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Introdução

A proposta deste e-book é clarificar o conceito do vazio existencial, contribuindo para a

propagação da Logoterapia e Análise Existencial. Entretanto, antes de adentrar em aspectos

teóricos, é indispensável apresentar brevemente o autor dessa abordagem que, para além da

relevância da sua trajetória intelectual, tem muito a nos ensinar com sua biografia inspiradora.

Viktor Emil Frankl (1905 – 1997) era neuropsiquiatra, mas também, um sobrevivente. Sua vida

e teoria se atravessam de forma congruente, pois, mesmo vivenciando o extremo da maldade

humana, permaneceu até o último suspiro defendendo a dignidade da pessoa e afirmando o

valor incondicional da vida.

Deste modo, buscar estudar teoricamente a Logoterapia é um dos caminhos, mas não

é o único. Afinal, em suas obras Frankl nos convoca a sermos antes de logoterapeutas,

logoviventes. Por isso, em conjunto a compreender intelectualmente, é preciso que tenhamos

a Logoterapia vivida, na carne, no coração e no espírito. Assim como foi para Frankl, que em

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seu livro “Em busca de sentido – um psicólogo no campo de concentração”1 conta sobre a

experiência-limite que vivenciou, onde mesmo diante o terrível, disse sim à vida, apesar de

tudo! E, logo no prefácio, afirma:

"Dr. Frankl, seu livro se transformou num autêntico best-seller - como


você se sente com tamanho sucesso?" Ao que costumo responder que,
em primeiro lugar, vejo no status de best-seller do meu livro não tanto
uma conquista e realização da minha parte, mas como uma expressão
da miséria dos nossos tempos: se centenas de milhares de pessoas
procuram um livro cujo título promete abordar o problema do sentido
da vida, deve ser uma questão que as está queimando por dentro”
(FRANKL, 2021, p. 6).

Como responder a essa questão que queima por dentro? Não é a proposta da

Logoterapia e muito menos desse e-book. O que Frankl faz é propor uma nova antropologia,

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É preciso esclarecer que a Logoterapia não foi construída durante esse período, sendo que Frankl
apresenta uma extensa e importante produção intelectual antes dos campos de concentração. Para o
(a) leitor (a) que ainda não tenha lido essa obra, reforço a relevância da leitura e indico, também, para
maior conhecimento de quem foi a pessoa de Viktor Frankl, o livro “O que não está escrito nos meus
livros”, lançado em 2010 pela editora É Realizações.

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uma orientação terapêutica e uma filosofia de vida saudável, com isso, nos apresenta um

caminho. Apesar do foco do e-book ser o fenômeno do vazio existencial, outros conceitos

fundamentais serão abordados, de forma a os correlacionar com essa temática principal.

Contudo, alerto que a proposta desse e-book é bastante complexa e busquei ter o cuidado de

não simplificar a temática, sendo impossível abordá-la em totalidade em tão poucas páginas.

Afinal, abordaremos aqui um fenômeno que está vinculada a existência, e a existência está

entrelaçada a inúmeros fatores.

Portanto, para apaziguar quaisquer expectativas de que esse e-book será o suficiente,

esclareço preferir que o leitor encerre a leitura com muitas perguntas instigadoras, o

mobilizando a se engajar a ler as obras de Frankl2 , do que com a sensação do completo

entendimento sobre o vazio existencial. Tentei organizar esse e-book da forma didática, sendo

um apanhado dos meus estudos sobre esse conceito e, claro, escrito a partir do meu

entendimento acerca do tema. Por fim, espero que ao terminar a leitura, o leitor tenha mais

clareza da teoria, mas que também aceite o chamado da Logoterapia de olhar para as

necessidades do mundo e descobrir de que forma só você pode contribuir! Desejo a todos

boa leitura!

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Por isso, inseri algumas notas de rodapé com indicações de leitura. Além, é claro, de disponibilizar
uma lista de referências mais extensas de obras que me auxiliam a construir o conteúdo desse e-book.

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Breve contextualização da Logoterapia

“Na verdade, o homem precisa não de um estado sem tensões, mas


de luta: a luta por um objetivo que valha a pena, uma causa escolhida
livremente. Precisa não da descarga de tensão a qualquer custo, mas
do chamado de um sentido potencial esperando para ser realizado por
ele; não da homeostase, mas do que chamo de noodinâmica, ou seja,
uma dinâmica espiritual em um campo de tensão polar, em que um
polo é representado por um sentido a ser realidade, e o outro, pelo
indivíduo que o realizará” (FRANKL, 2021, p. 60)

A Logoterapia está sustentada em três pilares: Liberdade da vontade, vontade de

sentido e sentido de vida. Em cada um desses fundamentos Frankl (2011)3 parte de um debate

crítico, apontando os perigos e a resposta do que está sendo discutido. Assim, a liberdade da

vontade discute o pandeterminismo vesus determinismo. A vontade de sentido discute a

relação do prazer, poder e sentido, ressaltando a tensão existencial. E o sentido de vida o

subjetivismo, relativismo e a objetividade do sentido.

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Esse parágrafo foi construído, especificamente, a partir do livro “A vontade de sentido: Fundamentos
e aplicações da logoterapia”, edição de 2011, publicado pela editora Paulus. Caso o (a) leitor (a) seja
iniciantes nos estudos sobre as ideias de Viktor Frankl, essa é uma excelente obra introdutória.
Também indico o livro “Logoterapia e Análise Existencial: Uma introdução ao pensamento de Viktor
Frankl”, do autor Thiago Aquino, lançado em 2012 e publicado pela editora Paulus.

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No primeiro pilar Frankl se opõe a qualquer discurso que retrate o ser humano como

“nada mais que...” seus aspectos biológicos, seus conteúdos psicológicos ou suas influências

sociais, alertando para a tentativa de reduzir a pessoa ao factível, desconsiderando qualquer

possibilidade para se posicionar frente aos seus determinantes. O perigo desse movimento

reducionista é objetificar a pessoa, negligenciando sua dimensão especificamente humana, a

dimensão noética, como consequência, o ser humano seria completamente determinado, sem

qualquer resquício de liberdade. Para Frankl a liberdade é uma condição de um ser finito e,

por isso, também finita, ou seja, contornada por limitações, portanto, não é a liberdade de, é

a liberdade para a tomada de atitude de ir e ser além desses condicionantes. Sendo assim,

na Logoterapia o ser humano não é factível, é facultativo, é aquele capaz de ser construtor de

si mesmo e decidir sobre o dever-ser, sobre diante de quem e do que será responsável.

No segundo pilar Frankl aponta que apenas ter nossas necessidades básicas atendidas

não é o suficiente, procuramos algo para além da sobrevivência, a vontade primária do ser

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humano é a busca pelo sentido, é a aspiração por uma vida que valha à pena. O prazer e o

poder passam a ser efeito e o meio, não mais o fim. A busca incessante pela felicidade ou

pelo reconhecimento social tornam-se movimentos autodestruitivos, visto que, ao torna-los

objeto de atenção, perde-se o caráter intencional, perde-se a razão para. O ser humano

precisa de conteúdos de sentidos, uma causa para fazer sua, a vida, portanto, possui um

caráter de exigência, a qual cada situação apresenta um questionamento que a pessoa deve

responder, de forma consciente e responsável. A Logoterapia se ocupa desse responder,

desse viver, não tenta amenizar a tensão que aí se evoca, essa dose de tensão saudável que

concede estrutura a existência, que coloca o ser humano em movimento do dever-ser.

Essa dinâmica entre quem se é e quem se deve vir a ser, entre o ser e o sentido, entre

a pessoa e o mundo, esse campo relacional é o que oportuniza essa tensão fecunda, que

tensiona a pessoa para concretizar o sentido único de cada situação, e é a consciência alerta

que capta a exigência do momento, cabendo a pessoa engajar-se ou não nesse chamado. O

terceiro pilar da Logoterapia não tenta responder em absoluto o questionamento sobre o

sentido da vida da humanidade, aliás, esse não é um conceito que caiba em definições

fechadas. O que aponta é o quanto essa é uma pergunta que expressa o mais profundo da

nossa humanidade, e o responder se encontra no próprio viver, único e intransferível, de cada

um.

Portanto, a Logoterapia apresenta um ser humano em abertura com o mundo, em

contato com a vida, sendo a essência da existência a autotranscendência, uma saída de si

para o encontro de algo ou alguém. Assim como, chama a atenção para o perigo de

comportamentos autocentrados, para uma consciência fechada em si mesma que não se

vincula, desconexa com a vida, decaindo em uma experiência de vazio. A pessoa-espiritual

se afasta da sua força motriz quando não encontra o sentido, a vida parece se esvaziar de

conteúdo, e por essa experiência de vazio há o risco tanto de comportamentos

compensatórios quanto da manifestação sintomatológica psicofísica. O olhar sobre a vida

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pode se absorver de desesperança, na apatia, no tédio e na angústia de que nada mais parece

ter sentido.

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O conceito de vazio existencial

“O que aconteceria se o homem tivesse a oportunidade de satisfazer


completamente todos os seus desejos e necessidades? Certamente,
isso não lhe traria a sensação de realização profunda, mas, ao
contrário, um buraco interior frustrante, o sentimento desesperado de
vazio ou, para usar um termo logoterapêutico, a consciência do próprio
vazio existencial” (FRANKL, 2021, p. 91)

O questionamento sobre o sentido da vida é uma indicação de sinceridade intelectual,

afinal, estamos buscando um para que da nossa passagem nesse mundo, uma razão para

viver. Parafraseando Karl Jaspers: “O homem se torna o que é por força da causa que ele fez

sua” (conforme citado por Frankl, 2011, p. 53). Obviamente, a resposta não esclarece a

pergunta final do existir, o mistério e o enigmático da vida estão no campo da fé. A pergunta,

aqui, se dá de forma pessoal e intransferível, a qual se concretiza no cotidiano. Diariamente,

a vida nos questiona e pede de nós uma resposta, e isso acontece tanto nas atividades

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corriqueiras até nas tarefas mais exigentes. Não podemos escapar da necessidade de

escolher entre as possibilidades que a vida nos apresenta, nossas escolhas delineiam nossas

vidas e escrevem a nossa história. É claro que, tal questionamento evoca em nós uma certa

dose de tensão, escolher requer a coragem de se colocar diante da realidade, de confrontar

os desafios da vida.

A vida nos desafia, e no enfrentamento desses desafios teremos a oportunidades de

amadurecer, de nos elevarmos para além de quem fomos até aqui e de confiar que ainda

teremos tanto a realizar a partir daqui. Quando nos colocamos frente a frente com a realidade,

com a consciência da liberdade de escolha, mesmo nas situações mais difíceis, e com a

clareza diante do que ou quem estamos escolhendo, exercendo nossa responsabilidade,

assumimos o protagonismo de nossa própria existência e aceitamos o chamado de nos

tornamos quem só nós poderemos ser e de entregarmos ao mundo uma parte de nós, parte

essa que só nós poderíamos entregar. Encontrar o sentido requer essa consciência

intencional4, que nos coloca em abertura e em afetação com o mundo que nos cerca, assim,

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A Logoterapia é uma abordagem com embasamento fenomenológico, por isso, para maior
profundidade nos estudos da Logoterapia é preciso o mínimo de conhecimento sobre Fenomenologia.

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captamos as possibilidades que, ao concretizá-las, poderão preencher nossa existência com

conteúdos de sentido.

Para fazermos escolhas dotadas de sentido é preciso uma consciência noética

aguçada, porém, é claro que não estamos imunes a equívocos, o erro faz parte da experiência

e escolher requer humildade. Quando ao tornar a potencial escolha em escolha concreta

resulta em um sentimento de irrealização, quando a vontade de sentido não é atendida,

chamamos de frustração existencial. Assim, é preciso trabalhar esse sentimento e

redirecionar o processo de decisão e compreender o que levou a pessoa a tal lugar, caso

contrário, se a frustração se tornar constante e/ou for acompanhada por outros

sentimentos/comportamentos como alguns exemplos: insegurança, medo, paralisia, fuga,

autocritica etc, ainda, se as escolhas forem recorrentemente tomadas por essa sensação de

frustração, isso poderá contribuir para o desenvolvimento do vazio existencial.

Indico a leitura do livro “Fenomenologia”, do autor David R. Cerbone, publicado em 2012 e lançado pela
editora Vozes.

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Convido ao (a) leitor (a) que tire um breve tempo para refletir sobre qual o significado

da palavra “vazio”. Em uma busca rápida no Google, mais especificamente no dicionário de

língua portuguesa do OxfordLanguages em formato online (languages.oup.com), podemos

encontrar algumas descrições: Que nada contém; sem fundamento; algo sem significado;

sensação de incompletude, de insatisfação. Agora, unindo essas respostas com a palavra

“existencial”, já nos soa um alerta: Como seria uma vida que parece não ter nenhum conteúdo

significativo? Aparentemente, sem algo que a fundamente? Acompanhada de um sentimento

de que nada possui sentido? Com essa sensação de incompletude e/ou de constante

insatisfação?

Às vezes temos a sensação de falta de sentido, quase como se nos déssemos conta de

que nossa vida precisa ser reavaliada, como um convite para nos (re) situarmos,

compreendendo de onde viemos, onde estamos e para onde vamos. Dependendo de como

nos posicionamos frente a esses momentos, podemos cultivar repercussões frutíferas em

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nossas vidas, assim como, esse momento pode evoluir para um sentimento de completa falta

de sentido. Portanto, se somos frequentemente atormentados pelo sentimento de falta de

sentido e mais, se nos assola em totalidade, como se a vida tivesse perdido completamente

seu sentido, estaremos experienciando o vazio existencial. O vazio existencial é como uma

perigosa “experiência de abismo”, a qual me aproximo da beirada e não consigo enxergar

nada. Imagine a sensação de se aproximar da vida e não encontrar nada que lhe desperta a

atenção? Que lhe faça brilhar os olhos? Que traga vida para a vida?

O encontro do sentido se mostra como possibilidade presente em qualquer situação e

a sua busca aponta para um aspecto de saúde mental, visto que, a vida passa a ser

compreendida em seu valor incondicional. Quando a pessoa percebe nas situações

enfrentadas uma finalidade, quando se confronta com a vida em seu caráter de missão, será

capaz de autenticamente suportar o trágico da existência e de vivenciar, por efeito, o

sentimento de realização. As experiências de sentido nos abrem para o mundo, nos concedem

estrutura para a existência, assim, nos tornamos mais resilientes as dificuldades e ao

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sofrimento. Essas experiências são como alicerces, que mesmo nos momentos mais difíceis,

se apresentam como recursos para enfrentar e transformar a situação, ou a nós mesmos. Já

o fenômeno do vazio existencial, o qual em si não é patológico, nos torna mais suscetíveis as

manifestações de adoecimento, a sensação de vazio permite proliferar os sintomas e, sem

intervenção e acompanhamento necessário, pode evoluir para um quadro de neurose

noogênica, na qual a manifestação sintomatológica poderá ocorrer na dimensão biológica ou

psicológica, com consequências, inclusive, sociais.

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Vazio existencial e a contemporaneidade

“Nós precisamos, na verdade, de novos tipos de tempo livre, que


permitam algum espaço para contemplação e meditação. Para tal, o
homem precisa de coragem para estar só” (FRANKL, 2011, 123).

Frankl5 alerta que sensação de falta de sentido para a vida ou em casos mais

emergentes o sentimento de vazio existencial, se tornou um desafio a psicologia, assim como,

para a sociedade em geral. Diante desse ardente questionamento espiritual: Qual é o sentido

da minha vida? Tanto a psicologia quanto a contemporaneidade não se mostram aptas a

contribuir na busca pela resposta, entretanto precisam lidar com as consequências

emocionais desta pergunta. Nesse capítulo focaremos nos aspectos sociais, enquanto no

penúltimo capítulo será abordado as reflexões acerca da atuação dos profissionais da saúde

frente a esse fenômeno.

5
Uma outra indicação de leitura básica e mais recente, que traz um panorama geral da Logoterapia e,
também, foca na questão do vazio existencial é a obra “A falta de sentido: um desafio para a
psicoterapia e a filosofia”, publicado em 2021, pela editora Auster.

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O vazio existencial ultrapassa fronteiras, não se concentra em um determinado país ou

em um tipo de sistema político. A manifestação desse fenômeno é generalizada, apontando

para um adoecimento coletivo e se apresentando como uma problemática da

contemporaneidade. É preciso relembrar que a pessoa-espiritual está junto ao mundo

circundante, em constante relação com os fatores da sociedade ao qual está inserido,

portanto, compreender quais e como os aspectos da sociedade atual podem estar

contribuindo para o desenvolvimento do vazio existencial, se mostra imprescindível para maior

apreensão do fenômeno e para construção de estratégias interventivas eficazes.

Acerca da etiologia do vácuo existencial – vácuo e vazio podem ser compreendidos

como sinônimos -, Frankl aponta para duas possibilidades: diferentemente dos animais, o ser

humano não está completamente submetido aos instintos, não sendo mero resultados dos

seus conteúdos impulsivos que lhe ditam o que fazer, e diferente das gerações passadas, a

contemporaneidade apresenta um esgotamento das tradições, de referenciais que guiam o

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ser humano sobre o seu viver. Assim, a liberdade ancorada no ser-consciente e ser-

responsável se tornam condições imprescindíveis para que a pessoa-espiritual concretize

uma existência autêntica, contudo, frequentemente, ele (a) mal sabe o que deseja fazer, ao

invés disso, renúncia a sua possibilidade de escolha, se ausentando da sua responsabilidade,

ao simplesmente fazer o que os outros fazem (conformismo) ou aceitar de pronto o que os

outros querem que ele (a) faça (totalitarismo).

A busca pelo sentido deve ser assumida como um compromisso existencial pessoal, na

medida em que, a concretização do sentido único e intransferível insere a autenticidade do

ser no mundo. A existência vivida autenticamente deixa marcas valiosas – o que não tem

relação com grandiosas, no sentido de grande alcance ou reconhecimento. Quem estamos

sendo para as pessoas que amamos? O que estamos deixando nos lugares que

frequentamos? O que iluminamos na forma como vivemos? Nossas palavras inspiram?

Nossos atos acolhem? O sentido é uma possibilidade constante, não precisamos ir longe e

nem sermos mundialmente reconhecidos para o realizar. Nos eternizamos sendo quem

somos dia após dia, e só somos quando nos ocupamos da vida, do mundo e das pessoas.

É claro que o discurso pode ser bonito, porém, a prática é bastante exigente. Para

sermos, precisamos fazer escolhas6. E para fazermos escolhas coerentes, precisamos de

uma consciência alerta, capaz de apreender o que é ou não essencial diante tantas

possibilidades que o mundo moderno nos apresenta. Nessa sociedade industrializada, na era

da tecnologia e das redes sociais, em que tantos estímulos são diariamente apresentados, é

preciso discernimento. Em um mundo tão acelerado, facilmente podemos nos perder de nós

e nos desconectar do que é fundamental para a vida. Com uma consciência adormecida, não

nos damos conta das nossas escolhas, com isso, corremos o risco de ancorar a nossa vida

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O vazio existencial e a contemporaneidade tem sido a temática de aprofundamento dos meus estudos.
Caso o (a) leitor (a) se interesse em saber mais, indico o artigo de minha autoria em parceria com Maria
Cristina Neiva de Carvalho e Maria Helena Budal da Silva, com o título “A liberdade da vontade diante
dos fatores sociológicos: Uma aproximação entre as teorias de Viktor Frankl”, publicado pela revista
PsicoFAE em 2020. Nas referências é possível ter acesso a uma longa lista de indicações de obras
sobre Logoterapia, como também, de autores que estudam a contemporaneidade.

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no que é supérfluo e passageiro. Parafraseando Frankl “cada vez mais, as pessoas têm os

meios para viver, mas não uma razão pela qual viver”.

Nessa sociedade da abundância, o foco está no bem-estar, e o sentido se confunde

com felicidade. Na sociedade da produtividade, o foco está no prestigio social, e o sentido se

confunde com aquisições materiais. A angústia por não ser plenamente feliz, o constante

medo do fracasso e julgamento, o receio pela falta de reconhecimento no trabalho, por não

conquistar uma vida luxuosa, são possíveis consequências quando o sentido é deturpado.

Não que isso não faça parte da vida, contudo, quando somos bombardeados por

discursos que nos fazem acreditar que esse é o objetivo último da vida, perdemos de vista o

bem-ser. Na Logoterapia o prazer e poder fazem parte, mas não são e não devem ser a

vontade primária da vida. Em complemento, viver voltado apenas para a manutenção das

nossas necessidades básicas, sejam elas fisiológicas ou psicológicas, também seria uma

redução dessa busca espiritual por valorar a vida, apenas a sobrevivência não caracteriza

uma vida constituída de sentido.

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Em uma sociedade que tanto prega a produtividade, não ter tempo virou sinal de

sucesso. Até mesmo o momento de lazer precisa ser produtivo, a contemplação, o descanso,

a pausa, ficaram em último plano. Buscamos otimizar nossa rotina, com estratégias para

tentar dar conta de tudo e, frequentemente, conta de duas – ou mais – tarefas ao mesmo

tempo. Frankl (2011) comenta acreditar que a velocidade dos tempos de hoje é uma tentativa

de escapar desse questionamento latente pelo sentido de vida. A falta de tempo permite que

não haja tempo para tomar consciência sobre essa pergunta, e vivemos em uma sociedade

que pouco propicia espaço para reflexões existenciais, reflexões essas que são exigentes,

que nos pedem enfrentamento e, muitas vezes, paciência. É preciso tempo e presença para

se ocupar verdadeiramente da vida, contudo, para abafar essa pergunta espiritual ardente,

homens e mulheres aceleram o passo, esquecendo-se que quando corremos demais, mal

percebemos o caminho, e quando não sabemos para onde estamos indo, qualquer caminho

indicado servirá.

O adoecimento coletivo contemporâneo advindo do sentimento de vazio existencial,

segundo Frankl (2016; 2021), apresenta quatro comportamentos de massa, são esses:

Atitude existencial provisória - uma postura presentista sobre a vida, vive-se o momento do

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agora orientado pelo princípio do prazer acompanhado de uma falta de orientação e

percepção de possibilidades de futuro, assim, o sujeito assume um posicionamento

individualista, preocupado apenas com seu bem-estar. Fatalismo – o sujeito se ausenta das

próprias decisões, negando a sua liberdade para, ao fugir da sua responsabilidade de

responder a vida, assumindo um posicionamento de “isso tinha que ser assim” ou “sou assim

e pronto”. Pensamento coletivista - é um entregar-se a massa, resultando na perda da

autenticidade, com insegurança de se posicionar, o sujeito se reduz ao que lhe é imposto.

Fanatismo – autocentrismo, parte de uma vivência unilateral, na qual as próprias opiniões e

pensamentos se tornam verdade absolutas, com uma forma restrita de se ver o mundo.

A escrita desse capitulo tem por intenção provocar a reflexão sobre o quando as críticas

de Frankl seguem atuais, o quanto, por exemplo, os comportamentos de massa descritos

acima ainda se mostram presentes nos dias de hoje. Recorrentemente escuto termos como

“problemáticas contemporâneas” ou “crises do ser humano moderno” e acredito ser

necessário que tenhamos clareza ao que se refere essas expressões. Como já mencionado,

o conceito do vazio existencial é complexo, sendo que, os fatores sociais é um dos caminhos

para compreensão desse fenômeno, nos debruçarmos sobre a realidade que vivemos,

buscando olhar para essa relação entre macro e micro, é essencial para que não percamos

de vista a pessoa bio-psico-espiritural em sociedade. E mais, a partir disso é possível pensar

em estratégias interventivas, com aplicabilidade para além da prática clínica individual.

Obviamente, o aqui exposto são apenas breves apontamentos, sendo necessários estudos

mais aprofundados acerca da proposta.

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Manifestações e riscos do sentimento de vazio existencial

“Não se deve sentir vergonha do desespero existencial, por achar-se


que se trata de uma doença emocional; como vimos, não se trata de
um sintoma neurótico, mas, isso sim, de um fenômeno tipicamente
humano. Acima de tudo, trata-se de uma manifestação de sinceridade
intelectual. Se um jovem, contudo, decide-se por aderir à sua
prerrogativa e aceita o desafio pelo sentido da vida, deve ele ter
paciência: paciência o suficiente para esperar até que o sentido
comece a brilhar sobre ele” (FRANKL, 2011, p. 115).

O uso da palavra “sentimento” de vazio existencial aponta que esse fenômeno não

caracteriza, de fato, um vazio da existência, a vida nunca será destituída da possibilidade de

encontrar e concretizar o sentido, ainda que, em alguns períodos da vida, possa haver essa

sensação. Ainda, a expressão “manifestações” também esclarece que a sensação de vazio

existencial não pode ser compreendida como neurose no sentido tradicional do termo e nem

como uma doença. Isso não significa que esse fenômeno não apresente manifestações de

risco, que requerem alerta e acompanhamento, podendo sim evoluir para um quadro

sintomatológico. Nesse caso, em que se desenvolve a neurose noogênica, não podemos falar

de um adoecimento espiritual, visto que, a dimensão noética preserva os aspectos saudáveis

da pessoa-espiritual, mas sim, que a causa é de temática existencial, na qual haverá uma

relação restrita ou bloqueada com a dimensão noética, favorecendo a propagação de

sintomas na dimensão psíquica e física, ou seja, o vazio não é um adoecimento, mas pode

levar a um adoecimento do ponto de vista, físico, psíquico e social.

Quando na Logoterapia é abordada a temática do sentido de vida a proposta não é uma

visão romântica e ingênua da vida, do contrário, a vida é compreendida na sua totalidade e

realidade, com o cuidado de não decair em um pessimismo, mas sim, cultivar o otimismo de

acreditar no sentido como possibilidade incondicional. Frankl aponta que é a vida que

pergunta o que pode esperar de nós e respondemos essa indagação na forma como nos

posicionamos frente aquilo que faz parte da nossa condição enquanto seres humanos,

inclusive diante da tríade trágica - dor, culpa e morte -. Poderemos ter ao longo da nossa

jornada momentos de dúvida e desespero sobre o sentido, em períodos de dificuldade, nossa

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visão corre o risco de ficar turva pelo sofrimento, porém, é justamente no autêntico e digno

suportar, em como configuramos essas situações inescapáveis da vida, com a consciência

da nossa liberdade para e no exercício da nossa responsabilidade, que conseguiremos

exercer o mais autêntico da nossa humanidade ou, do contrário, corremos o risco de adotar

atitudes de descrença, de individualismo, de autocentrismo, de desconfiança, de desistência.

É característico da pessoa-espiritual a capacidade de atuar responsavelmente diante

a realidade que lhe é imposta, transformando o mundo que a cerca e edificando o monumento

da sua existência. A pessoa é escritora da sua história, que será, enquanto condição

existencial, marcada por dores e amores. As limitações são pura matéria-prima, da qual

podemos extrair e construir algo de significativo. Contudo, reforço que, de maneira alguma,

encontrar e concretizar o sentido significa alcançar a plenitude de forma constante, estar

imune a se afetar pelo mundo, conquistar um absoluto equilíbrio emocional ou chegar a um

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completo estado de felicidade. O que não significa que momentos de felicidade não sejam

importantes para a Logoterapia, mas sim, que é compreendida enquanto efeito do sentimento

de realização de sentido. A busca do sentido nos coloca em tensão, as vezes nos exigindo o

enfrentamento, a saída da nossa zona de conforto, a entrar em contato com nossos temores,

as vezes pede de nós o recolhimento, o silêncio, o contato com nosso íntimo, as vezes nos

pede deixar que as lágrimas escorram, que as palavras não bastem, que admitamos nossas

confusões, as vezes que desfrutemos da colheita, que reafirmemos nossos alicerces, que

saibamos reconhecer nossas conquistas e por aí vai. Sem roteiro, passo a passo ou regras,

estamos aqui falando de viver, em verbo e abertura.

Do contrário, quando há o fechamento na relação com as possibilidades da vida e se

renúncia a capacidade de escolha, a vida vai tomando forma segundo terceiros. O sentido

não é algo a ser imposto, inventado ou criado, e quando há essa tentativa, corre-se o risco de

atitudes inautênticas. O sujeito se afasta de si mesmo, podendo cair em um conformismo,

seguindo o que a maioria faz, como efeito manada. Ou, aceitando sem o mínimo de reflexão

o que lhe é imposto, agindo a partir das expectativas alheias, caindo em um totalitarismo.

Ambas as posturas obscurecem a busca pelo sentido, aumentando as chances do sentimento

de frustração existencial até de uma completa sensação de falta de sentido. A busca pelo

sentido clarifica a distância entre o ser e o dever-ser, apontando para a unicidade, para o lugar

que cabe a cada um. Um desvio dessa busca poderá levar o sujeito a cada vez mais se

absorver nessa atitude de passividade diante si e a sua vida, de identificação com as

condicionalidades, de fuga da responsabilidade, de baixa consciência da liberdade de

escolha, da sensação de aprisionamento e imobilização, de insegurança existencial.

O vazio existencial não precisa, necessariamente, se tornar manifesto, pode seguir

latente sendo mascarado por comportamentos compensatórios. Como tentativa de fugir desse

sentimento, o sujeito concentra sua atenção e esforços na busca pelo prazer e poder. Assim,

há a tentativa de preencher esse vazio com conteúdos efêmeros, uma tentativa que se torna

incessante e auto anulativa, visto que, tanto o poder quanto o prazer são temporários, sendo

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o meio e o efeito para a vontade de sentido. Com isso, a vida vai se tornando cada vez mais

autocentrada, sendo que os únicos interesses válidos se tornam os próprios e as relações se

tornam de utilidade, perdendo o caráter essencial da existência, que é a autotranscedência.

O sujeito passa a se relacionar no modo “como isso pode me servir? ”, não é difícil refletir

sobre os riscos dessa conduta, as pessoas e o mundo se tornam meras coisas, meros objetos,

que quando não convenientes, podem ser descartados.

Quando manifesto, o vazio existencial pode vir acompanhado do tédio, como uma

incapacidade de interessar-se por algo, ou a apatia, a incapacidade de tomar a iniciativa por

e perante algo. Assim, a pessoa que vivencia esse fenômeno vai se desvinculando da vida,

não consegue captar as possibilidades que a vida lhe apresenta, com dificuldades de se

conectar com algo ou alguém que faça a vida voltar a ter cor e sabor, como se tudo ficasse

meio morno e cinza. O sujeito correrá o risco de se fechar cada vez mais, podendo se sentir

paralisado frente a vida e decaindo no niilismo, ou seja, em uma total descrença, não só sobre

a vida, mas também sobre o mundo e sobre si mesmo. Por fim, Frankl (2011, 2016, 2016,

2019, 2020, 2021) aponta que o fenômeno do vazio existencial pode se manifestar

concretamente por meio da agressividade, de comportamentos aditivos e do suicídio.

Obviamente, não significa que todos os casos serão resultados de um sentimento de vazio

existencial, esses são comportamentos complexões que requerem um olhar para inúmeros

fatores. Mas a Logoterapia apresenta o conceito de vazio como uma possibilidade, chamando

a atenção para a urgência de se intervir nesse fenômeno.

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Atuação profissional frente ao fenômeno do vazio existencial7

Como o clínico deve responder a esse desafio? Tradicionalmente, ele


não está preparado para lidar com essa situação, a não ser em termos
médicos. Vê-se forçado, portanto, a conceber o problema como algo
patológico, induzindo o paciente a interpretar sua situação como uma
doença a ser curada, em vez de um desafio a ser enfrentado. Desse
modo, o médico rouba do paciente os potenciais frutos de sua luta
espiritual (FRANKL, 2021, p.46)

Se antes a busca por acolhimento das inquietações existenciais era apenas nas figuras

religiosas, atualmente, com a urgência dessa necessidade espiritual, os (as) pacientes

também convocam os profissionais da saúde a assumirem esse lugar. Há um novo desafio

para a psiquiatria e a psicologia: saber atuar frente a queixa de uma sensação de ausência –

ou completa ausência - de sentido para a vida, de um sentimento de futilidade e cansaço

existencial. Perguntas como: “Para que estou aqui? Qual a importância do que estou fazendo?

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A indicação de leitura para este capítulo é a obra “Psicoterapia e sentido da vida”, lançado em 2016
pela editora Quadrante. Por curiosidade, o conteúdo desse livro é o manuscrito que Frankl levou e
perder nos campos de concentração, sendo uma leitura fundamental para a compreensão da
Logoterapia.

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Qual o sentido dessa situação? Por que sofremos? ”, entre outras que apontam para a

curiosidade e mobilização diante dessas problemáticas especificamente humanas, estão

fazendo parte da prática dos profissionais da saúde. Contudo, a saúde ainda é vista de forma

bastante dicotômica e fragmentada, não abarcando o olhar integral para a pessoa-espiritual

ao considerar a dimensão noética. Com isso, o risco é reduzir essas inquietações a meros

sintomas e tratar a queixa da sensação de falta de conteúdo significativo para a vida como

doença.

Não é que a aplicabilidade da Logoterapia se restrinja a casos de etiologia noogênica,

sua contribuição é para qualquer tipo de queixa. Mas, se apresenta como uma abordagem

especifica frente ao fenômeno do vazio existencial, justamente por considerar necessário

trazer a luz essa luta pela realização espiritual do ser humano. Quando o profissional realiza

um diagnóstico reducionista, pode confundir o que é um quadro de adoecimento com causas

psicofísicas e o que é uma situação de crise existencial, de emergência espiritual. E, como

bem coloca Frankl na citação inicial, tratar o segundo caso em termos médicos, como uma

doença a ser curada, uma inquietação a ser apaziguada, um sintoma a ser medicado, e não

como um desafio a ser enfrentado, é tirar do (a) paciente os frutos da sua busca pelo sentido.

A Logoterapia é uma abordagem que coloca o (a) paciente em confronto com o sentido,

não tenta tranquilizar a pessoa frente aos seus questionamentos existenciais, mas sim,

mobilizá-la para a resposta, propiciando essa dose de tensão saudável. Tampouco é uma

teoria que se fixa na explicação, tentando desmascarar o porquê dessas inquietações e as

justificar como meros efeitos de causas psicológicas. Porém, cuidado, o olhar sempre será

para a pessoa integral em relação ao mundo, ou seja, as dimensões psíquica e biológica serão

consideradas, assim como, as influencias sociais. O logoterapeuta colabora como um

mediador existencial, com disponibilidade para estar junto com aquela pessoa singular, sendo,

portanto, cada atendimento único. É preciso escuta atenta, percebendo como a pessoa se

relaciona com seus conteúdos e como atua no mundo, como se posiciona frente a vida e se

a vontade de sentido está sendo atendida ou não.

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A Logoterapia visa proporcionar que a pessoa-espiritual efetive sua autenticidade, a

auxiliando a ampliar seu campo de possibilidades e a identificar quais dessas possibilidades,

quando realizadas, a conduzirão para o seu dever-ser. O foco não é apenas no ser, mas no

desvelamento do sentido, na busca por ações nas situações concretas. Para tanto, é preciso

que a atuação profissional colabore para o aguçamento da consciência, para a percepção das

escolhas e para que o (a) paciente se ocupe da vida de forma responsável, orientado (a) pela

sua categoria pessoal de valores. Propiciando um espaço de atendimento em que as

indagações sobre a vida sejam consideradas e acolhidas, em que a busca pelo sentido da

vida não seja algo a ser evitado ou apaziguado, para que, assim, o (a) paciente confie na sua

capacidade de assumir os desafios da vida.

Uma vida preenchida de conteúdos de sentido, faz com que essa sensação de vazio se

dilua, atrofiando os sintomas psicofísicos já existentes ou até mesmo prevenindo o

desenvolvimento de novos sintomas. Mesmo em casos de adoecimento de causas

psicológicas e/ou físicas, a concretização do sentido se mostra como um recurso terapêutico.

Para tanto, é preciso reconectar a pessoa com sua dimensão noética, a colocando em

abertura para a vida. Isso porque o encontro do sentido não se dá por vias racionais e

reflexivas, sendo que essa tentativa pode ser bastante perigosa, deturpando o sentido, que

não pode ser inventado, ser mera expressão do si mesmo e ser encontrado por meio de um

autocentrismo. O sentido de vida se encontra na vida, em relação a esse polo objetivo que é

o mundo, assim, é preciso mobilizar os recursos noológicos do autodistanciamento e

autotranscendência.

Esses recursos são potencialidades antropológicas, capacidades noética que devemos

desenvolver. Quando há restrição ou bloqueio com essa dimensão, tais recursos não se

apresentam, dificultando essa relação de abertura com o mundo. O autodistanciamento é a

capacidade de tomar distância de si mesmo, sendo necessário para que a pessoa possa

compreender seus determinantes, elevando-se acima de e se opondo a. O

autodistanciamento confirma essa liberdade para a tomada de atitudes autênticas, pelo qual

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a pessoa ao invés de completamente se identificar com seus condicionantes – sejam eles

psíquicos, físicos ou sociais -, os utiliza como matéria-prima para ser construtor (a) de si

mesmo. Já a autotranscendência se apresenta como a essência da existência, uma saída

dessa posição individualista, fechada em si mesmo, para uma abertura, para o encontro de

algo ou alguém que está no mundo.

Dessa forma, a pessoa-espiritual poderá encontrar três caminhos para concretização do

sentido, são as categorias de valores de criação, de vivência e de atitude, ou seja, por meio

da sua capacidade criativa, de criar e entregar algo ao mundo, por meio da sua capacidade

contemplativa, de vivenciar e receber algo do mundo, e por meio da sua capacidade de

escolha, de se posicionar e suportar o autêntico sofrimento, o transformando em um triunfo

pessoal. Por último, ressalta-se que a Logoterapia possui embasamento fenomenológico, não

sendo uma abordagem indutiva, não cabendo ao profissional indicar o sentido. A atuação

deverá ser guiada pelo respeito e de forma descritiva, para que a própria pessoa se aproxime

de suas possibilidades e assuma a responsabilidade por sua existência. O que o (a)

profissional pode é, principalmente em casos mais graves, apelar para o sentido como

possibilidade incondicional da vida.

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Quando a vida parece não ter mais sentido

“Como, então, devemos lidar com tal fenômeno? Deve-se pressupor


que devemos aderir a algum tipo de filosofia saudável no intuito de
mostrar que a vida guarda, sim, um sentido para todo e qualquer ser
humano” (FRANKL, 2011, p.106).

Caro leitor decidi escrever esse último capítulo dedicado a qualquer um que tenha se

identificado com algumas das colocações desse e-book, nessa parte minha escrita terá menos

o objetivo teórico e mais vontade de deixar algumas palavras finais de cuidado e afeto. Na

juventude também decai em uma completa descrença no mundo, o sentimento de vazio já me

assolou e me deixou sem qualquer perspectiva de futuro. Claro que não pretendo aqui fazer

um relato pessoal da minha história, muito menos dar dicas de como você pode encontrar o

sentido. Pretendo apenas o inspirar a confiar que, em algum momento, o sentido voltará a

brilhar. De fato, há situações tão dolorosas que no momento em que estamos vivenciando

tamanha dor, é difícil enxergar qualquer possibilidade de sentido, nos restando atravessar

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com coragem a tempestade. Frankl menciona que o sentido é como o sol, sempre presente

no céu, ainda que, em dias nublados, não consigamos enxerga-lo.

É preciso paciência, o que não significa resignação, tenhamos cuidado para não nos

colarmos ao sofrimento e não deixamos que a dor nos tire o fundamental e a vontade de

prosseguir. As vezes nos reduzimos ao momento, fragmentando a vida, esquecendo de tantos

desafios que já vencemos, de tantas realizações que já eternizamos no passado, de tantos

amores que já encontramos, cada sentido já concretizado compõe a nossa existência. Cultivar

a esperança pode ser um desafio, mas não percamos de vista o olhar também para o futuro,

para a confiança em dias de sol, porque o sentido como possibilidade incondicional é guia da

existência. Muito da vida não se explica, por mais que a gente tente! Não há respostas para

várias perguntas, e permanecer na tentativa de entender racionalmente o “por que isso

aconteceu comigo? ”, é doloroso. Que possamos nos voltar para onde for possível reencontrar

o caminho!

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Voltar a se abrir para a vida e o mundo, depois de um longo período de dor e reclusão,

requer serenidade. A vida já não é a mesma, precisamos redescobrir como viver diante da

realidade que estamos. Precisamos redescobrir quem nos tornamos, a partir de tudo o que

enfrentamos e do que ainda devemos enfrentar. Mas essa não deve ser uma jornada solitária!

Que possamos nos cercar de pessoas que nos iluminem, que nos são força e apoio. E que,

aos poucos, também possamos voltar a ser luz resplandecente. Por mais que, as vezes

escutemos ao contrário, afirmo aqui que cada um de nós é insubstituível! Cada um de nós

tem seu lugar nesse mundo, e o mundo precisa de pessoas que assumam esse lugar.

Transformar o mundo não é tarefa de uma pessoa só, é de todos nós! Mas cada um poderá

contribuir da sua forma, única e especial. Compartilho que as palavras aqui escritas são de

alguém que não só estuda as ideias de Frankl, mas que também confia profundamente no

sentido da vida.

Me coloco inteiramente disponível para quem desejar entrar em contato comigo, seja

para esclarecer qualquer dúvida teórica, seja para conversar sobre a vida. Acredito piamente

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que juntos poderemos tornar o mundo um lugar melhor! Espero que essa tenha sido uma

proveitosa leitura e finalizo o e-book com um que poema eu adoro, de Cora Coralina:

“Não sei... se a vida é curta ou longa demais para nós.


Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas.
Muitas vezes, basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo: é o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela não seja nem curta, nem longa demais, mas que seja intensa,
verdadeira e pura... enquanto durar.
Feliz aquele que transfere o que sabe e que aprende o que ensina”.

E-book escrito pela Psicóloga Raissa Daniella Correa Gomes para o Instituto Freedom

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Lista de referências

De Aquino, T. A. A. (2012). Logoterapia e Análise Existencial: uma introdução ao pensamento de Viktor


Frankl. 1.ed. Paulus.
Frankl, V. E. (2011). A Vontade de Sentido: Fundamentos e aplicações da Logoterapia. 4.ed. Paulus.
Frank, V. E. (2016). Psicoterapia e sentido da vida. 6.ed. Quadrante.
Frankl, V. E. (2016). Teoria e terapia das neuroses: Introdução à Logoterapia e à análise existencial.
1.ed. É realizações.
Frankl, V. E. (2019). O sofrimento humano: fundamentos antropológicos da psicoterapia. É realizações.
Frankl. V. E. (2020). Psicoterapia e Existencialismo: Textos selecionados em logoterapia. 1.ed. É
realizações.
Frankl, V. E. (2021). A falta de sentido: Um desafio para a psicoterapia e a filosofia. 1.ed. Auster.
Lukas, E. (2012). Psicoterapia em dignidade. 1.ed. IECVF.
Lukas, E. (1992). Assistência logoterapêutica. 1.ed. Vozes.

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