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Programa de Pós-Graduação em

Computação Forense e Perícia Digital

Módulo I: Criminalística

Apostila de Apoio
(texto subtraído do livro Ciências Forenses:
Uma Introdução às Principais Áreas da
Criminalística Moderna)
Prof. Dr. Jesus Antonio Velho
1- Introdução

Desde que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a necessidade


de estabelecer uma forma de mediar os diferentes e, principalmente,
antagônicos interesses que sobrevêm da vida em comunidade. Esses conflitos
muitas vezes envolvem definições específicas, por exemplo, na área de
Química, Medicina, Engenharia, entre outras. Capez (2005) explana como
surgiu a intervenção de terceiro na solução do conflito: “inicialmente com a
escolha, pelos próprios conflitantes, de um árbitro imparcial. Essa escolha
recaía, em geral, sobre sacerdotes, que julgavam de acordo com a vontade dos
deuses, ou sobre anciãos, que decidiam de acordo com os costumes e
tradições locais”.
Modernamente, o Estado racional exerce o poder com o monopólio da violência
legítima e, no âmbito da Justiça, exige do juiz, “em parte, em nome de normas
jurídicas positivas, em parte, com base em teorias do direito, que fundamente
suas decisões em análises científicas, em princípios materiais, na moralidade
ou na eqüidade” (WEBER, 1999). Nesse contexto, o Perito Criminal apresenta
papel fundamental. Utilizando-se de conhecimentos gerados pelas Ciências
Forenses, os peritos realizam as análises científicas de vestígios de crimes que
dão origem à prova material. No sistema de Justiça brasileiro, seguindo
tendência internacional, cada vez mais a prova material vem ganhando
importância. Quando corretamente identificada e analisada, é a que melhor
possibilita ao Judiciário a correta aplicação da lei. O objetivo da presente
apostila é apresentar uma introdução às Ciências Forenses.
A Criminalística desenvolveu-se, em especial no último século e meio, no seio
da polícia judiciária, levando a um senso comum de que tal matéria seria de
interesse principalmente policial. Esse raciocínio é um grande erro, pois é a
Justiça a destinatária final. Aos operadores do Direito não cabe simplesmente
apreciar a prova, mas sim questioná-la, demandar novos exames, apontar-lhe
os vícios, e, conforme o caso, fortalecer ou descartar uma prova colhida na
fase pré-processual, de forma a garantir que o conjunto probatório seja o mais
completo e correto possível.

2- Evolução das Ciências Forenses


É inegável que a primeira ciência a emprestar seus serviços à Justiça foi a
Medicina. Segundo FRANÇA (1998), já no Império Romano havia relatos de
médicos chamados pelos governantes para esclarecer as circunstâncias de
mortes. Em 1532, com o Código Criminal Carolino, de Carlos V, surgiu a
primeira lei exigindo a presença de técnicos para a interpretação de vestígios
criminais ligados à pessoa. Desde a aurora do Direito, portanto, é previsto que
a opinião técnica deve ser solicitada em todos os casos em que puder
esclarecer fatos.
Durante muito tempo, porém, a Medicina foi a única das ciências que prestou
sistemática contribuição à Justiça e desenvolveu técnicas específicas às
demandas legais, de forma a gerar o corpo de conhecimentos que hoje
classificamos como “Medicina Legal”. Posteriormente, os médicos legistas
(especializados na medicina legal) desenvolveram outras técnicas, como a
interpretação dos vestígios em local de crime, a balística (visando à
compreensão da dinâmica de um disparo de arma de fogo em um corpo
humano), a identificação humana e outras, passando a utilizar análises
químicas, físicas e biológicas, empregando os conhecimentos científicos para a
aplicação da lei. Dessa forma, os médicos legistas são os verdadeiros
“inventores” da criminalística moderna, constituindo os primeiros a desenvolver
essa ciência para atender demandas judiciais. Atualmente, a Medicina Legal
abrange diversas subdivisões e esta obra conta com três capítulos referentes a
esse conhecimento: Antropologia Forense, Psicologia e Psiquiatria Forense,
além de um capítulo introdutório à Medicina Legal.
Como o conjunto de conhecimentos aplicados visando ao atendimento das
demandas legais vem se tornando cada vez mais amplo, trazendo também
outros especialistas (notadamente os químicos, em um primeiro momento), o
termo “Medicina Legal” não mais comportava a todos. Nascia, assim,
necessidade de um conceito mais amplo, que abrigasse todas as técnicas
científicas à serviço da lei. Surge assim o conceito de “Criminalística”, termo
cunhado pela primeira vez na Alemanha, pelo juiz de instrução Hans Gross, em
1893, quando da edição de seu livro intitulado System der Kriminalistik. Em
1909, na universidade de Lausanne, na Suíça, foi fundada a primeira cadeira
dedicada às Ciências Forenses, iniciando os trabalhos de pesquisa voltados
especificamente às demandas da Justiça. No Brasil, somente em 1947, durante
o I Congresso Nacional de Polícia Técnica, em São Paulo, foi adotada a
denominação de Criminalística. Neste congresso, foi acatada a definição de
Criminalística proposta por Del Picchia, como sendo a “disciplina que tem por
objetivo o reconhecimento e interpretação dos indícios materiais extrínsecos,
relativos ao crime ou à identidade do criminoso. Os exames dos vestígios
intrínsecos (na pessoa) são da alçada Médico-Legal”, como se houvessem
diferentes regras, princípios e objetivos para as perícias realizadas no corpo
humano ou em qualquer outro objeto.
Por questões relativas à busca de espaço, reserva de mercado e poder dentro
das universidades e da recém criada Polícia Técnica, os médicos-legistas e os
demais peritos se
distanciaram em “feudos” próprios, como se fossem atividades concorrentes e
não complementares. Tal distanciamento, e mesmo pequenas rusgas, levou
por décadas a certo distanciamento entre a Medicina Legal e as demais áreas
da Criminalística e persiste ainda hoje em alguns meios. Esse distanciamento
foi um dos fatores que prejudicou o desenvolvimento e a expansão das
Ciências Forenses no Brasil.
Visto sua evolução histórica, como definir o atual conceito de Ciências
Forenses? É oportuno, para tanto, analisar as duas palavras-chave.
- “Ciência”, termo derivado do latim scientia (conhecimento) é, basicamente, o
esforço humano em compreender o mundo. É quando o homem busca
maneiras de entender os fenômenos que continuamente percebe; desenvolve
teorias e métodos experimentais para compreender e antever os fenômenos e
suas conseqüências.
- “Forense”, por sua vez, é adjetivo usado para qualificar atividades que, de
alguma maneira, se relacionem com os tribunais ou o sistema judiciário.
Atualmente, remete também à idéia de apresentação e interpretação de
informações científicas junto a Justiça.
As Ciências Forenses, portanto, podem ser entendidas, de forma simplificada,
como as ciências naturais aplicadas à análise de vestígios, no intuito de
responder às demandas judiciais.
3- Inter-relação entre os conceitos de Ciências Forenses, Criminalística e
Perícia

As Ciências Forenses atuam no processo de geração e/ou transferência de


conhecimento científico e tecnológico em cada um dos ramos das ciências
naturais, com a finalidade de aplicação na análise de vestígios, visando a
responder questões científicas de interesse da Justiça. Qualquer ciência
empregada para responder a questionamentos inicialmente jurídico-policiais,
qualquer área científica passível de utilização para fins legais está inserida
como um ramo das Ciências Forenses. É assim importante frisar que as
Ciências Forenses são um grupo de diversas áreas que convergem em um
mesmo fim, e não é uma ciência única, visando, em última instância, atender
às demandas judiciais. Não se pode falar em uma estrutura ou método
específico para as Ciências Forenses, visto que cada campo do conhecimento
tem seus próprios métodos.
Esse conhecimento científico gerado ultrapassa as barreiras da Justiça
Criminal e pode auxiliar na análise de elementos materiais de interesse da
Justiça de forma geral, incluindo as áreas cível e trabalhista. O resultado
acumulado dos conhecimentos científicos e tecnologias gerados pelas Ciências
Forenses são agrupados em um sistema, a Criminalística, que estrutura e
impõe regras de
como bem aplicar esses conhecimentos, de uma forma precisa e segura, para
responder aos preceitos legais
Gilberto Porto, em seu “Manual de Criminalística”, de 1959, coloca a
criminalística como um sistema, de acordo com o que também apresentou o
fundador do conceito, Hans Gross, em seu livro System der Kriminalistik, de
1893. Isso porque, segundo este autor, a criminalística apenas sistematiza o
uso de técnicas e metodologias de diversas ciências (Química, Física, Biologia)
com de regras precisas, de forma a servir ao interesse da Justiça.
Já segundo o ilustre Professor Eraldo Rabello, profissional que dedicou sua
vida ao ensino de criminalística e ao exercício da perícia criminal, Criminalística
se conceitua por:
(...) uma disciplina técnico-científica por natureza e jurídico-penal por
destinação, a qual concorre para a elucidação e a prova das infrações penais e
da identidade dos autores respectivos, por meio da pesquisa, do adequado
exame e da interpretação correta dos vestígios materiais dessas infrações.
Verifica-se nos principais dicionários que o termo “disciplina” geralmente é
ligado ao esforço didático de transmissão de um conjunto de conhecimentos.
“Sistema” é um conjunto de elementos interconectados, de modo a formar um
todo organizado, com determinado objetivo. Considerando que a criminalística
é a organização de conhecimentos oriundos de diversas ciências, cabe, sem
dúvida, classificá-la como sistema. Lembrando, porém, que sua finalidade
última é a geração de respostas às questões técnicas formuladas pela Justiça
e transmissão destas para instruir um processo, insere-se também no conceito
de disciplina por ter como fim último a transmissão de informações, seguindo
determinado método e estrutura ( exame e laudo pericial, respectivamente).
O diagrama a seguir ilustra essa questão, com os diversos ramos da ciência
contribuindo para as Ciências Forenses, que, por sua vez, alimentam o sistema
de Criminalística, com suas técnicas e metodologias específicas para cada
demanda.
Figura 01- Inter-relação entre os diversos ramos da ciência, as Ciências
Forenses, e a Criminalística
Atualmente, os Institutos de Criminalística, muito mais que um conjunto de
escritórios e laboratórios, possuem potencial para se tornarem verdadeiros
centros de pesquisa em Ciências Forenses. De fato, diversas publicações
científicas brasileiras na área já receberam contribuições de peritos que
trabalham nesses Institutos. As imagens a seguir (Figura 02) ilustram o que era
o Instituto de Criminalística do DFSP (atual DPF), na década de 1960, e como
é hoje, com recursos humanos qualificados e o que há de mais moderno em
equipamentos
Figura 02 – Instituto de Criminalística na década de 1960 e fotografia do ano
de 2010 do Microscópio Eletrônico de Varredura da Seção de Balística do
Instituto Nacional de Criminalística.
E o que é a Perícia Criminal? Segundo o dicionário “Aurélio”, perícia tanto quer
dizer habilidade, destreza, conhecimento quanto vistoria ou exame de caráter
técnico e especializado. A partir das conceituações iniciais, podemos, portanto,
definir a perícia como sendo expressão genérica que abriga a realização de
diversos tipos de exames de natureza especializada, visando a esclarecer
determinado fato sob a ótica científica.
Se formos nos valer também da definição vernacular, encontraremos que perito
é o profissional “experimentado, experiente, prático, sabedor ou especialista
em determinado assunto”. Se analisarmos a partir dos regulamentos vigentes,
porém, em especial os previstos no CPP, só podem realizar exames periciais
profissionais que tenham formação acadêmica em nível de graduação, dentre
outras regras ali estabelecidas.
É a partir dessa exigência de escolaridade (donde o legislador pressupõe, em
tese, que tal profissional é especialista) que somente os profissionais de nível
superior podem realizar perícia, tanto na área criminal quanto na cível e
trabalhista. Todavia, esses são parâmetros mínimos para o cumprimento da
legislação, já que do perito muito mais é exigido no campo da especialização e
prática profissional.
O perfil esperado do perito deve incluir boa cultura científica sobre os mais
variados campos do conhecimento, de maneira que possa identificar
possibilidades de exames, mesmo em áreas fora de seu ramo de
especialização, buscando auxílio de outros especialistas em assuntos que não
são de seu domínio específico. Deve conhecer também a legislação, de forma
a saber o que se espera dele, e quais as regras a que ele se submete. E, claro,
o perfil do perito exige que tenha como principal atributo profissional a
especialização em determinada área das ciências e tecnologias.
4. Criminalística e Ciência

A utilização do método científico é a base da criminalística, visto que tudo que


é por ela analisado, com o apoio das diversas ciências, só se presta ao laudo
pericial se preencher os requisitos científicos básicos, ou seja, se utilizar
métodos comprovados, possíveis de serem testados, e que outros possam,
fazendo os mesmos exames, chegar aos mesmos resultados. Diferencia-se
assim do
trabalho de investigação, que pode ser empírico e, muitas vezes, depende do
talento e feeling do investigador. Assim, dois investigadores, ainda que
baseados em um método, certamente tomariam rumos distintos na mesma
investigação, o que não pode ocorrer na perícia, que deve se valer de
metodologias claras e precisas, de forma a chegar a resultados igualmente
claros e precisos.
Só se considera parte da criminalística, portanto, os fatos que podem ser
analisados por técnicas consideradas “científicas”. Surge, portanto, a pergunta:
o que pode e o que não pode ser considerado “científico”?
No início, a relação do homem com a natureza era de assombro. Ele via os
fenômenos como manifestações divinas e sobrenaturais. Aos poucos foi
percebendo que alguns fenômenos obedeciam a leis, ou seja, a princípios que
sempre se repetiam. Passou a compreender, por exemplo, que os materiais
tinham determinada resistência, sempre de acordo com sua natureza e
condição. Surge assim a separação entre o que é conhecimento e o que é
crença ou opinião, sendo o conhecimento o que se refere a fenômenos
sistematizados de forma clara, possível de ser compreendido e aplicado da
mesma forma por quem quer que seja, construindo o que hoje entende-se por
ciência.
Atualmente, o método científico é baseado no teste de hipóteses. A partir de
uma dada teoria, realizam-se experimentos e, verificando-se corretas as
hipóteses, a teoria é aceita e passa a ser utilizada. Caso surjam novos
questionamentos, são feitos novos ensaios e a teoria pode resistir aos novos
questionamentos ou ser derrubada. Não há, portanto, nenhuma teoria
permanente na ciência, todas estão continuamente sendo colocadas à prova.
Ainda assim, em alguns casos, o método de análise não permite que se
chegue a uma resposta categórica sobre determinado assunto. Porém, se tal
imprecisão for conhecida, e constar, no corpo do laudo, os limites dessa
análise e de seu resultado, o resultado pode ainda servir aos interesses da
criminalística, visto que instrui o processo, ainda que parcialmente, quanto às
características do objeto de perícia e às limitações para obter maiores
informações sobre o mesmo.
É o caso, por exemplo, dos exames preliminares de constatação de drogas,
que serão estudados no módulo de Química Forense. Sabe-se de antemão que
a metodologia utilizada apresenta resultado positivo para determinadas
substâncias diversas daquela que se busca, o chamado “falso positivo”.
Conhecendo tais limitações e atendendo ao interesse da Justiça de ter uma
resposta rápida para decidir quanto a um possível flagrante, optou-se por
adotar esse procedimento, reservando, porém, a exames mais complexos,
realizados em laboratório, a resposta
definitiva quanto à substância em questão e, com ela, a decisão final quanto ao
suposto crime relacionado à substância.
Como já foi dito, a criminalística utiliza todo o conjunto da ciência para oferecer
as respostas demandadas pela Justiça. A ciência avança e hoje é capaz de dar
respostas precisas sequer imaginadas há 50 anos, como a definição
inequívoca de paternidade, por meio dos exames de DNA.
Parte dos exames realizados no âmbito da Perícia Criminal vale-se de uma
ciência já bastante desenvolvida em diversas áreas de aplicação, como a
Química, com inúmeros institutos de pesquisa nas mais diversas áreas e
aplicações. Outros, como os relacionados à papiloscopia, estão restritos a
poucos campos de aplicação além dos relacionados à Criminalística, como a
identificação civil.
Em alguns casos, a metodologia para abordar determinados assuntos
(exames) ainda não está consolidada. Nesses casos, cabe ao perito optar por
um método e deixar claro no laudo sua opção por uma determinada
metodologia em detrimento das demais. Isso é natural no campo da pesquisa
científica, mas pode soar inadequado ao jurista, que espera uma resposta
sólida aos seus quesitos. Assuntos como valoração de danos ambientais, por
exemplo, possuem diversas metodologias, e, com elas, diversos resultados
para um mesmo caso. Cabe ao perito deixar claro no laudo sua opção por uma
determinada metodologia em detrimento das demais, e aos operadores do
Direito o debate sobre a mais adequada para o caso em tela.
Surge então a pergunta: até que ponto podem as ciências forenses valerem-se
de métodos ainda em fase de testes e desenvolvimento? Não é o laudo pericial
apenas a afirmação indubitável de algo concluído com base em exames sólidos
sobre os vestígios do crime? A resposta é não. Além do fato de que, no
sistema judiciário brasileiro, o juiz conclui pela livre apreciação da prova, pode
o perito se valer de qualquer metodologia tida como científica, desde que
indique ser a mais adequada para o caso e possa explicitar suas limitações no
corpo do laudo.
Cada vez mais a revisão ou simples discussão de laudos torna-se comum no
processo penal brasileiro. Dada a rápida evolução das ciências em geral e das
ciências forenses, especificamente, bem como da legislação acerca de
assistentes técnicos das partes, que acompanham e verificam os CURSO DE
PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FORENSES – IPOG SANTARÉM/PA (Uso
autorizado somente aos alunos, no interesse específico do mencionado Curso)
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exames dos peritos, a revisão pode vir a ser ainda mais comum, sendo a
perícia novamente realizada, à luz de novas técnicas, possibilitando novas
respostas e garantindo o direito à defesa.
O desenvolvimento (ou aumento de complexidade) de nossa sociedade levou
também à maior complexidade dos tipos penais e dos conflitos patrimoniais e
pecuniários. Assim, aumenta também a demanda por análises técnicas de
fatos anteriormente tidos como menos relevantes. A História nos mostra que os
primeiros técnicos chamados aos tribunais foram os médicos, para ajudar a
estabelecer a causa mortis nas suspeitas de assassinato. Isso porque o
assassinato é um dos primeiros crimes definidos como tal. Com isso, a ciência
desenvolveu, desde há muito tempo, ferramentas para atender a essas
demandas. As mesmas já foram testadas e discutidas, estando hoje
relativamente consolidadas, ainda que sempre surjam novos conhecimentos
que permitem agregar mais informações ao laudo pericial.
Já no mundo moderno, onde novas demandas vêm surgindo numa velocidade
espantosa, vemo-nos obrigados a cada dia inventar novas metodologias para a
criminalística. Assim, a fonética forense, por exemplo, que visa entre outras
coisas à individualização da voz humana, é um ramo novo da ciência. O que
hoje escrevemos a seu respeito pode, em um futuro próximo, não ser mais
considerado verdadeiro, pois ainda há muito a desenvolver e a discussão, e
principalmente a contestação técnica e validação, tem um longo caminho pela
frente.
As técnicas utilizadas na criminalística, portanto, como quaisquer outras
técnicas científicas, devem ser colocadas à prova constantemente, desde que
a contestação também siga o rigor científico. O que então era considerado
correto, caso não sobreviva à contestação, deve ser abandonado ou
suplantado, caso surja outra metodologia mais eficiente. Assim, todo laudo é
passível de contestação. Um bom exemplo é o chamado “teste do nitrito”,
descrito no capítulo de Química Forense. Esse teste foi utilizado pela perícia
durante muitos anos para verificar quanto à recentidade de disparo de uma
arma de fogo. Hoje, após inúmeros testes e experimentos para validação, é
tido como não confiável e não mais é aceito pela Associação Brasileira de
Criminalística.
5. A Perícia Cível e Criminal
5.1 – A Perícia Cível CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS
FORENSES – IPOG SANTARÉM/PA (Uso autorizado somente aos alunos, no
interesse específico do mencionado Curso) 11
A perícia cível trata dos conflitos judiciais na área patrimonial e/ou pecuniária.
O tipo de exame ou conhecimento científico a ser aplicado dependerá da
necessidade específica de cada exame que for realizado. Para fazer uma
perícia cível, o profissional precisa ter formação universitária, preferencialmente
na área em que o exame é solicitado, e ser devidamente registrado no
respectivo Conselho Regional de fiscalização da categoria (quando houver).
Como podemos observar, a execução da perícia cível é atividade liberal
exercida por profissionais de nível superior, escolhidos – pelo juiz ou pelas
partes – de acordo com formação acadêmica específica para o exame a ser
feito. Evidentemente, se não houver profissional com formação específica para
determinado exame, a lei não impede que seja nomeado outro profissional,
desde que tenha curso superior.
5.2 – A Perícia Criminal
A perícia criminal trata das infrações penais, em que o Estado assume a defesa
do cidadão, em nome da sociedade. Para fazer perícia criminal, o profissional
deve ter nível superior e, no caso dos peritos oficiais, prestar concurso público
específico (ser funcionário público concursado). Existe hoje, por força da Lei
11.690/2008, a figura do Assistente Técnico, que participa da análise técnica
do processo, a serviço das partes.
Quando, em uma investigação, observam-se vestígios materiais deixados pelo
criminoso, é obrigatório que os mesmos sejam periciados, ou seja, submetidos
ao exame de corpo de delito por força de dispositivos legais presentes no
Código de Processo Penal (CPP), transcritos a seguir:
Art. 158. Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame
de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão
do acusado.
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados
por perito oficial, portador de diploma de curso superior. (Redação dada
pela Lei nº 11.690, de 2008)
Art. 167. Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem
desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
Estes dispositivos determinam que os vestígios de um crime sejam analisados
pelo Perito Oficial e a penalidade para a ausência destes exames é a
NULIDADE como podemos verificar no artigo 564 do CPP:
Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:
I - por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;
II - por ilegitimidade de parte;
III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:
a) a denúncia ou a queixa e a representação e, nos processos de
contravenções penais, a portaria ou o auto de prisão em flagrante;
b) o exame do corpo de delito nos crimes que deixam vestígios,
ressalvado o disposto no Art. 167;
c) ...
6. Princípios e elementos de um Laudo Pericial
6.1 Objetivos principais a buscar (o quê? quem? como?)
No âmbito do direito penal, a Criminalística, bem como a investigação, busca
estabelecer ou provar três questões fundamentais:
(1) A existência de um crime (O que aconteceu?): por meio dos conhecimentos
científicos e das técnicas criminalísticas aplicadas a cada caso específico do
tipo de perícia a ser feito, estaremos esclarecendo o que aconteceu. Ampliando
a aplicação deste objetivo, claramente pode ser válida para todo tipo de perícia,
inclusive a perícia civil e trabalhista. Referindo-nos a pergunta geral “o que
aconteceu”, além do crime também estaremos buscando caracterizar o fato
periciado, independente de ser crime ou não – no último caso, o fato cível ou
trabalhista periciado.
(2) A identidade do criminoso (quem?): Este objetivo é muito claro no seu
próprio enunciado. Por meio das técnicas e conhecimentos científicos a perícia
deverá estabelecer a individualização do autor do crime. Ou, no caso da perícia
cível em geral, quem deu causa ao fato periciado. De certa forma este tópico
na perícia cível não toma grande importância, uma vez que na maioria dos
casos esta resposta está automaticamente respondida nos autos do processo.
(3) Seu modus operandi (como?): Parte importante dentro de todo o universo
da investigação para esclarecer determinado fato e, principalmente, chegarmos
à identificação do seu autor.
Suponha que alguém fraude um registro contábil para encobrir saída indevida
de dinheiro, em um caso hipotético de crime que demande perícia contábil. A
pessoa que praticar tal ilícito o fará da forma que julga mais fácil e que não seja
descoberta. Utilizará, por exemplo, alguma máquina para autenticar o
pagamento fictício de alguma guia de imposto. Nesse ato, teremos como
elementos principais da caracterização a própria máquina utilizada e o
local/forma no suporte (guia) onde foi “autenticado” o pagamento.
Quando o perito analisar tal documento, vai começar seu exame exatamente
pelas características da autenticação naquela guia. Certamente, todos os
aspectos relacionados à forma como tal documento foi produzido e autenticado
serão minuciosamente analisados, propiciando ao perito – pela análise do
modus operandi – chegar a outros elementos para o esclarecimento total
daquela situação. Pela observação criteriosa do modo como alguém realiza
alguma coisa, portanto, poderemos chegar a outras informações importantes
que completarão o conjunto das ações que envolveram tal fato.
6.2 O objetivo x O subjetivo
Num local de crime podem ser obtidas diversas informações a respeito do que
ocorreu ali e da autoria da conduta questionada. Essas informações
apresentam variados graus de disponibilidade, podendo se apresentar de
maneira explícita ou não.
Geralmente, os operadores do Direito: juízes, promotores e advogados,
vinculados a determinada ação penal não tiveram acesso à cena de crime.
Suas convicções serão construídas com os elementos que a investigação e a
perícia elaborarem.
Essa é a principal razão pela qual numa análise de uma cena de crime deve-se
procurar obter a maior quantidade de informações possível. São essas
informações que lastrearão o conhecimento dos fatos ocorridos, sua dinâmica
e configuração.
A recenticidade dos fatos e a oportunidade, por vezes única, do adequado
tratamento do local demandam um imperioso cuidado e planejamento da
abordagem de uma cena de crime.
Frequentemente, a análise de informações contraditórias demanda, por parte
dos investigadores envolvidos, o uso do bom senso e de sua discricionariedade
enquanto agentes públicos.
Basicamente, existem dois tipos de informações disponíveis em uma cena de
crime: as subjetivas representadas pelo conhecimento de alguém sobre o fato
e aquelas denominadas objetivas que são oriundas da análise dos vestígios
materiais.
Informações subjetivas
Denominam-se informações subjetivas aquelas decorrentes do conhecimento
dos fatos por parte de pessoas que viram ou, de alguma maneira, tomaram
conhecimento do acontecido. Esse tipo de informação é de ordem interpretativa
e de cunho pessoal, podendo até mesmo não refletir a verdade.
Frequentemente, essas informações são incompletas, abarcando apenas uma
parte do fato.
Pesquisas comprovarão que nem sempre vemos corretamente o ocorrido,
vemos uma parte da realidade, ou seja, vemos nossa interpretação da
realidade. Nossa percepção e nosso julgamento dos fatos são construídos com
base na nossa experiência anterior com fatos similares e se um fato “novo”
diferente se apresenta a mente busca encaixá-lo na matriz de conhecimentos
anteriores e quando não encontra procura construir um aproveitando elementos
similares disponíveis. Essa é a principal razão pela qual julgamos
erroneamente e com base em estereótipos.
Na prática, esse tipo de informação pode vir a contribuir no sentido de formar
uma adequada reconstrução mental do ocorrido, facilitando as diversas etapas
de investigação do local. No entanto, muita cautela deve ser exercida, pois não
são informações calcadas em dados concretos e absolutos. São informações
que representam como determinada pessoa interpretou o fato ocorrido.
Se adicionarmos a essa cautela as razões de desconfiança necessárias
quando suspeitamos que as informações são mentirosas, de maneira
proposital, teremos avançado na ponderação das informações subjetivas.
De forma alguma queremos ser interpretados como contrários às informações
subjetivas, acreditamos muito em seu valor e indicamos a todos os
investigadores a procurá-las exaustivamente em um local de crime, o que
fazemos é alertar para o fato de que podem ser ilusórias ou forjadas, ou seja,
ilusórias nos fazendo perder um tempo precioso seguindo uma história
mirabolante que não levará a nada ou ainda forjada, aquela criada para nos
desviar do caminho correto.
Indicamos a todos os investigadores que busquem validar as informações
subjetivas com a existência de elementos materiais que comprovem a história
ou versão. Essa será a garantia de não sermos enganados ou iludidos.
Informações oriundas de vestígios - Objetivas
Como toda conduta humana deixará atrás de si um rastro material, só o que se
precisa fazer é encontrá-lo. Essa afirmação é clara, porém atingi-la não é
simples. O rastro material da conduta nem sempre é claro, tangível e, muitas
vezes, necessita de tecnologia e procedimentos nem sempre disponíveis.
Neste aspecto o principal trabalho do perito é encontrar o rastro, analisá-lo e
por fim contextualizá-lo com o fato gerando as provas materiais necessárias.
Como testemunhas mudas de um crime, os vestígios materiais são a fonte
objetiva de informações, pois sua análise é mais precisa e mais segura, pois é
baseada em princípios técnico-
científicos consagrados e não em interpretações subjetivas. Em muitos casos,
parte dos vestígios pode ser guardada como contraprova visando a dirimir
questionamentos futuros. Aliás, este é o procedimento padrão de se preservar,
sempre que possível, vestígios para análises futuras.
O QUE DIZ A LEI:
Art. 170 do CPP – Nas perícias de laboratório, os peritos guardarão material
suficiente para a eventualidade de nova perícia. Sempre que conveniente, os
laudos serão ilustrados com provas fotográficas, ou microfotográficas,
desenhos ou esquemas.
Este conhecimento de locais de crime não é novo, já em 1934 o cientista
forense Edmond Locard, ao elaborar o princípio da transferência, nos trouxe a
informação de que existe sempre a troca de vestígios entre os agentes
delituosos e o ambiente. O criminoso deixa algo seu no local, ou leva algo do
local consigo. Tal conceito é ilustrado pelo texto abaixo:
“Onde quer pise, onde quer que toque ou o que deixe, mesmo que
inconscientemente, irá servir como testemunha silenciosa. Não somente suas
digitais ou suas pegadas, mas seus fios de cabelo, as fibras de suas roupas, as
partículas de vidro que quebrou, as marcas de ferramenta que deixou, a tinta
que arranhou, o sangue ou o sêmen que depositou, todos estes materiais
serão testemunhas silenciosas contra ele. Isto é uma evidência que não falha.
Isto é uma evidência que não é duvidosa, como o depoimento nervoso de uma
testemunha ou a própria ausência desta. Estas são evidências concretas e
factuais. Evidencias deste tipo não se confundem. Elas não mentem e também
nunca estão ausentes. Somente sua interpretação pode gerar erros. Somente a
falha humana em achá-las, em estudá-las,e em entendê-las poderá diminuir o
seu valor probatório”. Paul L. Kirk, 1953.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Edmond Locard (1877 – 1966) foi um dos pioneiros no desenvolvimento das
Ciências Forenses. Ele formulou o princípio básico da criminalística: "Todo
contato deixa uma marca", que ficou conhecido como o princípio de Troca de
Locard. Locard estudou Medicina e Direito em Lyon, tornando-se o assistente
de Alexandre Lacassagne, criminologista e professor. Em 1910 ele começou
fundar seu próprio laboratório criminal. Ele produziu um monumental trabalho
de sete volumes, chamado Traité de Criminalistique e, em 1918, descreveu
doze pontos característicos para a identificação de impressões digitais.
Edmond Locard continuou com a sua pesquisa até a sua morte, em 1966.
Fonte: http://fdaf.org/jtissot/jt_locard.htm
Mas será que sempre se poderá encontrar o rastro material da conduta
delituosa? Como muitas outras perguntas em Criminalística a única resposta
possível é: Depende. Alguns pressupostos devem ser rigorosamente seguidos
para que os vestígios visíveis ou não
possam ser encontrados e coletados e esses princípios são: local
adequadamente isolado e preservado para a perícia, capacitação contínua do
quadro de peritos e existência de equipamentos e tecnologias corretas a cada
vestígio.
Se os fatores elencados no parágrafo anterior estiverem todos satisfeitos
ampliaremos sensivelmente as chances de encontrar e contextualizar os
vestígios da conduta delituosa.
Ampliaremos as chances de “ouvir” as testemunhas silenciosas e direcionar a
apuração, e com isso ampliaremos as probabilidades de condenar os
criminosos e eliminar os inocentes da suspeição causando maior sensação de
justiça na sociedade e maior sensação de punição entre os criminosos.
Como ponto ainda a ser relembrado, temos o fato de que as informações de
testemunhas e a confissão deverão ser refeitas no processo penal enquanto
que a análise de um local da forma adequada será impossível no curso do
processo penal. A intervenção pericial, mesmo com o maior cuidado possível,
alterará o local de crime, a simples coleta de um vestígio já altera o local. Isso
confere à perícia uma importância e uma responsabilidade muito grande, pois
as provas materiais nem sempre poderão ser reanalisadas.
CURIOSIDADE
Edmond Locard esteve no Brasil em 1921 para atuar como perito no caso
Bernardes (caso envolvendo Arthur Bernardes, o então candidato a presidência
da República do Brasil, em relação à autoria de carta com texto ofensivo ao
Exército Nacional). No entanto, Edmond Locard concluiu equivocadamente
pela autoria das cartas anônimas atribuídas ao ex-presidente, em decorrência
de aceitar como legítimos os padrões do anonimógrafo Oldemar Lacerda,
posteriormente desmascarado pelos laudos dos peritos cariocas Serpa Pinto e
Simões Corrêa.
Teoria dos vestígios
Para entender mais sobre vestígios e locais de crime faz-se necessário uma
breve revisão sobre a teoria dos vestígios.
Vestígios, em sentido amplo, são marcas, rastros, sinais, manchas, etc,
conforme exemplos mostrados na figura 4. Segundo Demercian e Maluly, 2001:
(...) são sinais, dados materiais, resquícios percebíveis pelos sentidos,
manifestações físicas que se ligam a um ato ou fato ocorrido ou cometido, isto
é, à infração penal. A apreciação pelos sentidos, desses dados materiais é que
constitui o exame de corpo de delito.
Para a Criminalística, vestígios são elementos materiais encontrados em um
local de crime ou que compõem um exame pericial e que podem estar ou não
relacionados com o crime, ou com o fato em apuração. Servem como matéria
prima na produção da prova material.
Figura 03 - Logo da Associação Mediterrânea de Ciências Forenses, exaltando
a importância dos vestígios (armas, impressões, DNA...) para a promoção da
justiça.
Relação dos vestígios com os fatos
Em investigações sempre existem muitos vestígios, muitos detalhes que
atraem a atenção dos investigadores e dos peritos. Um grande problema em
cenas de crime é determinar o vínculo entre os diversos elementos materiais
presentes na cena e sua relação com os fatos. Essa é uma questão crucial.
Imagine um perito chegando a uma cena de crime, e todos os elementos ali
presentes, quais são vinculados ao fato que se investiga? Todos? Esta é uma
questão crucial, e por isso nos deteremos um pouco classificando os vestígios.
Ressalta-se que é possível, diante de um fato criminoso, a investigação seguir
pistas falsas, que pareciam verdadeiras no início, perdendo
muito tempo e, às vezes, inviabilizando os trabalhos, porque nem sempre os
vestígios encontrados têm relação com os fatos.
Assim a Criminalística estabelece a seguinte classificação dos vestígios com
relação ao fato, conforme explicado a seguir sintetizado na figura 5:
Vestígios Ilusórios: aqueles que são encontrados numa cena de crime e
parecem relacionados ao fato. Alguns deles podem ser considerados
importantes e receberão a atenção dos peritos. Como se está no início dos
exames ainda não poderão ser descartados, pois parecem relacionados ao
fato. Receberão o tratamento adequado, serão coletados de acordo com a
cadeia de custódia, serão encaminhados para outras análises. Enfim tomarão
um tempo considerável da perícia até a definição de que não tem relação com
o fato e estavam no local de crime como fruto do acaso, mas no início era
impossível perceber. A advertência sobre a presença de vestígios ilusórios é
feita para que se saiba de sua existência e não para que se descarte “coisas”
ainda no início dos exames. Se o vestígio não tem claramente um sinal de
exclusão, a boa técnica determina sua coleta e análises. Poderia se perguntar
o que é um sinal claro de exclusão de um vestígio e no momento não existe
resposta para isso, pois dependerá de tantos fatores que não cabem no escopo
de uma obra como esta, apenas ressaltamos que isso é construído pela
experiência do perito e sua capacitação.
Vestígios Forjados: sua configuração é muito parecida com o vestígio ilusório,
diferindo daquele no seguinte aspecto: não estava na cena de crime por acaso,
foi “plantado lá” seja pelo autor ou por qualquer indivíduo que queira mudar o
rumo de uma investigação. São vestígios preparados para desviar a atenção
da investigação e conduzi-la a uma direção contrária aos fatos em apuração.
Apesar dessa condição de forjados, devem ser investigados, primeiro porque
não se deve desprezar nada no local, segundo, porque podem evidenciar
alguma pista do verdadeiro autor.
Vestígios Verdadeiros: são aqueles que, após depuração da equipe pericial,
conclui-se ter relação com os fatos em investigação, por serem resultado da
ação ou omissão do autor e cuja interpretação correta pode levar à elucidação
do crime.
Vestígio “bituca” de cigarro encontrado no local de crime
Hipóteses
1ª) A bituca de cigarro foi gerada por acaso, no local, por um indivíduo não
relacionado ao crime
3ª) A bituca de cigarro foi gerada, no local, por um indivíduo relacionado ao
crime (autor ou vítima)
2ª) A bituca de cigarro foi gerada por terceiros, e levadas propositalmente ao
local, para desviar a investigação
Vestígio Ilusório
Vestígio verdadeiro
Vestígio forjado
Figura 04 - Classificação dos vestígios quanto ao tipo.
IMPORTANTE:
É quase sempre muito difícil para o perito diferenciar vestígios verdadeiros,
ilusórios e forjados, no início dos trabalhos. Por isso, nenhum detalhe pode ser
desprezado; tudo deve ser investigado e analisado cuidadosamente, não se
deve seguir uma pista só.
Relação dos vestígios com o autor
Antes de se falar da relação dos vestígios com seu autor, é preciso esclarecer
que o agente de vestígios, ou o autor de vestígios, nem sempre é o ser
humano, embora ele esteja, de certa forma, por trás de todos os
acontecimentos de interesse da Criminalística, e possa deixar vestígios por
meio de marcas de seu corpo, como a impressão digital, pegada, ou
substâncias como esperma, sangue, saliva, pele, pelos, etc. Tecnicamente, são
chamados de agentes de vestígios, além dos homens, os animais, objetos,
instrumentos que, natural ou artificialmente, provocam vestígios materiais.
De acordo com sua relação com o autor, os vestígios são classificados em:
Absolutos: aqueles que permitem que se estabeleça relação absoluta, direta
com o seu autor ou com a vítima, como, por exemplo, impressão digital e
material genético contido em vestígios biológicos. Nesse caso, quem deixou
impressão digital ou sangue no local, deixou uma parte identificável de si
mesmo.
Relativos: aqueles que não guardam relação absoluta, identificável de pronto
com o seu autor. Sua relação com o autor é por meio da identificação da classe
a que pertence. O sangue contendo material genético identificável por meio de
DNA é um vestígio absoluto, entretanto se não puder ser obtido o DNA, mas
apenas a tipagem sanguínea do sangue (A, B, AB ou O), o vestígio será
relativo, pois direcionará a busca do autor a uma classe de indivíduos
portadores daquele tipo sanguíneo.
Fica claro, na primeira leitura, que preferimos os vestígios absolutos, mas
esses não são os mais frequentes. O perito deve estar atento ao fato de que a
segurança de um vestígio relativo somado a outros elementos podem levar
com segurança ao autor do fato.
A relação pode ser estabelecida de forma indireta. Imagine a seguinte situação:
encontramos vestígios biológicos de manchas de sangue que por alguma razão
não conseguimos extrair DNA de forma segura para uma comparação, temos
apenas a possibilidade da tipagem sanguínea e o resultado foi para sangue
O+. O de maior probabilidade de ocorrência na população brasileira, Isso não
prova nada não é mesmo? Mas imagine que no curso da investigação se
descubra dentre todos os possíveis suspeitos que apenas dois deles tem o
sangue tipo O+. A amostragem diminui consideravelmente não é? Pois de
todos os indivíduos com sangue tipo O+ apenas estes dois poderiam ser os
suspeitos. Um indivíduo com sangue AB já poderia ser descartado como
suspeito.
Os vestígios relativos podem chegar a identificar um único suspeito
dependendo da quantidade de informações às quais ele se soma. Dizemos que
se temos vestígios relativos
suficientes e vamos cruzando os dados, iremos reduzindo sempre o número de
suspeitos, até chegar a individualizá-lo.
Ainda com relação a relacionar vestígios com seu autor, pode se utilizar o
mesmo raciocínio para elementos materiais e um bom exemplo disso é a
Balística Forense. Se a única coisa possível a se determinar de uma arma
utilizada é seu calibre (todos os demais elementos identificadores encontram-
se prejudicados) podemos dizer que temos um vestígio relativo que exclui
todas as demais armas de calibres diferentes e podemos concentrar nossa
atenção na busca por aquela arma de determinado calibre, o que deixa a
procura mais seletiva e, portanto, mais efetiva. O mesmo raciocínio vale para
marcas de impacto e ferramentas, veja maiores detalhes no capítulo 6.
Vestígios e Indícios
Conforme visto anteriormente, vestígio é o objeto do exame pericial que pode
ou não estar relacionado com o evento que deflagrou a solicitação da análise
pericial.
Já indício é uma palavra que o Código de Processo Penal define, em seu art.
239, da seguinte forma: “considera-se indício a circunstância conhecida e
provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias”.
Da interpretação desse dispositivo legal, pode-se concluir que indício é uma
suspeita fundamentada que pode muitas vezes não ser representada por meio
de vestígios materiais. O indício é, portanto, uma hipótese sobre determinado
fato, cujo valor é diretamente proporcional ao número de provas encontradas
para provar a sua existência.
Os indícios de um crime podem ser representados por meio de vestígios
materiais ou circunstanciais.
Alguns autores trazem ainda para o corpo da criminalística o conceito de
evidência. Para esses autores, evidência é o vestígio, que após as devidas
análises, tem constatada técnica e cientificamente, a sua relação com o crime.
Assim, no momento em que os peritos chegam à conclusão que tal vestígio
está – de fato – relacionado com o evento periciado, ele deixará de ser um
vestígio e passará a denominar-se evidência. De maneira resumida, há autores
que consideram que vestígio é o material bruto constatado e/ou recolhido no
local do crime, enquanto que evidência é o vestígio analisado e depurado,
tornando-se uma prova por si só ou em conjunto, para ser utilizada no
esclarecimento dos fatos.
Uma vez que tal expressão não está reproduzida no Código de Processo
Penal, optou-se nesta obra, por adotar apenas os conceitos relacionados a
vestígios e indícios.
Apesar das diferenças conceituais, é comum nos depararmos com o uso, por
leigos e até mesmo por técnicos, das três expressões como se fossem
sinônimos.
Cadeia de custódia
O termo “cadeia de custódia” refere-se a uma sucessão de eventos seguros e
confiáveis que deverão ter início de forma legal no primeiro contato da polícia
com o vestígio. Este é um termo
que deve ser considerado com muita cautela, pois é de importância
fundamental para a persecussão penal. Imagine a seguinte situação: existe no
setor de Criminalística de determinada região um dos melhores laboratórios de
genética forense, capaz de extrair amostras de DNA de vestígios complexos
(por exemplo: cadáveres em elevado estado de decomposição) e ainda
elaborar resultados com a velocidade adequada. Suas análises possuem uma
confiança e credibilidades inigualáveis. Este laboratório recebeu uma camiseta
contendo sangue e também a amostra do suspeito. O resultado foi concludente
e positivo. No curso do julgamento da ação penal a defesa apresentou à corte
a fotografia de um policial manuseando a veste questionada no local de crime
sem luvas. Isso diminuiu a credibilidade da prova? Diminuiu o valor probatório
do resultado do DNA? Independente da resposta que você está elaborando em
sua mente, saiba que a fotografia em questão acrescentou sobre a camiseta o
seguinte questionamento: será que a polícia manuseou corretamente o vestígio
em questão a ponto de garantir sua idoneidade? Será que a camiseta que a
perícia recebeu foi a mesma coletada no local de crime? Será que outros
manipularam o vestígio?
No nosso caso fictício concluímos que a dúvida surgida anulou o exame de
DNA e a defesa conseguiu excluir uma importante prova da acusação e que
era a única que individualizava o suspeito. Não houve condenação apesar do
pleno conhecimento dos fatos. Neste exemplo, considera-se que houve quebra
da cadeia de custódia.
UM POUCO DE HISTÓRIA
Percebendo que o DNA era o principal conjunto de provas, as alegações da
defesa foram centradas basicamente na manipulação incorreta e contaminação
de vestígios. Introduziram um grau de “dúvida razoável” com relação à autoria
do crime.
Assim, após 133 dias de julgamento, O. J. Simpson foi declarado inocente.
Na noite do dia 12/06/1994, Nicole Brown Simpson e Ronald Goldman foram
encontrados mortos na casa de Nicole, em Brentwood, Los Angeles, California.
As investigações apontaram Orenthal James (O. J.) Simpson, ídolo do futebol
americano como principal suspeito.
Sem a arma do crime, sem boas impressões digitais, sem testemunhas e sem
confissão do principal suspeito, a polícia se concentrou principalmente nos
vestígios biológicos que eram abundantes na cena do crime.
Consideramos então que o cuidado com os vestígios desde sua origem até sua
destinação final é um dos elementos garantidores das informações extraídas
dos mesmos. A isso chamamos cadeia de custódia.
São duas as formas mais importantes para se iniciar a cadeia de custódia: a
perícia em locais de crime e a execução de mandados de busca e apreensão.
Em ambos instrumentos os cuidados devem ser tomados tanto no âmbito
técnico quanto no âmbito legal.
Como nossa análise é direcionada a locais de crime, nosso enfoque será este,
mas o raciocínio é válido para qualquer outra forma em que vestígios materiais
sejam trazidos ao escopo de uma investigação.
De nada adiantará possuirmos a melhor estrutura de análise se o vestígio tiver
sua origem questionada. O principal cuidado é garantir sua segurança e
idoneidade. Este cuidado é função de toda a polícia, senão de nada adiantarão
as mais modernas tecnologias criminalísticas se o vestígio apresentar pontos
questionados (técnicos ou jurídicos) em sua obtenção e coleta. Se um vestígio
material com valor probatório tiver sua origem questionada, o processo como
um todo poderá ser ineficiente no que tange à aplicação da Justiça. Indivíduos
culpados podem ser postos em liberdade por quebra da cadeia de custódia.
Concluímos, então, que cadeia de custódia é uma sucessão de eventos
seguros e confiáveis que, tendo origem na cena de crime, mantém a
idoneidade legal e a preservação técnica necessárias para que esses vestígios
não venham nunca a ter sua origem e manuseios questionados até sua
utilização pela Justiça como elemento probatório.
Para isso é necessário que cada vestígio coletado seja devidamente
documentado, como veremos no capítulo sobre documentação de vestígios.
A figura abaixo apresenta, de forma suscinta, um modelo de formulário que
pode ser usado desde a cena de crime até a guarda definitiva do vestígio
material.
Figura 05 – Exemplo de formulário de cadeia de custódia.
6.3 O Laudo Pericial
O laudo pericial é o documento no qual os peritos expõem todo o roteiro dos
exames periciais realizados, descrevem as técnicas e métodos científicos
empregados e emitem a conclusão. É, portanto, um documento técnico-formal
que exprime o resultado do trabalho dos peritos.
Vale ressaltar que um exame pericial pressupõe um trabalho de natureza
eminentemente técnico-científica e da maior abrangência possível. É, portanto,
trabalho (exame pericial) levado a efeito por especialistas (peritos), que têm
obrigação de dar a maior abrangência possível ao exame.
Sabe-se que um exame pericial deve se pautar pela mais completa
constatação do fato, análise e interpretação e, como resultado final, as
conclusões resultantes da interpretação dos resultados dos exames. Os peritos
não devem se restringir ao que lhes for perguntado ou requisitado, mas devem
estar sempre atentos a outros fatos que possam surgir no transcorrer de um
exame, que tenham relação com o fato em tela.
O laudo pericial é, portanto, o resultado final de um completo e detalhado
trabalho técnico-científico, levado a efeito por peritos, cujo objetivo é o de
subsidiar a Justiça em assuntos onde existem vestígios a serem
analisados. Apesar de não ser uma regra rígida, podemos dizer que o laudo
pericial tem como destinatário final a Justiça. No caso da justiça criminal, por
força do artigo 178 do Código de Processo Penal, o laudo sempre terá como
destinatário final a Justiça.
6.3.1 Laudo Pericial Criminal (Laudo Oficial)
O laudo pericial que se destina à Justiça Criminal tem como suporte uma série
de formalidades e de regulamentos emanados, principalmente, do Código de
Processo Penal, que o diferencia em vários aspectos daqueles destinados à
Justiça Cível.
A principal característica do laudo pericial criminal é que todas as partes
integrantes do processo dele se utilizam, pois é peça técnica-pericial única,
determinada a partir do artigo 159 do CPP. Como vemos, qualquer
necessidade de perícia no âmbito da Justiça Criminal deve ser atendida por
peritos oficiais – aqueles profissionais de nível superior ingressos no serviço
público mediante concurso, com a função específica de fazer perícias.
Em razão de ser prestação jurisdicional emanada do Estado, reveste-se da
oficialidade e publicidade, sendo o laudo oficial parte do inquérito policial e,
posteriormente, do processo criminal, seu destinatário final.
Para que a perícia seja válida e eficiente é fundamental que o laudo pericial
seja compreendido e assimilado. Dentro do contexto de investigação, portanto,
tão importante quanto esclarecer um fato é conseguir transmiti-lo com precisão,
permitindo sua compreensão também por aqueles que não são especialistas
no assunto. A credibilidade de um laudo está diretamente ligada ao seu
desenvolvimento, clareza, precisão e coerência.
Um laudo vai muito além de um documento pessoal. Por esse motivo, devem-
se utilizar formas convencionadas de descrição, palavras simples e eficientes,
também se valendo de termos técnicos que possam indicar com precisão o fato
descrito. A riqueza de detalhes da descritiva é importante, porém sem tornar o
relato rebuscado, prolixo ou cansativo. Para a maioria dos doutrinadores, o
laudo pericial deve ser elaborado com a seguinte estrutura básica:
I- Preâmbulo: discrimina título e subtítulo do laudo; hora, data e local em que
foi elaborado o laudo pericial; o nome do instituto ou órgão de perícia do qual é
originário; a data da requisição e ou solicitação; nome da autoridade que
requisitou;
nome do diretor do órgão pericial e dos peritos signatários. Transcreve-se
também, literalmente, os quesitos apresentados pela autoridade requisitante.

II- Histórico: relata pequeno histórico da requisição, bem como síntese do fato
que originou a requisição.

III- Objetivo: descreve quais objetivos motivaram a realização da perícia, que


geralmente refletem os quesitos formulados pela autoridade requisitante da
perícia.

IV- Exames Periciais: descrição de todas as técnicas e os métodos


empregados para realização dos exames periciais, bem como os resultados
obtidos.

V- Considerações Técnicas ou discussão (se necessário): na maior parte


das vezes, a partir dos exames periciais pode-se partir para a conclusão do
laudo de forma clara. Porém, em certos casos há a necessidade de cotejar
fatos, de analisá-los e de dissipar dúvidas. Por meio da discussão asseguram-
se conclusões lógicas, afastando as hipóteses capazes de gerar confusão.
Enfim, relata-se neste tópico as análises e interpretações das evidências
constatadas e respectivos exames, de maneira a facilitar a compreensão e
entendimento por parte dos usuários do laudo pericial.

VI- Conclusão ou resposta aos quesitos: A conclusão pericial dever ser,


obrigatoriamente, uma conseqüência natural do que já fora argumentado,
exposto ou demonstrado nos tópicos anteriores do laudo. Mesmo que não seja
possível uma conclusão categórica em determinada perícia, deverá constar no
laudo o tópico correspondente e nele ser informada a impossibilidade de
conclusão face aos motivos que devem ser relacionados (exigüidade de
vestígios, falta de preservação, etc...) de
forma clara e explicativa. Em alguns casos, os peritos terão condições de
eliminar algumas hipóteses e, com isso, delimitar o trabalho dos investigadores.
A eliminação de algumas destas possibilidades é, na verdade, uma conclusão
pela exclusão.

VII- Fecho ou encerramento: relata a finalização do laudo, indicando o


número total de páginas do documento e que estas seguem numeradas e
rubricadas pelos peritos subscritores, terminando com o nome do(s) perito(s) e
respectiva(s) assinatura(s).

Foi apresentada a estrutura básica da maioria dos laudos periciais. Quando se


analisa cada área da Criminalística (química forense, documentoscopia,
balística forense, por exemplo), no entanto, bem como os laudos emitidos pelos
diferentes centros de perícias criminais do Brasil, observa-se que alguns
desses itens são diferentes entre os laudos. Eles não reproduzem exatamente
a estrutura apresentada acima Isso porque o perito não precisa ficar restrito
aos itens apresentados anteriormente, podendo, a seu critério e conforme o
caso específico, criar outros itens no laudo, tais como EXAMES
COMPLEMENTARES, DA REMOÇÃO DO CADÁVER, entre outros.
Além das características mencionadas, é importante frisar que o Laudo é um
documento técnico-científico e, como tal, deve apresentar termos exatos,
breves e claros. Deve-se evitar a adjetivação em excesso, por exemplo: “ trata-
se de uma corda forte e bonita”. Em criminalística, deve-se conceituar um
objeto buscando sempre a definição real, sua natureza e sua propriedade
essencial, tal como: “trata-se de um cabo trançado por tantos feixes de fibra X,
com cerca de Y de diâmetro, de tal comprimento, com resistência a tração de
não menos que W Kg, de cor tal, popularmente denominada corda, tal que
pode ser utilizada como instrumento para tal finalidade”.
Outro ponto importante na construção de um laudo pericial diz respeito a
ilustrações, fotografias, croquis e esquemas que facilitam a compreensão
daquilo que se quer transmitir, devendo ser utilizados sempre que possível.
Como dizem no jargão da criminalística: “Uma foto vale por mil palavras”.
6.4 Conclusão pericial
A conclusão pericial é o desfecho final de todo um trabalho que os peritos
venham a desenvolver durante a realização dos exames de uma determinada
perícia. Para cada área de atuação, vamos encontrar as nuanças e abordagens
características na formulação da respectiva conclusão. Dessa forma, para
qualquer tipo de perícia, existem regras básicas que devem ser seguidas para
a formulação de uma conclusão pericial coerente com os elementos materiais
analisados. Devemos considerar também as peculiaridades de cada uma
dessas regras para possibilitar a interpretação final e completa sobre aquele
tipo de perícia de que estejamos tratando.
O perito tem fé pública naquilo que afirma em seu laudo, porém não podemos
partir do pressuposto que, por isso, não precisa dar maiores explicações sobre
os fatos periciados. Na realidade não se trata de explicações, mas de
fundamentação técnico-científica. Ao chegarmos ao item do laudo destinado à
conclusão, o leitor/usuário já deverá ter quase a certeza do que irá encontrar
sobre a conclusão daquela perícia, em razão da correta descrição de todos os
exames realizados e das respectivas análises e interpretações que tenha
encontrado no corpo do laudo.
Também é salutar esclarecer que o perito nem sempre conseguirá reunir os
elementos necessários para uma conclusão pericial, seja por exigüidade de
vestígios ou até por destruição deles em razão de preservação inadequada.
Por isso, existem conclusões enfáticas, excludentes e de probabilidade, além
das situações onde não há elementos que permitam se chegar a uma
conclusão. Tais tipos são mais bem descritos a seguir.
6.4.1 Conclusão enfática
Para estabelecer uma conclusão pericial devemos partir do campo das
possibilidades. Observem que esse universo de possibilidades é muito amplo,
todavia, para que seja estabelecida uma conclusão pericial enfática. Dentro do
que a técnica criminalística exige, somente poderá restar uma possibilidade
para aquele evento que o perito esteja analisando.
Inicialmente, se formos devanear pela dimensão da ciência, poderemos achar
que será muito difícil estabelecer uma conclusão dentro dessa regra tão rígida.
De fato, a regra é rígida, mas a ciência tem condições de subsidiar o perito com
as ferramentas necessárias. Assim, para chegarmos a essa única
possibilidade, temos apenas duas situações capazes para tal.
A primeira situação será quando, no conjunto das evidências (ou vestígios,
como é mais usado no universo da Criminalística) constatadas e examinadas,
tivermos uma que, por si só, seja determinante. Obviamente a evidência
determinante, nesse caso, deve estar caracterizada por sua condição
autônoma associada ao seu significado no evento periciado, conforme já
comentamos em tópico anterior.
A segunda será quando os peritos reunirem duas ou mais evidências, não
determinantes individualmente, mas que, no seu conjunto de informações
técnico-científicas, levem a uma única possibilidade. Nesse caso, terão
informações suficientes para respaldar as suas afirmações quanto à conclusão
pericial categórica, a exemplo da primeira situação.
Fora dessas duas situações, não há que se falar em chegar a uma
possibilidade, pois não existe. Os peritos só podem concluir um fato periciado,
portanto, se reunirem essas condições de forma irrefutável e comprovável
cientificamente.
6.4.2 Conclusão excludente
Existem várias situações em que, apesar da quantidade ou variedade de
evidências, mesmo analisando-as em seu conjunto, não será possível chegar a
uma definição quanto à conclusão pericial. Nesse caso, os peritos não poderão
fazer qualquer afirmação conclusiva, pois haverá mais de uma possibilidade
técnico-científica para aquele evento. Em não sendo possível estabelecer uma
conclusão pericial, porém, restarão alternativas também importantes que
podem auxiliar no contexto geral das investigações e, posteriormente, à
Justiça. Referimo-nos ao que se poderia caracterizar uma conclusão invertida,
ou seja, o que chamamos de conclusão excludente.
Na perícia criminal, analisando a morte de uma pessoa, por exemplo,
poderemos encontrar quatro situações: morte natural, acidente, suicídio ou
homicídio. Se os peritos, ao analisarem a situação, eliminarem totalmente as
possibilidades de morte natural e de acidente, chegarão à conclusão de que
aquela morte não ocorreu por morte natural ou acidente. Foram excluídas,
portanto, essas duas possibilidades. E, logicamente, os peritos devem utilizar a
mesma regra da “única possibilidade” para chegar a tal resultado.
Em um exemplo, valendo-nos de alguma situação de perícia contábil, vejamos
um caso em que se apresente uma fraude por pagamento fictício de débito.
Apresentar-se-ia, então, como situação possível: primeiro que o pagamento
ocorreu verdadeiramente; a segunda seria que o pagamento fora, de fato,
fictício e praticado pelo funcionário da empresa; a terceira situação seria que tal
fato ilícito fora realizado por alguém no escritório de contabilidade; e, por
último, que tenha ocorrido o desvio por ação do próprio funcionário do banco.
Se os peritos, ao analisarem a situação, chegarem à determinação de que o
pagamento não ocorreu, teremos assim a conclusão de exclusão sobre a
efetividade da quitação do débito. Continuando no exemplo, poderão também
determinar que tal fato não envolve o banco, excluindo, assim, mais uma
possibilidade. Ficariam, então, apenas duas possibilidades restantes para que,
por outros meios de esclarecimento, se chegasse ao verdadeiro autor do delito.
Dessa forma, será muito comum nos exames periciais encontrarmos casos em
que, mesmo não havendo conclusão enfática do caso, os peritos poderão
excluir hipóteses possíveis. Certamente essas conclusões, que forem excluídas
do conjunto de possibilidades, vão facilitar a continuidade das análises
(objetivas ou subjetivas) para o esclarecimento total da situação em questão.
6.4.3 Considerações de probabilidade e impossibilidade de conclusão
As duas situações que vamos discutir a seguir dizem respeito àqueles casos
em que os elementos materiais disponíveis à perícia são extremamente
exíguos. Chamamos a atenção, entretanto, para a importância de o perito
analisar com toda a minúcia possível e carrear para o seu laudo todo tipo de
informação que seja aproveitável no contexto de utilização de outros meios
para o esclarecimento daquele caso.
6.4.3.1 Considerações de probabilidade
Existirão casos onde os vestígios serão insuficientes para que os peritos
cheguem a possíveis diagnósticos e, portanto, se limitarão a indicar mera
probabilidade para um dos possíveis diagnósticos. Encontraremos situações
em que os vestígios encontrados não serão capazes de embasar sequer a
eliminação de alguma das possibilidades levantadas na investigação, restando
– de acordo com os dados técnico-científicos reunidos e analisados – apenas
maior probabilidade para uma dessas possibilidades focalizadas.
Então os peritos devem analisar profundamente todos os fatos e discutirem em
seus laudos todo esse universo dos exames, onde deverão levantar essas
probabilidades de diagnóstico (conclusão). Devem sempre deixar muito claro
que não se trata de uma conclusão e sim de mera probabilidade de resultado
possível, o que, obrigatoriamente, deverá ser complementado por outros meios
de esclarecimento daquele caso, visando ao resultado enfático, que não estará
mais na alçada da perícia. Outro fato para o qual chamamos a atenção é a
necessidade de que o perito seja um pouco mais prolixo em suas
argumentações para explicar tal probabilidade, tendo sempre o cuidado de ser
muito claro em seu texto para não causar dúvidas de interpretação pelos
usuários do laudo.
6.4.3.2 Impossibilidade de conclusão
De forma mais rara, mas possível, podemos dizer que haveria ainda uma
situação em que a pouca quantidade de elementos a serem examinados
(vestígios) é tamanha que os peritos se limitarão a informar no laudo a
impossibilidade de concluir o evento periciado face a exigüidade de vestígios.
Apesar de não haver conclusão nesse caso, muitos laudos são expedidos
dessa forma. Alertamos os peritos que essa situação pura e direta somente
deverá ser utilizada quando – de fato – os vestígios forem insuficientes. Como
vimos até aqui, para que os peritos realizem um exame satisfatório do ponto de
vista técnico-pericial, deverão observar uma série de requisitos e
procedimentos técnicos, a fim de que possam - ao final - chegar à plenitude de
um resultado possível.
6.5 Perícia e limites da materialidade
A perícia, independente de sua aplicação criminal, cível ou trabalhista e
aplicável a qualquer área do conhecimento científico, deve se pautar
rigorosamente por um limite muito claro: o limite da materialidade.
Quando os peritos realizam uma perícia, é fundamental que tenham em mente
que o processo de esclarecimento sobre os fatos analisados pode vir de outras
fontes que não aquelas por meio da perícia, uma vez que esta deve realizar
seu trabalho exclusivamente a partir de elementos materiais que possam ser
analisados objetivamente. O perito pode, evidentemente, valer-se de
informações
subjetivas (testemunhos, entrevistas, etc.) dentro de seu trabalho, desde que
essas sirvam apenas para chegar à materialidade. Essa regra é
importantíssima como forma de preservar a realização de exames periciais
baseados exclusivamente em elementos objetivos e que possam ser
trabalhados e analisados a partir da aplicação de conhecimentos científicos
compatíveis para cada caso.
6.5.1 A subjetividade assessória
Lembrando que a regra básica para a realização de perícia é o limite da
materialidade de seus elementos, mais recentemente observamos alguns
estudos e pesquisas sobre a extensão do trabalho pericial a partir da
consideração de elementos subjetivos (não materiais) para a interpretação de
situações diversas.
Na verdade, não se trata de incorporar elementos subjetivos à perícia, mas de
utilizar o contexto pericial para ir além desta perícia e fazermos considerações
e interpretações subjetivas para buscar um resultado adicional que possa
auxiliar a investigação e o processo judicial. Todavia, essas interpretações
devem estar inseridas em uma razoabilidade científica que assegure um
resultado de convicção técnica, mesmo que seja subjetivo. Para melhor
entendimento, vejamos o exemplo de uma reprodução simulada. Ao tomarmos
a versão de uma pessoa no local dos fatos, essa ação é subjetiva (a versão),
mas a interpretação de coerência e veracidade será verificada a partir dos
elementos materiais encontrados durante os exames periciais.
7. Referências
VELHO, J.A e colaboradores. Ciências Forenses. 2ª Edição. Campinas:
Millennium Editora, 2013.
VELHO, J.A e colaboradores. Locais de Crime. 1ª Edição. Campinas:
Millennium Editora, 2013.
RABELLO, E., Curso de Criminalística: sugestão de programa para as
faculdades de direito. Porto Alegre, Sagra – D C Luzzato, 1996.
ZARZUELA, J.L., Temas Fundamentais de Criminalística. Porto Alegre, Sagra
– D C Luzzato, 1996.
PÔRTO, G. Manual de Criminalística. São Paulo, Escola de Polícia de São
Paulo – Coletânea Acácio Nogueira, 1960.
FRANÇA, G.V. – Medicina Legal, 8ª Edição. Editora Guanabara-Koogan, Rio
de Janeiro, 2008.
CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 12ª ed.rev. e atu.,São Paulo:
Saraiva, 2005. ISBN 85-02-05002-8.
CAVALCANTI, Ascendino. Criminalística Básica. Porto Alegre: Sagra –
D.C.Luzzatto, 1995, 238p.
ESPINDULA, Alberi. Perícia Criminal e Cível. 3ª Edição. Campinas: Millennium
Editora, 2009, 432p.
WEBER, M.1999. Economia e sociedade: fundamentos de Sociologia
Compreensiva. V. 2. Brasília: UNB.
FACHONE, Patrícia de Cássia Valério. Ciência e Justiça: a institucionalização
da ciência forense no Brasil / Patrícia de Cássia Valério Fachone. -- Campinas,
SP , 2008. Dissertação (Mestrado), Instituto de Geociências, Universidade
Estadual de Campinas.

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