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A (DES)NECESSIDADE DE ATUAÇÃO DA POLÍCIA CIVIL NA APURAÇÃO DOS

CRIMES CONTRA A HONRA.

Francislaine Rosa Chagas Francisco Nerling1


Rodrigo Bueno Gusso2
André Luiz Bermudez Pereira3

Resumo: Sabe-se que as Delegacias de Polícia registram, diariamente, significativo número


de ocorrências relativas aos crimes contra honra, cujos procedimentos são de ação penal
privada e somente se processam mediante queixa crime. Em se tratando de crimes contra a
honra, nos quais o interesse da vítima (particular), sobrepõe-se ao interesse da coletividade,
questiona-se, num primeiro plano, a necessidade de atuação do Direito Penal, levando-se em
consideração os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal, pois que,
inclusive, o Direito Civil prevê sanções específicas para autores das referidas condutas. Em
segundo plano, questiona-se a necessidade de atuação da Polícia Civil para apuração dos
crimes contra a honra, visto que a finalidade precípua deste órgão de segurança pública é a
investigação criminal. O artigo, elaborado sob o método indutivo, situa o estudo na análise
das características dos crimes contra a honra, excetuando-se aqueles praticados no contexto de
violência doméstica e familiar contra a mulher. Serão abordados os aspectos da ação penal
pública e da ação penal privada, da persecução penal, os princípios da fragmentariedade e
subsidiariedade do Direito Penal, além de ser realizada uma pesquisa de campo para
levantamento de dados referentes aos registros de ocorrência de crimes contra a honra na

1 Pós-Graduanda em Gestão de Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada e Docente pela Academia de Polícia
Civil do Estado de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI-SC. Agente de
Polícia Civil nível III do Estado de Santa Catarina, atualmente exerce suas funções na Delegacia de Polícia de Município
de Balneário Barra do Sul. E-mail: fran.pcsc2017@gmail.com
2 Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal; Doutor em Sociologia pela Universidade

Federal do Paraná, UFPR, temática de pesquisa:controle social, crime e punição. Mestre em Direito pela Universidade do
Vale do Itajaí-SC, UNIVALI-SC. Especialista em Segurança Pública pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul, PUC-RS. Especialista em Direito pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná, EMAP-PR. Delegado
de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, atualmente exerce suas funções na Comarca de Joinville-SC. Professor
titular da Academia da Polícia Civil - SC. Professor de cursos de graduação, pós-graduação e formação de policiais civis,
militares, guardas municipais e agentes penitenciários. E-mail: gusso@pc.sc.gov.br
3 Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI-SC. Especialista em Ciências Criminais pela

UNIDERP. Docente pela Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina. Gerente de Pesquisa e Extensão da
Academia de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pelotas.
Delegado de Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, atualmente exerce suas funções na Academia de Polícia Civil –
SC. E-mail: andreluizbermudez@gmail.com
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Delegacia de Polícia Civil da Comarca de Araquari-SC no ano de 2018. Isso porque, se o


Direito Civil dispõe de sanção cujo caráter é retributivo, preventivo e reeducativo, a atuação
do Direito Penal nos crimes contra a honra revela-se desnecessária. Além do mais, ainda que
haja a aplicação do Direito Penal, se, na ocasião do registro de tais crimes, a vítima já dispõe
de todas as informações necessárias para a deflagração da competente ação penal, a atuação
da polícia civil para que se opere a investigação criminal, também aparenta ser prescindível.

Palavras chave: Direito Penal. Crimes contra a honra. Polícia Civil.

Introdução
O presente artigo busca analisar a necessidade de atuação da Polícia Civil na
apuração dos crimes contra a honra para o fim de confirmar se essa atuação é dispensável,
diante do considerável número de registros de ocorrência noticiando a prática de tais crimes.
Busca-se analisar tão somente aqueles crimes praticados fora do contexto de violência
doméstica e familiar contra a mulher, dada a especificidade da Lei Maria da Penha.
Considerando a limitação da pesquisa, tratar-se-á tão somente dos pontos mais
relevantes sobre os crimes de ação penal privada, notadamente, os crimes contra a honra,
avaliando-se particularidades acerca da persecução penal, da atuação da Polícia Civil e dos
princípios da fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal. Tal estudo se faz
necessário tendo em vista que as notícias da prática dos crimes contra a honra representam
significativa parcela dos registros efetivados anualmente nas Delegacias de Polícia Civil, de
modo a envidar recursos materiais e humanos da Administração Pública que, muitas vezes,
sequer repercutem em alguma sanção.
Num primeiro momento, justificar-se-á a razão pela qual a presente pesquisa não
pretende investigar a prática dos crimes contra a honra no âmbitos das relações domésticas.
Posteriormente, tratar-se-á de questões relacionadas ao direito público e ao direito
privado, examinando-se, na sequência, a persecução penal.
Adiante, verificar-se-á as concepções referentes aos crimes de ação penal privada
e os crimes contra a honra.
Em seguida, serão analisados aspectos dos princípios da fragmentariedade e
subsidiariedade do Direito Penal e, por fim, proceder-se-á ao levantamento de dados
referentes à ocorrências dos crimes contra a honra na Delegacia de Polícia Civil de Araquari-
SC, no ano de 2018.
Para apresentação do conteúdo supracitado, utilizar-se-á o método indutivo.
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1 Os crimes contra a honra praticados sob a égide da Lei 11.340/06

O objeto da presente pesquisa é investigar a necessidade ou não de atuação da


Polícia Civil na ocorrência dos crimes contra honra. Ocorre que, tais tipos penais são muito
frequentes no âmbito das relações domésticas, entretanto, o foco do presente trabalho
científico não está atrelado a tais situações.
Isto porque, não se deve deixar de considerar a especificidade da Lei Maria da
Penha, que abrange qualquer ação ou omissão que cause violência doméstica e familiar contra
a mulher. Dada a especificidade da Lei Maria da Penha, inclusive, não se aplicam as benesses
da Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais) aos crimes praticados com violência contra a
mulher no âmbito das relações domésticas e familiares, seja violência física, violência
psicológica ou violência moral (STREK, 2011). Como violência física, por exemplo, cita-se o
crime de lesão corporal, como violência psicológica, o crime de ameaça e como violência
moral, o crime de injúria (SCARDUELI, 2015a).
Segundo Scardueli (2015a, p. 299-300):
Geralmente, a violência praticada pelos parceiros íntimos é parte de um padrão
repetitivo de tentativa de controle e dominação da mulher, que pode se caracterizar
por agressões físicas na forma de tapas, socos, chutes, tentativas de estrangulamento,
queimaduras, além de destruição de objetos pessoais e ameaças de agressão física a
ela, aos filhos e a outros membros da família; abusos psicológicos como
humilhação, menosprezo e intimidação; comportamento de controle como vigilância
de suas ações, restrição da liberdade de ir e vir, isolamento da família e amigos; e
ainda, coerção sexual. (sem grifo no original).

Dentre as condutas descritas, estão os crimes de ação penal privada,


especificamente, os crimes contra a honra que são objetos da presente pesquisa, destacando-se
a violência moral. Porém, não é o objetivo da presente pesquisa, desconstruir todo o marco
histórico da Lei Maria da Penha, pois até a sua promulgação, houve inúmeras discussões e
debates frutos de movimentos feministas que iniciaram na década de setenta, promovendo
ações políticas que alteraram as legislações relativas às mulheres entre os anos de 1980 e
2006, quando a Lei Maria da Penha foi aprovada (SCARDUELI, 2015b).
Superada a questão, passa-se a analisar os aspectos relativos aos crimes contra a
honra fora do âmbito doméstico.

2 Do direito penal e a persecução penal


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A Polícia Civil, como órgão da Segurança Pública subordinado ao Governo do


Estado, possui como precípua função a investigação criminal. Para compreender essa função,
antes de analisar a conceituação e as características do crime, faz-se necessário analisar os
conceitos de direito público e de direito privado.
Segundo Gusmão (2018), o direito público é visto desde os romanos como aquele
que salvaguarda o que é público, de interesse público, em que o Estado é o titular obrigatório
da relação. No direito penal, o qual é reconhecido como de direito público, o Estado possui o
poder dever de punir.
Para Reale (2002), se prevalece o interesse geral, é reconhecido o direito de
subordinação, ou, direito público. Já se prevalece o interesse particular, reconhecido o direito
de coordenação, trata-se de direito privado. Assim, o Direito Penal, por tratar-se de direito
público, visa tutelar os bens essenciais a toda a sociedade, há um predomínio do interesse
geral. Por outro lado, há o Direito Civil, que organiza as regras de conduta na sociedade nas
relações entre particulares, a título individual, vinculando-se, portanto, ao direito privado.
Em se tratando de Direito Penal, cumpre trazer à baila o ensinamento de Cunha
(2016, p. 31-32):
O Direito Penal possui três aspectos:
(A) sob o aspecto formal ou estático, Direito Penal é um conjunto de normas que
qualifica certos comportamentos humanos como infrações penais (crime ou
contravenção), define os seus agentes e fixa as sanções (pena ou medida de
segurança) a serem-lhes aplicadas.
(B) sob o aspecto material o Direito Penal refere-se a comportamentos
considerados altamente reprováveis ou danosos ao organismo social, afetando bens
jurídicos indispensáveis à sua própria conservação e progresso (nesse sentido, Luiz
Régis Prado).
(C) sob o aspecto sociológico ou dinâmico, o Direito· Penal é mais um
instrumento de controle social de comportamentos desviados (ao lado dos outros
ramos, como Constitucional, Civil, Administrativo. Comercial, Tributário,
Processual, etc.), visando assegurar a necessária disciplina social, bem como a
convivência harmônica dos membros do grupo.

A aplicação das penas no Direito Penal é orientada por princípios e valores que
também auxiliam na interpretação da norma (BITENCOURT, 2018).
Para Picazo (1973 apud BONAVIDES, 2004, p. 256), princípios são: “[...]
verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever ser, na
qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade.”
Sobre o crime, necessário faz-se analisá-lo sob três aspectos. No aspecto formal, é
crime toda conduta tipificada, isto é, descrita na lei penal, para a qual há previsão de pena de
reclusão ou detenção. No aspecto material, é crime toda ação humana que incorre em lesão
ou perigo de lesão a um bem jurídico tutelado, sujeita a pena. Já o conceito analítico do crime,
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analisa a estrutura da ação humana para que, em conjunto, seja considerada a sua existência,
configurando-se crime apenas aquele fato que seja típico, antijurídico e penalmente culpável.
A infração penal ainda é subdividida em crime e contravenção penal, distinção de natureza
valorativa, ou seja, as condutas mais graves são chamadas de crimes, enquanto as menos
lesivas, chamadas contravenções (CUNHA, 2016).
A Polícia Civil, por sua vez, tem importante papel na persecução penal,
notadamente, na fase pré processual, na investigação criminal, que é instrumentalizada por
meio do inquérito policial. Sua atribuição é prevista no artigo 144, inciso IV, C/C §4º da
Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988):
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos,
é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos:
[...]
IV - polícias civis;
[...]
§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem,
ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares.

A atuação da polícia deduz a persecução penal, que tem início com a ocorrência
de crimes.
Para Pereira, A. (2018, p. 21), o conceito de persecução criminal está atrelado ao:
procedimento pelo qual o Estado exerce o jus puniend em face à transgressão na
esfera penal, seguindo um rito predefinido por lei e em respeito aos direitos e
garantias individuais do devido processo legal. Em outra análise, serve como
controle social na concepção da criminologia crítica [...].

A persecução penal opera-se em duas fases distintas, sendo a primeira fase, a


reunião de informações acerca da autoria e da materialidade do delito, consubstanciadas por
meio do inquérito policial, com a finalidade de justificar a segunda fase, que se opera por
meio da deflagração da ação penal, ou, ainda, que fundamentará a exclusão da
responsabilidade penal (PEREIRA, A., 2018).
A primeira fase da persecução penal demanda a investigação, a qual é operada
pela Polícia Judiciária, denominada, Polícia Civil. Assim, o Delegado de Polícia, reúne, por
meio do inquérito policial, elementos de informação afetos à autoria e à materialidade
delitiva, colhidos através de procedimentos investigatórios, irrompendo a precípua função da
Polícia Judiciária, qual seja a investigação criminal, que repercute, diretamente, na defesa da
segurança pública (PEREIRA, A., 2018).
Insta salientar que, quando da prática de uma infração penal, o Estado, é imbuído
do poder-dever de apurar a infração e a autoria por meio de procedimento formal e escrito,
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denominado inquérito, o qual é realizado pela Polícia Judiciária. Assim, o inquérito reúne
todas as “diligências necessárias para o descobrimento dos fatos criminosos, de suas
circunstâncias e de seus autores e cúmplices, devendo ser reduzido a instrumento escrito”,
segundo esclarecido por Daura (2011, p. 108).
Para Hoffmann (2018, p. 29), o inquérito policial:
consiste no processo administrativo apuratório levado a efeito pela polícia judiciária,
sob a presidência do delegado de polícia natural; em que se busca a produção de
elementos informativos e probatórios acerca da materialidade e autoria da infração
penal, admitindo que o investigado tenha ciência dos atos investigativos após a sua
conclusão e se defenda da imputação; indispensável para evitar acusações
infundadas, servindo como filtro processual; e que tem a finalidade de buscar a
verdade, amparando a acusação ao fornecer substrato mínimo para a ação penal ou
auxiliando a própria defesa ao documentar elementos em favor do investigado que
possibilitem o arquivamento, sempre resguardando direitos fundamentais dos
envolvidos.

Encerrada a fase pré-processual e, após a fase judicial, todo esse processo poderá
incorrer na inocência ou na condenação do investigado, com a aplicação das sanções previstas
na legislação penal. A legislação penal prevê, de antemão, penas privativas de liberdade, que
poderão ou não se concretizar com a condenação. E, afinal, a quem interessa a pena?
Cunha (2016) afirma que, mesmo diante de diversas teorias acerca da pena, não há
no Brasil um posicionamento sobre qual delas é adotada, entretanto, entende-se que sua
necessidade atende a três funções, possuindo caráter retributivo, preventivo e reeducativo.
E quem detém o poder de penalizar é o Estado. Por meio da pena, o Estado
assegura que as normas impostas por ele mesmo serão cumpridas, conforme o que se
depreende do conceito de Direito Penal Subjetivo (CUNHA, 2016).

3 Os crimes contra a honra e os princípios da fragmentariedade e subsidiariedade do


Direito Penal

Constatada a finalidade da pena, passa-se a abordar, dentre os crimes de ação


penal privada, os crimes contra a honra, principal objeto de investigação da presente pesquisa.
Os crimes previstos na legislação penal podem ser de ação penal pública
condicionada, ação penal pública incondicionada e de ação penal privada.
Conforme já visto, a ação penal privada é aquela taxativamente prevista pela
legislação penal, que atribui à vítima a titularidade da ação, a qual deve intentá-la no prazo
legal, sob pena de perda do direito de ação. O meio pelo qual a vítima expressa seu intento em
processar o autor, é a queixa crime. Segundo Bitencourt (2018), nos casos de ação penal
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privada, o interesse do ofendido é superior ao da coletividade. Ainda assim, na sua concepção,


mesmo a ação penal privada é, na verdade, pública, porque administrada pelo Estado através
da sua função jurisdicional, enquanto o particular possui tão somente a legitimidade para dar
início a ação penal, obedecendo os ditames do devido processo legal, que também possui
natureza pública. Com a condenação e a execução da pena, exaure-se o interesse de agir do
particular, tendo em vista que tais institutos pertencem tão somente ao Estado
(BITENCOURT, 2018).
Segundo Lima (2017, p. 139): “certos crimes atentam contra interesses tão
próprios da vítima que o próprio Estado transfere a ela ou ao seu representante legal a
legitimidade para ingressar em juízo.”
Ainda, para Lima (2017), nos casos de crimes de ação penal privada, o inquérito
policial só pode ser instaurado pela autoridade policial, mediante a manifestação da vítima ou
do representante legal, todavia, havendo tal manifestação, surge a obrigatoriedade da abertura
do procedimento, devendo ser determinadas as diligências para apuração dos fatos.
Concluído o inquérito, este é remetido ao Poder Judiciário, onde deverá
permanecer em cartório, no aguardo da manifestação da vítima (LIMA, 2017).
Cumpre salientar que à vítima é facultada a iniciativa da ação, mediante o
oferecimento da queixa-crime, assim como possui a faculdade de dispor do próprio processo
em andamento por meio dos institutos do perdão, perempção ou pela conciliação, conforme
artigo 30 do Código de Processo Penal, por força dos princípios da oportunidade ou
conveniência da ação penal de iniciativa privada e da disponibilidade da ação penal de
iniciativa privada (LIMA, 2017).
No que se refere, especificamente, aos crimes contra a honra, a respectiva sanção
parece ser mais de interesse particular que de interesse geral. Nos crimes de ação penal
privada, portanto, o destino do autor interessa à vítima, contudo, ainda assim, pouco lhe
interessa a pena. O que a vítima normalmente busca num processo criminal de ação penal
privada não é a condenação à pena privativa de liberdade que, inclusive, tem uma chance
mínima, senão inexistente, de ocorrer, já que as penas previstas para tais crimes são amenas.
O que a vítima possivelmente anseia ao intentar a competente ação penal, é uma sanção que
possua o caráter retributivo, reeducativo e preventivo. Aparentemente, a legislação civil,
notadamente nas ocorrências dos fatos lesivos à honra, atende a tal expectativa, prevendo
sanção própria.
Quando da ocorrência de injúria, calúnia ou difamação, o artigo 953 do Código
Civil prevê reparação do dano ao ofendido, o qual se revela não só por eventual prejuízo
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material, mas também, o prejuízo moral subjetivo (autoestima) ou objetivo (repercussão social
da honra) (TARTUCE, 2018).
Como exemplos de reparação de dano moral decorrente de fatos lesivos à honra,
de repercussão nacional, Tartuce (2018, p. 294) cita:
Também do ano de 2017 merecem destaque dois acórdãos da Terceira Turma do
Superior Tribunal de Justiça, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi e com grande
repercussão nacional, que reconheceram a presença de danos morais presumidos ou
in re ipsa. As decisões estão publicadas no Informativo n. 609 da Corte, do mês de
setembro daquele ano. Os casos podem ser confrontados para o devido estudo,
inclusive com a análise do quantum debeatur. O primeiro deles diz respeito à
conduta da cantora Rita Lee que, em um show no Estado de Sergipe, ofendeu um
grupo de policiais militares. Conforme a tese fixada no julgado, “as ofensas
generalizadas proferidas por artista a policiais militares que realizavam a segurança
ostensiva durante show musical implicam dano moral in re ipsa, indenizável a cada
um dos agentes públicos”. Em complemento, como consta da ementa do julgado, “o
dano, na hipótese, exsurge da própria injúria proferida, pois a vulneração ao
sentimento de autoestima do ofendido, que já seria suficiente para gerar o dano
moral compensável, é suplantado, na hipótese específica, pela percepção que os
impropérios proferidos, atingiriam um homem médio em sua honra subjetiva, fato
suficiente para demonstrar a existência de dano, na hipótese,
in re ipsa” (STJ, REsp 1.677.524/SE, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j.
03.08.2017, DJe 10.08.2017). Cada um dos policiais militares foi indenizado em R$
5.000,00.

Segundo o primeiro exemplo, a cantoria Rita Lee teria injuriado os policiais


militares em exercício durante um show, tendo sido, então, condenada a indenizá-los pelos
danos morais causados. O segundo exemplo, refere-se à atitude do atual presidente da
república Jair Bolsonaro que, quando deputado, disse à deputada Maria do Rosário, perante a
imprensa, que ela não merecia ser estuprada, sendo condenado a indenizá-la na importância
de R$10.000,00 (dez mil reais), conforme fundamentação do STJ (2017 apud TARTUCE,
2018, p. 294):
A hipótese dos autos, a ofensa perpetrada pelo recorrente, segundo a qual a recorrida
não ‘mereceria’ ser vítima de estupro, em razão de seus dotes físicos e intelectual,
não guarda nenhuma relação com o mandato legislativo do recorrente. Considerando
que a ofensa foi veiculada em imprensa e na Internet, a localização do recorrente, no
recinto da Câmara dos Deputados, é elemento meramente acidental, que não atrai a
aplicação da imunidade. Ocorrência de danos morais nas hipóteses em que há
violação da cláusula geral de tutela da pessoa humana, seja causando-lhe um
prejuízo material, seja violando direito extrapatrimonial, seja praticando em relação
à sua dignidade qualquer ‘mal evidente’ ou ‘perturbação’. Ao afirmar que a
recorrida não ‘mereceria’ ser estuprada, atribui-se ao crime a qualidade de prêmio,
de benefício à vítima, em total arrepio do que prevê o ordenamento jurídico em
vigor. Ao mesmo tempo, reduz a pessoa da recorrida à mera coisa, objeto, que se
submete à avaliação do ofensor se presta ou não à satisfação de sua lascívia violenta.
O ‘não merece ser estuprada’ constitui uma expressão vil que menospreza de modo
atroz a dignidade de qualquer mulher (STJ, REsp 1.642.310/DF, 3.ª Turma, Rel.
Min. Nancy Andrighi, j. 15.08.2017, DJe 18.08.2017).

Conforme visto nos respectivos exemplos, o dano moral compreende a ofensa a


um direito extrapatrimonial, referente à dor, à vergonha, e a outros sentimentos decorrentes de
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uma dolorosa sensação experimentada pela vítima, para o qual é prevista a indenização pelo
Código Civil (PEREIRA, C.; TEPEDINO, 2018).
Independentemente da área, o Direito, por meio dos seus mecanismos, prevê a
manutenção da paz social, prevenindo conflito através das normas de convivência na
sociedade (CUNHA, 2016).
Assim, se o Direito Civil é capaz de atribuir uma sanção que, ao tempo em que
fornece uma resposta efetiva à vítima, apresenta funções retributiva, reeducativa e preventiva,
indaga-se, qual a necessidade da aplicação do Direito Penal nos crimes contra a honra?
Para esclarecer a necessidade da aplicação do Direito Penal nos crimes contra a
honra, é salutar compreender que os direitos fundamentais, decorrentes do Estado
Democrático de Direito, salvaguardam a especialidade do Direito Penal, o qual só intervirá
nos casos em que haja expressiva ofensa concreta a bens jurídicos tutelados, naqueles casos
graves, em que outros ramos do direito não são capazes de propiciar a resposta esperada. Esse
é o caráter fragmentário do Direito Penal (GOMES, 2002).
Neste sentido, orienta o princípio da intervenção mínima que, a atuação do Direito
Penal só se justifica acaso outros meios de controle social forem insuficientes para a tutela do
bem jurídico tutelado. (BITENCOURT, 2004 apud CUNHA, 2016). Desta feita, os crimes
que decorrem tão somente do campo da ordem moral tampouco deveriam integrar o sistema
penal, assim como os crimes de bagatela (FRAGOSO, 1958 apud CUNHA, 2016).
Roxin (2006, p. 12) propõe a descriminalização para o ajuste da lícita aplicação do
Direito Penal, operando-se a exclusão daquelas infrações previstas na legislação penal e que
não tem relação com a preservação da paz social. Assim, sugere:
[...] Existem, principalmente, três alternativas para a pena criminal. A primeira
consiste em pretensões de indenização de direito civil, que, especialmente em
violações de contrato, bastam para regular os prejuízos. A segunda alternativa são
medidas de direito público, que podem comumente garantir mais segurança que o
direito penal em casos, p. ex., de eventos e atividades perigosas: controles,
determinações de segurança, revogações de autorizações e permissões, proibições e
mesmo fechamento de empresas. A terceira possibilidade de descriminalização está
em atribuir ações de lesividade social relativamente reduzida a um direito de
contravenções especial, que preveja sanções pecuniárias ao invés da pena. Foi este o
caminho seguido pelo direito penal alemão nas últimas décadas, ao transformar, p.
ex., a provocação de barulho perturbador do sossego ou a perturbação da
generalidade através de ações grosseiramente inadequadas de crime em contra-
ordenações (§§ 117, 118, Lei de Contra-ordenações — Ordnungswidrigkeitsgesetz).

Todos esses ensinamentos, portanto, sugerem que a atuação do Direito Penal é


excepcional, revelando-se como a última opção do ordenamento jurídico, só devendo ser
provocado quando não houver alternativas para a manutenção da ordem social. Ressalta-se
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que, o Estado, ao se posicionar como Estado Democrático de Direito, não somente tem o
poder de exigir a integridade dos direitos fundamentais, mas tem o dever de, por si mesmo,
prezar por tais garantias, dentre elas, a liberdade, que é um dos bens juridicamente tutelados
mais relevantes. Se a liberdade é um dos bens mais relevantes a ser protegido pelo
ordenamento jurídico, a privação dessa liberdade é extremamente lesiva e só não será
arbitrária se pautada na extrema necessidade, na excepcionalidade, diante da ineficácia de
outros meios.
Então, qual a justificativa plausível para a existência dos crimes de ação penal
privada e, por conseguinte, os crimes contra a honra?
Pacelli (2018) ensina que não se pode fundamentar a existência deste tipo de ação
apenas no suposto interesse individual da vítima em razão da natureza da infração, sendo
inaceitável qualquer figura típica que assegure a integridade de bens jurídicos que não sejam
de relevância para a coletividade. Pacelli (2018, p. 127-128) ainda frisa que:
[...] em relação ao escândalo do processo, há outros complicadores, como o perdão
oferecido pelo querelante (autor da ação privada), mesmo depois de já instaurada a
ação privada, isto é, mesmo depois de já divulgada a existência do fato. Do mesmo
modo, é o que ocorre com a perempção, ou perda do direito de prosseguir na ação já
instaurada, em razão da inércia ou negligência processual do autor. Assim como
ocorre em relação ao perdão (desde que aceito este pelo réu) é também causa
extintiva da punibilidade, conforme o disposto no art. 107, IV e V, do CP. Em
ambas as situações, o fato delituoso já teria sido divulgado, fazendo-se presente,
portanto, o temido strepitus iudicii.

Desta feita, a única razão para a existência da ação penal privada aparenta ser a
preservação do interesse não penal do titular da ação e, se o interesse não é penal, demonstra-
se a desnecessidade de intervenção do Direito Penal. Aparentemente, de igual sorte, portanto,
não se mostra necessária a atuação da Polícia Civil nos crimes contra a honra.
Ocorre que, para cada evento criminoso que se torna reincidente na sociedade,
acompanhado do clamor público, com ampla propagação da mídia, surge uma alternativa
legislativa incriminando essa ou aquela conduta como forma de apaziguação social. Dentre
alguns exemplos, é o que se observa da criação da lei de crimes hediondos, Lei 8.072/90, que
sucedeu ao sequestro do empresário Abílio dos Santos Diniz em 11/12/1989, na cidade de São
Paulo, da alteração da mesma lei, por advento da Lei 8.930/94, que sucedeu a morte da atriz
Daniella Perez, da alteração, ainda, da lei de crimes hediondos, com o advento da Lei
9.695/98, após a repercussão das “pílulas de farinha”, da Lei 11.464/07, que tornou mais
rígida a progressão de regime nos crimes hediondos, após a morte do menino João Hélio em
07/02/2007, no Rio de Janeiro, assim como da promulgação da Lei 12.737/12 denominada Lei
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Carolina Dieckmann, após a divulgação dos arquivos contendo fotos íntimas da atriz na
internet (MONTEIRO, 2015).
Essa expansão da legislação penal que surge como cura para a problemática da
criminalidade, mesmo quando revelada por pequenas condutas, é denominada por Gusso
(2013) como cultura do medo e atropelo legislativo penal. Neste diapasão, a insegurança, o
medo de que o perigo está em todo lugar, absorvido pelos anseios alheios, levam a imediata
exigência de uma postura social, com a intenção de reprimir até mesmo a violência abstrata.
Esse temor geral, ao impulsionar a tipificação de condutas sem qualquer embasamento
científico, mas apenas para saciar o anseio social, acaba por levar à maior sensação de
impunidade, quando se constata que a lei não passa de norma escrita desprovida de
efetividade, pois, por si só, é incapaz de reduzir o fenômeno da criminalidade. O que, então,
apresentava-se como cura para a problemática da criminalidade, assemelha-se, na verdade, a
um placebo, pois a eficácia do controle da violência está mais para a criação e implementação
de políticas públicas que para a produção desenfreada de tipos penais incriminadores.
Neste sentido, os crimes contra a honra destoam do caráter fragmentário e especial
do Direito Penal, prevendo punições arregimentadas por um direito penal simbólico. Cumpre
destacar que é inviável punir desmedidamente toda e qualquer conduta, devendo o Direito
Penal atuar apenas diante das condutas mais lesivas e essenciais ao convívio em sociedade,
devendo a intervenção penal ser a mínima necessária (MACHADO, L. 2017).

4 Os crimes contra a honra na prática da Delegacia de Polícia Civil de Araquari/SC no


ano de 2018.

Araquari é uma cidade localizada na mesorregião norte do Estado de Santa


Catarina e microrregião de Joinville, sendo municípios limítrofes as cidades de Balneário
Barra do Sul, Barra Velha, Guaramirim, Joinville, Massaranduba, São Francisco do Sul e São
João do Itaperiú. Colonizada principalmente por imigrantes açorianos entre os anos de 1748 a
1756, teve sua iniciação como integrante ao município de São Francisco do Sul até ser
desmembrada em 1854. Posteriormente, no ano de 1923, tornou a compreender o território da
cidade de São Francisco do Sul, mas no ano de 1925, recebeu novamente a categoria de
cidade. Possui um território de 384,172 km² e sua população estimada no ano de 2018 era de
36.710 habitantes (CONHEÇA, entre 2018 e 2019).
A cidade conta com apenas uma Delegacia de Polícia Civil e optou-se por analisar
os registros sobre os crimes contra a honra da respectiva unidade policial em razão de ser
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possibilitado o acesso ao Sistema Integrado da Segurança Pública, sendo possível apurar os


registros de forma quantitativa.
Conforme, portanto, consulta realizada no SISP (Sistema Integrado de Segurança
Pública) utilizado pela Polícia Civil no Estado de Santa Catarina, no ano de 2018, há na
unidade da Delegacia de Polícia da Comarca de Araquari-SC, quarenta e oito (48) registros
com a menção da prática do crime de injúria (Art. 140 Código Penal), dezoito (18) registros
com a menção da prática do crime de difamação (Art. 139 do Código Penal) e trinta e cinco
(35) registros com a menção da prática do crime de calúnia (Art. 138 do Código Penal),
totalizando, assim, cento e um (101) registros de ocorrência de crimes contra a honra.
Dos mencionados registros, restaram instaurados o total de sete (07) inquéritos
policiais, os quais possuem vinculação com a Lei 11.340/06 (Maria da Penha). Também
foram instaurados o total de quatorze (14) termos circunstanciados. Destes, apenas quatro (04)
procedimentos não apuram outros crimes de ação penal pública.
Constatou-se que, em vinte e cinco (25) registros, há manifestação expressa das
vítimas acerca do desinteresse em promover a ação penal. Nos demais que não estão
vinculados a qualquer procedimento, as vítimas deixaram transcorrer in albis o prazo para
oferta de queixa/representação.
Verificou-se que, dos quatorze (14) procedimentos instaurados sem vinculação
com a Lei Maria da Penha, doze (12) foram concluídos e remetidos ao Fórum competente,
porém, até o mês de outubro deste ano de 2019, apenas dois (02) desses procedimentos foram
efetivamente cadastrados pelo Poder Judiciário, conforme consulta realizada no site do
Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. No primeiro, há oferta de transação penal
referente ao crime de ameaça e pedido de extinção promovido pelo Ministério Público em
razão da ausência de queixa referente ao crime do art. 139 do Código Penal. O outro
procedimento também restou arquivado por falta de queixa crime referente ao crime do artigo
140 do Código Penal.
No ano de 2019, precisamente, a partir do mês de abril, a unidade policial de
Araquari/SC, passou a ser gerida pelo Delegado de Polícia Tiago Gonçalves Escudero. Desde
então, boletins de ocorrência dessa natureza passaram a ser arquivados, mediante portaria
fundamentada da autoridade policial, conforme a seguir:
PORTARIA 01/DP459-460/19 - DELEGACIA DE POLÍCIA DA COMARCA
DE ARAQUARI E DELEGACIA DE POLÍCIA DE MUNÍCIPIO – DPMU DE
BARRA DO SUL

Regulamenta os despachos da Autoridade Policial nos boletins de ocorrência que


noticiam crimes contra honra e dano simples apurados mediante ação pena privada
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ocorridos na circunscrição territorial da Delegacia de Polícia da Comarca de


Araquari e Delegacia de Polícia de Munícipio – DPMU de Barra do Sul, e dá
outras providências.

A POLÍCIA CIVIL DO ESTADO DE SANTA CATARINA, por seu do Delegado


de Polícia lotado na Delegacia de Polícia da Comarca de Araquari e Delegacia de
Polícia de Munícipio – DPMU de Barra do Sul, TIAGO GONÇALVES
ESCUDERO, no exercício das atribuições legais e,
Considerando a grande demanda de boletins de ocorrência que noticiam a
ocorrência de crimes contra honra (art. 138, 139 e 140 do Código Penal) e dano
simples (Art. 163 do Código Penal), apurados mediante ação penal privada;
Considerando que quase na totalidade dos registros as vítimas já possuem a versão
dos fatos, a identidade do autor, o teor das ofensas ou do dano e as formas de
comprová-los, tornando desnecessária a movimentação da máquina policial para
apuração dos fatos;
Considerando que o inquérito policial é peça informativa e dispensável ao
oferecimento da queixa-crime;
Considerando que os crimes contra honra e o de dano simples se processam
mediante ação penal privada, exigindo que a vítima ingresse com queixa-crime por
meio de advogado/defensor público, que poderá requerer eventuais diligências que
entendam necessárias ao esclarecimento da causa, nos termos da Lei 8.906/94;
Considerando que as providências iniciais nesses casos são semelhantes
independente do contexto fático em que ocorreram;
Considerando que há um grande desperdício de tempo da Autoridade Policial
lotada nestas unidades policiais para proferir despachos idênticos em diversos
boletins de ocorrência,

RESOLVE:

Disciplinar os despachos a serem adotados nos boletins de ocorrência que noticiam


crimes contra honra e dano simples apurados mediante ação penal privada, nos
seguintes termos:

Art. 1º A recepção, ao confeccionar os boletins de ocorrência que narram,


isoladamente, crimes contra honra (calúnia, injúria, difamação) e dano simples será
responsável por orientar o comunicante sobre como proceder após o registro.
§1º- O crime previsto no art. 140 §3º (injúria racial) é de ação pública condicionada
a representação, devendo o comunicante ser informado acerca do prazo decadencial
de 6 meses para oferecê-la
§2º- O boletim de ocorrência deverá ser confeccionado e, ao final do relato, constará
o seguinte texto para orientar o comunicante: "O comunicante fica ciente de que o
crime contra honra e/ou do crime de dano narrado é processado mediante ação
pena privada e que deverá constituir advogado ou procurar a defensoria pública
para ingressar com a queixa-crime, utilizando o presente boletim de ocorrência,
vez que o inquérito ou outro procedimento policial é peça informativa e
dispensável a sua propositura. Diante dos elementos apresentados, não há
necessidade de outras diligências, devendo o contraditório ser realizado no
perante o juízo, portanto, não será instaurado procedimento policial, ressalvado o
disposto no art. 5º §2º do Código de Processo Penal."
§3º- A oitiva do comunicante já constará do boletim de ocorrência confeccionado no
atendimento policial;
Art. 2º- Nas ocorrências em que o crime contra honra ou dano for praticado em
concurso com outro crime ou contravenção, o comunicante deverá ser orientado
quanto ao crime contra honra, e o boletim remetido à autoridade policial para
despacho;
Art.3º- Formalizado o boletim de ocorrência e ciente o comunicante do
indeferimento de instauração de procedimento policial, os documentos serão
arquivados.
14

Art.4º- Havendo dúvida, no momento do registro, quanto à tipificação ou


procedimento a ser adotado, o boletim de ocorrência deverá ser remetido para
despacho pela Autoridade Policial.
Art.5º- A autoridade Policial poderá não adotar a presente portaria, caso em que
deverá despachar os boletins de ocorrência antes de devolvê-los à secretaria.
Art.6º - A secretaria ficará responsável por inserir no campo providência do Sistema
Integrado de Segurança Pública – SISP o seguinte texto: “Arquivado conforme teor
da Portaria 01/DP459-460/19

Art.7º - Esta portaria entra em vigor no dia 26 de abril de 2019 (destaques no


original) (ESCUDERO, 2019).

Conforme verificado, a fundamentação da autoridade policial para a promoção do


arquivamento dos registros referentes aos crimes contra a honra, não está pautada na
intervenção mínima do Direito Penal, mas no fato de que, nos respectivos crimes,
normalmente, a vítima, já no ato do registro, possui todas as informações necessárias para a
deflagração da ação penal, tornando-se desnecessária a procedência da investigação criminal,
atividade fim da polícia civil.
Assim, no ano de 2019, não há procedimentos policiais instaurados na Delegacia
de Polícia da Comarca de Araquari-SC, a partir de registros que narram, isoladamente, os
crimes contra a honra.
O argumento demonstrado pela autoridade policial reforça a hipótese de que a
atuação da Polícia Civil na ocorrência de crimes contra honra é desnecessária.
Primeiro, porque, diante do que foi apurado na presente pesquisa, os crimes contra
honra sequer deveriam compor o sistema penal, pois, no campo de atuação do direito civil,
parece haver resposta efetiva à vítima. Segundo, porque, nesse sentido, a atuação da Polícia
Civil, cuja finalidade específica é a investigação criminal, só deveria ser operada nos casos
em que houvesse pendência de informações necessárias à deflagração da ação penal, o que
não aparenta ser o caso dos crimes contra a honra, quando essas informações já são de
conhecimento da vítima na oportunidade do registro. Por fim, porque, da maioria dos
registros, poucas vítimas intentam a competente queixa crime no prazo legal e, quando isso
ocorre, dificilmente resulta em punição, tornando banal todo o empenho operado pela polícia
na apuração dos respectivos fatos.

Considerações finais

As Delegacias de Polícia Civil registram, anualmente, considerável número de


ocorrências relacionadas a crimes contra a honra e apenas pequena parcela desses registros
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iniciarão procedimentos investigatórios que, ainda assim, repercutem em um ínfimo número


de ações penais, quando intentadas. E, mesmo na existência de ação penal, considerando a
causas de extinção de punibilidade ou, ainda, até diante da própria condenação, é pouco
provável que se resulte em pena, tendo em vista a natureza das penas previstas para esses
crimes.
E, mesmo que não haja posterior penalização diante de uma notícia crime, a partir
do registro e da manifestação expressa da vítima no sentido de intentar a competente ação
penal, emprega-se recursos públicos materiais e humanos para o fim de possibilitar a apuração
dos fatos, encaminhando-se o respectivo procedimento ao Poder Judiciário.
Considerando esses aspectos, surge o questionamento acerca da necessidade de
atuação da Polícia Civil para apuração de fatos puramente lesivos à honra.
A reunião de elementos colhidos a partir da investigação criminal é
instrumentalizada pelo inquérito policial, que possibilitará o esclarecimento dos fatos
criminosos, suas circunstâncias, autores e cúmplices, revelando indícios mínimos acerca da
materialidade e da autoria da infração penal.
Conforme constatado, a legislação penal atribui à vítima a titularidade da ação nos
crimes de ação penal privada, que deve ser intentada no prazo legal, por meio da queixa
crime, sob pena de perda do direito de ação. Nesses casos, há posição doutrinária no sentido
de que o interesse do ofendido é superior ao da coletividade.
O que a vítima normalmente busca num processo criminal de ação penal privada
não é a condenação à pena privativa de liberdade, mas uma sanção que possua o caráter
retributivo, reeducativo e preventivo e, nesse sentido, a legisla civil prevê sanção própria.
O artigo 953 do Código Civil prevê reparação do dano ao ofendido não só por
eventual prejuízo material, mas também, pelo prejuízo moral subjetivo (autoestima) ou
objetivo (repercussão social da honra).
Em contrapartida, o Direito Penal só deve intervir nos casos em que haja
expressiva ofensa concreta a bens jurídicos tutelados, considerados graves, em que outros
ramos do direito não são capazes de propiciar a resposta esperada, revelando-se a ideia de
fragmentariedade e subsidiariedade do Direito Penal.
Se considerarmos, portanto, que o Direito Civil propicia o controle social
adequado para a tutela da honra, os crimes que decorrem tão somente do campo da ordem
moral não deveriam sequer integrar o sistema penal, porquanto, inclusive, trata-se de bem
jurídico de relevância para o particular e não para a coletividade. Neste sentido, a previsão de
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punições para os crimes de ação penal privada pela legislação penal, revela-se puramente
simbólica.
Com o fim de constatar a efetividade e a necessidade de atuação da Polícia Civil
na ocorrência dos crimes contra a honra, realizou-se levantamento de dados referentes a
registros de tais crimes, redigidos no ano de 2018, na unidade da Delegacia de Polícia Civil da
Comarca de Araquari-SC, constatando-se a existência de cento e um (101) registros.
Todavia, do total desses registros, apenas quatorze (14) incorreram na instauração
de termos circunstanciados, dos quais, doze (12) foram concluídos e remetidos ao Fórum
competente. Desses, apenas dois (02) procedimentos foram efetivamente cadastrados pelo
Poder Judiciário e, em ambos, não houve a oferta de queixa crime no prazo legal.
A partir do ano de 2019, na Delegacia de Polícia Civil de Araquari-SC, os
registros efetivados, isoladamente, pela ocorrência de crimes contra a honra, passaram a ser
arquivados por determinação da autoridade policial, com o fundamento de que, na maioria dos
casos, as vítimas já possuem a versão dos fatos, a identidade do autor, o teor das ofensas ou
do dano e as formas de comprová-los, tornando desnecessária a atuação da Polícia Civil para
a apuração dos fatos.
Destarte, conclui-se pela desnecessidade de atuação da Polícia Civil para apuração
dos crimes contra a honra.

THE NEED FOR THE CIVIL POLICE TO ACT UNNECESSARILY IN THE


INVESTIGATION OF CRIMES AGAINST HONOUR.

Abstract: It is known that the Police Stations register, daily, a significant number of
occurrences related to crimes against honor, whose procedures are of private criminal action
and are only processed through criminal complaint. In the case of crimes against honor, in
which the interest of the victim (private) overlaps with the interest of the community, the need
for criminal law action is questioned in the first place, taking into consideration the principles
of fragmentation and subsidiarity of criminal law, since civil law also provides for specific
sanctions for perpetrators of such conduct. In the background, the need for action of the Civil
Police to investigate crimes against honor is questioned, since the main purpose of this public
security body is the criminal investigation. The article, prepared under the inductive method,
places the study in the analysis of the characteristics of crimes against honor, except those
committed in the context of domestic and family violence against women. The aspects of
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public criminal action and private criminal action, criminal prosecution, the principles of
fragmentarity and subsidiarity of criminal law will be addressed, in addition to conducting a
field survey to collect data on the occurrence of crimes against honor in the Civil Police
Station of the District of Araquari-SC in the year 2018. This is because, if Civil Law has a
sanction whose character is retributive, preventive and re-educative, the performance of
Criminal Law in crimes against honor is unnecessary. In addition, even if criminal law is
applied, if at the time of recording such crimes the victim already has all the necessary
information for the initiation of the relevant criminal action, the action of the civil police to
conduct the criminal investigation also seems to be dispensable.

Keywords: Criminal Law. Crimes against honor. Civil Police.

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