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doSECULOXX
GIORGIO PENZD ROSINO GIBELLINI
(ORGANIZAÇAO)
Bdicoes ioyola
22
MARTIN HEiDEGGER (1889-1976)
O DIVINO COMO O
NÃO-DITO
GIORGIo PENzOo
297
FILOSOFIA
DO SÉCULO XX
NA
DEuS
para se co-
particularmente importante
A vida de Heidegger não é realiza numa con-
desenvolvimento de seu pensamento,
que ele
nhecer o
única exceção é dada pelo fato de ter ade-
tinua e solitária meditação. A
em abril daquele ano,
1933 nacional socialismo, quando,
rido, em ao
Universidade de Freiburg, que deixará, porém.
aceita cargo de reitor da
o
discurso oficial, com o título de
de 1934. Fica famoso o scu
em março mesmo porque
será muito de-
universidade alem,
A auto-afirmação da da univer
Ao delinear uma renovação
batido depois do fim da guerra'.
fundamental do saber, ao
sidade do Terceiro Reich, ele
ressalta o serviço
discutiu sobre o
do trabalho e da defesa. Muito se
lado dos serviços
se pode contestar que
Heidegger não
germanismo de Heidegger. Não
romåntico, como a pátria,
libertar-se de alguns temas caros aos
consiga fim da Primeira
desilusôes políticas do
a terra e o povo. Por trás das
Guerra Mundial, Heidegger constata o
fato de que há tempos se perdera
se propõe uma renovação
o sentido autêntico da cultura. Por isso, ele
como também o cristianismo,
radical, da qual exclui não só o liberalismo
Por esta razão, ele
a sua força histórica.
porque há tempos teria perdido
movimento nacionalista. Mas depois
Julga distinguir uma renovação no
poucos escritos
da profunda desilusão de 1934, Heidegger só publica
filosóficos no fim da guerra. Trata-se de uma experiência análoga à que
terá ao mesmo tempo o teólogo protestante F. Gogarten, com o qual
Il 1933-
Heidegger, L'autoaffermazione dell'università tedesca.
rettorato
1. M.
Ormai solo
-34*. A cura di C. Angelino. Genova: lI Melangolo, 1988; M. Heidegger,
un Dio ci può salvare. Intervista con
lo "Spiegel". A cura di A. Marini. Parma:
Guanda, 1987. Há uma ampla bibliografia sobre o pensamento e sobre o engajamento
de Heidegger. Pode-se citar: V. Farias, Heidegger et le nazisme. Paris: Verdier,
político
1987: A. Schwam. Die politische Philosophie in DenkenHeideggers. Kön:
Westdeutscher Verlag, 1988; O. Pöggeler. Philosophie und Politik bei Heidegger
Freiburg: K. Alber, 1974; K. Jaspers. Notizen zu Martin Heidegger. München
Zürich: Piper, 1978; H. Ott. Martin Heidegger. Unterwegs u seiner Biographie. Frank-
furt a. M: Campus, 1988. CE. a respeito
G. Penzo, "Nietzsche e Heidegger e l'ideologra
del nazionalsocialismo", in VVAA. Heidegger. A cura di G. Penzo. Brescia: Morcelliana
1990, pp. 39-52.
*Em português, publicou-se um discurso de Heidegger de seu período com
reitor. Trata-se do "apelo aos estudantes de Freiburg", in Novos Estudos Cebrap,
Paulo: 22: pp. 100-101, outubro 1988. Tradução de Marfisia P. S. Lancellotti [n. do R.].
Sao
2. Entre as obras de Gogarten em tradução italiana, recordamos: F. Gogarten.
Destino e speranza dell'epoca moderna. Trad. di F. Coppellotti, appendice di E.
Amigoni. Brescia: Morcelliana, 1972;, L'uomo tra Dio e il mondo. A cura di A. Molinari.
298
O DIVNO
COMO O
NÄO-DITO
as numerosas obras de Heidegger desenvolvem as linhas essenciais de seu
nensamento abordado na obra
fundamental, Ser e tempo (1927). Dep
dos escritos
dos de 1929
(Queé metafísica?'; Sobre a essência do jfunda-
a
mento"; Kani e o problema da metafisica), fala-se de uma "reviravolta" no
pensamento de Heidegger. Ela consistiria em ressaltar, na problemática
do ser-ai (Daseim) delineada em Ser e tempo, a atbertura ao ser (Sein). Isso
iá se pode constatar em algumas obras que são publicadas nos anos 40,
mesmo se toram escritas na década de 30, como A doutrina platónica da
verdade, Sobre a essência do fundamento e também na carta Sobreo
"humanismo. Dentre as obras da maturidade, publicadas entre 1950 e
1962, podemos recordar: Caminhos que não levam a lugar nenhum
esistenzialismo. Roma:
Città Nuova, del XX secolo.
Brescia:
Gibellini. La teologia
problemática política); cf. também R.
130-142.
19-21; pp. Paulo: Duas Cidades,
Queriniana, 1992, pp. de Ernildo Stein. São
Tradução
3. Que é a metafisica?.
1969 [n. do R.]. introdução e notas de
2" edição. Tradução,
fundamento.
4. Sobre a essência
do
1983 (Os pensadores)
[n. do R.].
Cultural, notas de Emildo
Paulo: Abril introdução e
Emildo Stein. São Tradução,
" h u m a n i s m o " . 2" edição.
do R.].
5. Sobreo
1983 (Os pensadores) [n.
Cultural, introdução e notas
de Emildo
Stein. São Paulo: Abril Tradução,
filosofia?. 2 edição. do R.].
6. Que é isso-a
(Os pensadores) In.
1983
Abril Cultural,
Stein. São Paulo:
299
DEuS NA FILOSOFIA DO SECULO AX
7. Cf. A. Ales Bello. Husserl. Sul problema di Dio. Roma: Studium, 1987.
8. Há tradução da Sexta Investigação das Investigações. Tradução de Zeljko
Loparic e Andréa Loparic. São Paulo: Abril Cultural, 1980 (Os pensadores) [n. do R.].
300
DIVINO COMO O
NÃO-DIT
o
predominio da estrutura do lógos como lógica, onde a verdade c
ematizada no ämbito
tem da gnosiológico representação.
A fenomenologia revela a natureza originária do ser-aí como possl
bilidade em nivel
ontológico e não mais lógico. O ser como
poSsibilidaae
é. por essencia, não-tematizável e, por isso, é um permanecer-fora-de.
Nesse não-ser-tematizável, o ser foge do alcance do conhecer. Sob esse
aspecto, o ser como nao-tematizável é não-ente e, portanto, nada. Isso
implica que o procedimento filosófico desenvolve-se mediante um pensar
dupla abertura do
é esclarecida na
Essa possihilidade de
encontro
fenômenos existen-
inautêntico da abertura é tratado nos
ser-aí. O âmbito Esses fenô-
"curiosidade" e da "equivocidade".
ciais da "tagarelice", da "decadéncia" ou
da
menos e n r a i z a m se no fenômeno mais originário
da abertura,
como estar em queda. O âmbito autêntico
queda, centendido
existenciais originários
da "situa-
fenômenos
por sua vez, é esclarecido nos
afetiva
e da "linguagem". A situação revelat
ção afetiva", do "compreender"
se mostra
não só como medo.
seu aspecto ontológico na medida em que abre caminho
da angústia
mas também como angústia. Um aprofundamento
definido como "cuidado".
para um fenômeno ainda mais originário,
revela-se como
Nesse horizonte, o tempo ôntico, ligado ao espaço,
ao nada: trata-se do fenômeno
tempo ontológico, ligado ao no-espaço,
é dado pelo fe-
da temporalidade. O sentido último dessa temporalidade
nomeno existencial da morte, que serve de fundamento de todos os ou-
Esses
tros. O ser-aí pode ser definido, assim, como o ser-para-a-morte
fenômenos existenciais em nível ôntico e ontológico entrelaçam-se entre
si. Revela-se fundamental, nesse entrelaçamento, a dimensão existencial-
Física de
Lobjeto. A primeira interpretação explícita encontra-se na
303
XX
FILOSOFIA DO SÉCULO
DEus NA
implica duplo
um modo
de
duplo modo de considerar tempo uma verdade ôntica coma
o
Esse
ser da verdade. Ao tempo ôntico
corresponde
verdade-certeza. E å temporalidade
concordância e exatidão. Trata-se da
uma verdade ontológica
como revelação, como acontecer, corresponde
verdade como certeza, a questão sobre
como a-létheia, não-ocultação. Na
a esséncia do conhe-
como questão sobre
a essência da verdade é tratada
entre sujeito e objeto
conhecido. A reali
cer, que é expressa na relaço
dade que cai sob o processo cognitivo
é sempre uma realidade determi-
desdobra no âmbito do tempo
nada. E presença como substância que se
cronológico. Trata-se de um procedimento típico do pensamento metafisico.
No curso desse pensamento, vê-se unida ao ser como presença a
bíblica de criação. Donde o ser como ato puro, Sumo ente, perfeiço
a que se dá o nome de
Deus. Em seguida,
a0SOuta e verdade Suprema,
com o triunfo da metafísica subjetiva, os atributos que eram dados ao
Deus criador passam ao eu puro, como fonte última do conhecer. Assim,
O sumo ente, definido anteriormente como Deus e depois como eu puro,
cai sempre no âmbito do pensamento que representa e, portanto, sob o
poder das categorias lógicas. Contra esse método metafísico de levar
adiante o discurso sobre a verdade-certeza já polemizara Nietzsche e,
antes dele, Max Stirner. Este último, em sua obra O único e a sua pro-
priedade (1844), mostra as conseqüências paradoxais desse modo de pro-
ceder, que consegue não mais esclarecer o espaço sacral do nada, mas põe
o discurso racional diante do "nada"°,
Diferente é a dimensão de ser-nada que é abordada pelo pensamento
não-representante ou contemplante. Por isso, tal ser, que por essência é o-
que-não-pode-ser-representado, pode ser definido como o que por essên-
cia permanece-fora-de. Isto é, fora da concepção do ser-presença, tipico
da metafisica. Tal ser se esclarece, de preferência, como "dar-se", "acon-
tecer". Ou antes, o ser não só se dá, mas deve necessariamente dar-se. A
própria liberdade vem, assim, a coincidir com o necessário dar-se do ser.
Nessa dinâmica existencial, o ser, no momento em que se dá ao ente,
ilumina o ente e esconde a si mesmo. Daí a especial dialética da verdade
do ser como desvelamento-ocultação, que representa a dimensão da ver-
dade originária.
304
O DIVINO COMO O N
Por isso, é
também definido como "destino"', como "ser epocal
0 ser
Tal dimensão do ser escapa à metafísica, que permanece fechada numa
verdade-certeza. As características fundamentais da verdade-certeza tipica
do pensamento metatisico, que torna suas as categorias do pensamento
científico, sao a evidéncia e a segurança. O modelo de tal verdade C
justamente,a luz. O ser-nada de Heidegger não se revela, porém,
originári0 dar-se como luz e, portanto, como segurança: ele é, enquanto
tal, ocultação, ou ser-em-queda.
no ambito do nada.
niilismo é o horizonte em que
Daí a tese de Heidegger de que o
revela no silêncio.
pode ser abordado o sagrado típico do ser-nada, que
nada permane-
se
a problemática do
No quadro do pensamento metafísico, escreve que
No texto Identidade e diferença", Heidegger
ceu marginal.
sagrado se furta
ao
que a fonte do
"pio" em
Heidegger escreve que o pensa-
minhos que não levam a lugar nenhum, Fala também de
desde que há ser.
11. Cf. G. Penzo. "Se l'essere sia 'capace' di Dio. Riflessioni inattuali sulla
secolarizzazione nella problematica di M. Heidegger", in VVAA. La recezione italia-
na di Heidegger. A cura di M. Olivetti. Padova: Cedam, 1989, pp. 159-179.
306
O DiVINO COMO o NÃO-DITO
que emalguns de seus escritos, e em particular nos póstumos, Heidegger cite com
esse respeito, entre outros, G. Penzo. Meister
admiração o místico alemão (cf. a
307
SÉCULO XX
FILOSOFIA
DO
DEUS NA
308
O DiVINO COMO O NÃO-DITO
tico. No S 256 da parte VI, lê-se que último Deus está além de toda
o
BIBLIOGRAFIA
1. Textos
Sein und Zeit. Tübingen, 1927, 197212 (Essere e tempo. Trad. di P. Chiodi.
Milano: Bocca, 1953; Milano: Longanesi, 1976 ) (Há uma tradução do
quarto capitulo da primeira parte de Ser e tempo, intitulado "Ser-no
-mundo como ser-com e ser-si-mesmo. 0 'a gente", in Dulce Mara Critelli.
Trad.
enfoque fenomenológico do social.
e co-
Todo nós.. ninguém: um
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