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TEXTOS DE APOIO DE MEDICINA LEGAL E CIÊNCIAS FORENSES

CARACTERIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DE LESÕES*


Agostinho Santos & Teresa Magalhães
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Índice
1. Caracterização das lesões
1.1. Lesões contundentes
1.1.1. Abrasões ou escoriações
1.1.2. Contusões
1.1.3. Lacerações
1.2. Feridas cortantes ou incisas
1.3. Lesões penetrantes e/ou perfurantes
1.4. Lesões mistas
1.4.1. Lesões corto-penetrantes ou corto-perfurantes
1.4.2. Lesões perfuro-contundentes
1.4.3. Lesões corto-contundentes
2. Descrição das lesões
3. Referências bibliográficas

A rigorosa caraterização e descrição de lesões constituem passos fundamentais


do exame médico forense (EMF), tendo como principal objetivo preservar essas
lesões através da sua descrição (associada à imagem) e, assim, permitir a sua
discussão e interpretação ao nível da perícia médico-legal e forense, concretizada
através do relatório pericial. Só estes procedimentos possibilitarão ao perito
médico estabelecer a existência de nexo de causalidade entre o(s) traumatismo(s)
relatado(s) e as lesões observadas (através do estudo da biomecânica associada
à sua produção). Por outro lado, a descrição e a fotodocumentação, ao tornar
perenes as evidências observadas permitirão, posteriormente, a reconstituição do
evento traumático.
Estes procedimentos são, pois, fundamentais em termos de prova e também de
um saudável contraditório, dado que um EMF desta natureza não é repetível, seja
no vivo (as lesões evoluem normalmente para a cura ou consolidação e, no caso

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* Extraído de: Caraterização e descrição de lesões. Agostinho Santos, Duarte Nuno Vieira, Teresa
Magalhães. (2013): In Abuso & Negligência Serie n.2 - Agressões sexuais. Intervenção pericial integrada.
Teresa Magalhães & Duarte Nuno Vieira (Eds.). Maia: SPECAN. pp. 121-156 (ISBN: 978-989-97275-1-9.)
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das lesões genitais, tendem a evoluir muito rapidamente), seja no cadáver (as
lesões modificam-se e acabam até por desaparecer em resultado da
decomposição cadavérica).
Importa, por isso, que o perito médico seja capaz de corretamente caracterizar
as lesões, tendo em conta as suas diversas tipologias e mecanismos de produção,
estando também apto para, com rigor, fazer a sua descrição e fotodocumentação
para, posteriormente, as interpretar à luz da informação que tiver sido obtida,
estabelecendo o adequado diagnóstico diferencial quanto à sua
etiologia/mecanismo de produção.

1. CARACTERIZAÇÃO DAS LESÕES


Existem vários conceitos em torno desta matéria, que importa reter:
a) Ferida/ferimento (“wound”): significa a perda da solução continuidade da
pele ou mucosa (e.g. ferida incisa, laceração, ferida perfurante), devido à
ação de forças externas; ficam, assim, excluídas lesões como equimoses,
abrasões, lesões internas ou fraturas;
b) Lesão: este conceito pode ser usado em inglês com dois significados algo
diferentes: (1) “Injury”, muitas vezes utilizado como sinónimo de ferida,
sendo no entanto mais abrangente, incluindo o dano no(s) tecido(s)
resultante de agentes externos mecânicos ou de outro tipo (e.g. químicos,
calor, frio, eletricidade, radiação); (2) “Lesion”, que geralmente significa
“injury”, podendo ser de origem traumática, patológica ou degenerativa, e
atingir qualquer estrutura corporal, causando alterações na sua função ou
estrutura.
Assim, em termos forenses, uma “lesão” consiste num dano, em qualquer parte
do corpo, resultante geralmente da aplicação de uma força mecânica, tendo
tradução macroscópica apenas quando a intensidade da força aplicada excede a
capacidade de os tecidos se adaptarem ou resistirem (Saukko & Knight, 2004).
Relativamente aos traumatismos, estes podem ser de diversa natureza,
designadamente:

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a) Contundente: resultante da interação de instrumentos rombos ou de


superfície arredondada, com a superfície corporal (e.g. murros ou
pontapés);
b) Cortante: resultante da interação de instrumentos cortantes, geralmente
constituídos por uma lâmina fina, de secção triangular, que atuam por ação
de gume afiado, com a superfície corporal (e.g. faca, navalha, vidro partido,
lâmina de barbear, X-ato);
c) Perfurante: resultante da interação de instrumentos perfurantes, isto é,
instrumentos geralmente de configuração cilíndrico-cónica, compridos, de
secção circular ou elíptica e de extremidade afiada e/ou pontiaguda, com a
superfície corporal (e.g. agulha, prego, chave de parafusos, garfo) (Lopes,
1982);
d) Mista: resultante da interação de determinados instrumentos com a
superfície corporal, os quais reúnam duas ou mais características dos
instrumentos anteriormente referidos, podendo até ser os mesmos
instrumentos mas que, pela forma como são usados, produzam um
traumatismo de natureza mista. Estes traumatismos podem ser do tipo: (1)
corto-contundente (e.g. machado); (2) corto-perfurante (e.g. faca, punhal);
(3) perfuro-contundente (e.g. projétil de arma de fogo).

A caracterização e classificação das lesões é tarefa por vezes complexa e nem


sempre consensual, dado que num grande número de casos estas são produzidas
por mecanismos que atuam através da conjugação de diferentes formas (mesmo
tratando-se de instrumento semelhante), ou seja, muitas das lesões são de
natureza mista.
Mas existem outros mecanismos/agentes passíveis de produzir lesões, mesmo
nos casos de agressão sexual (AS), como através do frio ou do calor, de produtos
químicos ou de energia radiante, ou da restrição do aporte de oxigénio aos tecidos
(asfixias), entre outros.
O tipo de lesão tem uma relação direta com o tipo de

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mecanismo/agente/traumatismo que a produz.


Quanto à sua etiologia, as lesões podem ter origens diversas, pelo que importa
estabelecer este diagnóstico diferencial, sendo que em alguns casos podem
coexistir no mesmo indivíduo lesões de diferentes tipos de etiologia. Assim, o(a)
perito(a) médico(a) terá de saber distinguir as lesões das situações que as
mimetizem, tendo em consideração essas etiologias:
a) Traumática (por agentes mecânicos ou outros): (1) Intencionalmente
infligida por terceiros (agressão); (2) Intencionalmente infligida pelo(a)
próprio(a) / autoinfligida (associada a doença psiquiátrica ou para
simulação); (3) Acidental (e.g. queda, acidente de viação, ataque por
animal); (3) Iatrogénica (em resultado da prática de medicina clássica ou de
medicinas alternativas);
b) Patológica (congénita ou adquirida);
c) Condição morfológica (e.g. nevos melânicos, manchas mongólicas, certas
malformações).

Este diagnóstico diferencial deverá ser feito com base nos seguintes elementos:
a) História relatada (ou não) como explicação para o mecanismo da produção
das lesões;
b) Características das lesões (e.g. tipo, número, localização, dimensões,
padrão/forma, cor, trajeto/direção, tempo de evolução);
c) Resultados de exames complementares que possam ser realizados (e.g.
hemograma ou exame imagiológico).
Apresentar-se-á de seguida uma sistematização das lesões mais
frequentemente encontradas no âmbito forense, tendo em conta o tipo de
mecanismo associado, considerando-as de uma forma geral (no que se refere,
sobretudo, à superfície corporal):
a) Lesões contundentes (“blunt force injuries”): abrasões (“abrasions”, “scrape”
ou “graze”); contusões (“contusions” ou “bruises”); lacerações (“lacerations”);
fraturas (“fractures”);

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b) Lesões cortantes ou incisas (“incised force injuries”, “cuts” ou “slashes”);


c) Lesões perfurantes (“penetrating or puncture force injuries”);
d) Lesões mistas: corto-contundentes (“crush wounds”, “chop wounds”); corto-
penetrantes/corto-perfurantes (“sharp injuries”, “stab wounds”); perfuro-
contundentes;
e) Lesões de explosão (“explosive injuries”);
f) Lesões por armas de fogo (“firearm injuries”);
g) Queimaduras (“burns”): térmicas (“thermal injuries)”, lesões de hiper ou
hipotermia (“hyperthermia/hypothermia injuries”); químicas (“chemical
burns”); eletrocussão (“electrocution”);
h) Asfixias (“asphyxia”): esganadura (“manual strangulation”); estrangulamento
(“ligature strangulation”); compressão do pescoço (“neck compression”);
compressão tóraco-abdominal (“thoraco-abdominal compression”);
sufocação por oclusão/compressão das vias aéreas externas - nariz e boca
(“smothering”); oclusão/obstrução das vias aéreas internas/esgasgamento
(“choking”); asfixia posicional (“positional asphyxia”); sufocação por
confinamento (“entrapment”); sufocação por gases (“suffocationg gases”);
afogamento (“drowning”); etc.
i) Outras (e.g. estimulação vagal – “vagal stimulation”).

Abordam-se seguidamente apenas os quatro primeiros grupos dado que


neles se incluem as lesões mais suscetíveis de se observar. Os outros tipos de
lesão bem como o mecanismo de produção que dessas lesões serão
desenvolvidas noutro capítulo.

1.1. Lesões contundentes


São as lesões mais comuns ao nível da superfície corporal. Resultam da
aplicação direta de uma força de natureza contundente sobre o corpo (e.g. murro)
ou do movimento do corpo contra um objeto ou superfície fixa (e.g. queda da
vítima). Podem ser divididas em abrasões/escoriações, contusões, lacerações e

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fraturas.

1.1.1. Abrasões ou escoriações


Uma abrasão ou escoriação verifica-se quando uma parte da superfície corporal
(pele ou mucosa) foi esmagada ou removida por fricção. É uma lesão superficial,
que não envolve toda a espessura da pele, isto é, está limitada à epiderme e
derme. Habitualmente resulta na perda das camadas mais superficiais da
epiderme (remoção da sua camada queratinizada). Um dos mecanismos mais
frequentes na sua produção (mas não o único), é o de fricção/abrasão que surge
quando há deslizamento com pressão da pele contra uma superfície áspera ou
irregular ou, ao invés, quando uma superfície áspera ou irregular é pressionada
contra a pele e desliza sobre esta (Saukko & Knight, 2004; Shkrum & Ramsay,
2007). Inicialmente, uma área escoriada apresenta-se empalidecida e húmida
devido a um processo de exsudação dos tecidos e, posteriormente, quando estes
deixam de exsudar, a lesão apresenta-se recoberta por uma fina camada de cor
amarelada; com a evolução do processo de cicatrização, esta lesão acaba por
ganhar a consistência de crosta castanho-avermelhada que com o tempo se
destaca.
Podem-se considerar alguns tipos particulares de escoriações (Saukko &
Knight, 2004):
a) Escoriações por impacto tangencial (“tangential”, “graze”, “scratch” ou
“brush abrasions”): são caracterizadas pelo destacamento de
pequenos retalhos de epiderme, os quais ficam levantados no sentido
do deslizamento da superfície irregular contra a pele, podendo assim
refletir a direção do impacto;
b) Escoriações por impacto direto (“imprint” ou “crushing abrasions”):
verificam-se quando o impacto na superfície da pele é vertical, não
havendo arrastamento nem lesões tangenciais; a epiderme é
contundida, podendo ficar estampada na pele a forma/textura do
instrumento ou da superfície que nela embate, ou sobre o qual o corpo

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embate, o que origina as chamadas escoriações figuradas (“patterned


abrasions”);
c) Estigmas ungueais (“fingernail abrasions”): são produzidas pelas
unhas que assumem diferentes morfologias conforme o mecanismo de
produção subjacente; podem aparecer sob a forma de múltiplas lesões
lineares, se as unhas são arrastadas sobre a pele (“linear scratches”),
ou sob a forma de pequenas lesões lineares ou semilunares, se as
unhas são fortemente pressionadas contra a pele (“short”, “straight” ou
“curved marks”).

1.1.2. Contusões
As contusões dividem-se em petéquias (“petechiae”), equimoses e hematomas
(“ecchymosis” e “hematoma”).
As petéquias são hemorragias puntiformes, devidas à rotura de pequenos
vasos sanguíneos, normalmente na pele ou membranas mucosas, causadas por
pressão, impacto ou sucção (Saukko & Knight, 2004). Num grande número de
casos, e designadamente na AS, resultam da rotura de vénulas e capilares,
quando o retorno venoso da cabeça está obstruído por compressão das veias
jugulares, enquanto o fluxo arterial, através das artérias carótidas, se mantém
(Dolinak e col, 2005) - o mecanismo mais frequente é a constrição externa do
pescoço (por mãos ou laços), aparecendo as petéquias mais frequentemente na
conjuntiva ocular e região retroauricular.
Uma equimose é uma área de hemorragia resultante da saída de sangue
devido à rotura de pequenos vasos sanguíneos (veias, capilares, arteríolas) na
pele ou mucosas, sem perda da integridade destas, na sequência de um
traumatismo de natureza contundente ou mista (Shkrum & Ramsay, 2007). A
coloração resultante observa-se através da pele intacta suprajacente.
Um hematoma consiste numa coleção de sangue extravasado numa cavidade
neoformada, resultante da rotura de vasos sanguíneos provocada por traumatismo
de natureza contundente (Shkrum & Ramsay, 2007).

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Muitos fatores afetam a aparência e evolução destas lesões, nomeadamente


(Stephenson & Bialas, 1996; Maguire e col, 2005): (1) a força aplicada (traduzida
na energia cinética); (2) a área de superfície corporal sobre a qual a força é
aplicada; (3) a duração do tempo de aplicação dessa força (por regra, quanto mais
rápida for a transferência de energia para os tecidos mais grave será a lesão); (4)
a direção da aplicação da força (uma lesão tangencial transfere menos energia
aos tecidos e será potencialmente menos grave do que uma lesão provocada por
um impacto perpendicular); (5) a região anatómica atingida (há variações nas
propriedades biomecânicas dos tecidos, na sua vascularização e na laxidez do
tecido celular subcutâneo, como acontece nos indivíduos obesos); (6)
características individuais da vítima (e.g. idade, sexo, cor da pele ou certas
doenças, como perturbações da coagulação).
Imediatamente após o sangramento o que se pode observar na pele é uma
lesão de cor vermelho-escuro (a cor do sangue capilar), que com o tempo evolui
para roxo-escuro, depois para esverdeada, amarelada e acaba por desaparecer, o
que pode acontecer entre 1 a 4 semanas. Esta mudança de cor resulta da
hemólise por enzimas e outros componentes celulares. Geralmente, nas
equimoses de maior dimensão, as mudanças de cor iniciam-se na periferia e
progridem em direção ao centro, enquanto nas equimoses mais pequenas se pode
observar uma mudança uniforme da cor em toda a lesão. Até contusões de
etiologia traumática (não associadas a patologias ou outras circunstâncias), com a
mesma data de produção e no mesmo indivíduo, podem não apresentar, a um
dado momento, a mesma cor. Daí que a cor de uma contusão não permita a sua
datação rigorosa mas, antes, apenas uma estimativa sobre se se trata de uma
lesão recente ou já com algum tempo de evolução. Esta estimativa é possível e é
importante, por exemplo, em casos de abusos reiterados, podendo constituir uma
prova da sua repetição. Assim, classificações para a datação de contusões, como
a de Legrand du Saulle (espectro equimótico), se usadas, terão de o ser de forma
muito ponderada, dado que permitem traçar apenas uma estimativa (pouco
rigorosa) do seu tempo de evolução, pois as suas características cromáticas

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dependem dos fatores acima referidos. Acresce que muitas vezes há também falta
de concordância entre as cores descritas pelos diversos clínicos (Munang e col,
2002; Bariciak e col. 2003).
Convém ainda realçar que pode haver um lapso de tempo, que pode chegar até
24 horas, entre a produção de uma contusão profunda e o seu aparecimento na
superfície do corpo, traduzido pela cor arroxeada da pele nessa zona, ou mesmo à
distância, uma vez que o sangue extravasado pode ter migrado através dos
planos anatómicos por ação da gravidade para áreas afastadas da zona
diretamente atingida pela ação traumática (e.g. equimoses palpebrais por
traumatismo na região frontal; equimose no pescoço por fratura da mandíbula). Se
se suspeitar de um possível atraso no aparecimento das equimoses/hematomas,
recomenda-se, nalguns casos, que a vítima possa ser novamente observada ao
fim de 24 horas, porque nessa altura podem-se revelar contusões inicialmente não
aparentes. A luz ultravioleta pode também revelar contusões que a simples
observação a olho nu não consegue identificar (Hughes e col, 2006).
Alguns tipos de equimoses em vítimas de AS podem revestir-se de particular
significado, a saber:
a) Equimoses associadas a lesões de mordida humana (“bite mark”): podem-
se apresentar como equimoses de forma oval ou circular, dispostas
segundo duas linhas em forma de "U", e correspondem às marcas dos
dentes superiores e inferiores, separadas por um espaço entre 25 a 40 mm
(Shkrum & Ramsay, 2007); no espaço central, definido por essas duas
linhas, podem aparecer hemorragias petequeais da pele, resultantes da
rotura vascular por um mecanismo de sucção simultâneo à mordida
(chupão - “hickey”) ou a rotura de pequenos vasos na sequência da pressão
exercida pelos dentes. Estas equimoses podem estar associadas a
escoriações ou lacerações da pele (Pretty e col, 2002). As mamas são os
locais mais comummente atingidos no género feminino e os braços no
masculino, ainda que nas crianças do género masculino se encontrem por

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vezes mordeduras nos órgãos genitais. Podem observar-se várias marcas


de mordida no mesmo indivíduo (Pretty e col, 2002);
b) Equimoses produzidas por dedos (“fingertip pressure” ou “finger pad
bruises”): resultam da pressão exercida pela ponta dos dedos ao comprimir
os tecidos da vítima (beliscão, pressão e/ou torsão da pele – “gripping” ou
“prodding”); são redondas ou ovais, ligeiramente maiores do que as pontas
dos dedos (com 1 a 2 cm de diâmetro), devido à expansão do sangue para
fora da área comprimida pela polpa dos dedos; geralmente aparecem como
conjuntos de pequenas equimoses nos braços, nas coxas e pescoço.
Podem surgir associadas a escoriações, lineares ou semilunares,
provocadas pelas unhas do(a) agressor(a) (unhadas ou estigmas ungueais)
(Saukko & Knight, 2004);
c) Equimoses figuradas (“patterned bruises” ou “patterned intradermal
bruises”): são lesões que pela sua morfologia indicam a possibilidade de
terem sido produzidas: (1) pelo impacto de um determinado objeto duro que
apresenta na superfície de embate saliências e sulcos; (2) embate do corpo
(e.g. após queda) sobre uma superfície dura que possui uma determinada
textura. Não são diagnósticas do instrumento/superfície que as terá
produzido mas apresentam um conjunto de características consistentes
com esse instrumento/superfície. Muitas vezes, a lesão observada é a
“imagem em espelho” desse instrumento/superfície (Shkrum & Ramsay,
2007). No momento do contacto, ao nível das zonas salientes, a pele é
comprimida e os vasos sanguíneos permanecem intactos; ao invés, ao
nível dos sulcos, a pele é estirada e os vasos acabam por romper. O
resultado deste tipo de traumatismo é a acumulação de uma pequena
quantidade de sangue na epiderme que pode dar indicação do padrão de
textura da superfície de impacto (e.g. sola de sapato, dedos da mão,
marcas de pneu, cinto, extremidade de cano de arma de fogo);
d) Equimoses em carril (“tram-line bruises”): são equimoses lineares,
paralelas, separadas entre si por uma área de pele pálida, sem lesão, que

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podem resultar do contacto forçado da pele contra um objeto linear, rígido


(e.g. vara ou bastão), ou do contacto forçado da pele contra um objeto
moldável (e.g. cinto, corda). No caso da superfície corporal ser embatida,
por exemplo, por um bastão, o que acontece é que a parte convexa do
instrumento comprime a pele em profundidade fazendo com que os vasos
sanguíneos subjacentes à área de impacto se mantenham normalmente
íntegros, a menos que sejam comprimidos contra um osso, enquanto os
vasos marginais sofrem rotura por tração (Saukko & Knight, 2004); assim,
as duas equimoses lineares, paralelas, correspondem aos bordos do
bastão que embateu na vítima e a zona pálida situada entre elas
corresponde aproximadamente à largura do bastão. Convém realçar que
quando a vítima é embatida, por exemplo, por um cinto, é possível
observar-se uma equimose em carril mais comprida, podendo ser
curvilínea, dado que o cinto se molda às convexidades do corpo ao invés
do que acontece com o embate de instrumentos rígidos como varas ou
bastões.
e) Equimose em doughnut (“doughnut bruise”): são equimoses que
apresentam um centro pálido rodeado por um círculo equimótico. Resultam
do embate de um objeto esférico (e.g. bola de hóquei, bola de golfe) contra
a superfície corporal. O mecanismo de produção é sobreponível ao descrito
para as equimoses em carril;
f) Equimoses por compressão forçada (“counter pressure bruises”): são
equimoses mais frequentemente observadas nos músculos do que na pele,
localizando-se sobre as proeminências ósseas (e.g. omoplatas, sacro,
dorso) devido a compressão forçada da superfície corporal contra uma
parede/pavimento, como acontece, por exemplo, quando ocorre o
desabamento de uma estrutura sobre a vítima.

Note-se, contudo, que certos tipos de contusões, designadamente equimoses,


podem estar associadas a:

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a) Certas doenças, como: (1) perturbações da coagulação (e.g. hemofilia A ou


B, deficiência de vitamina K, doença de von Willebrand); (2) perturbações
vasculares (e.g. deficiência de vitamina C, doenças do tecido conjuntivo,
infeções [meningococemia], púrpura de Henoch-Schonlein, vasculites
autoimunes); (3) perturbações dermatológicas;
b) Traumatismos acidentais (e.g. queda, acidente de viação);
c) Traumatismos infligidos: (1) intencionalmente, por terceiros (agressão); (2)
iatrogénicos (e.g. associada a uma punção venosa ou a práticas de
medicina alternativa, como o Tuina [Ribeiro e col, 2010]); (3) pelo(a)
próprio(a) (na sequência de doença psiquiátrica ou para simulação).
Importa, pois, que o perito médico seja capaz de estabelecer estes diagnósticos
diferenciais, acrescendo que podem existir condições morfológicas como nevos ou
manchas mongólicas que mimetizam equimoses. Mas a maior dificuldade pode-se
colocar relativamente à distinção entre a etiologia acidental e uma agressão,
resumindo-se na tabela 1 as principais diferenças. No caso de crianças que ainda
não deambulam (até cerca dos 9/12 meses de idade), qualquer equimose deve
ser sempre considerada suspeita (Sugar e col, 1999).

Tabela 1 - Diagnóstico diferencial entre equimoses infligidas e acidentais


AGRESSÃO ACIDENTE
Em proeminências ósseas (e.g. joelhos, face
Em áreas com partes moles (e.g. cabeça, face,
anterior das pernas, cotovelos, região frontal e
pescoço, nádegas, mãos, braços)
nariz)
Lesões figuradas (com a marca do instrumento que
Lesões figuradas muito raras
a produziu)
Lesões múltiplas Poucas lesões
Lesões simétricas Lesões não simétricas
Hemorragias petéquiais Hemorragias petéquiais raras
Lesões de defesa Sem lesões de defesa

1.1.3. Lacerações
Uma laceração é uma lesão caracterizada pela rotura da pele em toda a sua
espessura devido a um mecanismo de estiramento e/ou esmagamento

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* Extraído de: Caraterização e descrição de lesões. Agostinho Santos, Duarte Nuno Vieira, Teresa
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Teresa Magalhães & Duarte Nuno Vieira (Eds.). Maia: SPECAN. pp. 121-156 (ISBN: 978-989-97275-1-9.)
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(contundente) (Saukko & Knight, 2004; Shkrum & Ramsay, 2007). Nas lacerações
da superfície corporal os bordos da lesão apresentam-se contundidos,
esmagados, persistindo pontes tecidulares entre os mesmos (e.g. vasos e nervos).
Este tipo de lesões fornece pouca informação específica sobre o objeto causal. No
caso de se tratar de uma laceração de uma estrutura interna, traduz-se pela rotura
parcial ou total de um órgão (maciço ou oco) ou de outra estrutura interna (e.g.
vaso sanguíneo).
Para que uma laceração possa ocorrer, para além da intensidade da força
aplicada, é necessário que exista uma base firme contra a qual a pele e os tecidos
subjacentes possam ser comprimidos ou tracionados, ou que o agente traumático
tenha arestas proeminentes ou, ainda, que atue obliquamente na pele até
ultrapassar a sua resistência, acabando por a romper.
Se a força for aplicada tangencialmente à superfície corporal, um dos bordos da
lesão pode-se apresentar mais regular e não contundido e o outro mais irregular e
contundido (Saukko & Knight, 2004). Se a lesão se encontrar numa área coberta
com pelo ou cabelo, estes permanecerão intactos no interior da lesão (Saukko &
Knight, 2004; Shkrum & Ramsay, 2007).

1.2. Feridas cortantes ou incisas


Uma ferida cortante ou incisa verifica-se quando existe perda da integridade da
pele ou mucosa, em toda a sua espessura, resultando da ação de instrumentos
cortantes (e.g. faca, navalha, lâmina de barbear, fragmento de vidro). Estes
instrumentos cortam os tecidos de maneira retilínea, provocando feridas com
bordos nítidos, regulares, não contundidos e sem pontes de tecido a unir as suas
margens, ao que se associa uma hemorragia profusa resultante da secção de
vasos sanguíneos (Saukko & Knight, 2004). O afastamento dos bordos da ferida
será maior se as fibras elásticas (linhas de Langer) forem intersetadas
perpendicularmente e será menor se estas forem intersetadas paralelamente
(Saukko & Knight, 2004). Em algumas situações específicas, podem-se observar
lesões com uma morfologia “em zig-zag”, como acontece nos casos em que se

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atinge uma zona de pele pregueada.


O mecanismo de produção das feridas incisas na superfície corporal pode
resultar de dois tipos de ação: (1) por pressão do gume contra a pele; (2) por
pressão e deslizamento: o instrumento cortante tem tendência a atingir uma maior
profundidade a partir do ponto onde se inicia o contato com a superfície corporal,
tornando-se progressivamente mais superficial em direção à extremidade distal da
lesão; assim, estas feridas são caracteristicamente mais compridas do que
profundas, sendo habitualmente mais profundas na parte média e mais
superficiais nas extremidades onde apenas são intercetadas as camadas mais
superficiais da pele. De facto, as extremidades das feridas incisas podem-se
apresentar como escoriações superficiais as quais assumem um carácter muito
importante, do ponto de vista de interpretação forense, pois podem permitir ao(à)
perito(a) definir o sentido de atuação do instrumento no corpo da vítima. Designa-
se por escoriação inicial ou “cauda inicial” (“beginning end”), a escoriação que
aparece associada ao ponto onde a ferida começou por ser produzida, e por
escoriação terminal ou “cauda terminal” (“terminating end”), a escoriação que
aparece associada à parte final da ferida. A distinção entre “cauda inicial” e “cauda
terminal”, obedece a um critério macroscópico, considerando-se a “cauda inicial”
como sendo caracteristicamente mais profunda e mais curta ao invés da “cauda
terminal”, que é mais superficial e mais longa (Dolinak e col, 2005).

1.3. Lesões penetrantes e/ou perfurantes


As lesões penetrantes e/ou perfurantes são produzidas por instrumentos que
habitualmente têm uma extremidade pontiaguda (e.g. chave de fendas, garfo,
tesoura, picador de gelo), cuja profundidade de penetração no corpo excede em
muito o comprimento da lesão na superfície corporal (Lopes, 1982). O mecanismo
da sua produção está associado à concentração da energia cinética, ao serem
desferidos os golpes numa área muito limitada (correspondente à extremidade do
instrumento), o que faz com que este vá penetrando nos tecidos, atuando como
uma cunha e afastando-os lateralmente. Resultam, por um lado, na perda da

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integridade da pele (ou outro tecido) em toda a sua espessura e, como tal, não
aparecem pontes de tecido a unir as margens. No corpo da vítima observa-se um
ou vários orifícios na superfície corporal, designados por “orifício(s) ou lesão(ões)
de entrada” (“entrance wound”), geralmente arredondados ou ovalados e de
pequenas dimensões ou podem exibir uma lesão figurada (e.g. estrela de quatro
pontas como acontece nas chaves de parafuso Phillips); ao orifício de entrada
associa-se um “canal de penetração” (“wound track”), mais ou menos profundo,
com atingimento em profundidade dos diversos planos anatómicos, terminando
habitualmente em “fundo cego”, ainda que por vezes possa existir um “orifício de
saída” (“exit wound”), quando a lesão é transfixiva (perfurante) (Dolinak e col,
2005).
O tamanho e a forma das lesões penetrantes e/ou perfurantes dependem: (1)
da forma do instrumento; (2) do ângulo de incidência do golpe em relação à
superfície corporal; (3) do movimento do instrumento no corpo da vítima e/ou do
movimento da vítima enquanto o instrumento está a ser retirado, o que pode levar
ao aparecimento de lesões em forma de “Y” ou de “L”; (4) do estado de tensão ou
relaxamento da pele; (5) do atingimento das linhas de Langer (perpendicular ou
paralelo).

1.4. Lesões mistas


As lesões mistas podem ser corto-penetrantes ou corto-perfurantes, corto-
contundentes.

1.4.1. Lesões corto-penetrantes ou corto-perfurantes


Uma lesão corto-penetrantes ou corto-perfurantes é aquela que reúne as
características dos ferimentos produzidos por instrumentos cortantes e por
instrumentos penetrantes ou perfurantes (Lopes, 1982) (e.g. faca). Pode resultar
da ação do mesmo tipo de instrumentos que produzem as feridas incisas; a
diferença no resultado final quanto a estas lesões reside na forma como esses
instrumentos são manipulados, o que faz com que se altere o seu mecanismo de

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ação, produzindo-se simultaneamente o corte e a penetração em profundidade


dos tecidos. Ou seja, para além de se verificar a perda da integridade da pele e
dos tecidos subjacentes em toda a sua espessura, como acontece nas feridas
incisas, há também um atingimento em profundidade dos diversos planos
anatómicos, tal como nas feridas penetrantes ou perfurantes. Assim, estas lesões
são caracteristicamente mais profundas do que compridas (Saukko & Knight,
2004; Shkrum & Ramsay, 2007). Na superfície corporal estas lesões apresentam
os bordos nítidos e retos, com extremidades que podem variar em número (duas
ou mais) e forma: (1) extremidade(s) angulosa(s): ângulo agudo (correspondendo
à parte do gume do instrumento); (2) extremidade romba: correspondendo ao
bordo rombo do instrumento; (3) extremidade em “cauda de peixe”:
correspondendo ao bordo de secção quadrangular do instrumento. Dependendo
do número de gumes que o instrumento possa apresentar, as lesões podem ser
classificadas como: (1) monocortantes: lesão com uma extremidade em ângulo
agudo e outra romba (o instrumento só apresenta um gume afiado – e.g. faca da
cozinha); se a lâmina for suficientemente espessa, o lado oposto ao gume assume
uma forma quadrangular e esse bordo do instrumento marca-se na superfície
corporal produzindo uma extremidade duplamente angulada, formando uma
imagem de “cauda de peixe”; (2) bicortantes: lesão com as duas extremidades em
ângulo agudo (o instrumento apresenta dois gumes afiados - e.g. punhal); (3)
pluricortantes: lesão com três ou mais extremidades em ângulo agudo (o
instrumento apresenta várias arestas afiadas – e.g. tesoura, lima triangular). O
maior ou menor afastamento dos bordos da ferida na superfície corporal, tal como
acontece nas feridas incisas, irá depender da localização anatómica da lesão
consoante o eixo desta é paralelo ou perpendicular à tensão das linhas de Langer
ou das fibras musculares subjacentes (Saukko & Knight, 2004).
Em profundidade, surgem lesões das várias estruturas atravessadas pela
penetração do instrumento; habitualmente essa penetração termina “em fundo
cego”, mas pode-se originar uma lesão transfixiva, isto é, uma situação em que se
observa uma “lesão de entrada”, um “trajeto de penetração” e “uma lesão de

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saída” - isto acontece mais frequentemente em lesões tangenciais ou quando são


utilizados instrumentos muito compridos, os quais são manipulados com muita
força. Um dos fatores importantes que condiciona a penetração da lâmina na pele
e tecidos subjacentes é o facto de esta estar (ou não) afiada; outro fator é o facto
de a pele estar esticada ou laxa, sendo a pele esticada (sob tensão), mais fácil de
penetrar pelo instrumento do que laxa. A pele resiste à penetração da extremidade
do instrumento com tensão crescente; quando a sua resistência é ultrapassada, o
instrumento penetra os tecidos em profundidade sem que seja necessário aplicar
mais força (Saukko & Knight, 2004). A profundidade de penetração do instrumento
no corpo depende, entre outros (Saukko & Knight, 2004): (1) das dimensões e tipo
de instrumento; (2) do quão afiada se encontra a extremidade do instrumento; (3)
da energia cinética associada ao golpe; (4) da direção da força aplicada; (5) da
resistência à passagem do instrumento conferida por eventuais peças de vestuário
que se interponham e sejam atravessadas; (6) da resistência da própria pele; (7)
de qualquer movimento da vítima. Se todo o comprimento da lâmina penetrar em
profundidade poder-se-á observar uma equimose ou escoriação na pele
circundante à “lesão de entrada” que resulta do embate da base do punho
(“guarda-mão”) contra a superfície corporal; pode-se, inclusivamente, produzir
“uma lesão figurada” que reproduz o padrão da base do punho onde se insere a
lâmina (Saukko & Knight, 2004).

1.4.2. Lesões perfuro-contundentes


Uma lesão perfuro-contundente é aquela que reúne as características dos
ferimentos produzidos por instrumentos perfurantes e instrumentos contundentes
(Lopes, 1982). Os instrumentos perfuro-contundentes podem ser constituídos por
um corpo metálico de secção cilíndrica, ou outra, que perfura os tecidos e produz,
em simultâneo, contusão dos bordos (e.g. projétil de arma de fogo).
As lesões produzidas por arma de fogo de cano curto (pistolas e revólveres –
projétil único) apresentam um “orifício de entrada” e podem, ou não, apresentar
um “orifício de saída”. O “orifício de entrada” engloba um conjunto de elementos

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com grande interesse do ponto de vista médico-legal e forense, a saber (Di Maio,
1999): (1) “orifício de entrada” (propriamente dito); (2) “orla de contusão”; (3) “zona
de limpeza” (“anel de limpeza”, “zona de enxugo”); (4) “área de equimose”; (5)
“área de depósito de nuvem de resíduos” (depósito de negro de fumo, depósito de
partículas de pólvora - “tatuagem” ou “tatuagem pela pólvora” e depósito de outras
partículas orgânicas e não orgânicas não observáveis a olho nu); (6)
“queimadura”.
As lesões provocadas por armas de fogo de cano comprido (armas caçadeiras -
projéteis múltiplos) têm algumas características comuns às lesões produzidas por
armas de cano curto (e.g. “orifício/s de entrada”, “orla de contusão”, “zona de
limpeza”, “área de equimose”, “área de depósito de nuvem de resíduos,
“queimadura”) (Di Maio, 1999). Mas, os ferimentos resultantes dos disparos não
são sempre iguais e têm morfologias variadas, as quais estão diretamente
relacionadas com: (1) a distância a que é feito o disparo; (2) o tipo de munição
(tipo de bucha, tipo de pólvora, calibre dos chumbos); (3) o calibre da arma; (4) a
existência, ou não, de “choques” na extremidade do cano (artefactos utilizados
para alterar a dispersão da carga de chumbos); (5) a carga de chumbos ter
atravessado, ou não, um objeto intermediário (e.g. vidro, porta, vegetação). De
uma forma geral, pode dizer-se que, para uma mesma arma disparada nas
mesmas condições (tipo de munição, existência ou não de choque e do tipo de
choque) a dispersão é tanto maior quanto maior for a distância de disparo. O
“orifício de entrada” por disparo de arma com “cano encostado” ou “quase
encostado” é um orifício único de bordos mais ou menos regulares, sem sinais de
entrada isolada de chumbos (os chamados “orifícios satélite”) e toda a carga de
chumbos, também designada por “bagada”, penetra a superfície de impacto em
bloco como se constituísse um único projétil, daí a designação de alguns autores
de "chumbo embalado". Para distâncias com cano progressivamente afastado
(distâncias crescentes), para além de um orifício único, começa-se por constatar a
perda de regularidade dos bordos desse orifício, depois o aparecimento de um
orifício com os bordos festonados (mais irregulares), de seguida começam a

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aparecer gradualmente orifícios isolados na periferia do orifício central


(correspondem à entrada de grãos de chumbo isolados - “orifícios satélite”) e há
simultaneamente diminuição do diâmetro do orifício central. Para distâncias de
disparo ainda maiores, o orifício central diminui muito o seu diâmetro e o número
de “orifícios satélite” é cada vez maior; consequentemente, a dispersão faz-se por
uma área também maior (cujas dimensões têm de ser registadas depois de
medidas em eixos ortogonais). Haverá uma distância em que se deixa de observar
o orifício central e só aparecem “orifícios satélite” até se atingir a dispersão
máxima (Di Maio, 1999).

1.4.3. Lesões corto-contundentes


Uma lesão corto-contundente é aquela que reúne as características dos
ferimentos produzidos por instrumentos cortantes e por instrumentos contundentes
(Lopes, 1982). Este tipo de lesão é produzida por instrumentos pesados, corto-
contundentes, isto é, instrumentos constituídos por uma lâmina, frequentemente
de secção triangular, que atua, em simultâneo, por ação do peso do instrumento e
do gume cortante (e.g. machado, sabre, foice, catana, sachola). Para além de
ocorrer a perda da integridade da pele e dos tecidos subjacentes em toda a sua
espessura, como acontece nas feridas incisas, há simultaneamente um
atingimento em profundidade dos diversos planos anatómicos, tal como nas
feridas contundentes, o que dá origem na superfície corporal a lesões de bordos
irregulares, escoriados, contundidos, por vezes com área equimótica associada,
de fundo irregular; nos planos mais profundos podem surgir fraturas ósseas e
laceração de órgãos e outras estruturas. Se o golpe é dado de forma tangencial à
superfície corporal, pode originar o desprendimento de um fragmento de tecido
(englobando pele, tecido celular subcutâneo e mesmo osso). Os instrumentos
corto-contundentes, ou como tal atuando, que não tenham um gume afiado (e.g.
pá) podem causar essencialmente um esmagamento dos tecidos, pelo que as
lesões contusas são, nestes casos, mais importantes do que as feridas incisas
(Saukko & Knight, 2004).

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2. DESCRIÇÃO DAS LESÕES

Avaliar uma alegada vítima de AS requer competências e conhecimentos específicos por


parte do perito médico (Adams, 2001; Kellogg, 2005). Na sequência do EMF completo, todos
os achados devem ser descritos em detalhe (WHO, 2003; Adams, 2008), ficando registados
no relatório pericial. Na elaboração deste relatório importa que se utilize uma linguagem
harmonizada, para que o mesmo possa ser compreendido e discutido com outros peritos e
outros intervenientes no processo.
O Ministério Público responsável pela condução da investigação criminal nestes casos,
juntamente com os elementos da polícia de investigação, pretendem saber no final do EMF,
se: (1) existem ou não lesões; (2) se sim, qual o tipo de lesões observadas (e.g. morfologia,
número, localização); (3) há quanto tempo foram as mesmas produzidas; (4) qual ou quais
o(s) mecanismo(s) da sua produção; (5) o grau de violência com que denotam ter sido
produzidas; (6) as consequências para a saúde da vítima. Ou seja, pretendem saber se
ocorreu, ou não, AS, resposta nem sempre fácil de dar, entre outros motivos, porque na
maior parte dos casos não resultam lesões, ainda que possam existir outras evidências
fundamentais para a obtenção de uma resposta, como a existência de vestígios físicos ou
biológicos, de infeção sexualmente transmissível, de indicadores psicológicos de abuso ou
de testemunhos.
No que às lesões ou suas sequelas diz respeito, tal como em relação a qualquer outro
achado, tudo deve ficar rigorosa e pormenorizadamente descrito no relatório pericial (sempre
apoiado pelo suporte fotográfico), para que à posteriori, depois da cura ou consolidação das
lesões e desaparecimento de outras eventuais evidências, continue a ser possível
reconstituir e discutir o que foi observado à data do EMF. Esta possibilidade constitui uma
necessidade fundamental e imperiosa no que toca à questão da prova pericial. Quando for
entendido como relevante, mesmo os achados negativos devem ser também documentados.
Assim, todas as lesões observadas devem ser descritas de forma sistematizada e rigorosa
no que se refere às seguintes características (Shkrum & Ramsay, 2007; Magalhães e col

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2011):
a) Tipo: deve ser utilizada uma terminologia correta para definir e descrever um
determinado tipo de lesão, de acordo com tudo o que atrás ficou exposto. Assim, se se
tratar de uma lesão de natureza contundente, por exemplo, deverá acrescentar-se o
tipo dessa lesão (e.g. contusão), caraterizando-a mais especificamente (e.g.
equimose);
b) Forma: a descrição da forma da lesão (e.g. linear, curvilínea, arredondada, ovalada,
irregular) é sempre importante, especialmente no caso de lesões figuradas ou
moduladas, sendo nestas últimas particularmente importante a fotodocumentação (pois
pode dar indicações muito aproximadas do objeto ou superfície de impacto); nestes
casos é ainda fundamental a comparação da lesão com o alegado objeto problema,
caso este seja encontrado;
c) Bordos: a descrição rigorosa dos bordos (e.g. bordos não contundidos, lineares,
serreados, irregulares, com pontes de tecido) é especialmente importante para
caraterizar o ferimento e o mecanismo da sua produção, podendo desde logo afastar
determinado tipo de objetos problema e orientar a investigação na procura de objetos
específicos;
d) Cor: ainda que este aspeto seja considerado particularmente importante na descrição
de equimoses, para orientação relativamente ao tempo decorrido após a sua produção
(com todas as reservas já assinaladas anteriormente), importa ainda assim descrever
exatamente a cor ou cores observadas em qualquer tipo de lesão. Importa, também,
descrever a uniformidade dessa mesma cor na lesão. Dado que pode haver
subjetividade na apreciação de determinadas cores, aconselha-se nos casos mais
relevantes, a utilização de escala com ColorChekers para assegurar maior fiabilidade
na avaliação; em alguns casos pode-se aconselhar também a fotografia de infra-
vermelhos ou a utilização de fontes de luz de comprimento de onda variável;
e) Localização: a sede de cada lesão deve descrever-se de acordo com a posição
anatómica, usando-se três referências anatómicas fixas, bem como a nómina

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anatómica correta. Para descrever lesões do hímen ou na região anal, estas devem ser
referenciadas segundo o esquema do mostrador do relógio, ou seja, localizando as
lesões segundo o sentido horário, em números romanos (desde a I até às XII horas).
Deve usar-se, também, uma ficha de esquema corporal para facilitar o registo imediato
da localização das diversas lesões;
f) Número de lesões: sempre que possível, o número de lesões de cada tipo deve estar
referenciado no relatório pericial porque habitualmente a um maior o número de lesões
podem estar associados diversos aspetos, como por exemplo o grau de violência. A
utilização da expressão “múltiplas lesões” deve ser por regra evitada, mas em
determinados casos em que estas sejam múltiplas, pequenas e de difícil
contabilização, admite-se que se possa recorrer a uma expressão do tipo: “Múltiplas
lesões dispersas numa área de X por Y cm de maiores dimensões”;
g) Dimensões: a dimensão de cada lesão é importante para avaliar, entre outros, a
gravidade da lesão, bem como a relação causal entre esta e a sua produção por um
determinado instrumento suspeito. Assim, esta deve ser sempre determinada com
recurso a escala métrica, considerando-se, quando for caso disso, não apenas uma
mas as maiores dimensões da lesão: comprimento, largura e profundidade, se
adequados. Para garantir a fiabilidade desta avaliação, cada lesão deve ser
fotografada per si, sempre que possível com régua ABFO ou outro testemunho métrico;
h) Estruturas circundantes: importa descrever o estado do tecido circundante a cada
lesão (e.g. contundido, escoriado, edemaciado, ruborizado) para que melhor se
perceba o tipo de impacto, extensão e gravidade da lesão;
i) Direção/orientação: em determinados tipos de lesão, designadamente quando existe
um trajeto ou quando as lesões se distribuem no corpo segundo uma ou várias
orientações, importa descrever a direção de cada uma segundo três eixos,
considerando a posição anatómica: anterior-posterior; medial-lateral/direita-esquerda;
superior-inferior. Esta caracterização é fundamental para a interpretação sobre a forma

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como a lesão foi produzida, designadamente a posição do objeto e/ou da pessoa que o
utilizou no momento em que se produziu a lesão;
j) Conteúdo: nalgumas lesões (e.g. lacerações) importa descrever a presença de material
estranho no interior da lesão, designadamente de vestígios físicos (e.g. terra, cabelos,
fibras, óleo, vidros). Esta descrição é fundamental pois permite confrontar os
resultados das análises laboratoriais destes vestígios com o alegado mecanismo de
produção da lesão.

No caso particular da investigação de possíveis lesões himeniais, convém ter presente


que o exame himenal é dinâmico, devendo registar-se:
a) Forma (e.g. anelar, septado, cribriforme);
b) Características dos bordos (bordo fixo e bordo livre); deve ser dada especial atenção
ao bordo livre para a existência de achados como entalhes ou lacerações;
c) Altura (máxima e mínima referenciadas ao esquema do mostrador do relógio),
descrevendo-se se há redução da altura da metade posterior ou ausência de hímen
nessa região;
d) Espessura (e.g. fina, grossa);
e) Diâmetro do orifício himenial (nos casos em que tal se justifique);
f) Existência de lesões na sua espessura ou bordo livre, sempre com referência ao
esquema do mostrador do relógio;
g) Outros achados.

No caso particular da investigação de possíveis lesões a nível anal, enunciam-se os


principais aspetos que devem ser registados:
a) Forma do orifício anal (e.g. circular, oval ou afunilado);
b) Tonicidade do esfíncter;
c) Dilatação do orifício anal e seu diâmetro (quando tal se justificar);
d) Elasticidade do tecido anal e perianal;

CARACTERIZAÇÃO E DESCRIÇÃO DE LESÕES (setembro 2015) 23


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e) Existência de lesões perianais ou anais, sempre com referência ao esquema do


mostrador do relógio;
f) Outros achados.

3. REFERÊNCIAS

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