Você está na página 1de 19

Artigo - Livro da discilina de Jurisdição Constitucional

A educação como um
direito humano-social-fundamental na
jurisdição constitucional aberta
Wagner de Souza Berton1
Albano Busato Teixeira2

Educai as crianças, para que não seja necessário punir


os adultos.
Pitágoras

RESUMO
O presente artigo relaciona e analisa, num primeiro instante, as ligações entre
os Direitos humanos, a Constituição Federal da República Federativa do Brasil
e a educação, desenvolvendo um breve retrospecto histórico dos principais
documentos nacionais e internacionais sobre o tema.
Num segundo momento, aborda-se a efetivação da educação como um direito
humano-social-fundamental na chamada jurisdição constitucional aberta, onde
o poder Judiciário ganha novos contornos na sua atuação jurisdicional. Para
tanto, apresenta-se decisões do Supremo Tribunal Federal – STF brasileiro que
demonstram a jurisprudência dominante no tocante ao controle jurisdicional das
políticas públicas educacionais.

1
Mestrando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito da Universidade de
Santa Cruz do Sul – UNISC e Mestrando em Direitos Humanos na Universidade do Minho em
Portugal, sob regime de dupla titulação, possui Graduação em Direito pela Faculdade
Meridional - IMED, com ênfase em Direito Empresarial. Integrante do Projeto de Pesquisa: Os
desafios para a concretização de uma educação voltada aos direitos humanos: Considerações,
obstáculos, propostas; do Programa de Pós-graduação em Direito - Mestrado e Doutorado da
Unisc, coordenado pelo professor Pós-Doutor Clovis Gorczevski. Atualmente é servidor público
militar e Professor. Endereço eletrônico: wsberton@hotmail.com.
2
Mestrando em Direito das Autarquias Locais pela Universidade do Minho. Mestrando em
Direito pela UNISC. Especialista em Direito Processual Civil pela IMED. Graduado em Direito
pela Universidade de Passo Fundo. É advogado atuante, e membro da direção da Comissão
Especial do Jovem Advogado da cidade de Passo Fundo. Componente do grupo de pesquisa
“Comunitarismo, instituições comunitárias e políticas públicas”, coordenado pelo Professor Dr.
João Pedro Schmidt. E-mail:albanoteixeira85@gmai.com.
Palavras-Chave: Educação; Direitos Humanos; Políticas Públicas; jurisdição
Constitucional aberta.

RESUMEN
Listas de este artículo y examina, en un primer momento, los vínculos entre los
derechos humanos, la Constitución de la República Federativa del Brasil y la
educación, el desarrollo de una breve reseña histórica de los principales
documentos nacionales e internacionales sobre el tema.
En segundo lugar, se acerca a la efectividad de la educación como una
jurisdicción constitucional basada en los derechos humanos-social en la
jurisdicción constitucional abierta, donde el poder judicial los nuevos contornos
de sus funciones jurisdiccionales. Presenta a las decisiones del Supremo
Tribunal Federal - STF brasileño demuestran la jurisprudencia vigente sobre el
control jurisdiccional de las políticas educativas.
Palabras clave: Educación, Derechos Humanos, jurisdicción constitucional
abierta; Políticas Públicas.

1. Considerações iniciais: contextualizando e delimitando o tema

O Brasil, infelizmente, ainda possui carências no que tange à


concretização dos direitos humanos e fundamentais. Tal quadro vai de
encontro aos princípios basilares do chamado Estado Democrático de Direito.
Nesta circunstância, a educação se reveste de especial importância como
esperança de desenvolvimento do capital social humano e da República como
um todo.
Ademais, já pode se adiantar que a educação, especialmente a voltada
aos direitos humanos, recebe notório relevo no cenário mundial, passando a
figurar como elemento central de políticas públicas de diversos países.
Portanto, a educação, doravante apresentada como um direito social,
humano e fundamental, mostra-se umbilicalmente vinculada à efetivação dos
direitos humanos. Neste ínterim, acredita-se que a educação seja uma das
principais ferramentas para humanizar o homem na sua essência constitutiva.
Os diplomas jurídicos demonstram considerável preocupação no que diz
respeito à consagração do direito à educação, porém, sua concretização no
mundo do ser ainda está por se realizar. Daí que emerge a função salutar da
jurisdição constitucional aberta, atrás da efetivação dos direitos sociais.
Com a presente pesquisa, busca-se observar: a educação e os direitos
humanos historicamente, destacando os mais relevantes documentos, tanto na
ordem nacional, quanto na internacional; as políticas públicas educacionais
brasileiras na jurisdição constitucional aberta, apresentando exemplos
concretos.

2. Direitos Humanos, Constituição Federal da República Federativa do


Brasil de 1988 e Educação

Com o massacre de seres humanos que ocorreu na 2ª guerra mundial,


protagonizado pelo movimento nazista, a sociedade mundial clamou pelo
resgate e fortalecimento de direitos e garantias individuais do homem. Deste
anseio mundial, surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela
Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948.
Os direitos humanos, universais e invioláveis, passam a ocupar
gradativamente mais espaço nas Constituições contemporâneas, mas com o
nome de direitos fundamentais. E a incorporação dos direitos humanos na lei
constitucional, ocorreu de forma mais ágil nos países que justamente sofreram
com os regimes totalitários: Alemanha, Itália, Espanha, entre outros 3.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição Federal
possuem, dentre outras, a característica de serem formuladas em situações de
pós-ruptura4.
A Constituição Federal de 1988 surge no Brasil após a queda do regime
militar e sua limitação aos direitos civis e políticos que ocorreu em 1964-1985,
gerando um novo momento político-social na nação. Trata-se do período
democrático, onde a sociedade passa a ter papel fundamental como detentora
da soberania, passado a determinar os rumos da nação através de uma efetiva
participação política.
Em que pese o futuro não ratificar esta ideologia, esses eram os valores
defendidos pela Assembleia Nacional Constituinte (ANC) à época da
elaboração da Constituição.

3
LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional aberta. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2007.
4
LAFER, Celso; FONSECA JÚNIOR, Gelson. Questões para a diplomacia no contexto
internacional das polaridades indefinidas (notas analíticas e algumas sugestões). In: FONSECA
JÚNIOR, Gelson; CASTRO, Sergio Henrique Nabuco de. Temas de política externa brasileira
II. V. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra/Fundação Alexandre de Gusmão/Instituto de Pesquisas de
Relações Internacionais, 1994.
Enfim, mesmo o Brasil tendo passado por diversas crises políticas e
sociais nas décadas anteriores, o anseio popular no sentido de positivar
axiologias de um Estado Democrático de Direito, foi maior, daí o extenso rol de
direitos políticos, civis e sociais na Carta Magna de 1988, entre estes direitos,
afirmava-se o direito à educação.

A garantia legal de direitos sociais sem base na realidade não tem


efeito necessariamente negativo, embora corra o risco de criar
ceticismo generalizado, o que, de certa forma, não deixa de ocorrer no
Brasil. Todavia, a instituição desses direitos, de caráter programático,
tem servido, também, para nortear o desenvolvimento social, ao
orientar as ações dos cidadãos, das organizações sociais e políticas,
bem como do Poder Público5.

Tanto a Constituição Federal quanto a Declaração Universal dos Direitos


Humanos, foram expoentes em seus períodos históricos. A Declaração
Universal tratou de reconstruir os direitos humanos em nível internacional,
representando o fim do movimento nazista. Por outro lado, a Constituição
resgatou a democracia brasileira, representando a queda do período militar.
Neste caminho de renovação, a educação possui papel relevante capaz
de aplicar, afirmar e desenvolver os direitos humanos, por isso o interesse dos
países em consagrar a educação em direitos humanos em diversos
documentos internacionais, no intuito de prevenir o aparecimento de novos
movimentos totalitários.
Cabe destacar que a educação surge como direito em 1793 na
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, expoente da Revolução
Francesa. Nesse diploma, garante-se o direito à instrução no item XXII: "A
instrução é a necessidade de todos. A sociedade deve favorecer tom todo o
seu poder o progresso da inteligência pública e colocar a instrução ao alcance
de todos os cidadãos".
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem –
Resolução XXX, Ata Final, aprovada na IX Conferência Internacional
Americana, em Bogotá, em abril de 1948, também antecedeu a Declaração
Universal de Direitos Humanos, afirmando em seu artigo XII que: “Toda pessoa
tem direito à educação, que deve inspirar-se nos princípios da liberdade,

5
CASTRO, Marcelo L. Ottoni de. A educação na Constituição de 1988 e a LDB. Brasília: André
Quicé, 1998, p. 02.
moralidade e solidariedade humana”. Só após é que a Declaração Universal
dos Direitos Humanos proclama em seu artigo XXVI o direito à instrução:

1. Toda pessoa tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo


menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar
será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos,
bem como a instrução superior, esta baseada no mérito. 2. A instrução
será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade
humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas
liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a
tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos raciais ou
religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da
manutenção da paz. 3. Os pais têm prioridade de direito n escolha do
gênero de instrução que será ministrada a seus filhos.

A Declaração Universal dos Direitos da Criança, proclamada pela


Resolução da Assembleia Geral 1386 (XIV), de 20 de Novembro de 1959, em
seu princípio VII, segue a mesma trilha:

A criança tem direito à educação, que deve ser gratuita e obrigatória,


pelo menos nos graus elementares. Deve ser-lhe ministrada uma
educação que promova a sua cultura e lhe permita, em condições de
igualdade de oportunidades, desenvolver as suas aptidões mentais, o
seu sentido de responsabilidade moral e social e tornar-se um membro
útil à sociedade.

A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação


Racial (1965), adotada pela Resolução 2.106-A (XX) da Assembleia Geral das
Nações Unidas, em 21.12.1965 - ratificada pelo Brasil em 27.03.1968, prevê
em seu artigo 5º, “v” o gozo ao “direito à educação e à formação profissional”.
Após, no decorrer da história, a educação vem contemplada no Pacto
Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais - 16 de dezembro de
1966 e ratificado pelo Brasil em 24 de Janeiro de 1992, tratando em seu Art.
13:

1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda


pessoa à educação. Concordam em que a educação deverá visar o
pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua
dignidade e fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades
fundamentais. Concordam ainda em que a educação deverá capacitar
todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre,
favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as
nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e
promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da
paz.
2. Os Estados partes do Presente Pacto reconhecem que, com o
objetivo de assegurar o pleno exercício desse direito:
a) a educação primária deverá ser obrigatória e acessível
gratuitamente a todos;
b) a educação secundária em suas diferentes formas, inclusive a
educação secundária técnica e profissional, deverá ser generalizada e
tornar-se acessível a todos, por todos os meios apropriados e,
principalmente, pela implementação progressiva do ensino gratuito;
c) a educação de nível superior deverá igualmente tronar-se acessível
a todos, com base na capacidade de cada um, por todos os meios
apropriados e, principalmente, pela implementação progressiva do
ensino gratuito;
d) dever-se-á fomentar e intensificar, na medida do possível, a
educação de base para aquelas que não receberam educação primária
ou não concluíram o ciclo completo de educação primária;
e) será preciso prosseguir ativamente o desenvolvimento de uma rede
escolar em todos os níveis de ensino, implementar-se um sistema de
bolsas estudo e melhorar continuamente as condições materiais do
corpo docente.

A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) entrou em vigor no


Brasil em 23 de outubro de 1990 e estabelece:

1. Os Estados Partes reconhecem o direito da criança à educação e, a


fim de que ela possa exercer progressivamente e em igualdade de
condições esse direito, deverão especialmente:
a) tornar o ensino primário obrigatório e disponível gratuitamente para
todos;
b) estimular o desenvolvimento do ensino secundário em suas
diferentes formas, inclusive o ensino geral e profissionalizante,
tornando-o disponível e acessível a todas as crianças, e adotar
medidas apropriadas tais como a implantação do ensino gratuito e a
concessão de assistência financeira em caso de necessidade;
c) tornar o ensino superior acessível a todos com base na capacidade
e por todos os meios adequados;
d) tornar a informação e a orientação educacionais e profissionais
disponíveis e accessíveis a todas as crianças;
e) adotar medidas para estimular a freqüência regular às escolas e a
redução do índice de evasão escolar.
2. Os Estados Partes adotarão todas as medidas necessárias para
assegurar que a disciplina escolar seja ministrada de maneira
compatível com a dignidade humana da criança e em conformidade
com a presente convenção.
3. Os Estados Partes promoverão e estimularão a cooperação
internacional em questões relativas à educação, especialmente visando
a contribuir para a eliminação da ignorância e do analfabetismo no
mundo e facilitar o acesso aos conhecimentos científicos e técnicos e
aos métodos modernos de ensino. A esse respeito, será dada atenção
especial às necessidades dos países em desenvolvimento.

A educação no Brasil é prevista como direito constitucional em sua Lei


Maior, no capitulo III, seção I, sendo direito de todos e dever do Estado, bem
como da família, ainda, : "será promovida e incentivada com a colaboração da
sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho".
Neste resgate histórico, Fischmann sugere a unificação dos diplomas
internacionais e nacionais através de um "divisor de águas" no que se refere ao
direito à educação, qual seja, a Declaração e Programa de Ação da
Conferência Mundial de Educação para Todos em 1990:

No campo da educação – e para colocarmos um marco temporal nesse


processo de dupla mão entre o nacional e o internacional –, vale
mencionar 1990, quando o Brasil participou da elaboração e assinou a
Declaração e Programa de Ação da Conferência Mundial de Educação
para Todos, realizada em Jomtien. Essa e conferências correlatas
posteriores no campo da educação têm levado o Brasil a buscar
atender compromissos internacionais assumidos que encontram
profunda relação com as reivindicações internas, em nível nacional.
Assim, pode-se afirmar que nos últimos 18 anos medidas voltadas para
o pleno atendimento do direito à educação têm sido encaradas como
política de Estado e não de governo, promovendo ganhos substanciais
nos esforços realizados6.

De fato, tal documento pode ser considerado o atual ápice do direito à


educação, tanto na ordem nacional, quanto na internacional, no que se refere à
salvaguarda da educação, e tão somente ratificou o direito positivo brasileiro já
existente sobre o tema.
Outra ferramenta de cunho internacional, relacionada à temática direitos
humanos e educação, foi a Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada
em Viena, 1993. A Conferência reafirmou que os Estados signatários dos
Tratados Internacionais que envolvam direitos humanos, estão moralmente
obrigados a garantir que o direito à educação conduza ao objetivo de reforçar a
dignidade humana e as liberdades fundamentais.
Outro ponto de grande impacto desta Conferência foi a advertência de
se incluir o tema “direitos do homem” nos programas educacionais dos países-
membros, no intuito de desenvolver a compreensão, a tolerância e as relações
pacíficas entre todos os povos, independentemente da religião ou raça. A
Declaração de Viena e o Programa de Ação aduzem no item 33:

a educação em matéria de direitos do homem e a disseminação de


informação adequada, tanto ao nível teórico como prático,
desempenham um papel importante na promoção e no respeito dos
Direitos do homem relativamente a todos os indivíduos, sem qualquer
distinção de raça, sexo, língua ou religião, o que deverá ser incluído
nas políticas educacionais, quer a nível nacional, quer a nível
internacional. A Conferência Mundial sobre Direitos do Homem salienta
6
FISCHMANN, Roseli. Constituição brasileira, direitos humanos e educação. Rev. Bras. Educ.,
Rio de Janeiro , v. 14, n. 40, 2009, p. 159.
que as limitações de recursos e as inadequações institucionais podem
impedir a imediata concretização destes objetivos.

No caminho histórico sobre direitos humanos e educação, é importante


destacar a Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento, reunida
no Cairo, no período de 5 a 13 de setembro de 1994, que trouxe importantes
iniciativas sobre o assunto educação em direitos humanos. Foi o maior evento
internacional até então realizado sobre temas populacionais, sendo o acesso à
educação uma das três metas a serem atingidas até 2015.
No ano seguinte, ocorre a Conferência Mundial sobre Desenvolvimento
Social realizada em Copenhague, em 1995, onde participaram 185
representantes de governo e 117 chefes de estado e de governo. Na
Declaração de Copenhague surgiu, dentre outros compromissos, o objetivo de
promover o pleno respeito pela dignidade humana e o acesso de todos à
educação de qualidade.
Em 1996, o Brasil promulga a Lei de Diretrizes e Bases - LDB,
assentada no princípio do direito universal à educação para todos, para tanto,
incluiu as creches e pré-escolas como sendo as primeiras etapas da educação
básica. O ensino fundamental passa a ser obrigatório para todos.
Em 2000 é realizada a Declaração do Milênio - Objetivos do
Desenvolvimento do Milênio, Nova Iorque - pela Organização das Nações
Unidas e subscrita pelos 189 estados-membros. A declaração formulou 8
grandes objetivos que representam um compromisso da comunidade
internacional para com o desenvolvimento humano a nível global. Um dos
objetivos é alcançar a educação básica para todos.
Desde então, a educação em direitos humanos ganha notoriedade no
cenário interno, passando a ser objeto de políticas públicas educacionais.
Inclusive a disciplina de direitos humanos passa a ser introduzida na grade
curricular de diversos centros de ensino. Isso demonstra que o Brasil está
cumprindo com seu dever de internalizar os direitos humanos, especialmente
no que se refere à educação, embora ainda existam situações de
complexidade para serem resolvidas no que tange à sua efetivação.
Isto, pois, o direito à educação mostra-se umbilicalmente vinculado à
efetivação dos direitos humanos. A Constituição Federal e a Declaração
Universal elevam o direito à educação ao patamar de direito social
fundamental, capaz de promover uma sociedade digna, igualitária e
democrática.
Neste diapasão, acredita-se que a educação seja um importante
instrumento capaz de humanizar os seres humanos, no sentido de não ser
apenas um direito, mas sim um elemento que constitui essencialmente o
homem como um todo. Aliás, na ordem cronológica apresentada, pode-se aferir
que o direito à educação estava fortemente vinculado ao próprio
desenvolvimento dos direitos humanos7.
Os documentos nacionais e internacionais oferecem ampla proteção ao
direito à educação, no entanto, como comentado alhures, os direitos sociais
ainda carecem de efetiva realização no plano concreto. Daí que surge o
importante papel da chamada jurisdição constitucional aberta na busca da
concretização dos direitos sociais.

3. A educação como um direito humano-social-fundamental, a


jurisdição constitucional aberta e as políticas públicas brasileiras

A educação faz parte do rol dos direitos sociais, derivada de conquistas


que a sociedade alcançou com o passar dos tempos. Nesta senda, Cesarino
Junior8 aduz que todo direito é per si de cunho social, haja vista que não há
direito sem sociedade. É um direito social, pois, a educação, dentre outros
objetivos, objetiva o reequilíbrio social de uma nação, não servindo tão
exclusivamente ao sujeito.
De fato, os direitos sociais têm um nobre aspecto social, não obstante
serem destinados às necessidades basilares do sujeito. Acontece que, suas
consequências, no caso de sua não concretização, inevitavelmente serão
arcadas por toda a coletividade.

A proteção social se preocupa sobretudo com os problemas individuais


de natureza social, assim entendidos aqueles que, não solucionados,
têm reflexos diretos sobre os demais indivíduos e, em última análise

7
DIAS, Adelaide Alves. Da educação como direito humano aos direitos humanos como
princípio educativo. Em R. M. G. Silveira, A. A. Dias, L. F. G. Ferreira, M. L. P. A. M. Feitosa &
M. N. T. Zenaide (Orgs.), Educação em direitos humanos: fundamentos teórico-metodológicos.
João Pessoa: Universitária, 2007.
8
CESARINO JUNIOR, A. F. Direito Social Brasileiro. 1º volume. 6 ed. São Paulo: Saraiva,
1970.
sobre a sociedade. A sociedade então, por intermédio de seu agente
natural, o Estado, se antecipa a esses problemas, adotando para
resolvê-los principalmente medidas de proteção social9.

Na Constituição Federal, os Direitos Sociais encontram-se dentro do


título específico aos direitos fundamentas. O artigo 6º enumera, dentre outros
direitos, o direito à educação. Por tratar-se de um direito fundamental, a
educação tem imediata aplicação, podendo-se recorrer ao Estado para sua
concretização.
Além do mais, ainda que não existisse suporte constitucional, a
República Federativa do Brasil estaria obrigada a garantir o direito à educação,
pois é signatária de acordos internacionais que consagram os direitos sociais
ao plano de direitos humanos fundamentais, como ocorre no Pacto
Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais de 1966 e,
portanto, aplicáveis a todos, onde quer que estejam. Mais ainda, o direito à
educação é:

um direito social proeminente, como um pressuposto para o exercício


adequado dos demais direitos sociais, políticos e civis. [...] além de ser
um direito social, a educação é um pré-requisito para usufruir-se dos
demais direitos civis, políticos e sociais emergindo como um
componente básico dos Direitos do Homem10.

Por outro lado, como mencionado anteriormente, torna-se complexo a


questão da efetivação destes direitos sociais, ainda mais numa nação com
grandes desigualdades como é o Brasil. Nesta linha é a lição de Bobbio:

Uma coisa é proclamar esse direito, outra é desfruta-lo efetivamente. A


linguagem dos direitos tem indubitavelmente uma grande função
prática, que é emprestar uma força particular às reivindicações dos
movimentos que demandam para si e para os outros a satisfação de
novos carecimentos materiais e morais; mas ela se torna enganadora
se obscurecer ou ocultar a diferença entre o direito reivindicado e o
direito reconhecido e protegido.
[...]
O importante não é fundamentar os direitos do homem, mas protegê-
los. Não preciso aduzir aqui que, para protegê-los, não basta proclamá-
los. [...] O problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das

9
LEITE, Celso Barroso. A proteção Social no Brasil. São Paulo: LTR, 1972, p. 21.
10
MACHADO, Lourdes Marcelino e OLIVEIRA, Romualdo Portela de. Direito à educação e
legislação de ensino. In: WITTMANN, Lauro Carlos; GRACINDO, Regina Vinhaes (org.) O
estado da arte em política e gestão de educação no Brasil – 1991-1997. Brasília: ANPAE e
Campinas: Autores Associados, 2001, p. 57.
medidas imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses
direitos11.

Com a internalização destes novos direitos nas Constituições, há


também uma inovação no que tange à extensão dos direitos, já que os direitos
clássicos eram limitados no ordenamento jurídico. Logo, os direitos
fundamentais se revestem com uma qualificação material e objetiva, tornando-
os aplicáveis em toda a ordem jurídica.
Nesta senda, os direitos fundamentais caracterizam-se por uma dupla
significação: de um lado são direitos subjetivos de liberdade, invocados contra
o Estado, de outra banda, são normas objetivas com validade contra todos na
ordem jurídica12. Em outras palavras, há plena aplicação dos direitos
fundamentais de caráter objetivo, haja vista que estes se aplicam com seus
princípios a todo ordenamento jurídico.
Portanto, com a existência dos ditos direitos fundamentais no
ordenamento constitucional, passa a viger uma incidência mais alargada dos
direitos. Os direitos fundamentais possuem uma qualificação objetiva que os
garante incidir em todo o corpo jurídico.
Este processo pode ser chamado de judicialização dos direitos sociais
ou das políticas públicas. Este novo aspecto do Estado social, reduz a
discricionariedade do legislador, transferindo paulatinamente a competência de
decisão sobre as questões constitucionais ao poder Judiciário. Trata-se da
jurisdição constitucional destinada a guarnecer juridicamente e politicamente os
direitos fundamentais e sociais do indivíduo13.
Este novo panorama de aplicação dos direitos fundamentais, confere à
Carta Magna um aspecto mais amplo e aberto, o que requer maior trabalho
hermenêutico por parte do poder judicante para estipular a amplitude de cada
direito no caso concreto, precipuamente quando estão em conflito com outros
direitos fundamentais.
Com efeito, o poder Judiciário tem sido convocado a decidir sobre
contendas que exigem uma maior pró-atividade, o que não se coaduna com
seu papel original a que lhe fora atribuído. Nesta senda é possível afirmar
11
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992, p. 10.
12
CRUZ, Op Cit.
13
LEAL, Op Cit.
existir um fenômeno chamado de judicialização, que nada mais é do que uma
ampliação das atividades jurisdicionais, derivadas de uma multiplicidade de
fatores. Tal fenômeno se relaciona com os novos anseios que a sociedade
globalizada desenvolve, como o desejo de efetivar as políticas públicas
educacionais.
Devido este caráter pluralista da sociedade moderna, não se deve
restringir a amplitude da hermenêutica constitucional, pelo contrário, a
interpretação hermenêutica deve estar em constante atualização a fim de
manter-se em sintonia com a volátil realidade contemporânea político-social 14.
Enfim, a concretização efetiva do direito à educação ainda está por
ocorrer. Este efetivação é, “pois, tarefa de todos os que trabalham em prol da
promoção e defesa dos direitos humanos, lutar pela efetividade do direito à
educação ao tempo em que também nos compete denunciar sua violação”15.
O direito à educação só se efetivará quando o povo brasileiro tiver total
acesso a um ensino qualidade, incluído aí a educação infantil, o ensino
fundamental e o ensino médio. A educação também pressupõe universalidade,
gratuidade e obrigatoriedade, sendo que, na falta de um destes elementos, o
direito à educação estará deficiente.
Mais do que nunca, é preciso que todos desenvolvam suas condutas
pró-ativamente de modo a buscar a implementação do acesso à uma educação
de qualidade, notadamente o poder Judiciário, pois do contrário, com uma
atitude passiva diante da inatividade do poder Executivo, todos estarão fadados
à uma educação deficiente. Para não ficar apenas na teoria, apresenta-se
alguns casos reais para exemplificar o debate em questão.
Em 2005, o município de Santo André-SP interpôs Agravo Regimental
contra a decisão que conheceu e deu provimento ao Recurso Extraordinário
410.715-5 deduzido pelo Ministério Público do Estado de São Paulo.
A parte agravante, em suas razões recursais, aduziu que configura
ingerência indevida do Judiciário no poder discricionário do Executivo, o
deferimento de liminares e de sentenças obrigando este a matricular crianças
em creches.

14
CRUZ, Op Cit.
15
DIAS, Op Cit. p. 449.
O Senhor Ministro Celso de Mello (Relator) aduziu em seu brilhante voto
que o objetivo almejado pelo legislador constituinte sobre educação infantil, é
sua implementação através de políticas públicas e a sua não-realização
configura uma situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao
Poder Público.
Diante deste quadro, o Ministro entendeu viável a utilização de
provimento jurisdicional para efetivar a prerrogativa constitucional da educação,
com isso negou provimento ao Agravo.

E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CRIANÇA DE ATÉ


SEIS ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-
ESCOLA - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO ASSEGURADO PELO
PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV) -
COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO
PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, §
2º) - RECURSO IMPROVIDO. - A educação infantil representa
prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a
estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como
primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em
creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa
jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta
significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação
constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira
concreta, em favor das "crianças de zero a seis anos de idade" (CF, art.
208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de
pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão
governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral
adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs
o próprio texto da Constituição Federal. - A educação infantil, por
qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe,
em seu processo de concretização, a avaliações meramente
discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões
de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão,
prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art.
211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional,
juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei
Fundamental da República, e que representa fator de limitação da
discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas
opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art.
208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio
em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia
desse direito básico de índole social. - Embora resida, primariamente,
nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e
executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder
Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais,
especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos
encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter
mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade
de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A
questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina 16.

Esta decisão foi um marco na jurisprudência do Supremo Tribunal


Federal, balizando as demais que se seguiram sobre a matéria.
Outro exemplo foi a decisão sobre o Agravo Regimental no Recurso
Extraordinário 594.018-7, tendo por agravante o Estado do Rio de Janeiro.
Aqui, novamente o STF, na pessoa do Senhor Ministro Eros Grau (Relator),
negou provimento ao Agravo, aduzindo que, em que pese a prerrogativa de
formular e executar políticas públicas competir aos Poderes Legislativo e
Executivo, o Judiciário, em casos excepcionais, mormente nas políticas
públicas constitucionais, pode determinar a implementação destas pelos
órgãos estatais omissos:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CARÊNCIA DE
PROFESSORES. UNIDADES DE ENSINO PÚBLICO. OMISSÃO DA
ADMINISTRAÇÃO. EDUCAÇÃO. DIREITO FUNDAMENTAL
INDISPONÍVEL. DEVER DO ESTADO. ARTS. 205, 208, IV E 211,
PARÁGRAFO 2º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A educação é
um direito fundamental e indisponível dos indivíduos. É dever do
Estado propiciar meios que viabilizem o seu exercício. Dever a ele
imposto pelo preceito veiculado pelo artigo 205 da Constituição do
Brasil. A omissão da Administração importa afronta à Constituição. 2. O
Supremo fixou entendimento no sentido de que "[a] educação infantil,
por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se
expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente
discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões
de puro pragmatismo governamental [...]. Embora resida,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de
formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto,
ao Poder Judiciário determinar, ainda que em bases excepcionais,
especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela
própria Constituição, sejam essas implementadas pelos órgãos estatais
inadimplentes, cuja omissão - por importar em descumprimento dos
encargos políticos-jurídicos que sobre eles incidem em caráter
mandatório - mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade
de direitos sociais impregnados de estatura constitucional".
Precedentes. Agravo regimental a que se nega provimento 17.

16
RE 410715 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em
22/11/2005, DJ 03-02-2006 PP-00076 EMENT VOL-02219-08 PP-01529 RTJ VOL-00199-03
PP-01219 RIP v. 7, n. 35, 2006, p. 291-300 RMP n. 32, 2009, p. 279-290.
17
RE 594018 AgR, Relator(a): Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 23/06/2009,
DJe-148 DIVULG 06-08-2009 PUBLIC 07-08-2009 EMENT VOL-02368-11 PP-02360 RTJ VOL-
00211- PP-00564 RMP n. 43, 2012, p. 217-225.
Outro Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo
639.337 que mereceu improvimento por parte do STF, foi o interposto pelo
município de São Paulo-SP. O Agravante foi obrigado judicialmente a
matricular crianças em unidades de ensino infantil próximas de sua residência
ou do endereço de trabalho de seus responsáveis legais.
O Ministro Relator, Senhor Celso de Mello, argumentou no sentido do
alto significado e no irrecusável valor constitucional que o direito à educação
possui, principalmente diante do dever que cabe ao Poder Público de torná-lo
real. E assim é, pois, do contrário, a integridade e eficácia da própria
Constituição restaria comprometida, motivada pela inércia do Estado em
descumprir prestações positivas impostas ao Poder Público:

E M E N T A: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE -


ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE
OBRIGA O MUNICÍPIO DE SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS
EM UNIDADES DE ENSINO INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA
RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE TRABALHO DE SEUS
RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA DIÁRIA POR
CRIANÇA NÃO ATENDIDA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR
OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO
ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL -
COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À
EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO
PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, §
2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA INTERVENÇÃO DO
PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL NA
IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA
CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO
POSTULADO DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO
JUDICIAL DE DIREITOS SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A
QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS” - RESERVA DO
POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL, DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL - RECURSO DE
AGRAVO IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL
INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER
JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE
CONSTITUCIONAL. - A educação infantil representa prerrogativa
constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura,
para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do
processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à
pré-escola (CF, art. 208, IV). - Essa prerrogativa jurídica, em
conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social
de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de
criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em
favor das “crianças até 5 (cinco) anos de idade” (CF, art. 208, IV), o
efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola,
sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a
frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder
Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da
Constituição Federal. - A educação infantil, por qualificar-se como
direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de
concretização, a avaliações meramente discricionárias da
Administração Pública nem se subordina a razões de puro
pragmatismo governamental. - Os Municípios - que atuarão,
prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art.
211, § 2º) - não poderão demitir-se do mandato constitucional,
juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei
Fundamental da República, e que representa fator de limitação da
discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas
opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art.
208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio
em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia
desse direito básico de índole social. - Embora inquestionável que
resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a
prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se
possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases
excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas
públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas
implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por
descumprirem os encargos político- -jurídicos que sobre eles incidem
em caráter impositivo, vierem a comprometer, com a sua omissão, a
eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de
estatura constitucional18.

Pois bem, da conjugação da doutrina e da jurisprudência exposta até


agora, avulta no entendimento de que a educação é direito humano-
fundamental-social que a todos deve atingir. Logo, a educação é uma
prerrogativa determinada pela ordem constitucional, portanto indisponível, o
que acarreta ao poder público Estado o dever de implementar condições reais
de efetivo acesso ao ensino.
Em outras palavras, diante da omissão do Estado, fica assente na
jurisprudência do STF de que é possível ao Poder Judiciário determinar a
efetivação de políticas públicas educacionais constitucionalmente previstas,
sem que haja violação de competências, notadamente no que diz respeito ao
poder discricionário do Executivo.
As políticas públicas sociais, mormente as educacionais, nada mais são
do que ações afirmativas de efetivação da igualdade material. Seu escopo é
mitigar não apenas as desigualdades sociais, mas também a discriminação
como um todo, mormente aquelas incrustadas na sociedade.
Diante desta grande prioridade que é a educação, torna-se legítima a
intervenção excepcional do poder judicante, em casos de inadimplência do

18
ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em
23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-09-2011 EMENT VOL-02587-01 PP-
00125.
poder público competente para com políticas públicas previstas na ordem
constitucional.

4. Considerações finais
O Brasil necessita urgentemente de concretização de uma educação
ampla e de qualidade, algo necessário na consolidação do chamado Estado
Democrático de Direito. Para tanto, a proteção e garantia da educação e dos
direitos humanos mostra-se realizada teoricamente em diversos documentos
nacionais e internacionais.
Entretanto, a educação, enquanto um direito social, humano e
fundamental, capaz de humanizar o homem, ainda resta por acontecer no
plano concreto, devido a existência de uma grande lacuna educacional e social
no povo brasileiro. Neste ponto se faz mister o papel do poder judiciário no que
diz respeito ao controle jurisdicional das políticas públicas educacionais e no
incentivo a uma cultura para educação em direitos humanos.
Neste incipiente trabalho, observa-se a função preponderante que
assume a educação e que sua verdadeira implementação ainda está por
ocorrer. Estes 25 anos de vida da Constituição Federal brasileira e 65 anos da
Declaração Universal, mostram que o difícil trabalho de efetivação dos direitos
humanos e fundamentais não está completo.
Enfim, esta tarefa deve ser trabalhada em colaboração com todos os
poderes do Estado e da sociedade. Reconhecer a educação como uma
ferramenta de ascensão social é acreditar na busca por um espaço melhor,
digno e de respeito, tendo por base os preceitos da Constituição Federal e da
Declaração Universal e, sem dúvida, a jurisdição Constitucional Aberta possui
papel de destaque neste atual panorama jurídico do Brasil.

5. Referências

ALVES, Felipe Dalenogare; LEMOS, Maitê Damé Teixeira. O controle


jurisdicional de políticas públicas relativas à educação. In: Anais do X
Seminário Internacional de Demandas Sociais e Políticas Públicas na
Sociedade Contemporânea & VI Mostra de Trabalhos Jurídicos Científicos.
Santa Cruz do Sul: EdUNISC, 2013.
ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático.
In: Revista de Direito Administrativo. v. 217, Jul/Set, 1999.

BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

BENAVIDES, Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata?


Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, São
Paulo, 18/02/2000.

CASTRO, Marcelo L. Ottoni de. A educação na Constituição de 1988 e a LDB.


Brasília: André Quicé, 1998.

CESARINO JUNIOR, A. F. Direito Social Brasileiro. 1º volume. 6 ed. São Paulo:


Saraiva, 1970.

CRUZ, Luiz M. Estudios sobre el neoconstitucionalismo. México: Porrúa, 2006.

DIAS, Adelaide Alves. Da educação como direito humano aos direitos humanos
como princípio educativo. Em R. M. G. Silveira, A. A. Dias, L. F. G. Ferreira, M.
L. P. A. M. Feitosa & M. N. T. Zenaide (Orgs.), Educação em direitos humanos:
fundamentos teórico-metodológicos. João Pessoa: Universitária, 2007.

ESTEVÃO, Carlos V. Educação, Sociedade & Culturas. Universidade do Minho,


Instituto de Educação e Psicologia (Braga/Portugal). nº 25, 2007.

FISCHMANN, Roseli. Constituição brasileira, direitos humanos e educação.


Rev. Bras. Educ., Rio de Janeiro , v. 14, n. 40, 2009.

GORCZEVSKI, Clóvis. Direitos humanos, educação e cidadania: conhecer,


educar, praticar. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2009.

GORCZEVSKI, Clovis; MARTIN, Nuria Belloso. A necessária revisão do


conceito de cidadania: movimentos sociais e novos protagonistas na esfera
pública democrática. Santa Cruz do Sul : EDUNISC, 2011.

LAFER, Celso; FONSECA JÚNIOR, Gelson. Questões para a diplomacia no


contexto internacional das polaridades indefinidas (notas analíticas e algumas
sugestões). In: FONSECA JÚNIOR, Gelson; CASTRO, Sergio Henrique
Nabuco de. Temas de política externa brasileira II. V. 1. Rio de Janeiro: Paz e
Terra/Fundação Alexandre de Gusmão/Instituto de Pesquisas de Relações
Internacionais, 1994.

LEAL, Mônia Clarissa Hennig. Jurisdição Constitucional aberta. Rio de Janeiro:


Lumen Juris, 2007.

______. Jurisdicción constitucional, judicialización y activismo judicial desde la


perspectiva del Supremo Tribunal Federal brasileño. Sevilla: Punto Rojo Libros,
2013.
LEAL, Rogério Gesta. Os descaminhos da corrupção e seus impactos sociais e
institucionais: causas, consequências e tratamentos. Interesse Público, Belo
Horizonte, v. 14, n. 74, jul./ago. 2012a. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/51255>. Acesso em: 07/07/2013.

LEAL, Rogério Gesta. Patologias corruptivas nas relações entre Estado,


adminstração pública e sociedade: causas, conseqüências e tratamentos.
Cadernos de Pós-Graduação em Direito/UFRGS, vol. VII, n.º 1, 2012b.

LEITE, Celso Barroso. A proteção Social no Brasil. São Paulo: LTR, 1972.

MACHADO, Lourdes Marcelino e OLIVEIRA, Romualdo Portela de. Direito à


educação e legislação de ensino. In: WITTMANN, Lauro Carlos; GRACINDO,
Regina Vinhaes (org.) O estado da arte em política e gestão de educação no
Brasil – 1991-1997. Brasília: ANPAE e Campinas: Autores Associados, 2001.

ROCHA, Eduardo Braga. A implementação de políticas públicas pelo Poder


Judiciário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 98, mar 2012. Disponível em:
<http://www.ambito-uridico.com.br/site/index.php?
n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11266>. Acesso em set 2013.

Você também pode gostar