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1.

Estudo Teórico da Morte

Desde os primórdios da Civilização, a morte é considerada um aspecto que


fascina e, ao mesmo tempo, aterroriza a Humanidade. A morte e os supostos
eventos que a sucedem são, historicamente, fonte de inspiração para doutrinas
filosóficas e religiosas, bem como uma inesgotável fonte de temores, angústias e
ansiedades para os seres humanos.
A morte como fenômeno físico já foi exaustivamente estudada e continua sendo
objeto de pesquisas, porém permanece um mistério impenetrável quando nos
aventuramos no terreno do psiquismo.
Falar sobre morte, ao mesmo tempo que ajuda a elaborar a idéia da finitude
humana, provoca um certo desconforto, pois damos de cara com essa mesma
finitude, o inevitável, a certeza de que um dia a vida chega ao fim.
A certeza humana da morte aciona uma série de mecanismos psicológicos. E são
esses mecanismos que instigam a nossa curiosidade científica. Em outras
palavras, o foco de interesse seria como o homem lida com a morte; seus medos,
suas angústias, suas defesas, suas atitudes diante da morte.

O tema da morte não é de forma alguma uma discussão atual. Foram muitos os
filósofos, historiadores, sociólogos, biólogos, antropólogos e psicólogos a
discutir o assunto no decorrer da História. Isto porque a morte não faz parte de
uma categoria específica; é uma questão que atravessa a história, é sobretudo
uma questão essencialmente humana.
Dentro dos vários enfoques teóricos que possibilitam a reflexão sobre a morte,
um deles nos interessa em especial: o enfoque psicanalítico. Foi esse enfoque
que deu corpo às nossas indagações sobre a morte, seja através da análise
pessoal, seja através da teoria propriamente dita.

A concepção que se tem sobre a morte e a atitude do homem diante dela, tende a
se alterar de acordo com o contexto histórico e cultural. Sem dúvida o advento
do capitalismo e seus tempos de crise, fez surgir uma nova visão sobre a morte,
que segundo Torres, (1983), tem a ver com o surgimento do capital como força
principal de produção. Neste sentido, o vivo pode tudo e o morto não pode nada,
já que teve sua vida produtiva interrompida.

Diante desta crise, na qual os homens encontram-se completamente


abandonados e despreparados, vemos este aprofundamento teórico como uma
forma de dimensionar a morte, contribuindo para sua melhor compreensão e
elaboração, instrumentalizando sobretudo, os profissionais da área de saúde,
que trabalham lado a lado com este tema.

DADOS HISTÓRICOS
Possuímos uma herança cultural sobre a morte que define nossa visão de morte
nos dias atuais. Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983), as interpretações
atuais sobre a morte constituem parte da herança que as gerações anteriores, as
antigas culturas nos legaram.

Faremos então, um pequeno passeio pela história para que possamos entender
como foi construída a idéia da morte encontrada nos dias de hoje.

Arqueólogos e antropólogos, através de seus estudos, descobriram que o homem


de Neanderthal já se preocupava com seus mortos:

“Não somente o homem de Neanderthal enterra seus mortos, mas às vezes os


reúne (gruta das crianças, perto de Menton).” Morin (1997)

Ainda segundo Morin (1997) na pré-história, os mortos dos povos musterenses


eram cobertos por pedras, principalmente sobre o rosto e a cabeça, tanto para
proteger o cadáver dos animais, quanto para evitar que retornassem ao mundo
dos vivos. Mais tarde, eram depositados alimentos e as armas do morto sobre a
sepultura de pedras e o esqueleto era pintado com uma substância vermelha.
“O não abandono dos mortos implica a sobrevivência deles. Não existe relato de
praticamente nenhum grupo arcaico que abandone seus mortos ou que os
abandone sem ritos.” Morin (1997)

Ainda hoje, nos planaltos de Madagascar, durante toda a vida, os kiboris


constróem uma casa de alvenaria, lugar onde seu corpo permanecerá após a
morte.

Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983), os egípcios da Antigüidade, em sua


sociedade bastante desenvolvida do ponto de vista intelectual e tecnológico,
consideravam a morte como uma ocorrência dentro da esfera de ação. Eles
possuíam um sistema que tinha como objetivo, ensinar cada indivíduo a pensar,
sentir e agir em relação à morte.

Os autores seguem dizendo que os malaios, por viverem em um sistema


comunitário intenso, apreciavam a morte de um componente, como uma perda
do próprio grupo. Desta feita, um trabalho de lamentação coletiva diante da
morte era necessário aos sobreviventes. Ademais, a morte era tida não como um
evento súbito, mas sim como um processo a ser vivido por toda a comunidade.

Segundo Áries (1977), na Vulgata, o livro da Sabedoria, após a morte, o justo irá
para o Paraíso. As versões nórdicas do livro da Sabedoria rejeitaram a idéia de
Paraíso descritas no livro original pois, segundo os tradutores, os nórdicos não
esperam as mesmas delícias que os orientais, após a morte. Isso porque os
orientais descrevem que o Paraíso tem “a frescura da sombra”, enquanto os
nórdicos preferem “o calor do sol”. Estas curiosidades nos mostram como o ser
humano deseja, ao menos após a morte, obter o conforto que não conseguiu em
vida.

Já o budismo, através da sua mitologia, busca afirmar a inevitabilidade da morte.


A doutrina budista nos conta a “Parábola do Grão de Mostarda”: uma mulher
com o filho morto nos braços, procura Buda e suplica que o faça reviver. Buda
pede à mulher que consiga alguns grãos de mostarda para fazê-lo reviver. No
entanto, a mulher deveria conseguir estes grãos em uma casa onde nunca
houvesse ocorrido a morte de alguém. Obviamente esta casa não foi encontrada
e a mulher compreendeu que teria que contar sempre com a morte.

Na mitologia hindu, a morte é encarada como uma válvula de escape para o


controle demográfico. Quando a “Mãe-Terra”, torna-se sobrecarregada de
pessoas vivas, ela apela ao deus Brahma que envia, então, a “mulher de
vermelho” (que representa a morte na mitologia ocidental) para levar pessoas,
aliviando assim, os recursos naturais e a sobrecarga populacional da “Mãe-
Terra”.

Segundo Mircea Elíade (1987) os fino-úgricos (povos da região da Península de


Kola e da Sibéria Ocidental), têm sua religiosidade profundamente vinculada ao
xamanismo. Os mortos destes povos eram enterrados em covas familiares, onde
os que morreram há mais tempo, recebiam os “recém mortos”. Assim, as famílias
eram constituídas tanto pelos vivos quanto pelos mortos.

Esses exemplos nos trazem uma idéia de continuidade em relação à morte, não
sendo a mesma, considerada como um fim em si. Havia uma certa tentativa de
controle mágico sobre a morte, o que facilitava sua integração psicológica, não
havendo portanto, uma cisão abrupta entre vida e morte. Isso sem dúvida
aproximava o homem da morte com menos terror.
Apesar da familiaridade com a morte, os Antigos de Constantinopla mantinham
os cemitérios afastados das cidades e das vilas. Os cultos e honrarias que
prestavam aos mortos, tinham como objetivo mante-los afastados, de modo que
não “voltassem” para perturbar os vivos.

Por outro lado, na Idade Média, os cemitérios cristãos localizavam-se no interior


e ao redor das igrejas e a palavra cemitério significava também “lugar onde se
deixa de enterrar”. Daí, eram tão comuns as valas cheias de ossadas sobrepostas
e expostas ao redor das igrejas.

A Idade Média foi um momento de crise social intensa, que acabou por marcar
uma mudança radical na maneira do homem lidar com a morte. Kastenbaum e
Aisenberg (1983) nos relatam que a sociedade do século catorze foi assolada
pela peste, pela fome, pelas cruzadas, pela inquisição; uma série de eventos
provocadores da morte em massa. A total falta de controle sobre os eventos
sociais, teve seu reflexo também na morte, que não podia mais ser controlada
magicamente como em tempos anteriores. Ao contrário, a morte passou a viver
lado a lado com o homem como uma constante ameaça a perseguir e pegar a
todos de surpresa.

Esse descontrole, traz à consciência do homem desta época, o temor da morte. A


partir daí, uma série de conteúdos negativos começam a ser associados à morte:
conteúdos perversos, macabros, bem como torturas e flagelos passam a se
relacionar com a morte, provocando um total estranhamento do homem diante
deste evento tão perturbador. A morte se personifica como forma do homem
tentar entender com quem está lidando, e uma série de imagens artísticas se
consagram como verdadeiros símbolos da morte, atravessando o tempo até os
dias de hoje.

Kübler-Ross (1997) descreve que são cada vez mais intensas e velozes as
mudanças sociais, expressas pelos avanços tecnológicos. O homem tem se
tornado cada vez mais individualista, preocupando-se menos com os problemas
da comunidade. Essas mudanças tem seu impacto na maneira com a qual o
homem lida com há morte nos dias atuais.

O homem da atualidade convive com a idéia de que uma bomba pode cair do céu
a qualquer momento. Não é de se surpreender portanto que o homem, diante de
tanto descontrole sobre a vida, tente se defender psiquicamente, de forma cada
vez mais intensa contra a morte. "Diminuindo a cada dia sua capacidade de
defesa física, atuam de várias maneiras suas defesas psicológicas" Kübler-Ross
(1997)

Ao mesmo tempo, essas atrocidades seriam, segundo ponto de vista de Mannoni,


(1995), verdadeiras pulsões de destruição; a dimensão visível da pulsão de
morte.

Mannoni (1995), citando Áries, conta que a morte revelou sua correlação com a
vida em diversos momentos históricos. As pessoas podiam escolher onde iriam
morrer; longe ou perto de tais pessoas, em seu lugar de origem; deixando
mensagens a seus descendentes.

A possibilidade de escolha deu lugar a uma crescente perda da dignidade ao


morrer, como nos afirma Kübler-Ross (1997): "...já vão longe os dias em que era
permitido a um homem morrer em paz e dignamente em seu próprio lar."

Para Mannoni, nos dias atuais, 70% dos pacientes morrem nos hospitais,
enquanto no século passado, 90% morriam em casa, perto de seus familiares.
Isto ocorre porque, nas sociedades ocidentais o moribundo é, geralmente,
afastado de seu círculo familiar.

“O médico não aceita que seu paciente morra e, se entrar no campo em que se
confessa a impotência médica, a tentação de chamar a ambulância (para se livrar
do “caso”) virá antes da idéia de acompanhar o paciente em sua casa, até o fim
da vida.” Mannoni (1995)
A morte natural deu lugar à morte monitorada e às tentativas de reanimação.
Muitas vezes, o paciente nem é consultado quanto ao que deseja que se tente
para aliviá-lo. A medicalização da morte e os cuidados paliativos, não raro,
servem apenas para prolongar o sofrimento do paciente e de sua família. É
muito importante que as equipes médicas aprendam a distinguir cuidados
paliativos e conforto ao paciente que está morrendo, de um simples
prolongamento da vida.

Outro aspecto comportamental do ser humano em relação à morte é que


antigamente, preferia-se morrer lentamente, perto da família, onde o moribundo
tinha a oportunidade de se despedir. Atualmente, não é raro se ouvir dizer que é
preferível uma morte instantânea, que o longo sofrimento causado por uma
doença.

Entretanto, segundo Kovács (1997) contrariando o senso comum, o tempo da


doença, justamente ajuda a assimilar a idéia de morte, e a conseguir tomar
decisões concretas, como a adoção dos filhos ou a resolução de
desentendimentos.

Segundo Bromberg (1994) nossa cultura não incorpora a morte como parte da
vida, mas sim como castigo ou punição.

O HOMEM DIANTE DA PRÓPRIA MORTE / O HOMEM DIANTE DA MORTE DO


OUTRO

Desde muito cedo, ainda bebês, quando passamos a distinguir nosso próprio
corpo do corpo da mãe, somos obrigados a aprender a nos separar de quem ou
daquilo que amamos. A princípio, convivemos com separações temporárias,
como por exemplo, a mudança de escola. Mas chega uma hora, que acontece a
nossa primeira perda definitiva: alguém que nos é muito querido, um dia, se vai
para sempre. É justamente esse “para sempre” que mais nos incomoda.

Porém, quanto mais conscientes estivermos de nossas mortes diárias, mais nos
preparamos para o momento da grande perda de tudo que colecionamos e
nutrimos durante a vida: desde toda a bagagem intelectual, todos os
relacionamentos afetivos, até o corpo físico.

Com o distanciamento cada vez maior do homem em relação à morte, cria-se um


tabu, como se fosse desaconselhável ou até mesmo proibido falar sobre este
tema.

Segundo Bromberg (1994) “como aprendemos em nossa cultura, evitamos a dor,


evitamos a perda e fugimos da morte, ou pensamos fugir dela...”

Esse quadro atual nos revela a dimensão da cisão que o homem tem feito entre
vida e morte, tentando se afastar ao máximo da idéia da morte, considerando
sempre que é o outro que vai morrer e não ele. Nos lançamos então à questão da
angústia e do medo em relação à morte.

Uma das limitações básicas do homem é a limitação do tempo. Segundo Torres


(1983): "...o tempo gera angústia, pois do ponto de vista temporal, o grande
limitador chama-se morte..."
A Psicanálise Existencial, apontada por Torres (1983) revela a dimensão da
angústia da morte: "A angústia mesma nos revela que a morte e o nada se opõe à
tendência mais profunda e mais inevitável do nosso ser", que seria a afirmação
do si mesmo.

Mannoni (1995) busca em Freud, palavras que falem da angústia do homem


diante da morte: "... Freud a situa ou na reação a uma ameaça exterior, ou como
na melancolia, ao desenrolar de um processo interno. Trata-se sempre, porém,
de um processo que se passa entre o eu e a severidade do supereu."

Segundo Kastenbaum e Aisenberg (1983) o ser humano lida com duas


concepções em relação à morte: a morte do outro, da qual todos nós temos
consciência, embora esteja relacionada ao medo do abandono; e a concepção da
própria morte, a consciência da finitude, na qual evitamos pensar pois, para isto,
temos que encarar o desconhecido.

É a angústia gerada ao entrar em contato com a fatalidade da morte, que faz com
que o ser humano mobilize-se a vencê-la, acionando para este fim, diversos
mecanismos de defesa, expressos através de fantasias inconscientes sobre a
morte. Muito comum é a fantasia de existir vida após a morte; de existir um
mundo paradisíaco, regado pelo princípio do prazer e onde não existe
sofrimento; de existir a possibilidade de volta ao útero materno, uma espécie de
parto ao contrário, onde não existem desejos e necessidades. Ao contrário
dessas fantasias prazerosas, existem aquelas que provocam temor. O indivíduo
pode relacionar a morte com o inferno. São fantasias persecutórias que têm a
ver com sentimentos de culpa e remorso. Além disso, existem identificações
projetivas com figuras diabólicas, relacionando a morte com um ser
aterrorizante, com face de caveira, interligado a pavores de aniquilamento,
desintegração e dissolução.

O homem é o único animal que tem consciência de sua própria morte. Segundo
Kovács (1998): "O medo é a resposta mais comum diante da morte. O medo de
morrer é universal e atinge todos os seres humanos, independente da idade,
sexo, nível sócio-econômico e credo religioso."

Para a Psicanálise Existencial enunciada por Torres, (1983): "... o medo da morte
é o medo básico e ao mesmo tempo fonte de todas as nossas realizações: tudo
aquilo que fazemos é para transcender a morte.”

Complementa esse pensamento afirmando que "todas as etapas do


desenvolvimento são na verdade formas de protesto universal contra o acidente
da morte."

Segundo Freud (1917) ninguém crê em sua própria morte. Inconscientemente,


estamos convencidos de nossa própria imortalidade. “Nosso hábito é dar ênfase
à causação fortuita da morte – acidente, doença, idade avançada; desta forma,
traímos um esforço para reduzir a morte de uma necessidade para um fato
fortuito.”

Como dito anteriormente, o homem encontra-se num processo contínuo de cisão


ente vida e morte, tentando afastar-se ao máximo da idéia da morte,
considerando sempre que é o outro que vai morrer e não ele. Configura-se então,
uma situação na qual o homem se defende pela segregação.

Esse fato é constatado por Mannoni (1995): "Nossas sociedades hoje, defendem-
se da doença e da morte pela segregação. Existe aí algo importante: a segregação
dos mortos e dos moribundos caminha junto com a dos velhos, das crianças
indóceis (ou outras), dos desviantes, dos imigrantes, dos delinqüentes, etc."

Segundo Torres (1983): "A sociedade ocidental não sabe o que fazer com os
mortos. Um intenso ou íntimo terror preside as relações que ela intervém com
esses 'estranhos' - corpos que bruscamente deixaram de produzir, deixaram de
consumir - máscaras que não respondem a nenhum apelo e resistem a todas as
seduções."
A autora segue falando dessa segregação em outro momento, quando diz que a
mesma se dá através da rejeição ao moribundo. São acionados neste processo,
alguns mecanismos que tentam negar ou encobrir a concretude da morte.

A própria equipe médica encarregada de doentes terminais, na maioria das


vezes, não consegue elaborar a possível morte ou a morte concreta de seus
pacientes. No geral, os médicos e pessoal de apoio são bastante despreparados
para lidar com a morte, não conseguindo acolher o paciente e sua família.

Segundo Mannoni (1995) dois processos podem ocorrer com o atendente em


relação ao paciente. Um desses processos seria a idealização, na qual haveria
uma sacralização do doente, como se ele estivesse protegido das forças de
destruição. Um outro processo seria a renegação, na qual haveria uma recusa da
situação de morte, um evitamento por parte do atendente. Essa conduta impede
o acolhimento dos familiares enlutados.

A equipe médica vivencia a morte de um paciente como um fracasso, colocando


à prova, a onipotência médica. Ainda segundo Mannoni (1995): "é porque a
morte é vivida como um fracasso pela medicina que os serviços médicos chegam
a esquecer a família (ou a esconder-se dela)."

Segundo Kübler-Ross (1997): "Quando um paciente está gravemente enfermo,


em geral é tratado como alguém sem direito a opinar."

A autora questiona se o fato dos médicos assumirem a vontade do paciente em


estado grave, não seria uma defesa contra "... o rosto amargurado de outro ser
humano a nos lembrar, uma vez mais, nossa falta de onipotência, nossas
limitações, nossas falhas e, por último mas não menos importante, nossa própria
mortalidade?"

Para a autora, a preocupação da ciência e da tecnologia tem sido a de prolongar


a vida e não de torná-la mais humana. E segue falando sobre sua vontade como
médica: "se pudéssemos ensinar aos nossos estudantes o valor da ciência e da
tecnologia, ensinando há um tempo, a arte a ciência do inter-relacionamento
humano, do cuidado humano e total do paciente, sentiríamos um progresso
real."

Dentro dessa humanidade no atendimento ao doente terminal, Kübler-Ross


(1997) nos fala da importância do acolhimento ao doente por parte do médico,
da importância da verdade. A autora questiona não o dizer ou não a verdade,
mas sim como contar essa verdade, aproximando-se da dor do paciente,
colocando-se no lugar dele para entender seu sofrimento. Essa seria a
verdadeira disponibilidade humana para ajudar o outro em seu caminho em
direção à morte.

Apesar da importância da verdade, nem sempre o paciente consegue escutá-la,


justamente porque ele esbarra na idéia de que a morte também acontece com
ele, e não só com os outros.

Em sua pesquisa junto a pacientes terminais, Kübler-Ross (1997) identificou


cinco estágios quando da tomada de consciência por parte do paciente, de seu
estágio terminal. O primeiro estágio é a negação e o isolamento, fase na qual o
paciente se defende da idéia da morte, recusando-se a assumi-la como realidade.
O segundo estágio é a raiva, momento no qual o paciente coloca toda sua revolta
diante da notícia de que seu fim está próximo. Nesta fase, muitas vezes, o
paciente chega a ficar agressivo com as pessoas que o rodeiam. O terceiro
estágio, a barganha, é um momento no qual o paciente tenta ser bem
comportado, na esperança de que isso lhe traga a cura. É como se esse bom
comportamento ou qualquer outra atitude filantrópica, trouxesse horas extra de
vida. O quarto estágio é a depressão, fase na qual o paciente se recolhe,
vivenciando uma enorme sensação de perda. Quando o paciente tem um tempo
de elaboração e o acolhimento descrito anteriormente, atingirá o último estágio,
que é o da aceitação.

Mas não são somente os pacientes terminais que provocam incômodo por
remeter-nos diretamente à questão da morte. Os idosos também nos trazem a
idéia da morte e não é sem razão que isso acontece. Com o progresso da ciência
no combate à mortalidade, a associação entre morte e velhice passou a ser cada
vez maior. Segundo Kastembaum e Aisenberg (1983), esse evento relega a morte
a um segundo plano, algo que só acontece com o outro (velho). Segundo
Mannoni (1995) o idoso nos remete a uma imagem degradada e aviltada de nós
mesmos, e é dessa imagem insuportável que advém a segregação, já discutida
anteriormente.

Considerando a associação entre idade avançada e a morte, o que se cria,


segundo Torres (1983) é uma sociedade narcísica completamente voltada para a
juventude. Não há lugar para a velhice. Conseqüência disso é que "... as pessoas
idosas de modo geral, não querem se conscientizar de que estão velhas, nem
procurar uma orientação para velhos." Isso seria como dar a si próprio, uma
sentença de morte, numa sociedade cujo espaço da morte está em branco.
A segregação existente com relação aos idosos faz com que eles fiquem à mercê
da esfera social. Em muitos dos casos, há um afastamento concreto dos idosos,
que são colocados em asilos e casas de repouso. Mannoni (1995) faz uma crítica
bastante intensa a esses locais, dizendo que as instituições para idosos revelam
freqüentemente abismos de desumanidade e solidão.

Para o homem, uma criatura incapaz de aceitar sua própria finitude, não é fácil
lidar com um prognóstico de morte. No fundo, o grande medo da morte é o medo
do desconhecido.

Freud (1914) nos fala que a morte de um ente querido nos revolta pois, este ser
leva consigo uma parte do nosso próprio eu amado. E segue dizendo que, por
outro lado, esta morte também nos agrada pois, em cada uma destas pessoas
amadas, há também, algo de estranho.

Surge aí, a ambivalência, que são sentimentos simultâneos de amor e ódio, e


estão presentes em todos os relacionamentos humanos. Nestes relacionamentos,
o desejo de ferir o outro é freqüente e a morte desta pessoa pode ser
conscientemente desejada. Por isso, muitas vezes, quando o outro morre, a
pessoa que assim o desejou pode ficar com um sentimento de culpa difícil de
suportar e, para amenizar esta culpa, permanece em um luto intenso e
prolongado.

Para a psicanálise, a intensidade da dor frente à uma perda, se configura


narcisicamente como a morte de parte de si mesmo.

O LUTO

Já não se vive o luto como em épocas passadas e, na maioria das vezes, os


enlutados vivenciam a dor da perda na solidão, já que as pessoas ao redor,
preferem afastar de si o medo da morte. Atualmente o que se exige é o
recalcamento da dor da perda, em lugar das manifestações outrora usuais.
Mannoni (1995) nos fala deste processo: "Hoje não se trata mais tanto de honrar
os mortos, mas de proteger o vivo que se confronta com a morte dos seus."

Os ritos, tão essenciais, tornaram-se inconvenientes em nossa sociedade


higienizada, assim como a própria morte. Hoje, os funerais são rápidos e
despojados. Os símbolos são eliminados, como se fosse possível eliminar a
realidade da morte ou banalizá-la. Mas não há como apagar a presença do ser
ausente, nem o necessário processo de luto. Para que a morte de um ente
querido não assuma formas obsessivas no inconsciente é necessário ritualizar
essa passagem.

Segundo Freud (1916), "O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente
querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido,
como o país, a liberdade ou o ideal de alguém, e assim por diante." E segue
dizendo que o luto normal é um processo longo e doloroso, que acaba por
resolver-se por si só, quando o enlutado encontra objetos de substituição para o
que foi perdido.

Para Mannoni (1995), seguindo a interpretação de Freud, "o trabalho de luto


consiste, assim, num desinvestimento de um objeto, ao qual é mais difícil
renunciar na medida em que uma parte de si mesmo se vê perdida nele."

Segundo Parkes (1998), o luto pela perda de uma pessoa amada “envolve uma
sucessão de quadros clínicos que se mesclam e se substituem... o
entorpecimento, que é a primeira fase, dá lugar à saudade, e esta dá lugar à
desorganização e ao desespero, e é só depois da fase de desorganização que se
dá a recuperação.”

O autor segue dizendo que “o traço mais característico do luto não é a depressão
profunda, mas episódios agudos de dor, com muita ansiedade e dor psíquica.”

Diante da morte, o consciente sabe quem perdeu, mas ainda não dimensiona o
que perdeu. Por que um luto não realizado leva à melancolia, um estado
patológico capaz de durar anos e anos?

Para Freud, (1916) algumas pessoas, ao passar pela mesma situação de perda,
em vez de luto, produzem melancolia, o que provocou em Freud a suspeita de
que essas pessoas possuem uma disposição patológica. Para justificar essa
premissa, o autor fez uma série de comparações entre o luto e a melancolia,
tentando mostrar o que ocorre psiquicamente com o sujeito em ambos os casos

No luto, há uma perda consciente; na melancolia, a pessoa sabe quem perdeu,


mas não o que perdeu nesse alguém. "A melancolia está de alguma forma
relacionada a uma perda objetal retirada da consciência, em contraposição ao
luto, no qual nada existe de inconsciente a respeito da perda."

O autor fala ainda sobre o melancólico, que vivencia a perda, não do objeto como
no luto, mas como uma perda relativa ao ego. "No luto, é o mundo que se torna
pobre e vazio; na melancolia, é o próprio ego. O paciente representa seu ego
para nós como se fosse desprovido de valor, incapaz de qualquer realização e
moralmente desprezível..."

A chave do quadro clínico melancólico é a percepção de que "... as auto-


recriminações são recriminações feitas a um objeto amado, que foram
deslocadas desse objeto para o ego do próprio paciente."

A este respeito nos fala também Mannoni, (1995): "Em alguma parte existe, aí,
uma identificação com o objeto perdido, a ponto de tornar a si mesmo, enquanto
objeto (de desejo), um objeto abandonado."

Ainda citando Freud, (1916) o melancólico pode apresentar características de


mania. "...o maníaco demonstra claramente sua liberação do objeto que causou
seu sofrimento, procurando, como um homem vorazmente faminto, novas
catexias objetais." Ou seja, há uma busca indiscriminada de outros objetos nos
quais o indivíduo possa investir.

O que se poderia dizer afinal é que, a pessoa melancólica coloca a si própria


como culpada pela perda do objeto amado.

Existe um período considerado necessário para a pessoa enlutada passar pela


experiência da perda. Esse período não pode ser artificialmente prolongado ou
reduzido, uma vez que o luto demanda tempo e energia para ser elaborado.
Costuma-se considerar - sem no entanto tomar isto como uma regra fixa - que o
primeiro ano é importantíssimo para que a pessoa enlutada possa passar, pela
primeira vez, por experiências e datas significativas, sem a pessoa que morreu.

Nos rituais de enterro judaico, sã impedidos os gastos excessivos com os


funerais para que, com isso, não se compense ou se esconda qualquer
sentimento da família. O Kriyah (ato de rasgar as roupas), é como uma catarse.
Logo após os funerais, os familiares fazem uma refeição juntos, que simboliza a
continuidade da vida. O luto é estabelecido por etapas: a primeira etapa (Shivá),
dura sete dias e é considerada a etapa mais intensa, na qual a pessoa tem o
direito de recolher-se com sua família e orar pelo morto. A Segunda etapa
(Shloshim), que dura trinta dias, tem a finalidade de estabelecer um período
maior para a elaboração do luto. Já a terceira etapa, tem a duração de um ano e é
designada, principalmente, para os filhos que perderam seus pais. Enfim, o luto
judaico é caracterizado por fases que favorecem a expressão da dor, a
elaboração da morte e, por fim, a volta do enlutado à vida da comunidade.

Para cada enlutado, sua perda é a pior, a mais difícil, pois cada pessoa é aquela
que sabe dimensionar sua dor e seus recursos para enfrentá-la. No entanto, há
muitos fatores que entram em cena, quando se trata de avaliar as condições do
enlutado, seus recursos para enfrentar a perda e as necessidades que podem se
apresentar.

O luto pela perda de uma pessoa amada é a experiência mais universal e, ao


mesmo tempo, mais desorganizadora e assustadora que vive o ser humano. O
sentido dado à vida é repensado, as relações são refeitas a partir de uma
avaliação de seu significado, a identidade pessoal se transforma. Nada mais é
como costumava ser. E ainda assim há vida no luto, há esperança de
transformação, de recomeço. Porque há um tempo de chegar e um tempo de
partir, a vida é feita de pequenos e grandes lutos, através dos quais, o ser
humano se dá conta de sua condição de ser mortal.
BIBLIOGRAFIA

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