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Governo do Estado do Pará


Centro de Perícias Científicas “Renato Chaves”
Escola de Governo do Estado
Prof. Dr. Marcelo Ayan – Perito Médico Legista Oficial e
Especialista em Medicina Legal e Perícia Médica

TRAUMATOLOGIA MÉDICO-LEGAL
Energias de Ordem Mecânica

1. CONCEITOS
Trauma é a atuação de uma energia externa (exógena) sobre o indivíduo,
suficientemente intensa para provocar desvio perceptível da normalidade ou apenas
alterar o funcionamento do organismo.
Lesão é a alteração estrutural proveniente de agressão ao organismo, visível
macroscopicamente (a olho nu) ou apenas ao microscópio, seja qual for sua etiologia
(causa).
Os agentes vulnerantes (que afetam o organismo), causadores de lesão, são
classificados em instrumentos ou meios.
Instrumento é o modo como um objeto, em ação sob manipulação, age
sobre a vítima. Um mesmo objeto, usado de forma diversa pode caracterizar um
instrumento diferente. Por exemplo: uma faca deslizando sobre a pele no sentido do fio
age como instrumento cortante; deslizando no sentido transversal causa escoriação,
agindo como instrumento contundente; e se cravada na pele, age como instrumento
perfurocortante.
Os meios são as demais circunstâncias pelas quais as energias atuam
lesivamente sobre o indivíduo. As energias causadoras de lesão podem ser classificadas
em: energias de ordem mecânica, física, físico-química, química, bioquímica, biodinâmica
e mista.
É importante salientar que o dano decorre da ação dessas energias sobre o
organismo, e para a realização da ação (ferir, lesar) há a necessidade do instrumento, de
um meio ou de um determinado mecanismo.
Agentes mecânicos são os que transferem energia cinética (de movimento)
para a parte do corpo com que entram em contato. Ec = ½.m.v 2.

● ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA – AGENTES MECÂNICOS

Correspondem a 90% da traumatologia forense. São aquelas energias


capazes de modificar, no todo ou em parte, o estado de repouso ou de movimento de um
corpo, causando lesões. Podem ocorrer de duas maneiras: agente lesivo em movimento
(ativo) contra o corpo parado; agente lesivo está parado (passivo); o corpo se projeta
contra ele; e de maneira mista, ou seja, corpo e objeto estão em movimento, chocando-se
como nas colisões entre veículos.
Os agentes mecânicos, dependendo de sua forma de atuação, podem ser
classificados em: contundentes, cortantes, perfurantes, cortocontundentes,
perfurocortantes e perfurocontundentes. O modo de atuação ou o mecanismo de ação do
instrumento está condicionado tanto às suas próprias características físicas (forma,
tamanho, peso, tipo de bordas, etc.) como também à maneira com que é manejado pelo
agressor (força, velocidade, pressão, inclinação, etc.).
Os agentes mecânicos podem produzir trauma e lesão por meio de:
- Ação Direta: Quando lesa no ponto de contato do corpo com o objeto.
- Ação Indireta: Quando a lesão ocorre no lado oposto, como nas contusões na
cabeça onde há o rompimento dos vasos no lado oposto ao da incidência do golpe.
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Os agentes mecânicos são classificáveis em:


- Armas naturais: mãos, pés, cabeça, joelhos, cotovelos, dentes, dedos, unhas, etc;
- Armas propriamente ditas: armas de fogo, punhais, etc;
- Armas eventuais: bengala, barra de ferro, tijolo, pedaço de madeira, rolo de
macarrão, navalha, machado, canivete, chave de fenda, solo, pavimentos, veículos, etc.

As energias de ordem mecânica podem agir de diversos modos na formação


das lesões:
- Ação por um ponto: instrumentos perfurantes;
- Ação por uma linha: instrumentos cortantes;
- Ação por um plano: instrumentos contundentes;
- Ação por ponto e linha: instrumentos perfurocortantes;
- Ação por linha que se estende a um plano: instrumentos cortocontundentes;
- Ação por um ponto que se estende até um plano: instrumentos
perfurocontundentes.

RELAÇÃO INSTRUMENTO / LESÃO

INSTRUMENTO LESÃO
Perfurante Puntiforme ou Punctória
Cortante Incisa
Contundente Contusa
Pérfuro-Cortante Pérfuro-Incisa
Pérfuro-Contundente Pérfuro-Contusa
Corto-Contundente Corto-Contusa

A) LESÕES PRODUZIDAS POR ENERGIAS DE ORDEM MECÂNICA

A.1) Lesões Produzidas por Instrumentos Perfurantes:

São lesões provocadas por objetos finos, compridos (alongados) e


pontiagudos, cilíndricos ou cilíndrico-cônicos, com comprimento predominando sobre o
diâmetro ou a espessura (diâmetro transverso reduzido), produzindo lesões puntiformes
ou punctórias; ou de diâmetro maior, produzindo lesões ovaladas.
Por exemplo: agulha, prego, garfo, estilete, furador de gelo ou de papel,
espinho, alfinete, sovela, florete, vergalhão, etc. Atuam por um mecanismo de percussão
ou pressão em um ponto, por divulsão das fibras, afastando-as sem seccioná-las.
Produzem as feridas puntiformes ou punctórias.
Suas principais características são:
- Abertura estreita;
- Raro sangramento;
- Profundidade geralmente mais lesiva que a lesão superficial;
- Menor diâmetro que o instrumento causador devido à elasticidade e retratilidade
dos tecidos.
A ferida é constituída por um orifício de entrada, um trajeto e pode terminar
em um orifício de saída ou fundo cego (dedo de luva).
Quando o objeto é de médio calibre, a forma das lesões assume aspecto
diferente, obedecendo às seguintes leis:
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- Primeira Lei de Filhos: As soluções de continuidade destas feridas assemelham-se


às produzidas por instrumentos de dois gumes, ou aparência de “casa de botão”
(semelhança).
- Segunda Lei de Filhos: Quando estas feridas se mostram
numa mesma região, onde as linhas de força tenham um só sentido,
seu maior eixo tem sempre a mesma direção, orientada no sentido
das fibras musculares (paralelismo).
- Terceira Lei ou Lei de Langer: Na confluência de linhas de
forças diferentes, a extremidade da lesão toma o aspecto de
“ponta de seta”, de triângulo, ou mesmo de quadrilátero, resultante
do equilíbrio destas forças (elasticidade).

As leis de Filhos e Langer indicam reação vital e não são observadas no cadáver.

As feridas punctórias podem ser decorrentes de: atos médicos (injeções,


cateterismos, etc), toxicomania (picos), acidentes (picadas de cobra, furada de prego, etc)
e criminosas (infanticídio).
Causa Jurídica: Geralmente homicida ou suicida e mais raramente acidental.

A.2) Lesões Produzidas por Instrumentos Cortantes:

São lesões produzidas por objetos que agem por uma borda delgada, linear
e, de modo geral, mais por deslizamento do que por pressão. Por exemplo: lâminas
metálicas em geral (de barbear), fragmentos de vidro, navalha, bisturi, folha de papel,
linha com cerol, capim-navalha, etc. Produzem as feridas incisas.
Suas principais características são:
- Forma linear;
- Regularidade das bordas ou margens nítidas;
- Regularidade do fundo da lesão;
- Ausência de sinais de contusão em torno da ferida;
- Hemorragia abundante;
- Predominância da extensão (comprimento)
sobre a profundidade;
- Afastamento (abertura) das bordas da ferida;
- Presença de cauda de escoriação voltada para o lado onde terminou a ação do
instrumento (indica a diminuição da força de pressão sobre os tecidos, ou seja, o sentido
da ação – direita, esquerda, acima, abaixo, se o agressor é destro ou canhoto);
- Vertentes (paredes internas da ferida) cortadas obliquamente;
- Centro da ferida mais profundo que as extremidades;
- Perfil de corte de aspecto angular ou em forma de bisel, quando o instrumento atua
no sentido oblíquo.
Sinal de Chavigny: determina a ordem das lesões que se cruzam, por exemplo,
entre duas lesões sobrepostas, qual foi a primeira? Para tanto basta coaptar-se as
margens de uma das feridas, sendo ela a primeira a ser produzida, a outra não segue
uma trajetória em linha reta.

Lesões Incisas ou Cortocontusas Especiais no Pescoço

- Esgorjamento: É a lesão mais ou menos profunda na porção anterior e/ou lateral


do pescoço, por ação de instrumento cortante. A morte, dependendo do caso, pode
ocorrer por secção do nervo frênico, por anemia aguda conseqüente a hemorragia
volumosa (mais comum), por embolia gasosa, ou ainda por asfixia devido à penetração de
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sangue nas vias respiratórias. A análise do sentido da lesão, se transversa ou oblíqua, se


da direita para esquerda, pode se constituir, eventualmente, em elemento importante na
determinação da causa jurídica da morte.
- Degola ou Degolamento: Ocorre quando a mesma lesão é realizada na porção
posterior do pescoço (nuca). Geralmente há lesão associada de coluna cervical
(traumatismo raquimedular).

- Decapitação: Quando houver a separação do segmento cefálico do tronco.


As feridas incisas podem ser: cirúrgicas (atos médicos), de defesa
(antebraços, mãos, pernas, pés, dedos), em retalho (objeto atinge obliquamente a
superfície corporal), mutilante (com perda de tecido ou segmento) e autoproduzidas ou
autoinfligidas (paralelas e superficiais, em partes alcançadas pelas mãos da vítima, por
exemplo, nos punhos, podendo indicar suicídio ou transtorno mental).

Causa Jurídica: São mais acidentais e homicidas que suicidas. Deve-se


levar em conta o número de lesões, as regiões atingidas, a direção de sua produção e a
profundidade e eventualmente o estudo da arma ou armas incriminadas. Por exemplo,
quando presentes nos órgãos genitais podem ser criminosas, sugerindo o grau de
crueldade do agressor, ou até mesmo indicando a motivação para o crime.

A.3) Lesões Produzidas por Instrumentos Contundentes:

São lesões produzidas por objetos que atuam sobre uma superfície (área)
mais ou menos plana, por pressão, compressão, descompressão, esmagamento, fricção,
flexão, torção, sucção, percussão, distensão, arrastamento, deslizamento (ação
tangencial), contragolpe (contrachoque), explosão ou de forma mista. São exemplos:
órgãos naturais (mãos, pés, joelhos, etc), objetos de defesa ou ataque (bastão, cassetete,
etc), martelo, coronha de arma de fogo, pedra, tijolo, veículos, solo, etc. Produzem as
chamadas lesões contusas. Algumas vezes, quando o agente é bem definido, torna-se
possível identificá-lo, como no caso dos cassetetes e dos dentes (mordida), pois a lesão
toma a sua forma – são as lesões com assinatura.

Os Instrumentos Contundentes constituem as causas mais freqüentes de lesões.

As lesões contusas podem ser classificáveis em: fechadas onde a pele da


região atingida mantém-se íntegra, apesar do golpe, devido à sua elasticidade; e abertas
quando a resistência da pele é vencida pelo agente contundente, gerando solução de
continuidade (ferida) dos tecidos.
Podemos ainda classificá-las em:

SUPERFICIAIS: são aquelas produzidas por ação contundente em que o instrumento


atual tangencialmente à superfície corporal e/ou a força de impacto não é muito grande.

 Escoriação:

É a lesão decorrente da abrasão da pele,


que o leigo denomina de “arranhão”, “ralado” ou
“esfoladura”. É lesão contusa superficial que se
caracteriza pela perda da epiderme e exposição do
derma (sem lesá-la). Pode formar crostas (“cascão”)
que tende a se soltar após alguns dias, não deixando vestígios ou, quando muito, uma
área despigmentada (mancha de escoriação). Quase sempre é resultado da ação
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tangencial do objeto contundente (ação abrasiva). A regeneração se faz por


reepitelização, não deixando cicatrizes em torno de 15 dias. Nas escoriações post mortem
não há formação de crostas; a derme é branca e não há extravasamento de seroma ou
sangue; o leito da escoriação é seco e apergaminhado.

 Equimose:

É uma mancha na pele produzida pela infiltração de sangue nas malhas dos
tecidos, ou seja, é um derrame sanguíneo, secundário à ruptura de pequenos vasos,
geralmente capilares, que se infiltram na intimidade dos tecidos, sem formar coleções.
Sua intensidade e tamanho dependem da região atingida, da forma do
instrumento, da força empregada e da constituição individual. Sua forma é, em geral,
circular ou semicircular. Quanto ao tempo de formação, pode ser imediata ou tardia.
Podem ainda ser classificada quanto à forma em:

- Petéquias: pontilhadas (do tamanho da cabeça de um alfinete);


- Sugilação: pequenos grãos (ou quando esses pontos se agrupam);
- Víbices: em forma de estrias ou alongadas;
- Sufusão: equimose “em lenços”;
- Equimona: equimoses extensas.

Essas lesões (manchas) ocorrem tanto na superfície do corpo como nos


órgãos internos.
As equimoses podem aparecer no próprio local da lesão ou à distância,
como, por exemplo, na compressão cervical (pescoço) nos casos de esganadura, em que
se formam petéquias na conjuntiva ocular devido à congestão dos vasos do pescoço e da
cabeça.
A forma das equimoses é importante, pois muitas vezes imprimem com
fidelidade a forma do objeto agressor.
Apresentam variação de cor que dá indícios do tempo de evolução de sua
existência, ou seja, com o passar dos dias as equimoses mudam de cor até
desaparecerem, pois o sangue extravasado para os tecidos vai sendo reabsorvido
(digerido e removido) e a hemoglobina, contida dentro dos glóbulos vermelhos, passa por
uma sequencia de transformações (degradação) que ocasiona a mudança de sua cor.
Trata-se do Espectro Equimótico de Legrand du Saulle.

COLORAÇÃO EVOLUÇÃO CAUSA


Avermelhada 1º dia Extravasamento de sangue,
visto através da pele
Violácea 2º - 3º dia Saída da hemoglobina da
hemácia
Azulada 4º - 6º dia Hemossiderina (hemoglobina
com ferro)
Esverdeado 7º - 12º dia Hematoidina
(hemoglobina sem ferro)
Amarelado 13º - 20º dia Hematina

Desaparecimento 21º dia em diante Reabsorção


Na conjuntiva ocular e na bolsa escrotal não ocorre esta evolução devido à
grande oxigenação da hemoglobina. Lesões pequenas e superficiais têm evolução mais
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rápida. No cadáver o colorido da equimose é o mesmo que foi fixado em vida, ou seja,
logo antes do momento da morte.

Valor Médico-Legal das Equimoses:

- Pode indicar a sede (local) do dano;


- Traduz fenômeno vital, indicando que havia vida (circulação) no momento do
trauma;
- Pode indicar o objeto que a provocou (agente causador), quando tomam o seu
formato;
- Pode denunciar a natureza do atentado ou sugerir o tipo de agressão, por exemplo,
as equimoses no pescoço, face interna das coxas, lábios e nádegas nos crimes sexuais;
- Pode indicar a data provável da violência ou tempo decorrido da agressão pelo
exame da coloração.

 Hematoma:

É uma lesão que ocorre pelo mesmo mecanismo


das equimoses, porém mais intenso, com ruptura dos vasos
de maior calibre, formando uma cavidade virtual ou coleção,
manifestando-se sob a forma de um tumor logo abaixo da pele,
abaulando-a ou profundamente nos tecidos e órgãos.
Como desloca e comprime os tecidos vizinhos, se o hematoma ocorrer
internamente, por exemplo, dentro da cabeça, pode ser fatal.

 Edema (inchaço ou tumefação): Ocorre maior vasodilatação permitindo


extravasamento de líquido do vaso para o espaço entre as células. Sem outras
lesões desaparece em até 24 horas.

 Bossa Linfática: Extravasamento de linfa por lesão dos vasos linfáticos. Ocorre
mais freqüentemente quando a ação do objeto é tangencial. São incolores e
desaparecem em menos de 24 horas. Um exemplo típico é o “galo” na cabeça.

 Bossa Sanguínea: Derrames sanguíneos que decorrem de ação traumática sobre


um plano ósseo, com formação de coleção sanguínea que faz saliência na pele.
São mais comuns sob o couro cabeludo (por exemplo, tumor de parto em RN). A
coloração é azulada e a resolução ocorre em 20 dias ou mais, seguindo a mesma
seqüência de uma equimose.

 Rubefação*: É a mais leve e transitória de todas as lesões contusas. O trauma


produz vasodilatação (hiperemia), responsável pelo aspecto avermelhado, efêmero
e fugaz. É um processo funcional, pois inexiste ruptura dos vasos, não
configurando lesão corporal (por exemplo, na bofetada).

PROFUNDAS: caracterizam-se por apresentarem solução de continuidade na pele,


tecido subcutâneo, e de tecidos mais profundos, como ligamentos, músculos, ossos, etc.
Estão geralmente associadas aos traumatismos de maior violência, como atropelamento,
acidentes automobilísticos, quedas de grande altura, etc.

Estão incluídas as entorses, luxações, fraturas, lacerações, esmagamentos,


roturas viscerais, síndromes explosivas e avulsão dentária.
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A entorse é o estiramento da cápsula de uma articulação, total ou parcial,


com ou sem ruptura dos ligamentos.
A luxação corresponde ao deslocamento de dois ossos cujas superfícies de
articulação deixam de manter suas relações de contato que lhes são comuns.
As fraturas são soluções de continuidade dos ossos de causa direta ou
indireta, por torção, flexão, arrancamento ou compressão (esmagamento). Podem ser
classificadas em simples, cominutiva, fechada, exposta ou em “galho verde” (comum em
crianças).
As lacerações são denominadas feridas contusas. A ação contundente do
objeto vence a resistência tecidual provocando lesões abertas. Suas principais
características são: forma estrelada, sinuosa ou retilínea; bordas irregulares, escoriadas,
equimosadas; fundo e vertentes irregulares; pontes de tecido íntegro ligando as vertentes;
retração das bordas; pouco sangrantes; integridade de vasos, nervos e tendões no fundo
da lesão; ângulo tendendo à obtusidade.
Os esmagamentos correspondem a lesões graves nas quais a energia de
pressão do objeto contundente é tão intensa, que provoca lesões em todos os níveis de
tecidos incluindo os ossos.
As roturas viscerais são traumas com violento impacto, atingindo fígado,
baço, rins, intestinos, pâncreas e supra-renais que demonstram aparência de “explosão”
visceral tamanha a compressão que sofrem.
As síndromes explosivas são ocasionadas pela ação de explosões e
ondas pressão ou choque, resultando em hemorragias difusas nos pulmões, intestinos,
aparelho auditivo, cérebro, pericárdio, olhos, etc.
A avulsão dentária é o destacamento de um ou mais dentes de sua sede
em decorrência de impacto.

As características das lesões contusas podem orientar o perito sobre a


direção do instrumento; se os ferimentos forma realizados em vida ou após a morte, a
forma do instrumento e a natureza da violência.
As feridas contusas, por ultrapassarem a derme,
formam cicatrizes.
Toda ferida contusa é uma lesão contusa,
porém nem toda lesão contusa é uma ferida contusa.
Causa Jurídica: Na maioria das vezes é
acidental ou homicida e esporadicamente suicida.

A.4) Lesões Produzidas por Instrumentos Perfurocortantes:

Perfuroincisas são lesões produzidas por instrumentos de ponta e gume


(“armas brancas”), atuando por mecanismo misto; agem simultaneamente por pressão
afastando as fibras e por corte seccionando-as. Por exemplo: faca, faca-peixeira, punhal,
canivete, espada, adaga, lima, etc.
Possuem pequena extensão e grande profundidade, daí decorre sua maior
gravidade, já que geralmente atingem órgãos internos.
Conforme o número de gumes de um instrumento, os ferimentos variam em
sua forma.
Um gume: Causam ferimentos em forma regular, quase sempre linear, com
um ângulo agudo e outro arredondado. A largura é maior que a espessura da lâmina e o
comprimento varia em função do fio do gume, do ângulo de entrada, das linhas de força e
da ação do objeto ao sair da pele. São exemplos: a faca, o canivete, etc.
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Dois gumes: Causam ferimentos em forma de botoeira, de fenda de bordas


iguais e ângulos agudos. São exemplos: o punhal, a faca vasada, etc.
Três ou mais gumes: Causam ferimentos de forma triangular ou estrelada.
São exemplos: o estilete, a lima, etc.
Para a identificação genérica do objeto deve ser considerada: a abertura da
lesão e sua profundidade; a eventual presença de contusão das bordas, ângulos,
dimensões, tamanho e trajeto.
A posição da vítima e do agressor pode
ser avaliada através do estudo da localização, da direção
dos ferimentos e da presença de cauda de escoriação.
A ordem da sucessão das lesões fundamenta-se
na direção e na quantidade de hemorragia das feridas e do
Sinal de Chavigny.

As feridas perfuroincisas, de acordo com sua profundidade, podem ser:


 Transfixantes: quando atravessam um órgãos ou uma parte do corpo, ou seja,
possuem orifício de entrada e saída;
 Em fundo de saco ou dedo de luva: não chegam a transfixar o órgão ou a parte do
corpo, possuem somente orifício de entrada;
 Penetrantes: são aqueles que penetram cavidades anatômicas (craniana, torácica
ou abdominal);
 Em acordeão ou em sanfona de Lacassagne:
quando a região topográfica do corpo é depressível (por exemplo, a parede abdominal),
a lâmina pode produzir uma lesão mais profunda que o seu
próprio comprimento.

Causa Jurídica: A mais comum é o homicídio,


sendo o suicídio e o acidentes menos freqüentes.

A.5) Lesões Produzidas por Instrumentos Cortocontundentes:

São ferimentos produzidos por instrumentos cuja ação e efeitos se explicam


não só pelo gume que apresentam, como também pelo seu peso e pela força viva com
que são acionados.
Há gume, mas a pressão se faz sem deslizamento. Estes instrumentos
atuam principalmente por percussão e pressão. São exemplos: o facão, a foice, o
machado, a enxada, a guilhotina, a serra elétrica, as rodas de um trem, os dentes, as
unhas, pedaços de madeira com aresta cortante, etc.
Os ferimentos têm forma variável, dependendo da região atingida, da
inclinação, do peso, do gume e da força viva com que atuam. Se o gume for afiado, os
bordos da ferida podem ser nítidos e regulares e as vertentes se adaptam perfeitamente.
Suas principais características são:
- Bordas irregulares, escoriadas e equimosadas (ferida desigual, etc);
- Fundo irregular;
- Vertentes irregulares (ação traumática disforme;
pode haver pontes de pele);
- Pequeno sangramento
- Integridade dos vasos, nervos e tendões no fundo da
lesão (maior resistência);
- Ângulos tendendo à obtusidade, em geral em número
de dois ou mais.
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Quando o instrumento é rombo (p.ex. dentes), as bordas são irregulares,


com equimose nas adjacências e com pontes de pele.
As lesões por instrumentos cortocontundentes geralmente são graves,
profundas, causando lesões complexas e envolvendo vários planos (ossos e vísceras).
Podem levar também a mutilações em nariz, dedos, orelha, etc.
São muito comuns em brigas de mulheres, por uso de unhas e dentes e nos
acidentes do trabalho.

Obs: Escalpe ou Escalpelamento: é a remoção de parte do couro


cabeludo, muito utilizada no passado por índios americanos para demonstrarem a morte
de seus inimigos, mas também como conseqüência de acidente onde os cabelos
compridos e desamarrados, geralmente de crianças e mulheres jovens, são tracionados
pelo eixo do motor descoberto de pequenas embarcações da Amazônia, ocasionando
avulsão parcial ou completa do couro cabeludo, provocando graves deformidades e
traumas psíquicos.

As mordeduras (lesões cortocontusas) geralmente se apresentam como


arcos de concavidades voltadas uma para a outra e podem ser superficiais ou até mesmo
mutilantes. Podem ser humanas e não-humanas (cão, tigre, tubarão). As marcas das
mordeduras humanas podem auxiliar na reprodução dos arcos dentários do agressor pelo
odontolegista. Nesse caso, sendo possível também a extração do DNA de sua saliva,
abandonada sobre a pele da vítima.

Lesões Cortocontusas Especiais

 Esquartejamento: é a ação de retalhar, partir em quartos. Cada membro (superior e


inferior), representando uma quarta parte daquilo que foi lesionado, é separado do
tronco, geralmente pelas articulações. Pode ser ofensivo, quando as razões
determinam essa forma de agressão, ou defensivo, quando é realizado para
possibilitar a ocultação do cadáver;
 Espostejamento: é a ação de cortar em postas, ou quando o corpo da vítima é
retalhado em partes irregulares;
 Emasculação: é a avulsão da genitália masculina, ou seja, do pênis e do escroto;
 Castração: é a extirpação apenas da bolsa (saco) escrotal.

Causa Jurídica: Geralmente homicida ou acidental, e mais raramente suicida.

A.6) Lesões Produzidas por Instrumentos Perfurocontundentes:

Lesões perfurocontusas são lesões produzidas por um mecanismo de ação


que perfura e contunde; habitualmente existe mais ação perfurante que contundente. O
exemplo mais típico deste tipo de instrumento é o projétil de arma de fogo, podendo
também ser a ponta de um guarda chuva, uma chave de fenda, um espeto de churrasco,
etc. Por ser o responsável por mais de 90% deste tipo de lesão, estudaremos os
projéteis de arma de fogo e as características de suas lesões.
Nos disparos de arma de fogo, o projétil é lançado à distância pela ação da
força explosiva dos gases produzidos pela combustão da pólvora. Além do projétil, saem
pelo cano da arma gases superaquecidos, chama, partículas de pólvora incombusta, a
bucha e seus fragmentos.
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Os componentes das lesões características são: um orifício de entrada


(sempre), um trajeto (sempre) e um orifício de saída (às vezes).

- Orifício de Entrada

Em geral são únicos para cada projétil (exceto se houver transfixação de


mais de um segmento corporal); podem não aparecer quando o projétil entra por uma
cavidade natural (nariz, ouvido, boca e ânus); em geral são menores que o calibre dos
projéteis e que o orifício de saída; são circulares nos tiros perpendiculares, ovalados nos
oblíquos ou labiados nos tangenciais, e de bordas invertidas.
Podem apresentar as seguintes alterações:
● Orla Equimótica: Região superficial, de limites pouco precisos, decorrente de
hemorragia na pele, pela ruptura de pequenos vasos nas vizinhanças do ferimento. Tem
tonalidade violácea e pode estar encoberta por outros ferimentos.
● Orla de Escoriação ou Contusão: Ponto onde o projétil contunde a pele, arrancando
a epiderme por sua ação rotatória. É absolutamente característico de orifício de entrada.
● Orla de Enxugo: Ocorre pela passagem do projétil através dos tecidos, limpando
nele suas impurezas. É de difícil diferenciação da orla de contusão. São sempre
estudadas em conjunto e este se denomina anel de Fisch.
● Zona de Tatuagem: Resulta da impregnação de grãos de pólvora incombusta que
alcançam o corpo e se incrustam na pele. Orienta a perícia quanto à posição da vítima e
do agressor. É sinal indiscutível de orifício de entrada. Tem cor variável dependendo do
tipo de pólvora. Pode não aparecer na pele protegida pelas vestes. Não sai com a
lavagem.
● Zona de Esfumaçamento: Formada pela fuligem resultante da combustão da
pólvora. É chamada de zona de falsa tatuagem, pois sai com a lavagem. Pode não
aparecer na pele protegida por vestes.
● Zona de Chamuscamento: Resultado da ação superaquecida dos gases, com pele
apergaminhada, de tonalidade vermelha escura e pelos crestados, quebradiços,
recobertos com partículas carbonizadas.
Geralmente queimaduras de 1° grau e raramente
2° grau. Pode faltar com o uso de pólvoras mais modernas.

- Trajeto

É o caminho percorrido pelo projétil no


interior do corpo.
Pode ser: transfixante (termina no orifício de saída), terminar em fundo cego
ou perder-se em uma cavidade (coração, estômago, etc).
Órgãos contendo líquidos podem apresentar o fenômeno da explosão (pelo
princípio físico de Pascal). Pode haver a formação de projéteis secundários por
fragmentação em planos ósseos.
A redução da força viva do projétil torna-o cada vez mais contundente e
menos perfurante, fazendo com que o trajeto se expanda em amplitude, em forma de
cone, com o vértice voltado para o orifício de entrada.

- Orifício de Saída

Em geral tem a forma irregular ou cruciforme, com bordas evertidas,


anfractuosas, maior sangramento que o orifício de entrada. Geralmente são maiores que
o orifício de entrada e não apresentam os demais comemorativos da lesão de entrada
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(orlas e zonas). Pode apresentar orla de escoriação, quando o plano cutâneo se encontrar
em contato com um anteparo resistente (sinal de Romanese). As características
independem da distância do tiro.
A lesão é determinada por projétil em geral deformado, associado a
pequenos projéteis secundários e com menor energia cinética.

As lesões podem ser classificadas segundo a distância do disparo em :

- Tiro Encostado: Todos os elementos do disparo alcançam o alvo.

O orifício de entrada tem a forma irregular, denteada ou com entalhes, pela


ação resultante dos gases que descolam e dilaceram os tecidos. As bordas são evertidas,
em geral não há sinais de outros elementos do disparo na pele, pois penetram na ferida
juntamente com o projétil, a este fenômeno chamamos Câmara de Mina de Hoffmann,
sendo mais comum nos tiros encostados na fronte. Nos tiros encostados no crânio, nas
costelas e escápulas, podemos encontrar um halo fuliginoso na lâmina externa do osso
referente ao orifício de entrada, chamado de Sinal de Benassi. Ainda na entrada podemos
observar o Sinal de Werkgartner, que representa o desenho da boca e da alça de mira da
arma (pela zona de tatuagem e esfumaçamento).

- Tiro a Curta Distância: Apresentam a forma arredondada ou ovalar, bordas


invertidas, aréola equimótica, orla de contusão e enxugo, as zonas de tatuagem e
esfumaçamento;

- Tiro à Queima Roupa: É semelhante à lesão do tiro a curta distância e além de


todas as situações anteriores, apresenta também zona de queimadura.

- Tiro a Longa Distância: Apresenta a forma arredondada ou ovalar, bordas


invaginadas, aréola equimótica e orlas de contusão e enxugo. Há somente ação mecânica
do projétil.

Na hipótese de tiros com projéteis múltiplos (tiro de cartucheira), há que se


considerar, além dos elementos constitutivos do mecanismo de disparo, a existência
destes vários projéteis, que de início caminham juntos, e que depois vão se separando,
abrindo-se em área de projeção, de diâmetro cada vez maior e constituindo-se o que se
chama de “Rosa de Tiro”. Cada um destes projéteis poderá se comportar de maneira
símile àquela descrita para projéteis únicos, embora se deva considerar que há menor
penetração, não são freqüentes os orifícios de saída, a letalidade da lesão ocorre mais
devido à multiplicidade do que a ação individualizada de cada um deles e que cada um
possui orlas próprias (em cada entrada), porém as zonas são comum a todos.
Nos traumatismos por arma de fogo, as questões médico-jurídicas a serem
determinadas são;
- Orifícios de entrada e saída, para determinação do sentido e da direção do tiro;
- Distância do tiro (exame das zonas de contorno);
- Autoria do crime, principalmente na determinação de homicídio ou suicídio.
O exame das vestes é de suma importância, pois pode conter
eventualmente elementos do disparo e mostrar a posição relativa entre a localização da
perfuração nestas e no corpo.
A avaliação geral deve levar sempre em consideração os elementos que se
apresentam em cada eventualidade como: a possibilidade de sobrevivência, a hipótese de
múltiplos disparos suicidas, a região atingida pelo disparo, o fato da vítima ser canhota, a
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existência de esfumaçamento nas mãos, etc. Assim pode-se orientar melhor sobre a
provável causa jurídica.

Lesões Perfurocontusas Especiais

 Encravamento: é a lesão perfurocontusa, geralmente acidental, que ocorre com


objeto de grande calibre, como uma estaca;

 Empalamento: uma modalidade de encravamento em que a lesão ocorre pela


penetração do instrumento perfurocontundente de grandes proporções pela região
vaginal, anal, ou perineal.

Causa Jurídica: Geralmente homicídio e suicídio e eventualmente acidental.

ESTUDO DAS LESÕES PARA A DETERMINAÇÃO DE SUA CAUSA JURÍDICA


NO CASO DE A VÍTIMA MORRER.

1. Disposição, número e localização das lesões: são típicas de suicídio as feridas


incisas situadas na face anterior do punho, embora possam fazer parte de uma
dissimulação de homicídio. A existência de lesões já cicatrizadas de outras
tentativas contribui para a caracterização de suicídio;
2. Lesões de defesa: tem grande importância nos homicídios, pois elas atestam ter
havido luta e resistência por parte da vítima, podendo, ainda ser usadas pela
defesa do acusado para afastar a qualificação do crime, já que a vítima não teria
sido atacada de surpresa e ficada sem chance de se defender. Localizam-se de
preferência nas regiões palmares e na borda cubital do antebraço, podendo ser
encontradas nos joelhos, nas pernas e nos pés. No entanto, a existência de ferida
incisa na face palmar dos dedos não exclui totalmente a possibilidade de suicídio,
pois o suicida pode cortar a mão acidentalmente com o instrumento em função de
seu estado emocional;
3. Lesões de hesitação: é caracterizado pela presença de múltiplos entalhes nos
lábios da ferida e pela existência de escoriações lineares, ou feridas menores e
mais superficiais, paralelas à ferida principal, como no caso do esgorjamento
suicida. Traduzem as tentativas do suicida de testar a sua sensibilidade à dor. Nos
homicídios costumam faltar. Mas pode haver casos de homicídio em que se achem
lesões paralelas ao corte principal, decorrentes de tortura e sadismo do agressor. A
lesão do homicida costuma ser feita de um só golpe, é profunda e tem as bordas
regulares, sem entalhes.

Bibliografia
1. FUNDAMENTOS DE MEDICINA LEGAL: Genival Veloso de França. Editora
Guanabara Koogan. 2ª edição. 2012
2. MEDICINA LEGAL – Texto e Atlas: Hygino de C. Hercules. Editora Atheneu. 2008
3. PERÍCIAS EM MEDICINA E ODONTOLOGIA LEGAL: Rodrigo Camargos Couto.
Editora Medbook. 2011
4. A PERÍCIA MÉDICO-LEGAL: Luís R. da S. Costa e Bruno M. Costa. Editora
Milenium. 2011
5. MEDICINA E CRIMINALÍSTICA: Paulo E. G. da C. Filho. Editora Vestcom. 2012
6. MEDICINA LEGAL DESCOMPLICADA: Neusa Bittar. Editora Rideel. 2ª edição.
2011

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