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Alan Woods
O MARXISMO E A RELIGIÃO [2001]
Alan Woods
Edições
Luta de Classes
2007
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O Marxismo e a Religião
Alan Woods
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desafiadas pelo chamado movimento criacionista nos EUA, que tem a pretensão de
impor aos escolares norte-americanos a idéia de que Deus criou o mundo em seis
dias, o homem do barro e a primeira mulher a partir de uma de suas costelas.
Apesar de todo este avanço científico, por que a religião ainda se encontra tão
arraigada na mente de milhões de pessoas? A religião oferece aos homens e mulheres
o consolo de uma vida depois da morte. O materialismo filosófico nega esta
possibilidade. A mente, as idéias e a alma são o produto da matéria organizada de
uma forma concreta. A vida orgânica surge em determinado momento da vida
inorgânica e, igualmente, as formas simples da vida – bactérias, organismos
unicelulares etc. – evoluem para formas mais complexas com uma coluna vertebral,
um sistema nervoso central e um cérebro.
O problema é que a vida da maioria dos homens e mulheres na sociedade atual é tão
dura, insuportável ou carente de sentido, que a idéia de uma vida depois da morte, às
vezes, é a única forma de dar algum significado à própria existência. Voltaremos mais
tarde a esta questão tão importante. Mas, por enquanto, analisemos o significado
exato da existência da vida depois da morte.
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pretas”, como dizia Hegel. E na vida cotidiana as pessoas falam confiantemente da
alma e da vida depois da morte.
Supõe-se que a alma é imaterial. Mas, existe vida sem matéria? A destruição do corpo
físico significa o fim do ser individual. Os bilhões de átomos individuais que formam
nosso corpo não desaparecem, mas reaparecem formando combinações diferentes.
Nesse sentido, somos todos imortais, porque a matéria não se pode criar ou destruir.
É verdade que existem espiritualistas que insistem em dizer que ouvem vozes embora
não haja a presença de seres físicos. A resposta é bastante simples: se há voz, deve
haver cordas vocais – senão, não poderia existir a voz. Não se pode separar nenhuma
das manifestações de nossa atividade viva do corpo material.
A idéia comum sobre a “vida depois da morte” é mais ou menos a de uma continuação
da vida que levamos sobre a terra (já que não conhecemos outra). A alma abandona o
corpo e, pelo que parece, “desperta” numa terra maravilhosa, onde, milagrosamente,
unimo-nos a nossos seres queridos, para uma vida de gozo eterno na qual a doença e
a velhice desaparecerão. Basta fazer a pergunta de uma forma concreta para se ver
que isto é impossível. Se considerarmos todas as coisas que fazem a vida valer a pena
– boa comida, bom vinho (para os ingleses, uma boa xícara de chá forte), cantar,
dançar, abraçar, fazer amor etc. –, rapidamente se tornará evidente que todas estas
atividades estão inseparavelmente unidas ao corpo e a seus atributos físicos. Os
passatempos mais cerebrais, como falar, ler, escrever e pensar, estão igualmente
unidos a nossos órgãos corporais. O mesmo acontece com a respiração ou qualquer
outra atividade do que se chama vida.
Uma existência que suprima todo sofrimento e dor seria intolerável para os seres
humanos. Um mundo onde tudo é branco seria a mesma coisa que um mundo onde
tudo é preto. A partir de um ponto de vista estritamente médico, a dor tem uma
função importante. Não é só um mal, também é um aviso de que algo funciona mal
em nosso organismo. A dor é parte da condição humana. E não somente isso: a dor e
o prazer estão dialeticamente relacionados. O prazer não poderia existir sem a dor.
Dom Quixote explicava a Sancho Pança que o melhor tempero era a fome. Da mesma
forma que descansamos melhor após um período de esforço intenso.
Que há de mal em acreditar em outra vida? Poderia parecer que não é tão mal assim.
Mas, por que educar mal homens e mulheres, animando-os a construir suas vidas em
torno de uma ilusão? Na medida em que afastamos as ilusões, vemos o mundo como
ele é realmente e a nós como somos realmente. Somente desta forma podemos
adquirir o conhecimento necessário para transformar o mundo e nós mesmos.
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O que somos como indivíduos está intimamente relacionado com nossos corpos
materiais e não com uma existência separada. Nascemos, vivemos e morremos como
os outros organismos vivos do universo. Cada geração deve viver sua vida e preparar
o caminho para as novas gerações que estão destinadas a ocupar nosso lugar. A
aspiração à imortalidade, o direito imaginário a viver para sempre, é egoísta e pouco
realista. Em vez de desperdiçar o tempo tentando alcançar “outro mundo” não
existente, é mais útil e necessário se esforçar por fazer que este mundo seja um lugar
melhor para se viver. Para a grande maioria dos homens e mulheres que nasceram
neste mundo, a pergunta mais correta e adequada não é se há vida depois da morte,
mas se há vida antes da morte.
Saber que esta vida é fugaz, que nós e nossos seres queridos não iremos estar aqui
para sempre, longe de nos deixar consternados, deveria inspirar-nos um amor
apaixonado pela vida e um desejo ardente de fazer todo o melhor que pudermos.
Sabemos que uma flor nasce apenas para murchar, e, em certo sentido, esta
transição da floração é o que dá à flor uma beleza trágica. Mas também sabemos que
a cada primavera a natureza floresce novamente, que o eterno ciclo de nascimento e
morte é a essência de todas as coisas vivas e é o que dá à vida seu sabor agridoce, a
comédia e a tragédia, o riso e as lágrimas, que convertem a vida num rico mosaico de
sentimentos. Este é o nosso destino irrecusável como seres humanos. Somos
humanos e não deuses, e, portanto, devemos aceitar nossa condição humana. Em
relação aos deuses, temos a desvantagem de sermos mortais. Mas também temos
uma grande vantagem sobre eles, nós existimos em carne e osso, enquanto que eles
são um simples produto da imaginação.
O materialismo como filosofia tem uma longa e honrosa história. Os primeiros filósofos
jônicos gregos eram todos materialistas. Segundo conta Platão, Anaxágoras – uma
dos mais destacados e tutor de Péricles – foi acusado de ateísmo. Protágoras (415
a.C) disse, com a ironia habitual de um sofista: “Com relação aos deuses, tenho sido
incapaz de chegar a determinar se existem ou não, ou a sua forma, devido às muitas
coisas que dificultam a conquista deste conhecimento, tanto pela obscuridade da
matéria como pela brevidade da vida humana”. Diágoras, um contemporâneo, foi mais
além. Quando alguém reclamava sua atenção para as lápides votivas de um templo,
erigidas pelos agradecidos sobreviventes de um naufrágio, ele respondia: “Os que se
afogaram não colocaram as lápides”.
Para algumas pessoas esta situação pode parecer justa. Mas, para nós, mais parece
um embuste descarado. “Se às pessoas comuns lhes tiramos esta esperança, o que
lhes sobra?”. Este é o argumento dos sofistas. A resposta é: alcançarão a verdade e a
Bíblia diz que a verdade nos tornará livres. Então, enquanto os olhos de homens e
mulheres se dirigirem para o céu, serão incapazes de contemplar os problemas reais
que os atormentam e de ver os seus verdadeiros inimigos.
O deus babilônico Marduk anunciou sua intenção de criar o homem para que prestasse
serviço aos deuses, “para liberá-los” das tarefas menos nobres relacionadas ao ritual
do templo e para proporcionar sua alimentação. Neste caso, encontramos um reflexo,
na religião, da realidade da sociedade de classes. A humanidade estava dividida em
duas classes: em cima, os deuses intocáveis (a classe dominante), e, em baixo, os
“pedreiros e distribuidores de água” (as classes trabalhadoras). Seu objetivo é o de
dar uma justificação (religiosa) ideológica à escravização da maioria pela minoria. E
era este um fato muito real na vida de todas as sociedades antigas (e modernas): a
casta sacerdotal estava liberada do trabalho e desfrutava de privilégios reais ao se
erigir como representante físico de deus sobre a terra.
Esta relação psicológica entre os seres humanos e as divindades que eles criam para
si mesmos, muito nos diz sobre a verdadeira situação da espécie humana. Não é
segredo que as divindades de uma determinada sociedade são o reflexo dessa
sociedade, de seu modo de produção, das relações sociais, da moralidade e dos
preconceitos. Como assinalamos em Razão e Revolução: “Não foi deus quem criou o
homem a sua própria imagem, mas, pelo contrário, foi o homem quem criou deuses a
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sua própria imagem e semelhança. Ludwig Feuerbach disse que, se os pássaros
tivessem uma religião, seu deus teria asas. ‘A religião é uma ilusão em que nossas
próprias concepções e emoções se nos apresentam como existências separadas, como
seres à margem de nós mesmos. A mente religiosa não distingue entre o subjetivo e o
objetivo – não tem dúvidas; tem a capacidade não de discernir coisas diferentes dela
mesma, mas de ver suas próprias concepções fora de si mesma como seres
independentes. Isto era algo que homens como Xenofonte de Colofon (565-470 a.C)
entendeu quando escreveu: ‘Homero e Hesíodo atribuíram aos deuses toda ação
vergonhosa e desonesta entre os homens: o roubo, o adultério, o embuste (...) Os
etíopes fazem seus deuses negros e com o nariz chato e os trácios fazem os seus com
os olhos cinzentos e o cabelo vermelho (...) Se os animais pudessem pintar e fazer
coisas como os homens, os cavalos e os bois também fariam deuses a sua própria
imagem’” (Alan Woods e Ted Grant. Razón y Revolución. Madri. Fundação Frederico
Engels. 1995. p. 36).
Mas estes deuses não são simples cópias em papel carbono da realidade, são a
realidade vista através dos óculos da religião – um mundo alienado, místico, de
cabeça para baixo, onde tudo está ao contrário. Eles são tudo o que homem gostaria
de ser, mas que não pode ser. Possuem todos esses atributos que os humanos
gostariam de ter e que aspiram ter, mas que não podem ter. Nesse sentido, a religião
representa uma aspiração inalcançável. Mas este sentimento religioso também contém
outro elemento: uma profunda aspiração de um mundo melhor depois da vida.
Quando o camponês faminto e oprimido brada a seus deus, pedindo com clamor
justiça, grita contra a injustiça, a crueldade e a falta de humanidade deste mundo.
As origens da cristandade
Os primeiros cristãos eram comunistas e isto se pode ver claramente ao se ler os Atos
dos Apóstolos. O próprio Jesus Cristo andava entre os pobres e os despossuídos e,
com freqüência, atacava os ricos. Não foi por casualidade que seu primeiro ato ao
entrar em Jerusalém fosse o de atacar os cambistas do templo. Também disse que
seria mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar
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no reino de deus (Lucas, 18-24). Os primeiros cristãos alinharam-se com os pobres
contra os ricos e os poderosos.
Na epístola de São Tiago podemos ler: “Agora cabe aos ricos: chorem e lamentem-se
porque lhes têm caído por cima desgraças. Os vermes meteram-se em suas reservas
e a traça lhes come suas vestes; seu ouro e sua prata se oxidaram. O óxido se levanta
como acusador contra vocês e como o fogo lhes devora as carnes. Como
entesouraram, se já eram os últimos tempos? O salário dos trabalhadores que
colheram seus campos não lhes foi pago; as queixas dos segadores já tinham chegado
aos ouvidos do Senhor dos exércitos. Conheceram apenas luxo e prazeres neste
mundo, e passaram muito bem, enquanto outros eram assassinados. Condenaram e
mataram o inocente, pois, como podia se defender?” (São Tiago, 5-1). Esta é a voz da
luta de classes, com toda clareza. A Bíblia está repleta destas expressões.
O comunismo dos primeiros cristãos também era evidente em suas comunidades onde
toda riqueza constituía um bem comum. Aquele que desejasse se unir a uma
comunidade cristã devia dar, de início, toda sua propriedade mundana. Nos Atos dos
Apóstolos podemos ler: “Vinham assiduamente ouvir os apóstolos, à convivência
[koinonia, é o mesmo que comunismo], à divisão do pão e às orações... Todos que
tinham acreditado viviam unidos; compartilhavam tudo o que tinham, vendiam seus
bens e propriedades e repartiam depois o dinheiro entre todos segundo as
necessidades de cada um” (Atos dos Apóstolos, 2-42).
A cristandade e o comunismo
Nos primeiros anos da igreja, seus representantes continuaram fazendo eco das idéias
comunistas originais do movimento. São Clemente escreveu: “O uso de todas as
coisas que se encontram neste mundo deveria ser comum para todos os homens.
Somente a iniqüidade mais evidente nos faz dizer ao outro: ‘isto me pertence, tanto a
ti quanto a mim’. Daí a origem da discussão entre os homens”.
Esta observação é correta e demonstra claramente que a origem da luta de classes (“a
discussão entre os homens”) encontra-se na existência da propriedade privada. A
eliminação da discussão entre os homens pressupõe a abolição da propriedade
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privada. São Basílio o Grande propôs uma idéia similar: “Que é isso que dizes que é
‘teu’? Por que é teu? De quem o recebeste? Falas e ages como aquele que numa
ocasião foi cedo ao teatro e tomou posse dos assentos destinados ao público restante,
acreditava que, por chegar antes, podia proibir às outras pessoas que se sentassem,
pretendia apropriar para ele o uso exclusivo de uma propriedade destinada ao uso
comum. E é esta precisamente a forma de agir do rico”.
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Estes métodos são muito familiares aos dirigente social-democratas e aos sindicalistas
de hoje em dia. São precisamente os mesmos métodos utilizados pelo sistema para
atrair os líderes reformistas do movimento operário às idéias burguesas; desta forma,
os corrompem e o sistema os absorve. As lideranças do movimento são convidadas a
ceias e festas ostentosas, onde confraternizam com os ricos e famosos. Desde o
concílio de Nicéia a igreja tem sido a mais firme colaboradora da riqueza, do privilégio
e da opressão.
Durante este período, a igreja cristã foi absorvida – através de suas camadas
superiores – pelo Estado. Em toda sua posterior história a igreja se aproveitou da
debilidade humana e do temor à morte, para escravizar a mente dos homens, e, neste
processo, conseguir enorme poder e riquezas, algo que contrastava totalmente com a
pregação do pobre rebelde galileu em cujo nome pretendia falar. De um movimento
revolucionário de pobres e oprimidos, converteu-se no baluarte da reação e no porta-
voz dos ricos e poderosos – uma situação que tem permanecido até a atualidade.
“1. O eclesiástico que incorrer em pecado carnal, seja com monjas, primas, sobrinhas
ou afilhadas suas, enfim, com qualquer outra mulher, será absolvido, mediante o
pagamento de 67 libras e 12 xelins.
3. O sacerdote que deflorar uma virgem pagará duas libras e oito xelins.
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5. Os sacerdotes que quiserem viver em concubinato com seus parentes, pagarão 76
libras e um xelim.
6. Para todo pecado de luxúria cometido por um laico, a absolvição custará 27 libras e
um xelim; para os incestos serão acrescentadas conscienciosamente quatro libras.
7. A mulher adúltera que pedir absolvição para ficar livre de todo processo e ter ampla
dispensa para prosseguir suas relações ilícitas, pagará ao papa 87 libras e três xelins.
Em caso igual, o marido pagará igual soma; se tiverem cometido incestos com seus
filhos acrescentarão conscienciosamente seis libras.
10. Se o assassino tiver dado morte a dois ou mais homens num mesmo dia, pagará
como se tivesse assassinado um só.
11. O marido que maltratar sua mulher pagará no caixa da chancelaria três libras e
quatro xelins; se a matar, pagará 17 libras e 15 xelins; e se lhe tiver morto para se
casar com outra, pagará, ademais, 32 libras e nove xelins. Os que tiverem auxiliado o
marido a cometer o crime serão absolvidos mediante o pagamento de duas libras por
cabeça.
12. O que afogar a um seu filho pagará 17 libras e 15 xelins (ou seja, duas libras a
mais do que por matar a um desconhecido) e se o matarem o pai e a mãe com
consentimento mútuo pagarão 27 libras e um xelim, pela absolvição.
13. A mulher que destruir seu próprio filho levando-o em suas entranhas e o pai que
tiver colaborado na perpetração do crime, pagarão 17 libras e 15 xelins cada um. O
que facilitar o aborto de uma criatura que não for seu filho pagará uma libra a menos.
14. O assassinato de um irmão, uma irmã, uma mãe ou um pai, serão pagos por 17
libras e 15 xelins.
15. Quem matar um bispo ou prelado de hierarquia superior, pagará 131 libras, 14
xelins e seis centavos.
16. Se o matador tiver dado morte a muitos sacerdotes em várias ocasiões, pagará
137 libras e seis xelins, pelo primeiro assassinato, e a metade pelos seguintes”.
Porém, mais sério que o assassinato, a violação e o infanticídio, era o crime atroz da
heresia, ou seja, manter idéias diferentes às da igreja oficial. Inclusive se um hereje
se convertia, ele ou ela deviam pagar ainda a soma de 269 libras, enquanto que o
“filho de um hereje que tivesse sido queimado, enforcado ou qualquer outra forma de
execução, não podia ser reabilitado exceto se pagasse 218 libras, 16 xelins e nove
centavos”.
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A lista continua com fraude, contrabando, inadimplência às dívidas, comer carne nos
dias sagrados, filhos bastardos de sacerdotes que desejem tomar os hábitos sagrados
e, inclusive, eunucos que desejem se converter em sacerdotes (no ponto 33, está
registrado que estes tinham de pagar 310 libras e 16 xelins).
A religião e a revolução
Em todos os países, e através dos séculos, a igreja se colocou ao lado dos opressores
frente aos oprimidos. Os latifundiários ingleses trabalhavam em estreita colaboração
com os pregadores protestantes. Em França, Espanha e Itália, os sacerdotes eram os
servidores mais abjetos dos latifundiários e, depois, dos capitalistas. Contudo,
freqüentemente as contradições de classe da sociedade se expressaram através de
um disfarce religioso e isto não deve surpreender a quem está familiarizado com o
materialismo histórico.
Com relação a este tema, Trotsky escrevia o seguinte: “As idéias religiosas, como as
demais, nascem no terreno das condições materiais da vida, ou seja, antes de tudo no
terreno dos antagonismos de classe, somente pouco a pouco abrem o caminho,
sobrevivem, devido ao conservadorismo, às necessidades que as engendrou e não
desaparecem senão em conseqüência de choques e sérias perturbações” (Trotsky.
Adonde va Inglaterra?. Argentina. El Yunque editora. 1974. p. 192).
Na revolução russa, as coisas ficaram ainda mais claras. Embora a classe operária
russa tenha entrado no cenário da história, em janeiro de 1905, sob a liderança de um
padre e conduzindo ícones religiosos, tudo isto desapareceu rapidamente depois do
massacre de nove de janeiro, quando o czar cristão ordenou a seus cossacos abrir
fogo contra o povo desarmado que tinha ido apresentar-lhe uma petição. A partir
deste momento, a religião não mais desempenhou qualquer papel no movimento, que
esteve organizado e dirigido pelos marxistas. Após a vitória da revolução de outubro,
o colapso da influência eclesiástica foi inclusive mais rápido e mais completo do que
em França.
“A igreja ortodoxa russa se convertia mais uma vez, sem chegar a se sobrepor à
mitologia do cristianismo primitivo, em um aparelho burocrático paralelo ao do
czarismo. O ‘pope’ marchava ao lado do latifundiário e respondia com medidas de
repressão a qualquer movimento cismático. Por tal razão, revelaram-se tão débeis,
sobretudo nos centros industriais, as raízes da igreja ortodoxa russa. Separados do
aparelho burocrático da igreja, os operários russos, em sua grande maioria, assim
como a jovem geração camponesa, afastaram com o mesmo golpe a religião”
(Trotsky. Ibid. Pp. 190-191).
A igreja e o socialismo
“Os socialistas, depois de excitar nos pobres o ódio aos ricos, pretendem que seja
necessário acabar com a propriedade privada e substituí-la pela coletiva, em que os
bens de cada um sejam comuns a todos, atendendo a sua conservação e distribuição
os que comandam o município ou têm o governo geral do Estado. Passados assim os
bens das mãos dos particulares às da comunidade e repartidos por igual os bens e
seus produtos, entre todos os cidadãos, acreditam eles que podem curar radicalmente
o mal que existe hoje... Se um homem aluga outro, sua força ou seu engenho, ele o
faz para receber em troca os meios de subsistência, com a intenção de adquirir um
direito real, não simplesmente o seu salário, mas também para se libertar dele.
Investiria este salário em terra e isso é somente o seu salário de outra forma...
“Precisamente nisto consiste, como facilmente todos entendem, o domínio dos bens,
móveis e imóveis. Portanto, ao tornar comum toda a propriedade particular, os
socialistas pioram a condição dos operários porque, ao tirar-lhes a liberdade de
empregar os seus salários como queiram, por eles mesmos, tiram-lhes o direito e até
a esperança de aumentar o patrimônio doméstico e de melhorar com o seu uso seu
próprio estado. Os socialistas... atacam a liberdade de cada assalariado, para privá-los
da liberdade de dispor de seus salários. Cada homem tem, pela lei da natureza, o
direito de possuir propriedade para si mesmo...
“Deve ser dentro deste direito de suas próprias coisas, não simplesmente para uso do
momento, não simplesmente as coisas que perecem com seu uso, mas aquelas coisas
cujo uso é permanente e estável.
O papa Leão XIII também escreveu: “A democracia cristã, pelo simples fato de ser
cristã, deixa-se basear nos princípios da fé divina (...) Por isso, a justiça da
democracia cristã é sagrada. O direito de adquirir e possuir propriedades não pode ser
contradito e devem ser salvaguardados os diferentes graus e distinções que são
indispensáveis em cada comunidade bem organizada. É evidente, portanto, que não
há nada em comum entre a social-democracia e a democracia cristã. As duas diferem
entre si como a seita do socialismo difere da Igreja de Cristo”.
James Connoly, esse grande marxista irlandês e mártir revolucionário, cujas polêmicas
com a Igreja católica são declarações clássicas de socialismo, comentava o seguinte:
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“Se um dos meninos das escolas públicas não se comportasse, o mais esperado é que
permanecesse no assento de sua carteira até que terminasse seus dias de escola.
Imaginem a um sacerdote que defende o sistema de arrendamento de terras como o
padre Kane e o papa, dizendo: ‘O homem que cultivou a terra durante o inverno e a
primavera tem o direito de ficar com o que ganhou de sua própria colheita’, e imagina
que esta apresentando um argumento contra o socialismo. Os socialistas não
defendem a interferência no direito de um homem a ‘ficar com o que ganhou’;
ademais, insistem enfaticamente em que a esse homem, camponês ou trabalhador,
não se lhe deveria obrigar a entregar nenhuma parte do ‘que ganhou’ a uma classe
ociosa cujos membros ‘não fazem nenhum esforço’, e que conseguiram ficar donos da
propriedade da nação através da força impiedosa, o espólio e a fraude” (J. Connoly.
Selected Writings. pp. 78-9).
A postura de Pio XII é a mesma do antigo hino anglicano Todas as coisas brilhantes e
maravilhosas, que contém as bem conhecidas linhas:
A Igreja hoje
“Não se considera correto apelar aos tribunais quando alguém te prejudicou? Mas o
apóstolo considera que é um erro. Ofereces tua face direita quando te golpeiam a
esquerda ou respondes ao ataque? O evangelho o proíbe (...) Por acaso a maioria dos
procedimentos judiciais e a lei não estão relacionados com a propriedade? Mas dizeis
que vosso tesouro não é deste mundo” (Marx e Engels. On religion. P. 35).
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contra os pobres. Hoje, as principais igrejas são instituições muito ricas, tanto nos
países muçulmanos quanto nos cristãos.
Na história das idéias a igreja sempre desempenhou o papel mais reacionário. Galileu
Galilei teve que se retratar de suas idéias diante das ameaças da Santa Inquisição.
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Giordano Bruno foi queimado na fogueira. Charles Darwin foi acossado sem piedade
pelo establishment religioso na Inglaterra por atrever-se a desafiar a idéia de que
Deus criou o mundo em seis dias.
Atualmente a teoria da evolução também recebe ataques da direita religiosa dos EUA.
A direita religiosa nos EUA é um movimento bem financiado que defende as causas
reacionárias. Há alguns anos, Nelson Bunker Hunt, o magnata do petróleo do Texas,
doou “mais de 10 milhões de dólares do bilhão de dólares obtidos pela Crusade
Campus for Christ. A Fundação Cristã para a Liberdade, um ‘lobby educativo’, foi
fundada por J. Howard Pew – fundador da Sun Oil Company – e outros empresários
que defendem o sistema de livre empresa”. Há muitos outros exemplos que
demonstram a estreita relação que existe entre a direita religiosa e as grandes
empresas. Estes ricos empresários não investem estas quantidades de dinheiro para
nada. A religião é utilizada como uma arma da reação.
Lênin e a religião
Engels em seu prefácio ao A Guerra Civil em França dizia que: “com relação ao
estado, a religião é um assunto puramente privado”. Lênin escrevia em 1905: “O
estado não deve ter nada a ver com a religião, as associações religiosas não devem
estar vinculadas ao poder do estado. Toda pessoa deve ter plena liberdade de
professar a religião que prefira ou de não reconhecer nenhuma, ou seja, de ser ateu,
como o é habitualmente todo socialista” (Lênin. Acerca de la religión. Moscou. Editora
Progresso. p. 6).
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Contudo, com relação ao partido, Lênin assinalava que Engels recomendava que o
partido revolucionário deveria lutar contra a religião: “O partido do proletariado exige
do estado que declare a religião um assunto privado, mas não considera, nem um
pouco, ‘assunto privado’ a luta contra o ópio do povo, a luta contra as superstições
religiosas etc. Os oportunistas tergiversam a questão como se o Partido Social-
democrata considerasse a religião um assunto privado!” (Ibid. pp. 25-25).
Como vimos em 1905, a classe operária russa entrou no cenário da história com um
sacerdote à cabeça, portando em suas mãos ícones religiosos e uma petição ao czar –
o “paizinho de todos os russos”. Desconfiavam dos revolucionários e, inclusive em
alguma ocasiões, deram-lhes surras. Mas tudo isso mudou em vinte e quatro horas
depois do massacre de nove de janeiro. Os mesmos trabalhadores, na noite de nove
de janeiro, converteram-se em revolucionários e exigiram armas. Assim é como a
consciência pode mudar rapidamente no fragor dos acontecimentos!
A posição flexível de Lênin pode ser comprovada quando combatia a atitude sectária
contra aqueles trabalhadores que eram religiosos, mas que participavam das greves.
‘Em tal momento e em semelhante situação [isto é, uma greve], o pregador do
ateísmo somente favoreceria à igreja e aos padres, que desejam unicamente
substituir a divisão dos operários em grevistas e não grevistas pela divisão em crentes
e ateus” (Ibid. p. 24).
Aqui está o ponto central da questão. Lutamos pela unidade das organizações
operárias acima de todas as divisões: religiosas, nacionais, lingüísticas ou raciais.
Nossa tarefa é a de unir a todos os oprimidos e explorados em um só exército contra a
burguesia.
Para os marxistas, o ateísmo nunca foi uma parte do programa do partido. Este
disparate sempre caracterizou o anarquismo. Com freqüência, um trabalhador que
ainda é crente aproxima-se do movimento, convencido de seu programa geral e
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entusiasmado com a luta pelo socialismo, mas que não está disposto a renunciar à
religião. Que atitude deveríamos adotar? É claro que não o afastaremos. Este
trabalhador não deseja unir-se ao movimento para ganhar conversos à religião, mas
para lutar contra o capitalismo. Provavelmente chegará um momento em que verá a
contradição entre a sua política e as suas crenças religiosas e, aos poucos,
abandonará a religião. Mas é uma questão delicada e não há que forçá-la. Como
explicou Lênin: “Somos inimigos incondicionais da menor ofensa as suas crenças
religiosas” (Ibid. p. 24).
O futuro da religião
Qual será o futuro da religião? Sobre esta questão, de imediato, haverá uma profunda
diferença de opinião entre os marxistas e os cristãos e demais religiões.
Naturalmente, não é possível olhar para o futuro através de uma bola de cristal, mas
é possível dizer o seguinte. Embora, a partir de um ponto de vista filosófico, o
marxismo seja incompatível com a religião, sobra dizer que nos opomos a qualquer
tentativa de proibir ou reprimir a religião. Lutamos pela liberdade completa do
indivíduo de ter sua própria crença religiosa ou nenhuma.
O que devemos dizer é que deve haver uma separação radical entre igreja e estado.
As igrejas não devem ser apoiadas direta ou indiretamente pelos impostos, nem
tampouco se deve ensinar a religião nas escolas. Se a pessoa quer religião, esta deve
ser aprendida exclusivamente nas igrejas através das contribuições da congregação e
pregar suas doutrinas em seu espaço próprio. As mesmas observações são boas para
o Islã ou qualquer outra religião.
No que nos diz respeito, o diálogo sobre a religião continuará, mas isto não deve
obscurecer o problema fundamental de nossa época. Nossa principal tarefa é a de unir
na luta todos aqueles que desejam por fim à ditadura do Capital, que mantém a raça
humana numa situação de escravidão. O socialismo permitirá o livre desenvolvimento
dos seres humanos, sem a restrição das necessidades materiais.
Durante séculos, a religião organizada tem sido utilizada pelos exploradores para
enganar e escravizar as massas. Periodicamente, têm explodido rebeliões contra esta
situação. A partir da Idade Média até os nossos dias, têm-se levantado vozes de
protesto contra a subordinação da igreja aos ricos e poderosos. Também vemos isto
na atualidade. O sofrimento dos trabalhadores e camponeses, o martírio da raça
humana sob o infame despotismo do Capital, está provocando indignação entre
amplas camadas da população. Muitos deles não estão ao corrente da filosofia do
marxismo, mas desejam lutar contra a injustiça e a exploração. Entre estes há muitos
cristãos honestos e inclusive padres dos escalões mais baixos, que diariamente
presenciam os sofrimentos das massas.
Camilo Torres, antigo sacerdote colombiano, disse uma vez: “Pendurei o hábito de
sacerdote para me converter em um verdadeiro sacerdote. O dever de todo católico é
o de ser um revolucionário; o dever de todo revolucionário é o de levar adiante a
revolução. O católico que não é um revolucionário vive em pecado mortal”.
Embora nos últimos anos a religião organizada tenha perdido terreno, as idéias
religiosas têm ressurgido através de um conjunto de seitas e cultos desconcertantes.
Alguns oferecem um “estilo de vida alternativo”. Algumas vezes refletindo a crescente
insatisfação no seio de camadas de jovens com o sistema capitalista, com sua
perspectiva da vida desumana e desalmada, com a vã comercialização de todos os
aspectos da existência, com o cru materialismo, a deterioração do meio ambiente etc.,
pode representar o primeiro passo em direção à consciência. Mas, depois, começa o
problema. Não basta rechaçar o capitalismo; é necessário dar passos concretos para
aboli-lo.
Para esconder sua nudez, os pregadores da Nova Era apresentam-se com valores
espirituais especiais – é o que imaginam! – que lhes poderiam colocar à margem dos
“comuns” mortais e em linha de comunicação direta com as coisas sobrenaturais que
ultrapassam toda compreensão. Sentem-se superiores ao resto da humanidade que
não são confidentes destes grandes mistérios.
Na realidade, estas idéias não são superiores ao pensamento dos mortais normais;
pelo contrário, são inferiores. A primeira regra para quem deseje mudar a sociedade é
a de compreendê-la e a de viver nela. Ao tentar dar as costas à sociedade, a única
coisa que se consegue é converter-se em algo impotente diante da ordem existente e
renunciar eternamente, sem esperança, irrevogavelmente, a toda possibilidade de
transformá-la. Por este caminho não há alternativa e somente mais do mesmo, para
sempre.
A causa destes horrores não é a religião em si mesma, como poderia tentar defender
um observador superficial, mas os crimes do capitalismo e do imperialismo, que
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devastam países inteiros e comunidades e destroem o tecido social e da família sem
por nada em seu lugar. Diante do temor ao futuro e o desespero pelo presente, as
pessoas procuram o consolo das chamadas “verdades eternas” de um passado não
existente. A ascensão do chamado fundamentalismo religioso é somente a expressão
concreta do beco sem saída da sociedade, que leva as pessoas ao desespero e à
loucura. Mas, como vemos no Irã e no Afeganistão, as promessas de um paraíso
religioso acima da terra é um sonho vazio que somente leva a um pesadelo.
A religião não pode explicar nada do que está acontecendo hoje no mundo. Seu papel
não é o de explicar, mas o de controlar as massas com sonhos e untá-las com o
bálsamo de uma falsa promessa. Mas as pessoas sempre despertam dos sonhos, e os
efeitos do bálsamo mais eficiente logo desaparecem. A condição prévia para
ganharmos nossa liberdade como seres humanos é a de romper radicalmente com os
sonhos e ver o mundo e a nós mesmos tal como somos: mortais em luta por uma
existência de seres humanos sobre esta terra.
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Por um paraíso neste mundo!
“Se tivesse de começar tudo de novo, trataria, é claro, de evitar tal ou qual erro, mas
no fundamental minha vida seria a mesma. Morrerei sendo um revolucionário
proletário, um marxista, um materialista dialético e, em conseqüência, um ateu
irreconciliável. Minha fé no futuro comunista da humanidade não é hoje menos
ardente, embora seja sim mais firme, que na juventude... Esta fé no homem e no seu
futuro dá-me ainda agora uma capacidade de resistência que nenhuma religião pode
outorgar” (Trotsky. Escritos. Bogotá. Editorial Pluma. 1976. Tomo XI. Volume 1. pp.
216-7).
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22 de julho de 2001.
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“A teoria se
transforma em
força material
quando penetra
nas massas”
Karl Marx
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