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A Inserção de Estagiários de Psicologia Policial em uma Delegacia Especializada

Autores: Lucas Nobrega, Claudia Gerlach, Helen de Oliveira, Paula Bortoluci, Adriano Beiras

Palavras-Chave: Psicologia Policial, Delegacia Especializada, Violência.

As Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI), de acordo


com as orientações das delegacias especializadas em Brasil (2010), integram a estrutura da Polícia Civil
objetivando preconizar ações de prevenção, investigação e apuração de fatos acerca de processos de
violência dos nichos supracitados. De acordo com Ritiofis (2004), os serviços de polícia foram criados
para ampliar o acesso ao sistema de justiça a causas antes consideradas da ordem privada, possibilitando
reduzir a impunidade. Dentre as diversas ações realizadas pelas delegacias, estão o registro de Boletim
de Ocorrência, realização da investigação dos crimes e a solicitação ao juiz das medidas protetivas de
urgência nos casos de violência doméstica e familiar contras as mulheres (BRASIL, 2012).
Realizar essa análise contribui para que os estudos em Psicologia entendam melhor o processo
de violência - enquanto processo multicausal - e seus atravessamentos. O olhar ampliado sobre esse tema
torna-se fundamental, de forma que a ciência psicológica não naturalize a violência, superando a relação
dicotômica de vítima e agressor e contribuindo com um viés sistêmico ao fenômeno.
A partir de uma parceria da Universidade Federal de Santa Catarina com a Secretaria de
Segurança Pública do Estado de Santa Catarina, houve a inserção de estagiários de Psicologia nas
Delegacias de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso (DPCAMI) da Grande
Florianópolis. Busca-se identificar e debater quais as atuações possíveis em Psicologia na delegacia
especializada.
Em relação ao método, trata-se de um estudo descritivo-exploratório, sendo utilizado para coletas
de dados o diário de campo, cujo instrumento de investigação social foi a observação participante; com
vistoria no local de trabalho, análise de documentos policiais e intervenções nos atendimentos,
objetivando analisar os processos e práticas de trabalho em psicologia policial.
Atualmente, duas psicólogas policiais são responsáveis pelas demandas no território. Seus
atendimentos ocorrem a partir do momento em que recebem um despacho da delegada para dirimir
possíveis dúvidas dos componentes psicológicos acerca dos fatos registrados no Boletim de Ocorrência
(B.O.) ou em denúncias de suposta violação de direitos.
Como resultados das observações e intervenções realizadas durante o período de estágio, os
estudantes se depararam com diversas atividades, como: acolhimento, atendimento e orientação às
supostas-vítimas de violência, explanando acerca de seus direitos legais e inteirando-se de sua situação
enquanto suposta vítima de violência; articular encaminhamentos e visitas em pontos da rede de atenção
do município, como unidades básicas de saúde, serviços de assistência jurídica e psicológica, instituições
de assistência social, a fim de haver um trabalho mais integrado entre a delegacia e esses locais; produzir
de relatórios psicológicos provenientes dos atendimentos de crianças e adolescentes supostamente
vítimas de violência; e efetuar estudos de caso.
Em meio ao ambiente da delegacia, pode-se ter contato com outros profissionais, que auxiliam
no andamento do processo investigativo: escrivães de polícia, responsáveis por realizar oitivas - escuta
qualificada por meio da tomada de declarações, depoimentos ou interrogatórios dos envolvidos no Bo-
letim de Ocorrência - e pela realização de medida protetiva para supostas-vítimas de violência doméstica;
agentes de polícia, responsáveis por efetivar os B.O.s, realizar plantões de atendimento e atividades de
ordem investigativa; e delegadas de polícia, autoridades máximas da delegacia, responsáveis por realizar
os despachos relacionados aos B.O.s dentro da delegacia, instaurar inquéritos policiais e elaborar um
relatório deste inquérito - que corresponde ao procedimento policial resultante do processo de investi-
gação realizado por todos os profissionais da delegacia.
Discute-se que as práticas em psicologia policial na delegacia especializada em análise
relacionam-se com ações que promovam cidadania a fim de potencializar processos emancipatórios dos
sujeitos. O papel do profissional de Psicologia orienta-se pela perspectiva de trabalho a partir de políticas
públicas e articulação com as redes de proteção visando a garantia de direitos. A partir do momento que
se coloca de forma crítica ao enfrentamento das vulnerabilidades, o profissional de Psicologia promove
uma autonomia maior dos sujeitos, assim como sua afirmação de direitos (COUTO; YAZBEK;
RAICHELIS, 2012).
A construção de alternativas que articulam as políticas públicas com as demandas dos
movimentos sociais - como a Lei Maria da Penha e o movimento feminista - devem enfrentar concepções
ultrapassadas de direitos humanos e segurança pública, rompendo com diversas formas de opressão. O
psicólogo policial realiza intervenções que criam e fortalecem estratégias de enfrentamento à violência
de forma que se problematize as violências em suas diferentes formas de manifestação, estimulando a
disseminação de condutas não-violentas de resolução de conflitos (MANSUR; MACHADO, 2014).
O processo de produção de violência possui diversas facetas para os envolvidos nesse processo.
Em meio a sua complexidade, verifica-se como imprescindível a atuação de uma equipe multidisciplinar,
a fim de ampliar o olhar sobre os impactos da violência em seus cotidianos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Justiça. Normas Técnicas de Padronização das Delegacias Especializadas de


Atendimento às Mulheres - DEAMs. Brasília, DF, 2010.

BRASIL. Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM. O que é Delegacia Especializada no


Atendimento à Mulher (DEAM), 2012. Disponível em: http://www.spm.gov.br/arquivos-
diversos/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/violencia/o-que-e-delegacia-especializada-no-
atendimento-a-mulher-deam.

COUTO, B.R.; YAZBEK, M.C.; RAICHELIS, R. A Política Nacional de Assistência Social e o SUAS:
apresentando e problematizando fundamentos e conceitos. 3.ed, São Paulo: Cortez, 2012.

MANSUR, T. S.; MACHADO, L. A. D. Problematizando a noção de 'vítima' de violência. Psicologia &


Sociedade (Online), v.26, p.183-192, 2014.

RITIOFIS, T. As delegacias especiais de proteção à mulher no Brasil e a “judicialização” dos conflitos


conjugais. Sociedade e Estado, Brasília, 19 (1) 85-119, 2004.

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