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DIREITOS HUMANOS E FORMAÇÃO POLICIAL:

REFLEXÕES SOBRE O LUGAR QUE A EDUCAÇÃO EM DIREITOS


HUMANOS OCUPA NA ACADEPOL/SC1

Luiz Carlos Alves2


Márcia Cristiane Nunes-Scardueli3
Maria Aparecida Casagrande4

Resumo: O mote de desse estudo é a educação em Direitos Humanos ofertada na formação


inicial da ACADEPOL/SC aos agentes de Polícia Civil. Para isso, os planos de ensino dessa
disciplina do período compreendido entre os anos de 2006 a 2016, foram analisados tendo por
parâmetro a Matriz Curricular Nacional – MCN, documento que norteia as ações formativas
dos profissionais da área de segurança pública em todo o Brasil, elaborada pelo Ministério da
Justiça no ano de 2014. A pesquisa de natureza bibliográfica e documental visava verificar se
a disciplina Direitos Humanos ministrada na formação inicial da ACADEPOL/SC, tem
condições de promover mudanças reais nas atitudes dos policiais civis perante os grupos
sensíveis ou apenas oportuniza informação sobre esse campo teórico. O estudo evidenciou
que o ensino de Direitos Humanos na ACADEPOL/SC está ainda muito relegado a segundo
plano.

Palavras chave: Formação Policial. ACADEPOL/SC. Direitos Humanos.

1 Introdução

Os direitos humanos reconhecem o valor inerente de cada pessoa, desde o nascimento


até a morte. Eles se aplicam independentemente de onde você é, em que você acredita ou
como você escolhe viver sua vida. Os direitos humanos não fazem distinção de raça, sexo,

1
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Gestão da
Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina –
ACADEPOL-IES.
2
Agente de Polícia Civil de Santa Catarina. Bacharel em Administração. E-mail: luizcarlos.alves@gmail.com.
3
Doutora e Mestra em Ciências da Linguagem, Docente do curso de Especialização em Gestão da Segurança
Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-
IES. Orientadora da pesquisa. Email: <nunes.marcia.cristiane@gmail.com>.
4
Mestra em Educação. Docente do curso de Especialização em Gestão da Segurança Pública e Investigação
Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina – ACADEPOL-IES. Co-orientadora da
pesquisa. Email: <maparecida@pc.sc.gov.br>.
2

nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. São direitos que almejam
assegurar a dignidade humana e são todos inter-relacionados, interdependentes e indivisíveis.
Tratam-se de direitos básicos, como a vida, liberdade, igualdade e segurança pessoal,
baseados em valores compartilhados como dignidade, justiça, respeito definidos e protegidos
por legislação nacional e internacional.
Sérgio Resende de Barros (2003), afirma que é dever natural e universal de todos os
seres humanos defender, em comum, a espécie humana em todas as situações em que ela
necessite ser defendida, até contra a loucura do próprio ser humano. De mais a mais, o autor
afirma que os direitos humanos são poderes que, ao mesmo tempo, são deveres de todos os
indivíduos entre si, para a sua mútua e própria preservação.
No Brasil, o ser humano, mesmo antes do nascimento, é protegido por direitos,
provido de dignidade e liberdade inalienáveis e asseguradas na Constituição Federal Brasileira
de 1988, porquanto nela foram positivadas as garantias fundamentais e os direitos humanos
como princípios do Estado Brasileiro. Mas, como consolidar esses princípios? Somente a letra
fria da lei é suficiente para que os direitos humanos sejam respeitados?
Para que os direitos alcançados por meio das diversas leis aprovadas no âmbito
nacional e internacional sejam garantidos pelas polícias, em 2014, o Ministério da Justiça
elaborou a Matriz Curricular Nacional- MCN, para ações formativas dos profissionais da área
de segurança pública, a qual possui três eixos basilares que fundamentam o currículo da
formação do policial, a saber, o eixo ético, o técnico e o legal.
A Matriz Curricular Nacional caracteriza-se por ser um referencial teórico-
metodológico para orientar as ações formativas - inicial e continuada - dos profissionais da
área de segurança pública (BRASIL, 2014), objetivando a formação que promova unidade na
diversidade, a partir do diálogo entre os eixos articuladores e as áreas temáticas.
Apesar de que os humanos e a atividade do profissional de segurança pública ainda
soarem como polos antagônicos pelo senso comum, esse operador da segurança pública se
eficiente e profissionalizado em padrões de excelência precisa estar eticamente comprometido
com os direitos humanos. Salienta-se que o correto posicionamento do profissional de
segurança pública dentro dos valores universais dos direitos humanos é a garantia de uma
segurança pública cada vez mais acreditada pelo cidadão e cada vez mais prestigiada pelo
poder político da sociedade.
O profissional da área de segurança pública (aqui em especial o policial civil) é um
dos principais agentes da promoção e proteção dos direitos humanos. De acordo com a MCN,
3

o policial deve entender que a proteção dos direitos fundamentais da pessoa humana é uma
obrigação do Estado e dos governos em favor de todos (BRASIL, 2014).
Na formação policial brasileira, a MCN orienta que o ensino da disciplina de Direitos
Humanos deva ter carga horária de 18 horas-aula. A ementa contempla, a saber, vasta
legislação, nacional e internacional, princípios e ações. Ademais, prevê, nas estratégias de
ensino aprendizagem, visitas a instituições de proteção de mulheres, criança e adolescentes,
pessoas com deficiência, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, pessoa idosa, vítimas da
criminalidade do abuso do poder, usuários e dependentes de drogas, pessoa em situação de
rua e negros (afro-brasileiros), ciganos e indígenas.
Tendo a MCN como parâmetro, o presente estudo analisou a carga horária, o conteúdo
programático e os objetivos de ensino da disciplina direitos humanos, aplicados na
ACADEPOL/SC entre os anos de 2006 e 2016, na carreira de agente de Polícia Civil, para
responder que lugar o ensino de direitos humanos ocupa na formação inicial na
ACADEPOL/SC. Para tanto, no mês de junho de 2018, foi solicitado por e-mail, à
coordenadoria de assuntos pedagógicos da instituição, os planos de ensino aplicados no
período definido para a pesquisa, a fim de que pudessem ser analisados numa perspectiva
pedagógica sobre a formação em Direitos Humanos.
O presente trabalho, por meio de pesquisa qualitativa, documental e bibliográfica,
objetiva refletir sobre a formação de Agentes da Polícia Civil catarinense que se dá na
ACADEPOL/SC. A hipótese inicial é de que o conteúdo programático, a carga horária e os
objetivos delineados nos planos de ensino da disciplina de Direitos Humanos que é ofertada
na ACADEPOL são exíguos para alcançar mudanças comportamentais relacionados aos
princípios dos direitos humanos, sugeridos pela Matriz Curricular Nacional
.

2 Aspectos introdutórios sobre os Direitos humanos

Há setenta anos a humanidade promulgava a “Declaração Universal dos Direitos


Humanos” que,enfaticamente em seu artigo 1º declara: “Todos os seres humanos nascem
livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns
para com os outros em espírito de fraternidade”. Observa-se na expressão “todos os seres
humanos” a exclusão de qualquer espécie de discriminação, seguido de “nascem livres e
iguais”, onde se se enquadra a dignidade humana, que é igual para todos.
4

Mas, como nos lembra Comparato (2005),levou vinte e cinco séculos para que a
primeira organização internacional humana,proclamasseque todos os homens nascem livres e
iguais em dignidade e direitos.Para Bobbio (2004), a Declaração Universal dos Direitos do
Homem representa a manifestação da única prova através da qual um sistema de valores pode
ser humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é consenso geral acerca da
sua validade.
De forma poética, Rocha (1999, p. 35, 36, 37), define os direitos humanos como sendo
o direito dos direitos.

a vida é o objeto do direito maior do homem: aquele do qual e para o qual todos os
outros direitos se constroem, se somam e em torno do qual todos os cuidados
jurídicos se somam. [...] no direito dos direitos, que Todo homem tem direito à vida.
Mas não a qualquer existência, não a mera sobrevivência, definitivamente não a
qualquer sobre existência. O direito à vida não é só garantia da “batida de um
coração” ou uma “doce ilusão”. É o direito de realizar o eterno projeto humano de
ser dignamente feliz.

Castilho (2011) reconhece que “há um traço de brutalidade na personalidade


humana,herança de um instinto animal que a civilização ainda não foi capazde eliminar”.
Assim, a educação existe justamente “para tirar do homem os resquícios de sua condição
primitiva”.
Nucci (2016), afirma que em épocas primitivas, não se falava de – e muito menos se
praticava – direitos humanos. A selvageria e a barbárie tomavam conta da relação humana,
fomentando apenas o desejo incontrolável de dominação do homem pelo homem e deste no
tocante ao mundo ao seu redor.
O cilindro de Ciro5, datado de 539 a.C, quiçá pode ser considerado o primeiro texto do
mundo que versa acerca dos direitos humanos. Neste cilindro de argila, de escrita cuneiforme,
na língua Acádica, Ciro declarou, dentre outras coisas, que todas as pessoas tinham o direito
de escolher a sua própria religião, e estabeleceu a igualdade racial. Ademais, as suas
estipulações são análogas aos quatro primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos
Humanos.

5
Disponível em: <https://www.unidosparaosdireitoshumanos.com.pt/what-are-human-
rights/brief-history>. Acesso em 10 de setembro de 2018.6Agente de Polícia Civil executa os serviços
de polícia judiciária e investigativa ou administrativa, sob a direção da autoridade policial, isto é, dirige
viatura, usa arma de fogo, cumpre mandados de prisão,registra Boletins de Ocorrência, investiga, realiza
campana, opera rádio, confecciona relatórios.
5

Para Ramos (2017), não há um ponto exato que determine a gênese de uma disciplina
jurídica, no caso dos direitos humanos decorre do embate contra a opressão e da busca pelo
bem-estar do indivíduo.
No Brasil, a expressão “direitos humanos” traz a pecha de que é algo injusto, ligado à
impunidade e àqueles que defendem criminosos ou “bandidos”. Mas, isto está totalmente
equivocado, porquanto os direitos humanos são direitos de todas as pessoas,
independentemente de sua condição social, crença, sexo. O bem protegido pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos é o ser humano, condenando-se quem viole esse bem.
Para Dornelles (1989, p. 59), “quando se fala em direitos humanos, não se pensa em
realidades estanques, compartimentadas e não se pensa que apenas os “bons”, “os mocinhos
da história”, têm direitos a serem preservados”.
Bobbio (2004, p. 25) afirma que “o problema grave de nosso tempo, com relação aos
direitos do homem, não era mais fundamentá-los, e sim o de protegê-los”. Diante disto, surge
o seguinte questionamento: quem tem o dever de garantir e proteger os direitos humanos? As
polícias, de certa forma, devem promover e assegurar que os direitos fundamentais possam se
estender a todos, mesmo àqueles que descumprem as normas legais.
Dornelles (1989, p. 64) nos lembra que “o contínuo desrespeito aos direitos humanos e
o tratamento da questão social sob a ótica de guerra interna somente levará a um nível
intolerável o quadro de crise em que vivemos”. O que é reforçado por Bobbio (2004, p. 51),
“sem os direitos humanos reconhecidos e protegidos pelo Estado não se pode falar em
democracia e nem nas condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos sociais”.
Logo, concluímos que a proteção dos direitos humanos, por parte dos policiais, é de
fundamental importância para a construção da paz social.
Jayme (2005) salienta que a grande conquista dos Direitos Humanos é a consequente
universalização da democracia. Mas a democracia é exercida de que forma? Piovesan (2011,
p.113) reponde a esta indagação, declarando que: a democracia é o exercício dos direitos e
liberdades fundamentais. “A democracia exige o efetivo e pleno exercício de direitos civis,
políticos, sociais, econômicos e culturais”.
É bom lembrarmos que o Brasil é signatário de quase todos os documentos
internacionais sobre Direitos Humanos:
a) Convenção para a prevenção e a repressão do crime de genocídio, 1948;
b) Convenção relativa ao Estatuto dos refugiados, 1951;
c) Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação
racial, 1965;
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d) Protocolo sobre o estatuto dos refugiados, 1966;


e) Pacto Internacional sobre direitos civis e políticos, 1966;
f) Protocolo Facultativo relativo ao pacto internacional sobre direitos civis e políticos,
1966;
g) Pacto Internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais, 1966;
h) Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra mulher,
1979;
i) Protocolo Facultativo à convenção sobre a eliminação de todas as formas de
discriminação contra a mulher, 1999;
j) Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanas ou
degradantes, 1984;
k) Convenção sobre os direitos da criança, 1989;
l) Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, em 20 de junho de 2002;
m) Convenção Americana sobre direitos humanos, 1969;
n) Protocolo adicional à convenção americana sobre direitos humanos em matéria de
direitos econômicos sociais e culturais, 1988;
o) Protocolo a convenção americana sobre direitos humanos referente a abolição da pena
de morte, 1990;
p) Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura, 1985;
q) Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, em 24 de janeiro de 1992;
r) Convenção Interamericana para prevenir punir e erradicar a violência contra mulher,
1994;
s) Convenção Interamericana sobre tráfico internacional de menores, 1994;
t) Convenção Interamericana para eliminação de todas as formas de discriminação contra
as pessoas portadoras de deficiência,1999.

Ser signatário de pactos, convenções internacionais nos transforma em um país


democrático, garantidor e protetor dos direitos humanos?
A Constituição de 1988 fez dos Direitos Humanos princípio constitucional sensível.
Ou seja, a violação ou omissão dos Estados Federativos na proteção dos direitos da dignidade
humana implica intervenção federal, tanto que em 2004, por força da emenda constitucional
nº 45, § 5º, o artigo 109 da Constituição passou a vigorar a seguinte redação: “Nas hipóteses
de grave violação de direitos humanos, o Procurador- Geral da República, com a finalidade de
assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos
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humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça,
em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a
Justiça Federal”.
Após discorrermos brevemente sobre os aspectos históricos dos direitos humanos até a
Constituição Brasileira, passaremos a analisar a relação entre polícia e sociedade.

2.1 Polícia e Sociedade

Para que o homem possa viver em sociedade, para trabalhar e produzir, ele precisa de
segurança. E, acerca da Segurança Pública, o Artigo 144 da Constituição Federal estipula:

A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é


exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do
patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal; II –polícia rodoviária
federal; III – polícia ferroviária federal; IV – polícias civis; V – polícias militares e
corpos de bombeiros militares (BRASIL, 1988).

Ademais, conforme o § 4º do mesmo artigo “às polícias civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia
judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”. Em suma, a Polícia Civil é
responsável por reprimir as infrações penais, investigar e apurar a autoria dos crimes que não
puderam ser prevenidos. A Polícia Militar, por sua vez, atua como polícia ostensiva
preventiva e repressiva.
Cretella Júnior (2006) afirma que a palavra polícia tem origem do grego politeia,
tendo relação com política, porquanto elas têm origem da palavra grega pólis - cidade, estado.
Ou seja, governo, administração de Estado. Em suma ele define polícia como sendo: “o
conjunto de poderes estatais coercitivos exercido, in concreto, pelo Estado sobre as atividades
dos administrados, através de medidas restritivas, impostas a essas atividades, a fim de
assegurar-se a ordem pública” (CRETELLA JÚNIOR, 2006, p. 23).
Balestreri (2003, p. 19), ao refletir acerca do trabalho policial, destaca:

O agente de Segurança Pública é, contudo, um cidadão qualificado: emblematiza o


Estado, em seu contato mais imediato com a população. Sendo a autoridade mais
comumente encontrada tem, portanto, a missão de ser uma espécie de “porta voz”
popular do conjunto de autoridades das diversas áreas do poder. Além disso, porta a
singular permissão para o uso da força e das armas, no âmbito da lei, o que lhe
confere natural e destacada autoridade para a construção social ou para sua
devastação. O impacto sobre a vida de indivíduos e comunidades, exercido por esse
cidadão qualificado é, pois, sempre um impacto extremado e simbolicamente
referencial para o bem ou para o mal-estar da sociedade.
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O início do século XX ficou marcado pelo policiamento a pé, nos bairros, no qual a
polícia servia para prevenir ocorrências, dar resposta imediata a crimes e disputas. Com
advento das tecnologias, o policiamento de proximidade foi sendo substituído
paulatinamentepelo policiamento de patrulha, marcado pelo uso dos carros, telefones, rádios,
criando-se assim um distanciamento da polícia com a sociedade.
Huggins (1998, p.18), critica esse novo modelo expondoque “quando o público passa
a ser conhecido pelo policial somente através do para-brisa de um carro de patrulha em
movimento, os cidadãos facilmente se tornam objetos a serem manipulados”, ou seja,
“tornam-se objetificados e desumanizados”.
Hodiernamente, tem-se tentado conciliar a polícia de proximidade e a polícia de
patrulhamento, por meio do policiamento comunitário e policiamento para a solução de
problemas. Segundo Moore (2003, p. 115), “o policiamento para a solução de problemas
dirige a polícia mais para os problemas que estão por trás dos incidentes, do que para o
incidente em si”, enquanto que o policiamento comunitário enfatiza a parceria de polícia e
comunidade, desta forma reduz o crime e aumenta a segurança. Ele conclui que apesar de a
adoção dessas novas estratégias de organização apresentarem riscos de politização, de
diminuição da eficácia na luta contra o crime e de aumento de poder da polícia, os ganhos
possíveis em fortalecer as comunidades e torná-las mais saudáveis fazem o risco valer à pena.
Segundo Bayley (2002, p. 173), “o relacionamento da polícia com a sociedade é
recíproco – a sociedade molda o que a polícia é e a polícia influencia aquilo em que a
sociedade pode se tornar”.
Mas, afinal, o que é polícia? Qual seu papel? Para que serve? Balestreri (2003, p. 27)
define polícia como “uma espécie de superego social, indispensável em culturas urbanas,
complexas e de interesses conflitantes, contenedora do óbvio caos a que estaríamos expostos
na absurda hipótese de sua inexistência”.
Independentemente do modelo de polícia adotado, é primordial que as ações policiais
sejam pautadas em princípios democráticos, nos direitos humanos, na garantia das liberdades
individuais e na cidadania, pois como nos lembra Bayley (2002), a atividade policial é crucial
para se definir a extensão prática da liberdade humana. Assim, uma das maneiras de refinar o
comportamento humano, em sociedade, como veremos a seguir, é a educação em Direitos
Humanos.

3 Educação em Direitos Humanos


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A educação como direito fundamental da pessoa humana é uma conquista recente da


história contemporânea. O artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos diz:

1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A
instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução
superior, está baseada no mérito. 2. A instrução será orientada no sentido do
pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do
respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais. A
instrução promoverá a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações
Unidas em prol da manutenção da paz.

No artigo 6º da Constituição Federal de 1988 a educação é citada como um direito


social e no artigo 205 a educação é definida: “a educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para
o trabalho”.
La Rocca (2009, p. 322) ressalta que “uma nação não se constrói apenas por meio da
educação, mas sem educação é certo que é impossível se construir uma nação”, bem como,
“sem educação não se constrói a convivência pacífica entre indivíduos e povos no respeito às
diferenças e na luta permanente pela superação das desigualdades”. A compreensão das
diferenças gera convivência harmoniosa. La Rocca, concluiu que o processo educativo
somente é possível se for iluminado pela ética dos direitos humanos e que educação é
condição fundamental para o desenvolvimento da humanidade.
No Brasil, o ensino policial acontece nas academias de polícia, sejam elas militares ou
civis. Em Santa Catarina, conforme consta na Resolução N. 001/Acadepol/2015, o ensino
policial compete à ACADEPOL/SC:

ensino, formação, pesquisa, extensão, recrutamento e seleção, visando à formação


inicial e continuada dos servidores da Instituição, e a pesquisas que possam orientar
e subsidiar ações e políticas públicas para a área em questão. [...] produzir pesquisa
que vise à atualização e ao aperfeiçoamento da formação e capacitação do policial
civil e a dar uniformidade à doutrina de procedimentos policiais; [...] produzir e
difundir conhecimentos que visem ao aperfeiçoamento da atividade policial civil;
[...] gerenciar os projetos de formação continuada realizados pela ACADEPOL.

Então, se queremos policiais comprometidos com a democracia, com a garantia e


proteção dos direitos humanos, é mister que os profissionais responsáveis pelo ensino da
ACADEPOL lecionem com ética, respeito à dignidade da pessoa e dos direitos humanos.
Conquanto, o princípio da dignidade humana estar expresso na Constituição, é cediço
que o próprio Estado, por meio das polícias, do judiciário, o viola diariamente. Balestreri
10

(2003) justifica que apesar de sermos um país democrático, herdamos um passado autoritário,
do período da ditadura militar, em que as práticas policiais eram truculentas.

Em alguns centros, escolas e academias (é claro que não em todos) os policiais


parecem, ainda, ser “adestrados” para uma suposta “guerra de guerrilhas”, sendo
submetidos a toda ordem de maus-tratos (beber sangue no pescoço de galinha, ficar
em pé sobre formigueiro, ser “afogado” na lama por superior hierárquico, comer
fezes. [...] Isso sem falar nos casos mais banais, de ordens dadas aos gritos, de
preleções humilhantes e desmoralizadoras (BALESTRERI 2003, p.33).

E como quebrar este paradigma de uma polícia que confunde o uso legítimo da força
com truculência? Quiçá, a resposta esteja na educação como aduziu Rocca.
Por acreditar que é por meio da qualificação dos policiais que a instituição e suas
práticas podem ser mudadas é fundamental que a educação em Direitos Humanos seja
priorizada e destacada na formação inicial desses profissionais. Assim, veremos como se dá o
ensino de Direitos Humanos na ACADEPOL/SC.

3 Educação em Direitos Humanos na ACADEPOL/SC

A ACADEPOL/SC é a instituição de ensino responsável pela formação inicial e


continuado do policial civil em nosso Estado. Ademais, é ela a responsável por uniformizar a
doutrina de procedimentos, produzir e difundir o conhecimento da ciência policial.
Desta forma, a ACADEPOL/SC é a maior responsável por fomentar uma Polícia Civil
democrática, fundamentada nos direitos humanos e garantais. Conforme Malheiros de Mello
(2011), para que isso seja uma realidade na ACADEPOL/SC, é necessário que os professores
dessa instituição de ensino policial, além de um bom currículo e de conhecimento técnico,
tenham habilidade nas artes didáticas e no relacionamento interpessoal, bem como, sejam
comprometidos com os anseios da sociedade.
A ACADEPOL está localizada no norte da ilha de Santa Catarina e segundo Malheiros
de Mello (2011, p.16) “suas instalações compreendem vários prédios, entre eles a
administração, onde existe a secretaria, a coordenação pedagógica, sala dos professores, o
departamento jurídico, o setor de informática, a sala da direção e vice direção, entre outras”.
De acordo com Nunes-Scardueli (2016), a estrutura da ACADEPOL é reservada à
formação das pessoas que ingressam na Polícia Civil do Estado de Santa Catarina, por meio
de concurso público. Na ACADEPOL/SC, elas são submetidas a um processo de formação.
Sendo qualificadas para desenvolver e pautar suas ações policiais futuras dentro da
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perspectiva esperada, isto é, contribuir para a qualidade devida, para a cidadania e a


construção da cultura de paz da sociedade.
Desta forma, é da ACADEPOL/SC a responsabilidade de promover as melhores
práticas pedagógicas em direitos humanos, em que se deveriam consolidar os valores
democráticos, moldar os comportamentos e formar um sujeito cidadão que vai atuar na
sociedade.
As ações formativas da segurança pública no Brasil são balizadas pela Matriz
Curricular Nacional, sendo fundamentada em três princípios: ético, com foco na compreensão
e valorização das diferenças e na compatibilidade entre direitos humanos e eficiência policial;
educacional e didático-pedagógico, tendo por base a interdisciplinaridade, a transversalidade e
reconstrução democrática de saberes.
Além da Matriz Curricular Nacional, elaborada em 2014, pelo Ministério da Justiça,
há diversos planos, programas e projetos que podem auxiliar no processo civilizador da
segurança pública, com ênfase em uma educação voltada aos direitos humanos e à cidadania,
como o Programa Nacional de Direitos Humanos (1999); o Plano Nacional de Segurança
Pública (2000); o Projeto Segurança Pública para o Brasil (2003); a reformulação dos
currículos dos cursos ministrados pelas academias de polícia por meio do documento Bases
Curriculares para a Formação dos Profissionais da Área de Segurança do Cidadão (2000); a
Matriz Curricular Nacional para Formação em Segurança Pública (2003), Matriz Curricular
em Movimento (2006) e do Programa Nacional de Educação em Direitos Humanos (2006).
Será que ACADEPOL de Santa Catarina está promovendo uma formação adequada
em Direitos Humanos? Para responder esta pergunta, doravante, tendo a MCN como
referência, analisaremos os planos de ensino da grade curricular da disciplina de Direitos
Humanos da ACADEPOL dos anos de 2006 a 2016.
A partir de um contato estabelecido por e-mail com a Coordenadoria de Assuntos
Pedagógicos da ACADEPOL/SC, obtive o acesso os planos de ensino da disciplina de
Direitos Humanos da ACADEPOL/SC, ofertados nos cursos de Formação Inicial, no período
compreendido entre os anos de 2006 a 2016, para o cargo de Agente de Polícia Civil.
Cabe salientar que nesse período houve seis formações policiais, em que além de
Agentes de Polícia, formaram-se também Escrivães, Psicólogos e Delegados. Por conta da
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delimitação deste estudo, abordaremos aqui apenas os Planos de Ensino aplicados à carreira
de Agente de Polícia6.
A seguir, apresenta-se, em quadro esquemático, o conteúdo programático, a carga
horária e os objetivos da disciplina de Direitos Humanos, entre os anos de 2006 a 2016:

Ano: Carga Conteúdo Programático: Objetivos:


Horária:
Unidade 1 –Fundamentos históricos e filosóficos: 1.1.
Origem e Evolução; 1.2. Documentos Internacionais; 1.3.
Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José
da Costa Rica). Unidade 2 – Teoria dos Direitos
Fundamentais: 2.1. Fontes de inspiração e fundamentação dos Geral: Analisar de modo
direitos fundamentais; 2.2. Conceito, natureza e características crítico a relação entre a
dos direitos fundamentais; 2.3. Direitos de 1ª, 2ª, 3ª e 4ª proteção dos Direitos
gerações. Unidade 3 – Direitos Humanos na Ordem Jurídica Humanos e a ação do
2006 20h
e Social Brasileira. 3.1. Constituição de 1998 – proteção e profissional de Segurança
garantias constitucionais; 3.2. Direitos individuais, difusos, Pública.
homogêneos, coletivos e transindividuais; 3.3. Sistema Nacional
de Direitos Humanos; 3.4. O Brasil na ordem internacional de
proteção aos direitos humanos. Unidade 4 – Direitos Humanos
e a Atividade Policial: 4.1. Uso necessário e progressivo da
força; 4.2. Integridade física, moral e psicológica dos
envolvidos na ação policial.
Unidade 1: Direitos Humanos: origem e evolução: Origem e Geral: Desenvolver conceitos
Evolução dos Direitos Humanos. Conceito, origem, documentos sobre direitos humanos, numa
históricos, fundamentação filosófica; finalidades; Direitos visão do profissional de
Humanos na atualidade. Unidade2: Fontes de inspiração e segurança pública que trabalhe
geração de Direitos Humanos: Teoria dos direitos sobre a égide do estado
fundamentais: jusnaturalismo, positivismo e teoria moralista. democrático de direito.
2008 18h
Características. Gerações de Direitos Humanos. Pós 2ª Guerra Específicos: Compreender a
Mundial. Universalidade e Relativismo Cultural. Unidade 3: finalidade dos direitos e
Declarações de Direitos Humanos, influência no Brasil e na garantias
ordem internacional: Criação das Nações Unidas. Declaração fundamentais;Analisar
Universal dos Direitos Humanos. Pactos dos Direitos Civis e dogmática e criticamente o
Políticos. Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. conteúdo da disciplina em seus

6
Agente de Polícia Civil executa os serviços de polícia judiciária e investigativa ou administrativa, sob a direção
da autoridade policial, isto é, dirige viatura, usa arma de fogo, cumpre mandados de prisão,registra Boletins
de Ocorrência, investiga, realiza campana, opera rádio, confecciona relatórios.
13

Convenção Americana de Direitos Humanos. Influência no aspectos teóricos, formais e


Brasil dos Sistemas Internacionais de Proteção a Direitos práticos;Orientar sua atitude
Humanos. Comissão e Corte Interamericana. Constituição de frente os abusos cometidos
1988 e os direitos humanos fundamentais. Unidade 4: Direitos pelos órgãos estatais.
Humanos e atividade Policial: Uso da força frente no Estado
Democrático de Direito: Lei n.º 4.898/65 (lei de abuso de
autoridade); Lei 9.455/97 (lei de tortura); Código Penal; Código
de Processo Penal e Processo Penal Militar. Permissão ao uso
da força.
Unidade 1: Direitos Humanos: origem e evolução: Origem e Geral: Desenvolver conceitos
Evolução dos Direitos Humanos. Conceito, origem, documentos sobre direitos humanos, numa
históricos, fundamentação filosófica; finalidades; Direitos visão do profissional de
Humanos na atualidade.UNIDADE 2: Fontes de inspiração e segurança pública que trabalhe
geração de Direitos Humanos: Teoria dos direitos sobre a égide do estado
fundamentais: jusnaturalismo, positivismo e teoria moralista. democrático de direito, de
Características. Gerações de Direitos Humanos. Pós 2ª Guerra modo a responder aos desafios
Mundial. Universalidade e Relativismo Cultural. UNIDADE 3: normativos dos Direitos
Declarações de Direitos Humanos, influência no Brasil e na Humanos impostos a esse
ordem internacional: Criação das Nações Unidas. Declaração segmento em sua atuação
2009 16h Universal dos Direitos Humanos. Pactos dos Direitos Civis e profissional.
Políticos. Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Específicos: Compreender a
Convenção Americana de Direitos Humanos. Influência no finalidade dos direitos e
Brasil dos Sistemas Internacionais de Proteção a Direitos garantias
Humanos. Comissão e Corte Interamericana. Constituição de fundamentais;Analisar
1988 e os direitos humanos fundamentais. UNIDADE 4: dogmática e criticamente o
Direitos Humanos e atividade Policial: Uso da força frente no conteúdo da disciplina em seus
Estado Democrático de Direito: Lei n.º 4.898/65 (lei de abuso aspectos teóricos, formais e
de autoridade); Lei 9.455/97 (lei de tortura); Código Penal; práticos;Orientar sua atitude
Código de Processo Penal e Processo Penal Militar. Permissão frente os abusos cometidos
ao uso da força. pelos órgãos estatais.
UNIDADE 1: Direitos Humanos: origem e evolução: Origem Geral: Desenvolver conceitos
e Evolução dos Direitos Humanos. Conceito, origem, sobre direitos humanos, numa
documentos históricos, fundamentação filosófica; finalidades; visão do profissional de
Direitos Humanos na atualidade.UNIDADE 2: Fontes de segurança pública que trabalhe
inspiração e geração de Direitos Humanos: Teoria dos sobre a égide do estado
2010 16h
direitos fundamentais: jusnaturalismo, positivismo e teoria democrático de direito, de
moralista. Características. Gerações de Direitos Humanos. Pós modo a responder aos desafios
2ª Guerra Mundial. Universalidade e Relativismo Cultural. normativos dos Direitos
UNIDADE 3: Declarações de Direitos Humanos, influência Humanos impostos a esse
no Brasil e na ordem internacional: Criação das Nações segmento em sua atuação
14

Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pactos profissional.


dos Direitos Civis e Políticos. Pacto dos Direitos Econômicos, Específicos: Compreender a
Sociais e Culturais. Convenção Americana de Direitos finalidade dos direitos e
Humanos. Influência no Brasil dos Sistemas Internacionais de garantias fundamentais;
Proteção a Direitos Humanos. Comissão e Corte Interamericana. Analisar dogmática e
Constituição de 1988 e os direitos humanos fundamentais. criticamente o conteúdo da
UNIDADE 4: Direitos Humanos e atividade Policial: Uso da disciplina em seus aspectos
força frente no Estado Democrático de Direito: Lei n.º 4.898/65 teóricos, formais e
(lei de abuso de autoridade); Lei 9.455/97 (lei de tortura); práticos;Orientar sua atitude
Código Penal; Código de Processo Penal e Processo Penal frente os abusos cometidos
Militar. Permissão ao uso da força. pelos órgãos estatais.
UNIDADE 1: Direitos Humanos: origem e evolução: Origem Geral: Desenvolver conceitos
e Evolução dos Direitos Humanos. Conceito, origem, sobre direitos humanos, numa
documentos históricos, fundamentação filosófica; finalidades; visão do profissional de
Direitos Humanos na atualidade.UNIDADE 2: Fontes de segurança pública que trabalhe
inspiração e geração de Direitos Humanos: Teoria dos sobre a égide do estado
direitos fundamentais: jusnaturalismo, positivismo e teoria democrático de direito, de
moralista. Características. Gerações de Direitos Humanos. Pós modo a responder aos desafios
2ª Guerra Mundial. Universalidade e Relativismo Cultural. normativos dos Direitos
UNIDADE 3: Declarações de Direitos Humanos, influência Humanos impostos a esse
no Brasil e na ordem internacional: Criação das Nações segmento em sua atuação
2014 16h Unidas. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pactos profissional.
dos Direitos Civis e Políticos. Pacto dos Direitos Econômicos, Específicos: Compreender a
Sociais e Culturais. Convenção Americana de Direitos finalidade dos direitos e
Humanos. Influência no Brasil dos Sistemas Internacionais de garantias
Proteção a Direitos Humanos. Comissão e Corte Interamericana. fundamentais;Analisar
Constituição de 1988 e os direitos humanos fundamentais. dogmática e criticamente o
UNIDADE 4: Direitos Humanos e atividade Policial: Uso da conteúdo da disciplina em seus
força frente no Estado Democrático de Direito: Lei n.º 4.898/65 aspectos teóricos, formais e
(lei de abuso de autoridade); Lei 9.455/97 (lei de tortura); práticos;Orientar sua atitude
Código Penal; Código de Processo Penal e Processo Penal frente os abusos cometidos
Militar. Permissão ao uso da força. pelos órgãos estatais.
Com base nos princípios éticos
da Matriz Curricular Nacional,
Módulo 1. Arcabouço jurídico; Módulo 2. Premissas básicas na
o curso aborda questões
aplicação da lei; Módulo 3. Responsabilidades básicas da
fundamentais sobre Direitos
2016 60h atividade policial; Módulo 4. Poderes básicos da aplicação da
Humanos que o profissional da
lei; Módulo 5. Comando, gestão e investigação de violações de
área de segurança pública deve
direitos humanos.
conhecer e promover para bem
desempenhar suas funções. O
15

curso cria condições para que


o participante relacione as
Convenções, Pactos, Tratados
e Princípios Orientadores de
Direitos Humanos, com a
Constituição Federal e com
ornamentos jurídicos internos
das atividades de segurança
pública.
Quadro 1 – Organizado pelo autor (2018)

Primeiramente, ao analisarmos a carga horária nos anos de 2006 e 2016, observamos


que é superior às 18h aula exigidas pela MCN. Em 2008 é igual. Entrementes, nos anos de
2009, 2010 e 2014 a carga horária foi reduzida para 16 horas-aula.
Em relação ao conteúdo programático, nos anos de 2008, 2009, 2010 e 2014 são
exatamente iguais. O conteúdo programático de 2006 é bastante semelhante aos referidos
anteriormente. No ano de 2016, a ACADEPOL/SC preferiu adotar o curso Filosofia dos
Direitos Humanos aplicada à atuação policial, oferecido pela Secretaria Nacional de
Segurança Pública (SENASP), na modalidade a distância, em substituição à disciplina
presencial de Direitos Humanos. Esse curso, apesar de ter carga horário maior, tem um
conteúdo programático mais enxuto que a disciplina aplicada anteriormente na
ACADEPOL/SC. Ao passo que a MCN (2014, p. 115-116) tem proposta mais abranente,
além da abordagem histórica-cultura dos direitos humanos e das normas legais, inclui temas
como: profissional de segurança pública frente às diversidades dos direitos dos grupos em
situação de vulnerabilidade e a cidadania do profissional da área de segurança pública.
A Matriz Curricular Nacional prevê o código de conduta para os funcionários
encarregados da aplicação da lei. Os princípios orientadores para aplicação efetiva do código
de conduta para os funcionários responsáveis pela aplicação da lei (Princípios Orientadores);
Princípios básicos sobre a utilização da força e arma de fogo pelos funcionários responsáveis
pela aplicação da lei. Além dos programas nacionais e estaduais de proteção e defesa ao
cidadão.
Normas legais nacionais importantes como a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que
dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente, ou a Lei Maria da Penha, sancionada em
2006, não fazem parte dos conteúdos programáticos dos direitos humanos das academias de
16

2008 a 2016. Talvez, porque façam parte de outra disciplina, mas deveriam ser vistos aos
olhos dos direitos humanos, como consta na Matriz Curricular Nacional.
No ano de 2006, no campo objetivo, a disciplina de Direitos Humanos se restringe
apenas a “analisar de modo crítico a relação entre a proteção dos Direitos Humanos e a ação
do profissional de Segurança Pública”.
No ano de 2008, os objetivos foram ampliados: “Geral: desenvolver conceitos sobre
direitos humanos, numa visão do profissional de segurança pública que trabalhe sobre a égide
do estado democrático de direito”; sendo que os objetivos específicos eram: “Compreender a
finalidade dos direitos e garantias fundamentais; Analisar dogmática e criticamente o
conteúdo da disciplina em seus aspectos teóricos, formais e práticos; Orientar sua atitude
frente os abusos cometidos pelos órgãos estatais”.
Nos anos de 2008 a 2014, apenas foi acrescido ao objetivo geral a expressão: “de
modo a responder aos desafios normativos dos Direitos Humanos impostos a esse segmento
em sua atuação profissional”. No plano de ensino do ano de 2016, a ementa do curso
oferecido na modalidade a distância não cita os objetivos, apenas apresenta que o curso:
“aborda questões fundamentais sobre Direitos Humanos que o profissional da área de
segurança pública deve conhecer e promover para bem desempenhar suas funções” e que
“cria condições para que o participante relacione as Convenções, Pactos, Tratados e
Princípios Orientadores de Direitos Humanos, com a Constituição Federal e com ornamentos
jurídicos internos das atividades de segurança pública”, com base nos princípios éticos da
Matriz Curricular Nacional.
A proposta da MCN de 2014 é, para além da análise das normas, o fortalecimento de
atitudes dos profissionais da segurança pública com relação com relação ao respeito aos
Direitos Humanos. Os documentos querem sensibilizar os profissionais de segurança pública
para o protagonismo em direitos humanos, sugerindo a interação com os diversos atores
sociais e institucionais que atuam na proteção e defesa dos direitos humanos (MCN 2014, p.
114).
O que se observa nos Planos de Ensino aplicados na ACADEPOL, no período
investigado, é que o enfoque das ementas da instituição é muito mais conceitual e histórico
que reflexivo, que proponha vivência do respeito aos Direitos Humanos na prática do policial
civil em formação e, posteriormente, na atuação profissional. Também não se observa
interdisciplinaridade e transversalidade tendo os Direitos Humanos como protagonista entre
outras disciplinas a serem oferecidas, com menção apenas ao “uso controlado da força”, o que
remete à atuação prática da policial.
17

Em relação aos procedimentos didáticos para a realização das aulas de Direitos


Humanos, os planos restringem-se a “aula expositivo-dialogada”, o que indica um enfoque
teórico dos conteúdos. Na MCN, porém, sugere-se a realização de seminários com pessoas e
entidades governamentais e não-governamentais de promoção e defesa de direitos humanos,
visitas a instituições de proteção de mulheres crianças e adolescentes, usuários e dependentes
de drogas, pessoa em situação de rua, ou seja, há um estímulo do documento nacional para a
vivência do aluno policial com grupos vitimizados. Esse tipo de atitude proposto na MCN
sugere a humanização e responsabilização do policial no processo de defesa dos direitos
humanos.
O policial em formação na academia de polícia é um educando e não se pode deixar de
lembrar que o educando é um sujeito. Sujeito este que entra na instituição com desejos,
valores e princípios angariados na experiência da vida vivida até então; que poderá ter sido de
não reconhecimento dos Direitos Humanos como direitos de todos, por falta de oportunidade
de reflexão sobre isso. Mas esse sujeito pode readequar-se e modificar suas atitudes, por meio
das práticas pedagógicas trabalhadas em sala de aula e que valorizem atitudes nesse sentido.
Franco Montoro (1998, p.13) ressalta que, “não basta ensinar direitos humanos é
preciso criar uma cultura prática desses direitos. As palavras voam. Os escritos permanecem.
Os exemplos arrastam. O caminho é avançar no exercício da solidariedade”.
Assim, como observado brevemente na discussão aqui exposta, o ensino de direitos
humanos na ACADEPOL/SC tem sido colocado em segundo plano. Um reflexo disso é que
em 2016 deixou de ser ministrado presencialmente passando à modalidade virtual. Essa
alteração na modalidade de ensino pode oportunizar apenas informação, deixando de oferecer
propostas concretas de transformação do sujeito e mudança de atitude. É imprescindível que
tal transformação seja internalizada, a fim de ocorra na prática o que se aprende. Não se pode
deixar de considerar também que se o ensino virtual não oportuniza essa mudança de atitude,
o ensino presencial, nos moldes em que vinha acontecendo, também não.
É certo que a Polícia Civil precisa reformular algumas de suas práticas, para que sejam
orientadas pelo paradigma dos direitos humanos e da cidadania. Essa reformulação passa,
necessariamente, pela educação em Direitos Humanos que se dá na ACADEPOL/SC que é o
principal espaço de formação policial.
Logo, a simples inclusão de disciplinas ligadas aos Direitos Humanos não é solução
para garantir a integridade física, a dignidade, a vida e a segurança dos cidadãos. É necessário
que o policial compreenda o contexto em que está inserido, ou seja, uma sociedade
democrática e de garantias.
18

4 Considerações finais

Pelo presente estudo pode-se perceber os direitos humanos foram construídos, no


decorrer da história, para proteger: a vida, a liberdade e a igualdade. No Brasil, os direitos
humanos foram positivados somente em 1998, quando da promulgação da atual constituição.
Entretanto, a redemocratização não significou a democratização instantânea da polícia. A
mudança de paradigma, da truculência para a cidadania, caminha a passos lentos nas intuições
de ensino policiais.
Assim, na análise dos planos de ensino da ACADEPOL/SC, entre os anos de 2006 a
2016, na formação dos agentes de polícia civil, foi verificada pouca influência da Matriz
Curricular Nacional, visto que muito do conteúdo programático é deixado de lado e os objetos
não estão alinhados, com os propostos pelo documento de referência nacional. Ademais, não
se observa a transversalidade e interdisciplinaridade sugerida pela MCN.
Diante do exposto, conclui-se que o ensino dos Direitos Humanos no Curso de
Formação Inicial da ACADEPOL, que deveria transformar o sujeito e mudar atitudes,
fazendo dos policiais protagonistas e defensores dos Direitos Humanos, garantindo, assim, a
efetiva aplicabilidade do conhecimento na prática policial, limita-se ao discurso teórico, ou
seja, é apenas fonte de informação e não de transformação.

HUMAN RIGHTS AND POLICE TRAINING:


REFLECTIONS ABOUT THE PLACE WHICH HUMAN RIGHTS
EDUCATION OCCURS AT ACADEPOL/SC

Abstract: The motto of this study is the Human Rights education offered in the initial training
of ACADEPOL / SC to the Civil Police agents. To that end, the teaching plans of this
discipline from the period between 2006 and 2016 were analyzed with the National
Curriculum Matrix (MCN) as a parameter, a document that guides the training actions of
professionals in the area of public safety throughout Brazil, elaborated by the Ministry of
Justice in 2014. The research of a bibliographical and documentary nature aimed at verifying
whether the Human Rights discipline taught in the initial training of ACADEPOL/SC is
capable of promoting real changes in the attitudes of civilian police towards sensitive groups
or only provides information on this theoretical field. The study showed that the teaching of
Human Rights in ACADEPOL/SC is still very relegated to the background.

Keywords: Formação Policial. ACADEPOL/SC. Direitos Humanos.


19

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