súbito, da monoto-
na baixa, pelas suas ruas, nas «tardes
nia do entardecer!
demoradas de verão», a indicar ser um
ato do dia a dia do sujeito, bem como Passam casais futuros, passam os pares das costureiras, passam rapazes com
na forma como é descrita a massa pressa de prazer, fumam no seu passeio de sempre os reformados de tudo, a uma ou
humana: algo que é habitualmente
percecionado (repetição da forma ver- 25 outra porta reparam em pouco os vadios parados que são donos das lojas. Lentos, fortes
bal «passam»), com pormenores só e fracos, os recrutas sonambulizam em molhos ora muito ruidosos ora mais que ruido-
possíveis após uma observação reite-
rada (a locução adverbial «de sempre» sos. Gente normal surge de vez em quando. Os automóveis ali a esta hora não são muito
com valor adjetival a caracterizar os frequentes; esses são musicais. No meu coração há uma paz de angústia, e o meu sos-
passeios dos «reformados de tudo», a
utilização do nome «vadios» e do adje- sego é feito de resignação.
tivo «parados» a qualificar os «donos 30 Passa tudo isso, e nada de tudo isso me diz nada, tudo é alheio ao meu destino,
das lojas», o não serem frequentes os
automóveis, «ali», naquela hora). alheio, até, ao destino próprio – inconsciência, círculos de superfície quando o acaso
deita pedras, ecos de vozes incógnitas – a salada coletiva da vida.
Bernardo Soares, op. cit., pp. 41-42.

4. Esclarece a intenção de Bernardo Soares ao afirmar sentir-se «coevo de Cesário


Verde».

5. Comprova a presença da expressão do quotidiano neste fragmento.

Grupo II
Lê atentamente o seguinte texto.

Sacrifício freudiano
Falamos de Pessoa, e às vezes esquecemo-nos da importância de Teixeira de Pas-
coaes. Foi com ele e com os saudosistas que Pessoa começou a colaborar, ao alcançar
1 Saudosismo: movimento literário
e filosófico português do início a plena maturidade como escritor.
do século XX, cujo mentor foi Muito cedo, porém, Pessoa chegou à conclusão de que o Saudosismo1 não ofere-
Teixeira de Pascoaes. Preconi-
zava a renovação intelectual do
5 cia bases suficientemente sólidas para a tarefa de regeneração que se tinha imposto,
país por meio de um regresso e expressou a sua rutura, sem negar a admiração pelo poeta Pascoaes e sem deixar
à tradição cultural portuguesa, de concordar, tal como ele preconizava, que essa regeneração devia partir da Poesia
nomeadamente através da exal-
tação da saudade (traço peculiar (enquanto caminho privilegiado para o conhecimento da realidade para além da sua
da alma portuguesa) e do culto superfície fenomenológica) e que deveria ser realizada por um Poeta.
de um patriotismo místico de
caráter messiânico.
2 Freudianamente: de modo freu-
diano; relativo às teorias de Freud,
à psicanálise.
Ficha formativa 77

COTAÇÕES
10 Sabe também quão extraordinário será o trabalho desse Poeta, que deverá assumir
toda a poesia (portuguesa, europeia e outra) e que, para isso, vai precisar de toda uma Grupo II
galáxia de poetas. Dado não existirem fora dele, acabaria por reduzi-los aos que no
A
seu interior vinham representando o seu singular «drama em gente». Mas antes, devia
sacrificar freudianamente2 o pai – Pascoaes. 1.1 5 pontos
15 E assim, na magnífica ficção ou encenação da sua noite de glória de 1914, iriam 1.2 5 pontos
aparecer no palco, de maneira tão natural como necessária, os seus heterónimos 1.3 5 pontos
maiores à volta do mestre, Caeiro. No poema X do Guardador de Rebanhos consuma- 1.4 5 pontos
-se poeticamente o sacrifício, numa paisagem que sempre imaginei como um longo 1.5 5 pontos
fade-out 3 cinematográfico da baixa lisboeta com o fundo da serra do Marão. 1.6 5 pontos
20 Sem a sombra do pai, Pessoa já pode iniciar o seu caminho de perfeição e reden- 1.7 5 pontos
ção. E assim se vão seguindo os anos de euforia até ao desaparecimento de Caeiro e 2.1 5 pontos
ao exílio de Ricardo Reis, enquanto António Mora tenta, em vão, erguer um sistema 2.2 5 pontos
filosófico, fundamento do projeto pessoano, aliado à poesia dos poetas que, assumi- 2.3 5 pontos
dos, absorvidos e sublimados, deverão engendrar o Poeta definitivo, o novo Euforion4,
50 pontos
25 o Supra-Camões.
Desse magnífico edifício, nem os alicerces se mantêm de pé: só pedras, tijolos,
montes de cal e areia, fragmentos inacabados de estruturas de ferro e formigão. Frag-
mentos, fragmentos de fragmentos, fragmentos de fragmentos de fragmentos. Cam-
PROFESSOR
pos envelhece ao tempo que Pessoa se deixa envelhecer através dum Bernardo Soares Grupo II
30 definitivamente configurado para a ocasião, e ambos se agarram à nostalgia e à cons- 1.1 (B).
trução e à contemplação ensimesmada de um novo edifício – uma nova realidade, já a 1.2 (C).
única consistente para Pessoa – feita só de sonhos e de palavras. 1.3 (C).

Perfecto E. Cuadrado, in O editor, o escritor e os seus leitores,


Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 2012, p. 92.

1. Para responderes aos itens de 1.1 a 1.7, seleciona a única opção que permite obter
uma afirmação correta.
1.1 O rompimento de Fernando Pessoa com o Saudosismo de Teixeira de Pascoaes
deveu-se, segundo o autor,
(A) à consciência da maturidade alcançada enquanto escritor.
(B) ao distanciamento entre os fundamentos deste e o seu ideal de regeneração.
(C) ao desejo de afirmação como criador de princípios exclusivos.
(D) à total discordância com as bases do seu pensamento.
1.2 A posição de Pessoa era conciliadora com a proposta de Pascoaes, no que con-
cerne ao meio pelo qual se daria a regeneração, a Poesia, por ser 3 Fade-out: técnica cinematográ-
fica que consiste no escureci-
(A) realizada por um Poeta. mento da imagem até ao seu
(B) aquele um profundo conhecedor do Saudosismo. desaparecimento gradual.
4 Euforion: gramático e poeta
(C) o meio primordial de explicitação e de conhecimento da realidade. grego (275 a.C. – 200 a.C.),
(D) um dos muitos meios de acesso ao conhecimento da realidade. autor de obras que refletiam
grande erudição. Alcançou noto-
1.3 Com o poema X de O Guardador de Rebanhos, riedade por ter escrito breves
poemas, épicos ou de temáticas
(A) surgem os heterónimos à volta do Mestre.
mitológicas pouco conhecidas,
(B) dá-se a primeira das noites de glória do Poeta. que apresentavam como princi-
(C) dá-se o afastamento total em relação a Pascoaes. pal arquétipo os poemas homé-
ricos, procurando surpreender e
(D) dá-se o sacrifício de Caeiro e de Fernando Pessoa. maravilhar o leitor.
78 Unidade 1 // FERNANDO PESSOA

COTAÇÕES
1.4 O projeto do «Supra-Camões», do «Poeta definitivo», emergiria da fusão de um
Grupo III
sistema filosófico com
50 pontos
(A) a poesia de Caeiro e de Reis.
(B) a sublimação dos heterónimos.
(C) o projeto de António Mora.
PROFESSOR (D) o novo Euforion.
Grupo II
1.4 (A). 1.5 O autor do texto, com a associação do projeto pessoano a um «magnífico edifí-
1.5 (D). cio» (l. 26), do qual nada restaria a não ser escombros, recorre a uma
1.6 (B). (A) gradação.
1.7 (C).
(B) hipérbole.
2.1 «(poeta) Pascoaes».
2.2 Subordinada substantiva comple- (C) metonímia.
tiva. (D) metáfora.
2.3 Complemento do nome.
1.6 O aspeto gramatical em «E assim se vão seguindo os anos de euforia até ao desa-
Grupo III parecimento […]» (l. 21) expressa
Sugestão de tópicos: (A) uma situação genérica.
• Habitamos numa autêntica «salada (B) uma situação iterativa.
coletiva», em que os vários tipos
sociais se entrecruzam. (C) um valor perfetivo.
• Porém, tal não significa que haja (D) um valor imperfetivo.
um espírito de entreajuda, essencial
numa sociedade solidária. Muito 1.7 A reiteração da palavra «fragmentos» (l. 28) contribui para a construção da coesão
pelo contrário, a coabitação muitas
vezes afasta, em vez de aproximar. (A) frásica.
Podemos estar fisicamente perto dos (B) interfrásica.
outros, contudo, distantes no que diz
respeito à solidariedade (exemplos: (C) lexical.
indiferença perante os que sofrem, os (D) referencial.
que são assaltados ao nosso lado, aos
mendigos que nos pedem auxílio, …).
2. Responde de forma correta aos itens apresentados.
• Apesar de ser mais fácil fingir que
não é da nossa conta, há muitas pes- 2.1 Indica o referente do pronome destacado em «tal como ele preconizava» (l. 7).
soas que não ficam alheias ao sofri-
mento que as rodeia. Organizações 2.2 Classifica a oração destacada em «Sabe também quão extraordinário será o tra-
de voluntariado, com maior ou menor balho desse Poeta» (l. 10).
dimensão, dão uma voz coletiva à soli-
dariedade (exemplo: Caritas, Helpo, 2.3 Refere a função sintática do segmento «de um novo edifício» (l. 31).
Banco Alimentar, …).
• Cada vez mais o espírito de soli-
dariedade é necessário na nossa
sociedade, sobretudo para colmatar
as injustiças e a solidão. Em organi-
zações ou em atos individuais, é fun- Grupo III
damental darmo-nos aos outros; em
troca receberemos mais do que o que Tendo em conta que convivemos numa «salada coletiva da vida» (expressão que fina-
estávamos à espera.
liza o texto de Bernardo Soares), defende um ponto de vista pessoal sobre a questão da
relevância da solidariedade social no mundo de hoje.
▪ Ficha formativa
Soluções para projeção Elabora um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um
máximo de trezentas palavras, fundamentando o teu ponto de vista, recorrendo, no
mínimo, a dois argumentos, e ilustra cada um deles com, pelo menos, um exemplo signi-
ficativo.

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