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PARTE 1

1. Introdução: O que é Medicina Legal?


É uma disciplina de Medicina? É uma disciplina de Direito? Para que serve? O que vou
aprender nessa matéria? Por que estou perdendo tempo numa simples definição?
A Medicina legal é um ramo de conhecimento interdisciplinar, estando envolvidos Medicina e
Direito, razão pela qual é disciplina de ambos os ramos.

Medicina Legal

Obs: Amarelo e azul são cores primárias (as que não podem ser obtidas mediante a
mistura de nenhuma outra cor), sendo que sua mistura resulta na cor verde.

1.1 Definições encontradas em doutrina

São várias as definições apresentadas em doutrina. Para Neusa Bitar (Medicina Legal e
Noções de Criminalística-7ª edição), é a “parte da Medicina que está a serviço da Justiça”. Genival
Veloso de França (Medicina Legal- 9ª edição) traz inúmeras definições, de terceiros e dele próprio,
citando-se como exemplo: “A arte de pôr os conceitos médicos ao serviço da administração da
Justiça” (Lacassagne), “A aplicação das ciências médicas ao estudo e solução de todas as questões
especiais, que podem suscitar a instituição das leis e a ação da Justiça” (Legrand du Saule), “a
Medicina Legal é a contribuição da medicina, e da tecnologia e outras ciências afins, as questões do
Direito na elaboração das leis, na administração judiciária e na consolidação da doutrina (Genival
Veloso de França).

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1.2 Discussão

No entanto, a definição que vimos, sintetizada das demais, fazendo uma interpretação
restritiva, nos leva a crer que a medicina estaria servindo de instrumento para resolver problemas
atinentes a processos judiciais (isso extraído dos vocábulos “Justiça” e “administração judiciária” –
quanto a este, que consta na definição de Genival Veloso de França, talvez tenha sido empregado
pelo autor em sentido diverso do técnico, pois, como se demonstrará mais adiante, ele mesmo traz
diversos exemplos de relação da Medicina Legal com o Direito incondizentes com a interpretação
mais restrita), o que é incorreto. Verifica-se como exemplo no qual tal raciocínio parece verdadeiro
o artigo 26 do Código Penal, que traz casos de inimputabilidade (exclusão da imputabilidade,
requisito para constituição do elemento “Culpabilidade” no conceito estratificado de crime). No caso,
doença mental e desenvolvimento mental incompleto ou retardado são conceitos definidos pela
Medicina (estudando o ser humano, a Medicina identificou patologias que tiveram tal classificação),
e, além disso, a imputabilidade penal é verificada somente quando do processo penal (à exceção de
quando determinado incidente de insanidade mental durante as investigações criminais, hipótese do
inciso XIII do artigo 3º-B do Código de Processo Penal). No entanto, os conhecimentos de Medicina
Legal não se referem apenas a processos judiciais, sendo, na verdade, esta, talvez uma pequena parte
de sua aplicação. Grande parte da medicina legal se aplica em fase pré-processual, durante o inquérito
policial (fase administrativa, sendo as polícias judiciárias-por mais estranho que seja-pertencentes ao
Poder Executivo), na investigação de mortes violentas ou suspeitas, verificando-se como exemplo os
incisos I e II do artigo 6º c/c artigos 158 e 159 do Código de Processo Penal c/c §§1º e 2º da Lei
12.830/2013, no qual se verifica hipótese de requisição de exame em local pela Autoridade Policial
(no caso do exemplo o local seria morte violenta ou suspeita, porém os locais submetidos a exame
podem ser de acidente de trânsito, arrombamento, ou qualquer outro local em que vislumbrarem
vestígios relevantes à elucidação dos fatos relevantes a investigação criminal).

Fazendo uma interpretação extensiva do apanhado de todas as definições, pode-se


entender que Medicina Legal é, basicamente, conhecimentos de medicina utilizados às questões
relevantes ao Direito, ou seja, é aquilo que é estudado quando o Direito precisa de conhecimentos do
campo da Medicina para resolver suas questões, o que é também incorreto. Em Medicina Legal se
verificam também conhecimentos de Direito aplicados a questões relevantes à medicina, o que ocorre
em casos como o delineamento de condutas lícitas por parte dos médicos, dando-se como exemplo
as hipóteses de licitude/ilicitude do aborto e licitude/ilicitude de assistência à morte. Ademais, há
ainda incidência da matéria em âmbito administrativo, vez que existem regramentos (atos
administrativos normativos) referentes, por exemplo, a emissão de Declaração de Óbito pelo Serviço

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de Verificação de Óbito e pelo Instituto Médico Legal (havendo, por consequência, submissão a
exame necroscópico), que consta na Portaria nº 116/2009-Ministério da Saúde.

Assim, temos evidenciado que existem influências recíprocas entre as áreas de


conhecimento, não havendo uso de uma pela outra. No entanto, existem ainda outras ciências
envolvidas. Genival Veloso de França (Medicina Legal- 9ª edição, pág. 3) traça relação da Medicina
Legal com campos da Medicina (Patologia, Psiquiatria, Traumatologia, Neurologia, Radiologia,
Anatomia e Fisiologia Patológicas, Microbiologia e Parasitologia, Obstetrícia e Ginecologia e todas
as especialidades médicas), do Direito (Direito Penal, Direito Civil, Direito Administrativo, Direito
Processual Civil, Direito Processual Penal, Direito Constitucional, Lei das Contravenções Penais,
Direito Trabalhista, Direito Penitenciário, Direito Ambiental, Direito dos Desportos, Direito
Internacional Público, Direito Internacional Privado, Direito Comercial e Direito Canônico), da
História Natural (Antropologia, Genética e problemas da identidade e identificação), da Entomologia
(determinação do tempo de morte pela fauna cadavérica), da Química, da Física, da Toxicologia, da
Balística, da Dactiloscopia, da Documentoscopia, da Sociologia, da Economia, da Demografia, da
Filosofia, da Estatística, da Informática e da Ecologia. Como se observa, o autor pormenoriza diversas
influências, porém entendemos que as diversas divisões das áreas apontadas já estão abrangidas em
Direito e Medicina. Quanto a alguns ramos, tais como Entomologia, Dactiloscopia e
Documentoscopia verifica-se sua maior ligação à Criminalística do que à Medicina Legal, em que
pese se tangenciarem em aspectos ligados ao corpo humano, tendo sido citadas pelo autor talvez em
razão do fato de que quando no início da fase técnico-científica da medicina legal, cabia a esta, além
do exame do corpo humano, o exame dos vestígios extrínsecos a ele. Após, com o desenvolvimento
da Criminalística, o exame desses vestígios extrínsecos passou a ela, ficando a Medicina Legal a
cargo apenas dos vestígios intrínsecos.

1.3 Conclusão

Não se verifica o uso instrumental de uma área do conhecimento pela outra (quanto menos
a utilização da Medicina em processos judiciais), mas sim a influência recíproca, dando origem a uma
área de conhecimento interdisciplinar formada por Direito e Medicina utilizada para questões de
ambas as matérias, seja para planejar (elaboração de leis e atos administrativos normativos), analisar,
orientar, estabelecer e executar procedimentos, ou qualquer outra atividade que requeira tais
conhecimentos.

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O que é estudado em Medicina Legal é o conjunto de competências que se encontram na
área de intersecção de Medicina e Direito.

Quais os conhecimentos que envolvem Medicina? Biologia, Física, Química e


Matemática.

Quais os conhecimentos que envolvem Direito? Sociologia, Filosofia e Ciência Jurídica.

1.4 A importância da definição

Para haver rigor científico no estudo de determinada matéria é necessário, além de método
científico, haver definição do objeto. Sem essa convergência não há acúmulo de conhecimentos na
matéria, pois não há foco, e não se avança também porque essa a produção de conhecimentos é uma
atividade progressiva, sendo novos conhecimentos construídos sobre os produzidos previamente.

Tendo a definição do que é o objeto de estudo, pode-se ter uma visão holística de seu
campo, evitando-se lacunas de aprendizado (ou “aprendizado ao estilo queijo suíço”), hipótese na
qual algumas coisas não fazem sentido porque um aprendizado anterior é a síntese necessária para se
aprender algo novo. Essas lacunas são muitas vezes supridas com o ato de “decorar”.

Entender o objeto de estudo nos poupa muitas vezes de decorar o conteúdo, pois entender
os conhecimentos que envolvem a matéria e as habilidades que implicam pode “destravar” o nosso
raciocínio para alguns insights. Por exemplo: se formos pensar numa característica de lesão post
mortem, qual seja, ausência de infiltração de sangue na lesão incisa. Você pode decorar tal
característica, ou você pode entender que, com a morte, com a consequente parada do sistema
circulatório, o sangue sofre ação da gravidade, depositando-se nos locais mais baixos do corpo (locais
determinados por sua posição), formando os “livores de hipóstase”. Se houver lesão incisa nas partes
mais altas do corpo, não haverá infiltração de sangue nela, pois não há circulação e o sangue não
estará presente naqueles vasos, vez que ele estará nos vasos da parte mais baixa do corpo. Agora
imagine que o cadáver está suspenso e você efetua uma lesão incisa em uma de suas partes mais
baixas (local em que se instalam livores e considerando que eles ainda são móveis- menos de 8 a 12
horas da morte). Como existe sangue nos vasos sanguíneos dessa região, haverá infiltração na lesão!

Assim, você pode simplesmente decorar a “característica de lesão post mortem” ausência
de infiltração, sem entender seu motivo e sem, por consequência, analisar criticamente suas hipóteses,
não vislumbrando quando e como ela vai ou não se fazer presente, ou você pode, como se verificou
na hipótese, entender um pouco do funcionamento do corpo humano e um pouco de Física.
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2. Um breve histórico
2.1 No mundo

Existem vários relatos históricos antigos que podem ser ligados à Medicina Legal,
citando-se como exemplo relato de que o médico Antístio teria examinado o cadáver de Júlio César
e determinado que apenas um dos ferimentos teria sido fatal (os ferimentos teriam se dado num total
de 23, infligidos por um grupo de 60 senadores romanos, dentre eles Marcos Julius Brutus, filho
adotivo de Júlio César, tendo o fato ocorrido nas escadarias do senado romano, no dia 15 de março
de 44 a.C.).

A paternidade da Medicina Legal é disputada entre Ambroise Paré e Paolo Zacchias, que
lançaram tratados sobre a matéria por volta de 1575. Deram-se avanços na ciência principalmente na
França, Itália e Alemanha, tendo, no século XVIII, se iniciado nesta iniciado o ensino oficial da
matéria, razão pela qual é considerada berço da matéria.

2.2 No Brasil

No brasil houve intensa influência francesa na área, sendo que a produção de


conhecimento nacional se iniciou com o primeiro curso de prática tanatológica forense, dado na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em 1877, por Agostinho José de Souza Lima. No entanto,
a pesquisa científica voltada para a realidade brasileira se deu com Raymundo Nina Rodrigues.

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Em 1832 a Medicina Legal foi incluída como disciplina obrigatória nas Faculdades de
Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Observa-se ainda que o Código de Processo Criminal de 1832
traz o exame de corpo de delito a ser realizado por peritos quando existentes vestígios:

Art. 134. Formar-se-ha auto de corpo de delicto, quando este deixa vestigios que podem ser
ocularmente examinados; não existindo porém vestigios, formar-se-ha o dito auto por duas
testemunhas, que deponham da existencia do facto, e suas circumstancias.

Art. 135. Este exame será feito por peritos, que tenham conhecimento do objecto, e na sua falta
por pessoas de bom senso, nomeadas pelo Juiz de Paz, e por elle juramentadas, para examinarem e
descreverem com verdade quanto observarem; e avaliarem o damno resultante do delicto; salvo
qualquer juizo definitivo a este respeito.

Porém, a regulamentação da perícia médico-legal iniciou-se somente em 1854, com a


constituição de uma comissão com tal escopo pelo então Ministro da Justiça, o que culminou, em
1856, na expedição do decreto nº 1740, o qual criou a Assessoria Médico-legal, integrante da
Secretaria de Polícia da Corte, sendo de sua atribuição a realização de exame “de corpo de delito e
quaisquer exames necessários para a averiguação dos crimes e dos fatos como tais suspeitados” (vide
“A organização da Medicina Legal no Brasil”- José Geraldo de Freitas Drumond, link
http://www.malthus.com.br/artigos.asp?id=22&endp_ch=a%20organiza%E7%E3o).
Somente em 1896 iniciou-se a estruturação de institutos de Medicina Legal oficiais nos
estados, tendo sido criado, em 24 de abril de 1896, na Bahia, o Serviço Médico-Legal na estrutura da
Secretaria de Polícia e Segurança Pública. Após, foram instalados os Institutos Médico-legais nas
capitais de todos os estados e, segundo levantamento da Federação Médica Brasileira realizado em
2016 (link: http://portalfmb.org.br/2016/10/19/institutos-medico-legais-segundo-cfm-brasil-apresenta-
discrepancias-de-acesso-
so/#:~:text=Institutos%20m%C3%A9dico%2Dlegais%3A%20Segundo%20CFM%2C%20Brasil%20apresenta%
20discrep%C3%A2ncias%20de%20acesso,-
19%20de%20outubro&text=Os%20institutos%20m%C3%A9dico%2Dlegais%20(IMLs,metropolitanas%20e%
20317%20no%20interior.), existiam à época 381 unidades, sendo 35 em capitais, 29 em regiões
metropolitanas e 317 no interior. Frisa-se que esses números são de todo o país.

2.3 Por que estou lendo a história da matéria?


Para alguns pode parecer enfadonho ou mesmo inútil estudar a origem dessa ciência (ou
de outra qualquer), porém devemos lembrar que a história costuma nos trazer informações do futuro.
Além de nos fazer entender algumas eventuais peculiaridades, como o fato de um estado ou outro ter
uma cultura de perícia médico-legal mais forte do que a de outros em razão, talvez, do
desenvolvimento inicial da ciência em terras pátrias, verificamos ainda algo bastante relevante quanto

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a seu estudo: sua longevidade. Como vimos, em épocas remotas da civilização cadáveres já eram
analisados a fim de se obterem informações da morte.
Posto isso, fazemos observação a respeito do “Efeito Lindy” (envelhecimento ao
contrário), conforme trazido por Nassim Nicholas Taleb no livro “Antifrágil- coisas que se
beneficiam com o Caos” (16ª edição, pág.402-404). O autor primeiramente diferencia o efeito quanto
ao que é perecível, o que conceitua como tudo aquilo que tem uma inevitável data de expiração
orgânica, e o que é não perecível, que é potencialmente eterno, tem natureza informativa em si
mesmo, e não tem tal data de expiração orgânica. Após, ainda sobre o Efeito Lindy, diz que, segundo
este, matematicamente, o não perecível tem uma expectativa de vida que cresce a cada dia de
sobrevivência, ou seja, é esperado que o que é mais velho sobreviva mais tempo do que o que é novo,
em proporção à sua idade. Traz exemplo cujo trecho se transcreve: “Se um livro vem sendo editado
há quarente anos, posso esperar que seja editado por mais quarenta anos. No entanto, e essa é a
principal diferença, se ele sobreviver por mais uma década, podemos esperar que seja editado por
mais cinquenta anos. Isso, simplesmente, como uma regra, informa-nos por que as coisas que já
existem há muito tempo não estão “envelhecendo” da mesma forma que as pessoas, mas
“envelhecendo” em sentido inverso. A cada ano que se passa sem extinção, a expectativa de vida
extra dobra. Esse é um indicador de alguma robustez. A robustez de um item é proporcional à sua
vida”. O autor classifica todas as coisas em três categorias: frágil, robusto e antifrágil, sendo que o
primeiro se prejudica com agentes estressores e volatilidade, o segundo permanece em seu estado, e
o terceiro se beneficia.
Assim, enquanto ciência (e notadamente voltada à heurística), sendo não perecível,
podemos extrair da antiga história da Medicina Legal que ela deve perdurar por muitos anos. Não é
“modinha” ou algo que um conjunto de organizadores de sistema educacional definiu como parte do
conjunto de habilidades básico para um indivíduo de determinado território, é ciência e atividade que
se provou no tempo, alicerçada no conhecimento produzido por diversas pessoas e gerações que a ela
se dedicaram. E tudo isso está ao seu alcance.

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2.4 Mudanças na estrutura orgânica
Como se viu, o nascimento das instituições médico-legais se deu no âmbito da polícia,
tendo essa estrutura perdurado por muito tempo, porém há anos vem ocorrendo a desvinculação dos
institutos, em movimento também dos Institutos de Criminalística, formando eles órgãos de “polícia
científica” ou “polícia técnico-científica”, órgãos esses autônomos em relação às Polícias Civis. Não
se observa, no entanto, até o momento, o mesmo movimento em relação à perícia na Polícia Federal.

2.4.1 Razões identificadas para a mudança

Tal mudança foi fundamentada em vários fatores, dos quais citamos:


• Protocolo Brasileiro Perícia Forense no Crime de Tortura (2003): em esforços no
sentido de orientar órgãos periciais para a adoção de cuidados e procedimentos
para inibição da tortura, estabeleceu-se protocolo de atendimento de casos com tal
suspeita, tendo-se realizado ainda a recomendação de autonomia política,
administrativa e financeira dos órgãos periciais, como se verifica no trecho “A
autonomia política, administrativa e financeira dos órgãos periciais, associada a
um protocolo brasileiro como aqui considerado e à ação conjunta com os
organismos de controle externo, pode motivar a superação cultural e
profissional-funcional da prática do crime de tortura no Brasil.”. A fim de
justificar a necessidade dessa autonomia recomendada foram apontados fatores
tais como falta de solicitação de exame pericial para crimes de tortura, ausência
de padronização de metodologia e procedimentos, permanência de uma cultura
policialesca nos efetivos, baixa eficiência e confiabilidade/credibilidade das
perícias (essa em função direta da falta de autonomia), ineficácia dos quesitos dos
exames de corpo de delito, e mesmo uma certa ingerência de agentes policiais
quando da realização do exame, destacando-se o seguinte trecho: “Segundo
constatou o Relator Especial da ONU, Nigel Rodley, quando esteve em visita
oficial no Brasil, no ano de 2000, os delegados de polícia e agentes policiais que
encaminham uma vítima de tortura ao Instituto Médico-Legal - IML muitas vezes
buscam induzir o perito médico-legista na realização do exame pericial. Nas
entrevistas de detentos concedidas ao Relator Especial, eles informaram que, por
medo de represálias, não se queixavam, quando examinados no IML, dos maus-

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tratos a que haviam sido submetidos; e, muitas vezes, reclamavam de ter sido
levados ao referido Instituto por seus próprios torturadores e de serem
intimidados e ameaçados durante os exames.”. Relevante ainda destacar trechos
do texto de Genival Veloso de França, anexo a tal protocolo: “Dentro deste
quadro, um dos fatos mais graves e desalentadores, tem sido a inserção dos
Institutos Médico-Legais nos organismos de repressão, quando deviam estar
entre aqueles que são os verdadeiros arautos na defesa dos direitos humanos.
Isso infelizmente pode comprometer os interesses mais legítimos da sociedade.
Muitos desses Institutos estão subordinados diretamente a Delegados de Polícia”;
“Por isso, pela incidência quase generalizada da violência e do arbítrio dos
órgãos de repressão, sempre defendemos a idéia da imediata desvinculação dos
Institutos de Medicina Legal da área de Segurança, não só pela possibilidade de
se estabelecer pressões, mas pela oportunidade de se levantar dúvidas na
credibilidade do ato pericial. A polícia que prende, espanca e mata é a mesma
que conduz o processo”; “Por isso a Medicina Legal não pode deixar de ser vista
como um núcleo de ciência a serviço da Justiça, e o médico nestas condições é
sempre um analista do Juiz, e não um preposto da autoridade policial. Desse
modo, sente-se a necessidade cada vez mais premente de transformar esses
Institutos em órgãos auxiliares do Poder Judiciário, e sempre com a denominação
de Institutos Médico-Legais, como a tradição os consagrou pelo seu mais alto
destino. Atualmente há uma tendência da tecnocracia estatal chamar esses
departamentos de Institutos de Polícia Científica ou de Polícia Técnica. Nem se
pode admitir Polícia como ciência nem Medicina Legal como polícia”; “Foi com
esse pensamento que a Comissão de Estudos do Crime e da Violência, criada pelo
Ministério da Justiça, propôs ao Governo a desvinculação dos Institutos Médico-
Legais e da própria Perícia Criminal, dos órgãos de polícia repressiva. O
objetivo era "evitar a imagem do comprometimento sempre presente, quando, por
interesse da Justiça, são convocados para participar de investigações sobre
autoria de crimes atribuídos à Polícia"”;
• Relatório de Philip Alston, relator de Direitos Humanos da ONU, sobre
execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, o qual visitou o Brasil no
período compreendido entre 4 a 14 de novembro de 2007: o relatório é dividido
por, além de tópicos, parágrafos, o que facilitada bastante a localização no texto.
Observa-se, quanto ao tema aqui tratado, que os parágrafos mais relevantes seriam

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os 54, 55 e 56, os quais expõem, basicamente, falta de recursos básicos e falta de
independência em relação a polícia, a importância das provas periciais, a
disposição orgânica dos IMLs dentro das Secretarias de Segurança Pública e que
deveria ser feito em relação a isso, citando-se o trecho: “Tendo em vista que os
Institutos Médicos Legais têm a finalidade de fornecer pareceres de especialistas
e não a de seguir as políticas do estado, dever-se-ia garantir a autonomia, a
independência funcional e a garantia de carreira dos peritos. Fazer isso
asseguraria que os relatórios sobre as mortes praticadas por policiais fossem – e
aparentassem ser – conclusões imparciais de especialistas”. Nos parágrafos 91,
92 e 93 foram feitas recomendações quanto às provas periciais, tendo o 93 a
seguinte redação: “Os Institutos Médicos Legais dos estados precisam ser
totalmente independentes das Secretarias de Segurança Pública, e os peritos
devem receber garantias profissionais que assegurem a integridade de suas
investigações. Recursos e treinamento técnico adicional também devem ser
fornecidos.”.
• Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), aprovado pelo Decreto nº
7.037, de 21 de dezembro de 2009, da Presidência da República. Neste, verifica-
se no Eixo Orientador IV, Diretriz 11, alínea “d”: “Assegurar a autonomia
funcional dos peritos e a modernização dos órgãos periciais oficiais, como forma
de incrementar sua estruturação, assegurando a produção isenta e qualificada
da prova material, bem como o princípio da ampla defesa e do contraditório e o
respeito aos Direitos Humanos”;
• Relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
(2016-2017, sendo o último disponível, conforme verificado, link:
https://www.gov.br/mdh/pt-br/acesso-a-informacao/participacao-social/sistema-
nacional-de-prevencao-e-combate-a-tortura-snpct/mecanismo/mecanismo-nacional-
de-prevencao-e-combate-a-tortura-
mnpct#:~:text=O%20Mecanismo%20Nacional%20de%20Preven%C3%A7%C3%A3o,2%
20de%20agosto%20de%202013.): neste, comissão formada por peritos analisou
diversos órgãos periciais dos estados, sempre concluindo que a falta de orçamento
próprio e gestão geram repercussão negativa a tais órgãos. Interessante a
observação de que nas análises a vinculação à Polícia Civil é vista aparentemente
sempre de forma automaticamente negativa, não se vislumbrando maiores
explicações, e se verificando que foi considerada uma autonomia inexistente na

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prática nos casos em que o órgão pericial é desvinculado da Polícia Civil, porém
sem gestão própria de orçamento. Destacam-se os seguintes trechos, referentes às
análises nos estados da Paraíba e do Amazonas, respectivamente:
“Na Paraíba há quatro cidades que abrigam núcleos de perícia: a capital João
Pessoa, Campina Grande, Patos e Guarabira. A unidade visita pelo MNPCT foi
a Gerência Executiva de Medicina Legal e Odontologia (Gemol) onde está
inserido o Numol – Núcleo de Medicina e Odontologia Legal (antigo IML).
Neste estado existe o Instituto de Polícia Científica (IPC) que está subordinado
ao delegado geral da Polícia Civil e todos os servidores (peritos) são policiais
civis concursados. Por fim, o delegado geral responde à Secretaria de Estado de
Segurança e Defesa Social da Paraíba.
Ponto em destaque observado pelo MNPCT é a boa infraestrutura e divisão
organizacional por núcleos regionais, atingindo de forma adequada a todo o
estado.
Negativamente a vinculação deste órgão a Polícia Civil traz as problemáticas
inerentes a falta de autonomia de um órgão pericial”; e
“A visita realizada pelo MNPCT ao IML do Amazonas se deu após o confronto
entre presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ) que resultou
no maior massacre ocorrido no estado em janeiro de 2017.
No estado do Amazonas há apenas um Instituto Médico Legal, um Instituto de
Identificação, um Instituto de Criminalística (todos situados na capital, Manaus)
e alguns Postos de Identificação no interior do estado, para atender as demandas
de todo o estado. O IML está vinculado ao Departamento de Polícia Técnico-
Científica que é subordinado a Secretaria de Segurança Pública, embora tenha
sido desvinculado administrativamente da Polícia Civil. Portanto não há
autonomia orçamentária e nem unidade gestora para o departamento ficando a
execução de despesas a cargo do secretário da Secretaria de Segurança Pública.
Constatou-se ainda, o desconhecimento dos protocolos capazes de identificar,
caracterizar e materializar a tortura.
Uma das principais preocupações observadas nesta visita é a existência dos
órgãos periciais concentrados apenas na capital, em um estado das dimensões
territoriais do Amazonas.

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Outro ponto que traz preocupação é o sistema de papiloscopia do estado que
ainda é realizado de maneira totalmente manual e não existe um banco de dados
digitalizado sendo que todos os registros são feitos em formulários de papel.
No Instituto de Identificação a situação é preocupante já que por falta de espaço
físico não há mais como organizar os formulários por falta de prateleiras que já
ocupam inclusive o espaço da recepção.
Reflexo dessa situação pôde ser percebida no caso do confronto entre presos no
início do ano, onde procurar seus prontuários se converteu em missão quase
impossível diante a situação organizacional do Instituto de Identificação.
Além disso, ainda há o entrave de inexistir um sistema que crie uma interface
entre os dados do estado. Esta estrutura corrobora para que uma pessoa possa
ter mais de uma cédula de identidade.
Após o massacre ocorrido no COMPAJ no início do ano de 2017, constatou-se
que um dos motivos que causou grande dificuldade de identificar as pessoas
presas mortas no confronto, foi a de que algumas destas, possuíam em alguns
casos, mais de uma cédula de identificação.
Em relação a autonomia administrativa da Polícia Civil concedida aos órgãos de
perícia, na prática ela não existe pois sem o orçamento e a sua gestão
impossibilita-se a expansão na aquisição de materiais e equipamentos bem como
investimentos nas necessidades específicas para o desenvolvimento e melhor
funcionamento dos institutos desta natureza.”

2.4.2 Visão crítica à mudança e seus argumentos

• Sobre o Protocolo Brasileiro Perícia Forense no Crime de Tortura: observa-se que


a formulação teve como escopo o estabelecimento de protocolo aos órgãos
periciais para que fossem identificados de maneira eficiente os casos de ocorrência
de tortura dos indivíduos submetidos a perícia (periciados), tendo sido realizadas
ainda recomendações por oportunidade, destacando-se recomendação de
autonomia política, administrativa e financeira dos órgãos periciais. Não há
dúvidas de que tais autonomias são positivas e necessárias para o
desenvolvimento de um trabalho técnico, isento, e viabilizam um seguro
planejamento de aquisição e manutenção de insumos para a prática da atividade

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(quanto mais considerando que a perícia necessita de aparelhos e materiais
específicos cujas características e demandas podem não ser de cognição fácil ao
administrador geral). No entanto, argumentos apresentados como “falta de
solicitação de exame pericial”, “ineficácia dos quesitos dos exames de corpo de
delito” e “ingerência de agentes policiais quando da realização do exame” não se
mostram relevantes ao resultado pretendido (autonomia), vez que,
respectivamente: a) a falta de solicitação (em verdade requisição) de exame
pericial continua impedindo sua realização, pois mesmo com autonomia, a
investigação dos fatos continua sendo da polícia judiciária, órgãos cujas
atribuições típicas são de investigação (a perícia não é um fim a si mesmo, é uma
ferramenta para esclarecimento de circunstâncias que, por sua vez, fazem parte de
fatos investigados); b) via de regra as requisições de perícia consignam quesito
aberto no qual se oportuniza ao perito constar quaisquer informações que julgar
relevantes, além do fato de que, na parte do laudo destinada à descrição, o perito
deve descrever tudo o que observou detalhadamente, bem como observa-se que
não há óbice algum ao fato do perito constar todas as informações necessárias em
laudo por oportunidade de sua análise, vez que faz uma análise técnica daquilo
que lhe é submetido, servindo os quesitos como apontamento das informações
mínimas que a investigação necessita, conforme julgamento da autoridade que a
preside (vale lembrar que existem peritos de diferentes áreas, tendo cada qual sua
expertise, diferentemente da autoridade policial, que detém os conhecimentos
sobre a investigação em si- como exemplo, podemos citar o caso de uma
investigação de aborto criminoso, em que o feto é encontrado em via pública,
procedendo a autoridade policial, no bojo das investigações, a requisição de
exame necroscópico requisitando exame toxicológico para identificação de
substância abortiva, sendo que o feto será necropsiado no IML por peritos
médicos, os quais irão coletar material para submissão a exame toxicológico, o
qual será enviado a instituto de perícia criminal específico, no qual peritos com
conhecimentos em Química e Toxicologia irão examinar o material, identificar
substâncias, verificar se existe substância abortiva e qual a sua concentração, a
fim de verificar se era suficiente para provocar o aborto, e após tudo isso é
confeccionado laudo pericial e enviado à autoridade policial, a qual, de posse
dessas informações, vai prosseguir nas investigações); c) quanto à ingerência de
policiais quando da realização de exames, não se explicitou o tipo de “indução”

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ao perito na realização do exame, porém observa-se que os procedimentos
periciais adotam métodos científicos (daí também os nomes adotados pelas novas
instituições criadas- “Polícia Científica”, “Polícia Técnico-científica”), e, sendo
científicos, seus resultados não podem ser alterados por alguma pressão externa
(aplicando os mesmos métodos aos mesmos objetos sob as mesmas circunstâncias
os resultados devem ser os mesmo, da mesma maneira que a água, quando
esquentada sob pressão atmosférica da altura do mar, deve entrar em ebulição aos
100º C). Quanto a este último argumentado criticado, se faz a ressalva de que
aparentemente se referia a intimidação de vítimas de tortura para que não
revelassem o fato quando da perícia, porém ainda se considera que uma tortura
física possivelmente deixa sinais físicos que podem ser detectados pela perícia, e
tortura psicológica possivelmente não seria detectada apenas pelo fato da vítima
revelar violência psicológica e nem se poderia concluir pela sua ocorrência
somente com a declaração do periciado;
• Ainda sobre o Protocolo Brasileiro Perícia Forense no Crime de Tortura, quanto
aos argumentos expostos por Genival Veloso de França, verifica-se o repúdio à
subordinação dos IML a Delegados de Polícia e mesmo à área de Segurança
Pública, vez que “A polícia que prende, espanca e mata é a mesma que conduz o
processo”, defendendo a subordinação ao Judiciário e total desvinculação às
polícias, vez que tal elo gera a imagem de comprometimento em casos nos quais
atuam em investigações de crimes atribuídos à Polícia. Dessa forma, se fazem as
seguintes observações: a) verifica-se salutar a desvinculação dos órgãos periciais
da Segurança Pública, vez que, tratando-se do desenvolvimento de atividades
instrumentais científicas e tecnológicas à investigação, não há necessidade desse
vínculo e essa ausência pode realmente gerar ao menos uma imagem de maior
isenção, porém vale a este tópico também as observações da alínea “c” do tópico
anterior, fazendo-se ainda a observação de que os órgãos periciais criados fora do
âmbito das Polícias Civis ou continuam no âmbito da pasta da Segurança Pública
ou passaram a ser subordinados diretamente ao Governador do estado, não
gerando grande repercussão quanto à subordinação (e o resultado esperado por
sua ausência) que não um status mais elevado na disposição orgânica estadual; b)
observando as considerações do autor, que indicou arbítrio e violência quase
generalizada das polícias (órgãos de repressão), indicando ainda que a mesma
polícia prende, espanca, mata e ainda conduz o processo, verifica-se visão um

14
tanto preconceituosa (que não é incomum, talvez em razão de lembranças da
ditadura militar no Brasil, passado não tão distante), porém é interessante a
questão acerca da atribuição para condução de investigações em que são
investigados membros do próprio órgão investigador, restando, especificamente
ao caso, a questão sobre quem realizaria a perícia no caso de suspeita de autoria
de integrante de órgão pericial (ao que parece, o argumento levantado como
problema não é resolvido com a solução apontada de maneira evidente); c) ao
sugerir a subordinação do perito ao juiz, e não à autoridade policial, mais uma vez
não se vislumbra como tal solução seria relevante à procurada autonomia, já que
só estariam mudando a autoridade à qual se estariam subordinados os órgãos
periciais, porém, caso se entenda que a intenção do autor fosse de sugerir os
órgãos periciais independentes (autarquias, por exemplo) como auxiliares do
Judiciário, a independência estaria alcançada, porém é necessário observar que
boa parte (se não a maior parte) da atividade dos órgãos periciais se dá durante as
investigações, em sede de inquérito policial (procedimento administrativo),
perante o Delegado de Polícia, e não perante o Juiz, em processo judicial, razão
pela qual a sugestão nos parece mais repúdio à proximidade com a Segurança
Pública do que relativa ao objetivo de independência e imparcialidade.
• Sobre o relatório de Philip Alston, relator de Direitos Humanos da ONU, tendo
como objeto execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias: a) em relação aos
parágrafos 54, 55 e 56, quanto à falta de recursos e pertencimento a Secretarias de
Segurança Pública, já foram expostas considerações em outros itens, cabendo as
mesmas no caso, mas importante observar a consideração que o relator fez de que
aos órgãos periciais incumbe fornecer pareceres de especialistas, e não seguir
políticas de estado, devendo-lhes serem garantidos autonomia, independência
funcional e carreira, todos as características que nos parece deveria serem também
das Polícias Civis, vez que a perícia, como já exposto, tem caráter instrumental
em relação à investigação, e de que adianta haverem partes da investigação feitas
isentas e outras submetidas a influências políticas? b) da mesma maneira,
garantias profissionais que assegurem a integridade das investigações, recursos e
treinamento técnico parecem cabíveis também a todos os órgãos envolvidos na
investigação, pois o que se busca é uma investigação técnica, íntegra, eficiente e
isenta. Aparentemente, a saída dos órgãos periciais das polícias civis foi um

15
movimento no sentido correto, porém desprovido de potencialidade de se atingir
o objetivo.
• Sobre o Relatório anual do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à
Tortura (2016-2017), sobre a parte do relatório concernente ao estado da Paraíba,
verifica-se que se concluiu pela boa infraestrutura e divisão organizacional do
Instituto, mas logo após há observação negativa por conta da vinculação do órgão
à Policia Civil, da qual se diz que traz problemáticas inerentes, porém sem
especificá-las, ao que se observa que aparentemente a conclusão foi feita de
maneira automática. Quanto à parte do relatório referente ao estado do Amazonas,
foi feita observação de que os órgãos de perícia são desvinculados da Polícia Civil,
porém sem autonomia orçamentária e gerencial, estando submetidos à Secretaria
de Segurança Pública, concluindo-se que na prática inexiste autonomia em relação
à Polícia Civil. Observam-se conclusões díspares, havendo órgãos ligados à
Polícia Civil aparentemente com boa estrutura e funcionamento, e órgãos sem
relação com a Polícia Civil mal estruturados e com mau funcionamento, razão
pela qual aparentemente o problema da autonomia não é a ligação dos órgãos à
Polícia Civil, mas sim a falta de orçamento próprio;
• A Criminalística tem caráter acessório à persecução criminal, como se verifica em
doutrina, da qual extraímos trecho do autor Victor Paulo Stumvoll (Criminalística,
7ª edição): “O concurso da Criminalística como auxiliar e informativa das
atividades policiais e judiciárias de investigação criminal está intimamente ligada,
de maneira diretamente proporcional, quer em profundidade, quer em assídua
frequência, a toda gama de subsídios científicos emprestados pelo campo da
Criminalística ao ramo da investigação policial de exame e esclarecimento de uma
infração penal. Isso se verifica na busca dos vestígios materiais, na captação e
acondicionamento destes, na sua identificação, no esclarecimento da origem e,
ainda, na objetivação das conclusões periciais relativas à vinculação de
determinados vestígios com o instrumento do crime. Assim, fornecem-se as bases
para as corretas e mais justas decisões do Juízo. Citando alguns exemplos dessa
qualidade auxiliar da Criminalística: se, num exame de local onde haja sido
praticada alguma infração penal, a investigação policial necessitar de
esclarecimento seguro e objetivo sobre qual a natureza do instrumento
responsável pela provocação de uma marca de impacto presente em determinado
móvel ou outro objeto qualquer, ela recorrerá aos conhecimentos físico-químicos
16
englobados pela Criminalística, que procederá à análise física das características
da marca questionada, bem como pela reação química dos elementos restantes e
agregados à marca(...)”;
• Aos peritos oficiais já são assegurados autonomia técnica, científica e funcional,
conforme artigo 2º da Lei 12030/2009. Ademais, disposições como do artigo 178
(requisição de perícia da autoridade dirigida ao diretor da repartição, e não
diretamente aos peritos que executam a perícia) e 276 (não intervenção das partes
na nomeação do perito, no caso o ad hoc), todos do Código de Processo Penal,
asseguram aos peritos tais autonomias;
• Como forma de proteger a imparcialidade e impessoalidade, quando da requisição
das perícias, a autoridade policial não escolhe diretamente os peritos que a
realizarão, sendo a perícia requisitada ao Diretor do Instituto, conforme artigo 178
do Código de Processo Penal.

2.4.3 Conclusões e sugestões

• Ante o exposto, verifica-se que a problemática, em que pese os muitos argumentos


apresentados em sentido diverso, os quais foram analisados, se refere mais à falta
de autonomia administrativa e orçamento próprio do que a qualquer problema de
ingerência, prejudicando o controle pelo próprio órgão pericial de suas demandas
específicas;
• Observaram-se muitos argumentos aparentemente tendenciosos para se
comprovar uma tese (necessidade de independência dos órgãos periciais em
relação à polícia ou mesmo à segurança pública), o vem de encontro (antagônico)
à imparcialidade necessária para a realização de estudos com a finalidade de se
chegar a uma solução realmente adequada, hipótese essa que parece se encaixar
no que Richard Philips Feynman (físico teórico, vencedor do prêmio Nobel em
Física em 1965) chamou de “ciência do culto da carga”, citando-se trecho retirado
de seu livro “Só pode ser brincadeira, Sr. Feynman!” (1ª edição):
“Acho que os estudos psicológicos e educacionais que mencionei são exemplos
do que eu chamaria de ciência do culto da carga. Nas ilhas do Pacífico Sul existe
um culto da carga. Durante a guerra, as pessoas viam aviões pousando com uma
porção de coisas boas e queriam que isso continuasse acontecendo. Construíram
coisas parecidas com pistas, acenderam fogueiras ao longo delas, fizeram uma

17
cabana de madeira onde posicionaram um homem com dois pedações de madeira
na cabeça à guisa de fones de ouvido e bambus espetados como antenas – ele é o
controlador de voo – e ficaram esperando o pouso dos aviões. Fizeram tudo certo,
A forma estava perfeita. Tudo estava exatamente como antes. Mas não funcionou.
Os aviões não pousaram. Por isso eu chamo essas coisas de ciência do culto da
carga, porque elas seguem todos os preceitos e formas aparentes da pesquisa
científica, mas deixam escapar algo essencial, porque os aviões não pousam.
Agora, é claro, cabe a mim explicar o que elas deixam escapar. Mas isso seria
tão difícil quanto explicar aos habitantes das ilhas do Pacífico Sul de que modo
têm de fazer as coisas para que seu sistema tenha resultado. Não é tão simples
quanto lhes ensinar a aperfeiçoar a forma de seus fones de ouvido. Mas reparei
que costuma faltar uma característica à ciência do culto da carga. É uma ideia
que todos esperam que se aprenda ao estudar ciência na escola – nunca dizemos
explicitamente qual é, apenas esperamos que seu significado seja captado por
meio de todos os exemplos da pesquisa científica. Por isso, seria interessante
trazê-la à baila agora e falar dela explicitamente. É uma espécie de integridade
científica, um princípio do pensamento científico que corresponde a algo como
uma profunda honestidade – um esforço consistente. Por exemplo, se você estiver
fazendo um experimento, deve levar em conta não apenas o que acha que está
certo, mas tudo aquilo que possa invalidá-lo: outras causas que poderiam
explicar o resultado que você obteve, ou coisas que você já eliminou com algum
outro experimento e como elas funcionavam – para ter certeza de que outros
possam afirmar que elas foram eliminadas.”;
• Aparentemente, em geral, falta estruturação dos órgãos periciais, não havendo sua
correta capilarização territorial e, por consequência, faltando atendimento de
perícia em grande parte dos crimes ocorridos, descumprindo-se preceito do artigo
158 do Código de Processo Penal, que deveria ser regra, restando a hipótese do
artigo 167 do mesmo diploma legal realmente como exceção;
• Podem requisitar perícias, além do delegado de polícia, o promotor (ministério
público), juiz (Judiciário), oficial que preside o inquérito policial militar e mesmo
Comissões Parlamentares de Inquérito, razão pela qual vislumbra-se uma natural
posição dos órgãos periciais fora da estrutura orgânica da polícia;
• A autonomia dos órgãos periciais é um avanço no sentido correto, o qual necessita
ser complementado, sob pena de se tornar inócuo, pois a autonomia deve ser de
18
toda a investigação, e não somente de parte dela, a fim de que se alcance uma
investigação técnica, íntegra, eficiente e isenta, o que garante os direitos da
coletividade, dos investigados e das testemunhas. Mister lembrar que se trata a
investigação de um serviço público de Polícia Judiciária, o qual deve ser prestado
da melhor maneira possível;
• O relatório da ONU sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias aponta
diversos entraves cujas soluções seriam simples, mas aparentemente prefere-se
tomar uma solução mais complexa e menos atrelada ao resultado desejado
anunciado. Em relação aos parágrafos 51 a 60, verifica-se necessidade de maior
atuação dos promotores, que têm um alto nível de independência garantida pela
Constituição Federal, tanto em relação ao Executivo quanto ao Judiciário. No
parágrafo 58, inclusive, é citado que em áreas onde se alcançaram progressos
contra a impunidade policial os promotores tiveram papel chave, tendo trabalhado
em conjunto com policiais civis ou coletado provas por conta própria. Quanto a
isso observa-se que, em que pese o sucesso do binômio investigação +
independência ter dado bons resultados, não se sugere independência aos órgãos
de investigação criminal por excelência (polícias civis e federal). Atrelando o
objetivo de autonomia a somente parte da investigação (perícia), como se poderia
esperar o melhor resultado? Ademais, o que já é óbvio, mas é mais uma vez
evidenciado pelo fato de haverem policiais que combatem esse tipo de violência,
quem são envolvidos em arbítrios e violência são alguns agentes, e não os próprios
órgãos policiais, razão pela qual é necessário prover policiais de proteção quanto
ao seu trabalho e a seus dados pessoais e de seus familiares quando testemunha
ou atuando funcionalmente contra violências e arbítrios de que tenha tomado
conhecimento, sufocando eventual cultura de violência sobrevivente na
instituição e evitando retaliações de indivíduos com proximidade. Por oportuno,
sugere-se que uma boa medida seria que as investigações criminais envolvendo
policiais fossem acompanhadas por membro do ministério público do início ao
fim;
• Caberia ao ministério público, em exercício do controle externo da atividade
policial, tendo em vista a obrigatoriedade de realização de exame pericial em caso
de infrações que deixam vestígios (artigo 158 do Código de Processo Penal), zelar
pelo cumprimento das medidas de preservação de local de crime, uma vez que é
prática comum que, em homicídios envolvendo policiais, o local seja
19
desconstituído, mesmo havendo unidade de polícia civil responsável pela
investigação no local do fato, sendo apenas apresentada na delegacia de polícia a
ocorrência, perdendo-se os vestígios que o local poderia ter, os quais
evidenciariam a dinâmica dos fatos;
• Em que pese todos os dados e argumentos de relatórios e estudos, a Lei 1.941/17
trouxe grande ampliação acerca dos crimes militares (passando a ser crime militar
por exemplo, tendo em vista os dados explanados nos argumentos analisados,
crimes de tortura, abuso de autoridade, associação criminosa, etc), os quais seriam
investigados por órgão militar, e processados e julgados pela Justiça Militar.
Especificamente quanto aos casos de homicídio envolvendo militar em serviço
contra civil, se manteria a competência do Tribunal do Júri, havendo divergência
quanto ao órgão imbuído das investigações, havendo corrente doutrinária que
defende deverem ser investigados por órgão militar. Observa-se que os órgãos
militares no âmbito estadual são polícia militar e corpo de bombeiros militar.
Exemplo da repercussão da alteração pode ser vista em matéria jornalística no link
https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2020/07/09/justica-militar-autoriza-pms-
a-apreenderem-objetos-e-armas-de-resistencias-e-descumprirem-ordem-do-governo-
de-sp.ghtml. Assim, verifica-se que existe aparente esquizofrenia na atuação do
Estado brasileiro enquanto objetivos traçados e ações realizadas;
• Por fim, verificam-se ainda viáveis medidas como maior atuação das
corregedorias, maior atuação das ouvidorias e aproximação delas com a
população em geral;
• Observa-se que medidas iniciais menos complexas com aumento gradual
poderiam ser tomadas a fim de se verificar empiricamente se os dados verificados
e soluções apontadas são aptas a alcançar os objetivos almejados, posto que, uma
vez que se tratam de relações sociais, são muitos os fatores de influência
imprevistos ou mesmo imprevisíveis. Em que pese a necessidade de cautela e de
verificação se medidas apontadas funcionam ou não, quanto mais se considerando
movimentos em nível nacional em um país de proporções continentais e possuidor
de regiões muito distintas entre si, grandes medidas são tomadas com base em
estudos e dados obtidos de estudiosos que nem sempre estão muito ligados à
realidade dos fatos, havendo aparente incidência do efeito halo (como exemplo,
se um intelectual domina bem um assunto, é articulado na comunicação e mesmo
“aparenta” intelectualidade, é provável que o interlocutor seja mais receptivo às
20
suas sugestões mesmo quando referentes a campo totalmente diverso daquele que
domina, é como se a competência de alguém em uma área fosse transportada para
outra). É importante observar que, ainda, em pesquisas, como já se viu, é possível
relatar seletivamente dados que comprovem sua teoria, sem revelar aqueles que a
refutem ou a ela não se aplique, chegando-se a modelos falsos em razão de serem
desconectados com a realidade, razão pela qual se deve dar primazia aos aspectos
práticos, apontando, estes sim, as soluções viáveis (lembrar que no método
científico a observação vem antes da elaboração da teoria e da realização de
experimentos), a serem replicadas com a devida observação e com cuidados em
relação a iatrogenia. Citando mais uma vez Nassim Nicholas Taleb: “O problema
principal é que os pássaros raramente escrevem mais que os ornitólogos.”.

3. Classificações
3.1 Como são feitas

Existem diferentes classificações de Medicina Legal na doutrina, não havendo, portanto,


consenso quantos aos parâmetros utilizados. Observa-se que quando se classifica algo, leva-se em
consideração determinado parâmetro, variando o resultado em sua função. Por exemplo:
considerando que você tenha uma caixa com lápis de cor com 120 lápis de diferentes cores, diferentes
tonalidades, feitos com diferentes tipos de madeira, uns mais usados que os outros e menos apontados
(de acordo com a sua preferência de cores), você poderia classificá-los em função de: cor em
separado, tonalidades de cor, tipos de madeira utilizada (reflorestada ou não), pontas finas e grossas,
etc. No fim das contas, após várias classificações, você teria os mesmos 120 lápis com as diferentes
cores, diferentes tonalidades, feitos com diferentes tipos de madeira, uns mais usados que os outros e
menos apontados.
Uma vez definido o objeto da matéria, sabe-se do que se trata (sejam lápis coloridos, seja
Medicina Legal), servindo as classificações para a criação de subgrupos para facilitar determinado
objetivo, que pode ser, por exemplo, de estudar com maior especificidade, ensinar ou criar uma
especialização profissional. Às vezes as classificações parecem trazer mais complexidade do que
facilidade, mas isso é questão de perspectiva somente, já que o objeto continua o mesmo. Nós, como
seres humanos, somos muito bons em criar (artificialmente) complexidades, tendo em vista que
confundimos nosso propósito, mas as coisas são naturalmente simples, pois têm seu porquê. Aquilo
que tem propósito definido é simples.

21
As divisões existentes na doutrina são muitas, e, em que pese não fazer muito sentido
decorá-las, elas podem gerar algum insight ao fazê-lo perceber que a Medicina Legal incide em
determinada área não imaginada anteriormente, razão pela qual citaremos algumas classificações.

3.2 Classificações na doutrina

Levando-se em consideração o aspecto didático, a Medicina Legal é dividida em:

• Medicina Legal Geral: composta pela Deontologia (obrigações e deveres) e


Diceologia (direitos);
• Medicina Legal Especial: composta por Antropologia médico-legal,
Traumatologia médico-legal, Asfixiologia médico-legal, Sexologia médico-legal,
Tanatologia médico-legal, Psiquiatria médico-legal, Psicologia médico-legal,
Toxicologia médico-legal, Infortunística e Genética médico-legal. Genival
Veloso de França acrescenta a elas Medicina Legal Desportiva, Criminalística,
Criminologia e Vitimologia.
Genival Veloso de França traz ainda, sob o aspecto histórico:
• Medicina Legal Pericial (voltada aos interesses periciais);
• Medicina Legal Legislativa (voltada à elaboração e revisão de atos normativos
que disciplinem fatos ligados às ciências biológicas e afins);
• Medicina Legal Doutrinária (voltada à discussão de institutos jurídicos que
necessitem de conhecimento médico-legal para interpretação);
• Medicina Legal Filosófica (voltada à Ética, Moral e Bioética Médica em relação
ao exercício da Medicina).

O mesmo autor traz, sob o aspecto profissional (forma de prática da atividade):

• Medicina Legal Pericial;


• Criminalística;
• Antropologia médico-legal.

Ao que parece, o autor considera atividades de Criminalística como inseridas em


Medicina Legal, vez que observa que tais segmentos de Medicina legal são praticados,
respectivamente, pelos Institutos de Medicina Legal, Institutos de Criminalística e Institutos de
Identificação (tema abordado no item 1.2 da Parte 1).

Genival traz ainda classificação quanto ao aspecto doutrinário:


22
• Medicina Legal Penal;
• Medicina Legal Civil;
• Medicina Legal Canônica;
• Medicina Legal Trabalhista;
• Medicina Legal Administrativa.

Neusa Bittar traz classificação tripartida, contando com:

• Medicina Legal Geral;


• Medicina Legal Especial (Antropologia, Traumatologia, Asfixiologia,
Tanatologia, Sexologia, Toxicologia, Infortunística, Psicologia Jurídica,
Psiquiatria Forense, Genética médico-legal ou forense);
• Medicina Legal Social (Medicina do Trabalho, Medicina Legal Preventiva e
Medicina Legal Securitária).

3.3 Considerações

Em que pese as classificações, manuais com frequência não expõem a matéria de forma
sistemática condizente com as classificações apresentadas. A fim de facilitar e organizar a exposição,
adotaremos uma classificação de viés didático.

PARTE 2

1. Medicina Legal Geral (Deontologia – obrigações e deveres – e


Diceologia – Direitos)
Vimos anteriormente o porquê da Medicina Legal demonstrando a que ela se presta, vez
que foi determinado seu objeto. Passamos agora à exposição dos direitos, obrigações e deveres de
alguns atores envolvidos no contexto da Medicina Legal, aqueles que a praticam, razão pela qual
devemos preliminarmente determinar quem são esses atores.

1.1 Atores em medicina legal (“Quem”)


Tendo em vista a incidência ampla da matéria, são vários aqueles que exercem influência
em seu desenvolvimento e que a praticam, dos quais exemplificamos: a) legisladores (através de leis
que incidem na matéria, como, por exemplo, a Lei 12842/2013), b) autoridades administrativas
23
(através de atos administrativos normativos, como, por exemplo, Portaria nº 1405/2006-Ministério da
Saúde), c) peritos oficiais, d) peritos não oficiais, e) médicos, g) policiais, f) juristas, g) etc. São
inúmeros (tantos quanto exercerem atividade na qual incide a disciplina), razão pela qual citamos
estes exemplificativamente, existindo aqueles que a exercem em menor ou maior complexidade. Por
exemplo, imagine que um indivíduo é lesionado por faca no contexto de uma briga de rua, tendo sido
socorrido e levado ao hospital, onde, após ter ficado internado por uma semana, em razão de
complicações de seus ferimentos, veio a óbito. Tratando-se de uma morte por causa externa (morte
violenta), havendo IML na localidade, deve este emitir a Declaração de Óbito, conforme alínea “a”
do inciso V do artigo 19 da Portaria 116/2009- Ministério da Saúde. No caso, o médico que realiza o
encaminhamento e o profissional que realiza a comunicação do fato e os atos necessários
(normalmente do setor social do hospital) estão praticando atos que envolvem conhecimento de
medicina legal. Os atos não precisam ser complexos para consistir em exercício de determinados
conhecimentos. Nem sempre quem está em exercício de medicina legal está realizando um exame
pericial. Traçando um paralelo, alguém que ferve água para fazer macarrão instantâneo está
exercendo conhecimentos de Física.
Como se vê, são muitos os atores, porém poder-se-ia dizer que os principais nesta
disciplina, os que elaboram os laudos periciais (formalização do resultado do exame pericial) nos
quais constatam fatos em função da análise de indícios intrínsecos ao corpo humano, são os peritos
médico-legistas, oficiais ou não oficiais, sendo sobre eles que recairão nossas atenções.
Mister se fazer ainda observação quanto aos peritos. A Lei 12.030/2009, que traz normas
gerais para as perícias oficiais de natureza criminal, em seu artigo 5º, estabelece que são peritos de
natureza criminal: a) peritos criminais; b) peritos médico-legistas; c) peritos odontolegistas. Há de se
observar que essa é a classificação dos peritos oficiais (são servidores públicos, investidos no cargo
após concurso público), realizando também perícias médico-legais peritos não oficiais, os
denominados peritos ad hoc (trata-se de termo em latim que, traduzido para o Português, significa
“para isso”), posto que são nomeados para o ato.
Quanto à persecutio criminis (persecução criminal, que compreende a investigação
criminal e o processo criminal), a nomeação de peritos não oficiais para realização de perícia em
localidades onde não houver perícia oficial é prevista no §1º do artigo 159 do Código de Processo
Penal:

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador
de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

24
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras
de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (grifo nosso)

Verifica-se no caso que o perito não oficial atua como o perito de natureza criminal, ou
seja, perito criminal, perito médico-legista e perito odontolegista), a depender de sua nomeação.
Deve-se observar que essa perícia não oficial deverá ser feita obrigatoriamente por dois peritos
nomeados para o ato, os quais devem obrigatoriamente também ter diploma de conclusão de curso de
ensino superior. Preferencialmente esse curso deve ser na área de conhecimento do exame (mais
adiante faremos observação quanto ao curso de ensino superior e a área do objeto da perícia).
A persecução criminal pode ser também referente a crime militar, tendo regramento
próprio, contido no Código de Processo Penal Militar. Neste também há a previsão de realização de
perícias e nomeação de peritos:

Art. 47 Os peritos e intérpretes serão de nomeação do juiz, sem intervenção das partes.

Art. 48. Os peritos ou intérpretes serão nomeados de preferência dentre oficiais da ativa, atendida
a especialidade.

Compromisso legal

Parágrafo único. O perito ou intérprete prestará compromisso de desempenhar a função com


obediência à disciplina judiciária e de responder fielmente aos quesitos propostos pelo juiz e
pelas partes.

Requisição de perícia ou exame

Art. 321. A autoridade policial militar e a judiciária poderão requisitar dos institutos médico-legais,
dos laboratórios oficiais e de quaisquer repartições técnicas, militares ou civis, as perícias e
exames que se tornem necessários ao processo, bem como, para o mesmo fim, homologar os
que nêles tenham sido regularmente realizados.

Tendo em vista a nomeação e prestação de compromisso, verifica-se o artigo 48 ser


referente a perito não oficial, sendo o dispositivo referente a fase processual (topograficamente, a
seção na qual o artigo é inserido pertence ao título VI- do juiz, auxiliares e partes do processo). Já o
artigo 321 é claro quanto a serem os peritos oficiais.
No entanto, existe demanda por perícia médico-legal também em processos de natureza
cível e trabalhista, pois nestes processos eventualmente há necessidade de análise de vestígios
intrínsecos ao corpo humano a fim de formar prova de algo, atuando neles peritos nomeados para o

25
ato. Vejamos o artigo 3º da Lei 5584/1970 e artigos 465 e 478 do Código de Processo Civil,
respectivamente:

Art 3º Os exames periciais serão realizados por perito único designado pelo Juiz, que fixará o
prazo para entrega do laudo.

Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo
para a entrega do laudo.

Art. 478. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento ou for
de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos
estabelecimentos oficiais especializados, a cujos diretores o juiz autorizará a remessa dos autos,
bem como do material sujeito a exame.

§ 1º Nas hipóteses de gratuidade de justiça, os órgãos e as repartições oficiais deverão cumprir


a determinação judicial com preferência, no prazo estabelecido.

§ 2º A prorrogação do prazo referido no § 1º pode ser requerida motivadamente.

§ 3º Quando o exame tiver por objeto a autenticidade da letra e da firma, o perito poderá
requisitar, para efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas e, na falta
destes, poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance
em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação.

Observa-se ainda a realização de perícia médico-legal em processo administrativo,


havendo previsão de realização dos exames nos institutos médico-legais em caso de acidente de
trânsito para fins de recebimento da indenização referente ao seguro DPVAT, conforme disposições
da Lei 6194/1974:

Art . 5º O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do


dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida
qualquer franquia de responsabilidade do segurado.
(...)
§ 3o Não se concluindo na certidão de óbito o nexo de causa e efeito entre a morte e o acidente,
será acrescentada a certidão de auto de necrópsia, fornecida diretamente pelo instituto médico
legal, independentemente de requisição ou autorização da autoridade policial ou da jurisdição do
acidente.
(...)
§ 5o O Instituto Médico Legal da jurisdição do acidente ou da residência da vítima deverá
fornecer, no prazo de até 90 (noventa) dias, laudo à vítima com a verificação da existência e
quantificação das lesões permanentes, totais ou parciais.

Realizam exames médico-legais também os assistentes técnicos, nos termos do §6º do


artigo 159 do Código de Processo Penal. Esses exames visam questionar as perícias já realizadas.

26
Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador
de diploma de curso superior.
(...)
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será
disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença
de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação.

Existe a figura do assistente técnico também no processo cível, sendo ele indicado pelas
partes que desejarem para acompanhamento das diligências e exames que o perito realizar,
confeccionando parecer:

Art. 466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido,
independentemente de termo de compromisso.

§ 1º Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou


suspeição.

§ 2º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das
diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com
antecedência mínima de 5 (cinco) dias.

Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante
requerimento, desde que:

I - sejam plenamente capazes;

II - a causa possa ser resolvida por autocomposição.

§ 1º As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para


acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados.

§ 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em


prazo fixado pelo juiz.

§ 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito
nomeado pelo juiz.

No entanto, diferentemente da previsão do Código de Processo Penal, parece não ser


possível a realização de exames diretamente pelos assistentes técnicos no processo cível, cabendo-
lhes acompanhar a perícia e elaborar dela parecer (documento no qual não há descrição, não havendo
descrição do objeto periciado, atendo-se a discussão ao mérito).
Há a previsão de assistente técnico também no processo trabalhista, conforme parágrafo
único do artigo 3º da Lei 5584/1970:

27
Art 3º Os exames periciais serão realizados por perito único designado pelo Juiz, que fixará o
prazo para entrega do laudo.

Parágrafo único. Permitir-se-á a cada parte a indicação de um assistente, cuja laudo terá que ser
apresentado no mesmo prazo assinado para o perito, sob pena de ser desentranhado dos autos.

Como vimos, são vários os casos em que ocorrerá perícia médico-legal, seja realizada por
perito oficial de natureza criminal ou perito não oficial, no bojo da persecução criminal comum ou
militar, em processos de natureza cível, trabalhista ou mesmo administrativa, mas todos esses peritos
têm algo em comum: são médicos. Isso em razão da Lei 12842/20133, que dispõe sobre o exercício
da medicina e determina como atividade privativa de médico, dentre outras:

XII - realização de perícia médica e exames médico-legais, excetuados os exames laboratoriais


de análises clínicas, toxicológicas, genéticas e de biologia molecular;

Deve-se observar que a classificação “oficial” ou “não oficial” utilizada é referente à Lei
12030/2009, ou seja, à perícia oficial de natureza criminal. Quanto aos processos cíveis e trabalhistas,
ou seja, fora do âmbito criminal, como não há órgão estatal com o escopo de servir-lhes desse serviço
pericial, não há um perito oficial a servir de parâmetro para a nomenclatura “não oficial”, tendo sido

28
esta utilizada para diferenciação em relação à perícia oficial de natureza criminal somente para não
haver confusão entre esses diferentes peritos.

1.2 O que eles fazem?


Os peritos médico-legistas (ou atuando como tal, caso sejam peritos não oficiais ou
assistentes técnicos) realizam exames periciais na área de medicina legal, ou seja, aplicam
conhecimentos de medicina legal para reconhecer e interpretar indícios materiais do corpo humano
relevantes a algo (finalidade da perícia). A perícia pode ter por objeto, por exemplo, a verificação e
análise de lesões corporais de uma vítima de tortura, a identificação de sexo e estatura de esqueleto
humano, verificação e análise de lesões oriundas de um acidente de trânsito, etc.
A perícia é o exame do corpo de delito, e este, por sua vez, é o conjunto de vestígios que,
interligados, permitem, por indução (raciocínio que parte de casos isolados, formando um padrão que
se aplica aos casos análogos), concluir determinados fatos. Assim, não é o corpo de delito o corpo
humano, sendo mais abrangente que isso. A lei 13964/2019 (conhecida como Pacote Anticrime)
trouxe alteração no Código de Processo Penal, havendo inclusão, dentre outros, do artigo 158-A, o
qual traz, em seu parágrafo 3º, a definição do que é vestígio, in verbis:

§ 3º Vestígio é todo objeto ou material bruto, visível ou latente, constatado ou recolhido, que se
relaciona à infração penal.

Após a alteração tornou-se redundante a expressão “vestígio material”, uma vez que o
disposto é claro no sentido da necessidade do vestígio ser algo material, visível ou latente (não
aparente, oculto). Assim, restou limitado o corpo de delito aos elementos materiais da infração penal.
No entanto, existem também elementos ligados à infração penal que não possuem em si
base corpórea, ou seja, são imateriais, podendo consistir em, por exemplo, dados transmitidos via
internet (ex: fotografia digital, mensagem de voz, etc). Tais elementos, cada vez mais comuns devido
à crescente migração ao universo digital, não configurariam então vestígio, conforme definição do
Código de Processo Penal. O mesmo diploma legal traz ainda (caput do artigo 158) obrigatoriedade
de realização de exame de corpo de delito caso haja vestígio (ou seja, elemento material). Não há, no
entanto, definição expressa de corpo de delito em lei, razão pela qual recorremos à doutrina para
conhecê-lo, ao que citamos Genival Veloso de França: “Desta forma, corpo de delito aqui considerado
tem o sentido somático ou psíquico, composto por elementos percebidos pelos sentidos ou pela
intuição humana. Sendo assim, não representa apenas os elementos físicos, mas todos os elementos
acessórios que estão conectados a determinado fato delituoso característico da infração penal”.

29
Assim, concluímos que o corpo de delito pode ser material ou imaterial. Quando material,
composto por vestígios, é obrigatória a realização de perícia. Quando imaterial, a perícia seria
facultativa. No entanto, há de se observar a importância da cadeia de custódia quanto a esse corpo de
delito imaterial, em que pese o Pacote Anticrime ter trazido, no artigo 158-A do Código de Processo
Penal, a previsão de cadeia de custódia somente em relação ao vestígio, sendo ela o “conjunto de
todos os elementos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado
em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu conhecimento
até o descarte”. Conforme artigo intitulado “Aplicação da cadeia de custódia da prova digital”, de
Leonardo Marcondes Machado (link: https://www.conjur.com.br/2020-mar-31/academia-policia-
aplicacao-cadeia-custodia-prova-digital), a necessidade de cadeia de custódia da prova se dá pelo
controle epistêmico (referente ao conhecimento real e verdadeiro) da autenticidade probatória
enquanto premissa de fiabilidade, tendo como fundamentos o princípio universal da autenticidade da
prova, segundo o qual aquilo que se encontrou no local do crime (o vestígio, no caso) deve ser o
mesmo que se utiliza para fundamentar a decisão judicial, e o princípio da desconfiança, segundo o
qual não existe confianças preestabelecidas no campo da prova penal. As “provas digitais” são muito
sensíveis quanto a adulterações, corrupção e supressão, devendo haver especiais cuidados para que a
prova gerada tenha sua idoneidade garantida, vez que as investigações devem buscar a verdade dos
fatos.

A fim de ilustrar o conhecimento acerca de corpo de delito, vamos a um exemplo. O


leitor certamente terá visto ou ouvido falar da personagem “Momo”, que utilizaria perfis em redes
sociais para contatar crianças com o intuito de induzi-las ao suicídio. Imagine que você é Delegado
de Polícia Civil no município X, havendo em suas atribuições a investigação de crimes contra a vida,
sendo que no dia 07/08/2020, às 14h, lhe foi comunicada uma morte violenta, aparentemente suicida,
30
tendo a vítima (o vernáculo em relação ao tipo de morte, se natural ou violenta é abrangente, havendo
vítima mesmo que a pessoa morta tenha sido a própria autora ou então tenha se acidentado), uma
criança de sete anos, sexo masculino, sem antecedentes patológicos, sido encontrada morta na
residência própria, em seu quarto, estando na residência sua mãe, que teve contato com a vítima cerca
de uma hora antes da constatação do óbito, por ocasião em que ela havia ido à cozinha e voltado a
seu quarto, onde estava utilizando computador pessoal. A vítima foi encontrada pela mãe, quando foi
buscá-la no quarto para almoçar, tendo ela a encontrado com lesão incisa no pescoço e com uma faca
ao lado, suja com sangue. Você, a fim de averiguar os fatos, dirige-se ao local, requisita perícia
médico-legal (exame necroscópico) e perícia perinecroscópica (exame criminalístico que analisa
vestígios no sítio próximo ao cadáver, sendo que o prefixo “peri” significa “à roda de” e “necro”
significa “morte”). São muitos vestígios compondo o corpo de delito, os quais devem ser submetidos
a perícia, podendo serem citados o próprio cadáver (a lesão encontrada deve ser analisada em seu
sentido e ângulo, havendo características próprias que indicarão lesão homicida ou suicida), a faca, a
substância contida na faca, as manchas de sangue no local (podendo também haver pesquisa de sangue
eventualmente lavado ou pouco visível pela casa), havendo também elementos imateriais, quais
sejam, os dados contidos no computador (armazenados ou não, mas que possam ser verificados ou
obtidos, como, por exemplo, link salvo que leve a página na web com dados relevantes). Durante as
diligências no local, verificado o computador em estado de hibernação ao lado do corpo, você
solicitou à mãe da vítima o acesso para verificar eventuais dados relevantes ao caso, tendo encontrado
conversa em rede social da criança com perfil “fake”, sendo identificado no conteúdo da conversa
induzimento ao suicídio, inclusive tendo o perfil indicado a utilização de faca, indicado o local da
lesão e os cuidados que a criança deveria ter para que seus pais não percebessem a ação. Esses dados
contidos no computador constituem também corpo de delito, porém imaterial, sendo facultativa
(embora aconselhável) sua submissão a perícia. No entanto, o suporte físico, no caso, o computador,
constitui vestígio (devendo ser submetido a perícia) do delito de induzimento, instigação ou auxílio
ao suicídio (artigo 122 do Código Penal), ou mesmo de homicídio, caso se verifique a criança, por
falta de discernimento, instrumento para a consecução do resultado morte. No caso em questão, como
se viu, não houve diferença quando à perícia dos dados porque havia aparelho (vestígio) a ser
periciado, porém, seria diferente se, por exemplo, a conversa entre a vítima e o perfil lhe fosse enviada
por alguém por meio eletrônico.

1.2.1 Uma breve observação (cláusulas de reserva de jurisdição e acesso ao corpo de delito imaterial)
Importante observar que no caso hipotético narrado a verificação dos dados no
computador constituintes também do corpo de delito só foi possível em decorrência da autorização

31
da mãe da vítima. Isso porque os dados telemáticos que constam em suporte físico (no caso, o
computador) são abrangidos pela proteção a privacidade (gênero), com fundamento nos incisos X e
XII do artigo 5º da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade,
à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o
direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
(...)
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das
comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma
que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;

A privacidade tem por espécies intimidade, vida privada, honra e imagem. São todos
direitos invioláveis, conforme disposição constitucional.
Quanto às comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, existe cláusula absoluta de
reserva de jurisdição (o próprio texto constitucional prevê a necessidade de submissão ao crivo do
judiciário para o afastamento do sigilo). Quanto aos dados em si que estejam inseridos na esfera de
privacidade do indivíduo é necessário conferir-se a legislação infraconstitucional, de modo que
podem ser acessados diretamente pela autoridade investigadora caso não haja previsão expressa em
sentido contrário.
A Lei 12965/2014, nos incisos II e III do artigo 7º traz que:

Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados


os seguintes direitos:
(...)
II - inviolabilidade e sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet, salvo por ordem judicial,
na forma da lei;
III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem
judicial;

Como se observa, foi estabelecida cláusula de reserva de jurisdição, havendo a


necessidade de autorização judicial para acesso aos dados telemáticos em suporte físico consistentes
em conversas privadas armazenadas (como no caso citado, no qual constava no computador a

32
conversa da criança com indivíduo desconhecido). O acesso imediato às conversas armazenadas e a
consequente descoberta da dinâmica dos fatos somente foi possível em razão de autorização dada
pela mãe da criança.
Como se viu no caso, o conhecimento desses dados mudou totalmente a percepção dos
vestígios observados e analisados, mudando-se a indicação precária de um suicídio, fato atípico, para
um crime de induzimento ao suicídio ou mesmo de homicídio. Caso não houvesse a descoberta desses
elementos imateriais (novamente frisa-se que foi oportunizada unicamente pela autorização da mãe
da vítima), dificilmente haveria a cadeia de acontecimentos: a) apreensão do computador; b)
representação pelo afastamento do sigilo dos dados; c) apreciação pelo juízo; d) eventual autorização;
e) acesso pela autoridade investigadora para constatação. Não haveria, a priori, nem infração penal a
dar azo a investigação criminal e a fundamentar o afastamento do sigilo dos dados. Algumas condutas
(no caso o induzimento) não deixam vestígios materiais que indiquem a existência dos elementos
imateriais, havendo então uma grande barreira à efetividade da persecução criminal, mormente à
investigação criminal, a qual fornece subsídios à fase processual.
Não se tratando da comunicação dos dados, mas sim os dados em si (armazenados), não
foi estabelecida pela Constituição Federal cláusula de reserva de jurisdição absoluta, podendo o
legislador ordinário admitir o acesso a esses dados sigilosos diretamente pela autoridade
investigadora, com fundamento em seu poder requisitório, e no interesse da investigação criminal. O
acesso aos dados pela autoridade não faz com que deixem de ser sigilosos, vez que não se lhes daria
publicidade, sendo a própria investigação procedimento sigiloso.
Parece-nos mais congruente com a efetividade da persecução criminal e garantia do
direito social a segurança (artigo 6º da Constituição Federal) que o acesso a tais dados armazenados
se desse diretamente pela autoridade investigadora, seja ela o Delegado de Polícia ou membro do
Ministério Público, sendo ambas de carreira jurídica, devendo o ato ser fundamentado (o acesso se
dá no interesse da investigação, e não para satisfazer curiosidade).
Como se viu pelo exemplo, há em legislação infraconstitucional a imposição de cláusulas
de reserva de jurisdição que nos parecem afastadas das demandas concretas, posto que elementos do
corpo de delito cada vez mais migram para o mundo virtual, não havendo no mundo físico vestígios
que nos indiquem a existência desses elementos imateriais. Isso faz com que vários elementos
imateriais deixem de ser descobertos e analisados, passando infrações penais impunes, o que lesa o
direito constitucional dos cidadãos a segurança. Esse corpo de delito imaterial constitui-se de
elementos como quaisquer outros, com a diferença de que não são perceptíveis aos nossos sentidos
sem que haja a intermediação de um instrumento (no caso, o computador). Imagine agora que você,
no mesmo exemplo, continua sendo o mesmo Delegado de Polícia, realizando a mesma diligência de

33
verificação de morte violenta, encontrando a mesma casa, o mesmo cadáver, e os mesmos vestígios,
mas desta vez você, os policiais que lhe acompanham e os peritos não enxergam, não sentem cheiro,
não escutam, não são dotados de nenhum sentido. Provavelmente a coleta e análise dos vestígios
materiais restaria um tanto prejudicada. A situação hipotética é esdrúxula, claro, mas é tão quanto a
situação de inacessibilidade aos vestígios imateriais. Lembremos que, crimes de que ninguém tem
conhecimento não chamam a atenção e nem geram clamor público, passando despercebidos ante a
ineficiência do Estado.
Mais uma vez nos parece que os movimentos estatais (seja em legislação, seja em
jurisprudência) encontram-se em descompasso com as necessidades efetivas da segurança pública,
havendo a incidência de efeito semelhante ao da “Torre de Marfim” (este referente ao mundo
acadêmico), segundo o qual um microcosmo de intelectuais realiza questionamentos totalmente
desvinculados dos efeitos práticos.

1.2 O que eles fazem? (continuando)


O resultado dos exames periciais é o laudo pericial, documento escrito acerca das
diligências, descrições, análises e conclusões (artigo 160 do Código de Processo Penal):

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que
examinarem, e responderão aos quesitos formulados

O Código de Processo Penal traz hipótese genérica de perícia médico-legal (exame de


corpo de delito), mas traz também algumas hipóteses específicas:

Art. 162. A autópsia será feita pelo menos seis horas depois do óbito, salvo se os peritos, pela
evidência dos sinais de morte, julgarem que possa ser feita antes daquele prazo, o que
declararão no auto.

Parágrafo único. Nos casos de morte violenta, bastará o simples exame externo do cadáver,
quando não houver infração penal que apurar, ou quando as lesões externas permitirem precisar
a causa da morte e não houver necessidade de exame interno para a verificação de alguma
circunstância relevante.

Art. 163. Em caso de exumação para exame cadavérico, a autoridade providenciará para que,
em dia e hora previamente marcados, se realize a diligência, da qual se lavrará auto
circunstanciado.

Parágrafo único. O administrador de cemitério público ou particular indicará o lugar da sepultura,


sob pena de desobediência. No caso de recusa ou de falta de quem indique a sepultura, ou de
encontrar-se o cadáver em lugar não destinado a inumações, a autoridade procederá às
pesquisas necessárias, o que tudo constará do auto.

34
Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto,
proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de
ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor.

§ 1o No exame complementar, os peritos terão presente o auto de corpo de delito, a fim de suprir-
lhe a deficiência ou retificá-lo.

§ 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código
Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime.

§ 3o A falta de exame complementar poderá ser suprida pela prova testemunhal.

É obrigatória a realização da perícia sobre os vestígios que compõem o corpo de delito


enquanto este subsistir, conforme o caput do artigo 159 do Código de Processo Penal. A mesma
disposição existe no artigo 328 do Código de Processo Penal Militar, com redação idêntica, qual seja:

“Quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou
indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado.”

Tendo em vista que no âmbito da persecução criminal (seja civil ou militar), a perícia
(note-se que se fala na perícia, e não na disciplina de medicina legal) tem caráter instrumental,
servindo para constatar materialidade e circunstâncias relevantes à investigação ou ao processo, ela
deve ser, obrigatoriamente enquanto subsistir o corpo de delito, requisitada pela autoridade
competente. Não se deve ignorar o importantíssimo papel dos exames periciais na investigação
criminal, vez que alguns vestígios que compõem o corpo de delito podem requerer conhecimentos
técnicos mais superficiais ou mais profundos para serem interpretados. O corpo de delito quer “contar
uma história” acerca do que ocorreu, mas para ouvi-la precisamos entender a sua linguagem. Por
vezes essa linguagem pode parecer ininteligível. Nesses casos a perícia serve como intérprete para
que os órgãos de investigação possam se comunicar com os vestígios e chegar ao seu escopo, que é,
de maneira imparcial, verdade dos fatos, conhecer o que realmente aconteceu.
Via de regra, o primeiro conhecimento do corpo de delito se dá durante a investigação,
devendo os exames periciais ser requisitados pelo Delegado de Polícia (Civil ou Federal, sendo
autoridade de polícia judiciária), pela autoridade de polícia judiciária militar delegada, ou pelo
representante do Ministério Público, quando atuando em investigação criminal.

1.3 Obrigações e deveres (enfim)


A fim de facilitar a exposição do objeto desse tópico, que é extenso, faremos a
apresentação em subdivisões, conforme classificação própria.

35
1.3.1 Obrigações e deveres referentes a moral e técnica

Genival Veloso de França elenca como deveres dos peritos, ligados à moral e às regras
técnicas:
a) Deveres de informação: dever de prestar todos os esclarecimentos necessários para a
realização correta do exame, principalmente em relação à complexidade dele, intensidade da
intimidade que requer e ao fato do interesse ser discutível. Por exemplo, a informação ao
examinado é requisito ao consentimento deste (ou seus representantes legais, caso seja
incapaz);
b) Deveres de atualização profissional: a fim de evitar atos de imperícia, o perito deve ter os
conhecimentos ordinários de sua profissão;
c) Deveres de abstenção de abusos: deve o perito agir com as cautelas devidas a fim de evitar
danos a bens protegidos;
d) Deveres de vigilância, de cuidados e de atenção: deve o perito agir com atenção, com
diligência, sem descaso.

1.3.1.1 Obrigatoriedade de ensino superior, especialidade e habilitação técnica


Ligados ainda à técnica, como consequência dessa exigência, podemos citar a
obrigatoriedade de nível superior e habilitação técnica relacionada com a natureza do exame,
conforme artigo 159 do Código de Processo Penal (observe-se que antes da alteração pela Lei
11.690/2008 não havia essa exigência de formação acadêmica aos peritos oficiais e na redação
original, anterior à alteração pela Lei 8862/1994, não havia exigência de habilitação técnica
relacionada à natureza do exame), verificando-se as redações atual e anteriores:

Redação atual, trazida pela Lei 11690/2008

Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador
de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras
de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem
habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada pela Lei nº
11.690, de 2008)

36
Redação anterior, trazida pela Lei 8862/1994 (link:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/1989_1994/L8862.htm#:~:text=L8862&text=LEI%20N%C2%BA%2
08.862%2C%20DE%2028,1941%20%2D%20C%C3%B3digo%20de%20Processo%20Penal.)

Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por dois peritos oficiais.

§ 1º Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, portadoras
de diploma de curso superior, escolhidas, de preferência, entre as que tiverem habilitação técnica
relacionada à natureza do exame.

Redação original (link: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3689-


3-outubro-1941-322206-publicacaooriginal-1-pe.html)

Art. 159. Os exames de corpo de delito e as outras perícias serão feitos por peritos oficiais.

§ 1º Não havendo peritos oficiais, o exame será realizado por duas pessoas idôneas, escolhidas
de preferência as que tiverem habilitação técnica.

O Código de Processo Penal Militar traz como regra (“sempre que possível”) a realização
de perícia por dois peritos com especialização no assunto objeto da perícia ou com habilitação técnica,
nomeados de preferência dentre os oficiais da ativa, atendida a especialidade. No entanto, as perícias
podem ser também requisitadas de órgãos de perícia oficial, devendo ser os exames, portanto,
realizados por peritos oficiais:

37
Número dos peritos e habilitação

Art. 318. As perícias serão, sempre que possível, feitas por dois peritos, especializados no
assunto ou com habilitação técnica, observado o disposto no art. 48.

Requisição de perícia ou exame

Art. 321. A autoridade policial militar e a judiciária poderão requisitar dos institutos médico-legais,
dos laboratórios oficiais e de quaisquer repartições técnicas, militares ou civis, as perícias e
exames que se tornem necessários ao processo, bem como, para o mesmo fim, homologar os
que nêles tenham sido regularmente realizados.

Conforme se verifica, o Código de Processo Penal Militar não faz exigência de diploma
de curso de ensino superior. Ainda, a exigência é de especialização ou habilitação técnica do perito
(sempre que possível dois peritos) nomeado de preferência dentre os oficiais da ativa que atendam a
especialidade. O mesmo diploma legal deu opção para que o juiz ou a autoridade policial presidente
da investigação requisite a perícia dos órgãos periciais oficiais, quando então, serão os exames
realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior (artigo 159, caput do Código de
Processo Penal).
O Código de Processo Civil exige que o perito seja especializado no objeto da perícia,
sendo, inclusive, causa de sua substituição a detecção de falta de conhecimento técnico ou científico.
Há também a previsão de preferência de nomeação, caso o objeto da perícia seja autenticidade ou
falsidade de documento, ou caso a perícia for de natureza médico-legal, dentre os “técnicos dos
estabelecimentos oficiais especializados”:

Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo
para a entrega do laudo.

Art. 468. O perito pode ser substituído quando:

I - faltar-lhe conhecimento técnico ou científico;

Art. 478. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento ou for
de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos
estabelecimentos oficiais especializados, a cujos diretores o juiz autorizará a remessa dos autos,
bem como do material sujeito a exame.

A Lei 5584/1970 não trouxe exigência acerca de ensino superior, habilitação técnica ou
especialidade. No entanto, a Consolidação das Leis do Trabalho traz regra específica para casos
referentes a insalubridade e periculosidade no caput e no §2º do artigo 195:

38
Art.195 - A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as
normas do Ministério do Trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho
ou Engenheiro do Trabalho, registrados no Ministério do Trabalho.
(...)
§ 2º - Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por Sindicato
em favor de grupo de associado, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde
não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho.
(...)

39
1.3.1.2 Observação do Código de Ética Médica
No caso de perícia médico-legal, existe ainda a necessidade de formação específica em
curso de ensino superior de medicina, conforme inciso XII do artigo 4º da Lei 12.842/2013, o que já
foi visto anteriormente. Em razão de serem médicos, há a incidência do Código de Ética Médica

40
(Resolução CFM nº 2217/2018), do qual destacamos, por bastante pertinente a exames médico-legais,
vedação quanto à perícia médica contida no artigo 95:

Art. 95. Realizar exames médico-periciais de corpo de delito em seres humanos no interior de
prédios ou de dependências de delegacias de polícia, unidades militares, casas de detenção e
presídios.

Todos os médicos devem seguir os ditames do código de ética, posto que se trata de
conjunto normas de disciplina da classe médica emitido pelo Conselho Federal de Medicina,
autarquia que tem, junto dos Conselhos Regionais de Medicina, a atribuição de supervisionar a ética
profissional da classe e o exercício legal da profissão, conforme artigo 2º da Lei 3268/1957:

Art . 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores


da ética profissional em tôda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da
classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito
desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam
legalmente.

Quanto ao poder disciplinar (apuração de infrações administrativas e aplicação de


penalidades), este é exercido pelos Conselhos Regionais, havendo a previsão das penas possíveis:

Art . 21. O poder de disciplinar e aplicar penalidades aos médicos compete exclusivamente ao
Conselho Regional, em que estavam inscritos ao tempo do fato punível, ou em que ocorreu, nos
têrmos do art. 18, § 1º.

Parágrafo único. A jurisdição disciplinar estabelecida neste artigo não derroga a jurisdição
comum quando o fato constitua crime punido em lei.

Art . 22. As penas disciplinares aplicáveis pelos Conselhos Regionais aos seus membros são as
seguintes:

a) advertência confidencial em aviso reservado;

b) censura confidencial em aviso reservado;

c) censura pública em publicação oficial;

d) suspensão do exercício profissional até 30 (trinta) dias;

e) cassação do exercício profissional, ad referendum do Conselho Federal.

§ 1º Salvo os casos de gravidade manifesta que exijam aplicação imediata da penalidade mais
grave a imposição das penas obedecerá à gradação dêste artigo.

41
§ 2º Em matéria disciplinar, o Conselho Regional deliberará de oficial ou em conseqüência de
representação de autoridade, de qualquer membro, ou de pessoa estranha ao Conselho,
interessada no caso.

§ 3º A deliberação do Comércio precederá, sempre, audiência do acusado, sendo-lhe dado


defensor no caso de não ser encontrado, ou fôr revel.

§ 4º Da imposição de qualquer penalidade caberá recurso, no prazo de 30 (trinta) dias, contados


da ciência, para o Conselho Federal, sem efeito suspenso salvo os casos das alíneas c , e e f ,
em que o efeito será suspensivo.

§ 5º Além do recurso previsto no parágrafo anterior, não caberá qualquer outro de natureza
administrativa, salvo aos interessados a via judiciária para as ações que fôrem devidas.

§ 6º As denúncias contra membros dos Conselhos Regionais só serão recebidas quando


devidamente assinadas e acompanhadas da indicação de elementos comprobatórios do
alegado.

Importante ressaltar, para destacar a importância do código de ética para esse estudo de
diciologia (direitos) e deontologia (deveres e obrigações) a quantidade de normas dessa natureza por
ele trazida, ao que transcrevemos o inciso VI do seu preâmbulo:

VI - Este Código de Ética Médica é composto de 26 princípios fundamentais do exercício da


medicina, 11 normas diceológicas, 117 normas deontológicas e quatro disposições gerais. A
transgressão das normas deontológicas sujeitará os infratores às penas disciplinares previstas
em lei. (Redação modificada pela Resolução CFM nº 2.222/2018).

Importante observação, a título de curiosidade, vez que já verificamos que a realização


de perícia médica é atividade privativa de médico, acarretando a necessidade de tal formação
acadêmica tanto ao perito oficial quanto ao não oficial, é quanto às atividades privativas de diversas
profissões de nível superior, as quais acarretam obrigações específicas, citando-se como exemplo a
alínea “c” do artigo 25 do Decreto-lei 9295/46, que traz, conforme o artigo 26 do mesmo diploma
legal atividades privativas de “contadores diplomados”. Seguem os dispositivos:

Art. 25. São considerados trabalhos técnicos de contabilidade:

a) organização e execução de serviços de contabilidade em geral;

b) escrituração dos livros de contabilidade obrigatórios, bem como de todos os necessários no


conjunto da organização contábil e levantamento dos respectivos balanços e demonstrações;

42
c) perícias judidais ou extra-judiciais, revisão de balanços e de contas em geral, verificação de
haveres revisão permanente ou periódica de escritas, regulações judiciais ou extra-judiciais de
avarias grossas ou comuns, assistência aos Conselhos Fiscais das sociedades anônimas e
quaisquer outras atribuíções de natureza técnica conferidas por lei aos profissionais de
contabilidade.

Art. 26. Salvo direitos adquiridos ex-vi do disposto no art. 2º do Decreto nº 21.033, de 8 de
Fevereiro de 1932, as atribuições definidas na alínea c do artigo anterior são privativas dos
contadores diplomados.

Da mesma maneira que o Conselho Federal de Medicina e os Conselhos Regionais de


Medicina, existem o Conselho Federal de Contabilidade e os Conselhos Regionais de Contabilidade,
os quais também têm a atribuição de supervisionar a ética profissional da classe e o exercício legal
da profissão, existindo o Código de Ética Profissional dos Contabilistas.
Assim, faz-se necessário verificar a legalidade do exame pericial realizado por peritos
não oficiais que não sejam portadores de diploma de curso superior na área de conhecimento da
perícia (o Código de Processo Penal traz a exigência aos peritos não oficiais de diploma de curso
superior preferencialmente na área específica).

1.3.1.3 Deveres e obrigações decorrentes do estatuto do servidor

Quanto aos peritos médico-legistas oficiais, além de serem médicos (e, portanto,
portadores de diploma de ensino superior), são servidores públicos, sendo necessário, então,
aprovação prévia em concurso público e investidura no cargo. Consequência disso é também os
deveres e obrigações decorrentes do estatuto de servidor no qual se incluem.

1.3.1.4 Quantidade obrigatória e quantidade facultativa de peritos e assistentes técnicos


Quantos aos peritos não oficiais em persecução criminal foi exigido o número de 2 (dois),
tendo em vista, talvez, a compensação da falta de prática e conhecimentos necessários em relação ao
perito oficial. Quanto aos peritos oficiais, conforme artigo 159 do Código de Processo Penal,
interpretado junto de seu §1º, basta que o exame seja realizado por apenas um perito oficial.
Como já visto no tópico 1.3.1.1, “O Código de Processo Penal Militar traz como regra
(“sempre que possível”) a realização de perícia por dois peritos com especialização no assunto objeto
da perícia ou com habilitação técnica, nomeados de preferência dentre os oficiais da ativa, atendida a
especialidade. No entanto, as perícias podem ser também requisitadas de órgãos de perícia oficial,
devendo ser os exames, portanto, realizados por peritos oficiais”. Tendo em vista que o Código de
Processo Penal institui como regra do exame realizado por apenas um perito oficial (§1º do artigo

43
159) e que não há previsão expressa no Código de Processo Penal Militar acerca da quantidade de
peritos oficias a realizar o exame, entendemos aplicar-se a norma do Código de Processo Penal, isso
em razão da alínea “a” do artigo 3º do Código de Processo Penal Militar:

Art. 3º Os casos omissos neste Código serão supridos:

a) pela legislação de processo penal comum, quando aplicável ao caso concreto e sem prejuízo
da índole do processo penal militar;

O Código de Processo Civil estabelece como regra a realização da perícia por apenas um
perito, seja ele nomeado pelo juiz, seja escolhido pelas partes. A regra é a indicação também de apenas
um assistente técnico por parte litigante:

Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo
para a entrega do laudo.

§ 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de


nomeação do perito:

I - arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso;

II - indicar assistente técnico;

III - apresentar quesitos.

Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante
requerimento, desde que:

I - sejam plenamente capazes;

II - a causa possa ser resolvida por autocomposição.

§ 1º As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para


acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados.

§ 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em


prazo fixado pelo juiz.

§ 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito
nomeado pelo juiz.

No processo trabalhista também se dá a realização da perícia por um único perito,


nomeado pelo juiz:

44
Art 3º Os exames periciais serão realizados por perito único designado pelo Juiz, que fixará o
prazo para entrega do laudo.

Consequência também da exigência técnica se verifica a disposição do §7º do artigo 159


do Código de Processo Penal, na qual se verifica a faculdade de atuação de mais de um perito oficial
para que as áreas de conhecimentos necessárias à perícia sejam devidamente cobertas, o que serve
também ao assistente técnico:

§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento


especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais
de um assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

Existe disposição semelhante no artigo 475 do Código de Processo Civil:

Art. 475. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento
especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente
técnico.

Em se tratando de perícia complexa em processos penais militares, entendemos aplicar-


se, com fundamento novamente na alínea “a” do artigo 3º do Código de Processo Penal Militar, o §7º
do artigo 159 do Código de Processo Penal, podendo haver a designação de mais de um perito oficial
em caso de perícia complexa abrangendo mais de uma área de conhecimento especializado. Quanto
a assistência técnica, não há previsão no Código de Processo Penal Militar.

Não há, na lei processual trabalhista, disposição semelhante. No entanto, tendo em vista
a dificuldade prática de se realizar perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento
por um único perito, parece-nos razoável o entendimento de que haja a faculdade de nomeação de
mais de um perito pelo juiz, isso com fincas no §1º do artigo 8º da Lei 5452/1943:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou


contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros
princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo
com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse
de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.
§ 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

45
1.3.1.5 Prestação de compromisso pelos peritos
Ainda quanto à moral e à técnica, observa-se que os peritos não oficiais, em persecução
criminal, devem prestar compromisso quando de sua nomeação, conforme §2º do artigo 159 do
Código de Processo Penal:

§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o


encargo. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)

Na persecução criminal militar, devem prestar compromisso os peritos nomeados,


conforme disposição do parágrafo único do artigo 148 do Código de Processo Penal Militar, in verbis:

Art. 48. Os peritos ou intérpretes serão nomeados de preferência dentre oficiais da


ativa, atendida a especialidade.

Compromisso legal

Parágrafo único. O perito ou intérprete prestará compromisso de desempenhar a


função com obediência à disciplina judiciária e de responder fielmente aos quesitos
propostos pelo juiz e pelas partes.

Sendo o caso de requisição de exame aos órgãos de perícia oficial, tendo em vista que o
exame será realizado, então, por perito oficial, não há prestação de compromisso.

Nos casos em que o perito oficial (servidor público) realiza exames no exercício de suas
atribuições legais, ele não presta compromisso, vez que esse é prestado quando da posse do cargo
público por ele ocupado.

46
Já nos processos cíveis é dispensado o compromisso, o que não dispensa o perito da
obrigação de cumprir com rigor o que lhe incumbe:

Art. 466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido,
independentemente de termo de compromisso

Nos processos trabalhistas, há compromisso do perito, conforme se subentende da


disposição do artigo 827 da Lei 5452/19433 (Consolidação das Leis do Trabalho):

Art. 827 - O juiz ou presidente poderá argüir os peritos compromissados ou os técnicos, e


rubricará, para ser junto ao processo, o laudo que os primeiros tiverem apresentado.

1.3.1.5 Obrigações na elaboração do laudo pericial e esclarecimentos e correções

Devem os peritos ser diligentes quando da elaboração do laudo, respondendo ainda,


obrigatoriamente, os quesitos que lhe forem apresentados (artigo 160 do Código de Processo Penal),
podendo ser eles apresentados até o ato da diligência (artigo 176 do Código de Processo Penal):

Art. 160. Os peritos elaborarão o laudo pericial, onde descreverão minuciosamente o que
examinarem, e responderão aos quesitos formulados.

Art. 176. A autoridade e as partes poderão formular quesitos até o ato da diligência.

Há disposição semelhante no Código de Processo Penal Militar:

Resposta aos quesitos

Art. 319. Os peritos descreverão minuciosamente o que examinarem e responderão com clareza
e de modo positivo aos quesitos formulados, que serão transcritos no laudo.

O Código de Processo Civil foi mais minucioso quanto às exigências do laudo pericial:

Art. 473. O laudo pericial deverá conter:

I - a exposição do objeto da perícia;

II - a análise técnica ou científica realizada pelo perito;

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III - a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente
aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;

IV - resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão
do Ministério Público.

§ 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com


coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.

§ 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões
pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.

§ 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de


todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando
documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem
como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos
necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

Não se encontra disposição semelhante quando às normas processuais trabalhistas.

Os peritos devem ainda se posicionar conforme resultado de seus exames no qual fora
empregada metodologia técnico-científica, seguindo seu entendimento, ainda que divergente de
perito que com ele realizou a perícia, conforme artigo 180 do Código de Processo Penal:

Art. 180. Se houver divergência entre os peritos, serão consignadas no auto do exame as
declarações e respostas de um e de outro, ou cada um redigirá separadamente o seu laudo, e a
autoridade nomeará um terceiro; se este divergir de ambos, a autoridade poderá mandar
proceder a novo exame por outros peritos.

Mais que um direito a discordância, tal disposição serve para explicitar a ponderabilidade
dos resultados obtidos. Existe a mesma disposição no artigo 322 do Código de Processo Penal Militar.

Quanto aos esclarecimentos no processo, existe previsão no Código de Processo Penal,


no inciso I do §5º do artigo 159, complementada pelo previsto no artigo 411 e seu §1º, de forma que
as partes podem requer ao juiz a intimação do perito para esclarecimento ou para que responda
quesitos, podendo o perito apresentar as respostas aos questionamentos (que devem ser-lhes
encaminhados com antecedência mínima de dez dias) em laudo complementar:

(...)

§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à


perícia: (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)

48
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos,
desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam
encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas
em laudo complementar;

Art. 411. Na audiência de instrução, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se


possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem
como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas,
interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate. (Redação dada pela
Lei nº 11.689, de 2008)

§ 1o Os esclarecimentos dos peritos dependerão de prévio requerimento e de deferimento pelo


juiz.

Existe norma também referente à hipótese de haver, no laudo, inobservância de


formalidades, omissões, obscuridades ou contradições, quando a autoridade judiciária mandará suprir
a formalidade, complementar ou esclarecer o laudo (artigo 181 do Código de Processo Penal).
Observa-se, quanto à limitação desse controle sobre a qualidade laudo para exercício somente pela
autoridade judiciária, uma disposição muito infeliz do diploma legal, uma vez que caso a perícia se
dê na fase pré-processual, sendo a investigação perpetrada pelo Delegado de Polícia ou pelo
representante do Ministério Público, serão eles destinatários dos laudos produzidos, e não o juiz
(autoridade judicial), razão pela qual devem ter a possibilidade de mandar corrigi-los caso haja
descumprimento de formalidade, omissão, obscuridade ou contradição. Não parece se tratar de
hipótese de cláusula de reserva de jurisdição, vez que, de maneira diversa da que ocorre quando há
essa obrigatoriedade de submissão à apreciação do magistrado, não há previsão de requerimento do
Ministério Público e representação da autoridade policial, tal como ocorre, por exemplo, no caso de
sequestro de bens (artigo 127 do Código de Processo Penal) e interceptação telefônica (artigo 3º da
Lei 9296/1996). Ademais, vale lembrar que, caso se trate de perito oficial, e, portanto, servidor
público, a obrigação de cumprir (efetivamente) as requisições serão decorrentes do estatuto ao qual o
servidor é submetido, gerando o descumprimento da norma responsabilidade.

Dessa forma, melhor o entendimento de que a obrigação de suprir formalidade,


complementar ou esclarecer o laudo independe de ordem da autoridade judicial, podendo partir a
ordem diretamente da autoridade destinatária do laudo.

No artigo 323 do Código de Processo Penal Militar

1.3.1.6 Obrigações e deveres referentes a imparcialidade dos peritos

49
Existem também exigências legais a fim de garantir a isenção da perícia, tais como o
artigo 112 do Código de Processo Penal, que gera dever ao perito de abstenção de servir em processo
no qual tenha incompatibilidade ou impedimento:

Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os


peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou
impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou
impedimento poderá ser argüido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a
exceção de suspeição. (grifo nosso)

As hipóteses de impedimento do juiz estão arroladas no artigo 252 do Código de Processo


Penal e são de ordem objetiva e internas ao processo:

Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim, em linha reta ou colateral
até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público,
autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre
a questão;

IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consangüíneo ou afim em linha reta ou colateral
até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito.

Quanto à incompatibilidade do juiz, o Código de Processo Penal a menciona no artigo


112, porém não a define e nem expõe suas hipóteses, trazendo apenas as causas de impedimento
(artigo 252) e de suspeição (artigo 254), existindo entendimento doutrinário segundo o qual
consistiria em todas as hipóteses que influam na imparcialidade do juiz que não estejam classificadas
como suspeição ou impedimento.

O artigo 275 do Código de Processo Penal estabelece que o perito, ainda que não oficial,
está sujeito à disciplina judiciária:

Art. 275. O perito, ainda quando não oficial, estará sujeito à disciplina judiciária.

Há também previsão expressa sobre a aplicabilidade aos peritos das prescrições referentes
à suspeição dos juízes:

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Art. 280. É extensivo aos peritos, no que Ihes for aplicável, o disposto sobre suspeição dos
juízes.

O artigo 254 do Código de Processo Penal traz hipóteses de suspeição do juiz, havendo
ainda regra de impedimento e suspeição no artigo 255:

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das
partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato
análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consangüíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive,
sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

Vl - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo.

Art. 255. O impedimento ou suspeição decorrente de parentesco por afinidade cessará pela
dissolução do casamento que Ihe tiver dado causa, salvo sobrevindo descendentes; mas, ainda
que dissolvido o casamento sem descendentes, não funcionará como juiz o sogro, o padrasto, o
cunhado, o genro ou enteado de quem for parte no processo.

Existem ainda hipótese específica de impedimento trazidas pelo inciso II do artigo 279
do Código de Processo Penal:

Art. 279. Não poderão ser peritos:

I - os que estiverem sujeitos à interdição de direito mencionada nos ns. I e IV do art. 69 do


Código Penal;

II - os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sobre o objeto


da perícia;

III - os analfabetos e os menores de 21 anos.

Quanto aos demais incisos, verificam-se inaplicáveis, vez que o I refere a redação anterior
do dispositivo do Código Penal e o III encontra-se superado ante a exigência atual de habilitação
técnica, havendo apenas que se discutir acerca da constitucionalidade da distinção pela idade.

O artigo 52 do Código de Processo Penal Militar traz disposições semelhantes, versando


sua alínea “b” sobre hipótese que reflete na imparcialidade:

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Impedimentos dos peritos

Art. 52. Não poderão ser peritos ou intérpretes:

a) os que estiverem sujeitos a interdição que os inabilite para o exercício de função pública;

b) os que tiverem prestado depoimento no processo ou opinado anteriormente sôbre o


objeto da perícia;

c) os que não tiverem habilitação ou idoneidade para o seu desempenho;

d) os menores de vinte e um anos.

Há hipótese de impedimento específica para médico:

Impedimento de médico

Parágrafo único. A autópsia não poderá ser feita por médico que haja tratado o morto em
sua última doença.

Prevê também o Código de Processo Penal Militar a suspeição em relação aos peritos,
estendendo-lhes, no que for aplicável, as disposições relativas ao juiz:

Suspeição de peritos e intérpretes

Art. 53. É extensivo aos peritos e intérpretes, no que lhes fôr aplicável, o disposto sôbre
suspeição de juízes.

Os peritos, também no processo cível estão sujeitos às hipóteses de impedimento e


suspeição, conforme inciso II do artigo 148 c/c artigo 149, ambos do Código de Processo Civil:

Art. 148. Aplicam-se os motivos de impedimento e de suspeição:

(...)

II - aos auxiliares da justiça;

52
Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas atribuições sejam determinadas pelas
normas de organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria, o oficial de justiça, o perito,
o depositário, o administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o conciliador judicial, o
partidor, o distribuidor, o contabilista e o regulador de avarias.

1.3.3 Obrigações e deveres referentes ao exame e ao laudo (da realização do exame ao esclarecimento
do laudo em oitiva no processo, havendo direito de apresentar laudo complementar)

1.3.4 Obrigações e deveres referentes ao prazo para entrega do laudo

1.3.5 Obrigações e deveres decorrentes do estatuto de servidor

1.3.6 Dever de realizar a perícia

1.4 Direitos
Preferência dos oficiais

O Código de Processo Penal Militar também traz preocupação de natureza técnica quanto
aos peritos nomeados, porém dando preferência aos oficiais da ativa, atendendo-se a especialidade,
devendo os nomeados também prestar compromisso:

Preferência

Art. 48. Os peritos ou intérpretes serão nomeados de preferência dentre oficiais da ativa, atendida
a especialidade.

Compromisso legal

Parágrafo único. O perito ou intérprete prestará compromisso de desempenhar a função com


obediência à disciplina judiciária e de responder fielmente aos quesitos propostos pelo juiz e
pelas partes.

Número dos peritos e habilitação

Art. 318. As perícias serão, sempre que possível, feitas por dois peritos, especializados no
assunto ou com habilitação técnica, observado o disposto no art. 48.

Observa-se que também é exigido o número de dois peritos não oficiais, podendo haver
requisição de perícia oficial, conforme artigo 321 do Código de Processo Penal Militar:

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Requisição de perícia ou exame

Art. 321. A autoridade policial militar e a judiciária poderão requisitar dos institutos médico-legais,
dos laboratórios oficiais e de quaisquer repartições técnicas, militares ou civis, as perícias e
exames que se tornem necessários ao processo, bem como, para o mesmo fim, homologar os
que nêles tenham sido regularmente realizados.

Tendo em vista a habilitação técnica dos peritos oficiais e experiência prática,


entendemos que seja necessário, assim como no Código de Processo Penal, apenas um perito oficial.

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