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DIREITO À EDUCAÇÃO: A EXPRESSÃO DOS DIREITOS HUMANOS

NA ESCOLA EM TEMPO INTEGRAL.1

Almira Almeida Cavalcante


Marinalva de Sousa Conserva
Jorge Manuel Leitão Ferreira
Magdeliny Lima de Albuquerque2

Resumo: Este artigo reflete sobre o direito à educação, enquanto direito humano universal,
contemplado no Artigo XXVI da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). Por
conseguinte, a educação ocupa lugar central na mediação da conquista de outros direitos. Nossa
proposta aqui é analisar o espaço ocupado pelos direitos humanos na Educação Básica,
ampliando a reflexão para modalidade de educação em tempo integral. Esta experiência resulta
do trabalho como assistente social em uma escola pública que oferta a Educação Básica em
João Pessoa, capital da Paraíba/Brasil no período de 5 anos. A metodologia de investigação foi
desenvolvida por meio da observação participante, numa perspectiva crítica dialética de análise
do cotidiano escolar. Para tanto, utilizamos: além da observação das atividades diárias na
escola, diário de campo, consulta a documentos e legislação sobre educação no contexto
integral, relatórios e fichas de atendimento dos estudantes e referências bibliográficas. O
contexto analisado permeado por aspectos antagônicos presentes na vida da população
atendida, no qual se fundem relações de inclusão e exclusão; proteção e desproteção; segurança
e vulnerabilidade; pós-modernidade e conservadorismo; direito efetivado e direito violado;
dentre outras contradições que se manifestam no mesmo espaço. O olhar investigativo desvelou
o caráter excludente de um ambiente diversificado em termos de relações sociais e direitos.
Percebemos encontros e desencontros entre as diferenças e similitudes que envolvem questões
de gênero, étnicas, pessoa com deficiência, entre outras. Apesar do avanço legal previsto no
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, concluímos que a efetivação da proposta
caminha a passos lentos.
Palavras-chave: Escola. Educação Integral. Direitos Humanos.

1GT 11 – Estado, Sociedade civil e a implementação das políticas de proteção para crianças e adolescentes na
perspectiva dos Direitos Humanos.

2 Almira Almeida Cavalcante, Universidade Federal da Paraíba, almiracavalcante@hotmail.com. Jorge Manuel


Leitão Ferreira, Instituto Universitário de Lisboa, jorge.manuel.ferreira@iscte-iul.pt. Marinalva de Sousa
Conserva, Universidade Federal da Paraíba, mcaoserv@uol.com.br. Magdeliny Lima de Albuqerque, Secretaria
de Educação de João Pessoa, magdeliny@gmail.com.

1
1. Introdução

O tema da formação em direitos humanos tem sido foco de amplo debate na


contemporaneidade. Perceber a escola como território3 privilegiado desta formação se apresenta
como o maior desafio a sua concretização. O lugar do direito à educação como direito humano
universal é compreendido de forma ampla como direito à instrução. Tal direito fomenta o
respeito aos direitos fundamentais.
O direito à educação está contemplado na Declaração Universal dos Direitos Humanos
(DUDH,1948). Porém, ainda que este represente o documento norteador das demais legislações
que primam pelo respeito aos direitos humanos, na prática, não logrou espaço no currículo
escolar e, consequentemente, não se manifesta no cotidiano da escola, ainda que haja consenso
que a educação ocupa lugar central na disseminação da cultura dos direitos humanos de forma
universal.
A partir da orientação da DUDH, percebemos que o ato de educar na perspectiva dos
direitos humanos traz como desafio maior a ausência desta compreensão pelos educadores, que
no contexto da escola, assumem o papel de sujeitos disseminadores do conhecimento e
consequentemente, atores importantes na disseminação dos direitos outorgados pelo Estado,
bem como o papel de promotor da materialização destes direitos para os educandos, que
ocupam a posição primordial de sujeito de direitos.
A proposta de desvelar a possibilidade de educar em, e para os diretos humanos surge
como tema central deste estudo. A partir do olhar investigativo voltado para o nível de Educação
Básica do cotidiano da escola pública da rede municipal de Ensino, a qual atende as
modalidades de Educação Infantil e Ensino Fundamental I4, localizada na cidade de João
Pessoa/Paraíba/Brasil. A unidade de ensino investigada atua na modalidade de ensino em tempo
integral.
A educação em tempo integral está regulamentada na Lei de Diretrizes e Base da
Educação (LDB, Lei N. 9.394/96) e ratificada pelo Plano Nacional de Educação (PNE 2014-

3
Nos apropriamos do conceito de território configurado por uma produção historicamente construída; enquanto
espaço geográfico constituído por Milton Santos: “O espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e
também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente, mas como o
quadro único no qual a história se dá” (Santos, 2017:63).
4
A educação infantil contempla a o Pré-escola I e II que se refere aos primeiros anos na escola e atende
crianças na faixa etária de quatro seis ano. O Ensino Fundamental I contempla do primeiro ao quinto
ano e atende crianças e adolescentes na faixa etária de 7 a 15 aproximadamente.

2
2024) e demais legislações vigentes. O PNE (2014-2024) aponta metas que visam uma
educação voltada para os direitos humanos e para ampliação da cidadania no âmbito da
Educação como um todo, de modo que o sistema educacional aplique uma pedagogia que
compreenda a diversidade dos sujeitos.
De acordo com o PNE, a educação em tempo integral se concretiza por meio da
articulação com as demais políticas setoriais. Ela amplia a função da escola enquanto espaço
de proteção social, exigindo novas atribuições e estratégias condicionadas ao tempo e ao espaço
sobre o qual as ações se realizam para além da prática pedagógica. Este formato de educação
aponta para educação em direitos humanos.
Tosi (2010), assevera que a temática dos direitos humanos só foi introduzida no Brasil, a
partir da resistência à ditadura, na segunda metade da decáda de 1970, por meio das Comissões
de justiça e paz, Centros de Defesa dos Direitos Humanos e Centros de Educação Popular 5.
Estes organismos restituiram a importância da prática dos direitos humanos para consolidação
de uma sociedade democrática, bem como, induziram a população a reinvidicar pela
regulamentação destes direitos, haja vista a Constituição Federal de 1988.
No âmbito da educação, a discussão da temática dos direitos humanos surge no primeiro
momento em 1993 na II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos. Em 2004, foi elaborado
pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), o
plano de ação para o Programa Mundial para Educação em Direitos Humanos6.
No Brasil, o primeiro Plano Nacional de Direitos Humanos foi instituído em 1996, este
Plano: “apresenta propostas para formulação e implementação de políticas públicas na área dos
Direitos Humanos, e transversalização dos direitos humanos nos campos das políticas públicas,
dando relevência especial para a Educação em Direitos Humanos” (TOSI & FERREIRA, 2014,
p. 48-49).
Partimos nesta reflexão da compreensão da dupla dimensionalidade da educação como
direito-meio e direito-fim, apresentada pelo professor Alexandre Náder (2018), ou seja, como
direito humano básico, a qual estabelece como primeira vertente a educação como direito-fim,

5
Ações propostas pelas Dioceses e Comunidades de Base, representante da ala progressista da Igreja Católica e
de movimentos sociais.
6
A partir da Conferência Mundial de Viena, foram criados os Comitês Nacionais de Educação em Direitos
Humanos e os devidos Planos de Ação.

3
portanto, não pode ser negligenciada, por ser a apropriação do conhecimento necessária a todos
os seres humanos. Para o autor citado,

...essa apropriação do conhecimento torna-se um suporte instrumental


indispensável para o reconhecimento e a consequente luta, pela real
instauração, dos demais Direitos Humanos, uma vez que ela qualifica e
potencializa a atuação no sentido buscado, aquele da conquista dos referidos
direitos. Ou seja, estamos diante da vertente de Educação como direito-
meio...(NADER, 2018, p.134).

Portanto, pensar a educação em e para os direitos humanos na escola em tempo integral,


significa considerar as vertentes assinaladas pelo autor, como força motriz da prática dos
docentes e consequentemente, resignificar a formação dos discentes, tendo como fundamento
a identidade e a historicidade dos sujeitos.
Conforme assinala Bobbio (2004, p.13): “Direitos do homem são aqueles cujo
reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o
desenvolvimento da civilização, etc..” Assim, dada à luz do conhecimento o ser humano torna-
se capaz de perceber e reinvindicar outros direitos outrora violados.
A experiência vivenciada no cotidiano da escola, nos permitiu designá-la como instituição
privilegiada na aproximação, e consequentemente formação dos sujeitos na temática dos
direitos humanos. Conforme Assinala Silveira:

Uma instituição social, portanto, agrupa pessoas para a consecução de


finalidades que lhe foram socialmente atribuídas. Usualmente tem uma certa
duração, mas o processo de institucionalização é constante, dinâmico e pode
propiciar o surgimento de novas instituições ou mudanças no âmbito de
instituições já existentes, porque as interações sociais não são estáticas e
pressionam por mudanças, interferindo no ambiente institucional ou, quando
este se demonstra incompatível como outros interesses e valores sociais,
instituindo novas formas/ambientes socioinstitucionais (SILVEIRA, 2014, p.
211).

Não obstante, a escola, instituição social da prática educacional, surge como ambiente
privilegiado para o alcance da disseminação e prática de direitos humanos de forma
universal.
Nossa atuação como Assistente Social na educação integral no período de cinco anos,
provocou questionamentos e inquetudes quanto ao lugar ocupado pelos direitos humanos,
recorrentes do exercício do direito à educação. O contexto da população antendida pela Unidade
de Ensino, formada por crianças e adolescentes, sujeitos dos quais, os direitos foram

4
historicamente negligenciados. Trata-se de crianças e adolescentes advindos de famílias de
baixa renda, inseridas em comunidades com alto índice de vulnerabilidade social7. A percepção
sobre estes sujeitos, instigou nossa análise em primeiro plano na perspectiva de uma educação
voltada para os direitos humanos e posteriormente na aferição de como tais direitos se efetuam
no cotidiano da escola.
Este estudo resulta da experiência vivenciada no espaço ocupacional, deste modo, a
técnica de investigação ultilizada foi a observação participante, técnica pertinente para estudos
no qual o pesquisador tem um contato profundo como o objeto pesquisado. As contradições
percebidas pelo olhar profissional corroboraram com uma leitura crítica do olhar investigativo.
Para tanto, valhemo-nos da pesrpectiva crítica dialética como método de análise.
Para recolha dos dados utilizamos os seguintes instrumentais: observação das atividades
diárias realizadas com a comunidade escolar; registros de diário de campo; consulta a
documentos internos (Projeto Político Pedagógico, Regimento Interno, Plano de Trabalho
Escolar, Diretrizes da Educação da Secretaria do Município); e documentos externos (leis,
resoluções e normas) sobre educação na modalidade de tempo integral; relatórios e fichas de
atendimento dos estudantes; dentre outras referências bibliográficas citadas ao longo do texto.
A escolha dos instrumentos apontados como fonte de dados para investigação se deu de forma
aleatória, à medida que surgiam inquietudes acerca da ausência da temática dos direitos
humanos no cotidiano da escola. Em outras palavras, situações de violação de direitos
frequentemente vivenciadas, instigaram a necessidade da pesquisa.
Salientamos que o acesso as fontes de informações apresentadas obedeceram os
procedimentos éticos que conformam a dimensão investigativa, orientados pelo Código de
Ética do profissional de Serviço Social, o qual estabelece como competência do Assistente
Social no exercício da sua função: “planejar, executar e avaliar pesquisas que possam contribuir
para a análise da realidade social e para subsidiar ações profissionais”(CÓDIGO DE ÉTICA
DO ASSISTENTE SOCIAL, 2012, p. 45).
Pretendemos com este trabalho apontar que o processo de escolarização – entendido aqui
como direito humano à educação - precisa possibilitar para além do acesso ao conhecimento,

7
A concepção de vulnerabilidade denota a multideterminação de sua gênese não estritamente condicionada à
ausência ou precariedade no acesso à renda, mas atrelada também às fragilidades de vínculos afetivo-relacionais e
desigualdade de acesso a bens e serviços públicos. Conforme Carmo & Guizard (2018).

5
mas também a capacidade dos indivíduos de buscar mudanças e melhorias para vida a partir
dele.
A atuação profissional pautada na dimensão dos direitos humanos deve estender-se a
todos os trabalhadores da educação, de modo que toda a comunidade escolar compreenda
profundamente a temática. Entender que os Direitos Humanos não estão isolados e nem surgem
como componente do currículo, mas trata-se de uma concepção de educação propositiva, de
uma abordagem educativa em e para os direitos humanos.
A temática deverá ser refletida a partir da formação inicial e continuada dos
trabalhadores e posteriormente ser contemplada no planejamento pedagógico, lócus de reflexão
da prática. O Profissional da educação deverá planejar com foco nos direitos humanos. Enfim,
compreender como já sinalizado acima, em primeiro plano a educação como um direito
humano, enquanto direito-fim, e em segundo como um direito propiciador de outros direitos
humanos, enquanto direito-meio (NADER, 2018).

2. Escola como Lugar de Saber e Lugar de Direito

O fundamento da educação pressupõe o direito concedido aos indivíduos ao processo


de formação intelectual, o acesso ao conhecimento socialmente produzido, o letramento, a
conquista do saber. A cada período de desenvolvimento da humanidade a educação formal se
apresentou de diversos modos, conforme as condições historicamente determinadas. O que
houve de comum mesmo com o passar do tempo é que o processo educativo sempre está para
responder ao desenvolvimento das sociedades, ou seja, sem educação as sociedades ficariam
estáticas, desprovidas de desenvolvimento em todas a suas dimensões: econômicas, sociais,
artísticas, culturais, entre outras. A DHDH assegura no seu artigo XXVI que:

Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos
nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória.
A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução
superior, esta baseada no mérito (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS
DIREITOS HUMANOS, 1948).

Neste sentido, a evolução do processo democrático e consolidação do Estado


Democrático de Direito, com foco no desenvolvimento das nações, surge a necessidade de se
massificar a educação, isto significa que governos devem garantir o direito à educação a todos

6
os indivíduos. Para tanto, emerge a instituição escola. Como não poderia ser diferente, a escola
foi projetada de forma padronizada, igual, regular, desprovida de pluralidade. Conforme
assinala Silveira:

Anteriormente a Escola não atentava para as diversidades nela existentes


porque estava organizada de acordo com uma concepção de educação segundo
a qual os seres humanos eram considerados semelhantes e deveriam ser
tratados dessa maneira. Mais que isso, os/ as alunos/as eram visto/os como
adultos em miniatura e, em consequencia, deveriam ser educados com base
nesta perspectiva (SILVEIRA, 2014, p. 204).

Assim, emerge o desafio a ser enfrentado por todos os atores incluídos no espaço escolar:
lidar com a diversidade dos indivíduos, seres humanos, objetos da existência da escola.
A Lei 9.394/96, que estabelece as diretrizes para educação no Brasil, preconiza no seu
artigo 2º que a educação deve garantir o desenvolvimento pleno dos educandos, bem como o
exercício da cidadania. Dito de outra forma, prevê a formação cidadã ainda no âmbito da
educação básica. E no parágrafo 7º do Artigo 35-A: que: “Serão conjugados todos os esforços
objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o
regime de escolas de tempo integral”(LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO,
1996).
O lugar da educação que ora refletimos neste estudo: estabelecimento público municipal,
localizado em território urbano, atende a uma população de baixa renda, que vive em condições
precárias de sobrevivência e enfrenta com dificuldades o provimento de suas necessidades
básicas8.
A unidade escolar aqui analisada atende cerca de 600 educandos no nível de Educação
Básica, na modalidade de Educação Infantil e Ensino Fundamental I. A faixa etária abrange dos
4 aos 15 anos incompletos.

8 Apontamos como necessidades básicas não providas pela população atendida pela escola: alimentação adequada,
condições de moradia, trabalho formal e acesso a serviços como saúde, assistência, segurança, relação de vínculo
e pertencimento a uma comunidade.

7
De acordo como o decreto 6.253/2007 a jornada escolar para educação
integral será o período superior a sete horas diárias, que poderá ser
cumprido na escola ou em entidades da comunidade que ofereçam
atividades escolares. A organização das atividades compreende os
seguintes macrocampos: Acompanhamento Pedagógico; Educação
Ambiental; Esporte e Lazer; Direitos Humanos em Educação; Cultura
e Artes; Cultura Digital; Promoção da Saúde; Comunicação e uso de
Mídias; Investigação no Campo das Ciências da Natureza e Educação
Econômica. Cada campo de atuação deverá desenvolver atividades
relacionadas no horário do contraturno das atividades pedagógicas
curriculares (BRASIL, DECRETO 6.253/2007).

Para as crianças e adolescentes, estudantes que permanecem 10 horas diárias (das 7h às


17h) de segunda a sexta-feira; a escola em tempo integral não é lugar de passagem, mas significa
lugar de vivência e de convivência com o outro. A escola recebe a extensão da dinâmica
familiar, é lugar de reprodução da convivência familiar e comunitária. Deste modo, oferta para
além do ensino-aprendizagem. É lugar de provisão, alimentação, segurança, lazer, cuidado,
alento, sonho, inclusão, participação, respeito, encontro, encanto, desencanto9. Lugar de saber,
de saber direito.
A nossa aproximação com a temática dos direitos humanos e a intencionalidade de
inserção na prática educacional desvela o direito muito violado e, o pouco ou sequer conhecido,
quiçá garantido no âmbito da escola. O cenário já anunciado, permeado de contradições desafia
a efetivação de uma escola voltada para formação em e para os direitos humanos almejada no
Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, o qual recomenda:

A educação em direitos humanos deve ser um dos eixos fundamentais da


educação básica e permear o currículo, a formação inicial e continuada dos
profissionais da educação, o projeto político pedagógico da escola, os
materiais didático-pedagógicos, o modelo de gestão e a avaliação (PLANO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, 2007, p.32).

9
A diversidade de demandas imposta à escola, de modo mais intenso à escola em tempo integral impõe à política
de educação indiretamente a absorção de competências referentes a outras políticas (Assistência Social, Segurança
Alimentar, entre outras).

8
O cotidiano da escola revela que a temática dos direitos humanos além de estar inserida
no currículo formal ou Projeto Político Pedagógico (PPP) como recomenda o Plano, precisa ser
concebida enquanto proposta individual de cada profissional, ou seja, o profissional da
educação precisa ser inserido numa proposta de direitos humanos. De modo que, compreenda
esta proposta e a introduza na sua atuação, no seu currículo, no seu conteúdo. A temática por si
só, imposta na proposta pedagógica surgirá apenas como mais um conteúdo a ser abordado de
forma superficial.
No que se refere a educação básica o referido Plano preconiza dentre outras exigências,
“favorecer desde a infância a formação de sujeitos de direito e priorizar pessoas e grupos
excluídos, marginalizados e discriminados pela sociedade” (PLANO NACIONAL DE
EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, 2003, p.16).
A orientação que se coloca no texto do Plano se refere a concepção de sujeito de direitos,
conforme assinala Pequeno (2010, p. 160-161): “O sujeito e, por conseguinte, a pessoa humana
terão agora um lócus privilegiado de defesa, promoção e realização da sua dignidade: os direitos
humanos”. Outrossim, a legislação que contempla os direitos da criança e do adolescente - Lei
8.069/90 – segmento presente por excelência no espaço analisado, enfatiza a concepção de
sujeitos de direitos e incorpora o respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento
(ECA, 1990). Portanto, nossa suspeita inicial, vai-se confirmando no decorrer da observação, é
que a exigência apontada pelo Plano pouco se efetiva na escola.
De acordo com Zenaide (2001), há uma dimensão educativa na conformação dos
direitos humanos, portanto, não basta “afirmar são direitos “naturais”, que as pessoas
“nascem” livres e iguais, não significa dizer que a consciência dos direitos seja algo
espontâneo. O homem é um ser que deve ser ‘educado’ pela sociedade. A educação para a
cidadania constitui, portanto, uma das dimensões fundamentais para a efetivação dos
direitos, tanto na educação formal quanto na educação informal ou popular e nos meios de
comunicação” (ZENAIDE, 2001, p. 41).
A realidade da escola apresenta uma diversidade10 de contradições, o direito garantido ao
acesso esbarra com as situações das violação presentes na permanência 11. A efetivação do

10
De acordo com Silveira (2014:223): “...diversidade representa a multiplicidade da vida, a sua variedade, as suas
variantes...”
11
A referida Unidade de Ensino não cumpre os requisitos da legislação voltada para educação integral no que se
refere ao currículo, nem possui estrutura física adequada para desenvolver as atividades propostas.

9
direito humano à educação básica se dá no ato da garantia de acesso universal, há vaga na
escola. Entretanto é bastante tênue a linha entre efeitvação e violação. A inclusão dos indivíduos
na escola se entrelaça com outras formas de exclusão.
A diversidade se sobressai, indivíduos que se reconhecem iguais fora da escola, se
diversificam ao adentrar os muros dela, questões, de raça, etnia, orientação sexual, pessoa com
deficiência, crianças e adolescentes oriundas de famílias chefiadas por mulheres, entre outras
questões, surgem como elementos que favorecem a exclusão e com esta a desproteção, o
preconceito, enfim, formas variadas de discriminação e desrespeito, agregada a relações de
poder, as decisões predominantemente verticalizadas, sobrepõe a vontade dos adultos em
detrimento do direito das crianças e adolescentes.
As situações apontadas se configuram como faces da violência no espaço escolar.
Conforme assinala Tavares dos Santos (2009):

A violência, por sua vez, não encontra seu substrato ou fonte de legitimação
numa tipificação jurídica. Ela está disseminada no tecido social, tanto através
de formas mais visíveis, das marcas físicas deixadas nos corpos, quanto nas
suas dimensões veladas e simbólicas. A violência seria a relação social,
caracterizada pelo uso real ou virtual da força ou coerção que impede o
reconhecimento do outro – pessoa, classe gênero ou raça –, provocando algum
tipo de dano, configurando o oposto das possibilidades da sociedade
democrática (TAVARES DOS SANTOS, 2009, p.16).

Assim, a escola expressa seu caráter plural, trata-se de um lugar que propicia situações
permanentes de violação de direitos humanos, portanto, situações de violência; na mesma
medida que se configura como um lugar privilegiado para conhecimento, disseminação e
prática de direitos.

2.1 Educação em e para os Direitos Humanos: do que se trata na escola?

A educação em direitos humanos no espaço escolar remete a compreensão da educação


enquanto direito universal e inalienável, portanto, não se restringe a garantia de acesso ao
ensino. No nível de educação básica, a escola que propõe uma educação em direitos humanos
deve organizar sua proposta pedagógica adequada aos princípios do PNEDH. Dentre outros
princípios o PNEDH estabelece que:

10
a educação em direitos humanos deve estruturar-se na diversidade cultural e
ambiental, garantindo a cidadania, o acesso ao ensino, permanência e
conclusão, a equidade (étnico-racial, religiosa, cultural, territorial, físico-
individual, geracional, de gênero, de orientação sexual, de opção política, de
nacionalidade, dentre outras) e a qualidade da educação (PLANO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS, 2007, p. 32).

A direção dada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, documento norteador
da educação em direitos humanos define que os sujeitos devem ser considerados na sua
especificidade, ou seja, prescreve que: “A pessoa humana não foi mais considerada de maneira
abstrata e genérica, mas na sua especificidade e nas suas diferentes maneiras de ser: homem,
mulher, criança, idoso, doente, homossexual, pessoa com deficiência, etc” (TOSI &
FERREIRA, 2014, p. 39).
Quanto à população atendida pela escola - criança e adolescente - encontra proteção dos
seus direitos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece os direitos
fundamentais da infância e da adolescência, no tocante o direito à educação. A referida lei, fruto
da Convenção sobre os Direitos da Criança12, foi sancionada em 1990, porém, só seria incluída
na LDB, esta, sancionada em 1996, enquanto matéria obrigatória no currículo do Ensino
Fundamental, dezessete anos depois, por meio da Lei 11.525/2007, parágrafo 5º:

O currículo do ensino fundamental incluirá, obrigatoriamente, conteúdo que


trate dos direitos das crianças e dos adolescentes, tendo como diretriz a Lei
no 8.069, de 13 de julho de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do
Adolescente, observada a produção e distribuição de material didático
adequado” (LEI 11.525/2007).

A cronologia da legislação revela que a LDB já nasce atrasada em termos de matéria de


direitos humanos, no tocante ao tratamento a ser dado na política de educação à criança e ao
adolescente, quando não inclui o ECA, em vigência desde 1990. Tal negligência certamente
contribuiu com a continuidade de práticas de violação de direitos humanos no âmbito da escola.
No contexto observado, percebemos que a violação dos direitos humanos na escola se
sobrepõe a sua efetivação. Os atores envolvidos no processo educativo: educadores, educandos

12
A Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção sobre os Direitos da Criança – Carta Magna para
as crianças de todo o mundo – em 20 de novembro de 1989, e, no ano seguinte, o documento foi oficializado como
lei internacional. A Convenção sobre os Direitos da Criança é o instrumento de direitos humanos mais aceito na
história universal. Foi ratificado por 196 países (UNICEF, 1989).

11
e demais profissionais, dada uma prática apartada da força da lei, correspondem a uma cultura
de não direitos humanos que é reproduzida no cotidiano da escola.

3. Considerações Finais

Os apanhados da pesquisa advindos da apreensão do cotidiano escolar, na perspectiva dos


direitos humanos, a partir da observação da conduta dos sujeitos que compõem a comunidade
escolar, demonstraram a necessidade da ressignificação da escola atual, enquanto instituição
social reprodutora e disseminadora de conhecimento, engessada em normas e condutas que
visam a boa convivência de indivíduos vistos como iguais.
Um olhar centrado na diversidade significa despir-se dos uniformes do espaço escolar, ou
seja, nas formas unificadas de vestir, relacionar, comunicar, excluir, impedir, tolher, etc. A
observação não parte do que a escola propõe e por quem propõe, mas como e para quem ela
justifica sua existência.
Segundo Silveira (214, p. 210) “...não se pode perder de vista a perspectiva da importância
da Escola como instituição social, a mais importante agência de e para a socialização cultural
necessária à reprodução e à produção de uma sociedade”.
A reflexão da autora nos traz diversas questões em termos de que tipo de sociedade a
escola produz, ou reproduz. A construção de uma sociedade efetivamente cidadã pressupõe
processos educacionais pautados no conhecimento de direitos humanos e fundamentais;
pressupõe ainda a visibilidade pelos cidadãos acerca dos seus direitos e, por conseguinte da sua
inviolabilidade.
Conforme assinala Calissi (2014), o conteúdo dos direitos humanos se aprende por meio
da vivência, da ação, relacionado com a realidade. Ou seja, com o contexto, com as contradições
que permeiam o cotidiano escolar, espaço privilegiado de efetivação e violação de direitos, a
saber, direitos humanos.

Assim, a educação em direitos humanos deve abarcar questões


concernentes aos campos da educação formal, à escola, aos procedimentos
pedagógicos, às agendas e instrumentos que possibilitem uma ação
pedagógica conscientizadora e libertadora, voltada para o respeito e
valorização da diversidade, aos conceitos de sustentabilidade e de
formação da cidadania ativa (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM
DIREITOS HUMANOS, 2007, 31).

12
Não obstante, a escola deve ser pensada para os indivíduos que constituem o seu
cotidiano, de modo que agregue a diversidade ali presente, visando construir uma cultura de
direitos humanos no ato de educar, de conviver, de produzir e reproduzir conhecimento,
respeito, direito.
Ao tratar da esfera do cotidiano como possibilidade de análise, Heller (1989, p.18), define
como “Lugar de reprodução dos indivíduos...” Assim, visualizamos o cotidiano da escola como
espaço privilegiado para uma análise da inclusão ou exclusão de direitos humanos.
Para tanto, a educação precisa fazer uso de todos os recursos disponíveis em matéria de
apropriação de conteúdos que abordem a temática dos direitos humanos a partir do uso da força
da lei, a inclusão no currículo, a formação continuada de educadores, tendo em vista a proposta
do PNEDH(2007), em termos de orientar políticas de educação na construção de uma cultura
de direitos humanos. Ademais promover interação com instituições que trabalham a temática,
a sensibilidade da comunidade, dentre outras formas de ressignificação do papel de educar para
os direitos humanos, de educar para a cidadania.

Referências

BOBBIO, Norberto, 1909. “A era dos direitos”. Norberto Bobbio; tradução Carlos Nelson
Coutinho; apresentação de Celso Lafer. — Nova ed. — Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

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