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TEXTOS DE APOIO DE MEDICINA LEGAL E CIÊNCIAS FORENSES

INTRODUÇÃO À MEDICINA LEGAL E OUTRAS CIÊNCIAS FORENSES

Teresa Magalhães & Diogo Pinto da Costa


Faculdade de Medicina da Universidade do Porto
Instituto Universitário de Ciências da Saúde - CESPU

Índice
1. Medicina legal e ciência forenses
2. Perícias médicas e forenses. Prova pericial
3. Estatuto do perito
4. A atividade pericial médico-legal e forense nos serviços públicos e privados em Portugal
4.1. Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.
4.2. Serviços de criminalística e de polícia técnica dos órgãos de polícia criminal
4.3. Serviços privados
5. Legislação

1. Medicina legal e ciências forenses

As ciências forenses constituem o conjunto de ciências e técnicas utilizadas para prestar


esclarecimentos sobre factos que possam ser (ou vir a ser) apreciados a nível judiciário e/ou judicial.
Caracterizam-se, essencialmente, por utilizarem procedimentos técnico-científicos de carácter
pericial, com fins probatórios, através da pesquisa e da exploração científica dos indícios, na
sequência da prática de um ilícito criminal ou por motivos de índole civil, no âmbito ou para efeito de
um (eventual) processo judiciário ou judicial. Mas é em sede criminal que as ciências forenses
assumem maior expressão, pela especial natureza das questões em apreciação, designadamente por
dizerem respeito a violações reconhecidamente gravosas de direitos fundamentais das pessoas.
Atualmente, e com especial enfoque na investigação criminal, existem distintas áreas
disciplinares, tais como:
1. Antropologia forense;
2. Balística forense;
3. Biologia forense;
4. Biomecânica forense;
5. Botânica forense;

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6. Clínica forense;
7. Documentoscopia e grafotecnia;
8. Enfermagem forense;
9. Entomologia forense;
10. Exame da cena do crime;
11. Física forense;
12. Fotografia forense;
13. Genética forense;
14. Geologia forense;
15. Imagiologia forense;
16. Informática forense;
17. Investigação forense dos padrões de manchas;
18. Investigação forense em fogos e explosivos;
19. Linguística forense;
20. Lofoscopia;
21. Medicina dentária forense;
22. Palinologia forense;
23. Patologia forense;
24. Pedologia forense;
25. Psicologia forense;
26. Psiquiatria forense;
27. Química forense;
28. Serviço social forense;
29. Toxicologia forense.

A medicina legal inclui um vasto leque de serviços situados na confluência da prática médica
com o Direito. De uma forma genérica, esta compreende áreas bem diversificadas, entre as quais se
consideram duas fundamentais: (a) Clínica forense: inclui a clínica médico-legal (e.g., perícias de
avaliação do dano corporal, perícias de natureza sexual) e a psiquiatria forense; (b) Patologia
forense: inclui a tanatologia forense (e.g., autópsias) e a anatomia patológica forense. Constitui uma
especialidade médica à qual compete a aplicação dos conhecimentos e metodologias médicas à
resolução de questões que se possam revestir de natureza legal e/ou social. Desta forma, considera-
se que como ciência que se integra no âmbito da medicina social, lhe cabe não só o diagnóstico dos

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casos que são colocados à sua apreciação, mas, também, a contribuição, através da perícia, para o
tratamento das situações de conflito e de vitimização, e muito particularmente, para a sua prevenção,
bem como para reabilitação e reintegração social das vítimas. Efetivamente, esta especialidade
preocupa-se, também, com a assistência médico-sócio-jurídica de modo a promover não só a
garantia de certos princípios mas, também, a melhor aplicação das normas legais relativamente à
normalidade das relações sociais e à proteção dos direitos individuais e coletivos.
O objetivo geral e estruturante da medicina legal é contribuir para auxiliar a resolução dos
casos em que é chamada a intervir, de forma justiça, através da prestação de serviços periciais. Além
desta função pericial, inclui, também, uma vertente ligada à investigação científica e à formação,
áreas fundamentais enquanto alicerce do desenvolvimento da qualidade pericial. Podem, pois,
distinguir-se na prática médico-legal quatro grupos fundamentais de atividades:
a) Atividade pericial, que tem como objetivo o esclarecimento de casos que estão (ou podem
vir a estar) sob a alçada da Justiça, no sentido da produção da prova científica;
b) Atividade assistencial (no caso da medicina legal, psicologia e serviço social forenses,
entre outros), que engloba: (1) a orientação clínica, social e legal de vítimas de violência,
avaliando o perigo e o risco em que as mesmas se encontrem (risco de morte por suicídio,
homicídio ou acidente e risco de recidiva), bem como o risco de outras possíveis ou
potenciais vítimas (na família ou de proximidade), e encaminhando corretamente os casos;
(2) o acolhimento das vítimas mortais na sequência de situações de violência, e o apoio e
orientação clínica, social e legal aos seus familiares;
c) Atividade de investigação, que tem como objetivo procurar novas evidências (e.g.,
clínicas, biológicas, químicas, psicológicas ou sociológicas), que permitam a atualização de
técnicas e procedimentos, de forma a garantir a qualidade dos serviços prestados, quer do
ponto de vista científico, quer no que à articulação com os novos desenvolvimentos do
Direito diz respeito; pretende-se, ainda, trabalhar as questões ligadas à prevenção da
violência intencional e não intencional.
d) Atividade de formação, que compreende dois níveis: (1) a formação especializada de
profissionais forenses (e.g., médicos, psicólogos, técnicos de diagnóstico e terapêutica); (2)
a formação dirigida a profissionais de outras áreas que se poderão confrontar no decurso
da sua atividade profissional com questões do foro médico-legal e forense, necessitando
por isso de uma formação de base nesta área, não apenas para garantir a melhor
compreensão e interpretação dos casos mas, também, para com isso promover a
articulação com os diversos serviços forenses (e.g., Órgãos de Polícia Criminal, Ministério

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Público, tribunais, Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses); esta


articulação é fundamental para garantir a abordagem multidisciplinar necessária em muitos
dos casos que podem estar em causa.

A metodologia da intervenção médico-legal e forense assenta na avaliação/exame


(observação, descrição, documentação, colheitas, exames complementares de diagnóstico e
informação, no caso da medicina legal, seja in vivo ou postmortem; exame laboratorial, no caso da
maioria das restantes ciências forenses) e interpretação científica dos achados/resultados. Ou seja,
existem dois momentos fundamentais na perícia médico-legal ou forense: (a) o exame, caracterizado,
pela observação, descrição e documentação rigorosas dos achados; (b) a perícia (propriamente dita),
caracterizada pela interpretação da observação feita, conjugada com a demais informação que se
obtenha, que pode determinar uma conclusão, após discussão do caso (e.g., nexo de causalidade
entre o facto e o resultado). No entanto, de acordo com o tipo de caso e com o seu específico
enquadramento legal, podem e devem ser usadas metodologias próprias, tendo como objetivo não só
promover o diagnóstico (“O quê?”), mas também esclarecer sobre as circunstâncias que rodearam o
evento (“Quem?”, “Quando?”, “Onde?”, “Porquê?”, “Como?”).
Historicamente, a Medicina Legal, inovando o tradicional e exclusivo papel da medicina que
era o de prestar cuidados de saúde às pessoas doentes ou traumatizadas, surge como ramo
diferenciado da medicina, dando expressão à valorização das implicações de natureza legal
decorrentes da prática de crimes (e.g., contra a vida, a integridade física, a liberdade e a
autodeterminação sexual) ou da ocorrência de acidentes, entre outros. Entretanto, fruto das
mudanças sociais, económicas e políticas que se operaram no último século na nossa sociedade,
alterou-se a abrangência mas, sobretudo, a complexidade da prática da medicina legal (bem como
das restantes ciências forenses), tanto na perspetiva técnica, como no que se refere ao seu papel
social. Entre estas mudanças destacam-se:
a) O aumento da frequência e gravidade da violência voluntária (e.g., agressões, abusos,
crimes sexuais) e involuntária (acidentes) - ambas associadas a novos mecanismos para
a sua produção -, que está na origem de inúmeras situações simultaneamente médicas e
legais;
b) O posicionamento do Direito e da lei face à tomada de consciência sobre os direitos
humanos, passando-se a criminalizar muitos comportamentos até há pouco tolerados ou
socialmente aceites e não punidos legalmente (e.g., violência doméstica, bulying), aspeto
que se associa à realização de perícias nestes novos casos;

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c) O desenvolvimento da ciência médica, designadamente a nível dos cuidados de


emergência, que permite, cada vez mais, a sobrevida de pessoas à custa de sequelas
muito graves (e.g., caso dos traumatizados crânio-encefálicos e vertebro-medulares
severos);
d) A noção mais abrangente de saúde e do papel social do médico e da medicina, bem
como a humanização dos serviços, gerando modificações no que se considera
consequência de um trauma ou doença (passando-se a considerar as repercussões
psicossociais, a qualidade de vida ou o projeto de vida), bem como nos modelos de
atuação (designadamente na comunicação com a vítima e na sua avaliação
tridimensional);
e) O desenvolvimento da ciência médica a nível tecnológico, a par com as atuais exigências
a nível da Qualidade, obrigando a repensar, em cada dia, as melhores práticas (e.g., a
melhor solução para a reabilitação, readaptação e reintegração das pessoas com danos;
os melhores exames complementares de diagnóstico para o caso concreto);
f) O alargamento dos cuidados de saúde a toda a população e a extensão desses cuidados
não só às ações assistenciais curativas ou paliativas mas, também, às ações de
prevenção da violência e do risco de vitimização, surgindo a necessidade de desenvolver
programas de prevenção fundamentados em estudos cientificamente aprofundados sobre
este fenómeno.

Estes e outros factos têm levado a que os médicos, bem como outros profissionais, sobretudo
das ciências biológicas, sejam cada vez mais, chamados a examinar e a pronunciar-se sobre
situações muito variadas e por vezes de grande complexidade, relacionadas, ou passíveis de se
virem a relacionar, com questões de Direito, seja no âmbito Penal, Civil, do Trabalho, Administrativo
ou da Família e Menores. Estas situações podem incluir, por exemplo, o estudo de casos mortais ou
não mortais em situações de violência física ou sexual (e.g., colheita de vestígios; diagnóstico
diferencial entre uma etiologia criminosa, acidental ou natural; determinação do nexo de causalidade
entre o facto e as consequências observadas; definição das consequências temporárias e
permanentes para a vítima), a avaliação do estado de toxicodependência ou de saúde, a
determinação do sexo ou da idade, ou a identificação de pessoas, corpos ou restos cadavéricos,
entre outros. Esta complexidade e variedade de temas, que exigem uma formação especializada de
quem com eles trabalha, terá estado na deteção da necessidade de se transformar a medicina legal
numa especialidade médica, capaz de formar e habilitar profissionais para o cumprimento de tarefas

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que exigem, além de conhecimentos e capacidades técnicas muito específicas, um grande rigor
científico, uma atualização permanente e uma elevada capacidade de isenção e imparcialidade, de
forma a não colocar em risco o interesse público, os direitos individuais dos cidadãos e a boa
administração da justiça.
Efetivamente, o efeito das perícias e pareceres médico-legais a nível do sistema judicial não
pode ser menosprezado, podendo significar a diferença entre uma sentença certa e justa e uma
sentença errada e injusta (e no domínio penal pode significar a diferença entre a punição de um
inocente e a incolumidade de um criminoso), ou ainda entre uma indemnização adequada ou uma
injustamente atribuída.
Assim, a medicina legal confronta-se, atualmente, com exigências cada vez mais difíceis
relativamente à atividade probatória de cariz científico. Trata-se de uma ciência em constante
expansão, o que implica que as suas matérias e métodos se adaptem às novas tecnologias, às
descobertas científicas e, também, às mudanças sociais e do Direito. O seu posicionamento
privilegiado entre as ciências biológicas e o Direito confere-lhe uma perspetiva transdisciplinar
fundamental para a resolução de questões que tocam a pessoa, enquanto cidadão, em todos os
domínios do seu ser. Assim, no seu quotidiano, a medicina legal faz apelo às ciências e tecnologias
não médicas, bem como às ciências sociais, mas também a todas as outras especialidades médias e,
muito particularmente, às restantes ciências forenses (sobretudo à toxicologia, genética, psicologia,
medicina dentária e antropologia forenses).
A atividade pericial confere aos especialistas de medicina legal uma particular sensibilidade na
abordagem e estudo das vítimas de violência, colocando-os numa posição privilegiada para a
compreensão do processo de vitimização e, sobretudo, das suas consequências. Isto porque, no que
se refere às vítimas não mortais, a medicina legal pode encontrá-las em duas ocasiões distintas:
numa avaliação inicial, pouco depois do facto vitimizante (estado peri ou pós-traumático recente, no
qual a vítima apresenta ainda lesões e começa a exprimir o seu sofrimento), e no momento da perícia
médico-legal final (após a estabilização das sequelas e, em geral, após a alta clínica); é neste
segundo momento que a vítima evidencia as consequências permanentes, não só a nível do corpo
mas, também, das suas capacidades, situações de vida e subjetividade, pelo que este se reveste de
uma função reparadora particularmente importante. No que se refere aos casos mortais, através do
exame do local e autópsia médico-legal, por um lado, e do contacto com os familiares da vítima, por
outro, o especialista de medicina legal tem a possibilidade de observar e compreender as
consequências da violência fatal em toda a sua magnitude. O confronto com as interrogações, perdas
e sofrimento dos outros é complexo; implica tempo, disponibilidade e preparação específica dos

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profissionais forenses, mas é demonstrativo da elevada dimensão humana da medicina legal.


Compreende-se, pois, que o objeto da intervenção da medicina legal seja a pessoa,
geralmente a pessoa lesada, sendo cada vez mais variados os tipos e gravidade dos eventos
potencialmente geradores de um dano. Num grande número de casos, estes estão relacionados com
ações intencionais por parte de terceiros ou do próprio, mas noutros, associam-se a situações de
carácter acidental (da responsabilidade de terceiros ou de força maior) (Tabela 1). Estas situações
podem originar vítimas mortais e não mortais, diretas e indiretas.

Tabela 1. Vítimas de violência na perspetiva médico-legal

De forma muito resumida, compete a um especialista em medicina legal, entre outros:


a) Identificar e caracterizar danos físicos, psicológicos e sociais (tipo, características,
frequência e causas) e proceder à sua interpretação;
b) Selecionar, preservar, colher e acondicionar vestígios;
c) Determinar a relação entre evento, lesões e sequelas (nexo de causalidade);
d) Identificar, caracterizar e avaliar as consequências permanentes das lesões, ou seja as
sequelas ou afetação do corpo, capacidades e situações da vida diária (participação);
e) Determinar a relação entre consequências físicas, psicológicas e sociais;
f) Esclarecer sobre a forma como as lesões e traumatismos podem afetar de maneira
particular o desenvolvimento físico e psicológico das crianças e adolescentes, ou a
independência e autonomia de uma pessoa, particularmente no caso das pessoas idosas;
g) Identificar e despistar vítimas potenciais;
h) Articular-se com os profissionais das outras ciências forenses para melhor esclarecer e
estudar os casos (e.g., identificar vestígios encontrados num corpo através de estudos de

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DNA, determinar a alcoolémia ou concentração de outras drogas numa morte suspeita,


estudar um projétil de arma de fogo numa suspeita de homicídio);
i) Colaborar nos procedimentos seguidos na investigação de crimes contra pessoas;
j) Trabalhar em conjunto com os serviços médicos em geral, bem como com outros serviços
de apoio a vítimas, tendo em vista orientar o tratamento, reabilitação / reintegração e
proteção das mesmas;
k) Compreender e atender às questões éticas e legais levantadas pela prática médico-legal;
l) Cooperar nas ações de prevenção da violência e promoção de estratégias de segurança,
no melhor interesse das vítimas.
m) Apresentar ao sistema de justiça, ou a outra entidade requisitante, de forma clara, o
resultado das perícias efetuadas, através de relatórios médico-legais objetivos, bem
sistematizados, independentes e imparciais.

De acordo com os conceitos de ciências forenses e de medicina legal atrás descritos, as


perícias (efetivadas geralmente na forma de relatório pericial) relativas à área da medicina legal (ou
medicina forense), designam-se perícias médico-legais (ou médico-forenses) por dizerem respeito a
áreas disciplinares próprias do exercício da profissão médica, enquanto as perícias relativas às áreas
das restantes ciências forenses recebem a designação de perícias forenses.

2. PERÍCIAS MÉDICAS E FORENSES. PROVA PERICIAL

Geralmente, na base da realização de uma perícia médico-legal e forense está a resposta


social a um conflito ou a uma violação de direitos, que se expressa através dos mecanismos formais
próprios de um Estado de Direito democrático, alicerçando-se na produção da prova perante um
tribunal que a aprecia de acordo com a lei processual aplicável. A prova constitui, aliás, a pedra de
toque da administração da justiça, pois quando se discute a prática de um facto é a prova produzida
que determina o sentido das decisões das autoridades judiciárias e judiciais que se têm de pronunciar
sobre a existência daquele, sobre o seu autor e a responsabilidade deste.
Relativamente a factos cuja apreciação exige do Ministério Público ou do julgador especiais
conhecimentos, para além dos conhecimentos jurídicos e das regras gerais da experiência da vida,
impondo-se uma intervenção de terceiros especializados em determinada área - os peritos -, a
questão da prova assume especial importância.

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A perícia constitui, pois, um meio de prova relativamente a determinados factos e tem, por
isso mesmo, uma função exclusivamente processual. Assim, por regra, para valer com tal, deve ser
organizada e produzida no próprio processo em que se utiliza, e nos termos das normas processuais
que regulam a sua realização. Quando se trata de factos ou de situações que envolvam a saúde ou a
vida de pessoas (vivas ou mortas), está-se frequentemente perante casos em que a resposta do
sistema de administração da justiça reclama a apreciação especializada dos mesmos, por estes
dizerem respeito a questões médicas (frequentemente numa perspetiva biopsicossocial). Entra-se,
neste caso, no domínio da prova pericial médico-legal. Nos outros casos, pode usar-se a expressão
prova pericial forense.
A prova pericial é um dos meios admitidos pelo sistema de administração da justiça civil
(Secção IV, Capítulo III, Subtítulo I, Título II, Livro III do CPC) e penal, (Capítulo VI, Livro III, do CPP,
o qual distingue a perícia, que coloca no Título II - que trata dos meios de prova -, dos exames, que
regula como meios de obtenção de prova, no Título III, Capítulo I).
Assim, a intervenção pericial médico-legal e forense, enquanto atividade probatória, engloba,
como já referido, dois momentos que se podem autonomizar e que correspondem à realização de
exames e de perícias. Os exames constituem observações, cientificamente efetuadas e são um meio
de obtenção de prova que diz respeito à recolha e análise dos vestígios materiais e outros achados,
eventualmente relevantes para a determinação da prática de um facto e do circunstancionalismo
espácio-temporal que o rodeou. A perícia, por seu turno, é uma atividade de interpretação de factos a
provar, consistindo na aplicação de métodos técnico-científicos na análise dos vestígios recolhidos e
de outros achados, através do exame, traduzindo um juízo, uma elaboração mental mediante a qual o
perito descobre ou aprecia os factos probandos.
A prova pericial apresenta-se sob a forma de um relatório pericial onde se descreve o
resultado do, ou dos, exames efetuados e se interpreta esses resultados, elaborando-se uma
conclusão devidamente fundamentada. O relatório deverá obedecer a normas específicas de maneira
a satisfazer cabalmente os objetivos a que se destina dependendo, tal, do âmbito do direito em que
tem lugar. Deve apresentar uma descrição clara, objetiva, pormenorizada e sistematizada das
observações feitas e a indicação das fontes da informação; os conceitos usados devem ser definidos
e os tempos verbais adequados à realidade do caso e rigor das informações; a valorização e
interpretação dos achados deve ser isenta e imparcial, identificando-se os tipos/métodos de
instrumentos utilizados.
A função do perito é dar resposta ao objeto da perícia (à questão ou ao pedido de
esclarecimento apresentado pela entidade requisitante), de forma imparcial e objetiva, e traduzir a

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sua complexidade por palavras simples para que juristas e outros profissionais a possam apreciar
sobre bases concretas, de modo a que a decisão (judicial ou extrajudicial) seja adequada. É ele o
responsável pela elaboração do relatório pericial (no qual deverá integrar as eventuais opiniões de
outros especialistas).
A definição da metodologia de exame e do relatório pericial implica a articulação de algumas
questões, como: (a) o objeto da perícia; (b) a linguagem e os conceitos usados, bem como a nomina
anatómica; (c) as guidelines e os modelos de relatórios periciais (visando reduzir as disparidades na
apreciação pericial, por vezes na origem de situações de injustiça social).
A obtenção da prova pericial médico-legal e forense está condicionada pela organização dos
serviços especializados que realizam as perícias e, sobretudo no domínio penal, pela articulação com
as restantes instâncias formais de controlo (atendendo à especificidade dos atos cautelares urgentes
para deteção e recolha dos vestígios do crime). Mas, independentemente das vicissitudes inerentes
às formas da sua concreta obtenção, a prova pericial assume fundamental importância enquanto
meio de materialização da prova e de lhe conferir credibilidade.
No âmbito civil (no processo civil), a força probatória das respostas dos peritos é fixada
livremente pelo tribunal (cf. o art. 389º do Código Civil) – vigora aqui, sem exceções, o princípio da
prova livre. Por igual, é afirmado no processo civil, a propósito do valor das perícias, o princípio da
livre apreciação da prova pelo tribunal (art. 489º do Código de Processo Civil).
Já no domínio penal, não se passa o mesmo: o juízo técnico e científico inerente à prova
pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador. Quando a convicção deste divergir do
juízo contido no parecer dos peritos, deve o mesmo fundamentar tal divergência através de uma
crítica igualmente material e científica (art. 163º do Código de Processo Penal). Pode ainda,
eventualmente, a posição dos peritos ser questionável pela sua falta de clareza, tornando inútil o seu
testemunho. O juízo pericial não tem, pois, um valor probatório pleno, mas um valor presuntivamente
pleno – presunção que pode ceder perante uma impugnação judicial ou uma contraprova. Ora,
sendo a contribuição da perícia médico-legal, no domínio penal, fornecer à autoridade judiciária
indicações quanto ao caminho a seguir em termos de investigação criminal e de fundamentação da
decisão, tais indicações revelam-se preciosas, atento o valor conferido à prova pericial. Graças à
referida presunção de subtração da prova pericial à livre apreciação do julgador, pode a perícia
médico-legal, atendendo à sua natureza técnica e científica e à sua grande especialização, superar
outros meios de prova recolhidos durante a investigação, dos quais se destaca a “prova testemunhal”
(aqui utilizada no sentido corrente e lato da expressão, abrangendo as declarações da vítima, do
arguido e os depoimentos das testemunhas).

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O juízo pericial, traduzido nas conclusões do relatório pericial, pode ser impugnado no âmbito
do correspondente processo judiciário ou judicial, isto é, criticado com base em erro ou deficiências
do ponto de vista científico ou procedimental, e pode ainda ser sujeito a contraprova, isto é, pode ser
admitida, pela autoridade judiciária ou judicial competente, a realização de nova ou diferente perícia,
apresentada, ou proposta, por uma das partes no processo que não se conforme com aquelas
conclusões (veja-se o disposto nos arts. 484º e 485º do Código de Processo Civil).

3. Estatuto do perito

A intervenção como perito pode ocorrer com enquadramento institucional numa entidade
pública oficial com atribuições periciais, ou no exercício de atividade pericial a título individual. Em
qualquer caso, para o exercício da função de perito, há que considerar dois tipos de requisitos
habilitacionais:
a) É necessário que o perito domine um determinado conjunto de saberes científicos e
técnicos na área da medicina legal ou das outras ciências forenses, que irá aplicar numa
concreta situação que importa esclarecer do ponto de vista jurídico. A formação
académica do perito e as crescentes exigências quanto à especialização em determinada
área científica determinam a sua competência para a realização de certas perícias,
importando, as mais das vezes, a sua incompetência técnica para a realização de outro
tipo de perícias (e.g., um médico perito habilitado para realizar uma autópsia médico-legal
já não estará, por via de regra, habilitado a realizar uma perícia de toxicologia forense; um
bioquímico habilitado para realizar uma perícia de criminalística biológica não está
habilitado a realizar uma perícia de clínica médico-legal para avaliação do dano pessoal);
b) Para além da habilitação académica, é requisito que ele esteja legalmente autorizado a
exercer as funções que correspondem à sua habilitação profissional de base, nos casos
em que exista esse constrangimento à atividade profissional (é o que sucede com os
peritos médicos, cuja atividade pressupõe a válida inscrição na Ordem dos Médicos).

Sobre os peritos - sobre os profissionais com o estatuto público oficial de perito, e sobre os
profissionais que unicamente adquirem esse estatuto no processo - no exercício das respetivas
funções periciais, impende um conjunto de deveres e de direitos que visam garantir a independência,
a isenção e a eficácia do desempenho da função pericial.

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São deveres do perito:


a) Dever de desempenhar a função para que tiver sido nomeado (cf. art. 469º, n.º 1 do CPC; art.
153º, n.1 do CPP);
b) Dever de prestar compromisso de honra (cf. art. 479º, n.º 1 do CPC; art.s 156, n.º 1 e 91º, n.ºs
2, e 6, b), do CPP - os funcionários públicos no exercício das suas funções não prestam
compromisso);
c) Dever de resposta a quesitos (cf. art. 156º, n.º 1 do CPP);
d) Dever de elaborar relatório (cf; art. 483, n.º 1 e 484º, n.º1 e 3 do CPC; art. 157º, n.ºs 1 e 5 do
CPP);
e) Dever de prestar esclarecimentos (cf. art. 485º, n.ºs 3 e 4 do CPC; art. 158, n.º 1, a) do CPP);
f) Dever de solicitar autorização para destruição de objetos, para a realização da perícia (cf. art.s
481º, n.º 2 e 3 do CPC; art. 161º do CPP);
g) Dever de comparecer aos atos para que é nomeado (cf. art.s 417º, n.º1, 469º, n.º 1 e 486º, do
CPC; art.s 350.º, n.º3, 353º, n.º 1, e 354.º do CPP);
h) Dever de respeitar o segredo de justiça. O segredo de justiça impõe-se a todos os
intervenientes processuais, de acordo com o estabelecido no art. 86º, n.º 8 do CPP.

São direitos do perito:


a) Direito de requerer formulação de quesitos (cf. art. 156º, n.º1 do CPP);
b) Direito de requerer a prática de quaisquer diligências ou o fornecimento de esclarecimentos
indispensáveis ao cabal desempenho da função (cf. art. 481º, n.º 1 do CPC; art. 156º, n.º 3 do
CPP);
c) Direito de pedir escusa (cf. art. 470º, n.º 3 do CPC; art. 153º, n.º 2 do CPP);
d) Direito a ser remunerado.

Podem ser causas de cessação do exercício do cargo de perito, as seguintes:


a) Casos de impedimentos (cf. art. 470, n.º 1 do CPC; art. 47º do CPP);
b) Casos de recusa (cf. art.s 43º, n.º 1 e 153, n.º1 do CPP);
c) Casos de escusa (cf. art. 470º, n.º 3 do CPC; art. 153, n.º 2 do CPP);
d) Casos de dispensa legal do exercício da função (cf. art. 470º, n.º 2 do CPC; art. 571º, n.º 2 do
CPC, por força do art. 4º do CPP).

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4. A ATIVIDADE PERICIAL MÉDICO-LEGAL E FORENSE NOS SERVIÇOS PÚBLICOS E PRIVADOS EM PORTUGAL

A realização de perícias médico-legais e forenses é assegurada pelo serviço público oficial,


mediante a intervenção de um conjunto de serviços, a maioria dos quais se encontra
administrativamente organizada no âmbito do Ministério da Justiça (Instituto Nacional de Medicina
Legal e Ciências Forenses I.P. – INMLCF – e Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária -
LPC) e do Ministério da Administração Interna (Guarda Nacional Republicada – GNR - e Polícia de
Segurança Pública - PSP). Tal realização pode, ainda, nos termos admitidos por lei, ser realizada por
outros serviços públicos, como departamentos universitários, ou em serviços privados, como em
companhias de seguros, hospitais privados ou outros serviços.
Como distinção mais significativa entre a atividade pericial médico-legal e forense, se
realizada pelos serviços públicos ou por serviços privados, aponta-se o seguinte:
a) As perícias que se enquadrem nas competências legais (fixadas nas leis de processo nos
tribunais, na lei que regulamenta a realização das perícias médico-legais e forenses, nas
leis sobre investigação criminal, e outras) do INMLCF e dos órgãos de polícia criminal são
(salvo as exceções legalmente previstas) obrigatoriamente realizadas nessas entidades
sempre que tal intervenção decorra perentoriamente da lei, ou seja solicitada pelo
Ministério Público ou pelos Juízes no exercício das suas competências próprias e
exclusivas (por sua iniciativa, oficiosamente);
b) O Ministério Público e os Tribunais podem admitir que sejam apreciadas nos processos
(judiciários ou judiciais) perícias realizadas por serviços periciais privados, apresentadas
pelas partes, sempre que não existam (e não possam existir) no processo perícias dos
serviços públicos ou estas não respondam cabalmente à questão em apreciação.

4.1. Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.


As competências e as obrigações dos serviços médico-legais encontram-se reguladas na
sua lei orgânica, aprovada pelo Decreto-lei n.º 166/2012, de 31 de julho, nos Estatutos do INMLCF,
aprovados pela Portaria n.º 19/2013, de 21 de janeiro, e pelo conjunto de normas que regulamentam
a realização de perícias médico-legais e forenses, inscritas na Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto.
Da estrutura organizativa do INMLCF, e no que à atividade pericial diz respeito, destaca-se o
Conselho Médico-legal, órgão colegial com funções de consultadoria técnico-científica mediante
solicitação do Ministro da Justiça, do Conselho Superior de Magistratura ou da Procuradoria-geral da

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República, e é composto por um professor de medicina legal e por outros professores universitários
das áreas científicas de maior relevância médico-legal e de maior interesse para a discussão do caso
a apreciar).
Para efeito de intervenção dos serviços médico-legais ao nível da prova pericial, o território
nacional encontra-se dividido em três zonas geográficas – que constituem as áreas territoriais das
três delegações do INMLCF, - com sede em Lisboa, Porto e Coimbra - e que correspondem,
genericamente, às áreas dos correspondentes Distritos Judiciais (a Delegação do Centro abrange a
área do Distrito Judicial de Coimbra, a Delegação do Sul abrange as áreas dos Distritos Judiciais de
Évora e de Lisboa, e a Delegação do Norte abrange a área do Distrito Judicial do Porto). De entre os
diversos órgãos e serviços do INMLCF, assumem especial destaque as delegações, competindo a
cada uma delas realizar:
a) Autópsias médico-legais, tendo como objetivo esclarecer a causa da morte e as
circunstâncias em que esta ocorreu, nos casos de morte violenta ou de causa ignorada,
estabelecendo-se o diagnóstico diferencial entre morte natural, suicídio, homicídio e
acidente (e ainda outros exames cadavéricos, por ex. de antropologia forense, seja para
fins de diagnóstico diferencial da causa da morte, seja para fins de identificação);
b) Perícias e exames de anatomia patológica forense;
c) Exames e perícias em pessoas, designadamente para descrição e avaliação dos danos
provocados na integridade psicofísica, nos diversos domínios do direito, designadamente
no âmbito do direito penal, civil e do trabalho;
d) Perícias e exames psiquiátricos e psicológicos;
e) Perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos;
f) Perícias e exames laboratoriais de genética forense, nomeadamente os exames de
investigação biológica da filiação e de criminalística biológica.

No âmbito de cada delegação e nas zonas fora da respetiva competência territorial exclusiva
funcionam gabinetes médico-legais e forenses, que são serviços periféricos das respetivas
delegações - diretamente dependentes destas - nas localidades de maior movimento pericial, aos
quais compete a realização de autópsias e dos exames e perícias em pessoas (clínica médico-legal,
psiquiatria e psicologia forenses). Nos gabinetes, face ao ainda insuficiente quadro de especialistas
de medicina legal, a função pericial médico-legal é exercida, num grande número de casos, por
médicos especialistas noutras áreas, contratados pelo Instituto em regime de prestação de serviços.
Nos casos em que as perícias dizem respeito a processos que correm termos em comarcas ainda

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não abrangidas pelo respetivo gabinete (por este não estar ainda instalado), as perícias são
realizadas por médicos contratados pelo INMLCF para o exercício de funções periciais nessa
comarca.
As delegações compreendem vários Serviços Técnicos, aos quais competem as seguintes
atividades:
a) Serviço de Clínica e Patologia Forenses: compreende as unidades funcionais de Clínica
e de Patologia Forenses. À Unidade de Clínica Forense compete a realização de exames e
perícias em pessoas, para descrição e avaliação dos danos provocados na integridade
psicofísica, nos diversos domínios do Direito, designadamente no âmbito do Direito Penal,
Civil e do Trabalho, nas comarcas do âmbito territorial de atuação da delegação; compete-
lhe ainda a realização de perícias e exames de natureza psiquiátrica e psicológica - estes
poderão ser distribuídos pelos diversos serviços públicos e privados que, de acordo com a
lei em vigor, possuam competência para a sua realização (n.º 2 do art. 24º da Lei n.º
45/2004, de 19 de agosto). À Unidade de Patologia Forense compete a realização das
autópsias médico-legais respeitantes aos óbitos verificados nas comarcas do âmbito
territorial de atuação da delegação respetiva, de exames de anatomia patológica forense e
de outros atos neste domínio, designadamente perícias de antropologia forense, de
identificação de cadáveres e de restos humanos, de embalsamamentos e de estudo de
peças anatómicas. Quando as circunstâncias do facto ou a complexidade da perícia o
justifiquem, o Procurador-geral Distrital pode deferir à delegação, ouvido o respetivo diretor,
a realização de perícias relativas a outras comarcas da respetiva área médico-legal;
b) Serviço de Química e Toxicologia Forenses: compete-lhe assegurar a realização de
perícias e exames laboratoriais químicos e toxicológicos no âmbito das atividades da
delegação e dos gabinetes médico-legais e forenses que se encontrem na sua
dependência, bem como a solicitação dos tribunais, da Polícia Judiciária, da Polícia de
Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana da respetiva área e do presidente do
conselho diretivo;
c) Serviço de Genética e Biologia Forenses: compete-lhe a realização de perícias e
exames laboratoriais, de hematologia forense e dos demais vestígios orgânicos,
nomeadamente os exames de investigação biológica de filiação, de criminalística biológica
ou outros, no âmbito das atividades da delegação e dos gabinetes médico-legais e forenses
que se encontrem na sua dependência, a solicitação dos tribunais, da Polícia Judiciária, da

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Polícia de Segurança Pública, da Guarda Nacional Republicana da respetiva área e do


presidente do conselho diretivo;
d) Serviço de Tecnologias Forenses e Criminalística: compete-lhe assegurar, a nível
nacional, no âmbito dos diversos domínios do Direito, e das atividades das delegações e
dos gabinetes médico-legais e forenses, bem como a solicitação das autoridades para o
efeito competentes, a pesquisa, registo, colheita e tratamento de vestígios, e a realização
de perícias nas diferentes áreas das ciências forenses não enquadráveis nas competências
dos restantes serviços técnicos, designadamente e entre outras, no âmbito da análise de
escrita e documentos, balística e física. Este serviço não se encontra ainda em
funcionamento.

A intervenção dos serviços médico-legais no sistema de justiça em sede de realização


dos referidos exames e perícias é suscitada: (a) mediante despacho da autoridade judiciária ou
judicial competente, nos termos da lei de processo (cf. o art. 3º, n.º 1, da Lei n.º 45/2004, de 19 de
agosto); (b) mediante solicitação dos órgãos de polícia criminal (cf. art. 2º da Lei de Investigação
Criminal - Lei n.º 49/2008, de 27 de agosto, e Circular da PGR n.º 6/ 2002, de 08-3), exceto a perícia
que envolva a realização de autópsia médico-legal, bem como a prestação de esclarecimentos e
realização de nova perícia nos termos do art. 158º do CPP (art. 270º, n.º 2 , do CPP); (c) no âmbito
do art. 4º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto (realização de atos periciais urgentes e recebimento de
denúncias de crimes); (d) a solicitação da entidade policial, em sede de exame do local, nos termos
da alínea c do n.º 1 do art. 16º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto; (e) mediante indicação direta da
lei, para realização de exame do hábito externo de cadáver na situações em que se revele necessário
auxiliar o Ministério Público na decisão quanto à realização (ou à dispensa) da autópsia, conforme
previsto no n.º 13 do art. 16º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto.
O INMLCF pode ainda prestar serviços a entidades públicas e privadas, bem como aos
particulares, em domínios que envolvam a aplicação de conhecimentos médico-legais. Essa atividade
de prestação de serviços, prevista na norma da alínea i do nº 2 do art. 3º da lei orgânica do INMLCF,
encerra duas vertentes: uma, de natureza médico-legal, visando ainda permitir o esclarecimento de
uma questão jurídica, ou com implicações jurídicas, ou mesmo a obtenção de determinados efeitos
jurídicos, mas que não está contudo a ser objeto de apreciação judicial; outra, de natureza não
médico-legal, embora implicando o domínio de técnicas e procedimentos utilizados na medicina legal
e em outras ciências forenses, mas que não traduz uma avaliação médico-legal, não constituindo
uma perícia médico-legal, precisamente pela inexistência da formulação de qualquer juízo técnico-

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científico dirigido ao esclarecimento de uma qualquer questão jurídica (embora o serviço prestado
possa relevar para determinados efeitos legais) - como acontece no caso do embalsamamento, nas
situações em que este é imposto por razões sanitárias, por exemplo, constituindo requisito legal para
o transporte do cadáver para país estrangeiro.
O artigo 2º da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto, sob a epígrafe «Realização de perícias»,
dispõe, nos seus n.ºs 1 e 2, respetivamente: as perícias médico-legais são realizadas,
obrigatoriamente, nas delegações e nos gabinetes médico-legais; excecionalmente, perante
manifesta impossibilidade dos serviços, as perícias referidas poderão ser realizadas por entidades
terceiras, públicas ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo Instituto.
As normas que disciplinam a realização de perícias médico-legais são normas de direito
processual (civil, laboral, ou penal, consoante a situação a que se apliquem) e são em si mesmo
imediatamente exequíveis. Elas constam, como dissemos, da Lei n.º 45/2004, de 19 de agosto,
sendo que algumas delas dizem respeito apenas ao exames a realizar no âmbito do inquérito ou da
instrução em processo crime [é o caso das normas dos art.s 4º («Denúncia de crimes»), 6º
(«Obrigatoriedade de sujeição a exames»), e 13º («Perícias médico-legais urgentes»)], enquanto que
as restantes normas têm aplicação igualmente no foro cível e laboral [art.s 2º («Realização de
perícias»); 3º («Requisição de perícias»); 5º («Responsabilidade pelas perícias»), 6º, n.º 2 («Dever de
comparência»), 7º («Despesas de deslocação»); 8º («Custos dos exames e perícias»); 9º («Exames
complementares»); 10º («Acesso à informação»); 11º («Livre trânsito e direito de acesso»); e 12º
(«Esclarecimentos complementares»).
Cabe ainda ao INMLCF, nos termos da sua lei orgânica, “promover o ensino, a formação e
a investigação no âmbito da medicina legal e de outras ciências forenses”. Quanto à atividade de
ensino, investigação e divulgação científicas, e formação profissional no âmbito da atividade médico-
legal, dispõe o n.º 1 do artigo 20º do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31 de julho, que o INMLCF
prossegue as suas atribuições e exerce as suas competências em colaboração com os
estabelecimentos de ensino superior, especialmente escolas médicas, nomeadamente de
investigação, públicas ou privadas, mediante a celebração de protocolos nas áreas do ensino, da
formação e da investigação científica.

4.2. Serviços de criminalística e de polícia técnica dos órgãos de polícia criminal


O Laboratório de Polícia Científica (LPC) de Polícia Judiciária tem competências legais de
realização de exames e perícias em sede de pesquisa, recolha, tratamento e registo de vestígios e de
realização de perícias nos diversos domínios das ciências forenses, nomeadamente da balística,

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biologia, documentos, escrita manual, física, lofoscopia, química e toxicologia, e, no que diz respeito
aos enunciados exames e perícias, a sua competência é cumulativa com a dos serviços médico-
legais (INMLCF).
A Polícia de Segurança Pública e a Guarda Nacional Republicana dispõem de unidades de
polícia técnica no âmbito do exame do local do crime e da recolha de vestígios, bem como valências
laboratoriais para exame e deteção de substâncias e produtos de origem e posse controlada (e.g.,
drogas de abuso, explosivos).

4.3. Serviços privados


A atividade pericial realizada por estes serviços tem crescido muito em Portugal nos últimos
anos, dada a necessidade sentida por advogados, companhias de seguros, e até pelos cidadãos, de
impugnar as decisões judiciais suportadas pela prova médico-legal ou forense produzida pelas
instâncias públicas anteriormente referidas. Efetivamente, o direito ao contraditório é fundamental e a
contraprova, desde que realizada por perito com igual ou superior competência do que aquele que
realizou a primeira perícia, possibilita a discussão sobre o caso e permite decisões judiciais seguras e
bem fundamentadas, promovendo a efetivação concreta da justiça.
Além disso, as perícias privadas podem constituir uma ferramenta fundamental para apoiar os
advogados na elaboração da queixa (no caso do direito penal) ou da petição inicial (no caso do direito
civil), evitando que deixem escapar elementos importantes, como determinados elementos de prova
ou o pedido de indemnização para certos danos, por exemplo.
Acresce que muitos casos podem encontrar resolução fora do sistema formal de Justiça,
através de acordos extrajudiciais. Também neste sentido a atividade pericial realizada por peritos
privados está-se a demonstrar cada vez mais relevante, sendo que no caso das perícias no âmbito do
direito civil, só uma taxa residual dos processos chega a tribunal.

5. LEGISLAÇÃO

Código de Processo Civil (artigos 484º a 489º, e 487º)


Código de Processo Penal (artigos 151º a 154º e 159º e 160º)
Lei que regulamenta a realização das perícias médico-legais e forenses (Lei n.º 45/2004, de 19 de
agosto)
Lei orgânica do INMLCF (Decreto-lei n.º 166/2012, de 31 de julho)
Estatutos do INMLCF (Portaria n.º 19/2013, de 21 de janeiro)

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