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A INDISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL COMO REGRA GERAL

DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO: UMA ANÁLISE QUANTITATIVA EM


SANTA CATARINA1

Eduardo Bozzelo dos Santos2


Leonardo Marcondes Machado3
Maria Aparecida Casagrande4

Resumo: O artigo busca refletir sobre a tradicional conceituação de inquérito policial,


principalmente quando classifica este instituto do direito processual penal como sendo
dispensável. Na atividade policial e judiciária nota-se que a principal fonte de instauração de
ações penais são os inquéritos policiais, porém, há carência de comprovação científica
quantitativa para que uma nova corrente de modernização da conceituação de inquérito
policial ganhe força e tenha substrato numérico para atualizar o conceito, mostrando que o
inquérito policial é, em regra, indispensável, e a sua dispensabilidade seria apenas em situação
excepcional, de modo a dar o real valor ao procedimento policial. Utilizando-se de pesquisa
bibliográfica e, principalmente, pesquisa quantitativa, tendo como ferramenta a coleta de
dados de ações penais instauradas no Tribunal de Justiça em todo Estado de Santa Catarina no
período dos primeiros nove meses do ano de 2019. Concluiu-se que em quase 98% das vezes
o inquérito policial é a fonte das ações penais, comprovando que a regra geral do início das
ações penais é a indispensabilidade do inquérito policial, devendo existir latente urgência na
atualização conceitual do instituto do inquérito policial.

Palavras-chave: Indispensabilidade. Inquérito policial. Análise Quantitativa.

1
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Gestão da
Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina –
ACADEPOL-IES.
2
Especialista em Segurança Pública e Atividade Policial. Agente de Polícia Civil em Santa Catarina. Discente
do curso de Especialização em Gestão da Segurança Pública e Investigação Aplicada da Academia da Polícia
Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-IES. E-mail: eduardo-bozzelo@pc.sc.gov.br.
3
Doutorando e Mestre em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Docente do curso de
Especialização em Gestão da Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia
Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-IES. Orientador da pesquisa. E-mail:
leonardomachado@pc.sc.gov.br.
4
Mestra em Educação, Docente do curso de Especialização em Gestão da Segurança Pública e Investigação
Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-IES. Coorientadora da
pesquisa. E-mail: cidamaria.pcsc@gmail.com.
2

1 Introdução

O Direito Processual Penal é o ramo do direito público que reúne as regras legais e
princípios que regem a atuação estatal visando a resolução de casos que tenham interesse
penal. E, para este acertamento do caso penal, o Código de Processo Penal, logo a partir do
seu quarto artigo, já apresenta o principal instrumento que será utilizado para dar início à
persecução penal: Inquérito Policial.
Este importante instituto processual penal muitas vezes é tratado de forma
subestimada na doutrina jurídica, poucas linhas são dedicadas a sua explicação e
pormenorização, sendo que a sua conceituação é baseada tão somente em suas características
principais.
Sabe-se que um instituto – não somente jurídico – só é conceituado adequadamente
quando retrata a sua generalidade, nada deve ser conceituado pela sua exceção, e é neste
ponto que este trabalho encontra importância, buscando a regra geral pela realidade das ações
penais, e realizando um apontamento numérico para a discussão científica sobre a atualização
da conceituação de inquérito policial.
Apesar de ainda existirem poucos estudos técnicos que comprovem que, por exemplo,
o inquérito policial é, em regra, indispensável para propositura da ação penal, na prática
policial e judicial isso pode ser visto. O autor deste trabalho atua há mais de 04 (quatro) anos
como Agente de Polícia na Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, já tendo atuado como
advogado neste mesmo estado, e também estagiário no Poder Judiciário, e a experiência nas
diferentes áreas citadas sempre indicou que a importância do inquérito policial e a
incongruência na sua atual conceituação, instigando a realizar um aprofundamento desta
matéria.
Frise-se que o ponto de partida deste trabalho foi uma palestra proferida pelo professor
Henrique Hoffmann Monteiro de Castro no ano de 2019, em ocasião de aula magna de
abertura deste curso de pós-graduação da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina.
Tomando por base o artigo escrito pelo palestrante e intitulado: Inquérito policial tem sido
conceituado de forma equivocada5, que se tornou a principal referência para este trabalho.

5
Henrique Hoffmann Monteiro de Castro discute a temática amplamente em sites jurídicos. Disponível em <
https://www.conjur.com.br/2017-fev-21/academia-policia-inquerito-policial-sido-conceituado-forma-
equivocada> Acesso em 05 dez. de 2020.
3

Em pesquisas em sites acadêmicos tendo como palavra-chave a indispensabilidade do


inquérito policial, observei que há raros estudos técnicos que comprovem que o inquérito
policial é, em regra, indispensável para propositura da ação penal.
A partir da carência de trabalhos nesta área, o estudo demonstrou por meio de pesquisa
quantitativa, tendo como ferramenta a coleta de dados em órgãos do Poder Judiciário em toda
abrangência jurisdicional do Estado de Santa Catarina no período dos três primeiros trimestres
do ano de 2019, qual é a definição mais adequada de inquérito policial.
Cabe aqui mencionar que, como objetivo do estudo, a coleta desses dados e sua análise
proporcionou uma reflexão sobre a necessidade (ou não) de modernização da conceituação do
Inquérito Policial e suas características, e isto serve não somente para retratar a realidade da
rotina penal, como também para dar o real valor ao inquérito policial, pois é ele quem dá
andamento à persecução penal.

1.1 Inquérito policial

O inquérito policial é o conjunto de atos praticados pela Polícia Judiciária com a


finalidade de angariar elementos informativos e probatórios para o início (ou não) do processo
penal. Obviamente, a conceituação trazida neste início de trabalho é sucinta, porém de forma
intencional, visto que se procurou apenas delinear brevemente o que é o inquérito policial e o
seu objetivo geral, pois as suas características são o principal objeto deste estudo, e, portanto,
não será conceituado extensamente neste momento para que não seja simplificado o debate.
Porém, também é necessário trazer em tela a conceituação que a doutrina faz sobre o
inquérito policial, e conforme a conceituação de Guilherme de Souza Nucci:
Trata-se de um procedimento preparatório da ação penal, de caráter administrativo,
conduzido pela polícia judiciária e voltado à colheita preliminar de provas para
apurar a prática de uma infração penal e sua autoria. Seu objetivo precípuo é a
formação da convicção do representante do Ministério Público, mas também a
colheita de provas urgentes, que podem desaparecer, após o cometimento do crime,
bem como a composição das indispensáveis provas pré-constituídas que servem de
base à vítima, em determinados casos, para a propositura da ação privada. (NUCCI,
2016, p. 45)

Nestor Távora também conceitua inquérito policial, e pode-se notar que desde este
momento de conceituação de inquérito policial não são notadas maiores discussões nesta
seara:
O inquérito policial é um procedimento administrativo preliminar, presidido pela
autoridade policial, que tem por objetivo a apuração da autoria, da materialidade
(existência) da infração e das circunstâncias da infração (art. 2°, § 1° da Lei nº
4

12.830/013), e a sua finalidade é contribuir na formação do convencimento (opinião


delitiva) do titular da ação penal, que em regra é o Ministério Público, e
excepcionalmente, a vítima (querelante). O art. 144 da CF define a atribuição da
polícia judiciária, seja ela federal ou estadual. (TÁVORA, 2016, p. 29)

O inquérito policial, assim como os mais importantes instrumentos do Direito, deve ter
sua conceituação explicada, atualizada e sendo evoluída a cada edição das literaturas
jurídicas, porém, como será visto no desenvolvimento do trabalho, apresenta-se uma forma
estática de conceituar e de demonstrar as suas características.
O inquérito policial normalmente não é tão contemplado com estudos específicos
como outros instrumentos, e, normalmente, o capítulo referente ao inquérito policial em
doutrinas é pequeno e repetitivo, sem trazer inovações, questionamentos ou maiores reflexões
sobre a conceituação e estudo de características que já são tradicionalmente descritas na
literatura.
Portanto, a reflexão levantada neste trabalho é sobre abordar as conceituações e
características tradicionais dadas pela literatura sobre o inquérito policial, principalmente no
quesito “dispensabilidade”, e requestioná-las, repensá-las, analisar se estas características
ainda correspondem à realidade, ou se merecem reconhecer alguma eventual evolução que
possa ter existido e coletar as novas interpretações e análises de autores que buscam retratar
estas novas explanações de institutos até então inalterados.

1.2 Metodologia da pesquisa

Para realização desse trabalho, utilizei a pesquisa bibliográfica, e, principalmente,


coletei dados quantitativos a partir da resposta de solicitação de informações à Corregedoria-
Geral de Justiça Poder Judiciário do Estado de Santa Catarina, análise destes dados
quantitativos buscando substratos oficiais para delinear uma adequada conceituação a este
importante instituto jurídico e confrontação com as pesquisas bibliográficas levantadas.
Trata-se de pesquisa descritiva, utilizando-se da coleta de dados para análise
quantitativa, de modo a confirmar ou afastar a hipótese inicial.
A importância da pesquisa empírica quantitativa é bem delineada por Fábio Rauen
(2015, p. 231):
(...) uma pesquisa quantitativa, de forma exclusiva ou prevalente, consiste em algum
nível de tradução sistemática de características intrínsecas de fatos ou fenômenos a
serem investigados em variáveis numéricas. Estas variáveis numéricas caracterizam-
se pela mensuração, contagem e tratamento por procedimentos estatísticos
descritivos e inferenciais. Em essência, em pesquisas quantitativas, o pesquisador
5

quantifica aspectos do que encontra empiricamente, trata-os matematicamente e


retira suas conclusões das propriedades emergentes destes cálculos (RAUEN, 2015,
p. 231)
Com base no exposto acima, demonstra-se que a metodologia escolhida e percorrida
durante o percurso da pesquisa, está em consonância com os objetivos deste estudo.
No percurso metodológico inicial, a intenção era levantar os dados referentes ao Poder
Judiciário das cinco Comarcas que formam a área da 19ª Delegacia Regional de Polícia6 para
fornecimento de: a) quantidade total de ações penais em 2019 e 2020; b) quantidade de ações
penais iniciadas por inquérito policial no mesmo período; c) quantidade de ações penais
iniciadas sem inquérito policial no mesmo período, tanto pelo Ministério Público, como pelo
ofendido.
Após o recebimento das respostas das Comarcas, viu-se que os analistas e técnicos não
estavam conseguindo obter estes dados em razão de alteração do sistema recentemente, e
aconselharam o contato com a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Santa Catarina, por
possuir o Núcleo de Monitoramento de Perfis e Demandas (NUMOPEDE), que seria
responsável pelo tratamento de dados estatísticos dentro do Poder Judiciário.
Foram realizados inúmeros contatos com o NUMOPEDE, e foi percebida a
complexidade da pesquisa, com o apoio de diversos profissionais do núcleo, foi possível
receber tabelas que mostravam os processos penais dos sistemas SAJ e EPROC7 em todo o
âmbito judicial do estado de Santa Catarina, porém, houve necessidade de aplicação de alguns
filtros para que pudéssemos chegar a um número que expressasse com o necessário grau de
fidedignidade para ser apresentado neste artigo científico.
Inicialmente, em conversas com a diretoria do NUMOPEDE, achou-se mais crível e
realista a filtragem apenas pelos processos iniciados no SAJ, visto que processos judiciais
iniciados pelo SAJ poderiam ser duplicados após a migração para o EPROC, elevando o grau
de incongruências que poderiam ser geradas. Portanto, o primeiro filtro foi selecionar apenas
os processos do SAJ, ou seja, apenas os processos de janeiro até setembro de 2019, quando o

6
A 19ª Delegacia Regional de Polícia é constituída por quinze municípios do extremo sul do estado de Santa
Catarina, conhecida como região da AMESC, sendo eles Araranguá, Maracajá, Balneário Arroio do Silva,
Sombrio, Balneário Gaivota, Meleiro, Morro Grande, Turvo, Timbé do Sul, Ermo, Jacinto Machado, Praia
Grande, Santa Rosa do Sul, São João do Sul, e Passo de Torres. Sendo a 19ª DRP a área policial em que atuo
como Agente de Polícia, mais precisamente na cidade de Timbé do Sul/SC.
7
SAJ e EPROC são os sistemas utilizados pelo Poder Judiciário para a prática judicial, é onde os processos
estão inseridos e podem ser consultados, peticionados e movimentados. SAJ significa Sistema de Automação
da Justiça, e EPROC é o novo sistema implementado recentemente em substituição ao SAJ.
6

EPROC ainda não estava ativo na seara criminal, reduzindo assim maiores possiblidades de
inconsistências.
Após esta filtragem, também notou-se que a planilha trazia uma série de informações
de ações penais que não são condizentes com a pesquisa e que deformariam a realidade, pois,
ao analisar detidamente as centenas de milhares de dados recebidos, foi visto que haviam
processos sem interesse a este trabalho e que são considerados ações penais, por exemplo:
Apelação Criminal, Arresto/Hipoteca, Carta Precatória, Habeas Corpus, Inquérito Policial
Militar, Petição Criminal, Relaxamento de Prisão, entre outros.
Portanto, como forma de trazer maior grau de pureza a este trabalho, foi realizado
novo filtro, de forma a manter na planilha somente os dados que pudéssemos afirmar acerca
de sua origem. Com o apoio e sugestões do NUMOPEDE, mantivemos as classes iniciais que
seguem: 1) Ação Penal (Procedimento Ordinário), de código 283; 2) Ação Penal
(Procedimento Sumário), de código 10943; 3) Auto de Prisão em Flagrante, de código 280;
4) Inquérito Policial, de código 279; 5) Procedimento Investigatório Criminal (PIC-MP), de
código 1733; e 6) Representação Criminal / Notícia de Crime, de código 272. As demais
classes não tinham interesse neste artigo (Habeas Corpus, Carta Precatória...), ou não tinham
como ter sua origem classificada (Petição Criminal, Processo Criminal, Crimes de Calúnia,
Difamação e Injúria). Sobre este último caso – que não tem sua origem classificada -
apontamos que pode ser originado de um cadastro equivocado, e que, cite-se, a quantidade
destes processos é pequena e não interfere de modo significativo na amostragem coletada.
Com a inserção dos filtros apontados, denotou-se que podemos afirmar: os códigos
283, 10943 e 1733 pertencem à iniciativa do Ministério Público; os códigos 280 e 279
pertencem à iniciativa da Polícia Civil; o código 272 pertence à iniciativa do ofendido.
Somou-se a quantidade de 24.030 ações penais afetas a esta pesquisa, sendo
distribuídas no âmbito das comarcas de jurisdição do Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina até o terceiro trimestre de 2019.

2 Contemporânea conceituação de inquérito policial

Para iniciar a análise e propor uma possível atualização conceitual e de características


do inquérito policial, é de suma importância analisar como é atualmente a classificação
utilizada por autores da área.
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Nesta pesquisa, e na totalidade deste trabalho, foi utilizada pesquisa bibliográfica, em


consultas de doutrinas e de legislações, e indica-se, desde então, a leitura das obras citadas
neste trabalho, que podem ser facilmente identificadas no campo de referências.
A conceituação clássica encontrada na doutrina tradicional trata o inquérito policial
como: 1) procedimento administrativo; 2) informativo; 3) inquisitivo; 4) discricionário; 5)
escrito; 6) sigiloso; 7) indisponível; 8) dispensável; 9) obrigatório.
Como forma de explicar as características citadas, será sintetizada a explicação de
cada um dos itens citados.

2.1 Procedimento administrativo

A classificação de inquérito policial diz-se procedimento administrativo, pois,


resumidamente, para ser processo jurídico necessita-se de contraditório pleno e ampla defesa.
E é nesta toada que Fernando Capez (2016, p. 148) conceitua inquérito policial:
É o conjunto de diligências realizadas pela polícia judiciária para a apuração de uma
infração penal e de sua autoria, a fim de que o titular da ação penal possa ingressar
em juízo (CPP, art. 4º). Trata-se de procedimento persecutório de caráter
administrativo instaurado pela autoridade policial. (2016, p. 148)

2.2 Informativo

Apresenta-se a conceituação desta característica do inquérito policial explicada pelo


doutrinador Júlio Fabrini Mirabete (1991, p. 77):
Dada a instrução provisória, de caráter inquisitivo, o inquérito policial tem valor
informativo para a instauração da competente ação penal. Entretanto, nele se
realizam certas provas periciais, que, embora sem a participação do indiciado,
contém em si maior dose de veracidade, visto que nelas preponderam fatores de
ordem técnica que, além de mais difíceis de serem deturpados, oferecem campo para
uma apreciação objetiva e segura de suas conclusões. Nessas circunstâncias tem elas
favor idêntico aos das provas colhidas em juízo. (MIRABETE, 1991, p. 77)

No entender do autor Nucci, a explicação sobre esta conceituação é:


Diz-se que o inquérito é meramente informativo ao promotor, embora se constate, na
prática, muitos juízes levando em consideração o que lá foi produzido. Há casos em
que o magistrado, baseando-se no princípio da livre convicção, na avaliação das
provas, acredita muito mais na versão oferecida por uma testemunha na fase policial,
do que o alegado pela mesma testemunha em juízo. (NUCCI, 2016, p. 201)

2.3 Inquisitivo
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Diz-se inquisitivo, pois as atividades persecutórias estão centradas em uma figura


única e que age com discricionariedade (nossa característica posterior), não havendo
contraditório.
O tema é melhor trabalhado por Renato Brasileiro de Lima:
As atividades investigatórias estão concentradas nas mãos de uma única autoridade -
Delegado de Polícia, no caso do inquérito policial (Lei n° 12.830/13, art. 2o, § Io);
Ministério Público, em se tratando de um procedimento investigatório criminal (art.
Io da Resolução n° 13/2006 do CNMP) -, que deve conduzir a apuração de maneira
discricionária (e não arbitrária) de modo a colher elementos quanto à autoria e
materialidade do fato delituoso. Logo, não há oportunidade para o exercício do
contraditório ou da ampla defesa. (LIMA, 2019, p. 125)

2.4 Escrito

Diz-se escrito, pois o que for amealhado deve ser reduzido a escrita. Apesar de
definição ser simples, cite-se a explicação de Avena:
Procedimento escrito: todos os atos realizados no curso das investigações policiais
serão formalizados de forma escrita e rubricados pela autoridade, incluindo-se, nesta
regra, depoimentos, testemunhos, reconhecimentos, acareações e todo gênero de
diligências que sejam realizadas (art. 9.º do CPP). (AVENA, 2019, p. 309)

2.5 Sigiloso

Diz-se sigiloso, pois a autoridade dará o resguardo devido quando necessário para
resolução de determinado caso.
Esta característica é muito bem delineada por Leonardo Marcondes Machado, que
assevera a diferença entre o sigilo no âmbito processual e no policial:
Sigilo implica restrição ou limitação quanto ao acesso às informações. Diferente do
processo penal, cuja marca principal, em um sistema constitucional acusatório, é a
publicidade (art. 5º, incisos XXXIII e LX, bem como art. 93, IX, todos da CRFB), o
inquérito policial é sigiloso por natureza. A relação aqui é inversa. O sigilo na
investigação decorre da própria lei (ex lege). (MACHADO, 2019)

Um detalhe que deve ser muito bem lembrado sobre o caráter sigiloso do inquérito
policial, é a quem se destina esta restrição, e Leonardo Marcondes Machado demonstra em
clara explicação:

Vale destacar neste ponto a classificação do sigilo no âmbito das investigações


preliminares. É possível falar em duas espécies de limitação: externa e interna.
A primeira seria direcionada aos terceiros desinteressados juridicamente no feito
(ex.: a imprensa). O sigilo externo deve(ria) ser o máximo possível. Já o segundo
grupo restritivo, formado por aqueles diretamente envolvidos no procedimento
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investigatório, ou seja, legítimos interessados juridicamente na apuração, deve(ria)


ser o mínimo possível, ou mesmo, inexistente. (MACHADO, 2019)

Victor Eduardo Rios Gonçalves delimita este tema:


Caráter sigiloso. De acordo com o art. 20 do Código de Processo Penal, “a
autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à elucidação do fato ou
exigido pelo interesse da sociedade”. Resta claro, pela leitura do dispositivo, que sua
finalidade é a de evitar que a publicidade em relação às provas colhidas ou àquelas
que a autoridade pretende obter prejudique a apuração do ilícito. (GONÇALVES,
2019, p. 61)

2.6 indisponível

Diz-se indisponível, pois não pode ser arquivado pela autoridade policial.
Apesar da também simples definição, é de bom tom trazer a concepção de Lima:
Diante da notícia de uma infração penal, o Delegado de Polícia não está obrigado a
instaurar o inquérito policial, devendo antes verificar a procedência das informações,
assim como aferir a própria tipicidade da conduta noticiada. Com efeito, a
jurisprudência tem reconhecido a validade de investigações preliminares realizadas
antes da instauração do inquérito policial, por meio de procedimento alcunhado de
verificação de procedência de informação (VPI). De todo modo, uma vez
determinada a instauração do inquérito policial, o arquivamento dos autos somente
será possível a partir de pedido formulado pelo titular da ação penal, com ulterior
apreciação pela autoridade judiciária competente. Logo, uma vez instaurado o
inquérito policial, mesmo que a autoridade policial conclua pela atipicidade da
conduta investigada, não poderá determinar o arquivamento do inquérito policial.
(LIMA, 2019, p. 130-131)

2.7 Dispensável

Diz-se dispensável, pois não é necessário para propositura de ação penal. E assim
Gonçalves indica em sua obra:
É dispensável. A existência do inquérito policial não é obrigatória e nem necessária
para o desencadeamento da ação penal. Há diversos dispositivos no Código de
Processo Penal permitindo que a denúncia ou queixa sejam apresentadas com base
nas chamadas peças de informação, que, em verdade, podem ser quaisquer
documentos que demonstrem a existência de indícios suficientes de autoria e de
materialidade da infração penal. Ex.: sindicâncias instauradas no âmbito da
Administração Pública para apurar infrações administrativas, onde acabam também
sendo apurados ilícitos penais, de modo que os documentos são encaminhados
diretamente ao Ministério Público. Ora, como a finalidade do inquérito é justamente
colher indícios, torna-se desnecessária sua instauração quando o titular da ação já
possui peças que permitam sua imediata propositura. (GONÇALVES, 2019, 62-63)

2.8 Obrigatório
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Por fim, diz-se obrigatório, pois quando existe uma justa causa, a autoridade policial
fica obrigada a instaurar o inquérito policial.

3 Antiga conceituação de inquérito policial

Sabendo, mesmo que de apertada síntese, como é conceituado o inquérito policial na


contemporaneidade, deve-se compará-lo com a conceituação realizada por doutrinadores de
gerações anteriores, que escreveram há décadas sobre o mesmo instituto, para que possamos
denotar se o inquérito policial está sendo adequadamente atualizado ao longo do tempo, ou se,
realmente, não é matéria afeita a atualizações doutrinárias.
Inicia-se o estudo das doutrinas mais antigas analisando o livro “Polícia Judiciária”, de
Ivan Moraes de Andrade, publicado no ano de 1958, há mais de 60 (sessenta) anos. Em
capítulo dedicado ao Inquérito Policial, assim é iniciada a conceituação por Andrade (1958, p.
47): “Chamamos inquérito policial ao conjunto de diligências necessárias à verificação da
existência de um crime, com tôdas as suas circunstâncias, para descobrimento de seus
autores e cúmplices”.
Andrade, no mesmo trabalho, já delineou algumas características utilizadas até hoje,
como a dispensabilidade:
Embora seja o inquérito policial um elemento de grande utilidade para o início da
ação penal, porque por meio dêle apura-se a existência do delito e de tôdas as
circunstâncias que o rodeiam, chegando-se de certo modo à convicção da
responsabilidade ou irresponsabilidade dos elementos acusados, não é êle
indispensável ao oferecimento da queixa ou denúncia. (ANDRADE, 1958, p. 50)

Também traz o inquérito policial como peça meramente informativa, assim é frisado
por Andrade (1958, p. 51): “Apesar dessa natureza do inquérito – peça meramente
informativa destinada a servir de base à denúncia ou à queixa – não se deve deixar de
apreciar, por ocasião do julgamento, a prova nêle colhida. ”
Avançando para o ano de 1991 (há quase 30 anos), em livro de Ismar Estulano Garcia,
também conseguiu-se analisar algumas características apresentadas por este escritor, que
inicia trazendo que é procedimento administrativo, com caráter inquisitivo, segue Garcia:
O inquérito não é processo, constituindo-se simplesmente num procedimento
administrativo. Como não poderia deixar de ser, seu caráter é inquisitivo, tendo o
presidente do inquérito poderes discricionários (limitados pelo direito), mas não
arbitrários, para conduzir as investigações. (GARCIA, 1991, p. 08).
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Andrade também trata do caráter sigiloso: “A autoridade deve assegurar no inquérito


o sigilo necessário ao esclarecimento do fato, ou se assim exigir o interesse da sociedade
(...)” (1991, p. 09)
O mesmo autor também aponta mais características que são compatíveis com as
utilizadas até hoje, Andrade frisa: “Apesar da dispensabilidade, o inquérito é sempre útil,
mesmo quando já existiam provas suficientes da existência do crime e esteja descoberta a
autoria” (1991, p. 10)
Por fim Andrade também traz delineações comuns às atuais: “Inexistindo acusação no
inquérito, também não haverá defesa. ” (1991, p. 12)
Avançando ainda mais nas décadas, visto que o estudo já passou por publicações de
1958 e 1991, agora será analisada uma obra de 2004, de Fernando Capez.
Capez dedica uma página específica para conceituação, e pode-se ver que sua obra,
escrita há dezesseis anos, mostra o mesmo que autores ainda replicam atualmente. Capez
assim indica:
a) Procedimento escrito: todas as peças do inquérito policial serão, num só
processado, reduzidas a escrito ou datilografadas e, nesse caso, rubricadas pela
autoridade (art. 9.º do CPP). b) Sigiloso: a autoridade assegurará no inquérito o
sigilo necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade (...)
c) Oficialidade: o inquérito policial é uma atividade investigatória feita por
órgãos oficiais, não podendo ficar a cargo do particular. d) Oficiosidade: não
precisa de provocação para ser iniciado, e sua instauração é obrigatória diante
da notícia de uma infração penal (...) e) Autoridade: é presidido por uma
autoridade pública, no caso, a autoridade policial. f) Indisponibilidade: é
indisponível. Após sua instauração não pode ser arquivado pela autoridade
policial (art. 17 do CPP). g) Inquisitivo: não se aplica o princípio do
contraditório ou ampla defesa, pois, se não há acusação, não se fala em defesa
(...). (CAPEZ, 2004, p. 75)

Nas linhas acima, Capez classificou inquérito policial como procedimento escrito,
sigiloso, com oficialidade, oficiosidade, autoridade, indisponível e inquisitivo. Portanto, nota-
se que nada se alterou com o que hoje ainda é praticado.
Capez também trata da dispensabilidade no inquérito policial: “O inquérito policial
não é fase obrigatória da persecução penal, podendo ser dispensado caso o Ministério
Público disponha de suficientes elementos para o oferecimento da ação penal. (2004, p. 76)
Com o trazido acima, apresentaram-se obras de mais de sessenta anos de publicação,
assim como outra com vinte e nove anos, e a mais recente com dezesseis anos de publicação,
e em todas pode-se perceber traços semelhante – quando não totalmente iguais – às
publicações anteriormente citadas, sendo que as mais atuais são publicações recentes.
Com isso mostra-se que o debate acerca da classificação de inquérito policial em nada
ou pouco evoluiu do que se falava há mais de sessenta anos, ainda permanecendo as mesmas
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classificações, intactas, imutáveis e inquestionadas até então, porém, como em toda atividade
acadêmica, é importante levantar hipóteses e trazer pontos de discussão que visem a evolução
dos institutos, e este é o ponto que se deve trazer em meio acadêmico, sempre fomentando as
discussões neste trabalho e procurando evoluir os institutos.

4 Proposta de modernização da conceituação de inquérito policial quanto à


indispensabilidade

Como citado anteriormente, o impulso originário deste trabalho foram as informações


apresentadas na aula magna deste curso pelo professor Henrique Hoffmann Monteiro de
Castro, no ano de 2019, em que, baseando-se no artigo “Inquérito policial tem sido
conceituado de forma equivocada”, já citado, foram apresentadas novas concepções sobre a
conceituação de inquérito policial e uma nova proposta de atualização deste instituto.
Porém, há de se citar que outros estudos também foram importantes para evolução
neste assunto, e alguns também serão citados no corpo deste artigo.
No estudo proposto por Castro e com teoria a qual comungo, pode-se ter um resumo
de como seria a classificação mais adequada em sede de atualização de conceito:
Em outras palavras, inquérito policial consiste no processo administrativo apuratório
levado a efeito pela polícia judiciária, sob presidência do delegado de polícia
natural; em que se busca a produção de elementos informativos e probatórios acerca
da materialidade e autoria de infração penal, admitindo que o investigado tenha
ciência dos atos investigativos após sua conclusão e se defenda da imputação;
indispensável para evitar acusações infundadas, servindo como filtro processual; e
que tem a finalidade de buscar a verdade, amparando a acusação ao fornecer
substrato mínimo para a ação penal ou auxiliando a própria defesa ao documentar
elementos em favor do investigado que possibilitem o arquivamento, sempre
resguardando direitos fundamentais dos envolvidos. (CASTRO, 2017)

Inicia o autor Castro trazendo novas reflexões sobre a classificação de inquérito


policial, e desde o início da conceituação clássica já são apontadas divergências, mostrando,
logo de início, que o inquérito policial pode ser classificado como processo, e não como
procedimento:
a) processo administrativo[3], e não um procedimento: apesar da resistência em
utilizar o termo processo na seara não judicial, nada impede o etiquetamento do
inquérito policial como processo administrativo sui generis, no contexto da chamada
processualização do procedimento[4]. Apesar de não existirem partes, vislumbram-
se imputados em sentido amplo[5]. E nada obstante não haver na fase policial um
litígio com acusação formal, existem, sim, controvérsias a serem dirimidas por
decisões do delegado de polícia que podem resultar na restrição de direitos
fundamentais do suspeito (tais como prisão em flagrante, liberdade provisória com
fiança, indiciamento e apreensão de bens). Os atos sucessivos afetam inegavelmente
exercício de direitos fundamentais[6], evidenciando uma atuação de caráter
13

coercitivo que representa certa agressão ao estado de inocência e de liberdade[7],


ainda que não se possam catalogar tais restrições de direitos como sanções.
(CASTRO,2017)

Em outro artigo estudado, escrito pelo mesmo autor, também se questiona a ideia da
classificação de inquérito policial afixar-se tão somente em ter caráter informativo, devendo
ser, na verdade, informativo e probatório, assim como explana Castro:
Pois bem, costuma-se inserir dentre as características do inquérito policial (que
compõem o próprio conceito dessa investigação policial) a informatividade. Parte da
doutrina repete, sem maiores reflexões e por vezes com certa dose de menosprezo,
que o inquérito policial é um procedimento “meramente informativo”. Com essa
frase reducionista é passada a errada mensagem de que o valor probatório do
inquérito policial é insignificante e apenas relativo, e que esse instrumento
investigativo não produz provas (mas unicamente elementos informativos).
Transmite-se o equivocado recado de que não é preciso maior atenção à fase
investigativa, pois nada do que ali é colhido pode amparar eventual condenação, e
ocasionais vícios não contaminarão a ação penal. (CASTRO, 2016)

Logo finaliza Castro:


Logo, é totalmente equivocada a afirmação de que o “inquérito policial produz
apenas elementos informativos” ou que o “inquérito policial é mera peça
informativa”. Nada obsta que a polícia judiciária produza provas no curso da
investigação, o que significa dizer que o inquérito policial possui valor probatório e
deve ser olhado com atenção pelos atores jurídicos da persecução penal,
especialmente a defesa. (CASTRO, 2016)

Cite-se que a classificação antiga e contemporânea em descrever o inquérito como


dispensável, é, principalmente, em razão de a lei indicar que a ação penal pode ser proposta
sem a presença do caderno policial, como, por exemplo, quando o Ministério Público tem as
informações suficientes para o futuro provimento jurisdicional.
No Código de Processo Penal, os artigos 12, 27, 39, §5º e 46, §1º podem fazer com
que, em primeiro momento, a classificação indicada seria de dispensável.
Porém, quando se atua na prática policial e judicial é sabido que o número de
processos penais iniciados por inquérito policial é a maioria esmagadora, e que a regra é o
início da ação penal após o encaminhamento do caderno policial da Delegacia de Polícia ao
Poder Judiciário, sendo apenas a exceção o início da ação sem este instrumento da Polícia
Judiciária.
Nos termos acima expostos é que Castro detalha o motivo de afirmar que o inquérito
policial é, em regra, indispensável:
e) indispensável, e não meramente dispensável: muito embora seja possível o
oferecimento de denúncia desacompanhada de inquérito, a esmagadora maioria dos
processos penais é antecedida da investigação policial. Afinal, trata-se de garantia do
cidadão, no sentido de que não será processado temerariamente. A própria
Exposição de Motivos do CPP destaca que o inquérito policial traduz uma
14

salvaguarda contra apressados e errôneos juízos, formados antes que seja possível
uma precisa visão de conjunto dos fatos, nas suas circunstâncias objetivas e
subjetivas. A instrução preliminar é a ponte que liga a notitia criminis ao processo
penal, retratando a transição do juízo de possibilidade para probabilidade pela via
mais segura. E, justamente por esse motivo, mesmo quando o Ministério Público já
dispõe dos elementos mínimos para propor a ação penal sem o inquérito policial, na
maior parte das vezes prefere requisitar a sua instauração, não abrindo mão desse
filtro processual. De mais a mais, não se deve perder de vista que, nos crimes de
ação penal pública incondicionada (que são a maioria), a regra é a obrigatoriedade
de instauração do inquérito policial, e esse procedimento deve acompanhar a peça
acusatória sempre que servir de suporte à acusação. (CASTRO, 2017)

Buscando números e pesquisas que tragam estatísticas sobre a comprovação técnica


que a grande maioria das ações penais iniciam por inquérito policial, foi encontrada grande
dificuldade em trazer estudos que tragam dados fáticos, inclusive contatou-se o autor Castro
em busca de informações neste sentido, e foi constatada a dificuldade em embasar o que já se
sabe que existe na prática.
Porém, em pesquisa mais aprofundada, foi encontrado um estudo do ano de 2008, que
realizou pesquisa em campo com esta finalidade, buscando saber qual o número de ações
penais em determinada comarca que iniciaram com e sem a presença de inquérito policial.
O estudo encontrado foi realizado por Caroline Sangalli e intitulado “A
(in)dispensabilidade do inquérito policial para o oferecimento da denúncia e queixa-crime
nos processos judiciais nas comarcas do vale do Taquari em 20088”.
Vale citar que Sangalli realizou esta pesquisa e, apesar das inúmeras dificuldades
encontradas, conseguiu extrair excelente resultado com os poucos dados que lhe foram
fornecidos. Indica-se a leitura integral do trabalho para entendimento das dificuldades e
resultados com maior detalhamento.
Neste estudo, Sangalli fez pesquisas em campo para tentar chegar a um número que
pudesse comprovar, ou mesmo mostrar ao contrário, de que a grande parte das ações penais
eram iniciadas pelo inquérito policial. E é neste sentido que a própria autora menciona:
Faz-se um comparativo com o número total de processos-crime interpostos no ano
de 2008, já que, em nosso entendimento, o inquérito policial é peça indispensável
para o oferecimento da denúncia ou queixa-crime, ou seja, é essencial par ao início
do processo-crime, ao contrário da maioria dos doutrinadores, que entendem ser o
Inquérito Policial mera peça informativa, totalmente dispensável para o início do
processo. (SANGALLI, 2009, p. 60)

8
Caroline Sangalli defendeu em 2009 pesquisa nas comarcas de Taquari. Disponível em
<https://www.univates.br/bdu/bitstream/10737/549/1/2009CarolineSangalli.pdf>
15

Para buscar os números comprobatórios, a autora encaminhou ofícios para as


diretorias de foro de comarcas para que preenchessem um formulário, e neste formulário,
entre outras perguntas, também solicitava o envio da quantidade de ações penais instauradas
no ano e a quantidade que foram instauradas em razão de inquérito policial e quantas foram
de outras formas.
A autora relatou muita dificuldade em conseguir os dados, visto que foram enviados
sete questionários para varas criminais de comarcas da região do Vale do Taquari, porém
somente quatro foram devolvidos, tornando uma amostra menor que a almejada no início do
seu estudo.
Em suma, o estudo aponta um total de 1.169 processos das comarcas de Arvorezinha e
da Primeira Vara da Comarca de Estrela, e afirma que, destes processos, a sua totalidade foi
de ações penais instauradas com a presença de Inquérito Policial, sendo que não houve
nenhum caso de oferecimento de denúncia ou de queixa-crime sem o caderno policial.
Além disto, no questionário encaminhado também havia um campo com um
questionamento para que o responsável pela coleta de dados respondesse o que pensava
acerca da dispensabilidade ou não do inquérito policial. A resposta apresentada pela autora
Sangalli mostrou que 40% das respostas dos manejadores diários de ações penais foi de que o
inquérito policial é indispensável, outros 40% indicaram ser dispensável/indispensável, 20%
não opinou, e 0% das respostas foram no sentido da dispensabilidade do inquérito policial.
Porém, visando dar substratos numéricos de modo a servir academicamente a uma
atualização doutrinária, sabe-se que novos estudos no mesmo caminho devem surgir, visando
comprovar ou afastar estudos anteriores, e, veja bem, o estudo apresentado é do ano de 2008 e
necessita ser atualizado.
Além do já exposto, o estudo deve ser mais amplo, e o que é proposto neste trabalho é
o levantamento em nível estadual, em uma análise de dezenas de milhares de processos
penais, retratando com mais realidade, visto a quantidade do número de amostragem.

5 Análise quantitativa e considerações finais

Dado o exposto no capítulo referente à metodologia de pesquisa, percebeu-se que,


após a aplicação de filtros, somaram-se 24.030 ações para serem analisadas neste trabalho.
As 24.030 ações penais filtradas no Estado de Santa Catarina no ano de 2019 foram
distribuídas da seguinte maneira: Códigos MP (283, 10943, 1733) somaram-se 308 ações,
16

Códigos Polícia Civil (279, 280) somaram-se 23.540 ações, e Código do Ofendido (272)
somaram-se 182 ações.
Em simples cálculo matemático, chega-se à conclusão que, dos processos penais
estudados, 97,96% são iniciados a partir de ação da Polícia Civil, 1,28% são iniciados pelo
Ministério Público, e 0,75% por iniciativa do ofendido.

Com o resultado apresentado acima, corrobora-se com o que já se sabe na prática


policial e jurídica, não destoando do estudo de Sangalli (2009), em que naquele estudo o
número era de 100% dos casos com presença do inquérito policial, e nesta amostragem chega-
se ao valor de quase 98% dos casos.
Portanto, diante dos dados analisados neste estudo, resta concluir que se percebe que
os conceitos das mais diversas áreas do conhecimento são mutáveis, dispostos a evoluir e
acompanhar a realidade, e estas modificações e evoluções são vistas também na área do
Direito, até porque os conceitos não existem para transformar a realidade, e sim a realidade é
quem molda os conceitos, e a realidade é diferente a cada concepção histórica.
A modernização da conceituação do Inquérito Policial e suas características serve para
retratar a realidade, a rotina penal, e também serve para dar o real valor ao inquérito policial,
pois é ele quem dá andamento à persecução penal.
17

Como já é visto na prática judicial, e que com este estudo pode-se também confirmar
com dados quantitativos do Estado de Santa Catarina, que o inquérito policial é, em regra
geral, indispensável, e que somente é dispensável para a propositura da ação penal como
exceção. Portanto, não corresponde à realidade manter a conceituação de inquérito policial
como dispensável na regra, visto que nada deve ser conceituado pela sua exceção, e sim, pela
sua regra geral.
Não somente a questão da indispensabilidade do inquérito policial, mas como os
outros conceitos que foram revistos neste trabalho são conceitos mais condizentes à realidade
e que são mais plausíveis com o dia-a-dia jurídico-penal.
Portanto, conclui-se que os conceitos e impressões de definições jurídicas (e também
não somente no campo jurídico), devem sempre serem colocadas à prova, revistas e
atualizadas, e nunca definir um conceito e mantê-lo imutável, estático no tempo,
inquestionável. Somente desta maneira o conceito pode ser revisado e, se necessário, ser
modificado. E é assim o caso do inquérito policial, é necessário que deva ser reclassificado
para corresponder ao que já ocorre na rotina judicial e ter reconhecida a sua merecida
relevância no âmbito do direito, principalmente no que compete a sua indispensabilidade.

THE INDISPENSABILITY OF THE POLICE INQUIRY AS A GENERAL RULE OF


THE BRAZILIAN CRIMINAL PROCESS: A QUANTITATIVE ANALYSIS IN
SANTA CATARINA

Abstract: The article questions the traditional concept of police inquiry, mainly when it
classifies this institute of criminal procedural law as being expendable. In police and judicial
activity, it is noted that the main source of criminal prosecution is police inquiries, however,
there is a lack of quantitative scientific evidence so that a new stream of modernization of the
concept of police inquiry gains strength and has a numerical substrate to update. the concept,
showing that police inquiry is, as a rule, indispensable, and its dispensability would only be in
an exceptional situation, in order to give real value to the police procedure. Using
bibliographic research and, mainly, quantitative research, data collection of criminal actions
instituted in the entire State of Santa Catarina in the period of the first nine months of 2019, it
was concluded that in almost 98% of the time the police inquiry is the source of criminal
proceedings, proving that the general rule for the initiation of criminal proceedings is the
indispensability of the police investigation, and there must be a latent urgency in the
conceptual update of the police investigation institute.

Keywords: Indispensability. Police inquiry. Quantitative analysis.


18

Referências

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é um mito. Revista Consultor Jurídico, nov.2016. Disponível em:
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em 2008. 90 f. Monografia (Bacharel em Direito) – Centro Universitário UNIVATES, Lajea-
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ed. Salvador: Juspodivm, 2016.

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