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LEGÍTIMA DEFESA: ASPECTOS DO INSTITUTO NA ATIVIDADE POLICIAL1

Guilherme Augusto Pasa2


Rodrigo Bueno Gusso3

Resumo: O presente artigo busca estudar as principais características do instituto da legítima


defesa, com a análise de sua definição legal prevista no ordenamento jurídico brasileiro, bem
como conceitos ensinados por doutrinadores brasileiros a respeito do tema que é de extrema
importância, principalmente, para uma parcela da sociedade que está mais suscetível a sua
aplicação, qual seja os agentes de segurança pública. Assim, durante o trabalho, almeja-se um
esclarecimento a respeito de questões sensíveis a atuação policial, como a utilização da força
e, em última análise, da arma de fogo, traçando-se um paralelo entre questões de ordem
práticas que podem acometer a rotina de um policial e os limites previstos para a aplicação
legítima defesa.

Palavras-chave: Legítima Defesa. Atuação Policial. Direito Penal.

1 Introdução

Inicialmente, cabe mencionar que a atividade policial pode ser vista como um meio
essencial para a manutenção da ordem e da segurança pública dos cidadãos, direitos estes que
devem ser promovidos pelo Estado. Neste sentido, a importância dos órgãos encarregados de
tão nobre função indubitavelmente possui relevante apreço no Estado democrático.
Entretanto, em que pese o referido destaque das forças policias, algumas dificuldades
por parte de seus agentes, no cumprimento do seu dever, são percebidos. Entre estes
inconvenientes se encontram alguns conceitos (im)postos quase que sumariamente e de forma
generalizada, muitas vezes divulgados por meios de comunicação de massa, de que os

1
Artigo apresentado como requisito parcial para a conclusão do curso de Especialização em Gestão da
Segurança Pública e Investigação Criminal Aplicada da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina –
ACADEPOL-IES.
2
Agente de Polícia no estado de Santa Catarina. Graduado em Ciências Jurídicas pela UNIVILLE. E-mail:
guilherme-pasa@pc.sc.gov.br.
3
Delegado de Polícia no estado de Santa Catarina. Bacharel em Direito, especialista em Segurança Pública,
Mestre em Direito, Doutor em Sociologia. Pesquisador do Centro de Estudos em Segurança Pública e
Direitos Humanos (CESPDH) da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Pós-doutor em Democracia e
Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra, Portugal. Joinville, Santa Catarina, Brasil. E-mail:
gusso@gusso.com.br.
2

operadores da segurança pública não estariam autorizados a fazer uso da força ou que o
estariam fazendo de forma equivocada.
Neste sentido vale a lição de VIEIRA (2013):

A massa que, tecnicamente, não pode manter diálogo com a mídia absorve a notícia
que é difundida de forma instantânea ou rápida, e seus integrantes não têm tempo de
formar uma opinião individual. Por conseguinte, surgem opiniões coletivas e, muitas
vezes, estereotipadas. As imagens, as palavras ou, ainda, as fotografias transmitidas
pela mídia são sujeitas à interpretação. Se os indivíduos que compõem a massa não
possuem outras informações e carecem de outros canais, não formam juízo próprio
sobre a mensagem recebida, e tendem a seguir a ideia sugerida pelo meio de
comunicação. (VIEIRA, 2003, p.58)

Assim, frente a uma formação de opinião midiática que se utiliza do senso comum,
com o ponto de vista de pessoas não técnicas e muitas vezes apelativas, as quais se sentem
legitimadas a discutir e opinar em campos de temas complexos como os limites da legítima
defesa e o consequente uso da arma de fogo por agentes de segurança, dando muitas às vezes
ideias equivocadas e respostas incoerentes, maiores esclarecimentos sobre o tema são
necessários.
Nas palavras de Teixeira:

A atuação da polícia sempre ocupou espaço na mídia como alvo de


especulações das mais diversas possíveis, e na maioria das vezes tendo sua
imagem deturpada por mais que atue dentro da legalidade, e, mesmo agindo para
proteger bem jurídico próprio e/ou alheio, ou seja, mesmo agindo em legitima
defesa, surgirão críticas tendenciosas dos mais variados seguimentos da sociedade
que, por conseguinte acarretará um pré-julgamento da instituição policial, embasado
por um falacioso “clamor social”. Apesar de muitos acreditarem que a legítima
defesa só se enquadra na autodefesa do cidadão comum, sendo certo que também
pode ser aplicado aos agentes de segurança pública. (TEIXEIRA, 2014, p, 7).

Nesta linha, da mesma forma que a atuação das forças a serviço da segurança pública
precisa respeitar os direitos e liberdades fundamentais, consoante o Estado democrático de
direito, também devem promover a segurança de forma alinhada com o quadro normativo
vigente.
Cabe mencionar que para alcançar os fins impostos pelo ordenamento jurídico a
administração pública pode e deve priorizar o interesse público em detrimento do interesse
particular, de forma a impor ao administrado coerções, restringindo ou condicionando
direitos. Ausente esta prerrogativa a vida em sociedade restaria prejudicada.
Ora, dentro os instrumentos disponíveis pela administração pública para cumprir suas
finalidades se encontra o denominado poder de polícia, o qual nas palavras de Alexandrino e
3

Paulo é poder de que dispõe a administração pública para, na forma da lei, condicionar ou
restringir o uso de bens, o exercício de direitos e a prática de atividades privadas, visando
proteger os interesses gerais da coletividade. (ALEXANDRINO e PAULO, 2012, p. 237).
Conforme exposto, o direito e o interesse social devem prevalecer sobre direitos
individuais, sendo possível pelo Estado, para o fiel cumprimento de sua atividade
administrativa e a manutenção do bem estar coletivo, o emprego da força por órgãos
especializados.
Sendo assim, o estudo da legítima defesa e o uso da arma de fogo são fundamentais
para uma melhor compreensão a respeito do instituto sob o prisma da atuação policial, a fim
de buscar uma compreensão mais técnica a respeito do tema.

2 Desenvolvimento

2.1 Uso da Força

Trotski em seu tempo afirmou “Todo o Estado fundamenta-se na coação”. Apesar de


impactante, há que se reconhecer que o próprio conceito de Estado se fundamenta na ideia de
coação física, eis que se existissem apenas complexos sociais que desconhecessem tal meio
para a sua manutenção teríamos tão somente a concepção do que hoje se conhece como
anarquia (WEBER, 2004, p. 525).
Nas palavras de Weber:

Hoje, o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território -


este, o "território", faz parte da qualidade característica -, reclama para si (com
êxito) o monopólio da coação física legítima, pois o específico da atualidade é que a
todas as demais associações ou pessoas individuais somente se atribui o direito de
exercer coação física na medida em que o Estado o permite. Este é considerado a
única fonte do “direito” de exercer coação. (WEBER, 2004, p. 526).

Ressalta-se que, apesar de o Estado possuir, conforme Weber, o monopólio da


violência legítima, o qual, inclusive, é essencial para a sua existência, este não é ou não deve
ser o seu meio único, e sim o seu meio específico.
Assim sendo, com o objetivo de tornar possível a convivência pacífica entre os
cidadãos, o Estado (organização máxima dos indivíduos), detentor do monopólio do uso da
força/ violência, determina dentre uma comunidade quem pode fazer o seu uso (polícia),
buscando evitar, dessa forma, a autotutela (DANZMAN, 2016, p. 17) e um consequente
estado de barbárie.
4

Conforme Rivero numa sociedade organizada, a livre atividade dos particulares


tem necessariamente limites, e cabe à polícia impor limites disciplinando as relações, que
permitem à vida em sociedade (RIVERO, 1981, p. 478).
Sublinha-se que tal autorização para imposição de barreiras por meio da força,
concedida à polícia, deve também ser legítima, ou seja, exteriorizada pela vontade e aceitação
dos cidadãos. Schroder aduz que toda e qualquer ação legítima será a resultante consensual
do interesse coletivo. Para que o Estado use a força e tenha sua ação legitimada pelo povo,
este deve aprovar sua utilização (SHRODER, 2001, p. 55), relacionando a ideia de
legitimação da força com a vontade popular.
Assim sendo, a polícia é o órgão encarregado de regular as relações entre as
pessoas e para tanto, segundo Bayley se distingue não pelo uso da força, mas por possuir
autorização para usá-la (BAYLEY, 2002, p. 20).
Nesta esteira, a atividade policial, desenvolvida através de seus órgãos, almeja garantir
a segurança pública, preservando a ordem e a incolumidade das pessoas e do patrimônio,
prevenindo a criminalidade e contribuindo para assegurar o funcionamento das instituições
democráticas, o exercício de direitos, liberdades e garantias (ESCALINHA, 2014, pg. 27).
A leitura dos artigos 284 e 292 do Código Penal Brasileiro, bem como do art. 25 do
Código Penal Brasileiro, deixa claro que a legislação brasileira autoriza os agentes da
segurança pública a fazer o uso da força, descrevendo três situações: (1) no caso de resistência
a prisão, (2) no caso de tentativa de fuga do preso e por fim (3) em legítima defesa (ou outra
justificante) (LESSA, 2017, p.2).
É evidente que somente o caso prático irá determinar como e em que medida tal força
pode ser utilizada. Não é proporcional, por exemplo, que se dispare contra preso que tenta
fugir e não apresenta risco, questão esta, inclusive, já pacificada nos tribunais brasileiros.
Quanto ao uso da força, importa destacar que existem instrumentos capazes de
complementar disposição física das pessoas, como a arma de fogo, que se caracteriza como
um artefato destinado a causar danos a seres vivos e coisas, bem como a garantir uma maior
segurança ao operador policial e às pessoas que eventualmente possam ser vítimas de
agressões por parte de criminosos.
Ademais, os agentes responsáveis pela segurança pública estão mais expostos a
situações, inerentes à profissão, de conflitos que ocasionam não poucas às vezes agressões a
indivíduos que estão a praticar ilícitos.
Portanto, a utilização de um artefato letal pela polícia, apesar de extremo, se justifica
uma vez que é o instrumento mais eficaz para interromper uma conduta que esteja atentando
5

contra a integridade de uma pessoa. Ora, se a vida ou integridade física do policial ou de um


terceiro estiver em risco a arma de fogo se faz uma alternativa prioritária (LESSA, 2017, p.
2).
Em suma, a fim de proteger terceiros, a si mesmos e bens de ações praticadas por
pessoas contra bens jurídicos tutelados pelo direito, o uso da força, por parte de agentes da
segurança pública, é permitido. Tão permissão, entretanto, não é irrestrita e deve ser
empregada desde que para solucionar o conflito da melhor maneira possível, e sempre
pautada nos princípios da necessidade, legalidade, proporcionalidade e do interesse coletivo.
Entretanto, muitas vezes há uma barreira psicológica e prática por parte de quem faz o
uso da arma de fogo, eis que a decisão sobre usar tal instrumento faz com que o operador se
veja em uma linha tênue entre a vida ou a morte e a prisão ou a liberdade.
Neste sentido assevera Jorge Henrique Dionísio:

A este nível e de uma forma transversal aos temas até aqui aflorados, o problema
maior está nas dificuldades práticas, no terreno, em que quem decide tem de o fazer
de um modo tão racional e seguro como rápido e eficaz, adequando a sua conduta à
realidade com que se depara, sendo que nas mais dramáticas o agente enfrenta
elevados níveis de risco e stress, estando por diversas vezes em causa a sua
integridade física ou a sua vida. Estas situações extremas mas reais, obrigam o OPC
a optar pelo uso ou não uso do último recurso que tem disponível, sendo esta rápida
escolha, em regra tomada em frações de segundo, determinante para o resto da sua
vida. Falamos aqui do uso da arma de fogo, um instrumento auxiliar letal, mas que
lhe foi confiado pela sociedade como último recurso na defesa da sua segurança, de
outrem e de todos. (ESCALINHA, 2014, p. 12, negrito no original).

Neste diapasão, em meio às situações concretas em que as instituições de


segurança pública estão autorizadas a fazer uso da força e consequentemente, em última
análise, da arma de fogo, se encontra o instituto da legítima defesa, motivo pelo qual é
primordial o seu estudo a fim de entender os limites possíveis de atuação do policial, assim
como para tentar informar aos leitores sobre tão importante tema que corriqueiramente é
abordado de forma superficial.

2.2 Legítima Defesa

Com o objetivo de melhor entender o instituto, alguns conceitos jurídicos se


fazem necessários. A legítima defesa, portanto, faz parte de um conjunto de normas
permissivas, que em determinados casos e circunstâncias autorizam a realização de uma
conduta, em princípio, proibida (BITENCOURT, 2012, p. 394). Tais normas justificadoras
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têm como objetivo solucionar conflito entre o bem jurídico atacado e outros interesses que o
ordenamento jurídico também considera relevante.
Conforme a doutrina, a legítima defesa possui dois fundamentos, se apresentando
tanto como meio de proteger o bem jurídico de uma agressão injusta, como uma forma de
proteger o próprio ordenamento jurídico. Nesta linha Nucci citando Jescheck afirma que:

A legítima defesa tem dois ângulos distintos que trabalham conjuntamente: a) no


prisma jurídico-individual, é o direito que todo homem possui de defender seus bens
juridicamente tutelados. Deve ser exercida no contexto individual, não sendo cabível
invoca-la para a defesa de interesses coletivos, como a ordem pública ou o
ordenamento jurídico; b) no prisma jurídico-social, é justamente o preceito de que o
ordenamento jurídico não deve ceder ao injusto, daí porque a legítima defesa
manifesta-se somente quando for essencialmente necessária, devendo, cessar no
momento em que desaparecer o interesse de afirmação do direito ou, ainda, em caso
de manifesta desproporção entre os bens em conflito. (NUCCI, 2011, p. 266)

Assim, as normas justificadoras tornam lícita, impedindo, portanto, uma pena, a


prática de determinada conduta prevista inicialmente como típica (comportamento descrito
pelo legislador como proibido).
Cabe salientar que o instituto deve ser visto como uma conquista da civilização,
vez que representa a reação legítima contra o injusto. Nas palavras de Bitencourt:

O reconhecimento do Estado da sua natural impossibilidade de imediata solução de


todas as violações da ordem jurídica, e objetivando não constranger a natureza
humana a violentar-se numa postura de covarde resignação, permite,
excepcionalmente, a reação imediata a uma agressão injusta, desde que atual ou
iminente, que a dogmática jurídica denominou de legítima defesa. (BITENCOURT,
2012, p. 415).

Ora, conforme se observa, tal instituto representa uma reação quase que natural do
ser humano que pretende repelir a agressão ao seu bem jurídico tutelado (ou de terceiro) e
que, para tanto, se encontra autorizado a violar o bem jurídico do agressor. (BETTIOL, 1977,
P. 417). Trata-se de um direito de autodefesa inerente ao ser humano.

2.2.1 Pressupostos

Quanto a definição legal, o Código Penal Brasileiro em seu art. 25 assevera que:
Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele
injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
7

Com base em tal definição, verifica-se que são elementos da legítima defesa:
agressão injusta, atual ou iminente; direito (bem jurídico) próprio ou alheio; meios necessários
usados moderadamente; elemento subjetivo (BITENCOURT, p. 416).
Segundo Sanches, o próprio texto legal fixa os seguintes limites da legítima
defesa:

Agressão injusta – entende-se por agressão injusta a conduta humana contrária ao


Direito, atacando (imediata ou mediatamente) bens jurídicos de alguém, seja
mediante ação, seja mediante omissão, dolosa ou culposamente, independente da
consciência da ilicitude por parte do agressor. Assim, quem se defende de agressão
atual e injusta praticada por inimputável, age em legítima defesa.
A) Atual ou iminente – agressão atual é a presente. Iminente é a que está prestes a
ocorrer. Não se admite legítima defesa contra agressão passada (vingança) ou
futura (mera suposição).
B) Uso moderado dos meios necessários – por meio necessário entende-se o
menos lesivo dentre os meios à disposição do agredido no momento da
agressão
Encontrado o meio necessário, deverá ser ele utilizada de forma moderada (sem
excessos).
C) Proteção do direito próprio ou de outrem – admite-se a legítima defesa no
resguardo de qualquer bem jurídico próprio (legítima defesa própria) ou alheio
(legítima defesa de terceiro): vida, integridade corporal, patrimônio, honra etc.
D) Conhecimento da situação de fato justificante – deve o agente conhecer as
circunstâncias do fato justificante, demonstrando de que ter ciência de que
estava agindo encobertado por ela (elemento subjetivo). (SANCHES, 2012 p.
69-70)

Tais requisitos parecem simples e objetivos, entretanto, é de suma importância o


estudo individualizado destes com algumas ponderações sobre situações polêmicas e
particulares pertinentes no que se diz respeito à atividade policial.

2.2.1.1 Agressão

Verifica-se que uma defesa pressupõe sempre uma agressão, esta por sua vez é
definida como uma conduta humana que lesa ou põe em perigo um bem interesse
juridicamente tutelado (BITENCOURT, 2012, p. 416).
Entretanto, não basta que haja apenas agressão para a invocação da legítima
defesa, é necessário que a constrição seja ilícita (além de atual como se verá mais a frente).
Portanto, há que se admitir que, em uma situação hipotética, em que o policial
com base em uma ordem legal procede a prisão de uma pessoa, cerceando a sua liberdade de
ir e vir, estará praticando um agressão contra tal indivíduo. No entanto, em que pese tal
privação do direito de locomoção, esta agressão não poderá ser considerada ilícita, eis que
realizada de acordo com os ditames legais.
8

Por outro lado, caso um indivíduo seja preso de forma arbitrária e em


descompasso com a legalidade, entende-se que este estaria autorizado a agredir os policias
para tentar desvencilhar-se da prisão e alcançar a sua liberdade, uma vez que a agressão se
mostra ilícita. (GRECO, 2012, p. 337).
Outra questão que merece destaque é que não é necessário que a conduta seja
prevista como crime para que seja considerada injusta. Basta que a agressão seja um fato
ilícito (não autorizada pelo ordenamento jurídico em sentido amplo) (BITENCOURT, 2012.
P. 417).

2.2.1.2 Atualidade da Agressão

A doutrina pátria costuma afirmar que agressão atual é a que está acontecendo e a
iminente a que está prestes a acontecer. Em que pese uma aparente clareza de tais definições,
estas têm se mostrado consideravelmente simplistas para alguns casos de ordem práticas,
colocando em dúvida questões quanto ao limite temporal da legítima defesa e,
consequentemente, quais condutas estariam ou não abarcadas pela excludente de ilicitude aqui
estudada.
Sendo assim, tal pressuposto em especial (atualidade da agressão) necessita de
elevada atenção, sobretudo para os operadores da atividade policial, que lidam com o Direito
Penal diariamente e, portanto, precisam conhecer os limites da legítima defesa atinentes a sua
temporalidade. Nesse toada, definir a atualidade ou iminência de uma agressão de que o art.
25 do Código Penal se refere não é tarefa fácil, eis que os posicionamentos sobre a questão
não são pacíficos.
Neste ponto, se Jakobs, entende que o início da tentativa é o ponto determinante
para justificar a norma permissiva, para Schmidhauser, a realização de atos preparatórios já
seriam suficientes para justificar a legítima defesa (no que a doutrina costuma chamar de
legítima defesa antecipada ou preordenada) (NETO, 2018, p. 4), a qual, diga-se de passagem,
não é aceita pela jurisprudência brasileira.
Roxin, por outro lado, buscando uma solução menos extrema que os autores
acima mencionados, critica Jakobs, afirmando que comparar atualidade da agressão com o
início dos atos de execução, é arriscado, eis que, aguardar que uma conduta se aproxime de
sua consumação para que então esteja autorizado o limite temporal para a adoção de uma
reação, poderia ser ineficaz. O autor também se posiciona contrário a Schmidhauser, pois uma
agressão futura sequer é uma agressão, muito menos atual (NETO, 2018, p. 5).
9

Neste diapasão, merece destaque a posição de Greco ao afirmar que iminente é a


agressão que embora não esteja acontecendo, vai acontecer quase que de forma imediata,
sendo necessária uma relação de proximidade. Se a agressão é remota e futura não há legitima
defesa (GRECO, 2012, p.343).
A partir de tais conceitos merece destaque a ideia disseminada, muitas vezes pelos
meios de comunicação e ambientes públicos de debates, de que o policial deveria esperar o
agressor atirar primeiro para que então possa esboçar resposta.
O apego a referida lógica seria potencializar sobremaneira o risco de morte da
maioria dos policiais que se encontram em uma situação de iminência de agressão. Por
motivos óbvios, uma tomada de reação, com todas as circunstâncias de estresse de um
ambiente hostil, pode ser o período suficiente para que o policial possa ser alvejado e
eventualmente impossibilitado de apresentar resposta.
Nesta linha Leandro afirma que:

Após essas análises técnicas percebe-se o quão vulnerável está aquele que age em
legítima defesa, pois, invariavelmente, iniciará o seu processo de resposta
(percepção, análise e avaliação, elaboração de um plano e início de uma ação
motora) quando o agressor já executa a ação, a motricidade. (LEANDRO, 2016, p.
98).

Portanto, a referida narrativa não deve prosperar, uma vez que sua aplicação é
capaz de conduzir a morte o atirador ou uma terceira pessoa agredida injustamente.
(LEANDRO, 2016, p. 98). Ao contrário, como se verá mais a frente, o agente de segurança
pública deve se antecipar e sim surpreender o agressor a fim de diminuir os riscos de ser
atingido.
Exigir-se que o policial tenha que esperar que uma arma lhe seja apontada, ou até
mesmo que seja alvejado, para então estar autorizado a esboçar uma reação, não parece a
posição mais acertada. Há que se entender que a reação pode ocorrer em momento anterior,
desde que tal risco não seja remoto.
Outra questão que merece ser trazida à baila, a qual ganhou notável destaque nos
noticiários, é a discussão sobre a possibilidade do tiro de comprometimento, capaz de
neutralizar o alvo, gerando, em regra a sua morte, por atiradores de elite contra criminosos
que ostentam fuzis.
Tal questão passou a ser calorosamente discutida após Wilson Witzel, a época
candidato a governador do Rio de Janeiro, ter afirmado durante a sua campanha que buscaria
a medida de autorização para abate de criminosos que estivessem portando armas de uso
10

exclusivo das forças armadas, como fuzis, nos termos do que determina o art. 25 do Código
Penal, eis que considerado risco iminente4.
Ora, quanto ao tema, com base nos conceitos estudados, imagine-se a seguinte
hipótese: Policias estão em uma incursão numa área de risco onde corriqueiramente há
confronto armado e um atirador tripulante do helicóptero, que presta apoio aos policias em
terra, visualiza um integrante de uma facção criminosa, em posição de tiro, aguardando a
chegada dos policias que estão a fazer a incursão a pé. Neste caso hipotético, diante de uma
situação patente de hostilidade, o tiro de comprometimento, com a consequente neutralização
da ameaça, parece em consonância com os preceitos apresentados. (NETO, 2018, p. 7).
Por fim, quanto a questão temporal da legítima defesa, conclui-se que exigir que
uma pessoa visualizando uma agressão pendente seja obrigada a aguardar uma manifestação
hostil para então reagir seria infactível, uma vez que esta espera poderia ser fatal (NUCCI,
2011, p. 268). Conforme Bitencourt “a legítima defesa pode ser preventiva ante uma agressão
injusta iminente, estando orientada, prioritariamente, a impedir o início da ofensa”
(BITENCOURT, 2012, p. 418).

2.2.1.3 Meios necessários para a reação

Outro pressuposto que também gera acaloradas discussões é a utilização dos


meios necessários para a reação. Este também possui extrema importância para os servidores
responsáveis pela segurança pública, diante das dificuldades práticas de sua mensuração
aliado ao fato de que em termos gerais o único instrumento que o policial detém para se
defender é a arma de fogo.
Conforme afirmado em oportunidade anterior, o operador policial se encontra
diuturnamente em situações de conflitos, haja vista que uma parcela dos cidadãos, pelos mais
variados motivos, não respeita regras mínimas de convívio social e em alguns casos vem a
praticar crimes ferindo bens jurídicos protegidos pelo direito, como exemplo a vida ou
integridade física do próprio policial ou de terceiros.
Ocorre que, apesar dos sentimentos, instintos e emoções percebidas pelo agente de
segurança pública nestes momentos de conflito, os seus atos e repostas, com o uso da força e

4
Informação constante no plano de governo do candidato eleito. Disponível em
http://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/RJ/2022802018/190000612301/proposta_15342
18285632.pdf . Acesso em: 19 de nov. 2018.
11

muitas vezes da arma de fogo, devem sempre ser balizados pelos limites da proporcionalidade
(necessidade e adequação).
É notório que na atividade policial os operadores da segurança pública devem
fazer uma análise prévia do caso concreto, dando sempre que possível uma abordagem menos
prejudicial à integridade física do suspeito, aumentando a potencialidade da força de forma
proporcional a ameaça ou resistência do agressor, no chamado uso diferenciado da força.
A atuação deve ser proporcional, não sendo admitidos abusos por parte do policial
que extrapola na intensidade ou do meio utilizado. Ocorre que, conforme apontamento
anterior, por vezes o único instrumento disponível pelo policial é a arma de fogo, motivo pelo
qual, a depender do caso concreto, mesmo havendo agressão por pessoa que não porta arma
de fogo, o agente estaria autorizado a utilizar tal instrumento.
Tratando-se de seres humanos, tais limites estabelecidos pelo direito não podem
seguir uma adequação perfeita, frente as dificuldades anteriormente elencadas. Afinal de
contas o operador policial também é humano e o calor do momento gera maiores dificuldades
de avaliação.
Neste diapasão:

“não se exige uma adequação perfeita, milimetrada, entre ataque e defesa, para se
estabelecer a necessidade dos meios e a moderação no seu uso. Reconhece-se a
dificuldade valorativa de quem se encontra emocionalmente envolvido em um
conflito no qual é vítima de ataque injusto” (BITENCOURT, 2012, p. 419)

Feita esta breve análise, cabe definir como necessários os meios eficazes e
suficientes para repelir a agressão gerando os menores danos possíveis a quem ataca (NUCCI,
2011, p. 273). Contudo, se o único meio disponível for superior aos meios do agressor poderá
este ser considerado necessário, ou seja, não se exige a equiparação absoluta de armas.
Sendo assim, se em situação hipotética, a depender do caso concreto, o policial
estiver armado e o agressor, desarmado, e, ainda, sendo a arma de fogo o único meio de
repelir a agressão (ainda que com o potencial de gerar maiores danos) ainda assim poderá o
instrumento utilizado pelo policial ser considerado necessário. Afinal, conforme Nucci: O
direito não pode ceder ao injusto, seja a que pretexto for (NUCCI, 2011, p. 274).
No mesmo sentido cabe a afirmação de Bento de Faria reproduzida pelo penalista
Nucci:

O homem que é subitamente agredido não pode, na perturbação e na impetuosidade


de sua defesa, proceder a operação de mediar e apreciar com sangue frio e com
exatidão se há algum outro recurso para o qual possa apelar, que não o de infligir um
12

mal ao seu agressor; se há algum meio menos violento a empregar na defesa, se o


mal que inflige excede ou não o que seria necessário à mesma defesa. É preciso
considerar os fatos como eles ordinariamente se apresentam, e reconhecer às
fraquezas inerentes à natureza humana, não se exigindo dela o que ela não pode dar.
(NUCCI, 2011, p. 258)

Não há dúvida portando da necessidade de se levar em consideração o caso


concreto, assim como a natureza humana que em situações de risco e estresse pode ter o seu
discernimento abalado dificultando uma medição apertada entre o meio utilizado à repulsa e o
ataque sofrido.

Outra questão que levanta dúvidas é a possibilidade, ou proporcionalidade da


utilização de arma de fogo contra agente portando armas brancas, como facas. Neste sentido é
preciso sublinhar que tais instrumentos possuem potencial lesivo tão expressivo quanto de
uma arma de fogo.
Nas palavras de Leandro, a maioria dos combates ocorre em curtas distâncias,
sendo que 70% se dão em até 3,4 metros, indicando que a maioria dos confrontos armados
acontece em uma distância suficiente para a utilização de lâminas (LEANDRO, 2016, p. 79)
Neste diapasão, estudo realizado nos Estados Unidos chegou a chamada regra dos
21 pés (6,4 metros). Leandro, citando MacDaniel, afirma:

Um agressor armado com uma faca pode percorrer uma distância de pelo menos 21
pés, talvez mais, antes de uma pessoa armado com uma arma de fogo poder reagir,
sacar, disparar. Verifica-se essa possibilidade para uma pessoa comum armada com
uma faca, não há necessidade de ser lutador marcial treinado. Portanto, praticamente
qualquer pessoa segurando uma faca dentro de 21 pés representa uma ameaça
potencialmente letal (...) muitos comentaristas da mídia sabem pouco ou nada sobre
armas e táticas. Armas de fogo não são máquinas mágicas de morte. (LEANDRO,
2016, p. 80).

Ora, diante de tais estudos e constatações, assim como do potencial lesivo de uma
lâmina, salta aos olhos a viabilidade da utilização de arma de fogo contra agressor portando
facas.

2.2.1.4 Moderação da reação e Resposta Não Convencional

A doutrina brasileira convencional costuma analisar a moderação como a intensidade


e a forma do emprego dos meios utilizados para repelir a agressão.
Assis Toledo afirma que:
13

O requisito da moderação exige que aquele que se defende não permite que a sua
reação cresça em intensidade além do razoavelmente exigido pelas circunstâncias
para fazer cessar a agressão. Se, no primeiro golpe, o agredido prostra o agressor,
tornando-o inofensivo, não pode seguir na reação até mata-lo (TOLEDO, 1994, p.
204)

Entretanto, entende-se que a vinculação da moderação a um número limitado de


golpes ou, no caso da arma de fogo, a determinada quantidade de disparos ou, ainda, locais
específicos no corpo humano do agressor que o agredido estaria autorizado a alvejar, não
merece prosperar.
Dessa forma, duas crenças vinculadas a uma interpretação errônea, propagada por
supostos especialistas, a respeito do requisito da moderação na legítima defesa merecem ser
revistos. Uma delas é a ideia de que em determinado caso o agente de segurança púbica, por
exemplo, deveriam ter disparado no braço, perna ou mão, a fim de evitar a morte do agressor.
A outra, a crença de que dois disparos (teoria do “double tap”) seriam suficientes.
Ora, é evidente que se o policial se viu em uma situação em que entende ser
necessário um disparo de arma de fogo é porque em tese há uma agressão ocorrendo ou na
iminência de acontecer. Neste sentido, conforme exaustivamente mencionado, uma reação por
parte do agente agredido leva por um processo de tomada de decisão que gera diversas
consequências, entre elas elevados níveis de estresse. Em tal cenário, por mais treinado que
seja o agente da segurança pública, não é plausível exigir deste um engajamento do alvo com
perfeita precisão.
Dessa forma Leandro, citando Hontz afirma:

Considerando-se que os policiais atiram em um alvo que estava se movendo, na


distância de apenas 5 metros de distância, em ambiente sem alterações, sem estresse
(não-fatais), eles ainda perderam um em cada quatro disparos (25%), mesmo
atirando em grandes alvos, (...). Essas taxas de acerto só piorarão à medida que o
nível de estresse aumentar, nas distâncias sendo mais longas, e quando o alvo se
mover. Mesmo os indivíduos com especialização em armas de fogo não atingiram
aquilo que estavam atirando todas as vezes. Eles também tiveram um aumento
substancial no erro quando partiram dos grandes para os pequenos. (LEANDRO,
2016, p. 72)

O referido método científico, que tinha como intenção demonstrar a habilidade


dos policias com armas de fogo, confirma a dificuldade técnica de acertar pequenos alvos, tais
como pernas, braços e mãos. Tal dificuldade, se convertida em erro num eventual caso
concreto, pode significar a morte do policial.
Leandro destaca que o tempo para engajamento do alvo e a precisão do disparo
(considerando que quanto menor o alvo menor o índice de acerto) poderá significar a morte
14

ou a sobrevivência em um confronto armado (LEANDRO, 2016, p. 74), motivo pelo qual não
é plausível exigir-se que o operador atire em alvos errantes colocando em risco a sua
integridade física.
Outra teoria que ganhou notável força durante um período foi a técnica do Double
Tap, em que foi difundida a ideia por clubes de tiros e academias de polícia de que dois
disparo seriam suficientes, diante do poder de parada e a junção das cavidades temporárias
formadas por tais disparos. (LEANDRO, 2016, p. 59).
O emprego desta lógica vale ser reavaliada, eis que não há como determinar a
incapacitação do agressor com base em um número pré-determinado de disparos. Fatores
como pré-disposição ao combate do agressor, locais em que tais disparos atingiram, entre
outras questões, também devem ser levados em conta.
Em resposta a alguns mitos difundidos, quebrando paradigmas impostos, como
exemplo os anteriormente elencados, surge a teoria da resposta não convencional, que possui
como norte a ideia de que o agredido deve efetuar quantos disparos forem necessários para
cessar a agressão. Enquanto houver ataque ou possibilidade deste a resistência não deve
cessar, o agredido não deve “baixar a guarda” (LEANDRO, 2016 p. 63).
Cabe destacar que mesmo uma pessoa atingida por um disparo de arma de fogo,
ainda que fatalmente, ainda é passível de reação, na chamada sobrevida. Neste diapasão
Leandro citando Oliveira:

(...) não há nenhuma garantia de que um ou dois disparos sejam suficientes para
incapacitar um criminoso. Cada indivíduo responderá de modo particular durante um
confronto armado. Alguns irão correr cair ao ouvirem o disparo, outros serão
incapacitados com um ou dois disparos, e outro simplesmente resistirão mais tempo,
não importando a quantidade de ferimentos. Assim, o único indicativo de que a
incapacitação talvez tenha tido efeito ocorrerá com a queda do criminoso no chão. O
problema está no bandido que consegue resistir aos ferimentos, o que implica a
necessidade de continuar atirando. Infelizmente, a medida que a quantidade de
disparos aumenta, cresce as chances de morte. Então, a morte do criminoso pode até
ocorrer, mas por azar. O fato é que pode ser necessário disparar mais vezes porque o
agressor simplesmente pode não cair incapacitado imediatamente. (LEANDRO,
2016, p. 66).

Portanto, não há que se subestimar a capacidade de enfrentamento daquele que


está disposto a combater e exigir que o agente da segurança pública efetue uma quantidade
limitada de disparos ou tente acertar partes não fatais do corpo do agressor e de difícil
engajamento.
Sublinha-se, dessa forma, que tais questões ventiladas pela teoria não
convencional, de que os disparos somente devem parar quando a ameaça não apresentar mais
15

risco para o policial ou terceiro, devem ser levadas em consideração no que diz respeito ao
pressuposto da moderação da reação, sob pena de colocar em grave risco a vida e a
integridade física daquele que está em situação de defesa.

2.2.1.5 Elemento subjetivo: Animus defedendi

Além dos critérios objetivos expostos anteriormente, os quais estão elencados no


art. 25 do Código Penal, outro requisito essencial para a configuração da legítima defesa é a
necessidade de que a pessoa que esteja a invocar o respectivo instituto saiba da ação agressiva
e tenha o propósito de defender-se. Nas palavras de Bitencourt a legítima defesa deve ser
objetivamente necessária e subjetivamente orientada pela vontade de defender-se (Bitencourt,
2012, p. 420), motivo pelo qual a vontade do agente é essencial para a configuração da
justificante.
Exemplificando, Greco traz o seguinte cenário:

Suponhamos que agindo com animus necandi (vontade de matar alguém – dolo de
matar), Alberto se dirija à residência de Pedro, seu inimigo, e atire nele no exato
momento em que este brandia um punhal a fim de causar a morte de João, que se
encontrava já prostrado e não tinha visto Alberto. Se tirássemos uma fotografia dos
fatos sem analisar o elemento subjetivo de Alberto, diríamos que ele teria agido em
situação de legítima defesa de terceiro, haja vista que, ao atirar em Pedro, acabou
por salvar a vida de João.
Contudo, como Alberto não tinha conhecimento de que agia nessa condição, ou seja,
não sabia que atuava na defesa de terceira pessoa, devera responder pelo crime de
homicídio, pois sua vontade não se dirigia a salvar alguém, mas sim, a causar a
morte de seu desafeto, e, não, a defender terceira pessoa. (GRECO, 2012, p. 345).

Resta claro, por fim, que a depender das circunstâncias, motivos e também do
elemento subjetivo, ou seja, da vontade do agente, um fato como matar alguém pode receber
definição jurídica variada, como exemplo, homicídio ou uma causa de justificação.

2.2.2 Excesso na Legítima Defesa e Moderação da Reação

A legislação penal brasileira prevê que quando o agente dolosa ou culposamente


exceder-se dos limites da legítima defesa responderá pelo excesso. Assim, por exemplo, o
agente que se encontre inicialmente em legítima defesa e pelos meios que emprega ou pela
imoderação do seu uso, ou ainda pela intensidade do emprego, acabe por ultrapassar os
limites do estritamente legal, poderá ser responsabilizado criminalmente.
16

Sobre o excesso punível, a título doloso ou culposo, Bitencourt afirma que


decorre do exercício imoderado ou descuidado de determinado direito ou dever, que acaba
produzindo resultado mais grave do que o razoavelmente suportável, e por isso mesmo, nas
circunstâncias, não permitido. (Bitencourt, 2012, p. 427).
Sublinha-se que, no tocante ao uso da arma de fogo e uma eventual interpretação
sobre a imoderação do seu uso, estatísticas indicam que, em ferimentos decorrentes destes
instrumentos, 50% das pessoas atingidas sobreviveram, sendo que mesmo com grande
destruição do tecido não há garantias científicas de que o agressor irá cessar a agressão
(MORA, 2016, p. 57).
Nota-se, portanto, uma necessidade de adequação da doutrina da “Resposta Não
Convencional”, a qual visa preservar a vida daquele que está sendo agredido injustamente e
para tanto leciona que devem ser realizados quantos disparos forem necessários para
incapacitar o agressor e cessar o ataque injusto, com a previsão legal do excesso punível.
Conforme explanado em oportunidade anterior, exigir-se que haja uma quantidade
limitada de disparos ou que estes ocorram em partes menos letais do corpo humano, sob pena
de responsabilização criminal do operador policial por excesso na legítima defesa, pode se
mostrar temerário.

2.3 Treinamento Policial: Questão de Sobrevivência

Ante todo o exposto, é notória a responsabilidade vivenciada pelos agentes de


segurança pública. Da mesma forma que os policias devem proteger o cidadão fazendo o uso
da força na adequada medida (com eficiência – sem omissões ou excessos), sob pena de
responsabilização criminal, também precisam se preocupar com a sua própria integridade
física.
No Brasil, em razão dos elevados quadros de violência, por fatores diversos, as
experiências de combate vivenciadas por policias são frequentes, tanto durante o seu horário
de trabalho quanto em sua folga. No ano de 2017, por exemplo, foram 385 policias mortos no
Brasil. No primeiro trimestre do presente ano o número de policiais mortos aumentou 88%5.
Tais índices levam o Brasil a ser um dos países onde mais morrem policiais no mundo,
superando, inclusive, nações que estão em guerra declarada.

5
https://arte.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/05/13/letalidade-policial/
17

O assustador número de baixas de agentes de segurança pública ocasionam


irremediáveis prejuízos às instituições policiais, aos policias e suas famílias, e à sociedade.
Nesta linha Campos afirma:

A atividade policial sem dúvida leva o profissional que abraça tamanho sacerdócio a
se inserir em um grupo de risco contra sua própria segurança. A compreensão deste
paradoxo conduz a um dos instrumentos de vital importância para o exercício da
profissão: para adquirir capacitação, confiança e segurança em sua atuação é
necessário que o profissional de Segurança Pública aja pro-ativamente, se
preparando, técnica e psicologicamente, pois pode se envolver tanto em ocorrências
cotidianamente consideradas comuns, quanto em situações de extrema necessidade.
Ao mesmo tempo, a instituição e a sociedade esperam uma tomada de decisão
equilibrada e uma ação eficiente, podendo ainda, o policial, como qualquer cidadão,
ser vítima de violência em momento de folga. (CAMPOS, 2009, p. 33)

Frente a este quadro, o operador policial precisa estar atualizado e confiante para lidar
com as mais adversas condições, entre elas as de confronto, motivo pelo qual o treinamento é
uma questão de sobrevivência.
Ademais, o policial, apesar de suas funções, não deixa de ser homem, com limitações
naturais e portador de necessidades inerentes a qualquer ser humano como à dignidade e o
amparo do Estado diante de suas necessidades para o fiel cumprimento do exercício de sua
profissão. (CAMPOS, 2009, p. 30).
Ocorre que algumas dificuldades para que haja o devido treinamento são percebidas,
tais como: efetivo insuficiente e sobrecarregado, dificultando o remanejamento para a
instrução; falta de investimento em armamento e munição para a realização de treinamento; e
principalmente a falta de uma reflexão sobre o fato de que a ausência de investimento no
policial pode comprometer a sua sobrevivência (CAMPOS, 2009 p. 33).
Sobre o assunto Pinc afirma:

Segundo Goldstein (1976), o treinamento policial, ou seja, o processo de atualização


e aperfeiçoamento dos conhecimentos referentes às práticas policiais é percebido
pelos departamentos de polícia como um luxo. Tal investimento só será realizado se
o tempo, os recursos e a equipe permitirem, pois ainda não são considerados
indispensáveis para um trabalho complexo e tão sério. (PINC, 2009, p. 42).

Em que pese tais adversidades, frente ao aumento da criminalidade e enfrentamentos


envolvendo policias, os quais têm ocasionado elevadas baixas, o investimento no homem
precisa ser elencado como prioridade.
Em sua atuação o agente de segurança pública para garantir o sucesso de suas ações,
assegurando o resultado almejado, deve agir com rapidez e surpresa. De acordo com
18

Fagundes, rapidez é a velocidade de processamento da ação policial, a qual contribui para a


surpresa. Surpresa, por sua vez, é agir sem ser percebido, evitando que o agressor possa
antecipar as ações policias. (FAGUNDES, 2012, p.3). Para alcançar tais fundamentos,
exaustivos treinos são essenciais.
Ademais, o agente de segurança pública deve ter equipamentos de qualidade a sua
disposição, como armamentos, munições, coletes balísticos, e, ainda, se possível, armas
menos letais.
Outra questão relevante, que acaba sendo esquecida por diversas instituições policiais,
é a preparação continuada voltada à habilitação policial. Os policiais precisam ser estimulados
ao treinamento e, ainda, atualizados e capacitados com novas técnicas que possam auxiliá-lo
na fiel execução do seu trabalho, garantindo segurança e qualidade.
Em suma o operador de segurança pública deve ser um especialista, eis que, diante da
peculiaridade de sua atividade, os erros podem ser fatais. Não se espera do operador excesso
de confiança, nem tampouco medo e falta de segurança, mas sim uma ação calcada no
profissionalismo.
Há que se entender que a tomada de reações imediatas em situações complexas, sob o
efeito de estresse, exige do policial uma capacitação diferenciada. As dificuldades de
investimento na qualificação do agente de segurança pública devem ser superadas, uma vez
que o preparo é único instrumento que pode garantir a sobrevivência dos policiais e a fiel
execução de suas funções dentro dos limites legais.

3 Considerações Finais

É certo que no cumprimento das atividades policiais, os direito e liberdades dos


cidadãos poderão ser limitados mediante o uso da força, motivo pelo qual é essencial que este
agente esteja autorizado fazer uso desta em situações específicas. Dentre os meios autorizados
para que o agente de segurança pública cumpra fielmente com os seus deveres está a arma de
fogo, instrumento este capaz de ocasionar a morte.
Assim sendo, para o correto emprego de uma medida extrema de força, qual seja,
a utilização da arma de fogo, os parâmetros para o seu uso devem estar claros e definidos, a
fim de tornar a ação policial técnica e eficaz.
Questões de máxima importância para a configuração do instituto, como exemplo
atualidade da agressão, meios necessários e moderação do seu uso, precisam ser
exaustivamente debatidos pela doutrina, sob pena de perder espaço para o senso comum
19

teórico. Nas palavras de Nunes “é meridiano reconhecer a frivolidade das idéias do senso
comum, cujo pensamento emerge pela adoção de soluções simplistas, decorrentes do terror
midiático quotidianamente presente na televisão de todo o país” (NUNES, 2010 p. 8)
O estudo da legítima defesa e os seus aspectos são de inegável importância para o
amadurecimento da discussão no âmbito da atividade policial. A dogmática e a realidade
fática precisam caminhar juntas, evitando, assim, o esvaziamento dos institutos jurídicos ou a
sua aplicação de forma obtusa.
Os agentes de segurança pública precisam estar preparados no sentido de
compreender os limites de um atributo inerente a sua profissão, qual seja o uso da força, que é
legítimo desde que corretamente empregado.
Destaca-se, por fim, a importância da capacitação policial, com qualificação e
investimentos técnicos capazes de auxiliar as força da segurança pública no cumprimento de
sua atividade, buscando-se a preservação da vida tanto do policial quanto daquele que
depende da ação deste profissional.

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Abstract: The present article seeks to study the main characteristics of the institute of self
defense, with the analysis of its legal definition provided in the legal system, as well as
concepts taught by Brazilian doctrinators on the subject that is of extreme importance, mainly
for a portion of society which is more susceptible to its application, such as public security
agents. Thus, during the work, a clarification is sought on issues sensitive to police action,
such as the use of force and, ultimately, the firearm, drawing a parallel between practical
issues that can affect the routine of a police officer and the limits laid down for the application
of legitimate defense.

Keywords: Self-defense. Police Action. Criminal Law.

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