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1. Introdução
A intervenção nos casos de violência sexual revela-se particularmente difícil devido à
delicadeza e complexidade da matéria, envolvendo questões simultaneamente legais, sociais e
clínicas, tratando-se, portanto, de uma intervenção multidisciplinar. Assim, importa que os
profissionais implicados atuem de forma articulada, cooperando entre si, sempre no respeito pelo
papel e competências de cada um, e tendo como objetivo o melhor interesse e a proteção da vítima
(Magalhães, 2005). Para isso, além de outros aspetos, devem conhecer: (1) as técnicas de
abordagem das vítimas deste tipo de agressão, de forma a contribuir para a preservação dos relatos
e evitar a vitimização secundária; (2) os fatores de risco e indicadores físicos e psicológicos, o que os
tornará mais capazes para detetarem os casos; (3) o modo de funcionamento da rede de
profissionais que em cada comunidade intervém nestas situações; (4) as normas quanto à orientação
das vítimas do ponto de vista terapêutico, médico-legal, social e legal.
A investigação criminal poderá não ter lugar em todos os casos, dado que em alguns deles o
crime é semipúblico. Mas nos casos em que esta se verifica, um passo de fulcral interesse é a
produção da prova médico-legal e forense a qual, de acordo com a Lei 45/2004, de 19 de agosto,
compete aos peritos médico-legais do Instituto Nacional de Medicina Legal e Ciências Forenses, I.P.
(INMLCF).
Os termos usados pela lei penal para designar os crimes sexuais (e.g., violação, abuso
sexual) diferem, frequentemente, sobretudo no seu significado, dos utilizados pela comunidade
científica, podendo, ainda, variar de país para país, particularmente tendo em conta os diversos
contextos legais. Este facto é prejudicial do ponto de vista epidemiológico (WHO, 2003) e da
comunicação entre os diversos profissionais implicados nesta problemática. Mas, mais do que
conceitos legais (cuja definição compete aos magistrados) ou quaisquer outros, o que importa é ter
em conta que este tipo de práticas encerra vertentes muito diferentes em termos do modelo de
intervenção adequada a cada caso. De facto, a intervenção variará de acordo com: (1) a idade da
vítima (o que pode condicionar o facto da AS poder constituir um crime público ou semipúblico e,
portanto, a legitimidade da intervenção médico-legal sem haver uma queixa formal prévia por parte da
vítima ou do seu representante legal, ou uma ordem judiciária para a realização da perícia); (2) o
contexto intra ou extrafamiliar da prática sexual, o tipo dessa prática, a sua frequência e o momento
da deteção. Nos casos em que a prática é revelada e a vítima submetida a exame médico-legal até
às 72 horas após essa mesma prática, considera-se que se trata de uma agressão recente ou aguda
(“acute sexual assault”), havendo possibilidade de realizar exames para a colheita de vestígios
biológicos e físicos, pelo que são considerados casos urgentes; nos casos reiterados, que se
prolongam no tempo, geralmente praticados no contexto intrafamiliar ou no âmbito de uma relação de
maior proximidade, e cuja deteção acontece muito depois do último contacto sexual ocorrido, não
sendo geralmente fisicamente intrusivos (Magalhães et al, 2009), usa-se a expressão de abuso
sexual (“sexual abuse”), sendo o exame também urgente, dado que pode estar em causa a
determinação de medidas que visam garantir a proteção da vítima, mas não tão urgente como no
primeiro caso, pois já não existirá a possibilidade de serem colhidos vestígios, apenas se podendo
encontrar lesões ou sequelas físicas relativas a esse contacto sexual.
evidências, dado que (Jardim & Magalhães, 2010): a cicatrização das lesões anogenitais é rápida e
muitas vezes total (podendo não ser identificáveis quando a vítima é submetida a perícia médico-legal
alguns dias depois da agressão); a grande maioria das agressões sexuais não é fisicamente intrusiva,
principalmente nas crianças; a ejaculação acontece, muitas vezes, fora das cavidades naturais ou
com uso de preservativo; no caso de adolescentes e adultos a penetração não causa,
necessariamente, lesões, em virtude da elasticidade dos tecidos, do uso de lubrificantes e da pouca
resistência apresentada por parte das vítimas, devido a paralisação pelo medo ou para abreviar um
contacto forçado, que não desejam. No entanto, o facto de estes casos não apresentarem vestígios
ou lesões/sequelas, não permite, por si só, excluir a hipótese de AS (Heger et al, 2002). Por outro
lado, apesar da elevada frequência de casos em que não existem vestígios ou lesões, e apesar da
frequente inespecificidade destas últimas, pelo menos uma parte das vítimas apresentará indicadores
sugestivos ou mesmo diagnósticos, daí que o exame médico-legal deva ser efetuado em todas as
vítimas em que haja suspeita de AS (Heger et al, 2002; Jardim & Magalhães, 2010). Além disso, este
exame reveste-se de particular importância tendo em conta que nem sempre é possível obter um
testemunho válido por parte da vítima (sobretudo em razão da idade ou de alguma perturbação
cognitiva) ou de terceiros, sendo a interpretação das lesões e restantes vestígios um elemento
fundamental para a investigação criminal (Pillai, 2008).
Os indicadores de natureza sexual apresentados pela vítima podem ser (Jardim &
Magalhães, 2010):
a) Lesões ou sequelas: podem resultar de diversas práticas que vão desde carícias
sexualmente explícitas, a tentativa ou mesmo penetração de uma ou mais cavidades
corporais; de uma forma geral, dependerão do tipo de prática sexual que tiver tido lugar
mas, também, do grau de violência física com que a mesma foi realizada, da idade da
vítima, do seu comportamento (e.g., resistência, colaboração) e do intervalo de tempo
entre a agressão e o exame médico-legal;
b) Vestígios biológicos no corpo ou roupa (e.g., esperma, pelos, cabelos, saliva, sangue):
estes são particularmente valorizados enquanto prova, não só porque podem demonstrar,
inequivocamente, o contacto sexual (sobretudo no caso do esperma), como podem
permitir a identificação do agressor;
c) Vestígios físicos no corpo ou roupa (e.g., lubrificantes, terra, folhagem, fibras): são
muito importantes, por exemplo, para dar indicações sobre o local onde a agressão
aconteceu;
Estes indicadores podem merecer diferente ponderação no caso dos adultos, sobretudo se
sexualmente ativos, mas aumentam a sua especificidade quando a informação sobre o evento se
adequa e explica a presença do indicador no contexto de agressão (Finkel, 2005), bem como quando
se conjugam uns com os outros, e com indicadores psicológicos e fatores de risco.
Os indicadores psicológicos de AS são particularmente valiosos nos abusos sexuais,
sobretudo intrafamiliares, e carecem, sempre, de valoração por psicologia forense e, por vezes, por
psiquiatria forense. Entre outros, podemos destacar, de uma forma genérica (Magalhães, 2005;
Magalhães, 2010; Peixoto & Ribeiro, 2010):
a) Nas crianças: (1) perturbações funcionais: anorexia, bulimia, terrores noturnos,
incontinência para a urina ou fezes, dores abdominais inexplicadas e recorrentes; (2)
obediência exagerada aos adultos e preocupação em agradar; (3) pobre relacionamento
com as outras crianças; (4) condutas sexualizadas: interesse e conhecimentos
desadequados sobre questões sexuais (traduzidos, por exemplo, pelo uso de linguagem
específica e desapropriada para a idade), masturbação compulsiva, desenhos ou
brincadeiras sexualmente explícitas; (5) comportamentos agressivos;
b) Nos adolescentes: (1) comportamentos aparentemente bizarros, como dormirem
vestidos com roupa de dia, urinarem de propósito a cama esperando que os lençóis
molhados evitem que o abusador os toque, destruição ou ocultação de sinais de
feminilidade que possam ser atrativos; recusa para tomarem banho ou se despirem nos
vestiários, recusa em ir à escola ou em voltar da escola para casa; (2) perturbações do
foro sexual, como comportamentos autoeróticos extremos (e.g., masturbação em frente
dos outros, interação sexual com os colegas, abuso sexual de crianças mais pequenas,
condutas sedutoras com adultos) ou repulsa em relação à sexualidade; (3)
comportamentos desviantes como abuso de álcool e drogas, delinquência ou prostituição;
(4) outras perturbações como depressão, automutilação, comportamento suicida ou fuga.
vítima. Nesta fase, terá de se estabelecer a urgência da situação em termos médico-legais, para
colheita e preservação de vestígios biológicos (Pinto da Costa, Taborda & Magalhães 2010): (1) se a
agressão ocorreu há menos de 72 horas e há história de ejaculação ou contactos suscetíveis de
deixarem vestígios no corpo ou roupa da vítima (e.g., beijos, mordeduras), deve realizar-se
imediatamente o exame físico, com a colheita vestígios; (2) se a agressão tiver ocorrido há mais de
72 horas, o exame físico deve realizar-se o mais rapidamente possível, mas poderá ponderar-se a
possibilidade de realizar previamente a entrevista forense, havendo, também assim, mais tempo para
preparação prévia da vítima e da equipa que vai intervir (o que contribuirá para minorar o risco de
vitimização secundária e de contaminação do relato); mas referir-nos-emos à entrevista forense mais
adiante
acompanham e/ou que conheçam o caso, para evitar a contaminação do relato e a vitimização
secundária resultante da repetição de perguntas. No entanto, se houver necessidade de abordar
diretamente a criança, a colheita de informação deverá então restringir-se ao minimamente
indispensável para determinar a consistência da suspeita e orientar adequadamente o caso.
A informação a colher, de uma forma genérica, será a seguinte (Magalhães et al, 2011): (1)
idade da vítima; (2) idade e sexo do suspeito agressor; (3) contexto da ocorrência (familiar,
institucional, extrafamiliar); (4) reiteração da prática; (5) relação existente entre suspeito agressor e
vítima; (6) existência de agressão física; (7) tipo de AS (e.g., cópula/coito anal/coito oral ou tentativa
de penetração oral, anal ou genital, com/sem ejaculação ou com/sem uso de preservativo;
manipulação dos genitais entre agressor e vítima; toques com a boca ou órgãos genitais do
agressor); (8) circunstâncias em que decorreu a agressão (e.g., ameaças, força física, aliciamento);
(9) existência de lesões traumáticas; (10) tempo decorrido desde a agressão; (11) possibilidade de
terem sido destruídos os vestígios (e.g., lavagens); (12) desejo da vítima em denunciar o caso (se
este não configurar um crime público).
Se a suspeita se revelar consistente, deverá esse profissional sinalizar e/ou denunciar o caso,
nos termos legais, atrás referidos, e fornecer informação sobre a preservação de eventuais
vestígios, designadamente: (1) não comer, beber ou fumar; (2) não lavar a boca nem os dentes; (3)
não tomar banho nem lavar os órgãos genitais; (4) não lavar as mãos, não limpar nem cortar as
unhas; (5) não se pentear; (6) não mudar de roupa e, se já o tiver feito, preservar a que usava à data
da ocorrência (incluindo absorventes), se possível seca e em sacos de papel; (7) não urinar ou
defecar e, caso o tenha de fazer, conservar esses produtos numa embalagem adequada (e.g.,
contentor limpo para exame bacteriológico de urina, com tampa); (8) não tocar no local onde decorreu
a agressão, não limpar ou arrumar esse local, não esvaziar baldes do lixo nem puxar o autoclismo.
Em todo este processo é fundamental que o profissional seja capaz de compreender as
dificuldades da vítima na revelação e/ou apresentação de denúncia, bem como na interpretação e
aceitação dos factos.
A adequação e a eficácia da atitude destes profissionais é fundamental, dela dependendo a
forma como a vítima vai colaborar e participar no processo judicial (Finkelhor, Cross & Cantor, 2005).
O modelo de abordagem deverá ser o que se preconiza para a entrevista forense (Peixoto & Ribeiro,
2010).
(GMLF) da área de residência da vítima. No entanto, caso esta não se possa aí deslocar, ou caso se
esteja fora do horário normal de funcionamento do Instituto, e se se perspetivar como importante a
colheita de vestígios que de outra forma se possam perder com o tempo (e.g., AS com menos de 72
horas), o exame é normalmente realizado pelos peritos médico-legais nos serviços de urgência
hospitalares. Este último procedimento inscreve-se no âmbito do serviço de perícias urgentes do
INMLCF; no entanto, nem todos os hospitais podem contar com o apoio desse serviço durante 24
horas por dia e todos os dias da semana. Efetivamente, nas zonas servidas por GMLF, tal não é
possível assegurar nos períodos fora do horário de expediente do gabinete, pelo que neste caso
poderá ter de ser um médico hospitalar a realizar o primeiro exame se não se mostrar viável ou
adequada a transferência da vítima para um hospital que conte com este serviço. Este tipo de
procedimentos está previsto num protocolo celebrado em junho de 2011 entre os Ministérios da
Justiça e da Saúde, e a Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens, visando garantir uma
articulação mais eficaz entre as unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS), o INMLCF e as
CPCJ, assegurando que as vítimas possam ser observadas no mais curto espaço de tempo por
peritos médico-legais, evitando a vitimização secundária e permitindo uma resposta pericial mais
célere e de qualidade (Magalhães & Vieira, 2011).
5.2. Objetivos
A perícia médica forense tem como objetivo geral coadjuvar a boa administração da Justiça.
Os objetivos específicos de um exame de natureza sexual, no âmbito do Direito Penal, são (Jardim &
Magalhães, 2010): (1) identificar vestígios, lesões e/ou sequelas, e interpretá-los no contexto da
alegada AS; (2) obter amostras biológicas para estudos de criminalística biológica (pesquisa de
ADN), de microbiologia (pesquisa de IST) ou de toxicologia, entre outros; (3) obter outras amostras
não biológicas que possam ter utilidade em termos da investigação criminal.
Efetivamente, do contacto físico entre o abusador e a vítima podem resultar lesões, além da
transferência de material biológico e não biológico (entre vítima, agressor e local). No caso dos
crimes sexuais, esta permuta pode dever-se apenas à agressão ou ao próprio ato sexual, podendo
em qualquer das circunstâncias haver vestígios biológicos que assumem particular relevância na
investigação criminal, por relacionar o agressor com o crime (Malsom, Flanagan, Mcalister & Dixon,
2008), tais como: (1) material biológico subungueal, na vítima e/ou no agressor; (2) pelos ou cabelos,
na vítima e/ou no agressor; (3) esperma, na roupa ou corpo da vítima; (4) exsudados vaginais, ou
outros, no corpo ou roupa do agressor; (5) material biológico de outra natureza, como sangue ou
5.3. Procedimentos
A perícia médica forense concretiza-se sob a forma de relatório pericial, compreendendo dois
momentos fundamentais (Magalhães et al, 2010): (1) a identificação e descrição dos danos,
temporários e permanentes, com base na história forense, nos elementos documentais (sobretudo
registos clínicos) e nos exames efetuados (exame médico-legal e exames complementares de
diagnóstico), incluindo-se aqui a foto-documentação e a colheita de vestígios, bem como os
respetivos resultados analíticos; (2) a interpretação e valoração de todos os achados e elaboração de
conclusões devidamente fundamentadas.
Na sequência da avaliação médico-legal, poderá haver lugar à realização de exames
laboratoriais para estudo de ADN, microbiológicos ou toxicológicos ou, ainda, exames imagiológicos;
podem requerer-se, também, outros exames médicos de certas especialidades, tais como
psiquiátricos ou pedopsiquiátricos.
Este exame implica a concretização de diversos passos, os quais estão definidos e devem ser
respeitados para garantir que o exame é sistematizado e rigoroso, não se esquecendo ou repetindo
procedimentos, o que contribuirá para a credibilidade do mesmo junto do sistema judicial e para o
conforto da vítima.
Naturalmente que o local da realização do exame é também determinante do êxito dos
mesmos, pelo que estes deverão acontecer num espaço tranquilo, confortável e agradável, que
transmita bem-estar e garantia de privacidade à vítima.
Uma atitude calma e carinhosa, por parte do perito médico-legal, é fundamental para
tranquilizar e transmitir confiança à vítima, dando-lhe hipótese de colocar as questões que pretender
antes e durante a avaliação. Deverá, também, ser permitida a presença de uma pessoa de referência
durante o exame, se a vítima assim o preferir; contudo, deve evitar-se essa presença, se possível,
durante a colheita da história forense, para que a vítima possa falar completamente à vontade e para
que isso não ponha em causa uma futura audição dessa pessoa enquanto testemunha. Deverá,
ainda, garantir-se que um dos técnicos presentes na avaliação (idealmente dois) é do mesmo sexo do
da vítima a examinar. O segundo elemento terá como principal função, manter a vítima confortável,
auxiliar o perito nas colheitas e, também, protegê-lo relativamente a uma eventual queixa que possa
advir quanto ao seu comportamento no decurso do exame.
O exame deve decorrer num local iluminado, com temperatura ambiente adequada, limpo e
que garanta a privacidade, e o perito deverá respeitar o lógico pudor da pessoa a examinar, cobrindo
o seu corpo e expondo somente a parte que vai ser examinada, mesmo que se trate de uma criança
pequena.
A avaliação médica forense compreende os seguintes momentos:
a) Colheita da história forense: grande parte da informação sobre a AS deve ser
transmitida ao perito médico antes de este iniciar a avaliação, caso esta seja do
conhecimento prévio de algum profissional que já contactou com a vítima, para evitar a
repetição de perguntas. No caso das crianças, o perito poderá, também, proceder à prévia
colheita de informação através de terceiros que a acompanhem, sendo que, por vezes,
mesmo assim, terá de falar com esta sobre o assunto; de qualquer forma, este tipo de
abordagem, a ter lugar, deve ser mínima, seguindo as normas da entrevista forense
(Ribeiro & Magalhães, 2007; Peixoto et al, 2010). A informação necessária para o perito,
uma vez que esta irá orientar o exame a realizar, designadamente a colheita de vestígios,
é a seguinte (sendo que algumas das questões que se indicam podem não se adequar ao
caso em concreto): (1) data, hora e local da ocorrência; (2) tipo de práticas sexuais
(incluindo introdução de corpos estranhos, existência de ejaculação, uso de preservativo);
(3) frequência (única ou reiterada); (4) circunstâncias (violência física e/ou emocional -
ameaças verbais ou com armas); (5) consequências (e.g., dores, sangramento); (6)
caraterização da vítima (sexo, idade, antecedentes patológicos e traumáticos,
antecedentes ginecológicos e obstétricos, abuso de substâncias, comportamentos
desviantes, história de AS); (7) caraterização do(s) alegado(s) agressor(es) (e.g., número,
sexo, idade, abuso de substâncias, antecedentes patológicos designadamente IST -,
comportamentos desviantes, história de práticas de AS); (8) relação entre a vítima e
alegado(s) agressor(es); (9) comportamento da vítima após a agressão, para avaliar da
possível destruição de vestígios (e.g., lavagens, mudança de roupa, procura de cuidados
médicos); (10) data da última menstruação; (11) data da última relação sexual consentida
(antes ou depois da agressão). Também pode ser colhida informação relativa à
sintomatologia apresentada pela vítima e que seja resultante da AS (e.g. dores, prurido,
perturbações psicológicas diversas), sendo que esta será importante, quer na análise de
7. A entrevista forense
Como se viu, existem aspetos particulares que podem impossibilitar o diagnóstico de AS
apenas com base nos exames físico e laboratoriais, pelo que a entrevista forense desempenha um
papel fundamental no diagnóstico destes casos, dado que o relato da vítima pode constituir a única
prova do crime (Peixoto, Ribeiro & Lamb, 2011). Esta é particularmente relevante no caso de crianças
e adolescentes e deve ter lugar o mais precocemente possível após ser levantada a suspeita sobre o
caso. Apesar da sua relevância, em Portugal este procedimentos não se encontra ainda legalmente
implementado.
Dada a delicadeza da matéria em causa e a sua particular complexidade, requer-se uma
especial competência por parte dos profissionais que realizam a entrevista, de modo a que esta seja
conclusiva e não se incorra num processo de vitimização secundária. Por isso, o profissional que
realiza esta avaliação deverá ter formação técnica específica e acreditada em entrevista forense,
seguindo as normas internacionalmente aceites nesta área (Peixoto et al, 2011).
A propósito da entrevista forense, que não se detalhará aqui, deixam-se apenas algumas
notas que consideramos relevantes (Peixoto et al, 2011):
a) A recolha de informação em contexto forense é influenciada por diversos fatores,
nomeadamente: (1) período de tempo decorrido entre evento e a entrevista (quanto mais
longo for mais prejudicada estará a recolha de informação); (2) idade da vítima (no caso
da criança, quanto mais nova for, maior dificuldade terá em distinguir factos); (3) tipo de
questões utilizadas (e.g., perguntas abertas reduzem o risco de erro); (4) perguntas mal
conduzidas ou sugestivas;
b) A entrevista é mais complexa no caso das crianças pelo que o entrevistador deverá ser
um profundo conhecedor das competências das crianças no que respeita ao uso e
compreensão da linguagem, conforme os seus diferentes estádios de desenvolvimento;
de igual modo, e tendo em conta que um dos objetivos da entrevista é facilitar a recolha
de informação acerca de acontecimentos específicos, deverá ter especial atenção à
memória, reconhecendo os seus mecanismos, as etapas do seu desenvolvimento, o
modo de reconstrução dos factos e o que a pode afetar, não esquecendo que a memória
não funciona como uma simples gravação de vídeo - a chamada amnésia infantil não
permite a lembrança, durante a infância tardia ou na idade adulta, de factos ocorridos
anteriormente aos três anos de idade;
c) É também importante o conhecimento das dinâmicas da AS, tais como a existência de
Muitos autores consideram que pode ser útil filmar a entrevista, dado que o material de vídeo
é cada vez mais aceite como uma evidência auxiliar em casos legais, sendo que esta é a prática já
usada nas entrevistas de crianças, pelo menos nos países que seguem o modelo do Child Advocacy
Center (Huizar, 2011) ou das Children’s Houses (Gudbrandsson, 2010), de modo a garantir que não
mais haverá necessidade de repetir a entrevista (a qual fica totalmente registada em vídeo). Em
Portugal, esta solução não está legalmente prevista, havendo apenas o registo em áudio para
memória futura, que acontece em geral muito tarde no processo, sendo que estes procedimentos
deveriam, idealmente, constituir o mesmo e único momento de audição da vítima sobre os factos, a
ter lugar o mais precocemente possível. Neste âmbito, tão relevante para garantir a validade do relato
(frequentemente a única prova), não o contaminando, e para evitar a vitimização secundária, muito há
8. Considerações finais
Na investigação de uma AS a atuação multidisciplinar, célere e eficiente, é fundamental para a
eficácia do resultado final. Desde logo, a falha na deteção dos casos, sobretudo nas situações
suscetíveis de configurarem um abuso sexual, impedindo a sua sinalização e/ou denúncia, pode
significar a sua perpetuação, com graves consequências físicas e psicológicas para a vítima, bem
como a impossibilidade de se vir a provar o crime devido à perda dos vestígios.
Após a sinalização e/ou denúncia, um correto e atempado diagnóstico médico-legal e forense
do caso permitirá a tomada das medidas adequadas (terapêuticas, de proteção e/ou de investigação
criminal), pelo que este tipo de avaliações, que devem ser únicas, são sempre consideradas de
caráter urgente, quer seja o exame físico com colheita de eventuais vestígios e foto-documentação,
quer seja a entrevista forense. Nesta medida, o estabelecimento guidelines e protocolos para uma
atuação multidisciplinar concertada das diversas entidades intervenientes permitirá a uma maior
segurança e eficácia nas decisões quanto à proteção/reabilitação da vítima e família, e investigação
criminal.
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