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Provas Comportamentais: 
A  Necessidade  da  Reconstrução  de  Crimes  para 
os Esforços de Profiling Criminal1 
 
Brent E. Turvey

Palavras‐chave: 
 
Profiling criminal  Apesar do volume crescente de literatura sobre a matéria de profiling criminal,
  ainda existe uma grande controvérsia sobre a forma como se constroem os
 Provas  perfis. Isto tem origem na variedade de académicos e profissionais que abordam
comportamentais  o assunto sem terem um conhecimento prático sobre a matéria ou com
  conhecimentos limitados a uma só perspetiva. O objetivo deste capítulo consiste
Análise de Provas 
em clarificar esta questão e em ajudar os leitores a compreender o profiling
Comportamentais 
(APC)  criminal enquanto parte, e dependente, das ciências forenses2.

 
Profiling criminal  
 
“Profiling criminal” é um termo geral usado para designar os métodos utilizados para inferir
características de indivíduos responsáveis pela realização de atos criminosos (Turvey, 2011). Existem
vários métodos diferentes a serem utilizados pela comunidade profissional. É de realçar que nem todos
possuem o mesmo nível de relevância ou fiabilidade, uma vez que depende do seu desenvolvimento e
aplicação.
 
 
Estudo idiográfico versus estudo nomotético 
 
O primeiro aspeto a compreender sobre os diferentes métodos de profiling criminal é o facto de serem
baseados em formas diferentes de conhecimentos e inferências. Estes podem ser descritos como
estudos idiográficos ou nomotéticos de crimes e criminosos. Segundo Hurlburt & Knapp (2006, p. 287),
“Os psicólogos utilizam o termo ‘idiográfico’ para se referirem às características de indivíduos
particulares e ‘nomotético’ para se referirem a características universais”. Adicionalmente, explicam que
estes termos têm feito parte do panorama da Psicologia americana desde 1898.
 
O estudo (de grupo) “nomotético” de crimes e criminosos resulta em conhecimentos sobre as
características de grupos de ofensores, algo que não é apenas útil, mas também necessário quando se
tenta definir grupos, resolver problemas relacionados com grupos ou gerar teorias iniciais sobre questões
em casos específicos baseadas nas primeiras impressões. O principal objetivo da investigação
nomotética de profiling criminal é acumular características gerais, típicas, comuns, ou médias de
grupos de ofensores (p. ex., violadores, homicidas, raptores ou criminosos presos). Isto significa
que os perfis nomotéticos são abstratos, ou seja, não representam um perpetrador que existe no mundo
real. Representam níveis variáveis de teoria e possibilidade com base no estudo de um agregado de
elementos semelhantes. Infelizmente, os profilers nomotéticos (p. ex., estatísticos, académicos e
praticantes que se baseiam na sua experiência) aplicam frequentemente o conhecimento nomotético de
crimes e criminosos em interpretações de casos individuais como se fossem, de alguma forma,
conclusivos e relevantes, quando o mais frequente é registar-se o contrário.
                                                            
1
 Tradução em português disponível no site da editora: www.pactor.pt. 
2
 As secções deste capítulo foram adaptadas ou extraídas de Turvey (2011). 


 
Exemplo nomotético: 80% de todas as vítimas de homicídio são do sexo masculino; portanto, o
perpetrador no caso de homicídio atual deverá ser do sexo masculino. Esta probabilidade estatística pode
confirmar-se em algumas jurisdições, mas também pode ser falsa no caso atual. Assumir a fiabilidade
desta inferência nomotética no início de qualquer processo de profiling não é recomendável, mas é uma
prática comum entre muitos profilers. Se for aplicada num caso real, pode eliminar a investigação de
possíveis suspeitos do sexo feminino.

 
O estudo idiográfico de crimes e criminosos é concreto, pois examina as características conhecidas de
perpetradores individuais específicos. Um dos principais objetivos do profiling criminal idiográfico
consiste em examinar um caso (ou uma série de casos relacionados) e em determinar as
características particulares do(s) ofensor(es) específico(s) responsável(eis) por um crime
específico. Por outras palavras, não é preditivo: procura estabelecer o perfil de um criminoso real que
existe no mundo e não uma média estatística ou um estereótipo.

 
 
Exemplo idiográfico: O corpo de uma vítima de homicídio é encontrado numa área florestal remota, à
beira de uma estrada de terra batida, com marcas recentes de pneus até à sua localização. Portanto, o
perpetrador tem ou teve acesso ao veículo associado às marcas de pneus encontradas. Esta não é uma
predição baseada em investigações de crimes ou ofensores semelhantes, é uma inferência factual com
base nas provas comportamentais associadas ao caso específico.

Provas comportamentais 
 
Quer se use um método que envolva médias estatísticas, experiência ou uma análise das provas do caso,
a fundamentação de qualquer trabalho de profiling encontra-se nas provas comportamentais. Tanto os
investigadores como os analistas precisam de saber precisamente o que aconteceu, com um certo nível
objetivo de fiabilidade, para poderem classificar as ofensas, elaborar inferências sobre as características
do perpetrador, ou agrupá-las e compará-las com outros casos potencialmente semelhantes. Não
conseguir estabelecer com precisão o que aconteceu num dado caso, ou apenas assumir a ocorrência
dos eventos com base em testemunhos não confirmados, torna qualquer perfil subsequente irrelevante e
potencialmente irresponsável.
 
Por exemplo, um determinado caso foi referido nos dados de investigação ou num relatório policial como
violação/homicídio. A primeira questão a analisar é se tal foi estabelecido de forma fiável. Se sim, como?
Quais são as provas de violação? Quais são as provas de homicídio? Ou será simplesmente uma
classificação feita com base em assunções, inferências erróneas ou informações incompletas?

É nesta fase que uma compreensão das provas comportamentais se torna essencial. Por prova
comportamental entende-se qualquer prova física, documental ou testemunhal que ajude a estabelecer
se, quando ou como uma ação foi realizada (Turvey, 2011). As provas comportamentais são
estabelecidas de forma mais fiável por cientistas forenses que executam a tarefa da reconstrução de
crimes. A reconstrução do crime é a determinação científica das ações e dos eventos relacionados
com a realização de um crime. Esta é executada quando se utilizam as declarações de
testemunhas, a confissão de um suspeito, a declaração de uma vítima viva, juntamente com a
análise e interpretação das provas físicas (Chisum & Turvey, 2011). Este processo vai estabelecer
aquilo que o perpetrador fez com a vítima, quando o fez, em que locais e com que meios. Também vai
revelar as inconsistências entre as provas físicas e quaisquer declarações prestadas.

Conforme explicado em Turvey (2011), qualquer forma de prova física também pode ser considerada
prova comportamental, dependendo das circunstâncias. Pegadas e impressões de calçado podem indicar
a presença (em pé, a andar ou a correr) e a direção. Os padrões das manchas de sangue podem indicar
a presença, o ferimento, o contacto ou o movimento e a direção. As impressões digitais podem indicar a
presença, o contacto e a utilização de um objeto. O sémen e o esperma podem indicar a presença, o
contacto, o comportamento sexual e a ejaculação. Os ferimentos podem indicar o tipo de arma, a
presença, o contacto, a quantidade de força e mesmo a intenção. Os padrões de constrição podem
indicar o estrangulamento, a imobilização e a resistência. Os testes toxicológicos podem indicar a


 
presença de drogas, álcool ou toxinas no organismo da vítima ou do perpetrador, os quais também têm
um impacto na cognição, discernimento, estado mental e saúde, sendo fatores que influenciam o
comportamento. As fotografias e filmagens provenientes da comunicação social, câmaras de segurança,
telemóveis, câmaras digitais e máquinas de filmar em funcionamento no decorrer de um evento podem
providenciar uma documentação limitada, mas específica, de provas comportamentais. Para serem úteis,
as provas comportamentais devem ser examinadas e consideradas como um todo, de forma direcionada
e propositada, para atingirem resultados significativos. Não podem ser avaliadas de forma inconsistente,
sem um foco, ou com base apenas nas opiniões subjetivas da experiência.
 
 
Análise de Provas Comportamentais (APC) 
 
A APC (em inglês, Behavioral Evidence Analysis – BEA) é um método idiográfico de análise de cenas
de crime e de profiling criminal. Envolve a análise e interpretação de provas físicas, vitimologia forense e
características da cena do crime. Para o propósito do profiling criminal, os resultados destas análises
individuais podem ser analisados, a fim de se identificarem padrões e grupos comportamentais que
sugiram características de ofensores que tenham relevância investigativa ou forense. A APC é
idiográfica, uma vez que se dedica ao estudo dos aspetos de casos e ofensores individuais através
da análise forense e não de grupos de casos semelhantes e ofensores presumivelmente
semelhantes. As inferências e conclusões providenciadas não são teorias ou previsões disfarçadas.
Baseiam-se em pensamento crítico, método científico e lógica analítica.

As conclusões da APC são o resultado da mais completa compreensão dos eventos relacionados com a
realização de um crime. Uma análise APC de uma cena do crime ou de um perfil criminal não vai ser
conclusiva, a não ser que existam provas para a sustentar. Em vez de depender de estatísticas médias
(inexistentes/abstratas) de perpetradores, os profilers APC realizam uma análise detalhada de uma cena
e dos comportamentos relacionados para determinar quais as características evidenciadas. Esta
abordagem requer mais trabalho, mais estudos e maior humildade do que os métodos alternativos de
profiling.

Em termos gerais, a informação utilizada para desenvolver um perfil APC é recolhida a partir, no mínimo,
das seguintes análises individuais: análise forense, vitimologia forense e análise da cena do crime.
 
A análise forense, no geral, é o primeiro passo da APC e refere-se à análise, teste e interpretação de
toda e qualquer prova física disponível. Deve ser realizada uma análise forense detalhada nas provas
físicas para estabelecer as provas comportamentais correspondentes num caso, antes de se poder tentar
estabelecer um perfil APC. Não se pode criar um perfil APC com base em conjeturas não comprovadas
ou palpites “disfarçados” de factos. Até se conhecerem os resultados da análise forense, este é o único
tipo de informação disponível ao profiler. É necessária uma análise forense profunda para estabelecer a
importância e limite das provas físicas existentes. Esta exigência garante a integridade do comportamento
e das características subsequentes da cena do crime que vão ser analisadas pelo profiler criminal.

A vitimologia forense é o estudo científico “…de vítimas de crimes violentos com o objetivo de abordar
questões investigativas e forenses” (Petherick & Turvey, 2009). Envolve a descrição precisa, crítica e
objetiva do estilo de vida e das circunstâncias de uma vítima, os acontecimentos que levaram a um
ferimento e a natureza precisa de qualquer lesão ou perda sofridas. Estabelecer as características das
vítimas de eleição de um determinado perpetrador pode levar a inferências sobre fantasias, motivos, modi
operandi, conhecimentos e técnicas.
 
A análise da cena do crime (também conhecida por análise do crime) é o processo analítico de
interpretação das características específicas de um crime e das cenas de crime relacionadas. As
características potenciais da cena do crime que devem ser estabelecidas, ou pelo menos consideradas,
incluem, entre muitas outras, o método de abordagem, o método de controlo, o tipo de localização, a
natureza e sequência dos atos sexuais, os materiais utilizados, as provas de conhecimentos ou
planeamento, qualquer atividade verbal, os atos de precaução, os atos contraditórios, o modus operandi,
o comportamento característico e a quantidade de tempo gasta na realização do crime.

As características da cena do crime são interpretadas a partir de uma análise integrada das provas
comportamentais e da vitimologia aceites. Uma vez que dependem das provas e nem sempre estão
disponíveis provas completas, nem todas as características da cena do crime podem ser estabelecidas
em todos os casos. Isso poderá limitar quaisquer descobertas subsequentes e, em alguns casos, até
impedir esforços significativos de profiling.


 
Criar um perfil criminal a partir dos padrões evidenciados nas provas forenses, na vitimologia e nas
características da cena do crime resume-se a fazer as perguntas certas acerca que motivou a ofensa.
Primeiro, há que operacionalizar, ou definir, a característica (p. ex., um comportamento sádico). De
seguida, estabelecer qual o tipo de comportamento de ofensa que dá provas dessa característica e sob
que circunstâncias (p. ex., provas de gratificação sexual por parte do ofensor a partir do sofrimento da
vítima). Se a reconstrução do crime incluir esses comportamentos e circunstâncias, o profiler criminal tem
um bom argumento para evidenciar essa característica.

Considere um caso de homicídio sexual de uma criança de 12 anos, em 1991, que foi pedido ao autor
deste capítulo, em 2000, para analisar após a condenação do suspeito (Queen v. Graham Stafford).

Uma das questões levantadas foi a prova de agressão sexual e se isto sugeria necessariamente um único
atacante do sexo masculino. O relatório elaborado forneceu os seguintes elementos:
 
Sexo: As assunções investigativas até à data deste caso incluíram aparentemente as teorias
preconcebidas (tratadas como factos) de que apenas existiu um perpetrador envolvido neste crime e que
o mesmo deveria ser do sexo masculino. A primeira parte desta assunção pode não estar correta.
Existem provas de dois tipos diferentes de pegadas no solo perto do corpo. A segunda parte desta
assunção, apesar de se tratar de uma hipótese interessante, não pode ser totalmente apoiada nem ser
completamente comprovada pelas provas físicas do caso, dependendo da consideração de duas
questões:

■■ Não existem provas fiáveis de agressão sexual. Mesmo que o ferimento anal fosse associado a uma
penetração por parte do perpetrador (o qual não foi estabelecido), não consistiria numa prova
definitiva de um agressor do sexo masculino;

■■ A raiva e a força motivada por castigo evidenciadas neste caso têm a mesma probabilidade de ser
tanto da autoria de uma agressora do sexo feminino como de um agressor do sexo masculino.
Adicionalmente, ao considerarem estes factos e a idade da vítima, os investigadores deveriam
trabalhar vigorosamente para excluir todos os suspeitos com o direito de custódia da criança.
 
 
A condenação de Graham Stafford foi revogada pelo tribunal de apelação em novembro de 2009, devido
a novas provas de ADN no caso e à admissão de um testemunho forense erróneo no seu primeiro
julgamento por parte de um perito do governo em ADN. Stafford foi subsequentemente absolvido e,
devido à enorme quantidade de provas da sua inocência, desenvolvidas pela sua equipa de defesa3, não
foi exigido um novo julgamento.
 
 
Conclusão 
 
O profiling criminal, para ser considerado relevante e preciso, deve basear-se em provas
comportamentais estabelecidas de forma fiável. Tal só pode ser conseguido se se evitarem assunções
erróneas e informações incompletas na classificação do comportamento do ofensor, ou se se deduzirem
as características do ofensor a partir das mesmas. Isto requer provas comportamentais reconstruídas de
forma fidedigna e vontade de compreender e reconhecer as suas limitações.
 
 
 
 
 
 
                                                            
3
 A equipa de defesa teve como membros o Dr. Paul Wilson e o investigador Graeme Crowley, que publicaram uma revisão do caso, na
qual se incluíram as descobertas do autor deste capítulo (Crowley & Wilson, 2005). 


 
Referências 
 
Chisum, W., & Turvey, B. (2011). Crime reconstruction (2nd Ed.). San Diego: Elsevier Science.
Crowley, G., & Wilson, P. (2005). Who killed Leanne? An investigation into a murder and miscarriage of
justice. Gold Coast, Austrália: Zeus Publications.
Hurlburt, R., & Knapp, T.J. (2006). Munsterberg in 1898, not Allport in 1937, introduced the terms
“Idiographic” and “Nomothetic” to American Psychology. Theory and Psychology, 16 (2), 287-293.
Petherick, W., & Turvey, B. (2009). Forensic victimology. San Diego: Elsevier Science.
Turvey, B. (2011). Criminal profiling: An Introduction to behavioral evidence analysis (4ª Ed.). San Diego:
Elsevier Science.


 

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