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Dedicado aos nossos Irmão portugueses, cuja historia é marcada


por heroísmo e lágrimas
2

A Carbonária, a Maçonaria
e a Implantação da República Portuguesa

Roberto Aguilar Machado Santos Silva


M∴ M∴ Gr∴ 18
Academia Maçônica de Letras de
Mato Grosso do Sul, Brasil

A Implantação da República Portuguesa foi o resultado de um golpe de estado


organizado pelo Partido Republicano Português que, no dia 5 de outubro de
1910, destituiu a monarquia constitucional e implantou um regime republicano
em Portugal. Após a relutância do exército em combater os cerca de dois mil
soldados e marinheiros revoltosos entre 3 e 4 de outubro de 1910, a República
foi proclamada às 9 horas da manhã do dia seguinte da varanda dos Paços do
Concelho1 de Lisboa. Após a revolução, um governo provisório chefiado por
Teófilo Braga2 dirigiu os destinos do país até à aprovação da Constituição de
19113 que deu início à Primeira República4.

1
Paços do concelho é a denominação tradicional dos edifícios onde está sedeada a administração local
de cada um dos municípios portugueses. No edifício dos paços do concelho está sempre instalada a sede
da câmara municipal (poder executivo colegiado local) do respetivo concelho, podendo albergar, também,
outros serviços e órgãos municipais.
2
Joaquim Teófilo Fernandes Braga (Ponta Delgada, 24 de Fevereiro de 1843 — Lisboa, 28 de Janeiro de
1924) foi um político, escritor e ensaísta português. Estreia-se na literatura em 1859 com Folhas Verdes.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, fixa-se em Lisboa em 1872, onde lecciona literatura
no Curso Superior de Letras (actual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Da sua carreira
literária contam-se obras de história literária, etnografia (com especial destaque para as suas recolhas de
contos e canções tradicionais), poesia, ficção e filosofia, tendo sido ele o introdutor do Positivismo em
Portugal. Depois de ter presidido ao Governo Provisório da República Portuguesa, a sua carreira política
terminou após exercer fugazmente o cargo de Presidente da República, em substituição de Manuel de
Arriaga, entre 29 de Maio e 4 de Agosto de 1915.
3
A Constituição Política da República Portuguesa de 1911 foi a quarta constituição portuguesa, e a
primeira constituição republicana do país.
4
A Primeira República Portuguesa (também referida como República parlamentar) e cujo nome oficial era
República Democrática Portuguesa, foi o sistema político que sucedeu ao Governo Provisório de Teófilo
Braga, de 1910 a 1926. Instável devido a divergências internas entre os mesmos republicanos que
originaram a revolução de 5 de Outubro de 1910, neste período de 16 anos houve sete Parlamentos, oito
Presidentes da República e 45 governos.
3

Constituinte de 1911.

Entre outras mudanças, com a implantação da república, foram substituídos os


símbolos nacionais: o hino nacional e a bandeira.

Antecedentes
A 11 de janeiro de 1890 o governo britânico de Lord Salisbury5 enviou ao
governo português um ultimato, na forma de "Memorando", exigindo a retirada
das forças militares portuguesas chefiadas pelo major Serpa Pinto6 do território
compreendido entre as colonias de Angola e Moçambique (nos atuais
Zimbabue e Zâmbia), zona reivindicada por Portugal ao abrigo do Mapa Cor-
de-Rosa.

Lord Salisbury.

5
Robert Arthur Talbot Gascoyne-Cecil, 3º Marquês de Salisbury (3 de fevereiro de 1830 – 22 de agosto
de 1903), conhecido como Lord Robert Cecil até 1865 e como Visconde Cranborne entre 1865 e 1868, foi
um político britânico, por três vezes Primeiro-ministro do Reino Unido, totalizando 13 anos como chefe de
governo. Foi o primeiro primeiro-ministro do século XX no Reino Unido.
6
Alexandre Alberto da Rocha de Serpa Pinto, visconde de Serpa Pinto, (20 de Abril de 1846 — 28 de
Dezembro de 1900) foi um militar, explorador e administrador colonial português.
4

Mapa cor-de-rosa
Mapa cor-de-rosa foi o nome dado ao mapa representativo da pretensão de Portugal a exercer soberania
sobre os territórios entre Angola e Moçambique, nos quais hoje se situam a Zâmbia, o Zimbábue e o
Malawi, numa vasta faixa de território que ligava o Oceano Atlântico ao Índico. Terá sido desenhado em
1886, e tornado público um ano depois. Embora a sua génese tenha sido atribuida ao então Ministro dos
7
Negócios Estrangeiros Henrique de Barros Gomes , que se empenhou na promoção de expedições que
pudessem comprovar a efectiva ocupação dos territórios pretendidos por Portugal em África, este sempre
negou a paternidade do mapa. Em colisão com o objectivo britânico de criar uma faixa de território que
ligasse o Cairo à Cidade do Cabo, desencadeou a disputa com a Grã-Bretanha que culminou no ultimato
britânico de 1890, a que Portugal cedeu, causando sérios danos à imagem do governo monárquico
português.

Mapa Cor-de-Rosa representando a pretensão à soberania sobre os territórios entre


Angola e Moçambique.

A pronta cedência portuguesa às exigências britânicas foi vista como uma


humilhação nacional por amplas franjas da população e das elites, iniciando-se

7
Henrique de Barros Gomes (Lisboa, 14 de Setembro de 1843 — Alcanhões, 15 de Novembro de 1898),
político português, ligado ao Partido Progressista, que entre outras funções foi deputado, diretor do Banco
de Portugal e ministro dos Negócios da Fazenda, dos Negócios Estrangeiros e da Marinha e Ultramar.
Notabilizou-se pela forma como lidou com a crise colonial suscitada pelas questões emergentes da
recusa do mapa cor-de-rosa e do ultimato britânico de 1890. Foi sócio efectivo da Sociedade de
Geografia de Lisboa e agraciado com diversas condecorações nacionais e estrangeiras. Foi condecorado
com a grã-cruz da Ordem de Cristo e da Ordem de Leopoldo da Bélgica. Era também membro das
seguintes ordens honoríficas: da Ordem de Pio IX (Santa Sé), da Imperial Ordem da Rosa (Brasil), da
Ordem de Carlos III (Espanha), de São Gregório Magno, de Mérito Naval (Espanha), do Sol Nascente
(Japão), da Coroa Real (Itália), da Legião de Honra (França), da Estrela Polar (Suécia), da Águia
Vermelha (Prússia), da Águia Branca (Polónia) e de São Maurício e São Lázaro (Itália). Foi nomeado
Conselheiro de Estado por carta régia de 7 de Novembro de 1889.
5

um profundo movimento de descontentamento em relação ao novo rei de


Portugal, D. Carlos8, à família real e à instituição da monarquia, vistos como
responsáveis pelo alegado processo de decadência nacional.

D. Carlos I de Portugal

A situação agravou-se com a severa crise financeira ocorrida entre 1890-1891,


quando as remessas dos emigrantes no Brasil cairam 80% com a chamada
crise do encilhamento9 na sequência da proclamação da república no Brasil
dois meses antes, acontecimento que era seguido com apreensão pelo
governo monárquico e com júbilo pelos defensores da república em Portugal.
Os republicanos souberam capitalizar este descontentamento, iniciando um
crescimento e alargamento da sua base social de apoio que acabaria por
culminar no derrube do regime.

8
D. Carlos I de Portugal (nome completo: Carlos Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel
Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo-Gotha;
Palácio da Ajuda, Lisboa, 28 de Setembro de 1863 — Terreiro do Paço, Lisboa, 1 de Fevereiro de 1908)
foi o penúltimo Rei de Portugal. Nascido em Lisboa, era filho do rei Luís I de Portugal e da princesa Maria
Pia de Sabóia, tendo subido ao trono em 1889. Foi cognominado O Diplomata (devido às múltiplas visitas
que fez a Madrid, Paris e Londres, retribuídas com as visitas a Lisboa dos reis Afonso XIII de Espanha,
Eduardo VII do Reino Unido, do Kaiser Guilherme II da Alemanha e do presidente da República Francesa
Émile Loubet), O Martirizado e O Mártir (em virtude de ter morrido assassinado), ou O Oceanógrafo (pela
sua paixão pela oceanografia, partilhada com o pai e com o príncipe do Mónaco).
9
A crise do Encilhamento foi uma bolha econômica que ocorreu no Brasil, entre o final da Monarquia e
início da República, estourando durante o governo provisório de Deodoro da Fonseca (1889-1891), tendo
em decorrência se transformado numa crise financeira. Os então respectivos Ministros da Fazenda
Visconde de Ouro Preto e Rui Barbosa, sob a justificativa de estimular a industrialização no País,
adotaram uma política baseada em créditos livres aos investimentos industriais garantidos por farta
emissão monetárias. Pelo modo como o processo foi legalmente estruturado e gerenciado, junto com a
expansão dos Capitais financeiro e industrial, vieram desenfreadas especulação financeira em todos os
mercados, forte alta inflacionária e, entre outros efeitos, boicotes de empresas-fantasmas, causados pelo
lançamento de ações sem lastro. No período de "Caça às bruxas" que se seguiu até 1895, em especial
durante o mandato de Floriano Peixoto, algumas das figuras expoentes do Encilhamento tiveram seus
bens congelados, confiscados, além de sofrer processos público e administrativo. Entre estes, estava Rui
Barbosa que teve que se exilar na Europa. Já, a legislação referente ao mercado de capitais no Brasil, na
vã tentativa de se controlar a volatilidade dos mesmos, numa época em que se desconhecia o conceito de
|Anti-fragilidade, sofreu violento retrocesso, se assemelhando ao tempo da "Lei dos Entraves", do qual só
se livraria 70 anos mais tarde em 1965.
6

Em 14 de Janeiro o governo progressista caiu e o líder regenerador António de


Serpa Pimentel10 foi nomeado para formar novo governo.

António de Serpa Pimentel.


Os progressistas passaram então a atacar o rei D. Carlos, votando em
candidatos republicanos nas eleições de março desse ano, contestanto o
acordo colonial então assinado com os britânicos. Alimentando um ambiente de
quase insurreição, a 23 de março de 1890, António José de Almeida11, na
época estudante da Universidade de Coimbra e, mais tarde, Presidente da
República, publicou um artigo com o título "Bragança, o último", que seria
considerado calunioso para o rei e o levaria à prisão.
A 1 de abril de 1890, o velho explorador Silva Porto imolou-se envolto numa
bandeira portuguesa no Kuito12, em Angola, após negociações falhadas com os
locais, sob ordens de Paiva Couceiro13, o que atribuiu ao ultimatum.

10
António de Serpa Pimentel (Coimbra, 20 de Novembro de 1825 — 2 de Março de 1900, Lisboa), filho do
Dr. Manuel de Serpa Machado e de D.ª Ana Rita Freire Pimentel, foi um dos políticos portugueses mais
destacados das últimas décadas do século XIX. Foi deputado e conselheiro de Estado, ministro, líder do
Partido Regenerador, e de 14 de Janeiro a 11 de Outubro de 1890 Presidente do Conselho de Ministros
de um dos governos da Monarquia Constitucional portuguesa.
12
Kuito é uma cidade e município de Angola e capital da província do Bié. Tem 4 814 km² e cerca de 477
mil habitantes. É limitado a Norte pelos municípios de Cunhinga e Catabola, a Este pelo município de
Camacupa, a Sul pelo município de Chitembo, e a Oeste pelo município de Chinguar. Até 1975 designou-
se Silva Porto, em homenagem ao explorador português Silva Porto.
13
Henrique Mitchell de Paiva Couceiro (Lisboa, 30 de Dezembro de 1861 — Lisboa, 11 de Fevereiro de
1944) foi um militar, administrador colonial e político português que se notabilizou nas campanhas de
ocupação colonial em Angola e Moçambique e como inspirador das chamadas incursões monárquicas
contra a Primeira República Portuguesa em 1911, 1912 e 1919. Presidiu ao governo da chamada
Monarquia do Norte, de 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919, na qual colaboraram activamente os
mais notáveis integralistas lusitanos. A sua dedicação à causa monárquica e a sua proximidade aos
princípios do Integralismo Lusitano, conduziu-o por diversas vezes ao exílio, antes e depois da instituição
do regime do Estado Novo em Portugal.
7

Mapa da localização de Kuito, Angola.

A morte do que fora um dos rostos da exploração interior africana gerou uma
onda de comoção nacional e o seu funeral foi seguido por uma multidão no
Porto. A 11 de abril foi posto à venda o Finis Patriae de Guerra Junqueiro,
ridicularizando a figura do rei.
Na cidade do Porto, no dia 31 de janeiro de 1891, registou-se um levantamento
militar contra a monarquia constituído principalmente por sargentos e praças.
Os revoltosos, que tinham como hino uma canção de cariz patriótico composta
em reação ao ultimato britânico, "A Portuguesa14", tomaram os Paços do
Concelho, de cuja varanda, o jornalista e político republicano Augusto Manuel
Alves da Veiga proclamou a implantação da república em Portugal e hasteou
uma bandeira vermelha e verde, pertencente ao Centro Democrático Federal.
O movimento foi, pouco depois, sufocado por um destacamento da guarda
municipal que se manteve fiel ao governo, resultando 12 mortos e 40 feridos.

14
A Portuguesa, que hoje é um dos símbolos nacionais de Portugal (o seu hino nacional), nasceu como
uma canção de cariz patriótico em resposta ao ultimato britânico para que as tropas portuguesas
abandonassem as suas posições em África, no denominado "Mapa cor-de-rosa".
8

Hino de Portugal

Letra Henrique Lopes de Mendonça, 1890

Composição Alfredo Keil, 1890

Adotado 5 de Outubro de 1910 (de fato)


19 de Julho de 1911 (de jure)

Os revoltosos capturados foram julgados, tendo 250 sido condenados a penas


entre os 18 meses e os 15 anos de degredo em África. "A Portuguesa" foi
proibida. Embora tendo fracassado, a revolta de 31 de janeiro de 1891 foi a
primeira grande ameaça sentida pelo regime monárquico e um prenúncio do
que viria a suceder quase duas décadas mais tarde.

O Partido Republicano Português


O Partido Republicano Português foi o partido que propôs e conduziu à
substituição da Monarquia Constitucional por uma República Liberal
Parlamentar, em Portugal. O republicanismo português já existia latente, na
corrente mais à esquerda das Cortes Gerais de 1820, assim como na ideologia
setembrista (a partir de 1836) e na rebelião patuleia15 (1846-47), embora esta
rebelião fosse uma mistura muito heterogénea da esquerda setembrista, de

15
Patuleia, ou Guerra da Patuleia, é o nome dado à guerra civil entre Cartistas e Setembristas na
sequência da Revolução da Maria da Fonte.
9

elementos absolutistas e de um populismo serôdio baseado no atraso dos


meios rurais do país, aquém do tempo histórico dos outros. Porém, sobretudo,
ele é originário, matricialmente e no contexto europeu, do jacobinismo da
Revolução Francesa de 1789: liberdade, igualdade e fraternidade, a bandeira
das esperanças progressistas no decurso do século XIX. O sentimento
republicano nasceu assim como reacção contra o imobilismo sem substância
em que caíra a ideologia e a política cartistas (adeptos da Carta Constitucional
que substituíra a Constituição vintista e a setembrista). Todos os anseios de
reforma capitularam perante os interesses consolidados e o temor das
inovações. Não é, pois, contra o liberalismo que o republicanismo se ergue e
se afirma, mas sim contra a interpretação que dele foi concretizada no regime
constitucional cartista, simultaneamente de teor político, social e económico.
Aquilo que o republicanismo pretende, em suma, é superar o compromisso
institucionalizado pela monarquia constitucional que, na sua opinião,
corromperia as virtualidades liberais, e estabelecer um regime que
concretizasse quer a liberdade, quer a igualdade, quer a fraternidade. Todavia,
para lá de alguns meios intelectuais, o republicanismo não teve expressão
significativa até 1890. Mesmo os homens mais representativos da geração de
70 - Antero de Quental16, Oliveira Martins17, Eça de Queirós18 só episódica e
superficialmente consideraram a fórmula republicana a mais adequada à
efectivação do ideal democratizante que os entusiasmava. A verdade é que as
hostes propriamente republicanas, apesar de aguerridas, eram muito escassas
no início do terceiro quartel do século XIX, e que se impunha, portanto, uma
larga, sistemática e persistente obra de propaganda. Em tal missão se vão
empenhar, quase exclusivamente, os republicanos a partir de cerca de 1870
até ao ano decisivo do Ultimato britânico de 189019 (1890), tendo essa

16
Antero Tarquínio de Quental (Ponta Delgada, 18 de abril de 1842 — 11 de setembro de 1891) foi um
escritor e poeta de Portugal que teve um papel importante no movimento da Geração de 70.
17
Joaquim Pedro de Oliveira Martins (Lisboa, 30 de Abril de 1845 — Lisboa, 24 de Agosto de 1894) foi
um político e cientista social português.
18
José Maria de Eça de Queirós (Póvoa de Varzim, 25 de novembro de 1845 — Paris, 16 de agosto de
1900) é um dos mais importantes escritores lusos. Foi autor, entre outros romances de reconhecida
importância, de Os Maias e O crime do Padre Amaro; este último é considerado por muitos o melhor
romance realista português do século XIX.
19
O Ultimato britânico de 1890 foi um ultimato do governo britânico - chefiado pelo primeiro ministro Lord
Salisbury - entregue a 11 de Janeiro de 1890 na forma de um "Memorando" que exigia a Portugal a
retirada das forças militares do território compreendido entre as colónias de Moçambique e Angola (nos
10

propaganda culminado nos festejos cívicos da comemoração do centenário de


Camões (1880). A subjugação do país aos interesses coloniais britânicos, os
gastos da família real, o poder da igreja, a instabilidade política e social, o
sistema de alternância de dois partidos no poder (os progressistas20 e os
regeneradores21), a ditadura de João Franco, a aparente incapacidade de
acompanhar a evolução dos tempos e se adaptar à modernidade — tudo
contribuiu para um inexorável processo de erosão da monarquia portuguesa do
qual os defensores da república, particularmente o Partido Republicano,
souberam tirar o melhor proveito. Por contraponto, o partido republicano
apresentava-se como o único que tinha um programa capaz de devolver ao
país o prestígio perdido e colocar Portugal na senda do progresso.
O movimento revolucionário de 5 de outubro de 1910 deu-se na sequência da
ação doutrinária e política que, desde que foi criado em 1876, o Partido
Republicano Português (PRP) foi desenvolvendo, com o objetivo de derrubar o
regime monárquico.

atuais Zimbabwe e Zâmbia), a pretexto de um incidente entre portugueses e Macololos (Numerosa tribo
do Alto Zambeze).
20
O Partido Progressista foi um dos partidos históricos portugueses do rotativismo da Monarquia
Constitucional de finais do século XIX. Alternava no poder com o Partido Regenerador. Este partido e o
Partido Regenerador dividiram os portugueses criando guerras psicológicas e sociológicas.
21
O Partido Regenerador foi um dos partidos do rotativismo da monarquia constitucional portuguesa,
alternando no poder com o Partido Progressista. Mais de metade dos presidentes do conselho da
segunda metade do século XIX pertenceram a esta formação política, de que foi um destacado líder
Ernesto Rodolfo Hintze Ribeiro. Por dissidência, uma facção liderada João Franco deu origem ao Partido
Regenerador Liberal.
11

O Diretório do Partido Republica Português - da esq. para a dir.: António Luís Gomes,
Bernardino Machado, Celestino de Almeida, António José de Almeida e Afonso Costa.

Ao fazer depender o renascimento nacional do fim da monarquia, o Partido


Republicano conseguiu demarcar-se do Partido Socialista Português, que
defendia a colaboração com o regime em troca de regalias para a classe
operária, e atraiu em torno de si a simpatia dos descontentes. Deste modo, os
desentendimentos dentro do partido acabaram por residir mais em questões de
estratégia política do que ideológica. O rumo ideológico do republicanismo
português já fora traçado muito antes, pelas obras de José Félix Henriques
Nogueira, pouco se alterando ao longo dos anos, exceto em termos de
adaptação posterior à realidade do país. Para isso contribuíram as obras de
Teófilo Braga que tentou concretizar as ideias descentralizadoras e
federalistas, abandonando o caráter socialista em prol dos aspetos
democráticos. Esta mudança visou, também, cativar a pequena e média
burguesia, que se tornou uma das principais bases de militância republicana.
12

Nas eleições de 13 de outubro de 1878 o PRP conseguiu eleger o seu primeiro


deputado, José Joaquim Rodrigues de Freitas, pelo Porto. Pretendeu-se,
também, que o derrube da monarquia tivesse uma mística messiânica,
unificadora, nacional e acima de interesses particulares das diversas classes
sociais. Esta panaceia que deveria curar, de uma vez, todos os males da
Nação, reconduzindo-a à glória, foi acentuando cada vez mais duas vertentes
fundamentais: o nacionalismo e o colonialismo. Desta combinação resultou o
definitivo abandono do iberismo, patente nas primeiras teses republicanas de
José Félix Henriques Nogueira, identificando-se os monárquicos e a monarquia
com antipatriotismo e cedência aos interesses estrangeiros. Outra forte
componente da ideologia republicana foi o acentuado anticlericalismo, devido à
teorização de Teófilo Braga, que identificou a religião como um empecilho ao
progresso e responsável pelo atraso científico de Portugal, em oposição aos
republicanos, vanguarda identificada com a ciência, o progresso e o bem-estar.
As questões ideológicas não eram, como se viu, fundamentais na estratégia
dos republicanos: para a maioria dos seus simpatizantes, que nem sequer
conhecia os textos dos principais manifestos, bastava ser contra a monarquia,
contra a Igreja e contra a corrupção política dos partidos tradicionais. Esta falta
de preocupação ideológica não quer dizer que o partido não se preocupasse
com a divulgação dos seus princípios. A ação de divulgação mais eficaz foi a
propaganda feita através dos seus comícios e manifestações populares e de
jornais como A Voz Pública, no Porto, e O Mundo (a partir de 1900) e A Luta (a
partir de 1906), em Lisboa.
A propaganda republicana foi sabendo tirar partido de alguns fatos históricos
de repercussão popular. As comemorações do terceiro centenário da morte de
Luís de Camões, em 1880, e o Ultimatum britânico, em 1890, por exemplo,
foram amplamente aproveitadas, apresentando-se os republicanos como os
verdadeiros representantes dos mais puros sentimentos nacionais e das
aspirações populares.
O terceiro centenário de Camões foi comemorado com grandes cerimónias: um
cortejo cívico que percorreu as ruas de Lisboa, no meio de grande entusiasmo
popular e, também, a trasladação dos restos mortais de Camões e de Vasco da
13

Gama para o Mosteiro dos Jerónimos22. As luminárias e o ar de festa nacional


que caraterizaram as comemorações complementaram o quadro de exaltação
patriótica. A ideia das comemorações camonianas partira da Sociedade de
Geografia de Lisboa, mas a execução foi confiada a uma comissão constituída
por, entre outros, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão23, Batalha Reis24, Magalhães
Lima25 e Pinheiro Chagas26, figuras cimeiras do Partido Republicano.
Para além de Rodrigues de Freitas27, também Manuel de Arriaga28, José Elias
Garcia29, Zófimo Consiglieri Pedroso30, José Maria Latino Coelho31, Bernardino

22
Perto do local onde o Infante D. Henrique, em meados do séc. XV, mandou edificar uma igreja sobre a
invocação de Sta. Maria de Belém, quis o rei D. Manuel I construir um grande Mosteiro. Para perpetuar a
memória do Infante, pela sua grande devoção a Nossa Senhora e crença em S. Jerónimo, D. Manuel I
decidiu fundar em 1496, o Mosteiro de Sta. Maria de Belém, perto da cidade de Lisboa, junto ao rio Tejo.
Doado aos monges da Ordem de S. Jerónimo, é hoje vulgarmente conhecido por Mosteiro dos Jerónimos.
O Mosteiro é um referente cultural que não escapou nem aos artistas, cronistas ou viajantes durante os
seus cinco séculos de existência. Foi acolhimento e sepultura de reis, mais tarde de poetas. Hoje é
admirado por cada um de nós, não apenas como uma notável peça de arquitectura mas como parte
integrante da nossa cultura e identidade. O Mosteiro dos Jerónimos foi declarado Monumento Nacional
em 1907 e, em 1983, a UNESCO classificou-o como "Património Cultural de toda a Humanidade".
23
José Duarte Ramalho Ortigão (Porto, 24 de Outubro de 1836 — Lisboa, 27 de Setembro de 1915) foi
um escritor português.
24
Jaime Batalha Reis (Lisboa, 24 de Dezembro de 1847 — 1935) foi um agrónomo, diplomata, geógrafo e
publicista. Foi uma das figuras eminentes da Geração de 70 e companheiro mais próximo de Antero de
Quental nos tempos do Cenáculo da Travessa do Guarda-Mor em Lisboa (1868-1871). Acompanhou de
perto todo o percurso dos Vencidos da Vida com quem se relacionou. A Geração de 70, ou Geração de
Coimbra, foi um movimento académico de Coimbra do século XIX que veio revolucionar várias dimensões
da cultura portuguesa, da política à literatura, onde a renovação se manifestou com a introdução do
realismo. Num ambiente boémio, na cidade universitária de Coimbra, Antero de Quental, Eça de Queiroz,
Oliveira Martins, entre outros jovens intelectuais, reuniam-se para trocar ideias, livros e formas para
renovação da vida política e cultural portuguesa, que estava a viver uma autêntica revolução com os
novos meios de transportes ferroviários, que traziam todos os dias novidades do centro da Europa,
influenciando esta geração para as novas ideologias. Foi o início da Geração de 70. Em Coimbra, este
Grupo gerou uma polémica em torno do confronto literário com os ultrarromânticos do "Bom senso e do
Bom gosto" ou mais conhecido por a Questão coimbrã. Mais tarde, já em Lisboa, os agora licenciados
reuniam-se no Casino Lisbonense, para discutir os temas de cada reunião, que acabara por ser proibida
pelo governo. Depois das reuniões, a geração de oiro de Coimbra acabou por não conseguir fazer mais
nada, muito menos executar os seus planos que revolucionaria o pais, e acabando por considerarem-se
"os vencidos da vida", que não conseguiram fazer nada com que se comprometeram.
25
Sebastião de Magalhães Lima (Rio de Janeiro, 30 de Maio de 1851 — Lisboa, 7 de Dezembro de 1928)
foi um advogado, jornalista, político e escritor português, fundador do jornal O Século. Defensor de
republicanismo com pendor a socialismo utópico, fez parte da chamada Geração de 70 e foi durante
largos anos grão-mestre da Maçonaria portuguesa, presidindo aos destinos da organização aquando do
Golpe de 28 de Maio de 1926 e do desencadear das perseguições que levariam à sua posterior
ilegalização durante o regime Estado Novo.
26
Manuel Joaquim Pinheiro Chagas (Lisboa, 13 de Novembro de 1842 — Lisboa, 8 de Abril de 1895) foi
um prolífico escritor, jornalista e político português. Destacou-se como romancista, historiador e
dramaturgo, tendo escrito inúmeros romances históricos e diversas peças de teatro, algumas das quais se
mantiveram em cena por mais de um século. Foi director de vários periódicos de Lisboa. Exerceu as
funções de deputado e par do Reino e foi Ministro da Marinha e Ultramar na fase decisiva das
movimentações da potências europeias em torno da partilha de África. Foi um dos fundadores da
Sociedade de Geografia de Lisboa.
27
José Joaquim Rodrigues de Freitas (Porto, 24 de Janeiro de 1840 - 27 de Julho de 1896) foi professor
catedrático e político português.
28
Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, 8 de Julho de 1840 — Lisboa, 5 de
Março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e
membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais
ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de Agosto de 1911 tornou-se primeiro presidente eleito
14

Pereira Pinheiro32, Eduardo de Abreu33, Francisco Teixeira de Queirós34, José


Jacinto Nunes35 e Francisco Gomes da Silva foram eleitos deputados,
representando o PRP em diversas sessões legislativas entre 1884 e 1894.
Desta data e até 1900 não houve representação parlamentar republicana.
Nesta fase, em que esteve afastado do parlamento, o partido empenhou-se na
sua organização interna.
Após um período de grande repressão ao PRP, o movimento republicano pôde
entrar novamente na corrida às legislativas em 1900, elegendo quatro
deputados: Afonso Costa, Alexandre Braga36, António José de Almeida37 e
João de Meneses38.

da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por Teófilo
Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de Maio de 1915, data em que foi obrigado a demitir-se, sendo
substituído no cargo pelo mesmo Teófilo Braga, que como substituto completou o tempo restante do
mandato.
29
José Elias Garcia (Cacilhas, 30 de Dezembro de 1830 — Lisboa, 21 de Junho de 1891) foi um
professor da Escola do Exército, jornalista, político republicano e coronel de engenharia do Exército
Português. Fundou em 1854 o periódico O Trabalho, a primeira publicação abertamente republicana em
Portugal. Foi vereador e presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Foi eleito deputado reformista a partir
de 1870 e deputado republicano em 1890. Membro da Maçonaria desde 1853, foi grão-mestre do Grande
Oriente Lusitano. Foi director da Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses.
30
Zófimo José Consiglieri Pedroso Gomes da Silva (Lisboa, 10 de Março de 1851 — Sintra, 3 de
Setembro de 1910), mais conhecido por Consiglieri Pedroso, foi um político, etnógrafo, ensaísta, escritor,
professor e director do Curso Superior de Letras. Inicialmente militante do Partido Progressista e depois
militante republicano, foi deputado às Cortes da Monarquia, eleito pelo círculo eleitoral de Lisboa. Orador
de grande qualidade e de improviso fácil, raramente escrevia os discursos, ficando famoso pela
acutilância dos seus folhetos doutrinários e como doutrinador republicano conhecido pela sua verve e
recorte literário, tendo publicado várias obras e folhetos de pendor propagandístico. Para além da história,
dedicou-se à etnografia e foi um dos introdutores da antropologia em Portugal, estudando os mitos,
tradições e superstições populares, actividades em que era um típico letrado do último quartel do século
XIX, profundamente imbuído de valores humanistas e revelando-se um ensaísta brilhante. Foi presidente
da Sociedade de Geografia de Lisboa e sócio efectivo da Academia de Ciências de Lisboa.
31
José Maria Latino Coelho (Lisboa, 29 de Novembro de 1825 — Sintra, 29 de Agosto de 1891), mais
conhecido por Latino Coelho, militar, escritor, jornalista e político português, formado em Engenharia
Militar. Seguiu a carreira das armas, tendo atingido o posto de general de brigada do estado-maior de
engenharia. Seguindo um percurso político que o levaria do Partido Regenerador, pelo qual foi eleito
deputado, ao Partido Republicano Português, com passagem por um governo do Partido Reformista, de
que foi fundador e ministro, a sua carreira política percorreu todo o arco partidário da Monarquia
Constitucional. Foi várias vezes eleito deputado, foi par do Reino eleito e exerceu as funções de ministro
da Marinha e de vogal do Conselho Geral de Instrução Pública. Foi lente na Escola Politécnica de Lisboa
e sócio efectivo e secretário perpétuo da Academia Real das Ciências de Lisboa. Como escritor,
notabilizou-se com obras de foro histórico e ensaístico.
32
Bernardino Pereira Pinheiro (Coimbra, 20 de Fevereiro de 1837 — Lisboa, 3 de Março de 1896), mais
conhecido por Bernardino Pinheiro, foi um publicista e político republicano português.
33
Eduardo Augusto da Rocha Abreu, mais conhecido por Eduardo de Abreu, (Angra do Heroísmo, 8 de
fevereiro de 1856 — Braga, 4 de fevereiro de 1912) foi um médico e político português
34
Francisco Teixeira de Queirós, (Arcos de Valdevez, 3 de maio de 1848 - Sintra, 22 de julho de 1919),
que usou o pseudónimo literário de Bento Moreno, foi um escritor português. Era filho de José Maria
Teixeira de Queirós e Antónia Joaquina Pereira Machado.
35
José Jacinto Nunes (Pedrógão Grande, 25 de Outubro de 1839 — Grândola, 9 de Novembro de 1931),
mais conhecido por Jacinto Nunes, foi um político republicano que, entre outras funções. foi membro do
directório do Partido Republicano Português durante o período que antecedeu a implantação da
República Portuguesa e presidente da Câmara Municipal de Grândola.
36
Alexandre José da Silva Braga (Porto, 14 de Março de 1829 — Porto, 9 de Maio de 1895) foi um poeta
e jornalista português.
15

O regicídio de 1908
A 1 de fevereiro de 1908, quando regressavam a Lisboa vindos de Vila Viçosa,
no Alentejo, onde haviam passado a temporada de caça, o rei D. Carlos e o
príncipe herdeiro Luís Filipe39 foram assassinados em plena Praça do
Comércio. O atentado ficou a dever-se ao progressivo desgaste do sistema
político português, vigente desde a Regeneração40 em grande parte devido à
erosão política originada pela alternância de dois partidos no poder: o
Progressista e o Regenerador. O rei, como árbitro do sistema político, papel
que lhe era atribuído pela Constituição, havia designado João Franco41 para o
lugar de presidente do Conselho de Ministros (chefe do governo). Este,
dissidente do Partido Regenerador, conseguiu convencer o rei a encerrar o
parlamento para poder implementar uma série de medidas com vista à
moralização da vida política. Com esta decisão acirrou-se toda a oposição, não
só apenas a republicana, mas também a monárquica, liderada pelos políticos
rivais de Franco que o acusavam de governar em ditadura. Os acontecimentos
acabaram por se precipitar na sequência da questão dos adiantamentos à
Casa Real (regularização das dívidas régias ao Estado) e da assinatura do

37
António José de Almeida (Vale da Vinha, Penacova, 17 de Julho de 1866 — Lisboa, 31 de Outubro de
1929) foi um político republicano português, sexto presidente da República Portuguesa de 5 de Outubro
de 1919 a 5 de Outubro de 1923. Casou com D. Maria Joana Queiroga, de quem teve uma filha.
38
João Duarte de Meneses (Lisboa, 22 de abril de 1868 — Lisboa, 8 de abril de 1918) foi um advogado,
jornalista e político português.
39
D. Luís Filipe (nome completo: Luís Filipe Maria Carlos Amélio Fernando Victor Manuel António
Lourenço Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis Bento de Bragança Orleães Sabóia e
Saxe-Coburgo-Gota; Santa Maria de Belém, Lisboa a 21 de Março de 1887 - Praça do Comércio, Lisboa,
1 de Fevereiro de 1908) foi Príncipe Real de Portugal, tendo sido Príncipe da Beira antes da subida de
seu pai ao trono. Filho mais velho do Rei D. Carlos I de Portugal e de sua mulher, a Rainha D. Amélia de
Orleães.
40
Regeneração é a designação dada ao período da Monarquia Constitucional portuguesa que se seguiu à
insurreição militar de 1 de Maio de 1851 que levou à queda de Costa Cabral e dos governos de inspiração
setembrista. Apesar do ministério que resultou do golpe ser presidido pelo marechal Saldanha, o principal
personagem da Regeneração foi Fontes Pereira de Melo. Embora não possa ser claramente delimitada
no tempo, o período da Regeneração durou cerca de 17 anos, terminando com a revolta da Janeirinha,
em 1868, que levou o Partido Reformista ao poder. A Regeneração foi caracterizada pelo esforço de
desenvolvimento económico e de modernização de Portugal, a que se associaram pesadas medidas
fiscais.
41
João Ferreira Franco Pinto Castelo Branco (Alcaide, Fundão, 14 de Fevereiro de 1855 - 4 de Abril de
1929) foi um dos políticos dominantes da fase final da monarquia constitucional portuguesa. Natural de
Alcaide (Fundão), era formado em direito pela Universidade de Coimbra. Ocupou vários cargos na
magistratura judicial (delegado do procurador régio), nas alfândegas e no Tribunal Fiscal e Aduaneiro.
Eleito deputado às Cortes em 1884 (pelo círculo eleitoral de Guimarães), rapidamente subiu na vida
política ocupando vários postos ministeriais e a presidência do conselho de ministros. Entrando em
dissidência com Hintze Ribeiro, abandonou o Partido Regenerador e formou o Partido Regenerador
Liberal. Foi o autor, enquanto Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino no gabinete
regenerador "Hintze-Franco", do Decreto de 2 de Março de 1895 que concede autonomia administrativa
aos ex-distritos dos Açores.
16

decreto de 30 de janeiro de 1908 que previa o degredo nas colónias, sem


julgamento, aos envolvidos numa intentona republicana fracassada ocorrida
dois dias antes, o Golpe do Elevador da Biblioteca42.

“Vi um homem de barba preta [...] abrir a capa e tirar uma carabina [...]. Quando [o] vi [...]
apontar sobre a carruagem percebi bem, infelizmente, o que era. Meu Deus, que horror o que
então se passou! Logo depois do Buíça ter feito fogo [...] começou uma perfeita fuzilada, como
numa batida às feras! Aquele Terreiro do Paço estava deserto, nenhuma providência! Isso é
que me custa mais a perdoar ao João Franco...”
D. Manuel

A família real encontrava-se então no Paço Ducal de Vila Viçosa43, mas os


acontecimentos levaram o rei D. Carlos a antecipar o regresso a Lisboa,
tomando o comboio na estação de Vila Viçosa na manhã do dia 1 de fevereiro.
A comitiva régia chegou ao Barreiro44 ao final da tarde, onde, para atravessar o
Tejo, tomou o vapor D. Luís, desembarcando no Terreiro do Paço45, em Lisboa,
por volta das 17 horas. Apesar do clima de grande tensão, o rei optou por
seguir em carruagem aberta, com uma reduzida escolta, para demonstrar
normalidade. Enquanto saudavam a multidão presente na praça, a carruagem
foi atingida por vários disparos. Um tiro de carabina atravessou o pescoço do
rei, matando-o imediatamente. Seguiram-se vários disparos, sendo que o
príncipe real conseguiu ainda alvejar um dos atacantes, sendo em seguida

42
O Golpe do Elevador da Biblioteca, ou a Intentona do Elevador, ou ainda o Golpe de 28 de Janeiro de
1908, foi uma tentativa de golpe de estado, visando à proclamação da República, levada a cabo pelo
Partido Republicano Português de parceria com a Dissidência Progressista, como reacção contra o
anunciado fim da ditadura administrativa de João Franco e a consequente ameaça de ascensão política
do Partido Regenerador-Liberal daquele. Embora o golpe tenha sido gorado por acção preventiva do
governo, este falhou em eliminar todos os focos de conspiração, do que resultou, em questão de dias, a
execução da acção que previa a eliminação física do monarca: o Regicídio, em consequência do qual,
embora a mudança de regime em si não tenha sido efectuada, o afastamento do rei e de João Franco
puseram termo à reforma da monarquia, mantendo a mesma instabilidade até aí crescente e que levaria à
proclamação da República em consequência do golpe seguinte.
43
O Paço Ducal de Vila Viçosa é importante monumento situado no Terreiro do Paço da vila alentejana
do distrito de Évora. Foi durante séculos a sede da sereníssima Casa de Bragança, uma importante
família nobre fundada no século XV, que se tornou na Casa Reinante em Portugal, quando em 1 de
Dezembro de 1640 o 8º Duque de Bragança foi aclamado Rei de Portugal (D.João IV).
44
O Barreiro é uma cidade portuguesa no Distrito de Setúbal, região de Lisboa e sub-região da Península
de Setúbal, com cerca de 40 859 habitantes, mas com uma área urbana que se estende até ao concelho
vizinho da Moita, o que lhe confere uma influência de cerca de pouco mais de 100 000 residentes.
45
A Praça do Comércio, também conhecida por Terreiro do Paço, é uma praça da Baixa de Lisboa
situada junto ao rio Tejo, na zona que foi o local do palácio dos reis de Portugal durante cerca de dois
séculos. É uma das maiores praças da Europa, com cerca de 36 000 m² (180m x 200m).
17

atingido na face por um outro disparo. A rainha, de pé, defendia-se com o ramo
de flores que lhe fora oferecido, fustigando um dos atacantes, que subira o
estribo da carruagem, gritando "Infames! Infames!". O infante D. Manuel foi
também atingido num braço. Dois dos regicidas, Manuel Buíça, professor
primário, e Alfredo Costa, empregado do comércio e editor, foram mortos no
local. Outros fugiram. A carruagem entrou no Arsenal da Marinha, onde se
verificou o óbito do rei e do herdeiro ao trono. Após o atentado, o governo de
João Franco foi demitido e foi lançado um rigoroso inquérito que, ao longo dos
dois anos seguintes, veio a apurar que o atentado fora cometido por membros
da Carbonária46. O processo de investigação estava já concluído nas vésperas
do dia 5 de outubro de 1910. Entretanto, tinham sido descobertos mais
suspeitos de envolvimento direto, sendo que alguns estavam refugiados no
Brasil e em França e dois, pelo menos, tinham sido mortos pela própria
Carbonária.

Reconstituição anónima do Regicídio


publicada no jornal "Folha Volante".

46
A Carbonária era uma sociedade secreta e revolucionária que actuou na Itália, França, Portugal e
Espanha nos séculos XIX e XX. Fundada na Itália por volta de 1810, a sua ideologia assentava em
valores libertacionais e fazia-se notar por um marcado anticlericalismo. Participou nas revoluções de
1820, 1830-1831 e 1848. Embora não tendo unidade política, já que reunia monarquistas e republicanos,
nem linha e acção definida, os carbonários (da italiano carbonaro, "carvoeiro") actuavam em toda a Itália.
Reuniam-se secretamente nas cabanas dos carvoeiros, derivando daí seu nome. Foi sugerido que o
esparguete à carbonara foi por eles inventado. Inventaram uma escrita codificada, para uso em
correspondência, utilizando um alfabeto carbonário. Os membros da Carbonária, principalmente da
pequena e média burguesia, tratavam-se por primos. As associações da Carbonária tinham uma relação
hierárquica. Chamavam-se choças (de menor importância), barracas e vendas , sendo estas as mais
importantes. As vendas, cada uma contendo vinte membros, desconheciam os grandes chefes. Todas as
orientações eram transmitidas por elas. Havia uma venda central, composta por sete membros, que
chefiava o trabalho das demais. A Carbonária não tinha nenhuma ligação popular, pois como sociedade
secreta, não anunciavam suas actividades. Além disso, a Itália era uma região agrícola e extremamente
católica, com camponeses analfabetos e religiosos, que tradicionalmente se identificavam com ideias e
chefes conservadores.
18

A Europa ficou chocada com este atentado, uma vez que D. Carlos era muito
estimado pelos restantes chefes de estado europeus. O regicídio de 1908
acabou por abreviar o fim da monarquia ao colocar no trono o jovem D. Manuel
II e lançando os partidos monárquicos uns contra os outros. Devido à sua tenra
idade (18 anos) e à forma trágica e sangrenta como alcançou o trono,
D. Manuel II47 auferiu inicialmente de uma simpatia generalizada. O jovem rei
começou por nomear um governo de consenso, presidido pelo almirante
Francisco Joaquim Ferreira do Amaral48. Este governo de acalmação, como
ficou conhecido, apesar de lograr acalmar momentaneamente os ânimos, teve
duração breve. A situação política rapidamente voltou a degradar-se, tendo-se
sucedido sete governos em dois anos. Os partidos monárquicos voltaram às
costumeiras questiúnculas e divisões, fragmentando-se, enquanto o Partido
Republicano continuava a ganhar terreno. Nas eleições de 5 de abril de 1908, a
última legislativa na vigência da monarquia, foram eleitos sete deputados, entre
os quais Estêvão de Vasconcelos49, Feio Terenas50 e Manuel de Brito
Camacho51. Nas eleições de 28 de agosto de 1910 o partido teve um resultado
arrasador, elegendo 14 deputados, dez deles por Lisboa.
No entanto, apesar dos evidentes êxitos eleitorais alcançados pelo movimento
republicano, o setor mais revolucionário do partido advogava a luta armada
como melhor meio de tomar o poder a curto prazo. Foi esta fação que saiu

47
D. Manuel II de Portugal (nome completo: Manuel Maria Filipe Carlos Amélio Luís Miguel Rafael Gabriel
Gonzaga Xavier Francisco de Assis Eugénio de Bragança Orleães Sabóia e Saxe-Coburgo-Gotha; 15 de
novembro de 1889 – 2 de julho de 1932) foi o trigésimo-quinto e último Rei de Portugal. D. Manuel II
sucedeu ao seu pai, o Rei D. Carlos I, depois do assassinato deste e do seu irmão mais velho, o Príncipe
Real D. Luís Filipe, a 1 de Fevereiro de 1908. Antes da sua ascensão ao trono, D. Manuel foi duque de
Beja e Infante de Portugal.
48
Francisco Joaquim Ferreira do Amaral (11 de Junho de 1844 — 11 de Agosto de 1923) foi um militar
(almirante) português, administrador colonial e político da última fase da monarquia constitucional
portuguesa.
49
José Estêvão Brosselard Pais de Vasconcelos (Olhão, 13 de novembro de 1868 — Lisboa, 15 de maio
de 1917) foi um médico e político português. Após a implantação da República Portuguesa, Estêvão de
Vasconcelos foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte de 1911, foi ministro do Fomento no
governo liderado por João Chagas e, mais tarde, senador pelo distrito de Beja. Foi ainda administrador da
Caixa Geral de Depósitos.
50
José Maria Moura Barata Feio Terenas (Covilhã, 5 de novembro de 1850 — Lisboa, 29 de janeiro de
1920) foi um jornalista e político português. Republicano assumido, participou nas reuniões preparatórias
da fundação do Partido Republicano Português, em 1873, ao lado de Latino Coelho, Elias Garcia, Oliveira
Marreca e Bernardino Pinheiro. Em 1876 esteve na criação do primeiro diretório do Partido Republicano,
tornando-se figura preponderante do Centro Republicano de Coimbra.
51
Manuel de Brito Camacho (Aljustrel, 12 de Fevereiro de 1862 — Lisboa, 19 de Setembro de 1934) foi
um médico militar, escritor, publicista e político que, entre outros cargos de relevo, exerceu as funções de
Ministro do Fomento (1910-1911) e de Alto Comissário da República em Moçambique (1921 a 1923).
Fundou e liderou o Partido Unionista. Foi fundador e director do jornal A Luta, órgão oficioso do Partido
Unionista.
19

vitoriosa do congresso do partido realizado em Setúbal entre 23 e 25 de abril


de 1909. O diretório, composto pelos moderados Teófilo Braga52, Basílio
Teles53, Eusébio Leão54, José Cupertino Ribeiro55 e José Relvas56, recebeu do
congresso o mandato imperativo de fazer a revolução. As funções logísticas de
preparação da intentona foram confiadas a elementos mais radicais. O comité
civil era formado por Afonso Costa57, João Chagas58 e António José de
Almeida59, enquanto que o almirante Cândido dos Reis60 liderava o comitê
militar. António José de Almeida ficou encarregue da organização das

52
Joaquim Teófilo Fernandes Braga (Ponta Delgada, 24 de Fevereiro de 1843 — Lisboa, 28 de Janeiro
de 1924) foi um político, escritor e ensaísta português. Estreia-se na literatura em 1859 com Folhas
Verdes. Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra, fixa-se em Lisboa em 1872, onde lecciona
literatura no Curso Superior de Letras (actual Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa). Da sua
carreira literária contam-se obras de história literária, etnografia (com especial destaque para as suas
recolhas de contos e canções tradicionais), poesia, ficção e filosofia, tendo sido ele o introdutor do
Positivismo em Portugal. Depois de ter presidido ao Governo Provisório da República Portuguesa, a sua
carreira política terminou após exercer fugazmente o cargo de Presidente da República, em substituição
de Manuel de Arriaga, entre 29 de Maio e 4 de Agosto de 1915.
53
Basílio Teles (Porto, 14 de Fevereiro de 1856 - 10 de Março de 1923) foi um professor e ensaísta
português.
54
Eusébio Leão (Gavião, 2 de Fevereiro de 1878 - Lisboa, 21 de Novembro de 1926) foi médico e político
republicano português.
55
José Cupertino Ribeiro Júnior (Pataias, Alcobaça, 1848 — ?) foi um industrial e político português.
Eleito para o Diretório do Partido Republicano Português em 1902, Cupertino Ribeiro colaborou na
preparação do 5 de Outubro de 1910. Fez parte da Assembleia Nacional Constituinte como deputado
eleito pelo círculo de Alcobaça. Mais tarde, aderiu à União Republicana de Brito Camacho
56
José de Mascarenhas Relvas (Golegã, 5 de Março de 1858 — Alpiarça, 31 de Outubro de 1929) foi um
político português. Foi o "escolhido" para proclamar a República, a 5 de Outubro de 1910, da varanda da
Câmara Municipal de Lisboa porque era um dos dirigentes "mais antigos" do directório do Partido
Republicano, lavrador abastado que granjeou prestígio nacional, sobretudo enquanto líder associativo dos
agricultores ribatejanos. Foi ministro das finanças do respectivo Governo Provisório de 12 de Outubro de
1910 até à auto-dissolução deste, a 4 de Setembro de 1911 sendo ele o responsável, nomeadamente,
pela introdução da reforma monetária que criou o escudo. Depois exerceu o cargo de embaixador de
Portugal em Espanha até finais de 1913 quando regressou a Portugal para assumir o seu lugar no
Senado, por entender que a sua legitimidade vinha do cargo para o qual havia sido eleito. Acabou por
resignar em 1915. Esteve em seguida bastantes anos afastado da actividade política dedicando-se aos
seus negócios, até ser nomeado primeiro-ministro, a 27 de Janeiro de 1919, tendo exercido aquele cargo
até 30 de Março do mesmo ano. Morreu a 31 de Outubro de 1929, na Casa dos Patudos, em Alpiarça. A
Assembleia da República prestou-lhe homenagem em 2008 com a exposição José Relvas, o conspirador
contemplativo, que ilustrou as diferentes facetas de José Relvas e do seu percurso político até 1914.
57
Afonso Augusto da Costa (Seia, 6 de Março de 1871 — Paris, 11 de Maio de 1937) foi um advogado,
professor universitário, político republicano e estadista português. Foi um dos principais obreiros da
implantação da República em Portugal e uma das figuras dominantes da Primeira República.
58
João Pinheiro Chagas (Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1863 — Estoril, 28 de Maio de
1925 (61 anos)), mais conhecido por João Chagas, foi um jornalista, diplomata e político português, tendo
sido o primeiro Primeiro-Ministro da I República de Portugal. Jornalista, escritor, crítico literário, político,
diplomata e conspirador, João Chagas foi, acima de tudo, um republicano liberal, ideal que abraçou até à
morte e que, por diversas vezes, lhe custou a prisão e o degredo. Deixou uma das obras mais
importantes, e por isso mesmo mais injustamente esquecida, do jornalismo político, de ideias e de
doutrinação democrática publicadas em Portugal, sendo autor de alguns dos textos basilares para a
compreensão do processo formativo, evolução e parâmetros ideológicos do republicanismo português.
59
António José de Almeida (Vale da Vinha, Penacova, 17 de Julho de 1866 — Lisboa, 31 de Outubro de
1929) foi um político republicano português, sexto presidente da República Portuguesa de 5 de Outubro
de 1919 a 5 de Outubro de 1923.
60
Carlos Cândido dos Reis, conhecido na época e historicamente como Almirante Reis (Lisboa, 16 de
Janeiro de 1852 - Lisboa, 4 de Outubro de 1910) foi um militar, conspirador e carbonário português.
20

sociedades secretas, como a Carbonária61 — em cuja chefia se integrava o


comissário naval António Machado Santos62 —, a Maçonaria e a "Junta
Liberal", dirigida por Miguel Bombarda63. A este eminente médico ficou a dever-
se uma importante ação de propaganda republicana junto do meio burguês e
que trouxe muitos simpatizantes à causa republicana.
O período entre o congresso de 1909 e a eclosão da revolução foi marcado por
uma grande instabilidade e agitação política e social, com várias ameaças de
sublevação pondo a revolução em risco devido à impaciência do pessoal da
marinha, chefiado por Machado Santos, que estava disposto a todos os riscos.

A revolta
A 3 de outubro de 1910 estalou a revolta republicana que já se avizinhava no
contexto da instabilidade política. Embora muitos envolvidos se tenham
esquivado à participação — chegando mesmo a parecer que a revolta tinha
falhado — esta acabou por suceder graças à incapacidade de resposta do
governo, que não conseguiu reunir tropas que dominassem os cerca de
duzentos revolucionários que na Rotunda64 resistiam de armas na mão.
No verão de 1910 Lisboa fervilhava de boatos e várias vezes foi o presidente
do Conselho de Ministros (primeiro-ministro) Teixeira de Sousa65, avisado de
golpes iminentes. A revolução não foi exceção: o golpe era esperado pelo
governo, que a 3 de outubro deu ordem para que todas as tropas da guarnição
da cidade ficassem de prevenção. Após o jantar oferecido em honra de

61
A Carbonária era uma sociedade secreta e revolucionária que actuou na Itália, França, Portugal e
Espanha nos séculos XIX e XX. Fundada na Itália por volta de 1810, a sua ideologia assentava em
valores libertacionais e fazia-se notar por um marcado anticlericalismo.
62
António Maria de Azevedo Machado Santos (Lisboa, 10 de Janeiro de 1875 — Lisboa, 19 de Outubro
de 1921), mais conhecido por Machado Santos, foi um militar e político português, considerado o
fundador da República Portuguesa pelo denodo com que se bateu na Revolução de 5 de Outubro de
1910 e depois na defesa do regime contra a intentona monárquica de 22 a 24 de Janeiro de 1919 em
Monsanto.
63
Miguel Augusto Bombarda (Rio de Janeiro, 6 de Março de 1851 — Lisboa, 3 de Outubro de 1910) foi
um médico psiquiatra e político republicano português. Foi o fundador da revista Medicina
contemporânea. Foi o secretário-geral do "XVI Congresso Internacional de Medicina e Cirurgia" que se
reuniu em Lisboa em 1906.
64
A Praça Marquês de Pombal situa-se entre a Avenida da Liberdade e o Parque Eduardo VII. Outrora
chamada de Rotunda, foi aqui que tiveram lugar os acontecimentos decisivos que levaram à Proclamação
da República Portuguesa em 5 de Outubro de 1910.
65
António Teixeira de Sousa, igualmente conhecido como Teixeira de Sousa (Celeirós, 5 de Maio de 1857
— Porto, 5 de Junho de 1917) foi um médico e político termalista transmontano, escritor, deputado, par do
reino, ministro de estado e líder do Partido Regenerador. Presidiu ao último governo da monarquia
constitucional de Portugal, sendo deposto pela Revolução de 5 de Outubro de 1910.
21

D. Manuel II pelo presidente e maçom brasileiro Hermes da Fonseca66, então


em visita de Estado a Portugal, o monarca recolheu-se ao Paço das
Necessidades67, enquanto seu tio e herdeiro jurado da coroa, o infante
D. Afonso, seguia para a Cidadela de Cascais68.

Maçom Marechal Hermes da


Fonseca (presidente do Brasil).
Após o assassinato de Miguel Bombarda, baleado por um dos seus pacientes,
os chefes republicanos reuniram-se de urgência na noite de dia 3. Alguns
oficiais foram contra, dada a prevenção das forças militares, mas o almirante
Cândido dos Reis69 insistiu para que se continuasse, sendo-lhe atribuída a
frase:

"A Revolução não será adiada: sigam-me, se quiserem. Havendo um só que cumpra o seu
dever, esse único serei eu."
Almirante Cândido dos Reis

Machado Santos já havia passado à ação e nem esteve na reunião. Este


dirigiu-se ao aquartelamento do Regimento de Infantaria 16, onde um cabo
revolucionário provocara o levantamento da maior parte da guarnição: um
comandante e um capitão que se tentaram opor foram mortos a tiro.

66
Marechal Hermes Rodrigues da Fonseca (São Gabriel, 12 de maio de 1855 — Petrópolis, 9 de
setembro de 1923) foi um maçom, militar e político brasileiro, presidente do Brasil entre 1910 e 1914.
Era sobrinho do tambem maçom e Marechal Deodoro da Fonseca, 1º presidente do Brasil, do General
João Severiano da Fonseca, Patrono do Serviço de Saúde do Exército, e filho do marechal Hermes
Ernesto da Fonseca e de Rita Rodrigues Barbosa.
67
O Palácio das Necessidades localiza-se no Largo do Rilvas, em Lisboa, Portugal
68
A Cidadela de Cascais localiza-se na Vila, Freguesia e Concelho de mesmo nome, Distrito de Lisboa,
em Portugal
69
Carlos Cândido dos Reis, conhecido na época e historicamente como Almirante Reis (Lisboa, 16 de
Janeiro de 1852 - Lisboa, 4 de Outubro de 1910) foi um militar, conspirador e carbonário português.
22

Entrando no quartel com umas dezenas de carbonários, o comissário naval


seguiu depois com cerca de 100 praças para o Regimento de Artilharia 1, onde
o capitão (posteriormente major) Afonso Palla70 e alguns sargentos,
introduzindo alguns civis no quartel, já haviam tomado a secretaria, prendendo
os oficiais que se recusaram a aderir. Com a chegada de Machado Santos
formaram-se duas colunas, que ficaram sob o comando dos capitães Sá
Cardoso e Palla. A primeira marchou ao encontro aos regimentos Infantaria 2 e
Caçadores 2, que deviam também estar sublevados, para seguir para
Alcântara onde deveriam apoiar o quartel de marinheiros. No percurso, cruzou-
se com um destacamento da Guarda Municipal, pelo que procurou outro
caminho. Depois de alguns confrontos com a polícia e civis, encontrou a coluna
comandada por Palla e avançaram para a Rotunda, onde se entrincheiraram
cerca das 5 horas da manhã. Compunha-se a força aí estacionada de 200 a
300 praças do Regimento de Artilharia 1, 50 a 60 praças de Infantaria 16 e
cerca de 200 populares. Os capitães Sá Cardoso71 e Palla e o comissário naval
Machado Santos, estavam entre os 9 oficiais no comando.
Entretanto, o tenente Ladislau Parreira e alguns oficias e civis introduziram-se
no Quartel do Corpo de Marinheiros de Alcântara à uma hora da madrugada e
conseguiram armar-se, sublevar a guarnição e aprisionar os comandantes,
tendo um destes ficado ferido. Pretendia-se com esta ação impedir a saída do
esquadrão de cavalaria da Guarda Municipal, o que foi conseguido. Para isto
era necessário no entanto o apoio, em armas e homens, dos 3 navios de
guerra ancorados no Tejo. Nestes o tenente Mendes Cabeçadas72 havia
tomado o comando da tripulação sublevada do "Adamastor73", enquanto a
tripulação revoltada do "São Rafael" esperava um oficial para comandá-la.

70
O Major José Afonso Palla, era filho de Francisco Afonso Palla e Antónia Dias; neto paterno de
Francisco Palla e Isabel Renca e materno de José Gomes da Rosa e de Maria Dias, nasceu na freguesia
de Malhada Sorda, concelho de Almeida, Distrito da Guarda em 21 de Fevereiro de 1861 e faleceu em 8
de Setembro de 1915 em resultado dos ferimentos recebidos no Combate de Mongua, Sul de Angola.
71
Alfredo Ernesto de Sá Cardoso (Lisboa, 6 de Junho de 1864 — Lisboa, 24 de Abril de 1950) foi um
político republicano português, duas vezes primeiro-ministro. Após os primeiros estudos, ingressou no
Colégio Militar e, depois, na Escola do Exército, onde cursou a arma de Artilharia. Assentou praça em
1880, prosseguindo a carreira de oficial do exército (alferes, 1886; tenente, 1888; capitão, 1900; major,
1911; tenente-coronel, 1915; coronel, 1917) que o levaria, em 1924, ao posto de general.
72
José Mendes Cabeçadas Júnior (Loulé, 19 de Agosto de 1883 — Lisboa, 11 de Junho de 1965) foi um
maçom e oficial da Armada Portuguesa.
73
O Adamastor foi um cruzador da Marinha Portuguesa, construído nos Estaleiros Navais de Livorno, na
Itália em 1896 e financiado pelas receitas proveninentes de uma subscrição pública organizada como
23

Cruzador Adamastor.

Cruzador São Rafael.

Cruzador São Rafael


Cruzador da Armada Portuguesa. Foi construído nos estaleiros franceses Forges et Chantiers
du Havre no ano de 1900. A sua coberta estava protegida por uma couraça de 35 mm. O
armamento principal deste cruzador compreendia 2 canhões de 150 mm, 4 de 120 mm, 8
peças de 75 mm e um tubo lança-torpedos. No historial do «São Rafael» inscrevem-se missões
de repressão da escravatura e o refreamento de tumultos ocorridos na Praia da Vitória por
motivos eleitorais. Em 1911 o navio foi destacado para as costas do norte do país, para ajudar
a por fim aos desmandos provocados pela incursão monárquica. A 21 de Outubro desse ano,
quando se encontrava sob o comando do capitão-de-fragata João António Ludovice, o «São
Rafael» arrostou uma violenta tempestade que o empurrou para a costa de Vila do Conde,
onde encalhou e se perdeu.

resposta portuguesa ao ultimato britânico de 1890, o seu custo na altura foi de 381 629 000$000 reis
(1.900,00 €, cerca de 8 milhões de Euros em valores actuais). O seu primeiro comandante foi o Capitão
de Mar-e-Guerra Ferreira do Amaral. O Adamastor desempenhou um papel importante no golpe de 5 de
Outubro de 1910, que levou à implantação da República Portuguesa, sendo responsável pelo
bombardeamento do Palácio Real das Necessidades.
24

Pelas 7 da manhã Ladislau Parreira, sendo informado por populares da


situação, despachou o segundo-tenente Tito de Morais para tomar o comando
do "São Rafael", com ordens para que ambos os navios reforçassem a
guarnição do quartel. Quando se soube que no "D. Carlos I" a tripulação se
encontrava sublevada mas os oficiais se haviam entrincheirado, saíram do
"São Rafael" o tenente Carlos da Maia com alguns marinheiros e civis. Após
algum tiroteio, de que resultaram feridos o comandante do navio e um tenente,
os oficiais renderam-se ficando o "D. Carlos I" também na mão dos
republicanos. Foi a última unidade a juntar-se aos revoltosos que contava
assim com parte do regimento de Artilharia 16 e de Artilharia 1, o corpo de
marinheiros e os três navios citados. A marinha aderira em massa como
esperado, mas muitos dos quartéis considerados simpatizantes não. Assim, os
republicanos, somavam cerca de 400 homens na Rotunda, mas cerca de 1000
a 1500 em Alcântara, contando com as tripulações dos navios, além de se
terem conseguido apoderar da artilharia da cidade, com a maioria das
munições, ao que juntava a artilharia dos navios. Estavam ocupadas a Rotunda
e Alcântara, mas a revolução ainda não estava decidida e os principais
dirigentes ainda não haviam aparecido. Mesmo assim, a princípio os
acontecimentos não decorreram a favor dos revoltosos. O sinal de três tiros de
canhão — que deveria ser o aviso para civis e militares avançarem — não
resultou. Apenas um tiro foi ouvido e o almirante Cândido dos Reis, que
esperava o sinal para tomar o comando dos navios, foi informado por oficiais
que tudo falhara e retirou-se para casa da irmã. Ao amanhecer seria
encontrado morto numa azinhaga em Arroios74. Desesperado, suicidara-se com
um tiro na cabeça. Entretanto, na Rotunda, o aparente sossego da cidade
desalentava de tal maneira os revoltosos que os oficiais acharam melhor
desistir. Sá Cardoso, Palla e os outros oficiais retiraram-se para suas casas,
mas Machado Santos ficou e assumiu o comando. Esta decisão seria
fundamental para o sucesso da revolução. A guarnição militar de Lisboa era
constituída por quatro regimentos de infantaria, dois de cavalaria e dois

74
São Jorge de Arroios é uma freguesia portuguesa do concelho de Lisboa, com 1,13 km² de área e 17
403 habitantes (2001). Densidade: 15 346,6 hab/km².
25

batalhões de caçadores, com um total teórico de 6.982 efetivos. Mas, na


prática, com os destacamentos militares colocados em funções de vigia e
policiamento, nomeadamente nas fábricas do Barreiro devido ao surto grevista
e à agitação sindicalista que se verificava desde setembro. Já desde o ano
anterior que as forças governamentais dispunham de um plano de ação,
elaborado por ordem do comandante militar de Lisboa, general Manuel Rafael
Gorjão Henriques75. Quando, no fim da tarde do dia 3, o presidente do
Conselho de Ministros Teixeira de Sousa o informou da eminência de uma
revolução, foi logo dada ordem de prevenção às guarnições na cidade e
chamadas de Santarém as unidades Artilharia 3 e Caçadores 6, e de Tomar, a
de Infantaria 15. Assim que houve notícia do começo da revolta, o plano foi
posto em prática: os regimentos de Infantaria 1, Infantaria 2, Caçadores 2 e
Cavalaria 2, mais a bataria de Queluz, seguiram para o Paço das
Necessidades para proteger a pessoa do rei, enquanto Infantaria 5 e
Caçadores 5 marcharam para o Rossio76, com a missão de proteger o quartel-
general. Quanto às forças policiais a guarda municipal foi, de acordo com o
plano, distribuída pela cidade para proteger pontos estratégicos como a
Estação do Rossio77, a Fábrica de Gás, a Casa da Moeda, a estação dos
correios no Rossio, o quartel do Carmo78, o depósito de munições de Beirolas e
a casa do presidente do Conselho de Ministros enquanto lá esteve reunido o
governo. Da guarda fiscal (total de 1.397 efetivos) há poucas informações,
apenas que alguns soldados estiveram com as tropas no Rossio. A polícia civil
(total de 1.200 efetivos) ficou nas esquadras. Esta inação retirara, portanto,
cerca de 2.600 efetivos às forças do governo. O fato de terem alinhado, do lado
monárquico, algumas unidades cujas simpatias estavam com os republicanos

75
Manuel Rafael Gorjão Henriques (Lisboa, 24 de Maio de 1846 — Guarda, São Vicente, 22 de Setembro
de 1918), foi um militar português.
76
A Praça de D. Pedro IV, mais conhecida pelo seu antigo nome de Rossio, tem constituído o centro
nevrálgico de Lisboa desde há seis séculos. Assistiu a touradas, festivais, paradas militares e também a
autos-de-fé durante a Inquisição.
77
A Estação Ferroviária do Rossio é uma estação da linha de Sintra da rede de comboios suburbanos de
Lisboa. Fica situada entre o Rossio e a Praça dos Restauradores, em Lisboa, Portugal.
78
O Convento da Ordem do Carmo de Lisboa localiza-se no Largo do Carmo e ergue-se, sobranceiro ao
Rossio (Praça de D. Pedro IV), na colina fronteira à do Castelo de São Jorge, na cidade e Distrito de
Lisboa, em Portugal. A parte habitável do convento foi convertida em instalações militares em 1836. Foi
aqui, no Quartel do Carmo, sede do Comando-Geral da GNR, que o Presidente do Conselho do Estado
Novo, Marcelo Caetano, se refugiou dos militares revoltosos, durante a Revolução dos Cravos. O cerco
deste aquartelamento foi dirigido pelo capitão Salgueiro Maia.
26

(de tal maneira que estes esperavam que se tivessem também sublevado)
conjugado com o abandono, do lado dos revoltosos, do plano de ação original,
optando-se pelo entrincheiramento na Rotunda e em Alcântara, levou a que
durante todo o dia 4 a situação se mantivesse num impasse, correndo pela
cidade os mais variados boatos acerca de vitórias e derrotas.
Assim que se teve notícia da concentração de revoltosos na Rotunda, o
comando militar da cidade organizou um destacamento para os atacar.
Formavam essa coluna, sob o comando do coronel Alfredo Albuquerque,
unidades retiradas da proteção do Palácio das Necessidades: Infantaria 2,
Cavalaria 2 e a bateria móvel de Queluz. Desta última fazia parte o herói das
guerras coloniais, Henrique Mitchell de Paiva Couceiro79. A coluna avançou até
perto da Penitenciária onde assumiu posições de combate. Antes de estas
estarem concluídas, no entanto, foram atacados por revoltosos. O ataque foi
repelido, mas a custo de alguns feridos, vários animais de carga mortos e da
debandada de cerca de metade da infantaria. Paiva Couceiro respondeu ao
fogo com os canhões e a infantaria que restava durante três quartos de hora,
ordenando um ataque que foi levado a cabo por cerca de 30 soldados, mas
que foi repelido com algumas baixas. Continuando com o fogo, ordenou novo
ataque, mas apenas conseguiu que cerca de 20 praças o acompanhassem.
Achando ter chegado o momento ideal para o assalto ao quartel de Artilharia 1,
Paiva Couceiro pediu reforços ao comando da divisão apenas para receber a
desconcertante ordem para retirar. Entretanto havia-se formado uma coluna
com o propósito de atacar simultaneamente os revoltosos na Rotunda, mas tal
não chegou a ocorrer, porque foi dada ordem de retirar. A coluna chegou ao
Rossio80, ao fim da tarde, sem sequer ter combatido. Tal inação não se deveu a
qualquer incompetência do seu comandante, o general António Carvalhal, pois

79
Henrique Mitchell de Paiva Couceiro (Lisboa, 30 de Dezembro de 1861 — Lisboa, 11 de Fevereiro de
1944) foi um militar, administrador colonial e político português que se notabilizou nas campanhas de
ocupação colonial em Angola e Moçambique e como inspirador das chamadas incursões monárquicas
contra a Primeira República Portuguesa em 1911, 1912 e 1919. Presidiu ao governo da chamada
Monarquia do Norte, de 19 de Janeiro a 13 de Fevereiro de 1919, na qual colaboraram activamente os
mais notáveis integralistas lusitanos. A sua dedicação à causa monárquica e a sua proximidade aos
princípios do Integralismo Lusitano, conduziu-o por diversas vezes ao exílio, antes e depois da instituição
do regime do Estado Novo em Portugal.
80
A Praça de D. Pedro IV, mais conhecida pelo seu antigo nome de Rossio, tem constituído o centro
nevrálgico de Lisboa desde há seis séculos. Assistiu a touradas, festivais, paradas militares e também a
autos-de-fé durante a Inquisição.
27

como ficou provado no dia seguinte ao ser nomeado chefe da Divisão Militar
pelo governo republicano, as suas lealdades eram outras. Os reforços da
província, esperados pelo governo ao longo de todo o dia 4, nunca chegaram.
Apenas as unidades já mencionadas e chamadas aquando das medidas
preventivas é que receberam as ordens de marcha. Desde o início da
revolução que os carbonários tinham desligado os fios telegráficos impedindo
assim as mensagens de chegarem às unidades de fora de Lisboa. Além disso,
na posse de informação acerca das unidades alertadas, os revolucionários
tinham cortado as linhas férreas pelo que, obrigadas a marchar, estas nunca
chegariam a tempo. Da Margem Sul, mais próxima, também era improvável a
chegada de reforços, visto que os navios revoltosos dominavam o rio. Ao final
do dia a situação era difícil para as forças monárquicas: os navios sublevados
tinham estacionado junto ao Terreiro do Paço e o cruzador "São Rafael" fez
fogo sobre os edifícios dos ministérios, perante o olhar atónito do corpo
diplomático brasileiro, a bordo do encouraçado "São Paulo" no qual viajava o
presidente eleito Hermes da Fonseca. Este bombardeamento minou o moral
das forças no Rossio, que se julgavam entre dois fogos, nomeadamente
Rotunda e Alcântara.

Encouraçado "São Paulo".

Depois do banquete com Hermes da Fonseca, D. Manuel II regressara ao Paço


das Necessidades, ficando na companhia de alguns oficiais. Jogavam bridge
quando os revolucionários começaram a bombardear o local. O rei tentou
telefonar, mas encontrou a linha cortada, conseguindo apenas informar a
rainha-mãe, no Palácio da Pena, acerca da situação. Pouco depois chegaram
unidades realistas que conseguem repelir os ataques dos revolucionários,
28

embora as balas atingissem as janelas. Cerca das nove horas o rei recebeu um
telefonema do presidente do Conselho, aconselhando-o a procurar refúgio em
Mafra ou Sintra, dado que os revoltosos ameaçavam bombardear o Paço das
Necessidades. D. Manuel II recusou-se a partir, dizendo no entanto aos
presentes: "Vão vocês se quiserem, eu fico. Desde que a constituição não me
marca outro papel senão o de me deixar matar, cumpri-lo-ei.
Com a chegada da bateria móvel de Queluz, as peças foram dispostas nos
jardins do palácio de forma a poderem bombardear o revoltado quartel dos
marinheiros, que ficava a escassos 100 metros do paço. No entanto, antes de
poder começar, o comandante da bateria recebeu ordem de cancelar o
bombardeamento e juntar-se às forças que saiam do paço, integradas na
coluna que iria atacar os revoltosos na Artilharia 1 e na Rotunda. Cerca do
meio-dia os cruzadores "Adamastor" e "São Rafael", que desde há uma hora
haviam fundeado em frente ao quartel dos marinheiros, começaram a
bombardear o Paço das Necessidades, o que desmoralizou as forças
monárquicas aí presentes. O rei refugiou-se numa pequena casa no parque do
palácio de onde conseguiu telefonar a Teixeira de Sousa, pois os
revolucionários apenas haviam cortado as linhas de telefone especiais do
estado mas não as da rede geral. Ordenou ao primeiro-ministro que mandasse
para as Necessidades a bateria de Queluz para impedir o desembarque dos
marinheiros, mas este retorquiu-lhe que a ação principal se passava na
Rotunda e que todas as tropas eram aí necessárias. Tendo em conta que as
tropas disponíveis não eram suficientes para cercar os revoltosos na Rotunda,
o ministro fez ver ao rei a conveniência de se retirar para Sintra ou Mafra de
forma a libertar as forças estacionadas no Paço para sua proteção e que eram
necessárias na Rotunda.
Às duas da tarde as viaturas com o D. Manuel II e seus assessores partiram do
palácio em direção a Mafra, onde a Escola Prática de Infantaria disporia de
forças suficientes para proteger o soberano. Logo ao início da Estrada de
Benfica o rei libertou o esquadrão da guarda municipal que o escoltava para
que viessem ajudar os seus companheiros a lutar contra os revolucionários. A
comitiva chegou sem problemas a Mafra cerca das quatro da tarde, mas aí
depararam com um problema: devido às férias, não se encontravam na Escola
29

Prática mais do que 100 praças, ao invés das 800 que seria de esperar e o
comandante, coronel Pinto da Rocha, afirmou não dispor de meios para
proteger o rei. Entretanto, chegou de Lisboa o Conselheiro João de Azevedo
Coutinho que aconselhou o rei a chamar a Mafra as rainhas D. Amélia e D.
Maria Pia (respectivamente a mãe e a avó do rei) que estavam nos Palácios da
Pena e da Vila, em Sintra, e a preparar-se para seguir para o Porto, para aí
organizar a resistência[75].
Em Lisboa, a saída do rei não trouxera grandes vantagens pois as tropas assim
libertas, apesar de receberem repetidas ordens do quartel-general para
marcharem para o Rossio para impedirem a concentração de artilharia
revoltosa em Alcântara, a maioria desobedeceu.

Os Carbonários e a Primeira Republica

A Carbonária
Muita gente confunde Maçonaria com Carbonária, ou pelo menos, associa uma
destas sociedades à outra. No entanto esta associação não se aparenta assim
tão linear e muito menos a Carbonária funcionou como o braço armado da
Maçonaria como se tem escrito e falado. Embora não fossem carbonários
todos os maçons, a Carbonária foi muitas vezes uma associação paralela da
Maçonaria.
A Carbonária era uma sociedade secreta e revolucionária que atuou na Itália,
França, Portugal e Espanha nos séculos XIX e XX. Fundada na Itália por volta
de 1810, a sua ideologia assentava em valores libertacionais e fazia-se notar
por um marcado anticlericalismo. Participou nas revoluções de 1820, 1830-
1831 e 1848. Embora não tendo unidade política, já que reunia monarquistas e
republicanos, nem linha e ação definida, os carbonários (da italiano carbonaro,
"carvoeiro") actuavam em toda a Itália. Reuniam-se secretamente nas cabanas
dos carvoeiros, derivando daí seu nome. Foi sugerido que o esparguete à
carbonara foi por eles inventado. Inventaram uma escrita codificada, para uso
em correspondência, utilizando um alfabeto carbonário.
Durante o domínio napoleónico, formou-se em Itália uma resistência que
contou com membros de uma organização secreta – a Carbonária. A
30

carbonária tinha uma organização interna semelhante à da Maçonaria, com a


qual, aliás, tinha algumas afinidades ideológicas (combater a intolerância
religiosa, o absolutismo e defender os ideais liberais) e esteve aliada em certos
momentos, havendo mesmo elementos que pertenciam às duas organizações.
Surgiu em Nápoles, dominada pelo general francês Joaquim Murat81, cunhado
de Napoleão Bonaparte. Lutava contra os franceses, porque as tropas de
Napoleão haviam iniciado uma espoliação da Itália, embora defendessem os
mesmos princípios de Bonaparte. Com a expulsão dos franceses, a Carbonária
queria unificar a Itália através de uma revolução espontânea da classe
trabalhadora, comandada por universitários e intelectuais, e implantar os ideais
liberais. Os membros da Carbonária, principalmente da pequena e média
burguesia, tratavam-se por primos. As associações da Carbonária tinham uma
relação hierárquica. Chamavam-se choças (de menor importância), barracas e
vendas , sendo estas as mais importantes. As vendas, cada uma contendo
vinte membros, desconheciam os grandes chefes. Todas as orientações eram
transmitidas por elas. Havia uma venda central, composta por sete membros,
que chefiava o trabalho das demais. A Carbonária não tinha nenhuma ligação
popular, pois como sociedade secreta, não anunciavam suas actividades. Além
disso, a Itália era uma região agrícola e extremamente católica, com
camponeses analfabetos e religiosos, que tradicionalmente se identificavam
com ideias e chefes conservadores. Silvio Pellico82 (1788–1854) e Pietro

81
Joaquim Murat ou Joachim Murat (Labastide-Fortunière, 25 de março de 1767 — Pizzo Calabro, 13 de
outubro de 1815) foi um militar francês, marechal do Império napoleônico e Rei de Nápoles, de 1808 a
1815. Era também cunhado de Napoleão I, por seu casamento com Carolina Bonaparte. Foi executado
em 1815, na Calábria, por ordem de Fernando I das Duas Sicílias, depois de uma desastrada tentativa de
reconquistar Nápoles
82
Silvio Pellico (Saluzzo, 1789 - Turim, 31 de janeiro de 1854) foi um escritor e dramaturgo italiano.
Depois de estudar em Pinerolo e Torino, dirigiu-se a Lyon, na França, para fazer tratativas comerciais.
No seu retorno a Itália em 1809, estabeleceu-se em Milão. Depois de travar relações com o poeta
Vincezo Monti e com o escritor Niccolò Foscolo, mais conhecido como Ugo Foscolo, a partir de 1812
começou a escrever, especialmente para o teatro. Suas peças tinham por base estilística a tragédia
clássica, mas muito identificadas com um conteúdo romântico. Seu profundo sentimento patriótico levou-o
à prisão em 1820, sob a acusação de pertencer à Carbonária. Julgado, foi sentenciado à morte, mas sua
pena foi comutada para 15 anos de prisão em regime forçado, a serem cumpridos na Fortaleza de
Špilberk, na Morávia. Recebendo o perdão do Imperador, foi libertado em 1830 e dirigiu-se para Turim,
onde permaneceu durante algum tempo no Palazzo Barolo como hóspede do casal Barolo, retirando-se
completamente das atividades políticas, e mesmo dos círculos literários. Passou a viver de um cargo de
bibliotecário, que conseguiu graças à interferência da Marquesa de Barolo. Entretanto, jamais esqueceu
de suas experiências como prisioneiro, as quais transmitiu em sua obra mais memorável, Le mie prigioni,
de 1832. Silvio Pellico faleceu em Turim, no dia 31 de janeiro de 1854.
31

Maroncelli83 (1795–1846) foram membros proeminentes da Carbonária. Ambos


foram presos pelos austríacos por anos, muitos dos quais na fortaleza
Spielberg, em Brno, no sul da Morávia. Depois de solto, Pellico escreveu o livro
Le mie prigioni, descrevendo seus dez anos na prisão. Maroncelli perdeu uma
perna na prisão e ajudou na tradução e edição do livro de Pellico em Paris
(1833). Outros proeminentes membros da sociedade foram Giuseppe
Garibaldi84 e Giuseppe Mazzini85, que posteriormente saiu da sociedade e
passou a criticá-la.

Giuseppe Garibaldi. Giuseppe Mazzini.

As revoluções foram sufocadas pela França de Luís Napoleão e pelos


Habsburgos86 austríacos, que procuravam manter seu significante poder na

83
Pietro Maroncelli (Forli, 1795 — Nova York, 1846) foi um músico italiano. Sendo carbonário, foi preso
em 1820 junto com Silvio Pellico, e condenado à morte. Depois, sua pena foi comutada de 20 anos de
prisão em regime forçado. Durante o cumprimento de seu período de cárcere, depois de um acidente,
teve uma perna amputada. Estando impedido fisicamente de realizar trabalhos forçados, terminou sendo
liberado em 1830, exilando-se em Paris, e posteriormente em Nova Iorque. Em 1833, foi um dos que
realizaram a tradução para o francês da obra de Silvio Pellico, Le mie prigioni. Depois aderiu ao
socialismo utópico de François-Marie-Charles Fourier. Pietro Maroncelli morreu em Nova Iorque no ano
de 1846, cego e inválido.
84
Giuseppe Garibaldi (Nice, 4 de julho de 1807 — Caprera, 2 de junho de 1882) foi um carbonario
general, guerrilheiro, condottiero e patriota italiano, alcunhado de "herói de dois mundos" devido a sua
participação em conflitos na Europa e na América do Sul. Uma das mais notáveis figuras da unificação
italiana, ao lado de Giuseppe Mazzini e do Conde de Cavour, Garibaldi dedicou sua vida à luta contra a
tirania. Nasceu em Nizza (hoje Nice, na França), então ocupada pelo Primeiro Império Francês e que
retornaria ao reino de Sardenha-Piemonte, com a queda de Napoleão Bonaparte, para ser depois cedida
à França por Cavour, pelo tratado de Turim (24 de março de 1860).
85
Giuseppe Mazzini (Gênova, 22 de junho de 1805 — Pisa, 10 de março de 1872) foi político e
revolucionário do movimento italiano chamado Risorgimento. Em 1830 tornou-se membro da Carbonária.
86
A Casa de Habsburgo (em alemão: Haus von Habsburg) também conhecida por Casa da Áustria ou
Casa d'Áustria, é uma família nobre européia que foi uma das mais importantes e influentes da história da
Europa do século XIII ao século XX.
32

Itália (Veneza e Milão eram parte do Reino Lombardo-Veneziano governado


pelo Império Austro-Húngaro e o Reino das Duas Sicílias87 era governado por
um monarca Bourbon, muito influenciado pelo governo francês). O fracasso
das revoluções mostrou que a unificação não seria alcançada por idealismo. A
unificação italiana foi realizada posteriormente entre 1860-1870 pela diplomacia
e guerra sob a égide do Reino da Sardenha-Piemonte.

A Estrutura da Carbonária
Só o Grão-Mestre Sublime e a Alta Venda conheciam toda a organização sem
desta serem conhecido, o que garantia o secretismo desta organização,
reforçado pela rígida hierarquia e pelo ritual iniciático que contemplava o uso
de balandraus e de capuzes, caveiras, tíbias, etc..

As iniciações
As iniciações faziam-se nalguns Centros Republicanos - onde, aliás, se
encontrava grande parte dos Bons Primos carbonários - mas de preferência em
escritórios e casas particulares, quando temporariamente desabitadas, ou
ainda, em armazéns, caves e até em cemitérios a altas horas da noite.
Os que presidiam às iniciações vestiam-se de balandrau com orifícios no
capuz. O venerável carbonário que presidia era assistido pelos seguintes Bons
Primos: primeiro secretário (primo Olmo); o segundo secretário (primo
Carvalho); o primeiro vogal (primo Choupo) e o 2º vogal (guarda externo).
Era a este último que incumbia o secretismo das sessões, alertando ao mínimo
movimento suspeito nas imediações. O neófito era vendado à entrada pelo
bom primo Choupo, depois do interrogatório e após o juramento, se era aceite,
assinava então o seu compromisso de honra, muitas vezes com o próprio
sangue, como se segue: "Juro pela minha honra de cidadão livre guardar
absoluto segredo dos fins e existência desta sociedade, derramar o meu
sangue pela regeneração da Pátria, obedecer aos meus superiores e que os

87
O reino das Duas Sicílias foi o nome que o rei Fernando I de Bourbon deu a seu reino, em 1816, depois
que o Congresso de Viena suprimiu o Reino de Nápoles e o Reino da Sicília, unindo-os numa única
entidade estatal.
33

machados dos rachadores de cada canteiro se ergam contra mim se faltar a


este solene juramento".
Quanto ao bom primo Carvalho, lia os estatutos, em que referia que:

"...os associados deviam obedecer cegamente às ordens que lhes fossem dadas; guardar
segredo tão absoluto que nem às próprias famílias podiam revelar tudo quanto se passasse
nas assembleias; que deviam ser astuciosos, perseverantes, intrépidos, corajosos, solidários,
destemidos e valentes...".

A carbonária em Portugal
Em Portugal, em seguida à guerra civil de 1844, em que o partido progressista
foi vencido, organizou-se, pela primeira vez, a Carbonária. Foi o general
Joaquim Pereira Marinho quem, em Março de 1848, conseguiu obter de França
autorização para poder estabelecer entre essa sociedade. Em 29 de Maio do
mesmo ano, instalou em Coimbra, numa casa da rua da Ilha, a Carbonária
Lusitana. Procedeu-se, nesse mesmo dia, a eleições, ficando o padre António
de Jesus Maria da Costa como Supremo Conselheiro da Alta-Venda. Em 1 de
Junho seguinte, foram eleitas as comissões encarregadas de regularizar os
trabalhos da choça-mãe, ou alta-venda, com as choças filiais. Em Outubro,
novas eleições se fizeram em Conselhos, sendo eleito Supremo Conselheiro o
dr. Francisco Fernandes da Costa88. O padre, despeitado, por ter sido o
instalador e assim o alijarem, guardou o livro de matrícula e mais documentos,
recusando-se obstinadamente a entregá-los. Havia então en Coimbra as
barracas Igualdade e União e as choças Fraternidade e Liberdade, que se
reuniam numas casas do correio velho, na rua das Fangas, e ainda a 16 de
Maio, mais tarde denominada Segredo, que estava instalada numa casa perto
do Arco do Colégio. Teve a Carbonária Lusitana barracas e choças noutros
pontos, como Figueira da Foz, Soure, Anadia, Cantanhede, Pombal, Ílhavo e
Braga. Outras localidades se preparavam para organizar os seus núcleos, mas,
em 1850, esta Carbonária dissolveu-se, embora só no distrito de Coimbra
tivesse mais de quinhentos filiados, quase todos armados, pois uma das
condições para ser iniciado era a de possuir ocultamente uma arma e os

88
Francisco José Fernandes Costa (Foz de Arouce, Lousã, 19 de Abril de 1857 — Figueira da Foz, 19 de
Julho de 1925) foi um carbonário, jurista e político do período da Primeira República Portuguesa.
34

competentes cartuchos. Em 1853, o padre Costa pretendeu reorganizar a


Carbonária em Coimbra, ainda se constituiu uma choça, com o nome de
Kossuth, mas esta tentativa não conseguiu ir por diante. Mais tarde, no ano de
1862, também em Coimbra, novamente se constituiu a Carbonária, estando à
sua frente Abílio Roque de Sá Barreto, tendo a alta-venda reunido, pela
primeira vez, em 15 de Abril. Não logrou mais do que uns poucos meses de
existência, apesar de ter choças e barracas em vários pontos, nomeadamente
em Cantanhede e Soure. Em 1864, novo esforço se fez para reorganizar a
carbonária, sob a presidência de Abílio Roque de Sá Barreto , mas esta
tentativa falhou por completo e até 1907 ninguém mais meteu ombros, em
Portugal, à constituição dessa sociedade secreta.Artur Augusto Duarte da Luz
Almeida foi quem organizou a Carbonária Portuguesa, que nada tinha de
comum com a já citada Carbonária Lusitana. Teve como auxiliares preciosos o
comissário naval Machado Santos e o eng. António Maria da Silva; a
Carbonária Portuguesa teve a suas primeiras reuniões no sótão da casa onde
morava Luz de Almeida, na rua de Santo António da Glória, em Lisboa, onde
se fizeram muitas iniciações e se deram lições de manejo de armas. Foi Luz de
Almeida eu , em meados de 1907, elaborou a sua constituição e regulamentos
geral e ultra-secreto, este apenas transmitido verbalmente aos filiados, que
tinham o dever de o decorar. Havia quatro graus: Rachador, Cavador, Mestre e
Mestre-Sublime; oas Carbonários chamavam-se Bons Primos e tratavam-se
por tu, sendo obrigados a possuir uma arma de fogo e um punhal. Grão-Mestre
foi Luz de Almeida e havia um corpo superior, intitulado Venda Jovem Portugal,
que se compunha de um número limitado de Bons Primos decorados com o
grau de Mestre Sublime. Esta venda tinha as atribuições de velar pela
observância do ritual, nomear os juízes do Tribunal Secreto e constituir-se em
Alto Tribunal, quando fosse necessário; escolher os inspectores e os delegados
provinciais e as altas vendas (efetiva e substituta), eleger o grão-mestre e o
grão-mestre adjunto. Todas as ordens da alta venda deviam ser cumpridas
sem discussão. As secções da Carbonária Portuguesa eram representadas por
estrelas de diversas grandezas e o conjunto de todas elas constituía o Grande
Firmamento, onde se destacava uma estrela de cinco pontas, encimada pelo
globo terrestre. Foram carbonários que fundaram o célebre grémio maçónico
35

Montanha, introduzindo assim a Carbonária no Grande Oriente Lusitano.


Paralela à carbonária e agindo sob orientação desta, foi necessário fundar
outra associação secreta, A Coruja, a fim de agrupar muitos elementos
republicanos que não queriam submeter-se às rigorosas fórmulas carbonárias.
À frente dela estava José Maria de Sousa, António José dos Santos, Coelho
Bastos e Henrique Cordeiro, os quais, depois de recrutarem numerosos
adeptos, a dissolveram, integrando estes na Carbonária, o que era, afinal, o fim
que se propunham. Desde o início até à proclamação da República, a
Carbonária Portuguesa teve seis altas vendas, sendo a existente em 5 de
Outubro de 1910composta por Luz de Almeida, Machado santos, António Maria
da Silva, Henrique Cordeiro, António dos Santos Fonseca e Franklim Lamas. A
acção desta associação secreta fez-se sentir de Norte a Sul do país, e dela
faziam parte militares e civis de todas as categorias, tendo sido ela que
organizou a revolução que implantou a República em Portugal. Depois de
proclamado o novo regime, ainda se manteve enquanto houve movimentos
monarquistas, até que com a luta dos partidos políticos, que deu a divisão do
antigo Partido Republicano, ela se dividiu igualmente e se dissolveu, sem voltar
a ser possível, apesar de inúmeras tentativas feitas, reconstituí-la.
Sem dúvida que a Carbonária Lusitana e a Maçonaria divergiam
substancialmente. Nem todos os Bons Primos eram maçons. A mais importante
Loja maçónica que fazia a ponte para a Carbonária era a Loja Montanha. Aliás,
esta Loja era uma irradiação da Carbonária, tendo chegado a estar fora da
obediência do Grande Oriente.
Embora tivesse favorecido e patrocinado a Revolução Republicana, a
Maçonaria não foi a sua alavanca, mas sim a Carbonária. O baluarte da
Revolução encontrava-se implantado na zona ribeirinha de Lisboa, muito
embora abarcasse todo o País, num total de mais de 40 000 membros. Com a
revolução triunfante, a Carbonária dissolve-se em bandos e clientelas políticas,
sobretudo na busca de empregos, desfazendo-se assim, o espírito igualitário e
fraterno cimentado por anos de luta.
36

Os Carbonários e a primeira República


Abílio Roque de Sá Barreto
Segundo o Almanaque Repúblicano, Abílio Roque de Sá Barreto, Nnasceu em
Penela (Rabaçal) em 13 de Janeiro de 1817. Era grande proprietário na região
de Condeixa. Desde cedo afirmou o seu credo liberal, lutando contra Costa
Cabral nos conflitos da Patuleia.

Abílio Roque de Sá Barreto.


Pertenceu à Carbonária Lusitana, de cuja Alta Venda fez parte em 1848. A 29
de Maio, foi eleito Sup. Cons. da Alta Venda, o Padre António Maria da Costa.
A primeira reunião realizou-se na Rua da Ilha. Foram ainda instaladas as
Barracas: Igualdade e União; e as Choças, 16 de Maio (depois Segredo) e
Fraternidade e Liberdade. Alguns dos carbonários iniciados foram, entre
muitos: Abílio de Sá Roque (codinome Robespierre), Adelino António das
Neves e Mello (codinome Napoleão), Dr. António José Rodrigues Vidal
(codinome Odorico), Dr. António Luís de Sousa Henriques Seco (codinome
Cicioso), António Marciano de Azevedo (codinome Sidney), Cassiano Tavares
Cabral (codinome Nuno Alvares Pereira), Dr. Francisco Fernandes da Costa
(codinome Timon 2), João Gaspar Coelho (codinome Archimedes), dr. João
Lopes de Moraes (codinome Dupont), José António dos Santos Neves Dória
(codinome Huffland), José de Gouveia Lucena Almeida Beltrão (codinome
Lamartine), dr. Raimundo Venâncio Rodrigues (codinome Washington), etc.
Abílio Roque presidia à Barraca União, que por sua vez se subordinava à Alta
37

Venda.
Em 1853 encontramos Abílio Roque a presidir à Choça Kossut. Integrou a
Junta Geral do Distrito de Coimbra e presidiu ao Centro Eleitoral Republicano
Democrático de Coimbra, tendo sido um dos fundadores.
Foi iniciado em data desconhecida, antes de 1844, em loja que ignoramos,
embora utilizando o nome simbólico de Lafayette. Fez ainda parte das
seguintes lojas maçónicas de Coimbra: Philadelphia (Grande Oriente Lusitano);
Federação, loja nº 5; e Perseverança, loja nº 74. Foi chefe supremo da
Carbonária em 1863, tendo a acompanhá-lo na Alta Venda, Dr. Raimundo
Venâncio Rodrigues, Dr. José Teixeira de Queirós, Dr. António dos Santos
Viegas, Fernando Augusto de Andrade Pimentel e Melo, Dr. António José
Teixeira, Olímpio Nicolau Rui Fernandes, José Maria Coutinho, Dr. Albino
Augusto Giraldes, Aristides Pinto Ferreira de Bastos, Dr. António de Oliveira
Silva Gaio, Dr. José Augusto Sanches da Gama, José da Costa Gomes, Padre
José Adelino Coelho, Padre Augusto César da Silva Henriques e Dr. Jacinto
Alberto Pereira de Carvalho. [Maria Manuela Tavares Ribeiro, Portugal e a
Revolução de 1848, Minerva Histórica, Livraria Minerva, Coimbra, 1990, p. 408-
409 onde é possível também encontrar o respectivo nome simbólico de cada
um destes carbonários.].
Em 1875, fundou a Maçonaria Eclética Portuguesa, onde desempenhou o
cargo de Grão-Mestre. Em 2 de Março de 1864, Abílio Roque de Sá Barreto foi
novamente eleito para a Alta Venda da Carbonária Lusitana. Um dos principais
objectivos desta sociedade era criar uma tipografia para o jornal Comércio de
Coimbra, porque não era na altura possível continuar a utilizar a oficina
tipográfica da Imprensa da Universidade. [Francisco Augusto Martins de
Carvalho, Algumas Horas na Minha Livraria, Coimbra, Imprensa Académica,
1910, p. 105]. Estabeleceu-se a tipografia para enfrentar o governo do Partido
Histórico, porque os proponentes desta nova tipografia eram membros do
Partido Regenerador e o jornal supra referido era o órgão do partido na cidade
dos estudantes. Na década de setenta do século XIX, Abílio Roque de Sá
Barreto lidera a fundação do Centro Eleitoral Republicano Democrático de
Coimbra (8 de Março de 1878), acompanhando Manuel Emídio Garcia e José
Falcão, professores na Universidade de Coimbra, para além Miguel Arcanjo
38

Marques Lobo ou Feio Terenas [Lopes de Oliveira, História da República


Portuguesa, Editorial Inquérito, Lisboa, 1946, p. 35]. Nessa época, os
republicanos dependiam muitos dos notáveis locais que funcionavam como
aglutinadores de vontades e mobilizadores de meios económicos e financeiros
que também eram fundamentais. Surge então, naturalmente, como um dos
primeiros candidatos a deputados pelo Partido Republicano [Fernando Catroga,
O Republicanismo em Portugal. Da Formação ao 5 de Outubro de 1910, FLUC,
Coimbra, 1991]. Na sua vida profissional, digamos assim, foi um dos
fundadores da Companhia Edificadora e Industrial de Coimbra, em 28 de
Janeiro de 1876. Esta empresa tinha por base uma deliberação da Loja
Perseverança que tinha por objectivo a construção de casas para operários e
propunha-se: “adquiri terrenos e prédios em bom ou mau estado existentes
d’entro da área do Concelho de Coimbra ou na d’outro Concelho se assim lhe
convier”; “edificar ou reedificar prédios urbanos, isolados ou em grupos, de
diversos tipos e modestas dimensões, escolhendo locaes que satisfaçam a
todas as condições de hygiene e de salubridade, adoptando os melhores
modelos que se recomendam pela sua regularidade, beleza e conforto, e
satisfação às conveniências domésticas, para as administrar por sua conta e
dar d’arrendamento às classes laboriosas, ou aos indivíduos que vêm
frequentar os estudos n’esta cidade”; “manter machinas, pelo motor d’agua, ou
de vapor, aplicando-se à moagem de cereais, à serragem de madeiras, ao
fabrico de tijolo e telha ou a outros mesteres” [AUC. Tabelião Simão Maria de
Almeida. Livro de Notas nº 22 apud Fernando Catroga, “Mações, Liberais e
Republicanos em Coimbra (Década de 70 do século XIX)”, Arquivo Coimbrão.
Boletim da Biblioteca Municipal de Coimbra, vol. XXXI-XXXII, Coimbra, 1988-
89, p. 274-275]. Esta empresa acabou por não desfrutar de grande
prosperidade nem durabilidade, pois, em 1881, iniciou o processo de liquidação
que só foi terminado em 1884. Por iniciativa desta empresa foi realizada a
Exposição Distrital de Coimbra em 1884, conforme refere Amadeu Carvalho
Homem. A Associação dos Artista de Coimbra, liderada por Olímpio Nicolau
Rui Fernandes, impulsionou a realização da primeira exposição industrial em
Coimbra em 1869, que obteve um “assinalável sucesso” [Amadeu Carvalho
Homem, “Ideologia e Indústria. A Exposição Distrital de Coimbra de 1884”,
39

Revista de História das Ideias, vol. V, 1984, p. 400]. Abílio Roque de Sá Barreto
foi também um dos responsáveis pela fundação da Associação Liberal em
Coimbra acompanhado por Manuel Emídio Garcia, Zeferino Cândido, Correia
Barata em 1874. Esta associação reflecte sobretudo o espírito anticlerical e
anticongreganista que começou a desenvolver-se pela Europa, e também em
Portugal, na segunda metade do século XIX. Segundo Fernando Catroga, a
raiz desta associação encontra-se num conjunto de pressupostos: “tenha por
fim radicar no espírito público as ideias liberais, promover a educação religiosa
e liberal do povo, combater o fanatismo e o ultramontanismo”[Fernando
Catroga, “Mações, Liberais e Republicanos em Coimbra (Década de 70 do
século XIX)”, idem, p. 278].
A Associação Liberal de Coimbra foi apresentada em 6 de Maio de 1875, os
estatutos foram aprovados em 16 de Dezembro de 1875 e a sua legalização
pelo Governador Civil de Coimbra só foi conseguida em 21 de Março de 1876 e
a sua instalação definitiva só foi feita em 8 de Maio de 1878. Abílio Roque
desempenhou a função de procurador na comissão executiva desta
associação. Colaborou em diferentes periódicos de Coimbra, Lisboa e outras
localidades e fundou, entre outros, O Partido do Povo (1878) com Feio
Terenas, Emídio Garcia e Rodrigues de Sousa. Sendo eleito para a vereação
da Câmara Municipal de Coimbra em 1887, pelo Partido Republicano,
juntamente com António Augusto Gonçalves e Manuel Augusto Rodrigues da
Silva. Em 1896, voltou a ligar-se ao Grande Oriente Lusitano Unido com a sua
loja. Pertenceu ao Rito Francês, mas acabou por receber já em 1898 os graus
18º e 33º do Rito Escocês Antigo e Aceito. Faleceu em Condeixa-a-Nova a 29
de Maio de 1898.

Carlos Cândido dos Reis


Carlos Cândido dos Reis, conhecido na época e historicamente como Almirante
Reis (Lisboa, 16 de Janeiro de 1852 - Lisboa, 4 de Outubro de 1910) foi um
militar, conspirador e carbonário português.
40

Carlos Cândido dos Reis.

Iniciou a sua carreira na Marinha como voluntário, aos dezassete anos, sendo
sucessivamente promovido até ao posto de vice-almirante. Em 1 de Outubro de
1870 é Guarda-marinha. Reforma-se em Julho de 1909.
Apesar de ter sido agraciado com o grau de oficial da Ordem de Avis e a de
Cavaleiro da Torre e Espada pelos seus feitos na marinha, foi desde muito
novo um adepto republicano de firmes convicções, tendo participado
ativamente na luta antimonárquica.
Foi também um elemento destacado da Carbonária e da ideologia anticlerical.
Não foi tanto como político propagandistico, mas como conspirador que se
destacou. Embora tenha sido eleito como deputado nas listas republicanas de
1910 participou ativamente no golpe fracassado de 28 de Janeiro de 1908, que
devia começar com a prisão de João Franco, então chefe do governo. Após um
pequeno período de desânimo voltou à luta e rapidamente se transformou no
organizador militar da revolta de 5 de Outubro de 1910.
Na tarde do dia 3 de Outubro de 1910, ao saber-se que o então chefe do
governo, Teixeira de Sousa, tinha sido avisado do golpe republicano e pusera
de prevenção as tropas leais à causa monárquica, a maioria dos chefes
republicanos propôs um adiamento do golpe, ao que se opôs o Almirante
Cândido dos Reis. Dado que era o chefe militar e principal dinamizador da
revolta, a sua posição levou a que esta ocorresse.
Nos primeiros momentos da revolta de 5 de Outubro de 1910 o Dr. Miguel
Bombarda, um dos chefes civis do golpe e senhor de muitos dos seus
41

segredos, é atingido a tiro por um doente mental do Hospital de Rilhafoles.


Também a maioria das unidades militares comprometidas no movimento não
chegou a revoltar-se e muitos oficiais do exército, julgando tudo perdido,
haviam abandonado o entrincheiramento da Rotunda. Cândido dos Reis,
pensando estar o golpe frustrado, não quis seguir para bordo de um dos navios
que estava implicado no movimento. Despediu-se dos oficiais da Marinha mais
próximos e horas depois era encontrado morto na Azinhaga das Freiras, tendo-
se suicidado em consequência não só dos fatos, mas também do seu
temperamento hipocondríaco que lhe proporcionava crises de entusiasmo e de
depressão frequentes.
O golpe acabou afinal por triunfar e poucas horas depois é proclamada
solenemente a República do alto da varanda da Câmara Municipal de Lisboa.
O nome do Almirante Carlos Cândido dos Reis foi utilizado não só em ruas e
avenidas, mas também para substituir o nome de "D. Carlos I" no principal
cruzador da esquadra portuguesa. Faleceu em Lisboa, no dia 4 de Outubro de
1910.

António Maria de Azevedo Machado Santos


António Maria de Azevedo Machado Santos (Lisboa, 10 de Janeiro de 1875 —
Lisboa, 19 de Outubro de 1921), mais conhecido por Machado Santos, foi um
militar e político português, considerado o fundador da República Portuguesa
pelo denodo com que se bateu na Revolução de 5 de Outubro de 1910 e
depois na defesa do regime contra a intentona monárquica de 22 a 24 de
Janeiro de 1919 em Monsanto.

António Maria de Azevedo Machado Santos


42

Machado Santos alistou-se na Armada Portuguesa em 1891 iniciando uma


carreira de comissário naval que o levaria ao posto de comissário de 2.ª classe
(segundo-tenente) aquando da Revolução de 5 de Outubro de 1910 . Ainda
durante a Monarquia já se tinha iniciado na Carbonária, afirmando-se como um
conspirador inveterado, presente em todos os movimentos revolucionários que
precederam a queda do regime, distinguindio-se na Revolta de 28 de Janeiro
de 190889. Jovem e de aspecto romântico, exercendo um importante papel de
coordenação operacional do movimento revolucionário de 5 de Outubro de
1910, acabou catapultado pela imprensa para o papel de herói da Rotunda e
pai da República. A sua incontestável heroicidade, principalmente quando
organizou e manteve, perante o aparente fracasso da revolução, a resistência
no alto da Avenida da Liberdade (a ‘’Rotunda’’) está bem patente nos relatos da
época e no seu próprio relatório dos acontecimentos. Eleito deputado à
Assembleia Constituinte de 1911, foi dos primeiros a manifestar sinais de
desencanto face ao andamento da política na República, a qual se afastava
rapidamente dos ideais de pureza republicana dos seus defensores iniciais.
Funda então o jornal O Intransigente, que dirige, no qual expressa o seu
desencanto. Mantendo o fervor revolucionário e conspirativo do período
anterior à implantação da República Portuguesa, passa da palavra aos actos,
organizando ou participando nos movimentos insurreccionais de Abril de 1913,
de Janeiro de 1914, no Movimento das Espadas de 1915, na Revolta de Tomar
de 1916 e no golpe de 1917 que colocou Sidónio Pais no poder.
No Movimento das Espadas, quando vários oficiais militares descontentes com
o estado do país tentaram simbolicamente entregar as suas espadas ao
Presidente da República Manuel de Arriaga, teve um papel determinante, já
que ao deslocar-se ao Palácio de Belém para entregar a espada que usara nos
combates da Rotunda no dia 5 de Outubro de 1910, deitou por terra a

89
Em reacção às violentas perseguições desencadeadas pelo ditador João Franco sobre os muitos
críticos do seu regime – e, muito especialmente, sobre os militantes anti-monárquicos –, a 28 de Janeiro
de 1908, os republicanos portugeses levaram a cabo uma primeira tentativa revolucionária que correu mal
e acabou por se saldar por mais prisões de opositores ao regime – todas as principais figuras do Partido
Republicano, inclusive –, com a grave perspectiva (por força de um decreto escrito a 28 de Janeiro e
promulgado por Carlos I a 31 de Janeiro) de serem seguidamente enviados para o degredo.
43

acusação de pró-monárquicos com que o Partido Democrático Republicano (no


poder) justificara a prisão dos oficiais amotinados. Nesse mesmo ano foi preso
e deportado para os Açores durante a ditadura de Pimenta de Castro90.
Durante a ditadura de Sidónio Pais foi feito senador e ocupou as funções de
Secretário de Estado das Subsistências e Transportes e Secretário de Estado
do Interior (título usado pelos ministros do governo sidonista), mas entrou em
ruptura com Sidónio Pais. Em 1919, durante a Monarquia do Norte, voltou a
salvar a República ao contribuir para a derrota do grupo de revoltosos
monárquicos acampados na Serra de Monsanto. Ainda lança o Partido da
Federação Republicana, com que pretende continuar a sua intervenção
política, mas acaba por se retirar da vida política. Morreu assassinado na Noite
Sangrenta de 19 de Outubro de 1921, vítima das forças revolucionárias que tão
longamente cultivara.

Da Madrugada Libertadora à Noite Sangrenta


Segundo o Gremio Estrela D´Alva (2011) aos 16 anos, em 1891, António Maria
de Azevedo Machado Santos (e não “Machado dos Santos” como em geral é
ortografado o seu nome) alista-se na Marinha, fazendo posteriormente carreira
na administração naval. Ei-lo sucessivamente 2.º comissário em 1892, 3.º
comissário em 1895 e 2.º tenente, posto que detinha na altura da Revolução.
Começou por militar nas fileiras dos “dissidentes” de José Alpoim, o grupo de
“esquerda” monárquica que progressivamente se ia arredando das hostes da
realeza para se aproximar das fileiras republicanas. O seu feitio intrépido
valera-lhe já, por parte dos camaradas de escola, a alcunha de “Presidente da
República do Cartaxo”… a sua adesão à causa republicana e a sua rápida e

90
O General Joaquim Pereira Pimenta de Castro (Pias, Monção, 5 de Novembro de 1846 - Lisboa, 14 de
Maio de 1918), foi um oficial militar e político português. Foi um oficial militar de carreira, também
graduado em Matemática pela Universidade de Coimbra. Em 1908, foi nomeado comandante da 3ª
Região Militar, no Porto. Após a proclamação da República a 5 de Outubro de 1910, foi Ministro da
Guerra, por apenas dois meses, em 1911, tendo-se demitido do cargo devido a uma das incursões
monárquicas de Henrique de Paiva Couceiro. Como independente, foi escolhido pelo Presidente Manuel
de Arriaga para ser Presidente do Ministério (Primeiro Ministro) do governo, que governaria sem o
parlamento, onde o Partido Republicano, liderado por Afonso Costa tinha a maioria. O seu governo, com
o apoio do Partido Republicano Evolucionista e da União Republicana, e também de facções militares
conservadoras, ficou no poder de 28 de Janeiro a 14 de Maio de 1915. Quando foi retirado do poder por
um movimento militar a 14 de Maio de 1915, com o apoio do Partido Republicano Português, que causou
também na demissão do Presidente Manuel de Arriaga.
44

fulgurante carreira de conspirador e carbonário resultaram da oposição à


ditadura franquista, iniciada em 1907 e rematada com o regicídio de 1 de
Fevereiro de 1908. Pela mão de um oficial chamado Serejo Júnior entra para a
Carbonária Portuguesa ficando logo em contacto com os chefes máximos da
conspiração que se avolumava, entre eles Cândido dos Reis e João Chagas.
Machado Santos, introduz por seu turno, centenas de recrutas, civis, nas lojas
carbonárias, as chamadas “choças” onde os “bons primos” tramam activa e
tenazmente a insurreição armada geral. Membro da Alta Venda Carbonária, o
comissário naval esteve na preparação de toda acção conspirativa contra o
regime monárquico nestes dois anos que se seguiram. Nas vésperas de se
ordenar o início da acção revolucionária, está ausente da reunião decisiva, por
considerar que o desentendimento entre os chefes levaria a uma resistência
acobardada ou a um novo adiamento inglório, por isso, prepara-se para encetar
sozinho o plano combinado.
Veste-se de uniforme de gala como quem vai para uma festa ou para a morte.
Chegado ao centro republicano de Santa Isabel, ali encontra os revolucionários
que aguardam o começo da acção. Encabeça o grupo de carbonários civis que
caminham para o seu objectivo, tomar o quartel de Infantaria 16. De
madrugada, o quartel é tomado sem grande dificuldade. Com uma centena de
soldados de Infantaria 16, dirige-se então para o segundo objectivo – O
Regimento de Artilharia 1, de Campolide, sublevado pelo capitão Pala. Com
estas forças conjuntas, a coluna revoltosa segue para a “Rotunda da Avenida
da Liberdade” e é doravante aqui, como no Tejo, que se há-de jogar o
essencial do duelo entre monárquicos e republicanos.
Uma vez na Rotunda, os revoltosos preparam-se para ser atacados, com as
noticias que a revolução tinha falhado, os oficiais tomam a decisão de
abandonar o campo fortificado, deixando Machado Santos na chefia dos
revoltosos. Efetivamente assim foi, ao mandar tocar a sargentos, quando se viu
privado de oficiais, condensou num punhado de civis, de sargentos, de
cadetes, de praças, de marujos e de soldados rasos, o nó inquebrantável duma
determinação popular que se iria traduzir, no dia seguinte, pela queda da
monarquia. Triunfante o regime republicano, a vida daquele que o fundara foi
cheia de vicissitudes, rematando a sua curta carreira terrena, aos 46 anos de
45

idade, alvejado pelas espingardas do “comando” de um outro marujo, o cabo


Abel Olímpio, O Dente de Oiro, criminoso a soldo de monárquicos que não
perdoaram a Machado Santos a madrugada redentora do 5 de Outubro de
1910.

Na Rotunda, os revoltosos
preparam-se para serem
atacados.

O marujo que vencera a monarquia na Rotunda pagava com a sua própria vida
o ter feito baquear o rei. Um comando monárquico, fazendo-se transportar na
“camioneta fantasma” durante a “noite sangrenta” que sucedeu à revolução
radical de 19 de Outubro de 1921, procedia a algumas liquidações de
proeminentes figuras republicanas como o herói da Rotunda, António Granjo e
Carlos Maia. Levado de casa Machado Santos foi fuzilado no Largo do
Intendente, sendo o seu cadáver transportado depois para a Morgue de Lisboa!
Como disse o seu honrado pai, que, ao irem dizer-lhe, no dia 4 de Outubro,
quem comandava as tropas da Rotunda, encolheu os ombros, sorrindo, teve
esta frase profética: - Então temo-la tramada, porque quando ele se mete numa
coisa leva-a ao fim… Mas é maluco, o meu António, porque, ou deixa lá a pele,
ou vai servir de degrau aos outros, pensando em todos e esquecendo-se de si.

Francisco José Fernandes Costa


Francisco José Fernandes Costa (Foz de Arouce, Lousã, 19 de Abril de 1857
— Figueira da Foz, 19 de Julho de 1925) foi um jurista e político do período da
Primeira República Portuguesa. Foi membro do Partido Republicano
Português, tendo acompanhado as sucessivas dissidências e recomposições
partidárias que deram origem ao Partido Evolucionista, ao Partido Liberal e ao
Partido Republicano Nacionalista nos quais militou. Protagonizou um dos mais
46

bizarros incidentes da Primeira República, bem demonstrativos da crónica


instabilidade do tempo, quando tendo assumido as funções de Presidente do
Conselho de Ministros, a 15 de Janeiro de 1920, foi obrigado a demitir-se no
mesmo dia, naquele que ficou conhecido como o Governo dos Cinco Minutos.
Foi governador civil de Coimbra, Ministro da Marinha e Colónias (1912 - 1913;
1915), Ministro do Comércio (1921) e ministro da Agricultura (30 de Agosto a 3
de Março de 1921).

Francisco José Fernandes Costa.

Os Maçons e a Primeira República


António José de Almeida

António José de Almeida (Vale da Vinha, Penacova, 17 de Julho de 1866 —


Lisboa, 31 de Outubro de 1929) foi um político republicano português, sexto
presidente da República Portuguesa de 5 de Outubro de 1919 a 5 de Outubro
de 1923.

António José de Almeida.


47

Casou com D. Maria Joana Queiroga, de quem teve uma filha. Foi candidato do
Partido Republicano em 1905 e 1906, sendo eleito deputado nas segundas
eleições realizadas neste ano, em Agosto. Em 1906, em plena Câmara dos
Deputados, equilibrando-se em cima duma das carteiras, pede aos soldados,
chamados a expulsar os deputados republicanos do Parlamento, a
proclamação imediata da república. No ano seguinte adere à Maçonaria.
Era ainda aluno de Medicina em Coimbra quando publicou no jornal académico
Ultimatum um artigo que ficou famoso, intitulado Bragança, o último, que foi
considerado insultuoso para o rei D. Carlos. Defendido por Manuel de
Arriaga91, acabou condenado a três meses de prisão.
Depois de terminar o curso, em 1895, foi para Angola e posteriormente
estabeleceu-se em São Tomé e Príncipe, onde exerceu medicina até 1903.
Regressando a Lisboa nesse ano, foi para França onde estagiou em várias
clínicas, regressando no ano seguinte. Montou consultório, primeiro na Rua do
Ouro, depois no Largo de Camões, entrando então na política ativa.

Os seus discursos inflamados fizeram dele um orador muito popular nos comícios republicanos.
Foi preso por ocasião da tentativa revolucionária de Janeiro de 1908, dias antes do assassinato
do rei D. Carlos e do príncipe Luís Filipe. Posto em liberdade, continuou a sua acção
demolidora pela palavra e pela pena, sobretudo enquanto director do jornal Alma Nacional.

Ministro do Interior do Governo Provisório foi depois várias vezes ministro e


deputado, tendo fundado em Fevereiro de 1912 o partido Evolucionista92, que

91
Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, 8 de Julho de 1840 — Lisboa, 5 de
Março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e
membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais
ideólogos do Partido Republicano Português. A 24 de Agosto de 1911 tornou-se no primeiro presidente
eleito da República Portuguesa, sucedendo na chefia do Estado ao Governo Provisório presidido por
Teófilo Braga. Exerceu aquelas funções até 29 de Maio de 1915, data em que foi obrigado a demitir-se,
sendo substituído no cargo pelo mesmo Teófilo Braga, que como substituto completou o tempo restante
do mandato.
92
Partido Republicano Evolucionista (abreviadamente conhecido como Partido Evolucionista) foi um
partido político português do tempo da I República, surgindo em 24 de Fevereiro de 1912 como
consequência da primeira secessão do Partido Republicano Português (a par do Partido Democrático e
do Partido Unionista). Foi liderado por António José de Almeida, porventura o maior orador da República;
daí a alcunha dos membros do partido, os almeidistas (por oposição aos afonsistas do Partido
Democrático de Afonso Costa). Teve no afamado República o seu órgão de imprensa. Ideologicamente
situado à direita dos democráticos e à esquerda dos unionistas, poder-se-ia hoje considerar um partido de
centro-direita. Foi o partido que mais se opôs à ação governativa dos democráticos, à parte o período em
que com eles constituiu o Governo da União Sagrada, durante a I Guerra Mundial. Opôs-se também ao
sidonismo (1918) [Sidonismo (também chamado de Consulado Sidonista, República Nova ou Nova
República) designa o regime vigente durante o governo de Sidónio Pais (Dezembro de 1917 a Dezembro
de 1918). As suas medidas tornaram-se o ideário do Partido Sidonista, de direita], mas acabaria por
desaparecer pouco depois, em 1919; com a eleição de António José de Almeida para a Presidência da
República, o partido via perder a sua principal cabeça, e acabou por se fundir com o Partido Unionista
(cujo líder, Brito Camacho, também se ausentara da política nacional por ter sido nomeado Alto-
48

dirigirá, partido republicano moderado organizado em torno do diário República,


que tinha criado em Janeiro de 1911, e que também dirigia, opondo-se ao
Partido Democrático de Afonso Costa, mas com o qual porém se aliou no
governo da União Sagrada, em Março de 1916, ministério de que foi
presidente. Em 6 de Agosto de 1919 foi eleito presidente da República e
exerceu o cargo até 5 de Outubro de 1923, sendo o único presidente que até
1926 ocupou o cargo até ao fim do mandato. Nestas funções foi ao Brasil em
visita oficial, para participar no centenário da independência da antiga colónia
portuguesa. A sua eloquência e a afabilidade do seu trato fizeram daquela
visita um êxito notável. Durante o seu mandato deu-se o levantamento radical
que desembocou na Noite sangrenta de 19 de Outubro de 1921, em que foram
assassinados, por opositores republicanos. Nomeou 16 governos durante o
seu mandato. Os seus amigos e admiradores levantaram-lhe uma estátua em
Lisboa, de autoria do escultor Leopoldo de Almeida e do arquitecto Pardal
Monteiro, e coligiram os seus principais artigos e discursos em três volumes,
intitulados Quarenta anos de vida literária e política, obra publicada em 1934.

Estátua de António José de Almeida.

Comissário da República para Moçambique) num novo partido, o Partido Liberal Republicano. Um setor
do partido que se opôs a fusão viria a constituir uma dissidência dos evolucionistas, o Partido Popular.
49

Pretendeu-se, também, que o derrube da monarquia tivesse uma mística messiânica,


unificadora, nacional e acima de interesses particulares das diversas classes sociais. Esta
93
panaceia que deveria curar, de uma vez, todos os males da Nação, reconduzindo-a à glória,
foi acentuando cada vez mais duas vertentes fundamentais: o nacionalismo e o colonialismo.
94
Desta combinação resultou o definitivo abandono do iberismo , patente nas primeiras teses
republicanas de José Félix Henriques Nogueira, identificando-se os monárquicos e a
monarquia com antipatriotismo e cedência aos interesses estrangeiros. Outra forte componente
95
da ideologia republicana foi o acentuado anticlericalismo , devido à teorização de Teófilo
Braga, que identificou a religião como um empecilho ao progresso e responsável pelo atraso
científico de Portugal, em oposição aos republicanos, vanguarda identificada com a ciência, o
progresso e o bem-estar.

As questões ideológicas não eram, como se viu, fundamentais na estratégia


dos republicanos: para a maioria dos seus simpatizantes, que nem sequer
conhecia os textos dos principais manifestos, bastava ser contra a monarquia,
contra a Igreja e contra a corrupção política dos partidos tradicionais. Esta falta
de preocupação ideológica não quer dizer que o partido não se preocupasse
com a divulgação dos seus princípios. A ação de divulgação mais eficaz foi a
propaganda feita através dos seus comícios e manifestações populares e de
jornais como A Voz Pública, no Porto, e O Mundo (a partir de 1900) e A Luta96
(a partir de 1906), em Lisboa.
A propaganda republicana foi sabendo tirar partido de alguns fatos históricos
de repercussão popular. As comemorações do terceiro centenário da morte de

93
Na mitologia grega Panaceia (ou Panacea em latim) era a deusa da cura. O termo Panacéia também é
muito utilizado com o significado de remédio para todos os males.
94
O Iberismo é um movimento político e cultural que defende a abordagem e melhoramento das relações
a todos os níveis entre Portugal e Espanha e, finalmente, a unidade política dos mesmos. Estes ideais
foram promovidos principalmente pelos movimentos republicanos e socialistas em ambos os países,
especialmente durante o século XIX, quando eles tiveram o maior dilema dos ideais nacionalistas de
inclusão, como o Risorgimento Italiano ou a Unificação Alemã. O Iberismo é um projecto de construção de
um Estado ibérico que pretende ter uma entidade política, ou seja, criar um único país que incorpore o
atual Portugal e a atual Espanha. Tal união levaria a que ambos os países, já unificados, se tornassem no
44.º maior país do Mundo, no 5.º maior país da União Europeia, e o 24.º mais populoso (em 2009), assim
como faria crescer o PIB e o IDH, deixando o país entre os dez melhores países do Mundo em ambas as
características.
95
Anticlericalismo é um movimento histórico que se caracteriza por condenar a influência dominante de
instituições religiosas, especialmente do clero da Igreja Católica (padres, sacerdotes), sobre aspectos
sociais e políticos da vida pública. Sua atitude denota uma crítica à instituição eclesiástica e à hierarquia
católica em geral, o que não implica necessariamente em anticristianismo, ou seja, o sujeito pode-se ser
anticlerical e cristão. O anticlericalismo propugna pela separação e não interferência entre as esferas do
poder religioso e do civil. O ativista anticlerical critica a acção política das instituições religiosas. O
anticlericalismo é mais frequente no cristianismo, mas há atitudes anticlericais nas demais religiões. O
anticlericalismo foi um sentimento presente no iluminismo, revolução francesa, revoluções proletárias e/ou
socialistas. Como consequencia, existem países laicos que barraram (ou reduziram) a influencia clerical
em sua política (e até mesmo estatizando as propriedades clericais). Ex: França, Cuba, Venezuela, Itália,
República Tcheca...
96
Lucta, fundado a 1 de janeiro de 1906 por Manuel de Brito Camacho, foi um periódico republicano
importante na sua época, que entretanto se transformou no órgão oficioso do Partido Unionista.
50

Luís de Camões, em 1880, e o Ultimatum britânico, em 1890, por exemplo,


foram amplamente aproveitadas, apresentando-se os republicanos como os
verdadeiros representantes dos mais puros sentimentos nacionais e das
aspirações populares.
O terceiro centenário de Camões foi comemorado com grandes cerimónias: um
cortejo cívico que percorreu as ruas de Lisboa, no meio de grande entusiasmo
popular e, também, a trasladação dos restos mortais de Camões e de Vasco da
Gama para o Mosteiro dos Jerónimos. As luminárias e o ar de festa nacional
que caraterizaram as comemorações complementaram o quadro de exaltação
patriótica. A ideia das comemorações camonianas partira da Sociedade de
Geografia de Lisboa, mas a execução foi confiada a uma comissão constituída
por, entre outros, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão, Batalha Reis, Magalhães
Lima e Pinheiro Chagas, figuras cimeiras do Partido Republicano.
Para além de Rodrigues de Freitas, também Manuel de Arriaga, José Elias
Garcia, Zófimo Consiglieri Pedroso, José Maria Latino Coelho, Bernardino
Pereira Pinheiro, Eduardo de Abreu, Francisco Teixeira de Queirós, José
Jacinto Nunes e Francisco Gomes da Silva foram eleitos deputados,
representando o PRP em diversas sessões legislativas entre 1884 e 1894.
Desta data e até 1900 não houve representação parlamentar republicana.
Nesta fase, em que esteve afastado do parlamento, o partido empenhou-se na
sua organização interna.
Após um período de grande repressão ao PRP, o movimento republicano pôde
entrar novamente na corrida às legislativas em 1900, elegendo quatro
deputados: Afonso Costa, Alexandre Braga, António José de Almeida e João
de Meneses.

Abílio Manuel Guerra Junqueiro


Abílio Manuel Guerra Junqueiro (Freixo de Espada à Cinta, 17 de Setembro de
1850 — Lisboa, 7 de Julho de 1923) foi bacharel formado em direito pela
Universidade de Coimbra, alto funcionário administrativo, político, deputado,
jornalista, escritor e poeta. Foi o poeta mais popular da sua época e o mais
51

típico representante da chamada "Escola Nova". Poeta panfletário, a sua


poesia ajudou criar o ambiente revolucionário que conduziu à implantação da
República. Nasceu em Freixo de Espada à Cinta a 17 de Setembro de 1850,
filho do negociante e lavrador abastado José António Junqueiro e de sua
mulher D. Ana Guerra. A mãe faleceu quando Guerra Junqueiro contava
apenas 3 anos de idade. Estudou os preparatórios em Bragança, matriculando-
se em 1866 no curso de Teologia da Universidade de Coimbra.
Compreendendo que não tinha vocação para a vida religiosa, dois anos depois
transferiu-se para o curso de Direito. Terminou o curso em 1873. Entrando no
funcionalismo público da época, foi secretário-geral do Governador Civil dos
distritos de Angra do Heroísmo e de Viana do Castelo. Em 1878, foi eleito
deputado pelo círculo de Macedo de Cavaleiros. Faleceu em Lisboa a 7 de
Julho de 1923.
Guerra Junqueiro iniciou a sua carreira literária de maneira promissora em
Coimbra no jornal literário "A folha", dirigido pelo poeta João Penha, do qual
mais tarde foi redactor. Aqui cria relações de amizade com alguns dos
melhores escritores e poetas do seu tempo, grupo geralmente conhecido por
Geração de 70. Guerra Junqueiro desde muito novo começou a manifestar
notável talento poético, e já em 1868 o seu nome era incluído entre os dos
mais esperançosos da nova geração de poetas portugueses. No mesmo ano,
no opúsculo intitulado "O Aristarco português", apreciando-se o livro "Vozes
sem eco", publicado em Coimbra em 1867 por Guerra Junqueiro, já se
prognostica um futuro auspicioso ao seu autor.
No Porto, na mesma data, aparecia outra obra, "Baptismo de amor",
acompanhada dum preâmbulo escrito por Camilo Castelo Branco97; em
Coimbra publicara Guerra Junqueiro a "Lira dos catorze anos", volume de
poesias; e em 1867 o poemeto "Mysticae nuptiae"; no Porto a casa Chardron
editara-lhe em 1870 a "Vitória da França", que depois reeditou em Coimbra em
1873.

97
Camilo Ferreira Botelho Castelo Branco (Lisboa, 16 de Março de 1825 — São Miguel de Seide, 1 de
Junho de 1890) foi um escritor português. Camilo foi romancista português, além de cronista, crítico,
dramaturgo, historiador, poeta e tradutor. Foi ainda o 1.º visconde de Correia Botelho, título concedido por
o rei D. Luís de Portugal.
52

Em 1873, sendo proclamada a República em Espanha, escreveu ainda nesse


ano o veemente poemeto "À Espanha livre".
Em 1874 apareceu o poema "A morte de D. João", edição feita pela casa Moré,
do Porto, obra que alcançou grande sucesso. Camilo Castelo Branco
consagrou-lhe um artigo nas Noites de insónia, e Oliveira Martins98, na revista
"Artes e Letras". Indo residir para Lisboa foi colaborador em prosa e em verso,
de jornais políticos e artísticos, como a "Lanterna Mágica", com a colaboração
de desenhos de Rafael Bordalo Pinheiro. Em 1875 escreveu o "Crime",
poemeto a propósito do assassínio do alferes Palma de Brito; a poesia "Aos
Veteranos da Liberdade"; e o volume de "Contos para a infância". No "Diário de
Notícias" também publicou o poemeto Fiel e o conto Na Feira da Ladra. Em
1878 publicou em Lisboa o poemeto Tragédia infantil.

Estátua na Casa-Museu Guerra


Junqueiro, no Porto, Portugal.

Uma grande parte das composições poéticas de Guerra Junqueiro está reunida
no volume que tem por título A musa em férias, publicado em 1879. Neste ano

98
Joaquim Pedro de Oliveira Martins (Lisboa, 30 de Abril de 1845 — Lisboa, 24 de Agosto de 1894) foi
um político e cientista social português. Oliveira Martins é uma das figuras-chave da história portuguesa
contemporânea. As suas obras marcaram sucessivas gerações de portugueses, tendo influenciado vários
escritores do século XX, como António Sérgio, Eduardo Lourenço ou António Sardinha.
53

também saiu o poemeto O Melro, que depois foi incluído na Velhice do Padre
Eterno, edição de 1885. Publicou Idílios e Sátiras, e traduziu e coleccionou um
volume de contos de Hans Christian Andersen e outros.
Após uma estada em Paris, aparentemente para tratamento de doença
digestiva contraída durante a sua estada nos Açores, publicou em 1885 no
Porto A velhice do Padre Eterno, obra que provocou acerbas réplicas por parte
da opinião clerical, representada na imprensa, entre outros, pelo cónego José
Joaquim de Sena Freitas99.
Quando se deu o conflito com a Inglaterra sobre o "mapa cor-de-rosa", que
culminou com o ultimato britânico de 11 de Janeiro de 1890, Guerra Junqueiro
interessou-se profundamente nesta crise nacional, e escreveu o opúsculo Finis
Patriae, e a Canção do Ódio, para a qual Miguel Ângelo Pereira100 escreveu a
música. Posteriormente publicou o poema Pátria. Estas composições tiveram
uma imensa repercussão, contribuindo poderosamente para o descrédito das
instituições monárquicas.

Caridade e Justiça
Guerra Junqueiro
No topo do Calvário erguia-se uma cruz,
pregado sobre ela o corpo de Jesus.
Noite sinistra e má. Nuvens esverdeadas
corriam pelo ar como grandes manadas de búfalos.
E a lua ensangüentada e fria,
como um soluço imenso de Maria,
lançava sobre as coisas naturais
a merencória luz, cheia de brancos ais.
As árvores que outrora, em dias de calor,
abrigaram Jesus, cheias de mágoa e dor,
choravam na mudez hercúlea dos heróis,

99
José Joaquim de Sena Freitas (Ponta Delgada, 27 de Julho de 1840 — Rio de Janeiro, 21 de
Dezembro de 1913) foi um sacerdote, orador sacro e polemista português. Publicou um extenso conjunto
de obras, a maior parte sobre questões religiosas e de moral. Manteve intensas polémicas com diversos
intelectuais e jornalistas portugueses e brasileiros
100
Miguel Ângelo Pereira (Barcelinhos, Barcelos, 1843-Porto, 1901 (58 anos)) foi um pianista e
compositor português. Passou parte da sua vida no Brasil. Entre as suas obras destacam-se as óperas
"Eurico", "Zaida" e "Avalanche", a "Cantata a Luís de Camões", a Sinfonia "Adamastor", a "Marcha do
Ódio" musicando um poema de Guerra Junqueiro, além de numerosas valsas e polkas. Morreu pobre,
louco e esquecido.
54

deixaram de cantar todos os rouxinóis.


Num momento em que havia grande escuridão,
Cristo sentiu alguém se aproximar. Então, olhou
e viu surgir no horror das trevas mudas
o covarde perfil sacrílego de Judas.
O traidor contemplando o olhar do Nazareno,
tão cheio de desdém, tão nobre e tão sereno,
convulso de terror, fugiu.
Mas nesse instante surgiu-lhe frente a frente um
vulto de gigante que bradou :- É chegado enfim
o teu castigo !
O traidor teve medo e balbuciou :
- O que pretendes de mim ? Quem és tu ?
- O Remorso. O grande caçador de feras ...
Judas Iscariotes, como um negro que vê
a ponta dum chicote, tremia.
Levando a mão à bolsa, tirou o saco de
dinheiro, dizendo: - Aqui tens. Deixa-me partir.
O gigante o fitou e começou a rir.
Finalmente o vulto respondeu :
- Guarda esse dinheiro. É teu.
- O ouro da traição pertence ao traidor,
como o riso à inocência, e como o aroma à flor.
- És traidor, assassino, hipócrita e perjuro.
- A tua alma lançada em cima de um monturo
faria nódoa. És livre. Adeus.
- Já brilha o astro matutino e eu caçador
feroz, cumprindo o meu destino,
continuarei procurando os javalis nos matos.
E, dito isso, partiu a procurar Pilatos.
Judas ficando só, meteu-se pela estrada
caminhando ligeiro, impávido e terrível,
como um homem que leva um fim indescritível.
De-repente estacou. Havia uma figueira.
Judas desenrolou a corda da cintura,
subiu acima, atou-a num ramo vigoroso
e deu um laço na garganta.
Nisto ouviu a voz de Jesus moribundo,
que lhe disse: - Traidor, concedo-te o perdão,
apesar de meu carrasco, és ainda meu irmão.
Pregaste-me na cruz, mas é o mesmo. Fica em paz,
eu costumo esquecer o mal que alguém me faz.
- Tenho até prazer, bem vês, no sacrifício.
Não te cause remorso o meu atroz suplício.
55

Esses golpes cruéis; essas horríveis dores


e as minhas chagas são outras tantas flores .
Judas fitou ao longe os cerros do Calvário,
erguendo-se, viril, soberbo, extraordinário,
exclamou : - Não aceito a tua compaixão.
A justiça dos bons consiste no perdão.
- Um justo não perdoa. A justiça é implacável.
- A minha ação é infame, hedionda, miserável.
- Preguei-te nesta cruz; vendi-te aos fariseus.
- Pois bem, sendo eu um monstro e sendo tu um Deus,
vais ver como este monstro oh, pobre Cristo nu,
é mais justo do que Deus e mais forte do que tu.
- À tua caridade humanitária e doce, prefiro
o dever terrível... E enforcou-se.

Segundo o Irmão Rhomeu Barros Guerra Junqueiro era um grande pensador e lutava contra o
domínio da Igreja sobre as consciências cristãs. Por isso, foi excomungado. Sua luta era
principalmente pela hegemonia da justiça, tanto que, neste poema, há uma comparação
avaliatória entre a caridade e a justiça, que fica ao raciocínio de cada um.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso


Segundo a República nas Escolas (2011) Alfredo Ernesto de Sá Cardoso
nasceu em Lisboa a 6 de Junho de 1864. Após os primeiros estudos ingressou
no Colégio Militar e depois na Escola do Exército onde fez o curso de Artilharia.

Alfredo Ernesto de Sá Cardoso.

Assentou praça em 1880, prosseguiu a carreira de oficial do exército, tendo


chegado a General. Foi mobilizado para a campanha de Luanda e, em 1888,
assumiu a secretaria do Governo Distrital de Angola. Filiado no Partido
Republicano Português (PRP) conspirou activamente no derrube da
56

monarquia, participando nos acontecimentos de 31 de Janeiro de 1890 e de 28


de Janeiro de 1908.Alfredo Sá Cardoso aderiu à Maçonaria em 1893, foi
membro da Loja Portugal, tendo chegado a fazer parte do seu Supremo
Conselho. Integrou o comité militar para a proclamação da República e foi um
dos comandantes militares da revolução de 5 de Outubro de 1910. Com o
triunfo republicano, passou a chefe de gabinete do Ministro de Guerra, general
Correia Barreto, e em 1913 foi nomeado Governador Civil do Distrito Autónomo
do Funchal. Integrando o grupo Jovens Turcos da República, de que foi
fundador, chefiou o movimento de 14 de Maio de 1915, contra a ditadura de
Pimenta de Castro. Fez parte da resistência contra a revolta sidonista de 5 de
Dezembro de 1917, tendo sido preso em 1918. Em 1919, fiel à sua índole
republicana, participou na ofensiva contra a Monarquia do Norte. Em Junho
desse mesmo ano assumiu a presidência do governo, acumulando as pastas
do Interior e dos Negócios Estrangeiros até 1920. Voltou a ser Ministro do
Interior entre 18 de Dezembro de 1923 e 6 de Julho de 1924. Em 1926, com a
Ditadura Militar instaurada em Portugal, Sá Cardoso foi preso e deportado,
primeiro para Cabo Verde e depois para os Açores. Voltou a Portugal em 1934,
ano em que fundou a Aliança Republicana mas, no mesmo ano, passou à
reforma. O Capitão Sá Cardoso morreu em Lisboa no dia 24 de Abril de 1950.

Henrique Lopes de Mendonça


Henrique Lopes de Mendonça (Lisboa, 12 de Fevereiro de 1856 — 24 de
Agosto de 1931) foi um militar, historiador, arqueólogo naval, professor,
conferencista, dramaturgo, cronista e romancista português.
Maçom, pertenceu às Lojas Ourique e Pureza, de Lisboa. Filho de António
Raulino Lopes de Mendonça e de Honorata Lopes de Mendonça, casado com
Amélia Bordalo Pinheiro, teve três filhos que deixaram também o nome ligado
às letras e artes: Virgínia Lopes de Mendonça (1881-1969) contista e
dramaturga, Alda Lopes de Mendonça, rendeira, e Vasco Lopes de Mendonça
(1881-1963), engenheiro militar, ceramista e caricaturista.
57

Ingressou na Armada Portuguesa como Aspirante de Marinha em 27 de


Outubro de 1871 sendo promovido a Guarda-Marinha em 1 de Novembro de
1874 e a Capitão de Mar-e-Guerra em 27 de Agosto de 1909, posto em que foi
reformado em 25 de Maio de 1912.

Henrique Lopes de Mendonça

Durante a sua carreira naval embarcou em diversos navios da Armada. As


suas longas comissões de serviço a bordo tiveram nele efeitos diversos:
algumas viagens em portos estrangeiros permitiram-lhe satisfazer alguns dos
seus anseios culturais e artísticos, mas algumas das comissões em portos
coloniais foram-lhe algo penosas, quer por razões de saúde quer por o
manterem afastado do convívio intelectual e cultural.
Foi por diversas vezes professor da Escola Prática de Artilharia Naval, então
instalada no rio Tejo a bordo da Fragata D. Fernando II e Glória.
Em Janeiro de 1887 foi nomeado para coadjuvar o conselheiro João de
Andrade Corvo101 na publicação dos estudos sobre as possessões
ultramarinas.
Em Agosto de 1889 foi nomeado para proceder à elaboração de uma obra
onde se historiassem metodicamente os feitos da Armada Portuguesa. Como
fruto dessas investigações do seu consequente interesse pela arqueologia
naval, publicou uma obra que designou Estudos sobre Navios Portugueses dos
séculos XV e XVI.

101
João de Andrade Corvo (1824-1890) foi Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal entre 13 de
Setembro de 1871 e 29 de Janeiro de 1878, durante o Governo de Fontes Pereira de Melo. Nesse
período também acumulou a pasta da Marinha e Ultramar de 1872 a 1877. Homem culto, fez estudos de
Medicina, Engenharia, Matemática e Ciências Naturais.
58

Como escritor e dramaturgo, Henrique Lopes de Mendonça iniciou a sua


carreira em 1884 com a peça A Noiva. A sua obra seguinte, a peça A Morta, foi
galardoada com o prémio D. Luís I da Academia das Ciências de Lisboa.
Por ocasião do Ultimato Inglês de 1890, escreveu, com música de Alfredo Keil,
a marcha A Portuguesa que, em 1910 o Governo da República adotou como
Hino Nacional.
Entre 1897 e 1901 foi Bibliotecário da Escola Naval, o que após passou a
professor da cadeira de História da Escola de Belas-Artes de Lisboa.
Em 1900 foi eleito membro efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e, em
1915, foi nomeado seu presidente.
Em 1916 foi agregado à comissão nomeada pelo governo para propor as
versões oficiais e definitivas para piano, canto, orquestra e banda do Hino
Nacional.
Em 1922 foi nomeado presidente da comissão destinada a perpetuar a Viagem
Aérea Lisboa-Rio de Janeiro. Em 1925 foi co-fundador da Sociedade
Portuguesa de Autores.
O Comandante Lopes de Mendonça foi ainda membro da Academia Brasileira
de Letras desde 1923, sócio do Instituto de Coimbra, membro Honorário do
Clube de Londres, vogal do Conselho de Arte Dramática e membro das
Comissões Oficiais dos Centenários de Colombo e de Vasco da Gama.
Deixou escrito quase uma centena de obras teatrais, poesias, romances e
estudos históricos.

José Elias Garcia


José Elias Garcia (Cacilhas, 30 de Dezembro de 1830 — Lisboa, 21 de Junho
de 1891)
Foi um percursor do republicanismo e do socialismo em Portugal, teórico do iberismo e do
federalismo dos Estados ibéricos. Federalista, foi adepto do associacionismo e do
.
cooperativismo e defensor do municipalismo como forma de descentralização administrativa
59

José Elias Garcia.

Coronel do Estado-Maior de Engenharia, lente da Escola do Exército, vogal do


Conselho de Instrução Naval, deputado, presidente da Câmara Municipal de
Lisboa, jornalista, Grão Mestre da Maçonaria portuguesa, etc.
Era filho de José Francisco Garcia; chefe duma das oficinas do Arsenal da
Marinha, revolucionário constitucional, que foi cruelmente perseguido pelo
partido absolutista; preso e sentenciado à morte. Estava no Limoeiro
esperando a hora da execução, quando o exército libertador do duque da
Terceira entrou em Almada, e saindo milagrosamente da prisão, dirigiu-se
àquela vila a combater pela liberdade. Em 1814 era major da Guarda Nacional,
e tomou parte importante na sublevação promovida por José Estêvão Coelho
de Magalhães no Batalhão do Arsenal.
José Elias Garcia, tornou-se também entusiasta do partido liberal como seu
pai. Estudou o curso da antiga Escola do Comércio, que concluiu em 1848;
seguiu depois o curso das Escolas Politécnica e do Exército, com destino à
Engenharia militar, os quais terminou, recebendo prémios em diversas
cadeiras. Assentou praça, como voluntário, no Regimento de Granadeiros da
Rainha, em 31 de Agosto de 1853; foi promovido a alferes para Infantaria n.º 2,
em 15 de Julho de 1856; a tenente em 29 de Abril de 1858, a capitão em 19 de
Agosto do mesmo ano, a major em 8 de Julho de 1880, a tenente-coronel a 6
de Junho de 1883, e a coronel em 27 de Setembro de 1888. Estava fora do
quadro da sua arma, por se achar em comissão, como director de estudos,
tendo entrado para o corpo docente da Escola do Exército em 1857, onde foi
lente proprietário da 6.ª cadeira, Mecânica Aplicada. Pertenceu ao antigo
conselho geral de instrução militar, foi vogado conselho de instrução naval, e
60

vereador da câmara municipal de Lisboa, do pelouro de instrução pública, de


que teve a presidência em 1878. Foi também presidente da junta
departamental do sul, do Congresso das Associações Portuguesas; presidente
da direcção da Associação dos Jornalistas e Escritores portugueses.
Entrou na política, com tendências pronunciadamente democráticas, e em 1854
fundou o primeiro jornal republicano, intitulado O Trabalho; em 1858 apareceu
o Futuro, jornal fundado e sustentado por um grupo a que pertencia José Elias
Garcia. Neste ano ainda se não havia constituído em Portugal o Partido
Republicano; José Felix Henriques Nogueira e Lopes de Mendonça não tinham
conseguido formar em torno de si um grupo de acção. O Futuro, mais tarde, em
1862, fundiu-se com a Discussão, tomando o nome de Política Liberal; foi este
um dos jornais que mais valentemente combateram contra a vinda a Portugal
das irmãs de caridade e dos lazaristas franceses, sendo secundado nessa luta
por José Estêvão na câmara dos deputados. Em 1868 pertenceu ao célebre
grupo do pátio do Salema, donde saiu o Partido Reformista, que foi, por assim
dizer, a guarda avançada do Partido Republicano. Elias Garcia foi convidado
para entrar no ministério presidido pelo bispo de Viseu, D. António Alves
Martins, e doutra vez recebeu convite do visconde de Sá do Bandeira. Recusou
essa honra, que muitas mais vezes repeliu, mesmo depois de ser eleito para o
directório do Partido Republicano. Em 1865 foi também redactor principal do
Jornal de Lisboa, que redigiu até ao último número. A 12 de Outubro de 1873
publicou-se o primeiro número da Democracia, jornal redigido por José Elias
Garcia, inserindo um artigo editorial escrito por Latino Coelho, precedendo a
exposição do programa republicano, que era o do jornal. Mais tarde, em 1876,
organizou-se um centro republicano, devido especialmente a Elias Garcia. Não
foi, porém, este o primeiro centro estabelecido no país, pois já haviam sido
fundados em Coimbra, mas até à data da instituição do de Lisboa, ainda o
Partido Republicano não estava definitivamente constituído.
José Elias Garcia foi deputado pela primeira vez em Setembro de 1870,
quando tinha ainda o seu nome ligado ao Partido Reformista, que, por ser
então o mais liberal, era o que convinha aos homens que compunham a guarda
avançada da democracia. Em 1881, depois da valente campanha do tratado de
Loureço Marques, em que ele tomou parte muito ativa, comparecendo nos
61

comícios particulares que se realizaram em Lisboa contra aquele tratado, e


como protesto contra o governo regenerador que iniciara o período das
perseguições, foi eleito pelo círculo 95, de Lisboa, para a legislatura que
começou em 2 de Janeiro de 1882, e terminou pela dissolução de 24 de Maio
de 1884. Tornou a ser deputado na legislatura de 15 de Dezembro do referido
ano de 1884 até 7 de Janeiro de 1887, dia em que foi dissolvida a câmara.
Também pertenceu à legislatura de 2 de Abril de 1887, dissolvendo-se a
Câmara em 11 de Julho de 1889. Nas eleições que se seguiram, a lista
republicana ficou derrotada, porque, não tendo sido atendidas as reclamações
dos centros republicanos, a votação se dividiu.
Com a questão inglesa e os primeiros actos do despotismo do governo
regenerador, o partido republicano novamente se animou, e apesar das
simpatias gerais dos candidatos do governo, escolhidos entre os africanistas de
maior popularidade, a lista republicana triunfou no dia 29 do Março de 1890,
sendo Elias Garcia novamente eleito, juntamente com Latino Coelho e Manuel
Arriaga. Durante o tempo em que foi vereador da Câmara Municipal, prestou
muitos e importantes serviços; estabeleceu as escolas centrais, o ensino da
ginástica, os batalhões escolares, o ensino do desenho de ornato, o canto coral
das escolas e as bibliotecas populares. A primeira junta escolar que funcionou
foi por ele presidida. Pertenceu à Maçonaria 38 anos começando por aprendiz
de maçon em 1853, dando entrada na Loja 5 de Novembro, sob o nome de
Irmão Péricles. Ali subiu até rosa-cruz, sétimo grau do rito francês. Morrendo
José Estêvão Coelho de Magalhães, Grão-Mestre da Confederação Maçónica
Portuguesa, Elias Garcia era orador da Grande Loja. Em Agosto de 1881,
sendo feita a fusão das corporações maçónicas portuguesas sob o nome de
Grande Oriente Lusitano Unido, filiou-se na loja Simpatia, sendo eleito
Venerável. Foi presidente do conselho da Ordem e Grão-Mestre interino em
1884, em substituição do conde de Paraty. Mais tarde, em 1885, pela morte de
António Augusto de Aguiar, foi eleito definitivamente Grão-Mestre. Nessa
ocasião desempenhava também o lugar de presidente do conselho da Ordem.
Foi uma verdadeira vitória para José Elias Garcia a sua eleição a Grão-Mestre
da Maçonaria, porque se deu uma renhida luta, havendo nomes poderosos
indicados para o referido cargo. Como Grão-Mestre da ordem era também
62

presidente da Assembleia geral do Asilo de S. João, estabelecido em Lisboa, e


fundado por José Estêvão, concorrendo Elias Garcia em grande parte.
Trabalhou com ardor pelo progresso da maçonaria e para que ela bem em
público manifestasse que não havia motivo para prevenções que só cabem em
espíritos pouco desenvolvidos, e assim viu coroados os seus esforços ao
conseguir que ela publicamente manifestasse que não tinha outros fins que não
fossem a defesa da pátria e da Liberdade e a pratica do bem e da justiça.
Quando se deu o caso de 11 de Janeiro de 1891, dirigiu-se como Grão-Mestre
da Maçonaria, a todas as potências maçónicas do estrangeiro, relatando a
verdade dos factos e o direito que nos assistia, e assim apareceram em muitos
jornais estrangeiros artigos defendendo direitos da nação portuguesa. A
biografia deste prestimoso cidadão encheria volumes, se minuciosamente se
narrassem todos os actos da sua vida pública, pondo bem em relevo a
grandeza, a abnegação e a lealdade daquele irrepreensível carácter. Elias
Garcia morreu pobre, porque sacrificou tudo quanto auferia pelos seus
trabalhos, em proveito do seu partido, e para a sustentação da Democracia,
jornal que ele fundara, e que lhe merecia a maior dedicação. A sua morte foi
muito sentida; a imprensa unânime, de todas as cores políticas do país,
consagram nas colunas dos seus jornais, indeléveis testemunhos de quanto
apreciava e respeitava o carácter e merecimento de tão útil e benemérito
cidadão, e lastimava a sua perda.
O funeral foi imponentíssimo. Ali se viam incorporadas diversas associações as
crianças do asilo de S. João, as escolas municipais com os respectivos
professores, os alunos e o corpo docente da Escola do Exército representantes
de todos os partidos políticos, da câmara municipal, da maçonaria portuguesa,
bombeiros municipais, etc. Quatro anos depois em 21 de Abril de 1895, o
Grande Oriente Lusitano mandou levantar um jazigo no cemitério Oriental,
para onde foram trasladados os seus restos mortais. Também foi uma
manifestação imponente. 0 monumento é simples, tem a forma de obelisco, foi
delineado por Silvestre da Silva Matos. Está levantado em terreno concedido
gratuitamente pela câmara municipal, que tomou o encargo da sua
conservação e reparação. Começou a construir-se nos fins do ano de 1893,
ficando concluído nos princípios de Abril de 1894. A base do monumento
63

assenta em três degraus, em cujas faces se encontram: na anterior, em


medalhão, o busto de Elias Garcia; em uma das laterais o emblema da ciência
composto da esfera armilar e doutros instrumentos igualmente simbólicos; na
outra a figura da Liberdade pairando sobre o globo, sustentando numa das
mãos o facho do progresso, e na outra mostrando despedaçadas as cadeias da
servidão; e na face posterior diversos emblemas maçónicos. Acima da base do
obelisco eleva-se uma pirâmide medindo 4,20m de altura, tendo como remate
uma bela estrela de cristal de 5 raios. Foi feita na Áustria por impossibilidade
absoluta e comprovada de se fabricar em Portugal. A decoração dos quatro
lados da coluna é composta de outros quadros em baixo relevo, desenhados e
cinzelados por Silvestre Matos e seus operários. A lápide foi oferecida pelo
industrial Moreira Rato, proprietário da fabrica de cimento de Alhandra. É um
livro sobre o qual se vê um poema, e onde estão gravadas as letras ABC.
Folhas de hera acompanham o livro, tendo a eles presa uma fita em forma de
laço com a legenda: Instrução do povo.
Quando era vereador publicou: Câmara municipal de Lisboa. Informação da
proposta do vereador Joaquim José Alves, relativa ao remate da fachada
principal do edifício dos novos paços do concelho, apresentada à câmara pela
comissão de obras e melhoramentos em sessão de 5 de Outubro, e aprovada
em sessão de 12 de Outubro de 1874, Lisboa, 1874. Os seus discursos
proferidos nas sessões da Câmara Municipal e da Câmara dos Deputados
encontram-se nos respectivos Arquivo municipal e Diário das sessões, etc. As
suas lições na Escola do Exército correm litografadas. No Nível, de 15 de
Novembro de 1834, vem o seu retrato acompanhado dalguma notas
biográficas, e seguidamente, de pág. 90 a 92, ocupando quatro colunas:
Discurso proferido... na grande loja da confederação maçónica portuguesa, em
20 de Dezembro de 1862 e para comemorar o falecimento do respeitável grão-
mestre e irmão José Estêvão Coelho de Magalhães.
64

José Mendes Cabeçadas Júnior

Nasce em Loulé, a 19 de Agosto de 1883, filho de José Mendes Cabeçadas e


de Maria da Graça Guerreiro.

José Mendes Cabeçadas Júnior.

Conclui o ensino primário em Loulé. Frequenta o Liceu de Faro durante dois


anos, terminando os estudos liceais em Évora. Depois de frequentar a Escola
Politécnica de Lisboa, no ano de 1902 ingressa no Regimento de Cavalaria N.º
2, Lanceiros d'El Rei. Em 1903 ingressa da Escola Naval. Em Março de 1911
casa com Maria das Dores Formosinho Vieira Cabeçadas, de quem tem quatro
filhas. Ao ingressar na Escola Naval, inicia uma carreira militar que o levará até
ao vice-almirantado, depois do desempenho de importantes cargos na Base
Naval do Alfeite. Aspirante da Marinha em 1903 é promovido a guarda-marinha
em 1908, altura em que inicia a sua primeira comissão militar integrando a
Divisão Naval do Índico (Moçambique). Regressado a Portugal no ano
seguinte, será promovido a segundo-tenente, patente com que participa na
revolução republicana. Logo em Novembro de 1910, ocorre a sua promoção a
capitão-tenente por distinção. Sucedem-se as promoções a capitão-de-fragata
(1917), capitão-de-mar-e-guerra (1925), contra-almirante (1930) e, finalmente,
vice-almirante (1937). Por várias vezes é chamado a desempenhar funções
65

como capitão do porto de Vila Real de Santo António (1914; 1917; 1918:1919)
e Comandante da Escola de Alunos Marinheiros do Sul (1919 e 1922). Preside
ao Tribunal Militar de Marinha (1926) e ao Conselho Superior de Disciplina da
Armada (1947). Serve na Direcção de Hidrografia e Navegação e, desde 1932
e ao longo de 17 anos, é Intendente da Marinha no Arsenal do Alfeite. Em Abril
de 1911, Mendes Cabeçadas é iniciado na Maçonaria. Por essa altura, a
Marinha está fortemente politizada, com muitos dos seus elementos
pertencendo à Maçonaria e à Carbonária. O jovem tenente Cabeçadas
participa numa das reuniões dos revoltosos republicanos. Na manhã do dia 4
de Outubro de 1910, de acordo com o que ficara estipulado, Mendes
Cabeçadas revolta a tripulação do cruzador Adamastor disparando contra o
Palácio das Necessidades. Estava, assim, dado o sinal para o início da revolta.
Logo no início do sidonismo, é nomeado Governador Civil do distrito de Faro, o
que voltará a suceder em 1919 (de 18-02 a 08-07) e 1923 (de 20-11 a 17-12).
Como representante da Marinha, é deputado às Constituintes por Silves em
1911, sendo mais tarde eleito deputado ao Parlamento em 1915 e 1921.
Pertence aos Partidos Unionista, Liberal e Nacionalista, tendo acompanhado a
cisão de Cunha Leal na formação da União Liberal Republicana no início de
1926. Durante a última fase da República, a sua acção contra o domínio do
Partido Democrático inicia-se em Julho de 1925 com a revolta do cruzador
Vasco da Gama, sob o seu comando, na sequência da qual é preso. O
objectivo é secundar a revolta dos oficiais nacionalistas presos no Forte do
Bom Sucesso, em virtude da rebelião militar de 18 de Abril de 1925, chefiada
por Sinel de Cordes, Raul Esteves e Filomeno da Câmara, considerada um
"ensaio geral" do 28 de Maio. A partir dessa altura, Mendes Cabeçadas
envolve-se directamente na preparação da revolta. De acordo com o plano, na
madrugada do dia 28 de Maio de 1926, o general Gomes da Costa lança em
Braga a proclamação que faz avançar o movimento, enquanto que Cabeçadas
chefia a revolta militar em Lisboa. Nesse mesmo instante, porém, terminava o
consenso que fizera agregar os conspiradores. Líder da componente
republicana conservadora da conspiração, nesse mesmo dia (28 de Maio)
Mendes Cabeçadas apresenta-se ao Presidente da República Bernardino
Machado como chefe do pronunciamento que nessa manhã se declarara em
66

Braga. Quando se dirige a Coimbra, para tomar o comando das tropas que lhe
eram fiéis no Centro do país, é preso em Santarém, por ordem do ainda chefe
do Governo, António Maria da Silva. Através de carta dirigida ao Presidente da
República, Cabeçadas exige a demissão do governo e a nomeação de
ministros que possam merecer a confiança do país. Bernardino Machado aceita
a demissão do executivo. Desaparece assim, sem esboçar qualquer tipo de
resistência, o último governo da I República. Antes de se demitir, o executivo
ordena a libertação de Mendes Cabeçadas, uma vez que a sua "facção"
constitui a única esperança de assegurar alguma continuidade à República. De
facto, Cabeçadas tinha em mente um golpe para derrubar o Partido
Democrático, mas sem colocar em causa o essencial do regime constitucional
vigente. Após ter aceitado a demissão do governo de António Maria da Silva, o
Presidente da República nomeia, a 30 de Maio de 1926, Mendes Cabeçadas
como presidente do ministério, ministro da Marinha e interino de todas as
pastas. Mantém a titularidade das pastas até 3-6-1926. No dia 31 de Maio de
1926, Bernardino Machado renuncia à Presidência da República, transmitindo
a Mendes Cabeçadas as suas funções constitucionais. A partir dessa data, e
até ao dia 17-06-1926, acumula as funções de presidente do Ministério e Chefe
do Estado. O general Gomes da Costa, representante da facção militar
conservadora de Sinel de Cordes, faz rapidamente saber que o governo de
Cabeçadas não merece a confiança do Exército e ordena o avanço das tropas
sobre Lisboa (31-5-1926). O objetivo é afastar Mendes Cabeçadas da nova
cena política e, com ele, as várias correntes republicanistas que lhe tinham
conferido apoio. No mesmo dia, o general Óscar Carmona adere à revolta e
arranca de Évora comandando a 4.ª Divisão, com o propósito de participar no
cerco à capital. Mendes Cabeçadas, por seu turno, controla as forças do
Exército, da Marinha e da GNR na capital e na margem Sul. A apoiá-lo tem
também os partidos e grupos republicanos bem como o movimento sindical.
Ainda a 31 de Maio, convence o Partido Radical - que ocupara o Barreiro com
os marinheiros do vale do Zebro e tomara conta do Ministério da Marinha e do
Arsenal, apoiado pelos ferroviários do Sul e Sueste - a abandonar as suas
posições. Logo de seguida, o Barreiro é ocupado militarmente e o Ministério da
Marinha e o Arsenal são desalojados. Nesse mesmo dia, por acção de um dos
67

seus homens, o tenente Carlos Vilhena, o Parlamento é encerrado e,


posteriormente, dissolvido (em 9-6). A 1 de Junho de 1926 realiza-se em
Coimbra uma reunião entre diferentes facções do movimento, formando-se um
triunvirato composto por Mendes Cabeçadas, Gomes da Costa e Gama Ochoa.
Pouco depois Gomes da Costa contestará, a partir do Entroncamento, a
presença de Gama Ochoa e a ausência de Carmona. Após nova reunião
("Conferência de Sacavém", a 3 de Junho de 1926), constitui-se um segundo
triunvirato formado por Mendes Cabeçadas (Presidência e Interior), Gomes da
Costa (Guerra e Colónias) e Óscar Carmona (Negócios Estrangeiros).
Cabeçadas, suspeito de ligações excessivas aos partidos, experimenta
crescentes dificuldades na distribuição das pastas ministeriais. A inclusão de
Ezequiel de Campos é o pretexto para a direita continuar a atacá-lo. Ezequiel
de Campos demite-se a 5 de Junho, levando a que a esquerda republicana
retire o seu apoio a Cabeçadas. A 6 de Junho, concluída a concentração de
forças no Entroncamento e em Sacavém, Gomes da Costa entra triunfalmente
em Lisboa à frente de 15 000 homens. A unidade entre os militares é apenas
aparente. A 14 de Junho Gomes da Costa apresenta em Conselho de Ministros
um projecto de revisão da Constituição. Mendes Cabeçadas recusa a proposta
do general, acentuando ainda mais as divergências existentes. A 17 de Junho,
o general Gomes da Costa desencadeia, a partir de Sacavém, o golpe de
Estado que acaba por conduzir ao afastamento de Cabeçadas. Incapaz de
congregar as várias correntes republicanas e de dominar a facção militarista e
antidemocrática, Mendes Cabeçadas abandona o Governo, rendendo-se e
assinando o decreto da sua própria demissão (Decreto n.º 11 738, de 19 de
Junho de 1926). Empossa Gomes da Costa como presidente do ministério,
transmitindo-lhe os poderes recebidos de Bernardino Machado. Depois da
Presidência, Cabeçadas regressa às suas funções na Marinha. Participa em
várias conspirações militares com o objectivo de derrubar o Estado Novo, como
o "golpe" de 10 de Outubro de 1946 (golpe da Mealhada) ou o de Abril de
1947. Na sequência desta última intentona, é preso e julgado em Tribunal
Militar - no chamado "processo da abrilada" - passando à reforma compulsiva
nesse mesmo ano. A partir dessa altura, participa em várias acções
oposicionistas. Em 1951 integra a comissão de candidatura do almirante
68

Quintão Meireles às eleições presidenciais, ano em que é um dos


impulsionadores da Organização Cívica Nacional. Dois anos depois, é
candidato pela oposição democrática às eleições para a Assembleia Nacional e
em 1955 preside ao Directório da Causa Republicana. Em 1956 preside à
Frente Nacional Liberal e Democrata e no ano seguinte participa na fundação
do Directório Democrato-social. Integra a comissão nacional da candidatura do
general Humberto Delgado às eleições presidenciais de 1958 e em 1961 é um
dos primeiros subscritores do Programa para a Democratização da República
que receberá o apoio de antigos republicanos e seareiros e da nova geração
de opositores a Salazar.
Morre em Lisboa em 11 de Junho de 1965.

Miguel Augusto Bombarda


Miguel Augusto Bombarda (Rio de Janeiro, 6 de Março de 1851 — Lisboa, 3 de
Outubro de 1910) foi um médico psiquiatra e político republicano português

Miguel Augusto Bombarda.

Estudou na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, onde viria a ser professor e foi


director do Hospital de Rilhafoles, onde criou o Laboratório de Histologia em
1887. Como professor na Escola Médico-Cirúrgica deu um importante
contributo para a reforma dos estudos médicos. Republicano convicto foi um
69

acérrimo anticlerical. Tornou-se membro do Partido Republicano Português em


1909, tendo sido eleito deputado em Agosto de 1910. Membro do comité
revolucionário que implantou a República em Portugal, em 5 de Outubro de
1910, e considerado o seu chefe civil. Não chegou, contudo, a assistir à vitória
dos republicanos por ter sido assassinado por um doente mental do Hospital de
Rilhafoles em 3 de Outubro de 1910, poucas horas antes do início da revolta.
Teve um funeral conjunto ao de Cândido dos Reis, no dia 6 de Outubro.

Teófilo (Teóphilo) Braga


Joaquim Teófilo Fernandes Braga (Ponta Delgada, 24 de Fevereiro de 1843 —
Lisboa, 28 de Janeiro de 1924) foi um político, escritor e ensaísta português.
Estreia-se na literatura em 1859 com Folhas Verdes. Licenciado em Direito
pela Universidade de Coimbra, fixa-se em Lisboa em 1872, onde lecciona
literatura no Curso Superior de Letras (atual Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa).

Joaquim Teófilo Fernandes Braga

Da sua carreira literária contam-se obras de história literária, etnografia (com


especial destaque para as suas recolhas de contos e canções tradicionais),
poesia, ficção e filosofia, tendo sido ele o introdutor do Positivismo em Portugal.
70

Depois de ter presidido ao Governo Provisório da República Portuguesa, a sua


carreira política terminou após exercer fugazmente o cargo de Presidente da
República, em substituição de Manuel de Arriaga102, entre 29 de Maio e 4 de
Agosto de 1915.
Joaquim Teófilo Fernandes Braga nasceu na cidade de Ponta Delgada, ilha de
São Miguel, nos Açores, filho de Joaquim Manuel Fernandes Braga, oriundo de
Braga, engenheiro militar e oficial do exército miguelista e posteriormente
professor de Matemática e Filosofia no Liceu de Ponta Delgada, e de Maria
José da Câmara Albuquerque, natural da ilha de Santa Maria. Os pais estavam
ligadas a famílias da aristocracia. O pai fazia parte da expedição miguelista
enviada para os Açores no início da Guerra Civil Portuguesa, tendo sido feito
prisioneiro na tomada da ilha de São Miguel pelas forças liberais e desterrado
para a ilha de Santa Maria, onde conheceu a futura esposa, originária da
melhor aristocracia daquela ilha.
Foi o último dos sete filhos do primeiro casamento de seu pai, dos quais cinco
faleceram na infância. A mãe também faleceu precocemente a 17 de
Novembro de 1846, quando Teófilo tinha apenas 3 anos de idade. A sua morte,
e a má relação que teria com a madrasta, com quem seu pai casou dois anos
depois, marcaram decisivamente o seu temperamento fechado e agreste.
Iniciou muito cedo actividade profissional, empregando-se na tipografia do
jornal A Ilha, de Ponta Delgada, no qual também colaborou como redactor.
Nesse período colaborou com outros periódicos da ilha de São Miguel, entre os
quais os jornais O Meteoro e O Santelmo.
Frequentou o Liceu de Ponta Delgada e em 1861 partiu para Coimbra, cidade
em cujo Liceu concluiu o ensino secundário. Apesar de ter saído de Ponta
Delgada com a intenção de cursar Teologia e enveredar por uma carreira
eclesiástica, em 1862 optou pela matrícula no curso de Direito da Universidade
de Coimbra. Enquanto estudante em Coimbra, em face de uma ajuda paterna
insuficiente, trabalhou como tradutor e recorreu a explicações e à publicação
de artigos e poemas para financiar os seus estudos. Fortemente influenciado

102
Manuel José de Arriaga Brum da Silveira e Peyrelongue (Horta, 8 de Julho de 1840 — Lisboa, 5 de
Março de 1917) foi um advogado, professor, escritor e político de origem açoriana. Grande orador e
membro destacado da geração doutrinária do republicanismo português, foi dirigente e um dos principais
ideólogos do Partido Republicano Português.
71

pelas teses sociológicas e políticas positivismo, cedo aderiu aos ideais


republicanos.
Aluno brilhante, quando em 1867 terminou o curso foi convidado pela
Faculdade de Direito a doutorar-se, o que fez defendendo em 26 de Julho de
1868 uma tese intitulada História do Direito Português: I: Os Forais. Contudo, a
sua pública adesão aos ideais republicanos levaram a que fosse preterido
quando em 1868 concorreu para professor da cadeira de Direito Comercial na
Academia Politécnica do Porto. O mesmo sucedeu em 1871 quando concorreu
para o cargo de lente da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
Fixou-se então em Lisboa, iniciando a sua actividade como advogado e, nesse
mesmo ano de 1868, casou com Maria do Carmo Xavier, irmã de Júlio de
Matos103, de quem teve três filhos. Tanto a esposa como os filhos faleceram
muito jovens, ela em 1911, os filhos antes dessa data, sendo pois já viúvo e
sem filhos quando ascendeu ao cargo de Presidente da República.
A 18 de Maio de 1871 foi um dos doze signatários[8] do programa das
Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, interrompidas por uma
portaria do também açoriano António José de Ávila, ao tempo presidente do
Governo. Em 1872, concorreu a lente da cadeira de Literaturas Modernas do
Curso Superior de Letras, sendo provido no lugar na sequência de um
concurso onde teve como opositores Manuel Pinheiro Chagas104 e Luciano
Cordeiro. No Curso Superior de Letras dedica-se ao estudo da literatura
europeia, com destaque para os autores franceses, e iniciou uma carreira
académica que o levou a publicar uma extensa obra filosófica fortemente
influenciada pelo positivismo de Auguste Comte. Essa influência positivista foi
decisiva no seu pensamento, na sua obra literária e na sua atitude política,
fazendo dele um dos mais destacados membros da geração doutrinária do
republicanismo português.

103
Júlio Xavier de Matos (Rio de Janeiro, 26 de janeiro de 1856 - Lisboa, 12 de abril de 1922) foi um
médico e notável psiquiatra português.
104
Manuel Joaquim Pinheiro Chagas (Lisboa, 13 de Novembro de 1842 — Lisboa, 8 de Abril de 1895) foi
um prolífico escritor, jornalista e político português. Destacou-se como romancista, historiador e
dramaturgo, tendo escrito inúmeros romances históricos e diversas peças de teatro, algumas das quais se
mantiveram em cena por mais de um século. Foi director de vários periódicos de Lisboa. Exerceu as
funções de deputado e par do Reino e foi Ministro da Marinha e Ultramar na fase decisiva das
movimentações da potências europeias em torno da partilha de África. Foi um dos fundadores da
Sociedade de Geografia de Lisboa.
72

Em 1878 fundou e passou a dirigir com Júlio de Matos a revista O Positivismo.


Nesse mesmo ano iniciou a sua ação na política activa portuguesa
concorrendo a deputado às Cortes da Monarquia Constitucional Portuguesa
integrado nas listas dos republicanos federalistas. A partir desse ano exerceu
vários cargos de destaque nas estruturas do Partido Republicano Português.
Em 1880 passou a colaborar com a revista A Era Nova. Nesse mesmo ano,
com Ramalho Ortigão105, organizou as comemorações do Tricentenário de
Camões, momento alto da articulação do Partido Republicano, de onde sai com
grande prestígio. As comemorações camoneanas foram encaradas por Teófilo
Braga como uma aplicação do projecto positivista de substituir o culto a Deus e
aos santos pelo culto aos grandes homens.
A partir de 1884 passa a dirigir a Revista de Estudos Livres, em parceria com
Teixeira Bastos106, um seu antigo aluno no Curso Superior de Letras que se
revelaria como um dos principais divulgadores do positivismo em Portugal.
Colaborou ainda no jornal humorístico A Comédia Portuguesa, começado a
editar em 1888.
Em 1890 foi pela primeira vez eleito membro do directório do Partido
Republicano Português (PRP). Nessa condição, a 11 de Janeiro de 1891 foi um
dos subscritores do Manifesto e Programa do PRP, em cuja elaboração
colaborara. Este manifesto, e a sua apresentação pública, precederam em três
semanas a Revolta de 31 de Janeiro de 1891, no Porto, à qual Teófilo Braga,
como aliás a maioria dos republicanos lisboetas, se opôs.
Em 1 de Janeiro de 1910 torna-se membro efectivo do directório político,
conjuntamente com Basílio Teles107, Eusébio Leão108, José Cupertino
Ribeiro109 e José Relvas.

105
José Duarte Ramalho Ortigão (Porto, 24 de Outubro de 1836 — Lisboa, 27 de Setembro de 1915) foi
um escritor português.
106
Francisco José Teixeira Bastos (Lisboa, 1857 — Lisboa, 1902), mais conhecido por Teixeira Bastos,
foi um poeta, jornalista e ensaísta, que atingiu grande nomeada no último quartel do século XIX. Com
Teófilo Braga editou diversos periódicos de crítica literária, tendo sido um dos introdutores em Portugal do
positivismo de Augusto Comte. Foi sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, eleito em 5 de
Novembro de 1891
107
Basílio Teles (Porto, 14 de Fevereiro de 1856 - 10 de Março de 1923) foi um professor e ensaísta
português.
108
Eusébio Leão (Gavião, 2 de Fevereiro de 1878 - Lisboa, 21 de Novembro de 1926) foi médico e
político republicano português.
109
José Cupertino Ribeiro Júnior (Pataias, Alcobaça, 1848 — ?) foi um industrial e político português.
Eleito para o Directório do Partido Republicano Português em 1902, Cupertino Ribeiro colaborou na
73

A 28 de Agosto de 1910 é eleito deputado republicano por Lisboa às Cortes


monárquicas, não chegando contudo a tomar posse por entretanto ocorrer a
implantação da República Portuguesa. Por decreto publicado no Diário do
Governo de 6 de Outubro do mesmo ano é nomeado presidente do Governo
Provisório da República Portuguesa saído da Revolução de 5 de Outubro de
1910. Naquelas funções foi de facto chefe de Estado, já que o primeiro
Presidente da República Portuguesa, Manuel de Arriaga, apenas foi eleito a 24
de Agosto de 1911.
Quando Manuel de Arriaga foi obrigado a resignar do cargo de Presidente da
República, na sequência da Revolta de 14 de Maio de 1915110, Teófilo Braga
foi eleito para substituí-lo pelo Congresso da República, a 29 de Maio de 1915,
com 98 votos a favor, contra um voto de Duarte Leite Pereira da Silva111 e três
votos em branco. Sendo um Presidente de transição, face à demissão de
Manuel de Arriaga, cumpriu o mandato até ao dia 5 de Outubro do mesmo ano,
sendo então substituído por Bernardino Machado112. Foi a sua última
participação na vida política ativa.
O seu mandato presidencial decorreu em condições difíceis, já que João
Pinheiro Chagas113 que havia sido escolhido pela Junta Constitucional para
presidir ao governo não pôde tomar posse do cargo, porque na noite de 16
para 17 de Maio foi vítima de um atentado, protagonizado pelo senador
evolucionista João José de Freitas114, que o alvejou e obrigou a permanecer

preparação do 5 de Outubro de 1910. Fez parte da Assembleia Nacional Constituinte como deputado
eleito pelo círculo de Alcobaça. Mais tarde, aderiu à União Republicana de Brito Camacho.
110
A Revolta de 14 de Maio de 1915 foi um levantamento político-militar liderado por Álvaro de Castro e
pelo general Sá Cardoso, tendo como objectivo o derrube do governo presidido pelo general Pimenta de
Castro e a reposição da plena vigência da Constituição Portuguesa de 1911 que os revoltosos
consideravam estar a ser desrespeitada pelo Presidente da República, Manuel de Arriaga, ao dissolver
unilateralmente o Congresso da República sem que tivesse poderes constitucionais para tal acto. O
movimento foi vitorioso, levando à substituição do governo pela Junta Constitucional de 1915 e à
demissão de Manuel de Arriaga. A revolta causou cerca de 200 mortos e cerca de 1 000 feridos. Durante
a revolta, João Chagas, indigitado para chefe do governo, foi atingido a tiro no Entroncamento, pelo
senador João José de Freitas, ficando gravemente ferido e cego de um olho. O agressor foi linchado pela
multidão.
111
Duarte Leite Pereira da Silva (Porto, 11 de Agosto de 1864 — 29 de Setembro de 1950 (86 anos)) foi
um professor, historiador, político e diplomata português dos tempos da Primeira República.
112
Bernardino Luís Machado Guimarães (Rio de Janeiro, 28 de março de 1851 — Famalicão, 28 de abril
de 1944) foi o terceiro e o oitavo presidente eleito da República Portuguesa.
113
João Pinheiro Chagas (Rio de Janeiro, 1 de setembro de 1863 — Estoril, 28 de Maio de
1925 (61 anos)), mais conhecido por João Chagas, foi um jornalista, diplomata e político português, tendo
sido o primeiro Primeiro-Ministro da I República de Portugal.
114
João José de Freitas (Parambos, Carrazeda de Ansiães, 28 de Maio de 1873 — Estação da
Barquinha, Entroncamento, 17 de Maio de 1915) foi um advogado, professor e político republicano,
74

internado no Hospital de São José. Embora confirmado no cargo a 17 de Maio,


logo de seguida foi chamado José Ribeiro de Castro115, que em 18 de Junho de
1915 foi empossado num novo governo, o 11.º Constitucional, que se manteria
no poder até 29 de Novembro do mesmo ano, cessando funções apenas
depois de ter terminado o mandato de Teófilo Braga. Mesmo enquanto
Presidente da República recusava honras e ostentações e andava
proletariamente de eléctrico, com o guarda-chuva no braço ou de bengala já
sem ponteira. O exercício da presidência não estaria muito na sua maneira de
ser.
Já viúvo aquando da sua eleição, após o mandato, Teófilo Braga, que desde
que enviuvara passara a ser um misógino116 enfiado na sua biblioteca, isolou-
se, dedicando-se-se quase em exclusivo à escrita. Faleceu só, no seu gabinete
de trabalho, a 28 de Janeiro de 1924.
A vasta obra de polígrafo117 de Teófilo Braga cobre áreas vastas, da poesia e
da ficção à filosofia, à história da cultura e à historiografia crítico-literária, e
excede os 360 títulos, não contando com os artigos dispersos pela imprensa da
época. Abrange temas tão diversos como o da História Universal, História do
Direito, da Universidade de Coimbra, do teatro português e da influência de Gil
Vicente118 naquela forma de manifestação artística, da Literatura Portuguesa,
das novelas portuguesas de cavalaria e do romantismo e das ideias

primeiro Governador Civil do Distrito de Bragança nomeado pela República, deputado e membro do
Senado do Congresso da República. Foi linchado com um tiro de carabina dentro do comboio que o
transportava do Porto para Lisboa, depois de tentar assassinar João Pinheiro Chagas, que na véspera
fora indigitado chefe do governo na sequência da Revolta de 14 de Maio de 1915.
115
José Ribeiro de Castro (Valhelhas, 7 de Abril de 1868 — Lisboa, 31 de Julho de 1929), mais conhecido
por José de Castro, foi um advogado, jornalista e político português que, entre outras funções, ocupou o
cargo de Presidente do Conselho de Ministros de um dos governos da Primeira República Portuguesa.
Foi membro da Maçonaria.
116
Misoginia é o ódio ou desprezo ao sexo feminino (mulheres ou meninas). A palavra vem do grego
misos (µῖσος, "ódio") e gene (γυναίκες, "mulher"). É paralelo à misandria, o ódio para com o sexo
masculino. Misoginia é o antônimo de filoginia, que é o apreço, admiração ou amor pelas mulheres
117
Polígrafo é um autor que trata de diversas matérias científicas ou filosóficas
118
Gil Vicente (1465 — 1536?) é geralmente considerado o primeiro grande dramaturgo português, além
de poeta de renome. Há quem o identifique com o ourives, autor da Custódia de Belém, mestre da
balança, e com o mestre de Retórica do rei Dom Manuel. Enquanto homem de teatro, parece ter também
desempenhado as tarefas de músico, ator e encenador. É frequentemente considerado, de uma forma
geral, o pai do teatro português, ou mesmo do teatro ibérico já que também escreveu em castelhano -
partilhando a paternidade da dramaturgia espanhola com Juan del Encina. A obra vicentina é tida como
reflexo da mudança dos tempos e da passagem da Idade Média para o Renascimento, fazendo-se o
balanço de uma época onde as hierarquias e a ordem social eram regidas por regras inflexíveis, para uma
nova sociedade onde se começa a subverter a ordem instituída, ao questioná-la. Foi, o principal
representante da literatura renascentista portuguesa, anterior a Camões, incorporando elementos
populares na sua escrita que influenciou, por sua vez, a cultura popular portuguesa.
75

republicanas em Portugal. Também inclui artigos de polémica literária e política


e ensaios biográficos, como o referente a Filinto Elísio119.
Como investigador das origens dos povos, seguiu a linha da análise dos
elementos tradicionais desde os mitos, passando pelos costumes e terminando
nos contos de tradição oral, que lhe permitiram escrever obras como Os
Contos Tradicionais do Povo Português (1883), O Povo Português nos seus
Costumes, Crenças e Tradições (1885) e História da Poesia Portuguesa, obra
em que levou anos a trabalhar, procurando as suas origens nas várias épocas
e escolas.
Poesias
Visão dos Tempos (1864)
Tempestades Sonoras (1864)
Torrentes (1869)
Miragens Seculares (1884)

Ficção
Contos Fantásticos (1865)
Viriato (1904)

Ensaios
As Teocracias Literárias - Relance sobre o Estado Actual da Literatura Portuguesa (1865)
História da Poesia Moderna em Portugal (1869)
História da Literatura Portuguesa [Introdução] (1870)
História do Teatro Português (1870 - 1871) - em 4 volumes
Teoria da História da Literatura Portuguesa (1872)
Manual da História da Literatura Portuguesa (1875)
Bocage, sua Vida e Época (1877)
Parnaso Português Moderno (1877)
Traços gerais da Filosofia Positiva (1877)
História do Romantismo em Portugal (1880)
Sistema de Sociologia (1884)
Camões e o Sentimento Nacional (1891)
História da Universidade de Coimbra (1891 - 1902) - em 4 volumes
História da Literatura Portuguesa (1909 - 1918) - em 4 volumes

Antologias e recolhas

119
Filinto Elísio (Lisboa, 23 de Dezembro de 1734 - Paris, 25 de Fevereiro de 1819), foi um poeta, e
tradutor, português do Neoclassicismo. O seu verdadeiro nome é Francisco Manuel do Nascimento, e foi
sacerdote. O seu pseudónimo, Filinto Elísio, ou também Niceno, foi-lhe atribuído pela Marquesa de Alorna
(a quem ensinou latim quando se encontrava reclusa no Convento de Chelas), dado Francisco Manuel do
Nascimento ter pertencido a uma sociedade literária - Grupo da Ribeira das Naus -, cujos membros
adoptavam nomes simbólicos.
76

Antologias: Cancioneiro Popular (1867)


Contos Tradicionais do Povo Português (1883)
O cancioneiro portuguez da Vaticana
Floresta de vários romances

Augusto Manuel Alves da Veiga


Augusto Manuel Alves da Veiga (Izeda, Mirandela, 28 de Setembro de 1850 —
Paris, 2 de Dezembro de 1924), mais conhecido por Alves da Veiga, foi um
advogado, jornalista, diplomata e político republicano que teve um importante
papel na Revolta de 31 de Janeiro de 1891. Editou diversos periódicos de
propaganda republicana durante a década de 1880. Após a implantação da
República a sua acção diplomática foi importante para o reconhecimento
internacional do regime. Foi um destacado membro da Maçonaria.
Oriundo de uma abastada família de lavradores trasmontanos, fez os seus
estudos liceais em Bragança, onde teve como tutor Manuel Emídio Garcia,
figura chave do movimento republicano português e um dos primeiros
proponentes do positivismo em Portugal, que lhe ministrou as disciplinas de
latim e francês. Em 1864 partiu para Coimbra, em cujo Liceu concluiu em 1869
os estudos preparatórios necessário ao ingresso na Faculdade de Direito.
Terminados os seus estudos liceais, em 1869 matriculou-se na Universidade
de Coimbra, onde foi aluno distinto e em 1874 se formou em Direito. Ainda
estudante, mostrou grande interesse pela imprensa, redigindo ainda nos
tempos liceais o periódico O Lyceu - Semanário Cientifico e Literário e
colaborando na imprensa da época, e pela Filosofia, publicando alguns
opúsculos sobre temas filosóficos e metafísicos. Também por essa altura
aderiu ao ideário do republicanismo, assumindo uma postura militante na sua
defesa e propaganda, redigindo e publicando um semanário intitulado
Republica Portuguesa, que teve como colaboradores alguns do futuros vultos
mais destacados da política republicana em Portugal, entre eles Magalhães
Lima, Alves Morais, Álvaro César de Mendonça, Artur de Almeida Ribeiro e
Manuel de Arriaga.
Terminado o curso, em 1874 estabeleceu banca de advogado no Porto, onde
se fixou e casou. Paralelamente dedicou-se ao ensino liceal particular, em
77

especial da filosofia e da história, actividade que manteria durante a maior


parte da sua vida. Manteve a sua acção de propaganda republicana,
colaborando como redactor do jornal republicano Actualidade e fundando no
Porto um periódico que intitulo A Discussão, que embora de pouca dura o
afirmou como um dos líderes do movimento republicano no Norte[3]. Era um
orador eloquente, participando activamente em quase todos os comícios e
reuniões republicanas que por esse tempo se realizaram em Portugal, tendo
sido determinante na fundação do centro eleitoral republicano do Porto.
Criado o Centro Republicano Democrático do Porto em 1876, nas eleições
gerais parlamentares de 13 de Outubro de 1878 foi candidato republicano pelo
círculo do Porto, mas não conseguiu ser eleito. Voltou a candidatar-se pelo
mesmo círculo em 1881, com igual insucesso. Nas eleições gerais de
deputados de 6 de Março de 1887 foi novamente candidato, obtendo 6000
votos em todo o país, 865 dos quais no Porto, novo insucesso que o conduz à
aceitação da necessidade de se enveredar pela via revolucionária como única
hipótese viável de se fazer a República, abandonando o discurso legalista que
caracterizara até então a sua actividade política.
Quando a 20 de Março de 1888 ardeu o Teatro Baquet120, provocando vários
mortos e fazendo órfãs muitas crianças, Alves da Veiga adoptou duas crianças
órfãs, ato que lhe valeu ser visitado em sua casa pela rainha D. Maria Pia de
Saboia. Em Julho e Agosto de 1890 acompanhou Magalhães Lima numa
viagem ao estrangeiro, com larga permanência em Paris onde realizou um
comício para a comunidade portuguesa, o que cimentou a relação entre ambos
e a sua pertença à Maçonaria.
Foi um dos líderes da revolta de 31 de Janeiro de 1891, cabendo-lhe ler das
janelas da Câmara Municipal do Porto a proclamação do novo governo. O
malogro da revolta obrigou-o ao exílio, refugiando-se em Paris, onde foi
advogado junto dos consulados português e brasileiro e onde continuou os
seus estudos filosóficos.

120
Teatro Baquet esta localizado na antiga Rua de Santo António (hoje Rua 31 de Janeiro) na cidade do
Porto. Mandado construir pelo alfaiate portuense António Pereira Baquet, em 21 de Fevereiro de 1858, foi
estreado com um baile de Carnaval, em 13 de Fevereiro do ano seguinte. Na noite de 20 de Março de
1888, ficou completamente destruído por um incêndio que deflagrou nos bastidores.
78

Após a implantação da República Portuguesa ocorrida a 5 de Outubro de 1910,


voltou à vida política ativa, tendo sido embaixador de Portugal em Bruxelas[5]
de 1912 a 1915, tendo um papel importante no reconhecimento do regime
republicano pelas potências europeias. O seu discreto papel diplomático
durante a Primeira Guerra Mundial foi importante no relacionamento com a
França.
O seu nome foi lançado para a candidatura à presidência da República em
1911 e 1915, mas em ambas eleições apenas obteve escassos votos no
Congresso da República. Recusou vários convites para integrar o governo que
lhe foram feitos deste em 1914, o último imediatamente antes do Movimento
das Espadas que levou à da ditadura do general Pimenta de Castro. A 17 de
Maio de 1915, na sequência da sangrenta Revolta de 14 de Maio de 1915 que
levou à queda Pimenta de Castro e de Manuel de Arriaga, Alves da Veiga foi
nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros do governo presidido por João
Chagas, mas o governo durou apenas um dia, caindo quando João Chagas na
noite de 16 para 17 de Maio foi gravemente ferido num atentado ocorrido na
estação da Barquinha, nos arredores do Entroncamento, quando o senador
João José de Freitas entrou na carruagem onde viajava o chefe do novo
governo e desferiu cinco tiros de pistola, três dos quais atingiram João Pinheiro
Chagas de raspão na cabeça, arrancando-lhe um olho.
Falecido em Paris, o seu corpo foi trasladado para Portugal. Simbolicamente,
os corpos de Alves da Veiga e de Augusto Rodolfo da Costa Malheiro121, o
célebre alferes Malheiro, foram depositado no dia 31 de Janeiro de 1925 no
jazigo-monumento erigido em memória dos vencidos do 31 de Janeiro no
cemitério do Prado do Repouso, na cidade do Porto.

Eusébio Leão

121
Augusto Rodolfo da Costa Malheiro (Porto, 19 de Janeiro de 1869 — Lisboa, 9 de Dezembro de 1924)
foi uma das figuras principais da Revolta Republicana de 31 de Janeiro de 1891 que teve lugar na cidade
do Porto. Na madrugada do dia 31 de Janeiro comandava a guarnição na Cadeia da Relação quando o
regimento ali aquartelado foi o primeiro a sublevar-se. Apesar de não ter tido um papel preponderante em
toda a conspiração que resultou nesta revolta, João Chagas refere sua acção como um importantíssimo e
quiçá determinante papel na revolta.
79

Eusébio Leão (Gavião, 2 de Fevereiro de 1878 - Lisboa, 21 de Novembro de


1926) foi médico e político republicano português. Formou-se na Escola
Médica-Cirúrgica de Lisboa em 1890, exercendo clínica como médico municipal
em Gavião até 1895. Fez estágios em Paris e Berlim e especializou-se em
urologia. Já instalado em Lisboa, colabora em numerosas publicações e
participa activamente na propaganda republicana em torno da questão do
Ultimatum britânico de 1890.
Entrou para a Maçonaria em 1893.
Foi um dos fundadores do jornal "A Patria" e, em Outubro de 1909, viria a ser
eleito secretário do Diretório do Partido Republicano Português, apresentando-
se diversas vezes como candidato a deputado embora sem nunca ter sido
eleito. Foi o responsável pela leitura da proclamação da República, no dia 5 de
Outubro de 1910, na varanda dos Paços do Concelho.
Foi nomeado governador civil de Lisboa e viria a ser eleito deputado à
Assembleia Nacional Constituinte pelo círculo de Portalegre, integrando depois
o Senado. Com a cisão do Partido Republicano, acabou por apoiar a União
Republicana de Brito Camacho. Em Fevereiro de 1912 foi nomeado ministro
em Roma, mantendo-se nesse posto até Outubro de 1926.

Bernardino Luís Machado Guimarães


Bernardino Luís Machado Guimarães, nasceu, no Rio de Janeiro, a 28 de
Março de 1851 e morreu, no Porto, a 29 de Abril de 1944. Foi bacharel em
Matemática e doutor em Filosofia, professor na Universidade de Coimbra.

Bernardino Machado.
Tornou-se conhecido no meio académico, entre outras razões, pela introdução
e criação dos estudos universitários de Antropologia em Portugal.
80

Notável estadista que, já depois dos cinquenta anos de idade e de ter sido
ministro em Governos monárquicos, aderiu ao Partido Republicano Português,
tornando-se um indefectível adepto da mudança de regime em Portugal.
Após a proclamação da República foi deputado, senador, ministro, primeiro
embaixador português no Brasil, duas vezes Presidente da República, acabou
sendo exilado aquando do golpe militar que impôs a ditadura no país.
Já com avançada idade, foi autorizado a Bernardino Machado o regresso a
Portugal, mas com residência fixa a norte do rio Douro.
A sua iniciação como maçon ocorreu na loja “Perseverança”, n.º 74, de
Coimbra. Chegou a atingir o 7º grau do Rito Francês e o 33.º do Rito Escocês
Antigo e Aceito.
Presidiu ao Conselho da Ordem de 1892 a 1895, foi Grão-Mestre do Grande
Oriente Lusitano Unido de 1895 a 1899 e Soberano Grande Comendador do
Supremo Conselho do Grau 33 nos anos de 1895 a 1899 e de 1929 a 1944.

José Ribeiro de Castro


José Ribeiro de Castro (Valhelhas, 7 de Abril de 1868 — Lisboa, 31 de Julho
de 1929), mais conhecido por José de Castro, foi um advogado, jornalista e
político português que, entre outras funções, ocupou o cargo de Presidente do
Conselho de Ministros de um dos governos da Primeira República Portuguesa.
Foi membro da Maçonaria.
Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra, tendo trabalhado como
advogado na Guarda e em Lisboa.
Membro da Maçonaria desde 1868, a sua carreira política foi iniciada como
membro do Partido Progressista, apoiando a monarquia constitucional, mas
evolui no sentido do republicanismo, tendo aderido ao Partido Republicano
Português 1881.
Como jornalista, foi o redactor principal do periódico O Districto da Guarda,
exercendo essas funções desde a sua fundação em 1878. Fundou o primeiro
jornal republicano fora dos grandes centros urbanos, começando a publicar em
1882 o O Povo Português.
Mantendo-se no Partido Republicano Português durante os tempos
conturbados da Primeira República Portuguesa, foi escolhido para presidir ao
81

Ministério depois da tentativa falhada de governo em ditadura liderada pelo


general Joaquim Pimenta de Castro. Foi Presidente do Conselho de Ministros
entre 17 de Maio e 29 de Dezembro de 1915.
Sua terra natal, a antiga vila de Valhelhas, recorda-o na toponímia da sua
praça principal.

José Joaquim Rodrigues de Freitas


José Joaquim Rodrigues de Freitas (Porto, 24 de Janeiro de 1840 - 27 de

Julho de 1896) foi professor catedrático e político português.

Rodrigues de Freitas formou-se em Engenharia pela Academia Politécnica do

Porto, onde chegou ao lugar de "lente proprietário" (topo da carreira) com

apenas 27 anos.

José Joaquim Rodrigues de Freitas.

Notabilizou-se pela sua carreira política, ligada aos ideais republicanos e

socialistas, sendo um dos homens ligados à organização do Partido

Republicano Português. Revelou também uma certa simpatia pelas ideias do


82

socialismo reformista122. Foi o primeiro deputado do Partido Republicano às

Câmaras, pelo Porto, entre 1870 e 1874. Voltou a ser deputado de 1879 a

1881, de 1884 a 1887 e de 1890 a 1893. Pertenceu à Maçonaria.

Da sua obra, como escritor e jornalista, salientam-se A Igreja, Cavour e

Portugal, Princípios de Economia Política e Páginas Soltas, compilação de

vários dos seus artigos soltos foram reunidos, postumamente, em 1906, com

prefácio de Carolina Michaëlis e Duarte Leite. Atualmente o seu nome é hoje

recordado na Escola Secundária Rodrigues de Freitas (antigo Liceu de D.

Manuel II), no Porto.

Fernão Botto Machado

Fernão Amaral Botto Machado nasce em Gouveia a 20 de Julho de 1865. Era


filho de Pedro Rodrigues do Amaral (trabalhador rural) e de Carlota Emília
Botto Machado. O seu irmão Pedro Amaral Botto Machado participou no 31 de
Janeiro de 1891 - era na altura 2º sargento de infantaria, foi julgado e
condenado a 3 anos de degredo em Luanda e Benguela, sendo reintegrado em
Novembro de 1910 -, foi deputado na Constituinte de 1911 (pelo circulo nº 23
de Pinhel) e senador da República [cf. As Constituintes de 1911 e os seus
Deputados, Livraria Ferreira, Lisboa, 1911].

122
O reformismo é um movimento social que tem em vista a transformação política e econômica da
sociedade mediante a introdução de reformas graduais e sucessivas na legislação e nas instituições já
existentes. Uma reforma distingue-se dos movimentos sociais mais radicais, como movimentos
revolucionários. Se as reformas não forem aceitas, podem surgir movimentos reacionários. Surgiu no
último quarto do século XIX e se difundiu entre os partidos social-democratas. Em 1954, o reformismo
proclamou como sua doutrina oficial o socialismo democrático, oposto ao socialismo científico.
Na segundo metade do século XX, muitas críticas foram feitas à ideologia defendida pelos teóricos neo-
malthusianos. Com bases nessas críticas, teóricos de países subdesenvolvidos elaboraram a teoria
reformista que afirma que os problemas sociais não são o resultado do crescimento populacional, mas
sim da falta de acesso da grande parte da população às riquezas produzidas.
83

Fernão Botto Machado.

Fernão Botto Machado foi "um homem, feito por si mesmo, a self made man"
[S. Magalhães Lima, in pref. Fernão Boto Machado. No Parlamento, Tip.
Torres, Lisboa, 1929]. Foi um autodidata [cf. António Ventura, Anarquistas
Republicanos e Socialistas em Portugal. As convergências possíveis (1892-
1910), Cosmos, 2000], "não fez exame de instrução primária" [Lima, op.cit.],
mas ainda assim foi solicitador encartado, deputado, diplomata e jornalista e,
ao mesmo tempo, um admirável defensor junto das "classes operárias", que,
aliás, "ocorriam em massa a ouvir a sua palavra" [in Gr. Enc. Port.-Bras.]
Em Lisboa, para onde partiu, dedica-se à "prática da solicitadoria forense”"
[anotação que daremos conta, a seguir na Parte II, recorrendo para isso à
valiosa nota biobibliográfico sobre Botto Machado e publicações jurídicas a ele
ligadas, de autoria de Luís Bigotte Chorão, incluída no seu livro "O Periodismo
Jurídico Português do Século XIX", IMCM, 2002], participa na luta politica nas
fileiras socialistas e republicanas e colabora nos jornais republicanos "A Folha
do Povo" (nº1, 10 de Agosto de 1881) e "Vanguarda" [tendo substituído na sua
direcção Magalhães Lima, que tinha vindo d'O Século. Ver a propósito, S.
Magalhães Lima, "Episódios da Minha Vida", Livraria Universal, s.d. (1925), pp.
211 e segs].
É, em 1893, iniciado maçon na Loja Caval(h)eiros da Verdade, de Lisboa,
adoptando o nome simbólico de "José Falcão" [A. H. de Oliveira Marques,
Dicionário da Maçonaria Portuguesa, vol II, 1986], e no mesmo ano
84

encontramo-lo na "Loja Renascença" [António Ventura, Um Republicano


Heterodoxo: Fernão Botto Machado, Rev. História da Ideias, nº 27, Coimbra,
2006]. Transita em 1896 para a Loja Razão Triunfante, depois Luiz de Camões
(1902) e Elias Garcia [Oliveira Marques, ibid., pp. 920]. Atinge em 1917 o 33º
do REAA. Foi eleito presidente do Conselho da Ordem entre 1918-1919,
durante o mandato do Grão-Mestre do GOLU Sebastião de Magalhães Lima,
de que era particularmente amigo. No Congresso Maçonico de 1924 (em
Lisboa), apresenta uma tese: "A Maçonaria e a Sociedade das Nações", que foi
impressa na Tipografia do Grémio Lusitano, no mesmo ano. [cf. Ventura, 2006].
Adere ao Grupo Republicano de Estudos Sociais [O GRES é fundado em 1896,
e o seu manifesto apresenta a assinatura de Afonso Costa, Manuel de Arriaga,
Teófilo Braga, Brito Camacho, Guerra Junqueiro, ente outros. Cf. Ventura,
2000]. Sobre o GRES, diz-nos Botto Machado que é "um grupo de homens
dispostos a integrar as suas vistas particulares de remodelação económica,
politica e moral num conjunto coerente de reformas, que façam do futuro
regime não uma obra efémera de declamadores inscientes, mas uma
perdurável realidade social” [refª Fernão Botto Machado, in O Grupo
Republicano de Estudos Sociais, Lisboa, 1896, citado por António Ventura., op.
cit, pp. 20-21].

Sebastião de Magalhães Lima

Sebastião de Magalhães Lima, Grão-Mestre da Maçonaria (1907-1928),


desempenhou um papel determinante na revolução do 5 de Outubro de 1910.
Membro do Directório do Partido Republicano Português, participou na
embaixada republicana do Verão de 1910 a vários países europeus.
Encontrava-se em Paris quando a República foi proclamada em Portugal.
Nasceu no Rio de Janeiro, Brasil, em 30 de Maio de 1850, filho de emigrantes
portugueses. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra (1875), fez
parte da "Geração de 70". Cedo abandonou a advogacia para se dedicar ao
jornalismo. Importante vulto da fase de propaganda republicana, pacifista e
próximo do socialismo utópico, dirigiu o "Comércio de Portugal", fundou "O
85

Século", dirigindo ainda "A Folha do Povo" e "A Vanguarda", jornais de


combate.

Sebastião de Magalhães Lima.

Tem uma participação muito activa em momentos cruciais da afirmação


republicanista, como por exemplo, no Centenário de Camões (1880) ou durante
o Ultimatum (1890). Iniciado em 1874 na Loja "Perseverança", nº 74, em
Coimbra, do Grande Oriente Lusitano Unido, com o nome simbólico de João
Huss, foi eleito Grão-Mestre da Maçonaria em 1907, sendo depois
sucessivamente reeleito, até 1928 e ocupando ainda este cargo à data da sua
morte. Seria o impulsionador da "republicanização" desta sociedade secreta,
conspirando para a implantação do novo regime. Foi membro do Directório do
Partido Republicano Português e participou na "embaixada" republicana do
Verão de 1910. Depois do 5 de Outubro foi deputado às Constituintes de 1911
e sobraçou a pasta da Instrução no governo instituído depois da revolução de
14 de Maio de 1915. Foi preso no Governo Civil, depois do assassinato de
Sidónio Pais, em Dezembro de 1918, por alegadas relações com o homicida.
Funda, em 1922, a Liga Portuguesa dos Direitos do Homem. Morreu em Lisboa
a 7 de Dezembro de 1928, reunindo o seu funeral dezenas de milhar de
pessoas. Na sua última mensagem como grão-mestre, em 1928, condenou a
opressão que o regime ditatorial impusera ao seu país desde 1926, afirmando
que os conceitos de Pátria e de Liberdade eram sinonimos.
86

Zófimo Consiglieri Pedroso 123

Consiglieri Pedroso nasceu em Lisboa, filho de Mariana Justa Consiglieri, uma


senhora de origem genovesa (de onde lhe vem o apelido Consiglieri), e de
Zófimo Pedroso Gomes da Silva, médico da Companhia Real dos Caminhos de
Ferro Portugueses e membro destacado do Partido Progressista, que
representou como deputado nas Cortes na legislatura de 1880 a 1882. O seu
pai foi também vereador da Câmara de Lisboa (1871-1878, 1886-1890 e 1892-
1896), tendo sido depois seu presidente no período 1897 a 1898. Considerado
homem ideologicamente avançado para o seu tempo, defendeu a criação de
uma cadeira de medicina legal e de toxicologia na Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra e nas Escolas Médico-Cirúrgicas de Lisboa e do
Porto, entre outras iniciativas na área da educação e da saúde. Não é acidental
que Consiglieri Pedroso lhe tenha dedicado o seu Brado contra a pena de
morte em 1874.
Consiglieri Pedroso terá tido em sua mãe uma figura muito próxima e amada,
ao ponto de ter considerado abandonar a carreira política que então iniciava
quando ela faleceu em 1884. É o próprio Consiglieri Pedroso que em 1901, no
elogio fúnebre de Luciano Cordeiro124, contou:
Recordo-me que em 1884, quando Luciano Cordeiro e eu tínhamos assento na
Câmara dos Deputados, estava eu para fazer a minha estreia parlamentar numa
questão das mais melindrosas que então nos preocupavam, e veio ferir-me o golpe
mais rude que tenho sofrido, a morte da minha mãe. A violência do choque
quebrantou-me o ânimo, e estive a ponto de desistir da luta para que me havia
preparado. Um dos que me ampararam foi Luciano Cordeiro, e lembra-me que ele me
disse: "A melhor maneira de honrar a memória de um ente querido é continuar
trabalhando", fazendo-me assim compreender que também isso era o cumprimento de
um dever sagrado. Essas palavras mitigaram a minha dor e restabeleceram o meu
ânimo. E entrei na luta…

Apesar de descrito pelos seus contemporâneos como tendo aspecto débil e


constituição fraca, cedo se revelou de enorme tenacidade, escolhendo
significativamente para seu lema a frase "Chi dura vince".

123
O nome ao tempo era grafado Zophimo ou Zóphimo.
124
Luciano Baptista Cordeiro de Sousa (Mirandela, 21 de Julho de 1844 — Lisboa, 24 de Dezembro de
1900) foi um escritor, historiador, político e geógrafo português
87

Frequentou o ensino secundário no Liceu Nacional de Lisboa, onde conheceu


José Benoliel, que além de docente liceal dava lições de Literatura Oriental no
Curso Superior de Letras, com quem depois aprenderia árabe e hebraico e que
teria grande influência na sua decisão de estudar filologia e linguística.
Terminado o curso liceal, iniciou os seus estudos no Curso Superior de Letras,
na altura sediado no edifício da Academia Real das Ciências de Lisboa, onde
teve como professores, nas cinco cadeiras nucleares, Rebelo da Silva125,
Augusto Soromenho126, Sousa Lobo, Jaime de Freitas Moniz127 e António José
Viale128. Concluiu o curso em 1869, mas continuou estudos na área da filologia
e a aprendizagem de línguas.
Em 1871 estreou-se como jornalista, iniciando a sua colaboração nos
periódicos da esquerda liberal e do então incipiente movimento republicano de
Lisboa. Ao longo da década de 1870 foi afirmando a sua reputação como
articulista, tornando-se próximo de intelectuais de esquerda como José Carrilho
Videira129 e Teófilo Braga, com quem colaborou no periódico República (1874-
1875) e como redactor dos folhetos da Bibliotheca Republicana Democratica
(1876-1877), uma publicação panfletária que serviu para tornar Consiglieri

125
Luís Augusto Rebelo da Silva (Lisboa, 2 de Abril de 1822 — Lisboa, 19 de Setembro de 1871) foi um
jornalista, historiador, romancista e político português, colaborador activo de múltiplos periódicos e
membro das tertúlias intelectuais e políticas lisboetas da última metade do século XIX. Foi um dos
primeiros professores do Curso Superior de Letras, fundado em 1859 por D. Pedro V, leccionando a
cadeira de História. Colaborando em múltiplos jornais e revistas, Rebelo da Silva afirmou-se como o mais
prolífico dos escritores românticos portugueses, distinguindo-se ainda como orador e político, tendo
exercido, entre outros, os cargos de deputado, par do Reino e ministro. Foi pai de Luís António Rebelo da
Silva, cientista e professor de Agronomia, que lhe sucedeu na Câmara dos Pares.
126
Augusto Pereira de Vabo e Anhaya Gallego e Soromenho (Aveiro, 20 de Fevereiro de 1833 — Lisboa,
9 de Janeiro de 1878), mais conhecido por Augusto Soromenho, foi um professor e filólogo português.
127
Jaime Constantino de Freitas Moniz, conhecido sobretudo como Jaime Moniz (Funchal, 18 de
Fevereiro de 1837 — Lisboa, 16 de Setembro de 1917) foi um político e intelectual português que se
distinguiu na área da educação. Formado em Direito pela Universidade de Coimbra, foi advogado de
nomeada, professor do Curso Superior de Letras, deputado, par do Reino, Ministro da Marinha e Ultramar
e presidente do Conselho Superior de Instrução Pública. Foi membro da Academia Real das Ciências de
Lisboa, da qual foi secretário, tendo publicado sob a égide da instituição uma importante colectânea de
diplomas referentes às relações entre Portugal e diversas potências estrangeiras. Introdutor da pedagogia
científica em Portugal, a reforma do ensino secundário que liderou em 1894-1895, conhecida por Reforma
de Jaime Moniz, ficou famosa, influenciando o desenvolvimento daquele nível de ensino até à década de
1930.
128
António José Viale (1806 — 1889), foi um erudito latinista e helenista de origem italiana, professor do
Curso Superior de Letras de Lisboa, que se distinguiu pelas suas traduções do latim, do grego clássico e
do italiano paraprtuguês e do Português paralatim. Entre outras obras produziu um versão de Os
Lusíadas em latim e o Bosquejo Histórico-Poético, uma história de Portugal em verso hexâmetro. Foi
sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa.
129
José Carrilho Videira (Marvão, 6 de Novembro de 1845 — Marvão, 25 de Agosto de 1905) foi um
intelectual, escritor, editor e político ligado ao movimento republicano dos finais do século XIX.
88

Pedroso famoso pela acutilância dos seus escritos doutrinários e para o


posicionar claramente no campo republicano, em cujo partido se filiou em 1875.
Entretanto, também em 1875 e por proposta do republicano Elias Garcia,
entrou na carreira de oficial administrativo para, na secretaria da Câmara
Municipal de Lisboa, organizar a instrução primária de Lisboa. Foi curta a sua
permanência na função, pois logo em Janeiro de 1876 foi exonerado a seu
pedido. Manifestando grande propensão para a escrita, nesse ano traduziu e
prefaciou a obra História da Revolução Francesa, de Ernest Hamel130.
Consiglieri Pedroso continuou o estudo das línguas e quando ingressou na
actividade política, com 27 anos de idade, tinha conhecimentos de grego e
latim, falava castelhano, italiano, francês, alemão, dinamarquês, sueco e
sânscrito. Para além disso conhecia os rudimentos do persa e de algumas
línguas industânicas e estudava russo e polaco.

Maçom Zófimo Consiglieri Pedroso


Foi membro da Maçonaria, pertencendo à Loja Simpatia, n.º 4, de Lisboa, para
onde entrou em 1888.
Também manteve actividade empresarial, sendo sócio da Companhia de Carris
de Ferro de Lisboa, a cuja administração pertenceu e na qual foi o proponente
da substituição da tracção animal pela tracção eléctrica na rede de transportes
colectivos de Lisboa, estando assim na origem do aparecimento dos eléctricos
de Lisboa. Cordato e austero, mas afável e afectuoso, foi um poliglota,
conhecedor de múltiplos idiomas europeus, cujas literaturas apreciava na
versão original. Para além das línguas do norte da Europa, conhecia o russo e
estudou o japonês. Ao longo da sua carreira afirmou-se como filólogo, escritor,
publicista e político que ainda assim manteve ao longo da vida o fascínio do
maravilhoso infantil, que as suas recolhas de contos e o entusiasmo com coros
infantis corroboram. Não prezava os prazeres da boa mesa, sendo
vocacionado para o estudo, a investigação e a aprendizagem contínua.

130
Louis Ernest Hamel (Paris, 2 de Julho de 1826 — Paris, 6 de Janeiro de 1898) foi um advogado,
escritor, historiador e político francês, adepto das ideias republicanas e democráticas. Publicou uma
importante obra de história e análise política da França pós-revolucionária, com destaque para uma
biografia política de Maximilien de Robespierre.
89

Sofrendo de diabetes, faleceu em Sintra, um dos seus locais preferidos para


veraneio e descanso, vítima de uma infecção por antraz que terá levado a uma
septicemia e ao colapso cardíaco. Depois de uma vida de luta pelo ideal
republicano, faleceu a um mês da implantação da República Portuguesa,
triunfo que não conheceria.
Em 1878 concorreu à cadeira de História Universal e Pátria do Curso Superior
de Letras, tendo como júri Teófilo Braga, António da Silva Túlio131, Manuel
Pinheiro Chagas e Carlos Teixeira de Aragão. Ao concurso foram admitidos
três candidatos: José Maria da Cunha Seixas132, com uma dissertação
intitulada Princípios Gerais da Filosofia da História; Manuel de Arriaga, com
Renovação histórica: da necessidade da intervenção das ciências naturais na
história universal dos povos para se fundamentar em bases positivas e dar-lhe
um carácter científico; e Consiglieri Pedroso com A Constituição da Família
Primitiva. Todos os candidatos obtiveram aprovação de mérito e pela votação
de preferência, Consiglieri Pedroso foi escolhido, tornando-se o primeiro
diplomado do Curso Superior de Letras a ingressar no seu corpo docente.
Na docência distinguiu-se pelo seu gosto linguístico, memória prodigiosa e
inteligência acima do vulgar, características que foram frequentes por parte de
mestres, alunos e amigos. Para além do ensino e da política, distinguiu-se em
várias áreas da cultura e da ciência, nomeadamente na etnografia, tendo sido
um dos fundadores e um importante dinamizador da Antropologia em Portugal.
Dedicou-se sobretudo ao estudo dos mitos, das tradições e das superstições
populares do mundo rural português, tendo publicado no jornal O Positivismo
uma grande parte das suas análises etnográficas. Assumiu também vários
cargas académicos no Curso Superior de Letras, tendo sido seu secretário
(1879-1881), director-vogal (1897-1899) e director (1881-1883 e 1901-1910).
Também se dedicou ao estudo da História, tendo publicado fragmentos
extraídos de processos setecentistas da Inquisição de Lisboa que endossam a

131
António da Silva Túlio (Carnide, 15 de Agosto de 1818 — Lisboa, 4 de Janeiro de 1884) foi um escritor
e historiador, funcionário da Biblioteca Nacional de Lisboa, onde foi sucessivamente oficial, conservador e
bibliotecário, exercendo interinamente as funções de director na ausência do bibliotecário-mor José da
Silva Mendes Leal.
132
José Maria da Cunha Seixas (Trevões, São João da Pesqueira, 26 de Março de 1836 — Lisboa, 27 de
Maio de 1895) foi um intelectual e filósofo, criador e adepto do pantiteísmo, uma dissidência do krausismo
(panenteísmo) que tem por doutrina reconhecer a presença de Deus em todos os lugares e em tudo, mas
propondo que apesar de Deus estar em tudo, Deus não se identifica com a coisa criada.
90

mesma utilização, de um imaginário peculiar aos séculos XVII e XVIII, feita por
Manuel Bernardes133 nos seus exempla.
Para utilização pelos seus alunos do Curso Superior de Letras, publicou em
1883 a obra As Grandes Épocas da História Universal, com a qual Consiglieri
Pedroso introduz rupturas fundamentais na matéria tratada face àquela que era
a tradição historiográfica portuguesa. Sendo um lente de História Universal e
Pátria do Curso Superior de Letras, e não como era tradição no tratamento da
matéria um lente de Teologia da Universidade de Coimbra, Consiglieri Pedroso
aborda a história antiga longe do campo da Teologia e do discurso catequético
que tradicionalmente lhe estava associado. No processo recusou as
autoridades bibliográficas tradicionais e usou abundantemente os dados vindos
da linguística, apoia-se no trabalho de Jean-François Champollion134 e assume,
pela primeira vez em Portugal, uma cronologia histórica que aponta
explicitamente para datações anteriores a 4004 a.C., contrariando as
interpretações bíblicas então vigentes que davam aquele ano como o da
criação do Mundo.
Como publicista, colaborou em diversos periódicos ligados à esquerda liberal.
Republicano convicto e adepto do positivismo, escreveu e publicou dezenas de
panfletos doutrinadores sob o título Biblioteca de Propaganda Democrática
(1886-1888) e prestou a sua colaboração em publicações de carácter
doutrinário e filosófico, como O Positivismo (1879-1882), chegando mesmo a
escrever, em 1884, uma obra que intitulou Uma Crítica Positivista. Foi director
e proprietário do periódico Os Debates (1888-1891).
A sua actividade de publicista levou a que em 1882 fosse eleito presidente da
comissão directora da Associação de Jornalistas e Escritores Portugueses. A
sua produção literária e jornalística granjeou-lhe grande popularidade, sendo

133
Manuel Bernardes (1644-1710) foi um presbítero da Congregação do Oratório de S. Felipe Neri, em
cuja tranquilidade claustral se recolheu até o fim de seus dias. Escreveu numerosas obras de
espiritualidade cristã, dentre as quais Luz e Calor (1696), Nova Floresta (5 Volumes, 1710, 1708, 1711,
1726, e 1728), Pão Partido em Pequeninos (1694), Exercícios Espirituais (1707), Os Últimos Fins do
Homem (1726), Armas da Castidade (1737), Sermões e Práticas (2 Volumes, 1711), e Estímulo Prático
para bem seguir o bem e fugir o mal (1730). Seus escritos caracterizam-se pela pureza da linguagem e
pelo profundo misticismo. É um dos maiores clássicos da prosa portuguesa.
134
Jean-François Champollion (Figeac, 23 de Dezembro de 1790 — Paris, 4 de Março de 1832) foi um
linguista e egiptólogo francês. Considerado o pai da egiptologia, a ele se deve a decifração dos hieróglifos
egípcios.
91

listado entre os autores mais populares num inquérito realizado em 1884 pelo
periódico O Imparcial de Coimbra.
Embora tenha mantido ao longo da sua vida uma intensa actividade política,
em particular na Câmara dos Deputados, Consiglieri Pedroso dedicou-se com
igual diligência ao estudo da etnografia e da mitografia, tendo dedicado a maior
parte da sua carreira académica ao estudo dos mitos e superstições populares,
de que deu conta em artigos eruditos, alguns dos quais traduzidos e publicados
em revistas francesas e inglesas. O mérito da sua investigação levou-o a ser
membro de várias agremiações científicas e culturais, entre as quais a
Sociedade de Geografia de Lisboa, de que foi vice-presidente (1900-1909) e
presidente (1909), e a ser eleito em 1905 como sócio efectivo da Academia de
Ciências de Lisboa. Entre as suas obras de cariz etnográfico, contam-se
Tradições Populares Portuguesas, Estudos de Mitografia Portuguesa,
Contribuições para Uma Mitologia Popular Portuguesa, Contos de Fadas e
Contos Populares Portugueses.
As recolhas que deram origem a Contos Populares Portugueses, obra que já
deu origem a múltiplas reedições espalhadas por mais de um século,
destinavam-se a um projecto científico que se converteria, por decisão do
autor, numa colectânea de contos populares destinada ao grande público. Com
contos coligidos directamente da tradição oral, sem qualquer retoque, tornou-se
um clássico, superando as obras similares até então publicadas,
nomeadamente as produzidas por Adolfo Coelho135, Teófilo Braga e Leite de
Vasconcelos. Quando considerada a autenticidade e a fidelidade dos
narradores de que se socorreu, na maior parte mulheres, que conservam e
transmitem mais pura e mais intacta a tradição, a obra compara-se com as
recolhas de Claude Perrault136, de Gaston Paris137 ou até dos irmãos Grimm138.

135
Francisco Adolfo Coelho (Coimbra, 15 de Janeiro de 1847 — Carcavelos, 9 de Fevereiro de 1919),
filólogo, escritor e pedagogo, autodidata, que foi uma das figuras mais importantes da intelectualidade
portuguesa dos finais do século XIX.
136
Claude Perrault (Paris, 25 de setembro de 1613 — Paris, 9 de outubro de 1688) foi um naturalista,
médico e arquitecto francês. Foi irmão de Charles Perrault, um escritor famoso por seus contos de fadas.
Desenhou a fachada nascente do Louvre, obra prima do barroco, assim como o observatório de Paris, o
arco de triunfo de Faubourg-St. Antoine, entre outros. Apesar da magistralidade que provou ter como
arquitecto, o seu curriculo é particularmente pequeno ao lado de outros arquitectos como Louis Le Vau ou
François Mansart, seus contemporâneos.
137
Bruno Paulin Gaston Paris (9 de agosto de 1839, Avenay — 5 de março de 1903, Cannes) foi um
escritor e erudito francês.
92

Em 1880 foi um dos participantes e dinamizadores do Congresso Internacional


de Antropologia e Arqueologia Pré-Históricas, realizado em Lisboa,
apresentando uma importante comunicação e actuando como anfitrião dos
congressistas estrangeiros. Também em 1880 foi um dos principais activistas
que levaram a cabo um importante conjunto de iniciativas comemorativas do
tricentenário da morte de Luís de Camões e do quarto centenário da
descoberta do caminho marítimo para a Índia. Em representação da
Associação dos Jornalistas e Escritores Portugueses participou num congresso
internacional realizado em Paris, tendo então visitado a França, Alemanha e
Áustria.
Em 1896 visitou São Petersburgo, na Rússia, na qualidade de presidente da
Sociedade de Geografia de Lisboa, tendo publicado na revista Serões (1903-
1909) uma muito interessante descrição da cidade e da história e vida política
russa de então.
Republicano convicto, defendia a formação de uma comunidade luso-brasileira,
com um sistema político unindo Portugal e o Brasil. Com o objectivo de
defender essa proposta, pronunciou em 1909, em conjunto com o professor e
intelectual brasileiro Escragnolle Dória139, uma conferência na Academia das
Ciências de Lisboa
Consiglieri Pedroso iniciou a sua carreira política em 1876, quando foi eleito
vereador republicano na Câmara Municipal, juntando-se no cargo a seu pai,
então vereador eleito nas listas do Partido Progressista. Integrou as comissões
de obras públicas e de segurança municipal e manteria o seu lugar, ao longo
de sucessivas eleições, até 1890, sendo "colega", embora em bancadas
distintas, de seu pai durante parte deste período.
A 18 de Maio de 1876, Consiglieri Pedroso participou no Jantar Democrático
que teve lugar no Hotel dos Embaixadores, em Lisboa, durante o qual foi
aprovada a intenção de criar o Centro Republicano Democrático Português. No

138
Os irmãos Grimm (em alemão Brüder Grimm ou Gebrüder Grimm), Jacob (4 de janeiro de 1785 – 20
de setembro de 1863) e Wilhelm (24 de fevereiro de 1786 – 16 de dezembro de 1859), foram dois
alemães que se dedicaram ao registro de várias fábulas infantis, ganhando assim grande notoriedade.
Também deram grandes contribuições à língua alemã com um dicionário (O Grande Dicionário Alemão -
Deutsches Wörterbuch) e estudos de lingüística e folclore.
139
Luís Gastão d'Escragnolle Dória (Rio de Janeiro, 31 de Janeiro de 1869 — Rio de Janeiro, 14 de
Janeiro de 1948) foi um professor, arquivista, compositor, libretista, publicista e escritor. Foi membro do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
93

evento estavam presentes os principais políticos da esquerda liberal de


tendência republicana, incluindo personalidades como António de Oliveira
Marreca, José Maria Latino Coelho, Albano Coutinho, António Inácio da
Fonseca, António José Simões Raposo, António Rodrigues Rocha, Barros de
Seixas, Bernardino Pinheiro, Casimiro Gomes, Diogo Borges de Almeida,
Eduardo Maia, Ernesto Augusto dos Santos, Francisco Sousa Brandão,
Guilherme de Sousa, António Rola, Gil Carneiro, Herculano dos Santos,
Joaquim Neves Júnior, Júlio de Matos, José Carrilho Videira, Elias Garcia,
Guilherme Santos Lima, José Jacinto Nunes, Franco Júnior, Manuel Thomaz
Lisboa e Martins Contreiras. Foi assim um dos fundadores do primeiro
Directório Nacional do Partido Republicano Português, integrando a ala
moderada do movimento.
Adepto do positivismo, foi um dos grandes propagandistas da instrução pública
e das ideias democráticas. Para além da sua acção em Lisboa, foi um dos
fundadores, com Basílio Teles140, do Clube de Propaganda Democrática do
Norte.
A 11 de Março de 1882 realizou uma conferência, na Sociedade de Geografia
de Lisboa, a propósito do Centenário do Marquês de Pombal, por iniciativa da
comissão académica. Nessa conferência defendeu a reforma da vida política
portuguesa, afirmando-se como um dos doutrinadores do nascente movimento
republicano.
A sua facilidade em falar de improviso e a qualidade das suas intervenções
fizeram de Consiglieri Pedroso uma figura destacada nos comícios de
propaganda republicana e um político popular em Lisboa. Essa popularidade
traduziu-se na sua manutenção como vereador da Câmara Municipal de Lisboa
ao longo de sucessivos mandatos entre 1876 e 1890 e na sua eleição, nas
eleições gerais de 1884, como deputado republicano pelo círculo plurinominal
de Lisboa às Cortes da Monarquia Constitucional, feito que repetiu nas eleições
gerais de 1887.
No mandato correspondente à 25.ª legislatura da Monarquia Constitucional
Portuguesa, prestou juramento a 27 de Dezembro de 1884, integrando as

140
Basílio Teles (Porto, 14 de Fevereiro de 1856 - 10 de Março de 1923) foi um professor e ensaísta
português
94

comissões parlamentares de Instrução Pública Primária e Secundária (1885),


Instrução Pública Superior e Especial (1887) e de Inquérito às Obras do Porto
de Lisboa. Exerceu uma importante acção parlamentar, apresentando logo na
sessão inaugural uma proposta visando abolir o juramento político. Também
defendeu a impugnação dos resultados eleitorais no círculo do Funchal, onde o
candidato republicano fora excluído. Durante toda a legislatura apresentou,
sempre sem sucesso, múltiplas propostas visando reduzir as despesas com a
Casa Real, que acusava de ser proporcionalmente a mais cara da Europa já
que gastava 2/3 da verba despendida pelo Estado com a instrução pública, e
as prerrogativas do monarca. Chegou a propor, em 1885, a dissolução das
Cortes e a convocação de novas eleições para a aprovação de nova
constituição, opondo-se à manutenção na Câmara dos Pares do Reino de
pares de nomeação régia. Envolveu-se num sério incidente com o deputado
João Arroio141 que quase terminou em confronto físico na câmara e apresentou
múltiplos protestos contra a acção da polícia na repressão ao movimento
operário e ao movimento republicano.
Apesar de manter as suas convicções republicanas, em 1887 colaborou com o
movimento Esquerda Dinástica, liderado por Barjona de Freitas142. Para a
legislatura que se iniciou nesse ano, a 26.ª da Monarquia Constitucional
Portuguesa, prestou juramento a 13 de Abril de 1887. Manteve a sua oposição
às despesas da Casa Real, à pesada lista civil da corte do monarca e às
despesas com os casamentos de príncipes e princesas. Também se opôs à
entrada de trabalhadores asiáticos para as obras do Porto de Lisboa,

141
João Marcelino Arroio (Porto, 4 de Outubro de 1861 — Casas Novas, Colares, Sintra, 18 de Maio de
1930), mais conhecido por João Arroio ou João Arroyo, foi um intelectual, professor universitário e político
português, ligada ao meio artístico. Estudou Direito na Universidade de Coimbra, onde se doutorou em
1884, ingressando seguidamente no corpo docente da Universidade, no qual foi professor catedrático. Foi
por diversas vezes deputado e ministro, distinguindo-se como orador brilhante e intelectual de grande
mérito, dedicando-se à composição musical. Foi eleito em 9 de Dezembro de 1892 sócio da Academia
Real das Ciências de Lisboa, na Classe de Letras.
142
Augusto César Barjona de Freitas (Coimbra (São Pedro), 13 de Janeiro de 1834 — Lisboa, 23 de
Julho de 1900) foi um jurista, professor de Direito, e político português ligado à esquerda do Partido
Regenerador. Foi deputado e ocupou por diversas vezes cargos ministeriais, tendo sido Ministro dos
Negócios Eclesiásticos e da Justiça em vários mandatos e Ministro do Reino entre 1883 e 1886. Nessas
funções liderou importantes reformas jurídicas, como a abolição da pena de morte e a reorganização
judicial e administrativa do país. Foi nomeado Par do Reino em 1876, tendo presidido à Câmara dos
Pares durante dois anos, e feito Conselheiro de Estado em 1885. Após a morte de Fontes Pereira de
Melo, Barjona de Freitas liderou a constituição da Esquerda Dinástica, agrupamento que representava a
facção mais liberal dos regeneradores.
95

considerando que as mesmas eram uma ameaça ao trabalho nacional e aos


salários. Também se interessou pela repressão das tentativas de restaurar as
ordens monásticas e do que considerava os abusos da Igreja Católica,
nomeadamente os casos de excomunhão por casamento civil, o que o levou a
propor, em conjunto com Guerra Junqueiro, uma lei de amnistia para todos os
condenados por ofensas à religião do Estado.
Terminada a legislatura a 10 de Julho de 1889, recusou um convite do
directório do Partido Republicano Português para se candidatar pelo círculo
eleitoral de Coimbra, afastando-se seguidamente da vida activa e não voltando
a ser candidato para qualquer eleição, incluindo as autárquicas em Lisboa.
Manteve a sua militância partidária, mas numa posição discreta, integrando o
corpo consultivo do directório nacional.
Em consequência dessa sua retirada da vida política activa, dedicou as últimas
duas décadas da sua vida quase em exclusivo à investigação etnográfica, à
escrita e à docência no Curso Superior de Letras, instituição cujo órgão
directivo integrou.

Obra

Consiglieri Pedroso deixou uma vasta obra dispersa por dezenas de periódicos
portugueses, mas publicou a parte mais substancial da sua obra científica no
jornal O Positivismo, nela se incluindo análises de superstições populares e
mitografia. Alguns dos seus trabalhos foram reproduzidos em revistas
francesas e inglesas da especialidade. Entre as suas obras de carácter
monográfico contam-se:
• Um brado contra a pena de morte. Lisboa : 1874.
• História da Revolução Francesa de Ernest Hamel (tradução para português e prefácio
de Consiglieri Pedroso) (1875).
• O sufrágio universal ou a intervenção das classes trabalhadoras no governo do país.
Lisboa : 1876.
• A constituição da família primitiva : these para o concurso da primeira cadeira do Curso
Superior de Lettras : Historia Universal e Patria. Lisboa : Casa de Bragança, (1878).
• Sur quelques formes du mariage populaire en Portugal : contribution à connaissance de
l'état social des anciens habitants de la péninsule. Lisbonne : Tip. de l'Académie Royal des
Sciences, (1880).
• Contribuições para uma mythologia popular portugueza. Porto : Imprensa Commercial,
(1880).
• Compêndio de História Universal. Porto : 1881.
• Portuguese Folk-tales. London : 1882.
96

• Tradições populares portuguezas, XV : o secular das nuvens. Porto : Typografia


Elzeviriana, (1883).
• As Grandes Épocas da História Universal (1883).
• Tradições Populares Portuguesas, Uma Crítica Positivista. Paris : 1884.
• Compêndio de História dos Povos Orientais. Lisboa : 1896.
• Alexandre Herculano, o historiador. Lisboa : 1910.
• Contos Populares Portugueses (1910).
• Catálogo bibliographico das publicações relativas aos descobrimentos portuguezes.
Lisboa : Imprensa Nacional, (1912).
• Contribuições para um cancioneiro e romanceiro popular português
• Contribuições para uma Mitologia Popular Portuguesa e outros Escritos Etnográficos.
Lisboa, D. Quixote, 1988.
• Contos populares portugueses. Porto, 1878. A obra teve múltiplas reedições, entre as
quais: São Paulo: Landy, 2001; Lisboa : Vega, 1992 (ISBN-978-972-699-031-4).

Outro conjunto importante de publicações foi incluída na série de panfletos
denominada Propaganda Democrática, uma publicação em estilo folhetinesco
com periodicidade quinzenal. Os principais títulos foram:

• "O direito de dissolução". Propaganda democrática - Publicação quinzenal para o povo.


Lisboa : Typ. Nacional. Vol. IX, 1887. 32 p.
• "Incompatibilidades parlamentares". Propaganda democrática - Publicação quinzenal
para o povo. Lisboa : Typ. Nacional. Vol. XXXVII, 1888. 31 p.
• "O juramento político". Propaganda democrática - Publicação quinzenal para o povo.
Lisboa : Typ. Nacional. Vol. XIII, 1887. 32 p.
• "Guia do eleitor". Propaganda democrática - Publicação quinzenal para o povo. Lisboa :
Typ. Nacional. Vol. VIII, 1887. 32 p.
• "Palavras aos eleitores". Propaganda democrática - Publicação quinzenal para o povo.
Lisboa : Typ. Nacional. Vol. XI, 1887. 32 p.
• "O que deve ser uma eleição". Propaganda democrática - Publicação quinzenal para o
povo. Lisboa : Typ. Nacional. Vol. X, 1887. 32 p.

João Duarte de Meneses


João Duarte de Meneses (Lisboa, 22 de abril de 1868 — Lisboa, 8 de abril de
1918) foi um advogado, jornalista e político português.

João Duarte de Meneses.


97

João de Meneses cursou Direito na Universidade de Coimbra, entre 1886 e


1895, alcançando o bacharelato. Exerceu advocacia em Lisboa e no Porto.
Pertenceu à Maçonaria, tendo sido iniciado em 1892, na loja "Simpatia", com o
nome simbólico de Oberdank. Foi redator político dos periódicos portuenses
Voz Publica e O Norte,– tendo sido fundador deste último, e do lisboeta O
Debate. Foi também secretário da redação do jornal republicano A Luta, em
1910. Era conhecido por defender as suas ideias com correção, procurando
não melindrar os adversários políticos.
Filiado no Partido Republicano Português, João de Meneses foi eleito deputado
em 1906, 1908, 1910 e 1911 e foi ministro da Marinha entre 3 de setembro e
12 de novembro de 1911. Faleceu em Lisboa em 1918.

José Maria Moura Barata Feio Terenas

José Maria Moura Barata Feio Terenas (Covilhã, 5 de novembro de 1850 —


Lisboa, 29 de janeiro de 1920) foi um jornalista e político português.

José Maria Moura Barata Feio Terenas


98

Nascido na Covilhã, filho de José Maria Moura Barata Feio e de Maria Rosa
Adelaide Terenas, o jovem Feio Terenas, após ter fundado na sua terra natal o
jornal feição socializante Eco Operário (1869), fixou residência em Coimbra. Aí
conviveu com algumas das figuras precursoras do pensamento positivista e
republicano em Portugal como Manuel Emídio Garcia, José Falcão143 e Abílio
Roque de Sá Barreto. Durante este período colaborou com variados órgãos da
imprensa local.
Republicano assumido, participou nas reuniões preparatórias da fundação do
Partido Republicano Português, em 1873, ao lado de Latino Coelho, Elias
Garcia, Oliveira Marreca e Bernardino Pinheiro. Em 1876 esteve na criação do
primeiro diretório do Partido Republicano, tornando-se figura preponderante do
Centro Republicano de Coimbra.
Feio Terenas mudou-se para Lisboa em 1880, por altura das comemorações
do tricentenário de Camões, tendo sido um dos participantes na primeira
Associação de Jornalistas e Escritores. Em 1881, foi nomeado bibliotecário-
geral das Bibliotecas Municipais de Lisboa, integrando, também, a direção do
Centro Federal de Lisboa. Em 1887 foi um dos responsáveis pela organização
do Congresso Republicano, realizado em Lisboa, quando foi eleito membro do
diretório.
Com os acontecimentos provocados pela revolta de 31 de janeiro de 1891,
passou a desempenhar funções na Junta Departamental do Sul, a que presidiu.
Exerceu ainda funções como vogal na Junta Geral do Distrito de Lisboa e foi
eleito deputado em 1908, pelo círculo de Setúbal, sendo reeleito em 1910.
Após a implantação da República Portuguesa foi deputado à Assembleia
Nacional Constituinte, integrando o Senado entre 1911 e 1915.
Iniciado na Maçonaria em Coimbra, com o nome simbólico de Vítor Hugo,
integrou os quadros das lojas "Federação" e "Perseverança". Mais tarde,
integrou as lojas "Simpatia" e "Elias Garcia", de Lisboa, onde foi eleito
venerável. Em 1901 atingiu o grau 33 do Rito Escocês e a partir de 1903
integrou o Supremo Conselho. Foi um dos principais organizadores dos
143
José Joaquim Pereira Falcão (Miranda do Corvo, 1 de Junho de 1841 — Coimbra, 14 de Janeiro de
1893), mais conhecido por José Falcão, foi um professor de Matemática na Universidade de Coimbra e
político republicano.
99

congressos maçónicos de 1900, 1903, 1905 e 1906. Em 1914, foi um dos


elementos que acompanhou a cisão no Grande Oriente Lusitano.
Tido como um republicano moderado, Feio Terenas não se envolveu em
grandes polémicas e o seu trabalho foi fundamentalmente de doutrinação
através da escrita. Enquanto deputado, procurou centrar-se em temáticas como
a lei do registo civil obrigatório ou a tentativa de autorizar as câmaras
municipais a instituir bibliotecas populares por todo o País. Deu, também,
bastante importância ao problema do ensino em Portugal, em especial das
primeiras letras e da educação cívica.
Faleceu em Lisboa em 1920, tendo tido um funeral civil, ao qual compareceram
personalidades de destaque da vida da República: António José de Almeida
(presidente da República à época); Domingos Pereira (presidente do
Ministério); Bernardino Machado (antigo presidente da República), entre muitas
outras pessoas

Eusébio Leão

Eusébio Leão (Gavião, 2 de Fevereiro de 1878 - Lisboa, 21 de Novembro de


1926) foi médico e político republicano português.

Eusébio Leão, à varanda dos Paços do


Concelho, depois de proclamada a Republica.
100

Formou-se na Escola Médica-Cirúrgica de Lisboa em 1890, exercendo clínica


como médico municipal em Gavião até 1895. Fez estágios em Paris e Berlim e
especializou-se em urologia.
Já instalado em Lisboa, colabora em numerosas publicações e participa
activamente na propaganda republicana em torno da questão do Ultimatum
britânico de 1890.
Entrou para a Maçonaria em 1893.
Foi um dos fundadores do jornal "A Patria" e, em Outubro de 1909, viria a ser
eleito secretário do Directório do Partido Republicano Português,
apresentando-se diversas vezes como candidato a deputado embora sem
nunca ter sido eleito.Foi o responsável pela leitura da proclamação da
República, no dia 5 de Outubro de 1910, na varanda dos Paços do
Concelho.Foi nomeado governador civil de Lisboa e viria a ser eleito deputado
à Assembleia Nacional Constituinte pelo círculo de Portalegre, integrando
depois o Senado. Com a cisão do Partido Republicano, acabou por apoiar a
União Republicana de Brito Camacho. Em Fevereiro de 1912 foi nomeado
ministro em Roma, mantendo-se nesse posto até Outubro de 1926.
101

O Sabugal, a Republica e a Maçonaria


Según Manso (2011), no período que antecedeu a implantação da Republica
não havia, ainda, jornais no concelho do Sabugal, e é uma a pena, pois
ficamos sem uma preciosa fonte de informação da época. O primeiro jornal de
que há notícia, “A Estrella do Côa”, foi publicado já nos alvores do séc. XX, e,
mesmo assim, não há conhecimento de nenhum exemplar. Os jornais que se
lhe seguiram, “O Sabugal” e a “Gazeta do Sabugal”, são já muito posteriores,
pois foram publicados em 1925 e 1926, respectivamente.

Em termos políticos o Sabugal era, nos finais do século XIX, uma terra
interessante, pois sendo um concelho conservador, isolado, quase mais perto
de Espanha do que de Portugal, tinha vida e dinamismo político. E são alguns
factos, por vezes aparentemente contraditórios, da sua vida política que nos
permitem entender esta sociedade pacata, agrícola e profundamente católica, a
viver de mãos dadas com as novidades vindas dos grandes centros urbanos,
102

agitados e intelectuais, de Lisboa e Coimbra. Do Sabugal saíram para Coimbra


pobres estudantes mas que regressaram doutores afamados e vieram a
influenciar a comunidade local. Nalguns casos vieram mesmo a ser figuras de
“peso” da vida política portuguesa. Também os altos quadros do funcionalismo
público que aqui eram colocados, quase sempre transitoriamente, traziam um
sopro de cultura e informação sobre o que se passava no resto do país, e que,
por certo, influenciaram o panorama político local. Trindade Coelho, um dos
escritores mais credenciados do seu tempo, um dos mestres do conto rústico
português, é um desses exemplos. Aqui veio parar, não por vontade mas por
necessidade, como Delegado do Procurador Régio. E para isso ainda teve que
meter uma cunha a Camilo Castelo Branco, curiosamente também ele maçon.
A Maçonaria é uma sociedade secreta (que hoje em dia alguns dizem ser
apenas discreta) que teria chegado a Portugal por volta de 1735, por influência
inglesa e francesa. Umas vezes perseguida, outras vezes tolerada, e outras
vezes dominadora, tem marcado desde então a sociedade portuguesa. A sua
influência no desenrolar dos acontecimentos que conduziram à implantação da
Republica e posteriormente á sua consolidação foram, ninguém nega,
determinantes. A Revolução de 31 de Janeiro de 1891, que foi o primeiro
movimento revolucionário que teve como objetivo implantar um regime
republicano, foi já pautada pela presença maçónica, mas será na preparação e
desenvolvimento do 5 de Outubro de 1910 e nos governos que se lhe
seguiram, que a sua ação será mais evidente.
Com a implantação da Republica o número dos seus membros, lojas e
triângulos duplicou pois pertencer à Maçonaria passou a ser uma condição
necessária, quase indispensável, para quem pretendesse “fazer carreira
política ou administrativa, na função pública”. Metade dos ministros eram
maçons e o mesmo sucedia com os parlamentares. Os Presidentes da
Republica que se foram sucedendo, (Teófilo Braga, Bernardino Machado,
Sidónio Pais, António José de Almeida e general Óscar Carmona), eram todos
maçons. Teria sido esta tão grande “promiscuidade entre maçonaria e luta
política que levou muitos obreiros a abandonar a Ordem”. Já com Salazar
instalado no Poder a Maçonaria foi abatendo colunas sobretudo a partir de 19
de Janeiro de 1935, altura em que José Cabral, deputado pelo círculo da
103

Guarda, apresentou uma proposta de lei que visava a extinção das sociedades
secretas na Assembleia Nacional. Curiosamente o seu presidente era o Dr.
José Alberto dos Reis, natural do distrito da Guarda, e também ele maçon. A
Maçonaria só irá ressurgir após o 25 de Abril de 1974.

O Club Maçónico
No Sabugal, surpreendentemente, a sua implantação começou muito cedo. A
primeira loja de que há conhecimento foi instalada em 1830. E tinha um nome
curioso e muito pouco vulgar: Clube Maçónico. Era de obediência
desconhecida, como aliás eram, e são, muitos outros aspectos ligados à
Maçonaria.
As sessões da Loja do Sabugal decorriam, pelo menos algumas decorreram,
em casa de João de Campos Pereira Barreto.
E de onde teria vindo, tão cedo, essa ligação à Maçonaria se não era uma zona
portuária nem tinha grandes aquartelamentos militares? Na Guarda só se
conhece uma loja em 1843, data que corresponde à sua extinção, e mais tarde,
de uma outra instalada em 1859/60, a loja Fraternidade, do Grande Oriente
Lusitano II. Mas havia também figuras ligadas ao Sabugal mas que não
pertenciam a lojas aqui estabelecidas. Francisco Saraiva da Costa Refóios é
um desses exemplos. Nasceu na Guarda e morreu em Lisboa. Em 1835 foi
feito primeiro, e único, barão de Ruivós, onde tinha muitas propriedades.
Maçom muito conhecido e influente na região da Guarda pertenceu à loja 11 de
Agosto de 1829. Era um liberal, mas radical, que foi presidente dos “Camilos”,
nome por que era conhecida a Sociedade Patriótica Lisbonense. Foi eleito
deputado em 1834 e nomeado Par do Reino em 1836.

O Club Maçónico do Sabugal


Iniciados conhecidos:
- António Joaquim da Costa Quintela, oficial de Diligências. Era avô da Dr.ª
Maria Alice Quintela, esposa do Dr. Abílio Alves Bonito Perfeito, reitor do Liceu
da Guarda e deputado pelo círculo da Guarda;
- António de Paiva Monteiro, clérigo;
- António Pereira, médico-cirurgião;
104

- Boaventura…, Clérigo;
- Bernardo António de Póvoas, oficial de ordenanças. Familiar do general
miguelista Álvaro Xavier da Fonseca Coutinho e Póvoas, natural da Guarda;
- Francisco António da Costa Quintela, escrivão. Era irmão de Joaquim
Quintela pai do proprietário dos famosos Armazéns do Chiado na Guarda;
- Jerónimo de Magalhães e Vasconcelos, Magistrado;
- João de Campos Pereira Barreto. Familiar da maçona Carolina Beatriz
Ângelo, a primeira mulher a votar em Portugal. Figura de grande destaque
exerceu a advocacia no Sabugal e foi Juiz em de Fora em várias localidades.
Foi desterrado e preso por diversas vezes. Entre outras razões era acusado de
não ter querido batizar os filhos, o que se provou não ser verdade. Os
documentos que comprovam os baptismos foram assinados pelo abade do
Sabugal, padre João de Paiva;
- João Fernandes de Barros, …;
- João Henriques de Almeida Gatinho, funcionário Público;
-José dos Reis Chorão do Amaral, advogado famoso, foi das pessoas que mais
foram perseguidas pelas suas ideias políticas. Quando morreu foi
acompanhado por seu irmão, o padre Manuel Martins Chorão, disfarçado de
camponês;
- Joaquim da Silva Sardinha, clérigo e professor;
- José Alexandre Campos Almeida, foi um dos maçons de maior relevo do seu
tempo. Nasceu no Sabugal em 1794, e formou-se em Coimbra de cuja
Universidade veio a ser Lente e posteriormente Vice-Reitor. Foi ministro,
deputado e presidente da Câmara dos Deputados. Pertenceu à loja Sabugal e
à loja Urbiónia, Coimbra (1834-1836), onde chegou a ter o cargo de
“Venerável”;
- José António Marques, proprietário;
- José Maximino da Silva Azevedo, advogado e Presidente da Câmara
Municipal do Sabugal;
- José Rodrigues Pimentel, clérigo;
- Júlio António Vieira, oficial de Milícias;
- Manuel Bigotte, filho de um alfaiate, seguiu a mesma profissão. Mas homem
de visão, chegou a ser presidente da Câmara Municipal do Sabugal,
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Administrador do Conselho e Governador Militar. Era pai do Dr. Justino Bigotte,


deputado e presidente do Partido Progressista no Sabugal, fundado em 20 de
Fevereiro de 1884 durante uma reunião efectuada em Aldeia da Ponte.
- Manuel Martins Chorão, Clérigo, irmão do Dr. José dos Reis Chorão e que
como ele foi perseguido. Esteve fugido em Espanha em companhia de Manuel
Bigotte.
106

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